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História da Psicologia

Prof. Rodrigo Diaz De Vivar Y Soler

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Prof. Rodrigo Diaz De Vivar Y Soler

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

S685h

Soler, Rodrigo Diaz de Vivar Y

História da psicologia. / Rodrigo Diaz de Vivar Y Soler. – Indaial:


UNIASSELVI, 2020.

207 p.; il.

ISBN 978-65-5663-139-4
ISBN Digital 978-65-5663-140-0

1. Psicologia - História. - Brasil. Centro Universitário Leonardo Da


Vinci.

CDD 150.9

Impresso por:
Apresentação
Apresentamos a você, leitor, este livro sobre os aspectos relacionados
à disciplina de História da Psicologia. Neste material, você poderá encontrar
elementos que subsidiarão os seus estudos e a sua formação.

O presente livro é composto por três unidades subdividas em


tópicos. Na primeira unidade, você será apresentado ao contexto histórico
do aparecimento da psicologia, desde suas raízes filosóficas na antiguidade,
até a sua consolidação como ciência no final do século XIX. Desta maneira,
apresentaremos o contexto das ideias psicológicas na Grécia antiga,
passando pelo império romano, pelos primeiros anos do cristianismo, pela
visão psicológica na Idade Média e, também no Renascimento. Em seguida,
apresentaremos as condições de possibilidades para o nascimento da
psicologia científica desde os primeiros trabalhos desenvolvidos por Wundt,
passando pelas primeiras escolas psicológicas, no caso o funcionalismo, o
estruturalismo e o associacionismo.

A segunda unidade é dedicada à contextualização das escolas


psicológicas no século XX. Iniciaremos o nosso percurso pela emergência do
behaviorismo, desde as primeiras descobertas promovidas pela reflexologia
até as principais aplicações do comportamentalismo. Em seguida,
apontaremos as contribuições do saber psicanalítico para a consolidação
da psicologia como ciência e profissão na nossa sociedade. Esse percurso
é inaugurado por Freud e as suas contribuições acerca da subjetividade e
as estruturas do nosso inconsciente. Falaremos também da psicologia da
Gestalt e as suas ressonâncias para os estudos sobre a subjetividade. Em um
quarto momento, apontaremos as principais correntes ligadas ao movimento
psicológico conhecido como humanismo. Por fim, apontaremos os elementos
ligados a relações da psicologia com a América Latina, ocasião que permitirá
apresentar ao leitor, os elementos singulares de uma prática psicológica
ligada aos enfrentamentos sociais e políticas do nosso continente.

Por fim, a terceira unidade deste livro é dedicada a pensar as


correlações e o debate entre a psicologia e o mundo contemporâneo.
Desse modo serão apresentadas aqui as relações entre a subjetividade e a
religião no contexto da sociedade brasileira contemporânea. Em seguida, os
tensionamentos existentes entre a subjetividade, a psicologia e as relações
de gênero. Por fim, contextualizaremos os problemas ligados ao contexto da
subjetividade, da psicologia e das relações étnico-raciais.

Boa leitura e bons estudos!


Prof. Rodrigo Diaz De Vivar Y Soler

III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.

Bons estudos!

IV
V
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer teu conhecimento, construímos, além do livro


que está em tuas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela terás
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar teu crescimento.

Acesse o QR Code, que te levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nessa caminhada!

VI
Sumário
UNIDADE 1 – CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA
FILOSOFIA À CIÊNCIA................................................................................................1

TÓPICO 1 – AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA........................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................3
2 A PSICOLOGIA NA GRÉCIA ANTIGA.............................................................................................4
3 A PSICOLOGIA NA ROMA ANTIGA ..............................................................................................9
4 A PSICOLOGIA E O CRISTIANISMO ............................................................................................15
5 A PSICOLOGIA NA IDADE MÉDIA ...............................................................................................21
6 A PSICOLOGIA NO NASCIMENTO DA MODERNIDADE: DO RENASCIMENTO AO
ILUMINISMO........................................................................................................................................25
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................31
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................32

TÓPICO 2 – O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS


ESCOLAS PSICOLÓGICAS...................................................................................... 33
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................33
2 A PSICOLOGIA CIENTÍFICA E O POSITIVISMO.......................................................................34
3 WUNDT, O PAI DA PSICOLOGIA...................................................................................................38
4 O FUNCIONALISMO...........................................................................................................................42
5 O ESTRUTURALISMO........................................................................................................................47
6 O ASSOCIACIONISMO......................................................................................................................50
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................55
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................60
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................61

UNIDADE 2 – AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS........................................................63

TÓPICO 1 – A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA................................................................................65


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................65
2 OS PRIMEIROS ESTUDOS DO COMPORTAMENTO E A REFLEXOLOGIA ......................65
3 PAVLOV E A FISIOLOGIA DO COMPORTAMENTO CLÁSSICO .........................................66
4 WATSON E A PRIMEIRA TEORIA SOBRE O COMPORTAMENTO HUMANO..................70
5 SKINNER E O COMPORTAMENTALISMO RADICAL..............................................................74
6 PRINCIPAIS APLICAÇÕES DO COMPORTAMENTALISMO..................................................80
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................82
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................83

TÓPICO 2 – FREUD E A EMERGÊNCIA DA PSICANÁLISE........................................................85


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................85
2 A PSICANÁLISE E CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO ....................................................................85
3 SIGMUND, ANTES DE FREUD: ASPECTOS BIOGRÁFICOS...................................................88
4 FREUD COMO PENSADOR DA CULTURA..................................................................................90
5 A EMERGÊNCIA DO INCONSCIENTE..........................................................................................91

VII
6 PSICANÁLISE E A CURA PELA PALAVRA...................................................................................93
7 A PSICANÁLISE E A SEXUALIDADE INFANTIL.........................................................................93
8 OS PRINCIPAIS CONCEITOS DA PSICANÁLISE.......................................................................94
9 A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD..............................................................................................95
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................96
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................97

TÓPICO 3 – A PSICOLOGIA DA GESTALT E A EXPERIÊNCIA DA PERCEPÇÃO.................99


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................99
2 O QUE É GESTALT?.............................................................................................................................99
3 MAX WERTHEIMER E OS ESTUDOS SOBRE A PERCEPÇÃO...............................................103
4 KURT KOFFKA E OS ESTUDOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA MENTE...............108
5 KURT LEWIN E A TEORIA DE CAMPO.......................................................................................110
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................113
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................114

TÓPICO 4 – A PSICOLOGIA HUMANISTA...................................................................................115


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................115
2 DETERMINANTES PARA O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA HUMANISTA................116
3 CARL ROGERS E A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA..............................................118
4 MARTIN BUBER E A VOCAÇÃO DIALÓGICA ........................................................................120
5 VIKTOR FRANKL E A LOGOTERAPIA........................................................................................124
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................126
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................127

TÓPICO 5 – A PSICOLOGIA DESDE A AMÉRICA LATINA......................................................129


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................129
2 MARTIN-BARÓ E A PSICOLOGIA DA LIBERTAÇÃO ............................................................129
3 PICHON-RIVIÈRE E OS PROCESSOS GRUPAIS.......................................................................133
4 SILVIA LANE E UMA NOVA VISÃO DE SUBJETIVIDADE....................................................137
5 ANTIPSIQUIATRIA E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO: A LUTA ANTIMANICOMIAL NO
BRASIL..................................................................................................................................................141
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................145
RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................147
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................148

UNIDADE 3 – HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O


CONTEMPORÂNEO..................................................................................................149

TÓPICO 1 – SUBJETIVIDADE, RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL


CONTEMPORÂNEO......................................................................................................151
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................151
2 RELIGIOSIDADE, SUBJETIVIDADE E ESTADO LAICO.........................................................151
3 RELIGIÃO, SUBJETIVIDADE E ARQUÉTIPOS..........................................................................155
4 RELIGIOSIDADE, SUBJETIVIDADE E DIREITOS HUMANOS............................................159
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................163
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................164

TÓPICO 2 – SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES DE GÊNERO........................................................165


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................165
2 OS ESTUDOS DE GÊNERO E A PSICOLOGIA...........................................................................165
3 GÊNERO, SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES DE PODER............................................................169

VIII
4 GÊNERO, SUBJETIVIDADE E BIOPOLÍTICA.............................................................................173
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................178
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................179

TÓPICO 3 – SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS..............................................181


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................181
2 A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE RACIAL NO BRASIL...................................................181
3 SUBJETIVIDADE, RELAÇÕES ETNICORRACIONAIS E ESTUDOS SOBRE A
BRANQUITUDE..................................................................................................................................185
4 SUBJETIVIDADE, RACISMO E NECROPOLÍTICA...................................................................189
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................193
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................197
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................198
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................199

IX
X
UNIDADE 1

CONTEXTO HISTÓRICO DO
APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA
FILOSOFIA À CIÊNCIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conceituar os determinantes históricos do aparecimento da psicologia


desde a filosofia à ciência;
• caracterizar as relações entre a psicologia, a filosofia e a ciência;
• compreender as condições de possibilidades em torno do saber psicológi-
co ao longo da história;
• apresentar um panorama crítico sobre as principais ideias psicológicas
que contribuíram para a constituição da psicologia como ciência.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em dois tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA


TÓPICO 2 – O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS
PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

CHAMADA

Preparado para ampliar teus conhecimentos? Respire e vamos em


frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverás
melhor as informações.

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico! Meus parabéns pela sua escolha. Você optou por uma
profissão em constante expansão no Brasil. Atualmente, segundo dados do
Conselho Federal de Psicologia (LHULLIER, 2013), somos 359.101 profissionais
atuando nas mais variadas áreas de intervenção. Desde a clínica, passando pelas
áreas da educação, das organizações, da saúde pública e da assistência social,
até as consideradas áreas emergentes como as ligadas ao judiciário, a prática
hospitalar e, mesmo a área ambiental.

NOTA

O Conselho Federal de Psicologia – regulamentado pelo Decreto nº 79.822,


de 17 de junho de 1977 – é uma autarquia responsável pela orientação e fiscalização da
psicologia como profissão no Brasil. Todo o profissional que atua como psicólogo deve
possuir o seu registro profissional para o exercício da sua prática. Você pode conhecer mais
detalhes do CFP acessando o site:
<site.cfp.org.br>. No site você encontra muitas informações importantes que, certamente,
o auxiliarão desde a sua formação acadêmica até a sua futura prática profissional.

A Psicologia é uma área muito importante para a nossa sociedade.


Justamente, por conta de tal aspecto, é que devemos conhecer a sua história, seus
contornos e suas possibilidades. Enquanto ciência, a psicologia é muito recente
– falaremos mais adiante sobre o seu nascimento – mas, enquanto leitura sobre
a subjetividade a psicologia é um saber que nasce nos horizontes filosóficos da
nossa civilização, mas especificamente na Grécia Antiga.

Este tópico será dividido em cinco itens. No primeiro deles, “A psicologia


na Grécia Antiga”, você será apresentado às principais reflexões elaboradas por
filósofos como Sócrates e Platão, acerca do conhecimento sobre a alma humana.
Já no segundo item, “A psicologia na Roma Antiga”, você irá conhecer um pouco
mais sobre à maneira, pela qual, os filósofos romanos compreendiam a psicologia
como um elemento fundamental para a vida em sociedade. No terceiro item, “A
psicologia e o cristianismo”, você conhecerá as relações existentes entre o discurso
cristão sobre a alma e a psicologia. No quarto item, “A psicologia na Idade
3
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Média”, você será apresentado às primeiras tradições escolásticas responsáveis


por pensar as bases da psicologia em um mundo marcado, sobretudo, pela crença
na espiritualidade e nos dogmas religiosos. Por fim, "A Psicologia no nascimento
da modernidade: do Renascimento ao Iluminismo” você será apresentado as
principais reflexões elaboradas por filósofos ligados ao campo da psicologia.

2 A PSICOLOGIA NA GRÉCIA ANTIGA


Etimologicamente, a palavra Psicologia é proveniente do grego – ψυχή – a
qual psyché significa alma e λογία, designa, por sua vez, a logia, ou seja, o estudo.
Não foram os gregos que criaram a psicologia, mas é certo que eles foram um dos
precursores das reflexões sobre os sentidos existenciais acerca de um possível
compreensão e/ou articulação entre existência e conduta humana.

Em outras palavras, no interior da história da nossa civilização, podemos


encontrar também, os elementos responsáveis por indicar a necessidade de os
sujeitos buscarem estabelecer uma linha de raciocínio sobre os sentidos e os
significados da sua própria experiência, ou seja, a cultura grega foi responsável
pela criação de um estilo próprio responsável por endossar as explicações
racionais para todos os acontecimentos presentes nesse mundo. Vejamos um
exemplo dessa reflexão a partir da seguinte charge:

FIGURA 1 – CHARLIE BROWN E O AMIGUINHO CONVERSAM SOBRE O SENTIDO DA


EXISTÊNCIA

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/629518854134466590/>. Acesso em: 24 abr. 2020.

4
TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

A essa reflexão, os gregos nomearam Filosofia. A filosofia foi a primeira


forma de sistematização racional e especulativa sobre a condição humana. As
razões pelas quais somos afetados pelas experiências ao nosso redor.

Os primeiros filósofos ficaram conhecidos, posteriormente como pré-


socráticos-socráticos.

NOTA

Os filósofos pré-socráticos são assim nomeados por se localizarem, no tempo


anterior as primeiras sistematizações construídas por Sócrates e seus discípulos. Suas obras
foram agrupadas a partir de fragmentos voltados à compreensão da relação entre o sujeito
e a natureza.

Os pré-socráticos procuravam introduzir, nas suas reflexões, os elementos


antropológicos aos quais se relacionavam as experiências éticas e estéticas do
humano. Nos seus quadros, podemos destacar os nomes de Tales de Mileto (624-
547 a.C.) para quem tudo era considerado um grande devir e, nesse sentido, a
vida do sujeito participara ativamente de todo o cosmos.

Já Heráclito de Éfeso (500 – 400 a.C.) elaborou suas reflexões, no sentido


de estabelecer as constantes transformações pelas quais o sujeito passara ao longo
de toda a sua existência como podemos destacar nos fragmentos a seguir:

Frag. 04: Se a felicidade consistisse nos prazeres do corpo, deveríamos


proclamar felizes os bois, quando encontram ervilhas para comer.
Frag. 45: Mesmo, percorrendo todos os caminhos, jamais encontrarás
os limites da alma.
Frag. 82: O mais belo símio é feio comparado ao homem.
Frag. 101: Eu me procurei a mim próprio.
Frag. 125: Mesmo uma bebida se decompõe se não for agitada
(HERÁCLITO apud NOGARE, 1985, p. 28).

O pensamento de Heráclito representa, portanto, a primeira aventura


antropológica voltada para a compreensão do tensionamento entre os espaços
teológico e cosmológico. Nesse sentido, o sujeito para Heráclito, é, antes de tudo,
uma parte do cosmos estando submetido as suas leis. Entretanto, ao adquirir
consciência de si, esse mesmo sujeito reflete em si mesmo, as experiências das leis
divinas.

Ainda com relação aos pré-socráticos podemos destacar à figura de


Parmênides (530 – 460 a.C.) para quem a essência do ser era a permanência.
Parmênides propunha que o ser só poderia manifestar a sua verdade pela sua

5
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

própria afirmação já que ele é o único responsável por afirmar quem ele mesmo
é. Dessa forma, Parmênides inaugura uma reflexão muito aprofundada sobre a
natureza ontológica do ser.

Para que possamos esclarecer melhor essa afirmativa, convidamos você,


leitor, a observar os primeiros versos do clássico poema escrito por Fernando
Pessoa, intitulado Tabacaria no qual podemos ler:

Não sou nada.


Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo (ÁLVARO DE
CAMPOS, s.d.).

Como podemos observar, a partir da leitura de “Parmênides”, a


imutabilidade do ser, reside na capacidade deste em formular uma reflexão sobre
aquilo que ele mesmo é. É justamente essa capacidade que distingue o ser das
outras coisas em geral, pois estas não podem questionar o seu sentido existencial.

FIGURA 2 - O POETA FERNANDO PESSOA (1888-1935)

FONTE: <https://www.todamateria.com.br/fernando-pessoa/>. Acesso em: 24 abr. 2020.

O poeta Fernando Pessoa (1888-1935) certamente fora influenciado pela


filosofia de Parmênides.

Após o desaparecimento dos pré-socráticos, a sociedade grega fora


tomada pela formação do que, os historiadores costumam chamar de Paideia que,
segundo Jaeger (1995), compreende a composição de um mosaico sobre distintas
práticas voltadas a formação intelectual, estética, moral e ética do sujeito. A
Paideia configura-se como a primeira tentativa da nossa civilização de estabelecer
uma estruturação pedagógica do sujeito, desde sua infância até à velhice.

6
TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

FIGURA 3 - A ACRÓPOLE DE ATENAS: UMAS DAS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS PROVENIENTES


DA PAIDEIA GREGA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Acr%C3%B3pole_de_Atenas>. Acesso em: 24 abr. 2020.

É nesse contexto que aparecem os primeiros educadores, responsáveis por


transmitir aos cidadãos gregos os rumos e percursos da Paideia. Esses educadores
em geral, acabavam transmitindo esses conhecimentos mediante o pagamento
ofertado pelos seus serviços.

NOTA

Embora a cidadania seja uma invenção da civilização grega, o seu sentido é


radicalmente diferente dos dias atuais. Na Grécia Antiga, o cidadão era aquele que possuía
terras e demais propriedades, além de ser natural de Atenas. A cidadania, portanto, era um
conceito muito restrito as elites intelectuais e políticas da época. Com a Revolução Francesa
é que esse conceito passa a se estender a todos os sujeitos como um direito natural.

Esses profissionais da educação, por assim dizer, ficaram conhecidos como


sofistas, isto é, pessoas esclarecidas e habilidosas que ofertavam seus serviços
mediante pagamento. Os sofistas fizeram parte da Paideia nos mais variados
campos. Desde a filosofia, mas também das artes, do militarismo e da medicina,
somente para ilustrarmos alguns exemplos.

Poucos estudados nos dias de hoje, os sofistas foram alvo de muitas críticas
por conta do aparecimento da figura de Sócrates (469 - 399 a.C.), considerado o pai
da filosofia. Pouco se sabe sobre a figura histórica de Sócrates até suas primeiras
atividades filosóficas, mas muito se sabe sobre a figura simbólica de Sócrates
devido ao seu legado registrado pelos seus discípulos, dentre os quais destaca-se
Platão (428 – 347 a.C.).

7
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Basicamente a relevância de Sócrates para a filosofia consiste no fato de


que ele, foi o primeiro pensador a realmente sistematizar uma reflexão em torno
de uma atitude filosófica a partir do enfrentamento e problematização dos valores
da sociedade ateniense.

Enquanto os sofistas preocupavam-se unicamente com as questões


materiais da Paideia valendo-se da educação como instrumento de mercantilização
e manutenção dos seus privilégios, Sócrates procurava demonstrar como, as
experiências voltadas ao conhecimento eram resultado de um cuidado do sujeito
em relação a ele mesmo.

O papel da filosofia designada por Sócrates não consistia no acúmulo de


propriedades, nem mesmo do próprio conhecimento, mas na atitude do sujeito
buscar, ao longo da sua própria existência um trabalho de aperfeiçoamento do
sujeito em relação a ele mesmo, ou o que Foucault (2012) chama de ascese.

No diálogo Apologia de Sócrates podemos ler essa recomendação feita por


Sócrates perante seus acusadores:

Além disso, os jovens ociosos, os filhos dos ricos, seguindo-me


espontaneamente, gostam de ouvir-me examinar os homens, e muitas
vezes me imitam, por sua própria conta, e empreendem examinar os
outros; e então, encontram grande quantidade daqueles que acreditam
saber alguma coisa, mas, pouco ou nada sabem. Daí, aqueles que são
examinados por eles encolerizam-se comigo assim como com eles, e
dizem que há um tal Sócrates, perfidíssimo, que corrompe os jovens
(PLATÃO, 1979).

É diante de tal perspectiva que o pensamento socrático se configura como


a pedra angular do cuidado do sujeito em relação a si mesmo a partir da filosofia
como forma de vida. Essa experiência corresponde à atitude voltada para o
autoconhecimento, o exame de consciência e a vigilância ética presente em todos
os momentos da vida do sujeito.

Em torno dessa problemática é que Platão inaugurou a especulação


metafísica sobre a relação entre o sujeito, a alma e a matéria. De um modo geral,
Platão expressa que o mundo real, o mundo da matéria é inferior as experiências
sensíveis que poderiam ser acessadas mediante à filosofia.

8
TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

FIGURA 4 – NEO, PERSONAGEM PRINCIPAL DO FILME MATRIX

FONTE: <https://www.einerd.com.br/matrix-4-jovem-neo/>. Acesso em: 28 abr. 2020.

O filme Matrix escrito e dirigido por Lily e Lana Wachowski é claramente


influenciado pelas ideias platônicas acerca da relação entre matéria e ideia.
Nesse filme, os diretores resgatam o mito da caverna proposto por Platão em
A República. Neo, o personagem principal do filme Matrix é apresentado como
alguém que consegue apreender o significado da essência das coisas para além
do mundo material.

A imortalidade da alma, o valor das ideias, o amor pela sabedoria faziam


parte para Platão, de uma forma superior de vida contrária a todas as atividades
materiais. Nesse sentido, o objetivo da sensibilidade idealista presente no sujeito
seria o de promover a busca, pelo acesso a esse outro mundo distante das
preocupações meramente materialistas.

Em oposição a essa concepção, Aristóteles (384 – 322 a.C.) irá discorrer


sobre o valor da matéria como elemento fundamental acerca da psiché. Para
Aristóteles, o sujeito era um resultado de uma constituição dialética que envolvia
a contradição como elemento fundamental.

Isso significa que, o sujeito existe primeiro, constrói suas experiências em


relação a esse mundo apropriando-se da natureza. E, é a partir dessa apropriação
que o sujeito desenvolve o seu conhecimento.

3 A PSICOLOGIA NA ROMA ANTIGA


Assim como os gregos, os romanos deixaram inúmeros legados à
civilização ocidental. Suas influências são nitidamente sentidas até os nossos
dias seja pela contextualização dos saberes jurídicos/institucionais, seja pelo
aperfeiçoamento das diretrizes organizacionais da política.

9
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

No entanto, com relação à psicologia, quais seriam precisamente, as


influências dos romanos? Alguns séculos após o declínio das cidades-Estados
gregas, emergem inúmeras escolas filosóficas ao redor da Europa, da Ásia e da
África no período nomeado pelos historiadores como helenismo.

NOTA

Em uma tradução livre, podemos dizer que o “helenismo “significa algo como
“viver como os gregos.” Esse período da história compreende desde a morte de Alexandre,
O Grande – 323 a.C. até a anexação da península grega e suas ilhas por Roma em 146
a.C. O helenismo registrou um grande impacto e influência no encontro entre as culturas
ocidentais e orientais desde a filosofia, passando pelas artes, pela ciência e, até mesmo,
pela religião.

A partir de tal perspectiva passam a existir inúmeras escolas filosóficas


responsáveis por inserir, na cultura romana, os elementos de uma leitura sobre o
conhecimento humano, bem como as suas perspectivas éticas e estéticas.

Um dos maiores estudiosos da filosofia antiga, o francês Pierre Hadot


(2006) costuma-se referir-se ao helenismo como um importante e potente espaço
para o fortalecimento da filosofia como forma de vida.

FIGURA 5 – O FILÓSOFO FRANCÊS PIERRE HADOT (1922 – 2010)

FONTE: <https://www.optimize.me/authors/pierre-hadot/>. Acesso em: 28 abr. 2020.

Pierre Hadot foi um dos maiores estudiosos das escolas filosóficas da


antiguidade. Dentre essas escolas filosóficas podemos destacar, em primeiro
lugar, o cinismo. Criado por Diógenes (404 a.C. – 323 a.C.), o cinismo defendia a
radicalização da própria atividade filosófica. O filósofo cínico deveria promover
uma atitude de completo despojamento das regras elementares para a existência.
10
TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

Desse modo, o cinismo era compreendido como um ataque frontal a toda


moralização vigente. Diógenes, por exemplo, fazia amor em público, bem como
praticava seus rituais de escatologia sem o menor pudor.

Contudo, nenhuma atividade cínica era mais radical do que o exercício da


parresía. A coragem do sujeito expressar-se livremente não temendo sequer a mais
absoluta tirania. Foucault (2013) nos lembra que a parresía praticada pelos cínicos
compreendia uma prática de verdade fundamental aos horizontes políticos, pois
por meio dela, os cínicos desafiavam toda ordem social vigente.

NOTA

A parresía significa, em uma tradução livre, “coragem da verdade”, ou,


ainda, “franco dizer”. Sua proveniência remete ao período conhecido como democracia
pericliniana. Uma época marcada, sobretudo, pela experiência de radicalização da atividade
política.

O epicurismo foi outra escola filosófica muito importante dentro do


helenismo. Seu criador foi Epicuro (342 a.C. – 271 a.C.). Basicamente, o epicurismo
defendia a tese de que a obtenção da felicidade se daria pela mais absoluta vigília
do sujeito em relação aos seus próprios apetites carnais. Hadot recupera uma
importante mensagem transmitida por Epicuro a seus discípulos aonde podemos
ler: “A voz da carne diz: não se deve sofrer a fome, a sede e o frio; aquele que é
senhor disso, e tem a esperança de possuí-lo no futuro, pode lutar até mesmo com
Zeus pela felicidade (EPICURO apud HADOT, 2006, p. 170).

É importante lembrarmos que, por “carne”, Epicuro refere-se ao corpo


do sujeito. Logo, para os epicuristas não havia a separação entre corpo e alma,
da mesma maneira que, não existia prazer ou sofrimento sem que se tivesse um
estado de consciência capaz de permitir ao sujeito escolher, de forma racional, os
seus prazeres.

Justamente por conta de tal perspectiva, é que Epicuro, em conjunto com


seus discípulos, passa a compreender que essa busca pela felicidade não estaria
mais no espaço do embate político, da guerra, das conquistas ou da aquisição dos
bens materiais, mas justamente do equilíbrio entre racionalidade e emoção.

Nesse sentido, Epicuro formulou nas suas escolas, o que ele mesmo
chamou de jardins, espaços clínicos onde seus discípulos poderiam, antes de
tudo, aplicar o ensino fundamental das experiências do prazer a partir de uma
condição terapêutica.

11
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

FIGURA 6 - LE SACRE DU PRINTEMPS OU A SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA


IGOR STRAVINSKY & VASLAV NIJINSKY REGISTRA, COM PRECISÃO OS EFEITOS TERAPÊUTICOS
DO JARDIM DE EPICURO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Le_Sacre_du_Printemps>. Acesso em: 24 abr. 2020.

Por fim, outra escola que merece destaque dentro do helenismo foi o
estoicismo. Criada por Zenão (495 a. C. – 425 a.C.) essa escola foi, a que mais
encontrou adeptos dentro o que via a ser conhecido mais tarde como Império
Romano. Basicamente, o estoicismo defendia a tese de que os sujeitos deveriam
abster-se de todas as formas de vícios e prazeres, por meio da aplicação de
exercícios espirituais.

Os estoicos foram muito importantes por ilustrarem toda uma


performatividade moral em torno das escolhas do sujeito como a preponderância
pelo vínculo matrimonial, pela abstinência sexual e pelo despojamento dos bens
materiais.

Um dos filósofos romanos mais influenciados pelo estoicismo foi Sêneca (4


d.C. – 65 d.C.), um importante interlocutor e guia espiritual com grande influência
no interior do Império. Sêneca escreveu uma vasta obra, na qual exortava todos
os políticos a exercitarem seu espírito de modo a desenvolverem suas práticas de
governo. Entre esses textos destacam-se “As Cartas”, documentos prescritivos e
correspondências nas quais Sêneca procurava estabelecer as regras fundamentais
para o exercício da prática filosófica, do amor pelo conhecimento e do cuidado do
sujeito com relação a si mesmo.

12
TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

NOTA

Um dos discípulos mais ilustres de Sêneca fora o imperador romano Nero.


Sêneca foi um importante conselheiro político, buscando exercer sua influência de modo
a fazer com que Nero pudesse exercer o seu governo a partir de uma política justa e
humanitária. No ano de 65, porém, Sêneca foi acusado de uma conspiração pela tentativa
de assassinato de Nero, sendo, dessa maneira, sentenciado à morte.

Conforme podemos observar, o helenismo exerceu uma influência decisiva


para a filosofia romana e para a contextualização de uma possível existência da
psiché na vida ativa do Império Romano.

Muitos imperadores foram influenciados pelas escolas filosóficas, mas


em absoluto, nenhum deles foi tão fortemente influenciado como Marco Aurélio
(161 – 180). O imperador filósofo – como também é conhecido – publicou uma
série de reflexões influenciado pelo estoicismo. Esses livros receberam o título de
“Meditações”.

Basicamente, suas ideias giram em torno de reflexões sobre o necessário


controle das emoções que, por sua vez, poderiam libertar o sujeito do sofrimento
causado pelo mundo material.

Nesse sentido, ele recomendava ao sujeito desenvolver o que ele mesmo


chamava de exame de consciência. Tratava-se de uma atitude crítica, por meio
da qual o sujeito deveria examinar cotidianamente todos os seus atos, buscando
o seu aperfeiçoamento pessoal.

Da mesma forma que Marco Aurélio, outro filósofo muito importante


para a época fora Artemidoro (Séc. II d.C.) um amante da filosofia grega e que,
dedicou, grande parte de sua vida ao estudo interpretativo e analítico dos sonhos.
A essa perspectiva Artemidoro desenvolveu um método de trabalho nomeado
por ele de Onirocrítica.

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UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

FIGURA 7 - MUITO ANTES DA PSICANÁLISE OU MESMO DO SURREALISMO OS SONHOS


FORAM OBJETOS DE ADMIRAÇÃO E INTERPRETAÇÃO, POR PARTE DAS ESCOLAS
FILOSÓFICAS DA ANTIGUIDADE

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Surrealismo>. Acesso em: 24 abr. 2020.

Para Artemidoro, a interpretação dos sonhos era possível graças a


justaposição das semelhanças. Nesse caso, as chaves para essa análise dependiam
de uma série de características como: a idade, o gênero e a posição social do sujeito.

Ainda com relação a essa análise, os sonhos sexuais ganhavam um


destaque muito importante a partir de uma tripla perspectiva: em primeiro lugar
havia os atos consonantes com a lei – kata nomom –, em segundo lugar, os atos
contrários à lei – para nomom – e, finalmente, os contrários à natureza – para phusin
– de todo o modo, essas subdivisões eram importantes para destacar as rupturas
e diferenças entre às leis e à natureza, ou seja, os atos contrários a ordem social
vigente e, os contrários à conduta humana. Nesse contexto Foucault nos lembra
que:

[...] a prática interpretativa tal como ele opera no discurso de Artemidoro


mostra que o próprio sonho sexual é percebido, elaborado, analisado,
como uma cenário social; se ele anuncia o “bom” e o “mau” no campo
do ofício, do patrimônio, da família, da carreira política, do status, das
amizades e das proteções, é porque os atos sexuais que ele representa
são constituídos pelos mesmos elementos que ele (FOUCAULT, 1985,
p. 36).

É a partir dessas experiências evocadas por esses pensadores que a


psicologia no Império Romano vai, aos poucos tomando a forma, de conselheira
espiritual dos sujeitos. Esses sistemas filosóficos passam a influenciar diretamente
as práticas cotidianas durante o Império.

14
TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

Um dos maiores historiadores do mundo romano, chamado Paul Veyne


(1980), chega mesmo a afirmar que, diferentemente do que se convencionou a
acreditar, a lei que regia Roma não era o “sangue”, mas a formação do que ele
chama de “vínculo familiar”.

Diferentemente da Grécia Antiga em que as sistematizações da política e


da cidadania ou mesmo da filosofia eram restritas a um círculo muito reduzidos
de sujeitos, em Roma passa a existir, por meio das famílias a universalização dos
próprios sujeitos.

FIGURA 8 - O HISTORIADOR FRANCÊS PAUL VEYNE

FONTE: <https://booksandideas.net/The-Curious-Monsieur-Veyne.html>. Acesso em: 28 abr. 2020.

Os desdobramentos da psicologia na Roma Antiga reverberam sobre as


práticas culturais voltadas para os sujeitos trabalharem as suas emoções a partir
de uma doutrina fortemente amparada nas perspectivas filosóficas das formas de
vidas voltadas para o aperfeiçoamento e o cuidado de si mesmo.

Portanto, o papel da cultura romana sobre a psicologia será de fundamental


importância no que se refere à popularização desse acontecimento nomeado
como cuidado de si.

4 A PSICOLOGIA E O CRISTIANISMO
O cristianismo é uma doutrina espiritual criada por Jesus e seus discípulos
para anunciar, por um lado, a iminência do fim do mundo e, por outro lado,
o advento do Reino de Deus. Trata-se de uma mensagem radicalmente oposta
às culturas gregas e romanas. Essas duas últimas, jamais preocuparam-se em
estabelecer um vínculo entre a existência dos sujeitos e a revelação escatológica
dos fins dos tempos.

15
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

NTE
INTERESSA

A ideia de inferno que conhecemos não é uma invenção do Cristianismo,


mas, sim, uma apropriação do que os gregos chamavam de Hades? Geralmente, o Hades é
representado na mitologia grega como o “mundo inferior”. Essa terra dos mortos era aonde
todos deveriam esperar pelo seu julgamento após a morte. Com o Cristianismo cria-se
a ideia de que o inferno é um lugar aonde apenas os hereges deverão expiar pelos seus
pecados.

Contudo, a história mostra que após um século do desaparecimento


de Jesus, alguns pensadores se esforçaram para apresentar o cristianismo não
somente como uma filosofia, mas como a filosofia. Por conta de tal aspecto, a
pergunta a ser feita seria: quais as condições de possibilidades que permitiram,
durante muitos anos, o cristianismo tornar-se uma força hegemônica?

Para que possamos esclarecer essa questão devemos compreender as


possíveis relações entre as culturas grega e judaica. Essas duas perspectivas
encontram-se representadas pelos trabalhos desenvolvidos por Fílon de
Alexandria (15 a.C. – 45), filósofo judeu contemporâneo da era cristã.

Por meio dos seus terapeutas de Alexandria, Fílon criou todo um estilo,
ou melhor, uma exegese capaz de estabelecer a relação entre o inefável e o logos.
Para Fílon, o logos designava não somente o discurso, mas a possibilidade de
criação do mundo e de todas as coisas.

Essa inspiração de Fílon foi extraída do Evangelho de João onde nos


primeiros versículos podemos ler:

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era


Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas
por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida
era a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a
compreenderam. Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era
João. Este veio para testemunho, para que testificasse da luz, para que
todos cressem por ele. Não era ele a luz, mas para que testificasse da
luz. Ali estava a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem
ao mundo. Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo
não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.
Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos
filhos de Deus, aos que creem no seu nome; Os quais não nasceram do
sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de
Deus. E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória,
como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade (JOÃO
EVANGELISTA, BÍBLIA SAGRADA, 1995, 01:14, p. 1082).

16
TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

Em todo esse conjunto de palavras, a que mais chama a atenção é o


Verbo/logos. Por conta dessa palavra, é que uma filosofia cristã foi possível.
Evidentemente que encontramos o emprego do logos entre os gregos e romanos.
Contudo, para eles o significado de tal termo é resumido na relação entre discurso
e razão.

No Prólogo do Evangelho de João, o logo ganha uma representação eterna,


uma vez que, a figura de Deus é tida como a razão responsável por instituir um
guia de conduta não somente para o pensamento, mas também para as ações do
sujeito. Ao proclamar que o “Verbo era Deus” e, mais tarde que o “logos se fez
carne e habitou entre nós”, João constituiu, de acordo com Hadot (2006), uma
experiência filosófica que liga a alma do mundo com o corpo do sujeito.

Os primeiros cristãos, portanto, produziram uma experiência filosófica


que aproxima, portanto, a doutrina cristã de temas até então tipicamente comuns
à filosofia. Para os filósofos cristãos do século II, os gregos e romanos possuíam
apenas uma limitação da compreensão totalizada do logos e, somente com a
emergência do cristianismo é que passa a existir, o discurso verdadeiro da razão
encarnada na figura de Jesus.

NOTA

Os primeiros filósofos cristãos são chamados pelos historiadores de


apologistas. Eles receberam essa designação por desenvolverem uma reflexão voltada para
a aproximação das formas de vidas filosóficas com as questões ligadas ao cristianismo.

Ao considerarem o fato de que, o exercício filosófico consistia em


estabelecer uma aproximação do discurso com a razão, os cristãos passaram a
compreender que também eram filósofos, pois viviam em consonância com o
logos divino. O cristianismo, por conseguinte, é a revelação completa do logos,
transformando-se em uma atitude filosófica responsável por incitar todos os
sujeitos a se conduzirem buscando se assemelhar a Deus como princípio de uma
vida transcendental.

Por se afirmar como uma experiência revelada, o cristianismo procura


articular a relação do discurso com o modo de vida. Dessa maneira, desde
seu aparecimento operou as suas reflexões tanto no texto bíblico, como nos
ensinamentos filosóficos.

Desse modo, da mesma maneira que os platônicos propunham cursos


baseados nos diálogos do seu mestre, cristãos como Orígenes (184 – 253)
propunham exercícios espirituais a partir da leitura de livros como os Provérbios
e o Eclesiastes.
17
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

FIGURA 9 - O CRISTIANISMO EM ROMA

FONTE: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/cristianismo-primitivo.htm>.
Acesso em: 28 abr. 2020.

Todo esse conjunto de ensinamentos deve ser observado como uma como
uma introdução para a vida espiritual em consonância com o desenvolvimento
espiritual do sujeito. Isso quer dizer que, o estudo sistemático das escrituras,
constituiu a base para a formação da subjetividade cristã.

Por meio da ascese, os primeiros cristãos elaboravam um procedimento de


aprendizagem do discurso filosófico, como também a produção de uma estética
da existência que constituirá o modo de vida cristão.

Se o logos é a revelação divina e a manifestação de Deus, é possível


encontramos as ressonâncias de uma teologia sistemática já nos filósofos gregos.
Tomemos como exemplo os livros Timeu, de Platão (2003) e Metafísica, de Aristóteles
(1979). Nesses livros, enxergamos de diferentes fontes de revelação, modos de
conduta e, distintos graus de manifestações divinas que serão incorporadas ao
cristianismo.

Isso significa que, a partir dessa perspectiva, a filosofia grega será o alicerce
sob o qual toda arquitetura cristã foi construída. Ocorre que a estratificação do
cristianismo como filosofia precisa ser observada não somente como uma cultura
exegética, mas também como um estilo de vida, um modo de ser. Em outras
palavras, não devemos conceber o cristianismo como um dogma religioso tão
somente, mas sim uma sabedoria de vida e uma maneira de se viver de acordo
com a razão divina.

Justino (100 – 165) – um dos primeiros apologistas – costumava afirmar


que, mesmo aqueles que vieram antes de Jesus – levando uma vida em consonância
com o logos – eram cristãos, pois praticavam exercícios espirituais semelhantes
aos primeiros praticantes do cristianismo.

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TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

Da mesma maneira, Clemente de Alexandria prescrevia que, alguns dos


prazeres precisariam levar em conta a tranquilidade da alma – amrimnia –, a
prudência – eulaeia –, e à atenção do sujeito consigo mesmo – prosoche – essas três
prescrições constituem o núcleo do pensamento da filosofia cristã a partir de uma
experiência muito importante, no caso, o exame de consciência.

Desse modo, o sujeito deveria dirigir seu exame para os sentimentos e


ações, bem como questionar-se constantemente quanto as suas ações éticas
e morais. Esse procedimento seria responsável por provocar no sujeito, uma
minuciosa análise sobre seus atos e sentimentos.

Nesse sentido, a filosofia cristã ganhará, cada vez mais, o tom de uma luta
travada pelo cristão contra si mesmo, a tal ponto que, a partir do século IV muitos
filósofos ligados ao cristianismo desenvolveram a ideia de que, para o sujeito
ser um bom cristão, era necessário ser um herói e, esse heroísmo, consistia em
produzir um estilo de vida próximo a de Jesus.

É diante de tal cenário que emergem no cristianismo, os primeiros rituais


de isolamento, de meditação, de batismo enfim, uma série de práticas voltadas
para a produção de um rompimento absoluto da vida considerada devota com o
mundo exterior.

FIGURA 10 - BATISMO DE CRISTO DE PERUGINO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Batismo_de_Jesus>. Acesso em: 24 abr. 2020.

O batismo é uma das formas mais tradicionais do martírio instituído pelo


cristianismo.

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UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Quando Basílio de Cesareia (330 – 379) proclama a frase: “[...] guarda-te


de ter em teu coração um pensamento vil (BASÍLIO DE CESAREIA, 1999, p. 85)”,
refere-se ao fato de que, guardar a si mesmo significa constituir um guia para a
vida cotidiana baseado nos princípios racionais de pensamento e ação, por meio
de um cuidado com o corpo e com a alma.

Da mesma forma que os filósofos gregos e romanos, os cristãos ao


promoverem o martírio, estabeleciam uma ruptura em relação aos bens materiais
e examinar detalhadamente a consciência procurando estetizar-se da melhor
forma possível segundo a filosofia cristã.

A ascese cristã é um ritual de aproximação do corpo e da alma e, somente


quando ocorre essa aproximação é que um estilo de subjetividade cristã possui a
condição preliminar do sujeito viver de acordo com a vontade de Deus. Isto é, ao
adotar um estilo de vida cristão, o sujeito associava a racionalidade com a palavra
por meio do estudo aprofundado da Bíblia. Contudo, esse projeto só pôde ser
concretizado quando o sujeito estaria apto a reconhecer a verdadeira realidade.

Esse empreendimento encontra-se ancorado na busca pela coragem da


verdade e, dessa maneira, os primeiros cristãos resgatam inclusive o conceito de
parresía. A parresía aparece no Novo Testamento como uma convocação para o
sujeito possuir uma fé contagiante a partir da abertura total do seu coração.

De acordo com Foucault (2013), esse modelo de parresía seria uma


modalidade da manifestação humana em consonância com o logos divino.

Nesse sentido, essa prática de acordo com Foucault (2013) possui dois
contextos muitos específicos: em primeiro lugar, essa é a inscrição de um processo
de subjetivação dos primeiros cristãos. E, ao mesmo tempo essa inscrição não é
da ordem verbal, mas manifestada a partir da confiança do sujeito em relação a
Deus.

A confiança é o ponto de partida do recurso parresiástico empregado


no contexto do cristianismo. Isso significa por um lado que, ao crer no nome
de Deus, o cristão sabe automaticamente que a vida eterna é o presente mais
precioso concedido por Deus. Por outro lado, ao dirigir-se a Deus, o cristão não
deveria esperar nada além dos desejos de Deus.

Por conta desses aspectos, a prece ou a vontade do sujeito nada mais era
do que uma remissão a Deus da sua própria vontade. Isso significa que a relação
de confiança e de segurança presente na parresía cristã circula pelo princípio de
obediência e, dentro dessa circularidade, encontra-se a crença na vida eterna e o
pedido sincero para que seja feita sempre a vontade de Deus.

Por conta desses aspectos, é que os primeiros cristãos construíam as suas


experiências éticas e estéticas baseadas na vida do próprio Jesus. Esse símbolo de
confiança significava o estabelecimento de uma aliança nos quais os cristãos que
possuem fé não deviam pedir a Deus nada além daquilo que era a sua vontade.
20
TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

Existia, portanto, nesse estilo de vida uma atitude voltada para a confiança
do sujeito em relação ao seu destino. Por exemplo, a biografia de João Crisóstomo
(347 – 407), retratada no livro Tratado das Providências relata que, no momento
de perseguição aos cristãos por forças políticas muitos, não hesitaram em se
tornarem almas invencíveis, cuja sabedoria não se deixava subjulgar por meio da
audácia e da coragem.

Esses dois elementos são inscrições da perspectiva que enaltecia a


capacidade de certos sujeitos em se tornarem mártires de uma forma proveitosa
e útil. Da mesma maneira, Gregório de Nissa (335 – 394) em Tratado da Virgindade
elabora uma reflexão importantíssima sobre o estilo de vida dos cristãos a partir
do estabelecimento de um estilo de vida ligado ao despojamento e a confiança em
relação a Deus.

Nesse sentido, podemos afirmar que o estilo de vida dos primeiros


cristãos ligados a essa experiência instituiu toda uma reflexão sobre os modos de
conduta responsável pelo desenvolvimento e pela própria institucionalização do
cristianismo com a emergência da Igreja Católica.

5 A PSICOLOGIA NA IDADE MÉDIA


A Idade Média compreende o período marcado pela decadência do
Império Romano até a expulsão dos árabes da Europa. Esse período – que
durou do século V ao XV – entrou para a história como uma época marcada pela
hegemonia da Igreja Católica nos campos da filosofia, das artes e das ciências.

FIGURA 11 – O FILME O NOME DA ROSA

FONTE: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-2402/>. Acesso em: 28 abr. 2020.

O filme “O Nome da Rosa” é um retrato muito importante sobre a Idade


Média.

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UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Durante esse período destaca-se um alto grau de despovoamento das


cidades devido às invasões bárbaras. Dessa maneira, o cristianismo passa a se
disseminar a partir da estruturação dos primeiros monastérios. Esses monastérios
desenvolveram todo um estilo de vida, próprio a ortodoxia católica. Geralmente,
administrado por comunidades eclesiásticas subordinadas a Roma, os monastérios
eram edificados como espaços de uma profunda reflexão interior, por parte do
sujeito, acerca da sua condição e também para o exercício da expiação.

Contudo, havia também outras ordens religiosas que procuravam


estabelecer os pressupostos da forma de vida como elemento de subjetivação.
Essas ordens receberam o nome de mendicantes e, eram formadas por homens
e mulheres que procuravam renunciar a toda e qualquer ordem material a partir
dos princípios da pobreza.

NOTA

Hierarquicamente, as ordens religiosas são estruturadas a partir de quatro


grandes categorias: as monásticas, as mendicantes, as regrantes e as de clérigos regulares.
Muitas dessas ordens nascem durante a Idade Média e se perpetuam até os dias de hoje.

Essas ordens buscam administrar toda a vida da sociedade a partir dos


elementos voltados para a busca pelo conhecimento. É nesse período que Bento
de Nurcia (480 – 547) – conhecido depois como São Bento – elaborou um manual
muito importante em torno do processo de subjetivação. As Regras Monásticas
caracterizam-se como um conjunto de preceitos voltados para a regulação da
vida monástica.

As questões envolviam desde o ritual da ascese, como também os


elementos voltados para o cuidado com a alimentação, o vestuário, as orações e
todo um conjunto disciplinar para os elementos de uma virtude cristã.

Assim como São Bento, outro intelectual muito importante para esse
período foi São Francisco de Sales (1567 – 1622), responsável pela publicação do
livro Introdução a Vida Devota, na qual Sales desenvolve, por meio de um conjunto
de epístolas, os elementos voltados para a vocação religiosa e para a devoção.

Essas duas perspectivas, apontadas por São Bento e São Francisco de


Sales, são muito interessantes para visualizarmos um acontecimento relevante
proveniente da Idade Média, no caso, o poder pastoral.

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TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

FIGURA 12 - MICHEL FOUCAULT

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_Foucault>. Acesso em: 24 abr. 2020.

O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) desenvolveu muitos estudos


sobre o poder pastoral. Para Foucault (2008) o poder pastoral desenvolvido na
Idade Média caracterizava-se como uma economia de poder responsável, por
administrar a vida dos homens em consonância com o cristianismo. Tratava-se,
portanto, de um estilo de governo voltado para a salvação das almas por parte do
pastor. Segundo aponta Martin (2010, p. 28):

[...] através de um controle insidioso sobre o indivíduo e, é dessa


maneira que a sua subjetividade será moldada. O poder pastoral é uma
forma de poder na qual um sujeito (um guia) influencia a subjetividade
de outro sujeito através do reforço do controle e da dependência, tanto
através de uma política de identidade como pelo conhecimento de si.
O poder pastoral torna-se possível pelo conhecimento em termos de
conscientização e a capacidade do pastor em dirigir permanentemente
a consciência do indivíduo.

Dessa maneira, um dos traços fundamentais do poder pastoral refere-


se ao fato dessa modalidade de poder indicar, por meio do seu agenciamento
de governo, a formação de uma economia da salvação na qual o sujeito ligava
o problema do conhecimento de si – como um instrumento que dependia da
capacidade dele aceitar incondicionalmente todas as diretrizes estipuladas pelo
pastor – com os elementos das regras monásticas e da vida devota.

Esse processo de condução das condutas está baseado na relação


fundamental da aliança de Deus, o pastor e os homens. Nesse caso, o pastor,
mais especificamente, atuaria como um mediador da experiência política com a
experiência religiosa.

Nesse contexto, o pastor era aquele que recebia a responsabilidade de


conduzir todo o rebanho à terra prometida a partir de uma constatação bíblica.
Quando escravos no Egito, Deus confiara a Moisés a responsabilidade de conduzir
o rebanho por todo o deserto.

23
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

FIGURA 13 - A ALIANÇA ENTRE DEUS E OS HOMENS DEPENDIA DA MEDIAÇÃO DO PASTOR


REPRODUÇÃO DA ABERTURA DO MAR VERMELHO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Mar_Vermelho>. Acesso em: 24 abr. 2020.

NOTA

A escolástica foi um movimento teológico responsável por orientar os


preceitos da fé a partir da filosofia e da ciência. A escolástica foi um método adotado por
muitos monastérios e universidades a partir da articulação entre os saberes cristãos, a
filosofia de Platão e de Aristóteles e das ciências naturais.

Da mesma forma que Agostinho, outro nome muito importante dessa


perspectiva foi Thomas de Aquino (1225 – 1323). Thomas de Aquino foi responsável
pelo desenvolvimento de uma epistemologia voltada para o conhecimento da
verdade a partir da elaboração da fé como elemento fundamental da vida cristã.

Desse modo, Thomas de Aquino acreditava que a fonte de toda a verdade


era encontrada na natureza da fé a partir da revelação natural e sobrenatural. A
fonte de toda essa inspiração é refletida pelo Espírito Santo.

Ainda com relação a esse aspecto, acreditava que a existência de Deus era
possível de demonstração a partir de um conceito muito importante, no caso, o de
causa primeira. Deus, para ele é movimento a partir de uma elaboração, segundo
a qual todas as finalidades residem na vontade de Deus.

Essas premissas levantadas por esses dois intelectuais foram de extrema


relevância para o exercício da vida religiosa na Idade Média. Desse modo,
a psicologia, nesse período, compreendia as relações entre a vida sagrada a
partir de um momento muito importante para as experiências dos processos
de subjetivação e dos movimentos ondulatórios que fizerem aparecer outros
acontecimentos intrínsecos a esse período como o Renascimento e, mais tarde, o
Iluminismo.
24
TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

6 A PSICOLOGIA NO NASCIMENTO DA MODERNIDADE:


DO RENASCIMENTO AO ILUMINISMO
Com a crise dos sistemas econômicos, políticos e culturais da Idade Média,
começam a emergir uma série de novas forças que ousarão questionar o sistema
hegemônico e ideológico da Igreja Católica. Esses movimentos estão intimamente
ligados a dois acontecimentos muito importantes para a nossa sociedade: o
Renascimento e o Iluminismo.

Contudo, antes de definirmos esses dois episódios, é necessário


compreendermos alguns aspectos relevantes para uma problematização dessa
hegemonia. O primeiro deles ficou conhecido, em linhas gerais, como Reforma
Protestante. Essas reformas foram desenvolvidas a partir de três grandes linhas
de atuação religiosa, como também política.

A Reforma Protestante não foi meramente um movimento reformista,


mas um movimento de contraconduta. No ano de 1517, às portas da Igreja de
Wittenberg, Martinho Lutero (1483-1543) desenvolve as suas 95 teses voltadas,
sobretudo, às críticas em relação às vendas de indulgências por parte da Igreja
Católica.

O desenvolvimento dessas teses gerou uma forte onda de insurreições


espirituais e políticas por toda a Europa. Diversos reinados começaram a
desenvolver uma problematização em relação a aspectos centrais da vida pública
e privada. Com a insurgência de Lutero, outros dois intelectuais foram fortemente
influenciados por essa dinâmica. Na Inglaterra por exemplo, o Rei Henrique VIII
– fortemente influenciado pelos ideais de Lutero – resolve romper as relações
com a Igreja Católica a partir da fundação do anglicanismo.

O anglicanismo torna-se a primeira religião de Estado da era moderna. No


ano de 1561, o anglicanismo desenvolve uma exortação à reforma modificando
radicalmente, os seus dispositivos de liderança a partir do desenvolvimento com
o congregacionismo. Ou seja, a finalidade de congregação do sacramento, por
parte do pastor, a partir de eleições voltadas para o sacramento religioso.

Da mesma forma João Calvino (1509 – 1564), foi um importante


interlocutor do protestantismo. Responsável pela criação do calvinismo, João
Calvino defendeu as suas teses refutando a tese católica do pecado original. Para
Calvino, a herança teológica de Deus aos homens em relação às suas riquezas
era sinal da graça divina. Logo, a experiência religiosa deveria ser voltada para o
acúmulo da riqueza, por meio da ascensão burguesa.

25
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

FIGURA 14 - O MURO DOS REFORMADORES LOCALIZADO NO PARQUE DOS BASTIÕES EM


GENEBRA. DA ESQUERDA PARA À DIREITA: GUILHERME FAREL, JOÃO CALVINO, TEODORO DE
BEZA E JOÃO KNOX

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Muro_dos_Reformadores>. Acesso em: 24 abr. 2020.

Como vimos, o papel da Reforma Protestante foi imprescindível para


o nascimento da Modernidade. No campo da economia, por exemplo, muitos
reinados tornaram-se protestantes com o intuito de estabelecer uma fissura em
relação ao poder da Igreja Católica. A crescente ascensão burguesa fez explodir
na Itália, berço do catolicismo um elemento cultural muito importante que ficou
conhecido como Renascimento.

Basicamente, o Renascimento trata-se de um movimento cultural que


procurava estabelecer os elementos de um retorno às origens da nossa civilização,
ou seja, suas matrizes grega e romana. O Renascimento caracteriza-se, portanto,
como um crivo potencialmente humanista no qual o homem passa a ser o centro
do Universo e não mais a figura de Deus.

NOTA

O Renascimento é um período de valorização acentuada do Humanismo.


Etimologicamente, o humanismo deriva do latim humanitas que significa erudição e/ou
cultura.

Um dos maiores renascentistas foi Nicolau Copérnico (1473 – 1543).


Copérnico foi responsável pelo desenvolvimento do heliocentrismo. Em Da
Revolução das Esferas Celestes Copérnico desenvolve sua teoria no sentido de
propor que a terra não era o centro do Universo, mas o sol.

26
TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

Essa ruptura foi, de fundamental importância, para o desenvolvimento


das experiências do humano em detrimento ao transcendentalismo teológico.
Enquanto que, na Idade Média, todas as reflexões eram dedicadas a pensar as
bases da teologia, no Renascimento o sujeito – sem negar obviamente a Deus –
deve encontrar o seu lugar no mundo a partir das experiências da filosofia, das
artes, da economia e da ciência.

FIGURA 15 - O FILME O CÓDIGO DA VINCI

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/O_C%C3%B3digo_Da_Vinci_(filme>. Acesso em: 24 abr.


2020.

O filme “O Código da Vinci”, de Ron Howard é uma importante alegoria


sobre os impactos do Renascimento na Modernidade.

Os pontos destacados pelos renascentistas compreendiam a contemplação


do humano que, por meio da arte e da ciência poderia reaproximar-se das suas
condições originárias. Isso significa que o sujeito deveria se elevar sobre a natureza.
Isso porque ele é o único capaz de compreendê-la, modelá-la e dominá-la.

Desse modo, as obras renascentistas buscaram estabelecer um grau


de complexidade o nível de excelência do humanismo como referência para o
desenvolvimento da cultura moderna.

É nesse contexto que, no campo da psicologia e da filosofia inúmeros


pensadores irão dedicar grandes esforços no sentido de pensar os elementos
fundamentais ligados à experiência moderna da nossa própria subjetividade.

Um desses intelectuais foi Rene Descartes (1596 – 1650). Nascido na França,


Descartes fez toda a sua formação junto aos jesuítas. Ele era, portanto, discípulo da
escolástica vigente. A época de Descartes, o pensamento filosófico era fortemente
influenciado pela lógica aristotélica, segundo a qual as coisas ocupam seu lugar
no mundo buscando retornar a elas mesmas. Afastando-se dessa concepção,
Descartes elabora o seu método racionalista, para afirmar que o motor principal
do espírito científico não são as coisas em si, mas a dúvida. É por meio da dúvida
que a ciência pode ocupar um lugar no mundo. Essa dúvida é expressa na clássica
fórmula: cogito ergo sum, ou penso, logo sou. Esse enunciado contribuirá para
o desenvolvimento do momento cartesiano nas ciências como um todo, pois até

27
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

para Descartes o sujeito não possuía qualquer estatuto. É somente a partir de suas
reflexões que serão estabelecidas as bases de um racionalismo intrínseco ao sujeito.

Isso significa que somente pode pensar aquele que duvida, mas esta
dúvida se encontra no horizonte de racionalidade a qual é inata ao sujeito.

NOTA

Ao formular as bases para o seu método racionalista, Descartes acaba


lançando a ciência moderna em um debate complexo sobre as origens do conhecimento.
Os seguidores de Descartes ficaram conhecidos como racionalistas e, formulavam suas
reflexões no sentido de compreender o sujeito como alguém naturalmente dotado das
faculdades racionais do pensar. Descartes, portanto, inaugura o que mais tarde veio a ficar
conhecido como inatismo, ou seja, o fato de que o sujeito já nasce pronto e, tudo o que
lhe resta a fazer, é resgatar esse conhecimento.

Na contramão das teses cartesianas sobre o conhecimento e sobre o


sujeito, os empiristas ingleses passam a desenvolver outra teoria que também
será decisiva para o nascimento da psicologia na Modernidade. Esses empiristas
foram responsáveis pelo desenvolvimento da tese de que, o sujeito é como uma
tábula rasa e, tudo o que ele aprende, bem como as suas potencialidades, só pode
ser objeto das suas experiências.

Entre esses empiristas, destaca-se em primeiro lugar Thomas Hobbes


(1588 – 1679), um eminente jurista e filósofo. Hobbes vivera em uma Inglaterra
assolada por diversas guerras, insurreições e revoltas. Portanto, muitas de suas
obras são uma reflexão direta sobre à formação de um Estado moderno e com
características voltadas para a soberania.

Em Leviatã: matéria, palavra e poder de um governo eclesiástico e civil, Hobbes


aponta que, no estado de natureza, os sujeitos são impelidos ao confronto uns
contra os outros. A essa perspectiva Hobbes nomeia esses conflitos de estado de
natureza. Logo, os sujeitos devem abrir mão dessas táticas e, consequentemente
estabelecer a mediação desse processo por meio do contrato social, pois na
natureza o homem é lobo do homem.

Nesse sentido, podemos entender que Hobbes propõe uma aliança entre
os sujeitos e o Estado na qual, os primeiros abrem mão da sua liberdade, em troca
da segurança prometida nos mais variados níveis – saúde, educação, transporte,
moradia etc.

Um segundo empirista muito importante para a modernidade foi John


Locke (1632 – 1704). Locke é considerado, por muitos, como o pai da doutrina
econômica chamada liberalismo. No livro Ensaio Acerca do Entendimento Humano,

28
TÓPICO 1 | AS ORIGENS FILOSÓFICAS DA PSICOLOGIA

Locke fundamenta as bases do direito natural, intrinsecamente ligado ao problema


da propriedade privada.

Diferentemente de Hobbes, Locke acreditava que os sujeitos poderiam, diante


de um governo injusto, recusar as formas de governo as quais eram submetidos. Desse
modo, quando algum governante retira direitos ou viola as garantias fundamentais,
o exercício da resistência torna-se uma obrigação. Nesse contexto, passa a existir,
segundo Locke, uma forte ocupação por parte do Estado, em garantir os interesses
individuais e não o bem comum como se acreditava até então.

Por fim, outro grande empirista, nascido já nos limiares do século


XVIII, fora David Hume (1711 – 1776). Hume criou o que se conhece hoje por
ceticismo filosófico. Trata-se de um método capaz de estabelecer uma crítica ao
dogmatismo racionalista a partir da seguinte constatação: não há, na natureza
humana, uma verdade absoluta. Isso porque é o sujeito quem define e, portanto,
contamina toda experiência por conta da sua própria subjetividade. Logo, todo
conhecimento, por mais confiável que seja, não pode abrir mão de dois princípios
básicos: a causalidade e a necessidade.

Por conta das reflexões elaboradas tanto por Descartes, quanto pelos
empiristas ingleses é que uma ciência psicológica se tornará possível no século
XIX. Entretanto, o debate sobre as origens do conhecimento humano quase
ocasionou o fim da filosofia e das ciências do homem, propriamente ditas até o
aparecimento da filosofia crítica de Kant.

Immanuel Kant (1724 – 1804) foi um filósofo alemão entusiasta da


modernidade e do iluminismo. Kant desenvolveu a sua filosofia já em um
estágio muito avançado da sua idade e, basicamente, seus livros compõem o
que seus interpretadores chamam de filosofia crítica. Essa filosofia é composta
pelos livros: Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e Crítica da Faculdade de
Juízo. Em relação à primeira crítica, Kant interessa-se em definir os limites e as
possibilidades do conhecimento. Para ele, a faculdade do conhecimento não é
atributo de uma razão universal e dogmática, mas um processo de síntese entre
o sujeito e o objeto. Isso significa que não é a razão quem define os rumos para o
conhecimento, mas o sujeito. Este sujeito encontra-se no centro e no fundamento
de todas as coisas, contudo, esse conhecimento é sempre parcial e relativo, jamais
absoluto. Logo, os sujeitos não podem conhecer tudo, mas apenas delimitar
experiências e sensações daquilo que compreendem ser a totalidade.

Em relação à Crítica da Razão Prática, Kant mostra-se inclinado a pensar as


bases da doutrina moral humana. Para ele, a moral é um imperativo categórico
mediado pela seguinte afirmação: Age de tal modo que a máxima da tua ação se
possa tornar princípio de uma legislação universal. Esse imperativo designa, por
sua vez, as regras de convivência dos seres humanos em uma sociedade iluminista.

Por fim, a terceira e última crítica é ligada diretamente ao problema


estético, ou seja, aos juízos de valores estabelecidos pelos sujeitos. Nesse contexto,
Kant analisa por meio de categorias ligadas ao sublime voltado para o contexto
da moral. Isso significa que, para Kant, a beleza estética é um produto ligado aos
problemas das afeições e não uma questão racional como se acreditava até então.
29
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Essas perspectivas abertas por Kant, na esteira do debate sobre o


Iluminismo foram de fundamental importância para o fortalecimento das
reflexões que levaram à criação das ciências humanas no final do século XIX,
entre elas a Psicologia. De todo o modo, as experiências conceituais produzidas
no debate e nas revoluções que antecederam a criação dos primeiros Estados
democráticos de direito favorecerão todo um conjunto de reflexões sobre os
modos pelos quais os seres humanos, a partir da Modernidade, devem tomar a
palavra, sendo definidores do seu próprio destino nos horizontes da história da
psicologia a partir da Modernidade, ou seja, conforme apontamos até aqui, os
elementos dessa nova conjetura moderna abriu as possibilidades para a criação
da ciência psicológica.

E
IMPORTANT

O PENSAMENTO ILUMINISTA E O DESENCANTAMENTO DO MUNDO:


MODERNIDADE E A REVOLUÇÃO FRANCESA COMO MARCO PARADIGMÁTICO

Essa mudança subjetiva surgiria com a ideia de progresso, de ruptura com o


passado – tratado brevemente na introdução. E, em geral, se encontraria associada com
algum evento significativo tomado como um marco histórico – neste caso, a Revolução
Francesa. Estaria por um lado, o prognóstico do racionalismo e, do outro, a filosofia da
história. Assim, estes conceitos surgiriam em antagonia às antigas profecias, onde os
homens poderiam ser os senhores de seu próprio destino e conhecedor das leis naturais –
física e humana.
Assim, o progresso se desenvolveria na medida em que o Estado e seus prognósticos
não fossem mais capazes de satisfazer a exigência soteriológica, e sua motivação seria forte
o suficiente para chegar a um Estado que, em sua existência, dependesse da eliminação
das profecias apocalípticas (KOSELLECK, 2007, p. 35-36).
Deste modo, o futuro desse progresso se caracteriza pela aceleração que se poria
à nossa frente e ao seu caráter desconhecido. A aceleração tornar-se-ia uma tarefa de
planejamento temporal, principalmente a partir do século XVIII e pós-Revolução, onde
o vetor fundamental da moderna filosofia da história seria o cidadão emancipado do
absolutismo e da Igreja.
Mas, isto só adviria através da arte do cálculo político, adquirindo seu refino
ao longo dos séculos XV ao XVIII, sendo os pensadores do século XVIII, responsáveis
sobremaneira pela mudança histórica abarcada pela Revolução. Resultado auferido pelo
aprofundamento do pensamento iluminista, que acabaria por se conhecer como Século
das Luzes. Pensamento este que tornaria o futuro um campo de possibilidades finitas,
organizadas segundo o grau de probabilidade.
Eliminava, então, a certeza ideológica dos partidos religiosos da chegada de
um Juízo Final e de uma única alternativa entre o Bem ou o Mal. Ou seja, o Iluminismo
introduzia a problemática da secularização no momento em que as ordens religiosas eram
questionadas, além de denunciar as intromissões e injustiças promovidas pela instituição
na política dos Estados.

FONTE: MELLO, Vicco Denis S. DONATO, Manuella Riane A. O pensamento iluminista


e o desencantamento do mundo: modernidade e Revolução Francesa como marco
paradigmático. Revista Crítica Histórica. 2 (4), 248-264, 2011. Disponível: em: <http://www.
revista.ufal.br/criticahistorica/attachments/article/118/O%20Pensamento%20Iluminista%20
e%20o%20Desencantamento%20do%20Mundo.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2020.

30
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• Foram os gregos que elaboraram as primeiras reflexões sobre o questionamento


filosófico em relação às experiências subjetivas.

• Com os romanos, a filosofia tornou-se um estilo de vida voltado para o


desenvolvimento do autoconhecimento e de uma doutrina moral baseada no
cuidado de si.

• Durante o cristianismo primitivo, muitas das ideias gregas e romanas foram


retomadas no sentido de pensar o bem viver como prática fundamental.

• Na Idade Média, o mundo se viu diante da hegemonia do catolicismo e do


poder pastoral.

• O Renascimento e o Iluminismo desenvolveram inúmeras reflexões sobre o


antropocentrismo como prática voltada para o desenvolvimento das ciências
e, em especial, para a psicologia.

31
AUTOATIVIDADE

1 Qual é o significado ético do poder pastoral elaborado pela Igreja Católica?

2 O que é o racionalismo proposto por Descartes?

3 Por que os filósofos gregos tinham tanto apreço pelos processos de


subjetivação?

32
UNIDADE 1
TÓPICO 2

O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS


PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

1 INTRODUÇÃO
Dando continuidade aos estudos sobre os saberes psicológicos, passamos
a destacar o conjunto desses mesmos conhecimentos reunidos em uma realidade
metodológica, verificada sistematicamente e controlada, que reúne hipóteses
na tentativa de possibilitar maior entendimento ao objeto de estudo da ciência
do comportamento, qual seja, o ser humano. Na esteira dos acontecimentos
produzidos pelo Renascimento e pelo Iluminismo, as ciências humanas
colocaram-se a favor de um projeto voltado para o progresso tecnológico da
civilização ocidental.

Falaremos sobre o momento histórico em que o saber psicológico é


proposto como ciência psicológica e, desta forma, observaremos que a ciência
tal qual reconhecemos hoje foi organizada a partir de uma necessidade da
modernidade, tendo como fundamentação a epistemologia positivista.

Deste movimento surge o primeiro laboratório de psicologia experimental


em Leipzig, na Alemanha, organizado por Wilhelm Wundt, que é considerado o
pai da psicologia moderna; a partir daí vários outros laboratórios de psicologia
experimental foram estabelecidos por universidades de outros países, mas foi na
América, onde se destacaram, dentro da escola de pensamento estruturalista, as
primeiras abordagens psicológicas.

Em outras palavras, o que procuramos afirmar, é que, a psicologia,


enquanto ciência emerge a partir de procedimentos tipicamente experimentais,
ou seja, as primeiras escolas psicológicas estavam inteiramente preocupadas
em delimitar a psicologia científica, afastando de seus estudos e intervenções
qualquer elemento metafísico e diferente da epistemologia positivista.

Este tópico está dividido em cinco itens. No primeiro deles, “A Psicologia


Científica e o Positivismo”, trataremos de analisar os elementos de correlação
entre a recente psicologia do século XIX e o positivismo comteano. No segundo
item, “Wundt, o pai da psicologia”, procuraremos, demonstrar, como Wundt
desenvolve seus estudos, de modo a explorar os contornos desse saber como
uma prática científica. Já no terceiro item, “O Funcionalismo”, analisaremos os
elementos centrais dessa escola psicológica a partir do seu fundador Edward

33
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Titchener. No quarto item, “O Estruturalismo”, estudaremos os principais


elementos dessa escola psicológica. Por fim, no item “O Associacionismo”,
analisaremos os principais referenciais teóricos e metodológicos dessa perspectiva.

2 A PSICOLOGIA CIENTÍFICA E O POSITIVISMO


Na metade do século XIX surgia na Europa o positivismo, uma
epistemologia que seria fundamental para a instrumentalização e sistematização
da psicologia como ciência da análise do comportamento.

Essa epistemologia procurava demonstrar como as ciências humanas, na


época, chamadas de ciências do espírito, deveriam passar por uma espécie de
reorientação metodológica, a saber: todo um contexto histórico e cultural deveria
ser traduzido pelos lemas Ordem, Amor e Progresso. Era com base nesses
enunciados que os intelectuais dessa época produziam suas teorias voltadas para
o empirismo, o reducionismo cartesiano e o mecanicismo, por exemplo.

NOTA

O lema inscrito na bandeira do Brasil é totalmente inspirado nos ideais


positivistas. Ordem e Progresso são valores herdados de uma tradição científica, que
inspirava muitos setores da recente república brasileira. Baseados no lema inscrito por
Auguste Comte – “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim" –
intelectuais brasileiros como Benjamin Constant e Raimundo Teixeira Mendes procuraram
inspirar-se nos ideais positivistas aplicando-os aos nossos tristes trópicos (SOARES, 2015).

No entanto, a pergunta que permanece é: quem foi o responsável pela


criação do positivismo? Isidore Auguste Marie François Xavier Comte, ou
simplesmente Auguste Comte (1798 – 1857) foi o grande idealizador desse projeto
epistemológico. É interessante observar que, Comte pertenceu a uma época
muita tumultuada, no caso, a passagem do século XVIII para o XIX. Este foi um
momento de intensas transformações políticas, ideológicas, sociais, econômicas e
científicas.

É na esteira desses acontecimentos que Comte inicia seus estudos com a


finalidade de procurar pensar uma religião da humanidade. Basicamente, Comte
entendia que, assim como a física e a matemática seriam os pilares das chamadas
ciências naturais, a sociologia, por sua vez, deveria assumir os contornos de
todas as ciências do espirito.

34
TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Com base nessa premissa, ele desenvolve um conceito muito importante


para o positivismo, qual seja, o evolucionismo social. Neste sentido, os elementos
de sua epistemologia voltavam-se inicialmente à análise dos tensionamentos e
contradições experimentadas pelas sociedades modernas. Todas elas, estariam
passando por convulsões necessárias para o desenvolvimento do progresso
científico.

FIGURA 16 - AUGUSTE COMTE, O CRIADOR DO POSITIVISMO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Auguste_Comte>. Acesso em: 24 abr. 2020.

É nesse contexto que aparecerão os primeiros esforços dedicados a


compreender a dinâmica das interações sociais entre os indivíduos a partir de
elementos tipicamente modernos. Dentro dessa perspectiva, o positivismo
interessa-se em descrever como os elementos sociais e políticas interferiam na
estruturação da sociedade.

A psicologia como campo de conhecimento referendado pelo objeto que


se destina a análise, qual seja, o estudo da subjetividade e do comportamento
humano nos mais variados contextos existenciais, tem seu aparecimento marcado
na modernidade em que a razão não estava mais submetida à fé, em que o
capitalismo transformara o servo – e sua relação com a terra – em trabalhador
fabril e consumidor das mercadorias responsáveis pela manutenção de um
determinado mercado.

O cientificismo se faz presente e passa a determinar o rigor das ciências


humanas. Da mesma forma, os temas relacionados à subjetividade e ao
comportamento passam a ser investigados pela fisiologia, a neuroanatomia e da
neurofisiologia.

É nesse contexto que a psicologia passa a configurar-se como saber


tipicamente experimental voltada para a observação analítica dos fenômenos
psicológicos. Na esteira do saber médico da época, a psicologia ainda não se
ocupará em desenvolver reflexões ou experimentações acerca da saúde mental.

35
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Sua orientação encontrava-se delimitada pela característica


eminentemente positivista que, segundo Foucault (2000), importava seu método
das ciências naturais e da medicina orgânica. Isto é, o saber psicológico detinha-
se em torno das relações causais entre as consequências psicológicas para os
elementos fisiológicos que poderiam ser estudados, de maneira aprofundada nos
laboratórios das universidades.

Entretanto, esse problema de correlação entre a psicologia e a fisiologia da


época só foram possíveis pela recusa em encontrarmos os elementos da época no
campo das ciências. Isso significa que os primeiros trabalhos desenvolvidos por
pesquisadores e professores interessados na psicologia.

Isso porque as universidades eram, na época, importantes centros de


formação voltadas para o progresso científico e humanista. O excelente padrão
de estudos e pesquisas estabelecido inicialmente na Alemanha, rapidamente
transfere-se a outras universidades e espaços de formação. Nesse sentido,
conforme aponta Hearnshaw (1987, p. 125):

Laboratórios bem aparelhados foram estabelecidos para pesquisa


em física, química, fisiologia e outras disciplinas científicas. Como
Flexner observou em seu livro sobre as universidades, “nenhum outro
país, durante o século XIX, reuniu semelhante grupo de cientistas
e de estudantes tão notáveis, providos com tantas facilidades ou
recompensados com igual respeito”. Portanto, não foi acidentalmente
que a psicologia científica teve origem na Alemanha.

As universidades alemãs, então, possibilitam o encontro dos pressupostos


positivistas com o fomento aos primeiros laboratórios equipados com
equipamentos de ponta voltados para o desenvolvimento dessas pesquisas.
Contrariando os pressupostos idealistas, aos quais a psicologia estava ligada,
fazendo eclodir uma série de trabalhos voltados à compreensão da psicologia
científica.

O primeiro laboratório de fisiologia experimental foi construído na


Universidade de Breslau por Jan Evangelista Purkinje, um renomado fisiologista
responsável pelo desenvolvimento dos primeiros estudos sobre o impacto
psicológico nos problemas oculares.

Em 1833, ele publica o primeiro trabalho voltado à compreensão dos


fenômenos fisiológicos aplicados ao campo da psicologia, no caso, O Manual
de Fisiologia Humana. Inspirado por essa publicação relevante, Johannes Müller
(1801 – 1858) desenvolve um extenso trabalho voltado para os elementos da
microanatomia, da embriologia e da psicologia fisiológica. Nesse campo, Muller
demonstrou as principais referências voltadas para as descrições elementares do
sistema nervoso, como também da endocrinologia. A partir dessa perspectiva,
seu trabalho foi dedicado a compreender os elementos da relação entre a ação
nervosa e os sentidos do sujeito.

36
TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Para Muller, a estimulação do sistema nervoso dependia da natureza do


órgão do sentido que sofria essa estimulação. É a partir dessa constatação que
ele irá propor a lei das energias específicas do sentido, isto é, um conjunto de
dispositivos que remetem a luz como elemento responsável pela estimulação
mecânica sobre a retina e o nervo óptico. Ainda, a esse respeito, ele argumentava
que o olho do sujeito não reagia somente aos estímulos externos, mas também
dos estímulos internos.

É na esteira desses acontecimentos que, na Universidade de Leipzig ocorre


uma verdadeira explosão de pesquisas voltadas à compreensão da psicologia
como apêndice da fisiologia.

FIGURA 17 - A UNIVERSIDADE DE LEIPZIG SE CONSTITUI COMO UM IMPORTANTE ESPAÇO


PARA O DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_de_Leipzig>. Acesso em: 24 abr. 2020.

O caminho estava preparado para o desenvolvimento de uma psicologia


quantitativa e qualitativa inspirada na epistemologia positivista. Nesse contexto,
os elementos desse projeto, mesmo que embrionário, da psicologia científica,
estava se consolidando a partir dos elementos como a introspecção e a organização
sistemática dos elementos fisiológicos.

Outro fator importante para esse processo refere-se ao fato, de que,


o interesse por parte de professores e pesquisadores começa a migrar do
funcionamento do corpo humano para os processos mentais – dos mais básicos
aos mais complexos – a partir dos primeiros estudos sobre a percepção, da
memória e da atenção.

37
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Desta forma, o contexto histórico pode relacionar não só o aparecimento


da psicologia como ciência, mas também do positivismo, que foi, o grande
propiciador do aparecimento do funcionalismo, das teorias estruturalistas;
correntes psicológicas pragmáticas, entre elas o behaviorismo e o cognitivismo
das quais falaremos nos próximos itens.

3 WUNDT, O PAI DA PSICOLOGIA


O título que é consagrado a Wilhelm Wundt (1832 – 1920) como pai da
psicologia moderna é justificado por diversos autores e historiadores no campo
das ciências humanas.

FIGURA 18 - WILHELM WUNDT O PAI DA PSICOLOGIA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Wilhelm_Wundt>. Acesso em: 24 abr. 2020.

Destas menções que dispõe a Wundt a referência de “pai da psicologia”,


podemos observar entre os feitos que as justificam a partir das seguintes razões.

Em primeiro lugar, porque ele foi responsável pela criação do primeiro


laboratório designado à investigação experimental dos fenômenos da consciência
no ano de 1878, em Leipzig. O seu laboratório foi palco de inúmeros estudos. Desde
o papel da percepção e das sensações até a primeira tentativa de classificação dos
aspectos psicológicos voltados para as questões do tato, do olfato e da cinestesia.
Mas também, eram desenvolvidas pesquisas relacionadas ao estudo do papel
das emoções e das vontades a partir da sua mensuração presentes nas variações
físicas como à alteração da respiração e da pulsação, por exemplo.

A segunda delas refere-se à organização e à publicação, por parte de


Wundt da Philosophische Studien, a primeira revista acadêmica dedicada a
compreender os efeitos da psicologia e promovê-la como elemento categórico de
novas análises. Mais tarde foi sucedido pelo Archiv für die gesamte Psychologie.
38
TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

A terceira delas, refere-se ao fato de que Wundt disseminou seu


conhecimento tendo impulsionado a replicação de diversos laboratórios de
psicologia experimental desenvolvidos pelo mundo, sobretudo, nos Estados
Unidos.

Por fim, ele formalizou a primeira escola de pensamento no âmbito da


psicologia dando espaço para os posteriores aparecimentos de novas escolas e
teorias voltadas ao entendimento sobre o comportamento humano.

FIGURA 19 - O LABORATÓRIO DE PSICOLOGIA LIDERADO POR WUNDT NA UNIVERSIDADE


DE LEIPZIG

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Wilhelm_Wundt>. Acesso em: 24 abr. 2020.

Como observamos na figura anterior, em uma reunião no laboratório,


em Leipzig, na Alemanha, Wundt e outros grandes estudiosos da época, entre
eles Weber, Fechner, Titchener e o americano William James dedicavam-se a
compreender a importância cada vez maior dos fenômenos psicológicos. A
psicologia já não era somente uma área da fisiologia, nem uma filosofia. Agora
ela passa a ocupar um estatuto próprio dentro das ciências humanas.

A maioria dos experimentos eram publicados na Philosophische Studien.


Na verdade, a revista era quase toda direcionada aos experimentos realizados
em Leipzig, pelos alunos de Wundt. Foram publicados mais de cem estudos
nos primeiros vinte anos de existência do laboratório. Os estudos dividiam-se
primeiramente nos aspectos psicológicos e fisiológicos da visão e as sensações
auditivas também teriam destaque no campo da psicofísica e sensações táteis
como tempo de reação ao toque.

Muitas das abordagens psicológicas que sucederam após o


desenvolvimento dos novos padrões de conhecimento partiram destes encontros
e pesquisas. Eis, portanto, os elementos que favoreceram o desenvolvimento
do saber psicológico como ciência. Em primeiro lugar, pela definição do objeto
de estudo, no caso, o comportamento como ressonância da vida psíquica e
da consciência. Em segundo lugar, pela delimitação do campo de estudo,

39
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

tipicamente experimental distanciando-se da filosofia e fisiologia. Em terceiro


lugar, pela organização e formulação de métodos para análise. Finalmente, pelo
desenvolvimento das teorias fundamentadas a partir das análises experimentais.

NOTA

Outro campo em que Wundt concentrou seu considerável talento tinha sido
esboçado nas Contribuições em 1862: a criação de uma psicologia social. Perto do final do
século, ele voltou a esse projeto, que culminou nos dez volumes de sua Volkerpsychologie
(Psicologia Cultural), publicados entre 1900 e 1920; o título é com frequência traduzido de
modo impreciso como “Psicologia dos Povos”.

A psicologia dos povos passou a dividir, com a nova ciência experimental,


os elementos de uma análise social e Wundt referendava que as duas deveriam ser
estudadas para o melhor entendimento dos processos mentais superiores como
aprendizagem e memória, pois o hábito cultural é referenciado na linguagem.

Desse modo, Wundt defendia a tese de que a psicologia, como ciência da


mente, deveria fixar seus objetos de estudos a partir da experiência imediata na
relação entre o fenômeno e o observador.

Isso significa que os esforços da psicologia deveriam se concentrar


na decomposição analítica de elementos compostos e complexos a partir
das unidades mentais como a percepção – restrita aos elementos objetivos da
experiência imediata – com os sentimentos e os afetos.

Segundo Wundt (1916), nossa mente era uma síntese de fluxos químicos
que efetuavam sua associação a partir de três categorias básicas: a primeira delas,
era a fusão. Nela, os elementos de combinação eram agrupados em conjuntos de
complementação. A segunda delas, era à assimilação em que a mente poderia
combinar os elementos presentes nas categorias alegóricas da consciência. Por
fim, havia também a complicação responsável por agrupar e reunir os elementos
de diferentes modalidades e sentidos.

Neste sentido, os afetos e os sentimentos acompanhavam as sensações e


as combinações das grandes classificações dos sentimentos. A essa perspectiva,
Wundt nomeou como sendo a teoria tripla das emoções. Na realidade, Wundt
acreditava que as sensações e sentimentos eram elementos básicos da experiência,
permitindo com que o sujeito acessasse a conscientização a partir das relações
entre as emoções e as volições. Isto é, o principal processo de conscientização era
a atenção. Esse processo tornava o campo consciente mais nítido que o fundo
no processo designado como apercepção a partir da relação entre os aspectos
objetivos e subjetivos, ou melhor, da experiência mediata e da experiência
40
TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

imediata. A esse respeito, nos lembra Leonardi (2011, p. 5):

A experiência imediata é a experiência consciente subjetiva tal


como ocorre em um exato momento, em que o acesso à realidade é
direto, intuitivo e independe das características constitutivas do
sujeito e de constructos auxiliares. A experiência mediata, por outro
lado, ultrapassa os elementos da experiência em si e, com base em
interpretações e inferências, proporciona um conhecimento distinto
daquele da própria experiência.

Conforme essas palavras destacam, os elementos da consciência são


caracterizados por meio da observação sistemática. Portanto, uma psicologia
científica deve procurar fomentar as condições de possibilidades para que
a percepção seja tão fiel quanto a própria observação a partir dos critérios de
uma atenção seletiva. Nesse contexto, a percepção interna, seria responsável
pela indicação dos elementos objetivos pelos quais a mente humana poderia ser
observada e controlada, por meio de experiências laboratoriais.

Destaca-se ainda que, para Wundt o estudo da experiência consciente e,


ao mesmo tempo, imediata era parcial e limitado. Isso significa que os processos
psicológicos superiores como a linguagem, a atenção, a memória e, a própria
percepção somente poderiam ser estudados em campos experimentais. Tudo o
que ultrapassasse essa condição era objeto de especulação metafísica.

A originalidade do pensamento elaborado por Wundt consiste no


desenvolvimento de um programa científico e, ao mesmo tempo, analítico em
torno de pesquisas desenvolvidas com o propósito de afastar, de vez, a psicologia
das suas raízes metafísicas.

Dando corpo ao campo experimental Wundt, atribuiu ao campo


psicológico os elementos das ciências naturais a partir da adoção de um método
tipicamente experimental em torno dos elementos presentes na consciência
humana. Atento a essa condição Wundt, estabeleceu um rigor epistemológico
para a sua fundamentação a partir da relação entre os aspectos exteriores e
interiores da consciência do sujeito.

O significado epistemológico da psicologia criada por Wundt, a partir das


suas investigações empíricas baseadas na prerrogativa do positivismo, levaram-
no a formular as bases de uma psicologia tipicamente experimental. Os critérios
para à adoção dessa leitura da psicologia foi, por um lado, muito importante
por destacar os elementos necessários a consolidação do estatuto científico da
psicologia, como um todo, mas por outro lado, limitou as ações dessa psicologia
científica ao exercício laboratorial destacando a impossibilidade de se pensar os
elementos referentes à saúde mental, ou mesmo às dinâmicas da psicopatologia
– campo até então limitado aos contornos de uma psiquiatria moral – enquanto
ferramenta de intervenção nas relações entre saúde e doença mental.

41
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Diante desse quadro, podemos afirmar que Wundt pode ser considerado
o pai da psicologia por se dedicar a explorar os seus contornos a partir de uma
prática cientificamente comprovada. Entretanto, essa constatação limitou a
psicologia a partir de uma dinâmica voltada apenas para os estudos experimentais
relacionando o estudo da psicologia como ciência dos aspectos objetivos da mente,
deixando de lado toda uma implicação subjetiva necessária aos estudos desse
saber. Muito embora, a obra de Wundt, seja até hoje de difícil acesso, pois existem
poucas traduções para a língua portuguesa, pode-se constatar que ele lançou
as bases dessa área do conhecimento intimamente relacionada à perspectiva
positivista.

Portanto, a psicologia desenvolvida por Wundt constata que os estudos


sobre a experiência humana, somente encontrariam viabilidade no contexto
acadêmico e científico dessa sociedade do século XIX, a partir dos elementos
experimentais fomentados diretamente em laboratórios.

Tornando-se campo de experiência e observação e tendo outros pares


em outros países que estudavam a “nova ciência”; a psicologia é fortalecida por
estudiosos também fora da Alemanha, Itália, Japão, Inglaterra; mas foi na América
onde foram abertos campos para novas abordagens como: O Funcionalismo, de
William James; O Estruturalismo, de Eduardo Titchener e Associacionismo, de
Thorndike.

4 O FUNCIONALISMO
Após o desenvolvimento dos estudos da psicologia científica iniciados
com Wundt, muitos de seus discípulos deram prosseguimento as suas ideias,
seja para concordar com suas teses, seja para refutá-las. É na esteira dessas
perspectivas, que um de seus principais seguidores acaba levando a psicologia
para as universidades americanas dando início à primeira escola do pensamento
psicológico, no caso, o funcionalismo.

O Funcionalismo de William James (1842-1910) pode se apresentar como


a primeira sistematização da psicologia no mundo ocidental, a partir de uma
dupla perspectiva: primeiro pela sistematização epistemológica e também pela
organização política dessa nova ciência pela formação das primeiras organizações
sociais formadas por psicólogos.

Como o próprio nome sugere, o funcionalismo procura pensar as suas


bases de atuação a partir do pragmatismo filosófico.

42
TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

NOTA

O pragmatismo foi uma corrente filosófica fundada nos Estados Unidos que
procurava pensar, em seus estudos, os elementos voltados para a utilidade das práticas
sociais. Desse modo, essa corrente procura enfatizar a causalidade como um elemento
fundamental da ação humana, principalmente, a partir da linguagem.

James era um sujeito eclético. Dedicou grande parte de sua vida ao estudo
dos fenômenos religiosos, a antropologia – inclusive esteve no Brasil em 1865 –
a filosofia e a medicina. Desse modo, é correto afirmar que o funcionalismo foi
fortemente influenciado por essas experiências interdisciplinares.

FIGURA 20 – WILLIAM JAMES O FUNDADOR DO FUNCIONALISMO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/William_James>. Acesso em: 24 abr. 2020.

Contudo, é no ano de 1890 que James publica o seu trabalho mais


importante. Tratava-se do livro Princípios de Psicologia, uma obra dedicada a
compreender os impactos da filosofia e da fisiologia, para a recente ciência
psicológica. Diferentemente de Wundt, que limitou a compreensão das
experiências psicológicas ao problema da consciência, James procurava pensar
o funcionamento psicológico dos indivíduos a partir de uma constelação
nomeada por ele como fluxo de consciência.

43
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Isto é, para além de uma mera categoria fisiológica, nossa mente é capaz de
distribuir os elementos e encadeamentos da relação entre racionalidade e emoção
a partir de uma lógica não linear, mas que faz todo o sentido para o sujeito.

Um exemplo muito interessante desse fluxo de consciência descrito por


James são aqueles momentos vivenciados pelo sujeito, pouco antes da aurora
do dia. O momento em que nossos pensamentos estão mais ativos e sujeitos a
uma inter-relação entre o mundo onírico e a realidade. Outro exemplo muito
importante é o fenômeno conhecido como Déjà vu, um fenômeno muito comum
ao qual reagimos, psicologicamente, a transmissão de ideias que nos levam a crer
que já vivenciamos ou estivemos em várias situações.

Desse modo, o funcionalismo acaba por trabalhar os elementos de pesquisa


como o método introspectivo. Esse método valoriza, principalmente, os aspectos
emocionais, pois para James, as emoções não são as causas, mas as consequências
das reações fisiológicas do nosso organismo.

É diante desse conceito que James será um importante pesquisador do


fenômeno religioso. Sua preocupação era estudar as origens dos sentimentos
religiosos, mesmo em uma época eminentemente materialista, como aquela
vivenciada pela sociedade estadunidense na passagem do século XIX para o
século XX.

Para James, o sentimento religioso era de fundamental importância para a


constituição do psiquismo humano. Ele vai além dos dispositivos organizacionais
e institucionais, mas sim nas experiências desenvolvidas pelos sujeitos em relação
à manifestação do sagrado.

Ora, isso significa que a experiência religiosa poderia levar o sujeito a um


estado pleno de satisfação em relação aos projetos existenciais do sujeito. Por conta
desse aspecto, o sentimento religioso é considerado útil a partir de um ponto de
vista utilitário, em que o simbolismo religioso potencializa os sentimentos e ações
do sujeito em relação ao seu mundo e a sua sociedade.

FIGURA 21 - RITUAIS DA RELIGIÃO AFRO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Candombl%C3%A9>. Acesso em: 24 abr. 2020.

44
TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Como vimos, James irá propor o funcionalismo como uma leitura possível
sobre as emoções a partir das dinâmicas subjetivas a partir do reconhecimento
do cérebro e das reações fisiológicas e comportamentais desencadeadas a partir
de determinado acontecimento ambiental. Logo, o ambiente o qual o sujeito está
inserido é um componente fundamental em que o sujeito recebe e, ao mesmo
tempo, liga-se a determinadas experiências, pois de acordo com Araujo e
Honorato (2017, p. 11):

[...] James ampliou a sua noção de psicologia para abranger os estados


excepcionais da consciência, especialmente as experiências religiosas e
os fenômenos psíquicos. [...] Após o Varieties, ele deu continuidade às
suas investigações sobre a consciência, as curas mentais, os fenômenos
psíquicos e os estados místicos, deixando clara a presença da psicologia
em toda sua obra.

O funcionalismo acaba por desenvolver um estilo muito importante acerca


da consciência, mesmo que do ponto de vista pragmático. Ele procura justificá-la
a partir da ciência biológica e, a partir desta posição, o funcionalismo desenvolve
um método capaz de estudar os processos, as operações e atos psíquicos como
forma de interação adaptativa do sujeito.

Para James, os elementos da consciência são solidificados a partir de cinco


pontos. No primeiro deles, James enfatiza que a consciência é pessoal, ou seja,
não existe uma consciência coletiva, pois essa é sempre intransferível. O segundo
ponto refere-se ao fato de que a consciência é um processo em permanente
mudança. Isso significa que muito embora o fluxo de consciência seja contínuo –
desde nossa concepção até a nossa morte – ele alterna-se constantemente graças
as mais variadas experiências, por nós vivenciadas. O terceiro ponto, por sua vez,
destaca que a consciência é sempre contínua. Não se pode analisar a consciência
ou os processos psíquicos decompondo a sua configuração. O quarto ponto
refere-se à consciência como um componente seletivo, isto é, é impossível que a
nossa consciência foque em vários fenômenos ao mesmo tempo. O princípio de
organização desse processo leva em conta, portanto, os aspectos de eliminação
produzidos pelos sujeitos. Por fim, a consciência é sempre funcional, ou seja, ela
existe para permitir com que o sujeito se adapte ao ambiente no qual está inserido.

Por conta desses cinco traços James pressupunha que a constituição do


indivíduo migrava – com o desenvolvimento e absorção das experiências – do
instinto para o hábito. Nesse sentido, ao vir para esse mundo o sujeito é refém das
vontades instintivas que, aos poucos, migram para o conjunto de comportamentos
descritos como hábito.

Um outro ponto merece destaque no funcionalismo de James. A


constituição do sujeito a partir da ideia de self. O self em James ainda que
dependente do empirismo é categorizado por ele em três elementos chave. No
primeiro deles, desenvolve-se o self material, ou seja, as preocupações individuais
relacionadas aos aspectos relacionados as coisas, no sentido geral. Já o self social
são as posições sociais que cada indivíduo ocupa na sociedade. Por fim, o self
espiritual designa as capacidades afetivas e sentimentais do sujeito.
45
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

O primeiro sistema psicológico, portanto, será decisivo para influenciar


muitas escolas e teorias posteriores. A partir do elemento funcionalista, ainda que
pensado a partir de um paradigma estadunidense (SCHULTZ; SHULTZ, 2004), é
inegável que, ao se opor à psicologia de Wundt, essa teoria acaba por potencializar
os questionamentos sobre os sentidos e os significados da experiência humana.

Esse fator será de fundamental importância para o desenvolvimento


de um olhar mais complexo sobre o sujeito, mesmo que ainda muito atrelado
à dinâmica dos elementos ambientais. Porém, é possível afirmarmos que James
impulsionou novos elementos para uma contextualização da psicologia como
ciência moderna a partir de seus estudos e análises.

NOTA

A consciência seria uma das grandes questões do funcionalismo de forma


que pudesse entender como o fazer humano se justifica e como este o determina para
adaptar-se ao meio.

Decorre dessa constatação o fato de que, o funcionalismo, pois segundo


James (2017) o pensamento configura-se como elemento indissociável dos
elementos categóricos que envolvem a consciência, o ambiente, a cultura e corpo
orgânico. Essa constatação será de fundamental importância para o investimento
e a consolidação do projeto científico da psicologia.

Cada vez mais, as teorias psicológicas posteriores procurarão destacar


os elementos seja do comportamento ou mesmo das consciências como parte
integrante e holística do sujeito. Ou seja, o fato de que não se pode estudar
o pensamento e as atitudes de alguém sem que fatores correlativos sejam,
pacientemente, analisados sob os mais variados contextos.

O mérito de James foi, portanto, ter intensificado em grau de complexidade


necessária a ciência a relação entre consciência e corpo que ganhará os contornos
das escolas psicológicas no século XX, desde suas mais variadas perspectivas.
Nesse sentido, o problema da psicologia assumirá os aspectos relevantes de uma
tradição voltada para o utilitarismo das ações do sujeito.

Isso corresponde ao fato de que, o funcionalismo elabora uma espécie


de preâmbulo em relação aos aspectos psicológicos posteriores como o
comportamentalismo, o humanismo e a própria psicanálise.

46
TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

5 O ESTRUTURALISMO

De todos os discípulos de Wundt, Edward B. Titchener (1867-1927), sem


sombra de dúvida, foi o mais polêmico. Após estudar com Wundt em Leipzig, ele
retorna ao Reino Unido onde tenta difundir a recém-criada psicologia científica.

Entretanto, suas teorias não são aceitas pela comunidade científica


britânica, razão pela qual, Titchener viaja até os Estados Unidos, onde, finalmente,
encontra forte espaço de divulgação das suas ideias sobre o comportamento
humano.

FIGURA 22 - EDWARD B. TITCHENER

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Edward_Titchener>. Acesso em: 24 abr. 2020.

Eduard B. Titchener foi o principal responsável pela divulgação da obra


de Wundt nos Estados Unidos, no entanto, a partir de seus estudos formula uma
nova escola do pensamento e desta forma propôs chamá-la de estruturalismo.

O estruturalismo mantém o mesmo objeto de estudo do funcionalismo,


porém modificando seu método de análise. Titchener alegava que a ciência
psicológica tem de estudar a mente humana generalizada, não a mente individual,
o foco de seus estudos não aporta preocupações pragmáticas ou utilitárias. Justifica
que para o psicólogo não há uma questão da cura de mentes enfermas, nem uma
prática de construto moral para o indivíduo que ressalte sua convivência social.
Titchener propõe a análise das estruturas mentais e acreditava que, com isso, o
psicólogo pudesse fazer seu trabalho sem valores práticos.

Desse modo, o estruturalismo criado por Titchener foi responsável pela


criação do conceito de conteúdo da experiência consciente. Para ele, o objeto
da psicologia consistia nas experiências conscientes do indivíduo. Nesse sentido,

47
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

diferentemente de outras ciências para quem, a experiência individual era um


problema, no estruturalismo psicológico, as dinâmicas individuais passam a se
configurar como um importante contexto de análise.

Ainda a respeito da experiência consciente Titchener, argumentava que,


era um equívoco associar as relações entre corpo e mente a partir das reações
orgânicas tão somente.

No contexto do processo de correlação entre a mente e o fenômeno da


observação existem inúmeros outros elementos que podem ser descritos a partir
das experiências vivenciadas. Isto é, todo o conjunto de estruturas devem ser
descritos a partir dos conteúdos elementares da consciência como a memória, à
atenção e a percepção.

Titchener considerava que a consciência era, portanto, a soma das


experiências existentes ao longo da trajetória do sujeito. Por conta desse aspecto,
é que a consciência humana equivalia a uma estrutura onde se associavam as
diversas experiências do indivíduo que poderiam ser analisadas pela psicologia.

O método introspectivo buscava sistematizar, nos mínimos detalhes,


os relatos e as experiências subjetivas descritas pelos indivíduos a partir de
exaustivas tentativas de repetição isolamento e variação.

Baseado na premissa de que, quanto mais vezes essa observação fosse


repetida, maior era a probabilidade na precisão e descrição dos objetos analisados.
Isso significava que, os estímulos recebidos pelos sujeitos poderiam operar como
conceitos básicos da consciência humana.

Por conta desses aspectos, é que o estruturalismo logo se transformou em


uma área bastante abrangente no campo da psicologia ultrapassando os limites
dos experimentos universitários e sendo incluídas em outras instituições como
escolas infantis e fábricas.

NOTA

Titchener declarou-se em oposição à psicologia infantil e animal e dizia que


elas não eram compatíveis com sua psicologia experimental introspectiva.

48
TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Essa perspectiva de entendimento é resultado do método elaborado pelo


estruturalismo nomeado introspecção. Para Titchener, a introspecção era um
método compreensível a partir da auto-observação dos psicólogos.

Para ele, os cientistas da consciência – como deveriam ser chamados os


psicólogos – deveriam ser rigorosamente treinados na arte da observação, pois a
partir dela, eles poderiam descrever os estados da consciência.

Faziam parte na concepção originária da introspecção, os elementos


descritos pelo estruturalismo como os possíveis conteúdos mentais como as
crenças, as imagens mentais e as memórias – voluntária ou involuntária – as
intenções e demais conteúdos relacionados ao pensamento.

Portanto, a introspecção foi o método de observação, por excelência,


dos primeiros anos da psicologia científica. Por meio dos treinamentos de
auto-observação conduzido pelo experimentador, a psicologia estruturalista
desenvolveu todo um conjunto de reflexões voltadas para a compreensão dos
estímulos sensoriais que possibilitariam a obtenção de dados para o entendimento
das estruturas do sistema nervoso central do sujeito.

NOTA

Para Titchener, a psicologia era fundamentalmente o estudo da consciência


através da introspecção. E tudo o que não puder ser relacionado com os elementos
estruturais da consciência não deve ser considerado assunto da psicologia.

Para melhor compreendermos o estruturalismo, elencamos os três


problemas ou finalidade da psicologia, segundo Titchener: em primeiro lugar,
essa psicologia procurava reduzir os processos conscientes aos seus componentes
mais simples ou mais básicos. Isso porque a consciência não era uma instância
representativa de aspectos orgânicos, mas uma componente permeada pelo
conjunto das estruturas, desde as mais simples até as mais complexas. Em
segundo lugar, a consciência era determinada por leis de correlação, fazendo com
que diferentes elementos como a percepção e a memória buscavam associar-se
de modo contínuo. Por fim, a tarefa da psicologia seria a de buscar, por meio da
introspecção, a conexão dos elementos subjetivos do comportamento a partir das
condições fisiológicas do sujeito.

49
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Titchener e os psicólogos estruturalistas determinaram a experiência


consciente como seu objeto de estudo. Seus métodos de estudos tradicionalmente
científicos buscavam justificar o entendimento consciente a partir da experiência.
O método de estudo proposto era a auto-observação, que ainda hoje é muito
utilizada em várias áreas da psicologia definida como o relato verbal baseado na
vivência, conforme podemos observar na charge a seguir:

FIGURA 23 - MAFALDA MEDINDO SUA CABEÇA TENTA QUANTIFICAR A EXPERIÊNCIA

FONTE: <http://pulchro.blogspot.com/2007/03/ser-que-aqui-cabe-tudo-o-que-vo-me.html>
Acesso: 28 abr. 2020.

6 O ASSOCIACIONISMO
O associacionismo foi outra escola muito importante no nascimento da
psicologia científica. Essa teoria baseava suas considerações a partir de uma
forte influência do darwinismo social, sobretudo a partir das contribuições do
sociólogo Herbert Spencer (1820 – 1903).

Basicamente, o darwinismo social, foi uma adaptação – para o campo


das ciências sociais – das teorias desenvolvidas pelo biólogo inglês Charles
Darwin (1809 – 1882) acerca da evolução das espécies. Baseados na prerrogativa
de que a seleção natural das espécies era um percurso natural e contínuo da
vida, os defensores do darwinismo social aplicaram, de modo sistemático, essas
prerrogativas a partir da busca pela sobrevivência do organismo mais adaptado a
partir das características biológicas da população. Esses padrões eram delineados
a partir da junção entre as características biológicas e sociais que determinariam
a superioridade de determinados grupos étnicos em detrimento a outros atores
sociais.

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TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

FIGURA 24 - HERBERT SPENCER

FONTE: <https://escolaeducacao.com.br/herbert-spencer/>. Acesso em 28 abr. 2020.

Herbert Spencer, sociólogo inglês, foi muito influenciado pela teoria da


evolução desenvolvida por Darwin.

Nesse caso, o ambiente teria um papel potencializado sobre os


comportamentos e as condutas dos sujeitos. Os psicólogos associacionistas
acreditavam, por sua vez, que as características humanas eram um produto,
exclusivamente formulado pelas experiências desencadeadas pelo ambiente no
qual o sujeito estava inserido.

NOTA

Entre o final do século XIX e o início do século XX, as ciências humanas


foram duramente influenciadas pelo darwinismo. Muitos estudiosos entendiam que a
hierarquia racial era um fenômeno ligado à adaptação dos mais fortes sobre os mais
fracos. Esse conjunto de teorias racistas recebeu o nome de eugenia que, basicamente,
buscava elementos biológicos para justificar as desigualdades sociais e culturais. No
Brasil, um dos maiores defensores do darwinismo social foi o médico maranhense Nina
Rodrigues (1862 – 1906) para quem, a culpa pelo atraso socioeconômico do nosso país
era resultado da miscigenação (GÓES, 2016).

O principal representante do associacionismo é Eduard L. Thorndike


(1874 – 1949). Ele iniciou seus estudos na Harvard University, onde recebera
aulas do seu mestre Willian James. Thorndike foi um dos primeiros psicólogos a
utilizar animais como experimento para seus estudos.

51
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Foi baseado nessas experiências, que Thorndike compreendeu a


importância – ainda que, de forma precoce – o condicionamento como elemento
fundamental para a aprendizagem.

Thorndike compreendera que determinado organismo quando


suscetível a uma experiência agradável tende a repetir determinado padrão de
comportamento.

FIGURA 25 - ROBERT T. THORNDIKE, O CRIADOR DO ASSOCIACIONISMO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Edward_L._Thorndike>. Acesso em: 24 abr. 2020.

Foi por meio do associacionismo que uma teoria da aprendizagem foi


possível. Até o aparecimento da psicologia associacionista acreditava-se que
a aprendizagem de crianças e jovens era uma questão de mera ativação de
componentes inatos, bastando que o sujeito acessasse o conteúdo transmitido
pelas escolas.

Com o desenvolvimento desses estudos para que as questões da


aprendizagem também fossem vistas a partir de questões voltadas para à
adaptação e a interação dos sujeitos.

Um dos conceitos mais importantes para Thorndike era o de lei do efeito.


Este conceito baseava-se na ideia de que, toda atitude comportamental, era
direcionada à repetição por meio de uma recompensa oferecida pelo ambiente no
qual o sujeito se encontrava.

Do mesmo modo, um determinado comportamento tenderá a extinguir-


se caso seja suscetível a algum tipo de punição. Conforme essas diretrizes, a lei do
efeito tende a explicar todos os padrões de comportamento do sujeito.

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TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Logo, essa concepção foi aplicada aos diversos estabelecimentos


educacionais, bem como a outras instituições como fábricas e penitenciárias, por
exemplo. Os psicólogos associacionistas estavam interessados na formulação de
uma psicologia que fosse aplicada à dinâmica das interações sociais.

Esse movimento foi muito importante para o desenvolvimento e aplicação


da psicologia como prática profissional e, esses efeitos são sentidos até os nossos
dias, pois o conhecimento psicológico acaba, por meio dessa teoria, a incorporar-
se aos contornos da vida em sociedade.

Baseados na tese de que a aprendizagem seria um composto que variava


dos elementos mais simples aos mais complexos, os associacionistas acreditavam
que os estímulos ambientais, por si só, levariam o sujeito ao desenvolvimento de
suas aptidões, facilitando, dessa forma, sua adaptação ao modelo de sociedade
existente.

Para o formulador da lei do efeito a psicologia era, puramente uma


ciência voltada para o entendimento das mecânicas comportamentais do sujeito.
Thorndike justificou que todo o comportamento de um organismo vivo tende a se
repetir se o recompensarmos. Por conta desse aspecto, é que o Associacionismo é
pertinente ao processo de associação das ideias que permeiam o aprendizado e,
por sua vez, o comportamento.

No centro dessas reflexões encontra-se a tese de que o sujeito é resultado


da soma das suas experiências associadas aos elementos de aprendizagem. Isso
se refere ao fato de que, cada organismo tende a realizar uma atualização em
constante interação com o ambiente a qual somos vinculados.

NOTA

A diferença central do associacionismo está na observação dos elementos da


experiência e adaptação do organismo frente a recompensas providas em seu ambiente.

Conforme pudemos observar então, o associacionismo elencou a


possbilidade de aplicação da psicologia às mais variadas situações por meio da
dinâmica da aprendizagem.

Esse efeito foi de fundamental importância para o fortalecimento da


psicologia não somente como ciência, mas como profissão. É por meio das
categorias de estudos desenvolvidas por psicólogos como Thorndike que a
psicologia encontrará sua utilidade na sociedade capitalista da época.

53
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

Cada vez mais, os elementos difundidos por psicólogos nos Estados


Unidos realizarão uma espécie de migração das práticas científicas para as práticas
sociais. Essa migração favoreceu, por sua vez, o fortalecimento da psicologia
como ciência do comportamento e, a sua consequente popularização.

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TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

LEITURA COMPLEMENTAR

Uma visão panorâmica da psicologia científica de Wilhelm Wundt

Saulo de Freitas Araújo

A definição de psicologia apresentada por Wundt pode ser assim resumida:


a psicologia é uma ciência empírica cujo objeto de estudo é a experiência interna
ou imediata (cf. Wundt, 1896a, 1896b). No entanto, nessa definição, aparentemente
simples, há uma expressão que precisa ser esclarecida, a saber, 'experiência
imediata', que fundamenta toda a psicologia wundtiana. O que Wundt entende
por este conceito?

É necessário, em primeiro lugar, entender o significado do termo


"experiência" em Wundt. Para ele, a experiência em geral é um todo unitário e
coerente, que pode ser concebido e elaborado cientificamente a partir de dois
pontos de vista distintos, porém complementares: toda experiência pode ser
analisada pelo seu conteúdo puramente objetivo (experiência mediata) ou
subjetivo (experiência imediata). No primeiro caso, abstrai-se o sujeito da
experiência e coloca-se toda a ênfase nos seus objetos (mundo externo), enquanto
que, no segundo caso, investigam-se os aspectos subjetivos da experiência e sua
relação recíproca com todos os conteúdos da mesma (mundo interno). Com base
nesses dois pontos de vista, surge uma dupla possibilidade de se fazer ciência
empírica: a ciência natural (física, química, fisiologia etc.), que se ocupa com os
conteúdos específicos da experiência mediata (objetos do mundo exterior), e a
psicologia, que tem como objeto toda experiência imediata (aspectos subjetivos
da experiência). Essas duas ciências trabalhariam de forma complementar, com o
intuito de abranger o conteúdo da experiência como um todo (cf. WUNDT, 1889).

Mas por que a nossa experiência externa é mediata, enquanto que a


interna é imediata? Porque o acesso aos objetos da natureza é sempre mediado
pelas características constitutivas do sujeito da experiência (estrutura biológica,
cognitiva etc.) e, portanto, indireto. No caso do mundo subjetivo, não há
nenhuma mediação, uma vez que cada um de nós tem acesso direto a sua própria
experiência subjetiva. É a partir dessa assimetria, pois, que Wundt justifica a
diferença epistemológica entre a psicologia e as ciências da natureza:

O objetivo da ciência natural consiste, no sentido mais geral, no


conhecimento da realidade objetiva, isto é, dos objetos, cuja existência
real deve ser pressuposta após a abstração das características que
lhe foram atribuídas exclusivamente pela atividade subjetiva de
representação. Em consequência disso, a ciência natural nunca
pressupõe os objetos como eles são imediatamente dados, como reais.
Ao contrário, seu modo de conhecer é mediato e conceitual, na medida
em que o objeto que resta, após a abstração de certos elementos da
experiência imediata, só pode ser pensado conceitualmente (WUNDT,
1896a, p. 24 - itálicos no original).

55
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

A psicologia desfaz novamente esta abstração realizada pela ciência


natural para poder investigar a experiência em sua realidade imediata. Ela fornece,
portanto, informações sobre as interações dos fatores subjetivos e objetivos da
experiência imediata e sobre o surgimento dos conteúdos particulares desta
última, assim como de sua relação. A forma de conhecimento da psicologia é, pois,
em contraposição à da ciência natural, imediata e intuitiva, na medida em que a
própria realidade concreta, sem a utilização de conceitos auxiliares abstratos, é o
substrato de suas explicações.

Ao definir a psicologia como ciência da experiência imediata, Wundt


pretendia atacar uma concepção de psicologia, muito comum em sua época,
que tratava a mente como se fosse uma substância ou entidade, seja espiritual
(espiritualismo) ou material (materialismo). Para ele, essa forma de fazer
psicologia estaria equivocada porque se baseia em hipóteses metafísicas que
extrapolam toda a possibilidade de experiência. Como sua intenção era fundar
uma nova psicologia – autônoma e independente de teorias metafísicas –,
a única alternativa era recusar por completo essas concepções metafísicas
acerca do objeto da psicologia e propor uma outra, que se atenha à experiência
psicológica propriamente dita. Na psicologia wundtiana, só há aquilo que é dado
na experiência, entendida sempre como um conjunto de processos interligados
(WUNDT, 1911a [1904]).

É importante enfatizar que, também de acordo com a definição


apresentada por Wundt, não há uma diferença essencial de natureza
entre o mundo interno e o externo – uma vez que a experiência é um
todo organizado que abrange ambos –, mas apenas uma diferença na
maneira de abordá-los. Por isso, a relação entre a psicologia e as ciências
da natureza deve ser de complementaridade. Elas se complementam,
na medida em que fornecem relatos diferentes da mesma experiência,
sem que haja a possibilidade de haver uma subordinação ou redução
de uma à outra.

Um outro ponto importante a se considerar aqui é a relação entre psicologia


e filosofia. De todas as ciências empíricas, Wundt considera que a psicologia
é aquela cujos resultados mais contribuem para a investigação dos problemas
gerais da teoria do conhecimento e da ética, os dois principais domínios filosóficos
para ele. Se a psicologia, portanto, é complementar às ciências naturais, podemos
dizer que é preparatória para a filosofia. Em outras palavras, os resultados das
investigações psicológicas podem servir de guia para a construção de um sistema
filosófico (cf. Wundt, 1889).

Os métodos de investigação psicológica

Para entendermos sua proposta metodológica para as investigações


psicológicas, é preciso partir daquela distinção que Wundt estabeleceu entre
ciência natural e psicologia. Como afirmamos anteriormente, essa diferença não
está na natureza do que é estudado, mas sim no ponto de vista a partir do qual ele
é considerado. Por isso, os métodos de investigação em psicologia também não
podem diferir daqueles empregados nas ciências naturais, a saber, o experimento

56
TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

e a observação. O primeiro consiste na interferência proposital (manipulação) do


pesquisador sobre o início, a duração e o modo de apresentação dos fenômenos
investigados (como na física, na química e na fisiologia). A observação,
propriamente dita, refere-se à mera apreensão de fenômenos ou objetos, sem
que haja qualquer interferência por parte do observador (como na botânica, na
anatomia e na astronomia).

Ao transportar essa dualidade metodológica para a psicologia, Wundt vai


introduzir uma espécie de divisão de tarefas, de acordo com as possibilidades de
aplicação de cada um dos métodos. Surge, então, a distinção entre a psicologia
individual, fisiológica ou experimental, de um lado, e a psicologia dos povos
(Völkerpsychologie), de outro. No primeiro caso – cujos resultados podem ser
vistos já na primeira edição dos Elementos de psicologia fisiológica (WUNDT,
1874), até hoje seu livro mais conhecido –, o experimento deve ser utilizado
diretamente nos estudos sobre a sensação, a percepção e a representação, uma
vez que se pode investigar cuidadosamente tanto o início quanto o curso desses
processos, tendo sempre em vista a análise do complexo em termos de seus
elementos constituintes. No segundo, a única alternativa possível é a observação,
pois se tratam de fenômenos culturais e coletivos (linguagem, mito, religião etc.),
que escapam ao controle experimental (cf. WUNDT, 1900).

Neste ponto, é necessário apresentar um breve esclarecimento sobre o


estatuto da observação na psicologia wundtiana. Em decorrência daquela distinção
entre experiência imediata e mediata, Wundt vai ser obrigado a postular uma
outra diferença entre ambas, que vai acabar influenciando as características do
método observacional. Segundo ele, enquanto a experiência mediata ou externa
nos revela objetos estáveis (pedra, árvore etc.), isso de modo algum acontece em
nossa experiência imediata, cujo conteúdo é apenas um conjunto de processos
(percepção, atenção, representação etc.), muitas vezes extremamente complexos.
Além disso, é muito difícil que, mesmo em situações frequentemente repetidas, os
mesmos elementos objetivos da experiência imediata venham acompanhados da
mesma condição do sujeito. Por outro lado, a psicologia não pode desconsiderar,
ou colocar entre parênteses, como fazem as ciências naturais, esses processos
subjetivos da experiência, uma vez que este é precisamente o assunto de seu
interesse. Considerando, pois, essa peculiaridade dos eventos mentais, a
psicologia estaria diante de um impasse, na medida em que a observação pura
de nossa própria experiência subjetiva (introspecção ou auto-observação pura) é
ilusória:

Uma auto-observação planejada, como é recomendada pela maioria


dos psicólogos, é apenas uma fonte de autoilusões. Pois, como neste
caso o sujeito que observa coincide com o objeto observado, é óbvio
que o direcionamento da atenção para os fenômenos modifica os
mesmos. Além disso, uma vez que em nossa consciência o espaço para
muitas atividades simultâneas diminui com o aumento na intensidade
das mesmas, tal modificação consiste quase sempre na supressão geral
dos fenômenos que se querem observar (WUNDT, 1883, 2, p. 482).

57
UNIDADE 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA PSICOLOGIA: DA FILOSOFIA À CIÊNCIA

No intuito de resolver esse problema crucial da psicologia, Wundt


estabeleceu uma diferença entre a introspecção tradicional ou auto-observação
(Selbsbeobachtung), de um lado, e a percepção interna (innere Wahrnehmung),
de outro (cf. WUNDT, 1888a). Somente essa última poderia ser utilizada como
recurso metodológico, devido ao fato de poder ser reforçada pelo controle
experimental das condições externas da experiência, o que, segundo Wundt,
eliminaria os riscos da introspecção tradicional e livraria a psicologia das duras
críticas feitas por diversos autores ao introspeccionismo. De acordo com ele:

No que ele [o psicólogo], porém, repete experimental e arbitrariamente


um processo percebido inicialmente apenas por acaso e o modifica
sistematicamente, no sentido de substituir as condições de seu
aparecimento, a percepção inicialmente casual transforma-se em uma
observação, na qual as deficiências da percepção interna são superadas
ou pelo menos colocadas dentro dos limites mais estreitos possíveis
(WUNDT, 1921, 3, p. 166).

E este é exatamente o ponto em que o método experimental na psicologia


prova ser o único meio seguro de observação psicológica. O cientista natural pode
retornar à vontade ao seu objeto. O psicólogo, contudo, só pode retornar a um
processo interno observado sob certas condições, se ele reproduzir artificialmente
as mesmas condições, ou seja, com a ajuda do método experimental (p. 167).

Esse aspecto da teoria wundtiana permanece em grande parte ignorado


por seus intérpretes, que insistem em incluir Wundt entre os defensores da
introspecção clássica (cf. ARAUJO, 2007b).

Há, porém, um segundo aspecto a ser considerado nessa questão do


método observacional. A crítica de Wundt à introspecção não significa que a
observação pura esteja definitivamente descartada da psicologia. Segundo ele,
existem fatos psíquicos que, embora não sejam objetos reais do mundo externo,
possuem o caráter de objetos psíquicos, na medida em que sua natureza é
relativamente estável e independente do observador. Além disso, eles têm
uma outra característica em comum, que os torna adequados à observação: a
inacessibilidade pelo método experimental. Mas que objetos psíquicos são esses?
São aquilo que Wundt chama de produtos mentais surgidos ao longo da história,
como a linguagem, a religião, os mitos e os costumes, que dependem de certas
condições psíquicas gerais, que podemos inferir com base em suas características
objetivas. É aqui que se manifestam os processos mentais superiores, também
inacessíveis à experimentação.

Uma característica fundamental desses produtos mentais é que eles


pressupõem a existência de uma comunidade de muitos indivíduos que
compartilham certa mentalidade, embora sua fonte última sejam sempre as
características psíquicas de cada um dos indivíduos. É por estarem ligados a
uma comunidade, a um grupo étnico ou a uma totalidade cultural que Wundt
chamou esse domínio de investigação psicológica de psicologia dos povos
(Völkerpsychologie), que complementa a psicologia individual ou experimental

58
TÓPICO 2 | O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

na busca de uma compreensão das leis gerais da vida psíquica (Wundt, 1888b).
Nos últimos 20 anos de sua vida (1900-1920), Wundt dedicou-se principalmente
a esse empreendimento – baseando-se sempre em estudos e relatos linguísticos,
históricos e etnológicos - que teve como resultado dez extensos volumes, além de
ensaios isolados.

Em suma, a psicologia dispõe, assim como a ciência natural, de dois


métodos de investigação, que dão origem a duas formas complementares de estudo
psicológico: o experimento, que a psicologia individual ou fisiológica utiliza na
análise dos processos psíquicos inferiores (sensação, percepção, representação); e
a observação dos produtos mentais, através da qual a Völkerpsychologie investiga
os processos psíquicos superiores. É importante termos sempre em mente
que essa subdivisão da psicologia decorre parcialmente de uma necessidade
metodológica, que em princípio não compromete a unidade do seu objeto de
estudo, a saber, os processos psíquicos revelados na experiência. Além disso, o
objetivo final de ambos os tipos de investigação é um só: a descoberta das leis
gerais da vida mental.

FONTE: ARAUJO, Saulo de Freitas. Uma visão panorâmica da psicologia científica de


Wilhelm Wundt. Sci. stud., 7 (2), 209-220,2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1678-31662009000200003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 20
jan. 2020.

59
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A crença na ciência foi fortalecida pelos intelectuais da época a partir do


positivismo. Esses intelectuais estavam interessados em compreender as
relações entre a ciência, a verdade e o progresso da sociedade como um todo.

• O surgimento da ciência psicológica respondeu a uma necessidade humana.


Isto se refere aos problemas localizados, no sentido de se tentar compreender
os efeitos fisiológicos e comportamentais existentes nos indivíduos e suas
experiências.

• A experiência subjetiva é privatizada. Isso significa que, com o nascimento


da psicologia científica, emerge uma ideia de sujeito fortemente ligado ao
individualismo.

• As abordagens psicológicas clássicas da psicologia foram: o funcionalismo, o


estruturalismo e o associacionismo.

CHAMADA

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60
AUTOATIVIDADE

1 Sobre a produção da ciência psicológica, analise a charge a seguir e responda


às seguintes questões:

FONTE: <https://sites.google.com/site/jphylosophya/os-tipos-de-conhecimento-o-senso-
comum>. Acesso em: 4 maio 2020.

a) Objetividade e subjetividade não deveriam se misturar quando o assunto


deve ser reportado como uma verdade coletiva?

b) De que forma objetividade e subjetividade se constituem como um problema


para os primeiros estudos desenvolvidos pela psicologia?

c) Você já parou para pensar o que crenças, dizeres e pontos de vista são
replicadas por gerações? Conhece algum?

d) Quando algo se torna verdade? E quando podemos dizer que é uma


mentira?

61
62
UNIDADE 2

AS PRINCIPAIS ESCOLAS
PSICOLÓGICAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• apresentar as principais escolas psicológicas;


• caracterizar as relações de semelhanças e diferenças entre as escolas psi-
cológicas;
• definir os principais conceitos desenvolvidos pelas escolas psicológicas
ao longo do século XX;
• compreender os elementos produzidos por diferentes métodos de traba-
lho desenvolvidos pelas escolas psicológicas ao longo do século XX.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA


TÓPICO 2 – FREUD E A EMERGÊNCIA DA PSICANÁLISE
TÓPICO 3 – A PSICOLOGIA DA GESTALT E A EXPERIÊNCIA DA
PERCEPÇÃO
TÓPICO 4 – A PSICOLOGIA HUMANISTA
TÓPICO 5 – A PSICOLOGIA DESDE A AMÉRICA LATINA

CHAMADA

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frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverás
melhor as informações.

63
64
UNIDADE 2
TÓPICO 1

A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA

1 INTRODUÇÃO
A psicologia behaviorista é, uma das maiores forças no que se refere aos
saberes psicológicos. Sua proveniência remete ao início do século XX, desde a
emergência dos primeiros trabalhos desenvolvidos por Ivan Pavlov no âmbito da
reflexologia.

Contudo, é a partir de Watson que o behaviorismo ganha uma aplicabilidade


científica dentro do contexto da psicologia. Watson acreditava que o sujeito era
resultado direto das experiências ligadas aos estímulos socioambientais, esses
estímulos por sua vez, designariam as respostas as quais o sujeito desenvolve os
seus padrões comportamentais.

Dando prosseguimento as ideias desenvolvidas por Watson, Skinner irá


desenvolver as relações entre o behaviorismo e o condicionamento operante. A
partir dessa perspectiva, os elementos desse movimento tornam-se de fundamental
importância para uma contextualização de um projeto de cientificidade do saber
psicológico ao longo do século XX.

Neste sentido, apresentaremos os principais conceitos e aspectos


biográficos ligados ao behaviorismo, tendo como finalidade, apresentar as
experiências produzidas a partir das dinâmicas demandadas pelos psicólogos
behavioristas.

2 OS PRIMEIROS ESTUDOS DO COMPORTAMENTO E A


REFLEXOLOGIA
Na unidade anterior, pudemos entender melhor a relação entre os
pensadores da antiguidade e a filosofia como primeira vertente das ideias
psicológicas.

Estudamos também os primeiros momentos da ciência psicológica na


modernidade e, observamos que o método de reconhecimento e interpretação
aplicado em diferentes vertentes do pensamento fez surgir o que hoje conhecemos
como abordagens ou escolas psicológicas.

65
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

As abordagens psicológicas são arcabouços de conhecimentos dados na


pertinência de seu reconhecimento para além do processo experimental, pois
nelas temos o ser humano como objeto de estudo – e este apresenta-se como
fenômeno perpassado por diversas esferas da experiência – sejam elas biológicas,
psicológicas ou sociais, ou seja, as diferentes abordagens da psicologia se
configuram a partir de fundamentos científicos baseados em diferentes estilos
metodológicos de atuação.

3 PAVLOV E A FISIOLOGIA DO COMPORTAMENTO


CLÁSSICO
A primeira dessas escolas psicológicas que adentraram o século XX
é a psicologia Behaviorista (BOCK; FURTADO, 1999). Seu nome foi ofertado
pelo americano John B. Watson, um psicólogo interessado em compreender as
dinâmicas comportamentais como um problema fundamental para o campo
psicológico. Contudo, antes de aprofundarmos os principais conceitos do
behaviorismo e suas implicações para a psicologia, devemos analisar seus
antecedentes históricos e conceituais.

Para que possamos lograr êxito nessa tarefa é necessário elaborar o


seguinte questionamento:

Como propor a uma ciência de caráter tão subjetivo a singularidade da


objetividade e, ao mesmo tempo, diferenciar-se das ideias inatas referenciando o
empirismo como método de previsibilidade e manutenção do comportamento?

Estas questões pairavam sobre as mentes dos psicólogos


comportamentalistas e foram justamente eles os primeiros a propor critérios e
terminologias objetivas à ciência que nomearam como behaviorista (HOTHERSALL,
2019). A pergunta que permanece é: como definir o comportamento humano?

A resposta para esta pergunta encontra-se delineada na constatação


de que a psicologia behaviorista deveria destacar as interações entre estímulo
e ambiente, observando o organismo em suas respostas quando exposto a
determinado estímulo.

É importante entender por que os cientistas comportamentalistas


definiram uma linguagem própria para distinguir sua teoria. E, desta forma, não
podemos esquecer o contexto histórico e a razão metodológica para o nascimento
desta escola psicológica.

Basicamente, pode-se afirmar que no behaviorismo o modo de análise


se dá por unidades relativas ao método experimental e analítico. No entanto,
diferente do rigor atribuído ao método, os termos deveriam ser de fácil assimilação
linguística para que outros cientistas e populares pudessem assimilá-los.

66
TÓPICO 1 | A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA

NOTA

Os behavioristas observam o comportamento como o resultado da interação


do indivíduo com o ambiente: esta é a unidade primeira de análise e ponto de partida para
os analistas do comportamento.

Para analisar historicamente as concepções teóricas que incidiram sobre


o behaviorismo devemos atentar para as contribuições epistemológicas, que
determinaram sua fundamentação. Entre estas contribuições podemos elencar:

• O Darwinismo, que demarca as condições de sobrevivência, comportamento e


evolução das espécies. A partir do desenvolvimento dos trabalhos de Charles
Darwin, muitas epistemologias basearam as suas reflexões na tese de que,
o processo evolutivo é uma consequência aplicada também ao campo das
interações humanas (DARWIN, 2014).
• A Fisiologia e suas contribuições imprescindíveis sobre as reações de estímulos
e respostas nos organismos. O desenvolvimento e as descobertas no campo
da medicina foram de fundamental importância para o behaviorismo por
conta dos elementos relacionados ao funcionamento das atividades orgânicas
(DARWIN, 2014).
• O Funcionalismo, responsável por analisar, as bases de constituição dos
processos, operações e atos psíquicos a partir da sua interação adaptativa
(DARWIN, 2014).
• O Associacionismo, responsável por pesquisar, na observação dos elementos
da experiência e adaptação do organismo, as recompensas providas em seu
ambiente (DARWIN, 2014).
• O Empirismo, doutrina segundo a qual todo conhecimento provém unicamente
da experiência, limitando-se ao que pode ser captado do mundo externo, pelos
sentidos, ou do mundo subjetivo, pela introspecção (DARWIN, 2014).

Possibilitando as vertentes anteriormente dispostas, muitos foram os


estudiosos que se determinaram à objetividade e à positividade empírica para
revelar a psicologia como ciência. Mas, foi o fisiologista russo Ivan Pavlov (1849
– 1936) quem deu o empuxo inicial para os sucessivos experimentos psicológicos
de dois importantes comportamentalistas: John B. Watson e B. F Skinner.

Foi a partir da teoria do reflexo que se fundamentou o comportamento


respondente ou condicionamento clássico, bem como o suporte epistemológico
para experimentos que resultaram na teoria do comportamento respondente ou
condicionamento operante de B. F. Skinner.

67
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

UNI

Pavlov (1849 – 1936): formulou a Teoria do Reflexo (PAVLOV, 1978), na qual sua
hipótese fundamental possui três aspectos indissociáveis a partir das seguintes estruturas:
• a espécie animal responde aos estímulos do ambiente de forma incondicionada;
• é possível condicionar a resposta a partir de estímulos neutros, modificando o
comportamento incondicionado;
• os estímulos neutros passam a ser estímulos condicionados.

Para que possamos entender melhor o comportamento respondente


é necessário que observemos nossas reações orgânicas involuntárias, também
explicadas como comportamentos reflexos. Estes comportamentos são aqueles
produzidos pelo ambiente como por exemplo: a luz forte que incide sobre os
olhos fazendo com que as pupilas se contraiam a partir de algumas características
como: o arrepio da pele quando o vento frio incide sobre nós, o rubor da pele
quando estamos envergonhados ou até o bocejo quando se torna uma reação
compartilhada (GOODWIN, 2010).

NOTA

Durante o bocejo muitas ações são desempenhadas, embora seja um


movimento reflexo, é uma reação desencadeada para ativar o organismo perante a
inatividade ou quando temos a sensação de fome.

FIGURA – O BOCEJO É UM MOVIMENTO REFLEXO

FONTE: <http://opiniaoenoticia.com.br/vida/comportamento/os-porques-das-reacoes-
involuntarias-do-corpo/>. Acesso em: 10 jan. 2020.

68
TÓPICO 1 | A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA

Os comportamentos reflexos – inatos – podem ou não ser eliciados –


produzidos – ou seja, são interações de estímulo-resposta aprendidas na relação
com o ambiente.

Vejamos um exemplo do que afirmamos: Imagine que você tenha um cão


e que ele está com fome, desta forma seu reflexo é de salivar frente ao prato de
comida que você dará a ele.

Agora pense que sempre ao possibilitar o alimento ao animal você toque


um sino. Desta forma o sino será o nosso eliciador da resposta ou estímulo neutro.
Agora quando você tocar o sino, que é associado ao alimento, seu cão irá salivar.

O exemplo que acabamos de dar foi o experimento realizado por Ivan


Petrovich Pavlov (1849-1936), que resultou no Prêmio Nobel de Medicina no ano
de 1904.

FIGURA 1 – O CONDICIONAMENTO REFLEXO DE CÃES

FONTE: <https://motivacaoeaprendizagem.wordpress.com/2013/06/19/condicionamento-
classico-e-operante-e-suas-diferencas/>. Acesso em: 29 abr. 2020.

A pesquisa de Pavlov, que não era determinada ao campo da ciência


psicológica, passou a fundamentar relevantemente as teorias de aprendizagem.

69
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

O condicionamento clássico se concentra no uso das condições anteriores


para alterar as reações comportamentais. Desta forma a partir da apropriação
da teoria organizada por Pavlov e de experimentos subjacentes – também com
seres humanos – as técnicas de manipulação de estímulos que precedem o
comportamento foram amplamente utilizadas (HOTHERSALL, 2019).

Por conta desses aspectos, que as descobertas promovidas por Pavlov


foram de crucial importância para o desenvolvimento do behaviorismo.

4 WATSON E A PRIMEIRA TEORIA SOBRE O


COMPORTAMENTO HUMANO

FIGURA 2 - JOHN BROADUS WATSON (1878 - 1958)

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/John_B._Watson>. Acesso em: 25 abr. 2020.

O psicólogo estadunidense, John B. Watson (1878 – 1958), é considerado


o fundador do comportamentalismo. Durante sua vida, ele elaborou diversos
experimentos desde sua graduação na universidade de Chicago onde doutorou-
se em neuropsicologia relacionando o sistema nervoso central e o comportamento
dos ratos de laboratório.

Seus estudos repercutem mais fortemente quando começa a lecionar na


faculdade de Baltimore e lá desenvolve o laboratório de psicologia animal. Em
1913 publica o artigo A Psicologia Como Um Comportamentalista A Vê apresentando
os fundamentos de sua teoria:

70
TÓPICO 1 | A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA

Não desejo criticar a psicologia injustificadamente. Ela tem


evidentemente falhado, eu acredito, durante os cinquenta singulares
anos de sua existência como uma disciplina experimental, em abrir
seu espaço no mundo como uma ciência natural inconteste. Psicologia,
como ela é geralmente pensada, tem algo de esotérico em seus métodos.
Se você falha em reproduzir meus achados, não se deve a alguma falha
no seu instrumento ou no controle de seu estímulo, mas sim ao fato de
que sua introspecção é destreinada (WATSON, 2008, p. 292).

No trecho anterior, podemos observar o entendimento de Watson a partir


do que justifica sua principal preocupação com a ciência psicológica a partir de
uma dupla função: a prática experimental e o comportamento como resposta ao
ambiente.

Para fortalecer a hipótese empirista e ambientalista sobre o ser humano


tal qual tábula rasa. Watson demonstra implantar a partir do emparelhamento
de estímulos, associando o estímulo neutro – animais peludos – a um estímulo
aversivo – som alto – tendo como resposta o comportamento fóbico em um bebê
(BOCK; FURTADO, 1999).

FIGURA 3 - O EXPERIMENTO DO PEQUENO ALBERT

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Experimento_do_Pequeno_Albert>. Acesso em: 25 abr. 2020.

Com a finalidade de comprovar a sua teoria, Watson realizou em 1920


um controverso procedimento científico, batizado por ele de experimento do
pequeno Albert, no qual ele submetera Albert aos estímulos aversivos com
base em sustos, promovidos por sua equipe no momento em que Albert recebia
algum animal. Desse modo, após a realização de sucessivas repetições, a mera
visualização como a de um simples coelho levava Albert ao desespero.

Esse experimento, embora polêmico, foi de fundamental importância


para o desenvolvimento das relações entre o comportamento clássico e as
fobias, ou seja, o behaviorismo, a partir dessa constatação, passou a designar os
elementos voltados para a investigação psicológica a partir dos seus conteúdos
comportamentais.
71
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Diferentemente das escolas psicológicas anteriores, o behaviorismo não


procurava identificar os elementos anteriores ao próprio comportamento. Por
conta disso, é que Watson não considerava como objeto da psicologia recursos
como mente, introspecção, subjetividade, ou qualquer elemento que não fosse
detectável pela quantificação empírica do rigor científico.

Desse modo, o comportamento humano poderia ser estudado por si só.


Como fonte de observação, o comportamento seria uma variante observável a
partir da relação entre estímulo e resposta.

E
IMPORTANT

Os primeiros psicólogos behavioristas utilizavam animais em seus


experimentos por uma razão muito simples. Os organismos mais simples são similares aos
mais complexos. Embora polêmica, por conta da ética essas experimentações foram muito
importantes para desencadear os estudos relacionados aos problemas de saúde como o
tratamento em relação a drogas como o tabagismo e a cocaína, por exemplo.

Devido a essas características, Watson procurava desenvolver seus estudos


tendo como foco o rompimento com concepções idealistas do sujeito em nome de
uma diretriz voltada para os elementos do estímulo-resposta.

Nesse sentido, tal correlação pode ser encontrada a partir de dois


horizontes. O primeiro é referencial fundamentalmente metodológico, pois é o
modelo preferencial a partir de uma investigação analítica e, ao mesmo tempo,
experimental. Já o segundo, refere-se aos motivos históricos, pois os termos
empregados pelos behavioristas desenvolveram suas reflexões em muitos outros
espaços para além das universidades (VIEGA; VANDENBERGHE, 2001).

O desenvolvimento das relações entre estímulo e resposta alcançou esse


grau de aplicabilidade por conta da sua rápida inserção nas instituições devido
ao crescente processo de industrialização da sociedade estadunidense.

Os estudos desenvolvidos pelos primeiros psicólogos behavioristas foram


implementados em diversas escolas com a finalidade de promover as políticas
públicas necessárias para o desenvolvimento da aprendizagem.

Da mesma forma, esses estudos estimularam o desenvolvimento de


ações visando estabelecer a otimização e organização dos espaços nas fábricas e
penitenciárias dos Estados Unidos.

72
TÓPICO 1 | A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA

Por fim, o comportamentalismo foi amplamente utilizado nos primeiros


anos da política de saúde mental estadunidense. Era comum nos hospitais
psiquiátricos daquele país que seus internos fossem submetidos a estudos e
tratamentos orientados pela perspectiva comportamental.

Os indicadores de relação entre estímulo e resposta, associados aos padrões


de comportamento foram de fundamental importância para o desenvolvimento
das primeiras ações na área de saúde mental visando ao tratamento de doenças até
então desconhecidas da sociedade, como a síndrome do pânico ou a agorafobia,
por exemplo.

O behaviorismo metodológico proposto por Watson participa da sua


concepção originária da sociedade estadunidense a partir dos elementos
utilitaristas e pragmáticos. De acordo com essa concepção, a orientação
epistemológica do realismo seria responsável por orientar as produções científicas
e intelectuais de várias áreas do saber e, com a psicologia, isso não foi diferente. É
justamente esse realismo que será considerado a partir da constituição do mundo
interior, ou seja, o comportamento é definido pela realidade e, é essa a realidade
defendida por Watson.

Desse modo, é que Watson irá defender o behaviorismo como um


estilo particular da psicologia científica, no sentido de livrá-la das concepções
mentalistas e idealistas, em nome de uma psicologia voltada para a compreensão
de previsibilidade e de controle do comportamento humano. Vejamos uma fala
de Watson que ilustra muito bem isso que dissemos:

Dê-me uma dúzia de crianças saudáveis, bem formadas, e meu próprio


mundo especificado para criá-los e eu vou garantir a tomar qualquer
uma ao acaso e treiná-lo para se transformar em qualquer tipo de
especialista que eu selecione – advogado, médico, artista, comerciante-
chefe, e, sim, mesmo mendigo e ladrão, independentemente dos seus
talentos, inclinações, tendências, habilidades, vocações e raça de seus
antepassados. Eu vou além dos meus fatos e eu admito isso, mas
tem os defensores do contrário e eles foram fazendo isso por muitos
milhares de anos (WATSON, 1928, s.p.).

Entendendo que o sujeito é o resultado da soma de suas experiências


Watson (2008), passa a compreender que o comportamento precisa ser estudado
como o elemento responsável por levar o sujeito a desempenhar da melhor forma
possível as suas potencialidades comportamentais.

A partir da publicação do chamado manifesto behaviorista, Watson


procurava distanciar sua nova concepção de psicologia de uma tradição
fortemente ligada à metafisica.

É dessa maneira, que a psicologia comportamental ganhará, por muitos


anos, um forte destaque perante as demais escolas psicológicas por estabelecer,
nos seus critérios os elementos fortemente relacionados às práticas científicas.

73
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Por conta dessa correlação é que o comportamento humano deveria ser


analisado com base nos critérios estabelecidos unicamente pelos behavioristas.
Entretanto, mesmo no interior das descobertas formuladas por Watson, foi
observado que, o comportamento era um agente muito mais complexo do que ele
havia suposto. É nesse horizonte que, ainda nas primeiras décadas do século XX,
o método clássico do behaviorismo iria passar por uma ampla revisão proposta
por Skinner.

5 SKINNER E O COMPORTAMENTALISMO RADICAL


O psicólogo Burrhus F. Skinner (1904-1990) desenvolveu o conceito de
condicionamento operante. “O hábito de buscar dentro do organismo uma
explicação do comportamento tende a obscurecer as variáveis que estão ao
alcance de uma análise científica. Estas variáveis estão fora do organismo, em seu
ambiente imediato e em sua história ambiental” (SKINNER, 1970, p. 26).

Skinner foi talvez o primeiro psicólogo no século XX a alcançar uma


projeção mundial a partir dos seus estudos. Ele trabalhou desde 1958 até 1974,
na Universidade de Harvard, onde comandava o seu laboratório de análise
experimental do comportamento.

Para Skinner, o conceito de livre-arbítrio era uma ilusão, pois ao longo


da história todos os acontecimentos políticos, sociais, econômicos e culturais
foram sempre influenciados por determinantes ambientais. Logo, as causas
ambientais teriam um fator decisivo tão relevante para a nossa evolução, quanto
os aspectos biológicos. Em linhas gerais, um acontecimento social e subjetivo era
resultado de causas e consequências. Se estas consequências fossem prejudiciais
elas tenderiam, naturalmente a se extinguir. Caso elas tivessem consequências
positivas, a sucessão de repetições levaria ao desenvolvimento das ações voltadas
para a potencialização das questões comportamentais.

É diante desse quadro que a teoria proposta por Skinner ganhará os


contornos para uma aplicabilidade ainda maior do que as descobertas feitas
pelo seu antecessor John Watson. Alguns acontecimentos favoreceram essa
prerrogativa. O primeiro deles refere-se ao interesse cada vez maior da psicologia
pelas questões relacionadas à saúde mental. Com as primeiras décadas do século
XX, finalmente, o sofrimento psicológico passa a merecer a atenção dos governos
em relação ao desenvolvimento de políticas públicas.

Já o segundo aspecto envolve um acontecimento muito importante para a


nossa sociedade, no caso, a Segunda Guerra Mundial. Ao término desse conflito,
em 1945, muitos soldados estadunidenses regressavam completamente afetados
por todos os acontecimentos vivenciados por eles. Muitos desenvolveram uma
série de doenças que logo depois foram batizadas por psicólogos e psiquiatras
como síndrome do pânico ou transtorno de estresse pós-traumático.

74
TÓPICO 1 | A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA

É nesse campo que os trabalhos desenvolvidos por Skinner serão uma forte
referência para o desenvolvimento das políticas de atenção à saúde mental como
tratamento baseados, sobretudo, na sua ideia de condicionamento operante.

FIGURA 4 - SKINNER EM SEU LABORATÓRIO NA UNIVERSIDADE DE HARVARD

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Burrhus_Frederic_Skinner>. Acesso em: 25 abr. 2020.

Nos experimentos apresentados por Skinner podemos destacar o que


fundamenta sua teoria das leis comportamentais: uma caixa. Um rato era
colocado nesse objeto e ali deveria ser alimentado. Desta forma observou-se
que, sempre quando queria alimento ou água, o rato manifestava-se com um
tipo de comportamento. Foi então que a caixa de skinner foi apropriada de
uma barra que proveria água, pois se para satisfazer sua necessidade orgânica,
o rato desenvolvera um comportamento aprendido, que poderia ser extinto ou
estimulado.

A intenção de Skinner era de que a barra fosse pressionada, e foi o que


ocorreu ocasionalmente. No entanto, o rato passou a pressioná-la sempre quando
tinha sede. Por fim foi determinada essa atitude comportamental como a teoria
do comportamento operante predispondo que a aprendizagem é ação do
organismo sobre o meio e seu efeito resultante, ou seja, a aprendizagem está na
relação ação-efeito.

Baseado nessa constatação, Skinner observou que o comportamento


humano poderia ser modulado a partir da intensificação de reforços – positivos
ou negativos – a partir de sucessivas repetições.

75
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

FIGURA 5 - A CAIXA DE SKINNER

Auto-falante
Armazenador
Luzes
de grãos
sinalizadoras
Pedal

Tubo do
armazenador

Fio até o
gerador de
Copo para comida Grade eletrificada choques

FONTE: <http://motivacaopsicoece.blogspot.com/2013/05/modelagem-de-comportamento.
html>. Acesso em: 29 abr. 2020.

O comportamento operante pode ser representado da seguinte maneira:


R -> S, em R é a resposta (pressão na barra) e S (do latim stimulos) é o estímulo
reforçador (água ou alimento) que interessa ao organismo; a seta significa “levar
a”.

FIGURA 6 – ESQUEMA DO CONDICIONAMENTO OPERANTE

FONTE: <http://www.treinodecaes.pt/2016/02/18/condicionamento-classico-vs-
condicionamento-operante/>. Acesso em: 29 abr. 2020.

76
TÓPICO 1 | A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA

O termo estímulo reforçador é chamado de reforço, apesar de ocorrer


após a manifestação do comportamento. Quando entendemos que a teoria
do comportamento operante se refere à interação do sujeito com o ambiente
observamos previamente a relação funcional entre estímulo- reforço –
comportamento, ou seja, a ação do indivíduo e as consequências destas práticas.
Desta forma, agimos no mundo em função das consequências criadas por nossas
ações.

FIGURA 7 – REFORÇO E RELAÇÃO FUNCIONAL

FONTE: <https://veja.abril.com.br/saude/guia-para-iniciantes-como-comecar-a-correr/>. Acesso


em: 29 abr. 2020.

Pense no início do treino de um atleta: sua ação é repetida, pois ele se


sente reforçado por respostas positivas de seu organismo e a melhora de sua
potência física na manutenção da tarefa.

Observar a manutenção do reforço talvez seja para o atleta, o maior de


seus empreendimentos e foi pensando na função dos agentes reforçadores que a
teoria do comportamento operante foi aprofundada.

Desta forma, apresentaram-se questões referentes aos eventos


subsequentes aos comportamentos a partir das seguintes perguntas: como
aumentar a quantidade de respostas positivas para reforçar determinado
comportamento? Ou ainda, quando as respostas não forem reforçadoras, como
será a manutenção deste mesmo comportamento?

Para que possamos compreender melhor essa fórmula, leia a ilustração


formulada pela seguinte situação destacada:

77
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

FIGURA 7 – REFORÇO E RELAÇÃO FUNCIONAL

FONTE: <http://twixar.me/QlKm>. Acesso em: 29 abr. 2020.

Para Calvin, a ideia de receber dinheiro por suas notas mais altas seria o
ideal para reforçá-lo. O que o pai justifica como suborno seria visto como reforço
negativo, pois permite a retirada de algo negativo, mas não necessariamente
produziria respostas diferentes daquelas justificadas no último quadrinho.

Os eventos consequentes ou reforçadores aumentam a frequência


da emissão das respostas que as produziram já as frequências das respostas
que produziram o comportamento diminuem quando estas são punidoras ou
aversivas.

NTE
INTERESSA

Reforço é toda consequência que mediante uma resposta altera a probabilidade


futura da resposta que o produz.

Por ser uma consequência aquilo que altera a probabilidade da repetição


do comportamento, o comportamentalismo de Skinner apresenta dois tipos de
reforço:

O reforço positivo referente a todo evento que aumenta a probabilidade


futura da ocorrência da resposta e o reforço negativo relativo a todo evento que
aumenta a probabilidade futura da resposta que remove ou atenua.

A caixa de Skinner reproduziria o reforço negativo de forma que o


choque no assoalho levasse o rato a pressionar a barra, quando este o fazia, os
choques paravam. Desta forma, quando retirado o estímulo aversivo – choque –
controlava-se a emissão da resposta.

78
TÓPICO 1 | A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA

O reforço negativo apresenta dois processos importantes. O primeiro


deles é a esquiva: no comportamento de esquiva, após o estímulo condicionado
o indivíduo apresenta um comportamento que é reforçado pela necessidade de
reduzir, ou evitar, um segundo estímulo que também é aversivo. Um exemplo de
comportamento de esquiva seria o relâmpago que precede ao barulho do trovão.
O comportamento de esquiva seria o comportamento de levarmos as mãos aos
ouvidos depois da queda do raio.

O segundo deles é a fuga: no caso da fuga, só há um estímulo aversivo


incondicionado, que quando apresentado será evitado pelo comportamento
de fuga. Levando em consideração a imagem a seguir que propusemos para a
explicação do comportamento de esquiva, o cachorro não estaria observando o
raio, pois na fuga não se evita o estímulo aversivo e sim, foge-se dele.

FIGURA 9 - FUGA E COMPORTAMENTO DE ESQUIVA

FONTE: <https://tudosobrecachorros.com.br/medo-de-trovao/>. Acesso em: 29 abr. 2020.

Com relação aos Processos relevantes no Comportamento Operante,


Skinner leva em consideração três aspectos assim descritos. O primeiro deles,
refere-se à extinção. Na extinção não há mais reforçamento da resposta, logo ela
poderá ser extinta. O valor do reforçamento envolvido exercerá influência sobre
o tempo para a resposta deixar de ser emitida.

O segundo deles, refere-se à punição. Aqui o reforço positivo não


estará mais presente e haverá a apresentação de um estímulo aversivo. É
importante lembrar que no caso da punição, e no que compreende a extinção do
comportamento, o mesmo só se extinguirá se for observada a ação que levou ao
comportamento. Punir não gera extinção e sim supressão da resposta.

Por fim, existe o controle de estímulos: quando o ambiente tem maior


influência sobre nosso comportamento. Desta forma, os estímulos podem ser
avaliados pela discriminação, quando a resposta sofre certo grau de extinção,
mas se mantém na presença do estímulo; e a generalização, onde estímulos
similares adquirem controle sobre a resposta devido ao reforço de sua presença.

79
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

6 PRINCIPAIS APLICAÇÕES DO COMPORTAMENTALISMO


Sem dúvida a área de conhecimento a qual mais foi aplicado o
comportamentalismo foi a educação, sendo sua teoria baseada na aprendizagem,
os métodos de ensino puderam ser revisitados e programados.

A questão da manutenção do comportamento melhor observada e


fundamentada e as tecnologias de ensino ampliadas.

Também observamos a aplicação da teoria na psicologia organizacional,


no treinamento e aperfeiçoamento de colaboradores e na prática com crianças
com autismo e outras necessidades especiais. Por fim, o comportamentalismo
também será muito aplicado no Marketing a partir do desenvolvimento de
produtos publicitários.

E
IMPORTANT

A PSICOLOGIA COMO O BAHVIORISTA A VÊ

John Watson

A psicologia como o behaviorista a vê é um ramo experimental puramente objetivo das


ciências naturais. Seu objetivo teórico é a previsão e o controle do comportamento. A
introspecção não constitui parte essencial de seus métodos, nem o valor científico de
seus dados depende da facilidade com que eles podem ser interpretados em termos de
consciência. O behaviorista, em seus esforços para conseguir um esquema unitário da
resposta animal, não reconhece linha divisória entre homens e animais. O comportamento
do homem, com todo o seu refinamento e complexidade, constitui apenas uma parte do
esquema total de investigação do behaviorista.

De maneira geral, tem sido mantido por seus seguidores que a psicologia é um estudo da
ciência do fenômeno da consciência. Por um lado, ela tomou como seu problema a análise
de estados (ou processos) mentais complexos por meio de seus simples constituintes
elementares; por outro lado, a construção de estados complexos quando os constituintes
elementares são dados. O mundo de objetos físicos (estímulos, incluindo aqui qualquer
coisa que possa excitar atividade em um receptor) que constitui o fenômeno total do
cientista natural é visto meramente como meio para um fim. Esse fim é a produção de
estados mentais que possam ser "inspecionados" ou "observados". O objeto psicológico
de observação, no caso de uma emoção, por exemplo, é o próprio estado mental. O
problema na emoção é a determinação do número e do tipo de constituintes elementares
presentes, intensidade, ordem de aparição etc. É de comum acordo que a introspecção é,
par excellence, o método por meio do qual os estados mentais podem ser manipulados
para os propósitos da psicologia. Partindo dessa afirmação, os dados comportamentais
(incluindo sob este termo tudo que é abarcado pelo nome de psicologia comparada) não
têm valor per se. Eles possuem significância apenas na medida em que possam lançar luz
sobre estados conscientes. Tais dados devem ter pelo menos uma referência analógica ou
indireta para pertencer ao reino da psicologia.

80
TÓPICO 1 | A PSICOLOGIA BEHAVIORISTA

Concluindo, eu suponho que eu devo me admitir tendencioso nestas questões. Eu devotei


quase doze anos em experimentação com animais. É natural que uma tal pessoa seja
levada a uma posição teórica a qual esteja em harmonia com seu trabalho experimental.
Possivelmente eu montei um espantalho e tenho estado lutando contra ele. Não deve
haver falta absoluta de harmonia entre a posição delineada aqui e aquela da psicologia
funcional. Estou inclinado a pensar, todavia, que as duas posições não podem ser facilmente
harmonizadas. Certamente a posição a qual eu advogo é neste momento suficientemente
fraca e pode ser atacada de vários pontos de vista. Mesmo reconhecendo tudo isso, ainda
sinto que as considerações pelas quais argumentei devem ter uma ampla influência
sobre o tipo de psicologia que será desenvolvida no futuro. O que nós precisamos fazer
é começar a trabalhar sobre a psicologia, fazendo o comportamento, não a consciência,
o ponto objetivo de nosso ataque. Certamente há problemas suficientes no controle do
comportamento para nos manter a todos trabalhando várias vidas sequer nos permitindo
tempo para pensar sobre a consciência an sich. Uma vez lançado o empreendimento, nos
acharemos em um curto tempo tão divorciados de uma psicologia introspectiva quanto
a psicologia do tempo presente é divorciada da psicologia das faculdades. Disponível:
WATSON, John B. Clássico traduzido: a psicologia como o behaviorista a vê. Temas psicol.
16 (2), 289-301, 2008.

FONTE: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X20080002
00011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jan. 2020.

81
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• Objeto da psicologia para o Behaviorismo possui as suas implicações para o


desenvolvimento da psicologia como ciência.

• Os primeiros estudos sobre o comportamento e a reflexologia, a partir dos


trabalhos desenvolvidos pelo médico russo Ivan Pavlov.

• Os estudos de Pavlov sobre a fisiologia do comportamento clássico baseavam-


se em experimentos com animais, sobretudo os cães.

• As primeiras teorias do condicionamento em Watson estavam interessadas


em descrever o comportamento humano a partir da clássica sequência entre
estímulo e resposta.

• As funções do condicionamento operante se dividem em: reforçamento


negativo, ou seja, quando operamos uma resposta para removermos um
estímulo aversivo; reforçamento positivo, isto é, quando desenvolvemos um
padrão de comportamento pela possibilidade de obtenção de uma recompensa;
comportamento de esquiva/ fuga, quando emitimos uma resposta objetivando
a extinção de um estímulo aversivo; e controle/discriminação e generalização
de estímulos, quando ocorre a repetição de padrões comportamentais
desenvolvidos pelo sujeito.

82
AUTOATIVIDADE

1 Acerca das contingências ambientais, observe a tira a seguir e responda:

FONTE: <https://wordsofleisure.com/2012/05/20/tirinha-do-dia-calvin-e-haroldo-em-eu-
adoro-sabados/>. Acesso em: 2 maio 2020.

a) O que faz com que Calvin justifique seu comportamento?


b) Quais reforços adota para mantê-lo?
c) Qual estímulo faz com que Calvin haja dessa maneira?

2 Qual a principal contribuição desenvolvida por Skinner para o


Behaviorismo?

83
84
UNIDADE 2 TÓPICO 2
FREUD E A EMERGÊNCIA DA PSICANÁLISE

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, apontaremos os principais aspectos da psicanálise, a partir
do seu criador, Sigmund Freud. Desse modo, apresentaremos os aspectos que
envolvem desde as bases biográficas até as diretrizes metodológicas e os aspectos
conceituais da psicanálise.

Abordaremos, também, os indicativos dos motivos pelos quais a


psicanálise freudiana acaba sendo uma importante ferramenta para uma leitura
dos aspectos culturais da nossa sociedade ocidental.

Discutiremos, por fim, os principais tópicos da estrutura do inconsciente


na formação da subjetividade a partir das contribuições de Freud, bem como
outros elementos que nos auxiliam a compreender os fundamentos da psicanálise
e sua interlocução com a psicologia.

2 A PSICANÁLISE E CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO


Diferentemente do comportamentalismo - em que a preocupação maior
de seus pensadores era pensar a psicologia científica a partir da experiência
mental consciente - Freud (1997) sustenta a teoria da vida inconsciente a partir do
estudo de suas instâncias ou sistemas psíquicos.

O intelectual austríaco fundamenta o movimento psicanalítico, uma escola


de pensamento que se estruturará durante toda a modernidade e continuará
possibilitando novas abordagens no contemporâneo ultrapassando os próprios
contornos da psicologia.

Os antecedentes intelectuais e culturais desta escola de pensamento


possibilitaram as suas duas fontes principais de influência: As primeiras
especulações filosóficas acerca dos fenômenos psicológicos, ou seja, os trabalhos
desenvolvidos por pensadores como Nietzsche e Kierkegaard, por exemplo. Os
primeiros trabalhos no campo da psicopatologia desde a psiquiatria francesa do
final do século XIX.

85
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

FIGURA 10 – SIGMUND FREUD, O FUNDADOR DA PSICANÁLISE

FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/biografia/sigmund-freud.htm>. Acesso em: 2 fev. 2020.

Vários estudos na passagem do século XIX para o século XX eram feitos


sobre o funcionamento da vida psíquica e entre os nomes que antecederam Freud
na fundamentação da ideia do inconsciente podemos elencar: Leibniz (1646-
1716); Herbart (1776-1841); Gustav Fecimer (1801-1887) e Hartmann (1882- 1950).

As teorias do funcionamento psíquico e do inconsciente já eram estudadas


por outros intelectuais, no entanto, foi Freud que as organizou fundamentando a
escola de pensamento psicanalítica de forma a possibilitá-la no âmbito terapêutico
que ocorre por meio do processo investigativo da análise (FREUD, 1998).

Outra questão que influenciou o surgimento da psicanálise foram as


patologias mentais a partir das práticas que estavam sendo estudas com maior
determinação no século XIX. Desta forma, ao percorrermos os caminhos da
história evidenciando o panorama da doença metal até o momento em que Freud
desenvolve sua teoria, podemos compreender os elementos de uma escuta clínica
em torno da loucura no contexto do saber psicológico.

Na Idade Média, a loucura era vista como algo demoníaco, cabendo aquele
que apresentava tal postura de anormalidade a identidade de possessão. Desse
modo, desenvolviam-se práticas voltadas para a punição e o isolamento social.
Na Renascença, Jacob Sprenger e Heinrich Kramer, no ano de 1489, aproveitam
a invenção da imprensa para distribuir junto a Igreja, o Malleus Meleficarum
(KRAMER; SPRENDER, 2015), uma enciclopédia que serviria de manual para
expurgo da loucura, nomeada na época como bruxaria. Desta forma durante 300
anos a igreja utilizou seus modos de punição e absolvição de almas justificando
que bruxas e loucos tinham pactos com forças malignas e neste intento os doentes
mentais seriam contemplados com as mais variadas formas de cárcere, tortura e
morte.

86
TÓPICO 2 | FREUD E A EMERGÊNCIA DA PSICANÁLISE

FIGURA 11 – O MALLEUS MALEFICARUM – O MARTELO DAS FEITICEIRAS

FONTE: <https://aminoapps.com/c/wiccaebruxaria/page/blog/malleus-maleficarum/X0d2_
BzeFgu58rQzDEPgWDeNwbJxedobEdX>. Acesso em: 2 maio 2020.

Partindo para a passagem do século XVIII para o século XIX - um


momento histórico sem tanta interferência da igreja – inicia-se uma maior
investigação científica sobre os distúrbios mentais. É nesse período que iniciam-
se as experiências para um possível tratamento da loucura. Emergem, nesse
contexto, experiências como as técnicas de Rush (1715-1813), responsável pelo
fundação do primeiro hospital de distúrbios emocionais dos Estados Unidos.
Nestas experiências cadeiras rotativas forçavam desmaios dos doentes mentais,
bem como madeiras pesadas sobre as cabeças dos internos serviam como
tranquilizantes para as crises e, eram praticadas imersões em água fria que
inferiam uma possível cura (SCHULTZ; SCHULTZ 2000).

A psiquiatria nesse momento, era dividida em duas escolas de


pensamento. Uma nomeada somática por determinar o distúrbio mental a partir
de causas físicas e outra escola dita como psíquica que tinha como fundamento
o aparecimento dos distúrbios mentais por razões psicológicas (SCHULTZ;
SCHULTZ 2000).

É nesse contexto, que iniciaram as primeiras terapêuticas modernas


voltadas para o tratamento da loucura. Tratava-se portanto de várias estratégias
empíricas ligadas à compreensão do tratamento da loucura a partir da relação
entre comportamento somático e estrutura psíquica. De todas essas experiências,
sem sombra de dúvida, a hipnose é a técnica que ganha atenção inclusive do
próprio Freud.

87
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Três estudiosos tinham em comum a hipnose como método de trabalho.


Eram eles, Franz Anton Mesmer (1734-1815) fundador do mesmerismo,
James Braid (1795-1860) que determinou ao estado hipnótico a referência de
neuropinologia e Jean Martin Charcot (1825-1893) que aprofundou seus estudos
sobre a hipnose a partir da aplicação da técnica em pacientes histéricas.

Estes pensadores contribuíram para o aumento da visibilidade sobre o


psiquismo, logo influenciando o questionamento social e acadêmico sobre tais
fenômenos e impulsionando as pesquisas produzidas no âmbito da psiquiatria.

3 SIGMUND, ANTES DE FREUD: ASPECTOS BIOGRÁFICOS


Para que possamos compreender a psicanálise devemos entender contexto
e a vida de seu criador justificando sua experiência inaugural da nova escola do
pensamento ao final do século XIX.

Nascido em maio de 1856, Freud era filho de um comerciante de lãs


severo e uma mãe carinhosa - a noção do complexo de édipo é proposta por ele
também como derivada de suas lembranças infantis - Freud, desde cedo, mostrou
inclinação para a atividade intelectual o que levou a sua família a investir na sua
formação acadêmica. Freud Ingressou ao Liceu e gradou-se aos 17 anos iniciando
seus estudos superiores na universidade de Viena.

NTE
INTERESSA

No início da graduação, Freud concentrou seus interesses na biologia. Ele


dissecou mais de quatrocentas enguias para determinar a estrutura dos testículos. Suas
descobertas foram inconclusivas, mas é digno de nota que seu primeiro esforço de pesquisa
se relacionasse com o sexo (ADES, 2001).

A falta de condição financeira fez com que Freud não pudesse continuar
seus estudos no ambiente acadêmico, sendo assim, decidiu-se pela pesquisa
fisiológica no treinamento hospitalar, especializando-se em anatomia e por fim
praticando a neurologia clínica (GAY, 1989).

Freud casou-se com Martha Bernays (1861-1951) e, em meio a várias


dificuldades financeiras teve seis filhos, dos quais não foi muito próximo por
conta das atribuições médicas e aprofundamento nos seus estudos (GAY, 1989) .

88
TÓPICO 2 | FREUD E A EMERGÊNCIA DA PSICANÁLISE

É a partir da amizade com Josef Breuer (1842-1925) que Freud passa a


exercer a profissão de médico assistente. Breuer, por sua vez, apresentou-lhe um
caso de especial valor.

FIGURA 13 – JOSEF BREUER

FONTE: <https://pt.sainte-anastasie.org/articles/biografas/josef-breuer-biografa-de-este-pionero-
del-psicoanlisis.html>. Acesso em: 2 maio 2020.

Uma mulher atendida por Breuer apresentava graves sintomas histéricos.


Breuer dera-lhe o nome de Ana O. Esta paciente seria fundamental para o
desenvolvimento da psicanálise, pois a partir de seu caso, Freud não mais
utilizaria o método da hipnose para a cura dos episódios histéricos, passando
a instituir o método da catarse, ou seja, a cura pela palavra (FREUD; BREUER,
2016).

Em 1895, Freud e Breuer publicam o livro, Estudos Sobre Histeria (FREUD;


BREUER, 2016), no entanto, foi a partir daí que a amizade entre os dois teve seu
fim. Por conta das diferentes formas de observarem a sexualidade e sua relação
com a neurose, além do descontentamento de Breuer para quem não haviam
provas suficientes das quais pudesse-se basear a psicanálise em um espaço tão
curto de tempo, o rompimento entre os dois intelectuais foi inevitável.

Aos 41 anos Freud, começou a passar por experiências esporádicas de


impotência. Desse modo, ele decide que abandonaria o sexo e, por vários anos,
debruçou-se sobre sua autoanálise empreendendo a tarefa de interpretar os
próprios e, os de seus pacientes.

Durante o trabalho de análise onírica que durou dois anos, Freud catalogou
e organizou sua experiência que foram transmitidas em A interpretação dos Sonhos
(FREUD, 2019). Nesse trabalho também está contido a natureza do complexo de
édipo, assim Freud incorpora a técnica de análise dos sonhos à psicanálise.

Em 1901 Freud (1996) publica Psicopatologia da vida cotidiana e, em 1905, Três


ensaios sobre a teoria da sexualidade (FREUD, 1997). A primeira década do século XX
foi de muito reconhecimento pelo trabalho de Freud. Nos anos 20, a psicanálise

89
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

tinha evoluído a um sistema teórico que englobava a compreensão da motivação


e personalidades humanas e, não era mais concebida em seus primórdios como
método de tratamento para pessoas com distúrbios mentais.

Em 1923 Freud descobre a incidência de um câncer de boca. Seus últimos


16 anos de vida foram acometidos por inúmeras cirurgias que prejudicaram sua
fala, fazendo com que Freud se afastasse de eventos maiores. Em 1938 a Alemanha
invade a Áustria, a casa de Freud é saqueada por nazistas. Uma semana depois,
sua filha Anna é presa e detida por um dia. Graças à intervenção do embaixador
americano os nazistas permitiram que Freud fosse para Inglaterra, onde
sucumbiria ao câncer em 10 de setembro de 1939 (GAY, 1989).

4 FREUD COMO PENSADOR DA CULTURA


Com relação aos aspectos culturais, o pensamento freudiano ocupa um
papel muito importante em torno de temas considerados como tabus para a nossa
sociedade. Dentre os quais podemos destacar a religiosidade e a sexualidade.

Trabalhos de Freud (1992; 1993; 1994; 1995) como Moisés e o Monoteísmo,


Totem e Tabu, Luto e Melancolia e Mal Estar na Cultura acabam por sinalizar
aspectos muito importantes para o desenvolvimento de uma leitura crítica sobre
as relações entre o sujeito e a sociedade.

Uma de suas teses mais interessantes consiste em problematizar os


elementos de uma cultura de racionalidade produzida pela nossa sociedade. Para
Freud (1995), os elementos civilizatórios designam, antes de tudo, práticas de
barbárie.

Isso significa que a cultura ocidental é permeada por uma relação,


em que, o inconsciente opera uma espécie de correlação com os elementos de
racionalidade. Mais especificamente não podemos pensar a nossa cultura, sem
que façamos uma leitura dos processos inconscientes presentes em práticas como
o incesto, por exemplo.

Nesse sentido, a perspectiva freudiana em relação à cultura aponta os


desdobramentos relacionados aos modelos de interdição sobre a subjetividade e,
ao mesmo tempo sobre a sociedade. Segundo Smadja (2016), a psicanálise opera
a mediação entre as estruturas individuais e coletivas.

O sujeito moderno, para Freud (1993) não é apenas um ente racional, mas
também é perfilado pelos elementos instintivos que se reproduzem na maneira
pelas quais são constituídos todos os sistemas de símbolos, sentidos e significados.

90
TÓPICO 2 | FREUD E A EMERGÊNCIA DA PSICANÁLISE

Ora, o procedimento pensado por Freud (1994) consiste em promover


uma antropologia das estruturas inconscientes que sinalizam aas experiências
religiosas, os aspectos econômicos, sociais e, é claro, os culturais.

5 A EMERGÊNCIA DO INCONSCIENTE
O inconsciente antes de Freud, era aplicado de forma adjetivada sem uma
organização sobre as estruturas psíquicas ou alguma contribuição real para a
compreensão da subjetividade (GARCIA-ROZA,1996).

As formulações freudianas na construção do inconsciente têm um longo


percurso histórico em sua formulação que tem seu início nos estudos sobre a
Histeria (Freud, 2016). Inicialmente hipnose revelou que existiam conteúdos que
desencadeavam os sintomas da histeria.

No entanto, havia enorme dificuldade por parte dos pacientes em


relacionar estes conteúdos como causa desencadeante dos seus sintomas. Havia
ali, um obstáculo que Freud denominou Resistência e que a hipnose mais ocultava
do que revelava além de seus resultados apresentarem pouca duração.

Para Coelho Júnior (1999), a psicanálise freudiana possui dois momentos.


No primeiro desses momentos Freud institui a leitura sobre o inconsciente a partir
de três regiões. Na primeira estrutura estariam ligados os elementos conscientes,
ou seja os aspectos relacionados à racionalidade do sujeito. Na segunda estrutura,
residem os elementos pré-conscientes. Isto é, todos os conteúdos ligados a
experiências suscetíveis de se tornarem conscientes. Por fim, a terceira estrutura
desse modelo é perfilado pelo inconsciente, composto por representações de
todos os nossos traumas e repressões vivenciadas ao longo da nossa vida.

Contudo, essa primeira leitura é abandonada por Freud, por conta da


incapacidade de se estabelecer à leitura das estruturas ligadas ao narcisismo. O
narcisismo compreende, uma representação simbólica, ou seja, a imagem que o
sujeito possui de si mesmo, por meio das funções ligadas ao ego. Essa perspectiva
é descrita por Freud (1974) como o fundamento de muitas das neuroses presentes
na vida do sujeito.

É a partir dessa constatação que Freud (2015), publica o livro Além do


Princípio do Prazer. Nessa obra, Freud (2015) desenvolve a segunda estruturação
do inconsciente a partir da metáfora do iceberg.

91
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

FIGURA 14 – A METÁFORA DO ICEBERG SEGUNDO FREUD

FONTE: <https://classconnection.s3.amazonaws.com/209/flashcards/1892209/png/
freud1351814399405.png>. Acesso em: 25 maio 2020.

Conforme podemos observar na figura acima, a estrutura do aparelho


psíquico passa a ser descrita por Freud (2015) a partir do seguinte esquema: sobre
a superfície do aparelho psíquico encontra-se a consciência, ou seja, os elementos
ligados a racionalização como característica básica e elementar do sujeito.

Logo abaixo, nessa estrutura encontramos a pré-consciência perpassada


pelo ego. O ego é um dispositivo relacionado aos princípios da realidade. Isso
é, ele compreende para satisfazer as necessidades e vontades dos conteúdos
inconscientes, ou seja, o ego constitui-se como elemento de satisfações ou
recompensas que o sujeito procura oportunizar a si mesmo a partir de vontades
inconscientes.

Um pouco mais abaixo dessa estrutura encontra-se o superego.


Compreendido como uma estrutura voltada para os elementos de padronização
da moral e das leis sociais existentes. O superego é responsável pela internalização,
por parte do sujeito de padrões considerados corretos e errados pela sociedade e
pela cultura.

Por fim, ao fundo dessa estrutura encontra-se o id. Movido totalmente pela
pulsão, o id é representado pela figura do inconsciente a partir das necessidades e
desejos produzidos pelo sujeito ao longo da sua existência.

Conforme podemos observar, essa segunda estrutura do aparelho psíquico


desencadeada por Freud (2015) corresponde aos elementos de uma maquinaria
complexa voltada para as dimensões afetivas e racionais do sujeito.

92
TÓPICO 2 | FREUD E A EMERGÊNCIA DA PSICANÁLISE

6 PSICANÁLISE E A CURA PELA PALAVRA


Freud desenvolve um método de trabalho muito importante para a
psicologia. A escuta clínica de uma verdade sobre a loucura. Aos seus pacientes
era a condição de possibilidade da fala sem interrupções, questionamentos ou
julgamentos por parte de Freud.

Freud nomeia esse método como livre associação. Para Carvalho e


Holanda (2017) a livre associação ocorre quando o sujeito passa a estabelecer
conexões a partir das suas experiências conscientes e inconscientes. Entretanto,
dada a impossibilidade de confrontar essas experiências por conta própria, o
paciente imerge no que Freud (2017) chamou de Resistência.

Freud (2017) acreditava que a percepção consciente bloqueava as


lembranças traumáticas do sujeito admitindo que, na presença da dor, existia a
indicação de que a análise se aproximava da fonte do sintoma. Neste sentido
Freud (2017) indica aos analistas que o trabalho clínico deve ser orientado a partir
da análise do material reprimido no inconsciente fazendo com que este volte a
consciência.

E
IMPORTANT

A livre associação, termo que utilizamos para referenciar um dos manejos


clínicos psicanalíticos, após sua tradução teve um sentido diferente dado por Freud, em
alemão, esta seria dita como: livre intrusão ou invasão (FREUD, 2015).

Para esta condição, o manejo clínico promovido pela psicanálise define o inconsciente
como característica substancial de apropriação terapêutica, é metodologicamente
reafirmado por meio da livre associação dado a condição de resistência apresentada na
análise.

7 A PSICANÁLISE E A SEXUALIDADE INFANTIL


Freud (1969), na busca de hipóteses que justificassem as neuroses, utilizou
a análise de narrativas de seus pacientes observando uma dinâmica comum aos
conflitos de ordem sexual localizados na primeira fase do desenvolvimento
infantil.

Estas narrativas eram sempre expressas em tom traumático e repressivo.


No entanto, tais narrativas confluem na origem dos sintomas apresentados. A
partir disso Freud (1969), confirmou que as ocorrências traumáticas nos primeiros
anos de vida repercutem como marcas profundas na estruturação das pessoas.

93
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Tais descobertas enfatizam a sexualidade um lugar de primazia na vida


psíquica, e é postulado a teoria da sexualidade infantil. Deste modo Freud (1969)
que, em primeiro lugar, a vida sexual não começa apenas na puberdade, mas se
inicia, com manifestações claras, logo depois do nascimento.

Portanto, o papel da psicanálise acaba por ser o de distinguir nitidamente


os conceitos de sexo e os dispositivos genitais. Enquanto que o primeiro refere-
se aos aparatos biológicos, os segundos referem-se aos artefatos simbólicos e de
inconscientes.

A vida sexual inclui a função de obter prazer das zonas do corpo — função
mais tarde posta a serviço da reprodução. As duas funções muitas vezes deixam
de coincidir completamente. Portanto, as descobertas acima descritas tiveram
grande repercussão social, haja visto que para a criança, na época de Freud, era
dado o lugar da inocência e, no entanto, as mesmas só as eram até os cinco anos,
pois a sociedade da época não tinha o entendimento do desenvolvimento previsto
a infância e o puritanismo da época reforçado pela igreja propunha a relação sexo
exclusivamente dedicada a reprodução.

Tendo como princípio o corpo erotizado desde o nascimento, a psicanálise


retrata as fases de desenvolvimento psicossexual determinando as zonas de
erotização na particularidade de cada fase de construção do aparelho psíquico.

Por conta desses aspectos Freud (1969) aponta que a fase oral teria como
zona de erotização a boca. Já a fase anal opera como zona de erotização por meio
do controle dos esfíncteres, do ânus e das fezes. Em terceiro lugar, têm-se a fase
fálica compreendida por Freud (1969) como a zona de erotização tendo como vetor
o órgão sexual. Por fim Freud (1969) defende que a fase genital, que é posterior
ao período de latência findando o mesmo na puberdade. Nesta fase o objeto de
desejo não está mais no próprio corpo, está no outro externo ao indivíduo.

É importante ressaltar um processo psíquico que ocorre durante as fases


de desenvolvimento psicossocial, é perfilada pelo complexo de édipo. Este
dispositivo determinará várias funções psíquicas e a relação com o desejo e a
frustação do indivíduo. Falamos neste ponto da fase genital que ocorre entre os
3 e 5 anos em que o menino começa a reconhecer a mãe como objeto de desejo
e o pai como rival, segundo a teoria Freudiana, o menino passa a internalizar
regras impostas pela representatividade paterna. O mesmo processo ocorre com
as meninas Freud fala em édipo feminino.

8 OS PRINCIPAIS CONCEITOS DA PSICANÁLISE


Prosseguiremos apresentando alguns conceitos preliminares para o
entendimento da teoria psicanalítica conforme listamos logo a seguir.

94
TÓPICO 2 | FREUD E A EMERGÊNCIA DA PSICANÁLISE

A realidade psíquica: após suas pesquisas a partir das narrativas de


seus pacientes sobre a neurose, Freud, segundo Sandler (1997), justifica que nem
sempre o que relatado aconteceu na realidade objetiva, porém da mesma forma o
conteúdo expresso deve ser levado em consideração no processo de análise pois
possui valor na realidade psíquica do paciente.

O funcionamento do aparelho psíquico: neste postulado a função do


aparelho psíquico se divide em três pontos de vista. O primeiro deles é composto
pelo caráter econômico, ou seja, a quantidade de energia que alimenta os processos
psíquicos do sujeito. O segundo refere-se ao caráter tópico. Nele, o aparelho
psíquico é dividido em inúmeros números de sistemas simbólicos de afetações.
Por fim, o terceiro é o caráter dinâmico. Ele se caracteriza pela multiplicidade de
forças conflitantes que agem no interior do psiquismo, seja pela pulsão de morte,
seja pela pulsão de vida.

As pulsões: as pulsões correspondem a tensões psicológicas manifestadas


nos comportamentos dos indivíduos. As pulsões compreendem, portanto, a
descarga de energia ligadas aos instintos de vida e de morte. Eros é a pulsão de
vida como autoconservação e Tânatos é a pulsão de morte manifestasse como
pulsão autodestrutiva.

Sintoma: o sintoma é a resultante de um conflito para a satisfação de um


desejo. Um sintoma possui sempre uma origem inconsciente ligado aos conteúdos
recalcados e que se manifestam, por meio de bloqueios ou resistentes presentes
nas atitudes do sujeito.

9 A PSICANÁLISE DEPOIS DE FREUD


A psicanálise ainda se mantém estereotipada na atualidade. Uma
possibilidade deste tipo de crença deve ser a ideia dos atendimentos psicanalíticos
do início do século XIX que era representada por uma clínica fechada em torno do
divã do analista; terapias excessivamente longas ou até a análise possível somente
para pessoas de alto poder aquisitivo.

Entretanto, diferente do que é pressuposto ao senso comum, atualmente


os psicanalistas têm buscado formas se abre para um contemporâneo onde o
autoconhecimento e o atendimento clínico são voltados para o acompanhamento
de jovens e adultos.

Observamos as contribuições de diversos pensadores no campo da


psicanálise, possibilitando acessibilidade a todos os públicos que buscam a
melhora de sua saúde mental. As pesquisas psicanalíticas tiveram contribuições
importantes na área do desenvolvimento e da infância a partir de psicanalistas
com Donald Woods Winnicott (1896-1971), Karen Horney (1885-1952) e Melanie
Klein (1882-1960).

95
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Freud, apresentou contribuições biográficas que permitiram o desenvolvimento


das experiências psicanalíticas.

• Freud, como pensador da cultura, apresentou contribuições acerca da relação


entre a subjetividade, sociedade e cultura. Os estudos desenvolvidos por Freud
constituem as bases de uma problematização acerca dessas relações mediadas
pelos conflitos vivenciados pelos sujeitos e pela sociedade.

• Os estudos de Freud acerca da formação do aparelho psíquico a partir de duas


estruturas. Na primeira delas, Freud compreendia a separação entre consciência,
pré-consciência e inconsciente. Entretanto, Freud passa a reformular essa tese,
inserindo a esses elementos as figuras do id, ego e superego.

• O método da livre associação é uma ferramenta de escuta terapêutica


desenvolvida pela psicanálise, no sentido de permitir, ao sujeito, a tomada de
consciência dos seus conteúdos recalcados.

• Os desdobramentos desenvolvidos pela psicanálise em torno da sexualidade


infantil foram muito importantes para uma compreensão da infância a partir
dos elementos inconscientes.

• Os principais conceitos desenvolvidos pela psicanálise em torno da constituição


do sujeito, no auxiliam a compreender o processo de constituição do sujeito para
além dos horizontes da racionalidade.

• Os principais desdobramentos da psicanálise após Freud, a partir do


surgimento de novas escolas e metodologias de trabalhos desenvolvidos pelos
psicanalistas em torno da constituição do sujeito.

96
AUTOATIVIDADE

1 Qual o impacto da psiquiatria do século XIX sobre as ideias de Freud?

2 Qual a estrutura do aparelho psíquico para Freud?

97
98
UNIDADE 2 TÓPICO 3

A PSICOLOGIA DA GESTALT E A EXPERIÊNCIA DA


PERCEPÇÃO

1 INTRODUÇÃO
A psicologia da Gestalt foi um importante movimento marcado por
um forte influência da fenomenologia. Uma das principais tarefas da Gestalt é
busca pela possibilidade de o sujeito empreender um retorno às coisas mesmas,
tornando explícito aquilo que é implícito.

Neste tópico, apresentaremos os principais conceitos definidos pela


psicologia da Gestalt a partir da contribuição formulada pelos seus criadores, no
caso Koffka, Koeler e Wertheimer. Todos esses intelectuais foram importantes
para o desenvolvimento de leituras sobre a subjetividade a partir das relações
entre figura e fundo e as experiências da percepção.

Desse modo, procuraremos apresentar as possíveis contribuições da


psicologia da Gestalt para a psicologia a partir das experiências formuladas
por seus criadores, em relação ao desenvolvimento de saberes e intervenções
terapêuticas ao longo do século XX.

2 O QUE É GESTALT?
As palavras que designam uma abordagem são uma síntese do
entendimento inicial de uma escola de pensamento. Neste sentido, temos o
behaviorismo como escola voltada ao entendimento do comportamento, como
também a psicanálise responsável por investigar os contornos do inconsciente.
E a palavra Gestalt? Para ela, temos dois significados diferentes: a forma ou uma
entidade concreta que possui vários atributos à forma.

A escola Gestaltista é determinada ao estudo da análise perceptiva


que denota a forma, ou seja, a percepção não elementarista. Ela faz oposição à
perspectiva da condição fundamental dos elementos sensoriais proposta por
Wundt e Titchener no funcionalismo.

99
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

As concepções adotadas pelos pensadores da Gestalt são influenciadas


pelo pensamento Kantiano. Segundo este filósofo, a percepção seria uma
organização ativa dos elementos sensoriais, logo a apropriação de tal teoria
proporcionaria aos gestaltistas a confluência no sentido de que a mente confere
forma e organização ao material bruto da percepção.

O movimento fenomenológico prioriza o estudo da experiência tal qual


ela ocorre foi desenvolvido pelas ideias do psicólogo Franz Brentano (1838 - 1917)
sobre o processo e o ato da experiência e uma física menos atomista a partir dos
estudos sobre o magnetismo e os campos de forças impulsionariam a fundação
da psicologia da Gestalt e, posteriormente, a Gestalt-terapia.

A palavra Gestalt é proveniente do alemão e, significa a partir de uma


tradição livre forma. Nesse sentido, uma Gestalt é relacionada a partir da busca
pela boa forma. Em linhas gerais, a Gestalt seria a busca pela “boa forma”. No
entanto, o que vem a ser uma boa forma?

Para que possamos responder a esta questão, é necessário compreendermos


que a realidade não é vista a partir da sua totalidade, mas a partir dos seus
fragmentos. Entretanto, por não termos consciência desse processo limitamos a
nossa compreensão do todo pela fração da realidade. Logo, a Gestalt procura
intensificar o fato de que a compreensão do todo é o processo preliminar de
compreensão da realidade para, posteriormente possamos compreender os
fragmentos.

Outro ponto que merece destaque em relação à Gestalt é que ela procura
enfatizar o papel subjetivo da percepção na compreensão da nossa realidade.
Toda Gestalt, portanto, será uma busca na maneira pela qual o sujeito enxerga a
sua realidade, desse modo, ela será um componente efetivo na busca por auxiliar
esse indivíduo em proceder a uma vida voltada para a boa forma.

NOTA

Que a Gestalt foi influenciada pela Fenomenologia? Essa corrente


epistemológica desenvolvida por Edmund Husserl e Franz Brentano foi responsável pelo
retorno às coisas mesmas. Isto é, a fenomenologia priorizava os aspectos da experiência
humana, no caso, os fenômenos a partir da sua descrição (ENGELMANN, 2002).

Enfim, os estudos desenvolvidos pelos psicólogos da Gestalt procuravam


estabelecer os elementos necessários para a percepção da consciência. Em linhas
gerais, os conteúdos da consciência, segundo essa escola psicológica, podem ser
descritos e acessados mesmo de maneira involuntária.

100
TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA DA GESTALT E A EXPERIÊNCIA DA PERCEPÇÃO

Esse recurso fora utilizado nas artes durante muito tempo e, a psicologia
da Gestalt estabelece uma apropriação criativa desse modelo no âmbito da ciência.
Como exemplo disse que acabamos de falar, temos o caso da literatura e, mais
especificamente, a literatura francesa do início do século XX. Nomes como Marcel
Proust (1871 – 1922). Ele escrevera uma obra extensa e complexa intitulada Em
Busca do Tempo Perdido, na qual ele tenta reencontrar elementos do seu próprio
passado em uma tentativa de estabelecer uma genealogia sobre ele mesmo.

A força vital do tempo residia na consciência e, ela era um recurso acessível


por meio da percepção orientada pela perspectiva da memória involuntária. Esse
recurso pode ser associado aos estudos da Gestalt no sentido de favorecer ao
sujeito a reativação das suas próprias experiências pessoais a partir da consciência.

Em outras palavras, o que procuramos afirmar é que Proust designa um


recurso acessível aos psicólogos da Gestalt na busca pela boa forma da experiência
vivida. Uma ferramenta muito importante para o campo de estudos da Gestalt
será, portanto, a ideia da subjetividade. É por meio dela que estabelecemos o
nosso vínculo com as experiências perceptivas.

FIGURA 15 - MARCEL PROUST

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcel_Proust>. Acesso em: 25 abr. 2020.

Marcel Proust foi o responsável pela escrita de uma literatura interessada


em pensar os fluxos de consciência e a percepção. Em momento do primeiro
livro, o personagem de “Em busca do tempo perdido” é perpassado por uma
experiência fundamental ao campo da percepção gestáltica.

101
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

O mesmo se dá com o nosso passado. É trabalho baldado procurar


evocá-lo, todos os esforços de nossa inteligência serão inúteis. Está
escondido, fora de seu domínio e de seu alcance, em algum objeto
material (na sensação que esse objeto material nos daria), que
estamos longe de suspeitar. Tal objeto depende apenas do acaso que
o reencontremos antes de morrer, ou que o não encontremos jamais.
Fazia já muitos anos que, de Combray, tudo que não fosse o teatro e o
drama do meu deitar não existia mais para mim, quando num dia de
inverno, chegando eu em casa, minha mãe, vendo-me com frio, propôs
que tomasse, contra meus hábitos, um pouco de chá. A princípio recusei
e, nem sei bem porque, acabei aceitando. Ela então mandou buscar
um desses biscoitos curtos e rechonchudos chamados madeleínes, que
parecem ter sido moldados na valva estriada de uma concha de São
Tiago. E logo, maquinalmente, acabrunhado pelo dia tristonho e a
perspectiva de um dia seguinte igualmente sombrio, levei à boca uma
colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço da madeleíne.
Mas no mesmo instante em que esse gole, misturado com os farelos
do biscoito, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava
de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado,
sem a noção de sua causa. Rapidamente se me tornaram indiferentes
as vicissitudes da minha vida, inofensivos os seus desastres, ilusória
a sua brevidade, da mesma forma como opera o amor, enchendo-me
de uma essência preciosa; ou antes, essa essência não estava em mim,
ela era eu. Já não me sentia medíocre, contingente, mortal. De onde
poderia ter vindo essa alegria poderosa? Sentia que estava ligada ao
gosto do chá e do biscoito, mas ultrapassava-o infinitivamente, não
deveria ser da mesma espécie. De onde vinha? Que significaria? Onde
apreendê-Ia? Bebi um segundo gole no qual não achei nada além do
que no primeiro, um terceiro que me trouxe um tanto menos que o
segundo. É tempo de parar, o dom da bebida parece diminuir. É claro
que a verdade que busco não está nela, mas em mim. Ela a despertou,
mas não a conhece, podendo só repetir indefinidamente, cada vez com
menos força, o mesmo testemunho que não sei interpretar e que desejo
ao menos poder lhe pedir novamente e reencontrar intacto, à minha
disposição, daqui a pouco, para um esclarecimento decisivo (PROUST,
2006, p. 71-72).

Nesse contexto, a linha de raciocínio da Gestalt passa a ser fortemente


embasada nos fatores perceptivos da consciência. Isso significa que a nossa
consciência é permeada pelo que os psicólogos da Gestalt chamavam de lei
da pregnância, isto é, a organização psicológica a qual nossos sentimentos são
vinculados.

Basicamente, esse processo é permeado pela relação entre forma e


conteúdo. Por vezes, devido a experiências pessoais agimos, em relação ao
mundo e as coisas, de forma unilateral. Ou somos convocados a sermos totalmente
permeados pela emoção ou pela razão, por opiniões ideológicas de direita ou de
esquerda e por valores estabelecidos pela nossa família ou pelas leis e dispositivos
sociais. Desse modo, o que a Gestalt propõe é que o sujeito possa estabelecer
uma mediação entre esses processos. Ocorre que tal mediação, somente torna-se
possível quando conseguimos tornar apreensível as nossas experiências.

102
TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA DA GESTALT E A EXPERIÊNCIA DA PERCEPÇÃO

As nossas ações em relação ao mundo e as coisas são, portanto, elementos


cruciais pela busca no que poderíamos chamar de homeostase, isto é, o equilíbrio
entre todas as funções do nosso organismo, da nossa subjetividade, dos nossos
valores e das nossas práticas sociais.

FIGURA 16 - O FILME PONTO DE MUTAÇÃO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Ponto_de_Muta%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 25


abr. 2020.

Por conta de todos esses aspectos, podemos afirmar que a Gestalt é uma
teoria psicológica baseada no holismo, isto é, tenta integrar vários elementos
ao componente da subjetividade a partir da busca pela boa forma. Desde as
compreensões biológicas sobre o processo de evolução até os aspectos psicológicos
mais elementares e os superiores.

Essa perspectiva será de fundamental importância para uma leitura mais


complexa sobre a subjetividade e seus paradigmas posteriores, influenciando
inclusive a criação da própria Gestalt-terapia.

Nosso questionamento inicial do que seria uma Gestalt, será melhor


observado nos postulados que veremos nos próximos tópicos e que fundamentam o
pensamento de vários pensadores da teoria justificando o uso do vocábulo alemão.

3 MAX WERTHEIMER E OS ESTUDOS SOBRE A PERCEPÇÃO


No outono de 1910, Max Wertheimer (1880 – 1943), estava de férias
viajando num trem de Viena para a Renânia e foi, quando evocou a ideia de um
experimento sobre a visão do movimento quando nenhum movimento real havia
ocorrido. Desta forma Wertheimer, desceu do trem, comprou um estroboscópio
de brinquedo e, no quarto de hotel, começou a construir figuras sobre as quais
posicionou um feixe de luz. Ao movimentar as figuras no estroboscópio ele
notava a figura se movimentando de um lado para o outro.

103
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

FIGURA 17 - MAX WERTHEIMER

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Wertheimer>. Acesso em: 25 abr. 2020.

Foi então que Wertheimer levou seu experimento para o laboratório


do instituto de psicologia da academia comercial e, usando desta vez, um
taquistoscópio projetou luz por duas ranhuras, uma vertical e outra trinta graus
na vertical. Se a luz era mostrada primeiramente por uma ranhura, e depois pela
outra, com um intervalo de 200 milissegundos, os sujeitos viam o que parecia ser
duas luzes sucessivas e, quando o intervalo era menor, os sujeitos viam o que
parecia ser duas luzes contínuas. Por fim, com um intervalo de 60 milissegundos
entre as luzes os sujeitos observavam uma única luz que, parecia mover-se, de
uma ranhura para outra e na direção inversa.

Os experimentos realizados por outros cientistas próximos de Wertheimer


justificaram a percepção de um movimento diante de luzes rápidas em tempo
relativamente curto, levando suas descobertas a patamares que melhoraram e
deflagraram a percepção ilusória dos movimentos.

Os postulados de Wertheimer propõem o movimento ou fenômeno Phi,


afirmando que a sensação de movimento se daria por uma sucessão de imagens
paradas. Tratava-se de um processo total, e contínuo, em que a percepção tanto
dos objetos, quanto do relacionamento entre estes objetos foram designados
como uma Gestalt.

Em 1923 Wertheimer apresenta um estudo sobre os princípios da


organização da percepção. Nele, Wertheimer propõe que percebemos objetos
da maneira como percebemos o movimento aparente, ou seja, as totalidades
estariam unificadas e não como na teoria do elementarista de Wundt em que
seriam conglomerados de sensações individuais. Desta forma entendendo que o
processo cerebral a partir da percepção visual não é um conjunto de atividades
separadas, daremos continuidade a vários princípios da organização perceptiva
aqui ilustrados:

104
TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA DA GESTALT E A EXPERIÊNCIA DA PERCEPÇÃO

a) Proximidade: partes que estão próximas no tempo ou no espaço parecem


formar uma Unidade e tendem a ser percebidas juntas.

FIGURA 18 – TECLADO DE PIANO

FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/194921490102027169/>. Acesso em: 2 maio 2020.

A proximidade de todas as formas constrói uma composição visual: o


teclado.

b) Continuidade: há uma tendência na nossa percepção de seguir uma direção,


de vincular os elementos de uma maneira que os faça parecer contínuos ou
fluindo numa direção particular. Aqui vemos a fluidez de uma composição.

FIGURA 19 – LEI DA CONTINUIDADE

FONTE: <https://designculture.com.br/leis-da-gestalt-continuidade-e-proximidade>. Acesso em:


2 maio 2020.

c) Semelhança: partes semelhantes tendem a ser vistas juntas como se formassem


um grupo.

105
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

FIGURA 20 – LEI DE SEMELHANÇA

FONTE: <https://designculture.com.br/leis-da-gestalt-semelhanca-e-pregnancia-da-forma>.
Acesso em: 2 maio 2020.

Objetos tendem a se agrupar visualmente quando têm características


semelhantes. Esta característica podem ser a forma, cor, direção, textura etc.

d) Complementação: há uma tendência na nossa percepção de completar figuras


incompletas, preencher as lacunas.

FIGURA 21 – LEI DE COMPLEMENTAÇÃO

FONTE: <https://whitecom.com.br/8-principios-da-gestalt/>. Acesso em: 2 maio 2020.

Ao guiar-nos pela continuidade de uma forma, prevemos toda a sua


estrutura.

e) Simplicidade: tendemos a ver uma figura o melhor possível sob as condições


do estímulo. A lei da simplicidade indica que nossa mente percebe tudo em
sua forma mais simples.

106
TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA DA GESTALT E A EXPERIÊNCIA DA PERCEPÇÃO

FIGURA 22 - LEI DA SIMPLICIDADE

FONTE: <http://www.immaginare.com.br/pt/simplicidade-simetria-e-mais-teoria-gestalt-e-os-
principios-de-design-a-que-deu-nascimento/>. Acesso em: 2 maio 2020.

f) Figura e fundo: no sentido que, quando observamos as estruturas partes dos


campos de percepção de combinam, sendo esta, espontânea e inevitável, no
entanto existem distinções não perceptíveis do fundo.

FIGURA 23 – LEI DA FIGURA E FUNDO

FONTE: <http://gestaltizando.blogspot.com/2011/02/figura-e-fundo_13.html>. Acesso em: 2 maio 2020.

O que você vê na figura anterior? Um homem tocando saxofone ou a sombra


do rosto de uma mulher? Você poderá ver ambas, no entanto, perceba que existe
uma alternância entre elas e, dar atenção as duas, não é possível. Esse fenômeno
ocorre também em nossas vidas, pois atuamos no mundo segundo necessidades.
Por exemplo: se sentimos fome e escrevemos, paramos de escrever e iremos comer.
Nossa escrita é a figura e, logo após a refeição retornaremos a essa tarefa, pois a
fome é que prediz uma satisfação inicial, operando como um fundo.
107
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Para Wertheimer, os princípios da organização não dependem dos


processos mentais superiores ou de experiências anteriores eles estão presentes
nos próprios estímulos; ele os denominou como Fatores periféricos.

No ano de 1933, Wertheimer refugia-se do regime nazista em Nova York


e associa-se à nova escola de psicologia social onde permanece até o final de sua
vida em 1943.

NOTA

Abraham Maslow (1908-1970) seria um dos psicólogos que fundamentaria


seu conceito de Self-actualizatin (Autorrealização) nos estudos sobre características e
qualidades do homem a partir de Wertheimer.

Em termos de aprendizagem, Wertheimer difere da concepção de


aprendizagem por tentativa e erro de Thorndike. Em sua obra póstuma
Wertheimer, sobre o pensamento produtivo dispõe sobre os princípios da
aprendizagem gestaltista em função da criatividade.

Wertheimer sugeriu que, se o professor organizasse os elementos dos


exercícios em sala de aula de modo a formar todos significativos, a introvisão iria
ocorrer. Ele demonstrou que, uma vez percebido, o princípio da solução de um
problema poderia ser transferido prontamente para outras situações.

Desta forma, as contribuições de Wertheimer, para além da descoberta


do movimento Phi, se traduzem como ponto de início para a construção da
psicologia e da teoria da Gestalt.

4 KURT KOFFKA E OS ESTUDOS SOBRE O


DESENVOLVIMENTO DA MENTE
Contemporâneo e atuante nos estudos do efeito Phi junto a Max
Wertheimer – durante uma década 1911 – 1922 – o psicólogo Alemão Kurt Koffka
(1886 – 1941), apresenta-se também como fundador da teoria da Gestalt.

Koffka é reconhecido para além de suas obras sobre o desenvolvimento e


a percepção, mas também por disseminar seu conhecimento no Estados Unidos
em universidades como a de Cornell, de 1924 a 1925; Wisconsin-Madison em 1927
e, por fim, no Smith Collège em Northampton, em Massachussets, onde fica até
o fim dos seus dias.

108
TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA DA GESTALT E A EXPERIÊNCIA DA PERCEPÇÃO

Seu pensamento foi reconhecidamente disposto em suas obras, tais quais,


A teoria da estrutura, Princípios da psicologia da forma e Bases do desenvolvimento
psicológico dispõem que, muito da aprendizagem, se faz a partir da imitação e
ocorreria depois da consequência, também justificam a aprendizagem sensório-
motora e afirma que, a linguagem seria o momento decisivo no desenvolvimento
da criança da forma como ela compreende e nomeia os objetos.

FIGURA 24 – KURT

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Kurt_Koffka>. Acesso em: 25 abr. 2020.

NOTA

Com Wolfgang Köhler, a Kurt Goldstein e a Hans Gruhle fundaram a revista


Investigação Psicológica, que tem publicação efetivada com 22 edições até 1938, quando
foi suspensa pelo regime nazista (MORAES, 2006).

Acerca dos papéis da percepção e da memória Koffka desenvolveu


importantes estudos correlacionando esses efeitos à aprendizagem. Para ele,
a memória operava como um dispositivo responsável por agir sobre todos os
sentidos do sujeito (MORAES, 2006).

Nesse sentido, sua hipótese seria, de que todo estímulo externo acaba por
produzir uma ressonância nos estados de consciência. A partir dessa característica,
cada evento similar passará pelo mesmo processo de reminiscência, condicionada
aos efeitos sociais e culturais.

De um modo geral, Koffka realizou uma série de investigações amplamente


difundidas sobre as experiências em pacientes hospitalizados. Naquela época,
havia poucos trabalhos sobre os efeitos da neurologia no impacto da subjetividade.

109
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

O ponto de vista defendido por Koffka consistiu, portanto, na análise das


experiências a partir da conexão estabelecida pelos sujeitos entre a parte e o todo.
Essas conexões não fazem parte de uma essência humana, mas encontram-se
delimitadas a partir da correlação entre elementos similares.

Nesse sentido, suas pesquisas procuravam descrever os elementos


voltados para o desenvolvimento de uma psicofísica, ou seja, esses estudos
procuravam descrever as relações entre as experiências subjetivas e os estímulos
físicos do organismo do sujeito.

Para Koffka, segundo Moraes (2016) uma psicologia científica deveria


ater-se ao conteúdo vivencial do sujeito. Isso somente foi possível por conta do
método desenvolvido por ele referente aos elementos descritivos da consciência.

A Gestalt deveria dar conta das vivências provocadas pelo isomorfismo. Isto é,
interessava a essa escola psicológica dar conta da correspondência entre os múltiplos
elementos constitutivos da experiência preservando a sua continuidade. Nesse sentido,
esse isomorfismo consistia na revelação da identidade das coisas em si.

Essa perspectiva corresponde à tentativa promovida por Koffka em


desconstruir o binarismo – ou seja, a separação – entre mente e corpo.
Diferentemente de outras escolas psicológicas anteriores, a Gestalt procurava
estabelecer os elementos de uma possível homogeneidade entre os fenômenos
psicológicos e os acontecimentos fisiológicos.

Essa concepção acaba por abrir espaço para uma contextualização


imprescindível para a Gestalt, no caso, a correlação entre uma psicologia e uma
fisiologia ambivalentes. Desse modo, a relação entre os acontecimentos vividos e
os campos fisiológicos não são arbitrárias, mas relacionais.

Essa discussão abre espaço para pensarmos, a partir da Gestalt, o


tensionamento entre os elementos da subjetividade e a estrutura orgânica do
sujeito. Queremos afirmar com isso, que a Gestalt “[...] é uma das primeiras
escolas psicológicas a procurar dar ênfase aos efeitos da subjetividade sobre os
indicadores fisiológicos, muito antes das discussões sobre a psicossomática, por
exemplo” (CERCHIARI, 2000, p. 150).

É nesse contexto que a Gestalt proposta por Koffka desenvolve uma


análise sobre os impactos da experiência a partir dessa relação.

5 KURT LEWIN E A TEORIA DE CAMPO


O movimento científico no final do século XIX propunha afastar-se de teorias
de referência atomista e elementarista e, a teoria da Gestalt, refletindo esta tendência,
teve grande repercussão por meio de um de seus pensadores que a justificou a partir
da física, sobretudo, a partir do conceito Campos de força. Este intelectual era Kurt
Lewin (1890-1947), doutor em psicologia e estudioso das ciências exatas.
110
TÓPICO 3 | A PSICOLOGIA DA GESTALT E A EXPERIÊNCIA DA PERCEPÇÃO

FIGURA 25 - KURT LEWIN

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Kurt_Lewin>. Acesso em: 25 abr. 2020.

O trabalho de Kurt Lewin era centrado nas necessidades e na personalidade


ocupando-se das influências sociais sobre o comportamento humano. Ele
desenvolveu a Teoria de campo, apresentando-a aos psicólogos no Congresso
Internacional de Psicologia, realizado em Yale em 1929.

Lewin foi convidado a dirigir o Centro de Pesquisas em Dinâmica de


Grupos, em Massachussets e, durante seus trinta anos de atuação, dedicou-se
amplamente à motivação humana em seu contexto físico e social.

A teoria de campo na física levou Lewin a considerar o campo psicológico


como espaço vital, responsável por todos os eventos passados presente e futuros
que podem influenciar um sujeito. Lewin utilizou topologias para a representação
esquemáticas de seu sistema, além da noção de valências para determinar valores
dos objetos de forma a satisfazer as necessidades dos indivíduos no âmbito do
espaço vital.

NOTA

Para Kurt Lewin todos os comportamentos poderiam ser representados em


diagramas.

Foi a partir dos anos 1930 que Lewin se interessou pela psicologia social,
tendo notável representação em seus estudos sobre a dinâmica de grupo e conceitos
relativos ao comportamento individual e grupal. Por meio de experimentos que
determinaram os tipos de liderança autoritária, democrática e liberal Lewin fez

111
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

estudos sobre os conflitos raciais, o desenvolvimento e a prevenção do preconceito


em crianças e, apresenta até hoje, possibilidades de aplicação de sua teoria nos
campos empresariais e da educação.

Lewin considerava que o campo psicológico era resultado de um método


responsável por analisar as relações de tensão entre as dinâmicas subjetivas e o
ambiente no qual o sujeito estava inserido.

É a partir dessa dinâmica que Lewin desenvolve três perspectivas acerca


do seu método acerca do campo. A primeira delas refere-se ao espaço de vida
psicológico referente às múltiplas afetações que envolvem o indivíduo, desde as
características físicas até as das práticas sociais.

A segunda delas diz respeito aos múltiplos processos que contextualizam


as dinâmicas entre as relações sociais, o mundo físico e os processos psicológicos.
Essas referências correspondem à tentativa de organização, por parte do sujeito,
em relação às dinâmicas culturais, econômicas e políticas.

Por fim, a zona fronteiriça em que certas partes do mundo físico e social
acabam por inferir sobre a vida do sujeito, grupo ou mesmo instituições. Esse
conceito é de fundamental importância para uma os horizontes e as condições
de possibilidades pelas quais determinadas experiências podem potencializar as
interações entre os sujeitos e os grupos.

Desse modo, Lewin considerava que a subjetividade era parte integrante do


campo e, segundo tal prerrogativa, sujeito e sociedade não podiam ser enxergados
como duas realidades distintas, mas integrantes entre si. Esses elementos foram
muito importantes para o desenvolvimento dos primeiros trabalhos, promovidos
por psicólogos em relação às dinâmicas de grupo.

Acerca dessa relação, Lewin considerava que a subjetividade era modulada


pelas percepções que o sujeito tinha de si mesmo em consonância ao contexto no
qual ele estava inserido formulado pelo campo.

A importância de tal perspectiva, refere-se ao fato de que, para Lewin,


a subjetividade é o resultado da coexistência dos fatos. Essa coexistência, por
sua vez, acaba por criar um campo dinâmico ao qual todas as forças atuam, no
sentido de estabelecer as diretrizes da conduta humana. Desse modo, as atitudes
empreendidas pelo sujeito são resultado dessa interação.

Por fim, o campo configura-se como a totalidade das coexistências dos


fatos. Nesse sentido, as condutas dos sujeitos são tensionadas pela dimensão
do self e do ambiente. O campo psicológico, de acordo com tal perspectiva,
corresponde ao espaço no qual os sujeitos promovem suas ações a fim de perceber
a sua interação com o mundo.

112
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Gestalt no seu sentido etimológico corresponde a busca, por parte do sujeito


pela sua boa forma.

• A Gestalt apresenta-se como uma oposição ao pensamento elementarista em


Wundt e nas escolas de pensamento comportamentalistas.

• A Gestalt acaba por considerar uma reformulação em torno da perspectiva


kantiana sobre o conhecimento e a subjetividade.

• Muitos elementos conceituais da Gestalt foram pensados a partir das bases


epistemológicas da fenomenologia.

• Os estudos sobre a percepção de Max Wertheimer acabaram por sinalizar as


experiências subjetivas como uma leitura muito importante da realidade.

• A Gestalt foi inspirada em dispositivos como o estroboscópio e o experimento


com as imagens.

• Os princípios da organização perceptiva: proximidade, continuidade,


semelhança, complementação, simplicidade, figura e fundo são de fundamental
importância para o desenvolvimento da Gestalt.

• O pensamento criativo e aprendizagem em Wertheimer, são elementos


fundamentais na busca do sujeito pela boa forma.

• Kurt Koffka estudou o desenvolvimento da mente a partir de experimentos


com animais.

• Kurt Lewin foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento da teoria de campos


de força.

• O espaço vital e a psicologia social como campo de experimentação são


elementos muito importantes para a psicologia da Gestalt.

113
AUTOATIVIDADE

1 Existe um recorte profundo que deflagra a oposição do movimento


Gestaltista a partir da teoria comportamentalista. Comente sobre os
principais aspectos dessa ruptura.

2 Em que consiste o conceito de figura e fundo desenvolvido pela Gestalt?

3 Em que consiste a lei da semelhança da Gestalt?

114
UNIDADE 2
TÓPICO 4

A PSICOLOGIA HUMANISTA

1 INTRODUÇÃO
A psicologia em seu surgimento como disciplina independente, teve como
objeto de estudo a experiência consciente a partir dos estudos Wunditinianos.
Logo, a base teórica que se propunha introspectiva especulativa é sucedida pelo
funcionalismo que integrou as técnicas introspectivas com técnicas extrospectivas.
Anos mais tarde, houve a difusão de duas escolas do pensamento: o behaviorismo
e a psicanálise, responsáveis por apurar o interesse dos psicólogos da época para
o inconsciente e a observação direta do comportamento.

Na década de 1930, observam-se duas tendências emergirem na


psicologia: a teoria gestáltica como exploração científica da percepção consciente
e os estudos da personalidade como esforço integrativo diante da dispersão e
fragmentação da pesquisa em seus processos básicos. Desta segunda tendência,
muitas ideias convergiam entre os autores, entre elas, a possibilidade de aplicação
de uma psicologia mais compreensiva, capaz de considerar o ser humano para
além dos experimentos e sugestões inconscientes a partir de sua singularidade e
totalidade. Neste intento, questões cognitivas e fenomenais passam ser apreciadas
na pesquisa e prática psicológica.

É nesse contexto, que muitos psicólogos começarão a desenvolver uma


forte crítica em relação aos determinismos psicológicos existentes. Por certo, a
psicologia humanista é considerada um movimento de uma amplitude que
transcende os limites do próprio saber psicológico.

Isso significa que – principalmente após o término da Segunda Guerra


Mundial – vários movimentos foram responsáveis por repensar os rumos e
percursos da condição humana. Um exemplo lapidar desses movimentos foi a
homologação, no ano de 1948 da Declaração Universal dos Direitos do Homem
por parte das Nações Unidas.

115
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

NOTA

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada como documento


oficial pelas Nações Unidas ao término da Segunda Guerra Mundial. Esse foi o primeiro
documento instituído com a finalidade de se estabelecer uma paz mundial em oposição
à barbárie a partir da criação das orientações básicas visando à negociação em torno dos
conflitos internacionais. Seu enunciado foi fundamentado a partir de um conjunto de
artigos voltados para a defesa das liberdades individuais e das garantias fundamentais. É por
meio de tal declaração que que foram estabelecidas as políticas posteriores de combate
a todas as formas de racismo, de violência de gênero e da tortura, por exemplo (NAÇÕES
UNIDAS, 2009).

O paradigma da Declaração Universal dos Direitos do Homem compõe a


base de uma nova leitura sobre à condição humana, percebendo que, o sujeito, é
alguém dotado de potencialidades e autonomia.

É a partir dessa perspectiva, que muitos psicólogos acabaram por


desenvolver seus trabalhos orientados por uma visão não reducionista da
subjetividade. Isso significa que a psicologia humanista procurará elaborar, no
conjunto de suas intervenções elementos voltados para uma contextualização dos
aspectos positivos da subjetividade, ou seja, ela é uma psicologia direcionada ao
enfrentamento de toda e qualquer forma de reducionismo psicológico (CASTELO
BRANCO; SILVA, 2017).

2 DETERMINANTES PARA O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA


HUMANISTA
O humanismo é um movimento implícito na história das ideias com maior
ou menor intensidade de tempos em tempos. Podemos localizá-lo em temas
em que ele atribui valor à ciência psicológica, tais como a força da mobilização
humana a partir de um estado e opressão individual e na busca de sentido para
vida ou ainda, em termos coletivos por meio da mobilização de grandes massas
e movimentos sociais.

116
TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA HUMANISTA

FIGURA 26 – HUMANISMO E MOVIMENTOS CIVIS

FONTE: <https://pt.slideshare.net/Luizcamargos/a-contracultura>. Acesso em: 2 maio 2020.

Como pontuamos anteriormente, a psicologia Humanista nasce da


expectativa de modificar o panorama determinista das abordagens behaviorista e
psicanalítica, que dominavam a psicologia no início dos anos 1960. Desta forma,
desenvolve-se na América a terceira força que não pretendia ser a revisão nem a
adaptação de nenhuma escola de pensamento anterior a ela, mas sim favorecer
os elementos voltados para uma compreensão ampliada do sujeito e da própria
subjetividade.

A psicologia humanista apresenta temáticas que abordam a experiência


consciente, o livre-arbítrio, o estudo da conduta e condição do humano e o poder de
criação do indivíduo. Ela teve como inspiração o pensamento fenomenológico de
Franz Brentano a partir de sua crítica ao mecanicismo e reducionismo de Wundt,
como também a oposição as ideias Freudianas das quais a personalidade seria
determinada por forças inconscientes. Por fim, podemos listar como característica
desse movimento a particularidade do momento histórico que compreende os
aspectos culturais voltados para o desenvolvimento do humano. Enquanto um
saber psicológico, o humanismo procura desenvolver suas reflexões a partir da
busca por novos sentidos e significados contrários ao determinismo das relações
humanas.

Nesse sentido, os psicólogos humanistas irão buscar sempre uma


compreensão da subjetividade para além dos determinismos e reducionismos
impostos pela sociedade e pela cultura. O desenvolvimento pleno de uma
subjetividade corresponde, nessa perspectiva, aos elementos fundamentais
relacionados à busca promovida pelo sujeito em relação ao desenvolvimento da
sua autonomia e da sua vontade.

De um modo geral, os psicólogos ligados ao humanismo irão defender a


tese de que, um organismo procura a sua plenitude à medida que regula a sua
interação com o mundo. Desse modo, não estamos mais falando de um sujeito
marcado pela reatividade, mas sim pela atividade, isto é, alguém que procura
orientar as suas ações no mundo buscando a sua própria compreensão.
117
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Isso corresponde ao processo que podemos chamar de autonomia


funcional pela qual os motivos pessoais são orientados pela atualidade do
sujeito e não pelo seu passado. Nesse caso, o humanismo lida com as experiências
centralizadas na capacidade do sujeito em sempre promover uma atualização da
sua própria condição, ou do seu estado de espírito.

Portanto, para o humanismo a liberdade e a transcendência são sempre


condições favoráveis para todos os sujeitos. O problema reside nas estratégias
utilizadas para que o sujeito possa atingir determinado grau de satisfação
pessoal. Para os humanistas, essa condição de independência corresponde à
capacidade da autorrealização do organismo compreendida, nesse processo,
como o desenvolvimento de todas as potencialidades ligadas aos fenômenos
psicológicos.

Nesse contexto, o que a psicologia humanista buscará oferecer como


novidade no contexto das práticas psicológicas é, justamente, a capacidade
de o sujeito promover, por meio da resiliência, os elementos necessários à sua
realização.

3 CARL ROGERS E A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA

FIGURA 27 – CARL ROGERS

FONTE: <https://amenteemaravilhosa.com.br/psicologia-humanista-carl-rogers/>. Acesso em: 2


maio 2020.

Carl Rogers (1902-1987) é conhecido pela abordagem em psicoterapia


denominada abordagem centrada na pessoa ou terapia centrada no cliente. O
nome de sua terapia, tal qual o processo que dela advém, supõe a responsabilidade
de mudança ao paciente de forma que atribui às pessoas a mudança consciente de
comportamentos indesejáveis.

118
TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA HUMANISTA

Rogers fundamentou uma teoria da personalidade que propõe que cada


pessoa possua uma tendência para atualizar as capacidades e potenciais do self.
Ele não acreditava que as pessoas fossem controladas por forças inconscientes,
pois ele dizia que a personalidade seria moldada pela maneira como percebemos
nosso presente conscientemente.

Durante sua carreira, Rogers expressou suas ideias em inúmeros artigos


e livros populares, nestes, propunha diversas análises também no campo da
educação fazia diversas ressalvar sobre a autoatualização e as experiências infantis
em termos de aprendizagem. Enfatizava a autoestima positiva condicionada
pela mãe e aprendida pelo filho no sentido de que, o requisito primordial para
o desenvolvimento da saúde psicológica era a autoestima positiva incondicional
na infância.

A abordagem de psicoterapia centrada na pessoa foi bem recebida pela


psicologia e sobre o público em geral, tanto sua teoria quanto em outras pesquisas
impulsionando também os estudos sobre a humanização nos ambientes da
psicologia.

Basicamente, o processo psicoterapêutico proposto por Rogers leva em


conta a necessidade da coexistência de um trabalho cooperativo entre o psicólogo
e seu cliente. É por meio dessa cooperação, que o sujeito deve possuir como
meta a liberação das suas potencialidades abrindo-se às experiências saudáveis e
voltadas para o seu crescimento.

Para que tal transformação ocorra, é necessária a existência do que Rogers


chamou de condições facilitadoras da experiência humana. Essas condições
são definidas por ele como: aceitação positiva e incondicional, a empatia e a
congruência.

Com relação à aceitação positiva e incondicional o sujeito deve expressar-


se como ele realmente é, expondo todas as suas fragilidades, receios, preconceitos
e demais sintomas negativos de modo a compreender o atual momento da sua
vida. Por sua vez, o terapeuta deve aceitar essas condições não impondo sobre
o cliente qualquer juízo de valor acerca do seu ponto de vista ou mesmo das
suas ideologias. Partindo do pressuposto que o cliente busca um ajustamento
do seu próprio self, o terapeuta deve possuir uma abertura expansiva em torno
da condição do seu próprio cliente. A aceitação positiva e incondicional parte do
pressuposto que o encontro terapêutico é uma busca, por parte dos sujeitos no
exercício da sua própria liberdade em ser aquilo que realmente se é.

Já a empatia refere-se à posição localizada por terapeuta e cliente. Essa é


uma condição ética na qual o sujeito se coloca no lugar do outro a partir das suas
condições localizadas nas suas experiências. A empatia designa, antes de tudo,
envolve as dinâmicas relacionadas aos aspectos afetivos, cognitivos e emocionais.
Nesse sentido, ela busca a partilha pela compreensão dos estados emocionais na

119
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

relação entre terapeuta e cliente. A empatia designa também as referências pelas


quais produzimos a nossa inteligência emocional, isto é, a maneira pela qual
procuramos desenvolver as nossas capacidades afetivas nas relações sociais.

Por fim, a congruência refere-se à capacidade do cliente e do terapeuta


em conciliar as suas atitudes de acordo com as atitudes empreendidas a partir
dos elementos fundamentais do self. No caso, a questão a ser abordada por
essa perspectiva corresponde à dinâmica das interações promovidas entre o self
ideal e o self real. Enquanto que o primeiro se refere às expectativas e anseios,
o segundo, por sua vez, refere-se às dinâmicas vivas da realidade. Ocorre que,
muitas vezes, por conta da pressão social existente ou ainda por conta das
ideologias, polarizamos a nossa atitude de self e, por conta de tal aspecto, agimos
de maneira incoerente.

Em sua obra máxima, intitulada Tornar-se Pessoa, Rogers (1990) acaba por
apontar os elementos-chave da sua própria teoria. Escrito na primeira pessoa,
esse livro trabalha as experiências do próprio Rogers na constituição como
terapeuta. De um modo geral, Rogers acaba por ilustrar que, diferentemente das
outras escolas psicológicas as quais o psicólogo é dependente de uma técnica a
priori, na Abordagem Centrada na Pessoa, os elementos vivenciais de cada sujeito
são fundamentais para um encontro que é sempre singular.

Outro fato interessante descrito por Rogers é que sua teoria é um convite
para a abertura do sujeito em relação aos seus processos de coletividade. Por
isso, é que muitos trabalhos desenvolvidos por ele foram chamados de imersão.
Quando, por meio da formação de grandes grupos, o terapeuta não era mais do
que um facilitador das experiências coletivas do próprio grupo.

Os grupos de encontro, de acordo com essa proposta, buscam explorar


as condições definidas pela relação na qual o papel do coordenador é apenas
um facilitador dos processos auto- organizativos a partir da expressividade dos
participantes e do grupo, como um todo.

A potência dos encontros voltados para essa perspectiva é necessária para


o pleno desenvolvimento das habilidades subjetivas. É por meio dessa interação
que aprendemos as relações existentes voltadas para a expansão do crescimento
do próprio sujeito.

4 MARTIN BUBER E A VOCAÇÃO DIALÓGICA


Martin Buber (1878 – 1965) foi um filósofo austríaco responsável por pensar
as experiências da dialogia como condição de potencialização da subjetividade.
Sua primeira infância foi vivida junto aos seus avós paternos, sendo que seu avô
Salomão, era uma figura eminente da Haskalah judaica.

120
TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA HUMANISTA

NOTA

Haskalah é o nome dado ao iluminismo judaico. Ele surge na Alemanha


ainda no século XVIII, e teve como finalidade, explorar as relações entre a laicidade e o
Estado moderno. Na Haskalah judaica, os elementos trabalhados possuem uma longa
reflexão sobre as necessidades de conciliação entre a espiritualidade e a Modernidade. Esse
movimento permanece ativo até os dias de hoje, por meio da figura de intelectuais judeus
progressistas em relação aos desdobramentos filosóficos e históricos da nossa sociedade
(LITVAK, 2012).

Nessa época, Buber aprende o hebreu tendo familiaridade com a leitura


dos textos bíblicos voltados para a tradição judaica. Na adolescência, tem sua
primeira aproximação com as obras de Kant em que formula questões sobre o
infinito a partir da percepção do homem, da mesma forma que se encontra com
o pensamento nietzschiano a partir de Assim falava Zaratrustra traduzindo-o para
o polonês.

FIGURA 28 - MARTIN BUBER

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Martin_Buber>. Acesso em: 24 abr. 2020.

Em 1916 matricula-se no curso de filosofia e história da arte e, após anos


de aprimoramento recebe o título de doutor em filosofia pela universidade de
Berlim. Em 1923 é nomeado professor de História das Religiões e Ética Judaica,
na universidade de Frankfurt, mas em 1933 é destituído do cargo pelos nazistas
indo para a universidade hebraica de Jerusalém ensinar sociologia. Esse foi
o período de intensa atividade intelectual e seus estudos se aprofundaram em
diversas áreas como o judaísmo, os estudos políticos, sociológicos e filosóficos da
sua época.

121
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

É possível discorrer sobre a vida de Buber tendo como horizonte o seu


pensamento filosófico a partir da aspiração voltada ao entendimento do humano
como um fator único que centralizava suas aproximações teóricas, por meio do
diálogo. Sua obra Eu e Tu, de 1923, é uma perfeita alegoria para a psicologia
humanista, pois dispõe sobre a relação dialógica da temática do encontro de
forma vivencial, concreta e existencial.

É sobre o diálogo genuíno que Hycner (1995) reflete sobre a importância


do pensamento de Buber. O criador do termo Psicoterapia dialógica justifica que
Buber propunha ultrapassar campos como o interpessoal e o intersubjetivo de
forma a apontar a dimensão ontológica, buscando contemplar a relação humana
em sua totalidade.

NOTA

A ontologia é uma área da filosofia que procura pensar os desdobramentos


das questões existenciais. Em geral, uma dimensão ontológica é aquela que questiona os
sentidos e os significados da existência humana, justificando-a a partir de uma dimensão
transcendental ou imamente (SARTRE, 1998).

Para Buber (2001), o papel do terapeuta consiste em auxiliar o cliente


de forma a evidenciar o exercício da singularidade da relação. Pelas mãos do
diálogo genuíno, deve-se endossar o encontro real entre as pessoas. No entanto,
é imprescindível a autenticidade, a alteridade e a crença na verdade do outro de
forma a colocar-se frente ao cliente e encorajá-lo a fazer o mesmo.

Ainda sobre as aproximações teóricas que determinam a psicoterapia


a partir de Buber podemos inferir sua análise sobre o encontro que procura
distinguir o processo da escuta a partir do diálogo genuíno, porém ao encontro
se estabelece a companhia verdadeira em que o cliente poderia mergulhar em seu
próprio processo.

De um modo geral, Buber provoca reflexões e aprimoramentos para os


psicólogos que pontuam sua prática clínica a partir da psicologia humanista
em aproximações mais pontuais a fenomenologia existencial. Neste sentido, é
necessário que se pontue a apropriação de sua teoria de forma a justificar seu
próprio pensamento, no qual se refere ao o projeto da filosofia visando explicitar
a concretude vivida na existência humana a partir do próprio interior da vida.

É no contexto dessa experiência que Buber (2001) defende a promoção


do que ele chama de intersubjetividade. Segundo ele, o sujeito, desde o
seu nascimento, é alguém dotado da capacidade de interação com o outro.

122
TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA HUMANISTA

Entretanto, devido aos preconceitos, as pressões sociais e as ideologias, o sujeito,


aos poucos, abre mão dessa capacidade, fechando-se às novas experiências e ao
diálogo. Nesse sentido, a tarefa da prática psicológica consiste em restabelecer
essa conexão originária por meio da operatividade dialógica. Podemos destacar
um trecho do livro A Queda do Céu como exemplo dessa imediata reconexão da
intersubjetividade.

A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-


la. Se conseguirem, os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai
se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar no calor. A
terra ressecada ficará vazia e silenciosa. Os espíritos xapiri, que descem
das montanhas para brincar na floresta em seus espelhos, fugirão
para muito longe. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los
e fazê-los dançar para nos proteger. Não serão capazes de espantar as
fumaças de epidemia que nos devoram. Não conseguirão mais conter
os seres maléficos, que transformarão a floresta num caos. Então
morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Todos os
xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles
vivo para sustentar o céu, ele vai desabar (KOPENAWA, 2010, p. 8).

Conforme essas palavras sugerem, o pensamento proposto por Buber


acerca da psicologia humanista converge na direção da promoção da saúde
mental do sujeito a partir das suas dinâmicas vivenciais da intersubjetividade.

É por meio do diálogo, do encontro e da corresponsabilidade que se


promove a saúde dos sujeitos. Essa perspectiva infere uma reflexão sobre a
capacidade de o sujeito potencializar seu self inferindo novas reflexões pertentes
a sua conduta, mas ao mesmo tempo, a conduta de toda a humanidade.

A referência filosófica de Buber promove um encontro necessário entre as


experiências culturais, sociais, espirituais e filosóficas do sujeito que partem em
busca de si mesmo, ampliando as suas potencialidades no encontro com o outro.

Desse modo, cada sujeito tem a responsabilidade de saber que não se


encontra sozinho nesse mundo. Quando o sujeito reconhece essa premissa, ele
acaba por desenvolver as suas dinâmicas interpessoais. Essa perspectiva está de
acordo com a tradição judaica, a qual Buber é vinculado. Segundo essa tradição
todo indivíduo está predestinado a promover a sua mitsva, isto é, sua dimensão
intrapsíquica voltada à compreensão da sua própria natureza e da sua relação
com o sagrado.

O próprio Buber reconhece essa premissa ao enfatizar que a vivência da


singularidade sempre depende do outro como resultado direto de tal proposta.
Dessa forma, as resoluções dos problemas psicológicos passam, necessariamente,
pela potencialização das relações humanas por meio da dialogia. Esse seria,
portanto, o elemento-chave para a conexão de outras experiências, por parte do
sujeito.

123
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

5 VIKTOR FRANKL E A LOGOTERAPIA


A logoterapia foi fundada por Viktor Emil Frankl (1905-1997) e é
caracterizada pela exploração da experiência imediata e o sentido dado à
vida a partir da motivação perpassada pela condição humana. Frankl foi um
neuropsiquiatra que desenvolveu sua teoria como forma de aprimoramento, por
meio da confrontação das teorias de Adler e Freud. Desse modo, ele procurou
distanciar suas reflexões da etiologia sexual entendendo que a neurose poderia
ser, em alguns casos, a recusa da espiritualidade, levando o sujeito a mais
profunda frustração espiritual.

NOTA

Considerada a terceira escola terapêutica de Viena, a logoterapia surge dos


estudos de um professor de medicina e sua experiência como prisioneiro em um campo
de concentração na Alemanha nazista (MOREIRA, HOLANDA, 2010).

Frankl é um pensador da condição existencial. Para ele, existe no humano


um desejo e uma vontade de sentido que deve estar presente na terapia. Contudo,
a logoterapia é centrada no inconsciente espiritual determinado a observar o
indivíduo para além de seus instintos e pulsões.

A particularidade de sua obra se dá na condição existencial que lhe foi


particularmente dolorosa. É de domínio público sua história como prisioneiro
nos campos de concentração do ano de 1942 a 1945. Quando fora liberto, Frankl
contava com 40 anos e pesava 25 kg e, ainda assim, se permitia ter uma tremenda
força para saber do paradeiro de seus familiares – pai, mãe, irmão e esposa –,
assim sendo, após a notícia da morte de seus familiares pela Gestapo, Frankl
passa a desenvolver suas reflexões sobre o sentido da existência.

FIGURA 29 - VIKTOR FRANKL, O CRIADOR DA LOGOTERAPIA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Viktor_Frankl>. Acesso em: 25 abr. 2020.

124
TÓPICO 4 | A PSICOLOGIA HUMANISTA

Como resultado dessa terrível realidade, Frankl gravou durante nove dias
ininterruptos a primeira versão do livro Um Psicólogo no Campo de Concentração. Nos
anos que se seguiram, Frankl não parou de produzir artigos. Em 1952, salientou a
possibilidade da noogênese da neurose. Ele postula em Indicações da Logoterapia
Analítico Existencial a neurose como um conflito ético-existencial- espiritual, além
de organizar seu patrimônio intelectual formado nos anos anteriores ao holocausto.
Viktor Frankl falece em 1997, após uma vida que justifica sua teoria do sentido a
partir da existência que permanece para outros indivíduos.

125
RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• A psicologia humanista possui como elemento histórico a crítica em torno


do reducionismo psicológico no que se refere ao desenvolvimento das
potencialidades do ser humano. Seu aparecimento também possui relação
direta com os movimentos sociais existentes a partir da década de 1960.

• Os determinantes para a emergência da psicologia humanista consistem na


crítica aos saberes psicológicos como a psicanálise e o comportamentalismo.

• Que o movimento humanista apresenta-se como a terceira força da psicologia


a partir de contribuições da fenomenologia, da Abordagem Centrada na
Pessoa, da vocação dialógica e da logoterapia. Portanto, a psicologia humanista
apresenta-se como um mosaico de experiências desenvolvidas por psicólogos
voltados para a potencialização do ser humano.

126
AUTOATIVIDADE

1 A terceira força da psicologia ou psicologia humanista nos propõe que o


ser humano deve ser considerado para além dos experimentos científicos e
sugestões inconscientes aprendidas em sua infância. Para você, como seria
uma psicologia mais humanizada?

2 A competitividade e o individualismo do mundo contemporâneo nos


afastaram do potencial do encontro e do diálogo genuíno?

127
128
UNIDADE 2 TÓPICO 5
A PSICOLOGIA DESDE A AMÉRICA LATINA

1 INTRODUÇÃO
A história da psicologia na América Latina é permeada por diversos
desafios e possibilidades. Certamente, desde o início do seu processo de
colonização, esse continente foi marcado por um forte clima de instabilidade
política, econômica, social e cultural.

Os países latino americanos costumeiramente têm um passado fortemente


ligado a demandas específicas no que se refere à má distribuição de renda, ao
analfabetismo, à violência de gênero e outras tantas desigualdades que acabam
por se configurar pela demanda de uma inserção do profissional de psicologia
marcada pela atuação crítica e pelo compromisso social.

Como aponta o intelectual uruguaio Eduardo Galeano (2013), as veias


abertas da América Latina configuram-se como um grande desafio na proposição
de uma práxis científica voltada para a problematização do etnocentrismo tão
comum as ciências humanas, no seu sentido geral.

Os caminhos para a construção dessa experiência crítica foram responsáveis


pelo aparecimento de muitas instituições e saberes dedicados a compreensão
crítica da psicologia a partir da relação e do diálogo com os movimentos sociais e
outras perspectivas como veremos nesse tópico.

2 MARTIN-BARÓ E A PSICOLOGIA DA LIBERTAÇÃO


Ignacio Martin-Baró nasceu na Espanha e veio para a América Latina
para trabalhar na Companhia de Jesus – organização pertencente à comunidade
jesuítica – após o término da sua formação em teologia.

129
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

FIGURA 31 – MARTIN-BARÓ

FONTE: <https://averdade.org.br/2020/02/ignacio-martin-baro-e-a-psicologia-da-libertacao/>.
Acesso em: 2 maio 2020.

As suas experiências no contato com os trabalhadores e as etnias indígenas


de El Salvador levaram-no a pensar a criação de uma leitura da psicologia
fortemente amparada na tese de que a avaliação da realidade passava pela
dimensão histórica da constituição do sujeito em relação aos sistemas ideológicos
e hegemônicos (MENDONÇA; LACERDA JÚNIOR, 2015).

Influenciado pela concepção materialista de história, Baró compreendia


o ser humano como um ente político e, nesse sentido, o papel da psicologia, em
sua opinião, deveria estar voltada para o estudo dos significados dos valores que
articulam a correlação entre o sujeito e a sociedade.

E
IMPORTANT

A ideologia é um sistema de representações desenvolvidos a partir da


naturalização de processos históricos. Essa perspectiva é descrita por Marx e Engels em
A Ideologia Alemã, livro no qual esses intelectuais apontam as razões, pelas quais, desde
o nascimento do capitalismo, a classe burguesa esforça-se para alienar o proletariado
naturalizando as desigualdades sociais (MARX; ENGELS, 1970).

Nesse sentido, o horizonte de cientificidade da psicologia não é, para


Baró (2016), um elemento neutro, mas sim uma ação comprometida com os
valores produzidos pela sociedade. É a partir dessa interlocução que o mesmo
designa que, a psicologia da libertação seria uma força dialética responsável
por compreender o sujeito como alguém que se constituí e, ao mesmo tempo, é
constituído pela realidade.

Desse modo, Baró (2016) propõe o fim da cisão entre indivíduo-


sociedade, afirmando que indivíduo e sociedade interagem mutualmente. O que
está em jogo nesse processo é a formação do que ele mesmo chama de consciência
humana, mas, o que é essa consciência? Diferentemente de outras escolas da
130
TÓPICO 5 | A PSICOLOGIA DESDE A AMÉRICA LATINA

psicologia que priorizam esse saber como uma mera aplicabilidade da previsão
do comportamento, a psicologia da libertação procurar analisar como se efetivam
as práticas ideológicas responsáveis pela produção da alienação do indivíduo.

A psicologia da libertação compete a problematização dos vínculos que


atrelam os sujeitos aos interesses hegemônicos. Esse processo é possível pela
mediação das necessidades estabelecidas entre o psicólogo e as necessidades
concretas dos sujeitos. Nesse sentido, a psicologia da libertação procura
desenvolver experiências capazes de promover a interlocução e o protagonismo
dos sujeitos a partir da sua realidade.

Ora, esse método de intervenção estabelece a psicologia da libertação


como uma luta permanente entre as classes tomando como emblema o contexto
social vivenciado pelos povos latino-americanos. Essa constatação refere-se ao
fato de que, no nosso continente, o sistema hegemônico jamais abriu mão dos
seus interesses pela perpetuação do seu poder.

Desse modo, Baró (2016) compreendia que o papel desempenhado pela


ideologia capitalista nas sociedades latino-americanas possuía um compromisso
voltado para a justificativa da perpetuação das desigualdades.

Processos como o analfabetismo, a impossibilidade de acesso aos sistemas


de saúde, a ausência de políticas assistências e de promoção de acesso ao trabalho
e o desenvolvimento de renda levará um grande número de sujeitos ao sofrimento
psicológico.

É nesse sentido que a psicologia da libertação procura desenvolver a sua


operatividade metodológica a partir da práxis, enxergando, dessa maneira, o
sofrimento psicológico como uma questão, ao mesmo tempo ética e política.

Por conta dessas características é que a psicologia da libertação procurará


desenvolver as suas interlocuções a partir de uma experiência marcante de
aproximação e de diálogo com os movimento sociais.

Sobretudo, a partir da década de 1970, diante da instabilidade política e


econômica provocada pela implementação de uma série de ditaduras na América
Latina, vários movimentos sociais passaram a organizar frentes de protestos
contra as desigualdades sociais. Dentre esses movimentos podemos destacar o
“Movimento dos Trabalhadores Sem Terra” no Brasil e o “Movimento das Mães
da Praça de Maio”, na Argentina.

Essas organizações procuravam desenvolver um confronto político e


social contra as formas de opressão produzidas pelo terrorismo de Estado seja
na luta pela terra, pela implementação de políticas voltadas para a geração de
emprego, seja pela denúncia contra todos os desaparecidos no contexto das
ditaduras militares.

131
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

É partir dessa relação tensa e explosiva que a psicologia da libertação


começa a desenvolver os seus trabalhos aproximando-se dessas questões voltadas
sobretudo ao problema do sofrimento ético e político promovido pelo capitalismo.

As consequências dessa aproximação da psicologia da libertação com


os movimentos sociais, foi sem sombra de dúvida, muito importante para
uma maior participação dos psicólogos no contexto das políticas públicas e no
desenvolvimento dessas estratégias.

Podemos citar como exemplos, a participação efetiva de psicólogos


brasileiros no “Movimento de trabalhadores e trabalhadoras em prol da reforma
sanitária”, na elaboração do “Estatuto da Criança e Adolescente” e na criação da
“Reforma Psiquiátrica (JESUS, 2012).

Outro ponto que mercê destaque no contexto da psicologia da libertação


foi a participação de psicólogos brasileiros no movimento de educação popular,
sobretudo a partir das contribuições pensadas pelo educador brasileiro Paulo
Freire (2019).

FIGURA 32 – PAULO FREIRE

FONTE: <https://www.hypeness.com.br/2020/01/paulo-freire-17-livros-em-pdf-para-baixar-e-
conhecer-a-importancia-do-educador/>. Acesso em: 2 maio 2020.

Nesse sentido, os trabalhos desenvolvidos pelos psicólogos nos campos


educacionais foram pensados, não mais na identificação dos problemas de
aprendizagem como ocorrera até meados da década de 1970, mas sim pela
promoção de estratégias voltadas à emancipação do sujeito.

Isto é, a partir dessa perspectiva, os elementos fundamentais da psicologia


passam a se configurar no sentido de estimular o processo criativo dos sujeitos
pela emancipação da consciência popular, valorizando as práticas e os hábitos
comuns da realidade brasileira.

132
TÓPICO 5 | A PSICOLOGIA DESDE A AMÉRICA LATINA

Os trabalhos no campo educacional foram de fundamental importância


para um maior envolvimento da psicologia no combate efetivo ao analfabetismo,
por meio de estratégias como a política de formação de jovens e adultos no
contexto escolar, o combate à evasão e a inserção e qualificação profissional dos
mais jovens no mercado de trabalho.

Conforme podemos observar, as políticas desenvolvidas a partir desse


grande tensionamento da aproximação da psicologia latino americano foi muito
importante para um maior comprometimento desse profissional em relação aos
problemas existentes no contexto das práticas sociais.

É a partir dessa dimensão que a psicologia latino-americana será um


importante ferramenta para o desenvolvimento de diversas metodologias de
intervenção preocupadas com a transformação da realidade.

3 PICHON-RIVIÈRE E OS PROCESSOS GRUPAIS


Um outro nome muito importante para o desenvolvimento da psicologia
na América Latina foi o psiquiatra suíço – posteriormente nacionalizado
argentino – Enrique Pichon-Rivière.

FIGURA 33 - PICHON-RIVIÈRE

FONTE: <http://www.unipsicorio.blog.br/voce-conhece-pichon-riviere/>. Acesso em: 2 maio 2020.

Pichon-Rivière viveu, desde muito cedo, na região argentina conhecida


como Chaco. Juntamente com sua família, era uma pessoa que cultivava um amor
muito forte pelo trabalho laboral nas plantações de algodão e tabaco. Por viver em
uma região aonde aconteciam constantes inundações, Pichon-Rivière desde cedo
procurava colaborar com os cuidados em relação à saúde psicológica das pessoas
afetadas por desastres naturais. Essa experiência foi de fundamental importância
para a elaboração de um dos seus maiores livros, no caso, A Psicologia Social da
Vida Cotidiana (RIVIÈRE, 2015).

133
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Ao completar 18 anos Pichon-Rivière muda-se para Rosário a fim de


estudar Medicina. Sua passagem pela universidade é marcada sobretudo pelo
questionamento insistente em relação aos métodos de ensino da medicina na
universidade, sobretudo a falta de um cuidado efetivo com a saúde da população
argentina, a partir da objetivação do sujeito.

Diante desse quadro, resolve aprofundar os seus estudos na psiquiatria


desenvolvendo uma metodologia própria de trabalho com pacientes de um
hospital psiquiátrico na Argentina.

Ao promover uma leitura e escuta atenta desses pacientes Pichon-Rivière,


percebe-se que muitos deles não possuem comprometimentos orgânicos, como
pressupunham seus colegas, mas sim problemas afetivos que haviam contribuído
para o seu isolamento e distanciamento social. A institucionalização psiquiátrica,
era aos olhos de Pichon-Rivière, um problema muito mais de uma falta de uma
política assistencial de saúde do que um mero comprometimento orgânico de
deterioração da saúde.

Nesse sentido, ele aprofunda sua interlocução com o pensamento


psicanalítico a partir da dinâmica vivenciada pelos sujeitos institucionalizados
em relação ao funcionamento das suas vidas psíquicas.

Essa aproximação contribuirá para o desenvolvimento da sua teoria


sobre os grupos. Até então, os trabalhos em processos grupais desenvolvidos
por psicólogos eram muito marcados pela ocupação terapêutica sem qualquer
finalidade de exploração dos recursos e potencialidades do sujeito.

Pichon-Rivière (2015) adota uma postura que envolverá o entendimento


dos grupos a partir da dimensão efetiva da dialética no que ele mesmo chamou
de grupos operativos. Esse conceito é de fundamental importância, pois para
Pichon-Rivière um grupo não era apenas um agregado de indivíduos, mas sim
uma matriz orgânica constituída por processos que envolvem a tese, a antítese e
a síntese. Como resultado dessa mediação um grupo sempre desenvolve as suas
experiências a partir das suas próprias contradições.

Nesse sentido, cabe ao psicólogo escutar as demandas existentes em cada


grupo operando por meio de uma mediação capaz de sinalizar a profundidade
dos fenômenos em detrimento das aparências. Já que as ações humanas são
mediadas pelas contradições é, muito importante ao psicólogo atentar-se para o
comportamento desses grupos e suas matrizes.

Portanto, o grande objetivo do trabalho do psicólogo nos processos


grupais, de acordo com Pichon-Rivière, seria o de oportunizar o movimento e a
transformação contínua dos sujeitos.

134
TÓPICO 5 | A PSICOLOGIA DESDE A AMÉRICA LATINA

Partindo da compreensão de que o sujeito é um ser-em-relação Pichon-


Rivière acreditava que este era um ser de necessidades. Estas necessidades, por
sua vez encontram-se amparadas no contexto das motivações responsáveis por
inferirem uma busca contínua, por parte do sujeito, em relação as suas demandas
e necessidades.

Desse modo, ao promover esse exercício, por muitas vezes o sujeito sente-
se impelido a vivenciar aspectos de uma ansiedade considerada por ele um
entrave ao seu próprio crescimento e satisfação pessoal.

Essa característica repele qualquer possibilidade de potencialização,


constituindo-se como um desafio ao crescimento do sujeito. O processo
grupal seria, nesse sentido, um elemento voltado para o desenvolvimento de
aprendizagens capazes de minimizar esses efeitos de ansiedade.

Em linhas gerais, Pichon-Rivière (2015) compreende a aprendizagem


como um movimento cíclico que envolve a estruturação, a desestruturação e a
restruturação. Desse modo, o psicólogo deve procurar estabelecer uma mediação
entre esse processo escutando os conteúdos explícitos e implícitos dos grupos,
bem como os seus processos manifestos e latentes, ou seja, trata-se de circular
entre o dito e o não dito para que seja possível compreender a dinâmica das
relações que envolvem a espiral dialética do desenvolvimento dos processos
grupais.

Como podemos ver, um grupo não é somente a soma de todas as partes,


nem muito menos existe uma cisão entre a vida psíquica e a vida social para
Pichon-Rivière. O que está em jogo portanto é a correlação desses efeitos tendo
como premissa a capacidade de um grupo operativo promover as suas próprias
potencialidades.

Diferentemente de um grupo terapêutico, um grupo operativo na


perspectiva de Pichon-Rivière (2015) adota como base as questões de ensino-
aprendizagem a partir de um conjunto de propósitos designados como tarefas,
ou estilos de aprendizagem orientados pela perspectiva de trabalho do grupo.

Isso significa que, o psicólogo deve ter como objetivo a facilitação de


atividades desenvolvidas tendo como base a gestão do conhecimento crítico, a
elaboração do pensamento criativo e as ações transformadoras.

O grupo, nesse contexto, torna-se o centro de ações voltadas para as


práticas de promoção de saúde, de ensino, de trabalho voltadas para o problema
da sua própria gestão no sentido de tornar a atividade ou, melhor, a tarefa
pensada uma propensão à mudança.

A partir dessa dinâmica, os grupos operativos acabam por desenvolver


uma compreensão crítica da realidade e, nesse contexto emerge a concepção de
sujeito pensada por Pichon-Rivière (2015), ou seja, para ele, o sujeito é um ser social

135
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

e, como tal, constitui-se a partir da relação. Tal relação, por sua vez compreende a
interatividade entre tempo e espaço a partir dos vínculos firmados entre o sujeito
e a sociedade. O reconhecimento desse vínculo favorece o pertencimento e as
dinâmicas de interação social necessárias à existência.

Ao reconhecer o processo de técnica do grupo operativo como um


operador dialético Pichon-Rivière, acaba por sinalizar os sentidos práticos e
políticos da aprendizagem e da mudanças a partir de sentimentos como: afiliação,
pertencimento, cooperação, pertinência, comunicação e operatividade.

Esses modelos são compreendidos a partir de alguns conceitos


desenvolvidos por Pichon-Rivière (2015). O primeiro desses conceitos seria
o de verticalidade. Por verticalidade Pichon-Rivière (2015) entende as
imagens conscientes e inconscientes trazidas pelos integrantes dos grupos. Ao
compartilharem essas imagens, os participantes passam para outro conceito, no
caso, a horizontalidade, ou seja, as imagens refletidas responsáveis por conferirem
ao grupo uma matriz indenitária única.

A partir desse contexto de verticalidade e horizontalidade, o psicólogo


passa a identificar no grupo os elementos de resistências as mudanças,
compreendendo-os a partir de seus efeitos contraditórios que inibem a
potencialização e o fortalecimento dessas atividades de aprendizagem.

Por correr de maneira dialética o movimento grupal precisa ser


trabalhado, na opinião de Pichon-Rivière a partir dos seus efeitos de perdas e
ganhos, isto é, deve-se trabalhar em prol da superação de questões pertinentes
ao enfrentamento de medos, inseguranças, fantasias e demais estereótipos que
resultam em obstáculos as mudanças.

Dentre as atividades desenvolvidas pelo psicólogo está portanto, a


atribuição de papéis conforme as tarefas são conferidas. Desse modo, pode-se
destacar por exemplo os papéis a serem enfrentados a partir de nomenclaturas
como: porta-voz, bode expiatório, líder e sabotador.

Assumindo esses papéis os integrantes dos grupos necessitam, passar


a operar a resolução de tarefas ligadas a sua realidade e as suas demandas. O
desenvolvimento dessa metodologia implica na ideia de seus participantes
vislumbrarem, por meio do vínculo um objetivo, uma finalidade em comum.

Nesse sentido, emerge a ideia de vínculo como um elemento fundamental


dos processos grupais. É por meio do vínculo que se visualiza os aspectos de uma
estrutura psíquica coletiva singular, complexa e social a partir de uma relação de
duplo efeito: por um lado somos internalizados pelo outro e internalizamos o
outro dentro de nós.

Isso significa que que a comunicação entre os membros do grupo


permanece como um elemento imprescindível para o desenvolvimento das

136
TÓPICO 5 | A PSICOLOGIA DESDE A AMÉRICA LATINA

habilidades coletivas. Acarretando, desse modo uma apropriação capaz de


transcender os limites das contradições existentes.

Por conta desses aspectos é que a leitura promovida por Pichon-Rivière


torna-se de grande valia para a psicologia latino-americana no sentido de
fortalecer a dimensão psíquica com a esfera da vida coletiva.

4 SILVIA LANE E UMA NOVA VISÃO DE SUBJETIVIDADE


A psicologia é oficialmente reconhecida como profissão no Brasil no ano
de 1962. Esse processo de regulamentação impulsionou a prática profissional
desse saber. No entanto, as áreas de atuação do psicólogo limitavam-se aos seus
aspectos clínico, organizacional e educacional.

Ainda na década de 1970 o Brasil experimentava os anos mais duros


da Ditadura Militar. Essa época ficou marcada pela implementação dos Atos
Institucionais promovidos pelo governo que limitavam os direitos e as garantias
fundamentais dos sujeitos.

É em meio a esse contexto, que uma professora vinculada a Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo, começa a desenvolver uma série de trabalhos
que serão significativos para o desenvolvimento da Psicologia Social Crítica a
partir do contexto latino-americano. O nome dessa professora era Silvia Lane
(2012).

FIGURA 34 – SILVIA LANE

FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/48097/>. Acesso em: 4 maio 2020.

Essa relação entre Psicologia e Psicologia Social necessita ser compreendida


a partir de um elemento histórico. Desde a década de 1950, a psicologia social era
fortemente embasada por uma perspectiva puramente quantitativa responsável
por mensurar o comportamento humano.

137
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Essa perspectiva era fortemente empregada nos contextos estadunidense


e europeu. Nos países de terceiro mundo, esse modelo fora amplamente utilizado
acarretando em uma espécie de dependência epistemológica de conceitos
pensados por essa perspectiva clássica de psicologia.

É com base nessa crítica que Silvia Lane (2012) e outros profissionais
de psicologia procurarão estabelecer as críticas necessárias em relação ao
desenvolvimento procurando por novos rumos em relação a constituição da
psicologia social crítica.

Tal crítica foi revelada primeiro pela problematização da visão de homem


presente nos saberes psicológicos. Nesse sentido, foi necessário estabelecer
os elementos que ligavam uma tradição biológica no campo psicológico –
compreendendo o sujeito como alguém simplesmente produzido por efeitos
ambientais e fatores genéticos – e outra tradição ligada a experiência transcendental
compreendendo o sujeito como alguém constituído sem qualquer ligação com as
experiências sociais e culturais. Por outro lado, havia a clara cisão entre psicologia
e sociologia, nesse sentido enquanto que a primeira seria responsável por pensar
os sujeitos a segunda seria responsável por pensar a sociedade.

É nesse contexto que Silvia Lane (2012) procurará pensar a intersecção da


psicologia social a partir de uma dimensão histórica do ser humano, constituído
a partir da sua materialidade.

Estamos diante portanto, de uma nova concepção de sujeito produzida


por essa experiência. Isto é, um novo paradigma responsável por pensar o sujeito
a partir da sua inter-relação com os fenômenos ligados à infraestrutura e a
superestrutura.

E
IMPORTANT

Os conceitos de infraestrutura e superestrutura são desenvolvidos por


Marx e Engels. Enquanto a primeira designa os elementos relacionados aos problemas
econômicos desenvolvidos pelo Capital, a segunda refere-se aos dispositivos ideológicos e
sistematizações que são relacionadas ao processo de luta de classes (MARX; ENGELS, 1970).

Esses elementos são imprescindíveis para estabelecermos os pontos


relacionados a constituição do sujeito a partir das suas matrizes históricas,
políticas, sociais e econômicas.

138
TÓPICO 5 | A PSICOLOGIA DESDE A AMÉRICA LATINA

Desse modo, Silvia Lane (2012) considerava a ideologia como um produto


histórico responsável por cristalizar, nas instituições e na própria subjetividade
do sujeito. Esse fenômeno refere-se a reprodução das relações sociais para a
manutenção das desigualdades sociais. Esse efeito é descrito por Lane (2012) a
partir da reprodução das relações econômicas nas esferas do mundo subjetivo.
Nesse sentido, essa concepção de sujeito aponta para os traços existentes entre a
história e a dialética, seja pela produção da vida material, seja pela reprodução
da vida psíquica.

Esses pontos configuram-se pela capacidade de um processo de


contradição que enxerga a mediação entre sujeito e sociedade. Esse fenômeno
é, por sua vez, responsável pela reprodução das dos processos econômicos nas
relações sociais.

Neste sentido, cumpre a psicologia social estabelecer a mediação entre


os dispositivos ideológicos e os problemas econômicos ligados à infraestrutura.
Mas, o que significa, tal processo? Em primeiro lugar, ela refere-se a possibilidade
do psicólogo perceber como as condições materiais afetam diretamente a vida
psíquica do sujeito, ou seja, problemas como o desemprego, o analfabetismo e
falta de um acesso aos serviços de saúde, levam consequentemente o sujeito a
desenvolver um padrão de sofrimento ligado aos problemas básicos de existência.
Em segundo lugar, esse problema possui relação com o método de trabalho a ser
desenvolvido pelo psicólogo a partir da sua aproximação e do seu compromisso
social. Mais do que nunca, a partir dos trabalhos desenvolvidos por Lane (2012),
foi caindo por terra a tese de que o trabalho do psicólogo era isento das suas
implicações políticas e sociais.

Esse duplo movimento se relaciona com a devida superação de uma


dualidade cartesiana entre mundo físico x mundo psíquico, rompendo sesse
modo, com uma concepção idealista de sujeito partindo em busca de um elemento
catalisador da perspectiva do sujeito compreender-se como alguém possuidor de
um papel voltado para o protagonismo das relações sociais e da transformação
da sua própria história e da história da sociedade.

A partir dessa concepção materialista de sujeito que poderemos encontrar


os elementos presentes na perspectiva pensada por Lane (2012) em compreender
o sujeito a partir de uma perspectiva dialética orientando as suas reflexões no
sentido de pensar toda a produção de conhecimento difundida pela psicologia
social a partir de uma aproximação sensível aos problemas das sociedades latino-
americanas.

Trata-se de um novo caminho para o contexto da subjetividade agora


relacionado ao problema da produção de conhecimento no campo psicológico
que atenda as demandas sociais existentes, e aos problemas das práticas sociais
permitindo, dessa maneira, a produção de métodos de intervenção orientados
pelos dispositivos de práticas sociais ligadas a sua transformação individual e
coletiva.

139
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Os principais conceitos desenvolvidos por Silvia Lane (2012) foram:


identidade, representações sociais e linguagem. Vamos estudá-los um pouco.

Com relação ao problema da identidade, Lane (2012) compreendia que


ela não era uma questão de uma natureza humana, propriamente falando. Isso
significa que, diferentemente do que costumamos pensar não nascemos prontos
ou pré-determinados, mas vamos nos constituindo a partir de uma matriz
dialética que liga as nossas ações ao mundo em que vivemos.

A identidade opera, nesse sentido como um movimento pendular no


qual experimentamos a construção e a desconstrução de projetos, perspectivas,
valores e crenças. Por conta desse aspecto, experimentamos sempre a construção
da nossa identidade a partir das contradições e dos papéis que vivemos ao
longo da nossa vida. Não existe, para Lane (2012) um estágio para os processos
de constituição da nossa identidade, haja vista que ela é sempre marcada pela
espiral da própria existência, ou seja, construímos a nossa história, afetamos o
mundo em que vivemos, mas ao mesmo tempo somos constituídos e afetados por
essa história (LANE, 2012).

As representações sociais, por sua vez, são pensadas por Lane a partir
da perspectiva pensada pela intelectual francesa Denise Jodelet (2012). Essa
experiência pensada pela escola francesa de psicologia social compreendia as
representações sociais como arquétipos presentes nos sistemas ideológicos da
nossa sociedade.

Isso significa que as representações sociais estão relacionadas à maneira


pela somos influenciados e reproduzimos nossos padrões de conduta a partir dos
sistemas ideológicos existentes, ou seja, as representações sociais interpelam o
sujeito enquanto indivíduo.

Essa afirmação compreende as práticas sociais e os valores presentes na


relação do sujeito com o mundo. A partir do estudo desses padrões é que podemos
visualizar como as experiências julgadas aparentemente como vontades próprias
ao sujeito são, na realidade, produtos de uma matriz ideológica, quase sempre
comprometida com as premissas dos interesses ideológicos.

Por fim, o problema da linguagem. Baseada nos estudos sobre a relação


entre linguagem e pensamento desenvolvidos por Vygostky (1998), Silvia Lane
(2012) irá afirmar que a linguagem não é subordinada pelo pensamento, ou seja,
os sistemas de signos linguísticos não são produtos de um idealismo concernente
as dinâmicas das relações sociais.

Na realidade a linguagem é um efeito da ação direta do sujeito sobre


a transformação da natureza. É essa transformação que permitirá ao sujeito
compreender e desenvolver as suas experiências em relação as práticas sociais
existentes.

140
TÓPICO 5 | A PSICOLOGIA DESDE A AMÉRICA LATINA

Como podemos observar, a obra de Silvia Lane é muito importante para o


desenvolvimento da psicologia social como uma crítica pertinente aos elementos
da vida social a partir da realidade brasileira.

5 ANTIPSIQUIATRIA E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO: A LUTA


ANTIMANICOMIAL NO BRASIL
A história do movimento de luta antimanicomial é um capítulo muito
importante para a psicologia. Isso porque muitos psicólogos foram responsáveis
por participarem ativamente desse movimento. Entretanto, poderíamos nos
perguntar: como se iniciar a luta antimanicomial no Brasil?

Para entendermos esse aspecto devemos olhar a partir de um paradigma


mais ampliado conhecendo um pouco da história da nossa saúde sanitária. O
primeiro hospital psiquiátrico brasileiro foi fundado ainda no século XIX na
época do Império, mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro. Na época
não havia qualquer assistência à saúde mental. Os sujeitos acometidos por
qualquer espécie de transtorno psiquiátrico eram abandonados à própria sorte
(AMARANTE, 2007).

FIGURA 35 – HOSPÍCIO DOM PEDRO II

FONTE: <http://revistapress.com.br/jornal-da-capital/associacao-que-busca-a-preservacao-do-
hospital-psiquiatrico-sao-pedro-lanca-livro/>. Acesso em: 4 maio 2020.

Os primeiros pacientes do Hospital Pedro II vieram de várias partes do


Brasil. Como não havia na época um tratamento farmacológico para os transtornos
mentais, o único “método” de tratamento a ser oferecido era a coerção moral
desses pacientes. Em episódios de surtos, esses sujeitos eram confinados em celas
de castigo, ou ainda era lhe aplicada a terapia da “camisa de força”.

141
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Aos poucos, outras cidades passam a contar com os seus espaços de


confinamento para o tratamento de transtornos psiquiátricos. Em geral, esses
espaços eram construídos nas periferias das grandes e médias cidades brasileiras.
Como a única alternativa de trabalho era o confinamento e a punição, muitos
desses pacientes jamais retornavam ao convívio social permanecendo o resto de
suas vidas em hospitais psiquiátricos.

Com os hospitais psiquiátricos abre-se uma história macabra em torno da


saúde mental no Brasil. Em muitos desses espaços havia grave violação de direitos,
pois muitos desses pacientes eram submetidos a “terapias experimentais” como
a infecção por malária, a terapia por choque insulínico e a lobotomia, somente
para citarmos alguns exemplos (PESSOTTI, 1996).

Toda situação leva um número cada vez maior de trabalhadores da área


da saúde, usuários e seus próprios familiares a questionarem cada vez mais
o modelo de confinamento exposto nos hospitais como única alternativa de
tratamento aos problemas mentais.

FIGURA 36 – FILME O BICHO DE SETE CABEÇAS

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Bicho_de_Sete_Cabe%C3%A7as>. Acesso em: 2 maio 2020.

No ano de 1987, a época de realização do Encontro dos Trabalhadores em


Saúde Mental na cidade de Bauru, nasce o movimento de luta antimanicomial
claramente inspirado nas ideias da antipsiquiatria italiana desenvolvida por
Franco Basaglia (1985).

Basicamente, esse movimento procurava pensar ações coletivas de


melhoria dos serviços de saúde mental como, por exemplo, a substituição
dos hospitais psiquiátricos por outras modalidades de espaços terapêuticos,
ou seja, tratava-se de procurar de se procurar promover um combate contra a
institucionalização da loucura, a partir da elaboração de um modelo substitutivo
no qual os pacientes psiquiátricos pudessem manter-se integrados à sociedade.

142
TÓPICO 5 | A PSICOLOGIA DESDE A AMÉRICA LATINA

É por meio desse processo que o movimento luta antimanicomial inicia


um percurso de participação ativa na defesa de políticas públicas e assistenciais
no Brasil para a saúde mental.

Em 1986 é construído no Brasil o primeiro Centro de Atenção Psicossocial


– CAPS – estruturado para acolher as demandas dos usuários e familiares.
Contudo, é na cidade de Santos que começam a se desenvolver uma série de
atividades e estratégias organizadas pela defesa dos direitos e de um tratamento
digno aos sujeitos acometidos por algum tipo de sofrimento psicológico.

Iniciativas como a construção da rádio tam-tam e tantas outros foram


responsáveis por intensificar as experiências dos próprios usuários. Pela primeira
vez na história do Brasil, os usuários passam a possuir um papel cada vez mais
ativo na articulação e defesa dos seus direitos. Passa a existir diversas iniciativas
como a criação de associações de usuários interessadas na promoção de práticas
de saúde e práticas de integração social como oficinas de trabalho e de geração de
renda (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007).

FIGURA 37 - ASSOCIAÇÃO DE USUÁRIOS DO CAPSII DA PONTA DO CORAL DE


FLORIANÓPOLIS

FONTE: <https://capspontadocoral.wordpress.com/2019/09/27/associacao-de-usuarios/>.
Acesso em: 4 maio 2020

Essas associações passam a ter um papel muito importante da na defesa


do protagonismo dos usuários dos serviços de saúde. Sem sombra de dúvida,
foi essa organização que culminou, no ano de 2001 na criação da Lei nº 10.216,
conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica (LÜCHMANN; RODRIGUES,
2007).

143
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Basicamente, essa lei procura pensar as articulações entre as políticas de


saúde mental no Brasil a partir de um paradigma voltado para a criação de uma
rede de serviços próprios aos cuidados da saúde mental.

Essa lei passa a instituir que todos os municípios brasileiros com mais de
20.000 habitantes deverá possuir um Centro de Atenção Psicossocial financiado
quase que, na sua totalidade, pelo Sistema Único de Saúde.

Outro ponto muito importante dessa lei configura-se pela criação de


estratégias voltadas para a organização e sistematização das redes de serviço
de saúde mental, a partir das seguintes estruturas: CAPS I, II, III voltados ao
atendimento dos problemas ligados a saúde mental. CAPS a/d direcionado ao
atendimento de usuários ligados ao problema do uso e abuso de álcool e outras
drogas. CAPSi - voltado para o atendimento a crianças e adolescentes com relação
à saúde mental.

Além dessas modalidades de atendimentos, a Lei da Reforma Psiquiátrica


institui polícias como o Programa de Volta para a casa, uma estratégia de
acolhimento e atendimento social aos usuários de serviços que não possuem mais
ligação familiar.

Entretanto, nos últimos anos devido ao desmonte do Sistema Único de


Saúde essas estratégias são cada vez mais atacadas por políticas de austeridades
fiscais, deixando de lado toda a assistência à saúde a partir de um paradigma
digno de justiça, cidadania e participação social (ALMEIDA, 2019).

Em especial, as políticas de saúde mental vêm sofrendo um forte ataque por


parte de setores conservadores e fundamentalistas de nossa sociedade, levando
a crer que a ineficácia dos serviços substitutivos deve ser superada pela adoção
do modelo asilar ou de recuperação proposto por comunidades terapêuticas
(ALMEIDA, 2019).

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TÓPICO 5 | A PSICOLOGIA DESDE A AMÉRICA LATINA

LEITURA COMPLEMENTAR

Sílvia Lane: o homem em movimento

Antônio da Costa Ciampa

A inevitabilidade da morte é a única certeza que todos nós podemos ter,


como uma contingência da vida.

Contudo, muitos dos que, como eu, convivemos com Sílvia Lane, podemos
aceitar uma outra certeza, a certeza de que nascemos para começar e não de que
nascemos para morrer pois, como diz Hanna Arendt, há "um começo que vem ao
mundo quando nascemos . . . começando algo novo, por nossa própria iniciativa"
(" A condição humana" , 1983, p. 190). O sentido que essa autora atribui ao agir
retrata como Sílvia Lane agia durante toda sua vida: tomar iniciativa, iniciar,
imprimir movimento a algo.

Sílvia Lane e Hanna Arendt, cada uma a seu modo, falaram do homem
em movimento, preocupadas com a existência de homens concretos não de um
abstrato Homem (com maiúscula) mas de homens que, dentro da história, vivem
em sociedade e habitam o mundo, reconhecendo e enfatizando que essa existência
sempre tem relação com a política.

Sempre vi a Sílvia começando algo, algo que ela sempre concluía de forma
que o final fosse um novo começo.

Não me parece que aqui seja lugar para falar de suas valiosas e numerosas
realizações, pois muito haveria que falar, mesmo porque meu primeiro contato
com ela foi em 1965. Durante mais de quatro décadas tive o privilégio de, com
ternura e carinho, fruir de sua amizade e camaradagem, enquanto, com admiração
e respeito, muito aprendia com ela, primeiro como aluno, depois como orientando
e, finalmente, como colega.

Não há como destacar a importância que a Sílvia teve e continua tendo


ainda hoje para mim, sem parecer que estou exagerando. Ela me ajudou muito
e ainda ajuda quando necessário a acreditar que há uma vida que vale a pena
ser vivida, uma vida que seja a constante e permanente luta pela emancipação
humana.

Se eu falo de mim é apenas para evidenciar o que considero sempre foi


muito próprio da Sílvia, ou seja, ao mesmo tempo em que sempre estava começando
algo, ela estimulava os outros a também começarem algo por sua própria
iniciativa. Creio que isso revela o sentido profundamente humano e fortemente
democrático que ela sempre procurou imprimir às suas ações: criar condições
que aumentassem a autonomia do outro, para permitir o desenvolvimento de
relações mais libertárias e igualitárias com ele.

145
UNIDADE 2 | AS PRINCIPAIS ESCOLAS PSICOLÓGICAS

Há mais de vinte anos ela teve a iniciativa de lançar o livro O homem


em movimento. Ele foi marco de uma grande transformação da Psicologia Social
brasileira. Ele hoje pode ser visto, ao mesmo tempo, como uma orientação e como
um desafio.

A orientação básica é ter sempre o objetivo de contribuirmos para uma


psicologia voltada para os problemas concretos de nossa realidade, tornando-nos
participantes do esforço de transformação da sociedade brasileira. Neste sentido,
valoriza tanto a atividade de pesquisa empírica, como a de sistematização
teórica, propondo uma psicologia que sempre considere a questão da linguagem
como fundamental, no estudo da atividade, da consciência, da afetividade e
da identidade, "não esquecendo jamais que estas categorias estão em mútua
interdependência" , como afirma em "Novas veredas da Psicologia Social" (1995,
p. 59). Conclui isso de forma que o final se torna um novo começo.

Assim, o desafio é não abandonar a concepção, que lançou há mais de vinte


anos, de homem em movimento, de tal modo a continuarmos a nos perguntar
como isso pode ser feito hoje.

Já que, infelizmente, a Sílvia não está mais entre nós, se queremos manter
vivo seu verdadeiro espírito o que seria uma forma de imortalidade devemos
enfrentar esse desafio de continuarmos a buscar novas respostas à questão de
como desenvolver uma psicologia voltada para os problemas concretos de nossa
realidade atual.

Sua recusa a qualquer forma de dogma fica evidente numa frase que
sempre valorizou e gostava de repetir: porque não? Entendo que a maior
homenagem que podemos prestar à Sílvia Lane é agir como ela agiu durante toda
sua vida: tomar iniciativa, iniciar, imprimir movimento a algo, sempre com o foco
no homem em movimento, que ela sempre encarnou de forma emblemática.

FONTE: CIAMPA, Antônio da Costa. Sílvia Lane: o homem em movimento. Psicologia e


Sociedade.19(2),17-18,2007.Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-71822007000500006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 6 maio 2020.

146
RESUMO DO TÓPICO 5

Neste tópico, você aprendeu que:

• Os movimentos sociais foram de fundamentais para o aparecimento de Martin-


Baró e a Psicologia da Libertação.

• Pichon-Rivière desenvolveu teorias acerca da aprendizagem e dinâmica dos


Processos Grupais a partir da sua realidade na Argentina.

• Silvia Lane apresenta uma Nova Visão de Subjetividade a partir da realidade


latino-americana.

• Antipsiquiatria e a desinstitucionalização foram processos desencadeados pela


luta antimanicomial no Brasil.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar tua compreensão. Acesse o QR Code, que te levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo.

147
AUTOATIVIDADE

1 Qual a concepção de sujeito proposta por Silvia Lane?

2 O que foi a Psicologia da libertação?

3 O que é um grupo operativo de acordo com Pichon-Rivière?

148
UNIDADE 3

HISTÓRIA POLÍTICA DA
SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM
O CONTEMPORÂNEO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• apontar os principais aspectos da relação entre a psicologia, a subjetivida-


de e o contexto contemporâneo;
• caracterizar os elementos relacionados às perspectivas de pensamento
psicológicos e aos problemas sociais contemporâneos;
• pensar o aspecto político da subjetividade a partir de temas transversais;
• contextualizar as principais correlações entre a subjetividade, a psicologia
e a realidade do nosso país no contexto contemporâneo

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – SUBJETIVIDADE, RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL


CONTEMPORÂNEO
TÓPICO 2 – SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES DE GÊNERO
TÓPICO 3 – SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

CHAMADA

Preparado para ampliar teus conhecimentos? Respire e vamos em


frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverás
melhor as informações.

149
150
UNIDADE 3
TÓPICO 1

SUBJETIVIDADE, RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL


CONTEMPORÂNEO

1 INTRODUÇÃO
A subjetividade não faz parte da nossa essência (SOLER, 2008). O que
significa essa afirmação? Significa, antes de tudo que a subjetividade é marcada
por uma condição histórica e política. Para Michel Foucault (2014), a subjetividade
é um processo permeado pelas relações entre saber, poder e subjetivação.

Em linhas gerais, essa afirmação significa que só podemos compreender


o nosso processo de constituição levando em conta que somos constituídos
primeiramente por diversos saberes que formam regimes de discursividade em
torno das nossas experiências. Esses regimes transcendem os limites da ciência. Na
realidade, eles são compostos por saberes do senso comum, do próprio discurso
científico, das ideologias e tudo aquilo que fundamenta um regime discursivo.

Em segundo lugar, há que se mencionar o papel das práticas de poder


sobre a subjetividade. Por poder não nos referimos somente às instituições,
mas às microrrelações que estabelecemos uns com os outros. Por fim, há que se
mencionar os próprios processos de subjetivação, ou seja, as dimensões éticas
que permeiam o nosso estilo de vida, formam a nossa racionalidade perante o
mundo e que, permitem afirmarmos quem somos.

Dentre esse processo histórico e, ao mesmo tempo político da subjetividade,


a religião ocupa um papel muito importante, pois muitas das nossas condutas,
dos nossos posicionamentos estão relacionados às nossas perspectivas religiosas.
Muitas vezes somos impelidos a agir muito mais pelas questões próximas a nossa
comunidade religiosa do que propriamente por outra modalidade discursiva.

2 RELIGIOSIDADE, SUBJETIVIDADE E ESTADO LAICO


A Constituição Brasileira homologada no ano de 1988 é um documento
muito importante constituído a partir das demandas sociais e políticas do nosso
país já nos primeiros anos de reabertura da democracia.

Entre as suas mais importantes conquistas encontra-se o fato de que, esse


foi o primeiro documento constitucional produzido no Brasil que garantia aos
sujeitos a liberdade de culto e a diversidade religiosa.

151
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

NOTA

O Brasil só veio a constituir-se, oficialmente como Estado laico em 1988?


Outros documentos constitucionais sempre priorizaram um determinado modelo de
religião em detrimento das demais. Nossa primeira constituição de 1824, por exemplo,
adotava o catolicismo como religião oficial de Estado, garantindo as outras religiões o
direito de culto, mas sem permitir que elas construíssem templos e organizassem suas
celebrações em público (NAPOLITANO, 2016).

Afirmamos essa perspectiva no sentido de refletirmos sobre quão


recente é essa discussão sobre a relação de tensionamento entre Estado laico e
religiosidade, pois muitos confundem essa premissa, alegando que um Estado
laico é um Estado ateu, o que não é verdade. A laicidade do Estado tão somente
procura explicitar que a perspectiva da religiosidade deve ser compreendida a
partir da liberdade dos sujeitos, sem a interferência da instituição estatal nas suas
escolhas pessoais (VALENTE, 2018).

O ponto que merece a nossa atenção refere-se à participação cada vez


maior de grupos religiosos fundamentalistas no dia a dia do cenário político e
mediático do nosso país.

As experiências ligadas à ascensão desse ultraconservadorismo religioso


no cenário atual nos levam a problemas relacionados ao desenvolvimento das
políticas assistenciais, econômicas e educacionais.

Em torno dessa questão podemos citar como exemplos a crescente


participação nos debates cotidianos sobre projetos como o Escola Sem Partido e
a nova política de combate ao uso de drogas.

A partir desses desafios convidamos você, leitor, a refletir sobre o papel


quase sempre conflituoso entre religiosidade e o Estado laico. No nosso país,
desde os primeiros anos da nossa colonização possuímos, uma marca singular: a
diversificação de signos e símbolos de religiosidade.

Desde o primeiro encontro entre os nossos colonizadores e os povos


originários, assistimos a uma forte relação entre experiências religiosas diversas,
passando pelo cristianismo católico, pelo animismo, pelas religiões de matrizes
africanas e pelo protestantismo, somente para ilustrarmos alguns exemplos.

Desse modo era de se esperar que desenvolvêssemos um amplo sentido


de tolerância e de respeito no que se refere ao diálogo religioso e às formas de
constituição da subjetividade.

152
TÓPICO 1 | SUBJETIVIDADE, RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Por possuirmos uma ampla maioria de sujeitos ligados à matriz cristã,


confundimos o catolicismo como a única expressão performativa das religiões,
mas isso não corresponde à verdade. Existem muitas outras denominações
religiosas que se organizam em comunidades e espaços de liturgias que merecem
total atenção e respeito, por parte da sociedade.

Nesse sentido, pode-se destacar que a relação entre religião e política,


passa por um problema fundamental: a liberdade religiosa. Em consonância
com as diretrizes de uma sociedade democrática e plural o direito à liberdade de
crença e de pensamento são pontos fundamentais.

FIGURA 1 - UM PADRE E UM PASTOR RECEBEM AS BÊNÇÃOS DE UMA MÃE DE SANTO

FONTE: <https://templariodemaria.com.br/padre-e-pastor-recebe-oracao-de-mae-de-santo-
durante-missa-afro/>. Acesso em: 2 maio 2020.

No Brasil, os cultos ecumênicos são importantes por destacarem o


movimento contínuo de diversidade religiosa. Por conta de tal aspecto é que a
defesa da liberdade religiosa se configura como um elemento ético, por meio do
qual decorre o processo de potencialização das experiências humanas.

Dessa forma, a noção de tolerância perfila os elementos progressistas da


nossa sociedade brasileira. Esse fator possui relação direta com os elementos
destacadas a partir de valores iluministas referendados já no nascimento da nossa
própria modernidade.

É diante de tal contexto que o diálogo e a tolerância religiosa devem


garantir a legitimidade de um estatuto político da produção de subjetividades
ligados às garantias fundamentais.

Entretanto, devido a muitas contradições existentes na nossa sociedade,


a diversidade cultural e os entraves sociais, econômicos e políticos serviram
de pretexto para uma suposta homogeneização religiosa da nossa sociedade,
afastando das suas questões políticas, sociais e assistenciais valores e crenças que
fossem consideradas uma ameaça aos preceitos dogmáticos do cristianismo.
153
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

Por diversas vezes, essa perspectiva foi fundamental para infiltrar no


Estado representantes políticos interessados na manutenção da exploração
sistemática da classe trabalhadora e dos socialmente mais vulneráveis.

Um exemplo disso foi a participação efetiva de alguns setores ligados à


Igreja Católica, que apoiaram a Ditadura Militar no Brasil e na, sob a suposta
alegação de que precisávamos nos livrar do comunismo, pois América Latina
esse sistema político era inimigo da família, da moral e do próprio cristianismo.

Nesse contexto é de fundamental importância compreendermos que


o conceito de tolerância religiosa se apresenta como um grande desafio dentro
da realidade brasileira. E, diante de tal premissa o papel do Estado passa a ser
fundamental nessa questão.

O problema relaciona-se com os padrões desenvolvidos, por meio de


políticas públicas que contemplem a liberdade religiosa como um direito e uma
responsabilidade de todos os sujeitos.

Desse modo, há que se pensar as possíveis correlações entre a religiosidade,


o Estado e produções de subjetividades no sentido de situar o problema de não
favorecer essa ou aquela religião, mas fomentar o debate sobre a diversidade
religiosa no enfrentamento dos problemas sociais existentes. Deve-se ter em
mente que um Estado laico, democrático e participativo deve orientar suas ações
de modo a perceber que a filiação religiosa não é um critério para o exercício da
cidadania e da participação social.

Isso significa que se deve perceber as dinâmicas heterogêneas das


religiosidades no sentido de uma constituição de um mosaico de experiências
ligadas ao fortalecimento da sociedade como um todo, e não somente de uma
parte desse mecanismo.

O comprometimento com esse ideal, corresponde aos elementos de debate


sobre o espaço público de desenvolvimento das experiências religiosas como um
fator preponderante para a melhoria da qualidade de vida, e para as dinâmicas
de saúde mental.

Conforme podemos observar, o modelo de laicidade no Brasil compreende


a liberdade de culto um ponto fundamental para o exercício da produção de
subjetividades. Diante desse cenário, é que deve ser pensada a relação entre
subjetividade, religiosidade e Estado.

A psicologia, por sua vez, deve ser uma importante interlocutora nesse
debate. Por meio de seus órgãos reguladores como os conselhos de classe, percebe-
se uma maior aproximação dos psicólogos no debate em torno das problemáticas
religiosas. Esse efeito é compreendido pelo diálogo das comissões de direitos
humanos e minorias formadas nesses órgãos para debater a formação de profissionais,
a organização de atividades e demais práticas que estimulem o senso crítico na
formação do profissional de psicologia e sua constante relação com tal problemática.
154
TÓPICO 1 | SUBJETIVIDADE, RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Em torno dessa questão deve-se ressaltar que dentro do seu conjunto de


diversidades, a psicologia precisa compreender os desafios postos a essa relação
a partir de uma participação cada vez mais efetiva desse profissional com essas
questões.

3 RELIGIÃO, SUBJETIVIDADE E ARQUÉTIPOS


Qual é o papel da religião para a subjetividade? Esta é uma pergunta muito
importante para a psicologia, pois desde a antiguidade os sujeitos buscaram
estabelecer uma compreensão existencial sobre os seus dilemas existenciais a
partir de relações com o sagrado.

Uma das primeiras linguagens explicativas sobre a relação do sujeito com


o mundo – inclusive anterior à própria filosofia – foi a linguagem mitológica.
Diferentes culturas antigas interpretaram a relação entre humanos e as suas
divindades a partir das mais variadas perspectivas.

No contexto ocidental, poderíamos citar a cultura grega e suas relações


cosmológicas existentes em vários mitos e figuras arquetípicas que povoavam a
imaginação de poetas, artistas e pensadores, em geral. Mas outros povos também
possuem uma compreensão muito rica na relação entre o sujeito e o sagrado.
Muitos povos africanos compreendiam as relações de tensionamentos entre
deuses e humanos a partir de experiências cosmológicas ligadas à natureza e o
espírito formativo dos sujeitos. Os hindus também possuem uma compreensão
animista muito interessante passando a conceber essa existência como um ritual
de purificação do qual a consciência humana é uma parte integrada ao todo. Por
fim, os povos originários da América Latina também sintetizam a experiência
de uma rede criadora permeada por uma figura feminina como representação
máxima do sagrado.

FIGURA 2 - A PACHA MAMA

FONTE: <https://www.iquilibrio.com/blog/espiritualidade/xamanismo/pachamama/>. Acesso em: 2 maio 2020.

155
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

É consenso, portanto, significarmos o papel da religião como um


componente imprescindível para o estudo da subjetividade, pois as experiências
religiosas representam uma estrutura importante da parte que nós somos.

Um dos pontos mais importantes das experiências religiosas compreende


os seus arquétipos. Um arquétipo é uma representação que se manifesta nas
nossas experiências para além dos limites das racionalidades.

Vejamos um exemplo disso que escrevemos. As culturas dos povos


originários da América Latina, da Ásia e da África possuem diversos ritos que
delimitam as experiências de passagens existenciais ao longo da vida do sujeito.
Em muitas dessas etnias, os ritos de passagem são um ponto fundamental para o
amadurecimento e a constituição do sujeito.

Geralmente, esses ritos são delimitados por rituais no qual os indivíduos


recebem um símbolo que deve ser o seu fio condutor durante determinada
jornada. Esse símbolo é descrito pelos antropólogos como um totem, ou seja, uma
imagem, um guia espiritual que regrará todas as ações do sujeito ou durante um
determinado período, ou mesmo durante toda a vida.

O arquétipo nada mais é do que a ativação desse totem a partir de


experiências ligadas ao desenvolvimento e à constituição da subjetividade. Um
arquétipo significa, portanto, uma representação.

Um dos maiores estudiosos da teoria dos arquétipos foi Carl G. Jung.


Jung acreditava que os arquétipos consistiriam em várias imagens inconscientes
responsáveis por estabelecer certa conexão entre as culturas originárias e a nossa
atualidade.

FIGURA 3 - CARL G. JUNG (1875-1961)

FONTE: <https://escolaeducacao.com.br/carl-jung/>. Acesso em: 2 maio 2020.

156
TÓPICO 1 | SUBJETIVIDADE, RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Essa relação entre religiosidade e arquétipos possui um valor muito


importante para contextualizarmos os elementos garantidores de uma prática
espiritual como modo de subjetivação ao longo da nossa história.

Essa perspectiva, acaba por afastar, a religiosidade somente do campo da


ideologia para inseri-la em um debate muito importante relacionado aos aspectos
da promoção da saúde mental e da qualidade de vida.

A esse respeito a própria Organização Mundial de Saúde enfatiza que


a saúde mental, depende também de elementos satisfatórios na relação entre
subjetividade e espiritualidade.

Um estudo promovido por Guerrero et al. (2011) aponta que pacientes


acometidos de câncer buscavam na espiritualidade os elementos complementares
para a sua recuperação. Percebe-se desse modo, como a religiosidade apresentada
como um caráter mais pessoal e de busca por um encontro com uma perspectiva
de saúde, favoreceu os sujeitos identificados com essa perspectiva de tratamento
de uma doença tão agressiva.

Outro ponto muito importante para essa conexão entre religiosidade,


subjetividade e arquétipos refere-se ao fato de que o sujeito não se limita a sua
própria racionalidade. Isto é, o sujeito é acometido de sentimentos, paixões, afeções
e crenças. Nesse sentido, a religiosidade opera como um ponto fundamental em
que o sujeito orienta as suas ações a partir dos sentimentos, ou afetividade.

Tal perspectiva compreende a possibilidade de percebermos como a


religiosidade compreende a possibilidade de transcendência do próprio sentido
do humano. Ora, essa afirmação procura destacar a dimensão dos sentimentos
como um papel fundamental da existência.

As práticas, os símbolos e as crenças permeiam todo um imaginário


pelo qual o sujeito se constitui, produz as suas experiências, potencializa a sua
subjetividade. Muito embora tenhamos assistido nos últimos anos a uma redução
do fenômeno religioso ao aqui e agora da materialidade por meio de saberes como
a teologia da prosperidade, há que se destacar também o crescente movimento
de buscas por melhores indicadores de vida para além da materialidade por um
número cada vez maior de sujeitos.

Após a crise econômica de 2008, muitos sujeitos viram-se desempregados,


esgotados mental e fisicamente e, passaram a adotar outros estilos de vida
menos predatórios e mais espiritualizados. Em países como a Alemanha, por
exemplo, executivos demitidos de grandes multinacionais passaram a encarar a
vida com menos afeição ao materialismo e maior integralidade aos contextos da
espiritualidade.

157
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

Dirigido por Wildgruber e Hening, o documentário alemão From Business


to Being aponta para esse novo direcionamento presente na cultura alemão pós-
crise. Ele enfatiza a experiência de novos procedimentos de mediação e ampliação
de consciência como elementos de saúde mental a partir de uma reconexão entre
religiosidade e subjetividade.

FIGURA 4 – O DOCUMENTÁRIO FROM BUSINESS TO BEING

FONTE: <https://www.justwatch.com/br/filme/from-business-to-being>. Acesso em: 2 maio


2020.

A busca por um bem-estar subjetivo é um componente fundamental


para o exercício da vida religiosa. Esse processo permite com que o sujeito possa
desenvolver um processo avaliativo da sua própria condição e, por isso, ela é
fundamental para as análises psicológicas.

O contexto de uma vida mais equilibrada, de uma homeostase, passa


a ser ponto de partida de várias perspectivas do mundo contemporâneo. Nos
consultórios e clínicas psicológicas isso não é diferente, pois a religiosidade é um
aspecto muito importante pelo qual o sujeito lê a própria realidade.

Os órgãos reguladores da profissão de psicólogos como o conselho federal


e os conselhos regionais procuram enfatizar essa condição a partir de uma grande
aproximação do psicólogo com a problemática da religiosidade e da subjetividade.
A questão sinalizada por esses órgãos regulatórios como visto no item anterior, é
o de fomentar e estimular a participação e a defesa do profissional de psicologia
pela liberdade religiosa e pela aceitação da busca espiritual de cada sujeito.

Tal problemática permite compreender a relevante contextualização


das práticas psicológicas que levam em conta a interação dos sujeitos com os
elementos e prerrogativas da sua vida religiosa em consonância com a defesa de
uma sociedade mais justa em igualitária na qual as práticas religiosas e busca por
um sentido existencial fazem parte.

158
TÓPICO 1 | SUBJETIVIDADE, RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

4 RELIGIOSIDADE, SUBJETIVIDADE E DIREITOS HUMANOS


Refletir sobre a relação entre subjetividade e religiosidade implica refletir
também sobre a problemática dos direitos humanos. Isso porque esses elementos
fazem parte do contexto das experiências humanas.

Desse modo, uma leitura sobre esses conceitos compreende uma dupla
relação. A primeira delas refere-se à dimensão pessoal, ou seja, o fato de que
a religiosidade é um acontecimento voltado para a liberdade pessoal, em que
o sujeito é impelido a escolher as suas crenças de acordo com suas próprias
especificidades. Nesse contexto, a religiosidade opera a partir do paradigma da
liberdade religiosa com fundamento e exercício da vida cívica.

Já a segunda refere-se à dimensão coletiva. Ela efetiva o fenômeno


da religiosidade como um sistema de crenças e práticas que podem refletir
o processo de institucionalização estabelecendo os parâmetros e formas de
condutas responsáveis pela produção da subjetividade. A dimensão coletiva
da subjetividade compreende, de modo igual, a liberdade como condição de
tolerância e de respeito às mais variadas perspectivas religiosas.

Essa dupla relação desdobra-se em um ponto de encontro muito


importante, no caso, a perspectiva transcendental, ou seja, além dos aspectos
históricos, políticos e econômicos da experiência religiosa encontramos o elemento
transcendental como um processo de modulação da subjetividade tencionando
os efeitos, os sentidos e os significados do humano para além das identidades.

O elemento transcendental faz parte, portanto, de uma força compreendida


pela crença nos sujeitos nas questões místicas e sagradas. Essa dimensão se efetiva
pela compreensão dos sentidos ético e político das experiências religiosas.

Ocorre que, enquanto prática social, a religiosidade não é imune ao conflito


propriamente falando dos seus valores e dos sistemas de crenças. Isso porque tal
fenômeno tenciona as experiências individuais e coletivas com o sagrado, sem
mencionar o aspecto da própria institucionalização das religiões, sobretudo, na
sociedade ocidental.

O problema que emerge nesse contexto seria o de pensarmos: como


proceder a uma mediação entre esses conflitos? O primeiro passo na resolução de
tal problema passa, necessariamente, pelo reconhecimento do conflito como um
processo histórico e, quase sempre motivado por questões políticas e econômicas.

159
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

FIGURA 5 - CONFLITO ENTRE PALESTINOS E JUDEUS

FONTE: <https://noticias.r7.com/internacional/por-que-o-controle-do-vale-do-jordao-e-chave-
para-o-conflito-entre-israel-e-palestina-15092019>. Acesso em: 2 maio 2020.

Um exemplo muito claro do que escrevemos é o conflito entre palestinos


e israelenses. Embora esse tensionamento tenha tido como origem o século XIX,
os ataques e violações de direitos e garantias fundamentais dos povos palestinos
foram intensificados desde a segunda metade do século XX, quando as agressões
entre os povos alcançaram os limites do confronto armado e da invasão de
territórios, por parte do governo israelense.

A partir dessas reflexões elencadas sobre as experiências entre


religiosidade, subjetividade e direitos humanos, podemos destacar que como
fundamento desse exercício, os pontos da cooperação e das regras de convívio
social são tão importantes para o contexto.

As experiências de uma cultura tão heterogênea como a nossa acaba por


indicar que devemos pensar a construção de bases voltadas para o fundamento
das regras de uma tolerância entre todos os aspectos que envolvem os domínios
da religiosidade.

Esse efeito pode se traduzir no esforço cada vez mais presente pelas
prerrogativas dos trabalhos desenvolvidos por psicólogos e psicólogas no
sentido de se promover o diálogo entre as experiências que envolvem sujeitos e
subjetividades no campo da religiosidade.

Esses diálogos vêm atravessando diferentes perspectivas de atuações dos


profissionais, independentemente das suas matrizes epistemológicas. Observa-
se, portanto, a criação de diversas estratégias desenvolvidas para o trabalho
terapêutico visando a uma compreensão mais holística do sujeito partindo do
ponto de vista do respeito às suas crenças e valores em consonância com as
perspectivas dos direitos humanos.

Já que o fenômeno religioso é conflitivo, no seu sentido extremo,


tencionando os seus efeitos a partir da relação entre as esferas individuais e
coletivas, cabe a psicologia reconhecer nessas dinâmicas os elementos e as

160
TÓPICO 1 | SUBJETIVIDADE, RELIGIÃO E POLÍTICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

dinâmicas próprias à vida religiosa a partir das seguintes estratégias: em primeiro


lugar, cabe ao psicólogo aceitar que as escolhas intrínsecas ao fenômeno religioso,
tomando esse processo a partir do respeito das suas histórias individuais e
coletivas. Em segundo lugar, o psicólogo deve admitir que cada sujeito possa
ter a sua crença que quiser e, consequentemente, possa expressá-la e proferi-la,
desde que respeite as opiniões e os valores de outrem. Finalmente, o psicólogo
deve trabalhar em prol da diversidade religiosa, atuando sempre para promovê-
la. Isso significa que o método de trabalho desenvolvido pelos psicólogos deve
levar em conta a abertura de caminhos voltados para o diálogo cuja exigência
maior é o princípio da dignidade da pessoa humana.

NOTA

O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor constitucional presente


na nossa Carta Magna de 1988. Segundo esse princípio, toda pessoa é vista como um ser
dotado de potencialidades relacionadas ao valor do respeito à vida, da não agressão entre
pessoas, em prol dos reguladores materiais e espirituais (FISCHMANN, 2009).

No que se refere à realidade brasileira, as relações entre religiosidade,


subjetividade e direitos humanos cumpre ressaltar os contextos sociais e políticos
dos últimos anos.

De um modo geral, muitas questões aliadas a partir da demanda social e


econômica do nosso país, a partir da ascensão de setores conservadores ligados
a uma parcela de comunidades religiosas que procuram repensar os elementos
oriundos das práticas voltadas à defesa dos direitos humanos.

No caso específico da psicologia esse confronto é respaldado por tratativas


que chocam as experiências acadêmicas, políticas e profissionais com os interesses
desse ultraconservadorismo religioso.

Durante o ano de 1999, o Conselho Federal de Psicologia publicou uma


resolução em que vedava de modo explícito o tratamento psicológico, objetivando
a reorientação sexual de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 1999).

As chamadas terapias de reorientação sexual foram, dessa maneira,


proibidas pela nova resolução. Entretanto, recentemente, grupos religiosos
ajuizaram uma ação popular manifestando-se contra a perspectiva da referida
resolução.

161
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

Em resposta a essa tratativa, houve uma intensa participação efetiva por


parte de setores progressistas da nossa sociedade, pela manutenção da resolução.
Graças à articulação, a proposta de efetivação da “cura gay” foi definitivamente
arquivada não sendo mais possível sua aplicabilidade.

Embora tratar-se de uma importante vitória não podemos prosseguir


essa temática sem mencionarmos os constantes ataques perpetrados contra a
população LGBT por conta desses aspectos.

No que se refere ao embate e à perseguição contra minorias religiosas, há


que se mencionar a violência cometidas contra as religiões de matriz africana.
Constantemente, muitos espaços dedicados aos cultos aos orixás e demais
entidades, são violentamente atacados por grupos e segmentos desenvolvidos
por pessoas ligadas a organizações neopentecostais.

Há uma campanha em curso objetivando demonizar as religiões afro no


Brasil. Pais e Mães de Santo são constantemente confundidos e apontados como
adoradores do diabo, como contrários aos valores familiares e cristãos.

Por fim, há que se mencionar o próprio preconceito e a desinformação,


por parte de sujeitos, em relação aos aspectos ligados à violência e à perseguição
religiosa de outras matrizes.

As minorias étnicas são as grandes vítimas desse processo. Somente


para ilustrarmos um acontecimento específico no ano de 2013, uma mulher foi
covardemente linchada por populares sob a acusação de bruxaria na cidade do
Guarujá em São Paulo.

A alegação dos populares foi que a referida mulher estivesse praticando


atos de bruxaria levando o sacrifício de crianças em rituais de missa negra.
Esse percurso marcou as dificuldades e os desafios de percebermos as práticas
religiosas dentro de um contexto voltado para a informação, para o respeito e
para o exercício da cidadania.

Esses pontos nos auxiliam a pensar os elementos estratégicos de diálogo


entre a religiosidade, a subjetividade e os direitos humanos no contexto
da sociedade brasileira. Esse percurso passa, necessariamente, pela efetiva
participação dos psicólogos a partir dos elementos ligados à produção de práticas
e saberes voltados para o desenvolvimento de uma realidade crítica da nossa
sociedade.

Desse modo, percebe-se como é importante o diálogo cada vez mais


participativo da psicologia a partir da nossa própria especificidade.

162
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• Religiosidade, subjetividade e Estado laico são elementos imprescindíveis para


um entendimento da realidade social do Brasil contemporâneo. Nos últimos
anos, esse debate tem se acentuado devido à ascensão de setores conservadores
ligados à política.

• Religião, subjetividade e arquétipos estão articulados como experiências


voltadas para a dimensão efetiva dos laços e das práticas sociais.

• Religiosidade, subjetividades e direitos humanos fazem parte de um debate


muito importante para o contexto da atuação de psicólogos e psicólogas.

163
AUTOATIVIDADE

1 Disserte sobre a relação entre a psicologia e a religiosidade.

2 Descreva de que maneira a religiosidade está articulada aos direitos


humanos.

3 Que ferramentas de trabalho podem ser utilizadas a partir das experiências


entre religiosidade e direitos humanos?

164
UNIDADE 3
TÓPICO 2

SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES DE GÊNERO

1 INTRODUÇÃO
Este tópico é dedicado a pensar as relações políticas, históricas e sociais das
questões de gênero e da subjetividade. Quais são as implicações da perspectiva
dos estudos de gênero sobre a Psicologia? Tal questionamento é de fundamental
importância para situarmos as perspectivas que envolvem a dimensão afetiva
em torno do qual nos constituímos como sujeitos para além dos horizontes da
racionalidade.

Nossa constituição como sujeito se relaciona diretamente a partir de uma


dinâmica que envolve as produções sobre diferentes perspectivas de gênero, ou
seja, somos muito mais do que, meramente o nosso próprio sexo biológico, ou
seja, não nascemos homens e mulheres, mas nos tornamos homens e mulheres
(BEAUVOIR, 1990).

Esse processo é crucial para o desenvolvimento de uma perspectiva


ampliada pela qual, nós, os sujeitos de desejo, produzimos as nossas experiências
a partir de diferentes questões que nos atravessam.

Falar de gênero também significa falar de uma condição política. Podemos


afirmar que a problemática de gênero compreende os sentimentos de identidade
e de diferença entre masculinidades e feminilidades.

Um ponto muito importante a esse respeito compreende as dinâmicas das


estruturas sociais baseadas na relação entre sexualidades, modos de vidas, papéis
sociais de gênero e identidades. É dentro desse contexto que apresentaremos, a
você leitor, as principais conexões entre a psicologia e os estudos de gênero.

2 OS ESTUDOS DE GÊNERO E A PSICOLOGIA


Quais são os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres no contexto
da nossa sociedade ocidental? O senso comum delimita uma separação muito
clara entre essas duas performatividades. Nesse sentido, aprendemos ou mesmo
somos incentivados e condicionados a acreditar em uma suposta naturalização
das diferenças entre homens e mulheres, desde a infância, passando pela idade
adulta e culminando com a velhice.

165
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

Aos homens são atribuídos papéis relacionados ao desenvolvimento


precoce da masculinidade e da virilidade como elementos naturais das suas
próprias experiências e, as mulheres são atribuídas papéis como o acolhimento, a
emotividade e cuidado da casa e do lar.

Entretanto, os estudos de gênero procurarão problematizar essa relação


delimitando que não é tão simples assim, como nomeia o senso comum, demarcar
essas diferenças, uma vez que, entre os valores culturais e moral, existem o que
chamamos de processos de subjetivação.

FIGURA 6 - OS PAPÉIS SOCIAIS SÃO MUITO IMPORTANTES PARA A DEFINIÇÃO DOS ESTUDOS
DE GÊNERO

FONTE: <https://diadeaprenderbrincando.org.br/2017/04/27/9-inspiracoes-para-meninos-e-
meninas-brincarem-com-bola/>. Acesso em: 2 maio 2020.

Ocorre que essas construções acabam por delimitar homens e mulheres


em padrões comportamentais tidos como uma espécie de essência voltada
para as dimensões afetivas e dos papéis sociais. No caso, o problema reside na
essencialização como um elemento de verdade sobre a relação entre sexualidade
e papéis sociais.

A pergunta que poderíamos formular com base na afirmação enunciada


é: quais são as implicações desse processo na constituição da nossa subjetividade
a partir das relações de gênero?

Para que possamos elaborar uma resposta minimamente satisfatória


devemos compreender os elementos culturais e históricos pelos quais nos
constituímos dentro do nosso próprio país. O Brasil é, tradicionalmente, uma
nação fortemente impregnada pelo sentimento cultural de um patriarcado. Desde
as nossas raízes coloniais até é lugar comum, aceitarmos o fato de que o homem
é um provedor e a mulher uma cuidadora. O patriarcado designa uma postura
cultural evidenciada pelas construções sociais do machismo como um elemento
incentivado dentro do contexto das práticas sociais.

166
TÓPICO 2 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES DE GÊNERO

Nesse sentido, cabe aos estudos de gênero problematizar esses efeitos, ou


melhor, esses padrões estereotipados de papéis sociais existentes na sociedade
brasileira. Esses estudos procuram evidenciar, no campo da psicologia, como
a delimitação estereotipada desses papéis acaba por produzir formas de
subjetividades ligadas ao conservadorismo, à moralização das condutas e, também
à produção do sofrimento psicológico em sujeitos que, incapazes de “encontrar
o seu lugar no mundo”, acabam por se sujeitar ao anonimato, ou em casos ainda
mais graves, à mutilação do próprio corpo (PASSARELLI; MIRANDA, 2014).

Observa-se que a perspectiva de uma cultura marcada pelo patriarcado


evidencia graves problemas nas relações entre os gêneros. As bases dessa cultura
são delimitadas por outro problema tão relevante, no caso a misoginia, ou seja,
a taxação de uma estrutura hegemônica do machismo como ponto de referência
de toda a sociedade.

Como exemplo podemos destacar o fato de que o Brasil é um dos países


em que mais ocorre a violência de gênero contra mulheres, gays, bissexuais,
travestis e transgêneros (CARDOSO; FERRO, 2012).

Essa prerrogativa faz dos estudos de gênero uma importante ferramenta


para uma problematização dos elementos de sujeição aos quais são submetidos
todos aqueles que não se enquadram dentro de um padrão de heteronormatividade.

Tais padrões acabam por desenvolver diversos processos de exclusão


experimentados por grupos minoritários. Esses padrões são sentidos no acesso
ao mundo do trabalho, pois mulheres são sujeitas a menores salários ocupando as
mesmas funções do que os homens, ao espaço da prostituição como única forma
de renda para a comunidade trans e, diversas formas de exclusão (SILVA, 1993).

No que se refere à atuação do psicólogo e da psicóloga observa-se um


longo caminho a ser percorrido por meio do desenvolvimento de políticas
públicas, como pela própria elaboração de métodos de intervenção com relação
às problemáticas de gênero e de sexualidade.

Desse modo, os estudos, conceituações e intervenções na relação entre


gênero e psicologia devem ser embasadas por meio de uma práxis capaz de
articular os pontos de encontro entre as perspectivas teóricas e os métodos de
trabalhos desenvolvidos por psicólogos e psicólogas.

Podemos ilustrar, a título de exemplificação, as questões de desigualdades


de gênero na nossa sociedade, manifestadas desde questões sutis e simbólicas
das práticas de exclusão e segregação até as formas mais violentas. Falamos
em uma perspectiva de uma violência de gênero presente em diversas esferas
do nosso cotidiano, como quando incentivamos as meninas a se portarem de
modo adequado de acordo com os padrões sociais existentes, ou ainda quando
estimulamos os meninos a produzirem formas de agressividades por meio de
jogos e/ ou brincadeiras.

167
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

Um dos grandes desafios para os psicólogos e psicólogas consiste em


perceber como essas dinâmicas podem estar presentes na sua prática estratégia de
trabalho. Desse modo, um ou uma profissional da psicologia pode reforçar esses
padrões ao fazer uso de explicações reducionistas e simplistas sobre a atribuição
de papéis sociais, ou ainda elaborarem documentos como relatórios e manuais que
busquem identificar, nos comportamentos e atitudes de crianças e/ou adolescentes
elementos ou padrões de desvios de comportamento, a partir de perspectivas como
a classificação nosológica do transtorno de identidade de gênero.

Contudo, é preciso destacar que existem formas mais agudas de violência


que merecem igual atenção por parte dos psicólogos e psicólogas. Essas questões
envolvem os constantes assassinatos de pessoas que não se encaixam nos padrões
normativos existentes na nossa sociedade.

Portanto, a psicologia tem procurado desenvolver suas aproximações


com as relações de gênero a partir das questões implícitas e explicitas da
violência contra as minorias. O entendimento desse contexto nos leva a sugerir
que a psicologia possui um forte compromisso com essa temática a partir de um
horizonte dos direitos humanos.

FIGURA 7 - VIOLÊNCIA DE GÊNERO E A SOCIEDADE BRASILEIRA

FONTE: <http://jornalmulier.com.br/entenda-como-os-meios-de-comunicacao-retratam-a-
violencia-contra-a-mulher/>. Acesso em: 2 maio 2020.

Um ponto muito interessante é que a problemática de gênero se caracteriza


como um campo de atuação interdisciplinar para o profissional e a profissional da
psicologia. Isso significa que suas discussões e intervenções podem ser destacadas
a partir dos métodos de intervenção presentes em escolas, clínicas, organizações
e espaços comunitários.

Destacamos a partir dessas considerações que a psicologia deve


assumir o seu compromisso social no sentido de difundir uma práxis voltada
para o questionamento do estatuto da heteronormatividade. Isso significa o
desenvolvimento de práticas capazes de questionar os elementos de sujeição às
quais são submetidas as minorias.
168
TÓPICO 2 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES DE GÊNERO

Esse processo compreende o estudo das perspectivas de gênero a partir


das contribuições transversais de outros saberes como as questões de classe,
etnia/raça, identidades e diferenças.

Tais fatores compreendem a delimitação de uma experiência crítica capaz


de contribuir no fomento de políticas públicas capazes de interrogar o estatuto
das masculinidades, da misoginia e do patriarcado.

Os elementos dessas políticas públicas não representam apenas uma


proteção da população mais afetada pela violência, tanto no plano simbólico,
quanto no plano prático. Mas sim, pelo desenvolvimento de ações capazes da
superação de grandes entraves sociais na nossa sociedade.

Um ponto fundamental de acordo, com essa perspectiva passa pelo


trabalho desenvolvido por psicólogos e psicólogos em serviços de saúde, por
exemplo, nos quais são acolhidas centenas de vítimas da violência de gênero.

Esse processo repercute no desenvolvimento de ações que prestigiam as


condições de possibilidades para o exercício de uma psicologia voltada para a
nossa realidade e as dinâmicas socioafetivas às quais somos constituídos.

3 GÊNERO, SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES DE PODER


A história dos estudos de gênero possui significativa relação com a história
dos movimentos sociais e das lutas por garantias fundamentais desde o final do
século XIX. Por exemplo, uma das datas mais importantes para a luta contra
as sujeições de gênero, compreende o Dia Universal da Mulher, comemorado,
anualmente em 8 de março.

A escolha dessa data refere-se às condições degradantes em que as


mulheres se encontravam na sociedade estadunidense do final do século XIX.
Essas mulheres operárias eram submetidas a jornadas de trabalhos excessivas e
insalubres nas grandes fábricas. Muitas operárias foram mortas em decorrência
das próprias condições de trabalho.

Especificamente, um episódio foi significativo para o desenvolvimento


das lutas das mulheres. O incêndio da fábrica Triangle Shitwaist, ocorrido no dia
25 de março de 1911, matou 125 mulheres e 21 homens (SMITH, 2003).

169
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

FIGURA 8 - O INCÊNDIO DA FÁBRICA TRIANGLE SHITWAIST

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Inc%C3%AAndio_na_f%C3%A1brica_da_Triangle_
Shirtwaist>. Acesso em: 2 maio 2020.

As consequências desse acontecimento foram de fundamental


importância para o fortalecimento do ativismo feminista em meados do século
XX. É a partir de então que começam a proliferar inúmeros movimentos sociais
ligados, inicialmente ao desenvolvimento de ações na defesa de condições mais
dignas de existência para as mulheres.

Inicialmente o objetivo dessas lutas foram contextualizadas a partir de


objetivos ligados aos direitos civis na sociedade estadunidense.

NOTA

Os direitos civis são um conjunto de ações voltadas para defesa do cidadão,


a partir do que se conhece por direito natural. Essa concepção passa a existir a partir das
ideias iluministas presentes desde o final do século XVIII com o surgimento do Estado
moderno. Esses direitos compreendem a participação cívica nos rumos da sociedade a
partir de um sistema de garantias que vai do acesso à educação, a saúde e a segurança, por
exemplo (MIRANDA JÚNIOR, 1998).

170
TÓPICO 2 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES DE GÊNERO

A finalidade desses movimentos compreendia o acesso as condições


básicas de subsistência no mundo do trabalho e ao direito ao voto. Desses
movimentos o que mais se destacou foi o que ficou conhecido como movimento
sufragista.

O sufragismo caracterizava-se como um movimento transversal, político,


social, econômico cuja finalidade era a de promover o acesso ao direito ao voto às
mulheres. Embora suas raízes rementem ao século XVIII, é nas primeiras décadas
do século XX, que tal estratégia ganha os contornos e as práticas desenvolvidas
por mulheres em vários países do mundo. Muitas estudiosas da perspectiva de
gênero compreendem o sufragismo como a primeira grande onda do feminismo
na sociedade moderna. Foi por meio desse movimento, que as mulheres obtiveram
a importante conquista do acesso ao voto, uma perspectiva que lhes era negada
em muitos países, desde os mais industrializados até os mais atrasados do ponto
de vista econômico.

A partir dessa contextualização passam a emergir uma série de


movimentos, articulações e práticas políticas compreendidas pelas perspectivas
dos estudos de gênero. No ano de 1926, na cidade de São Paulo, surge uma das
primeiras revistas dedicas às lutas pelos direitos das mulheres, a Revista Feminina
reunia várias publicações intelectuais voltadas para o combate contra as formas
de violência e sujeição aplicadas ao contexto das mulheres. Essas produções
intelectuais compreendiam desde a produção de poesias, crônicas, até ensaios
e reportagens sobre a condição da mulher na sociedade paulistana do início do
século XX.

Com o final da Segunda Guerra Mundial, as lutas pelos direitos das


mulheres iniciam uma nova etapa, agora voltada mais às especificidades
das condições de enfrentamento aos desafios postos às mulheres desde o
enfrentamento ao sistema patriarcal.

Com efeito, a filósofa Simone de Beauvoir publica no ano de 1949, um


dos maiores ensaios filosóficos sobre o feminismo, no caso, O Segundo Sexo
(BEAUVOIR, 1990). Constituída por dois volumes, esse livro acaba por apontar
a condição de subalternização da mulher ao longo da história sintetizada a partir
da afirmação de Beauvoir de que “não se nasce mulher, mas sim torna-se mulher”
(BEAUVOIR, 1990, s.p.). O que essa frase significa?

Uma resposta não conclusiva e geral, nos leva a crer que ela representa
o caráter de sujeição de gênero pela condição patriarcal a partir do fato de que
todas as experiências, ao longo da história fizeram do feminino, uma simples
diferenciação hierárquica a partir do masculino. Desse modo, no contexto da
sociedade burguesa e das relações de classe, por exemplo, a mulher sempre foi
compreendida a partir de uma dinâmica voltada para a produção de uma moral
fortemente instituída por valores limitantes da sua própria condição. Temos,
nesse caso, uma representação muito clara do feminino a partir da dinâmica de
administração do lar, do cuidado com as crianças e da subserviência aos seus
maridos.
171
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

FIGURA 9 - A FILÓSOFA E ESCRITORA FEMINISTA SIMONE DE BEAUVOIR (1908-1986)

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Simone_de_Beauvoir>. Acesso em: 2 maio 2020.

É a partir dessas reflexões que os estudos de gênero ganharão folego


acadêmico disseminando suas perspectivas de análises a partir de uma visão
voltada para o enfrentamento das questões de diferenciações em torno da condição
da mulher. Com base nas reflexões iniciadas pela filósofa Simone de Beauvoir,
várias articulações e movimentos acadêmicos e políticos do feminismo passam
a se interessar pelos aspectos, não mais de uma categoria de universalização do
feminismo, mas sim a partir das suas especificidades culturais e locais. Diversas
correntes aparecerão no sentido de pensar essa condição a partir de uma
articulação que levará em conta os diversos sentidos e significados do feminismo
em espaços territoriais, econômicos, políticos e sociais.

Um exemplo muito claro disso que afirmamos será a luta promovida


pelas mulheres no contexto das ditaduras ocorridas na América Latina durante
as décadas de 60,70 e 80. Essas mulheres procuraram organizar-se coletivamente
a partir do enfrentamento direto à repressão.

Talvez um acontecimento muito importante para essa contextualização


seja a criação na Argentina do movimento conhecido como Madres de la Praça
de Mayo. Entre os anos de 1976 e 1983, diversas mulheres passaram a exigir do
governo argentino um esclarecimento público quanto ao desaparecimento de seus
filhos pelas mãos da ditadura (SANJURJO, 2013). Essas mulheres, inicialmente,
não participavam de nenhuma organização política como sindicatos e partidos
políticos, mas aos poucos, acabaram por promover uma verdadeira onda de
insurreição contra os efeitos nefastos da política de desaparecimento contida
pela ditadura. A coragem delas foi algo singular. No momento em muitos se
calavam, elas foram as ruas exigir o direito à justiça por meio das lutas em prol
dos direitos humanos. Ganhando notoriedade internacional, esse movimento foi
muito importante para o final da ditadura na Argentina.

172
TÓPICO 2 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES DE GÊNERO

FIGURA 10 - MANIFESTAÇÃO DAS MÃES DA PRAÇA DE MAIO

FONTE: <https://www.politize.com.br/ditadura-argentina-maes-praca-maio/>. Acesso em: 2


maio 2020.

Essas contextualizações e lutas promovidas pelos movimentos


feministas ao longo do século XX, foram de fundamental importância para uma
experimentação efetiva das relações entre as categorias de gênero, da subjetividade
e das relações de poder.

Esses acontecimentos compreendem as dinâmicas dos movimentos


sociais responsáveis por pensar o contexto pelos quais passa a se experimentar
cada vez mais o gênero como uma categoria imprescindível para a leitura das
subjetividades.

4 GÊNERO, SUBJETIVIDADE E BIOPOLÍTICA


Com o nascimento da Modernidade, emerge uma nova dinâmica de
relação entre o poder, o corpo e a sexualidade. Michel Foucault, em A Vontade
de Saber, aponta que enquanto na Idade Média o poder soberano agia sobre o
indivíduo, no sentido de fazer morrer e deixar viver, na modernidade essa lógica
passa a se configurar pelo seguinte enunciado: o Estado moderno faz viver e
deixa morrer (FOUCAULT, 1977).

O estilo performático dessa relação pode ser compreendido pelo efeito


do que chamamos de biopolítica, isto é, a maneira pela qual são produzidas
na nossa sociedade efeitos de regulação sobre o corpo-espécie no horizonte das
práticas políticas.

Diferentemente do que pensamos, a biologia não é uma ciência neutra,


mas um investimento por parte do Estado, da economia e da política nos efeitos
de regulação que atuam sobre os corpos dos indivíduos e da população.

173
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

Um dos pontos mais importantes dessa prerrogativa da biopolítica


compreende o conjunto de dispositivos pensados pelo Estado no que se refere
aos contornos do que Foucault (1977) chama de anatomo-política do corpo, ou
seja, um conjunto de procedimentos voltados para o controle, a vigilância e o
adestramento dos corpos no contexto do capitalismo.

É em meio a esse contexto que podemos pensar as articulações entre


gênero, subjetividade e biopolítica, por meio da implementação desse dispositivo
a partir de um fio condutor possível, no caso a sexualidade.

Para autores como Foucault (1977), a sexualidade não é algo natural, mas
um dispositivo de poder. O que significa essa afirmação? Em primeiro lugar,
ela se refere ao fato de que a correlação entre biopolítica e gênero compreende
as formações e as razões históricas, pelas quais houve uma aproximação entre
o sexo biológico, com os elementos culturais e o desenvolvimento de saberes
prescritivos e reguladores da norma como a psiquiatria, a psicologia, a pedagogia
e a própria biologia.

Em segundo lugar, o dispositivo da sexualidade desenvolve o que


poderíamos chamar aqui de política de identidade, isto é, os elementos
responsáveis pelo desenvolvimento de um processo normativo pelo qual os
sujeitos são levados a afirmarem quem são, pela maneira como se relacionam
com os aparelhos de captura presentes nas práticas sociais.

FIGURA 11 - O DOCUMENTÁRIO DZI CROQUETES

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Dzi_Croquettes_(filme)>. Acesso em: 2 maio 2020.

Esse documentário registra a história de um grupo formado no Rio de


Janeiro nos anos 1960, que procurava problematizar as fronteiras da normatividade
de gênero.

Nesse sentido, o sujeito só pode validar a sua natureza mediante o


reconhecimento ou o sentimento de pertença a um grupo social ou a uma
normatividade pelos desdobramentos da sua própria conduta sexual. Ocorre que
esse é um movimento pensado e desenvolvido pelo contexto da biopolítica.
174
TÓPICO 2 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES DE GÊNERO

O desenvolvimento dessa prática reflexiva de uma política de identidade


de gênero é de fundamental importância, pois é a partir desses padrões que se
estabelecem diversos formas de governamento dos corpos, de práticas de gestão,
que orientam as mais variadas perspectivas de gerenciamento da vida.

Isso significa que a biopolítica acaba por delimitar os fundamentos dos


marcos regulatórios sobre a existência, tomam a sexualidade como um ponto
importante voltado para a regulação de instrumentos ligados ao poder direito,
por parte do Estado, das instituições científicas e, do próprio mercado econômico
sobre o uso dos corpos dos sujeitos.

Quando por exemplo, emergem os primeiros métodos contraceptivos


desenvolvidos nas sociedades europeias e estadunidense – ainda na década
de 1960 do século passado – estimula-se a aplicação desses dispositivos entre
os casais, com a finalidade de sujeitá-los à política de contenção das taxas de
natalidade que poderiam ser nocivas para o equilíbrio e a saúde financeira da
sociedade futuramente.

Por um lado, a utilização de métodos contraceptivos favoreceu o


desenvolvimento de uma nova experiência afetiva e conjugal, mas de modo
análogo, intensificou a experiência regulatória do Estado e das indústrias
farmacêuticas sobre a vida.

FIGURA 12 - A PÍLULA ANTICONCEPCIONAL

FONTE: <https://veja.abril.com.br/saude/anticoncepcional-mitos-e-verdades-sobre-o-uso-e-os-
efeitos-do-remedio/>. Acesso em: 3 maio 2020.

Desse modo, a sexualidade opera um papel muito importante em torno


da gestão da vida. É interessante pensarmos, nesse contexto, como esse modo
de gestão se efetiva pela formação de uma historicidade responsável pelo
desenvolvimento, ou melhor, a constituição de modos de subjetividades, ligados
ao problema da normalidade e da anormalidade a partir do uso feito pelos
sujeitos, das suas práticas sexuais.

A condição fundamental que liga essa experiência de normalidade e


anormalidade se efetiva pelo reforço propagado pelas diretrizes da biopolítica em
torno do fomento das práticas de controle a partir da relação entre as estratégias
de saber e das práticas de poder.
175
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

Tendo como base essa instrução regulada pela biopolítica, podemos


pensar como os efeitos de uma sexualidade normativa e de uma política de gestão
e controle sobre a vida fizeram proliferar diversas formas e práticas responsáveis
por condensar as experiências transgressivas da sexualidade como objeto direto
de intervenções nos horizontes da pedagogia, da ciência e do direito na nossa
sociedade.

Mais do que simplesmente uma campanha de moralização em torno das


condutas sexuais, foram organizadas uma série de estudos e campanhas científicas
e políticas responsáveis por indexar os padrões aceitáveis para o exercício da
sexualidade na nossa sociedade.

Esses padrões tiveram, ou melhor, ainda têm, a função de regular a vida,


tornando a sexualidade um aparelho de captura pelas dinâmicas das práticas
sociais existentes. Desse modo, foi preciso a criação de diversos elementos
responsáveis por regular a funcionalidade das condutas sexuais e afetivas no
campo da nossa sociedade.

Uma filósofa muito importante para o desenvolvimento dessas reflexões


sobre gênero, sexualidade e biopolítica é a estadunidense Judith Butler (2014).
Para ela, a centralidade da sexualidade nos modos de produção de subjetividades
compreende a necessidade da formação, histórica e política, das políticas de
gênero.

FIGURA 13 - A FILÓSOFA JUDITH BUTLER

FONTE: <https://www.culturagenial.com/judith-butler-livros/>. Acesso em: 3 maio 2020.

176
TÓPICO 2 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES DE GÊNERO

Em seu livro Problemas de Gênero, Butler (2014) aponta que uma das
questões fundamentais da biopolítica no contexto da sexualidade refere-
se à formação do que ela chama de performatividade de gênero, ou seja, o
processo de formação histórica e política pelas quais são delimitados os marcos
regulatórios que atribuem significados e sentidos ao corpo. A partir dos
horizontes da biopolítica, os corpos ganham uma materialidade que são sempre
reguladas por dispositivos normativos de captura de sujeitos e pela produção
de subjetividades.

Em outras palavras, o que Butler (2014) entende sobre essa experiência


da sexualidade e da biopolítica refere-se ao fato de que, acima de tudo, as
experiências ligadas em torno desses fenômenos refere-se a sua condição política
de administração dos corpos na sociedade ocidental.

Neste sentido, o problema fundamental para ela, reside do fato de que


esses dispositivos regulatórios fundamentam como estratégia de controle sobre
a vida, ou seja, a sexualidade torna-se o elemento pulsante da construção de
padrões tidos como aceitáveis, normais e, por sua vez, eles passam a se configurar
como estratégias definidas pelas diretrizes da vida comum, das práticas sociais
e dos instrumentos de regulação fomentados pelo Estado, pela ciência e pela
sociedade.

177
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Os estudos de gênero e a psicologia são muito importantes para


contextualizarmos as questões relacionadas às construções históricas dos
papéis sociais ligados à nossa constituição.

• Gênero, subjetividade e relações de poder são articulações voltadas para uma


compreensão efetiva dos problemas contemporâneos.

• Os conceitos de gênero, subjetividade e biopolítica. Os estudos de gênero


apresentam uma importante conexão com a biopolítica a partir da condução
das condutas da população em torno dos papéis sociais ligados aos problemas
de gênero.

178
AUTOATIVIDADE

1 Qual é a diferença entre sexo e sexualidade?

2 Disserte sobre o que foi o movimento sufragista.

3 Qual é a importância dos estudos de gênero para a realidade latino-


americana?

179
180
UNIDADE 3
TÓPICO 3

SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, abordaremos as questões relativas aos tensionamentos entre
a produção de subjetividades e as relações etnicorracionais. O debate sobre essa
relação é de fundamental importância porque sinaliza um dos aspectos mais
relevantes da sociedade latino-americana, desde o seu processo de colonização
até os dias atuais: no caso, a constituição de práticas voltadas para a escravidão e
extermínio tanto dos povos originários, como também de negros e negras.

A desigualdade social e de classe possui no nosso continente um elemento


em comum: no caso, a formação de um racismo estrutural que relega aos negros e
indígenas uma condição brutal de um extermínio silencioso, sentido a partir das
dinâmicas existentes no contexto das práticas sociais.

Soma-se a isso, o fato de que, muitas vezes não conseguimos pensar os


elementos de formação das políticas públicas necessárias ao enfrentamento dessa
condição a partir de estratégias que minimizem esses efeitos pelo desconhecimento
da nossa própria história e pelo desinteresse explícito das autoridades em discutir
uma ferida que, ainda permanece aberta, na nossa contemporaneidade.

Os elementos de uma formação histórica ligada aos processos de


subjetividade, são, portanto, fundamentais para entendermos uma aproximação
da psicologia em torno das relações etnicorracionais.

2 A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE RACIAL NO BRASIL


A problemática das relações raciais perpassa os contornos da psicologia a
partir do compromisso social desse saber, ou seja, o fato de a psicologia procurar
pensar suas intervenções em torno da constituição dos sujeitos deve levar em
conta o processo de composição dos elementos raciais no nosso país.

Esse percurso liga-se a um projeto que envolve uma releitura sobre o


nosso processo escravagista. Desde o início da nossa colonização, a escravidão foi
um movimento decisivo para a composição estrutural de vários setores da nossa
sociedade. Passando pela religião, pela política e pela economia, muitos foram os
aspectos que ligaram o desenvolvimento do Brasil como país a partir da exploração
de grupos minoritários, como os povos originários e os afrodescendentes.

181
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

NOTA

O Brasil foi o último país do mundo a abolir totalmente a escravidão. Esse


processo somente aconteceu por meio da homologação, em 13 de maio de 1888, da Lei
Áurea. Mesmo assim, muitos desafios permanecem após pouco mais de um século, pois
indígenas e negros foram relegados a diversos processos de exclusão vivenciados até hoje.

Essa condição favoreceu o desenvolvimento de políticas de segregação


racial no nosso país. Um desses elementos é a crença de que, o nosso país não
é uma nação racista. Ora, esse imaginário possui implicações desafiadores em
torno de problemas ligados a não problematização de elementos e fenômenos
presentes na nossa sociedade contemporânea, como a criminalidade, o genocídio
da população negra nas periferias das cidades e a expropriação e invasão de
terras indígenas.

Podemos falar então, na produção de um dispositivo regulatório que não


admite o racismo como um problema estrutural do nosso país. Esse processo faz
parte do que poderíamos chamar aqui de mito da democracia racial. Esse mito
converge na experiência de que somos uma sociedade miscigenada e sem graves
conflitos raciais (TADEI, 2002).

Ocorre que tal dispositivo não leva em conta os elementos difundidos pelas
dinâmicas das práticas sociais, pois negros e negras são comumente retratados a
partir de experiências ligadas à condescendência de um Brasil que se efetiva pelo
entrecruzamento dos colonizadores, dos indígenas e dos negros.

Essa experiência favorece a dinâmica de exclusão, mesmo sem a presença,


na nossa constituição de uma política segregacionista como em outros países
como a África do Sul e os Estados Unidos. Em muitos casos, mesmo quando se
admite o problema do racismo, isso é reduzido a situações esporádicas e isoladas
(GUIMARÃES, 1999).

Em outras palavras, pode-se perceber que a singularidade da relação entre


as relações etnicorracionais e a produção de subjetividade no Brasil, é permeada
por uma espécie de silenciamento em torno dos preconceitos e da discriminação
racial.

No contexto da produção de subjetividade, muitos brasileiros constroem


uma performatividade da etnia negra e indígena apenas a partir dos seus traços
fenotípicos. Isso significa que é muito comum, vários sujeitos empregarem
a expressão negro e indígena apenas aos traços físicos e na cor da pele dessas
pessoas.

182
TÓPICO 3 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Ao tomarmos a produção de subjetividade como um elemento


de problematização da construção de representações sobre as questões
etnicorracionais devemos levar em conta outros processos que ultrapassam as
características fisiológicas e as representações do imaginário social existente em
torno dessa perspectiva (CARONE, 2008).

Ao abordarmos a questão podemos levar em conta como os dispositivos


de poder, as práticas culturais e os desdobramentos históricos são de fundamental
importância para uma contextualização mais ampla em torno dessas relações.

Uma das características é perfilada pela própria produção de um sentido


explícito em torno do nosso processo de escravidão ligado aos fenômenos culturais
da sociedade brasileira. Desde a empresa colonial, os elementos de segregação
foram responsáveis pela produção de inúmeros processos discriminatórios
na nossa sociedade. O Brasil, enquanto um território tipicamente agrário e
escravocrata favoreceu, por meio de seus dispositivos os elementos responsáveis
por efetivarem a sua constituição a partir de símbolos demarcados enquanto
sistemas hierárquicos voltados para o componente de subalternização dos
escravos pela elite branca e europeia.

Talvez a maior representação desse percurso seja a relação entre a casa-


grande e a senzala. Muito mais dos modelos arquitetônicos, esses dois espaços
representam o imaginário, por excelência da formação dos nossos padrões de
desigualdades e de segregação.

O sociólogo pernambucano Gilberto-Freyre (2004) foi um dos maiores


estudiosos dessa relação entre casa-grande e senzala.

FIGURA 14 - O SOCIÓLOGO BRASILEIRO GILBERTO FREYRE (1900-1987)

FONTE: <http://twixar.me/bXKm>. Acesso em: 3 maio 2020.

183
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

Embora polêmica, a obra de Freyre (2004) sinaliza os elementos ligados


à relação entre a casa-grande e a senzala como ponto fundamental da produção
da subjetividade racial no Brasil. Sua tese envolve o fato de que os processos de
tensionamentos existentes entre as perspectivas raciais deve ser compreendida a
partir do fato que, enquanto a casa-grande representa o sentimento de efetivação
de uma elite agrária que, mesmo após o término da escravidão, permanece com
os seus traços voltados para uma idiossincrasia responsável por legitimar os
controles sobre negros e negras, seja por meio da contratação dessas pessoas para
tarefas subalternas, seja pela definição de estratégias ligadas à negação de direitos
e garantias fundamentais.

Já a senzala designa o espaço de constituição de saberes e práticas


periféricas de negros e negras que, viviam nesse espaço sem qualquer tipo de
qualidade. Esse processo é normalizado, da mesma forma, mesmo após o fim
da escravidão, como um dispositivo de normalização da condição de exclusão.
Como se ocorresse um fenômeno de naturalização que liga as nossas antigas
senzalas ao processo de favelização ocorrido no Brasil moderno.

É importante sinalizarmos como esses dois elementos acabam por


constituir uma experiência muito importante em torno da produção da
subjetividade a partir das dinâmicas raciais brasileiras. Referimo-nos aqui às
condições políticas e sociais geradas pela dinâmica da casa-grande e da senzala.

A disseminação do fenômeno da igualdade racial apresenta suas


similitudes na vida cotidiana do Brasil contemporâneo, afastando-nos de uma
compreensão mais aprofundada em torno dos determinantes estruturais e
históricos da nossa sociedade brasileira.

FIGURA 15 - REPRESENTAÇÃO TÍPICA DA FAMÍLIA COLONIAL E SEUS ESCRAVOS NO BRASIL


DO SÉCULO XIX

FONTE: <http://twixar.me/wXKm>. Acesso em: 3 maio 2020.

184
TÓPICO 3 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

A impossibilidade de uma reflexão mais aprofundada sobre os problemas


estruturais do racismo estabelece uma normalização de práticas vivenciadas
por negros e negras no atual cenário. Como se houvesse uma naturalização do
fenômeno da exclusão social e das próprias práticas de racismo.

Essas implicações produzem desqualificação e invisibilização de negros


e indígenas quanto ao desafio enfrentados por seus atores. Essas implicações
também acabam por efetivar uma disseminação contínua que justifica as
constantes situações de humilhação a que são submetidas essas etnias no Brasil
contemporâneo.

Diversos estereótipos estão ligados a categorias socialmente produzidas


como o mito da hipersexualização da mulher negra, o mito do indígena preguiçoso
e, outros tantos que se aplicam à racionalidade colonizadora.

Para Rolnik (2017), essas experiências ligam a problemática das relações


raciais à formação, no nosso país, de um inconsciente colonial capitalístico
responsável por adequar aos modos de vida dos sujeitos, os elementos de
justificativa para o componente racial como forma de exclusão.

Essa leitura é muito importante, no sentido de sinalizar o racismo como


um elemento de produção de subjetividade a partir da contextualização, por
parte de setores da nossa sociedade, no desejo voluntário de manutenção das
práticas voltadas para o incentivo e a permanência dos elementos representados
pela figura da sujeição de negros e indígenas aos interesses sociais ligados ao
componente de extermínio contínuo e acentuado das minorias étnicas.

Com base nesta perspectiva, podemos destacar como é fundamental que


a psicologia promova um intenso debate entre essas problemáticas no sentido
de produzir formas e práticas de intervenção voltadas para o enfrentamento do
racismo.

3 SUBJETIVIDADE, RELAÇÕES ETNICORRACIONAIS E


ESTUDOS SOBRE A BRANQUITUDE
Quais são os impactos do racismo sobre a subjetividade? É em torno dessa
questão que precisamos pensar as relações entre a subjetividade e a branquitude.
De um modo geral, a psicologia brasileira vem desenvolvendo inúmeros estudos
em torno de tal questionamento. O ideal de branqueamento da população
brasileira é um fenômeno que remete ao final do século XIX e o aparecimento de
trabalhos voltados à justificativa do atraso social, econômico e racial do Brasil,
por conta dos aspectos raciais. Esses estudos foram importantes por destacarem
um duplo processo de intervenção voltado ao branqueamento do nosso país.

185
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

Por um lado, os trabalhos racialistas defendiam um novo ciclo de


colonização no nosso país com o objetivo de promover o nosso desenvolvimento
social. Esse processo de colonização esteve ligado à implementação das políticas de
povoamento na região Sul do Brasil, por meio da imigração dos povos europeus,
à época representados como grupos étnicos não afeitos à mistura racial. Houve
por parte do Império e, depois pela República uma ampla campanha de difusão
e de interesse da vinda de imigrantes italianos, alemães, poloneses e ucranianos,
somente para ilustrarmos alguns exemplos, no sentido do povoamento de terras
nos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.

Os defensores dessa tese acreditavam que o desenvolvimento do país dar-


se-ia pelo desenvolvimento da eugenia, um processo de branqueamento da raça
a partir dos elementos ligados ao povoamento e a disseminação dessas novas
culturas na realidade brasileira.

Por outro lado, os mesmos autores racialistas defendiam a tese de que


era preciso estruturar uma ampla política de branqueamento da população pela
desqualificação sistemática das populações negras e indígenas. Por meio dos
seus estudos em torno da problemática racial, esses autores viam no negro e
no indígena, traços de um primitivismo que se colocava como entrave para o
desenvolvimento de um percurso ligado ao desenvolvimento do Brasil, enquanto
uma nação comprometida com os interesses civilizatórios.

FIGURA 16 - A IMIGRAÇÃO EUROPEIA NO BRASIL

FONTE: <http://historiaehistoriografiadors.blogspot.com/2018/05/>. Acesso em: 6 maio 2020.

É dessa maneira que, após a Proclamação da República inicia-se um longo


projeto de criminalização dos artefatos culturais e simbólicos da população não
branca. Práticas culturais como a capoeira, ou o culto aos orixás passam a ser
sistematicamente condenadas como insulto à ordem pública no nosso país.

186
TÓPICO 3 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Essa estratégia tinha como intenção, promover a perseguição de negros


e indígenas no contexto civilizatório. Como se fosse possível estabelecer os
elementos de uma permanente campanha que liga a negritude, por exemplo,
como uma política que não deveria fazer parte do nosso projeto civilizatório.

Diante dessa perspectiva, forma-se uma espécie de sensibilização


sistemática na qual os elementos étnicos não pertencentes a uma matriz originária
ocidentalizada pela Europa e pelos Estados Unidos representam toda a forma de
atraso a qual somos assujeitados.

A presença da negritude representa, portanto, um impasse que deveria ser


difundido por meio do arquétipo da branquitude. Como se todos os elementos
dessa experiência fossem incorporados à dinâmica das relações etnicorracionais.

Por conta desses aspectos é que passam a se configurar que mesmo, diante
da presença de negros e indígenas, na constituição do nosso país, esses povos
deveriam ser orientados pela matriz originária branca.

Tais traços implicam a produção de elementos ligados à negação do próprio


negro e do indígena aos seus aspectos de constituição da sua subjetividade.
Impossibilitado de permanecer em constante análise sobre os sentidos e os
significados da sua história, os negros, negras e indígenas, muitas vezes, são
convocados a negarem o seu próprio passado como forma de integrarem à
realidade da estrutura hegemônica branca. Tal percurso implica a invisibilidade
da própria condição de sua própria constituição enquanto sujeito.

FIGURA 17 – RACISMO E BRANQUITUDE NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

FONTE: <http://carcara-ivab.blogspot.com/2016/03/httpjornalistaslivres.html>. Acesso em: 6


maio 2020.

187
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

Como efeito desse processo, destaca-se o elemento da formação de um


sofrimento psíquico ligado ao fenômeno da branquitude. Esse sofrimento liga-se
ao problema da constituição do sujeito negro e/ou indígena sem levar em conta
as suas próprias especificidades e a sua história.

O que pretendemos afirmar é que a branquitude desenvolvida no Brasil é


responsável pela difusão de uma condição específica da condição racial, no caso,
o racismo é um elemento fundamental para o sofrimento psicológico ligado as
experiências etnicorracionais.

O fenômeno da branquitude efetiva, dessa maneira, como um campo


muito importante para o saber psicológico a partir de uma leitura crítica em torno
do qual são produzidas as experiências das práticas sociais.

A discriminação racial faz emergir, portanto, um impacto significativo


em torno da condição do sofrimento psicológico. Para o psiquiatra Franz Fanon
(2008), fatores como a colonização apresentam uma profunda ferida em torno do
qual circulam inúmeros desafios em torno da condição do sujeito negro.

Essa perspectiva aponta para o caráter psicossocial da branquitude, qual


seja, os efeitos da realidade social e econômica, acabam por sinalizar a condição
dos impactos do racismo no cotidiano.

Diante desse quadro, é importante destacar que os elementos de intervenção


desenvolvidos por grupos de psicólogos ligados aos movimentos pela defesa
dos direitos e garantias de indígenas e negros, acabam por se configurar como
importantes ferramentas voltadas para o desafio do enfrentamento do racismo
na sociedade brasileira.

FIGURA 18 - O PSIQUIATRA FRANTZ FANON (1925-1961)

FONTE: <https://movimentorevista.com.br/2017/07/fanon-abu-jamal/>. Acesso em: 6 maio 2020.

Em se tratando da saúde mental de negros e negras, é importante destacar a


presença de métodos de intervenção voltados para as estratégias de resistências contra
subalternização de uma cultura constantemente invisibilizada pela nossa história.

188
TÓPICO 3 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Destaca-se como elemento central dessa perspectiva, iniciativas


promovidas pelo Conselho Federal de Psicologia e outras entidades como a
composição pela luta de implementação de uma política nacional de saúde
mental da população negra. Em tese, essa política defende a estruturação de
serviços voltados ao atendimento da população negra e indígena a partir das
suas especificidades. Esse trabalho é desenvolvido a partir de uma importante
interlocução das entidades de classe da psicologia com os diferentes atores e
atores dos movimentos negros e indígenas.

A política nacional de saúde procura pensar, uma concepção articulada


e universal do acesso à saúde como uma garantia imprescindível à população
negra. Uma vez que esse grupo étnico é vulnerável não apenas do ponto de vista
econômico, mas também de saúde, essa iniciativa procura articular, junto aos
atores do Sistema Único de Saúde, os elementos de um enfrentamento sistemático
a todas as experiências que envolvem as dinâmicas presentes na condição de
enfrentamento ao racismo e a partir da transversalidade de serviços específicos
ligados as questões etnicorracionais.

Ainda existe um longo caminho a ser percorrido para a efetivação dessa


modalidade de serviço, mas o fato de a psicologia mostrar-se sensível a esses
debates compõem uma possibilidade de maior inserção e debate de psicólogos e
psicólogas no enfrentamento as dinâmicas e experiências raciais.

4 SUBJETIVIDADE, RACISMO E NECROPOLÍTICA


Uma das mais recentes e importantes contextualizações da experiência
contemporânea nas sociedades periféricas, como a nossa, se refere ao
desenvolvimento do conceito de necropolítica. Esse conceito foi introduzido pelo
filósofo camaronês Achile Mbembe (2018).

FIGURA 19 - O FILÓSOFO CAMARONÊS ACHILE MBEMBE

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Achille_Mbembe>. Acesso em: 7 maio 2020.

189
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

Basicamente, pode-se dizer que a necropolítica é uma ação desenvolvida


pelo Estado c<om a finalidade de se exterminar as minorias étnicas no contexto da
periferia mundial. Inspirado nas reflexões foucaultianas em torno da emergência
do biopoder, na modernidade, Mbembe (2018) aponta que, a expressão máxima
da soberania reside na tese de que se deve ditar quem deve morrer e quem deve
viver dentro de um cenário que possui as suas raízes históricas em movimentos
ligados à herança colonial presentes nos países mais pobres.

Esse efeito torna preciso as condições práticas pelas quais a implementação


dessa política de extermínio compreende a dinâmica de sujeitos ligados às
minorias étnicas presentes a partir do que ele mesmo chama de racismo de Estado.

Isso é, Mbembe (2018) aponta que essas etnias são submetidas a um


estado de exceção permanente desde a colonização. Essa constatação coloca em
evidência os contornos, pelos quais, o totalitarismo opera o extermínio legitimado
da população negra, da população indígena e de outras tantas minorias étnicas.

Desse modo, o racismo torna-se o emblema de um estatuto que circula em


torno da afirmação da vida para os componentes hegemônicos das elites, enquanto
se estrutura como emblema da morte consolidada pela constituição de políticas
que acompanham as tecnologias de poder que são aplicadas as experiências das
etnias negras e indígenas.

No contexto do cenário brasileiro, podemos rastrear os elementos dessa


necropolítica por meio do encarceramento em massa de negros e negras em
presídios, hospitais psiquiátricos e demais espaços de exclusão. Esses elementos
possuem relação direta não somente com os indicadores econômicos e sociais, mas
como práticas de legitimação da violência autorizada contra esses grupos étnicos.

Como exemplo disso, podemos citar aqui o massacre produzido pela


polícia militar de São Paulo contra jovens moradores da favela de Paraisópolis
em São Paulo. Esse episódio foi mais do que uma ação desastrosa, por parte da
polícia, na realidade ele representa o símbolo da necropolítica no Brasil.

FIGURA 20 - POPULARES DENUNCIANDO O MASSACRE DE PARAISÓPOLIS

FONTE: <http://twixar.me/RXKm>. Acesso em: 7 maio 2020.

190
TÓPICO 3 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

A morte de jovens negros moradores das periferias das cidades brasileiras


compõe um elemento significativo dessa necropolítica interessada em elevar à
máxima potência o extermínio e a normalização das exclusões.

Ao considerarmos o racismo como elemento estrutural, percebemos a


formação de uma vontade de poder, responsável pela formação de atualização
da experiência colonial na constituição de corpos matáveis aos olhos da
universalidade, do racionalismo e da civilização.

Essa construção passa pelo desenvolvimento de práticas de poder que


sinalizam o perigo, por meio da produção de uma norma social responsável por
indicar a negros e negras que o lugar de problematização e de enfrentamento
aos dispositivos da necropolítica pode sinalizar a sua própria morte e o seu
desaparecimento. Como se houvesse uma perversão sistemática que lembra a
negros, indígenas e outras minorias que o fim de toda a resistência será a sua
morte legitimada pelas políticas de Estado.

FIGURA 21 - MARIELLE FRANCO (1979-2018)

FONTE: <https://veja.abril.com.br/brasil/marielle-franco-a-quem-interessava-seu-assassinato/>.
Acesso em: 7 maio 2020.

A ex-vereadora Marielle Franco (1979-2018) é um exemplo da necropolítica.


Assassinada em 2018, sua imagem é evocada pela necropolítica no sentido de
sinalizar que a luta contra o racismo pode ser a própria morte de negros e negras.

Essa ilustração pode ser sinalizada a partir de alguns exemplos recentes


na nossa história. Por exemplo, o assassinato contra a então vereadora Marielle
Franco que, à época, investigava à atuação das milícias no Rio de Janeiro. Até os
dias de hoje, não se sabe quais foram as motivações do assassinato de Marielle.
Muito embora seus assassinos estejam presos, as questões envolvendo o seu
assassinato permanecem um mistério absoluto.

Entretanto, talvez o mais importante aqui não sejam as descobertas dos


motivos pelos quais Marielle fora assassinada, mas sim o fato de que sua morte
é constantemente evocada, de forma simbólica e prática no sentido de sinalizar

191
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

os perigos de se lutar contra o racismo no Brasil. Interessa, desse modo, destacar


como a necropolítica atua no sentido de desencorajar qualquer expressão de
embate em relação ao racismo por conta das experiências vivenciadas como
sujeitos procuram denunciar a condição de precariedade social, econômica e de
saúde da população negra ou mesmo da população indígena.

O efeito dessa necropolítica ganha os contornos de um desejo abjeto


em torno de vidas que são destinadas à morte. Essa perspectiva é sinalizada no
cotidiano das práticas sociais a partir da relativização da violência as quais são
submetidos negros e negras, enquanto somos convocados a nos solidarizar com
a violência cometida contra a elite. Em meio a essa profusão que constatamos
como normal, o assassinato de negros e negras, enquanto somos levados ao
desenvolvimento da empatia contra a violência exercida contra os brancos.

Outro ponto muito importante dessa necropolítica compreende a formação


de práticas de estímulo a ações de vigilância e de punição contra as minorias. Os
sujeitos negros e negras são condicionados a uma intensa experiência, pela qual
sua dominação é mais do que justificada, torna-se naturalizada.

O cenário contemporâneo do nosso país registra tal aspecto, ao relegar aos


negros, negras e indígenas o pior cenário possível diante da atual crise econômica
e social vivenciada pelo Brasil nos últimos anos (PELBART, 2016).

Sem o acesso à saúde, à educação e à justiça por conta dos elementos


de uma crise econômica, esses grupos são entregues à própria sorte pelo
desmantelamento de políticas assistenciais em curso, como a falta de subsídio
para integração dos programas voltados para o sistema único de assistência social
ou, mesmo do sistema único de saúde (LIMA, 2018).

Os elementos dessa necropolítica tornam-se uma ferramenta importante


para uma contextualização da realidade brasileira a partir de dinâmicas que, nos
últimos anos, justificam a crise econômica como o momento ideal para sinalizar à
aceleração da morte dos corpos dos socialmente mais vulneráveis.

192
TÓPICO 3 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

LEITURA COMPLEMENTAR

Por uma Psicologia Social Antirracista: Contribuições De Franz Fanon

Rodrigo Diaz De Vivar Y Soler


Edelu Kawahala

Atualmente no Brasil, principalmente por conta do surgimento de políticas


públicas com o objetivo de diminuir as desigualdades raciais, as discussões sobre
temas relacionados às questões raciais têm ganhado maior visibilidade. Em
um país historicamente racista como o nosso, saberes que sustentam o mito da
democracia racial e a impossibilidade de identificação dos negros por conta da
miscigenação seriam os principais argumentos usados para o impedimento da
implantação de políticas como o programa de ações afirmativas tanto no ensino
superior quanto no funcionalismo público, por exemplo. Por outro lado, surgem
também importantes produções que irão intensificar estratégias de reparação
das injustiças históricas cometidas até hoje. É diante desse cenário conflituoso
que o livro Pele Negra, Máscaras Brancas é reeditado em língua portuguesa,
chegando até nós como um instrumento de combate útil nos desdobramentos
contemporâneos que a luta antirracista assume. Quer dizer, mais de que uma
exposição teórica, o que Fanon no oferece é um mergulho na realidade das relações
raciais do mundo contemporâneo. Seu texto quebra com todos os paradigmas de
uma ciência positivista produzida não só no início do século XX, mas também
nos dias de hoje. Embora, sua formação seja a psiquiatria, percebe-se ao longo
do livro, um interessante diálogo com os estudos antropológicos e sociológicos.
Não obstante, Fanon, procura falar também de um novo lugar epistemológico, na
medida em que, propõe uma ruptura com esses saberes tradicionais concentrados
no etnocentrismo em favor de uma nova possibilidade analítica que se dirige da
periferia para o centro. Como se a voz a se insurgir nesse contexto discursivo
estivesse localizada na realidade local para empreender uma crítica em torno da
condição do negro na modernidade. Esse novo lugar epistemológico seria uma
fala dos confins – para emprestarmos um conceito criado por Pelbart (2008) –
inserida em um movimento provocativo de diagnóstico resumido no seguinte
questionamento: o que é ser negro no mundo de hoje? Já no início da obra, o
autor se posiciona como negro, e é a partir desse lugar que procura falar de todas
as suas experiências existentes em uma sociedade racista, tal qual esta passagem
descrita abaixo:

Os elementos que utilizei não me foram fornecidos pelos "resíduos


de sensações e percepções de ordem, sobretudo táctil, espacial, cinestésica e
visual", mas pelo outro, o branco, que os teceu para mim através de mil detalhes,
anedotas, relatos. Eu acreditava estar construindo um eu fisiológico, equilibrando
o espaço, localizando as sensações, e eis que exigiam de mim um suplemento.
"Olhe um preto!" Era um stimulus externo, me futucando quando eu passava.
Eu esboçava um sorriso. "Olhe um preto!" É verdade, eu me divertia. "Olhe um
preto!" O círculo fechava-se pouco a pouco. Eu me divertia abertamente. "Mamãe,

193
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

olhe o preto, estou com medo!" Medo! Medo! E começavam a me temer. Quis
gargalhar até sufocar, mas isso tornou-se impossível. Eu não aguentava [sic] mais,
já sabia que existiam lendas, histórias, a história e, sobretudo, a historicidade que
Jaspers havia me ensinado. Então o esquema corporal, atacado em vários pontos,
desmoronou, cedendo lugar a um esquema epidérmico racial (FANON, 2008, p.
104-105).

Fanon deixa perceptível a influência de várias correntes teóricas


importantes do período em que Pele Negra, Máscaras Brancas foi escrito. Pode-
se perceber que ele foi influenciado pela psicanálise e também pelo marxismo;
contudo, Fanon empreende uma crítica a esses dois saberes, afirmando que
nenhuma dessas correntes epistemológicas pode dar conta da problemática das
relações raciais, uma vez que reduzem a condição do negro ou a um complexo
da sexualidade, como no caso da psicanálise, ou então a meras manifestações dos
modos de produção do regime capitalista, como no caso do marxismo. Fanon irá
falar que a condição do sujeito negro é singular, porque ele está tanto cultural
quanto historicamente em uma posição de inferioridade e sujeição ao colonizador
branco.

Para o autor, a colonização e o racismo alteram profundamente a


subjetividade do negro. Apesar desse recorte psicológico, não há reducionismo;
a perspectiva analítica empreendida por Fanon é psicossocial, uma vez que
compreende o sujeito como produto de uma realidade econômica e social.
Afirma Fanon então que a luta dos negros só irá efetivar-se nos planos objetivos
e subjetivos no intenso e arenoso campo das relações e das práticas sociais
existentes a partir da historicidade dos indivíduos e de seus respectivos modos
de produção subjetiva.

Fanon divide seu livro em oito capítulos, nos quais aprofunda diversos
temas até hoje pertinentes como sexualidade, relações afetivas interétnicas e
relações de poder inter-raciais. Ele inicia sua exposição falando da importância
da linguagem na constituição dos sujeitos negros colonizados. Segundo Fanon,
a mesma linguagem que os produz equivocadamente precisa ser rechaçada
para que o negro se liberte de uma negritude tipicamente representativa e
estereotipada. Falar a língua, agir e experienciar a cultura negra significa abrir
mão e recusar uma ideologia produzida pelos brancos. Nesse sentido, Fanon se
mostra atual, afinal, ainda hoje, apesar de pensadores como Rita Segato, Stuart
Hall e Boaventura Souza Santos apontarem a urgência de novas epistemologias
relacionadas com realidades sociais e locais, a produção de saber e mesmo as
agendas temáticas das instituições de pesquisa, com raras exceções, passam longe
de temas como as relações raciais.

Fruto de uma hierarquia cultural sustentada na supremacia branca, a


cultura negra continua, quando abordada, representada de forma folclorizada e
preconceituosa, inclusive por cientistas, que iniciam as suas pesquisas a partir de
preconceitos estabelecidos e olhares etnocêntricos. Assim, as políticas públicas
que possibilitam a formação desses "estranhos", até então objetos de pesquisa,

194
TÓPICO 3 | SUBJETIVIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

em pesquisadores, deverão permitir a construção de um conhecimento sobre a


cultura negra enquanto tema recorrente nos centros de pesquisa, para que novas
epistemologias possam ser concebidas.

Nos dois capítulos seguintes, "A Mulher de Cor e o Branco" e "O Homem
de Cor e a Branca", Fanon aborda os aspectos subjetivos e políticos das relações
interétnicas. Apontando para um ideal de embranquecimento como a mola
propulsora desse desejo, que não é metafísico, mas construído nas relações
sociais e políticas, ele entende que o racismo desencadeia no negro o desejo de
embranquecer através de seus descendentes. Sendo assim, as mulheres negras irão
buscar relacionar-se com homens brancos para que seus filhos sejam mais claros.
Da mesma forma, o homem negro vê na mulher branca o seu passaporte para o
mundo civilizado. Para tanto, esse se torna um objeto novamente submetido à
selvageria e ao primitivismo. Mais de que desejo e afetividade, o encontro com o
homem ou a mulher branca será, antes de qualquer coisa, uma fuga da miséria e
da exclusão. Isso é uma ilusão, aponta Fanon, pois tanto o negro quanto o branco,
ao se relacionarem a partir desta hierarquia de raças, não poderão vivenciar um
relacionamento efetivo verdadeiro, e o fantasma do racismo irá sempre interpor-
se a eles.

Ao longo do livro, Fanon argumenta sobre a importância dos


acontecimentos sociais na constituição dos sujeitos. Embora negros e brancos
implicados nas relações raciais não sejam meros fantoches dessa condição, seja
por sucumbirem ou se rebelarem contra ela, não será possível passar impune
por esse processo histórico e social. Nesse sentido, no melhor estilo de que "a
nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja
a humanidade inteira" (SARTRE, 1987, p. 7), Fanon nos convida a agir pelos
caminhos da liberdade e da solidariedade. Fanon (2008) fala que não há como o
negro escapar da negritude, pois ela estará sempre lá na sua pele como um signo
de um renegado. Sendo assim, ao negro resta só um caminho, que é o da ação, e
uma vez comprometido com a luta antirracista, essa luta se propaga, atingindo
novos contornos e contaminando novos sujeitos, pois, segundo ele, é preciso ser
solidário a todos. Para Fanon, não há racismos, mas somente um, e que, portanto,
na luta contra todas as opressões, se devam unir grupos minoritários como
judeus, árabes, ou ciganos, por exemplo.

Nesse sentido, Fanon faz uma crítica a Mannoni, quando esse afirma
que o racismo seria um fenômeno de subalternos, e não da elite francesa. Para o
autor, não é possível que somente uma parcela da população seja racista sem que
essa elite não legitime determinadas práticas. O que Mannoni faz não é diferente
do que vemos hoje na contemporaneidade; nega-se o racismo para que ele seja
invisibilizado e, assim, permaneça ativo, embora camuflado e recoberto por uma
economia de poder praticamente imperceptível, mas que é muito eficaz. Hoje,
um dos principais argumentos daqueles que se posicionam contra as políticas
de ações afirmativas é que o Brasil não é um país racista e, portanto, todas as
políticas de discriminação positiva só irão racializar uma nação na qual convivem

195
UNIDADE 3 | HISTÓRIA POLÍTICA DA SUBJETIVIDADE: UM DIÁLOGO COM O CONTEMPORÂNEO

harmoniosamente todas as culturas e povos. Esses intelectuais conservadores


afirmam que o problema da exclusão social dos negros se deve a uma questão de
classe, e não de raça.

No que diz respeito a esta polêmica questão de classe e raça, Fanon


fará uma severa crítica a Sartre, quando esse afirma ser a luta antirracista como
um "tempo fraco" de uma progressão dialética. Fanon, embora possua em sua
formação uma importante influência marxista, compreende a negritude como um
fim. Para ele, então, é preciso ir mais fundo, é preciso um respeito verdadeiro à
cultura e à pele do negro, ao modo de pensar do negro, é preciso que o negro
seja livre, que não seja mais um intelectual negro, um artista negro; o adjetivo
negro precisa desaparecer, e isso só acontecerá se o negro e sua negritude forem
vivenciados por todos.

Fanon fala da diferença e da importância do respeito e do reconhecimento


enquanto categorias de um mundo mais justo, no sentido equitativo da palavra.
De certa forma, ele antecipa Boaventura Souza Santos em sua famosa frase: "as
pessoas têm direito a ser iguais sempre que a diferença as tornar inferiores,
contudo têm também direito a ser diferentes sempre que a igualdade colocar em
risco as suas identidades" (Santos, 1997, p. 10). Com isso, Fanon aponta para a
necessidade de novas práticas que possam compreender e intervir nas demandas
da população negra. Evidentemente, não se trata de criar uma ciência específica
para os negros, mas de incluí-los como "diferença." Para exemplificar, o autor
faz um escrutínio sobre a Psicanálise, e conclui que ela não se aplica à população
negra, já que o modo de relação familiar e o drama burguês do complexo de
Édipo, bases dessa teoria, não se efetivam no contexto da cultura negra e, como
consequência, a psicanálise consegue no máximo uma patologização dessa
população.

Por fim, Fanon reivindica a liberdade enquanto uma possibilidade


concreta ao afirmar que: “Eu, homem de cor quero apenas uma coisa: Que jamais
o instrumento domine o homem. Que cesse para sempre a dominação do homem
pelo homem. Isto é, de mim por outro que me seja permitido descobrir e querer o
homem onde quer que ele se encontre” (FANON, 2008, p. 265).

Dessa forma, a obra de Fanon é essencial para a compreensão psicossocial


das relações raciais, sobretudo no Brasil de hoje, quando o Estado assume
oficialmente o histórico racista e quando políticas de reparação social passam
a ser alvo de severas críticas. Mais do que nunca, é necessário que pensemos a
problemática do racismo a partir das suas mais diversas consequências.

FONTE: KAWAHALA, Edelu; SOLER, Rodrigo Diaz de Vivar y. Por uma psicologia social
antirracista: contribuições de Frantz Fanon. Psicologia e Sociedade.22 (2), 408-410,2010.
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196
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• A produção da subjetividade racial no Brasil possui relação direta ao nosso


processo de constituição enquanto país. Desse modo é imprescindível que a
psicologia possa pensar como os efeitos de produção do racismo passam por
uma leitura crítica da nossa realidade.

• As categorias subjetividade, relações étnico-raciais e estudos sobre a


branquitude são fundamentais para analisarmos os motivos pelos quais os
dispositivos de embranquecimento da população brasileira se constituem
como práticas históricas.

• Subjetividade, racismo e necropolítica configuram-se como elementos


importantes para analisarmos à gestão da vida a partir do extermínio da
população socialmente mais vulnerável.

CHAMADA

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197
AUTOATIVIDADE

1 Disserte sobre os impactos psicológicos do racismo.

2 O que é a branquitude?

3 O que é a necropolítica?

198
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