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Antropologia Geral

e da Religião
Prof. Pedro Fernandes Leite da Luz
Prof.ª Luciane da Luz
Prof. Gesiel Anacleto
2015
Copyright © UNIASSELVI 2015
Elaboração:
Prof. Pedro Fernandes Leite da Luz
Prof.ª Luciane da Luz
Prof. Gesiel Anacleto
Revisão, Diagramação e Produção:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.
301.81
L979a Luz, Pedro Fernandes Leite da
Antropologia geral e da religião/ Pedro Fernandes Leite
da Luz; Luciane da Luz; Gesiel Anacleto. Indaial : UNIASSELVI, 2015.
208 p. : il.
ISBN 978-85-7830-927-5
1. Antropologia – Civilização - Cultura.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Apresentação
Prezado(a) acadêmico(a)! Bem-vindo ao estudo de Antropologia Geral
e da Religião, disciplina de seu curso de bacharelado em Teologia, que vai
lhe auxiliar em uma melhor compreensão do fenômeno religioso a partir da
perspectiva desta ciência.
Neste Caderno de Estudos procuraremos levá-lo à compreensão do que
consiste a Ciência Antropológica, como se situa no campo das Ciências Sociais, quais
são seus objetos de estudo e quais os métodos de que se vale para o entendimento
dos fenômenos relativos aos seres humanos. Também é nosso objetivo familiarizá-lo
com as teorias antropológicas, as principais discussões nesta área de conhecimento e
como se enfocam e refletem acerca da dimensão religiosa da vida humana.
Na Unidade 1 nós definiremos o que é Antropologia, explicitaremos as
etapas do fazer antropológico, os principais conceitos da área e o método específico
desta disciplina.
Na Unidade 2, nós travaremos contato com as principais teorias
antropológicas e veremos como elas se relacionam com o desenvolvimento
histórico da disciplina, também veremos alguns dos principais temas relacionados à
investigação da Antropologia.
Na Unidade 3, nós nos deteremos mais detalhadamente nas explicações e
reflexões da Antropologia em relação ao fenômeno religioso, vendo algumas das
perspectivas antropológicas para o entendimento científico deste importante aspecto
de nossa existência.
As diferentes religiões, enquanto fenômeno distintivo de nossa espécie,
são passíveis de serem compreendidas a partir da perspectiva científica, de acordo
com as diversas abordagens deste campo do conhecimento. A Antropologia, como
Ciência Social que é, tem sua própria abordagem, métodos e teorias para dar conta
da religião e são estes aspectos que serão aqui contemplados.
Esperamos que este Caderno de Estudos lhe permita, não só vir a compreender
como a Antropologia se apropria da religião enquanto objeto de pesquisa, mas que
lhe possibilite também ter um olhar antropológico sobre este fenômeno.
Prof. Pedro Fernandes Leite da Luz
Profa. Luciane da Luz
Prof. Gesiel Anacleto
Um abraço e bons estudos!
III
UNI
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.
Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é
o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,
apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.
Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – O QUE É ANTROPOLOGIA, OBJETO E MÉTODO ................................................. 1
TÓPICO 1 – O QUE É ANTROPOLOGIA .............................................................................................. 3
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................... 3
2 A ANTROPOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA ................................................................................... 8
3 A ANTROPOLOGIA NA PRÁTICA ................................................................................................... 10
RESUMO DO TÓPICO 1 ......................................................................................................................... 13
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................... 14
TÓPICO 2 – ETNOGRAFIA, ETNOLOGIA, ANTROPOLOGIA CULTURAL E
ANTROPOLOGIA SOCIAL ............................................................................................. 15
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 15
2 ETNOGRAFIA ......................................................................................................................................... 15
3 ETNOLOGIA ........................................................................................................................................... 19
4 ANTROPOLOGIA CULTURAL .......................................................................................................... 23
5 ANTROPOLOGIA SOCIAL ................................................................................................................. 27
RESUMO DO TÓPICO 2 ......................................................................................................................... 31
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................... 32
TÓPICO 3 – CULTURA, ETNOCENTRISMO E RELATIVISMO CULTURAL ............................ 33
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 33
2 CULTURA ................................................................................................................................................. 34
3 ETNOCENTRISMO ............................................................................................................................... 50
4 RELATIVISMO CULTURAL ................................................................................................................ 51
RESUMO DO TÓPICO 3 ......................................................................................................................... 55
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................... 56
TÓPICO 4 – O TRABALHO DE CAMPO E A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ........................ 57
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 57
2 TRABALHO DE CAMPO ...................................................................................................................... 58
3 OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ........................................................................................................ 60
LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................................. 63
RESUMO DO TÓPICO 4 ......................................................................................................................... 67
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................... 68
UNIDADE 2 – AS ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS E OS GRANDES TEMAS DA
DISCIPLINA ................................................................................................................ 69
TÓPICO 1 – ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS: EVOLUCIONISMO,
DIFUSIONISMO, E ESCOLA DA CULTURA E
PERSONALIDADE ..................................................................................................... 71
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 71
2 A ESCOLA EVOLUCIONISTA .................................................................................................... 72
VII
3 PRINCIPAIS ANTROPÓLOGOS EVOLUCIONISTAS E SUAS TEORIAS
SOCIAIS ................................................................................................................................................ 74
3.1 LEWIS HENRY MORGAN ........................................................................................................ 74
3.2 EDWARD BURNET TYLOR ...................................................................................................... 77
4 A ESCOLA DIFUSIONISTA ......................................................................................................... 79
4.1 O DIFUSIONISMO INGLÊS: A ESCOLA HIPERDIFUSIONISTA ........................... 80
4.2 DIFUSIONISMO ALEMÃO-AUSTRÍACO .......................................................................... 81
4.3 DIFUSIONISMO NORTE-AMERICANO: FRANZ BOAS E O HISTORICISMO
OU PARTICULARISMO HISTÓRICO .................................................................................. 83
4.3.1 As duas principais comunidades estudadas por Franz Boas . ........................................... 85
5 A ESCOLA DA CULTURA E PERSONALIDADE ou CONFIGURACIONISMO
CULTURAL .............................................................................................................................................. 87
5.1 PRINCIPAIS REPRESENTANTES DA ESCOLA DE CULTURA E
PERSONALIDADE . ..................................................................................................................... 88
5.1.1 Edward Sapir (1884-1939) . ...................................................................................................... 89
5.1.2 Ruth Benedict (1887-1948) ....................................................................................................... 89
5.1.3 Margaret Mead (1901-1978) . ................................................................................................... 91
LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................................. 92
RESUMO DO TÓPICO 1 ......................................................................................................................... 94
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................... 95
TÓPICO 2 – ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS: FUNCIONALISMO, ESTRUTURAL-
FUNCIONALISMO, ESTRUTURALISMO, NEOEVOLUCIONISMO E
PÓS-MODERNISMO .................................................................................................... 97
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 97
2 AS ESCOLAS FUNCIONALISTA E ESTRUTURAL-FUNCIONALISTA ........................... 97
2.1 A ESCOLA SOCIOLÓGICA FRANCESA – OS PRECURSORES DO
FUNCIONALISMO E ESTRUTURAL-FUNCIONALISMO ......................................... 98
2.2 A ESCOLA FUNCIONALISTA E SEU PRINCIPAL REPRESENTANTE:
BRONISLAW MALINOWSKI .................................................................................................. 99
2.2.1 Mas o que é Kula? . ................................................................................................................. 100
2.3 TEORIA DAS NECESSIDADES HUMANAS DE MALINOWSKI ........................... 102
2.3.1 A escola estrutural-funcionalista: RadcliffE-Brown .......................................................... 103
2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A ESCOLA FUNCIONISTA E
ESTRUTURAL-FUNCIONALISTA . .................................................................................... 106
3 A ESCOLA ESTRUTURALISTA: CLAUDE LÉVI-STRAUSS ...................................................... 107
3.1 PRINCIPAL REPRESENTANTE DA ESCOLA ESTRUTURALISTA:
CLAUDE LÉVI-STRAUSS ........................................................................................................ 107
3.2 RELAÇÕES SOCIAIS, ESTRUTURA E MODELOS . ...................................................... 109
3.2.1 Natureza e história ................................................................................................................. 110
3.2.2 Culturas simples e complexas .............................................................................................. 111
3.2.3 O que seriam os modelos consciente e inconsciente que Lévi-Strauss utiliza? ............. 111
4 A ESCOLA NEOEVOLUCIONISTA ................................................................................................. 112
4.1 Leslie A. White ................................................................................................................................. 112
5 ANTROPOLOGIA PÓS-MODERNA ....................................................................................... 114
5.1 PRINCIPAIS AUTORES ........................................................................................................... 115
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 117
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 118
TÓPICO 3 – GRANDES TEMAS DA ANTROPOLOGIA: UNIÃO, CASAMENTO E
PARENTESCO ...................................................................................................................................... 119
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 119
2 UNIÃO .................................................................................................................................................... 119
VIII
3 CASAMENTO ....................................................................................................................................... 120
3.1 Exogamia . ......................................................................................................................................... 120
3.2 Endogamia ........................................................................................................................................ 121
4 MODALIDADES DE CASAMENTOS ............................................................................................. 121
4.1 PREÇO POR PROGÊNIE OU RIQUEZA DA NOIVA ............................................................... 122
4.2 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DO PRETENDENTE À FAMÍLIA . .............................. 123
4.3 TROCA DE PRESENTES .......................................................................................................... 123
4.4 CAPTURA ...................................................................................................................................... 124
4.5 MATRIMÔNIO POR AFINIDADE, SUBSTITUIÇÃO OU CONTINUAÇÃO:
O LEVIRATO E O SORORATO ..................................................................................................... 124
4.6 FUGA COM O AMADO . ............................................................................................................... 125
4.7 ADOÇÃO .......................................................................................................................................... 125
5 SISTEMA DE PARENTESCO ............................................................................................................ 126
5.1 CONCEITUANDO SISTEMA DE PARENTESCO ......................................................... 126
5.2 ELEMENTOS QUE COMPÕEM O PARENTESCO ........................................................ 127
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 128
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 135
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 136
UNIDADE 3 – A ANTROPOLOGIA E O FENÔMENO RELIGIOSO .......................................... 137
TÓPICO 1 – A ANTROPOLOGIA E O FENÔMENO RELIGIOSO .............................................. 139
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 139
2 ANTROPOLOGIA E RELIGIÃO ....................................................................................................... 139
3 TEORIAS DA RELIGIÃO ................................................................................................................... 141
3.1 TEORIAS PSICOLÓGICAS ............................................................................................................ 142
3.2 TEORIAS SOCIOLÓGICAS ........................................................................................................... 144
3.3 A MENTALIDADE PRIMITIVA DE LÉVY-BRUHL . ................................................................. 145
4 RELIGIÃO E COSMOVISÃO ............................................................................................................ 146
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 150
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 155
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 156
TÓPICO 2 – O SAGRADO E O PROFANO: DICOTOMIA OPERACIONAL
FUNDAMENTAL PARA A COMPREENSÃO DA RELIGIÃO NA
PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA ............................................................................ 157
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 157
2 O SAGRADO E O PROFANO ............................................................................................................ 157
3 A INTERMEDIAÇÃO ENTRE O SAGRADO E O PROFANO ................................................... 161
3.1 XAMÃ . .............................................................................................................................................. 162
3.2 REI-SACERDOTE ............................................................................................................................ 164
3.3 O PROFETA ...................................................................................................................................... 166
3.4 O MONGE ........................................................................................................................................ 168
4 AS CRENÇAS ........................................................................................................................................ 170
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 173
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 176
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 177
TÓPICO 3 – OUTRAS PARTICULARIDADES DA RELIGIÃO .................................................... 179
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 179
2 RITUAL ................................................................................................................................................... 179
3 MAGIA ................................................................................................................................................... 182
IX
4 SINCRETISMO ..................................................................................................................................... 185
5 TABU ....................................................................................................................................................... 186
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 188
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 190
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 191
TÓPICO 4 – MONOTEÍSMO, POLITEÍSMO, PANTEÍSMO E PANENTEÍSMO ..................... 193
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 193
2 MONOTEÍSMO .................................................................................................................................... 193
3 POLITEÍSMO ........................................................................................................................................ 194
4 PANTEÍSMO ......................................................................................................................................... 196
5 PANENTEÍSMO .................................................................................................................................... 197
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 199
RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 204
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 205
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 207
X
UNIDADE 1
O QUE É ANTROPOLOGIA,
OBJETO E MÉTODO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:
• levar o(a) acadêmico(a) a compreender o que é Antropologia,
Etnologia e Etnografia;
• proporcionar ao(à) aluno(a) elementos para que distinga Antropologia So-
cial e Antropologia Cultural;
• instrumentalizar o(a) acadêmico(a) com os conceitos fundamentais da dis-
ciplina, notadamente o de cultura;
• tornar o(a) aluno(a) capaz de caracterizar e utilizar o método antropológico.
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Ao final de cada um deles, você
encontrará atividades que o(a) ajudarão a fixar os conhecimentos adquiridos.
TÓPICO 1 – O QUE É ANTROPOLOGIA
TÓPICO 2 – ETNOGRAFIA, ETNOLOGIA, ANTROPOLOGIA CULTURAL
E ANTROPOLOGIA SOCIAL
TÓPICO 3 – CULTURA, ETNOCENTRISMO E RELATIVISMO CULTURAL
TÓPICO 4 – O TRABALHO DE CAMPO E A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1
O QUE É ANTROPOLOGIA
1 INTRODUÇÃO
Prezado(a) acadêmico(a), bem-vindo(a) ao estudo da disciplina
Antropologia Geral e da Religião. Nesta primeira unidade nós veremos o que é
Antropologia, seu objeto e método.
Inscrita na tradição do conhecimento científico, embora tendo se constituído
enquanto ciência somente no final do século XIX, a Antropologia, ramo tardio
das Ciências Sociais, irá nos servir em nossa caminhada na compreensão dos
fenômenos humanos, notadamente, no caso deste Caderno de Estudos, no que diz
respeito à Religião.
Para utilizarmos a Antropologia como ferramenta para nossa prática
profissional e crescimento pessoal, é preciso saber no que consiste exatamente,
quais as pretensões e alcance deste saber e como o mesmo pode nos ajudar a
entender o fenômeno religioso.
Como toda ciência, a Antropologia apresenta um objeto que lhe é próprio
e uma abordagem metodológica característica. Também se constrói por etapas e
apresenta diversos campos de investigação, como veremos nesta unidade.
Aqui apresentaremos a você, nosso(a) atento(a) leitor(a), não só as
definições mais aceitas desta disciplina, explicitando do que ela se ocupa (qual o
objeto de sua investigação), mas também as maneiras pelas quais a Antropologia
se aproxima da realidade que ela pretende elucidar, como se constrói o edifício do
saber antropológico (com suas diversas etapas), quais seus campos de pesquisa
e ainda alguns de seus conceitos mais importantes e a maneira própria deste
conhecimento científico proceder na elucidação dos problemas de que trata (seu
método característico).
Assim, no Tópico 1 definiremos Antropologia, a partir de sua fundação
enquanto ciência, na visão dos praticantes e teóricos deste saber, para levar você,
acadêmico(a), a ser capaz de refletir criticamente acerca do fazer antropológico.
No Tópico 2 veremos as diferentes etapas e áreas deste conhecimento, para
que você, estudante da UNIASSELVI, seja familiarizado com o campo semântico
da disciplina e o alcance deste saber, a partir da análise de como este se forja e do
que se ocupa.
3
No Tópico 3 trataremos de alguns dos conceitos mais importantes da
Antropologia, conceitos estes que são fundamentais para a compreensão da
especificidade do olhar antropológico e de seu objeto, para que você aprofunde
seu entendimento do que trata a Antropologia.
Por fim, no Tópico 4 nós veremos a Antropologia na prática, o método
próprio desta ciência, que a distingue das demais Ciências Sociais, para que você,
nosso(a) aluno(a), possa saber como se faz, afinal, o conhecimento antropológico.
Esperamos que esta primeira unidade vá despertar sua curiosidade e
interesse em saber mais a respeito da Antropologia e de como ela pode nos ajudar
a compreender este fenômeno complexo que é o ser humano.
NOTA
Aqui utilizaremos ser humano em vez de “homem” para nos referirmos ao
“anthropos” (o objeto da Antropologia) por entendermos, dentro da visão antropológica do
fenômeno humano, que nossa espécie apresenta uma enorme diversidade de gêneros (às
vezes dentro de uma mesma sociedade) o que torna o termo “homem” inapropriado para
definir o conjunto dos seres humanos.
FIGURA 1 – REPRESENTAÇÃO DE POPULAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DO NORDESTE BRASILEIRO
FONTE: Disponível em: <http://msalx.viajeaqui.abril.com.br/2013/08/29/1431/5tY2z/ilustra-final-
jubran.jpeg?1377804486>. Acesso em: 31 mar. 2015.
4
A partir de seu próprio nome, Antropologia, podemos inferir do que se
ocupa esta disciplina, que, de agora em diante, será alvo de seus estudos, prezado(a)
acadêmico(a) da UNIASSELVI. De fato, este nome de origem grega é revelador do
foco desta ciência.
Vejamos: o mesmo compõem-se de dois substantivos daquela língua
clássica, a saber, anthropos, o ser humano, e logos, estudo (ou ainda razão e lógica).
Antropologia trata-se assim do “Estudo do Ser Humano”, definição que
a põe inserida na tradição científica, no campo das Ciências Humanas, próxima,
portanto, da Sociologia e da Economia, por exemplo. Nesta perspectiva, a mesma
investiga a constituição e a dinâmica da experiência humana, tanto em suas
relações internas, quanto aquelas com o meio circundante.
De acordo com Gomes (2013, p. 11), outra tradução possível para
Antropologia seria “Lógica do Ser Humano”, o que colocaria alguns dos focos e
análises desta matéria em sintonia com determinadas áreas da Filosofia, como a
Lógica, a Metafísica e a Hermenêutica, na busca do sentido da experiência humana
em sua especificidade.
FIGURA 2 – REPRODUÇÃO DA LINHAGEM QUE CONSTITUIU NOSSA ESPÉCIE
FONTE: Disponível em: <http://www.ahistoria.com.br/wp-content/uploads/historia-da-evolucao-
humana.jpg>. Acesso em: 8 abr. 2015.
5
Gomes (2013) chama a atenção para o fato de que, embora a origem do nome
seja grega, não foram os gregos que inventaram a Antropologia, ainda que eles não
se furtassem a especular sobre a condição humana. Isto devido ao etnocentrismo
deste povo, que se julgava superior às demais nações de seu tempo.
NOTA
Etnocentrismo: conceito fundamental da Antropologia, no qual nos
aprofundaremos mais adiante, mas que aqui adiantamos tratar-se da tendência natural de
toda cultura humana de considerar-se superior as demais.
Ora, para o fazer antropológico é preciso a superação do entrave colocado
pelo etnocentrismo e se admitir a unidade da espécie humana. É necessário
reconhecer que, apesar de nossas imensas diferenças culturais, somos uma só
humanidade.
Esta perspectiva, que possibilita a reflexão antropológica, só se coloca
numa época mais recente da humanidade, a partir do Iluminismo, quando começa
a especulação filosófica, a princípio, acerca das possibilidades da existência e da
ação humana (GOMES, 2013).
FIGURA 3 – FILÓSOFOS ILUMINISTAS REUNIDOS EM DEBATE
FONTE: Disponível em: <http://files.seculodasluzes.webnode.com.br/200000006-
67d3168ccf/50000000.jpg>. Acesso em: 8 abr. 2015.
Desta maneira, de um ângulo filosófico, a Antropologia seria uma forma
de se pensar a diversidade da experiência humana, que se reflete nas diferentes
culturas. Posteriormente, com a introdução da teoria da evolução, a Antropologia
aproxima-se mais do campo científico, procurando integrar a especificidade do ser
humano em um contínuo com a natureza.
6
Assim, a Antropologia comporta dois aspectos, tanto como Filosofia da
cultura, quanto ciência do ser humano, procurando ora interpretar, ora explicar as
características próprias da humanidade.
Mais recentemente, com o desconstrucionismo pós-moderno do fazer
antropológico, a Antropologia tem sido considerada como uma forma particular
de literatura, sendo, portanto, tida como uma arte. Um dos autores que advoga este
ponto de vista é James Clifford, que junto com George E. Marcus foi responsável
por um livro emblemático da visão pós-moderna em Antropologia (Writing Culture:
The Poetics and Politics of Ethnography, University of California Press, 1986), sendo os
dois os principais autores a realizar a desconstrução das etnografias clássicas em
Antropologia.
Dentro da perspectiva destes autores a Antropologia seria a arte da
crítica cultural, onde a cultura reveste-se de um caráter polissêmico, sendo que a
interpretação do antropólogo é apenas uma das possíveis, junto com aquelas de
seus interlocutores, membros das culturas estudadas.
FIGURA 4 – OS DOIS PRINCIPAIS AUTORES DA CORRENTE PÓS-MODERNA EM
ANTROPOLOGIA, JAMES CLIFFORD (À ESQUERDA DA FOTO) E GEORGE E. MARCUS
EM UMA PRAÇA PARISIENSE
FONTE: Disponível em: <https://typhoon-production.s3.amazonaws.com/uploads/
image_attachment/image_attachment/543/inline_clifford___marcus_resized.jpeg>.
Acesso: 9 abr. 2015.
7
2 A ANTROPOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA
Arte, Filosofia ou Ciência? Você deve estar se perguntando, querido(a)
acadêmico(a). Bom, você já deve ter percebido que a Antropologia comporta
diferentes aspectos da realidade dos grupos sociais. Neste Caderno de Estudos
nos concentraremos na dimensão científica da Antropologia.
Neste sentido, a exemplo de Marconi e Presotto (2001), consideramos que
a Antropologia, dentro do campo científico, comporta três aspectos, em virtude
de sua abordagem própria (que procura ver o fenômeno humano com um todo),
a saber:
a) Enquanto Ciência Social, procurando conhecer o ser humano em sua dimensão
de participante de grupos sociais organizados diversos, como uma determinada
sociedade, por exemplo.
b) Enquanto Ciência Humana, voltando-se para a totalidade da experiência humana,
como sua história, usos e costumes, linguagem e demais fenômenos relacionados
ao ser humano.
c) Enquanto Ciência Natural, a Antropologia investiga as características
psicossomáticas do ser humano e sua evolução no mundo natural.
Vemos assim que a abordagem antropológica do ser humano pretende
ser total, contemplando sua dimensão física, sociocultural e ainda filosófica. Em
suas investigações procura a Antropologia captar e transmitir o modo de vida dos
povos que estuda em todos os aspectos possíveis.
Desta maneira a Antropologia tem como objetivo conhecer o ser humano
em sua totalidade, tanto em seu aspecto biológico (através dos estudos da evolução
de nossa espécie), quanto cultural (investigando seu comportamento, vida social e
produção cultural). De acordo com Marconi e Presotto (2001) em nenhuma outra
disciplina científica encontraríamos uma investigação tão sistemática e unificada
das manifestações e atividades humanas.
Enquanto Ciência da Humanidade e da Cultura, a Antropologia apresenta
um enorme campo de investigação, abrangendo todo o planeta habitado e na
dimensão temporal, pelo menos há dois milhões de anos (quando surgiram os
primatas que acabaram evoluindo no ser humano moderno), procurando cobrir
ainda todas as sociedades de que se tem registro (MARCONI; PRESOTTO, 2001).
A distribuição da humanidade através do tempo.
8
FIGURA 5 – MAPA MOSTRANDO A DISTRIBUIÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DO SER HUMANO
FONTE: Disponível em: <http://www.conevyt.org.mx/cursos/cursos/cnaturales_v2/interface/
main/recursos/antologia/imagenes/cnant_1_1_1.jpg>. Acesso em: 9 abr. 2015.
Prezado(a) acadêmico(a), certamente, pelo que dissemos até agora, você
já deve intuir que a Antropologia é um discurso humano (literário, científico e
filosófico, simultaneamente) acerca de tudo o que diz respeito à experiência
humana, e sua singularidade. Contribui assim a Antropologia para a compreensão
teórica do que é ser humano, em todos os sentidos e dimensões que dizem respeito
à humanidade, em si e para si, a partir de si mesma, de seu logos, sua razão
autorreflexiva.
E a Antropologia faz isso à sua própria maneira, com seus métodos e teorias
produzidas e utilizadas neste campo da ciência, que lhe dão uma exclusividade
legitimadora diante do conhecimento humano. Procuraremos esclarecer neste
caderno, ao máximo a você aluno(a) da UNIASSELVI, com o intuito de ajudá-lo(a) a
refletir criticamente a respeito da experiência humana, notadamente a experiência
religiosa.
O êxtase religioso, experiência humana do divino.
9
FIGURA 6 – XAMÃ, VESTINDO MÁSCARA, EM TRANSE DURANTE
RITO DE SUA CULTURA
FONTE: Disponível em: <http://www.xamanismo.com.br/twiki/pub/
Universo/SubUniverso1191191114It010/te.jpg>. Acesso em: 10 abr. 2015.
3 A ANTROPOLOGIA NA PRÁTICA
Mas seria só isso? A Antropologia limitar-se-ia a ser mais uma teoria (com
sua especificidade, bem verdade) em meio a outras que procuram dar conta do que
somos nós?
Sendo a Ciência do ser humano e da cultura por excelência (MARCONI;
PRESOTTO, 2001), a Antropologia conjuga ao aspecto teórico, também a dimensão
prática. Ela nos ajuda não só a pensarmos acerca de nós mesmos, mas igualmente
nos auxilia em efetivarmos mudanças para melhor em nossa vivência no mundo e
darmos conta, de maneira mais eficaz, das questões que nos são próprias.
Se os teóricos puros em Antropologia buscam atingir aquele conhecimento
total (ou idealmente total) do ser humano, que resulte em uma compreensão mais
apurada da humanidade, o fazem com o intuito de levar este saber a aplicações
práticas que tragam benefícios efetivos para as diferentes populações humanas
com as quais trabalham.
Os antropólogos estão conscientes e zelam para que a aplicabilidade do
conhecimento que produzem seja pautada por determinados princípios que são
imprescindíveis e indissociáveis de um exercício ético da profissão. É importante
que você, nosso(a) aluno(a), conheça que princípios são estes.
10
O mais importante é o respeito à diversidade cultural e aos diferentes valores
que cada cultura apresenta. Dentro desta perspectiva, a ação do antropólogo e a
aplicação de seu saber deve conduzir-se pelo reconhecimento da autonomia dos
grupos humanos e o direito destes à autodeterminação.
Todos os povos têm de ter reconhecido e garantido o direito de produzirem
sua própria cultura, tê-la para si e mudá-la a partir de sua própria dinâmica e lógica
interna. Os membros das diferentes culturas têm o direito de ter suas crenças,
hábitos, costumes e ideologias próprios, que lhes conferem suas identidades.
A partir desta perspectiva os conhecimentos antropológicos podem e
devem ser aplicados de maneira prática, visando o bem-estar das populações.
Desta forma, a Antropologia aplicada teria os seguintes papéis (MARCONI;
PRESOTTO, 2001):
a) Contribuir para a solução de problemas causados em função da diversidade
cultural, minimizando conflitos resultantes de desequilíbrios e tensões que
se originam nas diferenças culturais, procurando garantir o respeito às
especificidades culturais.
b) Colocar o conhecimento antropológico a serviço da solução de problemas de
fundo social, político e econômico dos diferentes povos.
FIGURA 7 – REPRESENTAÇÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL DO BRASIL POR REGIÕES
FONTE: Disponível em: <http://www.infojovem.org.br/wp-content/
uploads/2009/06/Diversidade-Brasileira1.bmp>. Acesso em: 10 abr. 2015.
11
Efetivamente a Antropologia tem contribuído para a solução de problemas
e desafios colocados pelo colonialismo, advogando pelos direitos dos povos
nativos e zelando pela preservação cultural destas populações.
O conhecimento antropológico tem ajudado na implantação de projetos
de desenvolvimento em diversas áreas (colonização de terras, reforma agrária,
fortalecimento comunitário e da economia local etc.) e ainda na promoção da
coexistência pacífica em nações multiculturais e na garantia de territórios de povos
indígenas e quilombolas.
A Antropologia igualmente tem dado sua contribuição às sociedades
complexas e industrializadas, não só ajudando-as a conviver de maneira justa e
equânime com outros povos, mas também procurando apresentar soluções à crise
colocada pelas relações sociais próprias das nações capitalistas.
FIGURA 8 – VISTA AÉREA DA COMUNIDADE DA ROCINHA, UMA DAS MAIORES FAVELAS DA
AMÉRICA LATINA, TENDO AO FUNDO O BAIRRO DE SÃO CONRADO, DE ALTO PODER AQUISITIVO
FONTE: Disponível em: <http://static.todamateria.com.br/upload/54/21/5421c7a093384-
desigualdade-social-no-brasil.jpg>. Acesso em: 10 abr. 2015.
Prezado(a) acadêmico(a), a esta altura de nosso Caderno de Estudos nós
esperamos que você já seja capaz de definir, a partir do que expusemos, o que
seja Antropologia. Vejamos agora, em nosso próximo tópico, as etapas do fazer
antropológico e as principais áreas deste saber.
12
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste Tópico nós vimos o escopo da Antropologia, no que consiste e do
que se ocupa, caracterizando-a enquanto um discurso racional e sistemático acerca
de nós mesmos, na nossa especificidade enquanto seres vivos.
Também contemplamos a Antropologia sob a ótica científica, localizando-a
neste campo do conhecimento e caracterizando-a enquanto Ciência Humana, na
área das Ciências Sociais.
Igualmente nos ocupamos em especificar as atividades desenvolvidas pelos
antropólogos, explanando a utilidade prática do conhecimento antropológico e
como vem sendo empregado em nosso país.
13
AUTOATIVIDADE
Responda às seguintes perguntas:
1 O que é Antropologia?
2 O que foi preciso superar, e quando isto se deu, para que a Antropologia
tivesse gênese?
3 Como a Antropologia se coloca enquanto Ciência Social?
4 Cite uma das aplicações práticas do conhecimento antropológico.
14
UNIDADE 1
TÓPICO 2
ETNOGRAFIA, ETNOLOGIA, ANTROPOLOGIA
CULTURAL E ANTROPOLOGIA SOCIAL
1 INTRODUÇÃO
Prezado(a) acadêmico(a), neste segundo tópico de nosso Caderno de
Estudos veremos as diferentes etapas do fazer antropológico, a saber, a etnografia
e a etnologia, e os dois principais campos da Antropologia, ou seja, aqueles que
investigam os domínios cultural e social de nossa espécie.
Aqui cabe um esclarecimento: a exemplo de Lévi-Strauss (1967 apud
MARCONI; PRESOTTO, 2001), consideraremos a etnografia e a etnologia como
etapas distintas da construção da Antropologia enquanto ciência.
Dizemos isso por que outros autores (ver GOMES, 2013, p. 63) consideram
a etnografia e a etnologia como ramos da ciência da cultura, enquanto que alguns
antropólogos têm a etnografia e a etnologia como métodos procedimentais da
disciplina Antropologia.
2 ETNOGRAFIA
Afinal, o que seria Etnografia? Vejamos a origem etimológica da palavra
para tentar entendê-la. Etnografia vem do grego έθνος,  ethno  - nação, povo
e γράφειν, graphein – escrever. Literalmente “etnografia” tem o sentido de “escrever
sobre os povos” (HOEBEL; FROST, 2006, p. 8).
15
FIGURA 9 – O ETNÓGRAFO E ANTROPÓLOGO BRASILEIRO ROQUETTE-PINTO
EM CAMPO
FONTE: Disponível em: <http://www.fm94.rj.gov.br/application/assets/img/img_
historico_02.jpg>. Acesso em: 10 abr. 2015.
Assim, etnografia seria a maneira pela qual a Antropologia coletaria os
dados de que lança mão em suas especulações, sendo resultado do contato entre
a subjetividade do antropólogo e aquela dos membros das culturas que estuda.
Podemos, desta maneira, afirmar que a etnografia consiste em um “estudo
descritivo das sociedades humanas” (HOEBEL; FROST, 2006, p. 8-9).
Aqui cabe destacar que as primeiras etnografias não foram feitas por
antropólogos, de fato, muito antes da constituição da Antropologia enquanto
Ciência já tínhamos descrições de outros povos feitas por pensadores de diferentes
culturas.
Em seus primórdios, mesmo a Antropologia trabalhava com relatos
acerca de populações nativas feitos por exploradores, missionários, funcionários
administrativos, viajantes, comerciantes, soldados e demais indivíduos que
tiveram contato com povos distintos e os descreveram. Somente a partir do final do
século XIX que os antropólogos passaram a ir a campo e realizarem as descrições
dos povos por eles investigados.
16
FIGURA 10 – O ANTROPÓLOGO MALINOWSKI RECOLHENDO INFORMAÇÃO
ACERCA DOS TROBIANDESES ENTRE ESTES
FONTE: Disponível em: <http://conceito.de/wp-content/uploads/2011/11/
etnografia-238x171.jpg>. Acesso em: 10 abr. 2015.
Presentemente grande parte das etnografias são realizadas por
antropólogos que passaram por treinamento nas diferentes técnicas antropológicas
contemporâneas de coleta de dados e registro de culturas distintas, técnicas que
implicam o convívio empático e participativo junto aos povos por eles estudados
(HOEBEL; FROST, 2006).
De fato, uma das grandes “provas iniciáticas” da Antropologia está em
realizar a etnografia da cultura acerca da qual o antropólogo pretende refletir.
Idealmente todo antropólogo deveria iniciar sua carreira produzindo uma descrição
etnográfica de algum povo, cultura, ou grupo social, alvo de suas pesquisas.
Embora tenha um caráter prático, a etnografia não é livre da influência das
teorias produzidas em Antropologia, uma vez que toda etnografia é informada por
certo referencial teórico que lhe dá uma estrutura e enfoque próprio, muito embora
as descrições etnográficas não se ocupem de problemas teóricos, nem formulem
hipóteses ou teses acerca dos fenômenos sociais e culturais que descreve.
17
FIGURA 11 – O ETNÓGRAFO DE ORIGEM ALEMÃ CURT NIMUENDAJÚ (AO CENTRO
DA IMAGEM, SENTADO) RECOLHENDO DADOS EM CAMPO
FONTE: Disponível em: <https://encrypted-tbn3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9Gc
SiKdqwjr7QXaPzwkTE2-4WQRBL0BrX4Xd3fM4TjzV6Q4-eCYD5>. Acesso em: 10 abr.
2015.
Vemos assim que etnografia originalmente designa a descrição e o estudo de
uma determinada cultura ou povo, sendo, de preferência, sistemática e abrangente,
contemplando todos os aspectos, da religião à economia, dos povos que investiga
(GOMES, 2013), sendo um documento que é a base empírica da legitimação da
Antropologia enquanto ciência.
Lévi-Strauss (1967, p. 14 apud MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 27) diz que
a etnografia:
consiste na observação e análise de grupos humanos considerados em
sua particularidade (frequentemente escolhidos, por razões teóricas
e práticas, mas que não se prendem de modo algum à natureza da
pesquisa, entre aqueles que mais diferem do nosso), e visando à
reconstituição, tão fiel quanto possível, da vida de cada um deles.
Assim o etnógrafo seria aquele especialista no conhecimento “exaustivo” da
cultura dos povos que investiga, realizando a observação, descrição, reconstituição
e análise de diferentes populações nativas, coletando material de forma abrangente
acerca de todos os aspectos culturais possíveis de serem observados e descritos por
ele para a compreensão dos povos pesquisados (MARCONI; PRESOTTO, 2001).
18
FIGURA 12 – O ANTROPÓLOGO FRANCÊS LÉVI-STRAUSS FAZENDO ETNOGRAFIA ENTRE OS
NAMBIKWARA, GRUPO INDÍGENA BRASILEIRO DO MATO GROSSO E RONDÔNIA
FONTE: Disponível em: <http://www.cella.com.br/blog/wp-content/uploads/2009/11/claudep.
jpg>. Acesso em: 10 abr. 2015.
3 ETNOLOGIA
Prezado(a) acadêmico(a), agora você já deve estar ciente de que a etnografia,
isto é, a descrição científica de um determinado povo, grupo social ou cultura, é
a primeira etapa do fazer antropológico. Mas qual seria a etapa seguinte? Esta,
querido(a) estudante, seria a Etnologia. Mas o que ela vem a ser?
19
FIGURA 13 – CAPAS DE ALGUNS DOS PRIMEIROS ESTUDOS EM ETNOLOGIA PRODUZIDOS NO
BRASIL
FONTE: Capa 1 – Disponível em: <https://encrypted-tbn2.gstatic.com/
images?q=tbn:ANd9GcRHQ4GWj4z6oFIpQqbNGWvb0J2DJl86xUg0Mg4SG4eW1nJsijQb>.
Acesso em 10 abr. 2015.
Capa 2 – Disponível em: <https://encrypted-tbn3.gstatic.com/
images?q=tbn:ANd9GcTy06Owa3VScMMf_eP_06uj9udsufIxALLosJmAMGbHGIdVTrao>. Acesso
em: 10 abr. 2015.
Capa 3 – Disponível em: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRVjSuhDfz_
5OPRAXUT9wgzhuW-2QMpBELBqBWe9gRDlpV5wkZTBg>. Acesso em: 10 abr. 2015.
Dentro do ponto de vista que adotamos aqui podemos dizer que a etnologia
é a etapa seguinte da edificação do saber antropológico, após o levantamento
de dados e informações feitas na fase da etnografia. Seria, assim, a etnologia a
reflexão, ou estudo baseado nos fatos documentados no registro de uma cultura,
tendo em vista a apreciação analítica e sua comparação com dados semelhantes de
outras culturas.
Etnologia define-se também por seu método próprio, denominado por
Espina Barrio (2005, p. 37) como “método comparativo transcultural”, tendo por
base os dados empíricos levantados na etnografia, comparam-se as informações
particulares de cada povo com o intuito de inferir algo a respeito da humanidade.
Trata-se de, a partir de estudos aprofundados em uma determinada
população humana, de caráter empírico, revelar algo da humanidade em geral,
pela comparação entre os diferentes povos, remetendo então ao campo da teoria
acerca do ser humano.
Espina Barrio (2005, p. 21) chama a atenção para o fato de a etnologia ir além
das descrições das diferentes culturas, feitas pela etnografia, com o intuito de, pela
comparação entre as diversas etnografias, “analisar as constantes variáveis que se
dão entre as sociedades humanas, e estabelecer generalizações e reconstruções da
história cultural”.
20
Etnologia, desta forma, apresenta-se como o estudo dos diferentes povos,
como a palavra, de origem grega, revela: éthnos, povo; logos, estudo. Mas, como
já dissemos em relação à etnografia, foi somente a partir do Iluminismo que se
estabeleceu um estudo de cunho verdadeiramente científico da humanidade, a
partir da comparação entre os povos. Embora já na antiguidade clássica alguns
autores comparassem os costumes das diferentes populações humanas de seu
tempo, somente com a ideia de unidade da espécie humana constitui-se a ciência
da Antropologia.
De fato, a primeiro emprego moderno do termo etnologia é do final do
século XVIII, o chamado século das luzes, e foi de Kóllar, jurista e etnólogo na
corte do império Austro-Húngaro. Este autor definia etnologia como: "a ciência
das nações e povos, ou, o estudo dos eruditos no qual investigam nas origens,
línguas, costumes e instituições das várias nações, e finalmente, na pátria e antigas
sedes para poder julgar melhor as nações e povos de seus próprios tempos".
(FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Etnologia>. Acesso em: 14 abr. 2015).
Definição que deixa claro as bases científicas da prática etnológica, fundada
em dados empíricos, na comparação e na concepção de uma humanidade única.
Na figura abaixo, o autor Adam František Kollár de Keresztén.
FIGURA 14 – KÓLLAR AUTOR QUE CUNHOU E DEFINIU O TERMO
“ETNOLOGIA”
FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/
thumb/9/93/AFKollar_1779.jpg/220px-AFKollar_1779.jpg>. Acesso em: 14
abr. 2015.
21
Enquanto etapa do fazer antropológico, a etnologia insere-se no campo da
ciência da cultura, consistindo em, a partir de dados coletados e registrados em uma
etnografia, comparar as informações concernentes a diversas culturas e analisá-
los e interpretá-los, tendo em vista as semelhanças e diferenças apresentadas, na
tentativa de compreender o ser humano em suas inter-relações e relações com o
meio ambiente. Procura igualmente o etnólogo ver e analisar o ser humano, tanto
enquanto indivíduo, quanto como membro de uma determinada sociedade ou
cultura, ao mesmo tempo em que tenta revelar como operam e se modificam.
(MARCONI; PRESOTTO, 2001).
Para Gomes (2013) a etnologia teria um estatuto científico superior à
etnografia, consistindo em um “estudo comparativo de etnografias” estudo
este que facilitaria a reflexão mais aprofundada dos temas e traços comuns aos
povos comparados, lançando bases, desta maneira, a produção de teorias mais
amplas, de caráter antropológico. Este autor vê assim uma hierarquia entre os
termos etnografia-etnologia-antropologia, que ele diz ser amplamente aceita pelos
antropólogos.
A etnologia, análise científica dos povos, suas culturas e suas trajetórias,
enquanto tal, ao longo do tempo, supera a preocupação etnográfica buscando,
dentro da perspectiva da ciência, revelar e compreender as relações que as
diferentes populações estabelecem com o ambiente, natural e social, onde vivem,
bem como a relação dos seres humanos com os grupos dos quais fazem parte e das
culturas entre si e suas diferenças (HOEBEL; FROST, 2006).
As diferenças culturais e a unidade da espécie humana.
FIGURA 15 – REPRESENTAÇÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL E APELO À
CONSCIENTIZAÇÃO DA UNIDADE DA HUMANIDADE
FONTE: Disponível em: <http://www.numeroreal.com.br/cerp/wp-content/
uploads/2014/08/mafalda.jpg>. Acesso em: 14 abr. 2015.
22
Esperamos ter deixado claro a você, prezado(a) acadêmico(a), o que é
etnologia. A partir de agora veremos dois dos campos principais da Antropologia,
dois enfoques distintos desta ciência, que representam duas tradições diferentes
da mesma, a saber: a Antropologia Cultural e a Antropologia Social.
4 ANTROPOLOGIA CULTURAL
A princípio, dentro da tradição norte-americana, a Antropologia divide-se
em quatro grandes áreas de investigação, a saber:
a) A Antropologia Física ou Biológica, que estuda o ser humano em suas
características biológicas, procurando determinar a origem e evolução de nossa
espécie (a partir do achado de fósseis de hominídeos e pré-hominídeos), sua
anatomia, fisiologia e características fenológicas, tanto em populações humanas
atuais, quanto nas antigas.
FIGURA 16 – ANTROPÓLOGO FÍSICO EXAMINA RESTOS DE OSSADAS HUMANAS NA
ESPANHA
FONTE: Disponível em: <http://www.aranzadi.eus/wp-content/files_mf/cache/
th_60b5cebbfabcc6be45f901c4d7a49537_13343220711333653419_849770_1333654437_
sumario_grande.jpg>. Acesso em: 14 abr. 2015.
b) A Arqueologia, que investiga a evolução das sociedades humanas ao longo da
história, focando exclusivamente naquelas extintas e sem escrita, e tendo por
base os vestígios arqueológicos, isto é, os objetos, utensílios, pinturas, restos
de habitações e demais sinais da ocupação humana de um determinado local,
revelados por escavações sistemáticas e de acordo com a metodologia desta
ciência, tentando reconstruir nosso passado.
23
FIGURA 17 – ARQUEÓLOGOS ESCAVANDO ANTIGO SÍTIO DE OCUPAÇÃO HUMANA
FONTE: Disponível em: <http://www.abrhestagios.com.br/img/
noticia/0959415001411151811arqueologia-a.jpg>. Acesso em: 22 maio 2015.
c) A Linguística, que se ocupa das línguas humanas, no que diz respeito à sua
estrutura interna, suas conexões, história, dinâmica de mudança e, notadamente,
o significado que estas conferem à cultura e à expressão do ser humano em uma
dada sociedade, dentro da perspectiva que é a língua o meio privilegiado pelo
qual nossa espécie apreende o mundo e lhe dá sentido.
FIGURA 18 – CHARGE DEMONSTRANDO A VARIEDADE LINGUÍSTICA E CULTURAL
BRASILEIRA
FONTE: Disponível em: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/
images?q=tbn:ANd9GcSXDNEDRYWWPBQ52l8_B6280yzRR0lB5DMM74epL-HyISz-
XcyRBg>. Acesso em: 14 abr. 2015.
24
d) Por fim a Antropologia Cultural, na qual nos aprofundaremos a seguir.
É possível, prezado(a) acadêmico(a), que você tenha visto em outros livros
de Antropologia uma divisão diferente da que aqui apresentamos. Isto é natural,
uma vez que estas divisões refletem visões e tradições diferentes da disciplina.
Nenhuma está mais correta que a outra, mas todas ajudam a sistematizar o campo
e ilustrar o imenso escopo da Antropologia, que, como você já deve ter percebido,
procura dar conta da totalidade da experiência humana.
A Antropologia Cultural igualmente pode ser definida de diversas
maneiras e, conforme a tradição na qual se insere o autor que dela trata, pode
abarcar diferentes aspectos da realidade que procura elucidar.
Espina Barrio (2005, p. 19) define Antropologia Cultural como “... o estudo e
descrição dos comportamentos aprendidos que caracterizam os diferentes grupos
humanos”. Este autor prossegue informando que o ofício do antropólogo cultural
consiste em investigar os feitos e obras materiais e sociais criados por nossa espécie
ao longo de sua história e que nos possibilitou nos relacionarmos entre nós nas
diversas sociedades e a se apropriar e transformar o meio ambiente de maneira a
garantir nossa sobrevivência.
Para Marconi e Presotto (2001) a Antropologia Cultural apresentaria o
maior e mais abrangente campo da ciência antropológica. Comportaria, na visão
das autoras, o estudo do ser humano enquanto ser cultural, isto é, produtor de
cultura.
TUROS
ESTUDOS FU
Mais adiante nos deteremos mais aprofundadamente no conceito de cultura
dentro da perspectiva antropológica.
O antropólogo cultural investigaria as diferentes culturas humanas, ao
longo do tempo e em todo o espaço ocupado por nossa espécie, levantando a
origem e desenvolvimento destas, suas semelhanças e diferenças. Seu interesse
primordial está em conhecer o comportamento humano em sua dimensão cultural,
ou seja, as formas pelas quais nós agimos em função da cultura da qual fazemos
parte.
Este aspecto da pesquisa das maneiras pelas quais se apresenta o
comportamento humano também é destacado por Hoebel e Frost (2006, p. 7) em
relação à Antropologia Cultural: “... trata das características do comportamento
civilizado nas sociedades humanas passadas, presentes e futuras.”
25
Podemos ver que a Antropologia Cultural foca preferencialmente na
pesquisa acerca do desenvolvimento das sociedades humanas no mundo, ao longo
de toda sua história. Ela investiga os comportamentos apresentados pelos diferentes
grupos humanos, pesquisando, entre outros temas, os costumes, hábitos, práticas
e convenções de origens sociais e culturais, o surgimento e desenvolvimento das
diferentes instituições que apresentamos, como a família, a religião e outros, bem
como a evolução das diferentes técnicas que nossa espécie desenvolveu para lidar
com o mundo natural e prover nossas necessidades.
A cultura determina nosso comportamento.
FIGURA 19 – MULHERES GANESAS PARTICIPANDO DE RITO DE SUA CULTURA
FONTE: Disponível em: <http://cdn5.yorokobu.es/wp-content/uploads/1ghana.jpeg>. Acesso em:
17 abr. 2015.
De uma maneira geral a Antropologia Cultural está mais ligada à tradição
norte-americana da ciência antropológica. Mais adiante neste caderno iremos ver
como a gênese e o desenvolvimento da Antropologia nos E. U. A. ficou marcada
pelo conceito de cultura, cujo papel fundamental na reflexão antropológica norte-
americana pode ser visto ao longo da história da antropologia neste país nas
diversas escolas da disciplina que lá floresceram.
Na imagem a seguir, Franz Boas, fundador da Antropologia norte-
americana.
26
FIGURA 20 – O ANTROPÓLOGO FRANZ BOAS DEMONSTRA UM RITO DO
POVO QUE ESTUDOU
FONTE: Disponível em: <https://encrypted-tbn1.gstatic.com/
images?q=tbn:ANd9GcT21zYLNgQ0v0_3K9eGBUwOpwmXm_11gZv_tN-
65bv9JsopZ2PH>. Acesso em: 18 abr. 2015
Já a Antropologia Social está indelevelmente ligada à tradição britânica da
Antropologia, mas no que consiste esta última?
5 ANTROPOLOGIA SOCIAL
Para Espina Barrio (2005) a Antropologia Social se ocuparia de problemas
relativos à estrutura social, a saber: aqueles referentes às relações que os membros
de uma determinada sociedade estabelecem entre si, e com os de fora, e as diferentes
instituições sociais humanas, como a família, o parentesco, os diferentes grupos
sociais de caráter político e semelhantes, que determinam a forma e o conteúdo
destas relações.
Marconi e Presotto (2001) chamam a atenção para o fato de a Antropologia
Social focar seus estudos naqueles processos culturais e da estrutura social
manifestos na sociedade e nas instituições sociais.
Segundo estas autoras o ofício do antropólogo social centra-se na análise
das diferenças e semelhanças observáveis entre os diversos grupos humanos,
no que tange às maneiras pelas quais estes inculcam, regulam e normatizam as
relações sociais que os indivíduos estabelecem entre si, enquanto membros de
uma dada sociedade.
27
Neste sentido a Antropologia Social privilegia aqueles aspectos da vida
social que são relativos à família e ao parentesco e ainda ao domínio do econômico,
do político, do religioso e do jurídico, entendendo-os enquanto partes de um todo
articulado que os determina, a saber: a sociedade.
Desta forma (MAIR, 1972 apud MARCONI; PRESOTTO, 2001), caberia ao
antropólogo social fazer a observação das relações sociais entre os membros de
uma sociedade, em sua totalidade. Observando e estudando a sociedade como um
todo, a partir de suas diferentes instituições, o antropólogo social seria capaz de
chegar a determinar a estrutura e organização de dada sociedade.
Para Hoebel e Frost (2006) a principal característica da Antropologia Social
está em seu enfoque sincrônico e sua recusa à diacronia, isto é, a Antropologia
Social não se preocupa com a reconstituição histórica das instituições que
observa em uma dada sociedade, mas antes privilegia a comparação com outras
observáveis em outras sociedades. Para estes autores os antropólogos sociais são
especialistas nas relações sociais manifestas na família e no parentesco, bem como
nos diferentes grupos etários, na organização política e jurídica e nas atividades
econômicas, aquilo que eles denominam como estrutura social.
Religião, uma instituição social que estrutura a sociedade.
FIGURA 21 – RITO RELIGIOSO DOS INDÍGENAS DO NOROESTE AMAZÔNICO
FONTE: Disponível em: <http://img.socioambiental.org/d/260823-1/noroeste_43.jpg>. Acesso
em: 18 abr. 2015.
Prezado(a) acadêmico(a), esperamos que você já seja capaz de diferenciar
a Antropologia Cultural da Antropologia Social. Já deu para perceber que uma
privilegia a cultura e a outra a sociedade em seus estudos. Mas isto coloca um
problema, pois as diferenças entre “social” e “cultural”, como coloca Marconi e
Presotto (2001), não seriam tão substanciais assim. As diferenças estariam, não tanto
no conteúdo, mas antes nas tendências e enfoques teóricos, onde a Antropologia
Cultural se vincula à tradição norte-americana, enquanto que a Antropologia
Social à britânica da Antropologia.
28
Para Espina Barrio (2005) enquanto que a Antropologia norte-americana
foi mais influenciada pelo conceito de cultura, na Antropologia britânica teve mais
peso o conceito de sociedade. Se os antropólogos norte-americanos estavam mais
preocupados com os valores dos povos que estudavam, seus colegas britânicos
privilegiavam as “vinculações concretas”, isto é, as relações sociais, que os
constituíam.
Radcliffe-Brown, antropólogo britânico seminal que influenciou todas as
gerações seguintes de antropólogos na Grã-Bretanha.
FIGURA 22 – CHARGE DE RADCLIFFE-BROWN OBSERVANDO NATIVOS
AFRICANOS
FONTE: Disponível em: <http://www.visindavefur.is/myndir/radcliffe_
brown2_210203.jpg>. Acesso em: 18 abr. 2015.
Prezado(a) acadêmico(a), esperamos que esta leitura do segundo tópico de
nosso Caderno de Estudos tenha-lhe sido proveitosa, proporcionando-lhe aquele
conhecimento básico que o(a) guiará daqui para frente na busca do conhecimento
antropológico e despertando sua curiosidade.
Chegou a hora de nos aprofundarmos na investigação daqueles conceitos
fundamentais da disciplina que orientam o olhar e o interesse, a saber: os
conceitos de cultura, etnocentrismo e relativismo cultural, que faremos em nosso
próximo tópico.
29
FIGURA 23 – CHARGE REPRESENTANDO AS DIFERENTES RELIGIÕES PRESENTES EM NOSSO
PAÍS E O ARTIGO DA CONSTITUIÇÃO QUE GARANTE A LIBERDADE RELIGIOSA NO BRASIL
FONTE: Disponível em: <http://tocantinsembrasilia.com.br/wp-content/uploads/2014/01/
diversidade-religiosa-740x600.jpg>. Acesso em: 18 abr. 2015.
30
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico vimos o que é etnografia, caracterizando-a enquanto registro
total e pormenorizado de um determinado povo, procurando descrever todos os
aspectos da vida social e da sua cultura.
Também contemplamos neste tópico o que é etnologia, definindo-a
enquanto estudo comparativo dos diferentes povos, a partir das etnografias
disponíveis, procurando destacar as semelhanças e diferenças, de maneira a
esclarecer a especificidade da experiência humana no mundo.
Igualmente nos ocupamos em discorrer acerca da Antropologia Cultural
e da Antropologia Social, associando a primeira aos estudos acerca das diferentes
culturas, em suas expressões próprias e em sua influência nos diferentes domínios
da ação e reflexão humanas, e a segunda as investigações que dizem respeito às
instituições sociais e a estrutura da sociedade, a partir das relações sociais presentes
nos diversos grupos humanos organizados.
31
AUTOATIVIDADE
Responda às seguintes perguntas:
1 Quais são as características que fazem de um relato acerca de um determinado
povo uma etnografia?
2 Qual a base sobre a qual se dá a reflexão etnológica e no que consiste?
3 Qual o foco privilegiado do olhar do antropólogo cultural?
4 O que procura determinar a Antropologia Social e a partir do que ela constrói
sua reflexão?
32
UNIDADE 1
TÓPICO 3
CULTURA, ETNOCENTRISMO E
RELATIVISMO CULTURAL
1 INTRODUÇÃO
Prezado(a) acadêmico(a), já falamos anteriormente em cultura aqui neste
Caderno de Estudos, você certamente já ouviu esta palavra e deve ter uma ideia
do que seria isto. Mas será que o conceito antropológico de cultura corresponde ao
que o senso comum diz a respeito dela?
Todos nós já ouvimos falar de alguém que este seria “culto”, ou que
determinada pessoa não teria nenhuma cultura, ou ainda que a população de um
determinado bairro não tem acesso à cultura.
Será que o uso desta palavra nestes casos tem alguma correspondência
com a aplicação que o antropólogo faz dela?
FIGURA 24 – O SENSO COMUM TENDE A CONFUNDIR CULTURA COM AS MANIFESTAÇÕES
ARTÍSTICAS, QUE, PARA O ANTROPÓLOGO, SERIAM APENAS EXPRESSÕES DESTA
FONTE: Disponível em: <http://chrisgar.com.br/blog/wp-content/uploads/2014/10/mais-cultura-
logo.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2015.
33
Bom, será disto que trataremos aqui neste tópico, procurando esclarecer a
você, nosso(a) atento(a) e curioso(a) acadêmico(a), no que consiste a Cultura, de
acordo com o emprego científico deste léxico sob o ponto de vista da Antropologia.
Assim nós conceituaremos a palavra cultura de acordo com a visão
antropológica, caracterizando e vendo o alcance deste conceito para a compreensão
do ser humano sob a ótica desta ciência.
Igualmente trabalharemos outros conceitos correlatos que ajudam e
complementam o entendimento do que seja cultura para a Antropologia e que a
distinguem em sua compreensão própria do ser humano.
Dentro desta perspectiva analisaremos no que consiste o etnocentrismo,
uma característica universal de nossa espécie, e como a Antropologia desenvolveu,
e com que fim emprega, o conceito de relativismo cultural.
Desta forma nós travaremos contato com o campo semântico relacionado
ao conceito antropológico de cultura e o alcance teórico que tem para a disciplina,
bem como as limitações que ele lhe impôs ao longo de sua história.
2 CULTURA
Se nós antropólogos tivéssemos que nomear aquele que seria nosso
“conceito básico e central”, conforme afirmou Leslie A. White (In: KAHN, 1975, p.
129 apud MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 42), este seria, sem dúvida alguma, o
conceito de cultura.
Como já mencionamos anteriormente, o senso comum difere da visão
científica da Antropologia em sua compreensão do que seja cultura. De um modo
geral as pessoas tendem a identificar cultura com o domínio do conhecimento
acerca dos diferentes campos artístico e intelectual que se adquire pela instrução,
desta forma alguém pode ser “culto” ou “inculto” na visão popular.
Isto é algo que não se coaduna com a visão antropológica, que não emprega
o termo com este sentido e nem faz juízo de valor em relação às diferentes
culturas. Para a Antropologia todo o povo possui cultura, nenhuma cultura é
qualitativamente superior à outra, nem pode alguém ser destituído de cultura. De
fato, é a cultura que nos faz humanos, sendo ela uma característica distintiva de
nossa espécie.
No sentido antropológico, cultura (ver MARCONI; PRESOTTO, 2001, p.
42) tem um significado mais amplo, designando o termo as maneiras pelas quais
as pessoas orientam seu comportamento e suas crenças e que são aprendidos e
transmitidos através da vida social no seio de um determinado grupo humano ou
sociedade.
34
Ora, você, querido(a) acadêmico(a), já deve, pelo exposto, ter intuído a
importância que o conceito antropológico de cultura tem para a Antropologia e
que, portanto, se desenvolveu junto com ela.
De fato, isto se deu, ao longo de sua história a Antropologia vem elaborando
e reelaborando o conceito de cultura, a partir das diferentes perspectivas teóricas
que a disciplina desenvolveu para a compreensão do fenômeno humano.
O relativamente longo período em que a Antropologia floresceu e se
desenvolveu a possibilitou refinar, aprimorar e adaptar o conceito de cultura às
necessidades explicativas da disciplina, conforme as teorias que nasceram neste
campo de reflexão e aos problemas relativos ao ser humano sobre os quais ela se
deteve.
Então, conforme o período histórico e a orientação teórica do antropólogo,
o conceito de cultura adquire diferentes feições, sem deixar, entretanto, sua
centralidade e certas características que acompanham sua evolução.
De uma maneira geral têm os antropólogos compreendido cultura
enquanto comportamento adquirido, enquanto abstração do comportamento,
enquanto ideias, enquanto objetos imateriais, materiais ou ambos (MARCONI;
PRESOTTO, 2001).
Inicialmente a definição de cultura foi aquela dada pelo antropólogo
britânico Edward B. Tylor, que assim se referia: “Cultura... é aquele todo complexo
que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os
outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade.”
FIGURA 25 – O ANTROPÓLOGO EDWARD B. TYLOR, O PRIMEIRO
A CONCEITUAR DE MANEIRA CIENTÍFICA CULTURA
FONTE: Disponível em: <https://encrypted-tbn1.gstatic.com/
images?q=tbn:ANd9GcQirq3YE0KRRgeYBfY4Ezu0o264iDh34j5gRy
02S2IFFfPPZUIu8A>.Acesso em: 24 abr. 2015.
35
Seguindo Marconi e Presotto (2001) daremos aqui algumas definições de
cultura aventadas por diferentes antropólogos ao longo da história da Antropologia
que servem para ilustrar as mudanças que houve neste conceito e os diferentes
vieses teóricos que orientavam os pesquisadores.
Para Ralph Linton (apud MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 43) a cultura
consistiria “... na soma total de ideias, reações emocionais condicionadas a padrões
de comportamento habitual que seus membros adquirem por meio da instrução
ou imitação e de que todos, em maior ou menor grau, participam”. Desta forma,
em um sentido geral, para este autor a cultura representa “a herança social total
da humanidade”.
FIGURA 26 – O ANTROPÓLOGO AMERICANO RALPH LINTON
FONTE: Disponível em: <http://d.gr-assets.com/
authors/1358767843p5/69487.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2015.
Segundo Franz Boas (apud MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 43), cultura
seria “a totalidade das reações e atividades mentais e físicas que caracterizam o
comportamento dos indivíduos que compõem um grupo social”.
36
FIGURA 27 – O ANTROPÓLOGO DE ORIGEM ALEMÃ FRANZ BOAS EM CAMPO ENTRE OS INUIT,
VESTINDO ROUPA TÍPICA DESTE POVO
FONTE: Disponível em: <http://www.newstalk.com/content/000/images/000035/37889_60_
news_hub_multi_630x0.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2015.
De acordo com Malinowski (apud MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 43)
poderíamos conceituar cultura como “o todo global consistente de implementos e
bens de consumo, de cartas constitucionais para os vários agrupamentos sociais,
de ideias e ofícios humanos, de crenças e costumes”.
FIGURA 28 – O ANTROPÓLOGO DE ORIGEM POLONESA MALINOWSKI ENTRE OS
NATIVOS TROBIANDESES
FONTE: Disponível em: <http://www.tribalartbrokers.net/praisetribal/wp-content/
uploads/2013/05/804d19d75d6d31dca3c3f25430623a68.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2015.
37
Na visão de Kroeber e Kluckhohn (apud MARCONI; PRESOTTO, 2001, p.
43) cultura se considera como “uma abstração do comportamento concreto, mas
em si própria não é comportamento”.
FIGURA 29 – O ANTROPÓLOGO AMERICANO KROEBER, À ESQUERDA DA
FOTO, COM UM DE SEUS PRINCIPAIS INFORMANTES, O INDÍGENA ISHI
FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/
thumb/4/47/Ishi.jpg/250px-Ishi.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2015.
Definida por Leslie White cultura seria “quando coisas e acontecimentos
dependentes de simbolização são considerados e interpretados num contexto
extrassomático, isto é, face a relação que têm entre si, ao invés de com organismos
humanos”.
38
FIGURA 30 – O ANTROPÓLOGO NORTE-AMERICANO LESLIE WHITE
FONTE: Disponível em: <http://www.nndb.com/
people/327/000099030/leslie-a-white-1.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2015.
Uma definição mais recente seria aquela proposta por Clifford Geertz, onde
“cultura deve ser vista como um conjunto de mecanismos de controle – planos,
receitas, regras, instituições – para governar o comportamento”.
FIGURA 31 – O ANTROPÓLOGO ESTADUNIDENSE CLIFFORD GEERTZ
FONTE: Disponível em: <http://graphics8.nytimes.com/
images/2006/11/01/arts/01geertz.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2015.
39
Podemos ver, através destas definições dadas como exemplo, a variabilidade
do conceito antropológico de cultura ao longo da evolução da disciplina,
variabilidade esta que revela as transformações que se deram nos paradigmas da
Antropologia e que são sintomáticas das diversas escolas teóricas forjadas neste
campo de conhecimento.
Assim cultura é vista ora como ideias, ora como abstrações do
comportamento, ora como comportamento, ora como algo extra somático, ora
como os elementos materiais e imateriais do conhecimento humano e ainda como
um mecanismo de controle do comportamento (MARCONI; PRESOTTO, 2001).
Desta forma podemos ver que as definições de cultura refletem as diversas
abordagens da disciplina ao problema colocado pela existência humana. Esta
pode ser analisada a partir de diferentes enfoques, considerando-se a cultura
como o conjunto de ideias que apresentamos, relativa, portanto ao domínio do
conhecimento e da filosofia; as crenças que professamos, ligadas aos sistemas
religiosos e as superstições; os valores que nos guiam, dizendo respeito ao campo
da ideologia e da moral; as normas que seguimos, relacionadas aos costumes e as
leis; nossas atitudes, reveladoras dos nossos preconceitos e postura diante do outro;
os padrões de conduta usuais de nossa sociedade; a abstração do comportamento,
isto é, os símbolos expressivos para nós; as instituições sociais, como família e
sistema econômico; as técnicas, referente a nossa habilidade e arte e por fim os
artefatos que produzimos (MARCONI; PRESOTTO, 2001).
A cultura determina nossos comportamentos e crenças.
FIGURA 32 – RITO RELIGIOSO DOS POVOS XINGUANOS
Fonte: Disponível em: <http://www.thecities.com.br/miniaturas/Brasil/Cultura/A_Cultura_
Brasileira/4_1258980357.8385.jpg>. Acesso em: 24 abr. 2015.
40
Aqui, prezado(a) acadêmico(a), é preciso ter em mente que a cultura é
algo que nos distingue enquanto espécie e que ela mesma é fruto das pressões
evolutivas que nos forjaram. Ou seja, a cultura é algo próprio do ser humano, foi no
processo de nos tornarmos humanos, através das mutações genéticas que levaram
ao surgimento de nossa espécie, que nós desenvolvemos este extraordinário
mecanismo adaptativo que é a cultura. Entretanto, foi esta mesma cultura que nos
permitiu escapar dos determinismos biológicos.
Assim o ser humano voa sem ter asas, cruza os oceanos sem ter escamas
nem barbatanas, nada embaixo d´água sem ter guelras, mora no ártico sem ter
pelagem espessa e realiza uma série de atividades para as quais sua natureza
biológica não o preparou, mas cuja possibilidade se abriu a partir da cultura.
Para Hoebel e Frost (2006) a cultura consistiria em um sistema integrado
de padrões comportamentais aprendidos na vida social e que são típicos de uma
determinada formação social, não sendo, portanto, fruto de uma herança biológica.
Isto coloca a questão de a cultura ser, em sua essência, não instintiva, ou seja, as
diferentes expressões culturais não são inatas, mas totalmente arbitrárias, isto é,
fruto do engenho e do desejo humano. Muito embora a cultura seja comportamento
apreendido, ela é também, como dissemos antes, parte de nossa natureza, tanto
quanto o andar bípede e a postura ereta que nos distingue.
Entre nós seres humanos a cultura sobrepuja inteiramente os instintos, é
através do processo de socialização, no convívio com outros seres humanos, que
nós aprendemos como satisfazer nossas necessidades básicas e é a cultura que
determina a forma pela qual nós o faremos. Somente vivendo em sociedade que
podemos desenvolver as habilidades necessárias à nossa sobrevivência, através do
aprendizado de uma determinada cultura.
Vamos dar um exemplo para tentar clarificar este ponto para você
acadêmico(a) da UNIASSELVI.
Todos os seres vivos têm que se alimentar, esta é uma necessidade básica
inescapável, procurar alimento é instintivo em todas as espécies. Mas e entre
nós? Embora seja um imperativo da natureza ingerir alimentos, aquilo que
nós consideramos como um alimento próprio, as maneiras pelas quais nós os
ingerimos, quando, na companhia de quem, de que forma e outras tantas variáveis,
são aprendidas em sociedade pelo processo de endoculturação, isto é, através da
introjeção no indivíduo da cultura da qual ele faz parte.
Desta forma enquanto que em certos países asiáticos é perfeitamente
lícito e desejável comer carne de cachorro, nos países do ocidente este fato é
fortemente condenado pela cultura dos membros destas sociedades. Se em nosso
país jamais ingeriríamos carne de caracol, na França esta é uma iguaria apreciada.
Em determinados países africanos come-se com as mãos, enquanto que entre nós
faz-se o uso de talheres, já na China come-se com o auxílio de duas varetas. Se
entre nós comer sozinho é um ato normal, entre os Hüpda (povo indígena da
Amazônia) ingerir algum alimento sem a companhia, ou o oferecimento a outrem,
41
é uma ofensa grave. Nas grandes cidades é costume almoçar ao meio dia, já nos
seringais do Acre o almoço é uma refeição tomada por volta das 10 h da manhã.
Nenhum destes comportamentos é instintivo, mas antes determinado pela cultura
dos diferentes povos que os apresentam.
A cultura determina nossa alimentação, não os instintos.
FIGURA 33 – BANCA DE INSETOS VENDIDOS COMO ALIMENTO NA TAILÂNDIA
FONTE: Disponível em: <http://img.estadao.com.br/thumbs/910/resources/
jpg/8/8/1415931593288.jpg>. Acesso em: 28 abr. 2015.
Esperamos que sua compreensão de cultura por agora seja suficiente para
nós aprofundarmos alguns assuntos relacionados com este tema.
Um importante aspecto da cultura está em seu caráter simbólico, que
se transmite preferencialmente através da linguagem, o método propriamente
humano, não instintivo de transmitir ideias, emoções e desejos (HOEBEL; FROST,
2006, p. 19). Desta forma a cultura se expressa por meio de um conjunto de
símbolos significantes que dão conteúdo a cultura da qual fazemos parte e que são
aprendidos no processo de se adquirir a cultura de nosso grupo.
Nós seres humanos adquirimos a cultura da sociedade em que vivemos e
a compreensão dos símbolos que dão expressão a ela, através de um processo, já
mencionado aqui anteriormente, denominado de endoculturação. Mas no que ela
consiste?
42
FIGURA 34 – A CULTURA ADQUIRE-SE DURANTE A VIDA SOCIAL DO INDIVÍDUO. EM NOSSA
SOCIEDADE A ESCOLA É UM DOS ESPAÇOS PRIVILEGIADOS NESTE PROCESSO
FONTE: Disponível em: <http://www.pco.org.br/banco_arquivos/conoticias/imagens/19547.
jpg>. Acesso em: 28 abr. 2015.
Endoculturação consiste no processo que se dá desde a infância e por toda a
vida, nunca cessando, de aprendizado da cultura que fazemos parte e que estrutura
o condicionamento de nossa conduta, conferindo assim estabilidade aquela
cultura a qual pertencemos (MARCONI; PRESOTTO, 2001). É através do processo
de endoculturação que a sociedade controla os atos, atitudes e comportamentos de
seus membros, impedindo que ajamos de forma diferenciada em relação à nossa
cultura, mas antes de acordo com ela.
Todos nós adquirimos as crenças, o modo de vida, os valores e
comportamentos da cultura a qual pertencemos, mas não dominamos todos
os aspectos dela, uma vez que participamos diferentemente de nossa cultura,
conforme nossa faixa etária, classe social, educação recebida, grupos sociais dos
quais fazemos parte e trajetória de vida, entre outros condicionantes.
Desta forma embora faça parte de nossa cultura tocar violão, jogar
futebol ou fazer cálculos matemáticos, nem todos temos estas habilidades ou as
desenvolvemos plenamente. Entretanto, todos nós adquirimos ao longo da vida
certos conhecimentos básicos de nossa cultura que nos permite socializar com seus
diferentes membros.
Consistindo a cultura em normas comportamentais ou de costumes,
conforme Marconi e Presotto (2001), poderíamos classificar as normas em três
classes distintas, condicionadas pelo nível de participação dos indivíduos nestas.
43
Desta forma teríamos normas universais, especializadas, alternativas e aquelas
sujeitas à variabilidade individual.
Variando de uma sociedade a outra os padrões de conduta de uma
determinada cultura apresentam coerência e coesão para todos os membros da
sociedade no nível das normas universais desta cultura. Seriam aquelas normas
determinantes de ideias, costumes, reações emocionais e comportamentos que se
apresentam em comum para todos os membros daquela cultura. Nas sociedades
simples estas normas são predominantes e se expressam através da língua, dos
padrões morais dominantes e dos valores que orientam a vida social naquele
grupo. As normas culturais universais, isto é, comum a todos os membros de uma
determinada cultura, abarcam assim as tradições, os usos, as ideias, os costumes e
as práticas que são compartilhados igualmente por todos.
FIGURA 35 – O CUMPRIMENTO, UMA NORMA COMPARTILHADA POR TODOS
EM NOSSA CULTURA
FONTE: Disponível em: <https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:AN
d9GcSZtfJEdMkB0oiLxINrh3_00zOYoash-pL0ntshAgjc05VRbaGW>. Acesso em:
28 abr. 2015.
Já as normas especializadas consistiriam naquelas que são praticadas e
seguidas por um determinado grupo que compõe aquela sociedade. Estas normas
podem até ser aceitas e de conhecimento dos outros membros daquela cultura,
mas não são praticadas, em função deles não pertencerem a grupos específicos que
formam o tecido social. Estas normas condicionam padrões de comportamento
de um determinado segmento especializado daquela cultura, consistindo em
capacidades e conhecimentos interdependentes, de forma recíproca, associados
a partes distintas da sociedade. Seriam os conhecimentos técnicos diversos e as
diferentes habilidades necessárias ao funcionamento da sociedade apresentadas
por segmentos especializados desta, como o xamã, ou curandeiro, a liderança
política, ou, nas sociedades complexas, o médico, o engenheiro, ou o músico,
por exemplo. Este conjunto de conhecimentos e habilidades, embora não sejam
compartilhados por todos, são aceitos e conhecidos por toda a sociedade e
possibilita a esta desenvolver as atividades necessárias à sua manutenção. Assim
44
vemos que um indivíduo jamais poderá adquirir todos os elementos que fazem
parte de sua cultura, participando diferentemente destes conforme sua faixa etária,
gênero, profissão etc. (MARCONI; PRESOTTO, 2001).
FIGURA 36 – O SACERDOTE, UM PAPEL SOCIAL ESPECIALIZADO NAS DIFERENTES CULTURAS
FONTE: Disponível em: <http://i.ytimg.com/vi/4a86ZcQ3fhk/hqdefault.jpg>. Acesso em: 28
abr. 2015.
Existem igualmente certas normas ou padrões de cultura que não são
universais, nem restritos a grupos especializados, mas que antes se apresentam
como alternativas a todos os membros daquela sociedade em determinadas
situações onde elas se admitem. Estas alternativas variam e são sujeitas à livre
escolha do indivíduo consistindo naquele espaço de manobra dentro de uma
determinada cultura à expressão do indivíduo que dela faz parte. A cultura
fornece várias alternativas de conduta diante de certas situações, fica a critério do
indivíduo sua adesão a elas ou não. Quanto maior e mais complexa a sociedade,
maior as possiblidades alternativas que apresenta a seus membros. Poderíamos
exemplificar com a possibilidade, em nossa cultura, de aderirmos a uma dieta
vegetariana ou não.
45
Por fim todos nós apresentamos condutas e comportamentos que são frutos
de nossa vivência própria de nossa cultura e que são condicionados por nossa
trajetória individual, consistindo nas diferentes peculiaridades do indivíduo, em
nossas características pessoais, não sendo compartilhadas por outras pessoas de
nosso grupo.
Em uma determinada cultura os universais e as especialidades apresentam
maior estabilidade e constituem no núcleo da cultura (MARCONI; PRESOTTO,
2001) determinando a coesão e coerência desta através do equilíbrio entre estes dois
aspectos. Notamos, entretanto, que as alternativas comportamentais são de grande
importância para uma dada cultura, possibilitando sua renovação e transformação,
fazendo parte assim de sua dinâmica de maneira definitiva e determinante.
Um dos aspectos da cultura é no que consiste e que tem uma existência
espaço-temporal, localizando-se conforme sua qualidade. Vamos tentar tornar isto
mais claro para você, nosso(a) leitor(a).
Aqueles aspectos da cultura que consistem em conceitos, crenças, atitudes,
emoções, no imaginário, e semelhantes, têm uma localização intraorgânica, ou
seja, estão dentro do organismo humano.
Já os aspectos relacionais da cultura, as diferentes formas de interação que
apresentamos entre nós na vida social, localizam-se interorganicamente, ou seja,
entre os organismos humanos.
Por fim, as expressões materiais da cultura, os diferentes aparatos
tecnológicos que compõem esta, como machados, computadores etc., situam-se
fora dos organismos humanos, são localizados extraorganicamente, portanto.
Vimos até aqui que a cultura essencialmente consiste em ideias, abstrações
e comportamento. Vamos clarificar um pouco mais o que são estes do ponto de
vista antropológico.
Para Marconi e Presotto (2001, p. 46) as ideias que apresentamos seriam as
“... concepções mentais de coisas concretas ou abstratas, ou seja, toda a variedade de
conhecimentos e crenças teológicas, filosóficas, científicas, tecnológicas, históricas
etc.” Estas autoras dão como exemplo do campo de ideias as diferentes línguas
humanas, a arte as mitologias que são próprias de nossa espécie.
46
FIGURA 37 – NOSSAS IDEIAS, ASPECTO DESTACADO DE NOSSAS CULTURAS
FONTE: Disponível em: <http://www.labsdesign.com.br/images/slider/slide01.jpg>. Acesso em:
28 abr. 2015.
Já as abstrações que consistem na cultura seriam aqueles aspectos não
materiais, não observáveis e não palpáveis do domínio de nossa mente, lembrando
que a capacidade de abstrair é exclusiva de nossa espécie e componente distintivo
da cultura, que se expressa por meio de diferentes abstrações, que adquirem
significado e lhe dão sentido.
Por fim, um dos aspectos essenciais da cultura está nos comportamentos que
ela determina, entendidos aqui enquanto maneiras de agir, ou conjunto de reações
e atitudes comuns aos indivíduos em função de sua pertença a uma determinada
cultura, sendo, portanto, não instintivos, mas antes resultado da invenção social
e transmitidos e aprendidos através da linguagem e do aprendizado (MARCONI;
PRESOTTO, 2001).
Toda cultura pode ser classificada em diferentes aspectos, uma
classificação amplamente aceita desta seria aquela que a divide entre material,
imaterial, real e ideal.
A cultura material consiste em coisas materiais propriamente, ou seja, em bens
tangíveis (MARCONI; PRESOTTO, 2001), o que incluiria artefatos, instrumentos e
todos os demais objetos que têm em comum o fato de serem produto do engenho
humano, da criação humana e que refletem a tecnologia de uma dada sociedade.
A cultura material abrangeria igualmente as técnicas e realizações humanas que
decorrem das normas e costumes de uma determinada cultura.
47
FIGURA 38 – ALGUNS DOS ARTEFATOS CULTURAIS REPRESENTANTES DA
CULTURA NEOLÍTICA
FONTE: Disponível em: <http://www.zun.com.br/fotos/2012/05/machado-e-pedra..
jpg>. Acesso em: 28 abr. 2015.
Já a cultura imaterial abarca todos os elementos intangíveis da cultura,
ou seja, aqueles que não têm substância material, a saber: as crenças, os
conhecimentos, hábitos, aptidões, normas, valores e significados apresentados
por uma determinada cultura e que são compartilhados por seus membros e tidos
como verdadeiros e reais (embora sejam de fato arbitrários).
FIGURA 39 – ALGUNS DOS VALORES PREGADOS PELAS GRANDES RELIGIÕES
FONTE: Disponível em: <http://www.webquestfacil.com.br/pastas/1362/
Valores_humanos,_tesouro_da_humanidade.gif>. Acesso em: 28 abr. 2015.
48
A cultura classifica-se ainda como real e ideal, onde a cultura real seria
aquela efetivamente vivenciada por seus membros no cotidiano. A cultura real
seria a expressão na prática de uma determinada cultura, como ela se efetiva no
mundo, através das ações de seus membros, é a cultura no plano concreto.
Já a cultura ideal é a cultura tal como a mesma se apresenta no discurso
de seus membros, consistindo no conjunto de ações idealizadas por aqueles que
compõem uma dada cultura, revelando aqueles comportamentos tidos como bons,
desejáveis e perfeitos pelo grupo, mas que podem ou não serem efetivamente
praticados.
Embora o altruísmo seja valorizado por nossa cultura, muitas vezes nos
comportamos de maneira egoísta. Na foto uma mulher indiana compartilha o pão
com um morador de rua.
FIGURA 40 – CULTURA IDEAL
FONTE: Disponível em: <https://encrypted-tbn2.gstatic.com/
images?q=tbn:ANd9GcTpomYhie-UF0_L078Num5MFd5f-CP36PWF-
FlouLH7pXyHjLOl7A>. Acesso em: 28 abr. 2015.
Prezado(a) acadêmico(a), já dissemos aqui anteriormente que para os
membros de uma determinada cultura seus preceitos são tidos como reais e
verdadeiros e que a sua cultura parece ser superior às demais. Esta atitude é
universal, sendo uma característica própria de todos os grupos humanos. Tal
fato chamou a atenção da Antropologia que cunhou um termo para designar
este tipo de postura. Está na hora de nos aprofundarmos no que consiste o
etnocentrismo.
49
3 ETNOCENTRISMO
Hoebel e Frost (2006, p. 446) definem etnocentrismo como: “Visão das
coisas segundo a qual os valores e o modo de ser do próprio grupo são o centro de
tudo, e todas as outras são avaliadas e julgadas com referência a ela”.
Para Marconi e Presotto (2001) o etnocentrismo consistiria na atitude do
indivíduo de supervalorizar sua própria cultura contra todas as outras. Estas
autoras prosseguem dizendo que a atitude etnocêntrica tem como característica
o julgamento das outras culturas a partir da perspectiva da cultura da qual
o indivíduo faz parte. Em situações extremas o etnocentrismo pode levar ao
sentimento de superioridade e a hostilidade, e algumas vezes a agressão, àqueles
que são diferentes por pertencerem a outra cultura.
Entretanto, o etnocentrismo teria um papel positivo para o próprio grupo,
favorecendo o ajuste individual à cultura e a coesão social, por levar os membros
de uma determinada cultura a “considerar e aceitar o seu modo de vida como o
melhor, o mais saudável...” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 52-53).
Toda cultura tende a considerar seus valores, crenças, hábitos, práticas e
comportamentos como bons, justos e verdadeiros, e até mesmo naturais. Para os
membros de uma determinada cultura aquilo que eles acreditam e praticam é, não
só o que é certo, mas o que é natural. Desta forma as maneiras e jeitos dos outros
grupos são inferiores, imperfeitos e até antinaturais.
Etnocentrismo.
FIGURA 41 – PARA OS MEMBROS DE UMA RELIGIÃO AS OUTRAS PARECEM ABSURDAS
FONTE: Disponível em: <http://image.slidesharecdn.com/eletnocentrismoparapresentar-
140506110155-phpapp01/95/el-etnocentrismo-para-presentar-5-638.
jpg?cb=1399392170>. Acesso em: 29 abr. 2015.
50
Ora, mas como tem se posicionado a Antropologia face ao etnocentrismo?
Já vimos aqui que para os antropólogos não existe nenhuma cultura superior ou
melhor que outra. Esta perspectiva antropológica levou a disciplina a desenvolver
um conceito e uma postura metodológica que foi denominada de relativismo
cultural. Vamos ver o que é isto?
4 RELATIVISMO CULTURAL
Para Hoebel e Frost (2006) embora as culturas possam ter certas
características gerais em comum, elas sempre variarão em determinados pontos de
seus postulados básicos. De fato, as culturas diferem umas das outras em muitos
aspectos, e algumas vezes muito significativamente.
Sabemos que a humanidade é uma só, mas a variabilidade cultural é
imensa. Povos ocupando o mesmo habitat ecológico podem apresentar crenças e
comportamentos tão diversos entre si como aqueles de povos habitando regiões
muito distantes uma da outra.
Todas as culturas, entretanto, mostram-se suficientes para dar conta de
orientar seus membros em suas relações com o meio ambiente e com os outros
membros de sua e de outras sociedades, fornecendo um sistema coerente que
modela seu comportamento e as crenças, valores e ideologias que lhes dão
sustentação.
Sob este aspecto todas as culturas são iguais e devem ser igualmente
respeitadas e admiradas. Não que a cultura seja sempre coerente, funcional e
harmônica, mas sempre serve como normatizadora e mediadora dos conflitos que
por acaso apresente.
A Antropologia não discrimina entre as diferentes culturas, entendendo
todas como fundamentalmente iguais em seu papel adaptativo para nossa espécie.
A compreensão antropológica deste fato levou ao desenvolvimento do conceito de
relativismo cultural.
Segundo Hoebel e Frost (2006, p. 22), o relativismo cultural é consequência
direta do método comparativo em Antropologia. De acordo com estes autores:
“O conceito de relatividade cultural afirma que os padrões do certo e do errado
(valores) e dos usos e atividades (costumes) são relativos à cultura da qual
fazem parte”.
Uma consequência disto é que cada prática ou costume cultural é correto
e válido nos termos de sua própria cultura.
Para o antropólogo isto tem implicações tremendas, determinando neste
profissional uma postura firme no sentido de não exercer um juízo sobre a cultura
que estuda, mas antes que procure entender e ver o mundo de acordo com o povo
pesquisado, tendo empatia por ele (como decorrência da visão humanística inerente
ao relativismo), sem perder o rigor científico, entretanto (HOEBEL; FROST, 2006).
51
Hoebel e Frost (2006, p. 22) chegam a afirmar que sem renunciar ao
etnocentrismo e adotar o relativismo cultural ninguém pode vir a ser um
antropólogo, ou seja, alguém capaz de “... assumir o papel de observadores
objetivos e não de apologistas, condenadores ou convertedores”.
Para estes autores o relativismo cultural confere determinadas características
aos antropólogos: “sabem rir com o povo, não rir dele”, sendo necessário para a
prática da Antropologia um respeito real e profundo pelo ser humano, seja ele
quem for.
Para Marconi e Presotto (2001) o relativismo cultural fundamenta-se no
princípio de que os indivíduos são fruto dos condicionamentos culturais (que
determinam seu modo de vida próprio), apresentando estes assim valores e
identidades relativos à cultura a qual pertencem.
Desta forma suas crenças, costumes e práticas devem ser vistas sempre em
relação à cultura da qual fazem parte, como partes integradas de um sistema que
fornece o mapa para a ação e reflexão dos indivíduos ali endoculturados.
A postura relativista implica em considerar os padrões e os valores do que
seja certo ou errado, dos usos e costumes, das crenças e discursos, sempre em
relação à cultura na qual estão inseridas, e não a partir da cultura do observador.
Para Laraia (2004) toda cultura tem uma lógica própria e cada hábito
cultural apresenta coerência em relação ao sistema do qual faz parte. Devemos,
portanto, compreender cada cultura a partir de sua lógica interna.
Devemos compreender cada costume a partir da lógica da cultura onde se
apresenta. Para as muçulmanas usar o véu é um valor positivo de sua religião e
cultura.
FIGURA 42 – RELATIVISMO CULTURAL
FONTE: Disponível em: <http://www.smh.com.au/content/dam/images/1/5/h/t/5/
image.related.articleLeadwide.620x349.15hy0.png/1284915601000.jpg>. Acesso em:
30 abr. 2015.
52
Prezado(a) acadêmico(a), para tentar facilitar sua compreensão dos
conceitos de etnocentrismo e relativismo cultural, vamos dar um exemplo que
ilustra bem estes dois conceitos e que é fruto de nossa experiência como antropólogo
em campo.
Estivemos durante um ano e quatro meses vivendo entre um grupo nômade
coletor-caçador do noroeste amazônico, conhecidos na literatura antropológica
como Hüpda.
Neste período de nosso trabalho de campo tivemos a oportunidade de
presenciar inúmeros deslocamentos que os Hüpda realizaram dentro de seu
território, por motivos diversos.
Nestas ocasiões os homens Hüpda levavam consigo apenas seus arcos
e flechas, zarabatanas e demais armas de que dispunham, enquanto que as
mulheres carregavam todo o peso, os pertences, víveres, utensílios e demais bens
“carregáveis” do grupo, em cestos que portavam as costas.
Ao observar tal costume um desavisado poderia, a partir de uma atitude
etnocêntrica, julgar os homens Hüpda preguiçosos, por não carregarem peso, e
machistas, por fazerem suas mulheres carregarem o mesmo.
Mas um antropólogo treinado é capaz de observar este mesmo costume
com uma posição relativista, isto é, contextualizando o mesmo na cultura Hüpda,
para entendê-lo de acordo com a lógica desta.
Assim vai perceber que durante os deslocamentos na floresta equatorial
úmida, onde habitam, os Hüpda ficam expostos ao ataque de seus inimigos e
de predadores deste ambiente, fazendo todo sentido, de acordo com a cultura
Hüpda, que os homens viagem com as mãos livres, para que assim possam dispor
rapidamente de suas armas.
Desta forma um ato aparentemente machista em relação às mulheres, de
acordo com nossa cultura, revela-se um ato de cuidado e altruísmo em relação a
elas, de acordo com a cultura Hüpda.
53
FIGURA 43 – ÍNDIO HÜPDA PREPARA O IPADÚ DE ACORDO COM OS COSTUMES DE
SUA CULTURA
FONTE: Disponível em: <http://img.socioambiental.org/d/281930-4/maku_4.jpg?g2_
GALLERYSID=TMP_SESSION_ID_DI_NOISSES_PMT>. Acesso em: 4 maio 2015.
54
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico nós estudamos o conceito de cultura, vendo como ele é
central na Antropologia e como tem se modificado ao longo da história. Vimos
também como a cultura é um mecanismo adaptativo próprio de nossa espécie,
como determina nossas crenças, discursos, práticas, hábitos e comportamentos,
nos orientando em nossa vida social e em nossa relação com o meio ambiente.
Também discutimos o que é o etnocentrismo, vendo-o tanto pelo seu aspecto
positivo, de conferir coesão à sociedade e adesão do indivíduo, bem como pelo seu
lado negativo, a saber: de gerador de preconceito e hostilidade em relação àqueles
que apresentam uma cultura diferente. Capacitamo-nos ainda na compreensão
de que etnocentrismo consiste fundamentalmente em julgar as outras culturas a
partir dos valores e crenças de nossa própria cultura.
Igualmente foi alvo de nossa reflexão a questão do relativismo cultural, que
compreendemos aqui como a atitude metodológica própria da Antropologia, fruto
de seu método comparativo, de levar em conta as diferentes culturas a partir de
sua lógica interna, despindo o olhar antropológico dos preconceitos e valores do
observador, mas tornando-o capaz de iluminar a compreensão dos componentes
de uma cultura.
55
AUTOATIVIDADE
Responda às seguintes perguntas:
1 É correto afirmar que o determinismo biológico é inescapável?
2 Como chamamos a atitude de julgar as outras culturas a partir das crenças e
valores de nossa própria cultura?
3 Qual o conceito desenvolvido pela Antropologia, decorrência de seu método
comparativo, que permite ao antropólogo estudar um traço cultural a partir
da lógica interna da cultura do qual faz parte?
56
UNIDADE 1
TÓPICO 4
O TRABALHO DE CAMPO E A
OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
1 INTRODUÇÃO
Prezado(a) acadêmico(a), já vimos anteriormente como a Antropologia
se inscreve entre as Ciências Sociais, destacando-se em razão de sua abordagem
própria do fenômeno humano.
Se outros ramos do conhecimento apresentam o mesmo objeto da
Antropologia, a saber: o ser humano, é o saber antropológico que vai primar por
uma aproximação empírica deste.
De fato, a Antropologia adquire sua especificidade face às outras ciências
que tratam do ser humano, não só pelo recorte total que lhe dá, mas principalmente
por se valer da investigação empírica em seus estudos.
Se em seus primórdios a Antropologia lançava mão do relato de terceiros,
com sua evolução histórica enquanto disciplina científica a Antropologia passa a
fazer do trabalho de campo sua marca distintiva e verdadeira “prova de fogo” para
o exercício da profissão.
Atualmente o trabalho de campo não diminuiu de importância no estudo e
na prática da Antropologia, mas adquiriu novas dimensões, com o espaço virtual
e outras inovações tecnológicas no relacionamento humano.
O espaço virtual apresenta-se hoje como um novo espaço de interação
social, onde as pessoas podem interagir através de seus avatares.
57
FIGURA 44 – ESPAÇO VIRTUAL
FONTE: Disponível em: <https://encrypted-tbn1.gstatic.com/
images?q=tbn:ANd9GcQCjh0d0LCaxEzYNNJPUXGNGj6q1QUC9UvXK-_
SxaQhH8Sr-qyrMw>. Acesso em: 4 maio 2015.
Mas no que consiste, afinal, o trabalho de campo? Vamos descobrir juntos,
prezado(a) aluno(a)?
2 TRABALHO DE CAMPO
Para Gomes (2013) a pesquisa, ou trabalho, de campo consiste no
deslocamento até onde se encontra o objeto da pesquisa, para lá aplicarem-se as
diferentes técnicas e métodos de pesquisa próprias da Antropologia.
De acordo com Espina Barrio (2005, p. 37), o trabalho de campo implica
o contato prolongado e pessoal do antropólogo com o povo que estuda e deve se
orientar pela investigação das inter-relações sociais, com o mínimo de interferência
possível por parte do antropólogo, concentrando os esforços empíricos deste
numa parcela da humanidade e representando um verdadeiro rito de iniciação do
pesquisador.
Segundo este autor ainda o trabalho de campo ultrapassa a dimensão de
ser uma observação despida de preconceitos de uma comunidade estranha à do
observador, mas constitui-se igualmente em uma imersão essencial na maneira de
ser do grupo estudado.
Hoebel e Frost (2006, p. 5) chamam a atenção para o fato de o trabalho de
campo ser uma característica distintiva da Antropologia, sendo ocasião da obtenção
dos dados e teste das hipóteses desta disciplina. As Ciências Sociais assim têm
a oportunidade de, através do trabalho de campo realizado pelos antropólogos,
coletar informações por observação de situações existentes na prática, e não
aquelas idealizadas experimentalmente, como em outros ramos do conhecimento,
notadamente nas ciências exatas.
58
O trabalho de campo confere assim cientificidade à investigação
antropológica, através da observação empírica de seu objeto.
FIGURA 45 – O ANTROPÓLOGO BRASILEIRO DARCY RIBEIRO FAZENDO
TRABALHO DE CAMPO ENTRE UM GRUPO INDÍGENA DO BRASIL
FONTE: Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/
abril2007/fotosju354-on-line/12b.jpg>. Acesso em: 4 maio 2015.
Trabalho de campo consiste assim em uma etapa importante do fazer
antropológico, sendo uma verdadeira iniciação do profissional desta área na prática
característica de sua profissão, representando o momento de coleta empírica dos
dados com os quais o antropólogo irá trabalhar e implicando necessariamente o
contato profícuo com o povo alvo de sua investigação.
O trabalho de campo antropológico destaca-se, outrossim, pelo emprego
de uma técnica da disciplina igualmente importante no conferimento de
especificidade face a outras ciências humanas e que se convencionou chamar de
“observação participante”.
Mas no que ela consistiria exatamente, você saberia dizer, prezado(a)
acadêmico(a)?
O antropólogo deve procurar viver o maior número de aspectos possíveis
da cultura estudada. Aqui um antropólogo participa de rito religioso do povo que
investiga.
59
FIGURA 46 – OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
FONTE: Disponível em: <http://cec.vcn.bc.ca/rdi/images/elder03c.jpg>. Acesso em:
4 maio 2015.
3 OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
Para Marconi e Presotto (2001) seria através da observação participante que
o antropólogo teria a chance de viver entre o grupo estudado, podendo assim tomar
parte de suas conversas, ritos e atividades e observar o conjunto de manifestações
de caráter ideológico e material deste povo, bem como as maneiras pelas quais os
indivíduos da sociedade pesquisada reagem aos estímulos psicológicos e ainda os
mecanismos adaptativos e o sistema de valores de sua cultura.
Segundo estas autoras (MARCONI; PRESOTTO, 2001), a observação
participante implica na disponibilidade do antropólogo em permanecer em campo
durante largos períodos, ou o suficiente, pelo menos, para a compreensão da
cultura estudada.
Esta prática demandaria do pesquisador argúcia, objetividade e uma
atitude relativista quanto à cultura pesquisada. As técnicas associadas à observação
participante seriam o registro sistemático das atividades e práticas observadas,
tanto por meio do diário de campo do pesquisador, quanto de fichas, fotografias,
gravações, filmes e demais meios disponíveis.
Para Gomes (2013) a observação participante seria o método mais
associado à Antropologia e distinção desta entre as ciências humanas. Para este
autor malgrado o método de observação participante ser difícil de aplicar, seria de
grande importância para nossa disciplina e representaria a própria diferença entre
ser ou não antropólogo.
60
Segundo Gomes (2013, p. 53), observação participante consiste em “o
pesquisador buscar compreender a cultura pela vivência concreta nela, ou seja,
morar com os ‘nativos’, participar de seus cotidianos, comer suas comidas, se
alegrar em suas festas e sentir o drama de ser de outra cultura - tudo isso na medida
do possível.”
A ideia por detrás deste método, tão característico da Antropologia, está
em considerar que o estudo de uma determinada cultura é privilegiado (ou em
última análise, somente possível) através da imersão nesta mesma cultura. Assim,
não seria suficiente observar os fenômenos sociais e anotar os comentários dos que
deles participam, tampouco basta conhecer a produção documental e ideológica
da cultura pesquisada, é preciso, antes de tudo, vivenciá-la!
Fundamental para a vivência profícua e empática junto a outro povo
é o relativismo cultural, somente através dele pode o antropólogo pretender se
despir de seus preconceitos e adotar uma atitude objetiva que resulte em dados
proveitosos para a reflexão antropológica.
A observação participante demanda a contínua presença do antropólogo
junto a seus informantes, num contato próximo que exige confiança, reciprocidade e
compromisso por parte do pesquisador e que tem o potencial de gerar compreensão
solidariedade e expectativas entre ele e o povo estudado (GOMES, 2013).
Para a apreensão do sentido de uma cultura para seus membros é necessária
a interação da subjetividade do antropólogo com a de seus informantes, este
momento se dá na observação participante. Esta exige autoconhecimento por parte
do antropólogo e renova o mesmo através da pressão de viver em outra cultura.
Num primeiro momento a observação participante pode implicar um
desconforto em face da cultura observada que é chamado de “choque cultural”,
resultado das diferenças entre a cultura do antropólogo e àquela que ele estuda.
Parte da vivência do campo, esta fase é superada pelo treinamento antropológico
e pela postura relativista.
Para Gomes (2013) é imprescindível na observação participante o registro
dos fatos observados no cotidiano em um diário de campo, bem como a anotação
neste dos sentimentos suscitados no pesquisador por suas diversas interações
sociais junto ao grupo pesquisado. Junto com esta técnica deve-se também lançar
mão da fotografia, filmagens, gravações etc.
Podemos dizer que a observação participante forja o antropólogo,
iniciando-o em uma prática fundamental da disciplina e capacitando-o para
seu exercício, estando implicada nesta o fazer etnográfico e o olhar próprio da
Antropologia.
61
Para o antropólogo a observação participante fornece a convicção de que
não basta viver com um povo para compreendê-lo, mas é preciso viver como este
povo vive. É preciso estar entregue ao maior número de práticas culturais da
população estudada para poder-se chegar a uma compreensão desta cultura que
seja próxima à daqueles que dela fazem parte.
Através da observação participante que, mais do que se adquirir dados
de valor científico (por estarem livres do etnocentrismo), se estabelecem laços
humanos com a população estudada, laços estes que se mostrarão fundamentais
para a compreensão de sua cultura.
É preciso que o antropólogo esteja consciente de algumas implicações da
observação participante (VALLADARES, 2007), uma delas é o longo período de
tempo que a mesma demanda, uma vez que para se travar conhecimento e ter-se
compreensão do comportamento dos indivíduos e grupos é preciso observá-los
por um período considerável de tempo.
Outro aspecto a ser levado em conta é que geralmente chega-se no grupo sem
um conhecimento prévio deste e de suas relações internas, então parte da observação
participante é gasta somente em mapear-se o território social do grupo pesquisado.
Como a observação participante implica a interação pesquisador/
pesquisados a qualidade da informação recolhida pelo primeiro dependerá de seu
comportamento em relação aos segundos.
Em nenhum momento o antropólogo deve procurar negar sua identidade
de pesquisador durante a observação participante, mas antes assumi-la numa
postura honesta e sincera em face de seus pesquisados, ainda que procurando
participar de todas as formas na sua cultura.
Para facilitar a observação participante é preciso travar relações privilegiadas
com um membro do grupo estudado que tenha um bom trânsito entre este e
demonstre entendimento do trabalho do antropólogo, é o que se chama no jargão
da profissão de “informante-chave”.
Para realizar uma observação participante eficaz é preciso estar com os
sentidos aguçados e saber ouvir e escutar o povo pesquisado, aprendendo tanto
com os silêncios, quanto com suas falas.
Manter uma rotina de atividades cotidianas relacionadas com a pesquisa
e a investigação da cultura estudada é fundamental para uma observação
participante bem-sucedida, devendo a mesma estar conciliada com as ações diárias
da população observada.
As gafes, enganos e erros cometidos em relação à cultura estudada são
momentos importantes do aprendizado. A reprovação social é extremamente
representativa da cultura que a exerce, desta forma a observação participante deve
também se dar nestes momentos.
62
As amizades e laços feitos durante a observação participante acompanham
o antropólogo por toda a sua vida e acontecem concomitantemente à cobrança do
povo estudado dos resultados e benefícios resultantes da pesquisa realizada.
Na figura abaixo, o antropólogo Darcy Ribeiro vivendo entre os índios
Kadiwéu.
FIGURA 47 – O ANTROPÓLOGO FAZENDO OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
FONTE: Disponível em: <http://og.infg.com.br/in/2922952-f5b-e64/FT1500A/550/Darcy-Ribeiro-
com-indios-Kadiweu-Mato-Grosso-do-Sul-1947.-Foto-Berta-Ribeiro.jpg>. Acesso em: 6 maio 2015.
LEITURA COMPLEMENTAR
O QUE É ANTROPOLOGIA?
Antropologia é muitas vezes considerada uma coleção de fatos curiosos,
que fala sobre a aparência peculiar de povos exóticos e descreve seus estranhos
costumes e crenças. É encarada como uma divertida aventura, aparentemente sem
nenhuma preocupação com a conduta de vida das comunidades civilizadas.
Esta opinião é falsa. Mais do que isso, espero demonstrar que uma
compreensão clara dos princípios de antropologia ilumina os processos sociais do
nosso próprio tempo e podem mostrar-nos, se estivermos prontos para ouvir seus
ensinamentos, o que fazer e o que evitar.
Para provar minha tese devo explicar resumidamente o que os antropólogos
estão tentando fazer.
Pode parecer que o domínio da antropologia, a “ciência do homem”, está
preocupada com uma série de ciências. O antropólogo que estuda a forma corporal é
confrontado pelo anatomista que passou séculos em pesquisas sobre a forma bruta
e minuciosa da estrutura do corpo humano. O fisiologista e o psicólogo dedicam-
se a investigações sobre o funcionamento do corpo e da mente. Existe, portanto,
63
alguma justificativa para que o antropólogo afirme que ele pode acrescentar algo
ao nosso conhecimento?
Existe uma diferença entre o trabalho do antropólogo e aquele do anatomista,
fisiologista e psicólogo. Eles lidam principalmente com a forma e função típica do
corpo humano e da mente. As pequenas diferenças, como aparecem em qualquer
conjunto de indivíduos são negligenciadas ou consideradas como peculiaridades
sem significado particular, embora por vezes sugestivas de sua ascensão a partir
de formas inferiores. O interesse centra-se sempre no indivíduo como um tipo,
e no significado de sua aparência em funções de um ponto de vista morfológico,
fisiológico ou psicológico.
Para o antropólogo, ao contrário, o indivíduo aparece apenas como um
importante membro de um grupo racial ou social. A distribuição e a escala das
diferenças entre indivíduos, e as características determinadas pelo grupo a que
cada indivíduo pertence são os fenômenos a serem investigados. A distribuição
das características anatômicas, das funções fisiológicas e das reações mentais são o
objeto dos estudos antropológicos.
Pode-se dizer que antropologia não é uma única ciência, pois o antropólogo
pressupõe um conhecimento da anatomia, da fisiologia e da psicologia do
indivíduo, e aplica esse conhecimento aos grupos. Cada uma dessas ciências pode
ser e está sendo estudada a partir de um ponto de vista antropológico.
O grupo, e não o indivíduo, é sempre a principal preocupação do
antropólogo. Podemos investigar uma raça ou grupo social no que diz respeito
à distribuição do tamanho do corpo, medido pelo peso e estatura. O indivíduo
é importante apenas como um membro do grupo, pois nós estamos interessados
nos fatores que determinam a distribuição de formas ou funções no grupo. O
fisiologista pode estudar o efeito do exercício extenuante sobre a função do coração.
O antropólogo aceita esses dados e investiga um grupo em que as condições gerais
de vida provocam um exercício extenuante. Ele está interessado no seu efeito
sobre a distribuição da forma, função e comportamento entre os indivíduos que
compõem o grupo ou em relação ao grupo como um todo.
O indivíduo se desenvolve e atua como um membro de uma raça ou
um grupo social. Sua forma física é determinada pela sua ancestralidade e
pelas condições em que ele vive. As funções do corpo, quando controladas pela
configuração corporal, dependem das circunstâncias externas. Se as pessoas vivem
por opção ou necessidade, em uma dieta exclusiva de carne, as suas funções
corporais serão diferentes das de outros grupos com a mesma constituição que
vivem com uma dieta puramente vegetal; ou, inversamente, diferentes grupos
raciais que se alimentam da mesma forma pode mostrar um certo paralelismo no
comportamento fisiológico. Muitos exemplos podem ser dados para demonstrar
que as pessoas essencialmente com a mesma descendência se comportam
diferentemente em diferentes tipos de configuração social. As reações mentais
dos indígenas do planalto ocidental, um povo de cultura simples, difere das dos
antigos mexicanos, um povo da mesma raça, mas de organização mais complexa.
64
Os camponeses europeus diferem dos habitantes de grandes cidades; os
norte-americanos descendentes dos imigrantes diferem de seus antepassados
europeus; os Noruegueses Vikings diferem dos fazendeiros dos estados
noruegueses; o romano republicano de seus degenerados descendentes do período
imperial; o camponês russo antes da revolução do mesmo camponês após a atual
revolução.
Os fenômenos da anatomia, da fisiologia e da psicologia são favoráveis a
um tratamento individual não antropológico, pois parece teoricamente possível
isolar o indivíduo e formular os problemas de variação de forma e função, de tal
maneira que o fator social ou racial é aparentemente excluído. Isto é absolutamente
impossível em fenômenos basicamente sociais em seu conjunto, tais como a vida
econômica, a organização social de um grupo, ideias religiosas e artísticas.
O psicólogo pode tentar investigar os processos mentais da criação artística.
Embora os processos possam ser fundamentalmente o mesmo em toda a parte, o
próprio ato de criação implica que não estamos a lidar apenas com o artista como
um criador, mas também com a sua reação à cultura na qual ele vive, e de seus
companheiros para os quais o seu trabalho foi criado.
O economista que tenta desvendar os processos econômicos deve analisar
o grupo social, e não os indivíduos. O mesmo se pode dizer do pesquisador da
organização social. É possível tratar a organização social a partir de um ponto de
vista puramente formal, para demonstrar, através de uma análise cuidadosa, os
conceitos fundamentais que lhe são subjacentes. Para o antropólogo é este o ponto
de partida para uma reflexão dos efeitos dinâmicos da organização tal como se
manifestam na vida do indivíduo e do grupo.
O pesquisador em linguística pode investigar a “norma” de expressão
linguística num determinado momento e os processos mecânicos que dão origem a
alterações fonéticas; a atitude psicológica expressada na língua; e as circunstâncias
que causam mudanças de significado. O antropólogo é mais profundamente
interessado no aspecto social do fenômeno linguístico, na linguagem como um
meio de comunicação e na inter-relação entre linguagem e cultura.
Em suma, quando se discutem as reações do indivíduo aos seus
companheiros somos obrigados a concentrar a nossa atenção sobre a sociedade
em que vive. Não podemos tratar o indivíduo como uma unidade isolada. Ele
deve ser estudado em seu ajuste social, e a questão é relevante se as generalizações
possíveis através de uma relação funcional entre dados sociais gerais e os padrões
e expressão de vida individual podem ser descobertas; ou seja, se alguma lei
existente geralmente válida governa a vida da sociedade.
Uma investigação científica deste tipo está preocupada apenas com as
inter-relações entre os fenômenos observados, da mesma forma que a física e a
química estão interessados nas formas de equilíbrio e movimento da matéria, tal
como aparecem aos nossos sentidos. A questão da utilidade do conhecimento
adquirido é totalmente irrelevante. O interesse do físico e do químico centra-se
65
no desenvolvimento de uma completa compreensão da complexidade do mundo
exterior. A descoberta tem valor só do ponto de vista do lançamento de nova luz
sobre os problemas gerais destas ciências. A aplicabilidade da experiência de
problemas técnicos não diz respeito ao físico. O que pode ser de grande valor em
nossa vida prática, não necessita ser interessante para ele, e o que não tem qualquer
valor em nossas ocupações diárias lhe pode ser de grande valor. A única avaliação
das descobertas que podem ser admitidas pela ciência pura é o seu significado na
solução de problemas abstratos gerais.
Embora este ponto de vista da ciência pura seja igualmente aplicado aos
fenômenos sociais, é facilmente reconhecido que estes se referem a nós mesmos,
pois quase todos os problemas antropológicos tocam na maioria de nossas
intimidades.
O curso do desenvolvimento de um grupo de crianças depende de sua
ascendência racial, da condição econômica dos seus pais e de seu bem-estar geral.
O conhecimento da interação desses fatores pode dar-nos o poder de controlar
o crescimento e garantir as melhores condições de vida para o grupo. Todas as
estatísticas vitais e sociais estão tão intimamente ligadas às políticas a serem
adotadas ou a serem descartados que não é muito difícil perceber por que o interesse
em nossos problemas, quando considerados apenas a partir de um ponto de vista
científico, está relacionado com a prática valores que atribuímos aos resultados.
É objeto de as páginas seguintes discutir problemas da vida moderna à
vista dos resultados dos estudos antropológicos a partir de um mero ponto de
vista puramente analítico. Para isso, será necessário adquirir clareza em relação a
dois conceitos fundamentais: raça e estabilidade da cultura. Estes serão discutidos
nos seus devidos lugares.
FONTE: BOAS, Franz. O que é antropologia? Revista Ensaios: “Extensões”, n. 5, v. 1, 2º semestre
de 2011. Disponível em: <http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/ensaios/article/
download/318/562>. Acesso em: 28 maio 2015. Texto traduzido por Breno Rodrigo de Oliveira
Alencar e extraído do livro Anthropology and Modern Life de Franz Boas, editado em 1962 pela W.
W. Norton & Company, Inc., Nova York.
66
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico nós aprendemos que o trabalho de campo é um importante
aspecto do ofício do antropólogo, verdadeiro rito de iniciação da profissão, e
consiste em recolher dados empíricos acerca da cultura estudada in loco, isto é, em
seu local de ocorrência.
Também vimos que uma prática distintiva do fazer antropológico é a
observação participante, que consiste em viver como o povo, e não somente com o
povo, estudado, procurando o antropólogo vivenciar o maior número possível de
aspectos da cultura que estuda, participando junto com a população pesquisada
das atividades desempenhadas por ela.
67
AUTOATIVIDADE
Responda às seguintes perguntas:
1 O trabalho de campo é o momento daquilo que acontece na pesquisa
antropológica?
2 Qual a atitude necessária por parte do antropólogo em relação à cultura que
pesquisa que se mostra fundamental para um bom exercício da observação
participante?
68
UNIDADE 2
AS ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS E
OS GRANDES TEMAS DA DISCIPLINA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade você será capaz de:
• apresentar as diferentes escolas antropológicas e suas múltiplas aborda-
gens, por meio de uma perspectiva cronológica;
• destacar os principais representantes das escolas antropológicas e suas
principais contribuições ao campo de estudo;
• apresentar as principais questões da Antropologia e como elas contribuem
para a compreensão do fenômeno da vida em sociedade.
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles, você
encontrará atividades que o(a) ajudarão a fixar os conhecimentos adquiridos.
TÓPICO 1 – ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS: EVOLUCIONISMO,
DIFUSIONISMO E ESCOLA DA CULTURA E
PERSONALIDADE
TÓPICO 2 – ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS: FUNCIONALISMO,
ESTRUTURAL-FUNCIONALISMO,
ESTRUTURALISMO, NEOEVOLUCIONISMO
E PÓS-MODERNISMO
TÓPICO 3 – GRANDES TEMAS DA ANTROPOLOGIA: UNIÃO,
CASAMENTO E PARENTESCO
69
70
UNIDADE 2
TÓPICO 1
ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS:
EVOLUCIONISMO, DIFUSIONISMO,
E ESCOLA DA CULTURA E PERSONALIDADE
1 INTRODUÇÃO
Como pudemos verificar na Unidade 1 deste caderno de estudos, a
Antropologia é uma ciência social que estuda o comportamento humano e seu
desenvolvimento, tanto do ponto de vista cultural quanto social e biológico. Ela é
uma ciência relativamente nova, que se institucionalizou somente no século XIX,
mas que possui raízes que datam das primeiras grandes navegações.
Desde as primeiras incursões para as novas terras conquistadas, os viajantes
realizaram registros de seus achados, tanto do ponto de vista dos aspectos físicos
e ambientais, quanto da cultura dos povos. Elementos como a língua, a religião, a
cor da pele, os hábitos alimentares, foram sendo descritos, pelos colonizadores, a
partir de um olhar de estranhamento e comparação com a sua cultura própria, ou
seja, a partir de um olhar etnocêntrico. Esse período é conhecido como Literatura
Etnográfica e durou entre os séculos XVI e XIX.
NOTA
Literatura Etnográfica: Trata-se de relatos de viagens (cartas, diários, relatórios
etc.) feitos por missionários, viajantes, comerciantes, exploradores, militares, administradores
coloniais etc. Descrições das terras (fauna, flora, topografia) e dos povos “descobertos” (hábitos
e crenças). Primeiros relatos sobre a alteridade. Fonte: Texto adaptado de: Disponível em:
<http://www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html>. Acesso em: 20 jul. 2015.
Para compreender o desenvolvimento da Antropologia como disciplina e
como campo de conhecimento, é necessário conhecer a origem histórica destes
estudos e suas diferentes matrizes teóricas. Assim como outras ciências sociais, a
Antropologia possui objetos e métodos próprios que foram sendo construídos ao
longo de sua trajetória. Por este motivo, neste tópico vamos nos concentrar nas
principais correntes teóricas, iniciando pelo Evolucionismo.
71
2 A ESCOLA EVOLUCIONISTA
Você já ouviu falar sobre a Teoria da Evolução das Espécies do naturalista
Charles Darwin? Esta foi uma das teorias que mais influenciou o campo das
Ciências Sociais, no século XIX. Vejamos a seguir:
A  Escola Evolucionista  é fortemente influenciada pelas descobertas das
outras ciências, como o caso da biologia. As teses de Charles Darwin (1809-1882),
por exemplo, sobre a Evolução das Espécies, a partir de pesquisas efetuadas nas
ilhas  Galápagos  – Oceano Pacífico –, influenciaram profundamente as ciências
sociais no século XIX, entre elas a antropologia. Darwin concluiu que para
sobreviverem as espécies animais se adaptavam ao meio em que viviam e que os
mais fortes seriam aqueles que melhor se adaptassem, e os mais fracos estariam
condenados a se extinguirem. Pesquisando os animais dessas ilhas, chegou à
conclusão de que geneticamente poderiam todos os seres vivos descender de
uma única existência microbiana primária e que na luta pela sobrevivência se
transformariam biologicamente de forma que se passaria essa herança genética às
próximas gerações. Portanto, essas teses agradavam ao homem europeu, que se
enxergava como mais desenvolvido e civilizado, no topo da escala de uma linha de
evolução única que selecionava o mais forte. As comunidades diferentes dos territórios
colonizados eram, nesta escala, inferiores e, portanto, passíveis de serem dominados e
explorados. Na melhor das hipóteses, essas comunidades inferiores nos mostravam
como havíamos evoluído e como poderíamos, se assim desejássemos, auxiliá-los a
se desenvolverem para se equipararem a nosso estágio de evolução.
Evidentemente, desde cedo os antropólogos mais isentos e comprometidos
com o estudo empírico desses povos perceberam que o “diferente” não evidenciava
exatamente “inferioridade”, mas mais uma forma específica de se adaptar ao meio
natural circundante. Ainda assim, por muito tempo, ficou a ideia de que, se tivessem
condições ambientais propícias, esses grupos humanos avançariam na escala de
desenvolvimento técnico e cultural até chegarem ao  status  dos povos europeus
“mais desenvolvidos”. A  Escola Evolucionista  está profundamente envolvida
com esta ideia de que, em certas condições de convívio com a natureza, os grupos
humanos se desenvolvem mais ou menos rapidamente em uma mesma direção, do
mais simples para o mais complexo, do inferior para o superior, do atrasado para
o desenvolvido, sendo esta direção sempre determinada pelas tecnologias que se
conseguem desenvolver na inexorável luta pela sobrevivência material.
Fonte: Disponível em: <http://www.geocities.ws/unigalera1/AntropologiaEscolasV.html>. Acesso
em: 30 jul. 2015.
Na Antropologia, o pensamento evolucionista é inaugurado no final do
século XIX, mas antes disso, alguns estudiosos já discutiam elementos relativos ao
desenvolvimento das culturas, como Platão, Lucrécio, Vico, Hegel e outros. Eles
acreditavam que as culturas se desenvolviam por meio de um processo evolutivo.
Essa informação indica que a semente do pensamento evolucionista é ainda
anterior à teoria da evolução das espécies de Darwin.
72
UNI
De maneira geral, o conceito de EVOLUCIONISMO se refere a uma corrente de
pensamento que compreende a reprodução das sociedades humanas como resultado
de um processo evolutivo, que tem como base mudanças progressivas que ocorrem
lentamente e que são influenciadas pelo meio ambiente no qual habitam.
Desta maneira, todas as sociedades estariam inseridas em uma única
narrativa histórica e em um único processo de desenvolvimento social. Lembrando
que este desenvolvimento estava baseado no padrão de sociedade europeia. Dessa
maneira, os estágios se dariam sempre de culturas mais atrasadas, consideradas
selvagens/primitivas, para culturas intermediárias e, na sequência, para as
sociedades mais desenvolvidas, como a europeia. Ou seja, esses estágios eram
diferenciados a partir da comparação da sociedade europeia com as “outras”, nas
mais diferentes instituições sociais, como a religiosidade, os sistemas políticos, a
economia, a tecnologia e outras.
As instituições sociais e os costumes diferentes do modelo europeu eram
considerados como “sobrevivência” do passado, como atraso na escala evolutiva.
Como exemplo de desenvolvimento evolutivo, podemos pensar a alteração
gradativa de sociedades caçadoras e coletoras para sociedades agricultoras,
ou podemos imaginar o processo de mudanças ocorridas desde os primeiros
instrumentos utilizados para a agricultura, em relação aos instrumentos atuais.
FIGURA 48 - REPRESENTAÇÃO DO EVOLUCIONISMO SOCIAL
FONTE: Disponível em: <http://www.materiaincognita.com.br/cooperacao-em-
redes-sociais-acelerou-a-evolucao-humana/#axzz3hIiNGK6Y>. Acesso em: 20 jul.
2015.
73
3 PRINCIPAIS ANTROPÓLOGOS EVOLUCIONISTAS E SUAS
TEORIAS SOCIAIS
3.1 Lewis Henry Morgan
Um dos mais conhecidos antropólogos evolucionistas era norte-americano
e chamava-se Lewis Henry Morgan. Ele nasceu em uma fazenda no Estado de
Nova York no ano de 1818. Ele se formou em Direito e teve papel ativo na política
local. Foi um dos primeiros defensores dos índios americanos, especialmente os
iroqueses, com os quais conviveu durante algum tempo.
UNI
Os iroqueses foram um grupo nativo da América do Norte que viveu na região
dos Grandes Lagos, ao sul de Ontário, no Canadá, onde hoje é o Estado de Nova York, nos
Estados Unidos. Eram cinco nações — caiugas, mohawks, oneidas, onondagas e sênecas —
que constituíam a Confederação Iroquesa. Disponível em: <http://escola.britannica.com.br/
article/487811/iroqu%C3%AAs>. Acesso em: 21 jul. 2015.
Por conhecer a realidade dos índios e também do fluxo de imigração de
europeus para o país, compreendeu que logo a cultura dos nativos poderia ser
extinta. Por este motivo, realizou estudos e registros de boa parte da cultura
iroquesa. Atualmente é considerado um dos fundadores da Antropologia Moderna.
FIGURA 49 - LEWIS HENRY MORGAN
FONTE: Disponível em <http://aventar.eu/2010/06/25/o-comeco-
dos-comecos-lewis-morgan/>. Acesso em: 25 jul. 2015.
74
A obra que destaca sua tendência evolucionista e também a mais importante
se chama Ancient Society – A Sociedade Primitiva, de 1877. Neste livro, Morgan
descreve detalhadamente a história da humanidade e a evolução da sociedade. A
partir da descoberta de restos humanos junto com ossos de animais extintos, em
meados do século XIX, ele mostrou que a existência da espécie humana era muito
anterior ao que se pensava até então. Nesse livro, Morgan se dispôs a reconstruir
a pré-história.
Para levar a cabo a reconstrução da história da humanidade, Morgan partiu
de dois pressupostos:
1. A história poderia ser reconstruída por deduções teóricas, obedecendo a um
padrão lógico de transformação das instituições. Por exemplo, a promiscuidade
tinha sido necessária na história da humanidade para que houvesse o surgimento
da família nuclear e monogâmica, como o resultado de um processo evolutivo.
2. O conhecimento disponível sobre os selvagens contemporâneos representa
evidências do passado das nações civilizadas.
Seu livro organiza o passado cultural da humanidade em três grandes
etapas evolutivas: Selvageria, barbárie e civilização. A estas etapas Morgan
acrescenta subetapas, que utiliza para compreender o processo evolutivo das
sociedades, tomando por base as técnicas de subsistência que eram utilizadas de
forma progressiva nas diferentes culturas. Vejamos a seguir o quadro adaptado do
Manual de Antropologia Cultural, de Barrio (2005).
QUADRO 1 - ETAPAS EVOLUTIVAS DE LEWIS HENRY MORGAN.
Fonte: Adaptado de Barrio (2005, p. 74).
Morgan ainda divide as duas primeiras fases de desenvolvimento em três,
sendo configurado seu esquema evolutivo da humanidade em sete períodos:
Selvageria
I. Etapa inferior de selvageria: desde a infância da humanidade até o início
do próximo período.
75
II. Estágio intermediário de selvageria: Refere-se à aquisição de uma base
de subsistência (pesca) e conhecimento do uso do fogo.
III. Estágio superior de selvageria: Refere-se ao período em que ocorre a
invenção de artefatos de caça e pesca, como o arco e a flecha.
Barbárie
IV. Estágio da barbárie, que se refere à invenção da arte da cerâmica.
V. Estágio intermediário da barbárie, que se refere à domesticação de
animais no hemisfério oriental e ocidental, a partir de cultivo de milho e plantas
para irrigação, com o uso de adobe e pedra.
VI. Estágio superior da barbárie, que se refere ao período a partir da
invenção de fundição de minérios de ferro e do uso de instrumentos de ferro.
Civilização
VII. Estágio que ocorre desde a invenção do alfabeto fonético e do uso da
escrita, até o presente momento.
Nesse sentido, Morgan vai demarcando os processos pelos quais as
sociedades menos evoluídas realizam a passagem para estágios mais desenvolvidos.
Além disso, Morgan parte da hipótese de que os seres humanos seriam
inicialmente promíscuos sexualmente e que essa conduta foi sendo alterada
de acordo com o processo evolutivo. Vejamos o que diz Barrio (2005) sobre a
interpretação de Morgan:
Se os primatas em grande parte são promíscuos, e o homem civilizado
é estritamente monogâmico, a evolução não pôde ser mais que uma
progressiva limitação das possibilidades de escolha sexual humana.
O tabu do incesto é crucial neste desenvolvimento e se irá opondo e
ampliando devido a que, segundo Morgan, as sociedades se foram dando
conta das vantagens genéticas de não realizar matrimônios consanguíneos
e por isso foram desprezando e proibindo. (BARRIO, 2005, p. 75).
Morgan compreende que houve alteração nas relações de matrimônio,
passando de relações poligâmicas para relações monogâmicas. Nesse sentido, a
interpretação dos sociólogos clássicos, Karl Marx e Friedrich Engels, nos ajuda a
compreender o fenômeno, quando eles afirmam que a introdução do pastoreio e
da propriedade privada contribuiu para a afirmação das relações monogâmicas,
uma vez que a poligamia geraria divisão de propriedades, com as demais famílias.
Morgan exerceu influência considerável sobre a antropologia posterior,
especialmente sobre os estudos relacionados com o parentesco,
mas também sobre os materialistas culturais americanos e outros
antropólogos evolucionistas no século XX. Sociólogos também o liam,
76
porém, quando Marx, quase no fim de sua vida, descobriu Morgan,
ele e seu companheiro Friedrich Engels tentaram integrar as ideias
de Morgan em sua própria teoria revolucionária, pós-hegeliana. Os
resultados incompletos desta tentativa foram publicados por Engels em
The Origin of the Family, Private Property, and the State, em 1884, o ano
seguinte à morte de Marx. (ERIKSEN, 2012, p. 31).
Ao mesmo tempo em que Morgan realizava seus estudos em antropologia,
outros autores também estavam concentrados em compreender as diferentes
sociedades humanas e seu desenvolvimento. Alguns trabalhos eram muito
similares ao que Morgan desenvolvia e outros eram completamente diferentes.
Na Europa, os países que se destacaram nos estudos antropológicos neste período
foram Alemanha e Inglaterra. Vejamos a seguir os estudos de Tylor, um dos
grandes teóricos do evolucionismo inglês.
3.2 EDWARD BURNET TYLOR
Um dos grandes antropólogos deste período foi Edward Burnet Tylor.
Ele era britânico, nascido em Londres, em uma família abastada de comerciantes.
Tylor não concluiu os estudos devido às suas convicções religiosas (Educação
Quaker). Trabalhou no comércio com seu pai e irmão durante algum tempo, mas
logo, acometido de uma doença, viajou para recuperação em Cuba. Lá conheceu
o etnólogo Henry Christy e com ele viajou por Cuba e México por alguns anos,
realizando observações e estudos.
Mais tarde, quando retornou à Inglaterra, em 1896, foi nomeado o primeiro
professor britânico de Antropologia na Universidade de Oxford.
FIGURA 50 - EDWARD BURNET TYLOR
FONTE: Disponível em: <http://www.biografiasyvidas.com/biografia/t/tylor.
htm>. Acesso em: 26 jul. 2015.
77
Tylor definiu a antropologia como a ciência da cultura e desenvolveu uma
teoria para compreender como ocorre o processo de desenvolvimento dela. Para o
autor, a cultura evolui num processo linear e uniforme, sendo que algumas culturas
não conseguem acompanhar esse processo e permanecem paradas. Enquanto
outras estariam em pleno auge do progresso, como a sociedade europeia.
A partir da ideia de linearidade e uniformidade, de acordo com Barrio
(2005), Tylor procura explicar o desenvolvimento cultural religioso, analisando o
processo de crença e religiosidade dos povos.
Tylor acreditava que todas as religiões ou crenças, das sociedades ditas
civilizadas (fossem do passado ou do presente), possuíam seu equivalente nos
grupos humanos considerados primitivos ou arcaicos. Para Tylor, na prática, isso
significava que as sociedades civilizadas não haviam inventado nada novo nas
religiões, mas sim apenas realizado pequenas adaptações em crenças já existentes
de seus antepassados, de tempos remotos.
Um exemplo disso diz respeito à ideia de reencarnação da alma. Para
Tylor, de acordo com Rosa (2010), “a metempsicose, ou seja, a transmigração da
alma, era uma crença que se encontrava tanto em povos selvagens, da África, como
em populações civilizadas da Ásia meridional, por exemplo”. Tylor reconhecia e
enfatizava esses fundamentos como a pré-história da fé. O que se pode perceber é
que não havia a alteração/substituição de uma crença por outra, mas a permanência
de mesmas crenças, com pequenas adaptações, éticas, morais etc.
Para compreender a gênese da religião, ou seja, a ideia que fundamentou a
religião primitiva, Tylor se baseou em um conceito chamado animismo.
Para Tylor, o animismo nasceu como culto aos antepassados mortos
para passar depois a ser culto a todo o tipo de alma ou espírito abstrato.
Da experiência do sonho em que o corpo permanece imóvel e inerte,
mas em que se dão experiências às vezes muito vívidas, o primitivo
“devia” inferir que depois da morte, embora o corpo fosse destruído,
poderia continuar a existir sob alguma forma. Esta crença na existência
de espíritos imateriais é a base do animismo que, segundo Taylor, foi se
generalizando cada vez mais até que se foram associando os espíritos
a algum fenômeno da natureza. O culto à natureza, rios, fontes, raios,
vento, fogo, etc., é outro estágio dentro da evolução das crenças que deu
origem, por progressiva antropomorfização, ao politeísmo característico
de sociedades como a egípcia, grega e romana. Do politeísmo passa,
finalmente, ao monoteísmo por depuração e progressiva racionalização
da ideia de divindade. (BARRIO, 2005, p. 79).
O termo animismo vem da palavra latina “ânima”, que significa “alma”.
Esse termo remete à ideia de que todas as crenças, religiões e demais expressões
espirituais possuem uma característica fundamental comum, que é a presença da
“alma”. Dito de outra forma, Rosa (2010) relata que Tylor acreditava que, entre
todos os artigos de fé, o elemento “alma” tinha constituído na pré-história uma
espécie de protótipo a partir do qual tinham sido forjadas todas as outras crenças.
78
Por meio de suas inúmeras pesquisas etnográficas, Tylor fez o levantamento
das ideias relativas ao termo alma, entre as variadas tribos e grupos sociais com os
quais teve contato, conforme descreve Rosa (2010, p. 300):
Alma é uma imagem humana, imaterial, uma espécie de vapor, uma
nuvem, uma sombra. É a causa da vida e do pensamento no indivíduo
que ela anima. É dona da consciência e da vontade do seu possuidor
corporal, presente ou passado. Pode deixar o corpo junto de si e
viajar rapidamente. É geralmente impalpável e invisível, mas também
suscetível de manifestar alguma propriedade física. Aparece aos
homens durante o sono, como um fantasma separado do corpo, mas
conservando a sua aparência. Após a morte do corpo, ela continua a
existir e a aparecer e tem a faculdade de entrar, dominar e agir no corpo
de outros homens, animais e mesmo em objetos inanimados.
Havia duas concepções básicas para a construção da ideia de alma, na
visão de Tylor:
1) A personificação da natureza, na medida em que se atribui alma aos elementos
externos, como animais, plantas, montanhas, terra etc.
2) Noção de espírito/alma separado do corpo.
De maneira geral, em sua obra mais importante, Primitive Culture – Cultura
Primitiva (1871), ele propôs uma síntese da sua teoria evolucionista, que em
muitos pontos se aproximava dos pensamentos de Morgan, uma vez que os dois
se apoiavam na explicação material para compreender o processo evolutivo das
diferentes culturas. Uma das contribuições mais importantes de Taylor para os
antropólogos atuais é o conceito de cultura, que permanece coerente ainda hoje.
CULTURA, ou civilização, tomada em seu sentido amplo, etnográfico,
é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral,
lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo
homem como membro da sociedade. (ERIKSEN; NIELSEN, 2012, p. 35).
Outros autores evolucionistas poderiam ser discutidos neste tópico,
mas acreditamos que as perspectivas de Morgan e Tylor foram suficientes para
compreender o sentido e as principais características da Antropologia Evolucionista
ou Evolucionismo Social.
4 A ESCOLA DIFUSIONISTA
O Difusionismo teve início no início do século XIX e refere-se a um conjunto
de teorias que criticou a teoria evolucionista e opôs-se ao entendimento de que as
culturas se desenvolvem de forma linear para todas as sociedades. Os antropólogos
difusionistas acreditavam que a cultura se constrói de forma multidimensional e
provém de outras culturas.
79
Difusão é um processo, na dinâmica cultural, em que os elementos
ou complexos culturais se difundem de uma sociedade para outra. As
culturas, quando vigorosas, tendem a se estender a outras, sob a forma
de empréstimo mais ou menos consistente. A difusão de um elemento
da cultura pode realizar-se por imitação ou por estímulo, dependendo
das condições sociais, favoráveis ou não, à difusão. O tipo mais
significativo de difusão é o das relações pacíficas entre os povos, numa
troca contínua de pensamentos e invenções. (MARCONI, 2001, p. 64).
Para reconhecer a escola difusionista é necessário levar em conta três
postulados básicos. São eles:
a) Método Histórico: A antropologia difusionista trabalha com o método de
reconstituição histórica, que observa o passado e o presente.
b) Pesquisa de Campo: Ocorre de forma extensiva e é altamente aplicada, por meio
de coleta de dados, principalmente de dados primários.
c) Formulação de Conceitos: Enriquecimento da teoria e surgimento de vários
termos/conceitos, utilizados ainda hoje na antropologia.
O difusionismo predominou entre os anos 1900 a 1930, sendo que na década
de 20 teve expressivo reconhecimento. Essa escola antropológica pode ser dividida
em três correntes de pesquisa: A escola hiperdifusionista inglesa, que possui como
expoentes os autores G. E Smith e W. J. Perry; a escola histórico-cultural alemã-
austríaca, que tem como defensores os autores F. Grabner e W. Schmidt; e a escola
histórico-cultural norte-americana, que possui como referência o importantíssimo
antropólogo Franz Boas.
4.1 O DIFUSIONISMO INGLÊS: A ESCOLA HIPERDIFUSIONISTA
Os primeiros a criticar a corrente evolucionista e também os mais
importantes autores da escola hiperdifusionista, ou heliocêntrica, foram: J. Perry
e Elliot Smith. Esta escola é considerada hiperdifusionista, porque muitos de
seus integrantes defendiam que havia um só foco cultural para todas as culturas
avançadas da Terra, a egípcia.
Essa premissa baseava a atividade de pesquisa de J. Perry, pois, de acordo
com Barrio (2005), “ele concebeu uma teoria segundo a qual há 4000 mil anos todas
as culturas do planeta possuíam uma mesma cultura, pouco desenvolvida”. Para o
autor, à beira do rio Nilo, devido a condições climáticas propícias, a agricultura, foi
possível uma revolução cultural, que aos poucos se espalhou para outras culturas,
por meio de um processo de difusão.
Esses autores foram influenciados pelas descobertas arqueológicas no
Egito, que demonstravam uma cultura bastante desenvolvida. Além disso, por
compreender que os egípcios viajavam grandes distâncias à procura de ouro e
pedras preciosas, presumiram que os egípcios também difundiam aspectos de sua
80
cultura e suas invenções a outros locais do planeta, alcançando lugares como a
América Central e ilhas do Oceano Pacífico. Por fim, sem um critério rigoroso de
avaliação, concluíram que os costumes egípcios foram amplamente difundidos
por todo o mundo.
Muito embora os autores tenham aprofundado seus estudos da difusão
cultural, o mesmo não fizeram com relação ao contexto histórico, do ponto de vista
da cronologia dos eventos ocorridos. Por este motivo, talvez, não tiveram tantos
adeptos.
Vejamos a seguir os dogmas que fundamentam a teoria de Elliot Smith, de
acordo com Barrio (2005):
1) A cultura surge só sob circunstâncias exepcionalmente favoráveis, já que o
homem é pouco criativo. É quase impossível que haja culturas distintas de
modo independente.
2) As circunstâncias descritas se deram no antigo Egito, por isso a cultura de
outras regiões, excetuando aspectos singelos, deve-se ao resultado da difusão
desta superior civilização.
A civilização se vai diluindo ao propagar-se a zonas marginais. A decadência é
uma fase importante na história humana.
A teoria difusinista da cultura, de Elliot Smith, foi criticada principalmente
pelo dogmatismo de seus pressupostos e também por ser pouco empírica. Por
outro lado, pode-se depreender que o hiperdifusionismo foi uma teoria alternativa
importante ao modelo evolucionista de interpretar a constituição das diferentes
sociedades. Para o hiperdifusionismo, a cultura era interpretada como o resultado
da difusão de elementos culturais provenientes de um centro único, o Egito.
4.2 DIFUSIONISMO ALEMÃO-AUSTRÍACO
A escola difusionista alemã-austríaca também pode ser chamada de
histórico-cultural, histórico-geográfica e alemã. Seus principais representantes são:
Friedrich Ratzel, Willi Foy, Fritz Graebner e Pe. Wilhelm Schmidt. Para este estudo
vamos nos ater às contribuições de Grabner e Schmidt.
A principal caracterítica desta escola é a compreensão de que a difusão da
cultura ocorre partindo de diversos focos culturais e não apenas de um foco, como
preconizou a escola hiperdifusionista. Conforme destacam Marconi e Presotto
(2001), a característica principal do difusionismo alemão-austríaco é a visão
pluralista da origem da cultura, aceitando vários locais de evolução, que deram
origem à sua totalidade.
81
Vejamos o que diz Fritz Graebner, importante representante desta escola,
sobre a difusão da cultura: “Nesses limitados centros primários, isolados uns dos
outros, e desenvolvendo-se independentemente, aparece uma série de complexos
culturais que denomina “círculos”. Por difusão estes “círculos” começam a
expandir-se, sobrepor-se e, inclusive, destruir-se”. (BARRIO, 2005, p. 88).
Graebner defendia que a cultura humana se desenvolveu por meio das
determinações históricas e geográficas das combinações de elementos básicos
chamados Kulturkreise (círculos culturais). Para ele, a cultura se desenvolveu em
alguma parte do interior da Ásia, o que chamou de Urkultur (centro da cultura).
Esse desenvolvimento ocorreu por um processo de difusão do centro, para as
sociedades mais distantes, por meio de círculos, cada vez mais amplos, através do
processo de imigração.
Schmitdt, em seus estudos, também descreveu a cultura atual como o
resultado de uma difusão bastante complexa, que, em sentido contrário, poderia
reconstruir os círculos originais primários. O esquema de Schmidt apresenta três
fases distintas, subdivididas em nove. Este esquema apresenta certa semelhança
com o esquema trazido pelo evolucionista Lewis Henry Morgan. Vejamos o quadro
a seguir, adaptado de Marconi e Presotto (2001, p. 260).
QUADRO 2 – TEORIA SOBRE A DIFUSÃO DA CULTURA DE SCHMIDT
Fases Representantes
Três fases primitivas ou arcaicas Povos pigmeus, esquimós e aborígenes australianos
Três fases primeiras Povos coletores e nômades pastoris
Três fases secundárias Povos agricultores
FONTE: Adaptado de Marconi e Presotto (2001, p. 260)
A principal contribuição desta corrente de pensamento difusionista
foi o desenvolvimento da noção de “circulos culturais”, compreendidos como
“um conjunto de traços associados com um sentido”, podendo ser isolados e
identificados na história cultural, difundidos por meio das trocas.
Por outro lado, houve muitas críticas em relação a essa perspectiva
teórica. Alguns autores enfatizam que os “círculos de cultura” tratavam-se de
generalizações e que, na maioria das vezes, não foram devidamente comprovados.
De acordo com os críticos, os autores difusionistas não demonstraram qual a
origem dos círculos culturais, quando e onde existiram e como puderam ser
difundidos por áreas tão distantes.
82
4.3 DIFUSIONISMO NORTE-AMERICANO: FRANZ BOAS E O
HISTORICISMO OU PARTICULARISMO HISTÓRICO
O Difusionismo norte-americano também recebeu o nome de historicismo
ou Particularismo Histórico. Essa corrente difusionista concentrou seus estudos
antropológicos na história da cultura e defendeu a história da cultura como
elemento de compreensão dela mesma. Dito de outra forma, Particularismo
Histórico refere-se ao entendimento de que toda a cultura possui sua própria
história, que é única, e que somente pode ser compreendida a partir do estudo de
sua própria organização.
Alguns conceitos importantes, como traço cultural, complexo cultural,
padrão cultural e área cultural, que são utilizados até hoje pela antropologia, foram
formulados pelo difusionismo norte-americano.
Os principais representantes desta corrente científica são Franz Boas, Clark
Wissler e Alfred L. Kroeber. Neste caderno de estudos vamos tratar especialmente
de Franz Boas, que foi, sem dúvida, o principal representante dessa escola.
Franz Boas ainda é considerado um antropólogo muito importante na
escola da Antropologia Cultural nos Estados Unidos e na Antropologia de modo
geral. Filho de comerciantes abastados, ele nasceu na Alemanha, de onde saiu para
passar anos em expedições pelo norte e oeste do Canadá. Após suas incursões por
estes países, ao invés de voltar à Alemanha, Boas decidiu permancer na América,
provavelmente porque ficaria mais perto das comunidades estudadas por ele.
FIGURA 51 - FRANZ URI BOAS
FONTE: Disponível em: <http://www.biografiasyvidas.com/biografia/b/boas.
htm> . Acesso em: 4 jul. 2015.
83
Em 1899, depois de ter trabalhado como editor de uma revista e, na
sequência, em uma pequena universidade, Franz Boas tornou-se professor de
antropologia na importante Universidade de Colúmbia, em Nova York. Boas,
assim como muitos antropólogos de sua época, via com desconfiança as teorias
evolucionistas, e, como havia trabalhado com professores alemães, tinha certa
simpatia pelo difusionismo alemão.
Assim como outros estudiosos alemães, Boas defendia que para
compreender o processo de desenvolvimento cultural era necessário parar de
fazer suposições e generalizações, como no modelo evolucionista, mas observar
empiricamente a realidade. Para ele, a tarefa do antropólogo era observar, coletar
e sistematizar detalhadamente as culturas de forma individual. Somente após este
extensivo trabalho de campo e análise seria possível fazer alguma generalização
teórica.
Ao contrário da Antropologia inglesa, que substituiu o conceito de cultura
pelo de sociedade, Franz Boas permanceu com a ideia de cultura desenvolvida por
Tylor. Para Boas, cultura é um conceito muito mais amplo do que o de sociedade.
Vejamos o que diz Eriksen (2012) sobre a opinião de Boas.
Se a sociedade é constituída de normas sociais, instituições e relações, a
cultura consiste em tudo o que os seres humanos criaram, inclusive a
sociedade – fenômenos materiais (um campo, um arado, uma pintura...)
condições sociais (casamento, famílias, o Estado...) e significado
simbólico (lingua, ritual, crença...). (grifo da autora) A antropologia – a
ciência da humanidade – dizia respeito, bem literalmente, a tudo o que
fosse humano (ERIKSEN, 2012, p. 53)
Por este motivo, Boas dividia a abordagem antropológica em quatro
campos distintos, sendo eles: l
Linguística, antropologia física, arqueologia e antropologia cultural. Seus
alunos estudavam os quatro campos da antropologia e depois podiam escolher a
área na qual aprofundariam seus estudos. Obviamente que os estudos do próprio
Boas eram proeminentes, principalmente na área da antropologia cultural. 
UNI
Antropologia cultural: Abrange o estudo dos homens/mulheres como
seres culturais. Investiga a cultura dos povos, considerando tempo, espaço, origem e
desenvolvimento. Compara e analisa suas diferenças e semelhanças. Se preocupa com a
maneira como o comportamento humano é reproduzido e os processos de aprendizagem.
84
Franz Boas era um professor atento e generoso. Ao contrário da maioria dos
antropólogos, não realizava suas pesquisas de campo de modo individual, mas
coletivamente com seus alunos e parceiros. Normalmente não permaneciam muito
tempo no campo, como alguns antropólogos faziam, uma “imersão” prolongada
na cultura de alguma sociedade. Franz Boas preferia retornar muitas vezes ao longo
dos anos, nas comunidades estudadas. Trabalhou por muitos anos com pesquisas
de campo com os inuítes e os kwakiutls da costa noroeste americana.
4.3.1 As duas principais comunidades estudadas por
Franz Boas
a) SOCIEDADE INUÍTE
Os inuítes, também chamados pelos visitantes de esquimós, são povos que
habitam a Ilha Baffin, localizada em território canadense, no Ártico. A origem deste
grupo data de 4.000 anos. As relações que desenvolveram com o ambiente inóspito
resultaram em uma cultura enraizada, que os fez desenvolver conhecimentos,
habilidades e tecnologias próprias, adaptadas ao ambiente em que vivem. No
período em que foram pesquisados por Boas, ainda viviam exclusivamente da
caça, da pesca e do comércio de peles com alguns europeus. Até 1940 ainda tinham
pouco contato com o restante do Canadá, mas atualmente recebem apoio em todas
as esferas institucionais, como escolas, saúde e governo. Sua atividade econômica
está mais variada, trabalham em vários setores, incluindo o setor de construção,
as mineradoras, as empresas de extração de petróleo e gás. Além disso, possuem
atividades administrativas e no governo. No entanto, muitos inuítes continuam a
realizar a caça e pesca como incremento na renda.
FIGURA 52 - SOCIEDADE INUÍTE
FONTE: Disponível em: <http://www.nunatsiaqonline.ca/pub/photos/Qaernermiut_
Inuit_on_Era_570.jpg>. Acesso em: 20 jul. 2015.
85
b) SOCIEDADE Kwakiutl ou Kwakwaka'wakw
Os kwakiutl são índios norte-americanos, que vivem no Canadá, ao longo
das margens dos cursos de água entre a Ilha de Vancouver e o continente. O nome
kwakiutl foi difundido por Franz Boas, e é normalmente utilizado por pessoas de
fora da sociedade. As 15 tribos que a compõem se denominam Kwakwaka'wakw
(aqueles que falam a língua Kwak’wala) - Tradicionalmente os Kwakiutls subsistiram
principalmente pela pesca, caça e coleta. Além disso, eles possuem uma tecnologia
baseada em madeira, como o entalhe de canoas, de totens e das fachadas das casas,
ornadas com elementos de sua cultura. Sua sociedade foi estratificada por categoria,
que foi determinada, principalmente, pela herança de nomes e privilégios. Os
indivíduos hierarquicamente superiores possuem o direito de cantar certas canções,
usar determinadas cristas e máscaras cerimoniais. Em 2014, as 15 nações e faixas que
compõem o Kwakwaka'wakw contavam com cerca de 7.700 pessoas.
FIGURA 53 - TRIBO KWAKIUTLS
FONTE: Disponível em: <https://www.ago.net/screening-in-the-land-of-the-head-hunters>.
Acesso em: 4 ago. 2015.
Franz Boas via valor intrínseco na pluralidade das práticas culturais no
mundo e era profundamente cético com relação a qualquer tentativa política ou
acadêmica de interferir nessa diversidade. Ao escrever sobre a dança kwakiutl, por
exemplo, ele diz que:
A dança é um exemplo da relação da cultura com o ritmo, e por isso
ela não deve ser reduzida a uma mera “função” da sociedade (como
pareciam preferir os antropólogos sociais ingleses). Em vez disso,
é preciso perguntar o que esse ritmo é para a pessoa que dança, e a
resposta só pode ser encontrada examinando os estados emocionais que
geram a são gerados pelo ritmo. (ERIKSEN, 2012, p. 54).
Por compreender as culturas como fenômenos autônomos, Franz Boas
abandonou as perspectivas deterministas sobre as influências biológicas na
composição da cultura. Nesse sentido, o autor contribuiu de forma significativa à
causa multiculturalista, uma vez que escreveu artigos sobre a questão do negro nos
EUA. Além disso, em suas pesquisas influenciou estudiosos de boa parte do mundo
a desenvolverem trabalhos com a perspectiva relativista, na perspectiva de que o
que diferencia os grupos humanos são os determinantes culturais e não biológicos.
86
DICAS
Para aprofundamento desta temática,
sugerimos o documentário “Estranhos
no Exterior: as correntes da tradição”, que
trata sobre a vida e o trabalho de Franz
Boas com a sociedade inuíte. FONTE:
Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=zK5lYPeAbDM>. Acesso
em: 20 jun. 2015.
Franz Boas deixou um legado muito importante para os acadêmicos
que trabalharam com ele. Muitos continuaram seus estudos e outros fundaram
novas escolas de pensamentos. Ruth Benedict, por exemplo, foi sua sucessora na
Universidade de Colúmbia e organizadora da “Escola da Cultura e Personalidade”.
Além dela, uma importante antropóloga, conhecida como Margaret Mead,
continuou a obra de Benedict e se tornou a figura pública mais influente da história
da antropologia americana. Vejamos a seguir um pouco mais sobre a Escola de
Cultura e Personalidade.
5 A ESCOLA DA CULTURA E PERSONALIDADE ou
CONFIGURACIONISMO CULTURAL
A Escola da Cultura e Personalidade, ou Configuracionismo Cultural, é
a quarta escola de orientação antropológica em sequência histórica. Ela recebe
forte influência do Particularismo Histórico de Franz Boas, sendo considerada
um prolongamento do difusionismo norte-americano, porque também representa
uma abordagem de culturas particulares, conforme Boas defendia (uma unidade
singular e individual de estudos). Seus principais representantes foram alunos
de Franz Boas. São eles Edward Sapir, Ruth Benedict e Margareth Mead. Além
da influência de Boas, essa corrente antropológica também sofreu influências de
Sigmund Freud (considerado o pai da psicanálise) e do filósofo Friedrich Nietzsche.
A corrente historicista, sobre a qual foi fundada a Escola da Cultura e
Sociedade, se diferencia das escolas funcionalista e estruturalista, como poderemos
verificar ao longo deste tópico, porque ela julga importante reconstruir a história
das culturas, para poder analisá-la e compreendê-la, o que não ocorre nas escolas
citadas, que acreditam que observando o presente em uma sociedade é possível
compreendê-la. Já a Escola da Cultura e Personalidade procurou explicações para a
87
individualidade das culturas particulares. Chamou a atenção para os autores desta
corrente antropológica o fato de que, mesmo que duas culturas diferentes tomem
de empréstimo um padrão cultural, em cada uma delas ele sofrerá transformações,
ou seja, o padrão cultural adquirirá traços específicos de cada cultura, o que pode
ser compreendido como um processo de personalização do padrão cultural.
Vejamos o que diz Mello (2013, p. 237):
De certo modo, os configuracionistas não desprezam a cultura. Apenas
reconhecem os indivíduos como sujeitos e objetos da cultura. Dessa
forma, as características dos indivíduos deveriam ser idênticas às
características da cultura a que pertencem. Assim como, no indivíduo,
não existem separadamente princípios religiosos, econômicos, políticos,
jurídicos, etc., mas uma resultante, uma configuração, um “gênio”,
um estilo de ser que dirige e conforma o comportamento de todos os
membros desta cultura.
A Escola da Cultura e Personalidade busca a integração e a singularidade
do todo, tendo como tema básico a INTEGRAÇÃO DA CULTURA.
Para a Escola da Cultura e Personalidade, a CULTURA seria um conjunto
integrado de elementos culturais encontrados em determinado tempo e espaço,
cujas partes devem estar de tal modo entrelaçadas que formem um todo coeso e
uniforme, pois se uma das partes for afetada, automaticamente afetará as demais.
Seus principais representantes desta escola tentaram interpretar as culturas
em termos psicológicos de personalidade básica. O seu paradigma central é que
uma personalidade básica é partilhada por todos os membros de uma cultura. Os
autores estabelecem uma tipologia cultural, na qual haveria culturas com padrões
diferenciados. Ruth Benedict compreende que haveria dois padrões típicos de
culturas: dionisíacas (centradas no êxtase) e apolíneas (estruturadas no desejo de
moderação). Já a antropóloga Margaret Mead identifica três tipos de cultura. São
elas: pré-figurativas, pós-figurativas e cofigurativas. Sobre essas diferentes noções
de cultura, veremos a seguir.
5.1 PRINCIPAIS REPRESENTANTES DA ESCOLA DE CULTURA
E PERSONALIDADE
88
5.1.1 Edward Sapir (1884-1939)
Este autor foi o primeiro representante desta Escola a defender a ideia
de que todo comportamento cultural tem uma configuração inconsciente, que
nem sempre é comunicada à mente, mas que dá à cultura um feitio próprio.
Acrescentou, também, que todo comportamento é simbólico, ou seja, tem como
base os sentidos, que são compreendidos e comunicados entre os diferentes
elementos de uma sociedade.
Para Sapir, as culturas não são entidades verdadeiramente objetivas,
mas configurações abstratas de ideias e padrões de ação, que têm significados
infinitamente diferentes para os vários indivíduos do grupo em questão. Os
comportamentos culturais são simbólicos; a cultura, como a linguagem, baseia-se
em significações partilhadas por todos os membros de uma determinada sociedade.
O autor leva em consideração a linguagem dos povos, propondo, em
1921, uma nova perspectiva para a linguagem, ao sugerir que ela influencia
a forma como os indivíduos pensam. Essa ideia foi adotada e desenvolvida
durante a década de 1940 por seu ex-aluno Benjamin Lee Whorf (1897-1941),
dando origem à hipótese de Sapir-Whorf.
Para Sapir, a percepção de um observador sobre o mundo ao seu redor
é controlada de alguma forma fundamental pela linguagem que ele usa. Por
exemplo, o conceito de tempo nos tempos verbais (presente, passado, futuro).
Na língua hopi não há tempos verbais, mas marcas de diferenciação sobre
relato de fatos, expectativas e verdades gerais. Também para Benjamin Lee
Whorf, a linguagem pode restringir o pensamento, ou seja, a linguagem funda
a realidade. Nomes de cores, por exemplo, podem variar enormemente. Em
navajo, cinza e azul têm uma só palavra; em hebraico, há uma palavra para azul
do céu e outra para azul do mar.
Texto adaptado da fonte: Disponível em: <home.utad.pt/...sociocultural.../
TEMA%204%20%20ANTROPOLOGIA...>. Acesso em: 10 ago. 2015.
5.1.2 Ruth Benedict (1887-1948)
A estadunidense nascida em Nova York, Ruth Benedict, foi a principal
representante da Escola da Cultura e Personalidade. Inicialmente formou-se em
Literatura Inglesa e chegou a escrever alguns livros de poemas. No entanto, ao
se dedicar aos estudos antropológicos, conheceu Franz Boas e interessou-se pelos
seus estudos. Desta forma, começou a trabalhar também com os índios norte-
americanos. A obra que melhor representa suas convicções acadêmicas chama-
se “Esquemas de Cultura”, publicada em 1934. Além dessa, outras obras podem
ser destacadas, incluindo “O Crisântemo e a Espada”, que será tratada na leitura
complementar sugerida ao final deste tópico.
89
FIGURA 54 – RUTH BENEDICT
FONTE: Disponível em: <http://www.colegioweb.com.br/biografias/
ruth-benedict.html>. Acesso em: 24 jul. 2015.
Para Benedict, o todo não é apenas a soma das partes. Cada cultura possui
propósitos próprios ou molas mestras emocionais e intelectuais que entranham
o comportamento e as instituições de uma sociedade. Uma região, por exemplo,
deve ser observada como uma configuração cultural de instituições, costumes,
tradições, meios de transporte etc., dentro de certa área geográfica, com caráter
próprio.
Benedict consagrou a expressão padrão cultural (cultural pattern),
empregando-a num sentido muito mais global do que Sapir. Para a autora, a
unidade significativa que a Antropologia deve estudar é a configuração cultural.
Cada cultura é caracterizada por configurações particulares, que se infiltram em
todas as instituições, toda a vida social, todos os comportamentos individuais.
Mas um indivíduo numa cultura domina somente o que lhe é necessário para
desempenhar papéis definidos, ocupar posições determinadas.
Em seu estudo com os índios norte-americanos Kwakiutl (o mesmo
grupo estudado por Franz Boas), Ruth Benedict (1971; 1977), seguindo ao
filósofo Nietszche, distinguiu dois tipos de culturas:
90
CULTURAS DE TIPO “APOLÍNEO” CULTURAS DE TIPO “DIONISÍACO”
• Ex.: Índios “pueblo” os zuni.
• Ex.: Índios das planícies, os kwakiutl.
• Conformistas.
• Ambiciosos.
• Pacíficos.
• Individualistas.
• Solidários.
• Agressivos e violentos em ocasiões.
• Respeitadores de outrem.
• Desmesura em termos afetivos.
• Comedidos na expressão dos seus
• Símbolos da emoção, a apreciação dos
sentimentos.
excessos e o prazer.
• Símbolo da lógica, a razão e a ordem.
• Destacam o êxtase.
• Destacam-se pelo seu equilíbrio.
5.1.3 Margaret Mead (1901-1978)
A antropóloga Margaret Mead graduou-se (1923-1929) na Universidade
de Colúmbia, em Nova York, onde estudou com o antropólogo Franz Boas (1858-
1942) e trabalhou no Museu Americano de História Natural (1926-1969). Além
de uma pesquisa de campo (1925) sobre a adolescência em Samoa, estudou
os povos ágrafos da Oceania e complexas sociedades contemporâneas e foi
pioneira na utilização da fotografia para documentação de pesquisa etnográfica.
Seu interesse concentrou-se em vários aspectos da psicologia e da
cultura, inclusive a infância e a adolescência, o condicionamento cultural do
comportamento sexual, o caráter nacional e a mudança cultural. Publicou
importantes obras, tais como O caráter balinês (Balinese Character, 1940), um
marco na história da antropologia, da antropologia visual em especial,
Adolescência, sexo e cultura em Samoa (1928), Crescendo na Nova Guiné (1930), Sexo
e temperamento em três sociedades primitivas (1935), e Masculino e feminino (1949).
Em seus estudos, Margaret Mead identificou três tipos de culturas:
a) Culturas pós-figurativas: onde os filhos aprendem, em primeiro lugar,
com os pais. O novo é uma continuação e repetição do velho, negando-se a
mudança. Os velhos e os avôs têm muita importância. A mobilidade social
é reduzida e o passado forma um continuum com o presente e o futuro.
Cultura da família extensa.
b) Culturas cofigurativas: quebram o sistema pós-figurativo. Os jovens rejeitam
o modelo dos adultos e aprendem formas culturais inovadoras. Os adultos
acabam por verificar que os seus métodos são insuficientes ou pouco
adequados à formação do jovem e à sua integração na vida adulta. Os jovens
conseguem a mobilidade social por si desejada; ignoram os padrões dos
adultos ou são-lhes indiferentes. Cultura da família nuclear. Os velhos e os
seus conhecimentos deixam de ser pensados como necessários.
91
c) Culturas pré-figurativas: os adultos aprendem com os seus filhos. Nesta
nova sociedade, só os jovens estão à vontade, pois dominam os progressos
científicos. Em extremo, os adultos não têm descendentes e os filhos não têm
antepassados. O futuro é agora e produz-se uma quebra entre uns e outros.
O que interessava aos adultos já não interessa aos jovens.
Texto adaptado da fonte: Disponível em: <home.utad.pt/...sociocultural.../TEMA%204%20%20
ANTROPOLOGIA...>. Acesso em: 10 ago. 2015.
LEITURA COMPLEMENTAR
Contribuições de Ruth Benedict em seu estudo: “O Crisântemo e a Espada”
Neste livro, Ruth Benedict realiza um estudo antropológico sobre o Japão
e seus costumes. Alguns autores acreditam que este estudo foi encomendado pelo
governo dos Estados Unidos no período da II Guerra Mundial, para que fosse
possível compreender o povo contra o qual estavam combatendo.
Além disso, o livro explora o trabalho do antropólogo cultural e suas
pesquisas. Sabe-se que, por conta da guerra, Ruth Benedict ficou impossibilitada
de trabalhar diretamente no Japão, por isso a autora desenvolveu um método de
trabalho à distância. Ao escrever sobre ele ela defende que existem outras opções
eficazes para fazer a pesquisa antropológica, além do trabalho de campo. Esta obra,
publicada em 1946, descreve como compreender uma cultura diferente, por meio de
sua literatura, recortes de jornais, filmes e arquivos, entrevistas com imigrantes etc.
Num momento em que a II Guerra Mundial estava ocorrendo, muitos
antropólogos impossibilitados de visitar países como a Alemanha nazista ou
o Japão de Hirohito, valeram-se de tais materiais culturais e puderam produzir
estudos à distância. Eles tentavam entender os padrões culturais que deveriam
orientar seu ataque e esperavam encontrar pontos fracos ou maneiras de persuadi-
los de que haviam perdido.
O Japão, assim como outros países, tem as suas particularidades, e Benedict
explica que para entendê-los é preciso caminhar por todas as áreas, e ela completa
que “teria que observar a maneira como conduziam a guerra, e considerá-la, por ora, não
como um problema militar, e sim como um problema cultural”  (BENEDICT, p. 12), a
partir desse ponto se poderia encontrar as respostas procuradas. Sobre o trabalho
do antropólogo nesse caso, ela explica que “o antropólogo cultural dispõe de certas
habilitações, resultantes de sua formação, que o motivam a acrescentar a sua própria
contribuição num campo rico em estudiosos e observadores”. São abordadas as
diferenças e como o antropólogo vai se acostumando com essas diferenças entre sua
cultura e a do outro, para que se use essa diferença como base do estudo.
92
A princípio, os  americanos  consideravam muito natural os  prisioneiros
de guerra quererem que suas famílias soubessem que estavam vivos, e ficarem
calados quando inquiridos sobre o movimento das tropas etc. Enquanto isso,
prisioneiros de guerra japoneses, aparentemente, davam informações desse tipo
facilmente e não tentavam contatar suas famílias. Por que isso? Por que, além
disso, os asiáticos não tratavam os japoneses como libertadores do colonialismo
ocidental, nem aceitavam seu suposto óbvio lugar numa hierarquia na qual o
Japão ocupava o topo?
Benedict desempenhou um papel fundamental na compreensão do
lugar do  Imperador do Japão  na cultura popular japonesa, e formulou ao
presidente Franklin D. Roosevelt uma recomendação segundo a qual, “permitir
a perpetuação do governo imperial seria imprescindível para uma eventual
rendição”.
Desse texto pode-se ver uma nova maneira de se fazer a pesquisa
antropológica com eficácia, mesmo sem conseguir ir a campo buscar informações.
Benedict nos mostra como às vezes entrevistas com pessoas que já tiveram a
experiência ou leituras de outros autores podem ser suficientes para o estudo.
Outro ponto refere-se a saber o que faz do outro diferente e saber como lidar com
essas diferenças. Quais são as características (sejam elas culturais, físicas) que
nos fazem distintos de outros e o que faz um país realmente pertencer a aquele
povo. “Sua finalidade é um mundo assegurado para as diferenças, onde os Estados Unidos
possam ser inteiramente americanos sem ameaçar a paz do mundo, a França possa ser
França e o Japão possa ser Japão nessas mesmas condições”. (BENEDICT, p. 20).
Quando o livro foi publicado, um crítico escreveu que “O Crisântemo e a
Espada” “não tem credenciais, já que Benedict não teve qualquer experiência direta no
Japão”,  e descreveu o livro como  “considerado superficial e claramente racista”. No
entanto, o embaixador japonês fez a seguinte declaração em público:  “Em 1946,
Ruth Benedict, reconhecida antropóloga cultural americana, publicou um livro sobre o
Japão intitulado “O Crisântemo e a Espada”, que tem sido leitura obrigatória para muitos
estudiosos de temas japoneses.”
Esse livro nos faz pensar as possibilidades do trabalho antropológico,
especialmente diferentes perspectivas do trabalho de campo.
Texto adaptado - Fonte: Disponível em: <http://cafedefita.blogspot.com.br/2012/02/literatura-
ruth-benedict-e-o-crisantemo_22.html>. Acesso em: 9 ago. 2015.
93
RESUMO DO TÓPICO 1
l Quatro das principais escolas de pensamento que fundamentam a Antropologia.
São elas: a escola Evolucionista, Difusionista, o Particularismo Histórico e a
Escola da Cultura e Personalidade.
l A escola Evolucionista teve início no final do século XIX e se refere a uma corrente
de pensamento que compreende a reprodução das sociedades humanas como
resultado de um processo evolutivo. Seus principais expoentes foram: Lewis
Henry Morgan e Edward Burnet Tylor.
l O Difusionismo teve início do início do século XIX e refere-se a um processo, na
dinâmica cultural, em que os elementos ou complexos culturais se difundem de
uma sociedade para outra.
l O Difusionismo pode ser dividido em três escolas: O Difusionismo Inglês, ou
escola hiperdifusionista/heliocêntrica; a Escola alemã-austríaca ou histórico-
cultural ou histórico-geográfica; e a Escola Norte-americana, também chamada
de historicismo ou Particularismo Histórico.
l O principal representante da Escola Norte-americana foi Franz Boas, que
trabalhou por muitos anos com os inuítes e os kwakiutls.
l A Escola da Cultura e Personalidade, ou Configuracionismo Cultural, recebe
influência de Franz Boas, pois seus principais representantes (Edward Sapir,
Ruth Benedict e Margaret Mead) foram seus alunos. Além disso, também
sofreram influências de Sigmund Freud e do filósofo Friedrich Nietzsche.
l Esta escola concebe a cultura como detentora de uma “Personalidade de base”,
partilhada por todos os membros. Os autores estabelecem uma tipologia
cultural, na qual haveria culturas com padrões diferenciados.
94
AUTOATIVIDADE
1 Do ponto de vista das escolas antropológicas, o Evolucionismo foi a primeira
corrente de pensamento a teorizar sobre o desenvolvimento das sociedades
humanas, enfatizando a cultura como um elemento impulsionador das
mudanças dos padrões culturais. Nesse sentido, Morgan foi um importante
colaborador ao desenvolver a teoria do processo evolutivo das sociedades,
que consiste em organizar as fases do desenvolvimento da cultura em três
períodos: Selvageria, Barbárie e Civilização. Com base nessas informações,
analise as sentenças a seguir e classifique V para as sentenças verdadeiras e
F para as falsas.
( ) O estágio da civilização ocorre desde a invenção do alfabeto fonético e do
uso da escrita, até o presente momento.
( ) A selvageria é uma etapa que ocorre desde a infância da humanidade até
a invenção de artefatos de caça e pesca, como o arco e a flecha.
( ) O estágio da barbárie ocorre a partir do surgimento da linguagem, dos
símbolos e da escrita até a idade moderna.
( ) A selvageria se refere ao período que vai da invenção da arte da cerâmica
até a fundição de minérios e instrumentos de ferro.
Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA.
( ) V – F – V – F.
( ) V – V – F – V.
( ) F – V – V – F.
( ) V – F – F – F.
2 O difusionismo é uma escola de pensamento antropológico que surgiu no
século XIX e que se refere a um conjunto de teorias críticas ao evolucionismo,
corrente antropológica anterior a ela. De maneira geral, pode-se afirmar que
os estudiosos da escola difusionista opõem-se à ideia de que as culturas se
desenvolvem de forma linear para todas as sociedades, e defendem a noção
de difusão das características culturais. Com base nesses argumentos e de
sua interpretação nesta unidade, conceitue o termo Difusão.
95
96
UNIDADE 2 TÓPICO 2
ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS:
FUNCIONALISMO, ESTRUTURAL-
FUNCIONALISMO, ESTRUTURALISMO,
NEOEVOLUCIONISMO E PÓS-MODERNISMO
1 INTRODUÇÃO
Neste segundo tópico daremos continuidade à apresentação das
diferentes escolas antropológicas que ajudaram a construir o campo de estudos
da disciplina de Antropologia. Devemos lembrar que o desenvolvimento das
ciências, de maneira geral, sofreu alterações ao longo da história e os estudos
antropológicos também refletem estas mudanças, conforme poderemos verificar
ao longo deste tópico.
2 AS ESCOLAS FUNCIONALISTA E ESTRUTURAL-
FUNCIONALISTA
O desenvolvimento da perspectiva Funcionalista e Estrutural-
Funcionalista na Antropologia foi profundamente marcado pela influência dos
sociólogos franceses Émile Durkheim e Marcel Mauss, que adotavam uma postura
sincronicista em seus estudos. Logo, esta postura também foi se impondo nos
estudos de vários antropólogos, principalmente de Malinowski e Radcliffe-Brown,
os principais representantes das Escolas Funcionalista e Estrutural-Funcionalista.
Esses autores compreendiam a cultura como sistemas sociais inter-relacionados,
compondo um todo funcional.
Para os autores, o estudo da sociedade deveria ser pensado como um
organismo, observando como ocorrem os processos de interação e interdependência,
como suas partes desempenham suas funções e mantêm o organismo (sociedade)
em contínua existência.
Para o funcionalismo, a permanência de hábitos culturais ao longo do tempo
só ocorre, e só pode ser explicada, pela função que eles realizam na sociedade
como um todo. Ou seja, diferentemente do evolucionismo, o funcionalismo não
acredita que alguns traços sociais resistam por conta de um atraso na “escala social
evolutiva”, mas que essa resistência é resultado da importância da sua função para
a organização social.
97
Para os seguidores da Escola Funcionalista e Estrutural-Funcionalista,
cada costume é socialmente significativo, uma vez que integra uma
ESTRUTURA, participando de um sistema organizado de atividades. Uma
cultura não é simplesmente um organismo, mas um SISTEMA. Suas partes não
podem ser plenamente compreendidas separadamente do todo, e o todo deve
ser compreendido em termos de suas partes, suas relações umas com as outras
e com o sistema sociocultural em conjunto. Qualquer traço cultural ou costume,
qualquer objeto material ou qualquer ideia, como o fogo, uma peça de cerâmica,
a noção de deus ou deuses etc., que existem no interior das sociedades, têm
funções específicas e mantêm relações com cada um dos outros aspectos
da cultura para a manutenção do seu modo de vida total. Cada costume é
socialmente significativo, já que integra uma estrutura, participando de um
sistema organizado de atividades.
Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/
search?q=escola+configuracionista&oq=escola+configuracionista&aqs=chrome..6
9i57.7352j0j7&sourceid=chrome&es_sm=122&ie=UTF-8 >. Acesso em: 20 jul. 2015.
2.1 A ESCOLA SOCIOLÓGICA FRANCESA – OS
PRECURSORES DO FUNCIONALISMO E ESTRUTURAL-
FUNCIONALISMO
Émile Durkheim não possui trabalhos de cunho etnográfico, exceto sua
monografia sobre o totemismo australiano, mas influenciou muitos antropólogos
de sua época. Ele entendia a cultura como um organismo coletivo, cujos órgãos
seriam as instituições sociais.
Na sua área acadêmica, Durkheim escreveu, entre outros, os textos “Da
divisão do Trabalho Social” (1983) e “As regras do método sociológico” (1895). Estas
obras representaram um verdadeiro choque teórico para a comunidade das Ciências
Sociais, pois Durkheim compreendia que os fatos sociais deviam ser explicados
em termos de variáveis sociais e não por meio da psicologia ou da biologia. Para
ele, o fato social expressa um interesse verdadeiramente social, mesmo que esteja
relacionado a elementos afetivos, fisiológicos ou comportamentais.
Marcel Mauss, que era sobrinho e parceiro de trabalho de Durkheim,
também partilhava desta mesma concepção teórica. Marcel Mauss compreendia o
fato social como um fato total, que só pode ter significado a partir de outros. Este
autor refere-se à sociologia como uma ciência que estuda os comportamentos das
sociedades humanas. Em seu artigo “Ensaio sobre o dom” (1924), ele escreve sobre
o que seria um “princípio-chave” para compreender as relações sociais, que ele
chama de princípio da reciprocidade. Esse conceito será retomado mais tarde por
outro antropólogo bastante conhecido: Lévi-Strauss.
98
2.2 A ESCOLA FUNCIONALISTA E SEU PRINCIPAL
REPRESENTANTE: BRONISLAW MALINOWSKI
O antropólogo Bronislaw Malinowski era natural de Cracóvia, uma cidade
polonesa, com cerca de 853 mil habitantes. Seu pai era filólogo, motivo pelo qual
se interessou pela literatura desde cedo. Doutorou-se em Física e ficou por algum
tempo no famoso laboratório de Leipzig, na Alemanha. Mais tarde, Malinowski
se apaixonou pela antropologia, principalmente devido ao seu contato com a
temática do parentesco.
Logo ele começa a realizar expedições às ilhas Trobriand, na Nova Guiné,
e de lá extrai importantes dados etnográficos. Em 1916 ele publicou, pela primeira
vez, um estudo intitulado: “Baloma, os espíritos da morte nas ilhas Trobriand”.
Neste livro ele descreve as relações existentes entre os espíritos dos defuntos
(Baloma) e a vida simbólica e festiva do povo trobriandês.
FIGURA 55 - BRONISLAW MALINOWSKI NAS ILHAS TROBRIAND, NA MELANÉSIA
Fonte: Disponível em: <http://www.forumpermanente.org/event_pres/encontros/questoes-
indigenas-e-museus/relatos/auto-representacao-cultura-expandida-e-comunicacao-
museografica>. Acesso em: 20 jul. 2015.
Na definição de Malinowski, conforme destaca BARRIO (2005, p. 115),
“cultura refere-se ao conjunto de tradições e objetos materiais a partir dos quais
o grupo social se mantém coeso e organizado e a partir do qual o indivíduo é
moldado”. De acordo com o autor, a cultura possui uma série de princípios
organizativos que ele compreende como conceito de “função”. De acordo
com Barrio (2005, p. 116), este conceito atua em três âmbitos principais: “a) No
âmbito das relações dos costumes e instituições entre si; b) No âmbito dos efeitos
teleológicos de um costume ou prática e c) No âmbito da conjunção de todas as
práticas em favor da preservação do sistema social”.
99
Malinowski definiu o conceito de Função em dois níveis fundamentais: por
um lado, o conceito de função refere-se às respostas que a cultura oferece para
solucionar as necessidades básicas das pessoas, e por outro lado, as respostas que
fornece para as necessidades sociais do grupo, como, por exemplo, as relações
maritais, a maternidade e a paternidade e todas as outras relações sociais que
ocorrem no grupo. Para Malinowski, a cultura humana é o alicerce das sociedades.
Outra de suas importantes obras foi escrita em Londres em 1922, com
o título “Os Argonautas do Pacífico Ocidental”. Nessa obra, o autor explica o
funcionamento da economia das ilhas melanésias por meio do estudo de uma
instituição fundamental, chamada o anel “Kula”.
2.2.1 Mas o que é Kula?
De acordo com Barrio (2005), o Kula consiste em um intercâmbio circular
de objetos simbolicamente valiosos que propicia contatos entre as tribos das ilhas
da Nova Guiné. No sentido horário circulam os colares de conchas vermelhas,
que os nativos chamam de soulava, e no sentido anti-horário circulam braceletes
de conchas brancas chamados de mwali. As canoas nas quais navegam esses
objetos valiosos são delicadamente decoradas, assim como os tripulantes que
levam os presentes.
FIGURA 56 – A CERIMÔNIA KULA
FONTE: Disponível em: <https://www.flickr.com/photos/pedro-saura/5121692352>. Acesso
em: 20 ago. 2015.
100
Malinowski entendia que por meio deste intercâmbio estaria organizada
uma rede de relações e rituais complicados que conformariam a cultura dos povos
novaguineanos. Para Malinowski, a cultura destas sociedades compunha um
mosaico, que, por qualquer parte que se iniciasse a compreender, se chegava à
compreensão do todo.
Malinowski representou para a Antropologia um marco de passagem na
qualificação e rigor da pesquisa de campo, pois até o momento a etnografia não
estava completamente consolidada. Foram vários os caminhos propostos para a
pesquisa etnográfica, desenvolvidos por Malinowski.
O primeiro refere-se à busca pela organização da tribo e pela anatomia
de sua cultura, que devem ser delineadas através do método da documentação
concreta e estatística, já que o objetivo fundamental da pesquisa de campo é
delinear o esquema básico da vida tribal. Por isso, torna-se importante observar
todos os aspectos da cultura nativa e anotar o maior número possível de
manifestações concretas do que é observado em um diário de campo.
O segundo caminho completa o primeiro, ao tratar dos imponderáveis
da vida real, referido aos fenômenos cotidianos que devem ser observados
por meio do acompanhamento contínuo da tribo. Assim, os diversos tipos de
comportamentos podem ser coletados através de observações detalhadas e
minuciosas, possibilitadas apenas pelo contato íntimo com a vida nativa.
O terceiro passo é denominado de corpus inscriptionum, referido à coleta
de narrativas típicas, palavras e expressões características da mentalidade
nativa que contribuem para a compreensão da sua visão de mundo. Assim,
para além do esqueleto da vida nativa, composto pelo corpo e sangue da tribo,
ou melhor, pelas descrições das manifestações, comportamentos e costumes
habituais, o antropólogo deve ser capaz de apreender o seu espírito, ou seja,
o ponto de vista nativo. Procurando descobrir os modos de pensar e sentir
típicos à cultura estudada.
A partir da aplicação prática destes princípios, Malinowski rompe
com uma “antropologia de gabinete” e inaugura um novo estilo de pesquisa,
pautado em um constante diálogo entre a observação participante e as descrições
etnográficas. O método proposto por Malinowski compreende uma investigação
aprofundada da vida nativa, de modo que o etnógrafo possa compreender a
organização social da vida tribal, sintetizada através da compreensão do ponto
de vista nativo.
Disponível em: <http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/
view/7104/4134>. Acesso em: 15 ago. 2015.
101
Malinowski passou anos com as comunidades pesquisadas e realizou
suas observações de forma a interferir minimamente em suas atividades. Ele
não se preocupou tanto com a compreensão dos fenômenos observados, quanto
com a própria observação, sistematizada e descritiva. Mesmo sem compreender
as atividades do grupo, seu objetivo foi realizar o registro, para somente depois
interpretá-las.
2.3 TEORIA DAS NECESSIDADES HUMANAS DE MALINOWSKI
Na concepção de Malinowski, os seres humanos fazem parte de uma
mesma espécie animal, e, portanto, somente sobrevivem porque suas necessidades
biológicas são satisfeitas por meio da cultura em que vivem. Nesse sentido, as
ideias de cultura e natureza humana estão imbricadas, na medida em que, por
meio das culturas, se desenvolvem instrumentos e estratégias em busca da
sobrevivência humana e social. Por isso Malinowski elaborou uma teoria universal
das necessidades humanas, segundo a qual teríamos três categorias de necessidades
fundamentais. São elas:
QUADRO 3: NECESSIDADES HUMANAS - MALINOWSKI
Categorias de Necessidades Humanas Tipos de Necessidades Humanas
Primárias ou biológicas Nutrição, defesa, excreção etc.
Derivadas ou instrumentais Organização Econômica, educação etc.
Integrativas ou sintéticas Magia, religião, arte e outras
FONTE: Adaptado de Marconi e Presotto (2001, p. 264)
Para Malinowski, a cultura se desenvolve por meio das instituições sociais
para dar resposta às diferentes necessidades psicológicas das pessoas. Por este
motivo é que as instituições emergem na cultura, como elementos coletivos
voltados às necessidades individuais (Necessidades Humanas).
Para Malinowski, são as instituições, precisamente, os elementos reais da
cultura, e não apenas as relações ou os traços culturais, porque eles só ocorrem
devido à sua relação com as instituições à qual pertencem.
Por fim, com Malinowski, a Antropologia se torna uma ciência que adquire
um caráter de respeito aos diferentes. As perspectivas etnocêntricas tão presentes na
teoria antropológica evolucionista chegam ao fim com a introdução do pensamento
de Malinowski, que considera toda a cultura como um sistema perfeitamente
organizado em si mesmo. Para ele, as diferentes sociedades possuíam o mesmo
status, descartando a ideia de sociedades atrasadas ou primitivas, mas enfatizando
as diferenças como elementos importantes para a constituição da organização
social de cada grupo.
102
FIGURA 57 - BRONISLAW MALINOWSKI NAS ILHAS TROBRIAND, NA MELANÉSIA
FONTE: Disponível em: <http://www.robertarnold.co.uk/seb-and-lucy/Seb%20and%20
Lucy.html>. Acesso em: 20 ago. 2015.
DICAS
Para aprofundamento desta temática, sugerimos o documentário “Estranhos
no exterior: fora da varanda”, que trata sobre a vida e o trabalho de Bronislaw Malinowski
com os habitantes de uma ilha ao leste da Nova Guiné, chamados trobriandeses. Fonte:
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Qn_gLroH3bQ>. Acesso em: 19
ago. 2015.
2.3.1 A escola estrutural-funcionalista: RadcliffE-Brown
O antropólogo Alfred Reginald Radcliffe-Brown nasceu em Birmingham,
na Inglaterra (1881-1955). Filho de família operária, com esforço formou-se
antropólogo na Universidade de Oxford, e teve como referência os antropólogos
da época, especialmente Rivers, importante antropólogo difusionista. Realizou
seu primeiro estudo nas Ilhas Andaman, no Golfo de Bengala, Índia, com forte
influência da escola difusionista. No entanto, com o passar do tempo, a influência
dos trabalhos de Durkheim, como veremos adiante, fez com que Radcliffe-Brown
abandonasse o difusionismo, fundando no decorrer de sua vida acadêmica a
Escola Estrutural-Funcionalista.
103
FIGURA 58 – ALFRED REGINALD RADCLIFFE-BROWN
FONTE: Disponível em: <https://hantuem2011.wordpress.
com/2013/07/25/5-aula/>. Acesso em: 3 set. 2015.
Da mesma forma como Malinowski, Radcliffe-Brown compreende
a sociedade como um sistema, no qual as relações sociais ocorrem de forma
interdependente. No entanto, a posição deste antropólogo pode ser entendida como
intermediária entre o funcionalismo e o estruturalismo. A perspectiva teórica de
Radcliffe-Brown se diferencia parcialmente da perspectiva de Malinowski porque
ele considera, além da função, a estrutura social como elemento fundamental para
a manutenção do equilíbrio social. Além disso, de acordo com Mello (2015, p. 254),
“o pensamento de Radcliffe-Brown oferece uma perspectiva mais sociológica,
enquanto Malinowski apresenta uma perspectiva mais eclética, considerando
especialmente os aspectos psicológicos (teoria das necessidades) na compreensão
da realidade social”.
Os conceitos básicos da teoria de Radcliffe-Brown são “estrutura” e
“função” e sua perspectiva teórica é muito semelhante à de Émile Durkheim,
especialmente quando se refere a estes dois conceitos. Na sua compreensão sobre
estrutura e função, o autor realiza uma analogia com organismos vivos. Vejamos a
seguir o que diz Mello (2013, p. 255).
Para maior elucidação do conceito (função) é conveniente empregarmos
a analogia entre vida social e vida orgânica. Como todas as analogias,
isto deve ser feito com cautela. O organismo animal é uma aglomeração
de células e fluidos intersticiais dispostos uns em relação com os outros,
não como um todo integrado [...]. O sistema de relações pelo qual essas
unidades se relacionam é a estrutura orgânica. Tal como os termos são
empregados aqui, o organismo não é em si a estrutura; é um acúmulo
de unidades (células e moléculas) dispostas numa estrutura, isto é,
numa série de relações; o organismo tem uma estrutura [...]. A estrutura
104
deve, pois, ser definida como uma série de relações entre entidades.
(A estrutura de uma célula é, no mesmo sentido, uma série de relações
entre elétrons e prótons). Na medida em que vive, o organismo mantém
certa identidade de suas partes constituintes. Perde algumas moléculas,
ganha outras, mas a disposição estrutural das unidades continua a
mesma [...]. O conceito de “função” tal como é aqui definido implica,
pois, a noção de uma estrutura constituída de uma série de relações
entre entidades unidades, sendo mantida a continuidade da estrutura
por um processo vital constituído das atividades integrantes [...].
De acordo com Mello (2013), portanto, o que se pode depreender a respeito
do conceito de “função” é que se refere às contribuições que uma atividade do
sistema proporciona à atividade total da qual faz parte.
Dito de outra forma, a estrutura social representa as maneiras como
os grupos e indivíduos estão organizados e relacionados entre si na entidade
funcional, que é a sociedade. No centro da teoria sistêmica de Radcliffe-Brown
está o conceito de sociedade, por meio do qual, segundo Marconi e Presotto (2001),
“a função de um elemento é o papel que ele representa em toda a vida social, razão
mesma da manutenção da estrutura e da integração social. Sobre o conceito de
Estrutura Social, vejamos a seguir o que nos informa Cassiano (2012, p. 1):
Brown define Estrutura social como sendo a rede de relações complexa
que cria laços entre os seres humanos. Essas relações se dão em um
todo integrado, o qual ele chamou de organismo social, fazendo uma
analogia ao organismo dos seres vivos, estudado nas ciências naturais.
Em outras palavras, a estrutura social é estabelecida por uma série de
relações sociais entre os indivíduos, em um todo integrado  de maneira
organizada, com a finalidade de garantir a estabilidade e a sobrevivência 
de um determinado grupo ou de uma determinada sociedade. Ele
considera dois aspectos relevantes para se caracterizar o termo
“estrutura social”. São eles: (a) As relações sociais de pessoa a pessoa,
como, por exemplo, a relação de parentesco, estudada pelo próprio
Radcliffe-Brown’; (b) A diferenciação de indivíduos e de classes e seu
papel social. Na concepção browniana nos estudos de estrutura social,
a realidade concreta que se deve apreender é o conjunto de relações
existentes sincronicamente  que cria laços entre  os seres humanos,
formando assim uma rede complexa de relacionamento integrado
dentro de um organismo social.
Para demonstrar suas análises sobre função e estrutura social, Radcliffe-
Brown escreveu um dos seus mais importantes estudos, intitulado: “Estrutura
e Função na Sociedade Primitiva”. Nesse estudo a tendência sincronicista se
acentua, assim como a perspectiva sociológica baseada em Durkheim. Radcliffe-
Brown procurou verificar as relações básicas entre as sociedades, procurando
interpretar o significado dos mitos, religiões, rituais, e suas influências na
manutenção da sociedade.
Para compreender o objetivo de um determinado ritual, é importante
buscar seu significado, ou seja, verificar com o grupo pesquisado os motivos pelos
quais revivem os rituais, quais suas motivações e sentimentos, para posteriormente
identificar sua função social.
105
As concepções de Radcliffe-Brown sobre os sistemas de sentimento, em
seu trabalho “Estrutura e Função na Sociedade Primitiva”, assemelham-se à ideia
de “representações coletivas” de Émile Durkheim, conforme destacado no texto a
seguir.
Para Radcliffe-Brown, os sistemas de sentimentos regulam a atuação
dos indivíduos de acordo com as necessidades da sociedade; tais sentimentos,
que não são inatos, são desenvolvidos e expressos no indivíduo pela ação da
sociedade sobre eles. A sociedade mantém-se coesa por força de uma estrutura
de normas morais e regras civis regulatórias do comportamento que são
independentes dos indivíduos que as reproduzem. Estas normas e regras atuam
então como uma espécie de ‘consciência coletiva’. Desse modo, o indivíduo
submete-se aos desígnios da sociedade e é o seu produto.
Assim, para Radcliffe-Brown, os indivíduos são apenas a expressão da
estrutura social. Aí reside a grande diferença que o separa de Malinowski, apesar
de comungarem princípios funcionalistas (ou pelo menos compartilharem a
rubrica de ‘funcionalista’). Enquanto considera de mais relevante os princípios
da estrutura social e os mecanismos de integração social, Malinowski detém-se
nas motivações humanas e define a função dos elementos culturais segundo as
necessidades biológicas do indivíduo.
FONTE: Disponível em: <http://ant1mcc.blogspot.com.br/2009/05/o-funcionalismo-de-radcliffe-
brown.html>. Acesso em: 15 ago. 2015.
2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A ESCOLA FUNCIONISTA
E ESTRUTURAL-FUNCIONALISTA
Como forma de demonstrar sinteticamente a contribuição das
Escolas Funcionalista e Estrutural-Funcionalista, podemos levantar algumas
características principais, a partir da adaptação da leitura de Marconi e Presotto
(2001, p. 266). São elas:
a) O entendimento de que a cultura é um todo sistêmico e que deve ser observado
no tempo presente.
b) Compreensão de que a cultura se constitui de partes interdependentes que se
integram, formando um sistema sociocultural.
c) Criação de uma teoria das necessidades humanas.
d) Reconhecimento e valorização da função dos elementos da cultura como
mantenedores da estrutura social.
e) Para Malinowski, a unidade de análise são as instituições sociais, e para Radcliffe-
Brown, é a estrutura-funcional.
De maneira geral, pode-se dizer que as Escolas Funcionalista e Estrutural-
Funcionalista foram importantes para a Antropologia, principalmente porque
valorizaram a pesquisa de campo, como um elemento fundamental do fazer
106
antropológico, valorizando a aproximação entre pesquisador e pesquisado. Estas
escolas descontruíram a ideia de culturas superiores e inferiores e, por meio do
relativismo cultural, interpretaram as culturas estudadas a partir dos parâmetros
desenvolvidos por elas próprias, sem os valores e pré-noções dos observadores.
Neste tópico foram trabalhadas juntas, porque, apesar de terem alguns
embates acadêmicos, os pensamentos de Radcliffe-Brown e Malinowski são
similares.
3 A ESCOLA ESTRUTURALISTA: CLAUDE LÉVI-STRAUSS
Na segunda metade do século XX inicia-se uma nova corrente científica, o
“Estruturalismo”, que acabou influenciando muito fortemente as Ciências Sociais,
e, portanto, também a Antropologia. Esta é a Escola Antropológica mais recente,
que se desenvolveu paralelamente ao funcionalismo, tendo seu apogeu entre as
décadas de 1940 e 1950. O estruturalismo adotou uma posição teórica própria,
levando em conta principalmente os elementos subjetivos do estudo das culturas.
Mesmo tendo adquirido uma postura autêntica em relação à compreensão
do fenômeno cultural, não deixou de dialogar com as outras perspectivas
antropológicas, especialmente com a corrente funcionalista. Na compreensão de
alguns autores, conforme destacam Marconi e Presotto (2001), o estruturalismo
chegaria a ser uma “espécie de refinamento do funcionalismo”.
Que pontos poderiam ser considerados convergentes entre o Estruturalismo
e o Funcionalismo? Vejamos a seguir:
1) A ideia de que a cultura se desenvolve de forma sincrônica.
2) A ideia de que o fenômeno cultural possuiu propriedades sincrônicas.
3) A dimensão globalizante do fenômeno da cultura.
4) A adoção do termo estrutura (ainda que tenha sido utilizado com perspectivas
distintas).
5) Influência da Escola Antropológica Francesa.
De maneira geral, pode-se dizer que o Estruturalismo possui duas
dimensões distintas quanto ao seu conceito. Ele pode ser compreendido como
um conjunto de teorias sobre a cultura, mas também pode ser tomado como um
método de análise, conforme poderemos verificar mais adiante.
3.1 PRINCIPAL REPRESENTANTE DA ESCOLA ESTRUTURALISTA:
CLAUDE LÉVI-STRAUSS
O antropólogo Claude Lévi-Strauss foi o mais importante representante da
escola estruturalista do século XX e ainda é muito respeitado no meio acadêmico.
107
Este antropólogo nasceu na Bélgica e mais tarde mudou-se para a França,
formando-se em Filosofia e Direito. Depois de ter realizado trabalhos em muitos
países, incluindo EUA e Brasil, foi condecorado com a medalha de ouro do “Centre
National de la Recherche Scientifique”, na França.
O autor recebeu influências de pelo menos quatro áreas de conhecimento
distintas, como a corrente antropossociológica (inglesa e francesa), o campo
linguístico, a corrente sociológica marxista e a psicanálise de Freud.
Com relação aos autores antropossociológicos, podemos identificar o
pensamento de Morgan, Malinowski e Radcliffe-Brown. No entanto, para Lévi-
Strauss é a sociologia francesa com a qual melhor se conecta o desenvolvimento
de seu trabalho, tendo Marcel Mauss e Émile Durkheim como suas principais
referências. É, inclusive, a partir da concepção de Marcel Mauss sobre o “inconsciente
social e a regra do dom” que Lévi-Strauss vai desenvolver uma de suas principais
obras, chamada “As estruturas Elementares do Parentesco”. Além das influências
sociológicas e antropológicas, a linguística, especialmente o trabalho do linguista
Saussure, foi importante para o desenvolvimento do pensamento de Lévi-Strauss.
Outras referências ainda podem ser identificadas como a psicanálise, o marxismo
e o existencialismo de Sartre.
De maneira geral, Lévi-Strauss é considerado um antropólogo brilhante.
Sua extensa obra é considerada bastante complexa e de difícil interpretação para
aqueles que não estão envolvidos com as suas posições conceituais.
“Estruturas Elementares do Parentesco”, de 1949, é considerada uma das
suas mais importantes obras. Este título refere-se aos sistemas de parentesco,
que ele estuda profundamente durante suas atividades de pesquisa, como uma
organização social que ocorre a partir do casamento.
Outras obras também foram importantes em sua carreira de pesquisador,
uma delas, bem conhecida e considerada uma de suas obras-primas, é a chamada
“Tristes Trópicos”, escrita a partir de seus estudos realizados no Brasil, no período
em que Lévi-Strauss lecionou na Universidade de São Paulo (USP), a convite de
uma missão universitária francesa.
No Brasil, ele ficou de 1935 até 1939 e nesse período estudou algumas
comunidades indígenas do interior do país. Os registros apreendidos a partir dos
encontros resultaram no seu livro “Tristes Trópicos”.
108
FIGURA 59 – CLAUDE LÉVI-STRAUSS E A CAPA DE SEU LIVRO “TRISTES TRÓPICOS”
FONTE: Disponível em: <http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.
php?conteudo=1276>. Acesso em: 19 jul. 2015.
Em seus escritos, Lévi-Strauss demonstrava claramente o repúdio à ideia de
que haveria uma superioridade inata de algumas sociedades em relação a outras.
Na sua concepção de humanidade, ele defendia que a mente dos “selvagens” era
equivalente à mente de qualquer pessoa de sociedades mais complexas.
3.2 RELAÇÕES SOCIAIS, ESTRUTURA E MODELOS
A partir do modelo estrutural desenvolvido por Ferdinand de Saussure,
para a área de linguística, Lévi-Strauss adaptou para a área de antropologia e
passou a utilizá-lo. Ele utilizou as ideias de Saussure para desenvolver o sentido
do termo “estrutura”. Para Lévi-Strauss, a estrutura social não se confunde com
a realidade empírica. A estrutura seria um modelo de análise construído a partir
da observação da realidade social. Ou seja, não se pode confundir estrutura social
com relações sociais, porque, conforme destacam Marconi e Presotto (2001), “as
relações sociais são a matéria-prima empregada para a construção dos modelos
que tornam manifesta a própria estrutura social”. Nesse sentido, compreende-se
que o objeto de estudo do estruturalismo são as relações sociais. Vejamos a seguir
o conceito de estrutura, descrito por Marconi e Presotto (2001, p. 271):
109
O conceito de estrutura se refere a um sistema que reflete a realidade
social ou cultural, seu funcionamento, as alterações regulares a que
está sujeita, o rumo das transformações provocadas por fatores
externos à cultura e as previsões de reação quando alguma de suas
partes for afetada.
Para receber a denominação de estrutura, na concepção de Lévi-Strauss, os
modelos estruturais devem satisfazer a quatro condições básicas. São elas:
1. A ideia de estrutura deve estar vinculada à ideia de sistema. A estrutura
de caráter sistêmico indica que qualquer elemento que eventualmente for
modificado implicará a modificação de todos os outros (aqui se sobressai a
noção de interdependência).
2. Todo modelo pertence a um grupo de transformações, cada uma das quais
corresponde a um modelo da mesma família, de modo que o conjunto destas
transformações constitui um grupo de modelos.
3. As propriedades indicadas acima permitem prever de que modo reagirá o
modelo, em caso de modificação de um de seus elementos.
4. O modelo deve ser construído de tal modo que seu funcionamento possa explicar
todos os fatos observados.
O pensamento de Lévi-Strauss é bastante complexo, no entanto, Lévi-
Strauss consegue adaptar as diferentes perspectivas teóricas para a compreensão
do fenômeno cultural, procurando compreender uma realidade mais profunda
no comportamento e nos condicionantes culturais. Conforme destacam Marconi e
Presotto (2001), “o que importa não é a maneira como os homens veem a realidade,
mas sim o modo como podemos explicar a sua maneira de ver e agir”.
Nesse sentido, Lévi-Strauss nos permite conhecer uma realidade muito
mais profunda, que diz respeito mesmo aos condicionamentos inconscientes dos
grupos/indivíduos pesquisados.
3.2.1. Natureza e história
Com relação a este tema, as contribuições de Marx foram, sem dúvida,
muito importantes. De toda forma, deve-se deixar claro a distinção entre os
pensamentos de Lévi-Strauss e Marx. Embora ambos considerassem a estrutura
consciente de uma cultura, ou seja, considerassem que na cultura ocorrem regras
e padrões como elementos de reprodução da vida social, ou seja, de preservação
da sua realidade objetiva, Lévi-Strauss privilegia a natureza e a ordem natural
ao avaliar as culturas. Para ele, a história é produto da natureza. Marx, por sua
vez, considera a história como elemento de construção e aperfeiçoamento das
condições humanas.
110
3.2.2 Culturas simples e complexas
Para melhor compreender e apresentar as estruturas mentais inconscientes
básicas de uma sociedade/cultura humana, Lévi-Strauss organizou as culturas em
dois tipos, que ele chamou de culturas quentes e culturas frias.
a) Culturas frias: Por sociedades frias, Lévi-Strauss convencionou chamar as
sociedades que estão mais próximas do estado de natureza, ou seja, aquelas que
apresentam estruturas simples, que são pequenas, que aparentemente vivem
em harmonia e que dificilmente se abrem a novos elementos culturais. Estas
sociedades, de acordo com o autor, oferecem melhores condições de observação
das suas estruturas mentais inconscientes.
b) Culturas quentes: Por sociedades quentes o autor convencionou chamar as
sociedades mais complexas, mais antigas e industrializadas. São sociedades que
estão em transformação constante e que aparentam um estado de desorganização
e falta de harmonia. Para Lévi-Strauss, as sociedades quentes apresentam maior
desafio para a compreensão de suas estruturas mentais inconscientes.
3.2.3 O que seriam os modelos consciente e inconsciente
que Lévi-Strauss utiliza?
A partir de modelos anteriores, Lévi-Strauss procura desenvolver um
método capaz de captar os modelos inconscientes que condicionam e explicam os
modelos conscientes.
a) Por modelo consciente ele denomina as normas/padrões de comportamento que
existem em uma determinada sociedade/cultura. De acordo com Lévi-Strauss,
o modelo consciente é um dos mais simples que existe, porque sua função é
perpetuar as crenças, os usos e os costumes, mas não explicar os motivos de
sua existência. Por este motivo ele afirma que o modelo consciente é a parte da
cultura facilmente observada.
b) Já o modelo inconsciente é o que Lévi-Strauss chama de “Estrutura Profunda”, ou
seja, é precisamente aquilo que explica as causas das representações conscientes,
concretas de um grupo humano. Dito de outra maneira, o modelo inconsciente
é aquilo que não se pode verificar de forma objetiva, mas sim o que é possível
verificar por trás de uma atitude/comportamento/norma social, aquilo que está
camuflado.
Para interpretar a realidade objetiva, podemos dizer que, enquanto método
de análise, o estruturalismo possui alguns elementos básicos fundamentais para a
sua caracterização. São eles:
111
1. Visão sincrônica e sistêmica da cultura.
2. Visão globalizante do fenômeno cultural, ou seja, o conhecimento do todo leva
à compreensão das partes.
3. Adoção dos conceitos de Estrutura Social e Relações Sociais.
4. Utilização de modelos na análise cultural.
5. Unidades de análise: estruturas mentais inconscientes.
6. Compreensão ampla da realidade cultural.
Por fim, para concluir a discussão sobre estruturalismo, destacamos que a
fragilidade do estruturalismo de Lévi-Strauss está justamente na preocupação de
que, ao querer observar as características subjetivas dos padrões culturais de um
grupo social, o pesquisador faça uso de sua subjetividade.
4 A ESCOLA NEOEVOLUCIONISTA
Após a Segunda Guerra Mundial e a descolonização de muitos países do
Terceiro Mundo, a antropologia tomou um novo rumo, procurando interessar-se
pelas próprias culturas e não somente pelas sociedades tribais, distantes e pouco
conhecidas. Nesse bojo, assim como outras escolas, o neoevolucionismo vai em
busca de rever as interpretações clássicas do evolucionismo.
Para os teóricos neoevolucionistas, a evolução social está relacionada ao
processo de evolução tecnológica. Seus teóricos descrevem o desenvolvimento
da cultura por meio de estágios, muito semelhantes aos estágios evolutivos de
Morgan, como vimos no Tópico 1 desta unidade.
Os principais representantes desta escola são Lesli A. White, V. Gordon
Childe e Julian Steward. Trataremos brevemente dos trabalhos de White.
4.1 LESLIE A. WHITE
O antropólogo Lesli A. White retornou nos métodos da antropologia
desenvolvida por Morgan, na qual consistia em elaborar generalizações relativas
à evolução cultural. Ele seguiu o esquema de Morgan, mas estabeleceu outros
critérios para a compreensão da evolução cultural.
Para White, o nível de desenvolvimento cultural deve ser medido pela
quantidade de energia de que uma sociedade dispõe. Desse modo, os que obtêm
progresso seriam definidos levando em consideração o domínio sempre maior de
fontes de energia cada vez mais abundantes e diversificadas. Dito de outra forma,
conforme Barrio (2005, p. 146):
112
Para White, o nível de uma cultura e sua complexidade dependem
basicamente do poder mecânico de que ela dispõe para controlar o mundo
e para produzir meios de vida mediante técnicas particulares (força animal,
aproveitamento das correntes fluviais, máquinas a vapor etc.). Por isso,
“concentrações maiores de energia e formas elevadas de organização produzem
níveis mais altos de cultura”. A quantidade de energia de que se dispõe per
capita nos dá o nível de desenvolvimento de uma cultura, que se concretiza em:
quantidade de alimento, moradia, transportes, comunicações, meios de defesa e
domínio sobre as enfermidades.
Depreende-se, portanto, que para perpetuar sua espécie e satisfazer
suas necessidades básicas, os humanos, por meio da utilização de ferramentas
e tecnologias, produzem/reproduzem sua própria cultura (organização social,
sistemas de parentesco, instituições sociais, crenças, e outras). Conclui-se, portanto,
que quanto mais desenvolvimento/tecnologias, maior a evolução das sociedades
humanas.
A exemplo de Morgan, vejamos a seguir o esquema de White, das três
principais etapas da evolução, no qual ele levou em conta a energia dos homens
como elemento de delimitação dos estágios evolutivos.
QUADRO 3 – ESQUEMA DE WHITE
Períodos Estágios
Energia do próprio corpo, salvo exceções no emprego do fogo, do
Selvageria (Baixo)
vento e da água.
Energia na domesticação dos animais e cultivo das plantas; na
Barbárie (Médio) fabricação e uso de instrumentos e de ferramentas; na invenção do
calendário e da escrita.
Energia na descoberta e aplicação da máquina a vapor (Revolução
Civilizado (Alto)
Industrial).
FONTE: Adaptado de Marconi e Presotto (2001, p. 257)
Observando este quadro de White, pode-se perceber grande semelhança
com o quadro evolutivo de Morgan. Portanto, é correto interpretar que ambos
pretenderam estabelecer os mecanismos evolutivos para compreender o
desenvolvimento das sociedades de forma geral. Por este motivo é que muitos
autores destacam que White representa a permanência dos estudos de Morgan em
nossa época.
No entanto, White sabe que as culturas/sociedades não de desenvolvem de
maneira idêntica, como pensavam os primeiros evolucionistas. White defende que
existe uma série de tendências gerais na sucessão das formas culturais.
113
5 ANTROPOLOGIA PÓS-MODERNA
De maneira geral, o pensamento pós-moderno é um movimento que ocorre em
todas as ciências, especialmente nas ciências sociais. Na antropologia, este movimento
manifesta-se por meio de uma postura crítica em relação aos discursos etnográficos
clássicos. Ou seja, coloca-se em xeque os discursos antropológicos produzidos sobre
os “outros”. Mas, para compreender melhor o debate da antropologia pós-moderna,
é necessário compreender o conceito de pós-modernidade. Vejamos a seguir o que
diz Eriksen (2012, p. 169) sobre o conceito de Pós-modernidade:
O termo pós-moderno foi definido primeiramente na filosofia pelo
filósofo francês Jean-François Lyotard em sua La Condition postmoderne
(1979; The Post-modern Condition, 1984). Para Lyotard, a condição pós-
moderna era uma situação em que não havia mais nenhuma “grande
narrativa” abrangente que pudesse ser invocada para dar sentido ao
mundo como um todo. Diferentes vozes competiriam por atenção,
mas nunca se integrariam... Ele descrevia uma situação histórica
específica no Ocidente (a que outros se referiram de formas variadas
como “sociedade da informação”, “sociedade de consumo” ou mesmo
“sociedade pós-industrial”), em que o domínio era exercido por novas
tecnologias, por novas relações de poder e por ideologias. Mas o pós-
modernismo era ele próprio uma ideologia, uma perspectiva analítica e
uma estética que descrevia o mundo como descontínuo e fragmentado.
Essa noção de mundo, enquanto um ambiente de fragmentação, de
descontinuidade e fluidez, vai assumir na antropologia, especialmente na
antropologia norte-americana, uma posição de relativismo cultural, levada ao
extremo. Os antropólogos desta escola defendem que todas as culturas/sociedades
são iguais, desde que não tentem dominar umas às outras. Essa postura fez com
que muitos autores colocassem em questão o próprio fazer antropológico até o
momento, e muitos estudos passaram a ser realizados sobre os clássicos anteriores,
como os trabalhos de Franz Boas e outros.
Além das influências dos autores pós-modernos, a antropologia sofreu
outras influências. Uma delas foi o movimento pós-colonial, nas artes e nas ciências
humanas, que questionou o direito dos intelectuais da metrópole de definir
quem eram e como eram “os nativos”, questionando os discursos e julgamentos
metropolitanos. Alguns autores questionaram as pesquisas desenvolvidas sobre
os negros, outros autores desqualificaram as narrativas sobre a vida dos indígenas
norte-americanos, outros ainda denunciaram os estereótipos das culturas orientais.
Muitos desses autores eram provenientes destes grupos minoritários, que finalmente
tinham espaço nas academias para falar em primeira pessoa sobre a própria cultura.
Vejamos um exemplo destacado por Eriksen e Nielsen (2012, p. 173):
Vine Deloria, um nativo Sioux dacota, é professor de Estudos Nativos
Americanos, teólogo, advogado e ativista. Seu livro Custer Died for
Your Sins (1970), muito debatido, foi um ataque apaixonado a todos
os tipos de autoridades que falavam sobre os norte-americanos nativos
e em nome deles, impedindo-os assim de efetivamente falarem por si
mesmos. Deloria estava especialmente furioso com os antropólogos
boasianos, cujo relativismo condenava os nativos americanos ao eterno
exotismo e os impedia de chegar à igualdade com os brancos.
114
Esses e outros argumentos instigaram ainda mais a perspectiva pós-
moderna da antropologia e a autocrítica em relação ao campo de estudos. A
antropologia se voltou para o conhecimento e interpretação de sua prática até
então. Tanto que muitos dos artigos e monografias desenvolvidos nesta época
(década de 1980) tratavam exclusivamente da revisão crítica de estudos clássicos.
5.1 PRINCIPAIS AUTORES
A safra de autores que enveredaram para o movimento pós-moderno
não era tão grande e nem todos eram antropólogos. Os principais foram James
Clifford, que era historiador, Stephen Tyler, George Marcus, Michael Fischer,
Renato Rosaldo e Paul Rabinow.
Apesar das diferenças, eles possuíam algumas características comuns,
em relação à antropologia. A principal delas era o sentimento de vergonha frente
ao posicionamento da antropologia em relação às culturas pesquisadas, que
desconsiderava a “voz do outro”. Por este motivo, alguns autores, como Clifford
e Marcus, desta escola, desenvolveram estudos experimentais procurando
envolver as comunidades pesquisadas como agentes da pesquisa, na qual alguns
informantes participavam, contribuindo na construção do conhecimento.
Além disso, os autores pós-modernos criticavam a antropologia boasiana,
construída por um conceito de cultura integrada, com raízes antigas e profundas.
Ao invés disso, chamavam-lhes a atenção os estudos de Foucault, Marx e Gramsci
e as possibilidades de interpretação das representações e de poder nos diferentes
textos etnográficos.
Em 1986 foram publicados dois livros fundamentais para o movimento. O
primeiro foi Anthropology as Cultural Critique, de George Marcus e Michael Fischer.
Esse livro destacou que a antropologia sofria uma grave crise de representação, por
todos os motivos já citados acima. Por conta disso, o livro propunha um processo de
reflexão sobre os fundamentos do trabalho do antropólogo. O livro recomendava
que os trabalhos etnográficos deveriam possuir uma perspectiva crítica em relação
à própria “casa”, isso é, as pesquisas deveriam ser realizadas no ambiente cultural
do próprio pesquisador, focando as questões históricas e econômicas da sociedade.
Para que este objetivo fosse alcançado, os autores sugeriam que os pesquisadores
passassem por um processo de “desfamiliarização” de sua cultura. Por outro lado,
pediam que na comparação da cultura dos outros com a sua houvesse uma ação
de estranhamento de seus próprios parâmetros culturais.
No mesmo ano foi editado o volume Writing Culture, dos autores Clifford
e Marcus, um livro com 12 capítulos, desenvolvidos por autores de diferentes
posições da escola pós-moderna, mas que de forma unânime desconstruiu o
conceito de cultura como um todo integrado, visão predominante na antropologia
até então. Dois anos após, Clifford publicou The Predicament of Culture, que pode
ser resumido como ”um longo argumento contra o essencialismo”.
115
Todas estas posturas críticas frente ao trabalho do antropólogo contribuíram
para o aprofundamento do relativismo cultural, que só foi possível compreender
levando em conta o contexto social dos norte-americanos naquele momento
histórico. Um país que acabava de sair de um processo de escravidão, que tinha
passado por uma história de genocídio das suas comunidades indígenas e que foi
construído por imigrantes de vários países. Isso tudo somado à desestruturação
da estabilidade mundial na década de 80, da perda do sentido das grandes teorias
sociais explicativas, do movimento pós-colonial, representou um caldeirão de
mudanças sociais que a antropologia tentou explicar por meio das etnografias
experimentais.
116
RESUMO DO TÓPICO 2
l A Escola Funcionalista teve como principal representante o antropólogo
Bronislaw Malinowski. Esta escola compreende a sociedade como um organismo,
como um todo complexo e interdependente, que desempenha suas funções e
mantém vivo o organismo (sociedade).
l O Estrutural-Funcionalismo tem como principal representante o antropólogo
Radcliffe-Brown. O pensamento deste autor é bastante semelhante ao de
Malinowski, no entanto, ele é um dos primeiros pesquisadores a trazer à
discussão o conceito de estrutura social.
l A Escola Estruturalista é uma das mais importantes do nosso tempo. Ela tem
como principal representante o antropólogo Claude Lévi-Strauss. Esse autor
ampliou o campo de discussão na antropologia, construindo ao mesmo tempo
um conjunto de teorias sobre a cultura e também um método de análise utilizado
até os dias atuais.
l A Escola Neoevolucionista buscou fazer uma revisão dos estudos clássicos
evolucionistas. Para os neoevolucionistas, o desenvolvimento das sociedades
ocorre por meio da evolução das tecnologias. Seus teóricos procuram explicar
esse processo por meio de estágios evolutivos, semelhante à teoria de Morgan.
l A Escola Antropológica Pós-moderna refere-se a uma postura crítica dos
antropólogos atuais em relação ao fazer antropológico dos antropólogos
clássicos. A principal crítica refere-se ao excesso de “autoridade” que tiveram
alguns antropólogos clássicos, ao falar sobre a cultura dos “outros”, idealizando
e essencializando essas culturas, sem permitir que seus representantes (os
nativos) falassem por si mesmos.
117
AUTOATIVIDADE
1 Ao estudarmos as Escolas Antropológicas, verificamos que cada uma delas
possui seus principais expoentes, ou seja, aquelas que melhor representaram
sua perspectiva teórica. Diante disso, levando em conta as escolas descritas
a seguir: Funcionalista, Estrutural-Funcionalista e Estruturalista, assinale a
alternativa que apresenta os principais representantes de cada uma delas,
respectivamente.
( ) Radcliffe-Brown – Bronislaw Malinowski – Claude Lévi-Strauss.
( ) Bronislaw Malinowski – Radcliffe-Brown – Claude Lévi-Strauss.
( ) Claude Lévi-Strauss – Radcliffe-Brown – Bronislaw Malinowski.
2 Na leitura realizada até o momento, podemos verificar que a Antropologia,
assim como a ciência em geral, passou por mudanças e adaptações com
o objetivo de compreender as transformações históricas e sociais. São as
chamadas Escolas Antropológicas. Caracterize duas delas, a Neoevolucionista
e Pós-Moderna.
118
UNIDADE 2
TÓPICO 3
GRANDES TEMAS DA ANTROPOLOGIA: UNIÃO,
CASAMENTO E PARENTESCO
1 INTRODUÇÃO
A antropologia é um campo de pesquisa que se ocupa da organização e do
desenvolvimento das sociedades humanas. Por este motivo, ao longo do tempo
tem discutido várias dimensões da vida humana, como as instituições sociais, os
modelos políticos e de governo, a economia, a religião, enfim, a cultura de uma
forma geral. Mas para compreender essas dimensões, as escolas antropológicas,
por meio de seus estudos, ao longo do tempo foram construindo conceitos que
utilizam instrumentos analíticos para interpretar as sociedades pesquisadas.
Neste tópico, por necessidade de limitar os conhecimentos trabalhados,
optamos por apresentar os temas: União, Casamento e Parentesco.
2 UNIÃO
Todas as sociedades humanas, em menor ou maior grau, sofrem cerceamento
de seus impulsos sexuais. Por meio da cultura se estabelecem limitações na conduta
das relações sexuais, no sentido de direcioná-la para um caminho preestabelecido,
que demarca como, quando e com quem o sexo é permitido. Por esse motivo, o
fato de ser humano, ou seja, viver em sociedade e pertencer a uma cultura, é estar
sujeito a algum tipo de inibição sexual.
De acordo com Hoebel e Frost (2006), “a união é o ajuntamento de indivíduos
de sexo oposto sob a influência do impulso sexual”.
Pode-se dizer que atualmente o conceito de união inclui outras possibilidades
de relacionamento, que não apenas de indivíduos de sexo oposto. Mas vamos
tomar, por enquanto, o conceito de união dos autores citados. E complementam
afirmando que a união sexual é um fenômeno de natureza basicamente instintiva,
mas que é profundamente marcado pelos padrões e normas sociais.
119
A união dos seres humanos pode ocorrer apenas no plano biológico, como
ocorre com os animais, sem implicar em casamento. Mas, na maioria das vezes, a
união (relação sexual) acaba implicando um certo grau de permanência do par. O
que não quer dizer que pode ser confundido com o casamento, pois pode haver
casamento sem união.
3 CASAMENTO
O casamento é uma instituição social que serve para organizar a relação
de um par, em uma determinada sociedade. Vejamos o que dizem Hoebel e Frost
(2006, p. 176):
O casamento é o complexo das normas sociais que definem e controlam
as relações de um par unido um com o outro, com seus parentes, com
sua prole e com a sociedade em geral. Ele define todos os direitos
institucionais, deveres, privilégios e imunidades do par como marido
e mulher. Ele determina a forma e atividades da associação conhecida
como a família.
Para seguirmos com as discussões sobre o casamento, é necessário conhecer
alguns termos importantes que utilizaremos como ferramentas analíticas para
compreender como ocorrem as diferentes modalidades de casamento. São eles:
Exogamia e Endogamia.
3.1 Exogamia
Termo exogamia refere-se à regra social que determina que os casamentos
ocorram fora da família, ou seja, com pessoas de outros grupos familiares. Existem
dois tipos distintos de exogamia, a simples e a restrita. Vejamos como podem ser
definidas:
a) Exogamia Simples: Ocorre quando a proibição do casamento se dá para todos os
membros genéticos da família, sem exceção.
b) Exogamia Restrita: Ocorre quando o casamento é restrito a certas categorias de
parentes e a outras categorias é permitido e até mesmo incentivado. Na maioria
das vezes, mesmo possuindo laços consanguíneos, culturalmente, o parente não
é definido como parente. Podendo ocorrer o casamento com o filho do irmão da
mãe, ou com o filho da irmã do pai.
120
3.2 Endogamia
Ocorre de maneira contrária à exogamia. A endogamia refere-se a uma regra
social que determina que os casamentos ocorram dentro da própria organização
familiar, ou grupo social, considerado de pertencimento.
A endogamia ocorre muito menos frequente do que a exogamia, mas muitos
países do Oriente Médio e África orientam os matrimônios por meio dessa regra
social. Além disso, algumas sociedades indígenas da América do Sul e América
do Norte também têm suas relações definidas pela endogamia. Um sistema bem
conhecido é o que ocorre na Índia. Uma organização antiquíssima, com mais de
duas mil castas e subcastas, que não permite que casem entre si, com a justificativa
de que a união com castas inferiores denigre os membros das castas superiores.
UNI
Castas são sistemas tradicionais, hereditários ou sociais de estratificação, ao
abrigo da lei ou da prática comum, com base em classificações tais como a raça, a cultura,
a ocupação profissional etc. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/castas/
>. Acesso em: 10 set. 2015.
De maneira geral, os casamentos que ocorrem dentro de grupos fechados,
ou dentro das famílias, possuem o objetivo de nivelar seus membros dentro de
uma mesma cultura, protegendo suas características e regras sociais, incluindo
o sentido de raça. Normalmente isso ocorre quando um determinado grupo
considera que o seu modo de vida, seus valores e sua raça são importantes demais
para expô-los a outras culturas.
4 MODALIDADES DE CASAMENTOS
Neste subtópico vamos focar nas modalidades de casamento, levantadas
pelos antropólogos com base nas diferentes sociedades pesquisadas. Ainda que
atualmente, nas sociedades ocidentais, muitos casamentos ocorram de forma que
os pares escolhem por si próprios seus cônjuges, isso não funciona desta maneira
em muitas sociedades, nas quais os casamentos são arranjados ou dependem de
prévio exame e consentimento das famílias.
Por este motivo, para entender como funciona essa instituição social,
especialmente os casamentos primitivos, é necessário entender o seu conceito.
Vejamos o que dizem Hoebel e Frost (2006, p. 193) sobre os princípios básicos de
um casamento:
121
O casamento constitui uma aliança entre dois grupos de parentesco,
nos quais o casal interessado é meramente o vínculo mais importante.
Todo homem aprende, mais cedo ou mais tarde, que quando ele se casa
com uma “única pessoa”, casa-se não somente com ela, mas com seus
parentes. As noivas, naturalmente, têm a mesma experiência.
Por este motivo, quando nos referimos ao casamento, estamos nos referindo
não só aos interesses do casal, mas também aos interesses sociais relativos ao evento.
A sociedade em geral e os parentes, em particular, têm uma participação bastante
direta no matrimônio. Por este motivo, veremos a seguir algumas modalidades
formalizadas do processo de casamento.
Das sete modalidades para se “conseguir” uma mulher, apenas duas delas
não possuem participação direta da família. São elas: o casamento por captura e o
casamento por fuga, as demais envolvem participação direta da família. De acordo
com Hoebel e Frost (2006), as sete modalidades são: preço por progênie, ou riqueza
da noiva; pelo serviço do pretendente; por troca de presentes; por captura; por
afinidade, substituição ou continuação; por fuga; por adoção.
4.1 PREÇO POR PROGÊNIE OU RIQUEZA DA NOIVA
A troca de bens/presentes por esposas é uma prática comum nas sociedades
primitivas, especialmente em grande parte do território africano. Os presentes
são sempre oferecidos pela família do noivo, à família da noiva e normalmente o
pagamento é feito em cabeças de gado.
Não se pode pensar que a noiva é mero objeto de negociação entre as
famílias, mas, ao contrário, pagar pela mulher significa que a posição da mulher
em termos de prestígio e poder é valorizada, além do que, e principalmente, a
mulher, como progenitora, tem muito valor como um membro de um grupo de
parentesco.
Significa dizer que a mulher casada, dependendo do valor pago,
suponhamos, 20 vacas, possui mais poder que uma mulher a quem se tenha pago
10 vacas. Na sociedade indígena Yurok, na Califórnia, essa regra era tão comum
que o valor social de um homem era determinado pelo preço da progênie pago à
sua mãe.
Vejamos o que dizem Hoebel e Frost (2006, p. 194) sobre os nativos Vezos
Sakalavas, de Madagascar, onde o preço da progênie é regulado na dimensão
das leis.
Em caso de divórcio não é socialmente permissível nem a devolução do
gado pago, nem a substituição por outra mulher. A mulher divorciada
pode casar-se novamente, mas só com a permissão de seu antigo marido.
Esta permissão era concedida sob juramento, por parte da mulher e seu
futuro marido, que os primeiros filhos deles (até o limite de três) seriam
transferidos por escritura ao primeiro marido, que foi quem pagou o
preço da progênie à sua família. A mulher cria e toma conta das crianças
122
até a desmama, quando eles serão entregues ao seu primeiro marido e se
tornam seus legítimos herdeiros, sem as formalidades de adoção... entre
os primitivos, a paternidade legal é, geralmente, de maior significado
do que a paternidade biológica.
Além da sociedade Vezos Sakalavas, existem outras que desenvolvem
estratégias de organização e controle sobre os preços e pagamentos de progênie,
como os bavendas da África do Sul: entre eles, se os preços da progênie são pagos
em prestações, as crianças não passam para o grupo de parentesco do marido
enquanto a dívida não for quitada.
4.2 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DO PRETENDENTE À FAMÍLIA
Refere-se à possibilidade de casamento na qual o noivo coloca-se à
disposição para trabalhar para a família da noiva. Pode ser considerada uma
forma mais barata de conseguir uma esposa, sem pagar de uma vez só o preço da
progênie. Essa prática foi encontrada em diversas tribos espalhadas pelo mundo
todo. Para ter direito a uma esposa e ter filhos com ela, o noivo se submete a
trabalhar para os familiares da noiva, sendo que muitas vezes esse trabalho pode
ocorrer por um longo tempo, até que se tenha considerado quitado o débito.
4.3 TROCA DE PRESENTES
Em algumas sociedades, ao invés do pagamento da progênie, o que se faz é
a troca equivalente entre as famílias dos noivos. Essa não é prática tão comum nas
sociedades pesquisadas, mas é uma possibilidade de negociação para o casamento.
Uma comunidade em que esse tipo de matrimônio pode ser identificado
é na sociedade dos índios Cheyennes, da grande região de Minnesota. Conforme
destacam Hoebel e Frost (2006, p. 195):
Um menino que se apaixonava por uma determinada menina conversava
sobre o assunto com a sua família. Se a família achava que a escolha era boa,
depois de levar em consideração não somente as qualidades da menina,
mas também o caráter de sua família, exibia os seus bens mais valiosos
transferíveis para colocá-los à disposição da jovem namorada. Eles eram
cuidadosamente carregados num lindo cavalo. Em seguida, chamavam
uma respeitada mulher de idade para levar o cavalo ao tipi do irmão mais
velho da moça. Ali ela ficava parada para que todo o acampamento visse,
enquanto entrava na cabana para expor a pretensão do seu afilhado. O
irmão mais velho convocava seus primos para uma reunião de família.
Se decidissem que a proposta era aceitável, descarregavam o cavalo e
distribuíam os presentes entre si, ficando o cavalo com o irmão. Então
todos se dispersavam para suas cabanas para discutir o que cada um ia
oferecer em troca. Esperava-se que cada um deles levasse no dia seguinte,
ou, no máximo, dentro de dois dias, alguma coisa de valor igual ao
que tinham recebido.... Assim, com referência ao valor econômico, os
presentes eram exatamente iguais.
123
O objetivo das trocas para os Cheyennes não era o valor das coisas, mas sim
a possibilidade de reafirmar e reforçar os laços de amizade e, principalmente, de
demonstrar o apreço pelo compromisso entre os noivos confirmado.
4.4 CAPTURA
A ideia de capturar uma noiva parece ser um pouco duvidosa e nos lembra
algumas histórias em quadrinhos ou desenhos animados sobre os casamentos dos
“homens das cavernas”, nos quais o homem captura a mulher com uma paulada
na cabeça e a arrasta para a sua casa. Na verdade, o casamento por captura foi
uma das primeiras maneiras de compreender o princípio da evolução social,
pelos antropólogos clássicos, mas hoje ganhou nova interpretação, o que não quer
dizer que não tenha existido. Além disso, não se pode dizer que foi uma técnica
dominante, em tempos mais remotos.
O fato é que o casamento por captura, do ponto de vista da sobrevivência
social, possui muitas desvantagens, sem contar o risco de ser morto por membros
da família da moça. Além disso, como o casamento é uma instituição social que
promove a aliança entre grupos, capturar uma esposa não traz vantagem alguma
para o noivo, que não terá o apoio da família da noiva, sob nenhum aspecto. Não
compartilhará a propriedade da família, seus filhos não terão o status da família,
porque não serão reconhecidos por ela.
Por esse motivo, o casamento por captura só ocorria em ocasiões em que
não se podia recorrer a outros meios. De maneira geral, mesmo sem recursos, um
homem procurava casar primeiro pelos meios tradicionais de sua sociedade.
4.5 MATRIMÔNIO POR AFINIDADE, SUBSTITUIÇÃO OU
CONTINUAÇÃO: LEVIRATO
Em algumas sociedades é comum encontrarmos matrimônios que
ocorrem devido à morte de um dos cônjuges. Esse tipo de casamento é chamado
de matrimônio por afinidade, substituição ou continuação e pode ocorrer em
duas modalidades, o Levirato e o Sororato. A função deste tipo de casamento é
proporcionar a continuação dos laços de parentesco entre as famílias dos cônjuges
originais, e garantir que os filhos do matrimônio original permaneçam na família.
a) Levirato: Esse termo é utilizado para identificar os casamentos que ocorrem
entre uma mulher e seu cunhado. É o casamento por afinidade mais conhecido
no mundo. No caso do levirato simples, ocorre quando o irmão do marido
falecido se casa com a mulher viúva. No caso do levirato júnior, somente o irmão
mais novo do falecido pode herdar sua esposa. Essa prática ocorre em todas as
partes do mundo, em diferentes sociedades.
124
b) Sororato: Da mesma forma que o levirato, o sororato serve para dar continuidade
aos laços familiares, mas neste caso, ao invés do irmão tomar o lugar do irmão
falecido, é a mulher que assume o posto da irmã falecida, ou seja, casa-se com
o cunhado.
De igual forma, tanto o sororato quanto o levirato possuem um
objetivo comum, que é o de perpetuar o casamento realizado entre o par, mas
essencialmente dar continuidade ao vínculo de parentesco entre as duas famílias
que se aproximaram por meio do casamento original. O compromisso da esposa,
ou do esposo, que assumiram o casamento, não é somente com os viúvos, mas sim
com todos os parentes deles.
4.6 FUGA COM O AMADO
Como vimos, a maior parte dos casamentos das sociedades primitivas
é mediada, em maior ou menor grau, pelas regras sociais e pelas famílias dos
noivos. No entanto, pode-se verificar, em quase todas as sociedades conhecidas,
que muitos pares escapam às regras e fogem para ficarem juntos.
Com o advento do amor romântico isso aconteceu com as sociedades
ocidentais, mas, mesmo quando não estão sob o efeito do amor romântico, a fuga
para casar ocorre em várias sociedades. Isso porque, embora muitas sociedades
primitivas não se orientem pelo ideal de amor romântico, o fato é que todos os
primitivos têm suas preferências amorosas e as suas aversões.
Nesse sentido, a fuga ocorre quando há uma reprovação familiar em relação
ao pretendente que se deseja muito, restando a fuga como elemento de salvação.
4.7 ADOÇÃO
A adoção é uma estratégia de casamento utilizada por países como a
Indonésia e o Japão. O homem pode obter uma esposa, sendo adotado pela família
dela, especialmente quando o sogro não possui filhos homens. Neste caso, o genro
adotado passa a ser filho.
Essa medida é tomada porque possui uma necessidade social importante
para justificá-la. Uma família patrilinear que adota o genro pode manter sua
linhagem, mesmo quando não há filhos homens biológicos.
Tornando-se filho na família de sua esposa, os filhos de sua relação com
ela pertencerão automaticamente à família dela. Um aspecto que chama a atenção
é que, tornando-se filho de seu sogro, sua esposa será ao mesmo tempo sua irmã.
125
5 SISTEMA DE PARENTESCO
Apesar do sistema de parentesco ter adquirido maior destaque no final do
século XX, como um dos elementos centrais das análises antropológicas, ele tem
sua origem na história da antropologia. Os primeiros antropólogos já percebiam
que as relações biológicas tinham um papel importante na compreensão da
organização social, porque permitiam distinguir as relações entre uma pessoa e o
seu grupo de origem. Podemos tomar como exemplo a relação entre mãe e filho, pai
e mãe, irmão e irmão, entre outras. Essas relações biológicas são transferidas para
o plano cultural e adquirem significados diferentes para cada cultura, o que para
os antropólogos possibilita compreender a posição social de cada um em relação
ao coletivo, e também lhes permite compreender/demonstrar o que denominam o
“sistema de parentesco” de cada grupo social.
Os primeiros estudos sobre o parentesco surgiram no início do século
passado, quando os antropólogos, ao estudar as sociedades tribais, perceberam
diferentes maneiras de classificar os parentes. Essas diferenças na classificação
também indicavam o estabelecimento de um complexo de relações entre eles.
Para os antropólogos, desenvolver um sistema de parentesco seria a
possibilidade de efetuar comparações, verificar diferenças e semelhanças entre as
diversas tribos/comunidades pesquisadas. O parentesco foi uma ferramenta de
análise antropológica fundamental para o desenvolvimento da antropologia.
Edward Tylor foi um dos primeiros a perceber as relações de parentesco
como um elemento importante para os estudos antropológicos. Ele chamou estas
relações de “adesões”. Morgan também influenciou na concepção do termo.
Ele estudou o processo evolutivo das diferentes configurações de parentesco,
compreendendo que os tipos de casamento é que os determinam. Rivers também
foi um nome importante para a ampliação desta discussão, ele aperfeiçoou a
metodologia etnográfica, coletou arranjos de parentesco e elaborou os sistemas
ideais, que Morgan havia iniciado. Além desses, outros antropólogos, como
Lowie, Lévi-Strauss, Malinowski, Radcliffe-Brown e outros contribuíram com
estas discussões.
5.1 CONCEITUANDO SISTEMA DE PARENTESCO
Como o Sistema de Parentesco é um dos temas mais complexos trabalhados
pela antropologia, também sobre ele foram descritos vários conceitos explicativos,
que vamos tentar explicitar aqui. No entanto, o que é mais importante dizer é
que, de forma geral, os diferentes conceitos convergem para um sentido mais ou
menos homogêneo, como se pode perceber nas palavras de Marconi e Presotto
(2001, p. 116):
126
O sistema de parentesco, segundo Murdock, refere-se a um sistema
estrutural de relações, no qual os indivíduos encontram-se unidos entre
si por um complexo interligado de laços ramificados. Para Rivers, sistema
de parentesco consiste no “reconhecimento social de laços biológicos”.
As relações de parentesco consistem em “funções interagentes,
atribuídas, segundo o costume, por um povo, aos diferentes status de
relacionamento”, afirmam Hoebel e Frost.
A partir da citação anterior, podemos compreender que o sistema de
parentesco, de maneira geral, é compreendido como a organização social das
relações familiares nas sociedades estudadas pelos antropólogos.
5.2 ELEMENTOS QUE COMPÕEM O PARENTESCO
Os diferentes tipos de sistema de parentesco, assim como sua composição,
são variados e complexos, o que impossibilita uma ampla exposição neste caderno
de estudos. Por este motivo, nosso objetivo, ao trabalhar o parentesco, é aproximá-
los desta temática de forma introdutória, procurando familiarizá-los com o assunto.
De toda maneira, podemos dizer que o elemento que dá origem à análise
do parentesco é a família nuclear, composta por pai, mãe e filhos. Ela pode ser
constituída de três maneiras:
1) Famílias por afinidade (Marital ou Legal) – Laço criado pelo casamento. Por
meio dele o homem contrai laços de afinidade com a esposa e seus familiares:
pai, irmãos, irmãs etc.
2) Consanguinidade (Biológico) – Relação entre pais e filhos.
Fictício ou Pseudoparentes (Adotivos) – Muitas sociedades aceitam uma terceira
categoria de relações, denominada fictícia, incluindo-se crianças adotadas,
escravos, compadrio e parentesco ritual (irmãos de sangue).
Nas diferentes sociedades é possível verificar que cada familiar assume um
papel diferente em tempos distintos. Por exemplo, a mulher desempenha o papel de
filha, mãe e esposa, assim como o homem assume papéis masculinos equivalentes.
Para cada papel também são estabelecidos diferentes tipos de relações familiares,
ou seja, de parentesco.
127
QUADRO 4 – REPRESENTAÇÃO DE PARENTESCO
FONTE: Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.
html?pagina=espaco%2Fvisualizar_aula&aula=56012&secao=espaco&request_locale=es>.
Acesso em: 10 set. 2015.
A origem do sistema de parentesco refere-se ao fato de que um sujeito,
por meio do matrimônio, faz parte de duas famílias nucleares ao mesmo tempo.
De acordo com Marconi e Presotto (2001), ele participa da família de Orientação e
de Procriação. A família de Orientação é aquela na qual ele nasceu e a família de
Procriação é aquela que ele adquire, por meio do casamento. Ao fazer parte de dois
núcleos familiares distintos, o sujeito promove a interação entre eles. Ao fazer isso,
a ramificação desses elos familiares vai unindo uma família à outra, por meio dos
laços de parentesco.
LEITURA COMPLEMENTAR
As Estruturas Elementares do Parentesco, de Claude Lévi-Strauss, por Simone
de Beauvoir
Há bastante tempo estava a sociologia francesa adormecida. É necessário
saudar o livro de Lévi-Strauss como um evento que marca um brilhante despertar.
Os esforços da escola durkheimiana para organizar de uma maneira inteligível os
fatos sociais revelaram-se decepcionantes, pois se baseavam em hipóteses
metafísicas contestáveis e em postulados históricos não menos duvidosos; como
128
reação, a escola americana pretendeu abster-se de toda especulação: ela se limitou
a acumular fatos, sem elucidá-los. Herdeiro da tradição francesa, porém formado
de acordo com os métodos americanos, Lévi-Strauss desejou retomar a tentativa
de seus mestres, evitando seus defeitos; ele também supôs que as instituições
humanas são dotadas de significação; mas procurará a chave desta na humanidade
própria daquelas; ele conjura os espectros da metafísica, mas não aceita, por outro
lado, que este mundo seja apenas contingência, desordem, absurdo; seu segredo
será tentar pensar o dado sem a intervenção de um pensamento que seja estrangeiro
a este: no coração da realidade ele descobrirá o espírito que a habita. Assim ele nos
reconstitui a imagem de um universo que não tem a necessidade de refletir o céu
para ser um universo humano. Não me pertence a tarefa de criticar – e sim a de
apreciar – esta obra especializada: mas não é somente aos especialistas que ela se
dirige. Que o leitor que abra o volume por acaso não se deixe intimidar pela
misteriosa complexidade dos diagramas e gráficos; na verdade, quando o autor
discute minuciosamente o sistema matrimonial dos Murngin ou dos Katchin, é o
mistério da sociedade como um todo, o mistério do homem, que ele se esforça por
descobrir. O problema ao qual ele se dedica é o mais fascinante e o mais
desconcertante de todos os que têm mobilizado etnógrafos e sociólogos: trata-se
do enigma colocado pela proibição do incesto. A importância deste fato e sua
obscuridade resultam da situação única que ele ocupa no conjunto dos fatos
humanos. Estes se dividem em duas categorias: os fatos da natureza e os fatos da
cultura; certamente nenhuma análise permite descobrir entre eles o ponto de
passagem. Mas eles se distinguem sob um critério seguro: os primeiros são
universais; os segundos obedecem a normas. A proibição do incesto é o único
fenômeno que escapa dessa classificação: pois ela aparece em todas as sociedades,
sem exceção, e ao mesmo tempo é uma regra. As diferentes interpretações tentadas
até então se esforçaram todas para mascarar essa ambiguidade. Alguns pensadores
evocaram os dois aspectos – natural e cultural – da lei; mas eles apenas estabeleceram
entre eles uma relação intrínseca; supuseram que um interesse biológico teria
engendrado a interdição social; outros viram na exogamia um fato puramente
natural: ela seria ditada por um instinto; outros, enfim, dentre os quais Durkheim,
consideraram-na exclusivamente um fenômeno cultural. Esses três tipos de
explicação têm conduzido a impossibilidades e contradições. Na verdade, se a
proibição do incesto é de tão grande interesse, é porque ela representa o momento
mesmo da passagem da natureza para a cultura. “É o processo pelo qual a natureza
ultrapassa a ela mesma”. Essa singularidade decorre do caráter particular da
sexualidade mesma: é normal que a dobradiça entre natureza e cultura se encontre
no terreno da vida sexual, pois esta, extraída da biologia, coloca imediatamente
outrem em jogo; no fenômeno da aliança se desenvolve essa dualidade: pois
enquanto o parentesco é dado, a natureza impõe a aliança, mas não a determina.
Podemos extrair daqui a maneira pela qual o homem, assumindo sua condição
natural, define sua humanidade. Pela proibição do incesto se expressam e se
realizam as estruturas fundamentais sobre as quais se funda a sociedade humana
como tal. Primeiramente a exogamia manifesta que não haveria sociedade sem o
reconhecimento de uma Regra. Contrariamente aos mitos e às inverdades liberais,
a intervenção não está somente relacionada a alguns regimes econômicos: ela é tão
original quanto a humanidade mesma. A distribuição dos valores entre os membros
129
da coletividade sempre foi e será um fenômeno cultural; porém – como o alimento
ao qual ela é estreitamente associada –, a mulher é um produto escasso e essencial
à vida do grupo: em muitas civilizações primitivas, o solteiro é econômica e
socialmente um pária; o primeiro cuidado da coletividade será assim impedir que
se estabeleça um monopólio de mulheres. Este é o sentido profundo da proibição
do incesto; afirma-se que não é sobre a base de sua repartição natural que as
mulheres devem receber um uso social; se ao homem se impede escolher seus
aliados entre os seus parentes, se “congelamos” as mulheres no seio da família, é
porque a distribuição se faz sobre o controle do grupo e não em regime privado. A
despeito de seu aspecto negativo, a Regra tem na verdade um sentido positivo; a
interdição implica imediatamente uma organização: pois para renunciar a seus
parentes, é necessário que o indivíduo seja assegurado de que a renúncia simétrica
de outro lhe conceda aliados; ou seja, a regra é a afirmação de uma reciprocidade;
a reciprocidade é a maneira imediata de integrar a oposição entre mim e outrem:
sem uma tal integração, a sociedade não existiria. Porém, tal relação não existiria
se permanecesse abstrata; sua tradução concreta é a troca: a transferência de valores
de um indivíduo a outro os transforma em parceiros; somente sob essa condição
pode se estabelecer um “mitsein” humano. A característica fundamental destas
estruturas se revela claramente no estudo da psicologia infantil: a criança faz o
aprendizado de si mesma e do mundo aprendendo a aceitar a arbitragem de um
outro, quer dizer, a Regra, que a faz descobrir a reciprocidade, descoberta à qual
ela reage imediatamente pelo dom e pela exigência. Essa noção de troca – cuja
importância Mauss já havia estabelecido no seu ensaio sobre o dom, e que envolve
as noções de regra e de reciprocidade – nos fornece a chave do mistério da exogamia:
proibir uma mulher aos membros de um dado grupo é colocá-la imediatamente à
disposição de outro homem; a proibição se duplica em obrigação: aquela de dar
sua filha, sua mulher, a outro homem; a parenta que se rejeita, se oferece; o fato
sexual, ao invés de fechar-se sobre si, abre um vasto sistema de comunicação. A
proibição do incesto se confunde com a instauração da ordem humana. Os homens
em toda parte procuraram estabelecer um regime matrimonial tal que a mulher
faça parte dos dons pelos quais se expressa a relação de cada um ao outro e se
afirma a existência social. Uma observação extremamente importante impõe-se
aqui: não é entre os homens e as mulheres que aparecem as relações de reciprocidade
e de troca; elas se estabelecem por meio das mulheres, entre os homens; existe e
sempre existiu entre os sexos uma profunda assimetria e o “Reino das mulheres”
é um mito superado; qualquer que seja o modo de descendência, quer os filhos
sejam incluídos no grupo do pai ou naquele da mãe, as mulheres pertencem aos
machos e fazem parte do conjunto de prestações que eles se consentem. Todos os
sistemas matrimoniais implicam que as mulheres sejam dadas por certos machos
a outros machos. Há um caso onde a relação entre o casamento e a troca aparece
claramente: é o das organizações dualistas; estas apresentam analogias tão fortes
entre si que se tentou às vezes lhes dar uma origem única: segundo Lévi-Strauss,
sua convergência se explica pela identidade de seu caráter funcional. Não é o
sistema dualista que faz nascer a reciprocidade: ele antes a exprime de uma forma
concreta. É esta mesma perspectiva que permitirá explicar as formas de sociedade
mais complexas: elas não são o resultado de acasos históricos e geográficos; todas
elas manifestam uma mesma e profunda intenção: a de impedir o grupo de se
130
fechar em si mesmo e de mantê-lo diante de outros grupos com os quais a troca
seja possível. O autor buscará a confirmação dessas ideias em uma minuciosa
análise de realidades sociais dadas; é esse estudo que constitui a parte mais
importante de seu trabalho. Não seria questão aqui de repassar os complicados
meandros; tentarei somente indicar o método, já que é na sua aplicação metódica
que uma hipótese manifesta sua fecundidade. A forma do casamento que fornece
o verdadeiro experimentum crucis do estudo das proibições matrimoniais é o
casamento entre primos cruzados. Em um grande número de sociedades primitivas
o casamento é proibido entre primos paralelos – aqueles provenientes de dois
irmãos ou duas irmãs – e recomendado entre primos cruzados – isto é, advindos
de um irmão e uma irmã; o extremo interesse desse costume provém do fato de
que graus de parentesco biologicamente equivalentes são considerados de um
ponto de vista social como radicalmente dessemelhantes: torna-se patente que não
é a natureza quem dita suas leis à sociedade; compreendendo-se a origem dessa
assimetria tem-se a explicação da proibição do incesto. O casamento entre primos
cruzados implica uma organização dualista da coletividade: eles distribuem-se de
fato como se pertencessem a duas metades diferentes; mas não se deve crer que
seja esta a divisão que define as regras de exogamia; os primitivos não começam
estabelecendo classes: a classe é um elemento analítico, como o conceito; o homem
pensa antes que o lógico apreenda o pensamento enquanto forma; assim a
sociedade se organiza antes de definir os elementos separados que essa organização
trará à tona; lá onde são encontradas as classes – e isso não é por toda parte –, elas
são menos um grupo de indivíduos concebidos em extensão que um sistema de
posição, no qual somente a estrutura é constante e onde os indivíduos podem se
deslocar, desde que as relações sejam respeitadas. O princípio da reciprocidade
age de duas maneiras complementares: constituindo classes que delimitam em
extensão os cônjuges ou determinando uma relação que permita dizer se um
indivíduo é ou não um cônjuge possível: no caso dos primos cruzados, esses dois
aspectos do princípio se recobrem; mas não é seu pertencimento a dois grupos
diferentes que os destina a se aliar entre si; ao contrário, a razão de ser do sistema
que os opõe é a possibilidade de uma troca. As mulheres aparecem imediatamente
como destinadas a serem trocadas e esta perspectiva cria imediatamente uma
oposição entre dois tipos de mulheres: a irmã e a filha que devem ser cedidas e a
esposa que é adquirida, ou seja, a parente e a aliada. Não se trata aqui, como
pensava Frazer, da solução de um problema econômico: os processos econômicos
não são isoláveis; é um ato de consciência primitivo e indivisível que faz apreender
a filha e a irmã como um valor ofertável e a filha e a irmã de outrem como um valor
exigível. Antes mesmo que a coisa a trocar se apresente, a relação de troca já está
dada: antes do nascimento de sua filha, o pai sabe que deverá entregá-la ao homem
– ou ao filho do homem – de quem recebeu a irmã em casamento. Os primos
cruzados são provenientes de famílias que se encontram em posições antagônicas,
em um desequilíbrio dinâmico que somente a aliança pode resolver; ao contrário,
duas irmãs ou dois irmãos, pertencentes ao mesmo grupo, têm entre eles uma
relação estática e seus filhos serão considerados como fazendo parte de um mesmo
conjunto; eles não portam um em relação ao outro o sinal da alteridade, necessário
ao estabelecimento das alianças. Porém, se nos limitarmos a considerar a troca sob
essa forma restrita – ou seja, na medida em que ela estabelece uma reciprocidade
131
entre um certo número de pares de unidades trocadoras, classes, seções ou
subseções –, percebemos que ela não permite dar conta da integralidade dos fatos.
É o que se evidencia, por exemplo, na análise dos fatos australianos. É sob sua
forma generalizada que a ideia de troca pode servir de chave para o estudo de
todas as sociedades. A troca generalizada é aquela que estabelece relações de
reciprocidade entre um número qualquer de parceiros: assim, se um homem do
grupo A esposa necessariamente uma mulher B, ao passo que um homem B esposa
uma mulher C, o homem C uma mulher D, e o homem D uma mulher A, está-se
diante de um sistema de troca generalizada; é o que se produz, entre outros, no
caso em que o casamento é matrilateral, ou seja, o homem deve desposar a filha de
seu tio materno. Essa regra estabelece o desenvolvimento de um ciclo aberto no
qual cada indivíduo deve ter confiança: quando o grupo A cede uma mulher ao B,
trata-se de uma especulação de longo prazo, pois ele deve contar que B cederá uma
mulher a C, e deste a D, e este a A; tal cálculo comporta riscos e é por isso que à
troca generalizada frequentemente se superpõem novas fórmulas de aliança, como
o matrimônio por compra, que permite integrar fatores irracionais, sem destruir o
sistema. A aplicação desses princípios diretores permite a Lévi-Strauss depreender
a significação de regimes matrimoniais que pareciam até então contingentes e
ininteligíveis. A conclusão destas análises que nos transportam à Austrália, à
China, às Índias e às Américas é que existem dois tipos essenciais de exogamia. À
troca direta corresponde o casamento bilateral, o indivíduo podendo desposar a
filha de seu tio materno ou de sua tia paterna; à troca indireta (ou generalizada)
corresponde o casamento matrilateral que autoriza a aliança exclusivamente com
a filha do tio materno [a autora não considera que Lévi-Strauss também toma o
casamento com a prima cruzada patrilateral como um modo de troca generalizada].
O primeiro sistema só é possível nos regimes desarmônicos, ou seja, onde a
residência e a filiação seguem uma linha paterna e o outro a linha materna; o
segundo aparece nos regimes harmônicos, onde residência e filiação seguem a
mesma linha; o primeiro possui uma grande fecundidade em relação ao número
de sistemas que é capaz de fundar, mas sua fecundidade funcional é relativamente
fraca; o segundo é, ao contrário, um princípio regulador fecundo que conduz a
uma maior solidariedade orgânica no seio do grupo; no caso da troca restrita, é a
inclusão ou a exclusão dentro ou fora da classe que faz o papel principal; no caso
da troca indireta, o grau de parentesco, ou seja, a natureza da relação, tem uma
importância preponderante; os sistemas desarmônicos têm assim evoluído na
direção de organizações de classes matrimoniais, enquanto o contrário é produzido
nos sistemas harmônicos. Estes constituem um ciclo aberto, longo, aqueles um
ciclo curto; o casamento bilateral é uma operação mais segura; mas o casamento
matrilateral oferece virtualidades inesgotáveis, a extensão do ciclo estando na
razão inversa de sua segurança. É por isso que um fator alógeno se sobrepõe quase
sempre às formas simples da troca generalizada; entre grupos que se lançam nessa
grande aventura sociológica, nenhum é liberado inteiramente da inquietude
engendrada pelos riscos do sistema, e eles mantêm um certo coeficiente ou mesmo
um símbolo de patrilateralidade. Nenhum sistema é puro: ele é simultaneamente
simples e coerente, porém cercado por outros sistemas. Resta acrescentar que a
estrutura de troca não é solidária da prescrição de um cônjuge preferencial; entre
outras, a substituição do direito sobre a prima pela compra da mulher permite à
132
troca se desembaraçar de suas formas elementares. Mas quer seja indireta ou
direta, global ou específica, concreta ou simbólica, é sempre a troca que nós
encontramos na base das instituições matrimoniais. Vê-se então se confirmar a
ideia de que a exogamia visa assegurar a circulação total e contínua das mulheres
e das filhas; seu valor não é negativo, mas positivo: não é que haja um perigo
biológico no casamento consanguíneo, mas um benefício social resulta do
casamento exogâmico. A proibição do incesto é por excelência a lei do dom: é a
instauração da cultura no seio da natureza. “Todo casamento é um encontro
dramático entre a natureza e a cultura, entre a aliança e o parentesco... Já que se
deve ceder à natureza para que a espécie se perpetue e com ela a aliança social, é
necessário ao menos negá-la ao mesmo tempo em que acedemos a ela”. Em um
sentido, todo casamento é um incesto social, já que o marido absorve em si algum
bem ao invés de desviá-lo na direção de outrem [no original, s’échapper vers
autrui]; ao menos a sociedade exige que no centro desse ato egoísta a comunicação
com o grupo seja mantida: é por isso que, ainda que mulher seja outra coisa além
de um signo, ela é, todavia, como a palavra, uma coisa que se troca. A relação do
homem com a mulher é também fundamentalmente uma relação com outros
homens – com outras mulheres. Os enamorados nunca estão sozinhos no mundo.
O evento mais íntimo para cada um, o ato sexual é também um evento público: ele
coloca em questão, ao mesmo tempo, o indivíduo e a sociedade inteira; é daí que
vem seu caráter dramático; aqueles que se escandalizam com o ardente interesse
que lhe dão os homens hoje em dia demonstram grande ignorância: a extrema
importância conferida aos tabus sexuais nos mostra que esta preocupação é velha
como o mundo; e ela está longe de ser supérflua, já que, pela maneira como assume
sua sexualidade, o homem define sua humanidade. Certamente essa escolha que
ele faz não é fruto de uma deliberação refletida. Mas o primeiro mérito do estudo
de Lévi-Strauss é precisamente o de recusar o velho dilema: ou os fatos humanos
são intencionais ou não possuem significação. O autor os define como estruturas
nas quais o todo precede as partes e cujo princípio regulador possui um valor
racional mesmo quando não seja racionalmente concebido. De onde provêm
estrutura e princípio? Lévi-Strauss não se permite aventurar sobre o terreno
filosófico, não se separa jamais de uma rigorosa objetividade científica; mas seu
pensamento se inscreve evidentemente na grande corrente humanista que
considera a existência humana como contendo em si sua própria razão. Não se
poderia ler suas conclusões sem se lembrar das palavras do jovem Marx: “A relação
do homem com a mulher...” Entretanto o livro não desperta apenas ressonâncias
marxistas; ele me pareceu muitas vezes reconciliar de modo feliz Engels e Hegel:
pois o homem nos aparece originalmente como uma antiphysis; e o que realiza sua
intervenção é a posição concreta de um eu face a um outro eu, sem o qual o primeiro
não saberia se definir. Também fui singularmente surpreendida pela concordância
de algumas descrições com as teses sustentadas pelo existencialismo: a existência,
ao se colocar, coloca suas leis, em um único movimento; ela não obedece a nenhuma
necessidade interior, entretanto escapa à contingência por assumir as condições de
seu brotar. Se a proibição do incesto é universal e normativa ao mesmo tempo, é
porque ela traduz uma atitude original do existente: ser homem é se escolher como
homem, definindo suas possibilidades sobre a base de uma relação recíproca com
o outro; a presença do outro nada tem de acidental: a exogamia, bem longe de se
133
limitar a registrá- la, ao contrário, a constitui; através dela se expressa e se realiza
a transcendência do homem; ela é a recusa da imanência, a exigência de ultrapassá-
la; aquilo que os regimes matrimoniais asseguram ao homem, pela comunicação e
pela troca, é um horizonte em direção ao qual ele possa se projetar; sob sua
aparência barroca, eles lhe asseguram um além-humano. Mas seria trair um livro
tão imparcial pretender fechá-lo dentro de um sistema de interpretação: sua
fecundidade está precisamente em convidar cada um a repensá-lo à sua maneira.
É por isso também que nenhuma resenha lhe faria justiça; uma obra que nos
apresenta os fatos, que instaura um método, e que sugere especulações, merece
que cada um renove a descoberta: é preciso lê-la.
Tradução: Marcos P. D. Lanna (UFSCar) e Aline Fonseca Iubel (PPGAS/
UFPR). As Estruturas Elementares do Parentesco, de Claude Lévi-Strauss. Texto
original: Simone de Beauvoir. 1949. “Les Structures Élémentaires de la Parenté, par
Claude Lévi-Strauss”. Les Temps Modernes 7(49): 943-9 (October).
Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/campos/article/view/9547/6621>. Acesso
em: 10 set. 2015.
134
RESUMO DO TÓPICO 3
l Vários são os temas estudados pela Antropologia, mas para o terceiro tópico
foram selecionados: união, casamento e parentesco.
l O conceito de união refere-se às possibilidades de relacionamento sexual entre
pessoas do sexo oposto, que tem como base o instinto, mas que normalmente é
cerceado por normas e padrões culturais. É comum seguir para o casamento.
l O casamento é um dos mais antigos complexos de normas sociais, que tem
por objetivo organizar a relação de um par. É o que possibilita e normatiza a
constituição da família.
l A exogamia refere-se à regra que determina que os casamentos ocorram fora
da família. Pode ser dividida em exogamia simples e restrita. É uma regra
encontrada em muitas sociedades.
l A endogamia é uma regra social encontrada em poucas sociedades e refere-se
a uma regra social que obriga que os casamentos ocorram dentro do círculo
familiar, ou do grupo a que se considera de pertencimento.
l Existem sete tipos de modalidades de casamento. São eles: preço por progênie,
ou riqueza da noiva; pelo serviço do pretendente; por troca de presentes; por
captura; por afinidade, substituição ou continuação; por fuga e por adoção.
l Por Sistema de Parentesco podemos denominar a organização social das relações
familiares em uma determinada cultura.
l O que dá origem ao sistema de parentesco é a família nuclear, que pode
ser constituída de três maneiras: por afinidade, consanguinidade e por
pseudoparentes (adotivos).
135
AUTOATIVIDADE
1 A antropologia discute vários temas relacionados à existência humana em
sociedade. Um dos elementos é a união. Caracterize este termo.
2 Conforme pudemos verificar neste Caderno de Estudos, para
compreendermos como ocorrem as diferentes modalidades de casamento é
necessário conhecer os conceitos de exogamia e endogamia. Conceitue-os:
136
UNIDADE 3
A ANTROPOLOGIA E O
FENÔMENO RELIGIOSO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade você será capaz de:
• compreender o importante papel da antropologia para o entendimento do
fenômeno religioso;
• diferenciar entre o sagrado e o profano e conhecer as diferentes figuras do
mediador entre sagrado e o profano;
• conhecer a particularidade dos elementos que constituem de certa manei-
ra a essência da religião e avaliar a importância destes elementos no con-
texto do sagrado;
• diferenciar as diversas concepções acerca da divindade;
• comparar as diferentes formas de doutrinas e crenças acerca da concepção
da existência de Deus ou dos deuses.
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No final de cada um deles
você encontrará atividades que o(a) ajudarão a ampliar os conhecimentos
adquiridos.
TÓPICO 1 – A ANTROPOLOGIA E O FENÔMENO RELIGIOSO
TÓPICO 2 – O SAGRADO E O PROFANO: DICOTOMIA OPERACIONAL
FUNDAMENTAL PARA A COMPREENSÃO DA
RELIGIÃO NA PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA
TÓPICO 3 – OUTRAS PARTICULARIDADES DA RELIGIÃO
TÓPICO 4 – MONOTEÍSMO, POLITEÍSMO, PENTEÍSMO E PANENTEÍSMO
137
138
UNIDADE 3
TÓPICO 1
A ANTROPOLOGIA E O
FENÔMENO RELIGIOSO
1 INTRODUÇÃO
Nossa sociedade não pode ignorar o peso do fenômeno religioso na sua
formação social e humana, pois as mais diferentes e remotas culturas desenvolveram
uma maneira de lidar com aquilo que ultrapassa seus limites de compreensão e
também em relação a fatos comuns à vida na Terra, por exemplo, a morte.
Neste tópico iremos perpassar o papel da antropologia para compreendermos
o fenômeno religioso em seus diversos aspectos. Em seguida, nosso estudo irá
recair sobre as teorias antropológicas da religião. Por fim, trataremos da religião e
a cosmovisão, ou seja, a maneira como as religiões constroem sua visão acerca do
mundo e da vida.
Caro(a) acadêmico(a), compreender o fenômeno religioso não é uma
tarefa tão simples, pois na medida em que vamos aprofundando nossos estudos
percebemos a complexidade dos assuntos aqui desenvolvidos. Portanto, faça as
leituras sugeridas e assista aos vídeos, pois estes materiais complementares lhe
auxiliarão na compreensão da religião em seus diversos aspectos.
2 ANTROPOLOGIA E RELIGIÃO
Até aqui você estudou o que é antropologia desde seu surgimento,
desenvolvimento e a elaboração das teorias antropológicas e importantes temas
que são estudados por esta ciência. Talvez você esteja se perguntando: qual é a
relação entre antropologia e religião? O que a antropologia busca esclarecer acerca
do fenômeno religioso? Primeiramente temos que entender que a antropologia
não tenta provar a existência ou não de um Deus ou deuses.
Para Gomes (2013, p. 133),
Se Deus existe ou não é questão que a Antropologia não ousa enfrentar,
quanto mais responder. É que são tantas as culturas e tantas as formas de
reconhecer a divindade, o Absoluto, o trans-humano, aquilo que está além
da vida cotidiana, que a Antropologia se sente como uma grande mãe
que acolhe todos, acata os sentimentos e as visões de todas as religiões.
Um deus, um panteão de deuses, espíritos da água e do fogo, da onça e da
hiena, tudo enfim, em sua vivência e consistência, estimula a crença e a fé.
139
A questão de interesse da antropologia em relação ao fenômeno religioso
consiste no fato de compreender a maneira como o ser humano lida com o
transcendente, ou seja, com aquilo que ultrapassa o nível de compreensão a partir
do mundo físico. Outra questão de suma importância para a antropologia é a
ocorrência do fenômeno religioso nas diversas culturas, pois cada cultura concebeu
uma maneira de lidar com aquilo que foge à compreensão no mundo físico. Desta
forma, não é papel da antropologia provar ou não a existência de uma divindade,
mas, acima de qualquer coisa, compreender como se dá a relação humana com o
divino e a maneira como esta relação influencia na vida cotidiana das pessoas.
FIGURA 60: FENÔMENO RELIGIOSO
FONTE: Disponível em: <http://www.cisoc.cl/noticias/exito-en-primer-
coloquio-sobre-el-fenomeno-religioso-en-america-latina/>. Acesso em:
10 out. 2015.
Por que estudar a religião é tão importante? Não há como estudar as
diferentes culturas sem considerar os aspectos religiosos que permeiam as
populações humanas mais remotas no tempo e no espaço. A religiosidade não é
um fenômeno restrito a um determinado espaço geográfico ou povo em particular.
Frente aos desafios da vida, morte, catástrofes naturais, formas de organização
social, relações familiares etc., o ser humano desenvolveu maneiras de lidar com
isso através daquilo que denominamos de religião.
De acordo com Marconi e Presoto (2001, p. 162),
140
Todas as populações estudadas pelos antropólogos demonstram
possuir um conjunto de crenças em poderes sobrenaturais de alguma
espécie. As sociedades, frequentemente, desenvolvem normas de
comportamento com a finalidade de se precaver contra o inesperado,
o imprevisível, o desconhecido, e de estabelecer certo controle sobre as
relações entre o homem e o mundo que o cerca.
Podemos observar que o fenômeno religioso é muito amplo, pois interfere
nas mais diferentes áreas da vida humana e na estrutura social. Os elementos que
compõem uma determinada religião têm a finalidade de gerar segurança frente ao
desconhecido. A morte, por exemplo, é vista de diferentes maneiras pelas religiões
do mundo. No Budismo, o espírito da pessoa morta volta em outro corpo, sendo
que este corpo pode ser de animal ou humano, dependendo daquilo que a pessoa
fez na vida passada. No catolicismo, por exemplo, a alma é eterna e, dependendo
daquilo que fez em vida, será julgada e consequentemente destinada ou para o céu
ou para o inferno. No final deste tópico você terá uma leitura complementar que
tratará das diferentes maneiras como a morte é vista nas religiões.
DOCUMENTÁRIO: História das religiões – As Antigas Religiões do
Mediterrâneo – Grega – Egito – Babilônia
Este documentário traz uma visão abrangente sobre a origem das religiões do
Mediterrâneo, pois consiste numa abordagem precisa e bem fundamentada sobre
os elementos que compõem estas religiões desde sua origem, desenvolvimento
e a influência nas diversas áreas da vida em sociedade.
Para acessar o vídeo utilize o seguinte link: <https://www.youtube.com/
watch?v=cfDo213Gegs>.
3 TEORIAS DA RELIGIÃO
Em decorrência dos estudos antropológicos foram surgindo diferentes
teorias para explicar o fenômeno religioso. A seguir iremos discorrer um pouco
sobre três dos principais campos teóricos da antropologia que têm por objetivo
explicar a origem e o desenvolvimento da religião nas diferentes culturas e povos.
141
3.1 TEORIAS PSICOLÓGICAS
De acordo com Mello (2013, p. 395), as teorias psicológicas “são assim
chamadas aquelas teorias que, de alguma forma, procuram explicar o fenômeno
religioso a partir dos sentimentos. Essas teorias têm, em geral, um caráter
intelectualista e sofrem influência da “psicologia associacionista””. O ser humano
é um ser emotivo, e, portanto, a religião é a manifestação dos sentimentos humanos
em diversos graus.
De acordo com Hoebel e Frost (2006, p. 351-352),
As primeiras teorias, as do final do século XIX, como a de Sir Edwardo
Tylor, foram basicamente psicológicas; procuraram explicar as origens
da religião em termos de respostas mentais aos aspectos misteriosos da
vida – a experiência do sonho e, em particular, a morte. Preocupavam-
se direta e simplesmente com a crença manifesta nos seres espirituais.
A teoria do animismo, como foi chamada, dominou o pensamento
antropológico até que foi combatida pela teoria sociológica de Durkheim.
As teorias psicológicas visam explicar a religião a partir dos sentimentos.
Isso se deve pelo fato de a religião envolver as emoções do crente. Diante do
desconhecido, o ser humano tende a buscar segurança emocional para enfrentar
aquilo que foge de seu controle. Um exemplo disso é a conversão a uma
determinada religião em um momento de crise ou frente a uma situação de uma
doença incurável, por exemplo. É muito comum, em momentos de desespero, as
pessoas recorrerem às religiões como forma de encontrar alento para si. Após o
contato com essas religiões, o ser humano se converte a elas porque encontrou um
tipo de paz e segurança interior. Nesse sentido, entendemos o aspecto psicológico
da religião.
No entanto, as teorias psicológicas se diferem em alguns aspectos. Dentre
as principais teorias psicológicas podemos destacar: mito natural, animismo,
animatismo, manismo, magia e totemismo.
A teoria do mito natural “sustenta que o homem primitivo possuía
uma tendência para personificar e venerar fenômenos naturais”. (MARCONI;
PRESOTO, 2001, p. 171). O homem diante da natureza e seu espanto frente à beleza
do mundo e aos fenômenos naturais, teve seus sentimentos despertados, então
passa a venerar tudo aquilo que estava à sua volta. A religião nasce do espanto
frente ao infinito. O medo do sobrenatural originou a religião.
142
FIGURA 61: FENÔMENOS QUE CAUSAM ESPANTO
FONTE: Disponível em: <https://manoelhiginoconsultor.wordpress.com/2015/07/>.
Acesso em: 10 out. 2015.
O animismo é uma teoria desenvolvida por Tylor “e significa a crença em seres
espirituais ou espíritos pessoais que animam a natureza” (MARCONI; PRESOTO,
2001, p. 172). Para as religiões animistas, tanto os objetos, como qualquer outro
elemento do mundo natural, estão dotados de espíritos imateriais. Nesse sentido,
são os seres espirituais que animam tudo que há no mundo. Estes seres espirituais
são almas, anjos, demônios, fantasmas etc., todos esses seres que povoam o mundo
sobrenatural conferem personalidade a tudo aquilo que existe. Isso significa dizer
que tudo aquilo que está vivo é consciente e possuidor de uma alma.
O manismo é a teoria desenvolvida por Spencer, em que “o culto aos
mortos (fantasmas, sombras) e a veneração de seus espíritos é que deram origem
à religião” (MARCONI; PRESOTO, 2001, p. 172). Neste caso, os deuses não
passariam de homens mortos que foram divinizados.
A magia (assunto que será aprofundado mais adiante) consiste no fato
de que o homem, “não sendo capaz de controlar de modo mágico o mundo ao
seu redor, acreditou na existência de forças desconhecidas, com poderes acima
dos seus. Através do culto, aproximou-se delas” (MARCONI; PRESOTO, 2001, p.
172). O culto (ou rituais) é o momento em que o homem busca a aproximação
com o divino, pois esta aproximação tem por objetivo estreitar as relações com o
divino e obter sua proteção e amparo. Os cultos são de diversas formas, pois estão
vinculados à cultura e crenças das pessoas envolvidas. Por meio do culto o crente
busca sensibilizar a divindade no sentido de intervir em seu favor, pois os cultos
envolvem momentos de gratidão, admiração e também de petição. Portanto, aquilo
que foge do controle humano é lançado aos cuidados da divindade.
143
3.2 TEORIAS SOCIOLÓGICAS
Um segundo grupo de teorias que visam explicar a religião é de origem
sociológica. De acordo com Mello (2013, p. 399), “O que caracteriza estas teorias é a
fundamentação da explicação a respeito do fenômeno religioso: este é apresentado
como fenômeno social e não como fenômeno psicológico”. Desta forma, o fenômeno
religioso é visto como resultado do cumprimento do dever para com a sociedade.
Isso significa dizer que os rituais não resultam de estados emocionais, mas os
ritos despertam ou produzem estados emocionais alterados, pois, de acordo com
Evans-Pritchard (apud MELLO, 2013, p. 399),
Notemos que Durkheim não está dizendo [...] que os ritos são levados
a efeito para liberar estados emocionais exaltados. São os ritos que
produzem tais estados. Eles podem, portanto, neste aspecto, ser
comparados aos ritos expiatórios como os de luto, nos quais as pessoas
procuram afirmar a sua fé e cumprir um dever para com a sociedade
sem que estejam sob qualquer tensão emocional; esta, enfim, pode estar
completamente ausente da ocasião.
É possível observar a diferença entre as teorias psicológicas e sociológicas
a partir da função do rito. Enquanto as teorias psicológicas se fundamentam na
tese de que o estado psicológico exaltado conduz ao surgimento do rito, as teorias
sociológicas partem do princípio de que o rito é responsável por desencadear
a exaltação dos estados emocionais. Nesse sentido, o rito é resultado de uma
construção social que influencia o comportamento do indivíduo em diferentes
momentos da vida social e desencadeia alterações no estado emocional dos
indivíduos. Destarte, nas teorias sociológicas os ritos são causa dos estados
emocionais alterados e não o contrário.
Os teóricos da religião defendiam a ideia de que a religião está na essência
da sociedade, nesse sentido,
Ver a religião como um fato social, como propunham esses autores,
é vê-la independente das mentes individuais, é reconhecer-lhes uma
existência ou preexistência aos indivíduos. Isto é, ao nascer os indivíduos
já se deparam com uma religião pronta com seus dogmas, seus rituais
e cosmovisão. Ela se impõe aos indivíduos, ela é parte importante
da realidade social. A importância social da religião parece ser ainda
maior nas sociedades de pequena escala onde ela tem um caráter geral
e abrangente, um caráter, poder-se-ia dizer, mais compulsório ainda do
que várias religiões podem subsistir lado a lado. (MELLO, 2013, p. 400).
Desta forma, a religião é um fato social capaz de exercer um poder
coercitivo sobre a existência individual. Em sociedades em que a presença da
religião é mais intensa, toda a organização social é influenciada pela religião.
O fato social é reconhecido porque exerce coerção sobre o comportamento do
indivíduo independente de sua vontade. Ao nascer o indivíduo se depara com
um ambiente religioso estruturado em que ele precisa se conformar à estrutura
deste ambiente para não sofrer nenhum tipo de sanção, punição ou até mesmo
algum tipo de dano pessoal.
144
3.3 A MENTALIDADE PRIMITIVA DE LÉVY-BRUHL
Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939)
Filósofo e sociólogo francês nascido em Paris, cuja teoria se opôs à validez
universal da moralidade teórica e à unidade da natureza humana, e defendia
uma sociologia relativista e pluralista. Entrou para a École Normale Supérieure
(1876), onde se diplomou em Filosofia (1879) e lecionou esta matéria no Liceu de
Poitiers (1879-1882) e depois no Liceu de Amiens (1882-1885). Doutorou-se em
Letras pela École Normale Supérieure com a tese A ideia de responsabilidade (1884)
e, no ano seguinte, passou a lecionar no Liceu Louis Le Grand. Deixou o Le Grand
(1895) depois que foi nomeado para a cadeira de História da Filosofia Moderna,
na Sorbonne (1904), onde começou a escrever sobre a moralidade teórica, de
origem científica ou metafísica. Foi nomeado diretor de estudos na Sorbonne
(1900) e, dois anos depois, substituiu  Émile Boutroux  na cadeira de História
da Filosofia. Sob influência da teoria sociológica de Émile Durkheim, procurou
elaborar uma ciência dos costumes, mas foi contestado por vários autores, entre
eles o próprio Durkheim. Publicou três novos livros sobre o assunto (1931-1938),
invertendo sua ordem de importância e sobrepondo o misticismo ao caráter pré-
lógico, porém sem abandonar totalmente os conceitos básicos. Afirmava que a
moral era relativa e determinada pelas épocas históricas e pelos grupos sociais,
passível de ser aceita ou não pelos homens, constituindo um meio variável
de acordo com diferentes culturas, que os homens utilizam para relacionar-
se com o mundo, e, para comprovar suas teses, dedicou-se principalmente ao
estudo das sociedades primitivas. Também admitiu que a estrutura básica do
pensamento humano é a mesma em toda parte. Morreu em Paris. Seus mais
importantes livros foram L'Allemagne depuis Leibniz (1890), La philosophie de
Jacobi (1894), La philosophie d'Auguste Comte (1900), La Morale et la science
des moeurs (1903), Les Fonctions mentales dans les sociétés inférieures (1910)
e La Mentalité primitive (1922).
FONTE: Disponível em: <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/LucienLB.html>. Acesso em: 18
out. 2015.
De acordo com Mello (2013, p. 402), esta teoria “trata-se, acima de tudo,
de um estudo epistemológico, onde ele analisa a lógica do pensamento humano
através dos tempos e na sua consistência interna”. A base desta teoria consiste
no fato de ver a religião primitiva não como algo ilógico, mas a religião primitiva
possuía uma lógica dentro do contexto em que estava. Isso significa dizer que cada
sociedade possui sua interpretação do universo que esteja de acordo com suas
representações coletivas.
A teoria de Lévy-Bruhl é uma tentativa de demonstrar que o pensamento
pré-lógico desempenhou um importante papel nas sociedades primitivas. Sobre
isso ele escreve que
145
Resta notar como os modos de agir dos primitivos correspondem
exatamente aos seus modos de pensar que foram até agora analisados,
como, nas suas instituições, as suas representações coletivas exprimem-
se com o caráter místico e pré-lógico que neles foi reconhecido. Deste
modo, penso obter um duplo resultado. De um lado, a teoria receberia
uma verificação precisa; de outro lado, uma vez que a explicação
psicológica e simplesmente verossímil dada pelas instituições primitivas
o mais das vezes deve ser refutada, caminhar-se-ia por uma estrada que
poderia facilitar a descoberta de uma melhor explicação. De fato, esta
interpretação deverá levar em conta em primeiro lugar a mentalidade dos
grupos sociais considerados. (LÉVI-BRUHL apud MELLO, 2013, p. 403).
Um aspecto importante neste fragmento é o fato de que a religiosidade
primitiva ou qualquer outra instituição social deve ser observada pelas lentes de seu
tempo. Uma observação a partir de uma concepção hodierna nos levará fatalmente
a uma visão distorcida, pois o contexto em que as práticas religiosas aconteciam era
outro e, portanto, algumas ações praticadas neste período podem ser ilógicas para a
mente do homem pós-moderno, pois, como afirma Pritchard (apud MELLO, 2013,
p. 403), “São razoáveis (os primitivos), mas raciocinam em categorias diferentes das
nossas. São lógicos, mas os princípios de sua lógica não são os nossos nem os da
lógica aristotélica [...]. Ele não está falando de uma diferença biológica ou psicológica
entre nós e os primitivos, mas sim de diferença social”.
A partir desta teoria nós podemos compreender alguns fatos históricos
ligados à religião. É importante observar que a teoria não visa justificar
procedimentos insanos por parte de algumas religiões, mas tem por finalidade
explicar porque determinadas ações eram coletivamente aceitas. No período em
que ações, até mesmo violentas e desumanas aconteciam, havia justificativas
logicamente aceitáveis para aquele momento. Algumas ações comuns em
determinadas religiões, como os sacrifícios humanos ou perseguição às ‘bruxas’,
eram justificadas a partir da realidade em que esses povos viviam. Todavia, com
o avanço dos direitos humanos, por exemplo, houve mudanças que passaram a
coibir esse tipo de ações. O que queremos enfatizar é que a lógica daquele período
(que é ilógico para nós) era absurdamente justificada.
4 RELIGIÃO E COSMOVISÃO
Cada religião em si tem uma maneira de ver o mundo e compreender os
fenômenos à sua volta. Essa visão do cosmos é peculiar em cada sistema religioso,
pois carrega em si vários elementos que influenciam na maneira como concebe as
coisas. Não cabe à antropologia definir qual cosmovisão é a certa ou a errada, os
antropólogos buscam, por meio de seus estudos, compreender o surgimento dos
sistemas de crenças presentes nas religiões.
Diante disso, é comum que perguntemos: por que existem diferentes
concepções de mundo? De acordo com Hiebert (2005, p. 45),
146
As pessoas percebem o mundo de maneiras diferentes porque constroem
pressupostos diferentes da realidade. Por exemplo, a maioria dos
ocidentais afirma que há no mundo real, além deles, elementos feitos
de matéria inanimada. No entanto, os habitantes do sul e do sudeste da
Ásia acreditam que esse mundo exterior realmente não existe, é uma
ilusão da mente. Os povos tribais ao redor do mundo veem a Terra
como um organismo vivo com o qual devem relacionar-se.
Observe que estamos falando de percepção de mundo, isso significa
dizer que as coisas no mundo possuem significados e valores diferentes para as
pessoas. Quando se fala de cosmovisão religiosa, estamos dizendo que cada povo
atribui diferentes significados para as mesmas coisas. O rio Ganges, para um
ambientalista cético, é apenas um rio extremamente poluído, mas para os hindus
é considerado sagrado. São visões diferentes sobre a mesma coisa, isso significa
dizer que a cosmovisão “É a visão interna do ser humano da maneira como as
coisas são coloridas, configuradas e arranjadas de acordo com as ideias culturais e
pessoais” (HOEBEL; FROST, 2006, p. 340).
A cosmovisão pode ser cultural ou religiosa. Neste caso, o que nos importa
é a cosmovisão religiosa, ou seja, a maneira como cada religião concebe o mundo
e a realidade. Nesse sentido, a antropologia da religião desempenha um papel
fundamental para compreender a maneira como os seres humanos concebem a
realidade a partir de sua condição cultural.
E
IMPORTANT
COSMOVISÃO
Cosmo – do grego cosmos, significa ordem, oposto ao Caos (kaos), desordem.
Cosmovisão (Visão geral de mundo). Da soma geral dos conhecimentos, os filósofos
organizaram, sistematicamente ou não, uma espécie de panorama geral de todo o
conhecimento, formando uma totalidade de visão, uma coordenação de opiniões
entrelaçadas entre si.
Com essa sistematização lhes é possível formular não só uma opinião geral de todo o
acontecer, mas também compreender e relacionar um fato individual com a visão geral
formulada do todo. (1)
Cosmovisão, além de significar uma visão ou concepção de mundo, expressa também uma
atitude frente ao mesmo. Portanto, não é uma mera abstração, já que a imagem que o
homem forma do mundo possui um fator de orientação e uma qualidade modeladora e
transformadora da própria conduta humana. Implícito em toda cosmovisão há um caminho
de ação e realização.
O Materialismo, o Espiritualismo e o Idealismo são cosmovisões. O que caracteriza essas
diversas cosmovisões? Primeiro, um anelo de saber integral; segundo, a apreensão da
totalidade; terceiro, a solução de problemas do sentido do mundo e da vida.
Além das cosmovisões fornecidas pela ciência e pela filosofia, podemos também enumerar
as determinadas pela psicologia, pela raça, pela classe social, pela cultura histórica, bem
como as fornecidas pela biologia, pela matemática, pela física.
FONTE: Disponível em: <https://sites.google.com/site/dicionarioenciclopedico/
cosmovisao>. Acesso em: 7 set. 2015.
147
De acordo com Mello (2013, p. 406),
Quando se fala da religião como cosmovisão, procura-se salientar um
aspecto do religioso: o sistema de conhecimentos. Na verdade, o homem
sempre procurou desenvolver um sistema de conhecimento globalizante
que servisse para dar sentido à sua vida social. O conhecimento religioso
tem um objeto vastíssimo. Ao contrário da ciência, que restringe seu
campo de conhecimento e de estudos apenas ao mundo sensível, isto
é, suscetível de ser experimentado pelos sentidos, a religião existe para
explicar tudo, sem exceção. Ela é tida como autoridade em todos os
domínios. Tem explicação para o sentido da vida, para a origem de tudo.
A cosmovisão religiosa é a tentativa de explicar o mundo e tudo aquilo que
acontece na vida. Nesse sentido, as religiões não restringem suas explicações apenas
aos fenômenos espirituais ou sobrenaturais, pelo contrário, há uma explicação
para tudo aquilo que acontece no universo desde seu surgimento até seu possível
fim. A maneira como se dissemina a se perpetua a cosmovisão depende do sistema
de doutrinação e a ritualização das crenças.
A cosmovisão influencia diretamente na maneira como as pessoas se
comportam no mundo. Na figura a seguir você poderá perceber como as diferentes
maneiras de ver o mundo influenciam, por exemplo, na maneira como as pessoas
se vestem.
FIGURA 62 - COSMOVISÃO
FONTE: Disponível em: <http://aiesec.blog.br/guia-inspiracao-lista-blogs-quer-
intercambio/>. Acesso em: 8 set. 2015.
Qual é a função da cosmovisão para os indivíduos?
A primeira função da cosmovisão consiste em dar “os fundamentos
cognitivos sobre os quais construir nossos sistemas de explicação, fornecendo
148
justificativa racional para a crença nestes sistemas”. (HIEBERT, 2005, p. 48).
A cosmovisão serve como modelo sobre o qual estruturamos nossa percepção
acerca da realidade. Nesse sentido, nossas explicações para os fenômenos à nossa
volta estão fundamentadas na cosmovisão que possuímos. Um exemplo disso é a
origem do universo. Para a maior parte dos cristãos, a explicação se encontra no
Livro do Gênesis (1.1): “No princípio, criou Deus os céus e a terra”. A partir desta
cosmovisão o fiel procura dar uma explicação racional para sua crença, tanto é
que o Criacionismo é uma teoria de grande importância nas discussões sobre a
origem do universo e da vida na Terra.
A segunda função é que ela “nos dá segurança emocional”. (HIEBERT,
2005, p. 48). O ser humano sempre teve que lutar contra as incertezas e desafios da
vida. O mundo é um lugar onde frequentemente é assaltado por guerras, doenças,
catástrofes naturais, entre outras coisas que afetam a vida dos indivíduos. A
cosmovisão nos oferece um sentido para aquilo que enfrentamos, pois ela nos dá
uma espécie de segurança quando não a encontramos em outro lugar, pois “Nossa
cosmovisão fortalece nossas crenças fundamentais como reforço emocional para
que elas não sejam facilmente destruídas”. (HIEBERT, 2005, p. 48).
Em terceiro lugar, a cosmovisão “legitima nossas normas culturais mais
profundas utilizadas para avaliar nossas experiências e escolher modos de agir”.
(HIEBERT, 2005, p. 48). A cosmovisão religiosa fornece um conjunto de prescrições
que servem como guia para nortear o comportamento do crente. A maneira como
o indivíduo se comporta é fruto de suas crenças, pois elas servem como parâmetro
que define quais atitudes o indivíduo deve ter em relação a determinadas situações.
Outra função da cosmovisão é que ela “integra nossa cultura. Ela organiza
nossas ideias, nossos sentimentos e valores em um único planejamento real”.
(HIEBERT, 2005, p. 49). A cosmovisão tem a finalidade de organizar nossas
crenças, experiências e valores em um conjunto geral onde fé e valores culturais,
por exemplo, estão integrados de maneira a unificar nossa realidade.
Por último, nossa cosmovisão “monitora a mudança cultural”. (HIEBERT,
2005, p. 49). A sociedade está em constante mudanças e isso confronta diretamente
ou indiretamente os valores e crenças religiosas. A cosmovisão monitora nossas
escolhas, pois serve como ferramenta de auxílio na seleção das pressuposições
acerca da realidade. Desta forma, quando há uma mudança que causa ruptura com
a tradição, a cosmovisão monitora essa ruptura no sentido de conformar a tradição
com as mudanças culturais, tornando-as plausíveis com as crenças. “Portanto,
a cosmovisão tende a manter velhos costumes de ser e oferece estabilidade nas
culturas durante longos períodos de tempo. Assim, elas resistem à mudança”.
(HIEBERT, 2005, p. 49).
Caro(a) acadêmico(a)! Você pôde perceber a importância e complexidade
das questões voltadas para a religião? Infelizmente, há aqueles que ridicularizam a
religião e a colocam como a causa de todos os conflitos que existem no mundo. No
entanto, sabemos que quanto mais conhecermos internamente as religiões, iremos
149
perceber a riqueza cultural e as grandes contribuições que as religiões deram e
continuam dando para a cultura humana. É necessário que as pessoas aprendam a
respeitar a diversidade religiosa para que haja harmonia entre os homens de todos
os lugares e culturas.
LEITURA COMPLEMENTAR
SAIBA COMO A MORTE É VISTA EM DIFERENTES RELIGIÕES E
DOUTRINAS
CAROLINA NASCIMENTO
De maneira geral, cristãos, islâmicos e judeus acreditam que após a morte
há a ressurreição. Já os espíritas creem na reencarnação: o espírito retorna à vida
material através de um novo corpo humano para continuar o processo de evolução.
Algumas doutrinas acreditam que as pessoas podem renascer no corpo de algum
animal ou vegetal. Em algumas religiões orientais, o conceito de reencarnação
ganha outro sentido: é a continuação de um processo de purificação. Nas diversas
religiões, o homem encara a morte como uma passagem ou viagem de um mundo
para outro.
Filosofia
A sobrevivência do espírito humano à morte do corpo físico e a crença
na vida e no julgamento após a morte já eram encontradas na filosofia grega, em
especial em Pitágoras, Platão e Plotino. Já Sartre, filósofo francês, defendia que o
indivíduo tem uma única existência. Para ele, não há vida nem antes do nascimento
e nem depois da morte.
Doutrina niilista
Sendo a matéria a única fonte do ser, a morte é considerada o fim de tudo.
Doutrina panteísta
O espírito, ao encarnar, é extraído do todo universal. Individualiza-se em
cada ser durante a vida e volta, com a morte, à massa comum.
Dogmatismo religioso
A alma, independente da matéria, sobrevive e conserva a individualidade
após a morte. Os que morreram em ‘pecado’ irão para o fogo eterno; os justos, para
o céu, gozar as delícias do paraíso.
150
Budismo
O budismo prega o renascimento ou reencarnação. Após a morte, o
espírito volta em outros corpos, subindo ou descendo na escala dos seres vivos
(homens ou animais), de acordo com a sua própria conduta. O ciclo de mortes e
renascimentos permanece até que o espírito se liberte do carma (ações que deixam
marcas e que estabelecem uma lei de causas e efeitos). A depender do seu carma, a
pessoa pode renascer em seis mundos distintos: reinos celestiais, reinos humanos,
reinos animais, espíritos guerreiros, espíritos insaciáveis e reinos infernais. Estes
determinam a Roda de Samsara, ou seja, o transmigrar incessante de um mundo a
outro, ora feliz e angelical, ora sofrendo terríveis torturas, brigando e reclamando.
Em qualquer um destes estágios as pessoas estão sujeitas a transformações. De
acordo com o Livro Tibetano da Morte, existem 49 etapas, ou 49 dias, após a
morte. Os monges oram para que as pessoas atinjam a Terra Pura – lugar de paz,
tranquilidade e sabedoria iluminada – ou renasçam em níveis superiores. Para
libertar-se do carma e alcançar a iluminação ou o Nirvana, o ciclo ignorância, sede
de viver e o apego às coisas materiais deve ser abolido da mente dos homens.
Para isso, a doutrina budista ensina a evitar o mal, praticar o bem e purificar o
pensamento. O leigo deve praticar três virtudes: fé, moral e benevolência. Para
eles, todo ser humano é iluminado, embora não tenha consciência disso.
Hinduísmo
A visão hindu de vida após a morte é centrada na ideia de reencarnação.
Para os hinduístas, a alma se liga a este mundo por meio de pensamentos, palavras
e atitudes. Quando o corpo morre ocorre a transmigração. A alma passa para o
corpo de outra pessoa ou para um animal, a depender das nossas ações, pois a
toda ação corresponde uma reação – Lei do Carma. Enquanto não atingimos a
libertação final – chamada de moksha –, passamos continuamente por mortes e
renascimentos. Este ciclo é denominado Roda de Samsara, da qual só saímos após
atingirmos a iluminação. No hinduísmo, a alma pode habitar 14 níveis planetários
distintos (chamados Bhuvanas) dentro da existência material, de acordo com seu
nível de consciência. Quando se liberta, a alma retorna ao verdadeiro lar, um
mundo onde inexistem nascimentos e mortes.
Os hindus possuem crenças distintas, mas todas são baseadas na ideia
de que a vida na Terra é parte de um ciclo eterno de nascimentos, mortes e
renascimentos.
Islamismo (Religião muçulmana)
Para o islamismo, Alá (Deus) criou o mundo e trará de volta à vida todos os
mortos no último dia. As pessoas serão julgadas e uma nova vida começará depois
da avaliação divina. Esta vida seria então uma preparação para outra existência, seja
no céu ou no inferno. Quando a pessoa morre, começa o primeiro dia da eternidade.
Ao morrer, a alma fica aguardando o dia da ressurreição (juízo final) para ser
julgado pelo criador. O inferno está reservado para as almas ‘desobedientes’, que
foram desviadas por Satanás. No Alcorão, livro sagrado, ele é descrito como um
151
lugar preto com fogo ardente, onde as pessoas são castigadas permanentemente.
Para o paraíso vão as almas que obedeceram e seguiram a mensagem de Alá e as
tradições dos profetas (entre eles, os cinco principais: Noé, Abraão, Moisés, Jesus
filho de Maria e Mohammed). No Alcorão, o paraíso é descrito como um lugar com
rios de leite, córregos de mel e outras belezas jamais vistas pelo homem.
Espiritismo
Defende a continuação da vida após a morte num novo plano espiritual
ou pela reencarnação em outro corpo. Aqueles que praticam o bem evoluem mais
rapidamente. Os que praticam o mal recebem novas oportunidades de melhoria
através das inúmeras encarnações. Creem na eternidade da alma e na existência de
Deus, mas não como criador de pessoas boas ou más. Deus criou os espíritos simples
e ignorantes, sem discernimento do bem e do mal. Quem constrói o céu e o inferno
é o próprio homem. Pela teoria, todos os seres humanos são espíritos reencarnados
na Terra para evoluir. A morte seria apenas a passagem da alma do mundo físico
para a sua verdadeira vida no mundo espiritual. E mesmo no paraíso, acredita-se
que o espírito esteja em constante evolução para o seu aperfeiçoamento moral.
As almas dos mortos ligam-se umas às outras, em famílias espirituais, guiadas
pela sintonia entre elas. Consequentemente, os lugares onde vivem possuem
níveis vibratórios diferentes, sendo uns mais infelizes e sofredores, e outros mais
felizes e plenos. Muitas escolas espiritualistas – não todas – defendem a ideia da
sobrevivência da individualidade humana, chamada espírito, ao processo da morte
biológica, mantendo suas faculdades psicológicas intelectuais e morais.
Igreja evangélica
Como no catolicismo, os evangélicos acreditam no julgamento, na
condenação (céu ou inferno) e na eternidade da alma. A diferença é que o morto
faz uma grande viagem e a ressurreição só acontecerá quando Jesus voltar à Terra,
na chamada ‘Ressurreição dos Justos’, ou, então, aqueles que forem condenados
terão uma nova chance de ressurreição no ‘Julgamento Final’. Os que morrerem
sem Cristo como seu Deus também receberão um corpo especial para passar a
eternidade no lago de fogo e enxofre.
Igreja Adventista do Sétimo Dia
Na Igreja Adventista do Sétimo Dia, os mortos dormem profundamente até
o momento da ressurreição. Quem cumpriu seu papel na Terra recebe a graça da
vida eterna, do contrário desaparece.
Igreja Batista
Creem na morte física (separação da alma do corpo físico) e na morte
espiritual (separação da pessoa de Deus). Os que, após a morte física, acreditam
ou passam a confiar em Jesus Cristo, vão para o Paraíso, onde terão uma vida de
paz e felicidade. Com a morte espiritual, a alma vai para o inferno para uma vida
de angústia, sofrimento, dor e tormentos.
152
Catolicismo
A vida depois da morte está inserida na crença de um Céu, de um Inferno e
de um Purgatório. Dependendo de seus atos, a alma se dirige para cada um desses
lugares. A alma é eterna e única. Não retorna em outros corpos e muito menos em
animais. Crê na imortalidade e na ressurreição e não na reencarnação da alma.
A Bíblia ensina que morreremos só uma vez. E ao morrer, o homem católico é
julgado pelos seus atos em vida. Se ele obtiver o perdão, alcançará o céu, onde a
pessoa viverá em comunhão e participação com todos os outros seres humanos e,
também, com Deus. Se for condenado, vai para o inferno. Algumas almas ganham
uma chance para serem purificadas e vão para o purgatório, que não é um lugar, e
sim uma experiência existencial da pessoa. Quem for para o céu ressuscitará para
viver eternamente. Depois do Juízo Final, justos e pecadores serão separados para
a eternidade. Deus julga os atos de cada pessoa em vida de acordo com a palavra
que revelou através de Seu Filho, com os ideais de amor, fraternidade, justiça, paz,
solidariedade e verdade.
Judaísmo
O judaísmo crê na sobrevivência da alma, mas não oferece um retrato claro
da vida após a morte, e nem mesmo se existe de fato. O judaísmo é uma religião que
permite múltiplas interpretações. Algumas correntes acreditam na reencarnação,
outras na ressurreição dos mortos. Enquanto a reencarnação representa o retorno
da alma para um novo corpo, a ressurreição é definida como o retorno da alma ao
corpo original. Para os judeus, a lei permite à pessoa que vai morrer pôr a sua casa
em ordem, abençoar a família, enviar mensagem aos que lhe parecem importantes
e fazer as pazes com Deus. A confissão  in extremis  é considerada importante
elemento na transição para o outro mundo.
Candomblé
Não existe uma concepção de céu ou inferno, nem de punição eterna. As
almas que estão na Terra devem apenas cumprir o seu destino, caso contrário
vagarão entre céu e terra até se realizar plenamente como um ser consciente e
eterno. Os cultos afro-brasileiros acreditam que os mistérios da vida e da morte são
regidos por uma Lei Maior, uma força divina que dá o equilíbrio divino ou eterno.
O Candomblé vê o poder de Deus em todas as coisas e, principalmente, na natureza.
Morrer é passar para outra dimensão e permanecer junto com os outros espíritos,
orixás e guias. Trabalha com a força da natureza existente entre terra (Aìyê) e o
céu (Òrun). Nos cultos afros, o assunto de vida após a morte não é bem definido.
Na Terra, o objetivo do homem é realizar o seu destino de maneira completa e
satisfatória. Ao cumprir o seu destino na Terra, o ser humano está pronto para a
morte. Após a morte, o espírito será encaminhado ao Òrun, para uma dimensão
reservada aos seres ancestrais, ou seja, eternos. O ser humano pode ser divinizado e
cultuado. Caso o seu destino não seja cumprido, os espíritos ficarão vagando entre
os espaços do céu e da terra, onde podem influenciar negativamente os mortais.
Como não se realizaram plenamente, estes espíritos estão sujeitos à reencarnação.
153
Já as pessoas vivas que sofrem as suas influências negativas precisam passar por
rituais de limpeza espiritual para reencontrar o equilíbrio.
Umbanda
A Umbanda sofre influências de crenças cristãs, espíritas e de cultos afros e
orientais. Como não existe uma unidade ou um ‘livro sagrado’, alguns umbandistas
admitem o céu e o inferno dos cristãos, enquanto outros falam apenas em
reencarnação e Carma. Na Umbanda, morte e nascimento são momentos sagrados,
que marcam a passagem de um estado a outro de manifestação espiritual, morremos
para um lado e nascemos para outro lado da vida, o que nos aguarda do outro lado
depende de nós mesmos. A Umbanda explica o universo através de sete linhas,
regidas por Orixás. Ao morrer, a pessoa será atraída por estes mundos espirituais.
A matéria é apenas um dos caminhos para a evolução do espírito. Sendo assim, a
morte é uma etapa do ciclo evolutivo, sendo a reencarnação a base da evolução. O
objetivo maior do nascimento e da morte é a harmonização e a evolução consciente
do espírito. Após a morte, o ser humano leva consigo suas alegrias, sua fé, suas
crenças, suas mágoas e suas dores. E terá que lidar com elas, sempre contando com
o auxílio dos espíritos mais evoluídos que o recepcionarão no outro lado da vida e
o ajudarão na sua adaptação no mundo espiritual. Com a morte do corpo físico, os
espíritos bons podem se tornar protetores, enquanto os maus (espíritos de pouca
evolução, devido às poucas encarnações) podem virar perturbadores. Os mortos
(desencarnados) podem ser contatados, ajudados ou afastados.
FONTE: Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG65777-5856,00-SA
IBA+COMO+A+MORTE+E+VISTA+EM+DIFERENTES+RELIGIOES+E+DOUTRINAS.html>. Acesso
em: 7 set. 2015.
154
RESUMO DO TÓPICO 1
• A questão de interesse da antropologia em relação ao fenômeno religioso consiste
no fato de compreender a maneira como o ser humano lida com o transcendente,
ou seja, com aquilo que ultrapassa o nível de compreensão a partir do mundo
físico.
• As teorias psicológicas visam explicar a religião a partir dos sentimentos.
Isso se deve pelo fato de a religião evolver as emoções do crente. Diante do
desconhecido, o ser humano tende a buscar segurança emocional para enfrentar
aquilo que foge de seu controle.
• O que caracteriza as teorias sociológicas é a fundamentação da explicação a
respeito do fenômeno religioso: este é apresentado como fenômeno social e não
como fenômeno psicológico.
• Cada religião em si tem uma maneira de ver o mundo e compreender os
fenômenos à sua volta.
• A cosmovisão religiosa é a tentativa de explicar o mundo e tudo aquilo que
acontece na vida.
155
AUTOATIVIDADE
1 Sabemos que não é função da antropologia da religião provar ou negar a
existência de Deus. Nesse sentido, responda qual é o principal papel da
antropologia ao estudar o fenômeno religioso?
2 Em decorrência dos estudos antropológicos foram surgindo diferentes
teorias para explicar o fenômeno religioso. Sobre essas teorias, analise as
sentenças a seguir e classifique V para as verdadeiras e F para as falsas:
( ) As teorias sociológicas são assim chamadas aquelas teorias que procuram
explicar o fenômeno religioso a partir dos sentimentos.
( ) As teorias sociológicas apontam que a religião primitiva era ilógica dentro
do contexto em que estava.
( ) As teorias sociológicas partem do princípio de que o rito é responsável
por desencadear a exaltação dos estados emocionais.
( ) As teorias psicológicas podem ser classificadas em mito natural,
animismo, animatismo, manismo, magia e totemismo.
Agora, assinale alternativa CORRETA:
a. ( ) V – F – V – F.
b. ( ) F – F – V – V.
c. ( ) V – F – F – V.
156
UNIDADE 3
TÓPICO 2
O SAGRADO E O PROFANO: DICOTOMIA
OPERACIONAL FUNDAMENTAL PARA A
COMPREENSÃO DA RELIGIÃO NA PERSPECTIVA
ANTROPOLÓGICA
1 INTRODUÇÃO
O ser humano busca por meio de uma religião estabelecer uma relação
com a divindade. Em meio às atividades comuns da vida humana, os indivíduos
buscam encontrar um tempo, um espaço e até mesmo uma pessoa que possa de
alguma maneira auxiliá-los neste processo de encontro com o transcendente.
Nesse processo há três elementos fundamentais: o sagrado e o profano, a figura do
mediador e as crenças que envolvem a atitude religiosa.
O sagrado e o profano surgem da necessidade de estabelecer um espaço,
uma crença, uma prática, palavras etc., que delimitem onde um começa e outro
termina. O mediador é o elo entre o material e o imaterial, entre o espiritual e o
físico, entre o celestial e o terreno. É aquele que fala dos homens à divindade e da
divindade aos homens.
As crenças são fundamentais neste processo, pois são elas que fundamentam
as práticas religiosas, dão sentido aos rituais e auxiliam os indivíduos em suas
escolhas.
Neste tópico, nosso objetivo principal é diferenciar entre o sagrado e o
profano e conhecer as diferentes figuras do mediador entre o sagrado e o profano.
Sugerimos que você leia com atenção este material, lembrando que existem
diferentes opiniões sobre os temas aqui abordados e que você poderá se aprofundar
nos assuntos aqui contemplados consultando outras fontes de informação. Então,
mãos à obra!
2 O SAGRADO E O PROFANO
No âmbito religioso nos deparamos com dois conceitos fundamentais
para a compreensão das relações existentes no interior das diferentes religiões:
o sagrado e o profano. Não por acaso que esta foi uma dicotomia amplamente
discutida por Durkheim.
157
Todas as crenças religiosas conhecidas, sejam simples ou complexas,
têm um mesmo caráter comum: pressupõem uma classificação das
coisas reais ou ideias que se apresentam aos homens, em duas classes
ou em dois gêneros opostos, definidas geralmente com dois termos
distintos – traduzidos bastante pelas designações de profano e sagrado.
A divisão do mundo em dois domínios que compreendem um: tudo
o que é sagrado, e o outro: tudo o que é profano, é o caráter distintivo
do pensamento religioso: as crenças, os mitos, as gnomas, as lendas
são representações, ou sistemas de representações que exprimem a
natureza das coisas sacras, as virtudes e poderes a elas atribuídos, sua
história, suas relações recíprocas e com as coisas profanas. Mas por
coisas sagradas não é preciso entender apenas aqueles seres pessoais
que vêm denominados com deuses ou espíritos: uma rocha, uma fonte,
uma pedra, um pedaço de lenha, uma casa, em suma, qualquer coisa
pode ser sagrada. (DURKHEIM apud MELLO, 2013, p. 392-393).
Em termos simples, o sagrado é tudo aquilo que o ser humano diviniza.
Isso significa dizer, do ponto de vista antropológico, que é o ser humano que torna
determinada coisa ou ritual sagrado, pois aquilo que é sagrado em uma religião
pode não ser na outra. O sagrado é singular em cada religião, todavia, de acordo
com Eliade (1992, p. 13), “O homem ocidental moderno experimenta um certo mal-
estar diante de inúmeras formas de manifestações do sagrado: é difícil para ele
aceitar que, para certos seres humanos, o sagrado possa manifestar-se em pedras
ou árvores, por exemplo”.
Mircea Eliade, importante historiador das religiões, utiliza o termo
hierofania, que é a composição de duas palavras gregas, hieros (sagrado) + faneia
(manifesto), que significa a manifestação do sagrado. Eliade (1992, p. 13) justifica a
utilização deste termo da seguinte maneira:
Este termo é cômodo, pois não implica nenhuma precisão suplementar:
exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a
saber, que algo de sagrado se nos revela. Poder-se-ia dizer que a história
das religiões – desde as mais primitivas às mais elaboradas – é constituída
por um número considerável de hierofanias, pelas manifestações
das realidades sagradas. A partir da mais elementar hierofania – por
exemplo, a manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma pedra
ou uma árvore – e até a hierofania suprema, que é, para um cristão, a
encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de continuidade.
Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso: a manifestação de
algo “de ordem diferente” – de uma realidade que não pertence ao
nosso mundo – em objetos que fazem parte integrante do nosso mundo
“natural”, “profano”.
A partir da experiência religiosa, o cosmo e tudo aquilo que nele existe se
mostra de maneira diferente para aquele que vivenciou tal experiência. A partir
disso as coisas passam a ter outro significado e valor, pois a experiência religiosa
é capaz de mudar a perspectiva do indivíduo. A hierofania então é momento em
que algo simples, como uma pedra, por exemplo, passa a ter outro sentido, passa
a ser visto como a manifestação da divindade, o que torna tal coisa sagrada. Nesse
sentido, o sagrado está no mundo, mas se opõe a ele. Destarte, o que torna algo
sagrado é a relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto.
158
Para o homem religioso o espaço não é homogêneo, isso significa dizer que
existem diferenças entre o espaço sagrado e o espaço profano. “Há, portanto, um
espaço sagrado, e por consequência “forte”, significativo, e há outros espaços não
sagrados, e por consequência sem estrutura nem consistência, em suma, amorfos”.
(ELIADE, 1992, p. 17). Um exemplo de espaço sagrado é o Muro das Lamentações,
em Jerusalém, considerado um lugar sagrado para o judaísmo, onde inúmeros
judeus e também cristãos se dirigem para realizar suas preces.
FIGURA 63 - MURO DAS LAMENTAÇÕES
FONTE: Disponível em: <http://lulacerda.ig.com.br/2012/02/page/16/>. Acesso em: 11 set.
2015.
O espaço sagrado é indiferente para o homem profano, pois este não vê
e não acredita na sacralidade do mundo, portanto, todos os espaços são neutros,
ou seja, não possuem significado espiritual para ele, visto que sua mente está
purificada da sacralidade da religião.
Da mesma forma são os objetos como taças, candelabros, árvores, pedras,
rios etc., que o homem religioso sacraliza, mas para a mente não religiosa é apenas
um objeto. A Lua é considerada um elemento hierofânico, pois possui diferentes
representações nas diversas culturas, sendo venerada como um astro sagrado.
159
FIGURA 64 - A LUA
FONTE: Disponível em: <http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/
noticias/2013/07/26/noticia_saudeplena,144125/estudo-afirma-que-lua-cheia-
dificulta-sono.shtml>. Acesso em: 10 set. 2015.
O profano, por outro lado, está relacionado ao mundo atual e terreno do
qual os seres humanos fazem parte. Geralmente, o termo ‘profano’ está associado
a algo negativo, mas neste caso não, pois o profano é aquilo que está presente no
dia a dia das pessoas e não possui relação com alguma divindade ou divindades.
No entanto, “É preciso acrescentar que uma tal existência profana jamais se
encontra no estado puro. Seja qual for o grau de dessacralização do mundo a que
se tenha chegado, o homem que optou por uma vida profana não consegue abolir
completamente o comportamento religioso”. (ELIADE, 1992, p. 17).
Como se originou a ideia de sagrado? De acordo com Gomes (2013, p. 136),
O sagrado, no fundo, origina-se do sentimento que junta as pessoas e
as faz sentir como se pertencessem umas às outras, em uma comunhão
de identidade coletiva, que está acima de cada indivíduo. O profano é
aquilo corriqueiro que pode ser compreendido e calculado pelo interesse
individual. O sagrado é aquilo que a cultura, como coletividade,
reconhece como merecedor de respeito e reverência porque toca a todos.
O sagrado é o ponto de encontro das diferentes pessoas. Na vida cotidiana,
as pessoas desempenham papéis diferentes, ocupam funções diferentes, todavia
o sagrado é o elemento de aproximação entre as diferenças. É aquilo que toca as
pessoas de uma determinada religião da mesma forma. É o espaço onde as pessoas
fortalecem os vínculos e constituem uma unidade.
O sagrado exige do crente uma postura diferenciada, pois o sagrado
incorpora em si o mistério que exige uma postura de respeito, entrega e veneração.
Nesse sentido, “As coisas sagradas, por sua vez, exigem uma certa postura de
respeito e apresentam, quase sempre, uma característica de tabu. Não se deve
tocá-las impunemente, não se deve delas comer a não ser em certas circunstâncias,
160
dentro do cerimonial em geral”. (MELLO, 2013, p. 393). A profanação do sagrado
é passível de castigo, que vai desde penas leves até penas mais severas, como é o
caso da excomunhão ou o banimento do grupo religioso.
A dicotomia do sagrado e do profano abre o espaço para a intermediação
do sacerdote. O sacerdote se sustenta a partir da existência desta polaridade,
pois “Não haveria necessidade de mediação sacerdotal se o sagrado e o profano
coincidissem”. (TERRIN, 2004, p. 226).
DICAS
SUGESTÃO DE LEITURA:
Esta obra é de suma importância para aqueles que desejam compreender a religião a partir
de um viés antropológico. O livro reúne ensaios e artigos sobre antropologia cultural e
sua relação com a visão simbólico-religiosa. A partir da leitura do livro somos desafiados a
repensar o religioso não como religiões superiores ou inferiores, pois o autor nos convida a
pensar a religião de maneira nova, vendo o homem e as culturas não a partir de um olhar de
superioridade, mas de alteridade, colocando-se no lugar do outro e compreendendo o que
cada religião tem a oferecer para a vida na Terra. É uma excelente obra para quem deseja
pensar com profundidade as manifestações religiosas, sabendo de sua importância para o
mundo de hoje, que, mesmo marcado por grande desenvolvimento tecnológico, tem na
religiosidade uma de suas mais fortes expressões. 
3 A INTERMEDIAÇÃO ENTRE O SAGRADO E O PROFANO
Entre o sagrado e o profano encontramos diferentes figuras que são
responsáveis por ser o elo entre um e outro. Esta figura é o intermediador, que
tem a função de intermediar a relação entre as partes, pois ele é responsável por
intervir no sentido de aplacar a ira dos deuses e apresentar à divindade os anseios
de seu povo. A seguir iremos discorrer sobre as diferentes figuras intermediadoras
nas diferentes culturas e religiões.
161
3.1 XAMÃ
De acordo com Terrin (2004, p. 234), “A primeira forma de mediação
sacerdotal que se encontra na história, principalmente em nível etnológico, é a
figura do xamã, a que podemos acrescentar o mago, o adivinho e o vidente”. O
xamã é o líder espiritual no xamanismo, responsável por dar segurança ao seu
povo diante das fragilidades dos seres humanos perante as forças da natureza. Ele
é o responsável por fazer uma ponte entre o mundo físico e o mundo espiritual.
FIGURA 65: XAMÃ
FONTE: Disponível em: <http://www.magiazen.com.br/palavra-chave/
xama>. Acesso em: 14 set. 2015.
Para os xamãs receberem esta função é necessário que passem por uma
aprovação coletiva em que são avaliados vários aspectos de suas vidas. Segundo
Mello (2013, p. 417),
Em geral, na comunidade existem vários jovens tidos como possuidores
de virtudes xamanísticas. Eles passam por várias provas que evidenciam
suas capacidades e habilidades. Devem demonstrar a coragem de
enfrentar os espíritos da floresta e também demonstrar que têm poder
sobre estes.
Observe a importância que é dada à coragem. A que isso se deve? O
xamã é responsável por dar segurança para seu povo frente ao desconhecido e às
intempéries da vida. Em meio ao caos, o xamã deve liderar seu povo no sentido de
manter a ordem natural das coisas. Para que isso seja possível, o xamã não pode
temer o desconhecido, os espíritos das florestas. Sua coragem deve ser grande o
bastante para se impor frente aos espíritos, e não apenas isso, deve ser capaz de
dominá-los.
162
De acordo com Bezerra (1980, p. 364),
Entre os ameríndios a figura do xamã sempre foi temida e respeitada,
não importa a denominação pela qual fosse conhecida nas diferentes
tribos. Eram os “homens-medicina”, de poderes ilimitados dentro de
sua órbita de ação, que curavam doentes, faziam chover, comunicavam-
se com divindades e seres sobrenaturais.
O poder sobrenatural que o xamã possuía poderia ser utilizado tanto para
o bem quanto para o mal. Diante de uma figura com tamanho poder de interferir
na vida e no destino de outras pessoas, era comum que houvesse grande temor.
Devido ao seu poder de interferir na natureza, de curar os doentes, o xamã gozava
de prestígio e respeito que o tornavam uma figura reverenciada entre os seus.
A seguir, você lerá sobre as obrigações de um xamã pajé entre os índios
Tapirapé, na década de 1940. Essa pesquisa foi realizada pelo antropólogo Charles
Wegley. Entre as obrigações do xamã, Wegley enumera as seguintes:
a) Tratar dos doentes da aldeia. O fumo era utilizado invariavelmente nos
rituais de cura. A defumação, tão utilizada hoje nas sessões de Umbanda, ali é
praticada com todos os requintes e em todos os acontecimentos xamanísticos.
b) Cabe também aos pajés proteger os Tupirapé contra os espíritos. Entre esses
índios, o medo dos espíritos das flores (os Anhangá) ou dos mortos é muito
forte e pode causar desmaios e cenas de incontrolável pavor.
c) Uma obrigação muito importante do pajé dá-se por ocasião da gravidez. Embora
esses índios saibam que a gravidez está relacionada com a relação sexual, esta
não é a condição suficiente para que ela ocorra, “acreditam que a concepção só é
possível quando um pajé ‘traz uma criança para a mulher’”. Essa gente acredita
que várias espécies de aves e peixes, bem como o trovão, possuem ou dominam
os “espíritos das crianças”, cabendo ao pajé consegui-los.
d) A segurança é também tarefa dos pajés. É ele quem deve proteger as pessoas
contra os ataques dos animais ferozes. A ele cabe dominar as serpentes e os
jacarés.
e) Outra obrigação do pajé ou dos pajés é a do suprimento de alimentos. A
ele cabe atrair as varas de porcos do mato e outros animais que servem de
alimento para os índios Tapirapé. Os pajés também se encarregam de provar
e aprovar os alimentos para consumo na aldeia. As primícias passam, assim,
sempre pelas mãos dos pajés.
FONTE: MELLO, Luiz G. Antropologia cultural: iniciação, teoria e temas. 19. ed. Petrópolis: Vozes,
2013, p. 418-419.
163
Observe que o pajé possui grande responsabilidade para a estabilidade e
sobrevivência da tribo. É uma função que requer grande habilidade, tornando o
pajé uma figura de grande importância entre os seus. No entanto, devido ao fato
de o xamã possuir essas responsabilidades de proteger e garantir a sobrevivência
de suas tribos, muitos deles foram e ainda são assassinados pelos homens brancos,
por serem considerados feiticeiros. Não apenas por isso, mas são os pajés que se
opõem, muitas vezes, à exploração de suas terras, por este motivo são alvos de
ódio por parte daqueles que se sentem ameaçados diante de seu posicionamento
protecionista de sua aldeia.
3.2 REI-SACERDOTE
Outra figura tida como mediador entre os homens e a divindade é a do
rei-sacerdote, que é considerada mais importante do que a figura do xamã. A
partir de estudos realizados em torno desta figura histórico-religiosa, sabe-se da
importância e da excelência de sua mediação sacerdotal.
Para os historiadores das religiões, “o rei seria o único verdadeiro mediador
entre Deus e os homens, teria origem divina, podendo, portanto, realizar a sua
tarefa com competência absoluta”. (TERRIN, 2004, p. 237). Na Bíblia Sagrada
temos o caso de Melquisedeque, que é descrito como rei de Salém e sacerdote do
Deus Altíssimo.
A figura dos reis-sacerdotes está presente em diversas culturas e povos, pois
“A extensão dessa concepção é verdadeiramente sem limites: entre as civilizações
superiores do mundo antigo, o rei está diretamente relacionado com a divindade
no Egito, e na Mesopotâmia, Pérsia, China, Japão, Peru e México”. (TERRIN, 2004,
p. 237-238).
Entre eles podemos destacar a importante e enigmática figura do rei-
sacerdote K’inich Janaab’ Pakal, que viveu aproximadamente entre os anos de 603
a 683 d.C. Viveu 80 anos e começou a reinar desde os 12 na cidade de Pelenque, que
era a sede do estado maia de B’aakal. Sua tumba encontrada no interior de uma
pirâmide é considerada um importantíssimo achado arqueológico.
164
FIGURA 66: REI-SACERDOTE PAKAL
FONTE: Disponível em: <http://www.oem.com.mx/elheraldodechiapas/notas/
n2570993.htm>. Acesso em: 15 set. 2015.
Devemos considerar um fato importante na história romana quando
os imperadores, diante da recusa dos cristãos de reconhecê-los como deuses,
desencadearam intensas perseguições e inúmeras mortes. A postura dos
cristãos frente às exigências de que era necessário prestar culto ao imperador
era incompatível com sua fé, diante disso foram alvos da fúria dos imperadores
romanos que exigiam adoração à sua personalidade.
Outra civilização em que a figura do rei-sacerdote era intensamente
reverenciada, era no Egito.
Aqui o Faraó era o sacerdote responsável pelo equilíbrio do universo,
do Maat: era o rei sagrado e o “filho de Deus”, o que o tornava o
mediador único, seja do nível inferior ao superior, seja a partir da
própria divindade. Ora, isso implicava que todos os atos de culto
fossem realizados por ele, pois tudo estava em suas mãos. (TERRIN,
2004, p. 237).
Tendo, portanto, uma sobrecarga imensa de afazeres políticos e religiosos,
o Faraó dividia parte de seus afazeres religiosos,
ele delegava os seus poderes a classes sacerdotais que vieram a se tornar
numerosas no Egito: os sacerdotes eram delegados do rei e não tinham
nenhum poder pessoal. Por isso, na constituição do tipo ideal do rei-
sacerdote, é preciso distinguir entre sacerdote a título pleno e sacerdote
delegado, que está no plano da pura execução e não do poder e da
autoridade. (TERRIN, 2004, p. 237).
165
Devemos lembrar que o termo Faraó é um título atribuído aos reis do
antigo Egito. O Faraó era o sacerdote em sentido absoluto, enquanto que os demais
sacerdotes tinham um poder limitado, pois seu sacerdócio delegado pelo Faraó
esbarrava na vontade daquele que era o governante supremo e capaz de decidir
sobre tudo e todos. Sendo o sacerdote supremo do Egito, desta forma lhe era
atribuído um caráter divino, pois na mitologia egípcia o corpo de Faraó era de
origem divina. Em decorrência destes fatores em torno da pessoa do Faraó lhe
conferiam um grande poder sobre seu povo e os demais que estavam subjugados
ao seu domínio.
De acordo com Terrin (2004, p. 237),
Atualmente ainda existem resíduos dessa realeza divina que no
passado se estendia a quase toda parte. O imperador japonês Hirohito
considerava sua mãe a deusa do sol Hamaterasu; só depois da Segunda
Guerra Mundial ele foi obrigado a confessar aos súditos que sua origem
era humana e não divina.
Pelo fato de a religião ser algo abstrato, é muito comum que as pessoas
atribuam a divindade ou o poder de intermediação entre o sagrado e o profano a
uma determinada figura. Sabemos que na conjuntura cultural e política moderna é
muito difícil que um chefe de Estado se coloque como o intermediador entre deus e
os homens. Isso se deve, dentre outros fatores, à laicização dos estados modernos,
que tem caminhado no sentido de que a religião esteja cada vez mais afastada da
estrutura do Estado. Embora existam muitos Estados em que ainda a religião tem
forte influência na elaboração de leis e projetos, é possível que, à medida que a
democracia vai ganhando espaço, essa tendência diminua.
3.3 O PROFETA
Os profetas tiveram uma função muito importante no judaísmo e no
islamismo. O profeta é o responsável por anunciar a mensagem de Deus ao povo.
Na história judaica você vai encontrar profetas exercendo papel de liderança entre
o povo. Isso se deve ao fato deste ter conquistado, por meio de suas mensagens, a
confiança do povo no sentido de que este viesse a dar ouvidos a ele e ainda enxergá-
lo como uma liderança confiável em meio às crises. Outro fator interessante é que
nem sempre os profetas eram populares no sentido de serem reverenciados pelo
povo, pois quando os profetas se opunham a determinadas práticas, condenando-
as em suas mensagens, o povo os rejeitava.
Segundo Heiler (apud TERRIN, 2004, p. 239), “alguém se torna sacerdote
por nascimento, instrução e consagração, monge por escolha livre; o profeta,
porém, é ‘chamado’: é agarrado, subjugado, forçado pelo Espírito divino”. Este é
um ponto importante no ministério profético, pois, diferentemente do sacerdote, o
profeta não tinha que necessariamente ser um conhecedor das leis de Deus ou da
religião. Seu ministério resultava de uma vocação divina, ou seja, o profeta era o
166
indivíduo escolhido por Deus para falar em seu nome independente de seu grau
de instrução, parentesco, ou qualquer outra habilidade exigida para outras funções
religiosas. Vale ressaltar, porém, que os sacerdotes e reis também poderiam ser
profetas, ou seja, o profeta poderia ser originário de qualquer classe social.
FIGURA 67: O PROFETA DANIEL, ESCULTURA DE ALEIJADINHO
FONTE: Disponível em: <http://www.pliniocorreadeoliveira.info/OUEUC_
Segundo_Horizonte.htm>. Acesso em: 15 set. 2015.
A religião judaica é basicamente assentada sobre a pessoa dos profetas, que
vão desde Abraão até os profetas pós-exílicos. Mas onde entra a importante figura
do sacerdote na religião judaica? O sacerdócio é a religião institucional. De acordo
com Terrin (2004, p. 240), “poderíamos dizer que nela estão presentes dois tipos
de mediação: a profético-carismática, de caráter mais imediato, e a institucional,
mais rígida, com funções diferentes em diferentes épocas”. Enquanto que o
ministério profético estava associado ao carisma, ou seja, o profeta era procurado
pelo povo de maneira voluntária, o sacerdócio, por outro lado, era uma função
institucionalizada, em que o povo tinha a obrigação de procurá-los para que estes
fizessem a mediação entre o povo e Deus. Devido a isso, na história judaica houve
momentos em que o sacerdócio se opôs ao ministério de alguns profetas.
167
3.4 O MONGE
A figura do monge está presente em diversas religiões do mundo. O estilo
de vida monástico é adotado pelas pessoas que desejam uma vida desapegada
das coisas ‘terrenas’. É a renúncia aos bens materiais em busca de uma vida
mais próxima de Deus, pois dedicam seu tempo em meditar e prestar serviço
exclusivamente a Deus e às pessoas. Cada religião tem uma maneira diferente de
iniciar os candidatos à vida monástica. No budismo, por exemplo, ao se tornar um
monge o indivíduo recebe um nome budista. Mas o que predomina em qualquer
religião, para que o indivíduo possa se tornar um monge, é que ele precisa ter um
profundo conhecimento dos preceitos de sua religião. Um monge tanto pode ser
eremita, aquele que vive afastado das pessoas, ou o monge pode escolher viver na
companhia de outros monges.
Como podemos definir um monge? A seguir, temos várias definições do
que é ser um monge:
O que é um monge?
O monge é “aquele que está separado de todos e unido a todos”, segundo
a noção que nos é dada pelo mestre do ascetismo Evágrio o Pôntico. 
“É assim chamado porque conversa com Deus noite e dia e não imagina
senão as coisas de Deus, sem nada possuir na Terra”. “É chamado monge
porque em primeiro lugar é sozinho, é solitário, abstendo-se do casamento e
renunciando ao mundo, interior e exteriormente; em segundo lugar, porque se
dirige a Deus na oração incessante, para que Deus purifique o seu intelecto,
enquanto tal, se torne monge e solitário em presença de Deus verdadeiro, sem
admitir pensamentos do mal” (São Macário, o Egípcio). 
Ou como dizia Santo Hesíquios, “o verdadeiro monge é aquele que
atinge a sobriedade. E o monge verdadeiramente sóbrio é aquele que é monge
no seu coração”. 
De acordo com os grandes e santos padres da Igreja, o monge é, afinal,
aquele que quer ser salvo, levando uma vida de acordo com o Evangelho,
procurando o único necessário, fazendo a si próprio violência em tudo.
Podemos dizer que, de certo modo, foram os monges que ensinaram a
comunidade cristã a rezar. Efetivamente, foram eles que desenvolveram uma
prática litúrgica progressivamente adotada pela Igreja no seu conjunto e que se
manteve até hoje.
168
Foram também os monges que criaram uma tradição de oração pessoal
e de contemplação incessante. Isto é, foram os monges que nos ensinaram a
conceber a oração como um meio de alcançar o fim da vida cristã: a participação
em Deus, a deificação, comungando pelo Espírito Santo com a humanidade
deificada de Cristo.
FONTE: Disponível em: <http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/monaquismo/o_que_e_um_
monge.html>. Acesso em: 10 out. 2015.
Segundo Terrin (2004, p. 240),
Na figura do monge realiza-se uma mediação totalmente oposta à
examinada com a relação ao rei-sacerdote; com efeito, aqui não há um
poder, não há uma força exterior que exprima a força do sagrado e que
procure de algum modo capturá-la para depois torná-la disponível aos
outros; pelo contrário, há pobreza absoluta e falta de força, para que
possa agir o único e verdadeiro poder, o divino.
Esse é um aspecto importante na figura do monge, pois sua influência não é
resultado de um poder institucionalizado, como no caso do rei-sacerdote. Sua vida
e caráter refletem o poder divino. Seu desprendimento do mundo e a anulação de
suas vontades e do próprio eu permitem que o poder do divino seja canalizado por
meio de suas vidas. Esse fluir do divino em suas vidas os torna mediadores entre
aquilo que é material, comum, profano, e o sobrenatural, incomum e sagrado.
Terrin (2004, p. 214) observa que “o monge transmite o sagrado e o poder do
sagrado através da sombra do seu manto amarrotado do mesmo modo que através
da pureza e da doçura do seu olhar voltado para o mundo”. O desprendimento
das coisas terrenas possibilita a anulação de sentimentos egoístas que habitam
o ser humano, como, por exemplo, a ambição, a inveja, a soberba etc. Quando
estes sentimentos são anulados, o ser humano reflete em seus atos aquilo que está
presente na perfeição do divino. Por meio da vida reclusa e devotada ao divino por
meio das orações, cânticos, meditação e ajuda ao próximo, o monge consegue fugir
destes sentimentos perversos que maculam a conduta humana. Nesse sentido, ele
é capaz de transmitir o poder do sagrado quando consegue abster-se do profano,
ou seja, daquilo que acompanha diariamente a vida das pessoas.
169
FIGURA 68: MONGE
FONTE: Disponível em: <http://www.administradores.com.br/
noticias/negocios/o-monge-e-o-executivo-lean/49062/>. Acesso
em: 15 set. 2015.
A figura do monge serve de inspiração para muitas pessoas nas diferentes
religiões, pois ele é a prova viva de que o ser humano pode viver bem e com
aquilo que é necessário. A escolha da vida monástica não é uma fuga covarde dos
problemas da vida, mas uma coragem implacável de lutar contra seus próprios
desejos em busca de uma vida simples, mas regada de equilíbrio e satisfação
consigo mesmo.
4 AS CRENÇAS
A base que constitui uma religião são as crenças e os rituais. As crenças
constituem a parte teórica da religião, enquanto que os rituais constituem a parte
prática. Isso significa dizer que uma religião somente existe de fato se ela possui
crenças.
A crença “Consiste em um sentimento de respeito, submissão, reverência,
confiança e até medo em relação ao sobrenatural, ao desconhecido. Não supõe
compreensão” (MARCONI; PRESOTO, 2001, p. 163). A crença é o elemento
religioso que é alimentado basicamente pela fé. Nesse sentido, a crença não
consiste necessariamente em algo que possa ser verificado e provado, como
no conhecimento científico. A crença tanto pode ser em um conhecimento
cientificamente comprovado, como em uma narrativa religiosa em que não haja
comprovação científica. No conhecimento científico há o apelo à razão lógica
para se acreditar em determinada coisa. No âmbito da religião a crença está
fundamentada na fé, muito embora se procure comprovar determinadas coisas
presentes na religião através do conhecimento científico. Nesse sentido, as crenças
170
religiosas não se baseiam em fatos passíveis de comprovações científicas, pois,
como afirmam Marconi e Presoto (2001, p. 163), “Pode-se dizer que é o desejo de
aceitar qualquer coisa, provocada por algo misterioso, mas sem demonstração ou
prova tangível”.
O crente aceita voluntariamente a crença, independente de ser verdade ou
não fora do campo religioso, independe de ser provada ou não. Nesse sentido, a
crença é um ato de fé, pois “Seria a aceitação voluntária de uma ordem de coisas que
não pode ser provada pela lógica ou pelos sentidos. O indivíduo reconhece e aceita
a superioridade do sobrenatural” (MARCONI; PRESOTO, 2001, p. 163). A crença é
o pilar que sustenta a vida e práticas religiosas. Os rituais, as tradições e as práticas
religiosas giram em torno das crenças. Desta forma, é comum que nas religiões
exista uma dedicação intensa em defender as crenças, pois estas são fundamentais
para a continuidade de uma religião. Um exemplo disso foi a teologia cristã dos
primeiros séculos da nossa era. Os pais da Igreja, ou seja, os padres, foram na
verdade grandes apologistas que escreveram suas obras no sentido de defender e
sustentar as crenças cristãs frente aos ataques das outras religiões ou aquilo que
eles consideravam como sendo heresias.
FIGURA 69: O CORPO E O SANGUE DE CRISTO
FONTE: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Cren%C3%A7a_
religiosa>. Acesso em: 10 out. 2015.
No cristianismo, a crença na eucaristia como o corpo e o sangue de Cristo
foi tema de muitos debates ao longo da história da Igreja. A Igreja Católica
defendia a transubstanciação, que consiste em uma tese defendida por Tomás de
Aquino e adotada pelo catolicismo. No que consiste essa teoria? De acordo com
Andrade (1998, p. 278-279), a transubstanciação é a “Doutrina católico-romana,
elaborada a partir da filosofia escolástica, segundo a qual, no ato do sacramento
da Eucaristia, o pão e o vinho transformam-se respectivamente no corpo e no
171
sangue do Senhor Jesus”. Com a reforma protestante surgiu outra teoria para
contrapor a crença católica: a teoria da consubstanciação. Lutero entendia que
não havia modificação nos elementos da Eucaristia, pois “Conforme o ponto de
vista luterano, os elementos permanecem exatamente o que são, mero pão e mero
vinho, sem qualquer modificação ou transferência de substância” (CHAMPLIN,
2002, v. 5, p. 44). Observe que para uma mesma crença pode haver diferentes
interpretações dentro de uma mesma religião. No entanto, a essência daquilo que
se acredita permanece quase inalterada, pois no caso do pão e do vinho a crença
fundamental é de que Cristo é o alimento espiritual do cristão.
As crenças se constituem em maneiras de se interpretar a vida e aquilo que
nela acontece. Algo que é muito comum nas diferentes religiões são as crenças em
torno de um tema muito comum: o sofrimento. No budismo, por exemplo,
O sofrimento tem sua causa na originação dependente. A dor deve-
se à ignorância, a qual nos leva a tomar decisões impróprias, que nos
causam dor. Essas decisões impróprias produzem o karma, a bagagem
de nossa experiência, que nos faz prosseguir nos ciclos da reencarnação
[...] – pagando as nossas dívidas, porém, incorrendo em novas dívidas.
(CHAMPLIN, 2002, v. 1, p. 567).
O karma é a ideia de que “tudo quanto fazemos deve ser acompanhado
por sua devida recompensa ou por seu devido castigo, ou seja, por seu resultado
apropriado” (CHAMPLIN, 2002, v. 3, p. 696). É a lei da ação e da reação, pois
na crença budista nosso karma é a colheita daquilo que plantamos, pois não há
como fugir dos resultados de nossas escolhas. Esta é uma crença fundamental
no budismo, pois, ao fazer escolhas, cada indivíduo sempre dever ter em vista as
consequências, pois estas de alguma maneira irão lhe afetar, seja cedo ou tarde.
Esta é uma crença que está presente também no hinduísmo.
FIGURA 70: KARMA
FONTE: Disponível em: <http://www.taringa.net/posts/info/13750711/Que-es-el-Karma.
html>. Acesso em: 11 out. 2015.
172
Existem diferentes escolas de pensamento budistas que diferem em
alguns aspectos, sem, no entanto, afastar-se muito dos ensinamentos de Buda.
Um exemplo de crença é o da Escola Mahayana do Budismo acerca da trindade
budista. De acordo com esta escola,
O Buda deve ser entendido como dotado de três manifestações: a. o corpo
da transformação; b. o corpo da felicidade; e c. o corpo do Dharma. O
primeiro é o Buda histórico. O segundo é uma realidade intermediária,
compartilhada das qualidades do mundo físico e da realidade última,
pondo em ação esquemas de salvação, em todos os lugares e épocas.
O terceiro é similar aos conceitos de deidade. O Dharma é a Realidade
Última, bem como o corpo cósmico de Buda, transcendendo o que é
físico. É a parte imortal que existe em nós, em Gautama Buda e em todos
os outros Budas. (CHAMPLIN, 2002, v. 1, p. 569).
O taoísmo está associado à matriz histórica do confucionismo e do budismo.
É uma religião originária da China em que, de acordo com seus mestres, o homem
deve buscar viver em harmonia com a natureza. O Tao é o caminho que todas as
pessoas devem seguir, pois ainda significa que o Tao é a fonte de onde procedem
todas as coisas. A principal crença do taoísmo é “que a felicidade pode ser adquirida
mediante a obediência aos requisitos da natureza humana e a simplificação das
relações sociais e políticas, de acordo com o Tao ou Caminho, o princípio básico do
cosmos, de onde procede a natureza inteira”. (CHAMPLIN, 2002, v. 6, p. 319). Isso
significa que o ser humano tem diante de si muitos caminhos, mas apenas o Tao,
ou seja, o caminho que levará o homem a entrar em harmonia com o cosmos, é que
poderá trazer equilíbrio e felicidade para o ser humano. A partir desta crença, os
taoístas defendem a ideia de que o homem deve se libertar das coisas terrenas e
materiais que o prendem, para que seu espírito alcance a imortalidade.
Observe, caro(a) acadêmico(a), que as crenças são fundamentais na
estruturação de uma determinada religião. A crença é o elemento aglutinador,
pois em torno dela as pessoas de diferentes lugares, mas que possuem a mesma
crença, estão de certa maneira conectadas. Isso é capaz de criar uma sintonia e
aproximação mesmo estando distantes em relação ao espaço geográfico.
LEITURA COMPLEMENTAR
AS INSTÂNCIAS ANTROPOLÓGICAS QUE APONTAM E REMETEM À
DISTINÇÃO ENTRE SAGRADO E PROFANO
Aldo Natale Terrin
A história religiosa dos primórdios é insondável e todas as teorias e
interpretações que surgiram desde os inícios dos estudos comparativos de “ciências
das religiões” manifestam a sua datação e a sua precariedade interpretativa de dados.
Existem, porém, sinais e indícios de convergências revelados por algumas instâncias
antropológicas recorrentes que se tornam, por isso mesmo, muito reveladoras.
173
Aqui só posso propor uma relação dos data fundamentais, restritos a alguns
pontos essenciais. Momentos quase-originários do espelhar-se do sagrado e do seu
distinguir-se do profano manifestam-se assim: o assombro diante dos fenômenos
da natureza, a crença numa força estranha e poderosa, práticas simbólicas com
relação à obtenção de alguma coisa intensamente desejada, a adoração e o sacrifício
do animal totêmico, a diferença primordial entre o puro e impuro que remonta a
noções mais primitivas de “mancha”, “sangue”, “sujeira” (categoria por sua vez
ligada ao tabu), a experiência de viver o momento exemplar das origens numa
a-historicidade sagrada.
Mencionei apenas algumas categorias fundamentais que constituem
igualmente instâncias antropológicas em relação às quais emerge algo daquele
sentimento específico que é o senso do sagrado na sua diferença absoluta do
profano. Eliade diz, não sem uma razão profunda, que “o sagrado e o profano
para o homem primitivo são dois modos de existência”.
Agora, se dessa relação eu fosse forçado a privilegiar algum elemento em
condições de conter in toto ou em parte os outros, eu não hesitaria em falar dos
sentimentos do “medo”, do “poder” e do “desejo”. Quer parecer-me que essas são
as três coordenadas propedêuticas ao religioso e condensadoras daquele sagrado
em que a humanidade de todos os tempos se encontra.
Entendo o medo não somente como um sentimento “que nos afasta de”,
que põe numa situação de desvantagem, mas também como um sentimento
quase positivo à R. Otto: como religiöse Scheu, como um pôr-se de joelhos diante
do mistério incognoscível que provoca “arrepios”. O medo tem relação com o
assombro e o assombro se transforma numa afirmação do “mistério” (mysterium-
tremendum).
Creio que o poder sobrenatural que o primitivo descobre no mundo – e
que por certos aspectos não é diferente do medo-assombro – seja o momento
mais determinante da nossa experiência do sagrado na medida em que ele se
distingue do profano. O profano é o que é “normal”, “cotidiano”, que não causa
sobressaltos, não provoca situações inexplicáveis; o sagrado, ao contrário, reveste-
se de “potência”, “força”, “mana”, um poder que quebra os esquemas habituais e
deixa entrever o religioso; um poder que, quanto mais inexplicável é, tanto mais
e prepotentemente se identifica com as “pegadas do sagrado”. O chefe tribal, por
exemplo, é poderoso, e por isso gera e é portador de tabu. O poder – esta categoria
posta como fundamento de toda a análise fenomenológica do sagrado de Van der
Leeuw – será essencial para o próprio rito e para o sentido profundo da mediação
sacerdotal.
Por fim, o desejo. E aqui sou levado a crer que esta categoria está
antropologicamente mais arraigada e que, na sua culminância, é a expressão
da própria “necessidade de salvação”, onde exatamente “salvação” denota a
necessidade de “recuperar a própria totalidade” segundo as etimologias de holon,
salvus, Heil, whole, swa-astha. O desejo, portanto, não é somente um desejo limitado,
174
particular, mas é entendido como um conjunto de impulsos em direção à própria
“completude” estendendo-se numa escala muito ampla de “preenchimentos”,
que vão da necessidade de resolver pequenos problemas pessoais ou coletivos e
comunitários até a necessidade em geral urgente e dramática de enfrentar situações
“desastrosas”, apocalípticas, em que uma pessoa pode ver morrer todas as suas
possibilidades e esperanças, desespera-se, não consegue mais controlar a situação.
Esta breve descrição fenomenológica da “necessidade-desejo” poderia explicar o
excepcional alcance que ela tem com relação à compreensão do sagrado. O sagrado
neste caso é o momento da crise, da necessidade urgente, do dilema, do mistério
da vida que poderia tomar uma direção que não é a desejada e em que vemos
abrir-se diante de nós o precipício e o abismo da nossa impotência.
Uma estreita ligação do desejo-necessidade se explica com relação ao
passado e ao futuro com aquela palavra histórico-religiosa semanticamente
indefinível e posta a meio caminho entre a experiência religiosa e o seu aspecto
profano. Refiro-me ao fatum, à moira, ao destino.
FONTE: TERRIN, Aldo Natale. Antropologia e horizontes do sagrado: culturas e religiões. São
Paulo: Paulus, 2004, p. 227-230.
175
RESUMO DO TÓPICO 2
• Em termos simples, o sagrado é tudo aquilo que o ser humano diviniza. Isso
significa dizer, do ponto de vista antropológico, que é ser humano que torna
determinada coisa ou ritual sagrado, pois aquilo que é sagrado em uma religião
pode não ser em outra.
• O profano, por outro lado, está relacionado ao mundo atual e terreno do qual os
seres humanos fazem parte. Geralmente, o termo ‘profano’ está associado a algo
negativo, mas neste caso não, pois o profano é aquilo que está presente no dia a
dia das pessoas e não possui relação com alguma divindade ou divindades.
• Entre o sagrado e o profano encontramos diferentes figuras que são responsáveis
por ser o elo de ligação entre um e outro. Esta figura é o intermediador que tem
a função de mediar a relação entre as partes, pois ele é responsável por intervir
no sentido de aplacar a ira dos deuses e apresentar à divindade os anseios de
seu povo.
• O xamã é o líder espiritual no xamanismo responsável por dar segurança ao seu
povo diante das fragilidades dos seres humanos perante as forças da natureza.
• Uma figura tida como mediador entre os homens e a divindade é a do rei-
sacerdote, que é considerada mais importante do que a figura do xamã.
• O profeta é o responsável por anunciar a mensagem de Deus ao povo.
• A figura do monge está presente em diversas religiões do mundo. O estilo de
vida monástico é adotado pelas pessoas que desejam uma vida desapegada das
coisas ‘terrenas’.
• A base que constitui uma religião são as crenças e os rituais. As crenças constituem
a parte teórica da religião, enquanto que os rituais constituem a parte prática.
Isso significa dizer que uma religião somente existe de fato se ela possui crenças.
176
AUTOATIVIDADE
1 As crenças são fundamentais para a estruturação da religião. Nesse sentido,
descreva três aspectos fundamentais das crenças.
2 O sagrado é um tema de fundamental importância para a compreensão
do fenômeno religioso. Sobre o sagrado, analise as sentenças e seguir e
classifique V para as verdadeiras e F para as falsas:
( ) O sagrado está presente no dia a dia das pessoas, é aquilo que faz parte do
comum e corriqueiro.
( ) O espaço sagrado é aquele que todos respeitam, pois o homem comum
tem a obrigação de venerar o sagrado.
( ) O que torna algo sagrado é a relação que se estabelece entre o sujeito e o
objeto, nesse sentido o sagrado nasce dessa relação e, portanto, aquilo que
é sagrado em uma religião pode não ser para outra.
( ) É correto afirmar que o sagrado é o ponto de encontro das diferentes
pessoas que abraçam determinada religião.
Agora, assinale alternativa CORRETA:
a. ( ) V – F – V – F.
b. ( ) F – F – V – V.
c. ( ) V – F – F – V.
177
178
UNIDADE 3
TÓPICO 3
OUTRAS PARTICULARIDADES DA RELIGIÃO
1 INTRODUÇÃO
As religiões são compostas de muitos elementos que somados conferem
aspectos muito singulares em cada uma delas. Esses elementos também podem
estar presentes em outras áreas da vida humana, no entanto, na religião tais
elementos ganham outro sentido, e até místico. Um exemplo disso são os rituais,
que são práticas comuns na vida das pessoas, todavia, quando se trata da religião,
o ritual, geralmente, está associado ao sagrado ou ao transcendente.
Nesse sentido, este tópico irá discorrer um pouco sobre algumas
particularidades das religiões, ou seja, aspectos comuns, mas que possuem um
sentido particular e único devido ao fato de estarem associados ao âmbito religioso.
Portanto, nosso objetivo, neste tópico, é conhecer esses elementos
que constituem de certa maneira a essência da religião e avaliar a importância
destes elementos no contexto do sagrado. Lembrando que a maneira como um
antropólogo estuda e enxerga estes elementos é diferente da maneira como uma
pessoa religiosa os vê. Para o antropólogo, estes elementos são objetos de estudos,
enquanto que para o religioso os mesmos objetos estão associados à sua fé e prática
religiosa.
2 RITUAL
O ritual está intrinsecamente associado à prática religiosa. Não que rituais
não estejam presentes em outros momentos da vida, pois até entre os animais há
rituais de acasalamento, mas a maior parte das religiões se assenta sobre a prática
dos rituais. O ritual religioso é uma maneira de marcar o momento em que o
indivíduo sai daquilo que é comum para um momento de devoção e relação com
o divino.
Segundo Marconi e Presotto (2001, p. 163), o ritual
Trata-se da manifestação dos sentimentos por um ou vários indivíduos,
em qualquer meio, através da ação. Embora de caráter religioso ou
mágico, não é tão persistente quanto o culto. Consiste em um tipo de
atividade padronizada, em que todos agem mais ou menos do mesmo
modo, e que se volta para um ou vários deuses, para seres espirituais ou
forças sobrenaturais, com uma finalidade qualquer.
179
O ritual é a padronização do comportamento coletivo em um determinado
momento, que tem por objetivo atrair a atenção dos deuses, espíritos, etc. Existem
diferentes finalidades para os rituais, que vão desde a petição de uma bênção para
que haja boas colheitas, à dedicação dos frutos da colheita, entre outras coisas.
O ritual religioso está diretamente associado ao sagrado. Quando é
desenvolvida uma atividade padronizada em um dado momento (ritual), é na
verdade a demarcação de um momento sagrado em meio ao comum, ou seja,
o profano. Por este motivo, a atividade padronizada exige uma nova postura
(denominada de ritual), pois acarreta aos envolvidos mais empenho em voltar-se
para o sobrenatural, deuses, espíritos, seja o que for, em busca de uma aproximação.
De acordo com Gomes (2013, p. 147),
O modo como as pessoas se relacionam com o sagrado é marcado por
um espírito de reverência e por uma atitude própria, não corriqueira,
que se chama de ritualístico. Toda religião tem rituais, seja no modo de
se comunicar e propiciar os deuses, seja na atitude para com o sagrado,
seja nos seus eventos coletivos.
As religiões que utilizam de rituais em seus cultos são denominadas de
ritualistas. De acordo com Champlin (2002, v. 5, p. 639), “Nessas religiões acredita-
se que os ritos e cerimônias agradam às divindades (ou Deus), e que aqueles que
observam tais coisas serão beneficiados. Esses ritos, com frequência, simbolizam
crenças importantes, ou então costumes e expectações dos adoradores”.
Os rituais estão presentes nas mais diversas religiões, todavia existem
elementos que são comuns em todos os rituais, pois de acordo com Gomes (2013,
p. 147),
Um ritual é composto de um conjunto de comportamentos padronizados,
com começo, meio e fim. Esses comportamentos se diferenciam do
comportamento corriqueiro, embora este também possa ser visto como
padronizado, por fazer parte de uma rotina, de uma repetição de mesmos
comportamentos. A diferença entre ritual e rotina, do ponto de vista
comportamental, é equivalente à diferença entre o sagrado e o profano.
O ritual segue uma sequência predeterminada e que está estruturada de
tal forma que é possível percebê-la nas mais diferentes religiões. No primeiro
momento, “Todo ritual se inicia impondo um corte nos eventos anteriores,
mostrando que algo especial está para acontecer” (GOMES, 2013, p. 148). Esse
é o momento em que é demarcado um espaço diferenciado no tempo, na vida
daqueles que estão envolvidos. É o instante em que se exige do crente uma nova
postura, um comportamento diferente que demonstre que se está vivendo um
momento diferente, foge daquilo que é comum, da rotina, do profano, e adentra-
se no âmbito do sagrado.
Num segundo momento, “o ritual passa pela fase intermediária, em que
fica evidente que algo diferente está acontecendo” (GOMES, 2013, p. 148). Passado
o estágio de rompimento com os eventos anteriores, esta etapa é caracterizada pela
180
clara diferença entre aquilo que é corriqueiro. É um estágio onde o inesperado
pode acontecer, é marcado por comportamentos fora do padrão convencional, pois
o indivíduo que está vivenciando esta fase pode apresentar um comportamento
divergente, inesperado e fora do comum, é o êxtase.
Na etapa final é a conclusão do ritual. “Tal conclusão parece ser a resolução
da fase anterior, isto é, a definição da condição esperada por todos que participam
do ritual” (GOMES, 2013, p. 148). Passado o estágio intermediário, é necessário se
preparar para reincorporar o comum. Desta forma, a conclusão seria na verdade
uma desaceleração e o retorno ao estágio anterior ao ritual, pois como afirma
Gomes (2013, p. 148), a conclusão “permite a volta segura ao status anterior dos
participantes, bem como dos eventos corriqueiros”.
Existem diferentes tipos e finalidades de rituais. Os rituais de iniciação são
comuns em algumas culturas tribais. De acordo com Sztutman (2008, p. 1),
Os rituais de iniciação, por exemplo, consistem em fazer com que
neófitos [iniciantes] sejam separados do convívio social e, assim, se
submetam a um estado de liminaridade no qual a fronteira do mundo
social, humano, parece borrar-se. É somente passando por esse estado
de liminaridade que o neófito poderá voltar a este mundo, agora de
maneira transformada.
Na figura a seguir temos um exemplo de ritual dos meninos Karajá que
acontece por volta dos sete anos de idade. Neste ritual, o menino tem o lábio
inferior perfurado com osso de guariba, que é um osso de uma espécie de macaco.
FIGURA 71: INICIAÇÃO DO MENINO KARAJÁ
FONTE: Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-
brasil-atual/modos-de-vida/rituais>. Acesso em: 11 out. 2015.
181
Entre os indígenas, por exemplo, o rito é essencial, pois ele fundamenta
toda a realidade social das tribos. A organização de uma sociedade tribal indígena
é definida pelo rito, bem como o ritual consiste em fonte incontestável de memória
e conhecimento acerca da cultura e das tradições da tribo. Além disso, o ritual é
uma forma de celebração, pois as colheitas, as estações, os casamentos, funerais e
os nascimentos são marcados por ritos que marcam cada momento. Outro aspecto
importante dos rituais é sua ligação com o mito, nesse sentido o ritual também
serve para atualizar o mito e preservar as tradições de cada povo.
NOTA
O SALTO DOS VANUATU
Este ritual serve como um rito de passagem e como um ritual de colheita das tribos da
ilha de Vanuatu, no Oceano Pacífico. Os garotos das tribos têm que subir em uma torre de
30 metros de altura com cipós amarrados nos tornozelos e se jogar, a uma velocidade de
cerca de 72 quilômetros por hora. Quando o “mergulho” é feito corretamente, o garoto deve
encostar os ombros e a cabeça no chão. Entretanto, os cipós não são elásticos e um cálculo
errado do comprimento da corda pode causar ferimentos sérios ou até mesmo a morte do
garoto no ritual, que é feito com meninos de cerca de sete ou oito anos.
FONTE: Disponível em: <http://hypescience.com/10-diferentes-ritos-de-passagem-de-
todo-o-mundo/>. Acesso em: 16 out. 2015.
3 MAGIA
A magia é uma prática associada ao mundo sobrenatural, em que algumas
pessoas dizem ser possuidoras de habilidades de manipular as forças ocultas do
universo. Essas habilidades de manipulação do sobrenatural servem para, de
alguma maneira, mudar a sorte e/ou o destino de alguma situação ou de indivíduos.
Essa manipulação das forças ocultas serve tanto para o bem quanto para o mal,
pois isso depende de quem pratica. Nesse sentido, as pessoas envolvidas com
essas práticas costumam fazer diferença entre magia branca e magia negra.
É importante destacar que há diferença entre magia e religião. Segundo
Marconi e Presotto (2001, p. 175),
A religião não deve ser confundida com a magia, embora muitas
vezes se encontrem associadas. A religião implica a crença em seres
espirituais, deuses, o sobrenatural, sendo a oração a técnica usada pelos
adeptos para relacionar-se com eles. A atitude religiosa é de humildade,
submissão, reverência e adoração. A magia não recorre aos seres
espirituais. Vale-se de técnicas para controlar os poderes sobrenaturais.
A atitude do mágico é de arrogância e autoconfiança, de compulsão, ou
seja, coação sobre as forças da natureza (animismo, animatismo).
182
A criação da magia não pode ser atribuída a um povo ou cultura específica,
pois ela consiste em um fenômeno sociocultural recorrente entre os mais diversos
povos e culturas do mundo. Para o antropólogo Malinowski (1984, p. 78),
A magia nunca “teve origem”, nunca foi construída ou inventada. Toda
magia sempre “foi”, desde o começo, uma auxiliar essencial de todas
as coisas e dos processos de interesse vital para o homem e, no entanto,
não deixa de escapar a todos os esforços racionais normais. A fórmula,
o rito e aquilo que governam é coevo [...]. Desta forma, é universal a
crença na existência primeva e natural da magia.
A magia enquanto prática religiosa está associada diretamente à capacidade
de manipulação dos espíritos. De acordo com Mello (2013, p. 138), “A magia é
propositadamente um sistema de intervenção na ordem das coisas. Os mediadores
são capazes de manipular esses espíritos para o bem (digamos, curas de doenças
provocadas por intervenções de mediadores maus, como feiticeiros) ou para o
mal”. Enquanto que na religião somente as divindades têm o poder de intervir
no mundo sobrenatural, na magia essa capacidade de intervenção no mundo
sobrenatural é atribuída a alguns indivíduos que possuem habilidades especiais
para isso. Por meio de palavras, gestos e outras ações, os magos são capazes de
interferir na ordem das coisas, sendo capazes de alterar o estado das mesmas.
A magia é uma prática complexa, pois diferentes pessoas se envolvem em
rituais de magia com diferentes propósitos. Nas sociedades primitivas, a prática da
magia está intrinsecamente associada à religião, sendo quase impossível distinguir
uma da outra. O caçador, o xamã, entre outros, recorriam aos poderes mágicos para
alcançar seus objetivos. As pessoas recorrem à magia até mesmo para conseguir
um bom casamento.
FIGURA 72: MAGIA BRANCA: RITUAL DO AMOR
FONTE: Disponível em: <http://www.prediccionestarot.com/la-magia-blanca/>.
Acesso em: 12 out. 2015.
183
Entre os elementos da magia não podemos deixar de destacar os ritos
mágicos. Os ritos seguem um processo previamente elaborado. Fazem parte dos
ritos elementos como roupas, palavras, objetos específicos para cada ocasião
(pedras, folhas, unhas, raízes, madeira etc.), música, entre outros. Esses elementos
combinados nos rituais servem para, de alguma maneira, alterar a ordem da
natureza, ou seja, é uma forma de manipular elementos do mundo natural e do
sobrenatural, pois cada elemento possui um significado nos rituais mágicos.
Há quem entenda que a magia seria um dos estágios evolutivos que
antecedeu o aparecimento da religião. No entanto, isso não encontra fundamento
na história da religião, pois as práticas de magia são muito comuns nos tempos
hodiernos e estão presentes em muitas práticas religiosas. Outra questão importante
consiste no fato de que a popularidade da magia é devido ao seu aspecto utilitário,
ou seja, é uma maneira de alcançar determinado objetivo a partir de um método
mais fácil.
A magia pode ser classificada em magia branca e magia negra, dependendo
da finalidade. A magia negra é aquela realizada no sentido de provocar algum dano
a outras pessoas, seu objetivo final é fazer o mal. A magia branca é a invocação dos
espíritos no sentido de que estes venham socorrer alguém.
Existem três tipos de rituais mágicos: analógica ou imitativa; contagiosa e
simpática.
A magia analógica é a “crença de que o semelhante produz o semelhante,
ou seja, que um efeito se parece com sua causa” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p.
174). Esse tipo de magia parte da ideia de que o semelhante chama, lembra, evoca
outro semelhante. Um exemplo disso é quando alguém deseja a morte de outra
pessoa e espeta alfinetes em um boneco que representa a pessoa de quem se deseja
tirar a vida.
O segundo tipo de magia, a contagiosa, parte do princípio “de que as coisas,
uma vez em contato com alguém, continuarão atuando entre si, mesmo distantes:
dono e objeto permanecem unidos para sempre”. (MARCONI; PRESOTTO, 2001,
p. 174). Neste tipo de magia, o feiticeiro procura algum objeto ou elemento da
própria pessoa (dente, cabelo, unha, fotografia) e, por meio do contato com estes
objetos que possuam alguma ligação com o indivíduo, o feiticeiro lança feitiços
sobre a pessoa a partir destes elementos que pertenciam a ela. Neste tipo de
magia acredita-se que aquilo que pertenceu a uma determinada pessoa algum dia
permanece ligado a ela para sempre.
O terceiro e último tipo de magia é a simpática, pois “é quando a magia
é realizada no sentido mágico de exercer influência sobre uma pessoa, valendo-
se de seu poder”. (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 174). Um exemplo de magia
simpática é um tipo de canibalismo onde as pessoas comem determinados órgãos
dos indivíduos com a finalidade de herdarem seus poderes, qualidades, virtudes etc.
184
4 SINCRETISMO
O sincretismo religioso é um fenômeno importante na história das religiões.
A fusão das doutrinas, crenças e rituais religiosos é denominada de sincretismo,
pois a origem desta palavra é grega (sunkretizo) e significa ‘combinar’; nesse sentido,
o sincretismo é a combinação de elementos de diferentes religiões. O sincretismo
não é algo recente, pois desde o início das civilizações as diferentes religiões foram
incorporando às suas crenças elementos de outras religiões, no sentido de formar
sua própria identidade religiosa.
Durante o processo de colonização do Brasil houve o sincretismo entre o
catolicismo e as religiões africanas. Os escravos trazidos para a colônia portuguesa
na América trouxeram suas crenças e rituais. Mesmo que houvesse reação da
Igreja Católica no sentido de rechaçar as crenças e divindades africanas, isso
não foi possível devido à determinação dos escravos em manter suas tradições,
mesmo que para isso fosse necessário incorporar elementos católicos aos cultos
afros. Outra questão é que a elite colonial via com bons olhos a preservação das
diferentes religiões entre os escravos, pois isso mantinha a rivalidade entre os
diferentes grupos de escravos, o que diminuía os riscos de levantes dos negros
contra o domínio dos brancos.
Um exemplo de sincretismo religioso são as figuras de São Cosme e Damião
(dois mártires cristãos), que na Umbanda são cultuados como Erê e Curumim.
FIGURA 73: SÃO COSME E DAMIÃO OU ERÊ E CURUMIM
FONTE: Disponível em: <http://rezairezairezai.blogspot.com.br/2012/09/sao-cosme-
e-sao-damiao-nao-sao-os.html>. Acesso em: 13 out. 2015.
185
É importante considerar que os negros não abraçaram os elementos
cristãos apenas para poderem manter suas tradições e crenças africanas, ou seja, o
sincretismo não pode ser considerado uma farsa por parte dos escravos. De acordo
com Dias (2009, p. 1),
Há antropólogos que insistem que a assimilação Santo/Orixá era aparente
e, inicialmente, serviu para encobrir a verdadeira devoção aos seus
deuses, pelo fato dos cânticos nesses rituais terem sido efetuados em
língua nativa e que ninguém os entendia. Um fato histórico que pode
opor-se a este pensamento é a criação das confrarias de negros, como
exemplo a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos,
na Bahia, que era totalmente composta por negros que haviam realmente
se convertido ao Cristianismo e não eram apenas uma fachada.
Essa conversão ao cristianismo não vai eliminar da mente os costumes
dos negros às tradições que herdaram de seus antepassados. Destarte, os mesmos
praticavam o cristianismo à sua maneira, ou seja, de uma forma que pudessem
expressar sua nova fé baseada em suas próprias tradições, estilos musicais, danças
e outras formas de expressão.
5 TABU
Por certo você já se deparou com situações que são consideradas tabus
para algumas pessoas religiosas. Mas o que isso significa? Por que determinada
coisa é considerada tabu em uma cultura e em outra cultura não? Tabu é um
termo muito recorrente no contexto do estudo das religiões. Segundo Champlin
(2002, v. 6, p. 310-311),
deriva-se dos idiomas das ilhas do Pacífico, onde o tabu (proibição)
expandiu-se para tornar-se uma técnica de controle social, ou seja, um
elaborado sistema de interditos e proibições. Entre os povos primitivos,
mormente os polinésios, os tabus afetam todas as áreas de vida,
envolvendo pessoas, lugares e coisas. Estão envolvidas ideias como
coisas sagradas, misteriosas, a necessidade de proteção, coisas imundas
a serem evitadas, poderes misteriosos a serem invocados. Talvez a noção
dominante, nos tabus, seja a de que há coisas inerentemente perigosas,
que devem ser evitadas a todo custo.
A primeira observação a se fazer é sobre o aspecto controlador dos tabus.
Ao se criar elementos que são proibidos por uma determinada cultura, seja qual for
a justificativa, há uma forma de dominação e controle sobre as ações individuais.
Desta forma, o tabu é uma maneira de manter os indivíduos sob controle. Muitas
pessoas ao longo da história, que se opuseram a alguns tipos de tabus, sofreram
duras penas em decorrência de um posicionamento contrário àquilo que era aceito
como verdade pela maioria.
Ao criar determinados tabus, as religiões e culturas conseguem manter a
mente das pessoas cativas a um comportamento definido pelo líder ou pelo grupo
de pessoas que fazem parte de uma tribo, povo etc. Nesse sentido, o indivíduo
é coagido a se comportar da maneira que é coletivamente aceita, ou seja, seu
186
comportamento está sujeito às regras estabelecidas, em grande parte dos casos,
antes mesmo de seu nascimento. Este é um aspecto negativo dos tabus, sejam eles
religiosos ou não.
No entanto, temos que considerar outro aspecto importante dos tabus, que são
as regras No entanto, temos que considerar outro aspecto importante dos tabus, que
são as regras que possuem o sentido de preservar a integridade humana. Para Marconi
e Presotto (2001, p. 175), “Tabu é o elemento negativo da religião. Pode ser uma
proibição ou um alerta (cuidado!) em relação a certos atos, geralmente relacionados
a representações mágico-religiosas”. Nesse sentido, para fugir deste risco de alguns
perigos que estão por trás das escolhas humanas, são criados os tabus.
Os tabus podem ser alimentares, sexuais e linguísticos. Nos tabus alimentares
temos, por exemplo, que os judeus e muçulmanos são proibidos de comer carne de
porco, muitos hindus não comem carne bovina. Nos tabus sexuais podemos destacar
a proibição do sexo antes do casamento, a prática da homossexualidade, sexo fora
do casamento e a pornografia. O tabu linguístico, no contexto da religião, consiste na
proibição de algumas palavras consideradas malditas e que devem ser evitadas ou
nunca pronunciadas. Os judeus, por exemplo, não pronunciam o tetragrama (YHWH),
pois consideram o nome divino e sagrado e, portanto, não devem pronunciá-lo.
A quebra de tabu em determinadas religiões “coloca o indivíduo em
situação de perigo, acarretando desastres, desgraças, doenças, mortes etc. Todavia,
pode-se anular o mal, realizando um ritual específico de purificação”. (MARCONI,
PRESOTO, 2001, p. 176). Para a purificação pela quebra dos tabus os rituais são
muito diversos. No catolicismo, por exemplo, é comum as pessoas confessarem ao
padre os seus pecados. Entre os hindus é comum se banharem nas águas do rio
Ganges para serem purificados.
FIGURA 74: BANHO NO RIO GANGES
FONTE: Disponível em: <http://noticias.band.uol.com.br/mundo/
noticia/?id=100000574123&t=>. Acesso em: 17 out. 2015.
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Caro(a) acadêmico(a)! Com a explanação foi possível observar essas
particularidades das religiões que as tornam um campo de estudo cada vez
mais interessante e desafiador, no sentido de compreender todos os elementos
envolvidos. O conhecimento destes aspectos deve ser incentivado, pois este
conhecimento é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade mais
tolerante e compreensiva.
LEITURA COMPLEMENTAR
PANKARÁ: FESTAS, RITUAIS E MITOLOGIA
O aspecto ritual é uma das questões-chave na manutenção da identidade
indígena na Serra do Arapuá e os fios através dos quais tecem uma rede de relações
internas. A partir dos rituais, é possível apreender o sistema simbólico que rege a
cosmologia dos Pankará.
A “ciência”, o “trabalho” ou a “brincadeira” do índio, como chamam, é
uma das formas de expressão da cosmologia do grupo, manifestada em três tipos:
Terreiro, Gentio e Reinado. É importante salientar que esta divisão é apenas
analítica, o grupo não a percebe desta forma, mas como um todo integrado
e interdependente, representado pelo toré, no qual o simbólico e o concreto se
confundem.
O terreiro corresponde a um local de ritual marcado por um cruzeiro,
em cuja base são colocados artefatos sagrados como imagens de santos, peças
encontradas nos sítios arqueológicos e a jurema. Podem estar localizados bem
próximos às casas, como no Enjeitado e Lagoa, ou mais próximo às matas, como
na Cacaria.
O Gentio são pequenos abrigos, geralmente em taipa, construídos próximos
das residências, com um cruzeiro semelhante ao do terreiro posicionado ao centro.
É o local da “ciência oculta” com uma participação restrita da comunidade, sendo
proibida a presença de não índios. O gentio é, ao mesmo tempo, o lugar e o encanto,
como explica e canta Senhora – Pankará:
“A gente pôs Gentio porque quando ele chegou, que ele baixou,
aí ele deu o nome de Gentio, aí ficou o Gentio. E tem a linha do Gentio:
Gentio chegou na aldeia, o que foi que ele veio buscar. Ele veio trazer ciência pra
os índios trabalhar. O reina reina roa, o reina, reinará”.
 
Na Serra do Arapuá, apenas no Enjeitado tem Gentio. Este é também um
espaço onde se realizam curas, principalmente de doenças mentais. O processo de
cura é acompanhado pelo uso do defumador e remédios naturais que chamam de
“garrafada das montanhas” e também medicação alopática. A receita é definida pelo
“mestre”. Pode durar dias e até meses; contam que a cura mais demorada durou
um período de nove meses. O paciente fica hospedado nas casas da comunidade e
são pessoas de lugares variados da região do sertão do São Francisco.
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Os Reinados são pedras em locais de difícil acesso e também são destinados
à “ciência oculta”. São frequentados durante o dia e é proibida a presença de
crianças, por afirmarem ser um “trabalho muito forte”, além da dificuldade de
acesso.
Esses rituais são atos religiosos nos quais os índios louvam e se comunicam
com os antepassados que estão sob a forma de “encantados” e “mestres”. A
comunicação se dá através da possessão mediúnica, evocando-os através do canto
(linha ou toante), da música sonorizada pelo maracá, da dança (circular), e da
ingestão da bebida que consideram sagrada, a jurema (Mimosa hostilis benth).
Por serem ritos sagrados, envolvem toda uma mística que, no caso do
Terreiro e do Gentio, compreende a escolha do local, a posição do cruzeiro, até o
preparo da jurema. Já os Reinados sempre existiram e a localização destes aos índios
é anunciada através de sonhos ou durante os “ocultos”. Todo esse movimento é
definido pelos mestres e encantos, os verdadeiros “chefes” do ritual.
 
O ritual do toré tem uma estrutura básica: abertura, louvação, distribuição
da jurema, chamamento das divindades, recebimento das “instruções” e o
fechamento. Tem dias determinados, que são a quarta-feira e o sábado, e é composto
por uma hierarquia que em escala decrescente de superioridade começa no campo
espiritual. A principal autoridade é um encanto ou um mestre que nomeia o
lugar-ritual, seguido da liderança religiosa que é o responsável pela manutenção,
mobilização e condução dos trabalhos. Depois vêm o caboclo mestre e a cabocla
mestra e mais dois contramestres, mantendo a divisão de gênero; este quarteto
é responsável pela “linha de frente” e durante a dança do toré vai ao centro
representar o sinal do cruzeiro e, por último, os demais membros da comunidade.
A condução e o tempo do ritual variam de acordo com o líder e o tipo
de trabalho (Gentio, Terreiro, Reinado), mas, seja qual for, o mais significativo é
que o toré opera como um agente articulador interno e promove o fluxo entre as
aldeias. Essa relação religiosa é que determina uma rede social na Serra do Arapuá
e fomenta a manutenção da identidade dos Pankará.
F O N T E: D i s p o n í v e l e m : < h t t p s : / / w w w. u f p e . b r / re m d i p e / i n d e x . p h p ? o p t i o n = c o m _
content&view=article&id=356&Itemid=315>. Acesso em: 11 out. 2015.
189
RESUMO DO TÓPICO 3
• O ritual religioso é uma maneira de marcar o momento em que o indivíduo sai
daquilo que é comum para um momento de devoção e relação com o divino.
• A magia é uma prática associada ao mundo sobrenatural, em que algumas
pessoas dizem ser possuidoras de habilidades de manipular as forças ocultas do
universo.
• A fusão das doutrinas, crenças e rituais religiosos é denominada de sincretismo,
pois a origem desta palavra é grega (sunkretizo) e significa ‘combinar’; nesse
sentido, o sincretismo é a combinação de elementos de diferentes religiões.
• Para Marconi e Presotto (2001, p. 175), “Tabu é o elemento negativo da religião.
Pode ser uma proibição ou um alerta (cuidado!) em relação a certos atos,
geralmente relacionados a representações mágico-religiosas”.
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AUTOATIVIDADE
1 Um dos elementos que caracterizam as religiões são os rituais. Nesse sentido,
cite duas características importantes dos rituais.
2 A magia é uma prática recorrente em muitas religiões e muitas pessoas
procuram rituais mágicos para diversas finalidades. Sobre a magia, analise
as sentenças a seguir e classifique V para as verdadeiras e F para as falsas:
( ) Existem pelo menos três tipos de rituais mágicos: analógica ou imitativa;
contagiosa e simpática.
( ) A magia branca é a invocação dos espíritos no sentido de que estes venham
fazer mal a determinado indivíduo.
( ) A prática de rituais mágicos foi inventada pelos sacerdotes egípcios e até
hoje eles dominam esta prática.
( ) Podemos afirmar que nas sociedades primitivas a prática da magia está
intrinsecamente associada à religião, sendo quase impossível distinguir
uma da outra.
Agora, assinale alternativa CORRETA:
a. ( ) V – F – V – F.
b. ( ) F – F – V – V.
c. ( ) V – F – F – V.
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UNIDADE 3
TÓPICO 4
MONOTEÍSMO, POLITEÍSMO,
PANTEÍSMO E PANENTEÍSMO
1 INTRODUÇÃO
Caro(a) acadêmico(a)! Estamos chegando ao último tópico desta disciplina,
portanto, dedicação é a palavra-chave para o sucesso em seus estudos. Mãos à
obra!
Existem diferentes doutrinas que se ocupam em explicar o que é Deus
ou deuses, ou como é Deus ou os deuses, de que maneira Ele se relaciona com o
universo ou com as pessoas, onde está, de que maneira se manifesta na natureza,
onde podemos encontrá-lo etc.
Os posicionamentos são os mais diversos, pois há aqueles que acreditam
na existência de um único Deus. Por outro lado, existem aqueles que acreditam em
inúmeros deuses e ainda aqueles que não acreditam em nenhum. Outra questão
importante é como Deus ou deuses se relaciona(m) com a natureza e os seres
viventes, sejam eles homens, animais, plantas etc. Será que Deus está à parte da
natureza ou Ele se funde a ela?
Os debates em torno dessas crenças não são recentes, pois remontam desde
os primeiros povos que desenvolveram suas crenças religiosas. Cada povo, à sua
maneira, tenta explicar e defender sua cosmovisão. Qual está certa ou errada não
é o objetivo deste estudo, pois nossa finalidade é comparar as diversas formas de
doutrinas e crenças acerca da concepção da existência de Deus ou dos deuses.
2 MONOTEÍSMO
O monoteísmo parte do princípio de que há um único Deus, ou seja, um
único ser absoluto que governa sobre todo o universo. É importante ressaltar que
existe diferença entre o monoteísmo e o henoteísmo. Enquanto que o monoteísmo
parte da ideia da existência de um único Deus, o henoteísmo sugere que existem
vários deuses, mas o indivíduo ou o grupo escolhe adorar e obedecer a um
único deus. O primeiro reconhece apenas uma divindade como absoluta, sem
admitir que outra possa ocupar a mesma posição em relação a poder, adoração
e obediência. No caso do henoteísmo, “a ideia transmitida é a de que existe uma
divindade suprema, que tem contato com certo mundo ou com certo grupo de
seres, ao mesmo tempo em que podem existir outros deuses com outros campos
de atividade”. (CHAMPLIN, 2002, v. 3, p. 82).
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A introdução do monoteísmo na história humana, no sentido em que nos
referimos anteriormente, está diretamente associada à religião judaica. De acordo
com Terrin (2004, p. 270),
O mundo judaico tem por excelência o senso do Deus único como
articulador da história, que conduz o seu povo através das vicissitudes
deste mundo. Essa unicidade de Deus começa com o próprio nome. Em
Ex 20,1-7 está escrito: “Eu sou Iahweh teu Deus, que te fez sair da terra
do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses diante de mim.
Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que
existe lá em cima, nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas que estão
debaixo da terra [...] Não pronunciarás em vão o nome de Iahweh teu
Deus, porque Iahweh não deixará impune aquele que pronunciar seu
nome em vão”.
Podemos observar neste fragmento das escrituras judaicas que o Deus
judaico exige de seu povo adoração e obediência exclusiva. Não há espaço para
outra divindade, pois o ‘Eu Sou’ é o autor de todas as proezas e livramentos que
o povo de Israel experimentou desde sua saída do Egito até a chegada em Canaã.
No monoteísmo são atribuídas a Deus três qualidades importantes que
caracterizam a essência divina: a onipresença, a onisciência e a onipotência. Tais
qualidades dão à divindade o poder, o conhecimento e a capacidade de estar em
todos os lugares. Isso significa dizer que Deus é absoluto (perfeito, completo) e
nada daquilo que acontece na história dos homens pode fugir de seu controle.
3 POLITEÍSMO
O politeísmo consiste na crença em vários deuses que possuem funções
diferentes no universo. “Essa palavra vem do grego, poli, ‘muitos’, e theós, ‘deus’,
ou seja, a crença de que existem muitos deuses” (CHAMPLIN, 2004, v. 5, p. 321).
Essa crença está presente em diversas culturas, dentre elas podemos destacar a
egípcia, a grega e a romana. As divindades presentes nestas culturas possuem
pelo menos duas características em comum: são imortais e antropomórficas. A
imortalidade é um atributo em que aqueles que a possuíam não estavam sujeitos
à mesma condição humana, pois aos humanos a morte consiste em uma certeza
de algo que acontece cedo ou tarde. Os deuses não estavam sujeitos a esta aflição
de ter que conviver com o fato de que a qualquer momento deixariam de viver. O
antropomorfismo consiste no fato de que, apesar de os deuses em sua maioria serem
imortais, todavia eram possuidores de muitos aspectos que se assemelhavam aos
humanos. É comum ver na mitologia grega, por exemplo, deuses se apaixonarem
por humanos, sentirem inveja em relação a outro deus etc., sentimentos comuns
aos seres humanos.
194
FIGURA 75: ZEUS E HERA
FONTE: Disponível em: <https://salvandoblog.wordpress.com/category/
mitologia/>. Acesso em: 5 out. 2015.
É importante ressaltar ainda que o politeísmo
Trata-se de uma espécie de ‘teísmo’, embora afirme que existem muitos
deuses que mantêm interesse pelas vidas humanas, mantendo com os
homens alguma espécie de contato. O politeísmo, em sua fase original,
consistia na personificação de importantes elementos da natureza, como
o Sol, a Lua, a fertilidade, o amor, o poder, a violência ou a misericórdia.
(CHAMPLIN, 2004, v. 2, p. 98).
É possível observar que houve uma evolução na crença politeísta, saindo da
veneração aos elementos da natureza para deuses com características e sentimentos
humanos. Essa mudança ocorreu devido ao fato de que o ser humano precisava de
uma divindade que de alguma maneira se identificasse com suas angústias, medos,
anseios, ou seja, elementos comuns aos seres humanos. Os deuses, na verdade,
refletiam de alguma maneira os seres humanos que os adoravam. O politeísmo
abre espaço para uma diversidade muito grande de crenças e é possível que o
crente adorasse ao deus com o qual se identificava.
Há outra questão muito interessante em se tratando do politeísmo, pois
nesta modalidade de crença os indivíduos reconhecem a existência de muitas
divindades, mas quanto ao fato de adorar as divindades é, em muitos casos, uma
escolha do crente. Isso significa dizer que o crente escolhe a divindade a qual
deve adorar, com base em elementos que lhe interessam ou que estão de alguma
maneira ligados à sua vida. Essa prática é semelhante ao que acontece com os
santos católicos, pois muitas pessoas são devotas de um determinado santo porque
em algum momento este santo atendeu às suas preces.
195
4 PANTEÍSMO
Existem algumas vertentes religiosas que se fundamentam no panteísmo.
A palavra panteísmo, de acordo com Champlin (2002, v. 5, p. 40, grifo do
autor), “vem do grego, pan, ‘tudo’, + theós, ‘deus’, dando a entender que ‘tudo
é Deus’. De acordo com o panteísmo, Deus é o cabeça da totalidade, e o mundo
é seu corpo”. Deus é composto por tudo e todos. Os panteístas não acreditam
na existência de um Deus pessoal, pois segundo os adeptos dessa crença, Deus
não é algo particular, Deus é o todo e o todo é Deus. Para os panteístas não
existe um Deus que intervém no universo, tampouco um Deus criador de tudo
aquilo que existe.
O panteísmo não consiste apenas em mais uma cosmovisão religiosa, pois
consiste em uma doutrina filosófica que acredita que Deus e o universo estão
intrinsecamente interligados, ou seja, estão de tal forma conectados que não há
como conceber um sem o outro.
Um nome que está associado diretamente ao panteísmo é o do filósofo
Baruch Spinoza. Isso não significa dizer que Spinoza era um panteísta, mas em
sua obra ele identifica Deus com a natureza, pois era contrário à crença judaico-
cristã da existência de um Deus onisciente, onipotente e onipresente, e capaz de
recompensar ou castigar os seres humanos em decorrência de seus atos. Vejam o
que Spinoza diz sobre sua crença:
Tenho uma concepção de Deus e da natureza totalmente diferente
da que costumam ter os cristãos mais recentes, pois afirmo que Deus
é a causa imanente, e não externa, de todas as coisas. Eu digo: tudo
está e (sic) Deus; tudo vive e se movimenta em Deus. E isso eu afirmo
com o apóstolo Paulo e, talvez, com todos os filósofos da antiguidade,
embora de maneira diversa da deles. Posso, até, arriscar-me a dizer
que a minha concepção é a mesma que a dos hebreus de antigamente,
se isso puder ser inferido de certas tradições, por muitíssimo alteradas
ou falsificadas que possam ter sido. Contudo, estão totalmente
enganados aqueles que dizem que meu propósito [...] é mostrar que
Deus e a natureza, esta entendida por eles como uma certa massa de
matéria corpórea, são uma e a mesma coisa. Eu não tive essa intenção.
(Apud VILLELA, 2014, p. 1).
Deus é maior de tudo aquilo que existe, pois em Spinoza tudo está, vive
e se move em Deus. Esta é a base da concepção panteísta. A natureza e Deus não
são distintos, pois na verdade são dois nomes atribuídos à mesma realidade. Tudo
aquilo que existe no universo emana de Deus-Natureza, isso significa que todas as
coisas ou entidades presentes no universo são modos da substância que compõe o
universo, ou seja, Deus.
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5 PANENTEÍSMO
Outra corrente de pensamento sobre a existência de Deus, não menos
importante que as demais, é o panenteísmo. “A raiz grega do vocábulo é pan,
‘tudo’, e theós, ‘deus’, significando, assim, ‘tudo está em Deus’ ou ‘Deus está em
tudo’. Tal palavra pode significar que tudo faz parte de Deus, ou que Deus está em
todas as coisas, embora ele não seja todas as coisas”. (CHAMPLIN, 2002, v. 5, p.
38). Tal conceito se difere do panteísmo de uma maneira bastante simples: Deus
está em todas as coisas, mas Deus não ‘é’ todas as coisas.
O termo panenteísmo foi proposto pelo filósofo alemão Karl Krause.
Sua teoria consiste no fato de que Deus pode ser conhecido intuitivamente pela
consciência, pois ele não é pessoal, mas é a essência que está presente no universo.
Todos os seres que habitam o universo estão vinculados a Deus, todavia não são
Deus, apenas acreditava que o mundo está contido em Deus. A divindade, na visão
panenteísta, transcende o universo, ou seja, é algo que está além de todas as coisas
que povoam o universo.
Sobre este conceito, vamos recorrer a uma explicação do filósofo e teólogo
Leonardo Boff sobre: PANTEÍSMO VERSUS PANENTEÍSMO.
Uma visão cosmológica radical e coerente afirma que o sujeito último
de tudo o que ocorre é o próprio universo. É ele que faz emergir os seres,
as complexidades, a biodiversidade, a consciência e os conteúdos desta
consciência, pois somos parte dele. Assim, antes de estar em nossa cabeça como
ideia, a realidade de Deus estava no próprio universo. Porque estava lá, pôde
irromper em nós. A partir desta compreensão, se entende a imanência de Deus
no universo. Deus vem misturado com todos os processos, sem perder-se dentro
deles.  Antes, orienta a seta do tempo para a emergência de ordens cada vez mais
complexas, dinâmicas (portanto, que se distanciam do equilíbrio para buscar
novas adaptações) e carregadas de propósito. Deus comparece, na linguagem
das tradições transculturais, como o Espírito criador e ordenador de tudo o que
existe. Ele vem misturado com as coisas. Participa de seus desdobramentos, sofre
com as extinções em massa, sente-se crucificado nos empobrecidos, rejubila-se
com os avanços rumo a diversidades mais convergentes e inter-relacionadas,
apontando para um ponto Ômega terminal.
Deus está presente no cosmos e o cosmos está presente em Deus. A
teologia antiga expressava esta mútua interpenetração pelo conceito “pericórese”,
aplicada às relações entre Deus e a criação e depois entre as divinas Pessoas da
Trindade. A teologia moderna cunhou outra expressão, o “panenteísmo” (em
grego: pan=tudo; en= em; theos=Deus). Quer dizer: Deus está em tudo e tudo
está em Deus. Esta palavra foi proposta pelo evangélico Frederick Krause (l781-
1832), fascinado pelo fulgor divino do universo.
197
O panenteísmo deve ser distinguido claramente do panteísmo. O
panteísmo (em grego: pan-tudo; theos=Deus) afirma que tudo é Deus e Deus
é tudo. Sustenta que Deus e mundo são idênticos; que o mundo não é criatura
de Deus, mas o modo necessário de existir de Deus. O panteísmo não aceita
nenhuma diferença: o céu é Deus, a Terra é Deus, a pedra é Deus e o ser humano
é Deus. Esta falta de diferença leva facilmente à indiferença. Se tudo é Deus e
Deus é tudo, então é indiferente se me ocupo com uma menina estuprada num
ônibus no Rio ou com o carnaval, ou com indígenas em extinção ou com uma lei
contra a homofobia. O que é manifestamente um erro, pois diferenças existem
e persistem.
Tudo não é Deus. As coisas são o que são: coisas. No entanto, Deus está
nas coisas e as coisas estão em Deus, por causa de seu ato criador. A criatura
sempre depende de Deus e sem Ele voltaria ao nada de onde foi tirada. Deus e
mundo são diferentes. Mas não estão separados ou fechados. Estão abertos um ao
outro. Se são diferentes, é para possibilitar o encontro e a mútua comunhão. Por
causa dela superam-se as categorias de procedência grega que se contrapunham:
transcendência e imanência. Imanência é este mundo aqui. Transcendência é
o mundo que está para além deste. O Cristianismo, por causa da encarnação
de Deus, criou uma categoria nova: a transparência. Ela é a presença da
transcendência (Deus) dentro da imanência (mundo). Quando isso ocorre, Deus
e mundo se fazem mutuamente transparentes. Como dizia Jesus: “quem vê a
mim, vê o Pai”. Teilhard de Chardin viveu uma comovente espiritualidade da
transparência. Dizia: “O grande mistério do Cristianismo não é a aparição, mas
a transparência de Deus no universo. Não somente o raio que aflora, mas o raio
que penetra. Não a Epi-fania mas a Dia-fania” (Le milieu divin, 162).
O universo em cosmogênese nos convida a vivenciarmos a experiência
que subjaz ao panenteísmo: em cada mínima manifestação de ser, em cada
movimento, em cada expressão de vida estamos às voltas com a presença e
a ação de Deus. Abraçando o mundo, estamos abraçando Deus. As pessoas
sensíveis ao Sagrado e ao Mistério tiram Deus de seu anonimato e dão-lhe um
nome. Celebram-no com hinos, cânticos e ritos mediante os quais expressam sua
experiência de Deus. Testemunham o que Paulo disse aos gregos de Atenas: “Em
Deus vivemos, nos movemos e existimos”. (17, 28).
FONTE: Disponível em: <http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2012/04/17/panteismo-
versus-panenteismo/>. Acesso em: 15 out. 2015.
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LEITURA COMPLEMENTAR
OS FUNERAIS NAS TRÊS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS
Chadia Kobeissi
A morte é a consequência óbvia da vida, porém, as três maiores religiões
monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, diferem no modo de
preparar o morto e realizar as cerimônias fúnebres. 
Vejamos como as diferentes religiões se despedem de seus queridos.
Judaísmo
“Pois do pó vieste, e ao pó retornarás” (Bereshit 3:19)
“Baruch atá Adonai Eloheinu melech ha’olam, dayan ha-emet”
(Bendito sejas Tu, Senhor, nosso Deus, Rei do Universo, o Verdadeiro Juiz)
Quando um judeu recebe a notícia do falecimento de uma pessoa que
ele conhecia, eles geralmente proferem tais palavras. Mas a expressão judaica
mais notável de dor é quando o enlutado rasga as próprias roupas, antes do
funeral.
Quem deve rasgar as roupas? Sete parentes estão obrigados a desempenhar
esta prática: filho, filha, pai, mãe, irmão, irmã e cônjuge. Após essa prática, diversas
regras são cumpridas pelos parentes e amigos do morto, realizando assim um
enterro formal, segundo as tradições judaicas. Primeiramente, é extremamente
proibida a cremação do corpo. 
O morto também deve ser enterrado, o mais rápido possível. Mas antes
disso, o corpo deve ser purificado e limpo, em um processo chamado de “taharat”.
Interessante observar a semelhança com o islamismo, onde também é usada a
palavra “tahara”, que se refere à purificação. 
Além da limpeza física e preparação do corpo para o enterro, também são
recitadas preces apropriadas exigidas, pedindo perdão a Deus pelos pecados que
o falecido possa ter cometido, e orações pedindo que Deus o guarde e lhe conceda
a paz eterna. 
O funeral judaico é realizado de forma simples, onde o morto, após o
taharat, é envolvido em uma mortalha branca, igualmente usada para ricos e
pobres. Segundo os judeus, ricos e pobres se encontram no céu, mas agora, todos
são iguais perante Deus, e o que são é o que realmente importa, e não aquilo que
possuíam.
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A lei judaica estabelece, de maneira absoluta, que os mortos devam
ser enterrados na terra, e por esta razão, o corpo de um judeu após ser lavado,
purificado, envolto na mortalha branca, deve ser colocado em um caixão de
madeira, mas é preferível minimizar a madeira e mesmo a mortalha, para que o
falecido fique o mais próximo possível do solo. 
No sepultamento, todos os presentes devem formar duas filas; onde, no
meio, deverão passar os enlutados com o caixão do morto, e os que estiverem
nas filas devem fazer orações e súplicas específicas. É importante que, durante
a cerimônia, mulheres e homens não se misturem. Antes de enterrar o corpo,
é recomendável fazer um discurso ressaltando suas qualidades e boas ações,
honrando assim o falecido. 
Após o funeral, é costume, ao sair do cemitério, arrancar um pouco de grama,
para demonstrar que o falecido brotará de novo à vida (no dia da ressurreição dos
mortos), e jogá-la por cima do ombro direito para trás, e recitar: “Veyatsisu me’ir
keêssev haáretz; zachur ki afar anáchnu”: “Que eles brotem como as plantas da
terra”, observando que o verbo “brotar”, aqui, significa “ressurreição”.
E não acabou por aí, há diversas outras tradições e costumes religiosos,
muito importantes no judaísmo, antes, durante e depois do funeral.
Cristianismo
“E o pó volta à terra, como era, e o espírito volta a Deus, que o deu”. Eclesiastes 12:7
Deus declarou a Adão: “No suor do seu rosto, comerás o teu pão, até que tornes à
terra; porque dela foste tomado, porque és pó, e em pó te tornarás”. Gênesis 3:19.
Ao encomendar as pessoas falecidas a Deus, a comunidade cristã assume
a tarefa de amparar e consolar os vivos, mas antes, os cristãos costumam rezar
bastante quando alguém da família, ou um conhecido morre; principalmente perto
do morto, visto que este, geralmente, não é enterrado rapidamente.
As práticas rituais, relacionadas à morte e ao sepultamento, dentro do Novo
Testamento, não diferem das práticas da Palestina, antes e no tempo de Jesus. Os
relatos confirmam que os mortos eram levados em esquifes, em cortejos (Lc 7.12 e
2Sm 3.31; 2Rs 13.21); e os cortejos eram acompanhados por crianças (Gn 25.9,39),
parentes (Jz 16.31), amigos (1Rs 13.29s.) e escravos (2Rs 23.30).  
Os mortos eram envoltos em panos, com um véu no rosto, como Lázaro (Jo
11.14), e os sepultamentos ocorriam no próprio dia do óbito. Pessoas choravam a
perda, assim como no falecimento da filha de Jairo (Mc 5.38).  
A dor se expressava por gestos, como colocar as mãos sobre a cabeça (2Sm
13.19; Jr 2.37), rasgar as vestes (Gn 37.34; Jó 1.20), vestir-se de panos de saco (2Rs
6.20), colocar terra sobre a cabeça (Js 7.6; Jó 2.12), rolar a cabeça (ou o corpo) no pó
(Jó 16.15; Mq 1.10), deitar e sentar sobre cinzas (Is 58.5; Jr 6.26), e raspar a barba e o
cabelo, ou fazer incisões no próprio corpo (Jó 1.20; Is 22.12; Jr 16.6; 41.5). Música fazia
parte de alguns sepultamentos, como aparece no caso da filha do centurião (Mt 9.23). 
200
Os cristãos dos primeiros séculos, entretanto, iniciaram algo inusitado:
como indivíduos, e como comunidade, eles assumiram tanto os sepultamentos
de pessoas cristãs, quanto os de pessoas não cristãs, e que morriam na pobreza
ou no abandono. Os que não tinham um lugar próprio para serem sepultados, se
beneficiavam da prática cristã. 
Os funerais cristãos, dos primeiros séculos da Igreja, eram marcados pela
alegria, como se a pessoa falecida estivesse sendo conduzida de um local a outro;
resultado da profunda convicção de que, assim como Cristo ressuscitou, os cristãos
também ressuscitarão. 
O corpo era previamente lavado, ungido, e envolto em tecido de linho, na
própria casa da pessoa falecida, enquanto se proferiam orações.
Já no século V havia uma estrutura do rito funeral, dividido em três etapas:
casa, igreja, cemitério. Já os sepultamentos da Idade Média, geralmente, eram
feitos em cemitérios localizados em torno das igrejas, onde o corpo era recebido e
carregado para dentro da igreja com salmos, e então celebrava-se a eucaristia, onde
se concedia a absolvição à pessoa falecida; que ainda recebia incenso e aspersão,
como água benta.
Porém, a Bíblia oferece poucos recursos para o ritual fúnebre, e segundo
os cristãos, os existentes não visam registrar formas ou regras de como este deve
acontecer. Mas enfatizam que sepultar os mortos é visto como um dever santo
(2Sm 21.12ss.; 1Rs 13.29s). Por esta razão, há variações dentro do cristianismo,
e mais liberdade. No entanto, ainda assim, há uma série de etapas comuns nos
funerais das comunidades cristãs. 
Após o corpo ter sido limpo e bem vestido, uma leve maquiagem é aplicada,
deixando o morto com uma feição melhor, e na sequência, ele é colocado em um caixão
aberto, onde ocorre o velório, que pode durar horas, e dependendo do caso, até dias. 
Todos vêm se despedir do morto, os amigos, os vizinhos e a família. Após
o velório, o líder religioso faz orações e súplicas, e fala sobre o morto. Todos o
acompanham até o cemitério, geralmente vestindo roupas pretas como sinal de
luto, e homenageiam o morto com flores e coroas de flores.
O clássico ritual fúnebre dos católicos é a missa de sétimo dia, celebrada
para iluminar a alma do falecido, já que eles acreditam em ressurreição. Há
também uma comemoração em 02/11, no feriado do Dia de Finados, onde os fiéis
oram pelos mortos. Há diferentes rituais dentro das seitas cristãs, por exemplo: os
evangélicos, geralmente, não usam velas, e sobre seus túmulos não há estátuas de
santos, diferente dos católicos. 
Sobre a cremação, há controvérsias, por ela ser considerada uma prática de
origem pagã. Muitos padres e bispos são contra essa prática, pois de acordo com
estudos bíblicos, o cristão deve ser enterrado, e não cremado. Mas há algumas
seitas cristãs que concordam com a cremação.
201
A cremação era praticada nos tempos bíblicos, mas não era geralmente
praticada pelos israelitas, ou pelos crentes no Novo Testamento. Nas culturas nas
quais a Bíblia se focaliza, enterro em uma tumba, caverna, ou na terra, era a forma
mais comum de se dispor do corpo humano (Gênesis 23:19; 35:4; 2 Crônicas 16:14;
Mateus 27:60-66).
Islamismo
“Inna Lillahi wa inna ilaihi raji’um”
(Somos de Deus e a Ele retornaremos - 2:57)
E nos propõe comparações, e esquece a sua própria criação, dizendo:
Quem poderá reviver os ossos, quando já estiverem decompostos? Dize:
Revivê-los-á quem os criou da primeira vez, porque é conhecedor de todas as
criações.
(36:78/79) Alcorão Sagrado
Os ensinamentos do Islã sobre a morte são a de que ela não é a aniquilação
do indivíduo, que o elimina da existência, e sim uma passagem de uma vida
para outra, e por mais que se possa lamentar, nada modificará o decreto de Deus,
altíssimo. Aquele que crê deve receber a morte, do mesmo modo como recebe
outra calamidade que possa atingi-lo, com paciência e dignidade.
As condolências devem ser dadas aos familiares enlutados, dentro de três
dias e três noites, depois do falecimento. Quando falece um muçulmano(a), é uma
obrigação coletiva (da comunidade) providenciar um funeral islâmico. A seguir,
uma série de providências, preceitos e recomendações a serem observados:
Logo que a pessoa dê o último suspiro, seus olhos devem ser fechados.
As pessoas presentes devem fazer a dua’a (súplica) pelo falecido, pedindo a Deus
que Ele tenha misericórdia dele, e dos presentes, e que lhe facilite o que deverá
enfrentar. As pessoas que tenham presenciado o momento da morte devem manter
absoluto sigilo, sobre qualquer coisa que tenham visto, ou ouvido, e que envolva a
privacidade e a dignidade do falecido. Qualquer comentário, ou crítica sobre ele,
deve ser evitado. 
Antes de ser enterrado, o morto (Mayyt) deve passar por alguns estágios
de limpeza e purificação. Um mayyt masculino deve ser lavado por homens (ou
por sua esposa), um mayyt feminino deve ser lavado por mulheres (ou por seu
marido). Se o mayyt for uma criança (que não tenha alcançado a puberdade), o
ghusl (banho do morto) pode ser realizado tanto por homens quanto por mulheres. 
No islamismo, até o corpo de um muçulmano, mesmo de um feto abortado
de quatro meses, deve ser lavado. O ghusl deve ser feito num recinto fechado, onde
não deve entrar ninguém além dos que forem solicitados, e suas partes íntimas são
cobertas, para preservar a privacidade do ser humano. 
202
O mayyt deve ser colocado sobre uma mesa, sem movimentos bruscos, tudo
deve ser feito com cuidado. Não é permitido cortar, raspar pelos ou cabelos, cortar
unhas, ou alterar qualquer coisa na aparência do mayyt, por meio de maquiagem
ou coisas do tipo. 
O ghusl do mayyt consiste em lavar o corpo inteiramente, do alto da cabeça
até os pés (até três vezes), com água pura, e na temperatura ambiente (ou morna).
Na primeira vez, o corpo é lavado com água misturada com Sidr, depois misturada
com cânfora, e por último, apenas com água. Terminado o ghusl (banho), o mayyt
deve ser envolvido no cafan (pano branco). 
Assim como no judaísmo, é recomendável que o morto seja enterrado
rapidamente, e por esta razão, após o banho, há a oração para ajudar o morto, e
logo após, o muçulmano é enterrado. O líder religioso desce com o corpo do morto,
apenas no cafan, sem caixão, e o coloca sobre a terra, colocando a cabeça do mayyt
voltada para a direção da Caaba (primeiro templo construído para adoração do
Deus Único) em Meca. 
O islã proíbe a cremação, e se a legislação de um determinado país não
permitir que o enterro seja feito sem um caixão, deve-se colocar uma quantidade
considerável de terra em seu interior, para que o corpo tenha contato com a mesma.
Segundo os ensinamentos do Islã, é pecado edificar o túmulo suntuosamente,
ornamentá-lo, ou cobri-lo com qualquer tipo de aparato luxuoso, bem como, colocar
fotos do falecido ou coisas desse tipo, por estes costumes não serem islâmicos. 
Também não se deve discursar junto ao túmulo, após o enterro. É feito
um minuto de silêncio, em memória do falecido, alimentos são depositados sobre
o túmulo dos entes queridos, ou então, acendem-se velas.   O Islã ensina que o
que ajuda o morto são as orações, as súplicas, pagar suas dívidas materiais, bem
como, cumprir as obrigações religiosas que o mayyt não pode mais cumprir, como
orações, jejum...
Conclusão: 
Em todas as religiões monoteístas, que pregam a unicidade de Deus, há
diversos rituais para a realização de um funeral, cada qual com sua lição especial.
O importante é que todas elas acreditam que a morte não é o fim, e que junto ao
Criador do Universo existe a eternidade.
FONTE: Disponível em: <ttp://www.gazetadebeirute.com/2013/07/os-funerais-nas-tres-religioes.
html>. Acesso em: 17 out. 2015.
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RESUMO DO TÓPICO 4
• O monoteísmo parte do princípio de que há um único Deus, ou seja, um único
ser absoluto que governa sobre todo o universo.
• O politeísmo consiste na crença em vários deuses que possuem funções
diferentes no universo.
• Os panteístas não acreditam na existência de um Deus pessoal, pois segundo os
adeptos dessa crença, Deus não é algo particular, Deus é o todo e o todo é Deus.
• No panenteísmo, Deus está em toda parte e em todas as coisas, mas Deus não é
tudo e tudo não é Deus.
204
AUTOATIVIDADE
1 Por mais que as palavras panteísmo e panenteísmo sejam semelhantes,
todavia os conceitos possuem uma diferença fundamental. Nesse sentido,
descreva qual é a principal diferença entre o panteísmo e o panenteísmo.
2 Cada forma de crença na divindade possui sua particularidade que a
distingue das demais formas. Assim, analise as questões a seguir e classifique
V para as verdadeiras e F para as falsas.
( ) O panteísmo é uma corrente religiosa que não possui vínculo com outra
ciência, por exemplo, a filosofia.
( ) Spinoza é um dos nomes importantes dentro da concepção panteísta.
( ) O politeísmo é uma concepção que abre espaço para uma diversidade
muito grande de crenças e é possível que o crente adorasse ao deus com o
qual se identificava.
Agora, assinale a alternativa CORRETA:
a. ( ) V – F – V.
b. ( ) F – V – F.
c. ( ) F – V – V.
205
206
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