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SUBJETIVIDADE, CULTURA

E COMPLEXIDADE

Autor: Ricardo Schers de Goes

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
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Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Cláudia Regina Pinto Michelli

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz
Prof.ª Cláudia Regina Pinto Michelli
Prof. Ivan Tesck

Revisão de Conteúdo: Kelly Luana Molinari Correa


Revisão Gramatical: Iara de Oliveira
Revisão Pedagógica: Ivan Tesck

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2017


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

371.9
R598s Goes, Ricardo Schers
Subjetividade, cultura e complexidade / Ricardo Schers
Goes. Indaial : UNIASSELVI, 2017.

107 p. : il.

ISBN 978-85-69910-33-6

1. Educação Especial.
I. Centro Universitário Leonardo da Vinci
Ricardo Schers de Goes

Professor Universitário na Fundação


Universidade Regional de Blumenau, e, também,
do Centro Universitário Leonardo Da Vinci. Doutor
em Educação pelo Programa de Estudos Pós-
graduados em Educação: História, Política, Sociedade,
pela PUC-SP, com estágio (bolsa-sanduíche) na
University of Kansas (2013). Mestre em Educação pelo
Programa de Estudos Pós-graduados em Educação:
História, Política, Sociedade pela PUC-SP. Mestre em
Psicologia pelo Programa de Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento Humano, do Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, USP. Especialista em Educação
Inclusiva e Deficiência Mental pela PUC-SP. Possui
graduação em Psicologia pela Universidade Metodista de
São Paulo e graduação em Pedagogia pela Universidade
de São Paulo, USP. Ator e iluminador profissional.
Experiências nas áreas de Psicologia, Educação e
Artes, com ênfase em Educação, Educação Especial,
Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano,
Inclusão, Deficiências, Políticas Públicas, Políticas
Educacionais, Acessibilidade e Artes Cênicas.
Sumário

APRESENTAÇÃO.......................................................................7

CAPÍTULO 1
Teorias Psicológicas e a Subjetividade ...............................9

CAPÍTULO 2
Psicologia, Educação e Sociedade......................................35

CAPÍTULO 3
Psicologia Escolar e Educacional
e Fracasso Escolar...............................................................61

CAPÍTULO 4
Educação Especial e Educação Inclusiva:
Fundamentos e Debates.........................................................85
APRESENTAÇÃO
A psicologia escolar e educacional é um campo amplo que abrange a
intersecção entre a psicologia na escola e a psicologia da educação, assim sendo,
ela possui uma atuação prática, e, também, teórica. E podemos destacar como
objetivo da psicologia escolar e educacional o desenvolvimento global do aluno.

Porém não podemos abordar o aluno de modo isolado, pois devemos


compreender a educação e a escola como algo complexo, logo, as ações devem
envolver diretores, professores, orientadores, família, comunidade e os próprios
alunos. Isso implica que o trabalho de avaliação, diagnóstico, acompanhamento
e orientação psicológica deve ser aplicado dentro de um contexto institucional, e
não mais exclusivamente voltado ao aluno de forma individual.

Desse modo, o psicólogo escolar e educacional deve tratar e atuar numa teia
complexa de relações, que envolvem subjetividades, culturas, personalidades,
elementos internos e externos diversos, enfim, uma complexidade que exige
fazer parte de uma equipe multiprofissional, que envolve o processo ensino
e aprendizagem e desenvolvimento de todos, ou seja, deve levar em conta o
desenvolvimento global dos estudantes e de toda comunidade educativa.

Ao longo do caderno de estudos você encontrará quatro capítulos que


almejam alcançar determinados objetivos. Veja:

Capítulo 1 (TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE): neste


capítulo, vamos conhecer as correntes da psicologia e suas concepções acerca da
subjetividade, e, assim, conseguiremos reconhecer os limites e virtudes de cada
concepção da psicologia. E a partir desta apresentação, poderemos, nos capítulos
seguintes, refletir sobre a formação do profissional psicólogo educacional e buscar
ressignificar a atuação do profissional psicólogo educacional. Neste capítulo,
vamos conhecer um breve panorama histórico de como a subjetividade é tratada
como objeto de estudo, principalmente para as várias correntes da psicologia ao
longo do século XX.

Capítulo 2 (PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE): neste capítulo,


vamos conhecer o panorama histórico da psicologia escolar e educacional no
contexto brasileiro, e, assim, pretendemos reconhecer na psicologia escolar e
educacional contemporânea seus objetivos e finalidades. Com isso, poderemos
entender qual é o campo de atuação da psicologia escolar e educacional: escola,
corpo docente/discente e comunidade. Logo, teremos condições de ressignificar a
atuação do profissional psicólogo escolar e educacional.
Capítulo 3 (PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL E O FRACASSO
ESCOLAR): neste capítulo, o intuito é reconhecer as dificuldades e embates
que ocorrem dentro da escola, tanto no âmbito prático e real quanto no campo
ideológico, seja nas relações pessoais, seja nas institucionais. Isso implica a busca
de um entendimento sobre os processos que levam ao fracasso escolar, e, assim,
criar condições para realizar a crítica aos supostos “distúrbios de aprendizagem”
e “problemas escolares” para refletir sobre a psicologia como profissão e as
possibilidades de uma psicologia escolar crítica, a partir de uma nova significação
da psicologia escolar e educacional.

Capítulo 4 (EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:


FUNDAMENTOS E DEBATES): neste capítulo, vamos abordar o que é a educação
especial na perspectiva da educação inclusiva, consequentemente, vamos saber
quais são as legislações e documentos oficiais sobre o tema. Assim sendo, vamos
identificar o público-alvo da educação especial dentro da perspectiva da educação
inclusiva e refletir sobre o atendimento educacional especializado. Com isso, nós
poderemos refletir sobre os limites (internos e externos) da psicologia escolar e
educacional, e, também, realizar uma crítica sobre a construção da subjetividade
no contexto do ensino e aprendizagem, considerando aspectos individuais
(timidez) e coletivos (imitação), entre outras questões do cotidiano escolar.

Desejamos uma construtiva e satisfatória jornada de estudos pela frente.

Cordialmente!

O autor.
C APÍTULO 1
Teorias Psicológicas
e a Subjetividade

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Conhecer o conceito de subjetividade e sua construção histórica.

 Verificar o tratamento do tema subjetividade no âmbito da filosofia e psicologia.

 Identificar as correntes da psicologia e suas concepções acerca da


subjetividade.

 Refletir sobre a dimensão individual e a produção social da subjetividade.


Subjetividade, Cultura e Complexidade

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Capítulo 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE

ConteXtualiZação
Neste capítulo, vamos conhecer um breve panorama histórico de como
a subjetividade é tratada como objeto de estudo, principalmente para as várias
correntes da psicologia ao longo do século XX.

Provavelmente, você, pós-graduando(a), já deve ter utilizado o termo


subjetividade e suas variações em algum momento da vida. Por exemplo: “Ah,
mas isso é subjetivo”. “O critério do professor para correção da prova não foi
objetivo, mas sim subjetivo”. “Isso pertence à sua subjetividade”.

Mas antes de tratarmos das definições, conceitos e perspectivas sobre o que


é subjetividade e o que isso representa na atualidade, vamos refletir: O que é
subjetividade para você? O que isso significa e representa nas nossas vidas?

Agora que já refletimos um pouco sobre o assunto, vamos ao desenvolvimento


do tema propriamente dito.

O Conceito de Subjetividade
De acordo com o dicionário subjetividade é:

Característica, particularidade ou domínio do que é subjetivo


(particular e íntimo). [Filosofia] Estado psíquico e cognitivo
do sujeito cuja manifestação pode ocorrer tanto no âmbito
individual quanto no coletivo, fazendo com que esse
sujeito tome conhecimento dos objetos externos a partir de
referenciais próprios. (DICIO, 2016).

Portanto, o conceito de subjetividade tem origem na filosofia, mas, segundo


Filho e Martins (2007), já no final do século XIX, a psicanálise vai tratar da
subjetividade como um dos seus objetos de estudo. Além disso, a partir do século
XX, a psicologia trará a questão da subjetividade para o seu campo, explorando
as diversas maneiras e perspectivas: histórica, social, cultural, política, etc. E isso
tornará a subjetividade um elemento importante no processo de singularização do
indivíduo, consequentemente, a subjetividade se tornou um dos focos de estudos
de todas as correntes da psicologia contemporânea.

Numa primeira aproximação, talvez se possa tributar a


especificidade das psicologias a uma suposta “descoberta”
do sujeito psicológico; melhor, ao nascimento deste sujeito

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Subjetividade, Cultura e Complexidade

nos domínios do discurso ocidental moderno, científico,


ou à sua emergência como figura correlata deste discurso,
considerando que esta era uma figura inexistente na cultura
ocidental antes do surgimento da psicologia científica na
passagem do século XIX ao XX. (FILHO; MARTINS, 2007, p.
14).

Ou seja, de acordo com Filho e Martins (2007), o indivíduo psicológico é uma


construção da psicologia, ou seja, trata-se de um sujeito presente no discurso
ocidental moderno, logo, esse sujeito possui várias instâncias psicológicas,
cada corrente tem o seu conjunto, mas refere-se, por exemplo, a um psiquismo,
uma cognição, uma “mente”, consciência, identidade, percepções, leituras
e interpretações do mundo, emoções, desejos e inconsciente (no caso da
psicanálise). E isso responde a um modelo de ciência que busca tratar dessas
instâncias como realidade, no caso, “realidade psíquicas”, para tentar universalizar
e naturalizar essa realidade no corpo e na natureza.

Contudo, cabe ressaltar que o indivíduo, homens e mulheres, não é apenas


um objeto de estudo da psicologia, mas da área de ciências humanas, mas aqui
vamos fazer o recorte na psicologia, para buscar entender como esta área trata
da questão da subjetividade.

Em seu livro “A invenção do psicológico”, Figueiredo (1994)


trata da produção histórica desta dimensão de existência
subjetiva ligada aos jogos do conhecimento moderno, que
designa um campo de experiências do sujeito, apontando que
antes do nascimento das psicologias a experiência psicológica
não existia, bem como não existiam a própria materialidade da
“substância psíquica”, a existência psicológica e a percepção
de si mesmo como ente subjetivo, que dão forma ao campo
de experiências do sujeito moderno, compondo sensações
de privacidade e intimidade que ele vivencia como “reais” e
“naturais”. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 14).
A construção
social do sujeito Por sua vez, a construção social do sujeito psicológico possuidor
psicológico
de subjetividade está ligada diretamente com o discurso da psicologia
possuidor de
subjetividade está moderna. Segundo Figueiredo (1994), para o nascimento desse sujeito
ligada diretamente psicológico remetido a uma instância de subjetividade, correlativamente
com o discurso da ao surgimento de um discurso psicológico na modernidade:
psicologia moderna.
[...] a emergência do humanismo renascentista nas artes e na
filosofia dos séculos XIV e XV; a reforma pastoral da Igreja
Católica no século XVI; e o centramento da cultura moderna
na figura do “homem” a partir do século XVII com o Iluminismo,
resultando numa recorrente problematização moderna
do sujeito na filosofia, nas ciências, mas também na vida
cotidiana. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 14-15).

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Capítulo 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE

Neste mesmo sentido, Figueiredo e Santi (2002) apontam para o surgimento


da subjetividade como campo de experiência histórica, individual e cotidiana,
na passagem para modernidade. Já dissemos que a subjetividade passa a ser
objeto de estudo da psicologia no final do século XIX e início do século XX, mas
isso ocorre em todas as correntes da psicologia, o que levou para uma noção de
subjetividade que não tem uma unidade, nem linearidade, mas sim diversidade e
divergência de abordagem dos “fenômenos psicológicos”.

Estes acontecimentos são fundamentais para o nascimento de


um conhecimento psicológico de cunho científico justamente
porque demonstram uma primazia de atenção ao sujeito. A
reforma protestante, por exemplo, não deve ser tomada como
problema meramente religioso, mas centralmente social,
implicando uma recusa dos modos de condução pastoral da
Igreja Católica e dos modos de subjetivação e individuação
ligados à ética católica, caracterizando aquilo que Foucault
(2002) denomina “revolta das condutas”, ou, um exercício de
liberdade do sujeito no terreno religioso. Por outro lado, a figura
nietzschiana da “morte de Deus” deve ser encarada não como
o fim do dogma cristão, mas como o fim da hegemonia do
pensamento mágico religioso e surgimento de um pensamento
humano, de uma filosofia e uma ciência centradas no homem,
no sujeito cognoscente. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 15).

Para aprofundar seus estudos sobre o tema subjetividade, faça


a leitura da seguinte obra:

SARTRE, Jean-Paul. O que é subjetividade? 1. ed. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

Síntese: este livro do Jean-Paul Sartre é fruto de uma conferência


realizada no encontro de intelectuais na Itália. Sartre discute um
problema que sempre foi presente para ele: o conhecimento da
subjetividade.

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Subjetividade, Cultura e Complexidade

O conceito de subjetividade é muito amplo e pode ser definido como a


maneira particular de um indivíduo elaborar e organizar seus pensamentos,
sentimentos, ideias, personalidade, etc., o que pode revelar o modo como este
indivíduo percebe e organiza o mundo a sua volta, como ele busca definir a sua
finalidade, seu estar no mundo.

Contudo, isso não é apenas um evento interno, mas também uma construção
social. Portanto, o conceito de subjetividade é variável para cada indivíduo, ou
seja, podemos falar de “subjetividades”, no plural.

Assim, é preciso compreender a construção da subjetividade a partir do


comportamento humano como um todo, o qual é possuidor de unidade, e,
também, como subjetivação da dimensão cultural de um indivíduo e sua forma de
se relacionar com o meio social.

Panorama Histórico Sobre as


Teorias da Subjetividade na
Psicologia
Antes do surgimento do conceito de subjetividade, muitas instâncias
psicológicas foram e ainda são objetos científicos de diversas correntes da
psicologia. Assim sendo, agora, vamos conhecer algumas destas instâncias
psicológicas que têm papel fundamental no nascimento da subjetividade como
objeto científico da psicologia.

Na Grécia antiga, por volta de 700 a.C., já existia um conceito de Psyché


(alma) e Logos (razão), portanto, etimologicamente, a palavra psicologia significa
“estudo da alma”. Mas, o conceito de alma não é religioso, trata-se do que podemos
chamar de parte imaterial (pensamento, percepção, desejo e sentimentos). Assim
sendo, o corpo seria apenas a parte física.

Ao longo da história da humanidade, tivemos muitos entendimentos do que


seria o ser humano e se existia uma alma, e mais, o que seria essa alma. Vejamos
alguns exemplos:

• Sócrates (469-399 a.C.): preocupa-se com o limite que separa o homem dos
animais. A razão era concebida como principal característica humana.

• Platão (427-347 a.C.): divide o homem em corpo e alma. Definiu a cabeça


(alma) como sendo o lugar da razão. A medula como ligação entre a alma e

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Capítulo 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE

o corpo. Assim, ao morrer, a matéria desapareceria e a alma ficaria livre para


ocupar outro corpo. Acreditava na imortalidade da alma, sendo essa separada
do corpo.

• Aristóteles (384-322 a.C.): alma e corpo não poderiam ser dissociados. A


psyqué é o princípio ativo da vida; tudo que cresce, reproduz-se e se alimenta,
possui sua alma. Aristóteles concebia a mortalidade da alma.

• Santo Agostinho (354-430 d.C.): estabelecia separação entre corpo e alma.


Porém, a alma era sede da razão e comprovação de uma manifestação divina
no homem. A alma era tida como imortal. Ligação entre homem e deus.

Segundo Moreira e Silveira (2011), a filosofia foi responsável pelas A filosofia foi
primeiras noções sobre subjetividade, isto porque tratava o tema da responsável pelas
consciência e a considerava a produtora da verdade, desde a Grécia primeiras noções
antiga. Porém a filosofia humanista leva isso adiante: sobre subjetividade.

A verdade não é simplesmente reconhecida, mas produzida


pelo homem nesse processo de percepção de si próprio. O
“eu penso” é a primeira verdade, a de acesso mais imediato
e o ponto de partida de todas as outras evidências que serão
produzidas por esse mesmo “eu penso”. (BRANDÃO, 1998, p.
34).

Essa é uma concepção cartesiana da subjetividade. Descartes já dizia


“penso, logo existo”, ou seja, dentro dessa perspectiva, a subjetividade é a
responsável pela existência, pela construção do conhecimento do indivíduo e
sua ação no mundo. O problema disso é que se tudo que existe é por eu pensar
que é, logo, o indivíduo seria produtor de verdades absolutas, portanto, o que
julgar ser bom é bom e o que julgar ser ruim é ruim, e, assim, teríamos uma visão
maniqueísta (e equivocada) da sociedade.

Por trás dessa ideia está o princípio profundamente racional de


caráter universal das crenças que permite uma divisão estática
entre o mundo “bom” e outro “mal”, o que tem escasso valor
ético e moral, pois todos sentimos que somos parte do mundo
“bom”, assumindo muito pouco a identidade do mal. A ideia de
um sujeito universal apresenta-se muito associado à do sujeito
ideal que inspirou boa parte das construções éticas, políticas
e religiosas do pensamento ocidental e que continuam muito
arraigadas até hoje. (REY, 2003, p. 21).

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Subjetividade, Cultura e Complexidade

Atividade de Estudos:

1) A história da filosofia e da psicologia é muito antiga, assim como


a relação destas duas áreas do conhecimento com o tema
da subjetividade. Assim sendo, é possível considerar que a
subjetividade:
I – Era um objeto de estudo da filosofia e que migrou também
para psicologia.
II – Era um objeto de estudo tanto da filosofia quanto da
psicologia, desde a origem de ambas.
III – A filosofia nunca se interessou pela subjetividade, que foi
ganhar foco nos estudos apenas na psicologia.

Com base nos estudos realizados até o momento, assinale a


alternativa correta:

( ) A – Apenas a sentença I está correta.


( ) B – Apenas a sentença II está correta.
( ) C – Apenas a sentença III está correta.
( ) D – Apenas as sentenças II e III estão corretas.

Caro(a) pós-graduando(a), será que a nossa visão de mundo é a correta? No


que você acredita é o certo e quem acredita em algo diferente está errado? Quais
são os seus defeitos? Você é bom em que e no que é ruim? O que as pessoas
pensam sobre você é a mesma coisa que você pensa sobre si mesmo?

Enfim, a ideia de um sujeito universal é complicada, pois sabemos que


existem contradições, existem divergências que não significam que uma é melhor
que outra, mas que há posições e perspectivas diferentes. Portanto, há uma
dialética da realidade e da subjetividade.

Para Moreira e Silveira (2011), Foucault é um dos autores que apresentam


uma ideia de negação desse sujeito universal, logo, que a subjetividade não é
produtora de verdades universais, pois somos seres contraditórios, e mais, somos
sujeitos dispersivos, pois ocupamos diversos lugares no mundo e agimos de
diferentes maneiras em vários lugares.

As diversas modalidades de enunciação em lugar de remeter


à síntese ou à função unificante do sujeito, manifestam sua

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Capítulo 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE

dispersão. Aos diversos estatutos, aos diversos lugares, às


diversas posições que pode ocupar ou receber quando tem
um discurso. À descontinuidade dos planos de onde fala.
(FOUCAULT, 1972, p. 69-70).

Segundo Moreira e Silveira (2011), outro autor que desconstrói a ideia


cartesiana é Kant, pois, para ele, não basta apenas o pensar para determinação
da existência no mundo e do mundo, mas o que também é determinante é pela
relação que este indivíduo estabelece com o meio em que vive. E, sim, a relação
é algo individual, mas nós somos construídos pelo mundo ao mesmo tempo em
que o construímos.

Temos querido provar que todas as nossas instituições só são


representações de fenômenos, que não percebemos as coisas
como são em si mesmas, nem são as suas relações tais como
se nos apresentam, e que se suprimíssemos nosso sujeito, ou
simplesmente a constituição subjetiva dos nossos sentidos em
geral, desapareceriam também todas as propriedades, todas
as relações dos objetos no espaço e no tempo, e também o
espaço e o tempo todo, porque tudo isso, como fenômeno,
não pode existir em si, mas somente em nós mesmos. (KANT,
2016, p. 25).

Mais um filósofo que, para Moreira e Silveira (2011), problematiza essa


posição cartesiana é Husserl (1929). Mesmo reconhecendo que o pensamento
cartesiano tem influência na fenomenologia, esse filósofo destaca que o sujeito
cartesiano é abstrato e desvinculado do mundo, o que desqualifica o conceito e
exige uma reformulação.

Infelizmente, é o que acontece em Descartes com a viragem


discreta, mas funesta, que transforma o ego em substantia
cogitans, em animus humano separado, em ponto de partida
para raciocínios segundo o princípio da causalidade, em
suma, com a viragem pela qual se tornou o pai do contraditório
realismo transcendental. (HUSSERL, 1929, p. 8).

Sob esta perspectiva, Husserl considera que Descartes falhou ao tratar o ego
como algo vago e que deveria ter avançado na compreensão. E foi na psicologia
que esse ponto foi tratado de modo mais aprofundado.

A subjetividade e o sujeito não aparecem na Psicologia


como resultado de seu trânsito pela modernidade, mas como
resultado de sua assimilação da dialética marxista, enriquecida
no processo de desenvolvimento da Psicologia pela influência
crescente do pensamento complexo nas ciências do homem.
(REY, 2003, p. 222).

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Subjetividade, Cultura e Complexidade

Ou seja, a psicologia não tratou da subjetividade desde a sua


A psicologia
não tratou da origem. Como vamos verificar, o surgimento da psicologia como uma
subjetividade desde área do conhecimento independente e autônoma e os seus objetos de
a sua origem. estudo são definidos ao longo do tempo, mais precisamente no final do
século XIX. E no século XX, aos poucos, a subjetividade vai ser um dos
objetos de estudo da psicologia.

E foi somente no século XIX que a psicologia moderna surgiu. O nome ainda
era psicofísica em 1860. E a lei de Fechner-Weber estabelecia a relação estímulo
e sensação. Com isso, nasce a psicologia moderna.

Wilhelm Wundt (1832-1926): 1875 – 1º laboratório de psicologia em Leipzig,


na Alemanha. Paralelismo psicofísico: fenômenos mentais correspondem a
orgânicos. Método do introspeccionismo.

Wundt é considerado o pai da psicologia moderna. Ele criou o que mais tarde
seria chamado, por Edward Titchener, de estruturalismo, cujo objeto de estudo
era a estrutura consciente da mente (sensações). Segundo essa perspectiva, o
objetivo da psicologia seria o estudo científico da experiência consciente por meio
do método da introspecção (relatos das experiências conscientes).

ESTRUTURALISMO: Edward Titchner (1867-1927) - estuda a estrutura da


consciência, estruturas do sistema nervoso central. Usou o método de Wundt, o
introspeccionismo, fazendo experimentos em laboratório.

FUNCIONALISMO: William James (1842-1910) - é considerado como a


primeira sistematização genuinamente americana de conhecimento em psicologia.
Interessado em saber “o que fazem os homens” e “por que o fazem”. Elege a
consciência como centro e busca a compreensão de seu funcionamento.

O funcionalismo é modelo que substitui o estruturalismo na evolução histórica


da psicologia, sendo o seu principal impulsionador William James. O principal
interesse dessa corrente teórica residia na utilidade dos processos mentais para o
organismo, nas suas constantes tentativas de se adaptar ao meio. O ambiente é
um dos fatores mais importantes no desenvolvimento. Os funcionalistas queriam
saber como a mente funcionava, e não como era estruturada.

ASSOCIACIONISMO: Edward L. Thorndike (1874-1949) - a aprendizagem se


dá por associação de ideias, das mais simples as mais complexas. Lei do efeito,
em que o comportamento se repete com o reforço e se retrai com a punição. Início
da teoria comportamental.

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Capítulo 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE

Enfim, a partir disso, a psicologia que conhecemos se estruturou e, assim


sendo, a seguir, apresentaremos as principais correntes que possuem alguns
pontos fundamentais na sua relação com a subjetividade, cultura e educação.

Quadro 1 – Correntes e conceitos da psicologia escolar/educacional


CORRENTES CONCEITOS
Trabalha com a recuperação da espontaneidade e criatividade inatas, tornando
as pessoas mais aptas a transformarem condições insatisfatórias de vida e a
viverem em relações de compreensão mútua. É um método de grande valor
preventivo, principalmente, se considerarmos a sua aplicabilidade em grandes
comunidades, como é o caso do ambiente escolar. Um conceito do psicodrama
é o de que representar papéis tem um poder terapêutico, uma vez que permite
Psicodrama que as pessoas vivenciem os seus dramas internos e reflitam sobre as possíveis
soluções para quebrar padrões repetitivos de conduta, conseguindo dar novas
respostas para as situações da vida, inclusive na escola. Assim, situações, por
exemplo, de conflito entre alunos ou alunos e professores podem ser bem traba-
lhadas dentro deste modelo, pois, além de desenvolver percepção e compreen-
são do fato ocorrido, possibilita a busca de soluções de forma prática e dentro
das possibilidades de cada participante.
A abordagem comportamental apregoa que a aprendizagem é regulada por fa-
tores chamados “contingenciais” (situacionais): a situação em que o comporta-
mento ocorre (em que momento o aluno se comporta de determinada maneira),
o próprio comportamento (que comportamento ele manifesta) e as suas conse-
quências (o que acontece com o aluno quando ele se comporta assim). O efeito
da interação dessas contingências sobre o aluno depende de suas característi-
Behaviorismo cas internas, somadas a sua história de vida e ao momento específico em que
ou comporta- a aprendizagem está ocorrendo. A abordagem comportamental trabalha com
mental modificações de comportamento, utilizando-se de técnicas próprias. É especial-
mente utilizada quando é necessário clarificar e estabelecer limites, extinguir
comportamentos inadequados ou para desenvolver comportamentos novos.
Geralmente suas técnicas, de forte impacto, são utilizadas com outras aborda-
gens complementares. O Behaviorismo salienta a importância do planejamento
da ação pedagógica de forma a fazer com que a aprendizagem do aluno gere
consequências naturalmente reforçadoras (positivas) ao aprender.

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Subjetividade, Cultura e Complexidade

Pode auxiliar o psicólogo escolar/educacional na compreensão do funciona-


mento do sistema nervoso e sua aplicação na educação. Várias atuações e
treinamentos de professores podem ser pautados no modelo neuropsicológi-
co da aprendizagem, considerando, assim, todos os fatores que influenciam o
processo ensino e aprendizagem. Na escola, a neuropsicologia pode ser de
Neuropsico- grande ajuda para organizar programas de estimulação das crianças de modo a
logia desenvolver as inteligências múltiplas dos estudantes. A neuropsicologia mostra
que cada aluno aprende de maneira específica, formando sua rede neuronal, de
acordo com a interação com o ambiente educacional. Sabendo como é o funcio-
namento neuronal do educando, o professor - com auxílio do psicólogo - poderá
potencializar a aprendizagem, superar as limitações de cada aluno, reduzir suas
dificuldades e, principalmente, identificar as potencialidades latentes.

A abordagem sistêmica leva em conta as relações e interações no ambiente


escolar: professor-aluno, aluno-aluno, funcionário-aluno, pai-filho, pais-profes-
sores, comunidade-escola; sendo que cada um desses elementos ou partes
é um “subsistema”. É a interação entre eles e a forma como interagem que
nos mostram as regras que governam o todo (a escola). Se conhecermos as
Sistêmica regras do todo, poderemos levantar hipóteses sobre os efeitos, sobre as partes
e vice-versa. Quando se pensa sistemicamente, a realidade é compreendida de
forma diferente. É percebido o “para que” de uma determinada situação, consi-
derando-se que quando se muda uma das partes o todo também é alterado. A
reflexão é feita de forma circular e não linear, pois não se atribui causa e efeito,
nem culpado ou responsável, mas envolvido e “contribuinte”.
O trabalho educativo orientado pela psicanálise reconhece a individualidade de
cada aluno e que não existe modelo único, nem um sistema fixo de representa-
ções. Utiliza-se uma ética baseada no respeito às diferenças individuais como
único meio de se atingir a igualdade social. A ética do respeito e do reconheci-
mento. O sujeito, que é um ser singular, único e dotado de um psiquismo regido
por uma lógica específica, é também um indivíduo que participa das relações
interpessoais e ocupa um lugar, estabelecendo laços com o contexto social no
Psicanálise
qual está incluído. Sendo assim, a psicanálise está muito atenta para a relação
que se constrói entre professor e aluno, que é o que estabelece as condições
para o aprender, com vistas à transmissão e à apreensão do conhecimento.
Cabe ao educador, na atividade educativa, a responsabilidade por construir e
transmitir o mundo da convivência humana em que seu aluno está ou estará
inserido. Esta é a tarefa daquele que quer educar, humanizar o mundo dos seres
humanos e, de alguma maneira, implicar os sujeitos que o habitam.

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Capítulo 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE

A premissa básica da psicologia da Gestalt é que a natureza humana é orga-


nizada em partes ou todos, formando um todo significativo. Com base nisso, o
ensino escolar normal não deve menosprezar o aspecto integrativo de todo co-
nhecimento e de todas as matérias a serem interligadas, que acabam divididas
visando a fins didáticos. Deve conservar o caráter integrativo do conhecimento,
pois, dessa forma, o conhecimento do ambiente e do mundo chegará ao aluno
integrado, constituindo-se num todo significativo. A visão de homem da Gestalt
é de um ser unificado que tem milhares de necessidades que vão surgindo ao
longo da vida, sendo de ordem fisiológica, emocional e social e que tenta sa-
tisfazê-las na busca de um equilíbrio. Para tanto, deve ser capaz de perceber
Gestalt peda-
adequadamente a si próprio e a seu meio, pois as necessidades só poderão ser
gogia
satisfeitas mediante a interação do indivíduo com o meio. Esta teoria acredita
que o ser humano não se compõe de uma cabeça a ser treinada, ele também
é dotado de uma psique e sentimentos que vivem num corpo. Esta unidade
corpo-mente-alma-meio se influencia mutuamente. A partir desta concepção, o
ensino regular deve valorizar os aspectos psicológicos e sociais do aluno, além
dos aspectos cognitivos. A Gestalt condena o aprendizado somente cognitivo,
especialmente se reduzido ao processo mnemônico, pois este ignora o aspec-
to emocional. As emoções podem e devem ser trabalhadas de forma positiva,
fazendo-as objeto de conversa e discussão, permitindo ao aluno efetivamente
alcançar uma aprendizagem integrativa.

Fonte: Cassins et al. (2007, p. 27-30).

A partir desse quadro, caro(a) pós-graduando(a), podemos verificar


a diversidade presente na psicologia, em termos de correntes, conceitos,
perspectivas, teorias, enfim, mas em todas elas há uma crítica ao sistema
escolar e processos de aprendizagem. Portanto, independente da teoria e
corrente psicológica, o que parece fundamental é criar um modelo que permita
o desenvolvimento pleno dos indivíduos, que especificamente no contexto
escolar/educacional vai tratar da crítica e da tentativa de superação de antigos
modelos por algo diferente, com uma diversidade de diretrizes pedagógicas,
com valorização no desenvolvimento humano e aprendizagem, a formação do
indivíduo e sua conscientização em relação à sua formação e o seu contato com
o meio, ou seja, uma construção tanto interna quanto social da subjetividade e da
formação dos indivíduos.

Por fim, talvez, você tenha estranhado o uso do termo psicologia escolar/
educacional e esteja se perguntado: por que não psicologia escolar ou psicologia
educacional? Enfim, nós vamos discutir sobre isso no próximo capítulo, buscando
não uma resposta definitiva, mas uma compreensão desse fenômeno e seus
sentidos e significados.

21
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Retomando ao tema da subjetividade e psicologia, Rey (2003)


A psicanálise será
fundamental para destaca que a psicanálise será fundamental para que a subjetividade
que a subjetividade se torne um tema de estudo na psicologia. E Filho e Martins (2007, p.
se torne um tema 15) destacam sete pontos fundamentais para o entendimento de como a
de estudo na subjetividade surgiu e é tratada dentro de todas as psicologias:
psicologia.
1. O “objeto primordial”, quase mítico, senão místico, é a
“mente”; esta abstração idealista, subjetivista, com fortes
influências da concepção cristã de alma como sinônimo de
existência imaterial e do pensamento dicotômico cartesiano,
que bebe da mesma fonte. Ao longo da primeira metade
do século XX este termo ainda era admitido como objeto
científico, mas passa a ser questionado posteriormente por
suas imprecisões e impregnações metafísicas, perdendo
confiabilidade na segunda metade do período.
2. Outro objeto a surgir é o fragmento psíquico – com Wundt
– unidade do psiquismo, do funcionamento psíquico ou do
processo psicológico: as capacidades, a cognição, recusa do
animismo cristão, mas confirmação do idealismo. O fragmento
psíquico é tributário da concepção mecanicista de que é
possível compreender o todo desmontando-o, analisando suas
partes e remontando-o, predominante no modelo clássico de
ciência vigente à época.
3. Depois surge o comportamento, inaugurado por Watson em
1910 e depois recolocado por Skinner com a introdução da
noção de “operante”: exterioridade, mecanicismo, objetivismo
e sujeição estrita ao método científico. No entanto, apesar de
reproduzirem o fragmentarismo e o mecanicismo da época, o
trabalho de Wundt e o behaviorismo apontam para diferentes
direções: enquanto o primeiro busca fazer um mapeamento
da consciência a partir de uma composição dos processos
psíquicos e das capacidades cognitivas, o segundo centra
sua atenção na relação “estímulo-resposta” e nos aspectos
operantes do comportamento, recusando os conceitos de
consciência e de subjetividade.
4. Emergem as percepções, o campo perceptivo que
configura o campo psicológico, que por sua vez singulariza
o sujeito. Objeto colocado pela gestalt que, apoiada no
método fenomenológico, busca superar o fragmentarismo e o
mecanicismo vigentes, propondo uma psicologia e um sujeito
mais integrados.
5. O próprio corpo surge como objeto para a ciência
psicológica com Reich, também na primeira metade do século
XX, numa tentativa de superar o mentalismo. Esta perspectiva
é retomada e renovada no final do século, atualizando este
esforço no sentido de quebrar a força da dicotomia cartesiana
corpo x mente nos domínios do discurso psicológico.
6. Os discursos são um tradicional alvo de atenção de
várias psicologias, analisados e interpretados de múltiplas
perspectivas, buscando captar significados atribuídos a objetos
e experiências, além de sentidos psicológicos subjacentes às
falas dos sujeitos.
7. As relações também emergem como objeto para algumas
psicologias, num esforço de superar o individualismo, o

22
Capítulo 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE

mentalismo e as naturalizações ancoradas na neurofisiologia


e atualizadas pela neurociência dos anos 1990, buscando
fundar tanto o conhecimento quanto o sujeito psicológico em
concepções materialistas, sociais e históricas.
Mostra-se aqui toda uma diversidade de jogos operando
no discurso psicológico: fragmentarismo e mecanicismo
x perspectivas mais amplas e integradas; subjetivismo x
objetivismo; mentalismo x materialismo; individualismo x
coletivismo; naturalismo biologicista x perspectivas sociais e
históricas.

Para Filho e Martins (2007), tudo isso apresenta alguns movimentos


importantes da psicologia, como a mudança de uma perspectiva biológica para
social, o que levou também a um deslocamento do entendimento de natureza
humana para uma concepção de construção histórica, e mais, o indivíduo ainda
é importante, mas o coletivo ganha maior espaço, ou seja, os campos social,
histórico e político são focos nas relações pessoas e materiais.

Assim sendo, de acordo com Filho e Martins (2007), a subjetividade foi


ganhar visibilidade a partir da década de 1980, pois, anteriormente, as instâncias
psicológicas que mais tinham visibilidade eram a consciência, o comportamento e
a personalidade.

Em verdade o conceito de subjetividade passa do campo


da psicanálise para os domínios das psicologias na primeira
metade do século passado, mas é somente no seu final que
ele se despe de um sentido naturalizado e substancializado de
interioridade, passando a ser pensado em termos históricos,
sociais e políticos – como produção de subjetividade –
apresentando-se contemporaneamente como objeto possível
para muitas psicologias de cunho crítico, como alternativa a
uma problematização da “identidade”, exatamente por buscar
dar conta das diferenças. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 16).

Como já vimos, o conceito de subjetividade tem origem na filosofia, mais


precisamente na filosofia moderna. E segundo Filho e Martins (2007), Kant
apresenta essa problemática quando discute: como seria possível a produção de
conhecimento como verdades absolutas, sólidas, objetivas, ou seja, universais e
que são válidas para todos e todas, se o que ocorre é a produção de conhecimento
por meio de sujeitos singulares que respondem a momentos históricos, políticos e
sociais diferentes?

A questão da subjetividade surge, portanto, no contexto


filosófico das preocupações epistemológicas quanto à
produção do conhecimento, de forma negativa: como aquilo
que precisa ser neutralizado e superado para se ter acesso
a uma verdade objetiva. Esta conotação negativa persistiu ao
longo de todo o século XX, enfatizando a contaminação do

23
Subjetividade, Cultura e Complexidade

conhecimento por ela, mas as epistemologias contemporâneas


argumentam que a subjetividade faz parte do jogo e precisa
ser contemplada na produção do conhecimento, por não se
opor necessariamente ao critério de objetividade. Além da
subjetividade, o poder também tem sido tradicionalmente
apontado como contaminador da neutralidade científica,
porém Foucault, já na década de 1960, critica esta separação
quando liga indissociavelmente em suas análises saber, poder
e subjetividade. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 16).

Temos que destacar aqui a figura do sujeito cognoscente, ou seja, aquele


que conhece, que pode desvendar e enunciar verdades. E isso pertence tanto
à filosofia quanto à ciência moderna. E esse sujeito passa a ser tanto sujeito e
objeto do conhecimento, como veremos a seguir.

Apesar da tradição crítica que liga Nietzsche e Foucault


levantar esta questão ao longo do século XX, ainda não foi
superado esse lugar central do sujeito nos jogos de produção
do conhecimento, onde toda a verdade ainda remete e
retorna a ele. Sujeito cognoscente, transcendental e universal,
porque não é nenhum sujeito concreto em especial e sim,
uma abstração genérica que se refere a uma posição e não
de um indivíduo, um “descobridor genial”. Após mais de um
século o termo migra para o campo dos conhecimentos “psi”
pelas mãos de Freud passando a designar uma instância
de interioridade, constituindo objeto de estudo científico
e campo de experiências do sujeito. De certa forma, a
psicanálise freudiana naturaliza e essencializa a subjetividade
ao considerá-la inerente ao sujeito, reproduzindo a matriz
cristã da interioridade e fazendo dela um enunciado. Nasce
agora, correlativamente ao discurso psicanalítico, o sujeito –
também universal – do inconsciente e do desejo, remetido à
sexualidade posta como invariante: este é o contexto do debate
de Michel Foucault (1988, 1989, 1990) com a psicanálise
na sua “História da sexualidade”. Mas não é da perspectiva
psicanalítica que está sendo abordada a questão, até porque
uma problematização da subjetividade não é monopólio nem
privilégio da psicanálise, e sua importância arqueológica aqui
apontada refere-se justamente a este ato de importação do
conceito da filosofia para os domínios psi – pelas mãos de
Freud – e não exatamente ao novo significado a ele atribuído
Mesmo que a nos domínios da psicanálise. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 16).
subjetividade seja
tratada como objeto Portanto, na perspectiva contemporânea, para Filho e Martins
construído pela
(2007), mesmo que a subjetividade seja tratada como objeto construído
experiência e pelo
conhecimento, pela experiência e pelo conhecimento, não podemos ligá-la diretamente
não podemos com questões simplesmente internas.
ligá-la diretamente
com questões Tradicionalmente as concepções psicológicas apontam para
simplesmente um núcleo, um centro da “consciência”, da “personalidade”, da
internas. “identidade”, que pressupõe certa regularidade, previsibilidade

24
Capítulo 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE

e permanência – quando não, “essência” e interioridade


– o que permite distinguir os indivíduos uns dos outros.
Descentrar a análise da subjetividade deste eixo habitual do
desenvolvimento da personalidade e da identidade, tomando-a
como resultado da dispersão de forças sociais, implica tratá-
la como figura histórica que não tem centro, permanência,
inerência ou substância, nem qualquer sentido, naturalizante,
biológico, genético ou determinista, e pensá-la em movimento,
como virtualidade, efeito holográfico que existe concretamente
ali onde não há nada de palpável. Vista desta perspectiva
tem menos a ver com uma suposta natureza humana do que
com o instável jogo de forças dos enunciados e dispositivos.
(FILHO; MARTINS, 2007, p. 16).

Então, caro(a) pós-graduando(a), lembra-se de que no início deste capítulo


nós refletimos sobre o que é subjetividade e como você já ouviu ou utiliza esse
termo no dia a dia? Enfim, em geral, a ideia e os exemplos que temos tratam
da subjetividade como algo interno do indivíduo, mas agora já conseguimos
desconstruir ou, pelo menos, problematizar essa ideia, pois:

Subjetividade parece sugerir imediatamente interioridade,


mas não há nada de natural nessa relação: percebe-se,
que subjetividade e interioridade nem dizem respeito a
instâncias psicológicas inerentes aos seres humanos, nem se
referem a campos equivalentes de experiência ou a termos
sinônimos. São enunciados de proveniências diversas que são
posteriormente superpostos pelos discursos psicológicos, não
necessariamente implicando uma relação de reciprocidade, ao
contrário, a subjetividade, além de ser da ordem dos efeitos,
é também da ordem da exterioridade – figura da “dobra”, que
para Deleuze (1988) é produzida em relações saber/poder
e também dos sujeitos consigo mesmos, quando estes se
colocam como objetos para um trabalho sobre si. (FILHO;
MARTINS, 2007, p. 17).

Então, segundo Filho e Martins (2007), o que podemos afirmar é que a


subjetividade (até mesmo a interioridade) é produção histórica. E, posteriormente,
vamos explorar mais alguns autores, como Michel Foucault, o qual destacará que
essa produção histórica da subjetividade pertence à modernidade. Isso porque:

[...] assim como o cristianismo inventou a interioridade, a


modernidade inventou a subjetividade – essa é a relação entre
estas duas figuras do discurso: a noção de interioridade é
anterior a de subjetividade, indicando que o moderno conceito
de subjetividade se apoia na ideia cristã de interioridade
encontrando-se, por isso mesmo, totalmente contaminado
por esta concepção, este enunciado. Se os ocidentais
cristãos se percebem como seres subjetivos e interiorizados
é porque se encontram presos a estes dois enunciados que
nascem nessa cultura em diferentes momentos e contextos,
mas que são colados posteriormente, universalizando-se

25
Subjetividade, Cultura e Complexidade

como natureza humana. Esse é, de certa forma, o trajeto da


formação de uma tecnologia confessional no Ocidente, por ele
percorrido da hermenêutica de si à hermenêutica do desejo,
que é constitutivo do sujeito moderno: meio racional, meio
cristão; meio sujeito da razão, meio sujeito da culpa. (FILHO;
MARTINS, 2007, p. 17).

Novamente, nós voltamos às questões e exemplos apresentados no início


deste capítulo. Será que a sua resposta, caro(a) pós-graduando(a), sofreu alguma
mudança ou ampliação depois da apresentação feita neste capítulo? Qual o seu
entendimento a respeito da relação entre sujeito e subjetividade?

A resposta é complexa, e mais, o debate está em aberto. Contudo, é preciso


ressaltar que na atualidade:

[...] assim como subjetividade não é sinônimo de interioridade,


também não designa necessariamente um conjunto de
capacidades, qualidades, sensibilidades, atitudes, reações
inerentes a um sujeito tomado como unidade autocentrada,
autônoma e consciente. Traçando uma genealogia do sujeito
paralelamente a esta arqueologia da subjetividade percebe-
se que é apenas na passagem do século XVII ao XVIII que
o sujeito se torna “indivíduo”, e é apenas no final do XIX que
este indivíduo ganha uma subjetividade. Não há, portanto,
simetria entre sujeito e subjetividade, não existe naturalmente
esta unidade e esta fidelidade a si mesmo – esta relação,
esta colagem das características subjetivas em um sujeito,
esta individualização da subjetividade, é resultado dos jogos
de normalização e de marcação da identidade, característicos
das sociedades Ocidentais modernas. (FILHO; MARTINS,
2007, p. 17).

Portanto, agora vamos tratar da subjetividade como resultado e efeito das


relações de saber e poder, o que nos aproximará ainda mais do Michel Foucault,
pois isto vai remeter a “[...] sujeitos diversos que não o sujeito universal da razão,
da cognição, ou da consciência, nem sujeito autônomo, livre, ator ou agente”.
(FILHO; MARTINS, 2007, p. 17).

Na arqueologia do saber refere-se à categoria filosófica/


epistemológica do sujeito cognoscente e ainda ao sujeito do
discurso e da linguagem; na genealogia do poder, remete
à figura do “indivíduo”, sujeito separado, individualizado,
marcado pelo poder, identificado e normalizado, sujeito do/
para o capital, sujeito da/para a ordem social burguesa; na
genealogia da ética refere-se ao sujeito moral: colocado como
objeto para si mesmo, objeto de práticas de si, de modos de
subjetivação, de estetização. Não há, portanto, em Michel
Foucault, um sujeito universal, transcendental e genérico –
mas sempre sujeitos históricos e localizados. Se existe em
Kant o sujeito universal do conhecimento, em Foucault existe

26
Capítulo 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE

toda uma multiplicidade de sujeitos: de direito, das disciplinas,


da norma, da moral, da sexualidade, sujeito produzido pelo
conhecimento, porque sua problematização não aponta
para uma categoria genérica, mas para sujeitos concretos,
regionalizados e historicamente construídos. (FILHO;
MARTINS, 2007, p. 17).

A subjetividade se produz na relação das forças que atravessam


A subjetividade se
o sujeito, no movimento, no ponto de encontro das práticas de
produz na relação
objetivação pelo saber/poder com os modos de subjetivação: formas de das forças que
reconhecimento de si mesmo como sujeito da norma, de um preceito, atravessam o sujeito.
de uma estética de si. Equivale dizer que não é suficiente a objetivação
pelo discurso psiquiátrico e pelo jogo da norma para produzir, por
exemplo, um louco, mas é necessário, ainda, que esse vá ao encontro da
marcação, que ele se reconheça no diagnóstico como sujeito da loucura e o
reproduza em si mesmo, subjetivando-se como louco. A resistência aos modos
de objetivação e de subjetivação acaba desempenhando importante papel nesses
jogos de identificação e reconhecimento de si.

Essa diversidade dos sujeitos implica uma multiplicidade


de formas de existência, modos históricos de ser: formas de
subjetividade; e para além dessas decorrências em termos de
saber/poder deve-se lembrar que numa sociedade capitalista
estéticas de subjetividade, fetichizadas, investidas de valor,
transformam-se em mercadorias a serem consumidas pelos
“indivíduos”. Isso reforça a questão das “etiquetas” a serem
coladas – a bricolagem no sentido original, francês, de
etiquetas a partir das quais construímos uma subjetividade-
mosaico num arranjo desconexo. Elas ganham lógica no
nosso corpo e, por vezes, de maneira bastante incoerente,
resultando numa imprevisibilidade do sujeito. Esse é um dos
principais problemas do controle social moderno: como lidar
com pessoas que não são regulares e previsíveis, sem uma
lógica a ser capturada pelo poder? O poder vive dessa falsa
unidade que o jogo das identidades constrói, o que remete à
moderna política das identidades que mantém os indivíduos
presos ao poder. A questão política do Estado contemporâneo
não é apenas manter a ordem social do todo, mas também
governar cada um, visto que não há ordem social na
sociedade como um todo se cada um dos indivíduos não se
submeter ao poder. As técnicas macropolíticas do Estado são
conhecidas: a lei, a moral e os grandes conjuntos reguladores.
No entanto, quais são as estratégias políticas do Estado em
relação aos indivíduos? Elas compõem a moderna política
das identidades através da qual o Estado governa cada um
de nós, que é debitária da matriz do poder pastoral, a partir
do qual um pastor conduz cada ovelha do rebanho de forma
individualizada. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 17-18).

27
Subjetividade, Cultura e Complexidade

E agora, caro(a) pós-graduando(a), o que isso tudo significa para nós? E


mais, como podemos nos reconhecer nesse contexto, como sujeitos modernos
contemporâneos?

Filho e Martins (2007, p. 18) têm uma contribuição importante para nos
oferecer:

No que diz respeito a nós, sujeitos modernos contemporâneos


(se é que ainda somos modernos), estamos submetidos
a formas históricas de subjetividade: a individualidade,
correlativa do discurso liberal, do estatuto do indivíduo e do
próprio capitalismo; a identidade, socialmente marcada e
normalizada, remetida à sexualidade; a cidadania, resultante
da moderna democracia com sua carta de direitos. Nos
reconhecemos como sujeitos da razão, conscientes, livres
e autônomos (mesmo sabendo que não o somos) – sujeitos
ético-morais – além de estarmos “intimamente” ligados a
valores morais cristãos (porque estes nos constituem naquilo
que nos é mais íntimo). Pensamos racionalmente, agimos
capitalisticamente, e sentimos como cristãos, movidos
por uma moral de compaixão – somos esta bricolagem:
simultaneamente competitivos, egoístas, e condescendentes
com aqueles que derrotamos no jogo da ambição capitalista –
e o efeito de subjetividade que isto gera em nós é a sensação
de desconforto e conflito psicológico, que pode ser tomado
na verdade como conflito ético: exposição do sujeito a éticas
contraditórias, ambíguas, gerando ambivalência. Isso é ser
não genérica, mas, concretamente, sujeito ocidental, cristão
e moderno – estar inscrito nessa tradição cultural e histórica.
Estamos sujeitos a formas históricas de problematização que
se apresentam como polaridades discursivas entre: material x
espiritual (dilema cristão); corpo x mente (dilema cartesiano);
exterioridade x interioridade (dilema cristão, mas também
freudiano); objetividade x subjetividade (dilema epistemológico
e também freudiano); animal x racional (dilema filosófico);
biológico x cultural (dilema antropológico); individual x social,
coletivo (dilema sociológico); eu x os outros (dilema ético-
político).

A questão da Perceba, caro(a) acadêmico(a), que a questão da subjetividade


subjetividade não não é simples, pois não são apenas questões internas do sujeito,
é simples, pois mas construções de uma sociedade que possui uma cultura e que foi
não são apenas
construída em determinado momento histórico.
questões internas
do sujeito, mas
construções de Portanto, não há uma verdade sobre o que é a subjetividade.
uma sociedade que O que temos são perspectivas, problematizações, elementos que
possui uma cultura são fundamentais para construir um objeto de conhecimento, uma
e que foi construída concepção de sujeito e uma crítica da subjetividade, portanto, “[...]
em determinado
duvidar dos enunciados que sustentam nossas regularidades subjetivas
momento histórico.

28
Capítulo 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE

e sociais, pensar diferente, é ação política: transgressão do discurso, resistência


ao poder e prática concreta de liberdade – as três linhas de fuga de Michel
Foucault”. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 18).

Esta citação aponta para uma certa política contemporânea


da subjetividade, ou, para a colocação das formas de
subjetividade como objetos de luta: Talvez, o objetivo hoje
em dia não seja descobrir o que somos, mas recusar o que
somos. Temos que imaginar e construir o que poderíamos
ser para nos livrarmos deste ‘duplo constrangimento’ político,
que é a simultânea individualização e totalização própria às
estruturas do poder moderno. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 18).

E mais:

A conclusão seria que o problema político, ético, social e


filosófico de nossos dias não consiste em tentar liberar o
indivíduo do Estado nem das instituições do Estado, porém nos
liberarmos tanto do Estado quanto do tipo de individualização
que a ele se liga. Temos que promover novas formas de
subjetividade através da recusa deste tipo de individualidade
que nos foi imposta há vários séculos. (DREYFUS; RABINOW,
1995, p. 239).

Portanto, o que nos resta é a compreensão de que é preciso superar o


discurso naturalizado, desconstruir o que se apresenta como verdade, não apenas
na psicologia. É uma ação política, ou seja, o saber psicológico também é político.

Então, o que não é novidade, há um posicionamento teórico no


campo da Psicologia que implica posição política, as práticas
psicológicas são imediatamente políticas, e é necessário
caminhar no sentido de uma psicologia descentrada do sujeito
e para além de uma problematização da subjetividade (pelo
menos no sentido mais tradicional do termo), que busque dar
conta da singularização, porque, se os modos de subjetivação
a sujeitam, a singularização apresenta-se como estetização
de si visando resistir a esta maquinaria moderna de produção
da subjetividade e da identidade individuais, construindo
novas formas de vida e de ser. Se ao longo do século XX as
psicologias têm se caracterizado como “disciplinas científicas
de aplicação da norma”, é também necessário que elas
superem estas práticas passando a se dedicar à promoção
de novas estéticas da existência. (FILHO; MARTINS, 2007, p.
18).

Para concluir, o termo “subjetividade” está sendo aqui empregado de forma


genérica, sem conotação demarcada, portanto, não necessariamente ligado ao
sentido a ele atribuído pelo discurso psicanalítico, não designando uma instância
de interioridade e recusando todas as formas de substancialização, naturalização
e universalização a ele associadas.

29
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Isso porque a intenção é apresentar o conceito e o seu surgimento no campo


da filosofia do conhecimento, sua entrada no campo da psicologia, primeiramente
pelas mãos da psicanálise freudiana, e sua passagem aos domínios da psicologia
onde ganha difusão e multiplicidade de sentidos ao longo do século XX.

A subjetividade é um fato social construído a partir de


processos de subjetivação, o qual é engendrado por
determinantes sociais – históricos, políticos, ideológicos de
gênero, de religião, conscientes ou não. Dessa forma, em
diferentes contextos culturais, diferentes subjetividades são
produzidas. (DIMENSTEIN, 2000, p. 116-117).

Para enriquecer seus estudos sobre o tema subjetividade,


assista ao vídeo do filósofo Paulo Ghiraldelli no seguinte endereço
eletrônico: <https://goo.gl/onIHSA>.

Portanto, neste primeiro capítulo, nós conhecemos as revisões


epistemológicas feitas no âmbito da filosofia e da psicologia, no que tange ao
tema da subjetividade, e, assim, nós podemos concluir que ela não pode ser mais
compreendida nos termos de uma experiência universalista, racional e estruturada
do mundo privado, mas de uma forma particular de se colocar, de ver e estar no
mundo, que não se reduz a uma dimensão individual, mas como uma produção
social, que responde aos momentos históricos e fatores políticos, ideológicos,
entre outros elementos pertencentes a diversas culturas.

Atividade de Estudos:

1) A subjetividade nasce de processos de subjetivação com origem


em fatores sociais, históricos, políticos, ideológicos e religiosos,
que podem ser conscientes ou não. Nesse contexto, analise as
sentenças que seguem:

I – Na perspectiva contemporânea, mesmo que a subjetividade


seja tratada como objeto construído pela experiência e pelo
conhecimento, nós não podemos ligá-la diretamente a questões
simplesmente internas.
II – A subjetividade se produz apenas na relação das forças

30
Capítulo 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE

que atravessam o sujeito, no movimento, no ponto de encontro


das práticas de objetivação pelo saber/poder com os modos
de subjetivação: formas de reconhecimento de si mesmo como
sujeito da norma, de um preceito, de uma estética de si.

Assinale a alternativa que apresenta a resposta correta:

( ) A – As duas sentenças estão incorretas.


( ) B – As duas sentenças estão corretas.
( ) C – A primeira sentença está correta e a segunda sentença
está incorreta.
( ) D – A primeira sentença está incorreta e a segunda sentença
está correta.

Na sequência, vamos abordar a subjetividade no âmbito cultural, ou seja,


tratando de aspectos da cultura e as relações com individualidade, personalidade
e identidade. E, assim, a partir de uma perspectiva histórico-cultural, vamos refletir
sobre a complexidade dessa temática na relação com a psicologia, a sociedade e,
posteriormente, com a educação.

Algumas ConsideraçÕes
Caro(a) pós-graduando(a), neste capítulo, tratamos do conceito de
subjetividade, das correntes psicológicas, e, principalmente, do entendimento
de que subjetividade é um conceito amplo e complexo, que aceita, inclusive, o
plural “subjetividades”, mas que, no entanto, uma coisa é fato: trata-se de uma
construção interna e externa na formação dos indivíduos.

Somos seres humanos possuidores de subjetividade. Mas, e a objetividade?

A objetividade também é considerada na constituição da subjetividade,


pois o contexto histórico e cultural no qual o indivíduo está inserido é que vai
constituí-lo como sujeito, assim sendo, há uma relação dialética entre objetividade
e subjetividade.

Portanto, verificamos que a literatura sobre o tema abordado considera que


acontecimentos sociais constituíram as condições históricas para o surgimento
do sujeito psicológico, que é possuidor de subjetividade, que foi construída pela
mediação da cultura desse sujeito.

31
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Agora, reflita: como você, pós-graduando(a), se percebe? Quem é você?


O que fez você ser o que é hoje? Quais fatores internos e externos agiram na
constituição da sua subjetividade e na sua formação como indivíduo?

Talvez não seja possível responder. Contudo, a reflexão é válida.

ReFerÊncias
BRANDÃO, H. H. N. Subjetividade, representação e sentido. In: BRANDÃO, H.
H. N. Subjetividade, argumentação, polifonia: a propaganda da Petrobrás. São
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DIMENSTEIN, M. A cultura profissional do psicólogo e o ideário individualista:


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DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para


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FIGUEIREDO, L. C. M. A invenção do psicológico: quatro séculos de


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32
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MOREIRA, A. G.; SILVEIRA, H. M. M. L. Teorias da subjetividade: convergências


e contradições. Revista Contraponto, Belo Horizonte, v.1, n.1, p. 58-69, jul.
2011.

REY, F. L. G. Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. São


Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.

33
Subjetividade, Cultura e Complexidade

34
C APÍTULO 2
Psicologia, Educação e Sociedade

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Conhecer o panorama histórico da psicologia escolar e educacional e o contexto


brasileiro.

 Reconhecer na psicologia escolar e educacional contemporânea seus objetivos


e finalidades.

 Entender qual é o campo de atuação da psicologia escolar e educacional:


escola, corpo docente/discente e comunidade.

 Ressignificar a atuação do profissional psicólogo escolar e educacional.


Subjetividade, Cultura e Complexidade

36
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

ConteXtualiZação
Neste capítulo, apresentaremos uma revisão bibliográfica sobre a história
da psicologia escolar e educacional, destacando o contexto brasileiro, buscando
debater a relação estabelecida entre psicologia, educação e sociedade.

Trataremos de fatos históricos ocorridos a partir do século XIX, reflexões


acerca das concepções e formas de atuação em psicologia escolar e educacional.
Atenderemos, também, aos nossos objetivos ao abordar a ressignificação das
práticas de trabalho do psicólogo escolar e educacional.

As pesquisas apontam que as origens históricas da psicologia As pesquisas


apontam que as
escolar e educacional estão atreladas à expansão do ensino público na
origens históricas da
América e Europa, e, também, com problemas sociais, como abandono psicologia escolar
infantil e outras violências. e educacional
estão atreladas à
Toda esta complexidade social exigiu profissionais com formação expansão do ensino
qualificada para lidar com vários tipos de problemas e auxiliar as público na América e
Europa, e, também,
escolas, em alguns casos para além das escolas, na busca de soluções.
com problemas
sociais, como
Porém, segundo Cassins et al. (2007), na origem da psicologia abandono infantil e
escolar e educacional, o foco era a avaliação psicológica individual outras violências.
de crianças e adolescentes, sempre com suspeitas de deficiência ou
problemas pessoais, algo individual, nunca social. Com isso, as clínicas e serviços
começaram a desenvolver um trabalho mais amplo no âmbito de problemas da
educação e crianças em idade escolar.

Observação, prevenção, intervenção e mensuração de


habilidades e capacidades foram os principais alvos dos
estudos científicos desenvolvidos. Pesquisas nos Estados
Unidos, França, Bélgica, Suíça, Grã-Bretanha, Itália e
Alemanha nos campos da inteligência, subdotação e
superdotação; desenvolvimento infantil e seus atrasos;
diagnóstico, intervenção e ajuda concreta para crianças
com dificuldades escolares tiveram grande impulso. Os
primeiros serviços de Psicologia Escolar foram criados ao
final do século XIX, na França. Ao longo dos últimos 30 anos
os EUA vêm liderando este domínio devido a vários fatores:
serviços efetivamente prestados às escolas e aos escolares;
consolidação do papel do psicólogo como um profissional
(geralmente com mestrado ou doutorado em Psicologia
Escolar); produção de pesquisa científica e de literatura
básica de síntese de conhecimento e de natureza prática;
liderança quanto às associações especializadas (NASP e
Divisão de Psicologia Escolar da American Psychological
Association - APA). Em 1981, a APA divulgou suas “Diretrizes
de especialidades para a prestação de serviços por psicólogos
escolares” (APA Guidelines). (CASSINS et al., 2007, p. 19).
37
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Enfim, caro(a) pós-graduando(a), no terceiro capítulo vamos debater mais


sobre a questão do fracasso escolar, mas, antes, trataremos aqui da relação
entre psicologia, educação e sociedade, com intuito de problematizar a psicologia
escolar e educacional, levantar pontos importantes em termos de atuação e
relações, buscando analisar a construção deste campo e seu papel na sociedade.

Desse modo, algumas perguntas surgem para reflexão, por exemplo:

Por que o termo psicologia escolar e educacional?

Será que é uma coisa apenas?

Psicologia escolar e psicologia educacional são coisas diferentes?

E, se são diferentes, o que implica a atuação do profissional desta área?

Enfim, qual sua perspectiva neste debate?

Terminologias, Sentidos e
Possibilidades da Psicologia
Escolar e Educacional
Barbosa e Souza (2012, p. 164-165) debatem estas questões terminológicas,
e, também, buscam compreender os sentidos, bem como o que podemos criar
como possibilidade de esclarecimento e atuação nesta área, afirmando que:

Quando se fala em Psicologia em sua relação com a Educação


geralmente se usam os termos “Educacional” ou “Escolar”.
Além dessas nomeações são comuns os termos: Psicologia
na Educação, Psicologia da Educação, Psicologia aplicada à
Educação e Psicologia do Escolar. Entretanto, por meio da
pesquisa histórica, foi possível encontrar ainda as seguintes
expressões: Psicologia Pedagógica, Pedagogia Terapêutica,
Pedologia, Puericultura, Paidologia, Paidotécnica, Higiene
Escolar, Ortofrenia, Ortofrenopedia e Defectologia. Também
em obras diversas aparecem expressões relacionadas:
Psicotécnica, Psicologia Aplicada às coisas do Ensino,
Psicologia para pais e professores, Psicologia da criança,
Psicologia do aluno e da professora, Biotipologia Educacional,
Psicopedagogia, Psicologia Especial, Higiene Mental Escolar,
Orientação Educacional e Orientação Profissional. Em alguns
casos se refere à teoria e em outros se designa o conjunto de
práticas desenvolvidas nesse âmbito.

38
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

Portanto, Barbosa e Souza (2012) deixam claro que com esta enorme
variedade terminológica, não é estranho verificar que a consequência é uma
indefinição identitária do campo. Concorda?

Barbosa e Souza (2012, p. 165) continuam a problematização:

Se a resposta for sim, essa é uma discussão muito importante


para os profissionais que têm interesse nesse tema. Além
disso, é necessário questionar, por exemplo, como geralmente
se nomeiam os profissionais e os serviços desse setor? Será
que existem diferenças quando se fala Escolar e Educacional?
Ou ainda Psicologia da Educação ou na Educação?

Então, caro(a) pós-graduando(a), já havia pensando sobre isso?


As definições
Vamos seguir com Barbosa e Souza (2012), pois as autoras tentam sofreram
responder a essas questões e, para isso, realizam um panorama transformações
histórico, buscando identificar todo conjunto de nomenclaturas para conceituais, o que,
analisar e entender como, ao longo do tempo, essas terminologias dentro da análise
histórica, revela que
foram surgindo, bem como quais são seus sentidos, pois destacam que
as terminologias
as definições sofreram transformações conceituais, o que, dentro da não servem apenas
análise histórica, revela que as terminologias não servem apenas para para nomear, mas
nomear, mas também carregam sentido e significado. também carregam
sentido e significado.
Antunes (2007 apud BARBOSA; SOUZA, 2012, p. 165) afirma:

A Psicologia Educacional pode ser considerada como uma


subárea da psicologia, o que pressupõe esta última como
área de conhecimento. Entende-se área de conhecimento
como corpus sistemático e organizado de saberes produzidos
de acordo com procedimentos definidos, referentes a
determinados fenômenos ou conjunto de fenômenos
constituintes da realidade, fundamentado em concepções
ontológicas, epistemológicas, metodológicas e éticas
determinadas. Faz-se necessário, porém, considerar a
diversidade de concepções, abordagens e sistemas teóricos
que constituem as várias produções de conhecimento,
particularmente no âmbito das ciências humanas, das quais
a psicologia faz parte. Assim, a Psicologia da Educação pode
ser entendida como subárea de conhecimento, que tem
como vocação a produção de saberes relativos ao fenômeno
psicológico constituinte do processo educativo.
A Psicologia Escolar, diferentemente, define-se pelo âmbito
profissional e refere-se a um campo de ação determinado, isto
é, a escola e as relações que aí se estabelecem; fundamenta
sua atuação nos conhecimentos produzidos pela Psicologia
da Educação, por outras subáreas da psicologia e por outras
áreas de conhecimento.
Deve-se, pois, sublinhar que Psicologia Educacional e

39
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Psicologia Escolar são intrinsecamente relacionadas, mas


não são idênticas, nem podem reduzir-se uma à outra,
guardando cada qual sua autonomia relativa. A primeira é
uma área de conhecimento (ou subárea) e tem por finalidade
produzir saberes sobre o fenômeno psicológico no processo
educativo. A outra constitui-se como campo de atuação
profissional, realizando intervenções no espaço escolar ou
a ele relacionado, tendo como foco o fenômeno psicológico,
fundamentada em saberes produzidos, não só, mas
principalmente, pela subárea da psicologia, a psicologia da
educação.

Antunes (2011) levanta a problematização e reconhece que, muitas vezes,


a Psicologia Escolar e a Psicologia Educacional são tratadas como sinônimos,
pois falam da mesma coisa, porém usam uma terminologia diferente. No entanto,
também há casos em que não são sinônimos, pois falam de coisas distintas ou
da mesma coisa com perspectivas diferentes. Portanto, é fundamental analisar e
compreender como foram constituídos historicamente os termos e os conceitos.

Psicologia Educacional e Psicologia


Escolar: Histórico
Há uma tentativa de divisão, de modo geral tratada como clássica e
tradicional, portanto, muito divulgada e aceita, que entende que a psicologia
educacional fica a cargo de responder pela teorização e pelas pesquisas; já a
psicologia escolar, pela prática. Porém esta divisão sofre influências de termos e
conceitos estrangeiros, em geral, dos Estados Unidos da América, mas, no Brasil,
estes pontos estavam misturados, logo, a divisão clássica e tradicional quase
sempre não dá conta do contexto brasileiro.

Uma peculiaridade da história da Psicologia no Brasil é que,


diferentemente do que ocorreu em outros países nos quais
o campo da Psicologia Educacional e Escolar se consolidou
após a Psicologia propriamente dita, como uma derivação
desta, pelo menos no que se refere à prática, aqui ocorreu
de forma diferente. Esse campo nasceu, desenvolveu-se e
se consolidou concomitantemente à Psicologia propriamente
dita. E especialmente ao que tange à aplicação prática dos
conhecimentos psicológicos, o campo educativo foi um dos
primeiros. Isso é possível apreender por meio das evidências
encontradas em documentos escritos, nos depoimentos que
podemos ter acesso de pioneiros e também na constituição
dos primeiros serviços. (BARBOSA; SOUZA, 2012, p. 166).

Massimi e Guedes (2004) observam indícios de que desde o período colonial


há ações do campo da psicologia sendo aplicados em diversas áreas, entre elas,

40
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

a educação jesuítica, logo, os saberes psicológicos já estão em interação com os


processos educativos, respondendo ao contexto social brasileiro desde o período
colonial, o que demonstra uma forte relação entre a psicologia, a educação e a
sociedade.

A educação jesuíta durou de 1549 a 1759 e tinha como


propósito primordial o trabalho educativo visando à
catequização e instrução na fé cristã. Em 1759, por meio das
Reformas Pombalinas, ocorreu a expulsão da Companhia
de Jesus do Brasil. O Marquês de Pombal então instaura
uma série de mudanças no sistema educacional que tinham
influência das ideias iluministas e defendiam o ensino laico.
As reformas de Pombal incluíram mudanças nos “estudos
menores” (primeiras letras) e nos “estudos maiores” (ligados
à Universidade de Coimbra). Foram contratados professores
régios, que recebiam da Coroa e, ao mesmo tempo, se
submeteram a uma orientação pedagógica que incorporava
os ideais iluministas. Nesse sentido, o ensino passa a ter
como característica a educação por meio de aulas régias (ou
avulsas) tendo a figura do professor como central no processo.
(BARBOSA; SOUZA, 2012, p. 166).

Segundo Antunes (2003), no período colonial, a característica principal era


propiciar a educação dos indígenas e da população recém-chegada ao Brasil.
Tinha-se como objetivo central a educação de crianças, de modo a “domá-las”,
“moldá-las”, segundo os propósitos do adulto. A autora considera que se utilizava
de castigos e prêmios como meio de controle do comportamento e que é comum
encontrar referências do período que tratam do cuidado com a educação moral
e física dos infantes. Ela informa que Manoel Andrade Figueiredo (1670-1735),
escritor da primeira cartilha educativa de Portugal, denominada “A Nova Escola
para aprender a ler, escrever e contar” (de 1722), dedicava um espaço em seu livro
para descrever a “educação de meninos rudes”. Estes não deveriam ser tratados
de forma punitiva, pois isso poderia afetar o desenvolvimento e a personalidade
das crianças.

Assim, segundo Barbosa e Souza (2012), explicações para o Inicia-se,


comportamento infantil tinham feições ambientalistas e empiristas, assim, o uso de
além da proposição de formas de prevenção de problemas de conhecimentos
comportamento por meio de um sistema de monitoria e ensino. Inicia- que, posteriormente
se, assim, o uso de conhecimentos que, posteriormente chamaríamos chamaríamos de
psicológicos, com
de psicológicos, com fins educativos, especialmente de cunho punitivo,
fins educativos,
correcional ou adaptacionista. Os termos pedologia, puericultura, especialmente de
paidologia, paidotécnica (relacionados à criança) e, também, ortofrenia, cunho punitivo,
ortofrenopedia, defectologia (relacionados à criança “defeituosa”, correcional ou
“deficiente” ou “retardada”) têm origem nesse tipo de pensamento adaptacionista.
adaptacionista.

41
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Mesmo com essa origem remota, só podemos falar em uma “área”


propriamente dita chamada “psicologia educacional” (nome inicialmente dado a
esta) a partir da autonomização da psicologia (em fins do século XIX e início do
século XX). No caso do Brasil, também se tem como marco inicial a criação da
profissão de psicólogos no país, em 1962. Esse campo teórico e prático tem ainda
como origem a criação de instituições e associações dedicadas a esse objeto de
estudo e intervenção nos primeiros anos do século XX, especialmente nos anos
1930. Entretanto, aos poucos, é que foram sendo definidas as especificidades
dessa que é considerada por uns uma “área”, por outros um “campo”, um “ramo”
ou até uma “subdivisão” ou “subárea” da psicologia. (BARBOSA; SOUZA, 2012).

Nesses primórdios, a psicologia educacional define melhor seu objeto de


interesse, suas finalidades, seus métodos de investigação e conceitos primordiais.
É nítida a expressão fundante da puericultura, quando o foco de interesse era
o conhecimento do desenvolvimento infantil, e, também, da ortofrenia, quando o
objetivo era trabalhar as questões das crianças ditas “anormais”.

Muitos teóricos falam em área, campo, subárea, subcampo de conhecimento


e outras formas de nomeação, como foi dito antes. Acreditamos ser mais
adequado o termo “campo de conhecimento” porque entendemos que a psicologia
educacional e escolar, mesmo tendo se originado no interior da psicologia,
atualmente abarca conhecimentos desta e para “além” desta, a partir da sua
relação com outros saberes, inclusive a educação, as ciências sociais e humanas
em geral.

Por outro lado, para Barbosa e Souza (2012), o termo “área” tem uma
tradição que deve ser respeitada, desde que se compreenda esta não apenas
como prática separada da teoria (ou área de atuação), mas com facetas teórico-
práticas numa perspectiva práxica e dialética da chamada pedagogia terapêutica,
higiene escolar ou higiene mental escolar, quando se enfatizavam os métodos
de intervenção médico-curativos e clínicos para resolver os chamados
Também foram “problemas das crianças”.
influências iniciais
a expansão
do movimento Essas referências iniciais da psicologia educacional tinham
psicométrico, da relação com a crescente onda do movimento de higiene mental ou
psicanálise e da higienista, que se tornou expressivo no país no início e meados do
psicologia infantil século XX. Também foram influências iniciais a expansão do movimento
(puericultura) psicométrico, da psicanálise e da psicologia infantil (puericultura) ou
ou pedagogia
pedagogia terapêutica, como era chamada.
terapêutica, como
era chamada.
A psicologia educacional no Brasil, em seus primórdios, abarcava
teoria e prática e estava relacionada, sobretudo, à disciplina “psicologia
educacional” dos cursos normais, que utilizava trabalhos empíricos realizados

42
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

em laboratórios de psicologia, durante muito tempo relacionados ao movimento


psicométrico, higienista e influência da psicologia infantil. Usavam-se como
sinônimos de psicologia educacional, com essa configuração, os termos
psicologia na educação, psicologia da educação, psicologia aplicada à educação
e psicologia experimental. Geralmente a expressão “psicologia educacional” era
mais utilizada por ser a nomenclatura das disciplinas ministradas nos cursos
normais e abarcava as demais como conteúdos. Segundo Mello (1975, p. 34),
“[...] em 1931 uma disciplina psicológica é introduzida, pela primeira vez, no
currículo de um curso universitário, o nome que recebe – psicologia aplicada aos
problemas da educação – dá indícios do caráter que se queria atribuir ao curso”.

Segundo Barbosa e Souza (2012), em algumas obras dos anos de 1920 e


1930, encontram-se as nomeações biologia educacional e biotipologia educacional,
que traziam conhecimentos do campo biológico e também psicológico. Essas
denominações nos informam o quanto a relação entre psicologia e educação
era constitutiva, tanto de um quanto de outro desses campos do conhecimento.
Também nos comunica sobre a relação inicial da psicologia com a pesquisa
empírica, fisiológica e biológica, a partir das expressões experimental, fisiológica
e biológica. Aqui começa a se estabelecer outra grande influência além das
anteriormente citadas – o conhecimento biológico e fisiológico, do campo médico,
que trouxe a “biologização” dos fenômenos escolares, algo largamente criticado
nos dias atuais.

Pode-se inferir que a escolha por psicologia da educação ou na educação,


psicologia pedagógica, biologia educacional ou biotipologia educacional denotam,
por um lado, que os conhecimentos psicológicos foram importantes para a
constituição e consolidação desses outros campos dos saberes, ao mesmo
tempo em que mostram certa relação de “subjugação” de um saber ao outro. No
caso, notamos que a psicologia estaria relacionada aos campos educacional,
pedagógico ou biológico, sendo quase que um “braço” destes. Em outros termos,
principia uma influência funesta de alicerçar a psicologia em sua relação com a
educação à influência biologicista e, também, pedagógica nesses tempos remotos.

Pode-se dizer que o objeto de interesse inicial foi se constituir


em um campo de teoria e aplicação estritamente ligado à
docência nas Escolas Normais e cursos de formação de
professores. A Psicologia Educacional caracterizou-se, então,
nesses primórdios, como ensino de Psicologia para futuros
educadores, tendo a finalidade de formação e utilização de
investigação e produção de saberes oriundos dos laboratórios,
com vistas à compreensão dos processos educativos. Esses
conhecimentos tiveram a influência, sobretudo, do movimento
psicométrico e de elementos de Puericultura ou Psicologia da
Criança, vindas da Europa, especialmente a partir dos estudos
desenvolvidos no Instituto Jean-Jacques Rousseau (nos anos
1930). Também se destacam a forte presença da Psicanálise

43
Subjetividade, Cultura e Complexidade

a partir dos anos 1940 e também do pensamento biologicista


medicalizante que se traduzia à época no movimento
Entra em cena higienista. (BARBOSA; SOUZA, 2012, p.168).
a ideia de
normatização,
que se acresce à Em resumo, para Barbosa e Souza (2012), a psicologia educacional
de adaptação e teórica e prática tinha como objetivo principal diagnosticar as crianças
atendimento das no interior da escola quanto a sua “normalidade” ou “anormalidade” e,
“anormalidades” por baseada nos experimentos e testagens, garantir a divisão em classes
meio de trabalhos e/ou escolas especiais para atendimento de suas “necessidades
terapêuticos,
especiais”, se fosse o caso. Entra em cena a ideia de normatização, que
garantidos pela
higiene mental se acresce à de adaptação e atendimento das “anormalidades” por meio
escolar. de trabalhos terapêuticos, garantidos pela higiene mental escolar.

Os primeiros serviços de atendimento psicológico do país tiveram


configuração “educacional”. Em 1938, são criados: o serviço de saúde escolar,
que teve o médico Durval Marcondes como coordenador em São Paulo; a seção
técnica de ortofrenia e higiene mental do departamento de educação e cultura
do Distrito Federal no Rio de Janeiro; a clínica de orientação infantil no Rio de
Janeiro. Esta última tinha o médico Arthur Ramos (1903-1949) como responsável.
Tanto Durval Marcondes como Artur Ramos demonstraram ter forte ligação com o
pensamento psicanalítico.

Para Barbosa e Souza (2012), outros serviços semelhantes apareceram com


igual finalidade em outros estados da federação e podemos afirmar que, como
a educação e a escola brasileira estavam passando, naquele momento, por
muitas reformulações, a psicologia veio para contribuir com a organização destas,
de modo a cumprir com a finalidade “ajustatória”. Nesse momento, a marca da
psicologia do “ajustamento” e clínico-médica começava a se consolidar.

Especialmente nos anos 1930, a influência das pesquisas produzidas na


Europa e nos Estados Unidos cresceu no país, e o movimento da escola nova
começou a ter presença marcante. Sabemos que, nesse período, historicamente,
o país estava passando por mudanças sociopolíticas estruturais, deixando de ser
agrário e rural para se tornar um país agroexportador, industrializado e urbano.
Nesse sentido, com vistas a uma “renovação escolar”, crescia a ideia de uma
nova “educação” e, também, cresceram em conjunto as teorias higienistas, que
buscavam medidas de caráter profilático para o âmbito escolar. (ANTUNES, 2003;
PATTO, 2008).

Conforme Yazlle (1997, p. 8), o pensamento psicológico brasileiro em suas


origens – assim como nossa cultura do século XIX – foi profundamente marcado
pelas ideias francesas, embebidas pelo positivismo comtiano. Veja:

44
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

[...] os primeiros trabalhos da Psicologia no Brasil foram


desenvolvidos por profissionais da medicina que, oriundos de
uma elite econômica, puderam complementar sua formação
intelectual junto a centros de cultura europeus (principalmente
a França). Assim, a erudição burguesa, humanista e
academicista aí veiculada conduzia ao estudo dos fenômenos
psicológicos sob a ótica positivista, enfatizando a observação
direta e a possibilidade de experimentação.
[...] o modo liberal democrático de pensar a sociedade
compreendia que a educação dada pela escola, aberta a todos
os segmentos, oferecendo oportunidades iguais para todos
os indivíduos, no novo modelo econômico que aos poucos
ia se implantando no Brasil, ampliando as diferenças sociais,
poderia minimizar os efeitos dos movimentos populares [...]

O escolanovismo baseava-se nessa ideia liberal de mito da igualdade de


oportunidades que a escola pode oferecer, negando as diferenças de classe
dadas pela constituição sociopolítica do capitalismo. O movimento da escola nova
encontrou na psicologia, por meio dos testes psicológicos e conhecimento sobre
inteligência, maturidade e prontidão para aprendizagem, explicações para as
diferenças individuais que culpabilizavam o sujeito pela sua condição e ocultavam
as desigualdades sociais. (YAZLLE, 1997).

Nesse contexto, para Barbosa e Souza (2012), a psicologia tinha como


foco analisar o processo de desenvolvimento infantil, o olhar para a criança, e
seu interesse era constituir-se como campo que aliaria esses conhecimentos no
contexto educacional de forma adaptacionista, cuja identificação era a pedologia,
a puericultura e até a paidologia ou paidotécnica (terminologias que se referem
ao estudo do desenvolvimento infantil). Assim, o objeto de interesse primordial
passava a ser a criança no contexto educacional, e a finalidade, compreender
suas características, seu processo de desenvolvimento, utilizando, para isso,
investigações agora não apenas psicométricas, mas também com foco no estudo
das influências familiares e contextuais.

A influência da psicanálise, de acordo com Barbosa e Souza (2012), foi um


exemplo da mudança de foco do pensamento biologicista e puramente clínico-
médico para um olhar direcionado às configurações familiares e sua importância
naquele contexto. Embora ainda se possa identificar o olhar medicalizante de
ideologia liberal e a influência do movimento de higiene mental, podemos dizer
que o foco deixa um pouco de lado apenas o indivíduo criança e passa a observar
seu entorno, no caso a família.

Esse tipo de pensamento também se inseriu no que depois


passou a se designar “Psicologia do Escolar”, que representava
a ênfase no olhar para “o escolar”, ou o estudante, ressaltando
a análise individual dos fenômenos escolares e o olhar para a

45
Subjetividade, Cultura e Complexidade

criança no contexto escolar. Nos anos 1960 e 1970 do século


XX, podemos dizer que essa “Psicologia do Escolar” com
foco na “criança-problema”, ou “criança que não aprende”, e
nos “problemas de aprendizagem” foi a tônica do momento.
A marca ainda clara do modelo clínico-médico permanece
e busca-se cada vez mais a investigação dos processos
“anormais” ou “desviantes”, cuja base é a Psicologia do
“ajustamento”, da Psicologia Diferencial e da Psicopatologia.
(BARBOSA; SOUZA, 2012, p. 169).

É por aí que, segundo Barbosa e Souza (2012), a história da presença da


psicologia na educação começa. Inicia medindo aptidões tidas como naturais
e tentando fazer um encaixe perfeito entre as capacidades medidas de Q.I.,
habilidades específicas e o ensino. Era um raciocínio muito parecido com o da
taylorização do processo de produção industrial. Você tem a máquina e a matéria-
prima, por exemplo, uma máquina que processa arame, você precisa
Essa ideia de
ajustamento tem de fios de arame no diâmetro exato para que aquela máquina possa
impacto enorme processá-lo, e, então, separa os arames mais grossos ou mais finos.
na constituição
da subjetividade Essa ideia de ajustamento tem impacto enorme na constituição
dos indivíduos, da subjetividade dos indivíduos, ainda mais quando separamos entre
ainda mais quando
“normais” e anormais”.
separamos entre
“normais” e
anormais”. Caro(a) pós-graduando(a), o que é ser “normal” e “anormal” para
você? O que define este padrão de norma? Quais padrões de norma
você reconhece hoje na sociedade (beleza, comportamento, etc.) e como isso
influencia a subjetividade, logo, a vida das pessoas?

Para o atendimento ou “tratamento” dos “anormais” surgem


os serviços de Higiene Mental, Higiene Mental Escolar,
Ortofrenia, Ortofrenopedia e Defectologia. Todas essas
nomeações tinham como objeto a investigação e tratamento
dos denominados “anormais”, “retardatários”, “excepcionais”,
“especiais”, campo que hoje denominamos Educação
Especial. Nesse contexto, o objeto de interesse se desloca
para o indivíduo que apresenta algum tipo de “desvio”
daqueles considerados “normais”. No contexto educativo, era
chamado de “criança-problema”, “aluno problema”, “criança
difícil”. A finalidade da Psicologia Educacional interessada
nessa temática é então constituída com base na identificação
e discriminação desses “diferentes”, a partir dos instrumentais
psicométricos e avaliativos em moda no período. Ao contrário
do que parece, o termo “Psicologia Especial”, nessa época, não
estava relacionado à área que tinha como foco os indivíduos
“anormais” ou “especiais”; a Psicologia Especial da época
dizia respeito à distinção da Psicologia Geral, indicando o que
atualmente designamos áreas específicas (no momento ditas
“especiais” da Psicologia). Assim, a Psicologia Educacional

46
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

fazia parte da Psicologia Especial, assim como a Psicologia


Clínica, a Social ou a do Trabalho (eram especialidades). Em
outras palavras, o “especial” aqui se referia a um conteúdo
“especial”, “específico” ou de “especialidade” no interior do
grande campo da Psicologia chamado de Psicologia Geral.
(BARBOSA; SOUZA, 2012, p. 170).

Além disso, as nomeações psicotécnica e psicologia aplicada A psicologia aplicada


indicavam a ênfase no campo prático da psicologia e, nesse sentido, à educação também
destacava-se a psicologia aplicada aos âmbitos escolar, clínico, do tinha como símiles
trabalho, social, etc. A psicologia aplicada à educação também tinha a psicologia para
como símiles a psicologia para pais e professores, a psicologia da pais e professores,
a psicologia da
criança, do aluno e da professora e a psicopedagogia. Especialmente
criança, do aluno e
em textos das décadas de 20, 30, 40 e 50 do século XX, é que aparecem da professora e a
tais denominações, referindo-se, de modo especial, à atuação prática psicopedagogia.
da psicologia educacional. (BARBOSA, 2011).

Observamos que, a partir da profissionalização, com a aprovação de lei que


regulamentou a profissão de psicólogos no Brasil (Lei n. 4.119 de 27 de agosto
de 1962), usam-se mais termos relacionados à psicologia aplicada, assim como
se perpetuam as terminologias ligadas ao campo de tratamento dos “anormais” e
inicia-se o uso da nomenclatura “psicologia escolar”, nos anos 1970 e 1980. Em
meados dos anos 1970, começam as práticas de psicólogos em unidades, como
prefeituras e centros de atendimento psicológico específico para atendimento
escolar (TAVERNA, 2003). Também, à época, é característica o crescimento
da “psicologia do escolar”, que mostrava como objeto de interesse o aprendiz
e cuja principal finalidade era compreendê-lo para contribuir com seu processo
educativo.

Mantém-se, ainda, a primazia do interesse na criança que “não aprende” no


contexto escolar e nos chamados “anormais” e “crianças-problema”, embora as
explicações sobre esse “não aprender” mudem de foco. Com finalidades liberais
e ajustatórias, a teoria da carência cultural, nascida nos Estados Unidos como
forma de explicação das diferenças individuais entre as minorias pobres, negras e
latinas no país, passa a ser amplamente divulgada em nosso país.

Como diz Yazlle (1997), a psicologia passa a minimizar os fatores biológicos


como explicação dos comportamentos “do escolar” e inicia-se um discurso
sobre os fatores ambientais e socioeconômicos como produtores de “déficits
comportamentais”. Para a autora: “caía-se, assim, no determinismo sociológico”.

E foi apenas a partir da crítica a esse tipo de pensamento que foi possível
construir outro conhecimento e outra prática que pudessem tirar o foco da
“criança-problema”, que “não aprende”, e das finalidades de trabalho junto aos
“problemas de aprendizagem” com objetivos ajustatórios ou discriminatórios,
47
Subjetividade, Cultura e Complexidade

para, finalmente, pensar-se nos processos educacionais de um modo mais amplo.


Essa crítica principia em meados e final da década 70 do século XX.

Nos anos 1980, muitos teóricos passam a criticar o foco


na criança, no educando, no olhar que enfatizava o
desenvolvimento individual e a utilização de instrumental
psicométrico, psicanalítico ou a teoria da carência cultural.
A partir da tese de Maria Helena Souza Patto intitulada
“Psicologia e Ideologia, reflexões sobre a Psicologia Escolar”
de 1981 nota-se uma mudança provocada pela crítica da
autora ao pensamento tradicional que até então era dominante
no âmbito da Psicologia Educacional e Escolar no país. Muitos
pesquisadores (Cruces, 2003; Meira & Antunes, 2003a, 2003b;
Silva, 2002; Souza, 2008; Waeny & Azevedo, 2009; Yazlle,
1990, entre outros) acreditam que essa publicação foi um divisor
de águas para a Psicologia Educacional e Escolar no país,
dada a sua crítica ter levado a pensar em outros rumos para a
área. A partir da crítica empreendida nessa obra e também em
outras posteriores, observa-se a mudança no que se refere ao
objeto de interesse, às proposições das finalidades e também
aos métodos e técnicas de atuação nesse contexto. Cresce a
utilização da nomenclatura Psicologia Escolar com vista a se
diferenciar da Psicologia Educacional agora entendida como
tradicional e representante de todo o pensamento anterior de
cunho ajustatório, adaptacionista, discriminatório e que ora
assumiu feições biologicistas, medicalizantes, ora defendeu
teorias como aquelas oriundas do pensamento higienista e da
carência cultural. (BARBOSA; SOUZA, 2012, p. 171).

A chamada psicologia escolar, atualmente denominada por alguns autores


como psicologia escolar crítica, tem como prerrogativa outras bases de
sustentação teórica e metodológica e se caracteriza por propor um olhar para o
processo de escolarização e para o contexto sócio-político-cultural em que estão
inseridos os processos educativos.

Nessa visão, tem-se como objeto de interesse a investigação e a intervenção


nos contextos educacionais e processos de escolarização. Compreende-se que
o “não aprender” está relacionado a toda uma produção do fracasso escolar,
cujas origens se referem a uma multiplicidade de fatores intervenientes, incluindo
as políticas públicas educacionais, a formação docente, o material didático, a
organização do espaço escolar, entre outros.

Muitas vezes, segundo Barbosa e Souza (2012), esse “não aprender” é


materializado/corporificado sob a forma de uma queixa escolar sobre aquele
indivíduo “que não aprende”. Essa queixa chega ao psicólogo que deve, a partir de
então, atuar de forma diferente da anterior, que tinha na investigação psicométrica
seu maior instrumental de trabalho. Nessa linha de pensamento, a função do
psicólogo escolar é, de modo crítico, buscar as origens e raízes do processo de
escolarização, compreender suas diferentes facetas, incluir em seu trabalho uma

48
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

atuação junto ao aprendiz, aos docentes, à família, à escola, à educação como


um todo e à sociedade em que está inserida.

Segundo Barbosa e Souza (2012), para os autores contemporâneos, o


trabalho do psicólogo nesse campo é ter como principal tarefa buscar otimizar
situações que envolvam os processos de escolarização a partir de uma prática
com o coletivo e o individual concomitantemente. Como métodos e técnicas,
utilizam-se diferentes estratégicas que atendam às necessidades das instituições
escolares, dos educadores, dos educandos e da comunidade escolar como um
todo. O profissional pode atuar como profissional dentro da escola ou nos moldes
de trabalho externo (consultoria externa).

Por outro lado, mesmo que haja uma identificação com esse novo
pensamento, ainda encontramos trabalhos de psicologia educacional e Apesar de
encontrarmos muitos
escolar que expressam a influência do modelo clínico de atendimento,
relatos teóricos e
cujo foco é individualizante, sobre a “criança que não aprende”. Apesar práticos de cunho
de encontrarmos muitos relatos teóricos e práticos de cunho crítico, crítico, ainda
ainda se faz presente o pensamento tradicional. Um exemplo é o se faz presente
crescimento da chamada psicopedagogia que, em termos gerais, revive o pensamento
o movimento psicanalítico e clínico-médico de atenção à criança no tradicional.
contexto educacional e sua família. Também a onda medicalizante tem
possibilitado a entrada de diagnósticos médicos para explicações de fenômenos
no campo educacional, retomando a visão biologicista. (COLLARES; MOYSÉS,
1994).

A partir dos anos 2000, de acordo com Barbosa e Souza (2012), A medicalização
cresceram vertiginosamente os trabalhos de atendimento clínico e patologização
às crianças, assim como o encaminhamento para diagnosticá- têm sido cada vez
mais frequentes
las e medicá-las a partir de “supostos” transtornos neurológicos. A
no discurso
medicalização e patologização têm sido cada vez mais frequentes no educacional.
discurso educacional.

Em conclusão, para Barbosa e Souza (2012), é possível afirmar que, ao longo


do tempo, foram muitos os objetos de estudo, finalidades, métodos e técnicas de
investigação e intervenção no campo do conhecimento da psicologia educacional
e escolar. Essas modificações ocorreram, também, devido à mudança acerca da
visão de homem, de mundo, de educação, de escola e de sociedade.

Não há uma conclusão, definição ou respostas certas para as perguntas


levantadas ao longo deste capítulo, pois, como estudamos com Barbosa e
Souza (2012), a psicologia educacional e escolar persiste, mas tem tido nova
configuração, pois está cada vez mais claro que a denominação, assim como
as definições do modo de construção do conhecimento (teoria) e intervenção
(prática), seguirão os pressupostos subjacentes à escolha de cada profissional no
49
Subjetividade, Cultura e Complexidade

que se refere às suas bases de pensamento críticas ou tradicionais.

Contudo, para Barbosa e Souza (2012), é preciso tomar cuidado com essa
polarização pura e simples, já que, a nosso ver, é importante que possamos
não esquecer a contribuição histórica de certas teorias e práticas que deram
sustentação inicial e contribuíram para erigir esse campo de conhecimento. Em
outras palavras, exige-se um “dialetizar” dessas dicotomizações, de modo a
melhor compreendê-las.

E, em resumo, o quadro a seguir apresenta as fases da psicologia escolar e


educacional no Brasil. Veja:

50
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

Quadro 2 – Fases da psicologia escolar e educacional no Brasil

PERÍODOS CARACTERÍSTICAS
Fase essencialmente ligada às escolas normais. O ensino normal brasilei-
ro foi o primeiro foco de irradiação de concepções, pesquisas e aplicações
práticas do que hoje denominamos psicologia escolar e/ou psicologia edu-
cacional. Através dos professores da área, abriu-se o contato com as fon-
tes europeias e americanas. Esta fase, denominada normalista, ofereceu
Primórdios: de
grande evolução ao estudo, padronização, aplicação e aperfeiçoamento
1830 a 1940
dos testes psicológicos destinados aos escolares. Na prática normalista o
que mais se assemelha à efetiva psicologia escolar no Brasil é a atividade
desenvolvida por serviços especializados para o atendimento de escola-
res, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em 1938, foi realizado o primeiro
congresso de psicologia do país, em São Paulo.

Anterior à criação dos cursos de psicologia no país. Este início no Brasil foi
marcado por dois tipos de influência: a) professores provenientes da área
de pedagogia: na falta de psicólogos formados, pedagogos assumiam as
disciplinas de psicologia escolar e problemas de aprendizagem, bem como
os estágios nesta área. Em geral, eram docentes cujos interesses esta-
Fase universitá-
vam mais ligados às funções do orientador educacional, não diferenciando
ria do ensino da
entre as atividades destes e as que deveriam ser desenvolvidas por um
psicologia: de 1940
psicólogo escolar; b) professores estrangeiros ou brasileiros que fizeram
a 1962
sua pós-graduação no exterior: Nessa época as práticas ora se limitavam
às observações de comportamento com algumas intervenções ora se con-
vertiam em orientação educacional ou vocacional, utilizando-se dos pou-
cos testes psicológicos existentes, traduzidos para o português, ou, ainda,
sustentados no modelo clínico.

Década de 80: A psicologia escolar dá um salto de qualidade ao abandonar


o enfoque clínico em favor do modelo pedagógico. Re-dirige a atenção
do indivíduo, sua doença e dificuldades dentro da escola para uma con-
cepção mais preventiva e voltada à saúde psicológica. Inicia-se o olhar
Introdução da
sistêmico, que inclui uma visão cultural e histórica da escola e dos fenô-
psicologia escolar
menos educativos. O aluno, anteriormente considerado um indivíduo com
no currículo de
problemas, passa a ser considerado um indivíduo em processo de desen-
graduação em
volvimento cognitivo, afetivo e social. Década de 90: Em 1990, é criada
psicologia: de 1962
a ABRAPEE (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional)
até os dias atuais
com a finalidade de buscar o reconhecimento legal do psicólogo nas ins-
tituições de ensino, estimular e divulgar pesquisas nesta área, reciclar e
atualizar os psicólogos e incentivar a melhoria dos serviços prestados por
estes profissionais.
Fonte: Cassins et al. (2007, p. 20-21).

51
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Objetivos da Psicologia Escolar/Educacional

O trabalho do psicólogo escolar/educacional tem como diretriz


o desenvolvimento do viver em cidadania. Busca instrumentos para
apoiar o progresso acadêmico adequado do aluno, respeitando
diferenças individuais. É pautado na promoção da saúde da
comunidade escolar a partir de trabalhos preventivos que visem a
um processo de transformação pessoal e social. Para tanto, baseia-
se nos conhecimentos referentes aos estágios de desenvolvimento
humano, estilos de aprendizagem, aptidões e interesses individuais e
a conscientização de papéis sociais.

Finalidades da Psicologia Escolar

A escola é o espaço, por excelência, para propiciar o


desenvolvimento integral do ser humano através de propostas
concretas e eficazes de intervenção que resultem em impacto social.

Alguns de seus propósitos:

• Incentivar os educadores (incluídos os próprios psicólogos)


para tomada de posições políticas em relação aos problemas sociais
que afligem a todos;
• Estimular a escolha deliberada e conscientemente assumida
de uma atuação profissional sustentada por teorias psicológicas,
cuja visão contemple o homem em suas múltiplas determinações e
relações histórico-sociais;
• Assessorar a escola no desenvolvimento de uma concepção
de educação, na compreensão e amplitude de seu papel, em seus
limites e possibilidades, utilizando os conhecimentos da psicologia;
• Desenvolver uma concepção de psicologia voltada ao
compromisso social;
• Propor uma concepção do fracasso escolar não como um
processo individual;
• Mediar os processos de reflexão sobre as ações educativas a
partir da atuação com os diversos profissionais da educação;
• Propor e apoiar a construção de novas alternativas sociais
para auxiliar na administração de possíveis deficiências escolares;
• Compreender e elucidar os processos de desenvolvimento
bio-psico-social dos envolvidos com a escola;
• Compreender e elucidar os processos diferenciados de
desenvolvimento da aprendizagem (aprender a aprender) de cada
52
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

aluno e de cada professor;


• Compreender e clarificar a construção da subjetividade
(construção do eu) em cada ambiente educacional;
• Assessorar a escola na busca da humanização do sujeito,
através do encontro da cognição com a motricidade, os afetos e as
emoções na educação;
• Cultivar o enfoque preventivo: trabalhar as relações
interpessoais na escola, visando à reflexão e à conscientização de
funções, papéis e responsabilidades dos envolvidos;
• Buscar ser o mediador do processo reflexivo e não o
solucionador de problemas;
• Conscientizar o indivíduo da importância de sua participação
e responsabilidade nos grupos em que está inserido, como a família,
a escola, o trabalho e a sociedade.

Atividades:

• Assessorar a escola na construção do projeto político-


pedagógico;
• Apoiar a escola em seu trabalho de resgate do valor e da
autonomia do professor;
• Assessorar o professor na articulação entre a teoria de
aprendizagem adotada e a prática pedagógica;
• Trabalhar com políticas públicas;
• Conscientizar pais e professores sobre necessidades básicas
de crianças e adolescentes;
• Mobilizar a comunidade educacional em torno de propostas
de intervenção com utilização de recursos da comunidade;
• Pesquisar, desenvolver, aplicar e divulgar os conhecimentos
relacionados com psicologia escolar/educacional.

Onde Atua a Psicologia Escolar/Educacional

Os espaços e práticas da psicologia escolar/educacional


incluem, além das escolas, outras instituições com propostas
educacionais, tais como: clínicas especializadas; consultorias para
órgãos que necessitam de compreensão sobre os processos de
aprendizagem (Sebrae, Sesi, etc.); equipes de assessoria com
projetos para escolas, serviços públicos de saúde e educação;
trabalhos de extensão universitária e projetos de pesquisa em
empresas e ONGs, promovendo a educação permanente e a
educação no (e pelo) trabalho. O mais importante não é o local de
trabalho, e sim os pressupostos e finalidades do profissional da
educação.
53
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Os focos de intervenção são: a escola, os professores, os


funcionários, a comunidade e os alunos.

A partir de uma atuação em equipe multidisciplinar, o psicólogo


escolar é um mediador e, ao mesmo tempo, um interventor, que
oferece informações e alternativas para as diversas áreas e situações
que envolvem o dia a dia das escolas.

Nível Administrativo (A Escola como Administração)

• Apoio à elaboração do projeto político-pedagógico: interação


com equipe pedagógica, definição de concepções político-
pedagógicas e participação em processos decisórios;
• Elaboração de projetos em conjunto com toda a equipe
escolar;
• Realização de diagnóstico institucional: identificação de
particularidades de funcionamento de cada escola para posterior
planejamento e implementação de ações, que auxiliem na melhoria e
na otimização dos trabalhos pedagógicos e sociais;
• Colaboração em atividades organizacionais: participação em
processos de seleção de profissionais e intervenção situacional na
mediação de conflitos;
• Proposição de medidas que visem à melhoria da qualidade
acadêmica;
• Proposição de ações de desenvolvimento profissional para
professores e administração;
• Apoio às iniciativas de qualidade de vida no trabalho
(professores e funcionários);
• Elaboração, execução e avaliação de projetos que integrem
o projeto político-pedagógico de abrangência institucional (de longo
alcance) e projetos mais restritos, como: características da população
estudantil e direcionamento do trabalho com os pais.

Corpo Docente (Professores)

• Apoio na definição de objetivos educacionais, conteúdos,


métodos e material didático;
• Apoio à articulação entre teorias de aprendizagem e práticas
pedagógicas;
• Suporte prático ao resgate e reforço da autonomia do
professor;
• Promoção e/ou coordenação de atividades de desenvolvimento
profissional: treinamentos especializados, pesquisas, grupos
vivenciais, grupos de troca de experiência e valorização profissional;
54
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

• Orientação, intervenção e acompanhamento para dificuldades


individuais e/ou de grupo (acadêmicas e/ou comportamentais);
• Orientação, intervenção e acompanhamento para casos
especiais de inclusão;
• Trabalhos direcionados ao apoio de iniciativas de qualidade
de vida no trabalho: relações interpessoais, motivação, prevenção de
stress e Burnout;
• Participação e/ou coordenação de reuniões multidisciplinares
para discussão de casos (incluindo-se aqui profissionais externos
envolvidos com o aluno em questão).

Corpo Discente (Alunos)

• Elaboração, desenvolvimento e acompanhamento de


projetos de apoio à construção da identidade pessoal (autoestima,
socialização, disciplina, organização, entre outros) e participação
social (conscientização de papéis sociais e cidadania responsável);
• Identificação e encaminhamento de alunos para atendimentos
especializados ao se detectar necessidades específicas;
• Coordenação e/ou participação em reuniões para discussão
de casos de alunos em acompanhamento profissional externo
(fonoaudiólogos, psicólogos, psicopedagogos, etc.);
• Elaboração, em conjunto com a equipe pedagógica, de planos
de intervenção para alunos em risco;
• Acompanhamento e supervisão dos planos de intervenção
individual e/ou grupal;
• Elaboração, desenvolvimento e acompanhamento de projetos
de educação sexual;
• Elaboração, desenvolvimento e acompanhamento de projetos
de prevenção ao uso de drogas;
• Elaboração, desenvolvimento e acompanhamento de projetos
de prevenção à violência;
• Atendimento para situações de emergência psicológica, que
necessitem de intervenção imediata, para posterior encaminhamento.

Comunidade (Pais e Vizinhos da Escola)

• Orientações a pais e familiares;


• Palestras e atividades de esclarecimento, educação e
prevenção (rendimento acadêmico, desenvolvimento bio-psico-
social, limites, relacionamentos, momentos especiais na vida da
família, participação dos pais nos diversos momentos de vida de seus
filhos e na escola, prevenção ao abuso de substâncias químicas,
educação sexual, etc.);
55
Subjetividade, Cultura e Complexidade

• Participação em atividades que auxiliem a escola a cumprir


suas finalidades sociais, em especial, na busca do fortalecimento do
elo família-escola;
• Desenvolvimento de propostas/programas que promovam
habilidades sociais significativas (convivência com o outro - ser,
saber, conviver e relacionar);
• Apoio e promoção de atividades que estimulem a criatividade
e o desenvolvimento dos potenciais individuais e coletivos;
• Esclarecimento para a comunidade quanto ao papel da
escola, suas possibilidades e limites.

Fonte: Cassins et al. (2007, p. 21-33).

Um evento importante e com debate profundo sobre o tema foi


produzido pelo Conselho Regional Psicologia do Estado de Santa
Catarina (CRP-12) e chamado de: “A psicologia escolar/educacional:
possibilidades e desafios da atuação do(a) psicólogo(a)”, disponível
no seguinte endereço eletrônico: <https://goo.gl/fZyyNF>.

Atividade de Estudos:

1) A psicologia educacional e escolar, apesar de sua grande


importância, ainda enfrenta circunstâncias limitantes internas
e externas. A partir do que vimos neste capítulo, disserte sobre
quais são as limitações internas e externas da psicologia
educacional e escolar.
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56
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

Algumas ConsideraçÕes
Podemos até discutir a psicologia escolar e educacional de um modo mais
amplo ao considerar algumas propostas educacionais antigas. Por exemplo, para
Antunes (2008, p. 469), desde a Grécia antiga e tantas outras civilizações há uma
“[...] rica fonte de estudos, por sintetizar, em sua produção filosófica, a teoria do
conhecimento, as ideias psicológicas e as propostas sistemáticas de educação da
juventude e sua correspondente ação pedagógica”.

Por esse mesmo foco é possível estudar o pensamento


medieval, em que filosofia/teologia, educação/pedagogia e
ideias psicológicas permaneceram intimamente articuladas.
A modernidade trará uma complexidade que amplia muito o
espectro de análise dessas relações, proporcionando um
campo quase incomensurável de estudos, que estende para
a contemporaneidade suas determinações e nela se faz
presente. Em última análise, pode-se afirmar que a relação
entre psicologia e educação, sobretudo em suas mediações
com as teorias do conhecimento, é algo que acompanha a
própria história do pensamento humano e constitui-se como
complexo e extenso campo de estudo. (ANTUNES, 2008, p.
469).

O conceito de psicologia escolar/educacional abrange a


O conceito de
intersecção entre a psicologia na escola e a psicologia da educação. psicologia escolar/
Embora haja variações sobre as definições e as reais atribuições educacional abrange
entre psicologia escolar e educacional, atribui-se à primeira o status a intersecção entre
de aplicada (visando à atuação prática) e à segunda, o de acadêmica a psicologia na
(visando à pesquisa). escola e a psicologia
da educação.
Embora haja
Hoje, o objetivo da psicologia escolar/educacional é ser um variações sobre as
esteio para o desenvolvimento global do estudante. Através de definições e as reais
ações com diretores, professores, orientadores, pais e os próprios atribuições entre
alunos, o trabalho se dirige à prevenção. Avaliação, diagnóstico, psicologia escolar
acompanhamento e orientação psicológica são aplicados dentro de e educacional,
atribui-se à
um contexto institucional e não mais exclusivamente voltados ao
primeira o status de
aluno de forma individual. Para casos que requeiram, realizam-se aplicada (visando
encaminhamentos clínicos. à atuação prática)
e à segunda, o de
Ao psicólogo(a) escolar e educacional cabe integrar a teia de acadêmica (visando
relações e fazer parte da equipe multiprofissional, que envolve o à pesquisa).
processo ensino e aprendizagem, levando em conta o desenvolvimento global do
estudante e da comunidade educativa.

57
Subjetividade, Cultura e Complexidade

ReFerÊncias
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BARBOSA, D. R.; SOUZA, M. P. R. Psicologia educacional ou escolar? Eis a


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58
Capítulo 2 PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

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59
Subjetividade, Cultura e Complexidade

60
C APÍTULO 3
Psicologia Escolar e Educacional e
Fracasso Escolar

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Reconhecer as dificuldades e embates que ocorrem dentro da escola, tanto no


âmbito prático e real quanto no campo ideológico, seja nas relações pessoais,
seja institucionais.

 Entender os processos que levam ao fracasso escolar.

 Realizar crítica aos supostos “distúrbios de aprendizagem” e “problemas


escolares”.

 Refletir sobre a psicologia como profissão e as possibilidades de uma psicologia


escolar crítica, a partir de uma nova significação da psicologia escolar e
educacional.
Subjetividade, Cultura e Complexidade

62
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Capítulo 3 E FRACASSO ESCOLAR

ConteXtualiZação
Como vimos no capítulo anterior, a psicologia escolar da França e dos
Estados Unidos da América eram as grandes fontes de influência no mundo,
obviamente, a psicologia escolar e educacional brasileira não escapou delas.

Campos e Jucá (2006, p. 37) destacam:

[...] a psicologia escolar e educacional no Brasil se configurou


menos como ciência experimental, voltada para a pesquisa
básica, produção de conhecimentos, e mais como um campo
de aplicação na medicina e na educação. Estava voltada
para o trabalho técnico, para a implementação das teorias
desenvolvidas em países como os Estados Unidos e os da
Europa.
A psicologia
desenvolveu-se no
Cruces (2006, p. 20) afirma que “[...] a psicologia desenvolveu- Brasil principalmente
se no Brasil principalmente para atender problemas da educação, para atender
sobretudo a formação de professores [...]”, mas isso não resolveu os problemas da
problemas desta área específica de atuação em psicologia escolar. educação, sobretudo
a formação de
professores.

A produção do Fracasso Escolar


Segundo Barbosa e Marinho-Araújo (2010), no Brasil, foram criados
vários laboratórios de psicologia ligados às escolas normais, nos quais eram
desenvolvidas pesquisas junto aos alunos com necessidades educacionais
especiais e dificuldades de aprendizagem.

Cruces (2006) destaca que, no período de 1889 a 1930 (conhecido como


República Velha), era comum a utilização de instrumentos psicológicos na
medição e classificação dos indivíduos, tanto em instituições médicas quanto
educacionais, e estes instrumentos começaram a ser utilizados em grande escala,
seguindo os modelos franceses e norte-americanos.

Segundo Barbosa e Marinho-Araújo (2010), no início da psicologia escolar no


Brasil, evidenciou-se o caráter clínico e terapêutico das intervenções realizadas,
assim sendo, laboratórios de psicologia espalhados pelo Brasil produziram
diversas pesquisas com foco na verificação do desenvolvimento, aprendizagem e
maturidade para leitura e escrita por meio de testes.

[...] trabalhos, como os realizados pela Seção de Higiene


Mental Escolar, subordinada ao Departamento de Educação

63
Subjetividade, Cultura e Complexidade

do Estado de São Paulo, contemplaram o ensino de


deficientes mentais e a assistência às “crianças-problema”,
mantendo o interesse por temas relacionados às dificuldades
de aprendizagem. (BARBOSA; MARINHO-ARAÚJO, 2010, p.
394).

Porém, Barbosa e Marinho-Araújo (2010), além de destacar a predominância


desta concepção clínica e classificatória no tratamento dos problemas de
aprendizagem, também enfatizam outras concepções, que procuravam
compreender as relações do indivíduo com o seu contexto social.

Portanto, a principal característica da atuação em psicologia


escolar durante a primeira metade do século XX foi o
caráter remediativo com o qual se tratavam os problemas
de desenvolvimento e aprendizagem. Esse fato evidencia a
forte influência da medicina e a consolidação de uma atuação
clínica no trabalho do psicólogo escolar junto aos contextos
educacionais, nos quais se privilegiava o enfoque psicométrico
por meio da avaliação da prontidão escolar, da organização de
classes para alunos considerados especiais, dos diagnósticos
e dos encaminhamentos para serviços especializados.
(BARBOSA; MARINHO-ARAÚJO, 2010, p. 395).
A consolidação
a psicologia no Segundo Barbosa e Marinho-Araújo (2010), a consolidação da
cenário brasileiro
psicologia no cenário brasileiro ocorreu no período de 1960 a 1970,
ocorreu no período
de 1960 a 1970, por conta dos movimentos sociais em oposição ao regime político
por conta dos militar, que teve como consequência um processo de ressignificação da
movimentos sociais psicologia com a educação e com a sociedade.
em oposição ao
regime político Ainda de acordo com Barbosa e Marinho-Araújo (2010, p. 395):
militar, que teve
como consequência Os anos de 1970 também se caracterizaram, no âmbito da
um processo de educação, pela promulgação da lei n. 5.692/71, que ampliou
ressignificação da o sistema educacional e efetivou a expansão da escolaridade
psicologia com a obrigatória e gratuita, trazendo mudanças significativas
educação e com a no contexto escolar. O aumento no quantitativo de alunos
sociedade. advindos das mais diversas realidades socioculturais
ocasionou dificuldades de adaptação do sistema à nova
realidade, tanto em termos de infraestrutura das escolas
quanto em termos de concepções e metodologias de
aprendizagem adequadas ao novo panorama educacional.
Por conseguinte, observou-se um crescimento da demanda de
alunos com dificuldades de aprendizagem que extrapolavam o
entendimento e as intervenções pedagógicas dos docentes já
adaptadas ao antigo contexto.

Segundo Massimi (1990), a psicologia serviu ao sistema educacional,


pois graças ao seu repertório psicométrico e clínico, buscou tratar das queixas
escolares, e mais, com o peso de ser uma área científica, a psicologia continuava

64
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Capítulo 3 E FRACASSO ESCOLAR

respondendo à quantificação e à classificação dos indivíduos, em consonância


com a proposta positivista.

A prática das intervenções provocou, ao longo das duas


décadas seguintes, explicações para o fracasso escolar
baseadas nos resultados obtidos por meio de instrumentos
de medição da inteligência, atributos afetivos, motores e
outros que ora localizavam a problemática no indivíduo,
ora relacionavam as dificuldades escolares às condições
socioeconômicas e/ou ao ambiente familiar. (BARBOSA;
MARINHO-ARAÚJO, 2010, p. 395).

O que aconteceu foi: ao invés de a psicologia e a atuação dos psicólogos


servir para esclarecer as causas e tratar as dificuldades de aprendizagem, essas
intervenções trouxeram prejuízos ao desenvolvimento dos alunos, e, assim,
a psicologia contribuiu para a passividade dos agentes escolares,
silenciando-os no debate e dando voz ainda mais forte à medicina. A psicologia passou
a ser considerada
A psicologia passou a ser considerada como a detentora do como a detentora
saber capaz de lidar com o fracasso escolar, inclusive, solucionando do saber capaz de
lidar com o fracasso
problemas escolares, atuando na interação professor-aluno em sala de
escolar, inclusive,
aula, buscando meios para diversificação de estratégias de ensino, mas solucionando
errando ao não considerar de modo relevante os aspectos peculiares problemas escolares,
do contexto sociocultural e escolar dos alunos, o que faz com que a atuando na interação
justificativa do fracasso escolar seja uma culpabilização dos alunos, já professor-aluno
que, neste entendimento equivocado, a compreensão das dificuldades em sala de aula,
buscando meios
de aprendizagem estava ligada com um problema individual e não
para diversificação
social. de estratégias de
ensino.
Diante do exposto, constatamos que a relação da psicologia
com a educação aconteceu de forma assimétrica, pois aquela explicava os
fenômenos e ditava procedimentos de tratamento, contribuindo para processos
de categorização, segregação e marginalização do que é considerado “diferente”.
(MARINHO-ARAÚJO; ALMEIDA, 2005; NEVES, 2001; 2005).

A insatisfação dos psicólogos escolares com sua atuação no


final da década de 1970 provocou uma crise que se prolongou
pelas duas décadas seguintes. Esse período se caracterizou
pela produção de reflexões e pesquisas que evidenciavam
os entraves causados por concepções remediativas e
circunstanciais aplicadas ao processo educativo, além
de repercussões que originaram desestabilização e
insegurança na atuação em psicologia escolar, uma vez que
os procedimentos convencionais não mais respondiam com
eficácia às demandas do contexto. (BARBOSA; MARINHO-
ARAÚJO, 2010, p. 395).

65
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Barbosa e Marinho-Araújo (2010) afirmam que o avanço das discussões


sobre esta temática foi fundamental para que, no final dos anos de 1980 e início
da década de 1990, fosse criada a Associação Brasileira de Psicologia Escolar
e Educacional (ABRAPEE). Ela contribui, desde então, com a divulgação
de reflexões acerca da identidade do psicólogo escolar, dos conhecimentos
psicológicos que se aplicam à área e das possibilidades de atuação em espaços
educacionais.

Vale destacar, ainda, que a partir dos anos de 1990, a


Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Psicologia (ANPEPP) vem produzindo uma intensa discussão
acerca da atuação em psicologia escolar por meio do
Grupo de Trabalho (GT) de Psicologia Escolar: pesquisa,
formação e prática, que investiga e produz reflexões teóricas
e interventivas acerca da psicologia escolar. Uma análise
de publicações veiculadas por essas instituições, e ainda
de outros trabalhos, explicitou o incômodo com práticas
psicológicas discriminatórias e individualizantes no contexto
escolar (Almeida, 2002; Cruces, 2006; Kupfer, 2004; Patto,
1999; Senna & Almeida, 2005; Souza, 2004). Dessa forma,
tornava-se evidente a necessidade de rever concepções e
procedimentos, devendo ocorrer uma mudança na forma como
o psicólogo escolar atuava, então baseada em um modelo
clínico, que, segundo Souza (2004, p.35): “é o reflexo de uma
visão de mundo que explica a realidade a partir de estruturas
psíquicas e nega as influências e/ou determinações das
relações institucionais e sociais sobre o psiquismo, encobrindo
as arbitrariedades, os estereótipos e preconceitos de que
as crianças das classes populares são vítimas no processo
educacional e social”. (BARBOSA; MARINHO-ARAÚJO, 2010,
p. 396).

Barbosa e Marinho-Araújo (2010) consideram que a literatura produzida a


partir de 1990 embasou a atuação da psicologia escolar no século XX, mas já
estamos no século XXI e há uma real necessidade de ressignificação tanto da
psicologia escolar e educacional quanto de suas práticas. Portanto, foi a partir
do ano 2000 que ocorreram avanços na discussão teórica acerca da atuação do
psicólogo escolar.
Dentre os temas contemplados estão a atuação institucional, a
participação do psicólogo escolar na formação de professores
e na elaboração do projeto político pedagógico da escola
e experiências de estágios baseadas em metodologias
de pesquisa-ação, por exemplo. Tais trabalhos buscaram
uma articulação maior da psicologia com o contexto da
escola, demarcando novos focos de intervenção na área [...]
(BARBOSA; MARINHO-ARAÚJO, 2010, p. 396).

Contudo, mesmo com avanços, o psicólogo escolar e educacional ainda


se defronta com práticas avaliadoras e classificatórias em grande parte das
instituições educacionais onde atua. (CRUCES, 2006).

66
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Capítulo 3 E FRACASSO ESCOLAR

Rossi e Paixão (2006) desenvolveram uma pesquisa no Distrito


Contudo, mesmo
Federal com objetivo de verificar qual a representação social de com avanços, o
professores e psicólogos escolares acerca da atuação da psicologia psicólogo escolar e
na escola. Os resultados revelaram que, apesar da frequência maior educacional ainda
de psicólogos escolares em muitas escolas da rede pública, os se defronta com
professores ainda associavam a atuação psicológica a um trabalho práticas avaliadoras
e classificatórias
predominantemente clínico e individualizado. Já para os psicólogos
em grande parte
escolares, o trabalho relacionava-se mais a questões de prevenção e das instituições
de desenvolvimento do coletivo. educacionais onde
atua.
Outra investigação, realizada no Rio Grande do Norte acerca das demandas
do mercado para o psicólogo escolar, concluiu que, para professores e diretores,
a psicologia escolar está vinculada à resolução dos problemas apresentados
pelos alunos a partir de um atendimento individualizado. (CAMPOS; JUCÁ, 2006).

Acreditamos que a discrepância de opiniões acerca do papel da psicologia


escolar se deva ao percurso da psicologia desde seu surgimento até hoje. São
muitas as divergências externas e internas à própria área da psicologia escolar.
Diante dessa constatação, vale destacar algumas temáticas centrais que vêm
ajudando a delinear novas possibilidades de atuação, como as definições de
psicologia escolar e psicologia educacional, lócus de atuação do psicólogo escolar
e novas possibilidades de ação junto à escola.

ReFleXÕes em Psicologia Escolar na


Atualidade
Como assinalado na seção anterior, a psicologia escolar atravessa uma
fase de questionamento acerca da sua atuação, na qual convivem intervenções
divergentes. Algumas se coadunam com concepções predominantes na primeira
metade do século XX e outras, de forma inovadora, procuram
estabelecer novas ações para o psicólogo escolar junto ao contexto É preciso reconhecer
que a psicologia
educacional. (CAMPOS; JUCÁ, 2006; CRUCES, 2006).
convive, neste início
de um novo século,
É preciso reconhecer que a psicologia convive, neste início de com paradigmas
um novo século, com paradigmas diversos, inspirados por diferentes diversos, inspirados
concepções do real e com profundas discordâncias a respeito do por diferentes
estatuto do saber científico. Este é, em nosso entender, um dos muitos concepções do real
e com profundas
desafios que enfrenta o psicólogo, e mais especificamente o psicólogo
discordâncias a
que trabalha no campo da educação. (MALUF, 2001). respeito do estatuto
do saber científico.
Também Marinho-Araújo e Almeida (2005, p. 69) destacaram:

67
Subjetividade, Cultura e Complexidade

É momento da psicologia escolar intensificar reflexões na


busca de maior criticidade à sua formação e atuação, diante
de um cenário político-econômico que agudiza, ainda que
de forma cada vez mais sutil, o controle social e as graves
desigualdades que se configuram no panorama histórico atual.

Em consonância com essas afirmações, verificamos a necessidade de


refletirmos sobre algumas construções teórico-metodológicas atuais, sinalizadas
no final da seção anterior, acerca da definição da psicologia e seu trabalho na
interface com a educação e, ainda, sobre outros assuntos referentes ao locus de
atuação do psicólogo escolar e formas de intervenção no contexto educacional.

Uma primeira questão refere-se à divergência de entendimento sobre os


termos psicologia escolar e psicologia educacional. Para alguns estudiosos,
são áreas com especificidades distintas: uma relacionada à produção de
conhecimentos psicológicos que se direcionam à educação, e outra, à aplicação
dessas construções teóricas junto à comunidade escolar.

De acordo com Martínez (2006), a psicologia escolar é a expressão da


psicologia no âmbito educacional, com predominância da aplicação dos saberes
psicológicos no processo educativo e, ocasionalmente, com produção científica.

[...] consideramos a psicologia escolar como um campo


de atuação profissional do psicólogo (e eventualmente de
produção científica) caracterizado pela utilização da psicologia
no contexto escolar, com o objetivo de contribuir para otimizar
o processo educativo. (MARTÍNEZ, 2006, p. 107).

Nessa perspectiva, destacaram-se, por exemplo, os trabalhos de participação


do psicólogo escolar na elaboração e implantação da proposta pedagógica da
instituição escolar. No desenvolvimento dessa atividade, existe a aplicação de
várias funções específicas do profissional de psicologia, como, por exemplo, o
trabalho de assessoria psicológica para planejamento, intervenção e avaliação do
projeto político-pedagógico. (MARTÍNEZ, 2006).

Outras reflexões relacionaram a atuação do psicólogo escolar ao


desenvolvimento da criatividade na escola, verificando como os conhecimentos
produzidos a partir da investigação psicológica podem contribuir para uma
prática educativa mais produtiva para a formação, nos alunos, das capacidades
e características necessárias para desempenho criativo em seus diferentes
contextos de atuação, presentes e futuros. (MARTÍNEZ, 2001).

68
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Capítulo 3 E FRACASSO ESCOLAR

Algumas construções teóricas discutem as consequências da


Algumas
separação da psicologia escolar e da psicologia educacional em duas construções
áreas profissionais distintas: uma de aplicação do saber psicológico à teóricas discutem
realidade e outra de produção teórica de conhecimentos psicológicos as consequências
aplicados à educação. Nesse sentido, Marinho-Araújo e Almeida da separação da
(2005, p. 18) comentam que: “[...] a distinção desses termos (psicologia psicologia escolar
e da psicologia
escolar e psicologia educacional) gera compreensões estanques tanto
educacional em duas
do exercício profissional do psicólogo na escola, quanto das inúmeras áreas profissionais
elaborações teóricas necessárias à prática profissional”. distintas: uma
de aplicação do
De acordo com tais considerações, o entrelaçamento da saber psicológico
psicologia escolar com a psicologia educacional, numa perspectiva à realidade e outra
de produção teórica
de produção e aplicação do conhecimento, coaduna-se com uma
de conhecimentos
proposta de imersão do psicólogo escolar pesquisador como membro psicológicos
efetivo no espaço educacional. Tal situação favorece a compreensão aplicados à
das influências sociais, econômicas, culturais e outras no espaço educação.
escolar e o entendimento acerca das relações interpessoais entre os
atores da escola, instigando o desenvolvimento de pesquisas e a construção de
intervenções adequadas à necessidade de cada instituição. (ALMEIDA, 2001;
2002).

Para assegurar o enfrentamento do desafio da construção dinâmica desse


perfil, defendemos que o profissional de psicologia precisa estar inserido na
instituição escolar como membro efetivo desse universo, e não mais como
“especialista” que presta eventuais consultorias quando emergem problemas
circunstanciais.

Assim, surgiram diversas possibilidades de intervenção que contemplaram


uma atuação institucional e relacional, baseada na participação do psicólogo
escolar no cotidiano da escola, para que ele pudesse compreender mais
adequadamente os valores e juízos que os atores da escola fazem acerca das
situações de sucesso e de fracasso no processo de ensino e aprendizagem e nas
interações socioafetivas.

Nessa perspectiva de inserção do psicólogo no contexto escolar, a atuação


contempla uma intervenção que permite conhecer substancialmente o contexto
educativo por meio da compreensão dos aspectos intersubjetivos presentes na
escola. Esse processo se torna possível por meio da escuta clínica e da realização
de um mapeamento institucional, que propiciam uma investigação aprofundada
dos documentos e diretrizes que orientam as práticas pedagógicas, a dinâmica de
trabalho do grupo de professores e demais funcionários, a gestão desenvolvida
pela direção da escola, a inter-relação de professores, alunos e pais, entre outros
aspectos. (MARINHO-ARAÚJO; ALMEIDA, 2005).

69
Subjetividade, Cultura e Complexidade

A partir da compreensão do contexto escolar, o psicólogo poderá fazer


intervenções em espaços coletivos existentes na escola, conselhos de classe,
coordenações de professores, reuniões bimestrais de pais e mestres, além de
criar outros espaços de discussão, como grupos de professores, nos quais seja
possível a reflexão sobre as práticas pedagógicas, estudos de caso e aspectos
intersubjetivos que permeiam o trabalho da instituição. (ALMEIDA, 2001;
ARAÚJO, 2003).

Ainda no âmbito da atuação psicológica no contexto escolar, destacamos


que o trabalho de intervenção nas situações de queixa escolar privilegiou a
comunicação com professores e pais. Elaborou-se um sistema de atendimento
denominado Procedimentos de Avaliação e Intervenção das Queixas Escolares
(PAIQUE), que propõe uma escuta e intervenção psicológica, em primeiro
lugar, para o sujeito que demandou a queixa, geralmente o professor, e, caso
necessário, outros passos que preveem o envolvimento dos pais e, na sequência,
do aluno. (NEVES, 2001).

O sistema PAIQUE, utilizado junto ao serviço de atendimento psicopedagógico


da Secretaria de Educação do Distrito Federal em 1999, alcançou um índice de
satisfação equivalente a 81,25% do total de professores participantes da nova
forma de intervenção nas queixas escolares. Constatou-se, também,
A psicologia que, na maioria dos casos, o atendimento psicológico às queixas
escolar passa escolares findava-se no primeiro nível de intervenção, isto é, no
a ser entendida atendimento ao professor. (NEVES; ALMEIDA, 2006).
numa perspectiva
relacional e
A psicologia escolar passa a ser entendida numa perspectiva
institucional, uma
vez que considera, relacional e institucional, uma vez que considera, para além
para além do do atendimento individualizado de alunos com dificuldades de
atendimento aprendizagem, a compreensão do funcionamento da instituição,
individualizado ponderando que a forma complexa de rede de interações no âmbito da
de alunos com instituição contribui ou não para a situação de queixa escolar. (ARAÚJO;
dificuldades de
ALMEIDA, 2006).
aprendizagem, a
compreensão do
funcionamento A atuação do psicólogo escolar, compreendida dessa forma, implica
da instituição, o desenvolvimento de sua identidade profissional a partir da mobilização
ponderando que a dos conhecimentos técnicos, características pessoais, experiências
forma complexa de profissionais e outros fatores presentes na constituição subjetiva. Assim,
rede de interações
faz-se necessário que o psicólogo escolar esteja comprometido com
no âmbito da
instituição contribui o desenvolvimento dos sujeitos, atores e autores do contexto escolar,
ou não para a podendo utilizar a abordagem de competências na mediação desse
situação de queixa desenvolvimento. A respeito da promoção do desenvolvimento de novas
escolar. habilidades e recursos que favoreçam a atuação do psicólogo escolar,
Araújo (2003, p. 72) observou:

70
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Capítulo 3 E FRACASSO ESCOLAR

Defende-se que a identidade profissional do psicólogo escolar


receba o suporte de uma capacitação continuada em serviço,
com o foco no desenvolvimento de competências específicas
que visem a uma atuação mais segura, sistematizada e
fundamentada na instituição escolar.

Convivem, entretanto, no cenário atual da psicologia escolar, concepções


divergentes no que se refere à atuação e ao lugar do psicólogo escolar no interior
da instituição educacional, como se posicionou Souza (2004, p.157):

Trata-se da discussão a respeito do locus do trabalho


psicológico no campo da educação.
[...]
Nessa perspectiva, o focus do trabalho seria a instituição
escolar e o locus centrava-se em uma atuação profissional
em que o psicólogo desempenharia o papel de assessor na
escola e não como psicólogo da escola onde trabalhasse,
subordinado à direção escolar.

De acordo com as proposições acima, o serviço de psicologia escolar


do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo vem desenvolvendo
intervenções em creches, na pré-escola e em turmas de séries iniciais com o
objetivo de combater o fracasso escolar, bem como trabalhando na criação e
manutenção de espaços terapêuticos para o desenvolvimento infantil, como o
“lugar de vida”. (MACHADO, 2004; SAYÃO; GUARIDO, 2004; KUPFER, 2004).

Destacamos, também, as produções científicas veiculadas na revista


semestral da ABRAPEE, intitulada “Psicologia Escolar e Educacional”, criada em
1996, e os boletins eletrônicos disponíveis a partir do ano de 2004.

Dentre os principais temas, encontram-se trabalhos ligados ao


desenvolvimento de aptidões, traços de personalidade, estudos de escalas
e validação de testes psicométricos. Outros artigos destacam as relações
que ocorrem no contexto educacional e suas implicações para o processo de
aprendizagem.

Também a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia


(ANPEPP), particularmente pelo empenho do Grupo de Trabalho Psicologia
Escolar/Educacional, constituído em 1994, tem promovido uma densa reflexão
acerca da interface da psicologia com a educação. O grupo é composto por
professores vinculados às universidades brasileiras que desenvolvem pesquisas
e estudos.

As investigações deste grupo de trabalho (GT) nutrem o debate articulado


da teoria com a realidade, que ocorre, principalmente, a cada dois anos por
ocasião de simpósios, gerando publicações dos temas apresentados. Os livros

71
Subjetividade, Cultura e Complexidade

reúnem concepções teórico-metodológicas diversas sobre a psicologia escolar/


educacional e abarcam um amplo espectro de trabalhos na área.

Os temas predominantes são a atuação e a formação de psicólogos,


correspondendo a mais da metade dos trabalhos publicados. Comparecem,
também, assuntos como o ensino especial/inclusão, história da psicologia escolar
e psicologia escolar em contextos educativos diversos.

Ainda a respeito das discussões veiculadas nas publicações da ANPEPP,


encontram-se, frequentemente, aquelas que tratam do compromisso do psicólogo
escolar com questões sociopolíticas. Guzzo (2005) comentou os aspectos
sociopolítico-econômicos que interferem no contexto escolar, como, por exemplo,
a relevância dada ao mercado em detrimento da pessoa, o que se torna, na
maioria das vezes, apenas um meio de multiplicação do capital. A esse respeito,
destacou: “A mercadoria se reveste de valor e a pessoa perde a importância -
passa a ser considerada somente na medida em que possui bens”. (GUZZO,
2006, p. 18).

Campos et al. (2005) defenderam a criação de espaços para a atuação do


psicólogo escolar nos sistemas de ensino público em consonância com outros
profissionais que se engajem num pleito pelo combate à violência dentro das
escolas, mantendo, assim, um compromisso com a discussão política educacional.

Outros trabalhos procuraram discutir o papel da psicologia escolar na interface


da inclusão e o cumprimento dos direitos humanos na escola, questionando
de que forma a atuação psicológica poderia contribuir com a investigação de
situações de sofrimento e segregação de pessoas portadoras de necessidade
especiais. (ANACHE, 2005; 2007).

Como se percebe, a trajetória da psicologia escolar, desde os seus


primórdios, ligados principalmente a uma concepção remediativa e
Passada a fase mais
intensa da crise, classificatória, passando por momentos de crise diante da atuação
novas opções de e pela busca por ressignificação da identidade do psicólogo escolar
atuação começam a mediante as demandas sociais, expressa a construção de uma
surgir e o papel do trama teórico-metodológica marcada por características culturais,
psicólogo escolar econômicas e políticas específicas de cada época. Esse fato demonstra
é compreendido
a necessidade de ressignificação histórica e periódica das proposições
de forma bastante
independente do defendidas e das ações empreendidas.
papel do psicólogo
clínico, isto é, Ao finalizar essa revisão de literatura, bem como as reflexões
uma identidade empreendidas acerca da relação da psicologia com a educação,
específica começa a verificamos que o contexto atual se configura como um novo momento da
ser consolidada.
psicologia escolar. Passada a fase mais intensa da crise, novas opções

72
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Capítulo 3 E FRACASSO ESCOLAR

de atuação começam a surgir e o papel do psicólogo escolar é compreendido de


forma bastante independente do papel do psicólogo clínico, isto é, uma identidade
específica começa a ser consolidada.

A busca pela ressignificação das concepções de intervenção e das práticas


do psicólogo escolar com vistas à realização de um serviço que procure trabalhar
não mais na remediação das dificuldades de aprendizagem, mas na reflexão,
contribuindo, assim, para a transformação do espaço escolar em local de
valorização do ser humano, responde a questionamentos e alenta os incômodos.
Entretanto, abre espaço a novos desafios e propõe a continuação da tessitura da
história da psicologia escolar.

PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL EM


BUSCA DE NOVAS PERSPECTIVAS

Apresentaremos a seguir a Conferência proferida pela


Dra. Marilene Proença Rebello de Souza, presidente atual da
ABRAPEE, durante as atividades científicas do VIII Congresso
Nacional de Psicologia Escolar e Educacional, em 2007, realizado
na Universidade Federal de São João Del Rei, intitulada Psicologia
Escolar e Educacional em busca de novas perspectivas.

A área de Psicologia Escolar e Educacional é uma das áreas


de pesquisa e de atuação profissional no campo da Psicologia
tradicionalmente presente na história dessa ciência no Brasil. Do
ponto de vista histórico, a Psicologia Escolar e a Educacional
permaneceram como campos distintos até muito recentemente: a
primeira como o campo da prática profissional e a segunda como
área de pesquisa em Psicologia. Essa dicotomia passou a ser
questionada por uma perspectiva crítica que considerava que teoria e
prática são elementos indissociáveis na constituição de uma ciência
dita humana.

As discussões advindas da década de 1980 passaram a repensar


a tarefa do psicólogo, defendendo a necessidade de mudança nos
referenciais teóricos na compreensão das questões escolares, com
vistas a promover o desenvolvimento de práticas pedagógicas de
melhor qualidade. Esse movimento de crítica fortaleceu-se no campo
da Psicologia Escolar e atualmente podemos considerar que temos,
no Brasil, um conjunto de trabalhos de intervenção e de pesquisa que:

73
Subjetividade, Cultura e Complexidade

a) rompe com a culpabilização das crianças, adolescentes e suas


famílias pelas dificuldades escolares; b) constrói novos instrumentos
de avaliação psicológica e de compreensão da queixa escolar; c)
articula importantes ações no campo da formação de professores e
de profissionais de saúde.

É possível afirmar que de fato se constitui uma corrente crítica no


campo da Psicologia Escolar, considerando-a como área de estudos
da Psicologia, de atuação e de formação do psicólogo que busca
compreender o fenômeno educacional como produto das relações
que se estabelecem no interior da escola. Escola essa atravessada
pelas políticas educacionais, pela história local de sua constituição
como instituição e como referência educacional e de aquisição de
conhecimento pelos sujeitos que a constituem e nela se constituem.

A Psicologia se amplia para sua dimensão educativa e passa a


se fazer presente nos mais diversos campos educacionais: na área
da Criança e do Adolescente, atuando com projetos de inclusão
social, planejamento de ações comunitárias e sociais, de ação junto
a jovens em liberdade assistida; em programas na área do idoso;
prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e DST/AIDS;
no campo de programas governamentais e não governamentais de
formação de educadores; nos órgãos de Controle Social, Fóruns
Estaduais e Nacional, dentre outros.

Mas essa ampliação no campo de atuação na direção da


Educação não poderá se fortalecer se juntamente com ela não
comparecerem as bases teóricas para a construção de uma prática
de fato informada, qualificada e crítica.

Precisamos estar sempre atentos para responder às finalidades


do trabalho que vimos desenvolvendo, discutindo e analisando por
que e para que realizar uma determinada intervenção ou ação,
sob pena de nos transformarmos em animadores ou educadores
sociais ou técnicos qualificados, perdendo as especificidades do
conhecimento psicológico a serviço da educação. Em seguida,
detalharemos as ideias apresentadas.

A psicologia como profissão

Iniciamos nossa fala destacando a importância da


regulamentação da profissão de psicólogo, realizada em 1962,
pela Lei n. 4119 de 27 de agosto. Esta regulamentação permitiu

74
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Capítulo 3 E FRACASSO ESCOLAR

a institucionalização da profissão, a instauração de cursos de


formação de psicólogos, dentre outros ganhos, mas também
influenciou fortemente no modelo de formação que passou a ser
instaurado nacionalmente. Este modelo foi fortemente centrado
no caráter clínico e de profissional liberal do psicólogo, tendo,
como centro da formação, disciplinas que enfatizam os conteúdos
relativos ao Psicodiagnóstico, às Psicoterapias e às Técnicas de
Exame Psicológico, priorizando o atendimento individual do cliente,
nos moldes do modelo médico de consultório (MELLO, 1978). Essa
formação hegemônica levou à atrofia de outras áreas de atuação
historicamente anteriores à própria prática clínica como as áreas das
organizações e de psicologia educacional/escolar. De 78 psicólogos,
no final da década de 1960, formados pela Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, chegamos até o
momento a aproximadamente 130.000 profissionais no Brasil.

Psicologia escolar: início da discussão


em busca de uma prática crítica

A Psicologia Escolar foi uma das primeiras áreas no Brasil


a esboçar uma crítica à formação profissional e ao modelo de
atuação psicológica em educação. O trabalho pioneiro de Maria
Helena Souza Patto, de 1981, intitulado Psicologia e Ideologia: uma
introdução crítica à Psicologia Escolar demonstrava esta análise ao
tecer as seguintes críticas: a) à concepção de ciência da Psicologia,
centrada no positivismo, na Psicometria e na Psicologia Diferencial;
b) às explicações a respeito das dificuldades de aprendizagem,
focadas na criança e na teoria da Carência Cultural; c) ao modelo
clínico, psicoterapêutico e reeducativo de atuação psicológica no
atendimento à queixa escolar.

Tais críticas tiveram repercussões importantes para a área de


Psicologia Escolar, destacando-se: a) a importância de pesquisarmos
os fenômenos educacionais a partir dos processos que acontecem
no interior da escola; b) a necessidade de encontrar modelos teórico-
metodológicos que superassem a noção unilateral de adaptação da
criança ao sistema escolar; c) o destaque para a necessidade de
autonomia do trabalho do psicólogo em relação ao corpo dirigente da
instituição escolar; d) a reconstituição da identidade do psicólogo no
campo da educação.

A discussão posta nos anos 1980 amplia-se nas décadas


posteriores e chegamos aos anos 2000 discutindo duas importantes

75
Subjetividade, Cultura e Complexidade

dimensões no campo da Psicologia Escolar e Educacional: a)


a necessidade da Psicologia buscar na Educação concepções
progressistas que contribuam para o entendimento do que é o
homem concreto (como produto das relações sociais — no nível da
sociedade mais ampla) (TANAMACHI, 2000); b) a necessidade de se
buscar no interior da Psicologia pressupostos teórico-metodológicos
que permitam analisar criticamente temas e teorias que possibilitem
compreender o encontro do sujeito humano com a educação
(MEIRA, 2000). As questões postas a partir da crítica à psicologia
adaptacionista possibilitaram, nos anos 1990, pesquisas sobre os
seguintes temas: a) fracasso escolar; b) identidade profissional; c)
escolarização do deficiente mental; d) formação profissional; e)
atuação profissional na educação em uma perspectiva crítica; f)
avaliação psicológica de problemas escolares; g) vida diária escolar,
dentre outros.

O aprofundamento das discussões no âmbito da Psicologia


Escolar e Educacional permitiu que a área produzisse estudos que
levaram à elaboração de elementos constitutivos de uma atuação/
formação em Psicologia Escolar em uma perspectiva crítica
(CHECCHIA; SOUZA, 2003), a saber: a) Compromisso político do
psicólogo com a luta por uma escola democrática e de qualidade
social; b) ruptura epistemológica com concepções adaptativas de
Psicologia na direção de uma Psicologia Crítica; c) construção de
uma práxis psicológica frente à queixa escolar. A seguir, detalharemos
cada um desses elementos.

No que se refere ao compromisso político do psicólogo com a


luta por uma escola democrática e de qualidade social, destaca-se
o resgate da função social da escola em uma perspectiva histórico-
crítica que remete à: a) formação do pensamento científico; b)
formação do cidadão crítico; c) ampliação da socialização e da
difusão de valores na direção da sociedade democrática.

Quanto à ruptura epistemológica com concepções adaptativas


de Psicologia na direção de uma Psicologia Crítica, houve um intenso
movimento na área pela busca de referenciais teórico-metodológicos
no campo da Psicologia da Educação que compreendam: a) os
fenômenos escolares como produtos do processo de escolarização,
constituídos pelas dimensões institucional, pedagógica e relacional;
b) o desenvolvimento humano e a aprendizagem como processos
inseparáveis, articulando as dimensões biológica, psicológica e
histórica dos indivíduos; c) a necessidade de construir instrumentos

76
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Capítulo 3 E FRACASSO ESCOLAR

psicológicos de aproximação e de conhecimento da realidade que


permitam compreender a complexidade dos fenômenos educativos;
d) a consideração da dimensão educativa no trabalho psicológico.

A construção de uma práxis psicológica frente à queixa escolar


deverá considerar como fundamentais: a) a demanda escolar/
educacional como ponto de partida de uma ação na escola/instituição
educativa que precisa ser compartilhada ; b) o trabalho participativo
com todos os setores do processo educativo; c) o fortalecimento do
trabalho do professor/educador; d) a análise coletiva dos diferentes
discursos presentes na escola/instituição educativa e nos processos
escolares/educacionais em busca do enfrentamento dos desafios
produzidos pela demanda escolar/educativa.

Em que dimensões se inserem as novas perspectivas


em psicologia escolar e educacional?

As novas perspectivas em Psicologia Escolar e Educacional


referem-se à: a) mudança nas perguntas advinda da ruptura
epistemológica, permitindo compreender a dimensão educativa do
trabalho do psicólogo; b) ampliação das áreas tradicionais de atuação
do psicólogo no campo da educação; c) construção de referentes
teóricos para uma prática psicológica que considere as dimensões
individuais, sociais e históricas do processo de escolarização.

Os avanços teórico-metodológicos da Psicologia Escolar e


Educacional trouxeram a possibilidade de construir um novo objeto
de estudo para a área, centrado no encontro do psicólogo com a
educação. Assim sendo, há várias propostas de modalidades de
intervenção/atuação profissional no campo educativo. Ressaltaremos
algumas delas. Algumas áreas de atuação são clássicas em
Psicologia Escolar e educacional, tais como as instituições escolares
e o ensino de psicologia.

Quanto a outras áreas, vamos denominá-las emergentes,


destacando-se: instituições educativas; educação inclusiva de
pessoas com deficiência; direitos da criança e do adolescente e
direitos humanos; educação e saúde.
No que se refere à atuação do psicólogo nas instituições
escolares, após as críticas dos anos 1990, tivemos uma retração
da contratação de profissionais no campo da educação. Ao fazer a
autocrítica sobre os modelos e práticas de atuação da Psicologia
no campo da educação, a Psicologia Escolar passou por momentos

77
Subjetividade, Cultura e Complexidade

de “crise”, deixando de atuar mais amplamente nos setores


educacionais, principalmente nos públicos. De maneira geral, esse
espaço tem sido ocupado pela Psicopedagogia, cuja prática tem
reeditado a concepção clínica de atendimento à chamada “criança
com dificuldades escolares”, atribuindo rótulos sofisticados de
transtornos de déficit de atenção e de hiperatividade, abrindo espaços
para a patologização/medicalização do processo de escolarização.
O desafio agora principal da Psicologia Escolar é o de superação
desse momento de crítica, considerando que já existem propostas
interessantes e críticas de intervenção no campo da educação e
estas propostas precisam se tornar mais visíveis entre os psicólogos
e socialmente.

O Ensino de Psicologia tem se constituído em um espaço


eminentemente de formação, de socialização do conhecimento
acumulado no campo da Psicologia, de reflexão sobre a constituição
da subjetividade humana. Ao adentrarmos ao campo do Ensino
da Psicologia, estamos possibilitando estudar a complexidade
da formação do ser humano, do que nos permite construir a
cultura, os valores, os sentimentos, os sentidos e os significados,
que nos permitem interpretar o mundo que está a nossa volta,
desnaturalizando o estabelecido, mostrando sua dimensão histórico-
social, analisando as relações de poder, de constituição das
instituições, incluindo a escola e as relações sociais que nela se
estabelecem. Quando se trata de Ensino de Psicologia, lato sensu,
estamos nos referindo também às Licenciaturas, aos cursos de
formação em Nível Superior em que a Psicologia se faz presente. O
trabalho do psicólogo no Ensino não é um trabalho de intervenção
psicológica, mas sim de problematizar e discutir questões que são, de
alguma maneira, referentes à Psicologia enquanto campo de atuação
e de conhecimento. No nível do Ensino Médio, temos um grande
desafio posto pela LDBEN (1996) que retirou a obrigatoriedade da
Psicologia neste nível de ensino.

Nas áreas emergentes, consideramos a educação inclusiva


da pessoa com deficiência. A educação inclusiva defende o direito
à escolarização para todos, incluindo crianças com necessidades
educativas especiais. Esta posição político-pedagógica presente
na Declaração de Salamanca (1994), documento internacional do
qual o Brasil é país signatário, traça diretrizes e linhas de ação para
que se possa atuar no campo da educação e da escolarização de
crianças e adolescentes. Trabalhar nesta direção é fundamental para

78
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Capítulo 3 E FRACASSO ESCOLAR

a Psicologia. Como incluir uma criança na escola? Quais os desafios


a serem enfrentados? São algumas das questões postas para nós.

No campo dos direitos da Criança e do Adolescente e dos


Direitos Humanos, consideramos que este se fortaleceu com o
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que possibilita a
garantia de direitos bem como regula a questão do jovem em conflito
com a lei e de medidas socioeducativas.

A aprovação do Plano Nacional de Educação para os Direitos


Humanos também contribuirá para fortalecer esta importante área de
atuação e formação do psicólogo. Precisamos ainda saber o que são
direitos sociais, individuais e como exigi-los para todos os segmentos
sociais. Trabalhos recentes de psicólogos em Ribeirão Preto, São
Paulo e Vitória, de atuação junto a conselhos tutelares, bem como de
atuação frente aos CEDECAS e demais órgãos de acompanhamento
do adolescente, têm demonstrado a importância da Psicologia levar
os seus conhecimentos. A atuação junto ao campo da Assistência
social e das medidas socioeducativas no campo do direito da
criança e do adolescente e de medidas de proteção à criança e ao
adolescente (SUAS) serão importantes espaços a serem construídos
e consolidados pelo psicólogo escolar. A atuação junto a instituições
que atuam no campo dos cuidados - casas abrigo, instituições para
idosos; pessoas com deficiências, sofrimento mental, dentre outras
- são bons exemplos de possibilidades de trabalho da Psicologia
Escolar.

Tratar a questão dos encaminhamentos escolares como


encaminhamentos da escola, buscando compreender como se
processa a escolarização, é ainda um importante desafio para
a Psicologia Escolar e Educacional. Será necessário, cada vez
mais, lutar pela importância de compreender a queixa escolar não
como mero reflexo de problemas emocionais, mas sim como fruto
das relações escolares e rever o processo diagnóstico e seus
instrumentos de avaliação, sob pena de darmos destinos que vão
constituindo um indivíduo que se distancia cada vez mais da sua
condição de ser humano e ser de direitos. Além disso, precisaremos
articular ações no plano da formação profissional com as Clínicas-
Escola para o atendimento de queixas escolares e articular ações
entre os psicólogos que atuam na área da educação com os que se
encontram na área da saúde, ampliando a compreensão do processo
de escolarização e sua importância na constituição dos indivíduos.

79
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Por fim, é importante ressaltar que precisamos trabalhar e


estar sempre atentos para responder às finalidades do trabalho
que vimos desenvolvendo, discutindo e analisando por que e para
que realizar uma determinada intervenção ou ação, sob pena de
nos transformarmos em animadores ou educadores sociais ou
técnicos qualificados, perdendo as especificidades do conhecimento
psicológico a serviço da educação.

O compromisso profissional do psicólogo com uma concepção


política emancipatória também implica uma ética profissional que
reside na indignação diante da humilhação e das práticas disciplinares
e pedagógicas que retiram do sujeito o seu status de ser humano.
Ao considerar a não naturalização das ações humanas, das práticas
sociais e pedagógicas, essa ética possibilita o aprofundamento da
crítica teórico-metodológica no campo do conhecimento da Psicologia.
As perspectivas de uma área profissional como a Psicologia Escolar
e Educacional estão, necessariamente, articuladas às respostas que
pudermos produzir aos desafios postos pelas demandas sociais e
institucionais. Por fim, consideramos importante a participação dos
psicólogos escolares e educacionais nos espaços organizativos e
políticos, bem como na construção de políticas públicas na área da
educação, tais como: associações de classe; fóruns de discussão;
conselhos de representantes e órgãos de controle social.

Assim, consideramos que o conhecimento psicológico no campo


da educação precisa ser constantemente construído, revisitado,
criticado, superado, visando dar respostas e interferir, o mais que
pudermos, nos rumos das dimensões de formação do sujeito
humano.

Disponível em: <https://goo.gl/oX09Y5>. Acesso em: 01 dez. 2016.

Portanto, o psicólogo escolar desenvolve, apoia e promove a utilização de


instrumental adequado para o melhor aproveitamento acadêmico do aluno, a fim
de que este se torne um cidadão que contribua produtivamente para a sociedade.

80
PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Capítulo 3 E FRACASSO ESCOLAR

Atividade de Estudos:

1) O psicólogo escolar desenvolve atividades direcionadas com


alunos, professores e funcionários, atuando em parceria
com a coordenação da escola, familiares e profissionais que
acompanham os alunos fora do ambiente escolar. A partir disso,
leia e analise as sentenças abaixo:

I – O psicólogo escolar atua a partir de uma visão sistêmica.


II – O psicólogo escolar atua de modo preventivo e como agente
de ajustes e mudanças.
III – O psicólogo escolar atua especificamente no desenvolvimento
cognitivo dos alunos.
IV – Uma das contribuições do psicólogo escolar é o
desenvolvimento humano e social de toda comunidade escolar.

Agora, assinale a alternativa correta:

(A) As sentenças I, II e III estão corretas.


(B) As sentenças II, III e IV estão corretas.
(C) As sentenças III e IV estão corretas.
(D) As sentenças I, II e IV estão corretas.

Algumas ConsideraçÕes
Neste capítulo, verificamos que a psicologia, ao se estabelecer como um
campo de conhecimento científico, por meio da área da psicologia educacional e
escolar, buscou enfrentar questões como a do fracasso escolar, em especial, os
problemas e as dificuldades de aprendizagem.

Porém, no início, o movimento que observamos foi o da redução de


problemas sociais a problemas individuais, ou seja, um processo de culpabilização
dos alunos, sem ao menos considerar elementos sociais, econômicos, culturais e
tantas outras possibilidades que podem provocar o fracasso escolar, e que nada
tem a ver com um problema interno do aluno, como transtornos, patologias, etc.,
mas com elementos externos.

Posteriormente, a psicologia educacional e escolar fez a crítica dessa


perspectiva, muito presa ao modelo médico, e, assim, buscou uma abordagem

81
Subjetividade, Cultura e Complexidade

biopsicossocial, o que levou para um novo sentido de atuação, que se apresenta


comprometido com o desenvolvimento dos indivíduos, em todo contexto escolar,
considerando fatores internos e externos aos alunos.

Portanto, para a psicologia educacional e escolar, o que antes era uma


concepção baseada no modelo médico, ou seja, uma concepção remediativa
e classificatória, agora é uma concepção que abarca as demandas sociais,
culturais, econômicas, políticas, etc., o que nos leva a afirmar que ocorreu uma
ressignificação da psicologia educacional e escolar. Assim sendo: Qual o papel
dos profissionais dessa área? Como o psicólogo escolar deve atuar?

Um ponto de partida para buscar essas respostas é entender que, mesmo que
ideias e práticas antigas ainda existam, não há mais possibilidade de admitir uma
atuação na remediação das dificuldades de aprendizagem, pois são fundamentais
uma reflexão e uma concepção política emancipatória, ética e crítica.

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PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Capítulo 3 E FRACASSO ESCOLAR

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84
C APÍTULO 4
Educação Especial e Educação
Inclusiva: Fundamentos e Debates

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Esclarecer o que é a educação especial na perspectiva da educação inclusiva,


consequentemente, saber quais são as legislações e documentos oficiais sobre
o tema.

 Identificar o público-alvo da educação especial dentro da perspectiva da


educação inclusiva e refletir sobre o atendimento educacional especializado.

 Refletir sobre os limites (internos e externos) da psicologia escolar e


educacional.

 Realizar uma crítica sobre a construção da subjetividade no contexto de ensino


e aprendizagem, considerando aspectos individuais (timidez) e coletivos
(imitação), entre outras questões do cotidiano escolar.
Subjetividade, Cultura e Complexidade

86
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Capítulo 4 FUNDAMENTOS E DEBATES

ConteXtualiZação
A política nacional de educação especial, na perspectiva da educação
inclusiva, tem como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para
promover respostas às necessidades educacionais especiais, garantindo, dessa
forma:

a) Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a


educação superior;

b) Atendimento educacional especializado com a continuidade da


escolarização nos níveis mais elevados de ensino;

c) Formação de professores para o atendimento educacional especializado


e demais profissionais da educação para a inclusão escolar, inclusive, com a
participação da família e comunidade;

d) Acessibilidade urbanística e arquitetônica, nos mobiliários e


equipamentos, nos transportes e na comunicação/informação, bem como uma
articulação interssetorial na implementação das políticas públicas.

O movimento mundial pela inclusão é uma ação política,


cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do
direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e
participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação
inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado
na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade
e diferença como valores indissociáveis, e que avança em
relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as
circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e
fora da escola.
Ao reconhecer que as dificuldades enfrentadas nos sistemas
de ensino evidenciam a necessidade de confrontar as
práticas discriminatórias e criar alternativas para superá-
las, a educação inclusiva assume espaço central no debate
acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola
na superação da lógica da exclusão. A partir dos referenciais
para a construção de sistemas educacionais inclusivos, a
organização de escolas e classes especiais passa a ser
repensada, implicando uma mudança estrutural e cultural da
escola para que todos os alunos tenham suas especificidades
atendidas.
Nesta perspectiva, o Ministério da Educação/Secretaria
de Educação Especial apresenta a Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,
que acompanha os avanços do conhecimento e das lutas
sociais, visando constituir políticas públicas promotoras de

87
Subjetividade, Cultura e Complexidade

uma educação de qualidade para todos os alunos. (BRASIL,


2008, p. 5).
O que se pretende
na educação
inclusiva é remover O que se pretende na educação inclusiva é remover barreiras,
barreiras, sejam elas sejam elas extrínsecas, sejam intrínsecas aos alunos, buscando
extrínsecas, sejam todas as formas de acessibilidade e de apoio de modo a assegurar e,
intrínsecas aos principalmente, garantir providências para efetivar ações para o acesso,
alunos, buscando
ingresso e permanência bem-sucedida na escola.
todas as formas
de acessibilidade
e de apoio de O Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004, traz a seguinte
modo a assegurar definição de acessibilidade:
e, principalmente,
garantir providências [...] condição para utilização, com segurança, total ou
para efetivar assistiva, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos,
ações para o das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos,
acesso, ingresso e sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa
permanência bem- com deficiência ou mobilidade reduzida. (BRASIL, 2004).
sucedida na escola.
Segundo o decreto (BRASIL, 2004), essas barreiras são
classificadas da seguinte forma:

a) Barreiras urbanísticas: as existentes nas vias públicas e nos espaços de


uso público;

b) Barreiras nas edificações: as existentes no entorno e interior das


edificações de uso público e coletivo e no entorno e nas áreas internas de uso
comum nas edificações de uso privado multifamiliar;

c) Barreiras nos transportes: as existentes nos serviços de transportes;

d) Barreiras nas comunicações e informações: qualquer entrave ou


obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de
mensagens por intermédio dos dispositivos, meios ou sistemas de comunicação,
sejam ou não de massa, bem como aqueles que dificultem ou impossibilitem o
acesso à informação.

Portanto, barreiras são qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o


acesso, a liberdade de movimento, a circulação com segurança e a possibilidade
de as pessoas se comunicarem ou terem acesso à informação. E mais, até na
interação com o mundo.

Então, quais são as barreiras que você enfrenta no seu dia a dia? E ainda
mais relevante: Quais são as barreiras que você impõe aos outros?

88
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Capítulo 4 FUNDAMENTOS E DEBATES

A seguir, vamos estudar sobre tecnologia assistiva, que proporcionará


condições de superação das barreiras destacadas.

Tecnologia Assistiva
Tecnologia assistiva é um termo ainda novo, utilizado para identificar todo
o arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar
habilidades funcionais das pessoas com deficiência e, consequentemente,
promover vida independente e inclusão.

Tecnologia assistiva é uma área do conhecimento, de


característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos,
metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam
promover a funcionalidade, relacionada à atividade e
participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou
mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência,
qualidade de vida e inclusão social. (BRASIL, 2009).

Os recursos são todo e qualquer item, equipamento ou parte dele, produto


ou sistema fabricado em série ou sob medida utilizado para aumentar, manter ou
melhorar as capacidades funcionais das pessoas com deficiência. Os serviços são
definidos como aqueles que auxiliam diretamente uma pessoa com deficiência a
selecionar, comprar ou usar os referidos recursos.

RECURSOS

Podem variar de uma simples bengala a um complexo sistema


computadorizado. Estão incluídos brinquedos e roupas adaptadas, computadores,
softwares e hardwares especiais, que contemplam questões de acessibilidade,
dispositivos para adequação da postura sentada, recursos para mobilidade manual
e elétrica, equipamentos de comunicação alternativa, chaves e acionadores
especiais, aparelhos de escuta assistida, auxílios visuais, materiais protéticos e
milhares de outros itens confeccionados ou disponíveis comercialmente.

SERVIÇOS

São aqueles prestados profissionalmente à pessoa com deficiência, visando


selecionar, obter ou usar um instrumento de tecnologia assistiva, como, por
exemplo, avaliações, experimentação e treinamento de novos equipamentos.
Os serviços de tecnologia assistiva são normalmente transdisciplinares,
envolvendo profissionais de diversas áreas, tais como: a) fisioterapia; b) terapia
ocupacional; c) fonoaudiologia; d) educação; e) psicologia; f) enfermagem; g)
medicina; h) engenharia; i) arquitetura; j) design.

89
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Os objetivos da
tecnologia assistiva Os objetivos da tecnologia assistiva são proporcionar à pessoa com
são proporcionar deficiência maior independência, qualidade de vida e inclusão social,
à pessoa com por meio da ampliação de sua comunicação, mobilidade, controle de
deficiência maior seu ambiente, habilidades de seu aprendizado, trabalho e integração
independência, com a família, amigos e sociedade.
qualidade de
vida e inclusão
social, por meio CATEGORIAS
da ampliação de
sua comunicação, A importância das classificações no âmbito da tecnologia assistiva
mobilidade, controle se dá pela promoção da organização desta área do conhecimento para
de seu ambiente, estudo, pesquisa, desenvolvimento, promoção de políticas públicas,
habilidades de
organização de serviços, catalogação e formação do banco de dados
seu aprendizado,
trabalho e para identificação dos recursos mais apropriados ao atendimento de
integração com a uma necessidade funcional do usuário final.
família, amigos e
sociedade. ATUAÇÃO

A tecnologia assistiva visa melhorar a funcionalidade das pessoas com


deficiência. O termo funcionalidade deve ser entendido num sentido maior do que
a habilidade em realizar uma tarefa de interesse.

COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA

A área da tecnologia assistiva que se destina especificamente à ampliação


de habilidades de comunicação é denominada de comunicação alternativa (CA).
A comunicação alternativa destina-se às pessoas sem fala, sem escrita funcional
ou em defasagem entre sua necessidade comunicativa e sua habilidade de falar
e/ou escrever.

SISTEMA DE SÍMBOLOS GRÁFICOS

Para a confecção dos recursos de comunicação alternativa, como, por


exemplo, cartões de comunicação e pranchas de comunicação, são utilizados
os sistemas de símbolos gráficos, que são uma coleção de imagens gráficas, os
quais apresentam características comuns entre si e foram criados para responder
a diferentes exigências ou necessidades dos usuários. Existem diferentes
sistemas simbólicos, porém os mais importantes são: PCS, Blissymbols, Rebus,
PIC e Picsyms.

90
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Capítulo 4 FUNDAMENTOS E DEBATES

Atendimento Educacional
EspecialiZado (AEE)
O atendimento
O atendimento educacional especializado (AEE) é um serviço educacional
da educação especial que identifica, elabora e organiza recursos especializado
pedagógicos e de acessibilidade os quais eliminam as barreiras para (AEE) é um serviço
a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades da educação
especial que
específicas. (BRASIL, 2008).
identifica, elabora e
organiza recursos
O ensino oferecido no atendimento educacional especializado é pedagógicos e de
necessariamente diferente do ensino escolar e não pode caracterizar- acessibilidade os
se como um espaço de reforço escolar ou complementação das quais eliminam as
atividades escolares. barreiras para a
plena participação
dos alunos,
São exemplos práticos de atendimento educacional especializado considerando suas
o ensino da língua brasileira de sinais (LIBRAS) e do código BRAILLE. necessidades
específicas.
SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS - SRMF

São espaços físicos localizados nas escolas públicas onde se realiza o


atendimento educacional especializado - AEE.

As salas de recursos multifuncionais (SRMF) possuem mobiliário, materiais


didáticos e pedagógicos, recursos de acessibilidade e equipamentos específicos
para os alunos que são o público-alvo da educação especial e que necessitam do
atendimento educacional especializado (AEE) no contra turno escolar.
A organização e
a administração
A organização e a administração desse espaço são de desse espaço são
responsabilidade da gestão escolar e do professor que atua no serviço de responsabilidade
educacional especializado. Esse professor deve ter formação para o da gestão escolar
exercício do magistério de nível básico e conhecimentos específicos e do professor que
atua no serviço
de educação especial, adquiridos em cursos de aperfeiçoamento e/ou
educacional
especialização. especializado.

A TECNOLOGIA ASSISTIVA E SUA RELAÇÃO COM A SALA DE


RECURSOS MULTIFUNCIONAIS (SRMF)

A tecnologia assistiva é um recurso ou uma estratégia utilizada para ampliar


ou possibilitar a execução de uma atividade necessária e pretendida por uma
pessoa com deficiência. Na perspectiva da educação inclusiva, a tecnologia
assistiva é voltada a favorecer a participação do aluno com deficiência nas
diversas atividades do cotidiano escolar, vinculadas aos objetivos educacionais
comuns.
91
Subjetividade, Cultura e Complexidade

São exemplos de tecnologia assistiva na escola os materiais escolares e


pedagógicos acessíveis, a comunicação alternativa, os recursos de acessibilidade
ao computador, os recursos para mobilidade, localização e sinalização, o
mobiliário que atenda às necessidades posturais, entre outros.

A ORGANIZAÇÃO DO SERVIÇO DE TECNOLOGIA ASSISTIVA NA


PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

No atendimento educacional especializado, o professor fará, junto ao aluno,


a identificação das barreiras que ele enfrenta no contexto educacional comum
e que o impedem ou limitam de participar dos desafios da aprendizagem na
escola. Identificando esses "problemas" e, também, identificando as "habilidades
do aluno", o professor pesquisará e implementará recursos ou estratégias que
o auxiliarão, promovendo ou ampliando suas possibilidades de participação e
atuação nas atividades, nas relações, na comunicação e nos espaços da escola.

A sala de recursos A sala de recursos multifuncionais será o local apropriado para o


multifuncionais será
aluno aprender a utilizar as ferramentas de tecnologia assistiva, tendo
o local apropriado
para o aluno em vista o desenvolvimento da autonomia. Não se deve manter o
aprender a utilizar recurso de tecnologia assistiva exclusivamente na sala multifuncional,
as ferramentas de para que somente ali o aluno possa utilizá-lo. A tecnologia assistiva
tecnologia assistiva, encontra sentido quando segue com o aluno no contexto escolar
tendo em vista o comum, apoiando a sua escolarização.
desenvolvimento da
autonomia.
Portanto, o trabalho na sala de recursos multifuncionais é destinado
para avaliar a melhor alternativa de tecnologia assistiva, produzir material para o
aluno e encaminhá-lo para ser utilizado na escola comum, junto com a família e
nos demais espaços que o estudante frequenta.

São focos importantes do trabalho da tecnologia assistiva na perspectiva da


educação inclusiva:

• A tecnologia assistiva numa proposição de educação para autonomia;


• A tecnologia assistiva como conhecimento aplicado para resolução de
problemas funcionais enfrentados pelos alunos;
• A tecnologia assistiva promovendo a ruptura de barreiras que impedem ou
limitam a participação dos alunos nos desafios educacionais.

92
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Capítulo 4 FUNDAMENTOS E DEBATES

ClassiFicação Internacional de
Funcionalidade (CIF)
Caro(a) pós-graduando(a), a Classificação Internacional de Funcionalidade
(CIF) é uma publicação fundamental para problematizar todas as questões
tratadas nesta disciplina, pois amplia o entendimento sobre o indivíduo para
um campo biopsicossocial, ou seja, entende a formação do indivíduo dentro da
complexidade biológica, subjetiva e social, considerando aspectos econômicos,
culturais e tudo que pode influenciar na formação e na vida deste, buscando,
assim, uma análise mais profunda para o enfrentamento dos problemas.

VISÃO GERAL DOS COMPONENTES DA CIF


O modelo de
Segundo a CIF, o modelo de intervenção para a funcionalidade intervenção para a
deve ser biopsicossocial e diz respeito à avaliação e intervenção em: funcionalidade deve
ser biopsicossocial.
• Funções e estruturas do corpo e deficiências;
• Atividades e participação - limitações de atividades e restrições de
participação;
• Fatores contextuais - ambientais e pessoais.

A seguir, trataremos de cada um desses três pontos.

• Funções e estruturas do corpo e deficiências

Definições: Funções do corpo são as funções fisiológicas dos sistemas


orgânicos (incluindo as funções psicológicas). Estruturas do corpo são as
partes anatômicas do corpo, tais como: órgãos, membros e seus componentes.
Deficiências são problemas nas funções ou na estrutura do corpo, como um
desvio importante ou uma perda.

• Atividades e participações/limitações de atividades e restrições de


participação

Definições: Atividade é a execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo.


Participação é o envolvimento numa situação da vida. Limitações de atividades
são dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades.
Restrições de participação são problemas que um indivíduo pode experimentar no
envolvimento em situações reais da vida.

Fatores contextuais: Representam o histórico completo da vida e do estilo

93
Subjetividade, Cultura e Complexidade

de vida de um indivíduo. Eles incluem dois fatores - ambientais e pessoais - que


podem ter efeito num indivíduo com uma determinada condição de saúde e sobre
a saúde e os estados relacionados com a saúde do indivíduo.

Fatores ambientais: Constituem o ambiente físico, social e atitudinal no qual


as pessoas vivem e conduzem sua vida. Esses fatores são externos aos indivíduos
e podem ter uma influência positiva ou negativa sobre o seu desempenho como
membros da sociedade, sobre a capacidade do indivíduo para executar ações ou
tarefas, ou sobre a função ou estrutura do corpo do indivíduo.

Fatores pessoais: São o histórico particular da vida e do estilo de vida de um


indivíduo e englobam todas as características. Essas características podem incluir
sexo, raça, idade, outros estados de saúde, condição física, estilo de vida, hábitos,
educação recebida, diferentes maneiras de enfrentar problemas, antecedentes
sociais, nível de instrução, profissão, experiência passada e presente (eventos na
vida passada e na atual), padrão geral de comportamento, caráter, características
psicológicas individuais e outras características, todas ou algumas das quais
podem desempenhar um papel na incapacidade em qualquer nível.

Para compreender e explicar a funcionalidade foram propostos dois modelos


conceituais. Veja:

Modelo médico: Considera a incapacidade como um problema da pessoa,


causado diretamente pela doença, trauma ou outro problema de saúde, que
requer assistência médica sob a forma de tratamento individual por profissionais.

Os cuidados em relação à incapacidade têm por objetivo a cura ou a


adaptação do indivíduo e a mudança de comportamento. A assistência médica é
considerada como a questão principal e, em nível político, a principal resposta é a
modificação ou reforma da política de saúde.

Modelo social: O modelo social de incapacidade, por sua vez, considera


a questão principalmente como um problema criado pela sociedade e, de forma
básica, como uma questão de integração plena do indivíduo na sociedade.

A incapacidade não é um atributo de um indivíduo, mas sim um conjunto


complexo de condições, muitas das quais criadas pelo ambiente social. Assim,
a solução do problema requer uma ação social e é de responsabilidade coletiva
da sociedade fazer as modificações ambientais necessárias para a participação
plena das pessoas com incapacidades em todas as áreas da vida social.

Sendo assim, é uma questão atitudinal ou ideológica que requer mudanças


sociais que, em nível político, transformam-se numa questão de direitos humanos.
De acordo com este modelo, a incapacidade é uma questão política.
94
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Capítulo 4 FUNDAMENTOS E DEBATES

Portanto, a abordagem biopsicossocial da CIF baseia-se numa


Portanto, a
integração desses dois modelos opostos, para obter a integração das
abordagem
várias perspectivas de funcionalidade. Assim, a CIF tenta chegar numa biopsicossocial
síntese que ofereça uma visão coerente das diferentes perspectivas de da CIF baseia-se
saúde: biológica, individual e social. numa integração
desses dois modelos
E como ficaria essa abordagem biopsicossocial na relação da opostos, para obter
a integração das
subjetividade com a aprendizagem? Vejamos a seguir.
várias perspectivas
de funcionalidade.
A subjetividade é um processo do indivíduo como sujeito Assim, a CIF tenta
psicológico concreto. Concebemos a aprendizagem na interação, chegar numa síntese
a qual é responsável pelo desenvolvimento, simultaneamente, do que ofereça uma
cognitivo e das aptidões sociais. O indivíduo é um ser ativo, capaz de visão coerente
das diferentes
assimilar a realidade externa de acordo com suas estruturas mentais.
perspectivas de
Assimilar o mundo é transformá-lo, representando-o de forma subjetiva. saúde: biológica,
A aprendizagem deve despertar o interesse, estimulando a curiosidade individual e social.
e a criatividade.

Segundo Pedroza (2005), o interesse relacionado à atividade lúdica na escola


tem-se mostrado cada vez maior por parte de pesquisadores e, principalmente, de
professores que buscam alternativas para o processo de ensino e aprendizagem.
Através da brincadeira, a criança tem a possibilidade de experimentar novas
formas de ação, exercitá-las, ser criativa, imaginar situações e reproduzir
momentos e interações importantes de sua vida, ressignificando-os.

Os jogos e as brincadeiras, de acordo com Pedroza (2005), são uma forma


de lazer na qual estão presentes as vivências de prazer e desprazer. Representam
uma fonte de conhecimento sobre o mundo e sobre si mesmo, contribuindo para
o desenvolvimento de recursos cognitivos e afetivos que favorecem o raciocínio,
a tomada de decisões, a solução de problemas e o desenvolvimento do potencial
criativo.

Essa atividade, segundo Pedroza (2005), proporciona um momento de


descontração e de informalidade que a escola pode utilizar, mesmo que isso
possa parecer um paradoxo, já que o seu papel, por excelência, é o de oferecer o
ensino formal, mas tendo também de exercer um papel fundamental na formação
do sujeito e da sua personalidade.

Sobre os aspectos da personalidade e da interação por meio de jogos e


brincadeiras, dois elementos são de importante destaque: a timidez e a imitação.
Os dois podem ser vistos como limitadores do desenvolvimento cognitivo e
social do indivíduo e como limitadores na interação, porém, ao conhecer suas
características, podemos lidar com estas duas coisas de modo saudável.

95
Subjetividade, Cultura e Complexidade

TIMIDEZ

O que é timidez?

A timidez é definida por alguns manuais de psiquiatria como uma


condição complexa, que abrange desde a sensação de desconforto
até algum tipo de medo irracional quando nos vemos diante de certa
situação de socialização. Alguns autores defendem que a timidez
esteja inclusive ligada à origem de alguns ataques de pânico. Outros
autores defendem que a timidez deve ser definida como “ansiedade
social”, para descrever a característica de medo diante de outras
pessoas ou de contextos sociais específicos. Essa definição de
timidez como “ansiedade social” permite que essa tendência seja
localizada na fronteira entre a simples timidez e a rejeição a qualquer
nova forma de experiência, tornando-se patológica no sentido de
enveredar-se para uma configuração “evitante” da personalidade.

Considerar a timidez como tendência implica entendê-la como


condição de todos os seres humanos, afastando-se das definições
patológicas. Nesse sentido, o que importa para considerar o grau de
timidez é o nível de influência que essa condição tem sobre a vida
cotidiana.

Timidez é doença?

A timidez não é uma doença, por isso não se pode falar em cura.
Para alguns autores, seria também um erro considerar a timidez
como uma deficiência a ser superada. É, antes disso, uma condição
humana que, em sua fragilidade e vulnerabilidade, configura-se
enquanto fator importante na sobrevivência em sociedade. Outros
autores defendem que a timidez está associada a um repertório
escasso de habilidades sociais, que estaria relacionado às reações
da pessoa tímida, como apatia, inatividade, passividade e indecisão.

Quais são os principais eventos desencadeadores da


reação de timidez?

Podemos citar a relação com três tipos de pessoas


que comumente são descritas, por pessoas tímidas, como
desencadeadoras de timidez: pessoas que não conhece, ou seja, o
medo de pessoas desconhecidas; pessoas em posição de autoridade
e pessoas do sexo oposto, ou pela qual se sente de alguma forma
96
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Capítulo 4 FUNDAMENTOS E DEBATES

atraído. Na lista dos mais citados, estão ainda: parentes, os próprios


pais, idosos e crianças.

Entre as situações que mais despertam a reação de timidez, são


citadas: situações em que a pessoa tímida é o centro das atenções
por algum tempo; grandes grupos; quando se encontram em situação
de status social inferior; situações novas; situações em que a pessoa
precisa se impor diante dos demais, entre outras.

A pessoa tímida tem comportamentos típicos?

A maioria das pessoas passou por situações em que se sentiu


envergonhado ou desconfortável ao longo de suas vidas. A reação
de sentir medo quando estamos diante de uma situação de interação
com pessoas ou situações novas é comum. A diferença é que para as
pessoas mais tímidas, esse sentimento não pode ser simplesmente
deixado de lado ou administrado. Justamente porque se trata de
um medo enraizado, capaz de alterar a autopercepção, tornando
perceptíveis as reações imediatas do corpo ao novo.

A timidez parece ser caracterizada por três eventos interiores:


predisposição, forte consciência da reação de medo e a experiência
de embaraço (vergonha). Para exemplificar, a reação de timidez
implica que a pessoa tenha predisposição para sentir medo diante
de novas experiências. Quando colocada diante do novo, a pessoa
tímida reconhece todas as reações que seu corpo apresenta:
enrubescimento, suadouro, frio etc. Por último, essas reações
causam a sensação de vergonha para a pessoa que, nesse momento,
acredita que todas essas reações estão sendo percebidas também
por quem está à sua frente. É importante ressaltar que um aspecto
complicador é justamente a vergonha de ser tímido, que imobiliza
ainda mais essas pessoas.

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/JNNfnT>. Acesso em: 02 dez. 2016.

IMITAÇÃO

Por volta dos três, quatro anos de idade é comum que as


crianças imitem irmãos, primos ou amigos durante as brincadeiras,
o que é normal.

97
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Isso acontece porque a criança começa a identificar, a perceber


que as pessoas são diferentes.

Para formar a sua identidade passa então a experimentar novas


emoções, sensações, buscando reconhecer aquilo que gosta e o que
não gosta.

Durante toda a vida nos baseamos em outras pessoas, fatos


ou coisas, seguindo exemplos, buscando referências que vão ao
encontro de nossos objetivos. Com crianças e jovens isso também
acontece, porém, de forma mais evidente.

É normal gostarmos de uma roupa que alguém aparece na


televisão e comprarmos uma parecida. Modelos de salas, quartos,
varandas, cabelos, maquiagens, carros, enfim, uma série de coisas
que usamos são copiados de algum lugar, como referência para
demonstrarmos nossos gostos e opiniões.

Na imitação a criança vivencia novas emoções. Alguns pais


se irritam diante dessas situações, acreditando que é falta de
personalidade dos filhos. Não seria falta de personalidade, mas sim
de uma busca de novas experiências, já que ainda estão em fase de
desenvolvimento, de formação da própria identidade. À medida que
crescem, a imitação vai ficando menos evidente.

Nos adolescentes, por exemplo, aparece nas falas, carregadas


de gírias, no modo de se vestir, nas cores das roupas, nos gostos
musicais.

Na escola, professores não se importam com isso, pois sabem


que essas brincadeiras e atitudes levam ao crescimento pessoal, à
percepção e reconhecimento do outro. É a forma pelo qual o sujeito
aprende a respeitar e a valorizar as diferenças, sejam elas físicas, de
opiniões ou mesmo culturais.

Portanto, o melhor a fazer é deixar a criança e o jovem extravasar,


sentir o gosto da liberdade de escolha, da experimentação, pois
assim aprenderá a distinguir emoções que podem ou não torná-la
mais fortalecida como pessoa e capacitada para o convívio social.

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/ZiY0kS>. Acesso em: 02 dez. 2016.

98
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Capítulo 4 FUNDAMENTOS E DEBATES

Portanto, podemos verificar que a timidez e a imitação não são Portanto, podemos
problemas ou limitadoras no processo de ensino e aprendizagem, verificar que a
no desenvolvimento da subjetividade ou em qualquer outro quesito, timidez e a imitação
desde que exista uma atenção para oferecer atividades livres, como a não são problemas
brincadeira, respeitando o espaço, o tempo e a personalidade de cada ou limitadoras no
processo de ensino
indivíduo.
e aprendizagem, no
desenvolvimento
Segundo Pedroza (2005), Freud valoriza a brincadeira e o jogo da subjetividade ou
por reconhecer o caráter da ficção. As atividades lúdicas teriam, antes em qualquer outro
de tudo, um papel catártico, possibilitando momentos de manifestações quesito, desde que
e expressões da libido reprimida. Dessa forma, há um processo exista uma atenção
para oferecer
de transferência da realidade à sua imagem através de figurações.
atividades livres,
Do ponto de vista intelectual, a transposição favorecida pelo jogo como a brincadeira,
desempenha uma função primordial, uma vez que ações simuladas respeitando o
para experiência (simulacros) fazem a passagem entre a circunstância espaço, o tempo e
factual e o símbolo, elemento essencial das funções mentais. a personalidade de
cada indivíduo.
Pedroza (2005) destaca que jogo emerge como uma contradição no
desenvolvimento da criança: por um lado favorece a libertação das ações habituais
do sujeito, mas necessita para sua própria manutenção da imposição de regras
fixas. Assim, as dificuldades que as regras do jogo envolvem são uma função em
si mesma, não circunstanciais, são elaboradas e direcionadas especificamente
para manter o caráter do jogo e o interesse de quem os executa. No jogo, a
criança pode reproduzir algumas experiências que acaba de ter, imita e repete
impressões, percepções e emoções. Contudo, as crianças alternam a ficção com
a observação e, assim, são capazes de transformarem-se nos personagens que
criam e imitam.

De acordo com Pedroza (2005), podemos concluir que a brincadeira exerce


um papel fundamental na constituição do sujeito ao possibilitar à criança a criação
da sua personalidade seja pela busca de satisfazer seus desejos, seja por
exercitar sua capacidade imaginativa, comunicativa, criativa ou emocional.

Partindo da definição de subjetividade proposta por Gonzalez Rey (1999),


esse espaço lúdico poderia constituir-se como mais um dentro dos diferentes
sistemas de relações do sujeito, que está em constante reconfiguração da sua
subjetividade. O sujeito é visto, nessa perspectiva, como sendo o indivíduo
concreto, portador de personalidade, ativo, interativo, consciente,
Portanto, é na
intencional e emocional, que produz emoções nas atividades que se interação que ocorre
implica e antecipa, com as emoções, sua implicação nelas. a aprendizagem e o
desenvolvimento dos
Portanto, é na interação que ocorre a aprendizagem e o indivíduos, inclusive,
desenvolvimento dos indivíduos, inclusive, a construção de sua a construção de sua
subjetividade.
subjetividade.
99
Subjetividade, Cultura e Complexidade

E, partindo dessa abordagem, a seguir, há vários quadros com algumas


situações escolares com suas possíveis causas, sugestões de estratégias e
resultados esperados. Não são propostos para ser uma receita de soluções,
apenas apontam, mas não esgotam, situações em que o(a) psicólogo(a)
educacional e escolar tem possibilidades de atuar.

Quadro 3 - Problemas relacionados com sexualidade e gênero

Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Falta de orientação dos pais - Dinâmicas de resgate da - Maior abertura para discus-
e educadores; sexualidade sadia; são do tema tanto em casa
- Desinformação social; - Dinâmicas que permitam quanto no ambiente escolar;
- Preconceitos. a análise de preconceitos e - Mais saúde sexual e psico-
tabus; lógica.
- Palestras informativas;
- Grupos de discussões;
- Grupos de pais: trazer os
pais para vivenciar a rotina,
tornando-os mais comprome-
tidos e esclarecidos quanto à
orientação de seus filhos.

Fonte: Cassins (2007, p. 35).

Quadro 4 - Problemas relacionados com violência e bullying

Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Drogas lícitas e ilícitas; - Normas claras e elaboradas em - Alunos e funcionários


- Regimento escolar mal conjunto com os alunos; mais responsáveis e com-
divulgado ou impunidade; - Programa aluno destaque; prometidos;
- Permissividade social: - Envolvimento de todos numa - Ambiente mais harmô-
incentivo à violência; cultura da paz; nico;
- Ausência de limites e de - Treinamento de todos os envol- - Habilidades desenvol-
regras sociais claras; vidos na mediação de conflitos; vidas para que possam
- Problemas de origem - Dinâmicas de trocas de papéis executar suas tarefas de
familiar. que possam possibilitar que o modo eficaz;
indivíduo se coloque no lugar do - Maior autocontrole.
outro;
- Dinâmicas que trabalhem tole-
rância/frustração e promovam o
desenvolvimento da autoestima.

Fonte: Cassins (2007, p. 35).

100
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Capítulo 4 FUNDAMENTOS E DEBATES
Quadro 5 - Problemas relacionados com a aprendizagem
Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Limitações cognitivas/ - Avaliação pedagógica/ psicopedagó- - Melhoria das condi-


afetivas; gica; ções de trabalho e de
- Ensalamento, conte- - Avaliação institucional; aprendizagem;
údos e metodologias - Programa SIM (Sugestões Individuais - Identificação de pro-
impróprios ao nível do de Melhoria); blemas que necessitem
aluno; - SMS (Sistema de Medição Semestral); de auxílio de profissio-
- Planejamento aquém ou - PAE (Programa de Apresentação de nais externos (fonoau-
além da clientela; Exemplos); diólogos, psicólogos
- Autoestima negativa; - PS (Programa de Suporte); clínicos, psicopedago-
- Desconhecimento do - Oportunidades para troca de experiên- gos, psiquiatras, etc.)
estilo de aprendizagem cias profissionais; para encaminhamento e
do aluno; - Trabalho de incremento de autoestima; acompanhamento;
- Conflito professor X - Gráficos de avaliação de desempenho; - Melhoria dos resulta-
aluno; - Oportunidades para estudo e discus- dos acadêmicos.
- Desmotivação; são de problemas educacionais, teorias
- Ausência de consciên- - educacionais e pedagógicas de forma
cia pedagógica; sistemática;
- Falta de compromisso - Clarificação de papéis de cada prota-
com a educação (de gonista.
professores, alunos, pais,
funcionários).

Fonte: Cassins (2007, p. 36).

Quadro 6 - Problemas relacionados com baixo rendimento dos alunos


Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Dificuldade de aprendiza- - Avaliação psicopedagógica; - Melhora no rendi-


gem; - Proposição de atividades que mento acadêmico dos
- Alienação acadêmica (não conectem conhecimento acadêmico à alunos;
compreensão e valorização realidade; - Alunos motivados;
do que é escola e estudo); - Proposição de mudanças didático- - Emergência do
- Meta do rendimento mínimo -metodológicas que atinjam diferentes potencial criativo dos
(estudar para passar); estilos e ritmos de aprendizagem; alunos.
- Falta de metas de aprendi- - Estratégias de valorização da edu-
zagem; cação como um todo;
- Supervalorização nas notas; - Superação do modelo meritório
- Problemas ligados ao (enfoque de notas e títulos);
conteúdo do programa, - Superação do modelo de aprendi-
metodologia e despreparo do zagem mecânica (memorização) em
professor. prol do modelo cognitivo/afetivo.

Fonte: Cassins (2007, p. 36).


101
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Quadro 7 - Problemas relacionados com baixa qualidade das aulas


Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Falta de recursos - Pesquisa contínua de melhores práticas - Melhoria da qualidade


pedagógicos; e alternativas de ensino (círculos de cultu- das aulas;
- Metodologia inade- ra, aprendizagem por projetos, aprendiza- - Aumento da motiva-
quada; gem por grupos colaborativos, etc.); ção de professores e
- Conteúdo descontex- - Programa Café (PC): reuniões periódicas alunos;
tualizado; com duração de 30 minutos para discutir - Melhora nos resulta-
- Desmotivação e analisar as ações necessárias sobre o dos das avaliações.
docente. andamento da escola ou rede, evitando
problemas de comunicação e informações
pertinentes ao momento da escola;
- Discussão de soluções e inovações com
relação aos serviços para aumentar a
qualidade na escola;
- Reflexões periódicas a respeito do papel
do professor;
- Reflexões periódicas sobre os conteúdos
do programa acadêmico.

Fonte: Cassins (2007, p. 37).

Quadro 8 - Problemas relacionados com furto e mentiras na escola


Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Ausência de regras e - Dinâmicas, especialmente - Redução do comportamento


limites; preventivas, para trabalho de indesejado;
- Intolerância à frustração; valores e afetos; - Aumento de atitudes dentro
- Reforçamento de atitude - Orientação firme, atenciosa dos padrões sociais espera-
inadequada; e consistente; dos;
- Comportamento de enfren- - Regras têm que ser esti- - Prevenção ao agravamento
tamento; puladas e cumpridas com o da marginalidade.
- Compensação das emo- mínimo de exceções possível
ções não nutridas; para estabelecimento da
- Influências negativas (mo- figura de autoridade;
delos sociais). - Em casos críticos, encami-
nhamento.

Fonte: Cassins (2007, p. 37).

102
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Capítulo 4 FUNDAMENTOS E DEBATES

Quadro 9 - Problemas relacionados com uso de drogas


Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Estrutura social instável; - Programas de prevenção - Prevenção;


- Estrutura pessoal; amplos e contínuos; - Redução dos índices de
- Busca de desafios/limites; - Trabalho de aceitação e consumo de drogas.
- Estrutura familiar frágil; adaptação aos limites;
- Influências (mídia, compa- - Encaminhamento para
nhias, amigos); especialistas;
- Curiosidade; - Caso necessário, enca-
- Superproteção ou omissão minhamento ao Conselho
parental. Tutelar.

Fonte: Cassins (2007, p. 38).

Quadro 10 - Problemas relacionados com professores desmotivados


Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Falta de reconhecimento - Programas de apoio ao de- - Professores motivados;


social da profissão; senvolvimento da autoestima - Melhora no desempenho
- Autoestima negativa dos e resgate do valor social do acadêmico dos alunos;
próprios educadores; educador; - Proposição de mudanças
- Baixos salários; - Programas de desenvolvi- para o incremento da qualida-
- Condições precárias de tra- mento profissional efetivos, de de ensino;
balho, ausência de recursos de atualização e instrumenta- - Fortalecimento da classe de
físicos; lização pedagógicos; professores tanto profissional
- Ausências de políticas - Apoio aos movimentos quanto política.
públicas de valorização do pela melhoria das condições
educador; salariais e de trabalho, via
- Formação deficitária. sindicato;
- Promoção de ações mul-
tidisciplinares para a busca
de soluções dos problemas
educacionais de cada escola.

Fonte: Cassins (2007, p. 38).

103
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Quadro 11 - Problemas relacionados com falha de


limites e indisciplina na sala de aula

Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Permissividade por parte de - Normas e regras bem estabe- - Aluno melhor adaptado ao
pais e/ou professores (escola); lecidas e aplicadas adequada- convívio social;
- Mensagens conflitantes mente pela escola; - Solidariedade;
(dupla mensagem) ou incon- - Orientação aos pais; - Redução dos casos e de-
sistentes por parte da escola, - Treinamento de professores; linquência (marginalidade).
ou dos pais; - Encaminhamento para espe-
- Busca de identidade; cialistas (psicólogos);
- Modelos sociais inadequa- - Construção de valores sociais
dos; (coletividade, cidadania, respei-
- Reforçamento de comporta- to, urbanidade);
mento negativo; - Estudo e discussão da legis-
- Mudança significativa na vida lação LDB e da Constituição;
da criança (presença de um - Em casos extremos, acompa-
novo irmão, separação, abuso nhamento do caso pela escola
infantil, violência doméstica, e Conselho Tutelar.
etc.).

Fonte: Cassins (2007, p. 38).

Quadro 12 - Problemas relacionados com síndromes,


tiques e supostos transtornos como a dislexia
Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Alterações da atenção, - Avaliação com equipe - Redução dos sintomas;


impulsividade e da velocidade multiprofissional especializada - Adaptação ao ambiente
da atividade física e mental; (psicólogo, psiquiatra, neuro- educacional;
- É importante salientar que logista) visando ao diagnós- - Reorganização do ambiente
uma pessoa com compor- tico diferencial e tratamento pedagógico.
tamento que pode ou não específico;
apresentar hiperatividade - Elaboração do plano de in-
física, mas jamais deixará de tervenção e acompanhamento
apresentar forte tendência à supervisionado desse plano;
dispersão; - Orientação aos pais e
- Embora as causas sejam professores, principalmente
de origem física, os sintomas quanto à desmistificação do
podem ser agravados por um distúrbio;
ambiente inadequado. - Adequação do aluno ao ano.

Fonte: Cassins (2007, p. 39).

104
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Capítulo 4 FUNDAMENTOS E DEBATES

Quadro 13 - Problemas relacionados com dúvidas


sobre o futuro (profissional e pessoal)
Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Falta de informações ou au- - Orientação sobre as pro- - Redução da ansiedade;


sência de clareza e orientação fissões, com a realização de - Escolha baseada em
sobre as profissões; minicursos, palestras, etc.; informações, aumento do
- Identidade ainda não definida; - Orientação vocacional, com conhecimento das áreas de
- Conflito entre os desejos dos entrevistas, testes, dinâmi- trabalho e sobre si mesmo.
familiares e o desejo próprio; cas e informações sobre as
- Diversidade e mudança rápi- diversas profissões.
da das exigências do mercado
de trabalho.

Fonte: Cassins (2007, p. 39).

Quadro 14 - Problemas relacionados com evasão escolar


Possíveis causas Sugestões de estratégias Resultados esperados

- Dificuldades de aprendiza- - Avaliação psicopedagógi- - Inserção social na escola e


gem; ca: encaminhamento para na comunidade;
- Necessidades básicas não profissional especializado e - Ampliação das relações
supridas; acompanhamento do caso; sociais;
- Necessidade de trabalhar; - Orientação aos pais; - Maior valorização da escola
- Falta de incentivo da - Trazer a comunidade para pelo aluno.
escola; participar;
- Falta de incentivo familiar. - Valorizar as habilidades dos
alunos;
- Fazer com que os alunos
promovam eventos como: jo-
gos, festas, quermesses, etc.;
- Conscientização do aluno
com relação à importância da
escola;
- Tornar o ambiente esco-
lar mais atraente e menos
punitivo.

Fonte: Cassins (2007, p. 39).

105
Subjetividade, Cultura e Complexidade

Como podemos verificar, a formação do indivíduo sofre diversas influências,


entre elas, as interações sociais possíveis no ambiente de vida desse mesmo
indivíduo. Assim sendo, a aprendizagem, nessa perspectiva, deixa de ser
concebida como um processo isolado, acontecendo apenas no aluno, em sala
de aula, e passa a ser vista nas diferentes relações e contextos vivenciados
pelo sujeito. E é fundamental estar atento para esses elementos, pois interferem
diretamente na aprendizagem e desenvolvimento do indivíduo.

Algumas ConsideraçÕes
A psicologia educacional e escolar, apesar de sua grande importância, ainda
enfrenta circunstâncias limitantes internas e externas.

Limitações internas: entre os próprios psicólogos ainda há divergências


quanto ao reconhecimento desta área. Isso se deve, preponderantemente, à
carência de uma visão institucional e organizacional. É do conhecimento de todos
a dominância de uma visão ainda eminentemente clínica entre grande parte dos
psicólogos em nosso país, o que, sem dúvida nenhuma, restringe não só o campo
de atuação, como o incremento do próprio reconhecimento social da importância
da psicologia como um todo.

Limitações externas: usuários, gestores e profissionais da educação ainda


desconhecem a psicologia e os benefícios que esta ciência pode oferecer-
lhes. Felizmente, já há profissionais e instituições construindo uma nova visão
da psicologia educacional, dados os benefícios obtidos em decorrência dos
resultados alcançados.

Para se colocar definitivamente no mercado de trabalho da educação, é


imprescindível que o psicólogo escolar/educacional, além de atuar dentro de um
padrão de excelência profissional, procure ampliar as informações disponíveis
a respeito do impacto deste trabalho dentro das escolas. Conscientização e
vontade política precisam andar juntas para que as mudanças propostas sejam
efetivadas. Se há problemas para serem resolvidos na educação brasileira, que
precisa ser tratada de forma mais digna, que isto nos sirva de bandeira para um
empenho contínuo dentro e fora das escolas. Os resultados obtidos precisam ser
documentados e divulgados, atingindo não só a classe profissional, como também
a população que desconhece estas informações.

106
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Capítulo 4 FUNDAMENTOS E DEBATES

ReFerÊncias
BRASIL. Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Diário Oficial da União,
Poder Executivo, Brasília, DF, 3 dez. 2004, p. 5.

_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política


Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
Brasília, DF, 2008.

_______. Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com


Deficiência. Comitê de Ajudas Técnicas. Tecnologia Assistiva. Brasília: CORDE,
2009.

CASSINS, A. M. et al. Manual de psicologia escolar – educacional. Curitiba:


Unificado, 2007.

GONZALEZ REY, F. L. La investigacion cualitativa en psicología. São Paulo:


EDUC, 1999.

PEDROZA, R. L. S. Aprendizagem e subjetividade: uma construção a partir do


brincar. Revista do Departamento de Psicologia da Universidade Federal
Fluminense, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 61-76, jul./dez. 2005.

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