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Boletim

Interfaces da Psicologia
da UFRuralRJ

1º Seminário – Ano 2007

Tema:
Interdisciplinaridade e Conhecimento
Psicológico

ISSN 1983 – 5507

Vol.1 – No 1 – Junho de 2008

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro


Instituto de Educação
Departamento de Psicologia
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Instituto de Educação
Departamento de Psicologia

Reitor: Ricardo Motta Miranda


Vice-Reitora: Ana Maria Dantas Soares

Decana de Ensino de Graduação: Nídia Majerowicz


Decano de Extensão: José Cláudio Souza Alves
Decana de Pesquisa e Pós-graduação:
Aurea Echevarria

Diretor do Instituto de Educação (IE):


José Henrique dos Santos

Professores do Departamento de Psicologia - DEPSI:


Denis Giovani Monteiro Naiff
Marcos Aguiar de Souza
Nilton Sousa da Silva
Rosa Cristina Monteiro (Chefe do DEPSI)
Silvia Maria Melo Gonçalves
Suely de Oliveira Schustoff
EDITORIAL

O “I Seminário Interfaces da A nossa preocupação com a


Psicologia da UFRuralRJ”, entrega ao público formação dos alunos vai além de apresentá-
os resumos e os artigos das comunicações los ao conhecimento psicológico a partir do
apresentadas durante o evento. Para desenvolvimento humano e da dialógica
documentar sua história acadêmica, surge o relação ensino-aprendizagem. Capacitar o
“Boletim Interfaces da Psicologia da aluno para pensar nas problemáticas que
UFRuralRJ” com o objetivo de ser uma envolvem a atuação de um profissional no
divulgação técnico-científica para os públicos aspecto psicológico é uma preocupação
discente, graduado, docente, pós-graduado e constante do corpo docente do Departamento
demais interessados no conhecimento de Psicologia.
psicológico. Porque a interface de qualquer Em agosto de 2007 organizamos o “I
conhecimento atinge direta ou indiretamente Seminário Interfaces da Psicologia da
os públicos “laico” e “militante”. Assim, a UFRuralRJ” com o tema “Interdisciplinaridade
comissão editorial do “Boletim Interfaces da e Conhecimento Psicológico” tendo em vista
Psicologia da UFRuralRJ” se propõe respeitar que para alcançarmos uma “sociedade
as colocações dos palestrantes para oferecer sustentável”, devemos iniciar uma prática
uma divulgação acadêmica, respaldada na profissional sustentável e sustentada nas
alteridade, e possibilitar as interfaces dos saudáveis interfaces profissionais, onde a
conhecimentos artístico, religioso, filosófico e imbricação do conhecimento possibilita
científico com a psicologia, perante as reconhecer a interdisciplinaridade e as
diversidades teóricas e práticas; mesmo que condições epistemológicas do saber. Tudo
algumas colocações não correspondam à isto dentro de um ecossistema com as suas
visão de mundo de toda a comissão editorial. respectivas biodiversidades; aqui, no caso, a
humana.

Nota: O conteúdo de cada resumo ou artigo é da responsabilidade


dos autores, assim como, o material divulgado também foi disponibilizado
pelos respectivos palestrantes.

EDITOR

Nilton Sousa da Silva – UFRuralRJ


Professor Adjunto do DEPSI / IE
Doutor em Psicologia – UFRJ

COMISSÃO EDITORIAL

Flávio Pietrobon Costa – UESC


Coordenador do Núcleo de Inovação Tecnológica e Social
Doutorando em Modelagem Computacional – LNCC

Luiz Celso Pinho – UFRuralRJ


Professor Adjunto do DLCS / ICHS
Doutor em Filosofia – UFRJ

Paulo G. Domenech Oneto – UGF


Professor Convidado do Programa de Pós-Graduação em Filosofia
Doutor em Filosofia – UGA & Doutor em Literatura Comparada – NICE

Roberto Novaes de Sá – UFF


Professor Associado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Doutor em Engenharia de Produção - COPPE / UFRJ

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EDITORIAL
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
INTERDISCIPLINARIDADE E CONHECIMENTO PSICOLÓGICO.
Nilton Sousa da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
UMA BREVE HISTÓRIA DO DEPSI / IE / UFRRJ.
Suely de Oliveira Schustoff. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

INTERDISCIPLINARIDADE E ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS PARA A


FORMAÇÃO DO GRADUANDO
14
Nídia Majerowicz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

INTERDISCIPLINARIDADE E ENSINO SUPERIOR: UMA APRESENTAÇÃO DO


DECANATO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
15
Áurea Echevarria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A INTERDISCIPLINARIDADE E CONHECIMENTO PSICOLÓGICO NA VISÃO


DO DECANO DE EXTENSÃO DA UFRRJ
17
José Cláudio Souza Alves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A RELIGIÃO E O DESAFIO DA ECOLOGIA E DOS ECOSSISTEMAS


Zakeu Zengo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

POR UMA AMPLIFICAÇÃO DA ABORDAGEM CIENTÍFICA DO CONCEITO DE


ECOSSISTEMA
19
Flávio Pietrobon, Nilton Sousa e Rosangela Machado . . . . . . . . . . . .

ECOSSISTEMA: UMA VISÃO FILOSÓFICA SEM PURISMOS


Paulo Domenech Oneto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
VIDA NO CAMPUS: UMA EXPERIÊNCIA DE SUCESSO
Dalva Moraes Pinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
APRENDER A APRENDER E CONSTRUÇÃO DE SUBJETIVIDADE
Gabriela Rizo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

PSICOLOGIA E QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS NO CONTEXTO


EDUCACIONAL
43
Leila Maria Amaral Ribeiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR NAS ORGANIZAÇÕES NÃO-


GOVERNAMENTAIS
45
Roberta Mercadante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

REDES COMUNITÁRIAS: PARCERIAS PARA FORMAÇÃO DE CAPITAL


SOCIAL
47
Gilberto Fugimoto e Luiz Fernando Sarmento . . . . . . . . . . . . . . .

A ERA DOS CORPOS DISCIPLINADOS


Luiz Celso Pinho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
ÉTICA E NEUROCIÊNCIAS
José Ignácio Tavares Xavier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
O SUJEITO CEREBRAL: UMA NOVA LOCALIZAÇÃO DA ALMA
Pedro V. Castel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

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INTERDISCIPLINARIDADE E CONHECIMENTO PSICOLÓGICO

NILTON SOUSA DA SILVA 1

1 – Doutor em Psicologia UFRJ – Professor Adjunto do DEPSI / UFRuralRJ

Resumo

A partir da própria história da humanidade, pensar o atual momento dos


conflitos sociais manifestados em vários setores da nossa vida cultural e
buscar apontar para a possibilidade do autoconhecimento pessoal e
profissional que permeia as atitudes psicológicas em prol do bem-estar da
humanidade. Reconhecer que a humanidade é a própria produtora do seu
conhecimento na arte, na religião, na filosofia e na ciência é poder
desempenhar um papel social, aparentemente, somente inerente à espécie
humana. Então, na imbricação dos saberes das ciências naturais e sociais
valorizar as atividades sociais, pessoais e profissionais, para que essas
atividades possam contribuir com o desenvolvimento das ciências exatas em
prol de uma sociedade mais harmônica, para que a diversidade humana seja
mais respeitada e também valorizada pelas civilizações desenvolvidas. E, na
alteridade, a presença do outro reflita a nossa condição humana da
necessidade do outro na dinâmica do dia-a-dia pessoal e profissional.

Artigo

No contexto do processo educacional formal, a palavra disciplina sugere


o ensino de um determinado saber relacionado com uma determinada área do
conhecimento humano, por exemplo, o conhecimento humano da geografia, da
medicina, da matemática e outros. Embora, na Antiguidade, na Idade Média e
no Renascimento também encontremos um processo educacional, em nenhum
deles tanto se separou os saberes quanto o ocorrido na Idade Moderna.
Talvez, a demanda humana por maior conhecimento, na Idade Moderna, tenha
forçado o espírito humano fragmentar a sua visão de mundo.

A Idade Moderna separou os saberes para melhor compreender a


natureza, mas também quis dominar e controlar o processo natural dos
fenômenos, os quais emanam da própria natureza ― aqui, incluindo a natureza

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da própria sociedade humana ―, cuja desnaturalização dos fenômenos,
praticada pelas sociedades humanas, parece ter causado um bloqueio na
possibilidade contemplativa inerente ao próprio espírito humano.

Indiscutivelmente, o fator densidade ou imediato próprio aos fenômenos


naturais sempre tocaram direta ou indiretamente à percepção dos sujeitos
envolvidos no acontecimento. O geocentrismo é um bom exemplo desta
questão, porque, apesar de hoje em dia sabermos que é a Terra que gira em
torno do Sol, a nossa percepção nos revela um Sol girando em torno da Terra
diariamente.

A ciência moderna estabeleceu uma metodologia de conhecimento


científico para valorizar a objetividade do pesquisador em detrimento da sua
subjetividade. Essa metodologia teve como fundamento filosófico o positivismo
de Auguste Comte (1798-1857), assim como, os postulados da física clássica
newtoniana. Parece, então, que o homem moderno deixa radicalmente para
trás as inquietações “subjetivas” inerentes ao mundo teocêntrico da Idade
Média e mergulha na densidade do mundo material para desvelar o seu
segredo. Assim, o mundo sobrenatural que ativo permaneceu na Antiguidade,
na Idade Média e em boa parte do Renascimento, paulatinamente, cede
espaço aos postulados da ciência moderna.

O século vinte chegou ao fim da sua história científica, permeado pelos


princípios da mentalidade industrial do final do século dezoito, os quais
atravessaram todo o século dezenove e, ainda, permanecem nos bastidores do
século vinte e um. Hoje, temos a responsabilidade de buscar soluções para um
ecossistema poluído devido à industrialização. É interessante perceber que a
tomada de consciência em prol da despoluição já é uma preocupação mundial.
Neste sentido, é uma sinalização para uma nova mentalidade frente ao
ecossistema, portanto, é necessário mudar o processo de determinadas linhas
de produção industrial.

Para ocorrer tal mudança também é necessário modificar a forma de


construir pensamentos isolados. Porque o planejamento da produção industrial
é desenvolvido pelo próprio homem e de acordo com as necessidades sociais.
Os pensamentos isolados refletem o mosaico do conhecimento das ciências
sociais. Existe uma imbricação desses conhecimentos devido à propriedade do
“objeto de estudo” das ciências sociais. Esse “objeto” é o produtor das
máquinas, das artes, dos saberes e das respectivas aplicações. Parece
estranho afirmar, no entanto é cabível dizer que é a máquina que ainda
executa aquilo que a humanidade solicita. Portanto, a mudança de mentalidade
deve partir dos seres humanos e não das “máquinas humanóides” (SILVA,
2002).

A partir das atuais transformações apresentadas pelo ecossistema,


então, já é possível a humanidade parar e pensar na sua própria história.
Avaliar as intervenções feitas no meio ambiente e parar de ignorar os efeitos
das atividades industrializadas sem um planejamento consciente. A real
dimensão da palavra “performance” que é tão bem utilizada pelas artes cênicas
pode ilustrar este poluído cenário industrial.

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As artes cênicas apontam para a proposta das locuções “interfaces da
psicologia” e “interdisciplinaridade e conhecimento psicológico”, porque, a
relação entre a dimensão do “ator” e a dimensão da “personagem” é tão
estreita que no primeiro existe o risco de se perder na segunda dimensão. Ficar
somente representando sem se preocupar com a postura ética profissional que
envolve a performance potencializa um perigo existencial; o ator desaparece e
fica a personagem. Neste contexto, é válido afirmar que todo e qualquer
conhecimento é representado por um ator. Um profissional dentro de uma
cultura, de uma sociedade, é um ator; e a aplicação do seu conhecimento
profissional pode gerar ou apresentar uma falta de cuidado com a
“performance”.

É possível perceber a importância social de determinadas profissões


quando observamos a dinâmica e o orgulho de uma família; o comentário, meu
pai é médico, meu tio é padre, meu padrinho é militar, minha mãe é professora
e meu primo é advogado ainda reserva certo destaque social para quem
menciona; embora, no atual campo das relações profissionais outras profissões
tenham adquirido maior projeção. Todavia, esse processo também ocorre em
outras instituições sociais; as instituições militares e universitárias apresentam
tal valorização das personalidades. Nelas, é fácil perceber que a “pessoa” do
profissional corre o risco de desaparecer sob o manto de uma personagem; a
pessoa do ator, do profissional, é esquecida e somente sua personagem
valorizada.

É neste ponto que entram em cena as locuções “interfaces da


psicologia” e “interdisciplinaridade e conhecimento psicológico”, pois,
atualmente, é possível no contexto social avaliarmos o comportamento de um
determinado profissional e correlacionar o mesmo comportamento com as
expectativas sociais. O cargo é observado, avaliado, à luz dos atributos sociais.
Neste caso, das “interfaces da psicologia”, a face do ator é reservada ao
espelho familiar. Mas, como anteriormente foi mencionado, a dimensão do ator
pode se perder na dimensão da personagem. O conto “O Espelho” de Machado
de Assis com maestria revela as duas dimensões, de um lado do “Espelho”
temos o ator e do outro lado a personagem.

No conto, um jovem oficial se perde na bajulação familiar atribuída ao


seu “uniforme militar”; para ela o uniforme revela uma conquista não somente
do jovem rapaz, mas de todos os seus familiares. Por isso, a família coloca no
quarto do rapaz o maior e mais belo “Espelho” da casa. A bajulação familiar e
social é tamanha que o próprio rapaz acaba se “identificando” com o próprio
uniforme. Quando na ausência de todos os familiares ele se percebe sozinho
em casa, algo estranho ocorre. Ele não mais se reconhece, fica desorientado
sem a bajulação do outro. É neste momento que o jovem percebe ao acaso a
sua própria imagem desfigurada no “Espelho”. Mas de repente lhe vem a idéia:
vestir o “uniforme militar”. Para a sua felicidade, aquela imagem antes
deturpada no “Espelho” começa a ficar nítida e, assim, para ele, aparece o
reflexo daquele “jovem militar fardado”, que era reconhecido e por todos
bajulado.

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Esse conto de Machado de Assis pode ser aplicado às locuções
“interfaces da psicologia” e “interdisciplinaridade e conhecimento psicológico”,
porque em relação à primeira, várias faces do “jovem militar” foram espelhadas
na menina dos olhos dos outros. Ele foi reconhecido, bajulado, e esqueceu-se
da sua própria pessoa; o ator social desapareceu e só restou a “personagem”
perdida e deslumbrada nas bajulações dos olhares dos outros atores sociais.
Aqui, não se trata de estabelecer um reducionismo psicológico aos papéis
sociais desempenhados pelos atores dentro de um “palco cultural institucional”,
todavia, também não podemos negar a necessidade e importância dos próprios
atores reconhecerem os seus papéis sociais. Então, entra em cena a dimensão
psicológica para contribuir com o desenvolvimento pessoal de
autoconhecimento, para a boa performance das “personagens” quando as
imbricações familiares e sociais aparecerem no dia-a-dia de qualquer
profissional.

A outra locução “interdisciplinaridade e conhecimento psicológico”


também pode encontrar eco no conto “O espelho”. Porque, vários olhares
entram em cena na diversidade profissional presente na interdisciplinaridade,
no entanto, um único fenômeno deve ser estudado por esses diversos olhares
profissionais. Um bom exemplo para esta questão são os postulados da
filosofia da mecânica quântica, cuja imbricação das ciências naturais e com as
sociais está recuperando a participação do pesquisador (do observador) sobre
os resultados dos experimentos. Num primeiro momento, a situação
questionada pela mecânica quântica foi a suposta neutralidade do observador
durante os experimentos, em outro momento a questão permanece mas sobre
a impossibilidade desse mesmo observador acompanhar todo o
desdobramento de um quantum, no mundo microscópico. No entanto, a
presença e a potencialidade de um quantum é irrefutável e ela move toda a
natureza humana e não-humana. Hiroshima e Nagasaki são dois bons
exemplos desta potencialidade, assim como a aplicação de outras tecnologias
em prol do bem-estar, físico, psíquico e social dos indivíduos nas culturas
desenvolvidas estão comprovando a existência e a eficiência deste quantum
nas dimensões micro e macroscópicas da natureza (Zohar, 2005).

Parece que a necessidade de uma melhor compreensão interdisciplinar


dos fenômenos micro e macroscópicos ocorreu num processo ao mesmo
tempo centrífugo e centrípeto dentro do espírito humano. Perante os
fenômenos macroscópicos as ciências humanas há muito tempo apresentam
as “interfaces” dos seus saberes, dispostas nas relações disciplinares como
história-geografia, sociologia-psicologia, química-física, medicina-biologia,
arqueologia-antropologia entre outras, entretanto, esses saberes podem
mergulhar no mundo microscópico das interfaces do conhecimento humano e a
atual proposta da engenharia genética é um bom exemplo dessas interações
micro e macroscópicas.

Como já foi acima mencionado, não é um humanóide que executa as


ações sociais, mas os seres humanos pelos humanóides procuram há muito
tempo. O que aqui fica evidente é a necessidade de compartilharmos o
conhecimento ético; seja numa dimensão profissional ou, principalmente,
pessoal; para o espírito humano prosseguir com sua marcha enigmática sobre

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o planeta Terra. A “interdisciplinaridade” permite essa caminhada do espírito,
ela aponta para a “transdisciplinaridade”; para um futuro no qual o Zeitegeist
permitirá a descoberta de novos conhecimentos e a aplicação deles nas
sociedades humanas e não-humanas.

Portanto, devemos reconhecer a necessidade de compartilharmos


saberes porque isto, em si, já é um grande envolvimento e desenvolvimento
para o espírito humano; pois nele também repousam as ferramentas dos
conhecimentos psicológicos, os quais de algum modo contribuem para a
construção de uma sociedade melhor.

BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Machado. O Espelho in Contos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

DEMO, Pedro. Complexidade e aprendizagem: a dinâmica não linear do


conhecimento. São Paulo: Atlas, 2002.

ZOHAR, Danah. O Ser Quântico: uma visão revolucionária da natureza


humana e da consciência, baseada na nova física. Rio de Janeiro: Best Seller,
2005.

SILVA, Nilton. O mito em Ernst Cassirer e Carl Gustav Jung: uma compreensão
do ser do humano. Rio de Janeiro: Litteris, 2002.

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BREVE HISTÓRICO DO DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

SUELY DE OLIVEIRA SCHUSTOFF 1

1 – Especialista em Teoria Psicanalítica - IBMR – Professora Adjunta do DEPSI / UFRuralRJ

Resumo

Em 1974, o Departamento de Ciências Pedagógicas1, hoje,


Departamento de Teoria e Planejamento de Ensino (DTPE), teve uma
Psicóloga contratada para atender aos alunos com dificuldade de orientação.
Em 1975 nasce o Departamento de Psicologia oferecendo, para as
licenciaturas, as disciplinas de Psicologia Geral (conteúdo contemplado pela
disciplina Psicologia Educacional2), Psicologia da Educação I (Psicologia
Evolutiva) e Psicologia da Educação II (Psicologia da Aprendizagem). Até o
final do 1º semestre de 1977 o quadro efetivo de docentes do DEPSI oscilou
entre dois e quadro professores com a colaboração de um docente do DTPE.
Foram incluídas as disciplinas de Psicologia Fundamentos Psicossociais da
Recreação, Orientação Educacional e Ocupacional, Dinâmica de Grupo,
Prática da Pesquisa Psicopedagógica, Psicologia das Relações Humanas,
Estatística Aplicada à Educação, Testes e Medidas, Sociologia da Educação3 e
Métodos e técnicas em Pesquisa Educacional. Além dos atendimentos
psicológicos (que perduraram até 1999) começam a sobressair algumas
atividades de pesquisa. Nos dias atuais prevalece o compromisso parcial na
formação acadêmica dos alunos dos Cursos de Licenciaturas através de duas
disciplinas obrigatórias e em média quatro disciplinas optativas. O
Departamento hoje é composto efetivamente de seis professores com a
colaboração de uma professora substituta, se destacando no ensino da
graduação, na pós-graduação (lato sensu e stricto sensu), na extensão, na
pesquisa, na administração, na orientação à iniciação científica, na orientação
de monografias e estágios de uma maneira em geral.

1
Desmembrado em 1975 dando origem ao DPO e ao DTPE.
2
Desde 1964, quando da implantação dos Cursos de Licenciatura, a única disciplina oferecida era a de
Psicologia Educacional com duração de um ano. Posteriormente Psicologia Educacional foi dividida em
Psicologia da Educação I (Psicologia Evolutiva) e Psicologia da Educação II (Psicologia da
Aprendizagem).
3
Em 1983 passa a ser ministrada pelo Departamento de Teoria e Planejamento de Ensino

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Artigo

Em 1974, o Departamento de Ciências Pedagógicas, hoje,


Departamento de Teoria e Planejamento de Ensino, começou a se preocupar
com as dificuldades de adaptação que os alunos estavam apresentando. Para
trabalhar com este problema, naquela ocasião, foi contratada uma Psicóloga,
como Profª Auxiliar de Ensino, para participar da organização de um Serviço de
Assistência Psicológica, o qual devido a impedimentos burocráticos não
chegou a ser implantado.

A contratação desta psicóloga, embora não tenha resultado na criação


do Serviço de Atendimento Psicológico, foi o núcleo para a formação do
Departamento de Psicologia e Orientação (DPO), hoje, Departamento de
Psicologia (DEPSI).

A partir de 1975, doze anos após a implantação da unidade de


Educação na UFRRJ (04/06/1963) o Departamento de Ciências Pedagógicas
foi desmembrado em Departamento de Psicologia e Orientação (DPO) e
Departamento de Teoria e Planejamento de Ensino (DTPE).

Em 03/10/1975 o Departamento de Psicologia realizou a sua 1ª Reunião


Ordinária com um quadro docente composto por duas professoras (sendo que
somente uma era psicóloga) e duas outras professoras do DTPE que
colaboravam no exercício de lecionar as disciplinas de Psicologia.

As atividades desenvolvidas eram basicamente as de ensino na


graduação e de extensão. No ensino as disciplinas oferecidas eram: Psicologia
Geral (cujo conteúdo era contemplado pela disciplina Psicologia Educacional4)
era obrigatória desde 1974 somente para o Curso de Educação Familiar atual
Curso de Economia Doméstica; Psicologia da Educação I (Psicologia Evolutiva)
para todas as licenciaturas e Psicologia da Educação II (Psicologia da
Aprendizagem) para todas as licenciaturas. A extensão se limitava aos
atendimentos a alunos que buscavam apoio e orientação para os seus
problemas e, posteriormente, foi estendido, durante alguns anos, a
professores, funcionários e pessoas da comunidade externa à Universidade,
embora de forma precária, devido à falta de pessoal qualificado e recursos
materiais.

Naquela ocasião, segundo os registros, já se discutia sobre a


implantação do Curso de Pedagogia, o oferecimento da disciplina de Psicologia
Geral às outras Licenciaturas (embora fosse considerado naquela ocasião
como uma carga excessiva para o DPO), a reformulação dos programas
analíticos e o conhecimento das necessidades básicas da disciplina
“Psicodinâmica das Relações Familiares”, oferecida pelo Curso de Educação

4
Desde 1964, quando da implantação dos Cursos de Licenciatura, a única disciplina oferecida era a de
Psicologia Educacional com duração de um ano. Posteriormente Psicologia Educacional foi dividida em
Psicologia da Educação I (Psicologia Evolutiva) e Psicologia da Educação II (Psicologia da
Aprendizagem).

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Familiar, para que seu conteúdo fosse contemplado por uma disciplina
oferecida pelo DPO, a ser criada.

Em 1976, com a contratação, em 20/08, de uma professora em regime


de 20h o quadro efetivo de docente do Departamento de Psicologia passa de
dois para quatro professores, agora com três psicólogos mas ainda continua
com a colaboração de uma professora do DTPE.

Neste ano também passa a ser oferecida pelo Departamento de


Psicologia a disciplina de Psicologia Social.

No 1º semestre de 1977 o quadro efetivo de docentes do Departamento


de Psicologia sofre uma redução, passa de quatro para três professores, agora
só de psicólogos mas ainda continua com a colaboração de uma professora do
DTPE por algum tempo porque logo depois esta se aposenta.

Ainda nesse período passaram a ser oferecidas pelo Departamento de


Psicologia as disciplinas de Psicologia, Fundamentos Psicossociais da
Recreação, Orientação Educacional e Ocupacional, Dinâmica de Grupo e
Prática da Pesquisa Psicopedagógica.

No 2º semestre de 1977 o quadro efetivo de docente do Deptº de


Psicologia volta a ser constituído de quatro professores com mais uma
contratação de um professor em regime de 20h, o quadro docente agora é só
de psicólogos. Daqui em diante o quadro docente do Departamento não mais
admite professor que não seja psicólogo.

O número de disciplinas oferecidas pelo Departamento de Psicologia


sofre um aumento significativo com o oferecimento das disciplinas de
Psicologia das Relações Humanas, Estatística Aplicada à Educação, Testes e
Medidas, Sociologia da Educação5 e Métodos e técnicas em Pesquisa
Educacional.

O segundo período de 1977 vai marcar o início da identidade


departamental sustentada no tripé que norteia a academia
(ensino/pesquisa/extensão), começam a sobressair algumas atividades de
pesquisa de forma bastante tímida.

Em 1978, com a contratação de mais dois professores em regime de


20h cada um, o quadro efetivo de docente do Departamento de Psicologia
passa para seis professores. Até este ano, do quadro efetivo somente um
professor era mestre agora passa a dois mestres. Se por um lado, nesta
ocasião houve uma redução do oferecimento de disciplinas e turmas por falta
de alunos, por outro se intensificaram, embora ainda timidamente, as
atividades de pesquisa e tiveram início outras de extensão e aqui cabe
ressaltar o Projeto Rondon.

5
Em 1983 passa a ser ministrada pelo Departamento de Teoria e Planejamento de Ensino

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Entre 1978 e 1985 os fatos que marcaram o Departamento de Psicologia
foram o afastamento de dois professores, um para cursar o doutorado, que
neste mesmo período se aposentou, outro para cursar o mestrado e a
contratação de uma professora em regime de 20h.

Assim chegamos ao ano de 1986 com um quadro efetivo de seis


professores mesmo quando em agosto deste mesmo ano um dos professores
contratado em 1978 foi permutado com um uma professora oriunda da
Universidade Federal Fluminense e assim permaneceu até 13 de janeiro de
1987 quando o professor que havia sido contratado no segundo semestre de
1987 veio a falecer.

Embora desde a criação do departamento as contratações fossem em


regime de 20h, nessa ocasião todos, com exceção de uma professora, já
estavam em regime de 40h.

Após a implantação do Departamento de Psicologia os atendimentos


psicológicos ainda perduraram por mais ou menos duas décadas e meia,
quando as nossas mais recentes reflexões nos permitiram entender que o
vínculo que nos une a esta instituição enquanto professores/psicólogos é o
compromisso parcial na formação acadêmica dos alunos dos Cursos de
Licenciaturas para os quais, já há algum tempo, oferecemos duas disciplinas
obrigatórias e em média quatro disciplinas optativas.

Além do encargo no ensino de graduação e das atividades de extensão,


as atividades de pesquisa foram amplamente implementadas, principalmente
com a política de qualificação docente, bem como a orientação à iniciação
científica, a orientação de monografias e estágios de uma maneira em geral.

Ao longo desses anos, desde a implantação do Departamento de


Psicologia, seus esforços embora significativos, constantes e fundamentais
vêm acontecendo, talvez para alguns, com uma visibilidade inexpressiva, haja
vista a necessidade de atuação no ensino, pesquisa e extensão contando com
um contingente docente que contraria até mesmo o Regimento Geral do
Estatuto da UFRRJ onde rege em seu Capítulo IV Art. 60 – O modelo estrutural
do Departamento deverá preservar o limite inferior de 10 e superior de 30 para
o número de professores (p.90).

Desde a sua criação, o Departamento de Psicologia nunca contou com


um número superior ao que tem atualmente: seis efetivos 40h/DE professores,
(quatro doutores, uma doutoranda e uma especialista) e uma professora
substituta. Em 1987, a lotação chegou a ser de quatro professores, sendo que
um era Diretor do Instituto, outro Chefe de Departamento, dos dois restantes
um era de 20h. Mesmo assim, o departamento sempre se fez presente no
ensino de graduação e pós-graduação (lato sensu), na pesquisa, na extensão e
na administração e mais recentemente no ensino de pós-graduação (stricto
sensu).

Em 2001 foi elaborado um projeto para implantação do Curso de


Psicologia que por motivos de carência de docentes não foi levado adiante.

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INTERDISCIPLINARIDADE E ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS PARA A
FORMAÇÃO DO GRADUANDO

NÍDIA MAJEROWICZ 1

1 – Decana de Ensino de Graduação – UFRRJ

Resumo

Um dos objetivos centrais das Instituições de Ensino Superior (IES) é


formar cidadãos qualificados para o exercício de uma profissão, com
autonomia intelectual para o aprendizado contínuo, capazes de se inserir no
mundo do trabalho com habilidade de interagir em equipe e com compromissos
éticos de construir a justiça social, a sustentabilidade sócio-ambiental e a
democracia. O desafio de se trabalhar institucionalmente a construção deste
perfil exige reflexões, debate coletivo, mobilização e ações no âmbito dos
cursos de graduação.
No mundo contemporâneo, marcado pelo rápido desenvolvimento
científico-tecnológico e pela alta velocidade da circulação de informações nas
diferentes mídias, essa formação exige compromisso com a produção do
conhecimento, demandando capacidade de análise, síntese, conhecimentos
abstratos e habilidade de lidar com grupos em atividades complexas e
interdisciplinares. Considerando que toda atividade humana tem como motor as
emoções e que aprender é um processo de construção e reconstrução de
dentro para fora, há que se repensar profunda e coletivamente o nosso fazer
acadêmico universitário em suas diferentes dimensões (humana, ética,
epistemológica, pedagógica) no processo de construção de novas práticas
didático-pedagógicas. Que ensino é praticado e qual sua relação com a
aprendizagem? Como é e o que deve ser a sala de aula? Qual significado da
docência? O que significa o currículo? Qual é a sua intencionalidade? Como
construir Projetos Pedagógicos de Curso de modo coletivo e transformador?
Como se dá a integração teoria-prática na construção da autonomia de nossos
estudantes? Como desenvolver ensino com pesquisa? Certamente, além da
vontade e da necessidade de pensar e realizar as mudanças necessárias para
atingir os objetivos da UFRRJ, há que se promover as condições objetivas para
que as mudanças ocorram envolvendo a gestão institucional e a motivação
para que a comunidade universitária se engaje neste processo.

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INTERDISCIPLINARIDADE E ENSINO SUPERIOR: UMA APRESENTAÇÃO
DO DECANATO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

ÁUREA ECHEVARRIA 1

1 – Decana de Pesquisa e Pós-Graduação – UFRRJ

Resumo

O Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação (DPPG) é a unidade da


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, responsável pela coordenação e
supervisão das atividades de pesquisa e ensino pós-graduação. Para fomentar
as pesquisas três (3) tipos de bolsas são oferecidas. (1) As bolsas REUNI são
concedidas pelo MEC, através da CAPES, e se diferenciam pelo envolvimento
dos alunos contemplados nas atividade de ensino de Graduação. (2) As bolsas
de IC são concedidas aos alunos de Graduação através dos Editais do PIBIC e
PROIC. (3) As bolsas de Mestrado e Doutorado são concedidas aos alunos de
Pós-graduação stricto sensu pela CAPES e CNPq, através das coordenações
dos respectivos cursos. A Pós-graduação stricto sensu - Doutorado, Mestrado
Acadêmico e Mestrado Profissionalizante (Portaria 080/98 - CAPES) -
caracteriza-se pela formação de recursos humanos de alto nível para atuar em
instituições de pesquisa e/ou ensino e em empresas públicas e privadas. São
cursos com duração de 02 anos (mestrado) e 04 anos (doutorado), sendo
todos reconhecidos pela CAPES. A Pós-Graduação lato sensu - Cursos de
Especialização - caracteriza-se pela formação de pessoal em nível de
especialização profissional, visando o aprimoramento do conhecimento em
áreas específicas. É um programa de estudo de curta duração (360 horas) e
flexibilidade curricular em termos de conteúdo, disciplinas e atividades
acadêmicas. Para a conclusão do curso exige-se apresentação de monografia
de final de curso. O decanato também oferece o Programa Institucional de
Capacitação Docente e Técnico-Administrativo da UFRuralRJ que tem como
objetivo promover a melhoria das atividades de ensino, pesquisa e extensão,
apoiando os esforços dos departamentos e setores na capacitação e
aprimoramento de seus recursos humanos, na busca do atendimento das
prioridades institucionais. Dentre suas atividades, enumeramos algumas: (1)
Atender ao público interessado quanto à capacitação institucional no país e no
exterior, bem como fornecer material de esclarecimento quanto ao assunto; (2)
Pleitear, junto aos órgãos de fomento, bolsas para subsidiar os afastamentos
de docentes/técnicos fora do estado do Rio de Janeiro e do País, destacando
que atualmente a CAPES não dispõe de programa de bolsas para essa
finalidade, mas trata cada caso individualmente; (3) Acompanhar e relatar, aos
órgãos de fomento, o desempenho dos bolsistas durante o período de duração

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 15


da bolsa; (4) Exercer outras atividades correlatas: afastamento de servidores
docentes/técnico-administrativos para participar de seminários, congressos ou
outros eventos de natureza científica no país e no exterior; acompanhamento
dos processos de solicitação de gratificação por titulação, dentre outros.

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A INTERDISCIPLINARIDADE E CONHECIMENTO PSICOLÓGICO NA VISÃO
DO DECANO DE EXTENSÃO DA UFRRJ

JOSÉ CLÁUDIO SOUZA ALVES 1

1 – Decano de Extensão - UFRRJ

Resumo

A extensão universitária é a busca do outro, daquele que não é


universidade, ciência ou academia. É a procura daquele que só ou em grupo
vivencia uma sociedade desigual, violenta, injusta e discriminadora. A busca
desse diálogo exige a capacidade de compreensão, presente na essência da
psicologia. Nessa compreensão, as múltiplas faces da realidade humana
interagem, constituindo um todo, tantas vezes incompreendido e estigmatizado
pelo saber científico. A ruptura com um pensamento estanque, fragmentado,
especializado caminha na mesma direção da ruptura com todo o preconceito
que utilizamos no trato com aqueles que são diferentes de nós. A psicologia
pode ajudar ao encontrar esse outro lá onde sua vontade e desejo os ajudem a
transformar a realidade social e subjetiva que o domina, explora e discrimina. A
interdisciplinaridade está na essência da extensão. Rompe paradigmas
científicos fechados em especialistas e laboratórios. Propõe a interação entre
diferentes saberes e pessoas na direção do diálogo com o outro. Instaura uma
dinâmica de trocas entre os construtores do pensamento científico e destes
com as outras formas de conhecimento: popular, artístico-cultural, religioso,
etc. A psicologia insere nessa dinâmica sua peculiaridade, as visões sobre a
construção do desejo, dos sonhos, das motivações, dos significados atribuídos,
permitindo uma abordagem que humaniza profundamente o ambiente que se
anuncia demasiadamente técnico e científico. Esse elo pode se transformar no
fio condutor de uma relação que estabeleça definitivamente a extensão, isto é,
a busca pelo outro, no coração de uma universidade.

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A RELIGIÃO E O DESAFIO DA ECOLOGIA E DOS ECOSSISTEMAS

ZAKEU A. ZENGO 1

1 – Teólogo - STBSB / RJ e Doutor em Antropologia - Brunel / UK

Resumo

Um bom número de expressões religiosas, principalmente as chamadas


religiões tradicionais (ou culturais), incluindo aquelas de matriz oriental,
possuem uma vinculação ecológica muito assinalável – o que levou Joseph
Campbell a classificar os ritos dessas religiões como “liturgia da natureza”. Mas
o cristianismo, a religião antiga mais ocidentalizada, teve uma atitude histórica
muito ambígua com relação ao pensamento ecológico e à realidade dos
ecossistemas, fato que reforçou o sentimento “adâmico”, generalizado por aqui
- o homem considerando a si mesmo acima e superior a todas as coisas no
universo, dotado do dever de tudo dominar e submeter aos próprios interesses
de sobrevivência. O capitalismo baseado na exploração indiscriminada da
terra, tal como o conhecemos, com a emergência do drama ambiental que nos
legou, é um produto conseqüente dessa atitude teológica e antropológica
herdada desse cristianismo da primeira página da Bíblia. Mas isto até poucos
anos atrás.
Graças à crise corrente do ambiente e dos ecossistemas, vem sendo
possível para a teologia cristã resgatar a dimensão do cuidado da natureza,
curiosamente patente na segunda página da mesma Bíblia. Por esta razão, o
objetivo desta contribuição é mostrar como, junto com a fé, as pessoas
passaram hoje a aprender não só a justiça social, mas também a justiça
ecológica. A emergência desta combinação de valores, ainda que de forma
tardia na tradição cristã, faz com que, lá na base da sociedade cristã ocidental,
haja praticantes e simpatizantes da religião que utilizam o capital simbólico do
cristianismo para ajudar a superar a crise ecológica e a crise relacionada com
os ecossistemas.

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POR UMA AMPLIFICAÇÃO DA ABORDAGEM CIENTÍFICA DO CONCEITO
DE ECOSSISTEMA

FLÁVIO PIETROBON 1
NILTON SOUSA 2
ROSANGELA MACHADO 3

1 – Doutorando em Modelagem Computacional no LNCC e Prof. Assistente da UESC / BA


o
2 – Doutor em Psicologia - IP / UFRJ e Prof . Adjunto DEPSI / UFRRJ
3 – Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – UESC / BA

Resumo

Ao aceitarmos o desafio de tecer idéias sobre uma abordagem integrada


entre três expressões fundamentais do pensamento, ou abstração humana, a
saber, a religião, a filosofia, e as ciências (sendo as artes a quarta forma de
expressão), com relação ao processo de análise dos efeitos das ações
humanas sobre ecossistemas, pensamos inicialmente em focar o
desenvolvimento deste artigo na questão de integração do ser humano com
seus meios: ambiente, sócio-político, econômico, principalmente, e em uma
análise ainda que breve, sob a ótica das “ciências”, da teia de relações que
conectam estes “meios” e viabilizam a troca de informações e quantidades
físicas entre eles. O rumo de construção da “sopa de idéias” associada àquela
proposição mostrou, contudo, um resultado distinto, indicando a possibilidade
de ampliar o conceito de ecossistema, para integrar as contribuições de
diversos saberes e viabilizar o estabelecimento de um método de análise e
síntese dos fenômenos envolvidos no conceito de ecossistema e suas relações
com sistemas que lhe são externos e com os quais permuta massa, energia,
informações, populações e possui conexões.

Artigo

A ecologia (oicos + logia: reflexão sobre Nossa Terra), inicialmente um


ramo da biologia, se apresenta cada vez mais como ciência multidisciplinar,
que trata de uma pletora multifacetada e multirelacionada de objetos que
assumem o caráter de populações, ocupação espacial, quantidades físicas,
processos físicos, químicos, mecânicos, sócio-antropo-psicológicos, e relações.

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A ecologia, como outras ciências multidisciplinares, lida com problemas
complexos, relacionando elevado volume de dados, de acoplamento entre
variáveis e de fluxo de informações entre segmentos de seus objetos de
estudo. Os ecossistemas por sua vez, concepção que viabiliza o estudo e
análise da ecologia, caracterizam a forma como se relacionam populações e
recursos em certa região e quais os mecanismos de relação entre estes.

Ao meditar a respeito desta característica da ecologia, sobre a


importância do conceito de ecossistema para esta ciência, e sobre suas
expressões à luz das macro-áreas do conhecimento humano: a religião, a
filosofia, a ciência e as artes; pensamos que o desafio da compreensão da
biosfera e a gestão ambiental são na verdade maiores do que usualmente
concebemos.

Analisar, compreender e propor soluções para problemas no âmbito da


ecologia exige a integração de profissionais de formações diversas, e está
associado com a necessidade de resolver a complexidade da teia de relações
comportamentais, permuta ou variação de massa, energia e quantidades
físicas, e de requisito de recursos. A solução dos problemas de relacionamento
entre populações e destas com o meio ambiente em que desenvolvem suas
atividades exige a consideração de um tratamento adequado, uma metodologia
de solução, e uma abordagem para a proposição, o desenvolvimento e a
análise da solução associada com a elevada magnitude de informações em
questão.

O conceito de ecossistema, uma abstração que viabiliza o estudo de


populações, recursos, e processos associados, determina um sistema definido
por fronteiras materiais ou sutis, porém sempre delimitando uma região
volumétrica do espaço. Nesta região convivem populações de espécies
humanas e animais, vegetais, e microrgânicas. Parte destas populações
caracteriza os produtores primários capazes de fazer fotossíntese ou
quimiossíntese, outra parte integra o conjunto dos consumidores, e uma última
parte caracteriza os decompositores. Nesta cadeia alimentar, composta pelos
indivíduos das populações do ecossistema, ocorre a maior parte dos processos
de transferências de massa e energia, de elaboração de compostos orgânicos
complexos e de redução de compostos a recursos bio-químicos simples,
capazes de serem absorvidos por seres vivos. As populações se deslocam no
espaço associado ao ecossistema e através das suas fronteiras. A presença de
um fluido adequado (no caso da maior parte dos organismos terrestres a água)
e de uma fonte de energia (estelar, geotermal, química, gravitacional, por
exemplo), são fatores de catalização dos processos e relações físico-químicas
e biológicas em um ecossistema. O papel das populações humanas neste
conjunto de fatores tem sido considerado como integrante dos consumidores.
Será este o seu único papel ? Onde, nesta concepção de ecossistema, se
enquadra o conjunto das ações humanas de extração de recursos minerais,
vegetais, alimentos, manufatura, processamento e produção industrial, relação
do setor de serviços com esta concepção de ecossistema ? E as demais
intervenções humanas modificadoras do espaço associado ao ecossistema,
tais como barragens, estradas, vias e terminais de transporte, somente para

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 20


citar alguns ? Certamente este conjunto diversificado de ações não se
encaixam no papel de consumidores...

Na atual concepção, um ecossistema fica localizado então pela sua


abrangência geográfica e espacial, e pela sua caracterização geofísica e
ambiental, ou seja, pela caracterização dos solos, rochas, gases, fluidos,
energia, e relações entre as populações abrangidas pelo ecossistema. As
ações humanas compõem aquele conjunto de relações desprezadas na análise
fundamentada no conceito de ecossistema.

COMPLEXIDADE DE UM ECOSSISTEMA

Naturalmente temos, enquanto seres humanos, a tendência a simplificar


os objetos e problemas de nossa observação diária, tentando por meio da
capacidade de abstração da mente humana elaborar analogias com padrões já
conhecidos, propondo soluções para os problemas ou reconhecendo objetos,
formas e cores com base nestes padrões. Sendo resultado do processo
evolutivo humano e da automatização de funções, e tendo nos ajudado
enquanto espécie a sobreviver em um ambiente naturalmente hostil, segundo
Sagan [1], compensando a nossa ausência de garras e presas, placas ósseas
e exoesqueletos, força muscular e vôo, esta característica associativa permitiu
aprendizado rápido e desenvolvimento do raciocínio abstrato. Por outro lado
nos faz ser como eternas crianças, nunca velhos, de acordo com Platão [2]
“jovens, o quanto sois, por vossas almas”, sem conhecimento cristalizado ou
imutável pelo tempo. Deste aspecto do comportamento humano, característica
peculiar à nossa espécie, até onde conhecemos as demais, resulta o método
científico de observação dos fenômenos, processo, populações e objetos,
análise de amostra a partir de simplificação representativa do que observa;
ensaio ou simulação que possa reproduzir esta situação ideal simplificada em
qualquer localidade em condições semelhantes, e extensão da conclusão ou
solução para a totalidade do sistema a que corresponde o que é observado.

Sob o ponto de vista das ciências, as teorias justificam a análise e


estudo dos seus objetos de observação e interesse. As ciências são
construídas pela proposição de teorias fundamentadas em hipóteses, as quais
exigem verificação por uma abordagem definida e comprovação para que
tenham validade, verificando assim a validade da teoria como modelo universal
para o problema que aborda. O método científico moderno, originado no
racionalismo decartiano, segmenta o sistema observado e suas relações em
compartimentos ou subsistemas mais simples, para descrever um fenômeno,
processo, população ou objeto observado. O método particiona assim um
continuum com infinitos pontos espaciais e/ou temporais de observação em um
conjunto discreto e finito do qual observa uma parcela, localização da
observação e análise do fenômeno, extrapolando os resultados obtidos ou
inferindo a validade destes resultados para o todo.

Ao tratar de problemas derivados de sistemas complexos, envolvendo


inter-relações entre seus subsistemas, o procedimento de análise e resolução,

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 21


para ter validade, deve considerar relações importantes ou dependências entre
os processos associados ao problema abordado, ao qual a solução é
condicionada. Usualmente estas inter-relações e dependências múltiplas entre
as partes do sistema complexo são desprezadas ou supostas irrelevantes,
tomando o subsistema isoladamente, representação simplificada do todo. Tal
premissa está fundamentada em ser válida a observação e análise de um
subsistema para todas as partes do todo do sistema. Mas, e sendo o sistema
complexo? Esta abordagem, válida para uma gama imensa de fenômenos e
objetos de estudo, incorre em sub ou super valorização de parcelas do
fenômeno, processo ou objeto de observação, quando aplicada a problemas
complexos, afetando a compreensão do problema estudado. A simplificação do
todo em parcelas menores do problema, e tratáveis por procedimentos
clássicos, pode gerar um acúmulo de erros de aproximação na análise e
compreensão do problema, e no estabelecimento de uma ou de um conjunto
de soluções do mesmo, ao serem desprezadas ou subestimadas as relações
entre os subsistemas do todo observado.

A análise do escoamento de um rio, a título de exemplo, é um problema


complexo cujo regime é dependente da quantidade de chuva e de evaporação,
de infiltração de água do rio no solo, das condições e geometria do canal de
fluxo, do regime de escoamento, do tipo de solo e clima regional, dentre outros
fatores. Desprezar uma destas quantidades físicas, relacionar ou simplificar
sua magnitude e relações ao estudar o rio implica em efetuar uma análise, do
seu escoamento, de utilidade limitada ou equivocada. O escoamento de um rio
é, portanto, um problema que relaciona o escoamento superficial, na calha do
rio, com uma infiltração de água no solo, sendo o sentido de troca de massa
entre estes subsistemas dependente do volume de água no rio, da quantidade
de água no solo, da posição relativa do nível da água no rio e do nível do lençol
freático no solo, que dependem da época e estação do ano, clima regional,
evaporação, tipo e porosidade do solo, dentre outros parâmetros e variáveis
sazonais [3]. E qual é a importância deste estudo? A água é essencial à vida, à
satisfação das necessidades básicas humanas, como higiene, saúde,
transporte, e à produção econômica. Sua disponibilidade e qualidade são
condicionantes para os processos orgânicos dos seres vivos e a troca de
substâncias no interior destes e destes para o ecossistema em que se
encontram, bem como no ecossistema e deste para o seu exterior. Processos
industriais também requisitam adequada disponibilidade e condição de uso da
água dos rios. Contudo, e apesar desta importância, a análise de ecossistemas
ainda não utilize modelos precisos de simulação, mensuração e projeção da
quantidade e qualidade da água em sistemas de bacias hidrográficas e em
aqüíferos. O estabelecimento de modelos que reproduzam a complexidade
deste sistema, bacia – aqüífero, é pré-requisito para a perfeita compreensão do
problema de transporte de poluentes e contaminantes por fluxo de água em
rios, para o estudo da captação de água dos rios, e projeção de recarga de
aqüíferos, fenômenos diretamente relacionados ao estudo do ecossistema em
que está inserido o rio e/ou o aqüífero [4].

Sob o ponto de vista da ciência, as relações em um ecossistema e entre


ecossistemas é em última análise um estudo das relações de troca de
quantidades físicas, da relação entre populações, de concentrações de

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substâncias, e de conservação de massa e energia. Além desta característica,
um ecossistema é um volume espacial limitado por certa fronteira, integrado
por diversos ambientes naturais, comportando uma diversidade característica
de populações vegetais, animais, e humanas, e comportando ambientes
artificialmente modificados pela ação humana. A magnitude de variáveis e
quantidades físicas envolvidas na análise e na solução de problemas
relacionados a certo ecossistema e a relação entre ecossistemas torna
elevado, sob a ótica das ciências exatas e tecnológicas, o número de variáveis
e de equações de um modelo matemático, etapa necessária para o
desenvolvimento de um modelo computacional de análise do problema em
questão. A modelagem física ou experimental para problemas da ecologia
envolvendo ecossistemas apresenta-se proibitiva devido aos custos e/ou riscos
acidentais envolvidos. Não é possível simular o resultado de um vazamento
radioativo, por exemplo, em um modelo físico, exceto se adotadas medidas de
segurança elevadas, e caras. O investimento na construção de um modelo
físico em escala de previsão climática, outro problema exemplo, também se
torna proibitivo face ao requisito das instalações e maquinário envolvido, face
aos custos relativamente reduzidos de uma simulação por computador. Estudar
um ecossistema é, portanto, um problema complexo, vulnerável, quando
efetuado por abordagem racional clássica, a erros de análise ou solução, sub
ou super quantificação de soluções, projeções e estimativas, exigindo uma
abordagem de estudo integrada por contribuições de diversas disciplinas de
áreas de conhecimento.

PROPOSTA DE AMPLIFICAÇÃO DO CONCEITO DE ECOSSISTEMA

A sociedade como um todo representa um complexo de relações e


parâmetros que quando integrados e organizados harmoniosamente são
benéficos a todos os componentes da ordem social. A ecologia, a economia, o
desenvolvimento, são alguns dentre muitos dos macro-elementos que fazem
parte desta teia de relações.

O planejamento e efetivação do desenvolvimento econômico e social


com caráter de sustentabilidade ambiental e de aperfeiçoamento da teia de
relações e da organização da sociedade humana demandam elaboração de
conhecimento, ainda hoje, passados 25 anos da Eco92. Produção mais
eficiente e solução dos problemas sociais têm em comum a necessidade de
elaboração de novas soluções, estabelecimento de relações ambientalmente
saudáveis com os ecossistemas, desenvolvimento de novos produtos,
processos, ocupações, e canais de propagação de informação, que respeitem
e se ocupem destas relações. A resposta a estas demandas requer Inovação.
Inovação social e inovação tecnológica, e aplicação de novas tecnologias, no
sentido amplo, de aplicação do conhecimento, e não no sentido restrito, de
construção de equipamentos e industrialização de produtos.

Segundo Aurélio [5] e Houaiss [6], inovação é “o ato, ação ou efeito de


inovar”, de introduzir novidades, ou seja, a disponibilização para um grupo ou
para toda a sociedade daquilo que é visto recentemente ou pela primeira vez.

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Houaiss aprofunda a definição e considera como inovação “a introdução de
alguma novidade nos costumes, na ciência, nas artes, etc”, e por extensão em
qualquer dos campos da ação ou de atividade humana.

Considerar a complexidade de um ecossistema e sistematizar um


método de análise, estudo, modelagem e simulação que considere novos
parâmetros e variáveis, como: a totalidade das relações em um ecossistema e
entre ecossistemas, as ações e intervenções humanas, balanço energético e
de quantidades físicas, bem como as conservações de massas das populações
e de recursos do ecossistema, exige uma abordagem inovadora.

A premissa que consideramos é que da ampliação do conceito de


ecossistema, para incluir as relações entre os diversos ecossistemas, as
intervenções e ações humanas como catalisadoras de transformação, e novos
parâmetros e variáveis, é possível aperfeiçoar o atual método científico
aplicado a problemas da ecologia. Possivelmente a validação desta nova
conformação do método venha a se mostrar promissora para a aplicação a
outros sistemas complexos.

Integrando agentes de inovação (organizações sociais, instituições de


pesquisa científica e tecnológica, governos e setores de produção econômica)
como agentes de desenvolvimento sustentável, e integrando profissionais em
equipes multidisciplinares, resulta a possibilidade de aperfeiçoar o método de
estudo aplicado a problemas complexos.

A adoção de uma abordagem metodológica específica para problemas


complexos exige uma mudança nos paradigmas e concepções de elaboração,
uma alteração na forma de pensar, conceber idéias, e relacionar conceitos.
Capra [7] postula que a sobrevivência da espécie humana exige a adoção de
uma abordagem sistêmica de suas relações. Nestas se insere a relação
humana com o meio ambiente. A ciência sozinha não será capaz de apresentar
soluções para os problemas ambientais e estabelecer procedimentos e
mecanismos de relação sustentável da sociedade humana com o meio
ambiente, caso desconsidere a essência humana, egoísta, antropocêntrica,
predadora, romântica, sensual (no sentido da satisfação dos sentidos). A
contribuição da psicologia, da filosofia e do estudo da relação humana com seu
divino, a religião, é exigência para a consideração dos processos, ações e
intervenções humanas sobre os ecossistemas.

Agimos como “eleitos”, “escolhidos” ou “donos” da biosfera, em nossas


atividades e desenvolvimento. Parte desta concepção foi fundamentada em
dogmas ou preceitos religiosos. Se por um lado teremos dificuldade para
modificar aquela essência, por outro devemos considerá-la para aprender a
apreender o resultado de nossa relação com a biosfera e outras populações
que a habitam. A consideração desse fator pode agregar um novo processo de
análise aos problemas ambientais. Para o desenvolvimento de modelos
computacionais relevantes sob a ótica do tratamento de problemas complexos,
em que o ambiental se insere, é necessário compreender como essa essência
orienta nossas ações e como pode ser desenvolvida como equação de balanço
de uma quantidade física acoplada com as demais do sistema ambiental. Para

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 24


essa compreensão precisamos, nas ciências exatas e tecnológicas, de uma
interação com as humanas, filosofia e religião.

PERSPECTIVAS DE RESULTADOS DESTA PROPOSTA

A idéia é inovadora. Uma sociedade que almeja ser líder ou acompanhar


a liderança da ciência, tecnologia e inovação, na nova revolução do saber
humano, a Era do Conhecimento, precisa ser ousada e inovadora, discutindo
os desafios de construção e desenvolvimento da sociedade de forma
sistemática, ampla e participativa. A problemática ambiental está diretamente
relacionada com a questão do desenvolvimento, e os ecossistemas estão
diretamente impactados pelas decisões e direcionamento do desenvolvimento
da sociedade humana. Solucionar este equacionamento exige uma abordagem
metodológica inovadora, de análise e estudo dos problemas associados ao
desenvolvimento sustentável, à preservação e uso dos recursos dos
ecossistemas. A nova abordagem aqui proposta cumpre este papel. Propor
esta e difundi-la significa contribuir para a elaboração de novos processos de
desenvolvimento e produção, contribuir para inserir o custo ambiental de forma
mais precisa como variável significativa da economia das organizações, e
contribuir para a elaboração de novos sistemas computacionais habilitados a
uma análise e estudo mais preciso dos ecossistemas, apropriando um novo
conhecimento para a sociedade, conforme Albuquerque e Rocha Neto [8].

Quinn [9] apresenta uma argumentação interessante sobre as grandes


mudanças da sociedade humana: “o mecanismo propagador de nossa cultura
foi o crescimento populacional... o mecanismo propagador da Revolução
Industrial foi o progresso”, no sentido de que embutindo uma visão ou
caracterização social, toda mudança se autopropaga, tratando-se de
transformação radical em relação à organização social que lhe é anterior. As
mudanças pressupõem novos paradigmas, em que nenhum paradigma “tem
condição de imaginar” ou elaborar “o paradigma seguinte. É quase impossível
um paradigma” avaliar “que haverá outro, um dia”, em seu lugar.

A nossa sociedade e nossa cultura foram, sem dúvida, bem sucedidas


em ocupar toda a Espaçonave Terra, em dominar as outras espécies orgânicas
e ecossistemas, possuindo incorporada em sua visão de mundo concepções
mentais e idéias que se mostraram ao longo de cerca 12 mil anos, desde a
Revolução Agrícola, bem sucedida em transformar-nos em donos do mundo,
porém ao longo do século XX e nesta primeira década do século XXI apresenta
um efeito letal, a capacidade de transformar-nos em devastadores do mundo e
dos ecossistemas, uma característica inserida na codificação de nossas
concepções de mundo, em um mecanismo análogo a uma doença genética.
Inserir as ações humanas como catalisadoras de alterações e intervenções nos
ecossistemas implica em esforço para “curar” esse defeito, e gerar um novo
paradigma na pesquisa de sistemas complexos.

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BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA

1. Sagan, Carl; Os dragões do Éden, Francisco Alves edt., 1980;


2. Platão; Timeu e Critias, Ed. Hemus, 1981;
3. Pietrobon-Costa, Flávio; Galeão, A. C. N. R.; Bevilacqua, L.; Um modelo
estabilizado de escoamento convectivo dominante para acoplamento
das equações de Navier-Stokes e Darcy, Anais do CMNE / XXVIII
CILAMCE, Porto, Portugal,2007;
4. Pietrobon-Costa, Flávio; Galeão, A. C. N. R.; Bevilacqua, L.; A stabilized
finite element coupled model for interface condition evaluation, Anais da
14th International Conference on Finite Elements in Flow Problems to be
held in Santa Fe, New México, USA, 2007;
5. Holanda, Sérgio Buarque Ferreira; Novo Dicionário Aurélio; Edt. Positivo,
3ª edição;
6. Houaiss, Antônio; Koogan, Abrahão; Enciclopédia e dicionário ilustrado;
Edições Delta, 1993;
7. Capra, Fritjof; As conexões ocultas, Ed. Cultrix, 2002;
8. Albuquerque, L.I.; Rocha Neto, I; Ciência, tecnologia e regionalização:
descentralização, inovação e tecnologias sociais, Ed. Garamond, 2005;
9. Quinn, Daniel; Além da civilização, Ed. Fundação Petrópolis, 2001.

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ECOSSISTEMA: UMA VISÃO FILOSÓFICA SEM PURISMOS

PAULO DOMENECH ONETO 1

1 – Doutor em Filosofia - UNICE / França e Prof. Bolsista FAPERJ / UGF

Resumo

O que se pretende é propor um debate em torno da noção de


“ecossistema” evitando recair no “conservacionismo” mais óbvio e
politicamente correto, deslocando o foco da análise para as condições éticas e
políticas que puderam engendrar a situação atual, mas também os movimentos
de defesa ecológica. Para tanto importa pôr em evidência os laços entre os
problemas do meio ambiente, da produção de subjetividades e das relações
sociais – as “três ecologias” de que nos fala Félix Guattari. Assim, a ecologia
ambiental é pensada ao lado de uma ecologia mental (termo tomado a Gregory
Bateson) e de uma ecologia social. Nesse sentido, mais importante do que
insistir com discursos normativos visando estabelecer barreiras para o uso dos
recursos do ecossistema, é “desidealizar” a natureza para poder criar
instituições capazes de estimular e promover outros tipos de experiência e de
relação consigo mesmo, com os outros e com o meio natural – relações
baseadas na auto-sustentabilidade. A defesa do ecossistema não é oposta à
idéia de desenvolvimento, mas deve vir à luz a partir de uma mudança de
enfoque sobre o desenvolvimento que se almeja. Não há nenhum retorno a
momentos mais puros da história do uso dos recursos naturais, assim como
não deve haver nenhum ideal conservacionista ou protecionista à vida em
geral. O que importa é a criação de meios que possam redirecionar o desejo do
indivíduo e ajudar na reconstrução das relações deste com outros indivíduos e
com a natureza circundante, de modo a impedir o esgotamento da vida no
planeta, talvez apenas porque nossas próprias vidas dependem disso.

Artigo

A violenta aceleração no ritmo das transformações técnico-científicas ao


longo dos últimos dois séculos, em particular a partir da segunda revolução
industrial (do automóvel e do aço), bem como a crescente evidência quanto à

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extensão de seus efeitos sobre a natureza (destacando o impacto sobre o
próprio homem), levaram ao aparecimento de um novo tipo de consciência
ético-política, voltada mais precisamente para a questão do equilíbrio nas
relações do homem com o meio. Nesse sentido, apesar da existência de
alguns esboços de reflexão sobre o problema antes do século XX, podemos
dizer que a questão do ecossistema é bastante recente. O próprio termo
“ecologia” surge apenas em 1866, na obra do biólogo Ernst Haeckel intitulada
Morfologia Geral dos Organismos, no intuito específico de designar um novo
ramo da ciência biológica. Este ramo trataria do funcionamento da natureza
como todo integrado, destacando a relação entre os diversos seres vivos e
seus respectivos meios. Introduzia-se um novo objeto de estudo: o
ecossistema.

A nova ciência ou ramo da biologia receberia uma série de


desenvolvimentos posteriores, subdividindo-se em campos mais ou menos
restritos como, por exemplo, ecologia marinha, florestal etc., cada qual se
dedicando a um ecossistema menor (um sub-ecossistema) do ecossistema
Terra. Etimologicamente falando, a ecologia contrasta de imediato com a
chamada ciência econômica, pois, em lugar de falar em uma regra (nomos) da
“casa” (oikos) ou do sistema em que diversos elementos estão inseridos,
remete a uma compreensão global (logos) deste sistema. Tratar-se-ia,
justamente, de tentar problematizar a relação do homem com a natureza, ao
invés de considerá-la antropocentricamente como “morada do homem”, lugar-
fonte de recursos para a ação desta espécie em particular.

É a partir do momento em que a ação do homem sobre a natureza se


revela diferente das ações dos demais seres vivos que a ecologia passa a ser
vista como um campo de estudo mais vasto. A singularidade da relação entre
homem e ecossistema se manifesta tanto em termos qualitativos quanto
quantitativos. Por um lado, é evidente que o impacto da ação humana sobre o
meio é muito maior do que o de qualquer outra espécie, o que se dá por
alterações diretas sobre o espaço geográfico (mudanças no curso de rios, no
relevo, na vegetação etc.), mas também como conseqüência de seu modus
vivendi (máquinas que emitem gases, produção de materiais não-
biodegradáveis etc.). É preciso frisar que, de certo modo, isto tudo faz parte da
própria evolução histórica do homem. A filosofia alemã contemporânea (na
figura de alguém como Karl-Otto Apel, por exemplo) apresenta a situação como
fruto de uma separação entre o mundo de nossa percepção (Merkwelt) e o
mundo de nossa ação (Wirkwelt), separação que derivaria de uma perda da
segurança instintiva do animal humano (processo de hominização). Surge,
assim, uma tendência ao desenvolvimento indiscriminado de técnicas e
tecnologias. As mediações que o homem cria para viver acabam por ignorar o
seu envolvimento real (relação de interdependência) com o meio circundante,
como se não houvesse limites na natureza ou como se a pretensa necessidade
de garantir determinados ganhos no presente fosse mais importante do que os
eventuais limites constatados. A crença moderna no progresso veio reforçar
esse problema da sede de garantir ganhos. O próprio capitalismo deve muito a
essa crença. Mesmo em nossos dias, após três séculos de variações no modo
de produção capitalista, é fácil observar como a idéia desenvolvimentista ainda
faz tal sucesso que impede uma crítica mais contundente ao sistema

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econômico vigente. A idéia de que haveria outro tipo de mediação humana,
demasiado humana (a mediação dos valores morais), capaz de concorrer com
os avanços da técnica e conter seus efeitos, parece animar diversas correntes
do pensamento alemão contemporâneo (Apel, Habermas, Jonas). Isto os tem
levado a defender outras modalidades de fundamentação moral ao invés de
investir numa mudança de paradigma ético-estético, como será o caso de
alguém como Félix Guattari6.

De qualquer modo, vale a pena observar que há, na realidade, duas


maneiras de se abordar a ciência econômica: é possível enxergá-la como um
tipo de ciência que investiga o melhor modo de explorar a natureza,
considerada em sua escassez, a fim de atender as necessidades humanas
(visão antropomórfica típica das vertentes clássica e neoclássica); mas também
é possível vê-la de modo mais suave, como ciência da produção, organização
e distribuição de riquezas. Este segundo modo de abordagem tende a enfatizar
mais o homem como homo faber, cuja ação é necessariamente transformadora
do meio sem, no entanto, supor que essa ação é maximizadora de resultados
(hipótese do homo economicus). Mas é precisamente a ideologia economicista
da escassez e da tendência “naturalmente humana” à maximização que
acabará por forçar uma ampliação do ramo da ecologia. Do foco sobre a mera
questão do funcionamento da natureza com seus diversos ecossistemas
passa-se à questão do funcionamento da natureza a ser preservado diante das
alterações sensíveis promovidas pela ação humana. O século XX irá, então,
retomar e aprofundar esboços de preocupações ecológicas avant la lettre,
como as que podem ser divisadas nas obras de Malthus, Marx e até mesmo de
um anarquista: Kropotkin (Campos, fábricas e oficinas).

É, porém, somente a partir dos primeiros desastres ambientais –


decorrentes do avanço cada vez maior do industrialismo, com exploração e uso
indiscriminado de recursos naturais novos e desenvolvimento de pesquisas
físico-químicas visando à descoberta de outros tipos de fontes energéticas
(como o petróleo e o urânio) – que emerge a ecologia como movimento
propriamente político. Pode-se dizer que a primeira obra especificamente
voltada para a denúncia de destruições da natureza surge apenas em 1962
(Primavera Silenciosa de Rachel Carson). A utilização de agrotóxicos e
inseticidas sobre as plantações se torna tema de debate e objeto de
investigação. As duas décadas seguintes são marcadas por um
questionamento do ethos vigente, estendendo-se das relações entre os
homens até a relação entre estes e seu meio natural. O auge disso se dá com
a criação de partidos verdes na Europa e movimentos de alcance mundial
como o Greenpeace. Tornou-se bastante claro que o homem havia se tornado
uma ameaça para o meio-ambiente e, por conseguinte, para si mesmo.

De fato, o que o homem põe em risco ao se manter refém de uma


ideologia economicista e desenvolvimentista a qualquer preço é o seu futuro.
Seria, portanto, essencial pensar em novos meios para rumar em direção a
este “futuro”. No entanto, os primeiros defensores da natureza colocaram o
foco de suas preocupações apenas na questão da conservação do meio-
6
Em especial em sua obra As Três Ecologias, de 1989, traduzida no Brasil dois anos depois, pela editora
Papirus.

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ambiente, tomado como um fim em si mesmo. Eles não propunham nenhum
projeto alternativo de desenvolvimento, contentando-se em apontar os males
do industrialismo, muitas vezes num tom quase religioso, que ainda pode ser
encontrado em nossos dias. Esse tipo de movimento político, cuja preocupação
central é apenas a defesa da natureza é denominado “conservacionismo” e
deve ser distinguido da ação ecologista que se desenvolveu nos anos 60-70 e
que denunciava desastres ecológicos como o da usina norte-americana de
Three Mile Island. A diferença entre conservacionismo e ecologismo pode ser
esclarecida por meio de uma conhecida metáfora de José Lutzenberger,
ecologista brasileiro: suponhamos que nosso modelo atual de desenvolvimento
seja uma auto-estrada conduzindo a um abismo. Uma vez que nos
conscientizamos desse fato, podemos assumir o compromisso de abandonar a
estrada. Podemos abandoná-la (ou até mesmo pararmos no ponto em que
estamos), mas seria mais interessante continuar trafegando, só que num outro
tipo de estrada, em outras direções. Esta estrada é o que nos cabe criar, para
muito além da mera crítica à auto-estrada em que estamos atualmente. É
preciso mostrar, ao contrário, que outras estradas ou tipos de desenvolvimento
são possíveis. É a isso que se propõe o movimento ecologista.

Apesar de suas aparentes “boas intenções”, um conservacionismo


radical pode engendrar formas políticas proto-fascistas na medida em que, sob
o argumento de “defender a natureza” a qualquer custo, pode conduzir à
criação de instrumentos coercitivos absolutos em nome de um ideal de
natureza “pura”, intocada. Mas não é apenas esse o perigo. A própria idéia de
que “é preciso preservar a vida em geral” pode abrir ainda mais espaço para os
atuais imperativos de gestão da vida tão bem criticados por Michel Foucault.
Tratar-se-ia de mais uma modalidade de biopoder, cujo efeito é um controle
cada vez maior sobre os modos concretos de existência das pessoas. Eis
porque é preciso talvez desconfiar também das propostas biocêntricas de
pensadores como Pierre Weil. Esse tipo de proposta salta ainda mais aos olhos
quando se apresenta revestida de argumento “ético”: ético seriam os valores
que tendem a respeitar a vida; não-éticos os que levam à sua destruição. Ora,
em primeiro lugar a vida na Terra é uma história de catástrofes em prol de
outras formas de vida. De resto, mesmo no universo dos valores humanos mais
comuns, não parece razoável que defendamos espécies que transmitem
malária, cólera e outras doenças.

Na realidade, mesmo a analogia de Lutzenberger nos parece insuficiente


como modo de colocar o problema ecológico. Isto porque ela pressupõe que
devamos nos preocupar com o futuro. Por que razão exatamente? Nossa
civilização pode querer adotar um modo de vida pleno, porém imediatista.
Podemos dizer que nem sequer nossos filhos ou netos estão seriamente
ameaçados e, então, passarmos o problema para gerações mais à frente,
afirmando que elas serão capazes, talvez, de resolvê-lo à sua maneira num
outro contexto. Por que não? Podemos argumentar, de maneira um pouco
irônica, com a frase de Keynes: “no futuro estaremos todos mortos”.

Ora, a questão fundamental não parece ser efetivamente a de estarmos


ou não pondo em risco o futuro da vida na Terra, e sim a da qualidade de
nossas vidas no presente. E a questão ética nunca é simplesmente a de

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encontrar um núcleo fundamental para nossas ações e, a partir daí, traçar
limites para tipos de ação que não condigam com o núcleo identificado. Isto
não é ética. O que é efetivamente ético – e é curioso observar que,
etimologicamente, a palavra ethos intersecta o oikos da ecologia, pois também
indica “morada” – é buscar compreender (no sentido de incluir, acolher, como
um conjunto matemático compreende elementos, como uma morada nos
acolhe) nossas ações para redirecioná-las. E, nesse âmbito, são duas as
contribuições recentes que destacamos como as mais importantes para
recolocarmos o problema dos diversos escossistemas e da ecologia em geral.
Mais do que discutir essas contribuições, o que nos interessa aqui é deixá-las
indicadas como referência para uma visão filosófica do problema sem os
“purismos” conservacionistas ou moralistas (em nome de um biocentrismo –
como afirma Nietzsche: “a vida na é argumento”).

As contribuições a que nos referimos são: o já mencionado As Três


Ecologias (1989), de Félix Guattari, e O Contrato Natural (1990) de Michel
Serres7. Enquanto na primeira obra, trata-se de tentar uma reflexão sobre a
recomposição dos objetivos e métodos do uso humano da natureza nas
condições atuais com base nas suas relações consigo mesmo e com o meio
social; no segundo livro, de autoria de Serres, utiliza-se um recurso
metodológico bastante engenhoso, que consiste em pressupor – a exemplo da
hipótese do contrato social de Rousseau para a origem ou fundamento da
sociedade política – um contrato implícito entre cada ser vivo e a natureza.
Esse contrato é um pacto de equilíbrio e sustentabilidade que inclui a natureza,
como sujeito de direito. Ele é deduzido de uma visão sobre a vida na Terra que
dificilmente pode ser questionada, por ser a própria raiz da definição de
ecossistema: a que enxerga a natureza como todo integrado, em que cada um
de seus componentes depende de todos os demais componentes (todos são
sujeitos).

Muito resumidamente, o que decorre dessas duas contribuições é: por


um lado, a inserção da questão ambiental num contexto muito mais amplo,
pois, afinal, “a deterioração dos ecossistemas vai de par com a deterioração de
modos de vida individuais e coletivos” (Guattari); por outro, a ênfase na
questão de geração de equilíbrios de forças (Serres). Podemos dizer, unindo
as principias teses das duas obras, e a guisa de conclusão, que o hipotético
“contrato natural” que garante a vida na Terra só pode ser mantido ou
restabelecido a partir de uma consideração da articulação entre os três
domínios de uma compreensão ampla do que vem a ser nossas “casas” ou
“moradas” (uma ecosofia): ecologia ambiental, social e mental.

O primeiro domínio é obviamente o que trata da nossa relação com o


meio-ambiente. Mas ele depende da ecologia social que trata das relações
humanas no seio da coletividade e da ecologia mental que trata da relação da
consciência com o corpo. A idéia, então, é agir filosófica e politicamente no
sentido de: a) compreender nossas reais motivações para agirmos como
agimos diante da natureza; b) a partir daí, definir novos métodos e objetivos
num nível global; c) criar instituições que possam vir a promover outros tipos de

7
Livro de 1990, traduzido no Brasil pela Cia das Letras.

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experiência e de relação, de tipo auto-sutentável – noção que se refere ao
presente, sem o qual o futuro é apenas um ideal. Esse tipo de proposta – que
enfatiza a indagação acerca de nossos desejos, a problematização acerca do
que vem a ser desenvolvimento e seu valor, a criação de novos meios capazes
de competir com os meios atualmente em vigor – se opõe às visões reativas e
puristas que ainda predominam no discurso ecológico. Não há nela nenhuma
visão nostálgica acerca da natureza. A natureza é o que está para ser
permanentemente reconstruído, sempre, em função das novas ações que não
param de se dar em seu interior. Não há tampouco nenhum afã regulador na
proposta. O discurso normativista por mais leis e por instituições cerceadoras é
visto como inócuo a longo prazo, além de ser dogmático ao pretender que sabe
o que é natural. Abrir uma trilha no meio do mato para que um homem possa
passar e buscar alimento é tão natural quanto o mato que ali está. Mas mesmo
que saibamos distinguir claramente entre deterioração absoluta e relativa;
mesmo que consigamos criar normas reguladoras da ação humana sobre o
meio-ambiente, leis e punições para os desastres que continuam a ser
perpetrados; cabe ainda uma pergunta: o que fazer para que não se deseje
deteriorar? para que haja menos necessidade de regulação e fiscalização?
para que outros tipos de relação com nosso próprio corpo e com os outros
homens possam brotar, a ponto de invalidar a própria lógica social que hoje
predomina: assentada na figura do homo economicus? Pois, como observa
Guattari: “não faltam meios (inclusive legais) para responder à deterioração
propriamente ecológica. Falta o élan para que formações subjetivas e
organizações sociais possam se apropriar dos meios”.

Em suma, o que está em jogo é nossa capacidade de reconstituir nossos


componentes de subjetivação e nossas relações sociais. Só assim poderemos
repensar adequadamente nossa relação com o meio-ambiente específico em
que vivemos e com a natureza em geral.

BIBLIOGRAFIA

GUATTARI, F. Les Trois écologies. Paris : Galilée, 1989.

SERRES, Michel. Le Contrat naturel. Paris : François Bourin, 1990.

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VIDA NO CAMPUS: UMA EXPERIÊNCIA DE SUCESSO

DALVA MORAES PINHEIRO 1

1 – Especialista em Planejamento Ambiental - UFF e Profª. Adjunta no ICHF / UFF

Resumo

O objetivo do programa de extensão Vida no Campus é integrar


atividades acadêmicas e administrativas. Estimular alunos, professores,
funcionários e visitantes na preservação do ambiente natural e construído do
Campus Universitário do Gragoatá da Universidade Federal Fluminense (UFF),
Niterói, RJ. Assim, evitar agressões, pichações, depredações e descaso na
manutenção da área (218,4 mil m2). E incentivar comportamentos pró-
ambientais, tanto na UFF como na cidade, com ações de ecologia, jardinagem,
arte, educação e cultura, incluindo portadores de necessidades especiais. São
práticas aplicáveis à saúde, educação e lazer em áreas públicas ou
particulares.

Artigo

Palavras como ecologia, ecossistema e meio-ambiente caracterizavam


problemas típicos do pós-guerra (1939/1940) e eram consideradas novas, com
registros recentes nos dicionários mesmo nas décadas que se seguiram. Foi
nos anos de 1990 que tivemos uma idéia acadêmica ao observar a
impessoalidade e o abandono dos lugares públicos e o desinteresse dos
usuários em geral, que se mostram divorciados do espaço que lhes pertence
como membros de uma comunidade e pelo próprio viver comunitário.

Com a mudança do campus da Universidade Federal Fluminense (UFF),


em 1990, do Centro de Niterói (RJ) para o bairro histórico de Gragoatá, à beira
da baía de Guanabara – numa área de 218,4 mil m2, o mais extenso campus
da UFF em área urbana – nossa preocupação se definiu por um projeto de
extensão específico voltado para a preservação e integração dos lugares que
pareciam, aos olhos e uso de todos, serem apenas espaços de circulação para
pessoas e carros. A vista desta nova área resultante de aterros recentes, onde
foram erguidos blocos funcionais de concreto armado para abrigar os diversos

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cursos da UFF, apresentava um panorama invejável, onde se incluíam o Pão
de Açúcar, o Corcovado e a ponte Rio-Niterói, - principais cartões postais do
Rio de Janeiro junto à Baía de Guanabara. Chamamos então, o nosso projeto
de extensão de “Vida no Campus”, que tem os seguintes objetivos:

1. Estabelecer uma ponte entre a vida acadêmica e a vida administrativa


e também estimular um vínculo mais participativo das pessoas
(funcionários, alunos, professores e visitantes) com os ambientes natural
e construído do campus;
2. Fazer deste vínculo um motivo real para evitar agressões, como
pichações, depredações e descaso na manutenção, funcionando esses
cuidados como incentivo para comportamentos opostos à deterioração e
ao descaso;
3. Congregar, em torno da idéia, pessoas de segmentos diversos da
UFF e da cidade em geral, interessadas em preservação, ecologia,
paisagismo, arte, cultura e práticas sócio-ambientais;
4. Sensibilizar os usuários do campus para os cuidados necessários
com os ambientes, inclusive pela relação que os ambientes têm com a
saúde física e mental das pessoas, difundindo os fatos que atestam a
interação recíproca das pessoas com seus ambientes, humanizando os
espaços do campus;
5. Estimular a relação das pessoas com as plantas e os animais que
fizeram do campus o habitat destas flora e fauna, muito antes da
mudança e dos arruamentos e infra-estrutura necessários.

Pode parecer um pouco estranho que um psicólogo se mostre tão


preocupado com problemas ecológicos e se envolva profissionalmente com
questões relacionadas ao aquecimento do Planeta, poluição, extinção de
espécies e degradação de ecossistemas. Mais estranho é que, realmente,
acredite o psicólogo que seu trabalho e sua formação profissionais são muito
importantes para diminuir esses problemas e comece a desenvolver maior
sensibilidade e identificação com a natureza, seus ritmos, seus avisos, seu
comportamento e formas de reagir. Assim, ele acompanha desde os informes
meteorológicos até alertas de ocorrências de fenômenos naturais, como
enchentes, secas, furacões, derretimento de geleiras e outros tipos de reações
e comportamentos do Planeta. E também passe a dar maior atenção às
reações das próprias pessoas em face desses problemas. Nada disso, porém,
é tão estranho assim, quando estamos nos referindo ao psicólogo ambiental,
que se preocupa com qualquer alerta envolvendo o Planeta e seus habitantes,
direta ou indiretamente, considerando que estes são avisos, reações e
fenômenos que têm a haver com atividades desenvolvidas pelos seres
humanos interferindo em suas relações com o meio-ambiente e a ecologia
como um todo ou em parte.

Dentro da Psicologia, a Psicologia Ambiental é uma área nova,


particularmente no Brasil, onde só em 1999, a partir do X Reunião Anual da

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Abrapso, promovido pela Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso),
na cidade de São Paulo, o tema foi incluído como item de destaque na
programação, ensejando convites e participações de psicólogos atuando na
interface pessoas-ambiente. Essa manifestação de interesse pela novel área
da Psicologia refletia conclusões do XXVI Congresso da Sociedade
Interamericana de Psicologia, também realizado na cidade de São Paulo em
1997, enfatizando, desde então, trabalhos voltados para a relação do ser
humano com seu meio ambiente.

É interessante observar que a Psicologia Ambiental levou algum tempo


para chegar oficialmente ao Brasil, pois desde 1954, nos Estados Unidos,
Roger Barker e Herbert F. Wright já estudavam o que chamavam de Psicologia
Ecológica, sendo eles considerados, por isso, os principais precursores desta
subárea da Psicologia. Tinha a Psicologia Ecológica o objetivo de estudar os
acontecimentos da vida diária em condições naturais, o que os levou a
organizar, em 1968, a Estação de Pesquisa de Oscaloosa, Kansas, EUA, onde
trabalhos realizados, inicialmente com crianças, levaram à constatação de que
as ações das pessoas eram essencialmente influenciadas pelos contextos
específicos onde essas ações ocorriam, surgindo, assim, o conceito de
Behavior Setting.

Os professores Clarissse Carneiro e Pitágoras José Bindé, da UFRGN,


em artigo intitulado “A Psicologia Ecológica e o estudo dos acontecimentos da
vida diária” (Carneiro, 1997:393), detalharam o seguinte a respeito da
nomenclatura acima referida por Barker & Wright (1954).

- “As denominações Psicologia Ecológica ou Ecopsicologia, utilizadas


nos países de idioma germânico (originalmente Okologische
Psychologie e, respectivamente, Okopsychologie) correspondem ao que
na esfera anglo-americana é designado como Psicologia Ambiental (do
inglês Envirommental Psychology). No âmbito anglo-americano (visto
globalmente), a Psicologia Ecológica se caracteriza como aqueles
trabalhos que são relacionados e orientados quase que exclusivamente
à escola barkeriana (Barker, 1968; Barker & Schoggen, 1973; Barker &
Wright, 1954)

Porém, o que atualmente se entende por Psicologia Ecológica avança o


modelo barkeriano, incluindo, igualmente, as críticas e os desenvolvimentos
posteriores a este, correspondendo, portanto, ao que na esfera anglo-
americana é designado como Psicologia Ambiental”.

Segundo os psicólogos italianos Mirilia Bonnes e Giafrancesco


Secchiaroli (1995), “a Psicologia Ambiental formou-se a partir de duas grandes
origens ou raízes teóricas: uma externa à Psicologia e outra interna” (Carneiro,
1997: 363).

Na externa identificam-se três grandes tendências advindas da


Arquitetura e Planejamento Ambiental, da Geografia e das Ciências
Bioecológicas. Já a tendência interna resultou da ação de forças na Psicologia
que considerava aspectos não só do ambiente social como também do próprio

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ambiente físico em sua inter-relação com as pessoas e os grupos,
preocupações estas, aliás, da Psicologia Social e da Psicologia da Percepção.
Tudo aparentemente muito óbvio, mas que só ganhou corpo didático nos meios
interessados a partir da segunda metade do século XX, como frisamos em
parágrafo inicial.

Ainda que a Psicologia Ambiental tenha surgido com dois vínculos de


interesse – o de problemas da degradação ambiental, e outro de elaboração de
projetos para ambientes construídos – o pesquisador Hartmut Günther, da
Universidade Nacional de Brasília (UNB) sugeriu, em 1991, os seguintes tipos
de problemas de interesse da Psicologia Ambiental atual (Günther, 2004:25).

-“(...) desde a percepção e cognição do ambiente; efeito do ambiente no


comportamento; ambientes diferenciados (de crianças, jovens, adultos,
trabalhadores etc.); ambientes específicos (como cidades); construção
de determinados ambientes para obter determinados efeitos sobre o
comportamento; mudanças de atitudes, percepções e comportamento
frente ao ambiente; até mudanças e planejamento do ambiente e
preservação do meio ambiente”.

Desde a concretização do nosso projeto Vida no Campus, contendo os


princípios acima relacionados, passaram-se dez anos de atividades cada vez
mais envolventes e até mais amplas, como as realizadas com as crianças da
Creche-UFF e a intervenção e recuperação de jardins no entorno dos prédios
em parceria com portadores de necessidades especiais (PNE) vindos do
projeto Moradia Assistida e da Sociedade Pestalozzi. Devido a essa
diversificação de atividades, o projeto transformou-se então em programa,
subdividindo-se em outros projetos, com os seguintes temas:

1. Ações cultuais / Arte solta do campus;


2. Centro de convivência terapêutica com a natureza (Casa das
Plantas);
3. Controle da população de pombos;
4. Descobrindo o campus com as crianças;
5. Grupo de estudos em Psicologia Ambiental;
6. Fauna silvestre;
7. Manejo racional do lixo;
8. Sensibilização e vivência ambiental;
9. Recuperação de jardins.

Nesses nove itens são da maior importância os que englobam a


educação ambiental e a sensibilização para a preservação dos ambientes.
Quanto mais cedo, porém, a educação puder começar com as crianças, o seu
trabalho de aprendizado e de comportamentos simples de preservação, não

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somente baseados nos conhecimentos, mas que envolvam principalmente os
sentimentos e as emoções das pessoas, melhores serão os resultados para um
futuro em conjunto com todos os seres do Planeta. Inclusive alguns
pesquisadores citam a importância do comportamento pró-ambiental (Verdugo,
2002:63). Pois, embora as escolas em geral já trabalhem com certa eficiência
esses temas, ocorre um corte quando as universidades, em suas graduações,
não tratam do tema dando continuidade, em nível mais elevado, a esse tipo
específico de educação voltada para a ecologia. E uma das áreas mais
elementares desta gama de preocupações é, exatamente, o primeiro ambiente
que nos cerca, como nosso quarto, nossa casa, nosso condomínio, nossa rua,
a cidade onde moramos e o País em que vivemos. Pois tudo isso se reflete de
maneira global numa macro-ecologia planetária. Dizia o poeta, com outras
palavras: se você quiser ser universal, cuide de sua aldeia. De sua cidade. Do
campus onde você passa a maior parte de seu dia a dia.

Há, portanto, uma relação constante entre esses conceitos e idéias


diametralmente opostas à depredação ambiental. E a própria violência urbana
é observada a partir da negação de bons exemplos em geral, do trabalho
inexistente ou da falta de empregos, do abandono das escolas, do desprezo
pelas habitações, do descaso pela saúde, da falta de transporte de massa e da
própria negação de espaços públicos bem cuidados destinados ao lazer e ao
desenvolvimento da cultura da população. Em escala reduzida, essas
preocupações são trazidas para dentro do campus e fazem parte de
discussões e intervenções que se estendem também além-muros
universitários.

Dos melhores exemplos do que Vida no Campus pôde proporcionar à


Universidade e participantes do programa estão as intervenções para a
recuperação dos jardins com a participação de portadores de necessidades
especiais. Eles ajudam a planejar e executar tarefas de limpeza e conservação
dos canteiros, participando da renovação e plantio das espécies florais e
ornamentais, desenvolvendo com isso habilidades sociais novas, como por
exemplo, o trabalho em grupo. Neste contexto, observam-se ainda melhoras
dessas pessoas quanto à capacidade estética, à tomada de decisões, além de
terem sua memória estimulada ao serem solicitados a identificar e conhecer
plantas, flores e sementes. Paralelamente, desenvolvem a auto-estima e a
capacidade estética para, com esta habilidade aprimorada, poderem identificar
harmonias geométricas e pictóricas, bem como poderem melhor desenvolver o
tato e o olfato na lida com as plantas e os jardins. O trabalho de recuperação
de jardins com os portadores de necessidades especiais se caracteriza,
também, como uma experiência-embrião para a construção do projeto Casa
das Plantas, que vai proporcionar uma ampliação do set terapêutico.
Basicamente, a Casa das Plantas será uma estufa para produzir mudas a partir
de sementes selecionadas em regiões diversas e, também, para funcionar
como guarda das plantas e local para desenvolver oficinas de plantio e
aprimoramento de mudas ornamentais e espécies medicinais.

Sob o ângulo especificamente estético, o programa Vida no Campus


promove freqüentemente oficinas de artesanato dos tipos mosaico, origami,
biscuit, bijuterias com sementes e exposições de arte em geral, reservando

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espaço e tempo para comemorar a Semana do Meio Ambiente, todos os anos,
e, mais recentemente, a data de criação do Vida no Campus, cujo último
evento envolveu, no seu décimo aniversário (junho de 2007), o plantio de
mudas e a organização de um memorial composto de plantas representativas
dos ciclos agrícolas do Brasil, onde se discutiu vantagens e prejuízos das
diversas fases da agricultura no País, notadamente a monocultura, abrangendo
as explorações da cana de açúcar, do café e, atualmente, da soja. Questões
relacionadas com o cultivo extensivo de eucalipto e também de grãos utilizados
para obtenção de biocombustível ocuparam grande parte dos debates e
exposições.

O lixo e resíduos sólidos advindos do uso dos prédios da Universidade e


do trânsito pelas dependências do campus mereceram um gerenciamento
especial que teve início com um curso intitulado Capacitação como Agente
Ambiental. O curso surgiu de uma demanda inicial ao Vida no Campus de uma
cooperativa de catadores conhecida pela sigla COOTCARJ (Cooperativa de
Catadores de Niterói – RJ). A fim de capacitar seus cooperados no
gerenciamento de resíduos sólidos e promover a valorização e o
reconhecimento dos participantes, a COOTCARJ e o programa Vida no
Campus juntaram-se para capacitar melhor também os profissionais da limpeza
e conservação do campus. Este item já vinha sendo planejado ao se observar
que era importante um curso especifico para consolidar um plano de
implantação da coleta seletiva que deveria sensibilizar tanto os profissionais
que cuidam da conservação do campus ou de empresas interessadas, quanto
os serventes de limpeza que também atuam no campus e ainda os catadores
que trabalham nas ruas. Esses dois elos da cadeia de gerenciamento de
resíduos – os que recolhem nos locais e os catadores - ao serem
sensibilizados, passam a funcionar como determinantes para implantar a coleta
seletiva, o que não se efetivou ainda por diversas razões, dentre as quais a
inexistência de patrocinadores interessados em fornecer recipientes
apropriados para a seleção do lixo recolhido e que se faz necessário em
número que atenda suficientemente à grande extensão da demanda no
campus. Remotamente, foi a partir de uma primeira intervenção do Vida no
Campos que a administração da Universidade decidiu destacar um lugar
apropriado para o recolhimento do lixo em caçambas que passaram a ser,
posteriormente, recolhidas pela empresa municipal de limpeza Clin.

Os recursos humanos e o voluntariado que fazem funcionar o Vida no


Campus são integrados por alunos bolsistas, alunos voluntários de diverso
cursos, técnicos administrativos e a professora autora deste artigo e do
programa em questão. Um técnico administrativo da UFF, Liorno Werneck,
assumiu há quatro anos a coordenação do Vida no Campus. Tem sido de muita
importância para o sucesso deste programa o apoio do diretor do Instituto de
Ciências Humanas e Filosofia (ICHF), professor de Psicologia Francisco de
Assis Palharini. Aliás, o programa Vida no Campus se encontra diretamente
vinculado ao ICHF.

No âmbito acadêmico, o programa também criou a disciplina


Ecopsicologia na graduação do curso de Psicologia da UFF, cujos trabalhos de
conclusão dos alunos foram voltados para os problemas e também para

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 38


aspectos positivos ambientais observados no campus do Gragoatá. Destacam-
se, entre esses trabalhos, a produção e gravação de um vídeo/DVD sobre as
aves do campus que, por sinal, chegam a 25 espécies diferentes identificadas,
filmadas e catalogadas também numa cartilha intitulada “Aves do Gragoatá”,
produções dos alunos Daniela Serrina (vídeo/DVD, aluna de Psicologia) e
Pedro Louvain (cartilha, aluno de História). Os professores Paulo Fevereiro
(Biologia) e Carlos Brandt (Linguagem Fotográfica) da UFF orientaram o
vídeo/DVD. Circula também no campus um jornal de parede, já em seu número
5, intitulado “Jornal do Campus” – Carta de notícias do programa Vida no
Campus, editado pelo coordenador do programa.

Há uma emergência planetária voltada para as macro-soluções capazes


de deter e, tanto quanto possível, reduzir o aquecimento global que se
manifesta com alterações climáticas facilmente observáveis até por leigos e em
todos os continentes. E, também, com as já documentadas reduções das
calotas polares atingidas pelo derretimento de geleiras bilenárias. Atualmente o
relatório da situação da população mundial revela que no Brasil 84% dos
habitantes vivem em área urbana. Em 2030 este numero vai aumentar para
90% da população (ONU, 2007). Os rejeitos, detritos, lixos e outros resíduos
sólidos, líquidos e gasosos resultantes em grande escala de uma civilização
eminentemente consumista são também considerados da maior importância
como atitude e comportamento, até em proporções mínimas – como não sujar
o campus, não jogar lixo na rua, tratar seus resíduos – que, no entanto, têm um
aspecto mais amplo com implicações financeiras.

Em conseqüência da concentração urbana e de outros fatores sócio-


econômicos, a “remediação ambiental”, como passaram a ser chamados os
rendosos negócios de despoluição a partir de seminários realizados na
Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), são setores que
crescem cerca de 40% ao ano em um mercado que movimenta R$2 bilhões no
país. Empresas especializadas prevêem investimentos de R$ 150 milhões até
2008 e crescimento de 300% até 2009, chegando a um faturamento anual de
R$ 300 milhões. Há um consenso de que as atividades na área ganharam
impulso nos últimos cinco anos, devido à legislação rígida, à maior cobrança da
sociedade e, sobretudo, à atuação internacional de empresas com ações
listadas em bolsas – todas com ações sócio-ambientais. A atividade industrial
contemporânea, o consumismo exagerado e o desperdício de energia fóssil,
principalmente, como é fácil concluir, gera uma quantidade muito grande de
rejeitos, os mais diversos. A Petrobras, por exemplo, possui um estoque
declarado de material perigoso nas suas instalações que chegam a dois
milhões de toneladas anuais, mas a estocagem não sofre grandes variações
porque a empresa estatal se esforça para reduzir riscos ambientais.
Recentemente a Petrobrás publicou o balanço sócio-ambiental da empresa,
mostrando os investimentos maciços que tem feito para conseguir corrigir e
remediar as áreas degradadas, nas mais diversas atividades - da extração do
petróleo à distribuição do produto final. Publicações recentes revelam que há
no Brasil um acúmulo de 2,7 milhões de toneladas de resíduos perigosos, dos
quais somente 700 mil toneladas têm destino adequado. Os números são
fornecidos pela Câmara de Comércio Brasil-Alemanha (CCBA). Com toda a
preocupação em identificar seus passivos ambientais, a maioria das empresas,

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 39


porém, não sabe o quanto acumula de resíduos tóxicos, já que no passado, o
procedimento considerado correto era abrir um buraco e enterrar os resíduos.
Borras oleosas, por exemplo, são um problema muito comum devido a 100
anos de atividades e exploração, refino e distribuição de petróleo – divulga
ainda a CCBA. E explica que a borra de diesel ou de óleo combustível se
degrada e passa a exigir técnicas cada vez mais sofisticadas para desacelerar
ou anular esse processo de degradação ou até mesmo proceder à retirada
desse resíduo. Apenas para dimensionar o problema produzido pelo consumo
de derivados do petróleo, é preciso dizer que existem cerca de 30 mil postos de
gasolina espalhados pelo Brasil, que resultam em vários focos de possíveis
contaminações. Porém, não só industriais do ramo do petróleo correm riscos
de gerar passivos ambientais. Indústrias de papel e celulose, aço, mineração,
metais não ferrosos entre outras também fazem parte de um mercado de
remediação e investigação que abrange R$ 2 bilhões ao ano. Só as indústrias
petrolíferas assumem metade desse montante. E, segundo a Petrobrás, a
maior preocupação da empresa estatal atualmente é poder reduzir os passivos
ambientais, baseando-se em dados comparativos da indústria de petróleo
mundial. A própria Petrobrás cita o acidente na Baia de Guanabara, ocorrido
em janeiro de 2000 (em virtude de um problema originado em uma das
tubulações da Refinaria Duque de Caxias) quando foram lançados cerca de 1,3
milhão de litros de óleo cru nas águas da baía, como um ponto de partida para
que a estatal mudasse radicalmente seu modo de atuação, com ênfase na
reação de ambientalistas. Como resultado desses esforços, de lá para cá, no
ano passado a Petrobrás conseguiu ser aceita em um grupo totalmente seleto
chamado Dow Jones Sustainability Indexes, que tem umas quatro ou cinco
empresas brasileiras listadas. Quanto á legislação ambiental brasileira, os
empresários a consideram pesada, embora reconheçam que as exigência de
posturas são adequadas e têm que ser cumpridas, inclusive porque, do
contrário, o produtor não consegue colocar-se bem no mercado externo, alvo
da maioria delas. Comparando com a situação da América Latina, nessa área
de petróleo, a postura do Brasil é muito mais forte que nos outros países, mas
ainda há muito que fazer, apesar das sanções já implicarem em
responsabilidade criminal.

O que se pretende também, com evidências no relacionamento social


entre os participantes do programa Vida no Campus, é alcançar um conluio,
mínimo que seja, com a natureza mais próxima, com o ambiente mais ao
alcance de todos. Esse, aliás, é o debate entre os trilheiros universitários,
quando Vida no Campus realiza caminhadas através de parques e matas que
compõem o sistema de preservação e áreas de proteção ambiental (APAs) da
cidade e municípios vizinhos, como a Serra da Tiririca e os morros do Elefante
e das Andorinhas, além do Parque (urbano) da Cidade. Assim, numa ação
semelhante às aulas in loco ou ao ar livre, reforça-se esta sensibilização
imprescindível para o que chamaríamos de micro-providências para deter a
macro-degradação planetária.

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 40


REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Barker, R. G. & Wright, H.F. – Midwest and its children. The Psychological
ecology of an American 1954

Bonnes, M., e Secchiaroli, G. – Envirommental Psychology, a psycho-social


introduction. London: Sage. 1995 apud Carneiro, Clarisse e Bindé, J.Pitágoras
– Estudos de Psicologia, 2(2) 363-367.1997.

Carneiro, Clarisse e Bindé, J.Pitágoras – Estudos de Psicologia, 2(2) 363-


367.1997.

CCBA, Câmara de Comércio Brasil-Alemanha – Seminário Remediação de


Áreas Impactadas – Firjan, jun 2007

Günther, H.; Pinheiro, J.Q.; e Lobo, R.S. – Psicologia Ambiental – Editora


Alínea, Campinas, SP. 2004.

ONU, Organização das Nações Unidas – Relatório da situação da população


mundial – “The Economist”, Londres, Reino Unido – jun 2007.

Pinheiro, J. Q. Psicologia Ambiental: a busca de um ambiente melhor, Estudos


de Psicologia- v2, n2 (jul/dez. 1997) – Natal: UFRN. Edunfrm, 1996.

Verdugo, V. Corral. Conductas Protectoras del Ambiente. México: Rm editores,


2002.

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 41


APRENDER A APRENDER E CONSTRUÇÃO DE SUBJETIVIDADE

GABRIELA RIZO 1

1 – Doutora em Psicologia Social - UERJ e Profª. Adjunta no IM / UFRRJ

Resumo

Esta apresentação tem por objetivo discutir como o discurso do


Aprender a Aprender foi veiculado como algo essencial para educação no
século XXI através da Unesco, tendo em vista principalmente o Relatório
Delors. Neste sentido, analisa-se aqui que as demandas educacionais
projetadas neste relatório orientam a formação de uma subjetividade adequada
à Sociedade de Risco, na qual se torna necessário que a reflexividade dirija as
ações dos indivíduos no mundo, tendo em vista aquilo que os construtivistas
radicais chamam de cibernética de segunda ordem.
A cibernética de primeira ordem separa o sujeito do objeto, e é própria
de uma primeira modernidade, ou seja, é própria de um momento histórico no
qual a transformação da natureza era vista como manifestação de progresso
em termos iluministas. Já a cibernética de segunda ordem, ou cibernética da
cibernética, é circular. “Aprendemos a nos ver como partes de um mundo a
compreender que queremos observar. Toda situação de descrição penetra num
novo campo, no qual precisamos, de repente, assumir a responsabilidade pelas
nossas próprias observações. (...) As referências quanto a um mundo
independente de nossas observações são substituídas por indicações
efetuadas pela própria pessoa. (...) Também a reflexão sobre o sentido e o
objetivo das observações que colocamos ganham uma outra dimensão;
começamos a tornar claro para nós porque afinal queremos saber ou
experenciar.” Segundo Delors, o aprender a aprender é esta capacidade de
sempre referenciar-se em suas próprias experiências através de alguns
conteúdos básicos do conhecimento produzido pela humanidade. O conceito
de conhecimento no Relatório é uma experiência processual que torna as
pessoas capazes de criarem, segundo a Unesco, um mundo sustentável
analisando sua própria reflexão como objeto, readequando suas experiências
mal-sucedidas no passado, a um futuro possível dentro do quadro de
possibilidades contextuais.
No entanto, considera-se aqui que o estímulo a uma educação que
defenda tal modelo de sujeito faz parte do Processo Civilizador, uma vez que a
busca através do aumento dos graus de previsibilidade particular, o maior
autocontrole das pessoas, no sentido de conter a barbárie através de uma
educação que molda subjetividades para se culparem dos males do presente,
ao mesmo tempo em que devem se responsabilizar individualmente pelo devir
social, a despeito das instâncias coletivas.

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PSICOLOGIA E QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS NO CONTEXTO
EDUCACIONAL

LEILA MARIA AMARAL RIBEIRO 1

1 – Doutora em Psicologia - IP / UFRJ e Profª. Adjunta no IM / UFRRJ

Resumo

A educação e o ensino podem melhorar graças à utilização adequada


dos conhecimentos psicológicos disseminados por seus diversos paradigmas.
No início do século XX Freud apresenta o que chamou de uma nova
psicologia, ou seja, a Psicanálise. As idéias freudianas, além de portadoras de
conhecimentos do psiquismo humano, são responsáveis por grandes
mudanças nos comportamentos dos indivíduos, na cultura e,
conseqüentemente, na educação. A primeira contribuição pode ser atribuída à
originalidade do paradigma proposto pela Psicanálise, explicitado ao fornecer
um panorama da vida psíquica dos indivíduos em sua complexidade e trazer
para a cena a sexualidade infantil, os conteúdos inconscientes, a transferência
e a pulsão. A seguir, a inauguração de uma postura isenta de julgamentos ou
opiniões sobre os objetivos de vida dos indivíduos contribui para que o trabalho
do educador siga na direção do entendimento do que está em jogo na relação
ensino-aprendizagem. A terceira contribuição a ser discutida é o modo de
operação dividido em três momentos. O primeiro momento desse novo modo
de operação proposto pela psicanálise se dá pela via de uma ação de
desrecalcamento, a partir do entendimento que educar é recalcar. Esse
recalcamento é resultado dos conteúdos assimilados ao longo da vida, que têm
origem na história familiar, que por sua vez transmite a cultura, a religião, a
moral vigente etc. A ação de desrecalcamento se dá no sentido de liberar a
pressão inercial (inibições, medos, etc) que esses conteúdos exercem sobre os
movimentos dos indivíduos (criação, produção, aprendizagem, etc). A ação
profilática ocupa-se em aprontar pessoas para que, antes ainda de sofrerem os
efeitos de uma formação inadequada, possam evitá-los. A preparação que a
profilaxia oferece é no sentido de tornar o educando apto a desempenhar suas
funções no mundo, inclusive no meio educacional, de modo desenvolto e útil. A
ação clínica abrange toda e qualquer manifestação humana, na tentativa de
minorar o mal estar do homem diante do que há, seja a cultura, a natureza, a
educação etc. Sendo assim, na ótica da Psicanálise, o campo de atuação da
educação é o da tensão entre a inculcação e o desrecalcamento, e nesse
conflito, contribui com o desenvolvimento do auto-conhecimento e com o
surgimento da capacidade interpretativa e reflexiva, tão necessárias para o
processo educativo. Cabe, portanto, aos operadores da psicanálise

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 43


apresentarem as ferramentas e a pertinência de sua utilização para a
realização de um trabalho capaz de acompanhar os educandos em seus
percursos particulares, com a aposta de que resulte daí o desenvolvimento de
suas potencialidades. Assim, a Psicanálise, desde que comprometida com a
idéia de uma nova mente, como queria Freud - com uma compreensão ampla
das novas formas de singularidade e de sofrimento psíquicos - deve assumir a
responsabilidade de fornecer bases sólidas para um projeto consentâneo com
os acontecimentos do século XXI.

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A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR NAS ORGANIZAÇÕES NÃO-
GOVERNAMENTAIS

ROBERTA MERCADANTE 1

1 – Mestre em Política Social - UFF, Psicóloga - UFRJ e Assessora de Projetos do CEDAPS / RJ

Resumo

Esta comunicação traz experiências de profissionais da área de


psicologia, que atuam em equipe multidisciplinar, numa Organização Não-
governamental (Ong): o Centro de Promoção da Saúde (CEDAPS). Cada vez
mais profissionais de psicologia compõem o quadro técnico de Ongs e dessa
forma, é importantíssimo promovermos reflexões acerca do papel do psicólogo
neste contexto.
O Cedaps é uma Ong de cooperação técnica que, há 13 anos, atua em
comunidades populares – favelas e bairros da periferia. Trabalhamos com o
conceito ampliado de saúde, compreendida a partir da idéia de acesso
eqüitativo aos bens sociais e simbólicos (educação, saúde, lazer, habitação,
trabalho, alimentação, circulação etc.) e com base nos pressupostos da
intersetorialidade e integralidade, de acordo com a política de saúde brasileira.
Para tanto, nosso quadro técnico é composto por profissionais de diferentes
áreas do conhecimento e buscamos atuar de forma interdisciplinar: num
processo de intercâmbio de saberes, práticas e métodos.
A interdisciplinaridade está no cerne das ações e da produção de
conhecimento em promoção da saúde, que é a base de trabalho da instituição.
A promoção da saúde se apresenta como um domínio de diferentes áreas do
conhecimento, inclusive do conhecimento popular, o que impõe o diálogo entre
disciplinas e saberes. Em nosso cotidiano, buscamos a integração dos saberes
científicos e populares e a reflexão dos limites e potencialidades de cada saber,
para a construção de um fazer compartilhado e coletivo – princípios da
interdisciplinaridade.
A ação do Cedaps não se dirige apenas para as comunidades
populares, mas, sobretudo, é realizada com a comunidade. Preconiza a
autonomia, a mobilização e a participação da população na construção do seu
processo de saúde e desenvolvimento.
Nossa experiência revela o potencial e as possibilidades de lideranças e
associações comunitárias na produção da saúde e na busca de melhores
condições de vida para os lugares onde vivem e para a Cidade. Dessa forma,
em maio de 2005, lançamos formalmente junto com 59 representantes de
organizações de base comunitária a Rede de Comunidades Saudáveis do
Estado do Rio de Janeiro. Hoje, esta rede conta com a participação de mais de

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 45


100 representantes em rápida ampliação; e nosso trabalho é o de contribuir
para a qualificação da prática comunitária que se consolida cotidianamente no
interior das comunidades populares e para reforçar as capacidades do
movimento social para a defesa de seus direitos e a negociação de políticas
públicas saudáveis.
O lugar do psicólogo neste contexto é o da observação e participação
em elaboração reflexiva incessante; é o de problematizar e jamais escamotear
os problemas, buscando alcançar a condição humana – os limites e
potencialidades dos sujeitos envolvidos. Discutir também sobre a construção
individual e coletiva de ser ‘morador de favela’ e liderança comunitária, o que
determina a incomensurável diversidade de cada sujeito e de cada comunidade
– tantas vezes homogeneizados pela mídia.

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REDES COMUNITÁRIAS: PARCERIAS PARA FORMAÇÃO DE CAPITAL
SOCIAL

GILBERTO FUGIMOTO 1
LUIZ FERNANDO SARMENTO 2

1 – Engenheiro. Agrônomo - UFV e Assessor de Projetos Comunitários - SESC / RJ


2 – Economista e Técnico da Assessoria de Projetos Comunitários - SESC / RJ

Resumo

Projeto de organização social comunitária que tem como objetivo


promover conexão, estimular relações de confiança e fomentar cooperação e
parcerias.
Redes Comunitárias promovem encontros voltados para a prática de
parcerias entre comunidades populares, instituições privadas, públicas e do
terceiro setor. De modo simples e objetivo, cada representante de instituições e
de comunidades se apresenta e fala do que veio procurar e do que veio
oferecer. Todos têm oportunidade de falar e ouvir. Quando cada um sabe quem
é quem, o espaço se abre para o aprofundamento de relações e formação de
parcerias.
Encontros de Redes Comunitárias são realizados mensalmente nas
unidades do Sesc-Rio. Indicadores de avaliação estão sendo desenvolvidos. A
metodologia de Redes tem sido adotada para atender a projetos temáticos e
territoriais dentro e fora da instituição.
Articular Redes Comunitárias representa um esforço de comunicação,
uma confiança no coletivo; uma aposta radical na democracia que se expressa
nas relações cotidianas. As conexões que os indivíduos estabelecem em uma
comunidade através de redes têm produzido um ambiente de confiança mútua
em benefício coletivo.
Buscar caminhos para a transformação social através da ação coletiva, a
criação de um ambiente de confiança e participação em redes comunitárias,
pode parecer óbvio. Seria, não fossem os enormes muros erguidos pelo
homem nas conexões consigo mesmo e com o próximo.

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 47


Artigo

APRESENTAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO

O projeto Redes Comunitárias pode ser entendido como um esforço


para promover conexões entre indivíduos, lideranças comunitárias, técnicos da
área social, voluntários, esferas governamentais – município, estado, união – e
empresas socialmente responsáveis.

Cabe questionar porque promover o encontro desses atores sociais. Não


haveria outras maneiras mais simples ou espontâneas? Para tentar responder
a esse questionamento, e com isso delimitar o objetivo do projeto, se faz
necessário contextualizar alguns elementos.

A falta de cidadãos participando da vida comunitária vem sendo objeto


de exame recente. Embora esta orientação tenha se iniciado no mínimo há um
século atrás, só ultimamente as implicações deste declínio na participação
comunitária têm sido mais profundamente exploradas.

Falando em Redes é interessante tecer algumas comparações. A


América do século XIX foi descrita por Alexis de Tocqueville ao visitar aquele
país em 1831. Ele ficou impressionado com a pujança da vida associativa e a
liberdade que lá se desfrutava. Mais que a simples associação, esse
engajamento cívico parece ter contribuído, junto a outros fatores, para seu
desenvolvimento econômico, a qualidade da vida pública e a consolidação
democrática.

Por outro lado Robert Putnam8 tece uma análise interessante ao


desenvolver o conceito de Capital Social. Sua teoria procura explicar a relação
entre cidadãos participantes na comunidade e o desempenho de governos e
outras instituições sociais:

“A premissa central da teoria de capital social é que redes sociais


têm valor. Capital social representa a expressão coletiva de todas
as “redes sociais” (de pessoas conhecidas) e a inclinação que
surge em proporcionar benefícios aos seus integrantes.”

PROBLEMA E JUSTIFICATIVA

Mais que teorizar sobre Capital Social, Putnam analisa seu


comportamento na sociedade americana. Ele notou que após a segunda
metade do século XX, o nível de participação pública e engajamento cívico
declinaram fortemente. As causas deste fenômeno parecem advir da maior
participação da mulher no mercado de trabalho e a maior mobilidade
geográfica dos núcleos familiares que contribuem para enfraquecer os laços
familiares e comunitários. Mas um fator aparentemente inesperado parece
8
Robert Putnam in: http://www.bowlingalone.com/socialcapital.php3

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 48


também ter contribuído para diminuir a vida associativa e comunitária: a
privatização do tempo de lazer do trabalhador proporcionado pelas inovações
tecnológicas iniciadas pela televisão.

No Brasil podemos estimar, ainda que de forma empírica, que processos


semelhantes estejam contribuindo para diminuir o capital social. Putnam cita
pesquisa realizada pelo Institute for Social Research da Universidade de
Michigan, entre 35 países pesquisados, o Brasil, ocupava o lugar mais baixo
em confiança social e um dos mais baixos em engajamento cívico.

Diante disso, que ações podemos desenvolver? A experiência do Sesc-


Rio partiu da constatação de que trabalhos sociais e comunitários dependem
diretamente da participação coletiva. Por outro lado o Sesc-Rio é identificado
como um espaço de neutralidade partidária e dotado de capacidade de
reverberar ações significativas que ocorrem em torno de suas unidades
operacionais. Percebeu-se então que havia ali condições para promover o
encontro e a troca num ambiente de confiança mútua.

Um fórum de Transformações Sociais, normalmente com extensas e


elaboradas palestras, não foi o suficiente para prender atenção do público. Em
menos de uma hora notou-se grande evasão. Aberta a palavra ao público,
muitos vieram à fila. Inicialmente para protestar. Procurando objetivar, abriu-se
a fala de dois minutos para cada um dizer o que veio procurar e o que veio
oferecer.

METODOLOGIA

Nesse contexto, surgiu o projeto Redes Comunitárias. Encontros


mensais nas unidades do Sesc-Rio recebem lideranças populares –
representantes de projetos e ações sociais – voluntários, instituições privadas,
poder público e terceiro setor.

Cada representante dispõe do mesmo tempo para se apresentar e falar,


de modo simples e objetivo, sobre seu projeto, o que veio procurar e o que veio
oferecer. Embora o interesse de muitos seja encontrar ajuda aos seus projetos
e iniciativas, propõe-se que todos possam oferecer algo descobrindo
potencialidades em meio a aparente escassez. Dispostos em roda, todos ali
têm oportunidade de falar e ouvir. Ao final da apresentação todos já têm idéia
clara da potencialidade de parceria dos presentes, de que trabalhos
desenvolvem, etc. No momento seguinte do encontro, um café é oferecido de
forma a promover a livre aproximação dos participantes quando informações e
endereços são trocados para concretizar as parcerias.

Esperando ampliar o encontro presencial, disponibilizam-se os


endereços dos presentes potencializando o contato entre todos. Além disso,
criaram-se os Classificados Sociais: em poucas linhas resume-se o que se
oferece e o que se procura, identificando a instituição. Estas informações são

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 49


multiplicadas e distribuídas a cada pessoa no próximo encontro ou por e-mail,
base para um futuro site de Redes Comunitárias.

OBJETIVOS

Destes encontros muitas parcerias têm sido realizadas. Informações


valiosas repassadas auxiliam a condução de processos de projetos; insumos –
muitas vezes disponíveis ou subutilizados nas mãos de doadores; além de
afeto e encorajamento – abundantes quando se compartilham dificuldades ante
os desafios; esses têm sido os elementos amplamente trocados a partir das
conexões das Redes Comunitárias.

Na medida em que os interessados se organizam, facilitam-se os


acessos a recursos. Vínculos se formam, relações se fortalecem.
Naturalmente surgem temas de interesse comum: renda, saúde, educação, ou
mesmo uma comunidade ou bairro.

A promoção de um ambiente e uma cultura de cooperação encerra os


objetivos da Rede Comunitária, que se propõe a promover a conexão de
diferentes atores, um ambiente de confiança para realização de parcerias de
modo a fortalecer projetos e ações sociais. Espera-se, em última análise, que
esse ambiente de conexão, confiança e cooperação promova a criação ou
reconhecimento de uma – ou várias – identidades comuns. Nesse caldo de
cultura se dá a formação de Capital Social, contribuindo assim para
organização comunitária.

Através desse trabalho continuado é possível desenvolver uma


avaliação produzindo indicadores que meçam os resultados e, eventualmente,
os impactos do projeto.

CONCLUSÃO

O projeto Redes Comunitárias pode ser entendido como um instrumento


de um processo que contribui para o desenvolvimento comunitário na medida
em que promove um ambiente que inclua todas as contribuições – individuais e
coletivas – para o fortalecimento de ações e projetos sociais.

BIBLIOGRAFIA

DUDLEY, Richard G. The Dynamic Structure of Social Capital: How


Interpersonal Connections Create Communitywide Benefits. A paper prepared
for presentation at the 22nd International Conference of the System Dynamics
Society July 25 –29 2004 - Oxford, UK. 16p + Figs. Disponível em:

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 50


http://poverty2.forumone.com/files/15162_dudley_040826.pdf. Acesso em: 25
maio 2006.

PUTNAM, Robert. Bowling Alone: The Collapse and Revival of American


Community - New York: Simon & Schuster, 2000. Disponível em:
http://www.bowlingalone.com/socialcapital.php3. Acesso em: 25 maio 2006.

TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América – Leis e Costumes -


São Paulo: Martins Fontes, 1998.

WWF-BRASIL. Redes - Uma Introdução às Dinâmicas da Conectividade e da


Auto- Organização / WWF-Brasil; texto de MARTINHO, Cássio - Brasil: WWF,
2003. Disponível em:
http://wwfbrasil.org.br/publicacoes/download/redes_ea_wwf.zip.Acesso em: 25
maio 2006.

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 51


A ERA DOS CORPOS DISCIPLINADOS

LUIZ CELSO PINHO 1

1 – Doutor em Filosofia IFCS / UFRJ - Prof. Adjunto do DLCS / ICHS / UFRRJ

Resumo

As análises genealógicas de Michel Foucault sobre as relações de poder


nas sociedades ocidentais elegem o corpo como superfície de inscrição dos
acontecimentos. Assim, do ponto de vista foucaultiano, é preciso antes de tudo
investigar os mecanismos de controle político sobre os indivíduos a partir de
sua materialidade corporal e não em função das representações sociais
produzidas ou dos efeitos sobre a consciência dos sujeitos. Para tanto,
Foucault elabora uma concepção de poder na qual seja possível elucidar a
existência de mecanismos e estratégias que funcionam de modo “positivo”, ou
seja, que visam o treinamento e o aprimoramento das massas humanas
desorganizadas no intuito de “fabricar” individualidades saudáveis e produtivas.

Artigo

“O poder político, antes mesmo de agir sobre a ideologia, sobre a


consciência das pessoas, se exerce de modo muito mais físico sobre os
corpos” (FOUCAULT, M. “Prisons et asiles dans le mécanisme du pouvoir”,
Dits et écrits, II, p. 523).

A frase acima retrata uma importante diretriz metodológica das pesquisas


genealógicas de Michel Foucault. Em vez de abordar os efeitos da atividade
política no cotidiano dos indivíduos tomando como fio condutor o que há neles
de mais profundo, isto é, seu psiquismo, sua alma, a analítica foucaultiana do
poder se detém exclusivamente na superfície corporal. Essa inversão de
perspectiva tem um propósito bastante claro: negar a existência de uma
interioridade psicológica concebida como originária e vulnerável ao aparato
repressivo de governos e instituições. O privilégio do corpo envolve, por um
lado, a recusa de essências metafísicas, ou ainda, de uma natureza humana
previamente dada; por outro lado, trata-se de considerá-lo o registro vivo da

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 52


forma como o jogo de dominações atinge os indivíduos e modifica seus modos
de ser.

Daí podermos ler, em Vigiar e punir, que o corpo, além de ser objeto de
estudos de cunho demográfico e fisiológico, “também está diretamente imerso
num campo político; as relações de poder operam sobre ele uma posse
imediata; elas o investem, o marcam, o adestram, o supliciam, o obrigam a
trabalhar, o obrigam a cerimônias, exigem-lhe signos” (Surveiller et punir, p.
34). Já surgiram, certamente, diversas maneiras de martirizar o corpo. É o caso
da execução e do espetáculo sombrio de esquartejamento e redução dos
restos mortais a cinzas, da apropriação violenta e unilateral pela qual se impõe
a escravidão, da submissão do servo aos caprichos do patrão, dos rituais e
códigos de obediência aos quais o vassalo deve se manter fiel, das renúncias
voluntárias daquele que abraça uma vida ascética. Todos esses procedimentos
marcam profundamente, sem dúvida, os corpos, a ponto mesmo de, no limite,
por em risco sua própria integridade física.

No entanto, para dar conta da dinâmica do poder político, a genealogia


foucaultiana recorre a pressupostos metodológicos inovadores, notadamente a
noção de positividade. Através dela é possível explicar as relações de força em
termos de riqueza estratégica e eficácia produtiva, de modo que o poder deixe
de designar apenas uma instância repressora. Foucault abandona o modelo
jurídico da lei e da interdição, segundo o qual somos atingidos por um “poder
que só teria a potência do ‘não’; fora do estado de nada produzir, apto somente
a colocar limites, seria somente anti-energia; tal seria o paradoxo de sua
eficácia: nada poder, senão fazer com que aquele que ele submete nada possa
fazer, senão o que ele lhe deixa fazer” (La volonté de savoir, p. 113). Tem-se
aqui uma abordagem teórica pobre e insuficiente para esclarecer as lutas e
afrontamentos que ocorrem nas sociedades ocidentais.

O caráter opressor da prática política certamente se verifica em diversas


situações (Vigiar e punir inclusive o considera uma marca característica das
monarquias européias); mas ao nos determos na especificidade da Era
Moderna, fica patente que as representações tradicionais do poder
desconhecem sua força criativa, sua capacidade de agir de forma
transformadora sobre os corpos, no intuito de circunscrever, cada vez mais
fortemente, individualidades. Mas, como adverte Roberto Machado, “não é,
certamente, todo poder que individualiza, mas um tipo específico que, seguindo
uma denominação que aparece freqüentemente em médicos, psiquiatras,
militares, políticos etc. do século XIX, Foucault intitulou disciplina” (“Por uma
genealogia do poder”, p. xx).

A função positiva dos mecanismos disciplinares desponta na chamada


Batalha de Steinkerque, travada no final do século XVII. Independente do
contexto histórico no qual ela ocorre, trata-se de um acontecimento que poderia
servir como data de nascimento da Era dos Corpos Disciplinados. Nesse
conflito, pela primeira vez, os habituais mosquetes são suprimidos e o conjunto
inteiro de soldados é armado com fuzis. Produz-se, assim, uma importante
mudança em relação aos corpos: em vez de a tropa se comportar “seja como
um projétil, seja como um muro ou uma fortaleza” (Surveiller et punir, p. 191),

Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 53


passa a ser tratada, pelos estrategistas militares, como “uma maquinaria cujo
princípio não é mais a massa móvel ou imóvel, mas uma geometria de
segmentos divisíveis, cuja unidade de base é o soldado móvel com seu fuzil; e,
provavelmente, acima do próprio soldado, os gestos mínimos, os tempos de
ação elementares, os fragmentos de espaços ocupados ou percorridos” (Idem,
p. 192). O funcionamento adequado desse conjunto indissociável homem-
objeto requer, como Foucault assinala, a elaboração de toda uma tecnologia
disciplinar inédita, na qual os indivíduos se deparam com “engrenagens
cuidadosamente subordinadas de uma máquina”, “coerções permanentes” e
“adestramentos indefinidamente progressivos” que reforçam, a cada momento,
a “docilidade automática” (Idem, p. 198).

Com o passar do tempo, essa “tática militar” começa a ser implementada


de forma generalizada através de procedimentos ao mesmo tempo mesquinhos
e detalhistas, nos quais impera uma “atenta ‘malevolência’ que de tudo se
alimenta”, mais exatamente de “pequenas astúcias dotadas de um grande
poder de difusão, arranjos sutis, de aparência inocente, mas profundamente
suspeitos, dispositivos que obedecem a economias inconfessáveis, ou que
procuram coerções sem grandeza” (Idem, p. 163). O controle disciplinar
emerge — gradativamente — como um elemento comum a toda a sociedade
ocidental, tornando-se imprescindível para o funcionamento de instituições com
finalidades as mais díspares possíveis, como linhas de montagem, salas de
aula, ambulatórios, reformatórios etc. E tudo isso sem que seja preciso recorrer
a algum tipo de excesso ou mesmo à violência explícita.

Num primeiro momento, o controle disciplinar se justifica por proporcionar


uma racionalização das tarefas do ponto de vista operacional e organizacional,
pois permite incrementar fatores como aptidão, capacidade, eficiência. Mas, do
ponto de vista foucaultiano, ele tem uma dimensão ao mesmo tempo política,
econômica, moral e epistemológica. Política, na medida em que pretende
tornar os corpos dóceis, diminuindo, ao máximo, a capacidade de
insubordinação. Econômica, por visar, acima de tudo, a geração de bens, de
riquezas, de lucro (como nos ensina Marx). Moral, ao atribuir grande
importância às pequenas ações, pois a observação de cada detalhe permite
manter “o controle das menores parcelas da vida e do corpo” (Idem, p. 165).
Por fim, epistemológica, já que funda uma racionalidade obcecada por separar,
classificar, hierarquizar, descrever, extrair informações, anotar.

Graças à disseminação do Poder Disciplinar é que percebemos uma


inquietante semelhança entre a Escola e o Quartel, entre a Fábrica e o
Presídio. Na Era dos Corpos Disciplinados ocorre a imposição generalizada da
Ordem. Daí o diagnóstico foucaultiano da modernidade concluir que vivemos
um momento de “ortopedia generalizada” (A verdade e as formas jurídicas,
primeira conferência, p. 86). Marx entendeu esse momento em função da
necessidade de capitalizar o tempo dos indivíduos, extraindo deles a mais-
valia. Foucault, por sua vez, considera que “o momento histórico das disciplinas
é o momento em que nasce uma arte do corpo humano que visa não apenas o
aumento de suas habilidades, nem, tampouco, do peso de sua sujeição, mas a
formação de uma relação que, no mesmo mecanismo, o torna tanto mais
obediente quanto é mais útil, e inversamente”. (Idem, p. 162).

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A noção foucaultiana de disciplina, como salienta Roberto Machado,
permite explicitar como se “fabrica o tipo de homem necessário ao
funcionamento e manutenção da sociedade industrial, capitalista” (Foucault, a
ciência, o saber, p. 173). Num caminho inverso ao seguido pelo pensamento
marxista, que explica o controle das massas humanas através da instauração
de uma dinâmica de trabalho opressora e alienante, Foucault descobre uma
série de pequenos, porém eficientes, mecanismos normatizadores que não
apenas se estendem por toda a superfície do tecido social como também estão
presentes em todos os momentos de nossas vidas. Através deles dá-se a
“invenção” de um tipo de corpo capaz de suprir as necessidades do aparelho
produtivo instaurado pela Revolução Industrial. O sucesso do capitalismo é
diretamente proporcional à disseminação da ordem disciplinar. Deste modo,
podemos supor que em outro regime político dos corpos isso não seria
possível. Apenas a título de ilustração, e mesmo assim correndo o risco de
fazer transposições histórico-políticas inadequadas, a chamada “preguiça”
indígena descoberta pelos portugueses no Brasil pode fornecer um paralelo ao
assunto aqui tratado. Mais do que um choque de culturas que ensejou
preconceitos, o que essa situação retrata é justamente a inadequação de uma
atitude corporal à rotina extrativista imposta pelos colonizadores.

Para concluir, a dominação política na Era Moderna não precisa recorrer a


alguma astúcia ideológica capaz de apartar os indivíduos de sua realidade ou
mesmo de lhes incutir erros e ilusões. O poder, entendido numa perspectiva
disciplinar, não se exerce sobre uma subjetividade constituída já há muito
tempo; ao contrário, cria uma forma singular de existência: o homem moderno.
Daí Foucault diagnosticar que “o problema não é mudar a consciência das
pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico,
institucional, de produção da verdade” (“Entretien avec Michel Foucault”, Dits et
écrits, III, p. 160). O ideal de conhecimento verdadeiro que se tornou
hegemônico em nossa sociedade, desde o início do século XIX, está na base
do projeto moderno de moldar discursos e comportamentos. Sendo que a
produção de corpos disciplinados representa um de seus efeitos mais
insidiosos. Neste sentido, o trabalho do filósofo genealogista consiste em
problematizar as modalidades de dominação resultantes da busca obstinada
pela verdade.

BIBLIOGRAFIA CITADA

FOUCAULT, Michel. La volonté de savoir (Histoire de la sexualité, t. I). Paris:


Gallimard, 1976.

__________. Surveiller et punir. Naissance de la prison. Paris: Gallimard, 1975


(Coleção Tel, edição de bolso).

__________. A verdade e as formas jurídicas – conferências de Michel


Foucault na PUC-RJ. Rio de janeiro: Nau, 1996 [1974].

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__________. “Entretien avec Michel Foucault” (a A. Fontana e P. Pasquino) in
__________. Dits et écrits, III (1976-1979). Paris: Gallimard, 1994, p. 140-160.

MACHADO, Roberto. Foucault, a ciência, o saber. 3a ed. revista e ampliada.


Rio de Janeiro: Zahar, 2006 (capítulo “As genealogias”, p. 167-181).

__________. “Por uma genealogia do poder” in FOUCAULT, M. Microfísica do


poder. 6ª ed. Organização, introdução e revisão técnica de Roberto Machado.
Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. vii-xxiii.

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ÉTICA E NEUROCIÊNCIAS

JOSÉ IGNACIO TAVARES XAVIER 1

1 – Doutor em Psicologia - IP / UFRJ, Médico Psiquiatra - UCPEL e Psicoterapeuta Reichiano

Resumo

As neurociências constituem um campo em veloz expansão. Estima-se


que a quantidade de conhecimento na área duplique a cada dois anos e meio.
Nesse contexto, a neuro-ética emerge ao longo da última década como um
campo com estatuto próprio em face do rápido progresso no entendimento das
funções biológicas cerebrais e sua participação na produção da subjetividade
humana.
Por tratar-se de uma disciplina nascente a sua massa crítica ainda é
limitada, com a maioria dos autores oferecendo uma perspectiva panorâmica
do novo campo e procurando alertar os leitores acerca de novas nuances de
questões éticas ‘antigas’, bem como do surgimento de ‘novos’ dilemas éticos.
Constituem exemplos de ‘novos’ dilemas éticos o manejo de achados
incidentais durante o uso de tecnologias de neuro-imagem, a translação dos
achados da pesquisa para o campo da clínica (p. ex. diagnóstico precoce de
Alzheimer e outras doenças degenerativas ainda sem tratamento eficaz) e para
o campo jurídico (observação e registro da atividade e função cerebral e os
desafios para o estabelecimento de responsabilidade legal), bem como o uso
das novas tecnologias na vigência da saúde.
A revolução neurocientífica traz em sua esteira novas tecnologias e
possibilidades de intervenção em condições resultantes de doença ou trauma e
oferece novas possibilidades de intervenções fora da arena médica tradicional,
como o uso de distintas interfaces máquina-cérebro e de novas tecnologias
computacionais para o aprimoramento de habilidades humanas.
A diferença entre tratamento (recuperação de uma condição natural
perdida) e aprimoramento (incremento de performance de uma capacidade
normal) aparece como o maior desafio ético na atualidade, especialmente no
tocante ao (ab)uso de novas opções farmacológicas e interfaces máquina-
cérebro em crianças, em adultos saudáveis e, o mais preocupante: a sua
aplicação para fins militares.
Pelo lado ‘antigo’ da questão observa-se que, embora o debate acerca
de noções como self, mente, identidade, personalidade, determinismo e livre-
arbítrio seja muito anterior à compreensão biológica do cérebro, a discussão
ganha novos e instigantes contornos e passa a exigir na atualidade um esforço
de unificação das linguagens da filosofia e da ciência, o que certamente nos
conduzirá a um novo patamar da concepção da condição humana. Constituem

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novas dimensões de questões éticas ‘antigas’ a aplicação de tratamentos
inovadores (psicofármacos, interfaces chip-neuronais), a acessibilidade
universal a tais procedimentos, a liberdade pessoal em escolher tais
alternativas ou ter a autonomia pessoal restringida acerca dessas escolhas (no
tocante ao seu uso cosmético em funções em si mesmas saudáveis) e,
finalmente, a questão da preservação da privacidade cognitiva.
Quais são as possíveis implicações das possibilidades tecnológicas da
neurociência? Onde localizar o ponto de corte entre o uso ético e o abuso da
ciência para fins não-terapêuticos? Como implementar e garantir os marcos
éticos que se impõem daqui por diante?
A emergência dessas questões convoca ao debate acerca das novas
fronteiras éticas não apenas os neurocientistas, mas também os filósofos, os
biotecnólogos, os engenheiros computacionais, os juristas, os cientistas sociais
e os homens que fazem a política.

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O SUJEITO CEREBRAL: UMA NOVA LOCALIZAÇÃO DA ALMA

PEDRO V. CASTEL 1

1 – Mestre em Saúde Coletiva IMS / UERJ, Psicólogo - PUC / RJ e Psicoterapeuta Reichiano

Resumo

Nas duas últimas décadas surgiu um novo fenômeno sócio-cultural, um


novo paradigma de localização da alma, reduzindo todos os fenômenos que
designamos como psíquicos à materialidade do anatômico-fisiológico. Esse
processo tem como base aparente o surgimento das novas tecnologias de
neuro-imagem, mas, na verdade, é mais amplo, passando por várias práticas,
envolvendo a influência de diversas forças sociais e se espalhando
multimidiaticamente pelo senso comum. Traçar um panorama inicial desse
quadro, apontando suas forças determinantes, bem como o desenvolvimento
de uma visão crítica do fenômeno, são as metas desse artigo.
Para essa conjuntura a indústria psicofármaca muito contribuiu. Ela hoje
subsidia congressos, publicações e pesquisas da área psiquiátrica. Controla
emissão de receitas e até a participação por temas nos encontros da classe,
premiando quem age de acordo com seus cânones. A propaganda da eficácia
e precisão dos psicofármacos é bem maior que a realidade na prática.
Remédios específicos para doenças psíquicas definidas. Os manuais de
diagnóstico autodenominam ateóricos e operacionais, mas apenas camuflam a
imprecisão intrínseca do psíquico. Essa imprecisão também se dá nas
tentativas de localização dos fenômenos psíquicos em regiões particulares do
cérebro.
O paradigma do fenômeno sócio-econômico-cultural ‘O Sr Cérebro’,
levado às suas últimas conseqüências, revela um homem sem livre arbítrio,
determinado pela sua genética, comandado pelo seu cérebro e que diante do
sofrimento tem como única saída passivamente ser transformado pelas ‘pílulas
mágicas’ que modificam emoções, sentimentos e desejos (ou falta de). Um
homem desprovido da individualidade subjetiva, da magia e de um afeto só seu
e particular.

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Artigo

OBJETIVO

Nas duas últimas décadas vem se construindo um novo fenômeno sócio-


cultural, um novo paradigma de localização da alma, reduzindo todos os
fenômenos que designamos como psíquicos à materialidade do anatômico-
fisiológico. Esse processo tem como base aparente as novas tecnologias de
neuro-imagem, mas, na verdade é mais amplo, passando por várias práticas,
envolvendo a influência de diversas forças sociais e se espalhando
multimidiaticamente pelo senso comum. Traçar um panorama inicial desse
quadro, apontando suas forças determinantes, bem como o desenvolvimento
de uma visão crítica do fenômeno, são metas desse artigo.

O NOVO PARADIGMA

Desde o final da década de setenta em várias frentes surge um novo


paradigma para explicar os fenômenos psíquicos. Nesse paradigma os
acontecimentos psíquicos são reduzidos a fenômenos de ordem funcional:
produção ou recaptação a mais ou a menos de neurotransmissores e/ou maior
ou menor ativação de circuitos neuronais. Ou fenômenos estruturais:
conformação maior ou menor de áreas cerebrais e gens determinantes da
esquizofrenia, homossexualismo, etc. Essas qualidades físicas e/ou fisiológicas
determinariam a normalidade ou não normalidade dos fenômenos psíquicos. O
discurso de alguns neurocientistas é mais cuidadoso, reconhecendo a limitação
de suas pesquisas. No entanto outros são mais extrapolativos principalmente
no que diz respeito a artigos ou livros para o público leigo. “Durante as
próximas décadas podemos esperar identificar as anormalidades na geografia
e topografia cerebral que define os vários tipos de doenças mentais”
(Andreasenn, 2005, p. 246). A mídia tem sua contribuição a esse radicalismo
pois precisa de manchetes fortes e afirmativas, mesmo que isso deturpe a
extensão de certas pesquisas. Vejamos um exemplo:

Manchete do jornal O GLOBO de 20 de março de 2007: “Defeito em


gens leva a esquizofrenia.” A chamada na primeira página ainda escreve:
“Cientistas americanos descobriram que falhas em dois genes podem causar
esquizofrenia...”. No interior da matéria (pg. 26), no entanto, temos a fala mais
cautelosa: “Coordenado por Todd Lencz, do Zucker Hill-side Hospital, de Nova
York, e publicado na “Nature Molecular Psychiatry”, o estudo conseguiu
determinar genes que, ao apresentar falhas, aumentariam a suscetibilidade à
doença.” Vejam como há uma diferença brutal da afirmação da manchete e as
conclusões da pesquisa. A afirmação que certas falhas genéticas ampliam as
possibilidades do aparecimento de um quadro de esquizofrenia é bem diferente
que afirmar que essa é produzida por uma certa configuração genética.

Junto a essa questão de generalizações indevidas temos uma outra


mais de fundo, a meu ver. O quadro esquizofrenia é algo claramente delimitado

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e diferenciado dos demais quadros psicopatológicos ou mesmo de outras
doenças de fundo orgânico? Ampliando a pergunta, os quadros
psicopatológicos em geral são bem descritos e circunscritos? Ou indo mais
além, os fenômenos psíquicos são passíveis de recortes precisos como os da
Física? (Sem nos esquecermos que mesmo na física há paradoxos como o da
dupla natureza da luz.) Duas visões sobre a natureza dos fenômenos psíquicos
se contrapõem. Uma holística onde os fenômenos dessa natureza necessitam
de uma base fisiológica mas não se reduzem a esta. Outra, onde os
fenômenos mentais são acontecimentos neurofisiológicos e nada mais do que
isso. Não mais ficamos deprimidos, temos déficit de serotonina. Não mais
temos obsessões mas hiper estimulações do córtex frontal, tálamo e núcleos
basais. É importante que se diga que nada tenho contra as investigações das
ditas neurociências, pelo contrário, elas são fundamentais para a pesquisa e o
estudo do funcionamento de todo o sistema nervoso. No entanto, sou contra
um certo discurso reducionista de alguns neurocientistas, onde o psíquico
passa a só ser um punhado de neurônios ou de suas neuro secreções. O
sistema nervoso, é verdade, dá sustentação ao psíquico, mas não o esgota.

A VISÃO HOLÍSTICA

Sabemos que a emoção de medo vem acompanhada, entre outras


reações, da dilatação da pupila. No entanto, ao entrarmos num ambiente com
pouca luz essa mesma reação se dá sem que estejamos necessariamente com
medo. As reações fisiológicas que acompanham as emoções são em outros
contextos respostas adaptativas de sobrevivência do organismo. O orgânico é
sem dúvida a base das emoções, no entanto elas não se resumem a este.
Desta maneira essa concepção não traz uma visão biológica reducionista das
emoções, mas ao mesmo tempo, tira do limbo abstrato a emocionalidade,
dando lhe uma corporeidade. Esse algo mais, para além do simples fisiológico,
é fruto da visão integrada do corpo e do psíquico: o psicossoma, sem que haja
uma redução de um a outro ou vise-versa. Temos um holismo corporal, o
Sistema Nervoso não está separado do corpo, ele também é corpo. As células
glias, além da sustentação dos neurônios, descobriu-se recentemente, exerce
uma função transmissora. As trocas químicas, como por exemplo a do
oxigênio, são fundamentais para o bom funcionamento do aparato neuronal. As
relações com outras vias de informação como os hormônios e o transporte de
neurotransmissores via sangue são fundamentais para a comunicação e a
integração geral do organismo. Sabemos que temos uma memória corporal
que funciona mesmo antes da maturação plena dos neurônios ou do
estabelecimento da linguagem. Nesta visão o cérebro é parte do corpo sendo
integrado e co-dependente dele. O valor das ditas funções superiores (em
particular o raciocínio e a cognição) é relativizado uma vez que fazem parte de
um todo: o indivíduo, onde todas as partes têm sua função e importância.
Temos um holismo cerebral, onde ter um cérebro (ou se quiser um Sistema
Nervoso) é condição necessária para haver uma mente/psiquismo, mas não
suficiente. A funcionalidade do Sistema Nervoso está presente nos fenômenos
psíquicos. Para cada evento psíquico há um conjunto de atividades cerebrais
que lhe dão sustentação, mas não os determinam em sua totalidade. Não a

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determinam, pois há dificuldade de circunscrever precisamente um estado
psíquico dado sua própria complexidade. Mesmo olhando de um ponto de vista
cognitivo, numa tentativa de olhar um aspecto mais simples do psíquico, a
compreensão de uma palavra só se dá quando a situamos em nossa rede de
definições, que, por sua vez, não é imutável. Alain Ehrenberg fala sobre a
diferenciação infinita que a estrutura genética permite não havendo dois
indivíduos iguais, mesmo gêmeos monozigóticos, e, portanto, cérebros
diferenciados para cada indivíduo. Então ele se pergunta:

“Mas a identidade biológica é uma individuação?” E ele continua sua


argumentação. “Poder-se-ia, eventualmente, ver que Hamlet é ciumento, mas
não se poderia dizer de quem ou porque ele tem ciúmes, pois seria necessário
que ele no-lo dissesse e no-lo contasse... O ciúme é sentido por mim porque
estou numa relação significante com alguém. O objeto do ciúme e o ciumento
formam um par, são relativos um ao outro em referência ao ciúme. Pode-se
separar o ciúme do ciumento ou o luto do enlutado. Sentirei a mesma coisa
pela morte de minha mulher independente do fato de amá-la ou não amá-la
mais?... Aqui não estamos mais na designação individuante, mas na
individualização, numa relação significante (Ehrenberg, 2004, p. 136).”

A meu ver, uma relação significante é aquela que tem uma intensidade
afetiva.

O CALDO SÓCIO-CULTURAL DO PARADIGMA DO ‘SR CÉREBRO’

Vários fatores levaram à construção desse paradigma. Um dos


interesses mais fortes foi da indústria de psicofármacos. Nos EUA, em função
de acontecimentos macros como a Guerra do petróleo no Golfo Pérsico e a
Guerra do Vietnam, houve uma brusca redução de verbas do governo para a
pesquisa com psicofármacos. Esse buraco foi preenchido por verbas dos
grandes laboratórios farmacêuticos. Isso trouxe como conseqüência uma
gradativa determinação de resultados favoráveis aos interesses da indústria
farmacêutica. Sendo pesquisas particulares, o acesso aos dados foi restrito a
profissionais de confiança da indústria, dificultando qualquer visão crítica dos
experimentos. Artigos de forma mais ou menos direta foram influenciados,
congressos subvencionados, médicos monitorizados no tipo de receituário
prescrito, prêmios distribuídos (passagens aéreas, brindes, etc), pressões
variadas foram (e são) exercidas para que houvesse a aprovação irrestrita e o
incentivo ao uso desses medicamentos. Tudo isso encobrindo a real eficácia
desses medicamentos como, também, sua precisa área de atuação. Nomes
como antidepressivos e antipsicóticos são usados como se houvesse uma
delimitação precisa de seus efeitos, sobre designações diagnósticas
claramente demarcadas. Mas a história dos psicofármacos nos diz o contrário.

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OS PSICOFÁRMACOS

Em 1949 Cade relatou os efeitos do lítio sobre a mania (ele é usado hoje
sobretudo no transtorno bipolar de humor). Até hoje não há clareza dos
mecanismos de seus efeitos, E, nas pesquisas mais recentes, sua eficácia se
apresenta pouco diferente da dos placebos. Em 1952 Robert Wallace Wilkins
estudou a reserpina obtida da raiz de um arbusto indiano, atestando seu efeito
calmante sem induzir ao sono e provocando uma certa indiferença emocional,
mas foi abandonada por causar depressão e risco de suicídio. Neste mesmo
ano, Charpentier sintetizou a clorpromazina em laboratório na esperança de vir
a ser um anti-histamínico. Henry Laborit, cirurgião francês, constatou seu efeito
calmante e Hanon a usou no tratamento da mania. Mas, foram Delay e Deniker
que passaram a usá-la no tratamento das psicoses em geral, tornando-a
conhecida como o primeiro antipsicótico. Em verdade, ela tem um vago efeito
tranqüilizador por ser um bloqueador dopaminérgico. A dopamina é um
neurotransmissor ligado aos ditos centros de recompensa. “Em um espaço de
dez anos desde a sua introdução, calcula-se que a clorpromazina tenha sido
prescrita a 50 milhões de pessoas no mundo inteiro (Rose, 2006, p.255).” Ela é
vendida até hoje no Brasil por seu próprio nome (labs. União química e Vital
Brasil) e pelo nome comercial Amplictil (lab. Rhodia). Ela apresenta um
problema grave em seu uso contínuo de alteração dos movimentos (discinesia
tardia), além dos efeitos colaterais de hipotensão, taquicardia, sedação,
sonolência, aumento do apetite e peso, etc. Na década de 50 uma droga, a
iproniazida, estava sendo testada em pacientes para o tratamento da
tuberculose e observou-se uma melhora no humor desses pacientes. A
iproniazida foi introduzida no tratamento da depressão em pacientes
hospitalizados por Crane em 1956 e Kline em 1958. Ela é um inibidor da
enzima monoaminooxidase responsável pela degradação das catecolaminas.
Em 1957 uma pesquisa que visava a achar um novo antipsicótico esbarra na
imipramina, que se tornou o primeiro antidepressivo tricíclico. Ela inibe a re-
captação das catecolaminas pelos terminais sinápticos. Surgiram depois vários
antidepressivos tricíclicos, mas todos eles apresentavam sérios efeitos
colaterais.

Em 1956 surge o Prozac (nome comercial mais conhecido da fluoxetina),


vindo a público sobre a áurea de ser o marco da psicofarmacológia, já que era
o primeiro inibidor seletivo de captação da serotonina. Ou seja, ele só atua
sobre a serotonina e não sobre outros neurotransmissores, diferentemente dos
outros antidepressivos que tinham efeitos mais vagos. Agora sim, estávamos
agindo sobre a substância, e somente ela, que causava a depressão. Em 1996,
o Journal of the American Medical Association publicou os resultados de uma
comparação feita com 536 pacientes deprimidos que tomaram Prozac com
outros que tomaram desipramina (antidepressivo tricíclico e portanto não
seletivo) e imipramina (antidepressivo tricíclico). O resultado foi que os
pacientes que tomaram Prozac apresentaram melhora ligeiramente maior
durante um mês, mas a diferença não foi estatisticamente significativa, e
mesmo essa diferença desapareceu após três meses. Uma outra coisa
alardeada como o grande feito do Prozac é que ele causaria menos efeitos
colaterais que os seus antecessores. Essa diferença também não se mostrou
tão espetacular. “Uma metanálise de 42 experimentos distintos, feito por

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pesquisadores britânicos em 1994 constatou que a taxa de abandono do
tratamento devido a efeitos colaterais foi de 14,9% para o Prozac e 19% para
os tricíclicos (Horgan, 2000, p. 151).” Ela tem como principais efeitos
secundários: diminuição do apetite, podendo levar a anorexia, conseqüente
perda de peso, aumento da ansiedade, dor de cabeça, diarréia, fadiga, dor
epigástrica, insônia, náusea, impotência sexual, etc. Além da depressão ela é
usada nos transtornos: obsessivo-compulsivo e de pânico.

Fica claro a inespecificidade dos efeitos que os psicofármacos têm sobre


os fenômenos psíquicos. Sem falar da imprecisão dos diagnósticos sob os
quais elas supostamente agem, contraditoriamente às suas designações. Dois
psicólogos do Centro de Ciência da Saúde da Universidade Estadual de Nova
York, Roger Greenberg e Seymour Fisher afirmam que os psicofármacos não
são tão eficazes quanto se propagandeia. Eles fizeram um apanhado dos
experimentos de duplo cego, realizados nos últimos trinta anos, com
antidepressivos, chegando à conclusão que os antidepressivos eram em média
apenas 21% mais eficazes que os placebos. Um experimento de duplo cego é
todo aquele, onde a droga a ser testada é dada para nº x pessoas e, ao
mesmo tempo, um placebo (substância considerada neutra para o
experimento) é dado para o mesmo número de pessoas, sem que as pessoas
que administram o remédio saibam quem está tomando o que. O problema é
que os antidepressivos têm efeitos colaterais facilmente detectáveis
visualmente ou por relato, como suor frio, secura na boca, constipação e
disfunção sexual. Portanto, fazendo com que os administradores das pílulas
soubessem quem estava tomando o remédio e quem não, e que, de uma
maneira indireta, influenciassem o resultado a favor do antidepressivo. Uma
outra questão que se coloca é que as avaliações que determinam se uma
pessoa se beneficiou com o remédio são feitas pelo pesquisador e não por
quem se submeteu ao tratamento. “Quando Greenberg e Fisher estudaram
isoladamente as avaliações feitas pelos pacientes em um exame crítico de 22
estudos, não descobriram nenhuma vantagem para os antidepressivos em
comparação com o efeito placebo (Horgan, 2000, p. 159).”

Há um questionamento mais amplo: será possível determinar uma


psicopatologia pela falta ou excesso de uma substância bioquímica? “Não há e
nem pode haver nenhuma relação unívoca direta entre as complexidades das
nossas experiências mentais e a simplicidade de uma única taxa bioquímica.
No entanto as últimas décadas viram uma série dessas tentativas simplistas de
correlacionar o nível de um marcador biológico específico e um diagnóstico
psicológico (Rose, 2006, p. 260).”

Hoje, as ditas ‘pílulas mágicas’ se apresentam como a solução única e


final para as antigas doenças do psiquismo. A relação entre o médico e o
paciente foi reduzida à busca de um diagnóstico operacional que permita a
prescrição de um psicofármaco. Mas para que isso acontecesse foi necessário
uma grande virada na maneira de encarar a psicopatologia.

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PSICOPATOLOGIA

Na década de setenta surgiram vários trabalhos que questionavam a


imprecisão dos diagnósticos. Por exemplo, o trabalho de Wing e Nixon, sob o
patrocínio da OMS, constatou que não havia um consenso sobre o diagnóstico
de esquizofrenia, doença paradigmática para a psiquiatria. R. Kendel, J.
Cooper e A. Gourlay, em 1971, fazem a comparação entre ingleses e
americanos no que diz respeito ao diagnóstico de esquizofrenia, constatando
que os americanos usavam critérios bem mais abrangentes que os ingleses.
Uma das pesquisas mais famosas, pela polêmica que causou, foi publicada na
revista Science (vol, 179, pp. 250-258,1973), feita por Rosenhan e equipe,
questionando a habilidade diagnóstica. Oito pesquisadores se apresentaram
em doze diferentes hospitais psiquiátricos, todos com a mesma queixa:
estarem ouvindo vozes que diziam ‘tum’. No restante da entrevista com o
psiquiatra eles diziam apenas verdades sobre si.Todos foram internados numa
média de 19 dias, tendo recebido alta com o diagnóstico de esquizofrenia.
Muitos visitantes do hospital e pacientes perceberam o que os médicos não
viam: eles não tinham nada (35 internos de um total de 118 perceberam isso).

Todos esses artigos foram preparando a grande mudança. Mas o marco


dessa virada é o DSM-IV de 1994. Ele se propôs a ser um manual ateórico
basicamente operacional, tendo como meta ser um sistema diagnóstico preciso
do ponto de vista descritivo / sintomático, criando uma nova terminologia para
as pesquisas empírico-experimentais. O número de classificações
psicopatológicas subiu de 106 no DSM. III para mais de trezentas no DSM. IV.
Por detrás disso havia, a meu ver, três grandes fontes de interesses. A primeira
da Indústria Farmacêutica: quanto mais diagnósticos diferenciados, mais
remédios diferenciados, quanto mais simplificado e ‘objetivo’ o diagnóstico,
mais categorias médicas poderão receitar psicofármacos, mesmo sem ser da
área psiquiátrica. Em segundo, o governo e as instituições de pesquisa
empírica pela operacionalização dos diagnósticos para uso em estatísticas,
perfis epidemiológicos, etc. Os ensaios clínicos passam a prevalecer sobre a
observação clínica. Esses ensaios estimulam a universalização dos
diagnósticos sem levar em conta as singularidades de cada caso. Os
diagnósticos operacionais são obtidos através de questionários padrões,
respondidos pelos pesquisados, sem levar em conta a subjetividade tanto do
pesquisador como do pesquisado. Outro tipo de pressão é apontado por Kirk e
Kutchins, em ‘Aimez-vous le DSM? Le thriomphe de la psychiatrie américaine’,
eles escreveram sobre o peso exercido pelos órgãos de administração pública
para que houvesse a operacionalização dos diagnósticos, permitindo seu uso
em perfis estatísticos da população. As melhores estatísticas proporcionam as
melhores políticas para a Saúde em geral e a mental em particular. Por último,
temos a pressão do grupo biologizante, que sempre existiu, mas que encontrou
a oportunidade certa, na convergência de todos esses determinantes, para
hegemonizar o campo Psíquico.

No início desse subitem, falamos da pesquisa de Rosenhan. Muitos


poderão perguntar se tal pesquisa hoje não teria um resultado diferente,
principalmente depois de todo o movimento antimanicomial. Realmente o
resultado foi diferente, o paradigma já é outro, como veremos. Lauren Slater

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reproduz o experimento em 2003, só que dessa vez não era uma equipe, mas
só ela, que se apresentou da mesma forma em nove pronto-socorros. Na
maioria das vezes recebeu o diagnóstico de depressão psicótica sendo
receitado para ela 60 antidepressivos e 25 antipsicóticos. A entrevista não
durava nunca mais de 12 minutos e meio e é assim descrita em seu livro:

“Ninguém nunca me questionava, além de uma rápida pergunta de


orientação religiosa, sobre a minha formação cultural; ninguém me pergunta se
a voz é do mesmo sexo que o meu; ninguém aplica um exame completo de
estado mental, que inclui testes mais detalhados e facilmente aplicáveis para
indicar a desorganização flagrante de pensamento que quase sempre
acompanha a psicose. Todos, porém, medem meu pulso (Slater, 2004, pp.
109/110).” Fica clara a abordagem ‘objetiva’ na busca de um diagnóstico para
poder se medicar.

LOCALIZAÇÕES CEREBRAIS

Em 1990 o National Institute of Mental Health fez uma pesquisa com


quinze gêmeos idênticos onde um deles sofria de esquizofrenia e o outro não.
Foram comparadas imagens de ressonância magnética e ficou constatado,
segundo os pesquisadores, que os irmãos ‘esquizofrênicos’ tinham ventrículos
cerebrais (cavidades que contém líquido) maiores que seus irmãos ‘normais’,
com exceção de um. Algumas questões se colocam. Esses aumentos dos
ventrículos são a causa da esquizofrenia. Eles são uma conseqüência da
doença, tipo um efeito secundário? Ou ainda um efeito da medicação aplicada
a esses pacientes? Estudos posteriores mostraram que pessoas ‘normais’
podem também ter ventrículos grandes e que ‘esquizofrênicos’ por vezes não
apresentam esse aumento.

Mesmo lesões no hemisfério esquerdo que seriam mais definidas tendo


danos irreversíveis mais claros, podem surpreender dada a plasticidade
cerebral.

“Uma lesão grave no hemisfério esquerdo costuma acarretar um dano


permanente na capacidade da fala; mas isso não ocorreu com um paciente
chamado J. W. Embora uma operação em seu hemisfério esquerdo o tenha
deixado mudo, J. W. adquiriu a capacidade de falar usando seu hemisfério
direito – treze anos depois da cirurgia original. Um menino britânico, Alex, é um
caso ainda mais notável. Alex nasceu com o hemisfério tão mal formado que
tinha constantes ataques epiléticos. Também era totalmente surdo. Quando
estava com oito anos, cirurgiões removeram-lhe o hemisfério esquerdo para
atenuar sua epilepsia. Embora os médicos avisassem seus pais para que não
esperassem melhoras nos demais sintomas, Alex começou a falar dez meses
depois, e aos dezesseis anos falava fluentemente (Horgan, 2000, pg. 50).”

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A GENÉTICA

Nessa área sempre fica a questão entre o inato e o meio. Geneticistas,


numa recente pesquisa com a mosquinha da banana (drosófila) descobriram
um par de gens que faz com que ela nasça sem asas. Descobriram também
que, se aumentava a temperatura do ambiente, esse par era neutralizado e as
mosquinhas nasciam com asas. Se essa iteração meio/organismo acontece
num organismo mais simples como a mosca, o que não se dará no humano
com sua complexidade? Apesar de todo esse raciocínio temos a manchete de
O Globo de 28 de março de 2007: O gene do bom sexo. O texto explica que foi
encontrado o gen Peg 3 em animais mamíferos que estimula as fêmeas a
cuidarem da cria e presente na placenta, participando do desenvolvimento dos
filhotes. No macho quando presente, ajudaria ao desenvolvimento sexual na
escolha das melhores fêmeas, na rapidez e no aumento do número de vezes
da cópula. Poderíamos chamá-lo de gen ‘Bom-bril’, com mil e uma utilidades,
mas ‘bom sexo’ só se for num olhar apenas procriativo da espécie. Sem falar
que nem sempre essas transposições para o humano acontecem de forma
perfeita. Peter Kramer, em ‘Ouvindo o Prozac’, assim se expressa: “É instrutivo
acompanhar a trajetória da opinião científica a respeito da herdabilidade de
doenças como o distúrbio maníaco-depressivo e o alcoolismo. Pelo menos três
vezes em anos recentes os gens para essas doenças foram descobertos. Em
cada caso, foi impossível replicar os estudos, e em um reexame dos dados
originais mostrou que eles haviam sido falhos e incorretamente analisados
(apud. Horgan, 2000, p. 176).” Há, para além dessas críticas, achados
concretos como os gens da doença de Tay-Sachs, Huntington, distrofia
muscular e fibrose sística. Por outro lado, já foram noticiados o gen do
homossexualismo, da esquizofrenia, do alcoolismo, etc. No caso da
esquizofrenia, se a mãe, o pai ou um irmão o é, a probabilidade de vir a ser é
de 5% a 10%. Se esse irmão é um gêmeo monozigótico essa probabilidade
sobe para 50%. No entanto, o que se constata é que, os esquizofrênicos, em
sua maioria, não têm parentes próximos que também sejam esquizofrênicos.

CONCLUSÃO

O fenômeno sócio-econômico-cultural ‘O Sr Cérebro’ levado `as últimas


conseqüências revela um homem sem livre arbítrio, determinado pela sua
genética, comandado pelo seu cérebro e que diante do sofrimento tem como
única saída passivamente ser transformado pelas ‘pílulas mágicas’ que
modificam emoções, sentimentos e desejos (ou falta de). Um homem
desprovido da subjetividade, da magia e de um afeto só seu, particular. Mas
perdendo tudo isso ele ganhará em eficácia para curar as feridas da alma.
Ledo engano: muita promessa para pouca realização, muitas afirmações e
pouco progresso efetivo. Para completar o quadro, desprezo total por práticas
anteriores com perspectivas diferentes, sejam elas psicanalíticas ou
fenomenológicas, que comprovadamente já ajudaram muitas pessoas. Porque
não somar para vencer? A nova localização da alma empobrece, e muito, a
‘alma’ do humano.

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BIBLIOGRAFIA

Andreasen, Nancy C. Admirável Cérebro Novo. Porto Alegre: Atmed, 2005.

Ehrenberg, Alain. Le sujet cerebral. Paris: revista Esprit, n. 309, pp. 130-155,
novembro de 2004.

Horgan, John. A mente Desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras,


2000.

Rose, Steven. O cérebro do século XXI. São Paulo: Editora Globo, 2006.

Slater, Lauren. Mente e Cérebro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

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1º SEMINÁRIO INTERFACES DA PSICOLOGIA DA UFRuralRJ
TEMA: INTERDISCIPLINARIDADE E CONHECIMENTO PSICOLÓGICO

Projeto Gráfico e Diagramação: Charles Gaspar


Revisão de Texto: Lila Marcia Marques

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro


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