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INTRODUÇÃO À

PSICOLOGIA
Professor(a) Ma. Emanoella dos Santos Ruffo
REITOR Prof. Ms. Gilmar de Oliveira
DIRETOR DE ENSINO PRESENCIAL Prof. Ms. Daniel de Lima
DIRETORA DE ENSINO EAD Prof. Dra. Giani Andrea Linde Colauto
DIRETOR FINANCEIRO EAD Prof. Eduardo Luiz Campano Santini
DIRETOR ADMINISTRATIVO Guilherme Esquivel
SECRETÁRIO ACADÊMICO Tiago Pereira da Silva
COORDENAÇÃO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO Prof. Dr. Hudson Sérgio de Souza
COORDENAÇÃO ADJUNTA DE ENSINO Prof. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araújo
COORDENAÇÃO ADJUNTA DE PESQUISA Prof. Ms. Luciana Moraes
COORDENAÇÃO ADJUNTA DE EXTENSÃO Prof. Ms. Jeferson de Souza Sá
COORDENAÇÃO DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Prof. Me. Jorge Luiz Garcia Van Dal
COORDENAÇÃO DOS CURSOS - ÁREAS DE GESTÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS Prof. Dra. Ariane Maria Machado de Oliveira
COORDENAÇÃO DOS CURSOS - ÁREAS DE T.I E ENGENHARIAS Prof. Me. Arthur Rosinski do Nascimento
COORDENAÇÃO DOS CURSOS - ÁREAS DE SAÚDE E LICENCIATURAS Prof. Dra. Katiúscia Kelli Montanari Coelho
COORDENAÇÃO DO DEPTO. DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS Luiz Fernando Freitas
REVISÃO ORTOGRÁFICA E NORMATIVA Beatriz Longen Rohling
Carolayne Beatriz da Silva Cavalcante
Caroline da Silva Marques
Eduardo Alves de Oliveira
Jéssica Eugênio Azevedo
Marcelino Fernando Rodrigues Santos
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Hugo Batalhoti Morangueira
Bruna de Lima Ramos
Vitor Amaral Poltronieri
ESTÚDIO, PRODUÇÃO E EDIÇÃO André Oliveira Vaz
DE VÍDEO Carlos Firmino de Oliveira
Carlos Henrique Moraes dos Anjos
Kauê Berto
Pedro Vinícius de Lima Machado
Thassiane da Silva Jacinto

FICHA CATALOGRÁFICA

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

R925i Ruffo, Emanoella dos Santos


Introdução à psicologia / Emanoella dos Santos Ruffo.
Paranavaí: EduFatecie, 2023.
74 p.: il. Color.

1. Psicologia. 2. Psicologia - Metodologia. 3. Psicologia e


Religião. I. Centro Universitário UniFatecie. II. Núcleo de
Educação a Distância. III. Título.
CDD : 23 ed. 150
Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577

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de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais.
AUTOR
Professor(a) Ma. Emanoella dos Santos Ruffo

• Mestra em Psicologia pela UEM (Universidade Estadual do Paraná).

• Especialista em Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde

• Professora Formadora EAD - UniFatecie.

• Docente do curso de Psicologia - UniFatecie.

Possui experiência em psicologia clínica com atendimentos individuais e em grupo,


bem como acompanhamento multiprofissional de casos na rede pública de saúde mental.

CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/0593518126312525

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APRESENTAÇÃO DO MATERIAL
Seja muito bem-vindo (a)!

Prezado (a) aluno (a), aqui iniciamos uma jornada para ampliar seu conhecimento,
mergulhando no universo da Psicologia a fim de aprender um pouco sobre esta disciplina,
dedicada a compreender melhor o ser humano em diversas dimensões. Nas páginas a
seguir, iremos conversar sobre a origem desta área do saber e sobre alguns de seus per-
sonagens, conceitos centrais e sua aplicação.
Na unidade I iremos conhecer a história da Psicologia, que se inicia nos questio-
namentos sobre a experiência humana feitos na Antiguidade; e evolui em conjunto com os
acontecimentos históricos, sofrendo influência da filosofia e das ciências naturais. Apren-
deremos mais sobre a diferença entre o conhecimento científico e o senso comum, e as
correntes de pensamento que levaram a necessidade de estabelecer esta nova disciplina
dedicada a analisar o sujeito.
Já na unidade II vamos conhecer as abordagens mais conhecidas da Psicologia
no contexto brasileiro: A Análise do Comportamento, também chamada de Behaviorismo,
a Psicanálise, o Humanismo e a abordagem Cognitivo Comportamental. Cada uma destas
abordagens tem uma maneira particular de entender o ser humano e suas ferramentas
específicas para resolver os problemas que se apresentam.
Em seguida, a unidade III apresentará alguns conceitos básicos da psicologia, tais
como a noção de desenvolvimento, a influência da genética e do ambiente na formação do
sujeito. E por fim, a unidade IV irá tratar de temas específicos da psicologia associada à re-
ligião, como as experiências psíquicas e as maneiras de abordar indivíduos em sofrimento
intenso, falando um pouco da atuação prática do psicólogo.
Espero que esta jornada pelo conhecimento possa lhe ser útil pessoal e profissio-
nalmente, e que os conteúdos desta apostila possam estimulá-lo para continuar trilhando
os caminhos da leitura e busca por novos saberes!

Bons estudos!

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SUMÁRIO

UNIDADE 1
O Que é Psicologia?

UNIDADE 2
Teorias e Sistemas em Psicologia

UNIDADE 3
Como Pensa o Homem?

UNIDADE 4
Psicologia e Religião: Intersecções

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UNIDADE

O QUE É PSICOLOGIA?

Professor(a) Ma. Emanoella dos Santos Ruffo

Plano de Estudos
• Conhecendo o homem: ciência e senso comum;
• Fundamentos históricos e epistemológicos da Psicologia;
• A Psicologia científica.

Objetivos da Aprendizagem
• Diferenciar o conhecimento científico do senso comum;
• Apresentar as correntes de pensamento que influenciaram
o surgimento da Psicologia científica;
• Conhecer as principais escolas do pensamento psicológico
(Estruturalismo, Funcionalismo e Associacionismo) em sua
origem.
INTRODUÇÃO
Caro (a) aluno (a), seja bem-vindo (a) a esta unidade!
Aqui, iniciaremos nosso percurso nos estudos, conhecendo um pouco mais sobre a
trajetória da Psicologia - desde os questionamentos realizados pelos gregos na Antiguidade
até sua constituição como uma disciplina científica, no final do século XIX. Em comparação
com outras disciplinas, como a Biologia e a Matemática, notamos que a Psicologia é uma
ciência bastante recente, e que ainda apresenta muitos debates sobre seus métodos de
pesquisa e abordagens em relação ao conhecimento.
Ao longo da História, o homem se questionou diversas vezes sobre o que o tornava
capaz de pensar. Este trabalho foi prioritariamente dos filósofos, que especularam onde se
localizava a sede da consciência e da racionalidade. As investigações filosóficas também
foram influenciadas pelo contexto histórico, pela religião no período medieval, e o rompi-
mento com esta forma de pensar que ocorreu no período moderno.
Os avanços sociais ocorridos na modernidade permitiram ao ser humano uma outra
maneira de entender sua realidade, como a exploração científica do corpo humano, o que
expandiu ainda mais o conhecimento obtido sobre si. Esta possibilidade se combinou com
o momento histórico no final do século XVIII, em que as sociedades ocidentais se reorgani-
zavam, acolhendo um aumento populacional e um novo modelo econômico e político, que
enfatizava a soberania individual e a liberdade. Neste período, tornou-se possível transfor-
mar as especulações filosóficas em estudos dotados de rigor científico, aproximando esta
nova disciplina do modo conceituado de produzir o saber próprio das Ciências Naturais.
Esta é a base da Psicologia que está na nossa sociedade, que produz conhe-
cimento sobre o homem e busca auxiliá-lo a se compreender melhor. Espero que esta
primeira unidade facilite sua aproximação com esta importante área do saber que se dedica
a conhecer nossa vida interior!
Bons estudos!

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 7


1
TÓPICO

CONHECENDO O HOMEM:
CIÊNCIA E SENSO COMUM

Em sua vida, certamente você já apresentou curiosidades e questionamentos sobre


si mesmo, em várias circunstâncias diferentes: Por que pessoas da mesma família às vezes
são tão diferentes? Por que todas as pessoas parecem pensar de uma forma, enquanto
eu pareço ser o único a ver as coisas de outro jeito? Por que, na época escolar, alguns
parecem ser tão inteligentes, e outros têm tanta dificuldade de aprender e se expressar?
Como o ser humano pensa e aprende? Será que o que se passa na minha cabeça é igual
ao que está na cabeça do outro?
Questões como essas se fazem presente na História, desde civilizações muito
antigas. Mesmo antes do surgimento da Psicologia, é possível encontrar perguntas que
se propõem a buscar estas respostas. Atualmente, mesmo sem nenhum conhecimento
específico nesta área do saber, cada pessoa tem suas teorias e ideias sobre as questões
colocadas acima.
Para conhecer a realidade que nos cerca, o ser humano parte daquilo que vê e
sente para pensar e refletir além das aparências. Assim, ele adota uma postura científica
para aprender mais sobre um determinado fenômeno, transformando aquilo que percebe
em sua realidade como seu objeto de investigação. Contudo, há outra forma de conhecer
a realidade, na qual não há a necessidade de apresentar informações de forma rigorosa.
Chama-se de senso comum o saber que se obtém de forma espontânea e intuitiva,
que frequentemente adquirimos com a educação transmitida por nossas famílias ou no
contato cotidiano com outras pessoas. O senso comum agrupa de forma simplificada aquilo
que se sabe sobre o mundo, e assim as teorias do conhecimento produzidas no campo

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 8


científico de pessoas comuns, permitindo sua aplicação prática para resolvermos problemas
em nossas vidas (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999; PINTO, 1999). Exemplos desta forma
de saber, bastante populares, são os alimentos que podem curar algum mal-estar do corpo:
como a prescrição de chá de camomila para acalmar, ou mamão para regular o intestino.

FIGURA 1 - O EFEITO CALMANTE DO CHÁ DE CAMOMILA É UM EXEMPLO COTIDIANO DE


APLICAÇÃO DO SENSO COMUM

Fonte: https://br.freepik.com/fotos-gratis/copo-de-alto-angulo-com-bule-e-pote-de-mel_8560533.
htm#query=ch%C3%A1%20de%20camomila&position=26&from_view=search&track=ais

Assim como em outras áreas do saber, a maioria das pessoas possui algum conheci-
mento em Psicologia, que pode ser percebido no uso cotidiano de expressões como: “fulano
surtou”. Embora você não conheça a definição exata desta palavra dentro do contexto do saber
psicológico, possui noção de seu significado, e pode utilizá-la para explicar um estado emocional
que não costuma ser comum. Mas este entendimento tem como ponto de partida estudos reali-
zados num contexto formal, que buscam conhecer, nomear e explicar fenômenos que cercam e
despertam a curiosidade dos indivíduos; tais como a expressão de seus estados afetivos.
Assim, pode-se afirmar que o saber produzido pela ciência é diferente do conheci-
mento existente no senso comum: o saber científico busca conhecer determinados aspectos
por meio de uma investigação rigorosa, sistemática e controlada, a fim de obter conclusões
de forma objetiva e passível de verificação, para que possam ser generalizadas e atender a
demandas diversas. Um exemplo de conhecimento científico são os estudos sobre desenvol-

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 9


vimento infantil e aprendizagem, que permitem a elaboração de modelos de ensino válidos
para crianças e jovens em escala global (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999; PINTO, 1999).
Desta forma, de acordo com Bock, Furtado e Teixeira (1999), a psicologia se es-
tabelece como uma ciência que pretende investigar aspectos do mundo interno do ser
humano, buscando responder suas dúvidas, facilitar sua convivência com o coletivo e
consigo mesmo, e trafegar de modo tranquilo pela diversidade de experiências humanas.
Algumas abordagens propõem analisar o comportamento; outras, o inconsciente; e outras
ainda, a personalidade. Por se tratar de uma ciência surgida há pouco mais de cem anos,
a Psicologia ainda apresenta muitas questões em aberto.
Além disso, autores citados acima apontam que o surgimento da Psicologia como
campo do conhecimento ocorreu ao final do século XIX, embora questões sobre os proces-
sos de pensamento e funcionamento do homem já ocupassem os filósofos há muito tempo.
Seu desenvolvimento nos últimos séculos se deu, em particular, a partir do debate entre os
filósofos racionalistas e empiristas, que teorizaram sobre as características da mente.
Para os empiristas, o que havia no mundo era a percepção sensorial que estimulava os
neurônios, fazendo com que a experiência da vida fosse constituída por estes elementos. Já os
racionalistas discordavam, entendendo que a capacidade de ter ideias fazia parte da mente, inde-
pendente do estímulo sensorial. Para este grupo, a atividade mental era complexa e a percepção
seria um processo seletivo empregado pela consciência (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999).
Segundo Teles (1989), as teorizações destes pensadores geraram inquietação,
mas muitas dúvidas não encontraram resposta até os dias de hoje, dado que seus ques-
tionamentos não consideravam um método que lhes permitisse encontrar respostas com
comprovação. Já as descobertas realizadas pelos cientistas que investigavam fenômenos
da natureza, das áreas da Física e da Biologia, foram produzidas baseando-se no método
experimental, que permitiu avanços no conhecimento do corpo e respondeu algumas ques-
tões sobre o funcionamento do ser humano, oferecendo bases para novas questões sobre
a vida psíquica dos indivíduos.
Bock, Furtado e Teixeira (1999) também apontam que como ciência, a Psicologia
também apresenta uma peculiaridade: ao contrário da Matemática, por exemplo, o investiga-
dor que se propõe a conhecer os processos psicológicos, dedica-se a estudar fenômenos que
se misturam com ele próprio. A concepção de indivíduo que o pesquisador carrega, acaba por
enviesar sua investigação sobre o ser humano, podendo ser afetada pelas próprias vivências
deste sujeito em particular. De acordo com a definição escolhida para o homem, o objeto de
estudo da psicologia varia para se adequar a ela. Como em nossa sociedade é possível a

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 10


existência de várias concepções de ser humano, podemos afirmar que a Psicologia possui
diversos objetos de estudo e se dedica a investigar estes “diversos homens” existentes.
Também é possível afirmar que, ao encontrar espaço para o estudo destas dife-
rentes concepções de ser humano, a Psicologia busca estudar a subjetividade - entendida
como o modo de existir de uma pessoa, que expressa de um jeito único seu modo de
existir nas condições socioculturais que a cercam. A subjetividade nos diferencia, pois,
cada pessoa processa de forma singular tal vivência, mas também nos iguala, pois sua
constituição parte de elementos que são percebidos pelas nossas relações sociais. Cada
pessoa vai se tornando sujeito, conforme interage e transforma o ambiente que a cerca
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999).
Tem-se como marco da inauguração da Psicologia Científica a criação do Labo-
ratório de Experimentos de Psicofisiologia, em 1875, por Wilhelm Wundt, em Leipzig, na
Alemanha. Este ato indica a trajetória do estudo da Psicologia, que procurava cortar suas
relações com noções filosóficas e espirituais de cunho abstrato, que buscavam investigar a
alma e aproximar-se de um modelo investigativo próprio das ciências naturais. Ainda assim,
esta busca não esgotou todas as respostas, o que aproximou alguns psicólogos de outras
práticas não-psicológicas, de caráter místico e adivinhatório, como a astrologia, a utilização
de cristais, entre outros (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999).
É importante esclarecer que tais práticas não fazem parte da psicologia, além de
não serem construídas a partir de pressupostos científicos. Além disso, práticas místicas
são opostas à visão da psicologia, que entende que o homem é um sujeito autônomo,
capaz de transformar seu futuro a partir da forma como atua em seu meio, enquanto prá-
ticas adivinhatórias pressupõem a ideia de um destino traçado por forças superiores e
imutável. O psicólogo tem recursos e ferramentas específicas para conhecer os fenômenos
psicológicos, e a utilização de práticas não científicas em seu trabalho, sujeita o profissional
a advertências e suspensão de seu exercício profissional.

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 11


2
TÓPICO

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS
E EPISTEMOLÓGICOS DA
PSICOLOGIA

As questões acerca do ser humano inquietam a humanidade desde o apogeu da


civilização grega, que se desenvolveu no último milênio a.C. Além de terem desenvolvido
conhecimentos no campo da agricultura, da engenharia e da política, os gregos dedicaram-
-se a pensar sobre a arte e a filosofia, passando a questionar a vida interior do homem. A
própria palavra psicologia tem raiz etimológica grega: psyché, pode ser entendido como
alma e logos significa razão, fazendo com que psicologia signifique o estudo da alma.
De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (1999), neste período havia a noção de
que a alma seria uma parte imaterial do indivíduo, responsável pelos sentimentos, as per-
cepções e a irracionalidade. Os filósofos que antecederam Sócrates, buscavam entender a
relação do homem com o mundo através de sua percepção da vida exterior, debatendo se
as ideias eram responsáveis por criar o mundo ao redor, ou se o ambiente existia anterior-
mente ao homem. Já Sócrates passou a questionar, qual era a diferença entre o homem e
os outros animais, afirmando encontrar sua resposta na racionalidade, que permitia que o
ser humano superasse suas necessidades instintivas.
A seguir, Platão, aluno de Sócrates, se dedicou a compreender onde a razão se
localizava no corpo, teorizando que a cabeça era onde se localizava a alma humana. Para
o pensador, a alma era algo separado do corpo, já que este último definhava com a morte,
mas a alma não sofria do mesmo destino e poderia habitar outro corpo posteriormente.
Aristóteles, que estudou com Platão, contribuiu para a questão ao afirmar que não poderia
haver separação entre corpo e alma, sendo esta última a condição para que houvesse
vida. Esta visão aristotélica teve grande influência até a Idade Média (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 1999; JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2006).

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 12


Outras contribuições importantes para a questão da vida psíquica partiram de estu-
diosos desta época, filósofos cristãos, já que este período histórico é muito influenciado pelo
grande poder da Igreja Católica no Ocidente. Um deles, Santo Agostinho, argumentava que
a alma e o corpo deviam possuir uma separação, sendo a alma a manifestação de Deus no
homem, um elemento imortal que seria o cerne da racionalidade.
Outros filósofos se debruçaram sobre a questão no período renascentista, momento
no qual questiona-se a visão de mundo da Igreja Católica, bem como seus dogmas e sua
influência na construção do conhecimento. Passou-se a desenvolver uma nova organiza-
ção social, na qual as hierarquias religiosas e monárquicas perderam seu lugar e o homem
passou a ter liberdade, sendo capaz de escolher seu futuro, guiando-se pela racionalidade.
Um exemplo é René Descartes, que reforçou a ideia de uma separação entre corpo
e mente e deu a esta última o caráter de substância pensante, o que rebaixou o corpo à
condição de uma simples máquina, que passou a poder ser estudada pelos médicos após a
morte. Anteriormente, a visão religiosa defendia que o corpo não deveria ser maculado por
ser o receptáculo da alma, e só a partir da Renascença pôde-se buscar mais conhecimento
sobre a anatomia e fisiologia humana. Neste período, os filósofos também expandiram suas
análises sobre as relações que o ser humano estabelece com a sociedade e as descobertas
que fazia sobre si (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999).

FIGURA 2 - AS TEORIAS DE DESCARTES CONTRIBUÍRAM PARA O DESENVOLVIMENTO DA


PSICOLOGIA

Fonte: RENASCIMENTO Artístico Cultural Científico – Séculos XIV, XV, XVI. DocPlayer, 2019. Disponível em: https://
docplayer.com.br/91302881-Renascimento-artistico-cultural-cientifico-seculos-xiv-xv-xvi.html Acesso em: 15 jul. 2022.

No início do Renascimento, o debate filosófico se concentrou em elaborar o funcio-


namento da consciência. O próprio Descartes defendia que, em decorrência da separação

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 13


entre mente e corpo, o ser humano era composto de substâncias distintas, com um aspecto
material e outro imaterial. A mente, dimensão imaterial da existência, era também a sede da
racionalidade. A intersecção do sujeito com seu corpo produzia ilusões, sendo a fonte dos
enganos experienciados pelo ser (JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2006).
Outros filósofos, como David Hume e John Locke, interpretavam que a consciência se
dava pelas percepções sensoriais, que também eram fonte de todo o conhecimento. Assim,
enquadravam-se em uma compreensão empirista: “Nada haveria no espírito que não fosse
proveniente destes, sendo as nossas funções superiores meras complicações e conjunções
de impressões sensoriais (e, neste ponto, responsáveis pelas nossas ilusões)” (JACÓ-VILELA;
FERREIRA; PORTUGAL, 2006, p. 20). Os empiristas tomavam as evidências observáveis como
base para fundamentar o conhecimento objetivo. Posteriormente, a percepção destas evidên-
cias da realidade passou a ser posta em xeque como algo incerto, dependente da capacidade
de sentir, considerada tão arbitrária quanto às experiências afetivas (FIGUEIREDO, 2008).
O que os racionalistas e empiristas tinham em comum era a noção, de que o espí-
rito oferecia um contato com o conhecimento puro sobre o sujeito, ao contrário do corpo.
Este paradigma sofreu uma mudança com as postulações de Immanuel Kant, pensador do
século XVIII, para quem o conhecimento ocorria a partir de uma soma entre as categorias
chamadas de sujeito transcendental e sujeito empírico. O sujeito transcendental de Kant
não se trata de um indivíduo propriamente dito, e sim do conjunto de condições previa-
mente existentes, que permitem ao ser humano experienciar e refletir sobre os objetos que
existem no espaço e no tempo (JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2006).
De acordo com Jacó-Vilela, Ferreira e Portugal (2006), Kant compreendia que o
sujeito transcendental, representando a razão pura; e o empírico, composto somente pela
experiência, produziriam aproximações ao conhecimento com muitas distorções. Sua tese
era de que o espírito era composto por estas duas categorias: o sujeito transcendental,
incapaz de experienciar o conhecimento de si mesmo, ao mesmo tempo que torna possível
o saber sobre a realidade e seus objetos; e o sujeito empírico, capaz de ser compreendido
e marcado pelo contato com as experiências que o indivíduo tem de si. Partindo disto, Kant
entendia que uma ciência psicológica deveria analisar o sujeito empírico de forma rigorosa,
objetiva e matemática, indo além da descrição da experiência individual.
Além disso, a existência da psicologia também dependeu de mudanças no contexto
histórico, que favoreceram o surgimento de uma noção de individualidade - algo que não
existia na Antiguidade, por exemplo. Ainda que, neste período, houvesse uma valorização
da autonomia, esta serve para garantir a autonomia da pólis, e não de um modo de vida
individual. Já o período medieval, dominado pelo modo de pensar cristão, favoreceu a
UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 14
experiência de uma dimensão íntima, na qual o homem busca sua salvação e purificação,
a fim de obter para si a garantia da vida eterna. Tal individualização era presente nos
mosteiros, nos quais havia necessidade de um domínio da vida interior e o exercício do
livre-arbítrio em busca da redenção. Contudo, os nobres e plebeus do período ainda exis-
tiam de forma regulada pelo seu local de nascimento, linhagem e posição hierárquica em
relação às outras famílias, havendo poucas experiências individuais (FIGUEIREDO, 2008;
JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2006).
Para os autores citados acima, é este o cenário antes do Renascimento, em que
começaram a surgir os Estados modernos, experiência que é associada à visão cristã de
que todos são irmãos e iguais – neste caso, não perante Deus, mas o Estado. Assim, o
início da Idade Moderna foi palco de uma mudança que fez surgir uma experiência de
individualização, na qual o homem era um ser igual aos demais, dotado de autonomia e de
uma dimensão interior, o foro íntimo. Os filósofos do período trataram de escrever sobre
esta visão de sujeito e sua relação com a política, estabelecendo o homem como soberano,
mas sujeito à lei (JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2006).
Mas a existência de um saber sobre este indivíduo, ainda necessita de uma nova
perspectiva surgida a partir do século XVIII, junto com transformações sociais como o
aumento populacional e as novas relações de trabalho capitalistas. Neste cenário, surgiu
um indivíduo disciplinado, analisado de acordo com uma norma que o situa dentro ou fora
daquilo que é considerado normal. Assim, a nova perspectiva sobre o indivíduo é a de

objeto determinado, singular, diferenciado e dotado de uma interioridade


(identificada agora a uma natureza biológica), que será o alvo do cuidado dos
Estados contemporâneos e de uma série de agências privadas. (...) E partindo
dessa forma de zelo pelos indivíduos, cuja qualidade de vida e o bem-estar
são metas últimas, é que vão se constituir os saberes psicológicos, médicos e
psiquiátricos. (JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2006, p. 28).

Na era moderna, a busca da razão contemplativa deu lugar a uma razão instrumen-
tal, que oferecesse um embasamento para a produção científica. Buscou-se compreender o
homem, analisando suas partes e seu modo de funcionamento, de modo similar às máqui-
nas que podiam ser construídas e naquele momento impulsionaram a economia capitalista:
a diretriz para o conhecimento científico tornou-se a utilidade prática de previsão e controle
de seus objetos (FIGUEIREDO, 2008).

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 15


3
TÓPICO

A PSICOLOGIA
CIENTÍFICA

A constituição da Psicologia enquanto campo independente do conhecimento,


tomou forma à medida que novos estudos foram indicando possibilidades de mensurar
fenômenos, tais como a percepção visual. Nesta época, no fim dos anos 1800, a concepção
vigente de ciência era derivada do estudo dos fenômenos naturais, e entendia-se que aquilo
que não podia ser quantificado não poderia ser estudado pela ciência.
Wilhelm Wundt, ao estabelecer seu laboratório em 1879, realizou experimentos de
Psicofisiologia e desenvolveu um conceito chamado de paralelismo psicofísico, noção que
estabelece que fenômenos mentais têm correspondência com fenômenos orgânicos (tal
qual o som da chuva, um estímulo auditivo percebido por um indivíduo, desencadeia nele
uma atividade mental). Baseando-se nisso, ele também desenvolveu um método chamado
introspeccionismo, no qual o pesquisador questionava um indivíduo previamente treinado
para realizar uma auto-observação, buscando quais caminhos uma estimulação sensorial
percorria em seu interior, a fim de obter mais conhecimento sobre a mente de um indivíduo.

FIGURA 3 - WILHELM WUNDT, SENTADO, E SEU GRUPO DE ESTUDOS REALIZANDO UM EXPERIMENTO

Fonte: LEIPZIG’TE Içgözlem Denemeleri. Wikimedia Commons, 1920. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Wundt-research-group.jpg#/media/File:Leipzig%27te_i%C3%A7g%C3%B6zlem_denemeleri.jpg Acesso em: 15 jul. 2022.

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 16


De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (1999), trabalhos como os de Wundt foram
cimentando o caminho da Psicologia como uma ciência, afastando-a dos questionamentos
filosóficos que tinham contribuído para seu desenvolvimento até então. Para tanto, os pes-
quisadores da área buscaram delimitar um campo de estudo para esta nova ciência, um
objeto para ser investigado, os métodos de pesquisa a serem aplicados e um corpo teórico
de conhecimentos sobre o assunto, levando sempre em conta os princípios da ciência
vigentes no século XIX, que pregava a neutralidade do conhecimento e a coleta de dados
passíveis de comprovação.
Diferente das ideias filosóficas de outrora, que se questionavam sobre a alma, Wun-
dt buscava o conhecimento que possa ser observado e mensurado, escolhendo um método
de trabalho que se aproxima muito mais da Medicina do que da Filosofia. O projeto de Wundt
utilizou as sensações, como elemento mensurável e objetivo, para avaliar a experiência do
sujeito. Desta forma, sua construção é válida de acordo com os pressupostos kantianos,
com as sensações fisiológicas ocupando o lugar do sujeito transcendental (JACÓ-VILELA;
FERREIRA; PORTUGAL, 2006).
O trabalho de Wundt buscou estabelecer uma ciência da consciência, mas outros
cientistas estabeleceram o comportamento como um outro objeto possível de ser investi-
gado com a finalidade de compreender melhor o indivíduo. Isto consolidou uma tendência
entre os psicólogos americanos, que tiveram grande influência na psicologia moderna,
produzindo estudos que deram origem a três abordagens teóricas sobre os fenômenos
psicológicos: o associacionismo, o estruturalismo e o funcionalismo.
Para Bock, Furtado e Teixeira (1999), o estruturalismo derivou da pesquisa de Wun-
dt, mas foi um de seus seguidores, Edward Titchener, que cunhou este termo para diferen-
ciá-lo das outras escolas de pensamento que estavam sendo formadas na época. Titchener
continuou investigando a consciência, buscando quais seriam seus estados elementares a
nível de estruturas do sistema nervoso. O pesquisador reforçou o método introspectivo e a
pesquisa experimental, produzida em condições de laboratório.
Ainda segundo os autores acima, o funcionalismo apoiou-se bastante nos valores
pragmáticos que permeavam a sociedade norte-americana. Seu maior expoente foi William
James, que também estabeleceu como seu objetivo o estudo da consciência para poder
compreender o que os seres humanos faziam e por qual razão. Já o associacionismo,
bastante associado ao nome de Edward Thorndike, tornou-se reconhecido por elaborar a
primeira teoria da aprendizagem na psicologia. Tal nome faz referência ao fato apontado,
de que a aprendizagem decorre de uma associação de ideias, que partem das noções mais
simples relacionadas a um fato em direção às mais complexas.
UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 17
Thorndike também foi responsável pela chamada Lei do Efeito, um postulado que
aponta uma tendência em todos os seres vivos de repetirem um comportamento, caso
haja uma recompensa imediatamente após seu acontecimento. Do mesmo modo, há uma
tendência de um comportamento não se manifestar novamente caso um castigo seja apli-
cado em sequência. Tal lei também aponta, que estes seres realizarão associações entre
a circunstância vivenciada a ocorrências semelhantes - postulando sobre a capacidade do
sujeito de aprender algo que foi explorado, posteriormente por outros teóricos da Psicologia
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999).
Em paralelo aos avanços da ciência psicológica, a noção de Psicologia Clínica
surgiu neste mesmo período, no final do século XIX. Neste contexto em que o estudo do
corpo humano se tornou possível e as doenças mentais tiveram sua causa atribuída ao
funcionamento de sistemas orgânicos, os estudiosos do período trataram de desenvolver
pesquisas sobre estas patologias. Assim, a Psicopatologia se desenvolveu, com o objetivo
de compreender estes quadros de doença, observando-os, classificando-os, estabelecen-
do sua origem e outros fatores relevantes. A Psicologia Clínica caminhou a seu lado, com
o objetivo de prevenir e aliviar o sofrimento psíquico, sendo influenciada pela metodologia
científica própria das Ciências Naturais, que tratava os fenômenos mentais como objetos
a serem conhecidos por métodos experimentais, descritos de forma objetiva e passível de
generalização (ANCONA-LOPEZ, 1984).
Com o passar do tempo, as influências do conhecimento filosófico voltaram a afetar
a Psicologia, questionando seu desenvolvimento como uma ciência que pretendia conhecer
seu objeto de estudo como algo completamente separado do pesquisador. Para alguns filó-
sofos, era impossível realizar uma distinção entre o sujeito e o objeto da psicologia - ambos
seres humanos - o que impediria o estudo deste de forma objetiva e experimental, tal como
se fazia em outras ciências. Isso exigiria o desenvolvimento de novas metodologias para
compreender os fenômenos intrapsíquicos, que levaram à elaboração de teorias psicológi-
cas como o humanismo e a psicologia fenomenológico-existencial.
Segundo González Rey (2005), pode-se encontrar um exemplo de tais questiona-
mentos no trabalho de Sigmund Freud, médico fundador da teoria psicanalítica, que será
apresentada com mais detalhes na unidade seguinte. Freud era neurologista, e em seu
cotidiano encontrou diversos pacientes com sintomas inexplicáveis por causas orgânicas,
problema que o levou a investigar fenômenos como memórias e pensamentos que não
eram acessíveis à observação direta e estavam relacionados a tais quadros sintomáticos.
Mesmo tendo recebido uma formação médica, calcada nos princípios do conhecimento
objetivo do corpo humano, o estudioso desenvolveu uma metodologia própria para ter
UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 18
acesso aos fenômenos que buscava conhecer: uma metodologia interpretativa, baseada
na relação estabelecida entre terapeuta e paciente - relação esta que deve buscar a escuta
e interpretação singular daquilo que é dito ao profissional.
Ao se debruçar sobre tais aspectos da vida psíquica, Freud realizou várias revisões
e ampliações de sua teoria, sendo especulativo em alguns momentos. Isso revela que o
autor considerava, que a produção do conhecimento sobre o mundo interno dependia da
subjetividade, sendo, portanto, única e em permanente desenvolvimento, algo contrário ao
método experimental adotado por Wilhelm Wundt e seus discípulos (GONZÁLEZ REY, 2005).
O desenvolvimento de correntes filosóficas como a fenomenologia, cuja perspecti-
va ante o conhecimento e o sujeito é diferente das proposições racionalistas e empiristas,
também permitiu uma mudança na abordagem da Psicologia. Atualmente, a Psicologia é
uma ciência com abordagens distintas, que busca conhecer e atuar sobre o homem a partir
de visões de sujeito e de mundo diferentes: Algumas conferem maior importância aos as-
pectos neurofisiológicos, outras tendem a considerar que o homem é indissociável de seu
contexto histórico. Todas estas abordagens, contudo, possuem um método investigativo
e pressupostos teóricos próprios que sustentam a atuação do psicólogo para conhecer o
homem de modo científico.

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 19


A Psicologia e a Psiquiatria são áreas próximas, mas diferentes. A Psiquiatria é uma disciplina da Medicina e,
como profissão, é exercida por um profissional com formação médica. O psiquiatra inclui em sua prática a
prescrição de medicamentos, e se especializa nas doenças mentais. Já o psicólogo é um profissional formado
em psicologia, que possui conhecimento mais amplo sobre o funcionamento psíquico, podendo analisar o
ser humano em contextos individuais ou grupais, bem como realizar avaliações e diagnósticos psicológicos.

Fonte: A autora (2022).

“O que dizemos da realidade, depende da perspectiva em que a coloquemos.”


William James, Pragmatismo, 1984

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 20


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aqui encerramos nossa primeira unidade! A longa viagem pela história foi importan-
te, pois as transformações que afetaram a maneira de existir do ser humano influenciaram
a forma como o homem conseguiu estudar a si próprio.
Nesta unidade, você pôde observar como a Psicologia é uma disciplina especial:
ela congrega os estudos filosóficos, mas também leva em conta o conhecimento produzido
pela Biologia e pela Medicina sobre os sistemas e funções do corpo. O surgimento da Psi-
cologia científica, assim, só foi possível no contexto social da era moderna, no qual o foco
das produções e do trabalho era o homem. Tomado como força soberana, mas também
carecendo de controle e disciplina, tem-se um panorama para que as indagações sobre o
ser humano passem a compor uma disciplina com sua própria metodologia de investigação.
A proposta de conhecer o homem como um sujeito singular, é ancorada em uma
perspectiva que não existia antes da modernidade: a de subjetividade. O debate atual, para
a Psicologia, é como tomar conhecimento desta dimensão humana. As primeiras teorias
que consolidaram a Psicologia científica, abordaram este problema elegendo como objetos,
aspectos que poderiam ser mensurados e quantificados, como o comportamento e a per-
cepção, mas posteriormente outros pesquisadores fizeram críticas e revisões a esta visão.
Ainda assim, as diferentes abordagens psicológicas concordam que os fenômenos
humanos devem ser analisados de modo científico. Quando falamos em Psicologia, é mui-
to importante ter em mente que apesar dos conhecimentos que acumulamos, estes não
equivalem às construções teóricas elaboradas por pesquisadores, utilizando estudos e me-
todologias que permitem a formulação de noções gerais sobre o psiquismo dos indivíduos.
Espero que o estudo desta unidade tenha sido prazeroso e motivado você a mer-
gulhar ainda mais fundo nos estudos! Até a próxima!

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 21


LEITURA COMPLEMENTAR
Para saber um pouco mais sobre a história da Psicologia no Brasil, o seguinte artigo
propõe apresentar os caminhos percorridos por esta disciplina, considerando as tendências
racionais dominantes e outros aspectos de caráter sociopolítico que tangenciam seu esta-
belecimento. Se destacam dois discursos principais: o das ciências, que considera o sujeito
como um organismo cujo funcionamento está ligado a um conjunto de leis; e o teológico-filo-
sófico, que sofre influência da Igreja e se dedica particularmente ao estudo da alma.

ALBERTI, S. História da psicologia no Brasil - origens nacionais. Mnemosine,


Campina Grande, v. 1, n. 0, p.149-155, 2004. Disponível em: https://www.e-publicacoes.
uerj.br/index.php/mnemosine/article/viewFile/41349/286 Acesso em: 18 jul. 2022.

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 22


MATERIAL COMPLEMENTAR

• Título: O livro da Psicologia

• Autor: Globo Livros.

• Editora: Globo Livros.

• Sinopse: O livro apresenta de forma didática várias informações


sobre as escolas de pensamento psicológicas.

• Título: A História da Psicologia

• Ano: 2018.

• Sinopse: O vídeo apresenta de forma didática e sintética a his-


tória da psicologia, também passando pela influência histórica dos
filósofos até chegar à sua constituição como ciência.

• Link: https://www.youtube.com/watch?v=2aSxrLNsIYo

UNIDADE 1 O QUE É PSICOLOGIA? 23


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UNIDADE

TEORIAS E
SISTEMAS EM
PSICOLOGIA
Professor(a) Ma. Emanoella dos Santos Ruffo

Plano de Estudos
• Behaviorismo: o estudo do comportamento;
• Psicanálise, a teoria do inconsciente;
• Existencialismo e humanismo.

Objetivos da Aprendizagem
• Conhecer as diferentes perspectivas sobre o homem para
as teorias comportamental, psicanalítica e humanista;
• Compreender o modelo estímulo-resposta, e os conceitos
de reforço, punição e extinção;
• Conhecer os modelos freudianos do psiquismo, e as
noções de mecanismos de defesa e repressão;
• Entender as influências da fenomenologia e do
existencialismo na psicologia humanista.
INTRODUÇÃO
Olá, aluno (a)! Vamos dar sequência aos seus estudos?
Nesta unidade, os assuntos serão algumas das abordagens que a Psicologia utiliza
para compreender o homem. Ao contrário do que pode parecer, não existe uma abordagem
melhor, ou pior: suas diferenças provêm da forma de ver o mundo, e repercutem no desen-
volvimento de teorias e modelos para explicar.
É possível que a Psicanálise seja a mais conhecida: por não ter se desenvolvido di-
retamente da Psicologia, está se popularizou entre médicos, além de outros pesquisadores
das ciências humanas, que utilizam seus conceitos em análises e produções socioculturais.
Mesmo sem ser uma abordagem exclusiva da psicologia, a prática da psicanálise se con-
funde com ela: a imagem popular que se tem do psicólogo como um profissional silencioso e
um paciente que se deita num divã e fala sobre o que sente deriva do método psicanalítico.
A análise do comportamento, por sua vez, derivou das primeiras teorias científi-
cas da Psicologia, tendo como propósito a construção de um conhecimento mensurável
e objetivo, estudando o comportamento de forma direta. Esta abordagem dos fenômenos
humanos entende que o indivíduo se comporta de forma diferente de acordo com os estí-
mulos recebidos e as consequências associadas à sua ação, o que permite discutir formas
de aprendizagem e transformações na forma de agir.
Já a abordagem humanista se aproxima da existencialista, baseadas no posicio-
namento filosófico da fenomenologia: esta teoria foi uma crítica aos modelos propostos por
Descartes, e buscava superar o dualismo entre corpo e mente. A psicologia iniciou uma
interlocução com esta forma de pensar, pois, alguns estudiosos consideram que não era
possível conhecer os fenômenos subjetivos por meio do método experimental.
Estas são algumas visões da Psicologia sobre o indivíduo, para que você entenda de
modo mais profundo de que forma o psicólogo trabalha com as pessoas. Espero que esta uni-
dade auxilie você a compreender melhor as teorias que sustentam o trabalho deste profissional!
Bons estudos!

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 25


1
TÓPICO

BEHAVIORISMO:
O ESTUDO DO
COMPORTAMENTO

Conforme os pesquisadores desenvolvem experimentos, também foram surgindo


teorias e escolas de pensamento que se centralizam em objetos específicos para sua in-
vestigação. Uma delas é chamada Behaviorismo, derivada do termo em inglês behavior,
que significa comportamento. Por isso, o Behaviorismo também é conhecido como Análise
do Comportamento ou Teoria Comportamental, e naturalmente elege como seu objeto de
estudo o comportamento.
Esta escolha se deu pelo fato de o comportamento preencher os requisitos neces-
sários de uma ciência: exigia-se um objeto de estudo que pudesse ser observado, medido,
quantificado, e reproduzido em diferentes condições, trilhando o caminho traçado por Wilhelm
Wundt, William James e Edward Thorndike, apresentados na Unidade I. Uma das preocupa-
ções de seu fundador, John B. Watson, era o desenvolvimento de uma ciência psicológica
que não recorresse a conceitos de alma, mente, ou métodos subjetivos, na qual houvesse
capacidade de previsão e controle dos fenômenos. Conforme Freire (1997), Watson entendia
que o ser humano não possuía nenhuma tendência inata, desenvolvendo-se a partir de sua
capacidade enquanto organismo e sua interação com as circunstâncias do ambiente.
De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (1999), o Behaviorismo busca analisar
as interações entre o indivíduo e o meio em que ele se encontra, entendendo que o com-
portamento não corresponde a uma ação isolada de uma pessoa. O meio externo afeta a
forma de agir do sujeito, e assim, os behavioristas passaram a descrever este conjunto de
relações em termos de estímulos (elementos que estimulam o cérebro, como o contexto em
que alguém se encontra) e respostas (as atitudes tomadas por esta pessoa).

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 26


Um dos behavioristas com maior destaque foi B. F. Skinner, que estabeleceu uma
diferenciação entre o que ele chamava de comportamento respondente e comportamento
operante. A primeira categoria trata de ações normalmente reflexas, tais como a contração
da pupila diante de uma luz forte: uma resposta a fatores ambientais que não depende de
aprendizagem. Já a segunda, o comportamento operante, engloba ações que têm efeito so-
bre o espaço ao seu redor, tais como a interação com algum objeto ou com outro indivíduo.
Skinner não levava em consideração a subjetividade do ser humano, indo contra a ideia
de que a personalidade poderia determinar a existência do indivíduo. (BOCK, FURTADO,
TEIXEIRA; 1999; FREIRE, 1997).
Um dos experimentos realizados acerca do comportamento consistia na observação
de um rato, que era mantido fechado em uma caixa transparente - conhecida, atualmente
como “Caixa de Skinner” - na qual havia uma alavanca. Quando o animal exerce pressão
sobre esta alavanca, um mecanismo da caixa leva até ele uma gota de água. Para fins de
experimento, o ratinho passava as 24hs anteriores sem receber água, estando com sede na
situação montada com a Caixa de Skinner. Os cientistas do comportamento constataram que
a pressão da alavanca era realizada inicialmente por acaso, mas como esta ação trazia água
ao animal com sede, observou-se uma alta probabilidade de repetição do comportamento.
No experimento citado, a resposta seria a pressão na alavanca, que levaria ao
estímulo à água. Assim, os analistas do comportamento entendem que a resposta a uma
determinada situação levou o sujeito ao estímulo desejado: mesmo que este surja após a
resposta, o comportamento ocorre por sua causa, estando atrelado à produção do estímu-
lo. Assim, o Behaviorismo teoriza sobre a existência de uma relação fundamental entre as
ações do indivíduo e suas consequências, que alteraram o contexto no qual ele se encon-
tra. O resultado desta ação afeta este sujeito e muda a probabilidade futura de repetição
do comportamento, incentivando-o ou desencorajando-o. De acordo com Bock, Furtado e
Teixeira (1999, p. 63), “agimos ou operamos sobre o mundo em função das consequências
criadas pela nossa ação”.
Outro conceito importante dentro da Teoria Comportamental é o reforçamento. O
reforço é uma consequência que, associada a uma resposta comportamental, aumenta sua
probabilidade de ocorrência. Pode ser dividido em reforço positivo ou negativo: o reforço
positivo aumenta a chance de ocorrência de determinada resposta que o produz, como era
o caso da gota de água no experimento com a Caixa de Skinner.
Já o reforço negativo contribui para a ocorrência de respostas que interrompem de-
terminado estímulo. Se, no experimento com o rato, a caixa disparasse choques elétricos e o
movimento de pressionar a alavanca cessasse estas descargas de eletricidade, veríamos um au-
mento na probabilidade de pressão da alavanca, dessa vez buscando cessar o estímulo elétrico.

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 27


FIGURA 1 – ESTUDANTES REALIZANDO UM EXPERIMENTO UTILIZANDO UM POMBO EM UMA
CAIXA DE SKINNER

Fonte: WIKIMEDIA Commons, 1998. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:UNMSM_


PsiExperimental_1998_2.jpg Acesso em: 10 set. 2022.

Já o reforço negativo contribui para a ocorrência de respostas que interrompem


determinado estímulo. Se, no experimento com o rato, a caixa disparasse choques elétricos
e o movimento de pressionar a alavanca cessasse estas descargas de eletricidade, vería-
mos um aumento na probabilidade de pressão da alavanca, dessa vez buscando cessar o
estímulo elétrico.
Embora a maioria de nós associe choques elétricos a experiências ruins, não é pos-
sível definir estímulos como reforçadores de antemão: esta qualidade depende de como o
estímulo afeta o comportamento de um indivíduo. Por exemplo: em alguns contextos, como
clínicas de estética ou massagem, a corrente elétrica utilizada em baixa voltagem pode ser
estimulante e desejada pelo indivíduo. O Behaviorismo, contudo, reconhece que há refor-
çadores que podem ser considerados primários, pois funcionam para toda uma espécie de
indivíduos: no caso do ser humano, podemos citar o alimento e o carinho como exemplos.
Quando o sujeito se depara com estímulos desagradáveis (também chamados de
aversivos), a resposta adotada pode incluir a fuga e/ou de esquiva: são processos similares
no qual o indivíduo evita o contato com o estímulo. No caso da fuga, tem-se um comporta-
mento de fugir, abandonando a situação após o início do estímulo. A esquiva ocorre quando
a pessoa, prevendo a ocorrência do estímulo aversivo por perceber algum outro elemento
que o antecede, pode se comportar de modo a evitar o contato com a circunstância indese-
jada (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA; 1999).
Outros processos importantes apontados pelo Behaviorismo são a extinção, em
que uma resposta anteriormente reforçada deixa de ter um reforçador como consequên-

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 28


cia. Isso leva a uma queda na frequência daquele comportamento, podendo até deixar de
ocorrer. Além deste, há a punição, que ao contrário do reforçamento, diminui a frequência
de uma resposta: ela ocorre quando determinado comportamento tem como consequência
um novo estímulo aversivo, ou a remoção de um reforçador positivo. Exemplos de tais
situações estão presentes na educação de crianças: diante de uma mentira, um pai pode
dar uma palmada no filho (estímulo desagradável) ou castigá-lo, tirando seu acesso a jogos
(perda de um reforçador positivo) (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA; 1999).
Os trabalhos da Análise do Comportamento abrem a possibilidade de discutir so-
bre punições. Suas conclusões são de que punir altera a ocorrência temporária de uma
resposta (a mentira, no exemplo acima), mas não altera sua motivação. Além disso, o
comportamento punido só deixa de ocorrer completamente se a punição for extremamente
intensa. O que ocorre, para evitar a punição, é o aumento de comportamentos de esquiva
e fuga. Assim, a teoria comportamental permitiu aos psicólogos um controle maior das
ações dos sujeitos, baseando-se no estudo das variáveis e suas consequências sobre o
comportamento humano.

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 29


2
TÓPICO

PSICANÁLISE, A TEORIA
DO INCONSCIENTE

É necessário esclarecer que o termo psicanálise diz respeito a um campo do co-


nhecimento que se desenvolve de forma distinta da psicologia, mas que caminha muito
próxima desta. A palavra ainda pode ser utilizada para se referir a uma teoria, um método
de investigação da vida psíquica e uma prática com finalidades terapêuticas, que se apro-
xima e contribui para o desenvolvimento de um trabalho psicológico fundamentado nos
pressupostos da psicanálise.
A psicanálise foi fundada por Sigmund Freud, médico neurologista, que iniciou sua
carreira clínica em Viena, formado em 1881, no final do século XIX. Sua experiência profis-
sional o colocou em contato com pacientes com problemas nervosos, e posteriormente o
aproximou de Jean Charcot, um psiquiatra que empregava a hipnose como recurso para o
tratamento de casos histéricos.
Um caso em particular observado pelo médico contribuiu para o desenvolvimento
de suas teorias: Anna, uma jovem do sexo feminino, apresentava paralisia dos membros
e inibições da capacidade de pensamento. Sem nenhuma atribuição de causas orgânicas
para os sintomas, a paciente observou que o início de sua sintomatologia coincidiu com
a necessidade de cuidar de seu pai, que estava enfermo. Tal situação provocará nela
sentimentos e pensamentos que remeteram ao desejo de que o pai viesse a falecer, mas
tais pensamentos, fonte de temor, sofreram uma espécie de esquecimento forçado, dando
origem aos sintomas (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA; 1999).
A paciente não conseguia recuperar a causa de seu quadro de saúde quando estava
consciente, mas a hipnose conseguia fazê-la recordar as situações problemáticas, o que cau-

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 30


sava o desaparecimento dos sintomas. Bock, Furtado e Teixeira (1999, p. 94), afirmam que tal
alívio “não ocorria de forma ‘mágica’, mas devido à liberação das reações emotivas associadas
ao evento traumático — a doença do pai, o desejo inconsciente da morte do pai enfermo.”
O médico responsável pelo tratamento de Anna, Josef Breuer, nomeou esta prática
de método catártico, estabelecendo como seu cerne a liberação de emoções vivenciadas
em acontecimentos traumáticos que não puderam ser expressos na ocasião e postulando
que sua expressão acarretaria o desaparecimento dos sintomas. Freud adotou tal método
em seu trabalho, realizando observações e desenvolvendo técnicas que auxiliassem seus
pacientes a falar livremente sobre o que pensavam. A hipnose foi deixada de lado, pois nem
todos os casos podiam ser hipnotizados.
De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (1999), a investigação de Freud sobre as
memórias reprimidas e os sintomas causados apontou-lhe que aquilo que caía no esque-
cimento sempre se tratava de algo penoso e difícil de recordar, seja por tratar-se de uma
lembrança negativa, ou de algo muito desejado que fora perdido. Durante os atendimentos
que realizava, também verificou que seus clientes apresentavam alguma dificuldade de fa-
lar de determinadas situações vivenciadas, apresentando resistência para recordar certos
fatos. Associando tal resistência e o esquecimento forçado de situações, Freud postulou a
existência de um mecanismo chamado repressão, que atua no psiquismo para esconder
ou eliminar determinadas recordações que evocam sofrimento. Este processo colocaria tais
recordações no inconsciente.
O referido autor formulou uma teoria para compreender o funcionamento do psi-
quismo, postulando que existem três sistemas: um consciente, um pré-consciente e um
inconsciente. O consciente é a instância que pode acessar o conhecimento do mundo ex-
terno e do mundo interno do indivíduo, relacionando-se a percepção sensorial e capacidade
de raciocínio, ao passo que o pré-consciente abarca informações que podem se tornar
conscientes, caso necessário (exemplo: memórias antigas, conhecimentos aprendidos), e
o inconsciente contém aquilo que não pode se tornar consciente, por uma ação de meca-
nismos psíquicos de censura e repressão (HERRMANN, 2005).
Posteriormente, no desenvolvimento de sua obra, Freud introduziu um segundo
modelo para compreender o funcionamento psíquico, nomeando três estruturas psíquicas:
o Id, ego e o superego. Ao ego, cabe sediar os processos mentais conscientes, mas também
possui atividades inconscientes. O ego é a estrutura que media o funcionamento do supe-
rego e do Id. Esta última é um agrupamento de representações psíquicas inconscientes,
seja porque sofreram repressão ou nunca se tornaram conscientes, mas que afetam o ser
humano. O Id é a instância psíquica presente desde o nascimento, que funciona de acordo

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 31


com as normas do inconsciente. Assim, faz-se necessário o desenvolvimento de outras
estruturas, tais como o ego e o superego (HERRMANN, 2005).
O superego é uma parte modificada do ego, cuja função é fazer cumprir as normas
morais de forma estrita. É uma instância que funciona como uma espécie de juiz, balizando o fun-
cionamento do ego em relação às demandas do mundo externo e os desejos do Id, e evocando
sentimentos de censura e angústia quando o ego não atua estritamente dentro de seu modelo.
Para Freud, os sintomas apresentados por seus pacientes decorrem de um conflito
de forças no psiquismo, causado pela impossibilidade de satisfação de desejos. Seus estu-
dos também enfocaram a presença de um tema comum: muitos destes desejos impossíveis
diziam respeito a situações de caráter sexual, e algumas estavam ligadas a vivências infan-
tis, que haviam sofrido repressão, por serem intoleráveis para a consciência.
O senso comum entende que a sexualidade é uma dimensão da vida humana
que floresce apenas na puberdade e é característica do universo adulto, e a ideia de uma
“sexualidade infantil” contradiz a visão da criança como alguém puro, sem maldade. Freud
também observou a existência deste tabu sobre o assunto quando desenvolvia sua teoria.
Contudo, ele postulou que a sexualidade era um aspecto que se desenvolvia gradativa-
mente no indivíduo, passando por estágios de obtenção de prazer por fontes variadas, até
que se consolidasse na expressão sexual adulta, em que a atividade genital se associa à
reprodução e a obtenção de prazer (HERRMANN, 2005).

FIGURA 2 – O ATO DE CHUPAR O DEDO, PARA A TEORIA PSICANALÍTICA, MOSTRA A REGIÃO


ORAL COMO FONTE DE PRAZER

Fonte: WIKIMEDIA Commons, 2017. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:A_little_girl_


sucking_a_thumb.jpg Acesso em: 10 set. 2022.

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 32


Assim, a psicanálise enxerga a existência de uma energia ligada aos instintos se-
xuais, chamada de libido. No início da vida, tais instintos estão ligados à sobrevivência, e
o prazer encontra-se no próprio corpo, em regiões tais como a boca, o ânus e os genitais.
Na perspectiva de um adulto, pode ser difícil comparar o prazer da relação sexual com a
existência de algo parecido em outras partes do corpo, mas observamos exemplos desta
disposição para o prazer em crianças pequenas que se acalmam ao sugar o bico da chupeta
ou mamadeira, ou na sensação de alívio e satisfação da evacuação.
Ao pensarmos neste “mundo psíquico” em que estão nossas memórias, sentimen-
tos e medos, é necessário entender que para Freud, este era comandado por um conjunto
de regras diferentes da realidade. Uma delas dizia respeito à passagem do tempo: o in-
consciente não aceitava as noções de passado e de presente, sendo atemporal. Situações
também poderiam ser imaginadas ou fantasiadas a fim de satisfazer alguns desejos do
indivíduo, apresentando o mesmo impacto e consequência de uma situação real, o que
demonstrava que o sujeito tomava como sua realidade o que acontecia em sua realidade
psíquica, ainda que esta não corresponda com a realidade externa. O autor ainda defende,
que os sintomas (manifestos como comportamentos ou pensamentos) eram decorrentes
de um conflito entre os desejos do sujeito e os chamados mecanismos de defesa. Assim, o
sintoma é ao mesmo tempo o sinal de um problema e uma tentativa de solução deste por
parte do psiquismo (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA; 1999).
Os mecanismos de defesa são recursos empregados pelo aparelho psíquico de forma
inconsciente para limitar o contato do sujeito com aspectos desagradáveis da realidade inter-
na ou externa, que seja fonte de sofrimento. Bock, Furtado e Teixeira (1999, p. 101) afirmam,
que “a pessoa ‘deforma’ ou suprime a realidade — deixa de registrar percepções externas,
afasta determinados conteúdos psíquicos, interfere no pensamento.” Alguns exemplos de
mecanismos de defesa incluem a regressão, um retorno a momentos mais primitivos do de-
senvolvimento, que incluem respostas características de situações infantis, como chorar de
forma intensa, quase perdendo o controle. A projeção é outro mecanismo, bastante presente,
em que alguém atribui a existência de algum aspecto negativo de si no mundo exterior, não
reconhecendo-o como algo pertencente a si. Tal situação é comum, quando observamos
pessoas que criticam defeitos alheios que elas também cometem, sem que se deem conta.

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 33


3
TÓPICO

EXISTENCIALISMO
E HUMANISMO

A psicologia existencialista e a humanista são frequentemente apresentadas em


conjunto, como se caminhassem juntas. Na verdade, trata-se de teorias diferentes, mas que
ramificam em um ponto comum: o desenvolvimento da perspectiva fenomenológica em filoso-
fia. Esta decorre das observações de Edmund Husserl, que assim como muitos dos filósofos
apresentados na primeira unidade, buscava questionar uma forma de obter uma fundamen-
tação segura para o conhecimento. Para o autor, era necessário aceitar a impossibilidade de
conhecer as coisas em si mesmas, compreendendo a percepção como um fenômeno, que
dizia respeito à relação da coisa com o sujeito que a percebe, tentando superar a dicotomia
entre sujeito e objeto (JACÓ-VILELA, FERREIRA, PORTUGAL, 2006; HOLANDA, 1997).
Husserl realizou uma crítica à epistemologia da época e sua postura diante da subjeti-
vidade, e privilegiou a intuição como um modo de produzir o saber, considerando-a uma via de
acesso a tais fenômenos. Sua perspectiva é contrária à de outras filosofias sobre o conhecimento,
que como você estudou na primeira unidade, tinham como objetivo a delimitação de um campo
objetivo para o estudo dos objetos, que não sofresse influência das percepções e experiências.
Nesta lógica, também não seria possível conhecer a consciência em si, mas somente a
consciência de algo, estabelecendo a intencionalidade como uma de suas características. Deste
modo, pode-se compreender a fenomenologia como “a descrição das estruturas da consciência”
(JACÓ-VILELA, FERREIRA, PORTUGAL, 2006, p.320). Assim, alguns pesquisadores que con-
sideravam a aplicação dos métodos e epistemologias das ciências naturais inadequados para o
estudo do homem, passaram a vislumbrar a abordagem fenomenológica do conhecimento como
uma alternativa, lançando as bases para uma outra forma de pensar o indivíduo.

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 34


Uma crítica similar à da fenomenologia se manifestou no existencialismo, filo-
sofia que defende, que a existência do homem é o que caracteriza sua “essência”. Esta
reconhece o indivíduo como um ser caracterizado pela sua singularidade e liberdade de
escolhas. Tal pensamento parte de uma crítica à filosofia enquanto produção especulativa
de modelos ideais e universais para definir a humanidade. Kierkegaard, um dos principais
filósofos dessa corrente de pensamento, via o homem como um ser que é livre ao assumir
a responsabilidade sobre aquilo que escolhe: este existe antes de qualquer coisa, e não
tem uma existência pré determinada, podendo dar qualquer sentido a ela a partir de sua
capacidade de ter consciência (JACÓ-VILELA, FERREIRA, PORTUGAL, 2006).

FIGURA 3 - KIERKEGAARD, RESPONSÁVEL PELO DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO


EXISTENCIALISTA

Fonte: MONTE, A. Monte de leituras: Blog do Alfredo Monte, 2011. Disponível em: https://armonte.wordpress.
com/2011/01/23/a-escola-da-possibilidade/ Acesso em: 10 set. 2022.

Outro pensador, Martin Heidegger, realizou uma articulação entre as teorias feno-
menológicas e existencialistas. Seu pensamento considerou o sujeito como alguém cuja
existência é livre e sua relação com o mundo é o que produz o sentido: não é possível
considerar uma existência em si mesmo. Este autor utiliza o termo Dasein para se referir à
sua compreensão de sujeito, alguém que existe em relação com o mundo, sem uma exis-
tência pensada previamente por outrem (JACÓ-VILELA, FERREIRA, PORTUGAL, 2006).
Além disso, ele aponta um modo de ser que encobre o existir, fazendo com que o
sujeito se expresse de forma inautêntica, relacionando-se com o mundo de forma prees-
tabelecida. Isto prejudica sua capacidade de expressar-se de modo singular. O indivíduo,
muitas vezes, também pode tomar como dado o sentido das relações consigo mesmo ou
com os outros, compreendendo sua existência como algo absoluto e natural.
Para Jacó-Vilela, Ferreira e Portugal (2006), este entendimento do mundo fracassa
quando algum objeto não funciona conforme o esperado, indicando ao indivíduo a possibi-

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 35


lidade de encontrar outros sentidos no contexto externo. Nesta situação, a falta do sentido
esperado é sentida como angústia. Ainda que o senso comum nos traga a ideia de que
esta é uma sensação ruim, a visão de Heidegger revela que esta sensação surge para o
indivíduo junto com sua capacidade de aprender novas formas de encarar uma ocorrência,
e de assumir a responsabilidade pela possibilidade de agir de forma diferente e livre.
Já a psicologia humanista desenvolveu-se em um contexto histórico que favoreceu
a valorização de cada indivíduo, marcada especialmente pela constituição, em 1948, da
Declaração Universal dos Direitos do Homem. Conforme segundo Jacó-Vilela, Ferreira e
Portugal (2006), este contexto aponta para a valorização da igualdade entre os homens,
que também favorece o entendimento de que, mesmo apesar das variações étnicas e cultu-
rais, a espécie humana não possui diferenças essenciais de nenhuma natureza, não sendo
determinada por nenhuma condição de seu desenvolvimento, tais como sua localização
geográfica, genética ou contexto histórico.
A psicologia humanista se desenvolveu inicialmente nos EUA, nas décadas de
1940 e 50, com os trabalhos de Carl Rogers, Abraham Maslow e Gordon W. Allport, entre
outros nomes. Seu surgimento ofereceu uma outra perspectiva psicológica diversa do
behaviorismo e da psicanálise, criticando ideias que entendiam ser deterministas sobre o
ser humano. Para os humanistas, o ser humano sadio possui a capacidade de transcender
tais determinações e ser plenamente responsável por suas ações.
O homem, para os humanistas, possui uma capacidade de autorrealização, o que
implica a preexistência de um potencial a ser realizado e uma tendência para sua realização.
Tal visão desperta o pensamento de que os humanistas também consideram que o ser humano
é predeterminado pela biologia, mas segundo Jacó-Vilela, Ferreira e Portugal, a constituição
física do ser humano, “possibilita o desenvolvimento psicológico, mas não o determina. O de-
senvolvimento nesse nível é possibilitado pelas relações interpessoais vividas.” (2006, p. 344).
A abordagem humanista aplicada no contexto terapêutico também é chamada de
abordagem centrada na pessoa, noção proposta por Carl Rogers, cujo intuito é enfatizar a auto-
nomia do indivíduo. Devido a sua compreensão de que os fenômenos subjetivos só podem ser
compreendidos pelas pessoas através de suas experiências imediatas, o psicólogo humanista
faz seu trabalho estando aberto à relação com o paciente, sem a necessidade de desempenhar
condutas específicas. Ele deve estar disponível e presente para apreender o sentido daquela
relação na qual não há mediação entre o terapeuta e o cliente (HOLANDA, 1997).

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 36


Além das teorias apresentadas, existem outras abordagens psicológicas, muitas das quais são utilizadas
no contexto clínico. Pode-se citar a psicologia cognitivo-comportamental, a Gestalt, a abordagem familiar
e sistêmica e a psicologia histórico-cultural como abordagens conhecidas e utilizadas por psicólogos que
trabalham neste contexto, que também podem servir para a pesquisa ou para o diagnóstico psicológico.
Outras teorias, como a psicologia social e institucional, são muito utilizadas por pesquisadores que desejam
conhecer e intervir em fenômenos coletivos, como relações em grupos sociais ou de trabalho.

Fonte: A autora (2022).

“Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que
modo específico ele pode ser salvo”.

Fonte: FREUD, S. A civilização e seus descontentes. Good Reads, 2018. Disponível em: https://www.
goodreads.com/quotes/9424573-n-o-existe-uma-regra-de-ouro-que-se-aplique-a Acesso em: 10 set. 2022.

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 37


CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que achou do conteúdo desta unidade? Espero que tenha conseguido aproveitar
ao máximo o conhecimento até aqui!
Nestas páginas, você aprendeu um pouco mais sobre três diferentes compreensões
sobre o homem, que constituem abordagens psicológicas. As teorias formuladas a partir
de uma determinada visão de homem contribuem para o desenvolvimento de técnicas de
intervenção e avaliação, modelos de conduta sadia e fundamentos teóricos para interpretar
e explicar fenômenos da realidade.
O conteúdo desta unidade apresentou de maneira introdutória estas formas de pen-
sar em Psicologia: existem outras teorias sobre o homem, e avanços e mudanças concei-
tuais nas concepções apresentadas. Afinal, o ser humano evolui com o tempo, e situações
e comportamentos novos despertam a curiosidade e o desejo dos psicólogos de encontrar
explicações para nosso modo de ser. Como explicar a relação das pessoas com as tecnolo-
gias da informação? Ou a transformação e aceitação de novas expressões de sexualidade,
além da heterossexualidade? Ou transtornos e diagnósticos que cada vez se tornam mais
comuns em nossas vidas, como a ansiedade e o transtorno de déficit de atenção?
Questões como estas não faziam parte dos estudos dos psicólogos que inaugura-
ram as linhas teóricas que você estudou nesta unidade, mas fazem parte da realidade atual
dos estudiosos do psiquismo. Assim, podemos pensar que a Psicologia é uma ciência que
expande suas questões juntamente com os avanços da humanidade.
Aproveite o encerramento desta unidade para refletir sobre a relação entre a his-
tória da Psicologia e as três linhas teóricas apresentadas, pensando em como a forma de
entender o homem varia, sofrendo influência de acontecimentos históricos e movimentos
na forma da sociedade se organizar.
Obrigada pela companhia e até mais!

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 38


LEITURA COMPLEMENTAR
Abordagens terapêuticas psicológicas para a qualidade de vida de pessoas autis-
tas: Revisão de literatura

O artigo pesquisa sobre o impacto as abordagens terapêuticas psicológicas na


qualidade de vida dos autistas, comparando as estratégias terapêuticas das abordagens
Terapia Cognitivo Comportamental (TCC); Análise do Comportamento Aplicada (ABA);
Abordagens Humanistas e Fenomenológicas e a Psicanálise, bem como sua eficácia na
qualidade de vida dos autistas.

Fonte: DE JESUS DA SILVA FAUSTINO, A.; LEAL, S. S. I.; SILVA, E V. R.; FARIAS, R. R. S. As abordagens terapêuticas
psicológicas na qualidade de vida dos autistas: Revisão de literatura. Research, Society and Development, v. 10, n. 8, p.
e16010816870, 2021. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/16870. Acesso em: 6 ago. 2022.

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 39


MATERIAL COMPLEMENTAR

• Título: Sobre o Behaviorismo

• Autor: B. F. Skinner

• Editora: Cultrix

• Sinopse: O autor, um dos mais importantes da teoria Comporta-


mental, apresenta os conceitos básicos de sua teoria e discute as
críticas feitas ao behaviorismo, em uma linguagem acessível.

• Título: Sessão de Terapia

• Ano: 2016

• Sinopse: Série que retrata o dia a dia de um psicanalista em


seu consultório, entremeado nos conflitos de seus clientes e nas
problemáticas de sua própria vida.

UNIDADE 2 TEORIAS E SISTEMAS EM PSICOLOGIA 40


Professor(a) Ma. Emanoella dos Santos Ruffo

• Entender os conceitos de assimilação, acomodação e

• Conhecer os quatro estádios do desenvolvimento de Jean

• Compreender os três modelos para a explicação da loucura.


COMO PENSA O

• A concepção de loucura e sua relação com a Psicologia.


HOMEM?

Objetivos da Aprendizagem
• O desenvolvimento do indivíduo;
UNIDADE

Plano de Estudos

equilibração;
3
Piaget;
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INTRODUÇÃO
Olá, querido (a) aluno (a)!
Espero que você esteja apreciando esta trajetória pelas noções da Psicologia.
Conhecer o ser humano implica em realizar uma série de perguntas e investigações sobre
como ele desenvolve suas habilidades e o que pode influenciar este processo.
Em seu cotidiano, é possível que você já tenha se perguntado algumas vezes como
cada pessoa adquire suas características: se estas já acompanham o sujeito em seu nas-
cimento ou se são adquiridas de acordo com o meio e o contexto social. Também pode ser
debatido se essas características podem ser modificadas, e de qual forma isto pode ocorrer.
Esta é uma questão muito interessante, pois afeta diretamente nossa organização social.
Compreender as possibilidades que o ser humano contém em si serve para estabe-
lecermos leis e políticas que ordenam a vida em sociedade, traçando diretrizes que podem
orientar aquilo que é saudável e aceitável para a maioria. Esta é uma das consequências
práticas da Psicologia enquanto ciência humana.
Nesta Unidade, você conhecerá um pouco sobre os estudos de Jean Piaget, um
psicólogo que buscou compreender o desenvolvimento da capacidade cognitiva do indiví-
duo. As teorias dele possuem bastante reconhecimento no campo da Pedagogia, funda-
mentando práticas no campo do ensino e influenciando trabalhadores e estudiosos que, de
alguma forma, têm um trabalho que está relacionado à inteligência humana.
Olhando para a outra ponta do espectro das capacidades humanas, você também
conhecerá um pouco mais sobre as concepções sobre a loucura: teorizações do ser humano
sobre a perda da capacidade de ser racional. Ao longo da História, diferentes entendimentos
sobre este fenômeno desencadearam diferentes formas de lidar com ele, passando pela
recente prática de tratamento em manicômios, que é muito criticada atualmente.
Ótimos estudos!

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 42


1
TÓPICO

O DESENVOLVIMENTO
DO INDIVÍDUO

O ser humano se desenvolve a partir da interação de múltiplos fatores. Um deles


é a genética: o conjunto herdado de informações repassadas pelos genitores influencia,
além de características físicas, fatores como a inteligência. Contudo, o indivíduo não é
determinado pelas suas características biológicas, pois, outros elementos contribuem ou
prejudicam no desenvolvimento de suas potencialidades.
Segundo Bock, Furtado e Teixeira (1999), o entorno ambiental tem um papel
igualmente importante na formação de uma pessoa: as experiências culturais e influências
externas estimulam o indivíduo a exercitar determinadas características. A habilidade de
uma criança para observar o mundo e fazer desenhos pode ter diversas consequências,
dependendo da atitude dos adultos que a cercam, do tempo e dos materiais que possui para
se dedicar a tal atividade e de como seu contexto histórico e social aceita a execução deste
tipo de tarefa. Além disso, o desenvolvimento do organismo e a maturação das estruturas
cerebrais também influencia naquilo que o sujeito é capaz de realizar.
Para avaliar o desenvolvimento, pode-se considerá-lo a partir de quatro eixos: as
relações sociais, a capacidade emocional, o aspecto físico-motor e a capacidade intelectual.
Esta divisão serve para facilitar a avaliação, pois no cotidiano, é impossível considerar que
um aspecto do desenvolvimento ocorre de forma independente dos outros. Por exemplo, o
amadurecimento do organismo permite que o indivíduo possa articular fonemas e aprenda
a linguagem, o que abre a possibilidade de estabelecer novas modalidades de relação com
aqueles que o cercam (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA; 1999).
O psicólogo mais importante em relação ao estudo do desenvolvimento foi o suíço
Jean Piaget, também especialista em zoologia, que concentrou seus estudos na capaci-
dade intelectual do indivíduo. Suas conclusões estabeleceram quatro estágios diferentes,
nos quais a capacidade de pensar passa por transformações importantes. Juntamente com

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 43


Freud, o fundador da psicanálise, o pensamento de Piaget trouxe uma das mais importantes
teorias sobre o desenvolvimento do indivíduo. Contudo, o trabalho de Freud analisou a evo-
lução do ser humano a partir de uma perspectiva psicossexual, que integrava as emoções
aos estágios da libido, a energia ligada aos instintos sexuais; enquanto Piaget analisou o
sujeito tomando como centro as mudanças do pensamento e da capacidade de conhecer.

1.1 Os estágios do desenvolvimento de Piaget


O modelo de desenvolvimento de Piaget considera, que o desenvolvimento ocorre
por meio da interação entre as capacidades do organismo e o ambiente, com o sujeito
interagindo com seu contexto e dando sentido à suas experiências em uma cadeia de
relações. O que ocorre quando entramos em contato com algo novo é uma assimilação
de um dado exterior, que não é incorporado como uma fotocópia, mas passa a existir em
nossa consciência integrado a uma estrutura mental que já existe (CAVICCHIA, 2010).
De acordo com Cavicchia (2010), esta capacidade de reconhecer e interagir com
algo novo é chamado de processo de adaptação, que pode ser entendida pelos conceitos
de assimilação e acomodação. A assimilação diz respeito a aquisição de determinado ele-
mento desconhecido como um objeto que faz parte do repertório de pensamentos daquele
sujeito, enquanto a acomodação é definida como a necessidade de considerar as particula-
ridades de cada elemento a ser assimilado. Estes processos estão equilibrados no sistema
cognitivo do sujeito, que se desequilibra diante da apreensão de algo desconhecido.

A partir de tais perturbações produzem-se construções compensatórias que


buscam novo equilíbrio, melhor do que o anterior. Nas sucessivas desequi-
librações e reequilibrações, o conhecimento exógeno é complementado pe-
las construções endógenas, que são incorporadas ao sistema cognitivo do
sujeito. Nesse processo, que Piaget denomina processo de equilibração, se
constroem as estruturas cognitivas que o sujeito emprega na compreensão
dos objetos, fatos e acontecimentos, levando ao progresso na construção do
conhecimento (CAVICCHIA, 2010, p. 2).

Assim, por meio de tais desequilíbrios e reequilíbrios em seus processos mentais,


o indivíduo é capaz de melhorar sua habilidade de organizar as experiências obtidas e de
se desenvolver cognitivamente, o que constitui os diferentes estádios do desenvolvimento
propostos por Piaget.
Estes estádios se desenrolam de modo sucessivo, e dependem da maturação bio-
lógica do indivíduo, mas a experiência assimilada pelo sujeito tem um papel fundamental
para tal desenvolvimento. Cavicchia (2010) destaca, que essas divisões formuladas por
Piaget dizem respeito às possibilidades do ser humano, sem necessariamente definirem a
evolução de cada indivíduo. A trajetória de cada sujeito é afetada por seu contexto socioam-
biental, assim como por sua organização afetiva.
O desenvolvimento da capacidade de pensar depende da maturação nervosa e de
sua capacidade de estabelecer conexões, que aumentam em número conforme o indivíduo

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 44


é posto em contato com experiências novas e que demandam alguma ação de sua parte.
Além do componente biológico e do exercício do sujeito sobre seu entorno, um terceiro fator
que influencia o desenvolvimento cognitivo é a interação social, já que a assimilação da
linguagem só é possível pela existência de instrumentos adequados de assimilação.
Piaget aponta que tais condições só favorecem o desenvolvimento, porque estão
associadas à capacidade dos seres vivos de auto-regulação, chamada de fator de equi-
libração. Para o autor, a interação é o principal fator para o desenvolvimento intelectual,
produzindo conhecimento quando os esquemas de assimilação que o sujeito possui, inte-
ragem com as propriedades do objeto (CAVICCHIA, 2010).
O primeiro estádio é o da inteligência sensório-motora, estabelecido como um
período que vai dos 0 aos 2 anos de idade, que lança as bases para processos cognitivos
complexos. No início da vida, o bebê age por reflexo, sugando quando algo estimula sua
boca, por exemplo. Estes esquemas cognitivos passam por adaptações para acomodar os
desajustes vivenciados a partir das experiências que a criança tem com seu meio, permi-
tindo que o infante possa construir novos esquemas de ação, que possibilita sua interação
com o ambiente. Exemplos dessas interações são o ato de olhar ou agarrar, ou mesmo a
interação com o próprio corpo, como sugar o polegar.
Depois de interagir consigo mesmo, o bebê começa a explorar seu entorno, perce-
bendo relações de causa e consequência em suas ações, que produzem ruídos, sensações
e movimentos. No final do segundo ano de vida, o indivíduo é capaz de compreender a
existência de objetos, do espaço, tempo e de causalidade e, também, consegue manter
representações no ambiente por meio de pensamentos a nível mental (CAVICCHIA, 2010).
De acordo com Cavicchia (2010), neste primeiro estádio, o infante parte de sua
capacidade perceptiva para se conectar com o meio externo, progredindo de um estado
inicial no qual está centrada em si mesmo para assimilar e acomodar sua existência e a do
mundo real. Este conhecimento permite que ela desenvolva a capacidade de representar
de forma simbólica aquilo que vivencia, constituindo assim sua subjetividade.
O estádio seguinte é o período pré-operatório, que engloba o período dos 2 aos
7 anos. Neste, a criança consolida sua inteligência representativa, na qual ainda não está
desenvolvida a capacidade de pensar, em sentido estrito, mas ela evoca imagens mentais
que representam os modelos que lhe são conhecidos. Cavicchia (2010) destaca que, este
modo de pensar infantil é calcado em símbolos particulares, pessoais, que não podem ser
chamados de conceitos abrangentes, e dependem essencialmente da experiência da criança.
Dos 7 aos 11 anos o processo de adaptação introduz novos esquemas cognitivos,
que caracterizam o chamado estádio operatório concreto. O indivíduo compreende a noção
de reversibilidade lógica, que ocorre a partir de suas ações sobre os elementos do ambien-
te. Já dos 11 aos 15 anos, período da adolescência, há o estádio das operações formais:
o jovem pode formular “representações de representações” (CAVICCHIA, 2010, p. 12) e
utilizá-las em raciocínios lógicos, sendo capaz de formular hipóteses e conclusões sem a
necessidade de manipulação concreta da realidade.

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 45


FIGURA 1 – O JOGO DA MEMÓRIA, COMUMENTE JOGADO POR CRIANÇAS COM MAIS DE
QUATRO ANOS, DEPENDE DA CAPACIDADE DE EVOCAR IMAGENS MENTAIS DOS OBJETOS

Fonte: JOGO Da Memória. Wikimedia Commons, 2005. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Memory_(game).JPG Acesso em: 10 set. 2022.

A produção intelectual de Piaget, que ocorreu na primeira metade dos anos 1900, foi
influenciada pelo contato com o trabalho de outros estudiosos, cujo cerne era obter conhecimen-
to sobre o indivíduo para produzir medições e categorizações. Ribeiro e Souza (2020), falam
sobre a experiência de Piaget como tradutor de um teste de inteligência elaborado por Cyril Burt,
cujos trabalhos eram do interesse de Theodore Simon, médico e psicólogo que contribuiu com a
elaboração do primeiro teste de inteligência francês, juntamente com Alfred Binet.
O contato que Piaget teve com tal instrumento - composto por questões para as
quais a criança deveria realizar conclusões lógicas - o incitou a compreender as razões que
explicariam os erros e a incapacidade das crianças de responder a certas perguntas, o que
o levou a elaborar seu próprio método clínico (RIBEIRO, SOUZA; 2020).
O uso dos estádios propostos por Piaget, assim, serve para explicar, e não para
classificar e diferenciar as crianças – uso dado aos testes psicológicos que surgiram a partir
de estudos psicométricos, campo da Psicologia com grande influência da proposta de ciên-
cia feita a partir da observação e experimentação. Nesta Unidade, não nos aprofundaremos
nesta parte do trabalho do psicólogo, mas é importante saber que a aplicação destas ferra-
mentas e interpretação dos seus resultados são sujeitos a estudos e discussões rigorosas.
Historicamente, testes de inteligência foram utilizados de forma ampla para avaliação
em escolas e no exército, e descuidos em sua atenção e compilação de dados contribuíram
para a reprodução de preconceitos sobre as capacidades intelectuais de grupos étnicos,
como os negros, por exemplo (JACÓ-VILELA, FERREIRA, PORTUGAL, 2006). Aconteci-
mentos como estes permitem que seja feita uma reflexão sobre a Psicologia, entendida
não apenas como uma ciência para compreender o ser humano, mas também como um
conhecimento aplicado na prática a serviço dos interesses sociais, para pensarmos e qual
seu papel na defesa ou prejuízo de determinados grupos de pessoas.

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 46


2
TÓPICO

A CONCEPÇÃO DE
LOUCURA E SUA RELAÇÃO
COM A PSICOLOGIA

No Brasil, a psicologia foi alçada à categoria profissional em 1962, marco que também
garantiu o estabelecimento das primeiras faculdades de psicologia. Na lei federal que versa sobre
o assunto, estabelece-se que uma das finalidades do trabalho deste novo profissional é solucionar
problemas de ajustamento. Assim, para além de conhecer os fenômenos mentais, o psicólogo
aplica seu conhecimento em casos nos quais há dificuldades de adaptação, desenvolvimento
incomum ou sofrimento excessivo. Isto associa o trabalho deste profissional ao cuidado com
indivíduos com transtornos mentais, o que torna importante conhecer um pouco deste assunto.
A psiquiatria, campo da medicina, também se desenvolveu com o objetivo de compreen-
der, categorizar e tratar estes quadros anormais que afligiam o ser humano. É neste ponto que
a psicologia mais se aproxima da psiquiatria, trabalhando frequentemente com suas noções
diagnósticas e associando suas teorias aos saberes sobre o funcionamento do organismo. É
com base nos trabalhos psiquiátricos que os profissionais da saúde diagnosticam as pessoas
atualmente, definindo se existem sintomas que apontam para uma anormalidade a ser tratada,
tal como depressão ou síndrome do pânico. Mas a compreensão de que o comportamento
aberrante é patológico e necessita de tratamento foi formada em um contexto histórico.
O entendimento ocidental da loucura na contemporaneidade é diferente da noção
encontrada em povos primitivos, que atribuíam tais alterações de conduta a forças sobre-
naturais. Em alguns casos, estas manifestações possuíam caráter sagrado e ritualístico,
podendo ser inclusive desejadas. Esta perspectiva difere muito da forma mais popular em
nossa sociedade de compreender alterações de consciência (DALGALARRONDO, 2008).
De acordo com Cherubini (2006), pode-se observar três modelos de pensamento
que se dedicam a investigar a loucura de formas diferentes no passar dos séculos, mas

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 47


que possuem, cada um deles, uma mesma visão etiológica da loucura. São as correntes
mítico-religiosa, organicista e psicológica, que se apresentam a seguir:
O modelo de pensamento mítico-religioso pode ser encontrado em obras de autores da
Grécia Antiga, cujos personagens são apresentados em estados desvairados, que decorrem de
uma conduta que desafia os deuses, buscando se assemelhar ou superá-los. Estes castigam
os humanos com a perda da razão, fazendo da loucura uma ocorrência originada nas forças
divinas, que pode ser revertida com a mudança da conduta do personagem, aproximando-se
novamente das normas sociais. Assim, esta forma de enxergar a loucura no período homérico
parte de elementos sobrenaturais, e as consequências da insanidade tampouco provocam
culpa ou estigmas nos personagens atingidos, pois suas ações não estavam sob seu controle.
Posteriormente, tal modo de entender a loucura ganhou força de novo aproxima-
damente no século XV, momento em que os atos insensatos são atribuídos a ação do
demônio. Diferentemente do que ocorreu no período clássico, a loucura não é entendida
como um fenômeno particular, o que se vê são apenas as consequências da possessão
demoníaca, atestando assim existência da entidade demoníaca.
Se tais quadros decorriam da proximidade ou do afastamento da presença divina,
também se entendia que a cura era encontrada na religião. No período medieval, o sofri-
mento é obtido através da penitência e da submissão.
Pensadores e publicações da época difundem esta ideia, fazendo com que o compor-
tamento aberrante seja também caracterizado como diabólico, causador de medo e passível
de exorcismo - uma prática que ganha cada vez mais espaço e se torna lucrativa, já que
a variedade de expressão dos poderes demoníacos permite que qualquer comportamento
entendido como desviante pode ser categorizado como loucura. O indivíduo comprometido,
por ter sido vítima de possessão, evidencia seu distanciamento de Deus e passa a ser visto
como perigoso, fato que Cherubini (2006) questiona como a possibilidade entre associação
da loucura com a periculosidade, noção ainda muito comum nos dias atuais.
No modelo mítico-religioso da loucura, a compreensão é de que forças sobrena-
turais, boas ou más, têm responsabilidade pelos estados de insanidade que acometem o
indivíduo. Ele é visto como incapaz de ser responsabilizado pelos seus atos a nível indivi-
dual, mas sofre sanções sociais, e a própria loucura passa a ser tida como um castigo para
pessoas mal vistas a nível social nas sociedades do período mencionado.
Segundo Cherubini (2006), o modelo organicista da loucura, por sua vez, também
encontra raízes na Grécia, na Antiguidade. Hipócrates, pai da medicina, postula que um
desarranjo no cérebro é a causa para os comportamentos anormais, postulando uma teoria
de desequilíbrios hormonais no organismo. Este desequilíbrio afetaria os fluidos corporais,

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 48


que prejudicam o funcionamento biológico, causando diversas doenças. Outros pensado-
res, tais como Aristóteles, supunha que a fonte da razão era o coração ao invés do cérebro,
mas pensava de maneira similar para elucidar a causa da insanidade: alterações orgânicas.
Galeno, estudioso da antiguidade que também se dedicou ao conhecimento da
saúde, modificou a noção de desequilíbrio humoral de Hipócrates e argumentou que ao
invés de fluidos corporais, os humores seriam pneumas, vapores internos produzidos pelo
organismo, variando de acordo com os órgãos. No caso da insanidade, também haveria
um dano encefálico, que teria consequências sobre as funções mentais superiores, como o
pensamento e a memória. Assim, as postulações de Galeno atribuem a origem da loucura
a causas biológicas, mas reconhece a existência de aspectos psíquicos nesta desordem
mental, pois há menção às funções mentais superiores (CHERUBINI, 2006).
Explicações orgânicas para a etiologia da loucura tornam-se muito comuns a par-
tir do século XVII, com as influências do Renascimento questionando os antigos valores
vigentes da Igreja Católica. O corpo humano passa a ser mais investigado, e uma das
teorizações, apresentada por Félix Platter, coloca o delírio como essência da loucura, cen-
tral para seu reconhecimento. Tal visão teve grande influência nos estudos médicos que se
seguiram, e outros acadêmicos passaram a buscar as causas do delírio.
A conduta dos pesquisadores da época era o desenvolvimento de estudos que
se afastassem de explicações místicas e filosóficas, consideradas especulativas. Teorias
diversas consideram os efeitos do ciclo lunar sobre o organismo, excesso de substâncias
tóxicas ou processos mecânicos que levassem a um mau funcionamento do corpo, preju-
dicando, por exemplo, as fibras nervosas. Este processo teria impacto no funcionamento
cerebral, com possíveis danos à estrutura do órgão, mas não havia consideração sobre os
aspectos afetivos do indivíduo. O comportamento delirante e descontrolado deriva do mau
funcionamento biológico (CHERUBINI, 2006).
No período entre os séculos XV e XVI os loucos tinham a permissão de perambular
pela cidade, bem como os miseráveis - a caridade com estes indivíduos possuía o caráter de
virtude, e contribuía para a salvação do sujeito, já que a existência dos pobres e dos desvai-
rados era entendida como um desígnio de Deus. Entretanto, a decadência do sistema feudal
acarretou diversas mudanças, que fez com que loucos, vadios e miseráveis passassem a
ser vistos como ameaças à ordem social, e passaram a receber um novo tratamento.
Se a visão católica entendia que a salvação era conquistada por meio de boas
obras, a reforma protestante passou a valorizar o trabalho ao invés da caridade. Com isso,
tais indivíduos marginalizados, como os loucos e doentes, passaram a ser julgados e ques-
tionados por não produzirem valor, vivendo no ócio. A incapacidade do louco de trabalhar o

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 49


colocou, assim, como um ser inferior e fraco, que não poderia se integrar ao modo de vida
em sociedade produzido pela burguesia.
A partir daí, os loucos passaram a ser encarcerados em instituições, como as que eram
destinadas anteriormente aos leprosos para que não perturbasse o convívio social. Não havia
distinção entre seu isolamento e outros indivíduos considerados problemáticos, como aqueles
com doenças contagiosas, vagabundos e criminosos. Mas a lógica capitalista observa, que
alguns desses sujeitos podem ser incorporados pelo mercado de trabalho, produzindo valor
ao invés de aumentar os custos do Estado com seu sustento. Os desvairados permanecem,
então, isolados da sociedade, e seu distanciamento das outras classes marginalizadas possi-
bilitou a produção de observações e conhecimentos sobre sua condição (CHERUBINI, 2006).

FIGURA 2 – A OBRA “CASA DE LOCOS”, DE FRANCISCO DE GOYA

Fonte: GOYA, F. O hospício. Wikimedia Commons, 1828. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/


File:Francisco_de_Goya_-_La_casa_de_locos_-_Google_Art_Project.jpg Acesso em: 10 set. 2022.

Um outro marco no estudo da loucura ocorreu com a publicação de um tratado por


Phillipe Pinel, médico que estudou a alienação mental, lançando as bases para a psiquiatria
como um campo independente do saber médico. Pinel atribuiu tal condição a prejuízos no
intelecto e na vontade, causando comprometimento das faculdades mentais.
O médico também defendeu a observação do comportamento bizarro a fim de clas-
sificá-lo, e apontou que para conhecer melhor o assunto era necessário mudar a forma de
tratamento dos sujeitos enfermos, abandonando o confinamento agressivo e outras práticas
similares calcadas na violência, que afetavam o comportamento dos indivíduos. Pinel apre-
sentou distinções na classificação de quadros como a melancolia (estado de abatimento
e perda de interesse nas coisas) e a mania (quadro em que há agitação e desordens na
atividade mental, sem indicar uma perda completa da racionalidade), e entendeu que qua-
dros como estes possuem origem em questões de educação e moral (CHERUBINI, 2006).

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 50


Um pensamento similar a este, que caracteriza o terceiro modo de compreender
a origem da loucura, pode ser traçado até Eurípedes, autor grego da Antiguidade, cuja
produção de peças trágicas apresentou heróis lançados à perda do juízo pelo excesso de
sentimentos como a paixão, ódio ou uma falta de controle de seus instintos, atribuindo tal
desequilíbrio como causa da insensatez, afastando-se da visão de outros pensadores de
que a loucura seria causada pelos deuses.
Os trabalhos de Eurípedes, Sófocles e Ésquilo revelam uma compreensão de ser em
conflito, que possui uma natureza instintiva que prevalece em relação à vontade, lançando o
homem a estados extremados de emoção. Em suas tragédias, é possível notar que o oposto
da loucura é a prudência e a temperança - características atribuídas ao deus Apolo. Ainda
assim, os autores citados não recorrem às divindades como causa para a loucura ou sua re-
missão, diferenciando seu entendimento da loucura da presente em outras produções antigas.
Desta forma, é possível notar semelhanças na visão presente nas tragédias gregas
e em Pinel, podendo elaborar uma compreensão psicológica da origem da loucura. Este
último pôde observar de forma privilegiada a conduta dos doentes mentais nas instituições
asilares, elaborando descrições e classificações de cada quadro.

FIGURA 3 – PINTURA INTITULADA “PINEL, DIRETOR MÉDICO DO HOSPITAL SALPÊTRIÈRE IN 1795”

Fonte: FLEURY, T. R. Photographie de “Pinel, médecin em chef de la Salpêtrière em 1975” Wikimedia Commons, 2017.
Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Photographie_du_tableau_%22Pinel,_m%C3%A9decin_
en_chef_de_la_Salp%C3%AAtri%C3%A8re_en_1795%22_-_Archives_nationales_(France).jpg Acesso em: 10 set. 2022.

Cherubini (2006) relata, que isso colocou a medicina diante da possibilidade de


buscar a cura para a insanidade, buscando desenvolver métodos terapêuticos. No caso
dos profissionais de orientação organicista, sua prática passou a adotar tratamentos físicos
agressivos e recursos psicofarmacológicos, para atuar no sistema nervoso visando sua mu-

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 51


dança, desconsiderando as percepções do paciente. Já Pinel e seus seguidores buscavam
tratamentos físicos, que trouxessem aos loucos novas experiências cognitivas e sensoriais
opostas às indicadas pelos seus sintomas delirantes, muitas vezes transmitindo-lhes a
noção de que eram castigos empregados para o bem-estar do alienado.
A compreensão de tratamento da loucura apresentada por Pinel é a da introdução
da moralidade ao paciente, repetindo o método até que o indivíduo desenvolva uma culpa
por sua conduta. Cherubini cita, que “o louco passa a se sentir como doente e acreditar
no poder de cura do médico” (p. 24, 2006). Os psiquiatras que seguiram o trabalho de
Pinel passaram, gradualmente, a adotar sua cura moral com propósitos disciplinares, tendo
como prioridade a ordem dentro dos manicômios ao invés do bem-estar do paciente, o que
recolocou tais espaços como ferramentas de segregação.
Estes três modelos de entender a loucura se alternam, produzindo o seguinte panorama,
que influencia as ciências desenvolvidas nos séculos XVIII e XIX: O modelo mítico-religioso de
loucura é dispensado, pois, a visão racional do mundo e seus fenômenos não aceita mais tais ex-
plicações. O modelo psicológico depende de uma base organicista, e considera que a dimensão
psíquica da doença tem a ver com uma falha moral, que cabe ao médico curar - transformando-o
em um representante de um poder social, pináculo da racionalidade (CHERUBINI, 2006).
Atualmente, no Brasil, há uma lei que dispõe sobre os direitos dos pacientes com trans-
tornos mentais, bem como questões relacionadas ao tratamento. Esta assegura o tratamento
com humanidade e respeito, visando alcançar sua recuperação, a proteção contra qualquer
forma de abuso e a preferência por tratamento em serviços comunitários de saúde mental
(BRASIL, 2001). Assim, o psicólogo, quando envolvido no cuidado de tais casos, deve agir
considerando tais princípios, executando seu trabalho embasado em práticas científicas. Isso
se opõe a considerar que a loucura seja provocada por manifestações divinas ou sobrenaturais.
Da mesma forma, a adoção do profissional de saúde mental como referência moral,
como proposto por Pinel, não constitui uma prática cientificamente validada pela Psicologia. O
psicólogo, assim, analisa os fatores biológicos e afetivos que podem desencadear um quadro de
doença, e busca desenvolver intervenções que modifiquem o curso da doença. A compreensão
da loucura a partir de um modelo psicológico é algo que se tornou objeto de análise das diversas
abordagens teóricas, formulando teorias atreladas a sua forma de entender o ser humano.

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 52


Um outro psicólogo que se dedicou a estudar o desenvolvimento foi Lev Vygotsky, autor bielorrusso que
definiu, em sua obra, a importância de compreender historicamente os processos mentais. Você pode co-
nhecer mais sobre sua teoria neste vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=kSC8SKcMTtI

Fonte: UNIVESP. Psicologia da Educação - Teoria histórico-cultural de Vygotsky e a Prática Educativa. Youtu-
be. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kSC8SKcMTtI. Acesso em: 01 ago. 2022.

“A moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito
que o indivíduo adquire por essas regras.”

Fonte: Piaget (1932/1994, p.23).

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 53


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Olá, aluno (a)!
Você chegou no final da terceira unidade, o que significa que nossos estudos já
estão se aproximando do final. Que bom que você continua empenhado! Nas páginas
anteriores, você pôde conhecer uma introdução sobre aspectos da Psicologia dedicados
a analisar o desenvolvimento humano: a teoria de Jean Piaget, psicólogo que estudou a
cognição e a capacidade de pensar em crianças.
Como já estudamos, as teorias da Psicologia variam de acordo com o entendimento
que se tem do ser humano. Algumas delas enfatizam mais a disposição biológica do indivíduo,
o que não acontece com as outras. Quando falamos sobre a questão da loucura, você notou
que um dos modelos explicativos se centrava nos fatores orgânicos. Para a Psicologia, natural-
mente, a compreensão de tal fenômeno vai além do funcionamento das estruturas biológicas.
De modo análogo, Piaget, que tinha formação em Biologia, considerou a impor-
tância da maturação do organismo na capacidade cognitiva, mas formulou uma teoria que
levava em conta a interação do organismo com os estímulos ambientais, que contribuía
para a formação dos processos mentais. Em seguida, essas interações eram moduladas
pelos processos mentais de equilibração.
Assim, você também compreendeu que o ser humano se desenvolve a partir de
suas estruturas biológicas, mas o meio que o cerca tem efeito sobre seu desenvolvimento,
e processos psicológicos ocupam uma posição tanto de influenciador das relações meio-
-ambiente, como são influenciados por essa interação. A conclusão é que o desenvolvimen-
to do ser humano é bastante complexo e dificilmente consegue-se encontrar uma causa
única para questões que afetam o crescimento do indivíduo, que muitas vezes se tornam
problemas – tais como transtornos mentais, transtornos de aprendizagem e de conduta.
Espero que esta Unidade tenha facilitado o seu entendimento sobre o ser humano
e estimulando você a aprofundar ainda mais seus estudos sobre este tema!
Até a próxima!

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 54


LEITURA COMPLEMENTAR
O movimento antimanicomial no Brasil

Este artigo aborda a história da luta antimanicomial no Brasil, narrando as con-


dições que levaram um grupo de indivíduos, trabalhadores de saúde mental e familiares
de pacientes a se organizarem em busca de transformações no cuidado com pacientes
com transtorno mental. A luta antimanicomial é o movimento responsável pela atual política
pública de cuidados às pessoas com doenças mentais, que preza pelo tratamento huma-
nizado, que preserve os vínculos da pessoa com sua rede de apoio e território de origem.

Fonte: LÜCHMANN, L. H. H.; RODRIGUES, J. O movimento antimanicomial no Brasil. Ciência e saúde coletiva, v.
12, n. 2, abr. 2007. Disponível em https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000200016. Acesso em: 10 ago. 2022.

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 55


MATERIAL COMPLEMENTAR

• Título: Piaget para Principiantes

• Autor: Lauro de Oliveira Lima.

• Editora: Summus Editorial; 6ª edição (1 janeiro 1980).

• Sinopse: Este livro inclui mais de 30 artigos do autor suíço sobre


os aspectos do desenvolvimento, sendo uma referência sólida para
aqueles que desejam se aprofundar em sua teoria.

• Título: Nise – O Coração da Loucura

• Ano: 2016.

• Sinopse: Baseado na história real da psiquiatra Nise da Silveira,


que adotou métodos considerados inovadores para o tratamento
de pacientes psiquiátricos na década de 1940, incentivando práti-
cas artísticas e o cuidado humanizado em um período em que os
doentes mentais eram mantidos em isolamento.

UNIDADE 3 COMO PENSA O HOMEM? 56


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UNIDADE

PSICOLOGIA
E RELIGIÃO:
INTERSECÇÕES
Professor(a) Ma. Emanoella dos Santos Ruffo

Plano de Estudos
• A Psicologia da religião;
• O aconselhamento religioso.

Objetivos da Aprendizagem
• Entender o que é a Psicologia da religião;
• Compreender a relação entre a religião, qualidade de
vida e saúde mental;
• Compreender as técnicas utilizadas para desenvolver a
escuta ativa;
• Entender de que modo ocorre a aproximação entre
aconselhamento religioso e escuta psicanalítica.
INTRODUÇÃO
Seja bem-vindo (a) novamente, aluno (a)!
Você irá iniciar a última Unidade desta disciplina. Como se sente? Até aqui você já
aprendeu muito sobre este campo do conhecimento que se tornou nosso foco! Fizemos um
passeio histórico, para compreender como o homem entendia a si mesmo em diferentes
momentos: na Antiguidade, no período medieval e na era moderna, época de muitas evo-
luções, que fez com que o ser humano finalmente pudesse conhecer a si próprio de uma
perspectiva biológica e experimental.
Esta possibilidade influenciou os estudiosos que se debruçavam sobre as questões
propostas por filósofos sobre a consciência e a existência da mente. No início, a Psicologia
buscou conhecer o ser humano por meio de experimentos e fenômenos que pudessem
ser medidos e quantificados. Mudanças na forma de entender a ciência levaram a novas
propostas teóricas para compreender o ser humano, que coexistem na Psicologia, funda-
mentando teorias e técnicas para compreender diferentes nuances da vida das pessoas.
Agora, após todos estes estudos, você está mais apto para articular algumas apro-
ximações entre a Psicologia e a religião! Nesta Unidade, você irá conhecer uma introdução
à Psicologia da religião, área da Psicologia que tem como objetivo compreender como os
fenômenos espirituais e religiosos afetam o indivíduo. A união entre estes dois campos
desperta muitas dúvidas e discussões, mas posso adiantar que não é possível conceber
uma Psicologia “religiosa”, que considere exclusivamente a visão particular de uma fé para
explicar os fenômenos humanos.
Ainda assim, como a religião faz parte da vida da maior parte das pessoas, impedir
este diálogo entre campos do conhecimento distintos é prejudicar a compreensão completa
do ser humano. Nas páginas seguintes, você poderá conhecer mais sobre as intersecções
encontradas entre estas duas formas de pensar a vida interna do indivíduo.
Desejo a você bons estudos!

UNIDADE 4 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: INTERSECÇÕES 58


1
TÓPICO

A PSICOLOGIA
DA RELIGIÃO

Nas últimas unidades, diversos aspectos da Psicologia foram apresentados: sua


história, principais estudiosos e teorias populares. É possível defini-la como uma ciência
que tem como seu objeto os fenômenos mentais e subjetivos. Se há uma aproximação
da religião, na tentativa de estabelecer comparações, inicialmente é possível apontar que
ambas possuem um saber sobre o ser humano, suas práticas e pensamentos.
Entretanto, há uma nítida diferença entre estas duas áreas: a religião não é um
campo do saber científico, e não possui práticas fundamentadas com base em um método
rigoroso. Pode-se definir a religião como um conjunto de crenças e atitudes em relação ao
sagrado, e que possui um caráter coletivo, unindo um grupo de indivíduos que possuem
semelhanças em sua fé.
Ainda que estas formas plurais de se relacionar com o sagrado se organizem de
modos diferentes entre si, alguns pontos em comum podem ser encontrados para auxi-
liar em uma definição. É possível citar: uma organização hierárquica, o caráter público,
a promoção de encontros e reuniões com regularidade, a existência de rituais festivos e
o estabelecimento de limites entre o que é certo e errado, sagrado ou profano. Por fim,
Bezerra, Azambuja e Ferreira apontam:

Uma última característica comum que merece destaque é a presença e a ela-


boração de um sistema de crenças vinculado ao sobrenatural, cuja principal
finalidade é buscar pelo entendimento da morte e de uma possível vida após
o passamento (2021, p. 53).

Por se tratar de um fenômeno ligado ao ser humano, há uma área da Psicologia


que se destina a estudar a religião. A psicologia da religião se dedica a estudar o compor-
tamento religioso, investigando sua relação com aspectos culturais e pessoais. Ainda que a

UNIDADE 4 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: INTERSECÇÕES 59


ideia mais popular sobre o psicólogo é a de um profissional que trabalha em seu consultório
e analisa os problemas e patologias a nível individual, o profissional formado em Psicologia
pode direcionar seu campo de estudo para a compreensão de fenômenos variados que
dizem respeito à existência humana, sem que necessite tomar um enfoque clínico.
Para Bezerra, Azambuja e Ferreira (2021, p. 155), “a religião é responsável por nortear
uma série de costumes, valores e pode, até mesmo, afetar a ciência, sem retirar-lhe, porém, a
autonomia”. Assim, quando a psicologia se aproxima da religião, o faz com o objetivo de analisar
o indivíduo religioso. Paiva (2018) afirma, que a Psicologia da religião deve buscar compreender
o que existe de psíquico no comportamento religioso, ao invés de centralizar-se nos aspectos
religiosos existentes no psiquismo. Ancona-Lopez (2002) aponta, que esta área de estudo de-
manda do profissional uma aproximação que respeite a singularidade dos dois campos.
Ainda segundo a referida autora, ao tomar a religião para ser explicada pela
Psicologia, existe o risco de descrever os fenômenos religiosos sem a referência cultural
que atribui seus significados específicos. Por outro lado, também existe a possibilidade de
transformar a psicologia da religião em uma psicologia religiosa, ou seja, uma interpretação
dos fenômenos psicológicos baseada nos valores e crenças de uma doutrina. Ambos os
cenários estariam fora da proposta da Psicologia da religião.
É essencial que, na busca pelo diálogo entre estas duas dimensões do conheci-
mento, a autonomia de cada área seja preservada, ressaltando que o objeto da psicologia é
sempre o indivíduo, e não a religião em si. Tal convergência constitui um campo polêmico, e
Bezerra, Azambuja e Ferreira (2021) relatam que, inicialmente, a Psicologia acabou sendo
utilizada a serviço da religião, buscando fortalecer a fé ou ampliar a educação religiosa.
Outro conflito estabelecido entre os dois campos foi a associação de alguns pesquisadores
entre a religiosidade e padrões de doença mental. Estes recortes evidenciam o quão com-
plexa é a construção de um diálogo entre estas áreas do saber.

1.1 A busca pelo bem-estar do ser humano


Bezerra, Azambuja e Ferreira (2021) discutem a influência da religião na qualida-
de de vida dos indivíduos. Os autores citam que há estudos estabelecendo uma relação
entre os vínculos religiosos e um aumento do bem-estar nas pessoas, pela transmissão
de conselhos e ensinamentos de cunho espiritual. Contudo, outras pesquisas ressaltam a
associação negativa entre religião e qualidade de vida, identificando que as normas e direti-
vas de cada religião, que estabelecem o que é fonte de pecado, pode provocar sentimentos
de “repúdio, indignação e falha” (p. 102).
Além disso, a dimensão social da religião pode ocasionar situações de cobranças e
exclusão caso alguns indivíduos ajam contra as normas estabelecidas, o que pode provocar
ansiedade, conflitos emocionais, vivências estressantes e inibições, o que pode repercutir
negativamente na saúde dos fiéis, caso isso represente um conflito entre aquilo que desejam
para si e o preconizado por sua religião (BEZERRA, AZAMBUJA, FERREIRA; 2021).

UNIDADE 4 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: INTERSECÇÕES 60


Tais questões têm impacto direto na saúde mental dos indivíduos, que Bezerra, Azam-
buja e Ferreira (2021) definem como o modo de cada indivíduo agir e lidar com os sentimentos
decorrentes das mudanças, desafios e demandas apresentadas pela realidade. Os autores
apontam que atualmente, ainda se mantém uma crença de que uma boa saúde mental depende
exclusivamente da boa vontade do sujeito, dado que o sofrimento psíquico não é um sintoma
que pode ser percebido de forma concreta, sendo mais difícil de perceber em comparação com
sintomas físicos. Em muitas circunstâncias, a doença mental é associada com a preguiça.
Bezerra, Azambuja e Ferreira (2021) apontam a ligação entre a religião e os proces-
sos de cura, afirmando que a crença religiosa promove a cura pela fé. Os autores também
mencionam que, no caso das doenças psicológicas, cujo tempo de tratamento é maior, há
maior ocorrência de orações e pedidos de intercessão em nome da cura. Ainda segundo
eles, pode-se afirmar que há uma atuação da religião nos tratamentos de saúde, mesmo
que esta não se dê por meio da cura e de modo científico e medicinal.

FIGURA 1 – UM DOS MOTIVOS PELOS QUAIS AS PESSOAS ORAM É O RESTABELECIMENTO DA SAÚDE

Fonte: MULHER rezando na Igreja Cristo buen Viaje. Wikimedia Commons, 2014. Disponível: https://commons.
wikimedia.org/wiki/File:Woman_praying_in_Cristo_buen_Viaje_Church.jpg Acesso em: 10 ago. 2022.

Em situações de fragilidade diante de uma doença, o papel da religião seria um


espaço protetor, que forneceria uma perspectiva de sentido para a vida, controle das situa-
ções presentes e futuras, e acolhimento das necessidades daquele sujeito. Isto não exclui
a adoção do tratamento prescrito pelo profissional de saúde, conforme esclarecem Bezerra,
Azambuja e Ferreira (2021). Para estes autores, o acompanhamento por um profissional
de saúde mental auxiliaria a evitar ou diminuir o impacto de possíveis intervenções negati-
vas causadas pela espiritualidade e a religiosidade. A diferença entre a personalidade e o
contexto social de cada sujeito dificulta o estabelecimento de quais aspectos de uma expe-
riência religiosa podem ser prejudiciais à saúde mental e a qualidade de vida do indivíduo.
Até aqui, é possível observar que a religião e a Psicologia guardam algumas se-
melhanças entre si. Mesmo sem apresentar um consenso em sua forma de compreender o
homem, as teorias psicológicas se opõem a um tratamento desumano e abusivo, buscando

UNIDADE 4 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: INTERSECÇÕES 61


combater ações que prejudiquem o ser humano. A religião também apresenta um código
moral, que não está fundamentado em uma análise ética racional, sendo derivada dos
dogmas e mandamentos divinos (BEZERRA, AZAMBUJA, FERREIRA; 2021).
O Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005) aponta que o profissional,
em sua prática, não deve induzir seu cliente a convicções religiosas, proibição que também
se estende a ideologias políticas e filosóficas e orientação sexual. Este artigo não impede
ao psicólogo que possua uma crença ou exercite sua fé, mas diz respeito às atividades que
desempenha no âmbito profissional.
Em outro artigo, há uma normativa que reitera a necessidade de que o profissional
utilize, em sua conduta, técnicas e conhecimentos fundamentados na ciência psicológica.
Assim, não é possível, de acordo com a orientação do Conselho Federal, que a prática do
psicólogo se utilize de teorias e métodos religiosos, tais como experiências de conversão,
regressão a vidas passadas ou outras práticas adivinhatórias.

FIGURA 2 – PRÁTICAS DE CURA ESPIRITUAL NÃO SÃO ACEITAS COMO PARTE DA CONDUTA
DO PSICÓLOGO

Fonte: CURA pela fé na Igreja Metodista Llandrindod Wells. Wikimedia Commons, 2010. Disponível: https://commons.
wikimedia.org/wiki/File:Faith_healing_at_Llandrindod_Wells_Methodist_Church_(4404430594).jpg Acesso em: 10 ago. 2022.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP), entende que a prática psicológica deve se


desenvolver de modo laico, seguindo os princípios da Constituição Federal. A noção de lai-
cidade diz respeito à rejeição de um ponto de vista unilateral religioso em suas práticas, que
prevaleça sobre o direito de cada indivíduo de manifestar sua fé (ou ausência dela) da forma
que preferir. Assim, no Brasil, a Psicologia não é agnóstica ou antirreligiosa, mas ela se opõe
ao uso da espiritualidade e da religiosidade como ferramentas pelo psicólogo. O emprego das
próprias crenças por este profissional é uma atitude antiética, que pode acarretar prejuízo e
mais sofrimento ao paciente (BEZERRA, AZAMBUJA, FERREIRA, 2021; CFP, 2005).

UNIDADE 4 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: INTERSECÇÕES 62


2
TÓPICO

O ACONSELHAMENTO
RELIGIOSO

Outra aproximação entre a Psicologia e a religião ocorre na prática do aconselha-


mento religioso, orientação oferecida por uma figura de liderança religiosa aos seguidores
que buscam respostas para questões pessoais. Santos (2010) entende, que a função do
conselheiro é auxiliar o aconselhando a lidar de forma madura com situações desfavoráveis
do cotidiano, conduzindo o sujeito “a um melhor relacionamento com Deus, consigo mesmo
e com a sociedade em geral” (p. 14). Assim, compreende-se que a pessoa que busca o
aconselhamento apresenta algum nível de angústia, situação próxima à relação que se
estabelece entre o psicólogo clínico e os pacientes que utilizam tal serviço.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) (2016), em um programa de qualificação
para profissionais sobre o manejo de pacientes com transtornos mentais, neurológicos e
abuso de substâncias (mhGAP) em países com pouco acesso a profissionais especia-
lizados, destaca que uma habilidade muito importante na abordagem desses casos é a
habilidade de comunicação. Em seu manual, a OMS destaca alguns tópicos que favorecem
a boa comunicação: alguns deles são o acolhimento inicial, o uso de linguagem clara e
concisa, o uso de perguntas abertas e o exercício de uma postura respeitosa em todos os
momentos, além da prática da escuta ativa.
Segundo este programa, a escuta ativa é a habilidade de ouvir com atenção o que está
sendo verbalizado, ao mesmo tempo em que se procura o sentido daquilo que está sendo co-
municado. Para além das mensagens verbais, uma pessoa pode transmitir aquilo que sente por
meio de gestos, expressões faciais e posicionamento do corpo, além de pausas e mudanças na
entonação do discurso. O indivíduo pode ter a necessidade de permanecer em silêncio ao tratar

UNIDADE 4 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: INTERSECÇÕES 63


de alguma questão difícil, e as recomendações são que o ouvinte não tema estes momentos,
permitindo a expressão livre daquilo que o sujeito sente, sem apressá-lo (OMS, 2016).

FIGURA 3 – É IMPORTANTE PARA UM CONSELHEIRO OUVIR E ESTAR ATENTO A TODAS AS


MENSAGENS TRANSMITIDAS PELO ACONSELHANDO

Fonte: PNG serviço de aconselhamento para mulheres. Wikimedia Commons, 2008. Disponível: https://commons.wikimedia.
org/wiki/File:PNG_counselling_service_for_women._PNG_2008._Photo-_AusAID_(10713786424).jpg Acesso em: 10 ago. 2022.

A OMS (2016) também cita a empatia como característica necessária para a escuta
ativa. A capacidade de compreender e partilhar os sentimentos do outro é fundamental para
entender a perspectiva de quem fala, além de servir para reforçar um vínculo entre o par que
conversa. Para ampliar esta compreensão, a recomendação é utilizar questões abertas, tais
como “como você se sente?” ao invés de “você está bem?”; “com quem você mora?” ao invés
de “você é casado(a)?” para estimular a pessoa a detalhar o que pensa. Questões fechadas
podem ser úteis diante de indivíduos retraídos, ou para encerrar conversas, se necessário.
Outra estratégia que pode ser utilizada para aprimorar a comunicação é a capacidade
de síntese do que o indivíduo relatou. Ao verbalizar os pontos principais do que foi dito pelo
sujeito, nas palavras do ouvinte, este tem a oportunidade de mostrar que estava atento ao
relato, ao mesmo tempo que pode clarificar se compreendeu corretamente. Utilizar termos
como, “me pareceu que você quis dizer...” e “o que eu entendi foi...” fortalecem esta perspecti-
va, de que o ouvinte quer compreender melhor o que o indivíduo está relatando (OMS, 2016).
Além desta referência para a construção de um bom vínculo com o sujeito que
necessita relatar seu sofrimento, Santos (2010) propôs o estabelecimento de uma reflexão
entre a psicanálise e o aconselhamento religioso. O autor apontou que a construção teórica
de Freud possui aspectos que antagonizam com a fé cristã, mas ressalta que a escuta
psicanalítica do indivíduo é um recurso interessante para este modelo de aconselhamento.
Para ele, a escuta deve ser realizada de forma isenta de parcialidade, que permita a ex-
pressão legítima dos tormentos do aconselhando.

UNIDADE 4 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: INTERSECÇÕES 64


Tal atitude de escuta seria uma instrumentação psicanalítica do aconselhamento pasto-
ral, sem renunciar à proposta de aconselhamento que considera a espiritualidade, ameaçar a fé
do aconselhando com a apresentação de uma outra teoria, ou realizar um trabalho psicológico ou
psicanalítico. Como já discutido, a prática psicológica utiliza recursos e intervenções baseados
em teorias científicas, e a Psicanálise também possui uma teoria e método próprio. O trabalho
de Santos (2010) possibilita incluir o modelo de escuta proposto por Freud ao aconselhamento
religioso, para que o conselheiro possa conhecer mais sobre o indivíduo que busca auxílio.
A fala do sujeito que busca o aconselhamento só pode expressar a situação de
sofrimento que lhe despertou a necessidade de ajuda se o ouvinte puder acolhê-lo de
modo neutro, permitindo que ele elabore a situação em suas palavras, sem interrupções e
silenciamentos. O autor ainda afirma:

O trabalho do conselheiro é o de ajudar nesse árduo caminho da descoberta


de si mesmo. Essa tarefa exige preparo, empenho e, acima de tudo, res-
ponsabilidade na condução desse processo que pode agravar uma situação
desfavorável, tornando-a psiquicamente irreversível (SANTOS, 2010, p. 71).

Deste modo, a descoberta de si ocorreria por meio do relato, e caberia ao conse-


lheiro identificar e ajudar o aconselhando a perceber o que está contido nas entrelinhas do
seu discurso. Santos (2010) ainda destaca que a história de cada sujeito é única, e que
semelhanças na história pessoal ou fatos relatados não significam que o aconselhamento
realizado com uma pessoa possa ser transposto para outra: o ouvinte deve estar atento
para a singularidade de cada pessoa.
Ainda que Freud, fundador da Psicanálise, tenha declarado seu ateísmo, Santos
(2010) aponta que não existe uma associação incontestável entre a teoria psicanalítica e a
descrença no transcendente. Para o autor, esta teoria busca uma investigação de proces-
sos psíquicos inconscientes em busca da cura de estados de sofrimento, independente da
postura do sujeito que sofre perante Deus, assim como o aconselhamento pastoral deve
visar auxiliar o aconselhando para lidar melhor com os obstáculos em sua vida, sejam estas
dificuldades de ordem religiosa ou secular. O autor afirma, que “a psicanálise e o aconselha-
mento pastoral serão excludentes no que diz respeito à fé, mas ao mesmo tempo inclusivos
na observação de aspectos da saúde psíquica e espiritual do aconselhando” (2010, p. 93).
Outra aproximação entre os estudos sobre o psiquismo e a religião ocorreu por
meio do diálogo entre Freud e Oskar Pfister, pastor protestante e psicanalista. Há registro
da correspondência entre os dois, que mantiveram uma relação de amizade mesmo ape-
sar das crenças diferentes. Segundo Albuquerque (2017), as cartas entre os dois autores
serviram como base para estudos posteriores e fundamentaram as posições subsequentes

UNIDADE 4 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: INTERSECÇÕES 65


adotadas por aqueles que se debruçaram pela questão do diálogo entre a psicanálise e
a crença religiosa. Acerca das teorizações de Pfister, que buscou uma confluência entre
religião e psicanálise, diz-se que:

(...) a psicanálise pode ter um efeito benéfico sobre formas de vivência religiosa
imatura ou até mesmo psicopatológica. Entretanto, entusiasmado com o uso
do dispositivo psicanalítico para o tratamento do sofrimento em sua prática
pastoral, ele minimizava as diferenças entre esses campos, na medida em que
seu forte desejo de integrá-los o impossibilitava de reconhecer diferenças fun-
damentais, que denunciariam como ilusória a sua concepção de alcançar uma
completa harmonia entre campos distintos (ALBUQUERQUE, 2017, p. 226).

Assim, é possível afirmar que existem intersecções entre a religião e a psicologia


– não apenas na busca pela compreensão da vida interna do ser humano, mas também no
estabelecimento de condições que auxiliem o ser humano a enfrentar melhor os dissabores
e situações fontes de sofrimento. Ainda que não seja possível mesclar a prática psicoló-
gica com a religiosa, tanto pelas normas apresentadas no Código de Ética Profissional
do Psicólogo quanto por incompatibilidade de algumas teorias, tais como a Psicanálise, o
conselheiro religioso pode aprimorar suas habilidades ao conhecer melhor as produções
do campo da Psicologia, ampliando seu entendimento sobre o sofrimento humano e formas
para melhor compreender os aconselhando.

UNIDADE 4 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: INTERSECÇÕES 66


Como você estudou anteriormente, a Psicanálise é uma teoria que se constitui de modo independente da
Psicologia. Embora muitos psicólogos utilizam esta abordagem em seu trabalho, pode-se obter uma forma-
ção independente de psicanalista, por meio de institutos e sociedades dedicadas à transmissão e pesquisa
na área. A formação se faz por meio de estudos teóricos e de análise pessoal constante, por um período
de alguns anos, assegurando que o futuro psicanalista domine os conhecimentos técnicos e aprimore sua
capacidade de pensar clinicamente. Assim, a formação em Psicanálise se dá por meio de um processo lento,
que requer um investimento significativo de tempo e dinheiro. Em paralelo, anúncios frequentes de for-
mações que duram semanas ou meses, que não mencionam a necessidade de análise pessoal também são
ofertados, mas o interessado deve ter o discernimento de que o domínio de uma teoria que se aprofunda na
complexidade do psiquismo humano não pode ocorrer brevemente.

Fonte: A autora (2022).

“A psicanálise em si não é religiosa nem anti-religiosa, mas um instrumento apartidário do qual tanto o religioso
como o laico poderão servir-se, desde que aconteça tão somente a serviço da libertação dos sofredores.”

Fonte: Sigmund Freud, em correspondência a Oskar Pfister, datada de 9 de fevereiro de 1909).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Olá, prezado (a) aluno (a)!
Aqui encerramos nossa última unidade! Parabéns pelo seu compromisso com as leitu-
ras e estudos, pois você não teria chegado até aqui sem se dedicar. O que achou do assunto
que foi trabalhado aqui? Certamente, você deve ter tido muitas questões. Como você percebeu,
as relações entre a religião e a Psicologia ainda não estão consolidadas, e o que você estudou
até agora pode servir como estímulo para se aprofundar ainda mais nessa discussão.
Mesmo que as duas áreas possuam divergências na perspectiva que utilizam para
entender a espiritualidade, ambas convergem na busca da compreensão e melhora na qua-
lidade de vida do ser humano, podendo auxiliar pessoas em situação de sofrimento. Tanto a
Psicologia, quanto a Psicanálise, como uma área independente de estudos, não coincidem
por completo com a perspectiva religiosa, seus dogmas e celebrações divinas. Isto não
significa que o psicólogo rejeita a religião, quando se propõe a conhecer um indivíduo!
A Psicologia busca entender, a partir da história e da crença de cada sujeito, de
que forma a religiosidade é expressa e como afeta seu comportamento e modo de pensar.
A combinação entre aspectos da personalidade e o contexto religioso podem favorecer
condutas saudáveis ou patológicas, mas o vínculo com o sagrado e o transcendental não
pode ser tomado como algo a ser evitado, pois é como muitos indivíduos dão significado
para a vida e a morte.
Além disso, nem sempre o sujeito é capaz de explicar com clareza as angústias e
pensamentos que o perturbam - por isso, é fundamental que o conselheiro religioso também
instrua sua capacidade de ouvir, buscando conhecer mais sobre a Psicologia.
Espero que você tenha apreciado esta jornada em busca de compreender melhor o
ser humano, e que estes estudos tenham ampliado seu desejo de saber mais sobre a vida
psíquica do ser humano!

UNIDADE 4 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: INTERSECÇÕES 68


LEITURA COMPLEMENTAR
Atendimento psicológico e direção espiritual: semelhanças, diferenças, integrações
e... confusões

Este artigo apresenta uma discussão que aponta as semelhanças e diferenças entre
o atendimento psicológico e o aconselhamento espiritual, destacando os riscos de confusão
que podem ocorrer pela sobreposição de papéis e funções diversos às duas práticas.

Fonte: ALETTI, M. Atendimento psicológico e direção espiritual: semelhanças, diferenças, integrações e... confusões.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 24, n. 1, pp. 117-125, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-
37722008000100014. Acesso em: 02 ago. 2022.

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MATERIAL COMPLEMENTAR

• Título: Cartas Entre Freud e Pfister. Um Diálogo Entre a Psica-


nálise e a Fé Cristã

• Autor: Ernst L. Freud, Heinrich Meng.

• Editora: Ultimato.

• Sinopse: Este livro apresenta a correspondência entre Freud, o


fundador da teoria psicanalítica, e Oskar Pfister, pastor protestante.
Ambos compartilham uma amizade e o interesse pela compreen-
são do homem, apresentando em suas cartas concordâncias e
divergências entre seus pontos de vista.

• Título: Gênio Indomável

• Ano: 1997.

• Sinopse: Will Hunting trabalha como zelador em uma universidade


após cumprir tempo na prisão. Ao resolver alguns problemas com-
plexos de matemática, ele passa a ser visto como um gênio, mas
ainda tem dificuldades de comportamento e se envolve em situações
agressivas. Para não ser preso novamente, Will é encaminhado para
fazer terapia, mas tem dificuldades de aceitar o acompanhamento
de um terapeuta – até que se identifica com um deles.

UNIDADE 4 PSICOLOGIA E RELIGIÃO: INTERSECÇÕES 70


CONCLUSÃO GERAL
Caro (a) aluno (a),
Chegamos ao final desta disciplina de introdução à Psicologia, e eu espero que você
tenha aproveitado ao máximo esta oportunidade de conhecer esta área do conhecimento que se
dedica a buscar o conhecimento das dimensões psíquicas do ser humano! A partir deste ponto,
você pode continuar ampliando seu conhecimento e buscar mais livros e artigos sobre o tema.
Como você viu, nestas páginas foram apresentadas noções introdutórias sobre
esta disciplina. Muitos pensadores e cientistas buscaram formas de acesso aos fenômenos
subjetivos, tendo influência de correntes filosóficas e acontecimentos sociais. Foram esta-
belecidos diferentes métodos e objetos de estudo, numa tentativa de desenvolver modelos
gerais para os acontecimentos intrapsíquicos, como vimos nas primeiras unidades.
Cada ser humano é singular, e para termos contato com suas particularidades, o pro-
fissional precisa estar atento. Uma postura empática e livre de julgamentos é essencial para
termos contato com as emoções e a perspectiva da pessoa que fala, e não nos deixarmos levar
pelas nossas impressões e interpretações sobre a experiência da outra pessoa, que procura
ajuda em momentos de vulnerabilidade e revela situações difíceis em busca de acolhimento.
Por fim, a Psicologia e a Religião são áreas focadas no ser humano, mas que apresen-
tam particularidades em relação à abordagem escolhida. Ambas se encontram na Psicologia da
religião, campo em desenvolvimento, que estuda o que existe de psíquico no comportamento
religioso. Caso deseje se aprofundar nesta esfera do saber, você poderá traçar conexões
entre os fenômenos psicológicos e religiosos, sem reduzir uma área ao domínio da outra.
Agradeço pela sua companhia nesta jornada e espero ter contribuído para ampliar
seu conhecimento sobre o ser humano!

Até uma próxima oportunidade!

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religião. 2017. 242 f. Dissertação (Mestrado em Pesquisa Clínica em Psicanálise) - Univer-
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TELES, M. L. S. O que é psicologia? São Paulo: Brasiliense, 1989.

74
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