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N r. V I
■Soziologie Jn Cfitlilvilitlltlltni
TEORIA
Von
TEORIA
D r.\V ^ llic lm R u d i TEORIA
TEORIA
Auiilmt *m Piyiliii«M*lyli«<iirn AmlnilnlotiiuM
in Wif«
PSICOPATOLOGIA
E SOCIOLOGIA
DA VIDA SEXUAL
WILHELM REICH
Quando o grande pensador e cientista Wilhelm Reich
morreu, em novembro de 1957, na Penitenciaria Fede
ral de Lewisburg, na Pensilvânia, a sociedade burguesa
suspirou, aliviada. A destruição do seu trabalho parecia
um fato consumado. Alguns de seus textos foram quei
mados e outros permaneceriam na obscuridade por
m uitos anos.
Todavia, a força e a pujança da sua obra muito terão
co ntribuído para seu reconhecimento póstumo.
Este livro que agora apresentamos foi publicado ori
ginalm ente em 1927, e é fundamentalmente diferente
de um outro, também de Reich, A DESCOBERTA DO
ORGONE - I - A FUNÇÃO DO ORGASMO, New York,
1942. As duas obras, de inspiração e temática muito di
ferentes. não têm mais que dez páginas em comum.
v __________________________________________
Çlobal
editora Publicações Esco rp ião
Neue Arbeiten zur ärztiiciien Psychoanalyse
Herausgcjclcn von Prof. Dr. S iS,n. F reu J
Nr. V I
V o .t
iclm Reich
AjMuiU'fit mit PjiydifiiiitiiiyAtiil>iilHlüninii
Ml V icn
>9 »7
Edição em Fac*SimiÍe
Por acordo de co-edição com
Publicações Escorpião
Porto - Portugal
\
Wilhelm Reich
Psicopatologia
e
sociologia
da
vida sexual
(Die Funktion des Orgasmus)
Vobai
G D
Título original:
Tradução: M. S. P.
Revisão: M. Ribeiro
«£x//o desde já que, seja em que caso for
e sob nenhum pretexto, nenhum dos docu
mentos, manuscritos ou notas encontrados
na minha biblioteca, nos arquivos ou em
qualquer outro lugar, se/a alterado, menos
prezado, destruído, aumentado ou de qual
quer forma falsificado».
II
cònferência intitulada «A genitalidade do ponto
de vista do prognóstico e a terapêutica psicana-
lítica», que depara com sérias objecções. Zur
Trieb-Energetik (S obre a energética do instinto),
em «Zeitschrift für Sexualwissenschaft».
12
siste ao X Congresso psiccnalítico Ir.iornaciona!
celebrado em Innsbruck. Strafbedürfnis und neu-
rotischer Prozes, em ^Internationaler Zeitschrift
für Psychoanalyse».
Ettern afs Erzieher, em «Zeitschrift für Psychoana
lyse Pädogogik». Die Funktion des Orgasmus —
Psychopatologie des Geschlechtelebens (A fu n
ção do orgasmo — Uma psicopatologia da sexua
lidade), Internationaler Psychoanalytischer V e r
lag, Viena.
13
Geschlechtesreüe, Enthaitsamkeit, E h e m o ra t-E m e
K rítik der burgerfícher Sexualreform (M aturidade
sexual, continência, moral matrimonial — lim a
crítica da reforma sexual burguesa), Münster-
-Verlag, Viena.
14
D er masochistische Charakter ( 0 carácter maso
q u ista), em «Internationaler Zeitschrift für Psy
choanalyse».
D er sexuetfe K am pf der Jugend (O combate
sexual da ju ven tu d e), Verlag für Sexualpolitik,
Berlim, Viena, Leipzig.
D er Einbruch der Sexualm oral — Zur Geschichte
der sexuellen Oekonomie (A irrupção da mordl
sexual — Sotore a história da economia sexual),
Verlag für Sexualpolitik, Berlim, Viena, Leipzig.
15
1934 — Estabelece-se em Malm òe. Junho: depois de ser
obrigado a abandonar a Suécia, estabelece-se em
Oslo (onde residirá cinco anos, inicialmente com
o pseudónimo de Peter S e te in ), em cuja univer
sidade (Instituto de Psicologia) se entrega aos
seus estudos de biogénese, crendo ter desco
berto um fenómeno novo relativo à natureza
bioeléctrica de certos influxos nervosos.— Agosto:
assiste ao X III Congresso da Associação de Psi
canálise celebrado em Lucerna — ao qual traz umu
comunicação sobre «Contacto Psíquico e C or
rente V e g e ta tiv a » — , onde lhe comunicam que íoi
expulso da Associação alemã e da internacional
Massenpsychologie des Fascism us— Z ur Sexua-
loekonom ie der politischer Reaktion und zur pro-
; letarischen Sexualpolitik (A psicologia de massas
! do fascismo — Sabre a ecorvomia sexual da reac-
I ção política e sobre a poética sexual p ro letária),
Sexpol Verlag, Copenhaga.
W a s ist Klassenbewusstein? — Ein Beitrag zur
Diskussion über die Neuformierung der A r beiter-
. bewegung (O que é a consciência de classe?
\ — Uma contribuição para o renascimento do m o
vim ento operário), ©m «Politisoh-psychòlogische
Schriftenreihe», núm ero 1, Sexpol-Verlag, C ope
nhaga, Praga, Zurique (publicado com o pseu
dónimo d e Ernst P arell).
Dialektischer Materialism us und Psychoanalyse
(M aterialism o dialéctico e psicanálise), em «Po-
litisoh-psychologische Schriftreih«», número 2,
Sexpol-Verlag, Copenhaga, Praga, Zurique (R eed i
ção do te x to de 1929, acrescentado com novas
notas e com «Sobre a aplicação da psicanálise
à investigação histórica»).
D er Urgegensatz des vegetativen Lebens (A arqui-
«antinomia de vida v e g e ta tiv a ), em «Zeitschrift
fü r politische, Psychologie und Ssxualcekono-
•mie», números, 1, 2 e 3 /4 .
16
bertas, da constante atmosfera de polémicas r
i n trqm iss ões y iv i das d es cie 1925 e do ' êxí to do
fascismo a partir de 1933. — Entrega-ser~cõm"75-
bril paixão às suas observações sobre o efeito ~
produzido no potencial eléctrico da pele e das
mucosas quando submetidas a excfiaçõês espe- \
cíficas, bem cóm o à sua crescente abse§.são pel.o
biológico, que o levaria até à biofísica e, final
mente, à física pura; entretanto, os seus escritos
■médicos e sociológicos tornam-se cada vez mais
raros e abstractos
Psychister K ontakt und V egetative Strömung
(Contacto psíquico e corrente v e g etativa), em
«Abhandlungen zur personellen Sexualoeknomie»,
núm. 3, Sexpol-Verlag, Copenhaga. Reedição au
mentada de «A irrupção da moral sexual...»
(publicado em 1932) Sexpol-Verlag, Copenhaga.
Religion, Kirche Religionstreit in Deutschland (R e
ligião, Igreja e querela religiosa na A lem anha),
em «Politisch-‘psychologische Schriftenreihe», nú
mero 3, Sexpol-Verlag, Copenhaga (Publicado
com o pseudónimo de K arl Teschitz).
I7
— Sobre a técnica da vegetoterapia caracterial) ví
D er dialektische Materialism us in der Lébensfors-
chung — Bericht über die Bion-Versuche ( 0 m ate
rialismo dialéctico na investigação sobre a vida
— Informe acerca da experiência sobre os b iõ e s ),
em «Abhandlungen zur personellen Sexualoeko-
nomie», núm. 5, Sexpol-Verteg, Copenhaga.
18
(com o «estrangeiro in im ig o » )... acusado de acti
vidade subversivas».
19
uma autonomia caracterial do hom em ), vfi£são^
americana —- prnfiinri amsn tf» a Itera Ha, -p g io ^ a ut Or
— de «Ä sexualidade no combate cultural. »
(publicado em 1936}, Orgone Institute P ress'
N ew York.
^Analysis of Character (Análise do carácter), ver
são a m eric a na ^ — tãmFérn mo3TfTca3a~^jeTcT'autor
— de , «Análise Caracterial. ; » ( put>licadó ê m '
1933) e de «Contacto psíquico e corrente vege
tativa» pirbllcado em 1 9 3 5 )/ aumentado com «Õ
sofrimento emocional» (pufcltcado nesse mesmo
an o ), Orgone Institute Press, N ew York.
20
The M u rd er of Christ ( 0 assassínio de Cristo),
Orgone Institute Press, N ew York.
2I
* * *
22
A meu mestre
o professor Sigmund Freud
como prova de pnofundo respeito
PREFÁCIO
Freud
25
genital. Estas relações explicam as reacções terapêuticas
e permitem com preender por que razão a im potência e
a frigidez são fenómenos que acompanham com regula
ridade a neurose; esclarecem-nos também sobre a forma
da neurose, form a que determ ina a perturbação da fun
ção genital e é por ela determ inada. 0 'problema da
angústia, certos problemas sociais e conjugais assim
como a questão da terapêutica da neurose aparecem
a uma luz bem mais clara, se tivermos em conta a fun
ção do orgasmo, que pouco a pouco se torna o pro
blema central. Embora este trabalho se baseie inteira
mente na teoria sexual d e Freud e na sua teoria das
neuroses, não posso, com certeza, pretender que a con
cepção aqui exposta da dinâmica da terapia e das suas
tarefas tem lugar entre as concepções já admitidas pela
escola daquele psicanalista; esta concepção corresponde
às minhas próprias experiências clínicas. Contudo, a
minha maneira de entender o que significa a genital idade
e, em particulair, o orgasmo genital, para a teoria e a
terapêutica das neuroses e dos oarácteres neuróticos é.
cne>io eu, o prolongam ento directo das teorias da psica
nálise e ipermrte uma 'melhor aplicação da teoria das
neuroses à terapêutica.
Inúmeras questões da teoria do carácter e <*a psico
logia do ego er>contram-se m uito »otimamente 'ligadas
ao problema do orgasmo. Procurei, na m edida do pos
sível, arredá-las da discussão pois a unidade tem ática
desta obra ressentir-se-ia demasiado com isso; além
draso, houve que deixar de lado a problem ática parti
cular da íteoria psioanalítioa do carácter, pois, em pri
meiro lugar, a sua fundamentação clínica ainda não está
completa, e, em segundo lugar, esta teoria psicana-
títica do carácter — cujos fundamentos sistem áticos Freud
lançou no seu <tivro: O Ego e o là — deverá p artir do
estudo porm enorizado da teoria da sexualidade. M erecia
a pena dizer isto para que não me acusassem de ter
desprezado a psicologia do ego.
Ao p5r d e lado o grande tema que tentei delim itar
num curso no Instituto Psicanalítico d e Viena com o
título: Psicologia das Pulsões e Teoria do Carácter e que
m e reservo o direito de tratar noutra altura, (forçosa-
26
merrte dei origem a que aparecessem neste trabalho Jacu-
nas sensíveis que correm o risco de provocar numerosos
■mal-entendidos. Quanto à teoria da sexualidade, teria
desejado apresentar uma descrição compte ta dela, tão
completa quanto o 'permitissem as minhas experiências;
estou ciente de que fiquei m uito aquém desse objectivo.
Assim, salvo observações isoladas, não se tratou das
perturbações genitais tva satiríase, roa epilepsia *e nas
psic o--neuroses. Espero poder esclarecer posteriormente
esses mal-entendidos, na 'medida em que sejam de
natureza objectiva, mas, dado o carácter particular do
tema tratado, devo contar com objecções cujo funda
m ento será puramente afectivo. Ao publicarmos este
livro, temos consciência que trata de um assumo m uito
((explosivo», visto que a questão do orgasmo e do papel
que ele ‘d esempenha na vida individual e social não
pode disourir-se facilm ente de maneira impessoal e (dis
tanciada, pois o assunto encontra-se intim am ente ligado
à vida d e cada indivíduo.
Corremos, p or isso, um grande risco de dar aos
juízos de facto uma coloração ou uma deformação
subjectiva ou filosófica. Mas não se trata tanto d e saber
se a questão é filosófica com o de lhe conhecer a natu
reza. Com efeito, podemos perguntar-nos, e particular
mente o podem os fazer a propósito d o orgasmo, se
determinada posição ética sobre o problema sexual não
nos desvia da verdade, enquanto aquela outra tomada
de posição m oral não nos obriga a procurar <a mesma
verdade. Além disso, existe uma diferença essencial
entre juígar os (factos da vida sexual segundo a regra
arbitrária e indemonstrável do «bem» e do «mal» e
avaliá-los de acordo com fins não morais, verificando
que tal ou qual acção do indivíduo favorece ou c o n
traria a sua saúde m ental, quer dizer, a sua aptidão para
o amor e o 'trabalho. Mo respeitante a esta maneira de
julgar, não creio ter-m e afasitado demasiado das ques
tões sexuais ao tratar d a vida sexual conjugal e da
moral sexual dom inante.
O faoto de, ao que sei, uma tal investigação não
ter ainda “sido empreendida, parece dem onstrar que a
função do orgasmo não passará do filfvo mal amado da
27
psicologia e da fisiologia, mesm o que os próprios resul
tados justifiquem a empresa e que a crítica objectiva
decida da importância do assunto. São os factos, a mes
■do mais, que nos 'protegem do perigo de uma sobresti
ma ção dia função do orgasmo; uma estatística grosseira
da frequência da impotência e da frigidez nas neuroses
apenas dá uma imagem aproximada da impressão que
colhemos na prática, quando não fechamos deliberada
mente os olhos. Além disso, actualmente, uma subes-
timação da função sexual ainda é mais verosímil e
perigosa do que uma eventual sobrestimação.
É tam bém a isto que se deve atribuir o facto de o
problema do fundam ento somático das neuroses, nos
casos em que tem sido abordado, se te r mostrado
inacessível; para abrir o caminho deste problema que só
aparentemente é insolúvel, somos levados a interroga r-
-nos sobre a vida sexual no tiomem «nervoso», questão
que, exteriorm ente à psicanálise, sempre foi cuidadosa
mente evitada. Do ponto -de vista histórico, notar-se-á
como interesse que, ao mesm o tem po que os fisiólogos
tomavam partido contra a teoria de uma psicogénese
das neuroses e buscavam em vão uma base somática,
o m édico-psicofóg o Freud descobria «o núcleo som á
tico da neurose», socorrendo-se de um m étodo psicoló
gico. Já se passaram trinta anos de prática psicanalítica
sobre essa descoberta. A nossa investigação sobre a
função do orgasmo, que é um fenómeno psico~fisiológico.
tem poís que remontar bastante atrás no tem po e par rir
das manifestações m entais das perturbações somáticas
da vida sexual que Freud agrupou sob o nome de «neu
roses actuais» e que contrapôs às «psiconeuroses». Em
consequência dos rápidos progressos que a psicanálise
fazia no tocante à pesquisa das causas m entais das
neuroses, a «estase libidinal» (cujo conceito era origi
nalmente essencialmente som ático) suscitou nos analistas
um interesse menor. Ela significa, segundo a definição
de Freud, uma acumulação de substâncias bio-químicas
sexuais, acumulação que, segundo ele, provoca tensões
corporais e se manifesta como um impulso instintivo
28
para a satisfação sexual \ E as neuroses «que podemos
fazer decorrer de perturbações da vida sexual, manifes
tam a maior analogia clínica com os fenómenos da into
xicação e da abstinência, que surgem aquando da injec
ção regular de drogas euforisantes» (F reu d ). O conceito
de Irbido veio vindo, por i-sso, a significar cada vez mais
uma energia psíquica e biológica; no entanto, o interesse
pelo «núcleo actual (qu-er dizer, som ático) da neurose»
foi muito injustamente afectado por isso. Nos últimos dez
anos, nurrca mais se falou dele. 0 próprio Freud co n
tinua a ■defen-der frrmemente a sua teoria da 'neurose,
actual (D ie M ed izin der G egenwart irt Sexbstardsteilung
— Auto-retratos da M edicina Contemporânea — 1924)
embora desde essa da*ta não trate já deste aspeoto do
problema nas suas aulas.
Anos 'seguidos de estudo ininterrupto das causas,
das manifestações e dos efeitos da estase somática da
Irbido conduziram -me à convicção de que a teoria freu
diana das neuroses aotuais, que, do ponto de vista ana
lítico, resiste já a numerosas objecções, não só possui
grande valor heurístico, mas é também, como (teoria dos
fundamentos psicológicos das neuroses, um elemento
indispensável da psicopatologia e da teoria terapêutica
da análise. Assim, este trabalho tem igualmente por
objectivo relembrar que Freud nos indicou uma solução
do problema da base orgânica das neuroses e demons
trar que podemos tirar partido, teórica e praticamente,
da sua descoberta por demais e por muito tempo m e
nosprezada.
29
CAPÍTULO I
O CONFLITO NEURÓTICO
31
moraI não ter coragem para tolerar a satrsfação dos
instintos, não sentindo também força para lhes proib'r
as reivindicações ou para resolvê-los duma forma ou
doutra; pois, para isso, haveria primeiro que conhece r-
-ihe cs impulsos e uma ta! consciência ou se encorvira
ausente ou incompleta. O ego fica com medo ao menor
sinal de impulso «imoral» e d-esembaraça-se de tal im
pulso, recalcando-o; este «recalcamento» pode assumir
diversas formas; pode-se pura e sim plesmente negar ou
menosprezar o impulso instintual interdito, ou tam bém ,
para oompensar, acentuar a atitude oposta, ou inclusi
vam ente eliminar totalm ente da consciência a imagem
do primeiro impulso (amnésia histérica) e jugular todo
e qualquer movim ento susoeptível de realizar o com por
tam ento afectivo correspondente. Mas a reivindicação
instintiva assim recalcada não perde p or isso o seu
impulso, (pelo contrário, vê-se reforçada pela «estase»
da energia sexual não resolvida: o perigo consiste então
em que esta reivindicação 'escape ao controle da refle
xão consciente. Na altura própria, conforme as circuns
tâncias concretas, ela ou há ide romper o «contra-inves
tim ento» ou a «resistência» do eu; contudo, esta «rup
tura do recalcam ento» que representa o segundo ao to
do processo da neurose, nunca pode ser levada a cabo
sem compromisso, pois o ego apoia-se tam bém para sua
defesa sobre poderosas instâncias mentais que o con
ceito d e «moral» tomado no sentido vulgar resume bas
tante bem. Resulta daqui portanto uma satisfação dis
farçada dos instintos; esta satisfação não será reconhe
cida enquanto ta l pela consciência ou, caso se m anifeste
de forma menos velada, será ressentida com o «estranha
ao eu, com o um constrangim ento e será rejeitada.
A té aqui, ninguém teria nada a dizer aos resultados
psicanalkicos de Freud. Mas quando Freud começou a
mostrar que os desejos sexuais eram forçosamente parte
integrante das pulsões recalcadas, começaram logo a
fazer-se ouvir veem entes protestos. Freud bem replicou
aos que acusavam levianamente a psicanálise de «pan-
-sexualismo»; em vão. Dizia ele: cm primeiro lugar, a
moral que rejeita a sexualidade participa na formação
d'a neurose, ou melhor, e9ta nem sequer se pode íc; mar
32
sem que o ego se oponha aos seus instintos; em segundo
lugar, para além do*s desejos sexuais, os desejos egoístas
cruéis, etc., contribuem também para criar a neurose,
sem exercerem contudo com tanta regularidade uma
pressão tão forte. Não obstante, julgando que podia
vairrer toda esta teoria corn a palavra «pan-sexualismo»,
uma parte d o mundo científico não se preocupou com
verificá-ía criticam ente.
Outros há que seguem com um olhar circunspecto
os resultados da psicanálise (q u e ide início eram tidos
como charlatanice) e, aceitando-os embora parcialmente
como uma descoberta original, minimizam e deformam
o seu alcance: raros são os que utilizam a experiência
adquiirida por Freud no dom ínio da téonica psicanalitica
para se convencerem da exactidão da sua teoria.
Não foi sem in ten çã o que relembram os aq u i as
posições dos adversários -da psicanálise. Com efeito,
como nos empenhamos em dem onstrar o pape! prepon
derante que a impotência d o homem e a frigidez da
mulher desempenham na neurose, voltamos a debru-
çar-no-s sobre o que Freud disse para atenuar a oposição
de ordem afectiva à sua teoria das neuroses. Repetia
efectivam ente com insistência que o seu conceito de
sexualidade era miais lato do que o conceito corrente,
que «genital» e «sexual» não significavam a mesma
corsa (caso contrário, não poderíamos designar por
perturbações se x u a is 1 perversões como a cuprofagia ou
o fetichism o). Ele demonstrou que, paralelam ente à sexua
lidade genital, encontramos ‘tendências que nada têm a
v e r com as zonas genitais, tendências a que ele chama
pulsões pré-genitais parciais; tais «tendências buscam
satisfazer-se pela excitação de certas «zonas erógenas»
(boca, ânus, e tc ....) e podemos muito t>em designá-las
como sexuais, pois que desempenham um papel impor
tante nos «preliminares» do com ércio sexual normal;
quando não se subordinam ao primado da genitalidade,
aspiram, enquanto perversões, a d eter o exclusivo da
satisfação sexual. Em m uitos escritos d e Freud, esta
33
insistência sobre a diferença conceptual entre o que é
«genital» e o que é «sexual» dá muito a ideia do uma
vontade de tranquilizar os espíritos quanto às conse
quências da sua descoberta; mas esses esforços fcram
baldados, pois o seu ensinamento sobre a sexualidade
infantil e o erotismo anal defrontou-se com resistências
afeotivas tão grandes e tão numerosas com o ante
riormente.
Baseando-se nesse alargamento do conceito de se
xualidade, Freud veio a concluir daí que nenhuma neu
rose se podia desenvolver sem conflito sexual *; q u e r
dizer, não eram só as ipulsões genitais que podiam apa
recer com o sintomas: às pufsões pré-genitais parciais
podia acontecer o mesmo. Por outras palavras, o recal
cam ento duma pulsão parcial provoca directam ente sin
tom as neuróticos particulares que lhe servem de satis
fação disfarçada. É o que se passa, por exem plo, com
a arcai idade recalcada pela prisão-d e-ventre nervosa, com
o erotismo ora! nos vóm itos histéricos, com a genitali-
dade na sexualidade em «arco de c írc u lo » 4, com o sa
dismo no respeitante a rnúmeros aotos compulsivos e
a medidas obsessivas de evitação: um conflito iactua»
pode desencadear uma neurose com a m anifestação que
Jhe corresponde em determ inado domínio. Queremos
agora provar que os conflitos sexuais no sentido res
trito (inibições, recalcam ento e fragmentações das ten
dências genitais) são a causa do sintoma e do cònfliro
neuróticos; é certo que nem sempre os originam direc
tam ente, mas desempenham sistem aticam ente um papel
dinâmico im portante na form ação da base reacciortal
34
sobre que se edifica o conflito da neurose. Ou mefhor.
como os conflitos sexuais se encontram ligados à per
petuação do processo neurótico, a sua eliminação desem
penha, segundo pensamos, um papel cruciai na terapia
psicanalíticá das neuroses; para nós, essa terapia con
siste, acima de tudo, em exercer uma influência sobre
a base reaccional da neurose.
Não há neurose sem perturbações da função genital;
esta observação p ro porei ona r-nos-á uma primeira prova
da exactidão da nossa concepção. As duas estatísticas
que se seguem mostram que, na maioria dos casos,
estas perturbações, tonge de serem subtis, com o as que
encontramos inclusivamente em homens relativam ente
sãos, atacam pelo contrário as funções elementares da
vida dos oasais e o conjunto do equilíbrio psico-genital.
O medo da sexualidade e a abstinência neurótica são as
perturbações que encontramos com mais frequência; en
contramos assim todas as formas conhecidas de im po
tência ereotiva (incapacidade de erecção to ta l, parcial
ou ocasional), todas as perturbações da ejaculação (e ja
culação precoce ou «ante portas» — antes da penetração
— ou incapacidade para ejacular) e todas as formas de
frigidez (frieza sexual com pleta, insensibilidade vaginal
parcial ou total, vaginismo, e t c ....) . Assim, portanto, a
gravidade da perturbação da potência corresponde è
gravidade da neurose e há até nevroses de sintoma
único que são acompanhadas por graves perturbações
da função genital. A mesma correspondência é válida
para certas neuroses caracteriais sem sintomas aparentes.
Além disso, faoto bem característico, entre os doentes
que suportam mal o envelhecim ento, não encontramos
nenhum que possa apresentar uma vida sexual equili
brada no período anterior à idade crítica. Pana com ple
tar este conspecto, assinalemos tam bém todas as formas
dos caracteres impulsivos e os casos de toxicomania
em que a genitalidade se encontra sempre gravemente
perturbada.
35
durante um ano (d e Novem bro de 1923 a Novem bro
de 1924)
17 afirmam-se potentes
18 afirmam -se apenas impotentes
69 são neuróticos « abstinentes
27 são neuróticos e incapazes d e erecção
14 são neuróticos e sofrem de ejaculação precoce
9 são perversos e incapazes de erecção
5 estão na idade orítioa
7 sofrem de neurose actual no seguim-emo de coito
interrupto
Em 91 pacientes mulheres
36
deiram ente capazes de erecção recrutam-se nos eritró-
fobos \ os obsessivos e os caracteres sádico-narctsicos.
A segunda estatística abnange os casos que tratei
pessoalmente peHa anátóse.
D e 41 pacientes homens
37
D e 31 pacientes mulheres
38
do período em que os primeiros interesses eróticos in
tensos da criança e voltavam para as pessoas que 3
rodeavam: pais, irmãos ou irmãs mais velhos, ama, cria
das, e tc .... 0 fantasma sexual e a tendência que leva
à descarga motriz da tensão assrm criada, levam inevi
tavelm ente à masturbação. É na actividade onanista que
vêm então cristalizar-se todas as aspirações sexuais. O
simples facto de, no neurótico, uma grande parte ou até
a quase totalidade dos interesses libidi-nais se retirar
dos objectos reais e se deslocar para representações
imaginárias implica já uma menor aptidão para se adap
tar à -realidade e, portanto, uma menor potência em
todos os sentidos da palavra. M as uma potência sexual
menor ou u>m -menor interesse pelas possibilidades de
satisfação sexual que se abrem na realidade não signi
fica ainda im potência. Será possível que uma neurose
se desenvolva a partir de pulsões sexuais que se situam
exteriorm ente à esfera genital, sem que a função geni
tal tenha sido tesada? A libido genital seria então satis
feita, mas o doente 'teria além disso desejos p ré -geni
tais por satisfazer os quais buscariam na neurose satis
fações de substituição. M as a experiência ensina-nos
que as reivindicações que não são satisfeitas, nem sub li*
madas, não podendo inserir-se no conjunto das aspirações
individuais, com o -tempo, se apoderam de um número
cada vez m aior de interesses, perturbando assim a uni
dade da vida sexual; já não é possível viver nada de total.
Pode acontecer que, de início, tal pouco dano cause
ao trabalho social, pors, na 'maioria dos oasos, este se
encontra bastante afastado da vida pessoal. Em contra
partida, no domínio cia vida sexual que, do ponto de
vista físico e psicológico, culmina no orgasmo, a capa
cidade de unificar as aspirações sexuais e cu-lturais ó
essencial. A economia e o equilíbrio do orgasmo depen
dem disso.
39
CAPÍTULO II
A POTÊNCIA ORGÁSTICA
41
-se da curva de potência orgástica que à frente apre
sentamos
Começaremos por expor os progressos operados,
no decurso da análise, por um paciente que, entre outras
consas, sofria de ejaculação precoce e de masturba
ção excessiva.
42
A
Fig 1
43
A
44
Na altura em que se submeteu à análise, o paciente
tinha relações sexuais inter femora 2 ou ad n a te s a acom
panhadas por fantasmas homossexuais mal censurados o
por uma boa potência erectiva. Agia assim, dizia ele,
porque não queria engravidar a mulher, mas o medo de
penetrar na vagina era tão evidente nos seus sonhos
que lhe pude m ostrar claramente como os m otivos invo
cados eram de facto pura racionalização. Quis provar-me
que me enganava, mas, quando tentou de novo o coito,
«a coisa explodiu» antes mesmo de ter tomado posição.
A análise dos sonhos subsequentes a este fracasso m os
trou que o paciente tinha medo de alguma coisa peri
gosa que supunha existir dentro da vagina. M ais tarde,
ele próprio interpretou a sua ejaculação precoce como
sendo a expressão do m edo de use demorar» demasiado
na « boca do lobo».
Quando esse medo e alguns outros conteúdos psí
quicos, que até aí tinham permanecido inconscientes,
se lhe tornaram conscientes, conseguiu voltar a realizar
o coito. Segundo as suas próprias palavras, nunca tinha
sentido antes uma satisfação tão intensa. Consagrou
nitidam ente menos tem pos aos preparativos, porque er-j
menor o m edo do coito, tendo este durado três vezes
mais tem po do que com a m ulher que amava antes da
doença — isto é, um pouco menos de dois minutos;
a excitação, que a princípio era lenta, cresceu a umn
rapidez cada vez maior; pela primeira vez, não teve
fantasmas durante o acto; sentiu depóis um cansaço
agradável por todo o corpo, e não um cansaço pesado
«unicamente na cabeça» como sucedia depois da m as*
turbação ou da ejaculação precoce. A curva da figura 4
mostra a evolução dessa excitação.
45
A
Fig. 4
46
Consequentemente, (no acto sexual isento de ansie
dade, de desprazer e de fantasmas) a intensidade do
prazer final do orgasmo é directam ente proporcional à
quantidade de tensão sexual concentrada na zona genital,
isto é, é tanto maior quanto mais amplo e mais abrupto
for o «crescendo» da excitação.
Vamos agora descrever de um ponto de vista feno-
m enológico o acto sexual satisfatório, limit?ndo-nos n
algumas das fases e modos de com porta mentos típicos.
Não vaile a pena fazer uma descrição da íisiologia do
acto sexuetl, tendo em conta a grande quantidade e a
'boa qualidade de trabalhos que há já sobre o assunto
na literatura especializada. Também não tomaremos em
conta os preliminares, que são determinados pelas di
versas necessidades individuais e dos quais se não pode
extrair qualquer lei. Quanto aos processos de excitação
do sistema vaso-vegetativo, tratá-los-emos no capítulo 4.
na medida em que puderem ser entendidos como fe
nómenos.
47
tica no homem: com efeito, pode haver erecções provo
cadas por simples exoitações sensoriais que não susci
tem um tal desejo; é o caso, por exemplo, de 'muitos
caracteres narcísicos potentes.
48
camente no momento da introdução, de maneira sem e
lhante no homem e na mulher. A impressão de «ser
absorvido» que o homem sente corresponde, na mulher,
à impressão <cde aspirar o membro viril».
4) No homem, a necessidade de penetrar profun
damente aumenta, sem tomar no entanto a forma sádica
de uma vontade de «perfurar», como aconteoe nos
caracteres obsessivos. Por meio de fricções reciprocas,
espontâneas e sem constrangimento, a excitação con
centra-se à superfície do pénis e na glande, assim como
na parte posterior da mucosa vagina!. A sensação carac
terística que anuncia e depois acompanha a emissão do
esperma está ainda totalm ente ausente {contrariamente
ao que acontece na ejaculação precoce). O corpo encon
tra-se ainda menos excitado do que os orgãos genitais
e a consciência dirige-se totalm ente para a percepção
das sensações de prazer; o ego participa nessa activi
dade tentando esgotar todas as possibilidades de prazer
e atingir a mais a Ha tensão antes que chegue o orgasmo.
ê evidente que tal não é fruto de uma reflexão plena
m ente consciente; pelo contrário, trata-se de um processo
automático de modificação da posição, da fricção e do
seu ritmo, etc., processo este que varia segundo as
experiências anteriores de cada indivíduo. Segundo tes
temunhos bastante coincidentes de homens e de mulheres
org a sti camente potentes, as sensações de prazer são
tanto mais fortes, quanto mais lervta, mais doce e har
moniosa é a fricção entre os dois parceiros, o que pres
supõe tam bém uma grande capacidade de identificação
entre ambos. As correspondentes sensações patológicas
consistem na necessidade de fricção violenta, acom pa
nhada de uma insensibilização parcial do pénis (isto
dá-se nos cairacteres obsessivos sádicos, que sofrem
de impossibilidade de ejaculação) e na pressa nervosa
de quem sofre de ejaculação precoce. Segundo infor
mações que recolhemos, os indivíduos orgástica mente
potentes não falam nem riem durante o aoto sexual
— com excepção d e algumas palavras ternas. Falar ou
rir i-ndica graves perturbações na faculdade de aban
dono, a qual pressupõe uma <atençã-o integralmente con
centrada sobre a sensação de prazer.
49
5) Nesta primeira fase, a interrupção da fric ç ã )
é, em si, agradável. Por um lado, não exige 'nenhum
esforço mental especial e é acompanhada por sensações
de prazer próprias do repouso. Por outro lado, permitç
prolongar o coito, já que a excitação decresce um tanto
durante o repouso, sem no entanto desaparecer com ple
tamente, como sucede em casos patológicos. Nesta fase,
nem sequer a interrupção do acto sexual pela saída do
pénis é ressentida como desagradável nesse momento,
'desde que se efectue durante uma pausa. Quando a fric
ção ‘recomeça, a excitação volta a subir progressiva
mente acima do nível precedente e alastra pouco a
pouco ao corpo inteiro, ao passo que a excitação dos
orgãos genitais permanece mais ou menos constante.
Por fim, depois de uma subida, geralm ente brusca, da
excitação genital, mstata-se a segunda fase.
50
produzem-se contracções espasmódicas que aceleram a
emissão do esperma: neste caso, os músculos lisos da
vagina contraem-se tam bém na m ulher (é o que H.
Deutsch chama a sucção pela vagina).
d) Nesta altura, a interrupção do acto provoca
um desprazer absoluto tanto no homem com o na mulher
Com efeito, neste caso, ias contracções que levam ao
orgasmo e à ejaculação no homem, em lugar de se efec
tuarem de forma rítm ica tornam -se espasmódicas, o que
arrasta consigo um desprazer intenso e por vezes até
sensações de d o r na reg*ião pélvica e nos rins. 'Além
disso, no processo espasmódico, a ejaculação dá-se mais
cedo do que no processo rftmioo ininterrupto.
A té certo ponto, o prolongam ento voluntário da
'primeira fase do acto sexual (de 1 a 5 ) é inofensivo,
antes contrrbuindo para intensificar o prazer. Em contra
partida, a interrupção ou *a modificação da evolução
da excitação, durante a segunda fase é nociva, pois esta
fase já é de tipo reflexo e envolve o sistema nervoso.
Terem os que v o ltar a este assunto na parte clínica (neu
rastenia, consequências do coito interrom pido).
7) Ao tornrarem-se progressivamente mais fortes
e frequentes, as contracções musculares fazem com que
a excitação aumente d e form a rápida e abrupta até ao
auge (de III até (A ) na figura 5 ). Normalm ente, o clímax
cokrckle com a primeira contracção muscular ejacu-
♦atória.
8) Depois sobrevêm um toldar mais ou menos
profundo da consciência. Após uma diminuição m om en
tânea no ponto mais alto do clímax, a fricção tornasse
espontaneamente mais intensa e a necessidade de pene
trar «a fu n d o » ' mais forte e cada contracção dos mús
culos ejaculatórios. Na mulher, as contracções muscu
lares seguem a mesma evolução que no homem. Do
ponto de vista psíquico, a única diferença é que, durante
e 'logo após o clímax, a m ulher sã deseja «receber
51
totalm ente» (voltarem os a falar das identificações recí
procas e de outras diferenças d« comportam ento nos
dois sexos). No momento do clímax, a respiração con-
tém-se; escapa-se depois em violentas expirações, que
se transformam geralmente em gritos na mulher.
9 ) A excitação orgástica apodera-se então de todo
o corpo e provoca uma viva actividade de toda a mus
culatura. As observações pessoais de mulheres e ds
homens saudáveis, bem como a análise de certas per
turbações do orgasmo, mostram-nos que o que nós
chamamos libertação da tensão e que experim entamos
como descarga motora (a parte descendente -da curva
do orgasmo) provêm antes de -tudo do refluxo da exci
tação em todo o corpo. Este refluxo é, além disso, e x p e
rimentado como uma queda repentina -da tensão.
O clímax representa assim a passagem da fase
«genitópeta» à fase «genitófuga» (Ferenczi) da excitação.
Só o aspecto genitófugo constitui a satisfação, na sua
significação dupla: a inversão do sentido da excitação
e a descarga das partes genitais.
10) Am es de se atingir o ponto zero, a excitação
diminui devagar e é im-edrata m ente substituída p or uma
agradável descontracção física e menta!. Geralmente, so
brevêm tam bém um intenso desejo de dormir. As rela
ções sensuais desaparecem mas subsiste uma atitude
«de plenitude» e de ternura em relação ao companheiro,
à qual se ju n ta , por vezes, um s e n tim e n to de re c o
nhecimento.
Pelo contrário, o indivíduo orgasticamente i-mpo
tente sente uma lassidão pesada, nojo, repugnância,
repulsa, por vezes ódio pela mulher. No caso da sati-
•ríase e da ninfomania, a excitação sexual não desapa
rece. As mulheres reagem m uitas vezes com insónia,
sinal muito característico d e insatisfação sexual. Em
contrapartida, não se deve concluir apressadamente que
o paciente está saciado quando deolara adormecer im e
diatam ente depois do aoto.
V oltando a oonsiderar as duas fases do acto sexual,
podemos ver que a primeira é principalmente marcada
pela experiência sensível, a segunda pela experiência
motora.
52
Encontra-se muito espalhada a ideia de que o atrasa
do orgasmo na mulher seria de origem fisiológica. Che
gou-se inclusivamente a procurar uma explicação bioló-
gioa para este fenómeno. 0 atraso no surgimento do
orgasmo feminino teria, por exem plo, o sentido bioló
gico seguinte: obter uma segunda ejaculação p or parte
do hom em a fim de garantir uma fecundação mais
segura (U rb ac h ). Com efeito, é verdade que a mulher
atinge mais dificilm ente o orgasmo que o homem; no
entanto há que abstrair o caso em que sobrevêm um
atraso (relativ o ) do orgasmo feminino porque o homem
atinge demasiado cedo o clímax. Baseando-se na média
de Loewenfeld, que é de dez minutos, Furbinger con
sidera que o aoto normal dura entre cinco e quinze
minutos, o que corresponde tam bém à nossa estimativa.
é claro que não se pode ainda falar de caso patológico,
quando um homem ejacula em média ao cabo de um a
três minutos, mas tam bém não o podem os considerar
como potente, pois sabemos por experiência que essa
«ejaculação prematura própria da natureza de certos
homens com pletam ente sãos» (Furbinger) tem p or causa
inibições específicas. Lembramos o caso do paciente,
que, antes da análise atingia um orgasmo ao cabo de
meio minuto e que, depois d e ter tom ado consciência
do seu m edo do coito conseguiu prolongar para mais
do dobro o tem po de fricção. Esse tipo de ejaculação
prematura que não se pode ainda chamar patológica,
pode ter outras causas e abordá-las-emos no capítulo V III
intitulado: «Significação social das tendências genitais».
À p arte estes, nas mulheres, subsistem outros m oti
vos específicos que determinam o atraso do orgasmo etn
pessoas saudáveis. Por um lado, a moral sexual dúplice
impõe mais fortem ente à mulher do que ao homem a
recusa da sexualidade; por outro lado, o desejo na m u
lher d e ser homem, pode certam ente te r uma influência
perturbadora no desenrolar contínuo da excitação sem
chegar necessariamente a entravar totalm ente a plenitude
da satisfação. Uma vez suprimidas estas inibições, a
evolução da excitação feminina não difere do desenrolar
da excitação masculina.
Num como no outro sexo, o orgasmo é mais intenso
53
quando os máximos das duas excitações genitais coin*
cidem. Isto acontece m uito frequentem ente nos indi
víduos que podem concentrar num companhoiro a sua
ternura © a sua sensu aí idade e nele encontram eco; ô
a regra quando as relações amorosas não são perturba-
doras nem a p artir do interior, nem *a p artir do exterior.
Em tais casos, os fantasmas conscientes, pelo menos,
encontram-se com pletam ente eliminados; o ego está
integralmente absorvido peta percepção do prazer e inte
gra-se nele sem dispersão. A capacidade d e concentração
momentânea de toda a personalidade na experiência
genital, e isto apesar de numerosos obstáculos, tal p od e
ria ser a definição fenom enológica da potência orgástica.
Haverá tam bém ausência d e fantasmas inconscientes?
Ê mais difícil dar resposta a esta questão, mas alguns
indícios levam a pensar que sim. Os fantasmas que têm
o acesso à consciência vedado só podem .perturbar o
orgasmo. No entanto, de entre os fantasmas que acom
panham o acto sexual, há qu<e distinguir os q u e estão
em harmonia com o objecto e a experiência sexuais
e os que a eles se opõem. Se, peto menos m om enta
neamente, o companheiro rea4 está em condições de
concentrar nele todos os interesses libidinais, os fan
tasmas inconscientes são inúteis, já que na sua essên
cia, o fantasma se opõe à vivência actual, porque nunca
imaginamos o que podem os obter na -realidade. Em
resumo, há autêntica transferência do objecto prim itivo
para o objecto de substituição: o objecto real pode
substituir o objecto do fantasma, já que coincidem nos
seus traços fundamentais. M as a situação já é diferente
quando a transferência dos interesses sexuais se faz,
apesar do companheiro não corresponder,, nos seus tra
ços fundamentais, ao objecto do fantasma. Dá-se então,
simplesmente, uma 'busca neurótica do objecto prim i
tiv o , não sendo o psiquismo capaz de uma verdadeira
transferência. Neste caso, nenhuma ilusão pode fazer
com que se dissipe o sentim ento difuso d e falta de sin
ceridade nas relações. Enquanto no caso da transferên
cia autêntica, não existe desilusão depois d o acto sexual,
esta é inevitável no caso da transferência não autêntica
No segundo caso, podemos supor que, ao invés de ser
54
interrompida durante o acto sexual, a construção de
fantasmas serviu antes para m anter a ilusão. No primeiro
caso, pelo contrário, o objecto primitivo perdeu o inte
resse, assim como a faculdade de produção de fantas
mas, pois se encarnou no objecto real. Já não existe,
na transferência aútêntica, sobres ti maçã o do parceiro;
as características que o opõem ao objecto primitivo
são avaliadas com exactidão e bem toleradas. Na trans
ferência não autêntica, as ilusões predominam, a id eali
zação é exoessiva; os aspectos contraditórios não são
apreendidos (recalcam ento), o trabalho da imaginação
não pode parar sob pena de deixar escapar a ilusão.
M a s quanto mais a imaginação tem de funcionar
para identificar o objecto real com o objeoto prim itivo,
mais a satisfação perde em intensidade e em valor da
economia sexual. Até que ponto estas incom patibili
dades, que aparecem geralmente em todas as relações
humanas de certa duração, fazem diminuir a intensidade
da experiência sexual? Tal depende inteiramente da sua
natureza. Esta diminuição transformar-se-á tanto mais
depressa em perturbação patogênica quanto mais forte
for a fixação sobre o o bjecto prim itivo, quanto maior
for a inaptidão para efectuar a transferência e quanto
maior for o esforço para ultrapassar a aversão em rela
ção ao objecto real.
Chegamos assim às perturbações do orgasmo.
55
CAPÍTULO III
AS PERTURBAÇÕES PSÍQUICAS DO
ORGASM O
57
em sentido estrito uma ajuda para o nosso problema.
A este respeito, há sem dúvida que assaoar culpas a
uma certa timidez em faiar do clímax da experiência
sexual do homem e a entrar em detalhes quando se
interrogam ou analisam doentes. Ora só estes detalhes
nos podem fornecer informações decisivas. Por si pró
prios, os doentes nunca falam desses problemas. Foi
por essa razão que, quando comecei a dedicar uma
atenção muito especial à impotência e à frigidez que
a companh am reg u Ia rm ente a neurose, m e escapara m ,
de início, as perturbações do orgasmo na sua grande
variedade.
Para além disto, poucos doentes sabem que tipo
de informação devem óar, mesmo quando compreendem
o que se fhes pergunta.
No decurso das nossas investigações, pareceu-nos
necessário atribuir ao conceito d e 'potência uma signi
ficação económica; foi assim que fom os levados a desen
volver a noção de «potência orgástica». D evo dizer que
esta forma de p ô r o problema e a explicação analítica
a que chegamos se revelaram extrem am ente frutuosas
no que ireapeita à economia da neurose para lá de todas
as expectativas \ Em tudo isto, basegi-me na id e » de
Freud, que foi o primeiro a ver e a dem onstrar que o
negrótico sofre de uma falta de satisfação e que, conse
quentem ente, tem que procurar o núcleo da neurose na
estase somática e psíquica da írbtdo. Proponho-me agora
provar que, mesmo quando o recalcamento sexual não
entrava a procura do objecto (ab stinên cia), ou os preli-
58
minares (im potência erectiva, insensibilidade), perturba,
em qualquer caso, o prazer final e impede, por isso
mesmo, a descontração das excitações libictónais.
Podemos descrever todas as perturbações psíquicas
do prazer final como constituindo desvios do tipo médio
de potência orgástica tal como o definimos.
■Por «impotência orgástica» entendemos a inaptidão
interna do indivkluo para atingir de forma duradoura
uma satisfação correspondente às reivindicações sexuais
e à estase libklinal do m om ento, mesmo quando se
encontra nas condições externas mais favoráveis.
Com o em geral os indivíduos orgasticamente im po
tentes possuem tam bém uma capacidade de sublimação
menos desenvolvida, resultam daí estases patológicas
crónicas da libido. Neste aspecto, a sua situação é
airvda pior do que a dos abstinentes ou a dos que não
experim entam nenhuma excitabilidade genital; porque,
como estão sujeitos às excitações genitais, encontram-
-se constantem ente num estado de tensão nitidamente
crescente, sem poderem atingir uma descontração que
todos estes factores tornam mais necessária ainda.
Supondo as outras funções intactas, podemos dis
tinguir quatro formas fundamentais para as pertur
bações da potência orgástica:
a ) Diminuição da potência orgástica: Por razões
internas, o orgasmo não corresponde às exigências Irbi-
dinais, de forma que subsistem estases somáticas e
psíqu-icas da Jibido (onanismo, corto onanista).
b ) Fragmentação do orgasmo: o período de exci
tação é directamente perturbado durante o acto sexual
(neurastra aguda).
c) Incapacidade absoluta de atingir o orgasmo:
insensibilidade vaginal perorai ou to tal, astenia (fraqueza)
genital.
d ) Excitação ninfomaníaca: mrvfomama, satiriase.
e) Diminuição da potência orgástica.
59
indivíduos sexualmente cínicos, homossexuais latentes,
solteirões, introvertidas esquizóides cujas relações o b jec
tais são pobres. Encontra-se também em homens que
vivem a genitalidade sob a forma de uma clivagem per
manente entre as suas componentes sentimentais e sen
suais, ou ainda nos que têm o hábito de frequentar pros
titutas, apesar de estas não corresponderem especifica
m ente ao objecto prim itivo. A diminuição da potência
orgástica que se instala ao fim de um certo tem po nos
onanistas é o único aspecto que apresenta interessa
clínico.
No caso de onanismo, o alim entar dos fantasmas,
o obrigá-los a modificarem-se, o reproduzir das sensa
ções de prazer que foram vividas no coito, são outros
tantos esforços que diminuem a satisfação, a ponto de
esta não poder libertar a tensão acumulada senão de
forma extrem am ente imperfeita. Desse ponto de vista, c
«coito onanista» (Ferenczi) com pessoas que não são d e
sejadas em nada difere do onanismo. À estase psíquica da
libido (desejo de amor não satisfeito) vem somar-se uma
estase somática mais ou menos imensa, porque a energia
empregue na constituição do fantasma, assim como as
tendências psíquicas que ficaram por satisfazer, c o ntri
buem para dim inuir a satisfação física. Não podemos
seguir Stekel, quando este pretende que o onanismo
seria a forma d e satisfação mais conveniente para certos
indivíduos. A experiência analítica não deixa a m e n o r
dúvida a este respeito: quem não ultrapassar o estado
fisiológico do onanismo no final da puberdade, c o nti
nuará fixado nos objectos infantis e com m edo do coito.
Além disso, uma vez assim estabelecida, a tendência
para o onanismo determinará posteriorm ente regressões
para desejos e objectos infantis em constante crescimento
e amplificação; estas regressões exigem, em contrapar
tida, a criação de um sistema de defesa mais vigoroso;
é por isso que muitas neuroses se declaram logo a seguir
à puberdade, alimentando-se das lutas travadas contra
o onanismo. Se o onanismo é totalm ente reprimido, to r
nando a estase somática patogênica, veremos acentua
rem-se com nitidez, na psíconeurose, os sinais de neu
rose actual. Regra geral, as primeiras manifestações da
60
presença definitiva da doença são a abundância de
sonhos diurnos, a irritabilidade, os actos de mau humor,
a agitação, a instabilidade no trabalho, as incontinências,
a insónia, etc. Em certos casos, Como afasta do onanista
o sentimento de culpabilidade e o medo de ver a sua
saúde afectada, a sugestão permite que se atenuem os
sintomas directam ente decorrentes do sentimento de
culpabilidade e do reforço da estase somática da libido.
M as não se pode combater a estase -psíquica da libido
pela sugestão: quando a refaça o de sugestão é inter
rompida, Im ediatamente a estase psíquioa provoca um
novo surto dos sentimentos d e culpaòrl idade e uma
tendência para a abstrnência total, provocando por isso
mesmo um novo aumento da estase somática.
A p 6s os estudos que sobre estes faotos Freud e a
sua escota realizaram, qualquer observador imparcial os
pode constatar, não se tornando já necessários quais
quer documentos clínicos pormenorizados. Pelo contrá
rio, bastam alguns exemplos para ilustrar a forma como
a Impotência orgástica relativa se man rfes ta nos neuró
ticos efectivam ente »potentes.
«Um homem de trinta e dois anos subm eteu-se à
análise tporque sofria de uma sensação de constante
mal-estar e -de um contínuo medo de corar. Manifestava
estas perturbações desde o seu segundo casamento:
ficara m uito ligado à prim eira mulher, que morrera, e
só voltara a casar por m otivos de ordem económica.
A su*a potência ereotiva nada deixava a desejar. Durante
a primeira entrevista, pretendeu sentir-se sexualmente
s a tis fe ito . Mas a partir das primeiras sessões de análise,
verificou-se que só praticava o acto sexual uma vez de
seis em seis semanas, aproximadamente, com a mulher,
que não desejava — e «por dever»; durante o acto pen
sava na sua primeira m ulher e comparava-a com a actual;
depois do acto, que até fisicamente não o satisfazia por
com pleto, sentia-se contente por «a coisa ter terminado».
Podemos considerar que este caso é típico da eri-
trofobia, na qual o doente se vê multas vezes obrigado
a lutar inconscientemente contra fantasmas homossexuais
e encontrar maneira d e compensar a sua impotência
durante o acto heterossexual, vendo-se condenado quanto
61
ao resto à insatisfação. Em doentes deste tipo, a estase
da libido não é menor do que naqueles que se forçam
à abstinência.
Concluímos que as contracções dos músculos geni
tais no m om ento da ejaculação só tornam a satisfação
possível se o aparelho psíquico da excitação se encon
trar em condições de produzir sensações de prazer sem
deparar com oposição. Além disso, a inibição psíquica
constitui obstácu-lo não só à plena concentração mas
tam bém à descarga d e excitação concentrada na zorrn
gemtal.
Embora o pano de fundo seja diferente, encontra-
mos a mesma forma de impotência orgástica em’ ho
mens efectivam ente potentes mas atingidos de neurose
obsessiva.
«U m homem de trinta e cinco anos que apresen
tava um carácter neurótico obsessivo típico e sofria dc
im potência erectiva, tinha conseguido, depois do casa-
m ento, atingir a erecção, graças ao tacto da mulher.
N o entanto, continuava a ter m edo da im potência e tinha
que estar sempre a provar a si próprio que a/iínâa era
potente. Por exem plo, fazia alguns m ovim entos de fric
ção e interrom pia o acto sexual. N ã o estava particular
m ente excitado, nem física nem psiquicamente e, quando
a ejaculação vinha, o ntvel da excitação não aumentava».
«L/m jo vem de dezanove anos subm eteu-se à aná
lise devido às suas ruminações obsessivas. Tinha bas
tantes relações e praticava o coito interrupto. Rara
m ente tinha mais do que uma relação com a mesma
rapariga, porque a desprezava ainda mais após o acto
do que antes; com efeitot para ele, o acto sexual repre
sentava uma espécie de «evacuação» comparável à de-
fecação, o que o não o im pedia de atribuir m uita im por
tância ao facto de te r já possuído um grande número
de mulheres. A satisfação pouco lhe im portava; pelo
contrário, nada lhe podia dar mais prazer do que o
desgosto de uma rapariga a quem «tivesse dado com
os pés». Este caso ilustra de form a nítida a substituição
das tendências genitais por tendências anais, sádicas
e narcísicas; é um problem a sobre o qual voltaremos
a falar em pormenor».
62
«Um paciente de vinte e um anos, cujo carácter
obsessivo se exprimia particularmente por uma penosa
obsessão dos números, tinha relações irequentes e go
zava de boa potência erectiva, mas não conseguia inter
rom per as contagens ao longo de todo o acto Levava
m uito tem po a ejacular e à custa de muito esforço, sem
que, por isso, a sensação de prazer aumentasse. Depois
do acto sexual, semia-se deprimido, tinha nojo e repulsj
pela mulher e não conseguia adorm ecer».
A impotência orgástica relativa que se manifesta
sob esta forma tem pouco a ver com a neurose e expri
me-se principalmente no caráoter. Ocupar-nos-emos dela
no capítulo V III (Significação social das tendências
genitais) .
Para terminar, digamos ainda que o orgasmo se
encontra perturbado quer quando a duração do acto
sexual é demasiado curta, quer quando é demasiado
longa. Se não durar o tem po bastante, o corpo não
concentra excitação suficiente na zona genital e a ejacu
lação produz-se a partir de uma excitação reduzida,
oomo é o caso do coito onanista e da ejaculação precoce.
Por outras palavras, a totalidade da libido disponível não
foi orgasticam ente satisfeita. Se, pelo contrário, o prazer
preliminar se 'prolongar e atrasar o orgasmo, em vez
da excitação <se concentrar na zona genital afim de se'
evacuada d e uma só vez, dá-se uma fibertação difusa
e sirpeffíciel das tensões e a ejaculação não traz senão
um prazer menor.
b ) Fragmentação do orgasmo
Resulta do facto de as inibições que se instauram
durante o acto sexual não se limitarem a baixar a exci
tação e a dim inuir a satisfação, mas virem tam bém per
turbar o curso fisiológroo da excitação em si. A figura 6
mostra a intermitência da fase ascensional da excitação
e ilustra o matfogro do prâzer final.
A fragm entação do orgasmo encontra-se sobretudo
em doentes que se queixam de abatim ento neurastênico
agudo: excitabilidade, repulsa pelo trabalho, estados de
lassidão, vagos mal-estares físicos, tais como dores nas
costas, picadas nas pernas, etc. Isto vai permitir-nos
reexaminar alguns problemas levantados por Freud du-
63
F ig . 6
64
a com eter recentemente nos seus estudos sobre a epi
lepsia; baseia a sua explicação no simples facto de as
diversas tendências existirem, sem se interrogar sobre
que papeJ especrfico cada uma delas desempenha no
estabelecimento dos diferentes aspectos da doença
Para compreandermos melhor o problema da neu
rastenia, convêm que antes de mais estabeleçamos a
distinção entre dois grandes grupos:
1) a neurastenia aguda: Declara-se brutalmente e
pode em muitos casos desaparecer ou pelo menos ser
atenuada, se se conseguirem eliminar certas deteriora
ções da vida sexual, no sentido Freudiano. Este tipo
encontra-se isento de muitos dos sintomas que caracte
rizam a outra forma da doença.
2) a neurastenia crónica (hipocondríaca) \ A sin
tomatologia da forma aguda desenvolve-se neste caso
em síndroma. Os seus sintoma« integrantes são os se
guintes: prisão de ventre crómca, herdada a maioria das
vezes da primeira infância, ílatulências intestinais, naú-
seas, falta de apetite, cabeça constantemente pesada,
ejacirlação precoce sem erecção ou antes da penetra
ção, enurese * ou esperm atorreiaB. Na forma aguda da
neurastenia, estes sintomas aparecem ‘apenas separada
mente ou então de forma pouco perceptível; só se con
gregam quando as deteriorações se tornam crónicas.
Quando nos interrogamos sobre a psicogénese da neu
rastenia, temos que distinguir dois casos: ou as repre
sentações mentais do desejo logram dissimular-se direc
tam ente nos sintomas, como é o caso da histeria ou
da neurose obsessiva; o u as inibições psíquicas que
resultam de pulsões conflituais se manifestam indirecta
m ente na doença. Podemos já dizer que o primeiro caso
corresponde à forma crónica da neurastenia e o segundo
à sua forma aguda. Mas neste capítulo ocupar-nos-enrvos
unicamente da forma aguda da neurastenia.
Se examinarmos as indicações obtidas peia simples
5 65
anamnese, podem os constatar que confirmam e iníirmam
a concepção freudiana da neurastenia. Por um lado,
no que respeita à masturbação ou às poluições, a res
posta é afirmativa; outros casos mostram que a pros-
tação apenas surgiu depois da repressão do onanismo
M uitas vezes, vím os a saber que estas poluições noctur
nas ou diurnas repetidas vieram substituir o onanismo.
M u itos pacientes masturbam-se excessivamente, isto é.
várias vezes ao dia, de form a obsessiva e com muito
pouca satisfação. Mas, por outro tedo, contra a hipótese
d e Freud, parece q ue duas constatações se impõem:
a primeira, é q ue muitos pacientes apresentam um qua
d ro d e swvtomes neurasténicos apesar d e se m astur
barem raram ente e terem m uito raram ente poluições; a
segunda, é que há que ter presentes os casos de ona-
nistas desenfreados que nunca sofreram de m anifesta
ções neurasténicas.
€ntre as 'diversas m an erra s de reagir ao onanismo
ou ao com ércio sexu-al, tom em os alguns exemptas que
nos ajudarão a ver mais claro.
66
m ente. Como a sua potência se mantinha, interrompeu
a análrse ao cabo de poucas sessões mais. Alguns meses
m&is tarde, voltou: a depressão persistia, bem como a
insatisfação no trabalho, apesar de já ser capaz de tr a
balhar, e de ter passa<fo a masturbar-se raramente; tinha
deixado de ter relações com prostitutas. Os outros sin
tom as não tinham reaparecido. Dificuldades exteriores
impossibilitaram a continuação da análise».
Não há dúvida que estamos perante um caso de
neurastenia que Freud classificaria com o clássico e que
revela uma infra-estrutura psiconeurótica (a fixação inces
tu o sa). Basta o desaparecimento duradouro dos sinto
mas neurasténicos, que sobrevêm ao abandono ou dando-
-se o caso disso, à limitação das práticas onanistas e
ao recomeço de um comércio sexual satisfatório, para
confirmar este postulado e-tio lógico. Estamos perante
uma neurastenia aguda, isenta dos sintomas que carac
terizam a sua forma crónica: prisão de ventre, dores
de cabeça, poluições e ejaculação precoce. O onanismo
é neste caso genital, sendo estimuíado precisamente
por farxtasfnas de coito.
67
à sugestão, uma explicação eliminou os pensamentos
inoportunos e diminuiu as perturbações».
Ressalta deste caso que não era a potência de
erecção e de ejaculação que estava perturbada, mas
unicamente a potência orgástica, devido a representa
ções inlbfdoras.
0 caso seguinte mostra que certos sin-tomas neu-
rasténicos podem manifestar-se também no seguimento
de uma abstinência psiconeurótica, o que é desconcer
tante: neste caso, com efeito, seria de esperar, não uma
neurastenia, mas sim uma neurose de angústia.
68
precoce) e a homossexualidade, não apresentava qual
quer outro sintoma. O paciente não se encontrava atin
gido por qualquer depressão digna desse nome; era, pelo
contrário, ligeiramente hipomaníaco I0, seguro de si — o
tipo exacto do homossexual narásico. Quando se m as
turbava, os seus fantasmas eram bissexuais e davam-lhe
satisfação. Tinha prazer com a m asturbação, sem inibi
ção nem sentim ento de culpabilidade conscientes. Ao
cabo de um ano, a análise foi coroada de êxito ( ca-
tam n ese ", durante seis anos): o paciente já não sente
desejos homossexuais, goza de completa potência, é
capaz de amar e deixou de praticar o onanismo.
69
menos satisfação perm ite obter. ( . . . ) Se, p or razões de
ordem psíquica ou física, o orranismo ( . . . ) não propor
cionar satisfação, eis que se perde a vantagem que
representa para o aparelho sexual a inactividade real,
que íhe permite reconstituir-se e preparar sem pertur
bações o ciclo seguinte. A 'modificação ocorrida no
ritm o da evolução da excitação, cuja curva manifesta
normalmente uma queda abrupta até ao eixo das abcis-
sas, perturba a tal pon to a função do aparelho sexual,
que este necessita de regenerasse enquanto se encontra
ainda num estado d e excitação parcial: as sensações
org&nicas e os mecanismos de secreção que se vêm
assim m odificados exercem um efeito d e irritação em
todo o corpo», (loc. c it. p . 7 8 ) M as Federn pensa que
o «efeito nooivo do onanismo ( . . . ) não reside tanto
no processo do aoto em si com o na reacção que lhe
é consecutiva», o que é exacto sobre os efeitos psíqui
cos (histeria de angústia, impotência, etc.) m as não no
que respeita aos efeitos somáticos neurasténicos, cujas
raízes se prendem directam ente ao curso perturbado do
acto sexual, seja qual fo r a origem que possa te r essa
perturbação. Oiz numa nota (p . 7 8 ): «Parece-me que 3
relação que se estabelece é a seguinte: os processos
que intervêm nos orgãos sexuais, em particular na prós
tata, sofrem a influência da inibição 'psíquica e tomam
posteriorm ente um caminho diferente, tendo o dispo
sitivo sexual que assumir uma maior carga de trabalho».
A tendência para a satisfação sexual vê portanto erguer
-se diante dela a barreira linibidora do sentim ento de
culpabilidade; é o que mostra directam ente a evolução
da excitação ao m odificasse; e, tornando-se mais difícil,
a satisfação fragm enta-se, não podendo a tensão, por
conseguinte, diminuir. Conform e o remorso seja diferido
na sua totalidade e apenas se instale após a masturbação,
ou opere uma dissooiação n*a própria experiência do
prazer, tem os consequências totalm ente diferentes. As
narrativas dos onanistas ensinam-nos q u e muitos deles
se libertam da inibição afastando m om entaneam ente
todos os escrúpulos, e obtêm satisfação na medida em
que o acto auto-erótico o perm ite, sendo apenas poste
riormente atingidos por remorsos. Na ocorrência, como
70
o sentimento de culpabilidade está provisoriamente au
sente, não pode prejudicar a experiência do prazer, nem
a liquidação da tensão. A coisa passa-se doutra maneira
quando os escrúpulos e as inibições surgem durante
o próprio acto. Neste caso, a perturbação do curso
fisiológico da excitação é de origem psíquica: assistimos
ao malogro do prazer, e não à queda brusca do orgasmo.
Restos de excitação, que não foram liquidados, subsis
tem necessariamente em quantidade mais ou menos
importante: sendo de natureza somática, vão ter um
□feito somático. É isso que explica que, no seguimento
de um período de abstinência ou após ter cessado a
prática do onanismo, surja, não a neurose de angústia,
mas sim uma neurastenia — e há que incfuir nos respec
tivos srntomas as sensações hipocondríacas.
Seria necessário proceder a investigações mais apu
radas para determ inar em que medida, para além da
perturbação psicogénica da evolução da excitação, as
ejaculações de esperma, quando abundantes, devem tam
bém elas ser consideradas como responsáveis pelos sin
tomas neurasténicos.
Examinemos mais de perto o que significa verda
deiramente a perturbação da evolução da excitação; não
há dúvida de que se trata de uma irritação do sistema
nervoso, devida à cessação de um mecanismo reflexo.
Para slém da actividade fantasmátioa, é a este resto
de excitação somática não liquidada que 'atribuímos um
popel m otor preponderante no onanismo excessivo: os
pacientes que se masturbam sem intervenção d e um
sentimento de culpabilidade estão pelo menos libertos
das suas tensões somáticas; depois do aoto, sentem-se
bem e deixam de pensar em masturbar-se, durante
um certo intervalo d e tempo mais ou menos regular.
Quanto mais contraditoriamente é vivida a experiência
de prazer durante o onanismo, maís fortes são, porém,
as perturbações somáticas que vêm juntar-se às pertur
bações psíquicas. Para provar este novo ponto d e vista,
recorremos a diversos comentários feitos durante o coló
quio sobre o onanismo. Ferenczi (loc. cit. p. 9 ) afirmava:
«É possível que a vaga de voluptuosidade se desfaça
normalmente sem deixar resíduos, mas há uma parte
71
da excitação que não -pode ser convenientemente reso!-
vda pela masturbação; esta quantidade de excitação
residual forneceria a explicação para a neurastenia em
geral». No entanto, tem de se limitar este resultado
exclusivamente ao onanismo contraditório, senão todos
os onanistas teriam de sofrer de neurastenia. Muitas vezes
acontece que o onanismo é praticado durante certo tempo
sem consequências nocivas, até que, com a proliferação
dos fantasmas ou a leitura de literatura de cordel, se
instalam sentimentos de culpabilidade e medo, que per
turbem a excitação e conduzem à neurastenia.
Quanto ao «coito onanista», se conduz ocasional
mente à neurastenia, é porque o conflito das instâncias
perturba a evolução da excitação. Neste ponto, conver
gimos com a opinião pertinente de Tausk (loc. cit. p, 16)
que notava um sentimento de culpabilidade apenas
«quando o onanismo não proporcionou satisfação com
pleta e quando a angústia se desenvolveu. Em contra
partida. pude observar que. nos casos em que o ona
nismo proporcionava um prazer com pleto, nenhum senti
m ento de culpabilidade se lhe encontrava ligado». No
entanto, há que inverter a explicação resu+tante d e s u
observação exacta: o onanismo produz prazer completo
quando o sentim ento de culpabilidade não tem efeitos
perturbadores durante o próprio acto.
Assim, portanto, a neurastenia aguda tem uma etio
logia directam ente somática e uma etiologia indirecta
m ente psíquica. Esta ocorre logo de início, e não so
encontra ausente em caso nenhum.
0 que acabámos de dizer da diminuição da potência
orgástica e da fragm entação do orgasmo no homem é
válido igualmente para as mulheres que se dedicam ao
onanismo d ito rid ia n o e são vaginalm ente insensíveis:
o papel sexual feminino foi recusado e reprim ido, mas a
fem inilidade física (falta de pénis, menstruação) con
tradiz os desejos de masculinidade conscientes e incons
cientes. Consequentem ente, a libido psíquica experimenta
muita dificuldade em encontrar satisfação, apesar de
alguns orgasmos relativam ente intensos poderem resol
ver tensões somáticas. Ao cabo de uma longa prática
onanista, os sentim entos de culpabilidade têm forçosa
72
mente que se declarar: assim aparecem perturbações da
evolução da excitação com as re s p e tiv a s consequências
que já descrevemos.
73
em que deve 'intervir a fase das contrações musculares
involuntárias; nessa altura, ou a excitação desaparece
de repente ou então afunda-se sem orgasmo. Esta segunda
forma de impotência orgástica substitui normalmente a
insensibilidade total ou parcial passageira, a part*r do
m omento em que, graças à análise, se pode eliminar os
principais obstáculos ao coito. É ela que levanta os pro
blemas mais interessantes à análise quanto à genrtali-
dade fem inina e resolvê-lo é o verdadeiro objectivo da
terapia da frigidez. E, consequentemente, este caso põe
o analista perante tarefas imensamente mais difíceis do
que a cura da insensibilidade. Com efeito, vemos no
restabelecimento da potência orgástica vaginal nas mulhe
res que não vivem em abstinência, um dos critérios
essenciais do sucesso do tratam ento e, por isso, vamos
dedicar a este assunto uma atenção especial.
A potência orgástica na m ulher depende, entre outras
coisas, da potência erectiva do homem, pois acontece
que mulheres vaginalm ente sensíveis e capazes d e .p o tê n
cia orgástica, não conseguem obter a satisfação final
a partir do m om ento em que o homem ejacula. Com
efeito, interpõe-se a representação perturbadora de que
o membro vai ficar flácido antes que ela possa atingir
a satisfação. Por vezes, esta representação instaura-se
desde o início do acto e a m ulher fica dominada pela
ideia de que tem que se apressar se quiser chegar a
tem po. Esforça-se por isso, e é precisamente por não
se abandonar calm am ente às suas sensações que a e xci
tação não aumenta; nem sequer quando a erecção do
homem perdura após a ejaculação. É significativo que,
nas mulheres, a excitação desaparece normalmente no
momento do orgasmo do homem; uma análise mais em
pormenor dá-nos a conhecer que, nesse mom ento, as
mulheres são presas de uma singular curiosidade e que
o bserv a m o hom em .
«Uma psicopata impulsiva1, totalm ente frígida, m o r
deu o marido na garganta durante um coito invertido 4
74
no m om ento em que este chegava ao orgasmo, de tal
forma que ele desmaiou. Durante a análise, reconheceu
que tinha experim entado muitas vezes este fantasma: a
m aior satisfação que a mulher podia sentir consistia em
castrar o homem no m om ento do orgasmo».
O que, neste caso, era totalm ente consciente, encon
tra-se, no estado inconsciente, em mulheres que sofrem
da perturbação do orgasmo d e que falámos mais acima.
Durante o co ito , a m ulher iderrtifica-se com o homem
e cede ao fantasma de se apropriar do seu membro.
Sente o seu am olecimento com uma dupla castração:
em primeiro lugar porque a estão a castrar, e em segundo
lugar porque ela castra o homem. Fica excitada enquanto
neda se opõe ao seu fantasma de ser homem. Perde a
excitação, ou mais precisamente, recusa a excitação
vaginal, no momento em que sente que vai perder o
membro que, por assim dizer, tomou de empréstimo.
A representação perturbadora de não poder atingir a
satisfação é portanto resultado inconsciente do medo
de não poder conservar o membro.
A mais frequente causa de impotência orgástica
na mulher é o medo do orgasmo, é m uito raro que a
inibição fique tã o à superfície com o no caso aqui men
cionado: uma paciente não conseguia atingir o orgasmo
porque o seu marido se tinha rido um dia no momento
do clímax — era a primeira vez que ela havia sentido
uma sensação orgástica — e tinha-lhe depois perguntado:
«Estavas no sétimo céu?» A partir dessa altura, a recor
dação deste procedimento, que foi sem dúvida desas
trado e falho de delicadeza, foi-lhe sempre causa de
inibição e só podia ter relações sexuais contra vontade
e sem prazer. Regrediu ncs seus fantasmas até às satis
fações in*íantis e depois, tendo-se proibido tais satisfa
ções, contraiu uma histeria de angústia.
Em muitos casos, é o medo de defecar ou de urinar
(lurarrte o orgasmo, que impede a sua consumação. Nas
mulheres que tèm uma analidade ou um erotismo ure-
tral m uito marcados, a representação do coito encon
tra-se associada desde a infância à defecação («concep
ção anal do c o ito » ). A relação tão singular entre o
afecto de angústia e a satisfação sexual, que foi eviden-
75
ciada e reconhecida como um fenómeno sistemático
graças aos estudos de Fre«d, faz-se sentir mais n itid a
mente na reacção natural das crianças em que a neces
sidade de urinar e de defecar se manifesta tanto depois
de uma experiência angustiante como depois de uma
excitação sexual.
«Um bom exemplo é o de uma paciente que, no
m om ento em que o orgasmo ia dar-se, foi subjugada
por Representações de angústia, começou a urinar e
não consegiu reter os gazes; cheia de vergonha e medo.
perdeu toda e qualquer excitação genital, tendo com e
çado a sofrer de insónia».
A análise de uma paoietvte ciclotrmica, «atingida por
uma neurastenia hipocondríaca crónica, dá-nos outras
informações no que respeita a gênese de uma tai inibi
ção do orgasmo.
«Quando se masturbava, entrç outros fantasmas,
tinha o fantasma masoquista de estar amarrada e fechada
numa jaula onde a deixavam morrer de fom e. ê aqui que
intervem a inibição do orgasmo. Via-se, com efeito, na
obrigação súbita de spensar numa forma que lhe perm i
tisse eliminar autom aticam ente os excrementos e a urina
de uma rapariga amarrada «que não deve mexer-se»,
(e m vez de «não p o d e»). Eis jum sonho que te v e
nessa altura:
Primeira parte: «De uma criatura simpática e gentil
tornei-m e um ente mau, enraivecido, teimoso e odioso.
M ais tarde, voltei a ser como dantes e disse ao meu
avô que a culpa era dele por causa do dedo (o u qual
quer coisa iparecida). Ele responde: «Não sabia que um
m em bro am putado (e le queria dizer «dedo») podia imis
cuir-se no carácter» (o u no intestino ou no ânus)»
Segunda parte: «Próximo de K. (v ila d e veraneio
dos seus três-quairo anos). Estou deitada num camião,
quase como na cama; estou entre dois carros que vão
cruzar-se; receio de que esmaguem o m eifr receio ficar
por debaixo deles e ter falta de ar. Evitam -m e pelo lado
esquerdo e receio que me toquem por trás, que acon
teça qualquer coisa atrás».
O trabalho anafkico tinha conseguido, ao cabo de
um ano, penetrar o sentido do seu masoquismo. O fan-
76
tasma que tinha, na puberdade por exemplo, de ser
obrigada pelo namorado a entregar-se a uma quantidade
de homens, num bordeft e de ser chicoteada por efes,
era apenas um m eio de se desculpar perante a sua
própria consciência e perante o seu próprio desejo de
coito: como era forçada, estava inocente, portanto. A ca
bou por se proibir a si/' própria mesmo este fantasma
hipócrita, porque ele continha e incluia em si aberta
m ente o acto sexual e continuou a masturbar-se apenas
com fantasmas masoquistas pré-genitais: batiam-lhe com
uma vassoura metálica até ficar com feridas onde lhe
punham depois sal e pimenta; ou então pregavam-lhe
pregos na carne; ou então, toda nua e com as mãos
amarradas (proibição do onanism o), tinha que comer
numa tijela, enquanto lhe deitavam p or erma tooetadas
de excrementos. Durante a análise, os fantasmas maso
quistas d e coito voltaram a aparecer abertam ente e ela
reconheceu na angústia d e castração a razão d e ser do
seu refúgio na satisfação pré-genital. O sonho mostrava
a cena onde a paciente vivera \a angústia de castração
relacionada com o m edo de defecar.
Com efeito, durante a interpretação do sonho, a
paciente iem brou-se da história do pequeno ByoH que
se afoga num lago enquanto os pais praticam o coito.
Os «dois carros que se vão cruzar» são os pais; ela
está deitada entre eles «quase como na cama». A o
descrever o sonho, que tinha sido parcialmente analisado,
a paciente acrescentou, s/em eu lho ter pedido: «O ona
nismo faz crescer os pequenos lábios, segundo ouvi
dizer durante uma aula; na altura tinha m edo de que
isso tam bém m e acontecesse e que se descobrisse tudo.
«Dois dedos ienfiados» (abgefahren) significa que os
dois lábios se alongaram, ficaram achatados porque
foram «esmagados» ( uberfahren). N o Pequeno Eyolf,
Ibsen não se lim ita a reprovar o facto d e as crianças
dormirem no m esm o quarto que os pais. m as (com o
faço tam bém no meu sonho) d iz mais isto ainda: quando
a criança está presente, não têm o direito de te r rela
ções e de a tratar como coisa de somenos importância
porque sempre «me pode acontecer» alguma coisa. No
fim de contas, o único perigo é o 'de que aconteça qual
77
quer coisa «atrás». (S em pre aquelas dores de barriga e
problemas intestinais). Precisam ente na véspera à noite
tinha tido flatulências e interroguei-m e se isso poderia
ter alguma relação com o lacto de estarmos a analisar
o m edo das relações sexuais. Os pais, em vez do sc
preocuparem exclusivamente consigo próprios, devem
tam bém preocupar-se comigo, é por isso que estou no
m eio. O meu avô ri-se porque está nu e urina orgulho
samente (o que não vem no sonho). Está a li, de pé,
como o rapaz que vi na véspera no jardim ». Para com
preendermos a relação que existe com o sonho em que
se encontrava nua, amarrada, fechada numa jaula, vamos
considerar outro sonho tido dois dias antes:
«Encontro-m e sentada num banco de cozinha, diante
de uma jaula onde há dois pássaros para yque estou a
olhar com um olhar prescrutador, como se tivesse que
examinar alguma coisa antes de os subm eter a uma ope
ração. Penso que não são coisas que se façam ent
público. Obscuridade». Depois lem brou-se de um sonho
de angústia da primerra infância: «Alguma coisa acon
teceu à m inha mãe, fo i operada».
Alguns dias entes lera num livro de Fliesse a palavra
«võgelrr» 13 (isto é: fazer a m o r). A jaula representa a sua
cama gradeada. A expressão: «Não são coisas que se
façam em público», diz respeito às flatulências e à defe-
cação. A paciente evitava desde há alguns anos quais
quer relações sociais, porque por várias vezes lhe tinha
acontecido «uma desgraça atrás», em presença de ho
mens que lhe tinham agradado: tinha tido diarreia. D u
rante uma sessão da análise até, era corrente não co n
seguir deixar de urinar e defecar quando a transferência
atingia o nível da excitabilidade sexual. Quando se deu
conta de que os fantasmas masoquistas tinham substi
tuído o coito invertido pela angústia, os fantasmas nor
mais de coito voltaram isentos de m edo, em conexão
com a transferência. N o entanto, no m om ento im ediata
m ente anterior ao Orgasmo, os fantasmas 'masoquistas
voltaram a aparecer. O m edo do coito tinha desapare
cido e tirvha sido reduzido à angústia isolada do orgasmo.
78
Com base nos factos já conhecidos foi-nos possível
reconstituir a cena prim itiva: enquanto dormia com seus
pais e escutava furtivam ente o coito deles,, tinha sido
invadida ( «amarrada») de angústia com a ideia de que
pudessem dar-se conta d e que ela os estava a observar;
não podia portanto mexer-se. A excitação sexual, m is
turada com o medo, exigia manifestar-se anai e uretral-
m ente: im pelida pela necessidade de Urinar e defecar,
desejava encontrar uma form a que lhe permitisse elimi
nar subrepticiam ente os excrementos. Estes tormentos
morais e físicos, que a criança te v e que suportar na
altura, ficaram mais tarde perm anentemente associados
ao prazer sexual e fixaram os fantasmas onanistas. A
concepção sádica do coito e a angústia de castração
tam bém tinham contribuído na m aior das medidas para
este resultado, mas o últim o elem ento era mais especi
ficam ente a 'motivação da fuga perante os perigos da
participação genital no masoquismo anal.
79
Por isso prefiro fazer o mesmo caminho em sentido
inverso; tenho a impressão de que você me pode ver,
gostaria de lhe mostrar como sou audaciosa, mas sinto-
me contente por o m eu marido aparecer aqui, de repente,
ò minha frente. >Se o meu marido não cair. passarei rap i
damente e você poderá apreciar a minha coragem. O
meu marido safta para o chão, mas eu não tenho cora
gem para saltar também».
Só nos preocuparemos com os elementos que se
ajustam ao nosso propósito. A ligeira saliência na parede
externa é o clitóris. Ela sobe « seguindo os contornos>>
do clitóris: tenta masturbar-se. Com efeito, apesar dos
protestos que apresentou, algumas formas de com por
tamento da paciente provaram que o m edo de se m as
turbar ou a angústia de castração não tinham sido ainda
totalm ente superados. Era assim que podia faiar calm a
m ente d o , onanismo, onanismo que tinha praticado na
infância e a partir da puberdade até à doença, onanismo
sobre o qual não tinha durante m uito tem po falado ao
analista, mas iic a v a sempre cheia de medo à ideia de
que poderia vir a reincidir. O que não indicava a liqui
dação do desejo recente de masturbação mas sim o
seu recalcamento. A este respeito, nada parecia estar
para se decidir nos tempos mais próximos, apesar da
abundância de provas do facto de a paciente lutar contra
o seu actual >desejo de onanismo. Por isso, disse-lhe
um dia que não podia acreditar nela quando m e afirmava
estar convencida da inocuidade do onanismo e já não
o temer, porque, \acrescentei, «você nunca se permitiria
masturbar-se se um tal desejo despertasse em si». A
paciente sustentou que já não tinha nem desejo nem
medos dessa ordem e, na sessão seguinte, contou-m e
o sonho que relatei. A telha desprende-se quando ela
está no cimo, isto é, antes do orgasmo ( « quando tinha
quase chegado ao cim o») e receia cair e morrer. A
paciente tinha-se subm eitdo à análise, porque tinha medo
de morrer de tuberculose, tendo imaginado na puber
dade que o onanismo e especialmente o orgasmo podiam
causar doenças nos pulmões. Queria m ostrar-m e com o
sonho que já não tinha m edo de mastubar-se, mas fica
contente com a chegada do marido, com o qual sobe
80
— isto ê, começa a ter relações. Durante o acto, a exci
tação «largava-a» sempre, quando o marido chegava ao
orgasmo («se o meu marido não cair...» e tc .). M as não
conseguia tam bém chegar à satisfação, mesmo quando
o marido não parava demasiado cedo. Era do orgasmo
em si que ela tinha medo (representava-o como uma
«queda»). Um dia em que sentira uma sensação compa
rável ao orgasmo, ao m asturbar-se, tinha «pensado em
m orrer». Uma outra paciente, que tinha sido totalm ente
libertada da frigidez pela análise e que já só em raras
ocasiões era orgasticamente im potente, narrou-me mais
tarde o que acontecia nesse caso: tinha a impressão de
subir cada vez mais alto sem ousar «saltar». Esta mesma
impressão foi descrita por uma psicopata esquizoide da
mesma maneira.
A resolução orgástica da tensão é experimentada
como uma queda, quando a angústia vem perturbar o
orgasmo. É sem dúvida isso que explica que tantos
sonhos de queda sejam sonhos de impotência. A angús
tia de castração substitui aqui com pletam ente o orgasmo.
M uitos indivíduos têm sensações genitais simultanea
mente angustiantes e excitantes quando mergulham o
olhar num precipício, ou simplesmente imaginam que
se lançam nele. O subir degraus, como símbolo sexual,
não representa, portanto, apenas um esforço, mas ta m
bém a subida de intensidade das sensações de prazer
durante o acto. Igualmente num baloiço, num ascensor
que desce rapidamente, num carro a descer, durante
uma descida abrupta de ski, se experimentam estas
sensações no coração e nos orgãos genitais, como unrwi
mistura de medo e de prazer. Tais sensações têm um
carácter especifico: «0 coração anda à roda» (em lingua
gem popular, «cair o coração aos pés») u, temos a
impressão de que «perdemos alguma coisa»; algumas
pessoas têm a sensação de que lhes estão a «puxar
as partes genitais». A sensação de angústia genital
manifesta-se na raiz do pénis. A base fisiológica da
equação simbólica coração-orgãos genitais (angústia-
6 81
-prazer) será objecto d e uma observação mais porm e
norizada no capítulo IV , b.
«Uma paciente, obsecada por ideias suicidas, estava
presa do fantasma seguinte: lançava-se da janela abaixo
no v a z io 18 e era o bom do seu avô que a recolhia em
baixo. A análise desvendou um fantasma de incesto.
Perguntando a esta paciente porque razão não era satis
feita pelo ortanismo, respondeu-me que tinha a im pres
são angustiante de ter de se d eitar de uma grande altura
por uma janela. Tem os portanto aqui a mesma represen
tação que no fantasm a de suicídio».
«U m paciente de carácter histérico e sujeito a um
m edo hipocondríaco d e catástrofes, tinha conseguido
uftra passar o seu m edo e tim idez sexuais, durante a
análise. Durante a análise do onanismo infantil, a que
se ligavam restos da sua angústia de castração, teve
o sonho seguinte, sonho de angústia em que o orgasmo
se encontra disfarçado sob o símbolo de uma queda
a pique (p erd a , castração):
«Um jo vem ,m uito be/o, encontra-se no cimo de
uma m ontanha. Há uma tempestad-e de neve, pensa ter-
s e perdido. Uma m ão de esqueleto, a m orte, segura-lhe
o braço e parece guiá-lo; trata-se manifestam ente de um
símbolo que indica que e/e está no caminho da perdição.
«Um homem e um rapaz caem num precipício; ao
mesmo tem po, um saco de levar a tiracolo esvazia-se.
o rapaz fica erwofvtdo por um líquido esbranquiçado.
A primeira p arte do sonho manifesta o receio das
consequências d a masturbaçõo; a angústia das catás
trofes (m e d o de morrer, de ficar lo u co ) aparecera-lhe
depois de uma visita a um centro de higiene onde tinha
visto feridas srfiriticas.
N a segunda parte, o «rapaz» representa o autor do
sonho e principalm ente os seus órgãos genitais. Na queda,
o seu saco (testícu lo s) esvazia-se (e ja c u la ç ã o ), o rapaz
82
(o m em bro) fica envolvido por um líquido esbranqui
çado (esperm a, afusão à ferida sififttica).
Na relação que associa os conceitos de morte (e
nascim ento), de castração e d e orgasmo, assim como
na sua exposição simbólica sob forma d e queda, acha
mos uma confirmação da hipótese de F eren cziM: este
apresenta efectivam ente a ejaculação do esperma como
o equivalente biológico (filogenético) de uma castra*
ção, tendo o mecanismo da erecção p or origem ume
tendência biológica para a a u to n o m ia ,T.
Por mais desconcertante que esta hipótese nos possa
parecer, é um facto que ao orgasmo se encontra ligado
o sentim ento de «perder qualquer coisa» ou «de per-
d e r-s e » M. Tem os que adm itir que a perda súbita da
tensão »Hbidinal, 'ligada à expulsão do esperma no homem
e a uma produção abundante da mucosidade na mulher,
constitui fundam ento directo desta sensação. No entanto,
o sentim ento de perder qualquer coisa poderia provir
mais particularm ente da angústia de castração prim itiva.
é o que parecem indicar os casos em que o orgasmo
é receado com o sensação poderosa que submerge, d o
mina, perturba e obscurece a consciência. Na primeira
vez, foi vivido, talvez com terror, na masturbação e,
mais tarde, ímagrna-se que a perda d e esperma e o
choque sentido pek> corpo poderiam v ir a te r efeitos
abafadores sobre os nervos. A angústia de castração
íofantil, reforçada pela literatura d e baixa qualtáads,
83
vem juntar-se à sensação corporal do orgasmo que è
demasiado violenta para * ser inicialmente vivida sem
angústia. Por esta razão, nos pacientes que praticam
a fricção manual dos órgãos genitais, e, sim ultanea
mente, evitam o orgasmo ou a ejaculação, há que admit;r
aue a angústia de castração se apoderou em primeira
instância da experiência perturbadora, do primeiro or
gasmo. A terapia destes casos deve ter o cuidado de
afastar a angústia relativa ao onanismo: é necessário
que estes doentes consigam masturbar-se sem medo.
Fig. 8
84
rante o acto; no momento mais fonte da tensão, uma
parte dissipa-se sem que se manifeste no corpo o refluxo
característico da excitação, o que quer dizer que â
inibição só sobrevem depois da concentração da excita
ção nos órgãos genitais.
«Um a mulher de vinte e oito anos quetxava-se de
insónias, de excitação sexual permanente e, além disso,
de ter necessidade de relações sexuais com uma grande
quantidade de homens. Durante as relações, sente sen
sações vaginais m uito agudas e atinge até, ao que
parece, frequentem ente a «satisfação». pepois do acto,
fica porém mais excitada ainda do que anteriormente
e não consegue adormecer. Perguntas precisas perm iti
ram -m e saber queA com efeito, sd tinha sentido a
queda orgástica da tensão num núm ero reduzido de
vezes, mas que tam bém apenas em tais casos tinha
conseguido chegar ao clímax. Com o marido, que sofria
ligeiram ente de ejaculação precoce, era quase vaginal-
mente insensível. Foi no acto sexual com outro homem,
muito potente, que sentiu pela primeira vez esse alto
grau de excitação que mencionámos. O casal ficou des
truído, mas o sentim ento de culpabilidade que resultou
deste primeiro adultério e que para a paciente era incons
ciente nunca mais deixou de a perturbar. Como esta
mulher não prosseguiu com a análise, não houve maneira
de saber por que razão a perturbação intervinha precisa
m ente antes d é a tensão se resolver, nem de que tipo
era a representação inibidora».
85
ções sexuais, nem sequer a penetração do membro.
Ficava deitada, «em tensão», «à escuta» a ver se «a
satisfação chegava». M as ao mínimo m ovim ento do
corpo, qualquer sentim ento de prazer desaparecia im e
diatam ente. Sofria, além disso, de insónia, de estados
de angústia e masturbava-se excessivamente, por vezes
dez vezes ao dia, com o cabo de trma faca. Conse
guia assim atingir um estado de excitação violento,
estado que impedia que se desenvolvesse até ao
fim , cessando as fricções. O recom eço e a interrupção
das fricções alternavam até que, com pletam ente esgo
tada, não conseguia atingir qualquer espécie de orgasmo,
ou então acabava p or fazer sangrar voluntariamente os
próprios órgãos genitais para conseguir a satisfação,
que estava ligada a fantasmas masoquistas. O sangrar
da vagina era condição da satisfação. O seu fantasma
consistia na penetração profunda do útero; «só na matriz
consigo ficar satisfeita». A o masturbar-se, imagina quu
os seus órgãos genitais, a que dá o nome d e Lotte,
são urrva raparigutnha. N ã o pára de lhes falar, e põe-nos
a responder. «Agora, minha menina, vais ficar satisfeita,
olha (is to passa-se durante a análise) o doutor está à
tua beira. T e m um m em bro bem comprido, mas tem
que te doer». Lotte: «N ão, não quero que me doa».
(C h o ra ) «Tens que sofrer para seres castigada pela tua
lubricidade; és uma carcassa humana. T em que te doer
ainda mais, a faca tem que te sair pelas costas». E
assim p or diante. O onanismo representa para a paciente
um pecado grave relativam ente ao qual nenhum castigo
é bastante forte. D este m odo, faz participar consciente
m ente nos seus fantasmas todos os homens que conhece,
bem como «M a m i», uma analista com quem procedeu
a um tratam ento de oito meses, três anos antes. ( Após
dois anos de cura aparente, a paciente sofreu uma
recaída).
O pai da paciente, uma irmã mais velha e um irmão
mais novo são aparentem ente saudáveis e bem adapta
dos à vida. O pai é visivelm ente um ser submisso e a
mulher, dominadora: form avam um casal infeliz. A mãe
tinha desde sempre obrigado tudo a andar a toque de
86
caixa, em casa. N a altura da análise, um irmão mais
vefho cumpria uma pena p or crime de «violação».
A paciente sentia-se m al tratada e rejeitada pela
mãe. Este papel de criança renegada e m al amada, esfor-
çava-se por recriá-lo na transferência, que era muito
violenta ( a análise desenrolava-se quase totalm ente sob
o signo da acção ). Depois de te r terminado uma primeira
ligação com o prim eiro analista assistente (um a mulher
como vim os), a ambivalência em relação à mãe surgiu
livrem ente. Pedia a presença da «M a m i», sem nela reco
nhecer a sua própria m ãe, argumentando que não podia
amar uma mãe que a tinha renegado, batido, m altratado
e não se preocupava com ela (o que era verdade). O
seu fantasma era m am ar em novas «M am is» que have
riam sempre de ser escolhidas por ela; os seus desejos
do seio materno ocupavam o primeiro plano. Foi-nos
possível compreender as queixas de que se lamentava,
a saber4 que pagava pelos outros e sofria com isso.
quando soubemos que aos oito anos tinha fantasmas do
género: a m ãe trabalha numa estalagem e a paciente
noutra. A m ãe, que leva com o pai uma vida (conjugal
desastrosa, recebe frequentem ente visitas de um senhor
a q ue dá o nom e de «conde». U m dia, apresentam a
paciente a esse senhor. Desde então, a criança pensa
ter sido renegada pela mãe, por ser filha do conde e
por isso perturbar a mãe. Imagina que (n ã o pudemos
averiguar se se tratava de algo real ou de um fantasm a)
o conde a violenta com a cumplicidade da m ãe {v e r
o seu fantasm a da m asturbação). S ente tim grande m em
bro penetrar-lhe na vagina, o que lhe provoca grandes
dores. Está num quarto escuro, e perto dela alguém lhe
pede para não gritar e ficar quieta. M ais tarde, a aná
lise trouxe à superfície um fantasma semelhante (ou
uma reminiscência obscura?) que datava do seu quarto
ano de idade: é levada por dois homens (o s hóspedes
de seus pais) para um quarto de aluguer; um {feles
segura-a, outro introduz-the pela força o grande membro
na vagina. Quer gritar, mas não consegue. Lembra-se
perfeitam ente de jogos sexuais com rapazes da sua
idade, praticados numa cave. jogos esses que datavam
da primeira infância. Aos nove anos. tinha relações
87
sexuais com o irmão mais velho. Por volta dos seis
anos, enquanto brincava com um dos irmãos que então
contava dois anos, viu-lhe o mem bro e tentou introduzir
nele uma agulha de tricot: o pénis começou a sangrar
e a paciente, a puxar por ele: os gritos do irmão fize
ram acudir a mãe que lhe bateu e lhe puxou os cabelos
Aos doze anos, tendo arranjado um emprego como
ama de crianças, passou quase todas as noites com o
patrão, durante dois anos, mas sem ter com ele quais
quer relações. Aos quinze anos, pensou estar grávida;
a menstruação desapareceu durante três anos conse
cutivos e só voltou depois da interrupção da primeira
análise. Teve então a ideia de atar um pedaço de madeira
na vagina. M ais tarde, vinha muitas vezes para as ses
sões com uma faca na vagina, o que, como é óbvio,
era impossível sem espasmo vaginal.
O onanismo, tal como ela o praticava, surgira aos
quinze anos, depois de uma noite passada no mesmo
quarto que o pai. Tinha tido um pesadelo angustiante,
esquecera-o e acordara m uito cedo de manhã, deitada
no chão. A arm ação da cama estava partida. O pai per-
guntou-lhe o que tinha feito durante a noite, sem exigir
mais nada. A té hoje, a análise ainda não conseguiu
esclarecer este pormenor. Mas tudo leva a crer que a
proximidade do pai tenha tido sobre ela um efeito de
excitação, levando-a a um sonho angustiante. £ de
supor que a paciente se tenha masturbado durante
essa noite.
A doença voltou a declarar-se depois de a paciente
ter conhecido um sádico que a vergastava, lhe puxavx
os cabelos, a injuriava e, além disso, a obrigava a pra
ticar acções criminosas. Foi assim que por duas vezes
a obrigou a levar-lhe raparigas pequenas, que foi forçada
a roubar, etc. Simultaneamente, chamava-lhe o «seu m e
lhor amigo», não podia viver sem ele e não hesitava
em segui-lo na rua durante horas. Durante a análise,
só a m uito custo e perante a ameaça de interrupção
de cura, conseguiu afastar-se dele. A paciente operou
então im ediatam ente uma transferência das suas dispo
sições masoquistas sobre o médico; trouxe um chicote
para a sessão de análise e fez questão de se despir
para ser batida. Foi preciso uma intervenção muito firme
para a demover disso. Seguiu-me na rua, veio ver-m e
a minha casa às dez horas da noite. Não desistia: eu
tinha que ter relações com ela ou que lhe bater; tinha
de ter um filho meu, só eu podia satisfazê-la. Isto durou
aproximadamente oito meses; nenhuma explicação, ne~
nhuma exortação deram o menor resultado. Quando fazia
qualquer coisa de mal, masturbava-se mais ainda e mais
vezes, «para se castigar»; «tenho de rebentar», dizia.
No oitavo mês da análise, tentou envenenar a irmã mais
velha e o marido. Tendo em conta circunstâncias que
não vale a pena mencionar aqui, não restam dúvidas
sobre este ponto. A paciente esquecera-se de tudo, mos
revelou o facto em sonhos e masturbando-se de forma
particularmente cruel. Alguns dias antes, trouxera para
a sessão veneno de ratos, que não tinha podido coibir-se
de juntar, porque a tentação fora demasiado forte. Só
proibindo-a estritamente e ameaçando-a de interromper
a análise pude continuar com o tratamento.
No décimo quarto mês de análise, a paciente lem-
brou-se de cenas com pletam ente esquecidas, relaciona
das com o quarto de dormir de seus pais. Assim se expli
caram as suas concepções sádicas do acto sexual e do
parto, e uma parte da sua angústia começou a dissipar-se;
a paciente arranjou emprego e comportou-se daí em
diante bastante bem. Caracteristicamente, passou a ser
alvo de uma necessidade muito forte de comer e com e
çou a engordar rapidamente, o que correspondia a um
fantasma oral de gravidez. Para obstacularizar a sua tcn-
dência para fazer arrastar indefinidamente a análise, e
tendo em conta que aparentem ente estávamos a atacar
já o ponto essencial, houve que fixar um prazo-Umite
para o tratam ento ( mais- seis m eses). Durante a discus
são das cenas no quarto dos pais, o onanismo duplicou
acompanhado por sentimentos de culpabilidade, tendo
sido necessário proibi-la de se masturbar. Esta proibi
ção era necessária porque já começavam a aparecer
feridas locais (m atriz descaída e perfuração).
M as a evidenciaçao do desejo incestuoso propria
mente dito, que estava totalm ente recalcado até então
não foi acompanhado por uma condenação desse deseio
89
por parte da paciente. Pelo contrário, a paciente com e
çou a te r o fantasma consciente de fazer amor com seu
pai e de ter um filho dele. Por vezes, os fantasmas
manifestavam-se em fortes alucinações. V ia um dem ó
nio que a insultava, dizendo que, apesar de todos os
seus esforços, não conseguiria im pedir-se de se mas
turbar. Este demónio tinha por vezes os traços do «conde»
e por vezes os de sua mãe. Representava os desejos
cruéis e incestuosos contra os quais a paciente tinha
de se defender e representava a m ãe e sobretudo o pai.
objecto especialmente proibido.
Desde a altura em que eu começara a redigir a
história desta doente, muitas coisas tinham melhorado
no seu estado de saúde. Depois de uma interrupção de
quatro meses, o tratam ento prosseguiu ainda durante
mais sete. D ei-m e então conta de um erro cuja correc
ção acarretaria uma melhoria d o estado da paciente.
Com efeito, de perguntas precisas que lhe fiz sobre c
decurso da excitação, ressaltou que nunca a paciente
conseguira atingir a satisfação, mesmo quando praticava
o onanismo com uma faca. N o seu discurso, apenas
tom ava em consideração a diferença entre a excitação
vaginal no onanismo e a insensibilidade no coito; por
esta razão, pensava ficar «satisfeita» com o onanismo.
quando apenas ficava m uito excitada. Confessou que,
quando começava a masturbar-se, a excitação vaginal
era murto forte: m odificava a «direcção da faca» logo
que sentia que «estava a chegar»; a excitação diminuia
então, para voltar ainda com mais força na vaga seguinte,
logo que recom eçava com as fricções. A m eu pedido,
desenhou a evolução da excitação, tal como está repre
sentada na figura 9. Acrescentou: «Quando mais exci-
90
Cada fico, mais cedo tenho de rebentar; fico com uma
angústia terrível, sinto uma lassidão e um abatim ento
extremos». Eu considerava durante m uito tempo, erra
damente, que o cansaço que se seguia à masturbação
era um sinal de satisfação, até que descobri a natureza
da lassidão e do abatim ento físicos. A paciente acabava
por ficar paralisada, depois de ter demorado a excitação
durante uma hora, e não porque a tensão desaparecesse,
mas peto contrário, em consequência de um cansaço
muscular e nervoso. A excitação corporal e psíquica
permaneciam, tanto antes com o depois; era isto que
explicava a sua m asturbação excessiva. Verem os ainda
que no caso da neurastenia crónica hipocondríaca a im
potência orgástica é a causa da m asturbação excessiva».
Quail era a representação que inibia a satisfação?
Quando se lhe perguntava o que a perturbava, tudo o
que conseguia dizer era que não podia deixar d e «escu
tar para ver se a satisfação chegava». O sentido da
expressão «escutar para ver se >a satisfação vtntia» ficou
esclarecido no dia em que a paciente acrescentou que
era com o se ouvisse «alguém entrar no quarto». Com o
correr dos meses, essa pessoa tom ou formes m ais pre
cisas e. em última análise, era sempre a m ãe a repre
sentada, por vezes através de alucinações d e grande
acuidade. N ão foi possível saber se, para além das
frustações enormes que já descrevemos, era ou não
necessário ter em conta outros traumas que teriam tam
bém constituído a origem da inibição do orgasmo. A
ideia de que poderia «rebentar» exprim ia o seu medo
de ser ferida na zona gerntal ■© -estava, como tal, d eter
minada pela vida real e associada à representação: «mãe
que ameaça e castiga». E no <entanto, não se encon
trava apenas sujeita ao receto de ser castrada pela m ãe,
porque desejava ao mesm o tem po ser satisfeita por ela;
ao masturbar-se com uma faca, castigava-se a si pró
pria; era sobre si própria que praticava a castração;
nos discursos que a si própria dirigia, ao masturbar-se;
fazia de mãe que castiga e ama, e, sim ultaneam ente, de
criança que fica exortada e deseja a satisfação. A faca,
que só por si produzia na doente uma enorme excita
ção, roubara-a a ume médica que quase tinha represen
91
tado para ela a perfeita imagem materna; significava
pénis materno. A paciente imaginava o membro inserido
na vagina durante o acto, e que a mãe possuía por isto
mesmo um pénis. «Desejo ser satisfeita pela minha mãe»
queria dizer mais profuridamente: «Quero que a minha
mãe me dê satisfação com o pénis que roubou a meu
pai». A associação desta ideia com o medo de se ferir
nos órgãos genitais baseava-se numa representação mais
profunda que fora reactivada de forma regressiva: a partir
do momento em que, durante a análise, perdeu -parte da
sua insensibilidade vaginal rvo coito, passou a estar cons
tantem ente preocupada com a ideia de saber se poderia
acontecer qualquer coisa à criança, no ventre da mãe,
quando esta tem relações sexuais. Pensava, com efeito,
que estava grávida e, por esta razão, receava as rela
ções sexuais. Em certos mom ento«, imaginava, d e modo
perfeitamente consciente, estar no ventre da mãe e ter
relações sexuais com o pai. V isto que a m ãe tinha sido
sempre para ela a personalidade dom inante, enquanto
o pai perdia sempre a luta conjugal, era explicável que
fosse a mãe a desempenhar o papel do homem no seu
fantasma. Compreendemos agora por que razão a prin
cipio a paciente só era vaginalm ente excitável no ona-
nismo com a faca, ao passo que no coito não sentia
nada: no onanismo era simultaneamente satisfeita e cas
tigada por sua mãe, enquanto que no coito precisava
de agir face a um homem concreto, que só podia recu
sar graças à sua estrutura 'libidinal actual e que n adj
tinha para lhe oferecer, já que o castigo pela dor, c o n
dição da excitação, se encontrava ausente. Apenas quando
a análise pode reconduzir o fantasma ao seu sentido
original, reactivando na transferência as suas disposi
ções femininas em relação ao pai e resolvendo uma
parte da sua fixação infantil de reacção à mãe, apenas
nessa altura foi restaurada a sensibilidade vaginal durante
o coito. A incapacidade de atingir a satisfação foi daí
em diante a expressão de um profundo sentim ento de
culpabilidade em relação à m ã e e de uma angústia de
castração no seu estado mais puro: ficar satisfeita signi
ficava ser castigada com a castração, pela m ãe («tenho
medo de rebentar») e, como o orgasmo tinha até então
92
representado para ela o castigo, era o medo do castigo
que a inibia.
Interpretar este processo dizendo que a paciente
não dese/ava a satisfação devkjo às suas mtenções de
auto-punição (interpretação que muitos analistas prefe
riram neste caso) deixaria sem explicação 'toda uma
série de 'factos. Por exemplo, a paoreme sem ia angústia
quando atingia o clímax. A satisfação era para ela um
acto severamente punível. Se o lauto-castigo fosse infa
livelm ente um «passaporte para outras acções» (A le -
xander), depois de se ter tão vivam ente castigado, a
paciente teria podido exaurir o prazer até ao -fim e sem
nentium sentim ento de culpabilidade. Mas não era este
o caso; pelo contrário, a satisfação escapava-lhe em
razão do seu sentim ento d e culpabilidade e da sua
angústia de castração. M esm o num caso tão marcad-a-
mente masoquista, vemos que o rnedo do castigo é
m ais forte do que a necessidade de castigo, o que nos
autoriza a tirar duas conclusões fundamentais:
1) Uma auto-punição podo te r por fim evitar uma
punição real vinda do exterior.
2) 0 sentim ento d e culpabilidade pode não ser
idêntico à necessidade de castigo: um homem que se
sente culpado tanto pode desejar um castigo como
tem ê-lo. Por exemplo, é possível que a necessidade de
castigo apareça como a prim eira verdadeira reacção ao
ódio pelo pai, ©araoterístíco do complexo de Édípo.
é, sem dúvida, necessário que estejam reunidas as con
dições específicas para que a angústia de castração se
transforme em grande parte em desejo de castração.
O caso olínico que acabámos d e examinar adm ite apenas,
no entanto, uma razão para a impotência orgástica:
a angústia de castração em relação à m ãe.
Vamos agora te n ta r resumir as diversas tendências
que condicionaram neste caso a impotência orgástica
e a satisfação:
1) Observação seoreta do coito dos pais; excita
ção genital que se esgota em casos onanistas; identi
ficação com a mãe; desejo de coito com o pai.
2) Sentimento de culpabilidade em relação à mãe,
por ter desejado a sua morte; traum a consecutivo a jogos
93
sexuais: a mãe atira-the uma faca e ohama-lhe «puta
lúbrica»: regressão ao estádio d e fixação ora! e activa
ção do fantasm a do ventre materno; o desejo d e incesto
mistura-se com os dois outros para produzir o fantasma
de estar no ventre da mãe a praticar o coito com o
pai («S ó fia matriz consigo ficar satisfeita»); a faca que
a m ãe lhe atira confunde-se com a representação do
membro paterno que o fantasma representa m uito c o m
prido e próprio para furar; este tom a mais tarde o lugar
de todos os valores Irbidinais do amor objectai, enquanto
a m ãe, a quem a paciente se entrega d e forma maso
quista por esta ser sim ultaneam ente o poder que cas
tiga, se substitui ao pai com o objecto de am or. «Oiço
chegar a satisfação» quer portanto dizer:
1) «Oiço chegar a minha m ãe que é a única pessoa
que pode satisfazer^me» e
2) «Oiço chegar a minha mãe que m e va'i castigar
po>r causa da mrrrha má acção»; é desta forma que a
excitação vaginal, que tem por objeotivo a satisfação
e a punição, passa a ser o clímax da satisfação, e o or
gasmo, mas igualm ente o d im a x do castigo, a castração,
que a paciente tenta evitar.
94
CAPÍTULO IV
95
fendia o mesmo ponto de vista que para a neurastenia
(ver Capítulo l!-l, b): segundo ele, não existiria a neurose
actual, porque mesmo nessas formas de doença psíquica,
poder-se-iam pôr em evidência os conflitos mentais típi
cos (c o m p lexo s ). 0 próprio Freud nunca pensou que
as neuroses actuais, não pudessem ter também uma e tio
logia específica, Pelo contrário, formulou expressamente
o desejo de que as investigações ultériores relativas
a este problema pusessem em evidência uma etiologia
deste género; bastaria mostrar que os complexos des
cobertos, se tornaram 'também patogênicos. Por outras
palavras, a etiologia deve ser específica.
Mais tarde, J o n e s 3 e S e if11 voltaram à questão das
relações entre a neurose d e angústia e a histeria de
angústia. Jones chegou à conclusão de que «a causa
essencial d e todas as espécies de estados de angústia
reside numa falta d e satisfação psíquica da libido; a
angústia tem origem na tendência inata para o medo
e as suas 'manifestações excessivas são uma defesa
contra os desejos sexuais recalcados. Em qualquer dos
casos, desempenham um papel im portante e são muitas
vezes até, os únicos. Os factores físicos intervêm com
frequência, mas por si só, não bastam para suscitar
um estado de angústia. Aliás estes factores com portam
uma grande parcela de elem entos psíquicos. Não há
d'uvida que os la c tores físicos aparecem m uito mais
na neurose de angústia do que na 'histeria de angústia.
A neurose de angústia deve ser considerada como um
sintoma particular da histeria de angústia, que é o seu
conceito mais próxim o». Do mesmo modo, Seif resumia
o seu ponto de vista dizendo que a angústia »résulta
de uma estase da libido, mas que constitui tanto uma
«medida de protecção contra a Irbido sexual recalcada,
como um sucedâneo da satisfação», e que a propensão
%
para a angústia e o seu mecanismo nada lèm a ver com
a sexualidade.
Para resumir icdas es ias opiniões, podem estabe
lecer-se dois pontos de vista: a a n g ú stia p o d e ser e xp re s
são da lib id o recalcada (n e u ro se a c tu a !) ou sin a l de
uma defesa contra ela ( fo b ia ) ou am bas as coisas.
O problema não é simples e teremos de reexaminar e
pôr em ordem toda uma série de factos, anles de o
podermos abordar. Umas breves considerações de método
conduzir-nos-ão ao âmago do assunto.
A partir das conexões entre sintoma e personalidade
a psicanálise tenta inferir o sentido latente e o fim
secreto do sintoma, que, numa observação superficial,
aparece desprovido de sentido. Este m étodo não per
mite concluir qual é a fonte onde o sintoma vai buscar
a sua energia. Um sintoma, mesmo quando o seu sen
tido e o seu objectivo escondidos se tornaram cons
cientes, não desaparece necessariamente só por isso;
só pode ser definitivam ente eliminado se se lhe contar
a fonte de energia. Só este método merece o nome de
terapia causal. Em seguida, a propósito de cada sin
toma neurótico é necessário distinguir:
a) 0 s e n tid o p s ic o ló g ic o d o sin to m a : na sua fo r
mulação mais simples, entendemos por i-sso, as repre
sentações recalcadas, experiências, desejos, satisfações,
condutas de auto-puniçao, etc., que têm no sintoma
uma expressão disfarçada. Mas estes conteúdos não
poderiam produzir o sintoma se não estivessem «in vei-
tidos de afectos» isto é, ligados a energias ‘ínstintuais
bloqueadas. Entre as representações recalcadas que en
contramos como constituintes significativos na análise
de um sintoma, vieram juntar-9e acessoriamente ao sin
toma depois de este estar já formado. Isso torna-se
claro se compararmos o perfi(l instantâneo do sintoma
com a sua evolução. Stekel e os seus discípulos não
só não adnvtem a teoria da libido como também não
se preocupam com a origam infantil dos sintomas; assim,
é compreensível que nos seus trabalhos, confundam siste
m aticamente o sentido e a etiologia (a fonte) do sin
toma e que não sejam capazes de pôr em evidência
os respectivos mecanismos específicos. Limitam-se n
7 97
encontrar, em todas as doenças mentais, sempre os
mesmos «complexos» conhecidos e a explicar a doença
a partir deles. Mas o im portante, é a maneira de resolver
o conflito e as diferentes interacções específicas entre
pulsÕes e experiências vividas. E com isto não se preo
cupam eles nada.
to) O objectivo do sintoma: abstraindo dos o bjec
tivos económicos favorecidos pelo sintoma (descarga
da Irbido, alívio do sentim ento de culpabilidade, e tc .),
devemos entender por isto sobretudo o que se chama «o
benefício secundário da doença», que em todas as n eu
roses domina, m ais ou m enos nitidamente, o quadro
clínico. Uma vez constituída a neurose, como resultado
da 'resolução 'patológica d e um conflito, o doente u ti
liza-a para atingir fins determ inados, que têm sempre,
sem excepção, uma relação in-terna com as causas da
neurose. Esta tendência do sintoma é uma consequência,
nunca uma causa primária da neurose; no entanto, com
plica e agrava secundariamente o conflito neurótico, e
em muitos casos, disfarça com pletam ente as causas
primárias do conflito. A «Psicologia Individual» de Adler,
que é exclusivamente finalista, vê nestas disposições da
vontade neurótica e nos «objectivos fictícios» para os
quais tende o elem ento essencial da neurose, sem se
preocupar com as causas que constituem, para lá dos
objectivos que daí resultam, o verdadeiro domínio da
psicanálise de Freud.
c) Se nos interrogarmos sobre a natureza das ver
dadeiras causas de uma neurose, somos obrigados a ir
além da experiência vivida, que só se tornou importante
devido à sua tonalidade afectiva, e além dos objectivos
secundários da neurose até aos limites em que a psico
logia já não consegue dar conta da evolução dos ins
tintos. Esta evolução está subm etida a leis biológicas
e tem a sua origem, antes do mais, em processos fisio
lógicos que se desenrolam no aparelho das secreções
internas e no sistema nervoso correspondente. No que
diz respeito ao instinto sexual, tais relações estão bem
determ inadas e a definição freudiana do instinto, como
«conceito limite entre o m ental e o somático», é total-
m snte justificada neste caso, ao passo que, para as
98
relações entre o segundo tipo de instinto, o instinto dc
destruição, e o somático não existe, p or assim dizer,
nada de determinado. Enquanto psicologia dos instintos
assim definidos, a psicanálise estabeleceu já as mais
estreita-s relações com a biologia, e, na base da sua
teoria das neuroses, está igualmente muito figada a
teoria das neuroses.
Assim, na origem de um sintoma, entram em jogo
energias instintuais que se alim entam , sem cessar, de
processos somáticos, provavelmente bio*q ui micos (secre
ções internas). M as no plano psíquico aparecem como
forças instituais ou como afectos e ligam-se entre si,
sob estas formas, a representações ou experiências viv i
das. No que respeita aos quatro aspectos característicos
do instinto, evidenciados por Freud, a origem e a força
correspondem ao aspecto bio-fisiológico, o objectivo e
o objecto ao aspecto psicológico do respectivo conceito.
Esta distinção é apenas uma aproximação grosseira, p o r
que a força d e um instinto é tam bém apreendida psico
logicam ente como um desprazer, quando não se atinge
a satisfação; no entanto, o fenómeno começa por surgir
sob a forma de uma tensão corporal. É o alívio da tensão
desagradável que constitui a satisfação, sentida no dom í
nio sexual com o uma impressão de prazer específico.
Este m ovim ento do instinto sexual do desprazer para
o prazer constitui o princípio regulador do prazer-
-desprazer, que, segundo a descoberta freudiana, rege
essencialmente a psique neurótica, bem com o a da
criança e a do prim itivo. A pretensa função biológica do
plasma germirrador, ou seja, a «conservação da espécie
é garantida pelo «prémio de prazer» (Freud) que se
encontra ligado principalm ente ao aparelho genital. Se
é evidente que o princípio d e prazer é um princípio
biológico e que o «princípio de realidade» (Freud) é um
princípio social regulador do instinto, e que este último
suscita o conflito neurótioo, a neurose pode então ser
reduzida à sua «»pressão m ais simples: é um conflito
entre o plasma germinador (instinto sexual, princípio de
prazer) e o mundo exterior restritivo (m oral, princípio
de realidade, super-ego, com o representante do mundo
exterior no seio do e g o ). E não existe m eihor prova
99
da justeza desta expressão do que o facto seguinte:
as perturbações da potência são um sintoma típico d “
todas as neuroses.
Qual é portanto, a relação entre as perturbações
da função genital e o processo neurótico?
No que diz respeito à psiconeurose a resposta nu.)
é difícil. Seja qual for o esaádio de desenvolvimento
mental durante o qual o conflito neurótico se instala,
o recalcamento atinge sempre, -de forma primária ou
secundária, as pulsões genitais. Separa-as mais ou menos
da motricidade, ou limita-se a dividi-las em ternura e
sensualidade, ou ainda, serve-se dos diferentes mecanis
mos inibidores que encontramos nas 'formas da neurose
individual. Por sua vez, a inibição da função genital
implica uma estase somática da libido, que vem juntar-
-se à estase psíquioa e deste modo agudiza, reforça e
complica consideravelm ente, -na forma secundária, o con
flito neurótico. Vemos assim que na sua origem não
com porta necessariamente elementos patológicos; só
passa a ser conflito neurótico, com todas as suas con
sequências, quando se the junta a estase somática da
libido, isto é, quando é criada a fonte d e energia que
alimentará a formação do sintoma. 0 recalcamento duma
pufsão não produz im ediatam ente sintomas. -Estes só
aparecem quando a pulsão consegue destruir o recal
cam ento, abrindo as defesas do ego, o que devemos
atribuir em prim eiro tugar, à energia instrntual 'bloqueada.
As tensões e sensações corporais próprias da neurastenia,
da neurose de angústia ou da hipocondria surgem com
regularidade no início de um processo neurótico, sendo
a expressão imediata da estase som ática da libido. Isto
é ainda confirm ado pelo facto de existir sempre um
tintervalo de tem po, mais ou menos longo, após a p e r
turbação da função genital, entre o recalcamento e a
form ação de sintomas, ê particularm ente evidente no
caso da eritrofobia, p or exemplo: o doente ‘luta durante
meses ou anos contra a masturbação e consegue final
mente reprim i-la com pletam ente. A tim idez em socie
dade, que já existia antes, com eça por dim inuir e só é
sensivelmente reforçada mais tarde, em circunstâncias
geralm ente banais, semanas ou meses depois da pri
100
meira rubescência e de todos os fenômenos correlativos
da neurose actual.
Antes de abordarmos as subtis relações causais
existentes entre a psiconeurose e o núcleo da neurose
aotual sempre presente, vamos tratar primeiro do pro
blema da angústia actual.
101
meio do recalcam ento d e representações carregadas de
afectos e da blocagem da elim inação normal da energia;
este conflito faria assim aparecer os mesmos sintomas
que, noutras ocasiões, se 'manifestam ao m vel desse
mesmo sistema nervoso mas com uma etiologia dife
rente. A escolha deste sistema som ático poderia expli
car-se a partir d e uma disposição (que, por ora, apenas
podemos supor) de uma «complacência somática», como
diz Freud; mas, com o nada sabemos sobre a natureza
de tal disposição, temos que abandonar neste ponto
um pouco o rigor científico. Reteremos apenas que na
neurose vaso-motora histérica existem energias de o ri
gem genital que aíimentam o sistema 'vaso-vegetativo.
A rubescência p o d e representar um acto de exibição
genital, e os arrepios fie cabeça podem representar a
masturbação ou a castração; as sensações d e calor são
muitas vezes expressão d e uma excitabilidade genital
somática que tem vedado o acesso ao consciente; a
diarreia pode m anifestar tanto a angústia, como a e x c i
tação sexual. Nos im potentes a quem falta a erecção no
m omento da tentativa de coito, existe muitas vezes
uma transpiração abundante, e a análise dos fantasmas
e dos sonhos põe em evidência a nostalgia do seio
materno ou ainda a identificação do corpo com o pénis;
os músculos vaso-diiatadores passaram a funcionar em
toda a superfície do corpo e não apenas ao nível
do membro, e foi assim que a transpiração se manifestou.
M as terá sido a identificação psíquica que provocou
a transpiração? Terá sido o desejo inconsciente de voltar
inteiram ente ao seio materno que originou, p or assim
dizer, a erecção da pele? É evidente que não. Apenas
podemos pensar que a excitação somática que acompa
nhava o desejo d e co ito atinge os vaso-dMatadores da
pele, por não te r acesso à zona genital devido à angústia
ou à inibição psíquica. O conteúdo da representação,
que descobrimos através da análrse do sintoma, dirige
então a excitação, que se detivera devido a uma inrbi
ção, para os órgãos apropriados do p onto de vista psí
quico e erógeno. é o m esm o processo que produz as
já referidas sensações de calor. Estas foram prim eiro
suscitadas pela excitação sexual e carregadas de repre
102
sentações sexuais, tenha a excitação sido apreendida
ou não como t a l Como as sensações de calor acompa
nham igualmente a excitação sexual normal, o processo
fisiológico não pode ser considerado como um sintoma
de conversão. A única coisa que é patológica, é o facto
de a sensação genital não ser captada como tal. Em vez
de excitação sexual ou de angústia, muitos histéricos
sentem arrepies de frio.
«Uma paciente que sentia muitas vezes uma excita
ção genital durante as sessões, tinha arrepios sempre
que se sentia frustrada pelo médico. O sentido psicoló
gico destes arrepios era o desejo preconsciertte d e ser
aquecida pelo médico como se este fosse uma mãe,
mas só podia exprimir-se desta forma quando a paciente
substituía a sua excitação libidinal por uma angústia,
a qual, com o afecto de angústia, excitava tam bém o
sistema vegetativo cutâneo».
Os sintomas da neurose vaso-motora podem surgir
por várias razões, e são expressão de irritação do sis
tema nervoso vegetativo. Na doença de Basedow, este
sistema á irritado p or uma perturbação funcional da
trróide. Quando surge um perigo real, os mesmos sinto
mas surgem como expressão e manifestação correlativas
do terror; serão estes sintomas consequências directas
ou indirectas do medo? Quais são as energias e os
meios que o medo utiliza neste caso? Aqui temos um
problema com plexo, a cujo es c la re c im e n to s anólise das
fobias pode dar apreciável contributo. M>as somos de
opinião que se deve tom ar como ponto d e partida para
este estudo um fenómervo simples; p or exem plo, as
manifestações de intoxicação pela nicotina.
A auto-observação revela neste caso que o primeiro
sinal de intoxroação pela nicotina consiste no apareci
mento de taquicardia; uma breve assistolia opera a tran
sição para a taquicardia. No momento em que cessa a
perturbação cardíaca aparece a angústia; vêm depois as
vertigens, as náuseas e os suores. A angústia que na
sua origem era desprovida de conteúdo entra, a pouco
e pouco, em relação com o m edo de morrer; este medo
tem origem na ideia racional de que o abuso do tabaco
pode provocar uma artério-esclerose da coronária e por
103
conseguinte, uma morte prematura. Nos casos em que
a taquicardia se prolonga e se acentua, o medo de
morrer aumenta também; passa a ser actual e vai inten
sificar, 'po-r sua vez e de modo secundário, os fenómenos
cardíacos vaso-motores. A ordem de entrada em cen.i
dos sintomas corresponde inteiramente ao desenvolvi
mento subsequente das relações causais: a intoxicação
pela nicotina atinge o sistema neuro-vegetativo, e s \j
irritação provoca primeiro a taquicardia, depois o u t r o s
fenómenos gerais e é acompanhada por uma angústia
sem conteúdo, que se •liga, em segundo lugar, ao medo
da morte. No que respeita ao nosso problema da angús
tia na neurose actual, apenas nos interessa por agora,
o relacionamento da arritmia cardíaca e da taquicardia
com a angústia flutuante. Temos de proceder a uma
ligeira correcção da ideia que até aqui possuíamos sobro
a génese da angústia actual. Temos que abandonar a
concepção segundo a qual os sintomas vaso-motores
da neurose de angústia freudiana seriam apenas equiva
lentes da angústia; há que substituí-la pela seguinte con
cepção: a angústia flutuante é um fenómeno que acom
panha uma forma determinada de irritação vegeta ti v»
da actividade cardíaca. Se, agora, em vez da nicotina,
pensarmos em substâncias sexuais somáticas que não
tenha-m sido assimiladas fisiologicamente de forma co r
recta, podemos ver claramente a etiologia da angúsfi 1
actual: a estase libidinal provoca uma irritação do s i s
tema vaso-vegetativo sob a forma de uma neurose car
díaca, a qual constitui sempre o ponto central da sinto
matologia da neurose de angústia; como na intoxicação
pela nicotina, na doença de B-asedow e na angina dá
peito, a angústia surge imediatamente da irritação da a c ti
vidade cardíaca e o problema da transformação da líbidn
em angústia fica assim suprimido. Tal co-mo a nicotina
nos casos de intoxicação, devemos pois considerar a
estase como sendo causa mediata da angústia na neu
rose de angústra.
Para já, continuamos a defender que a angústM
tanto pode ser consequência como causa dos fenómenos
vaso-motores, como por exemplo, no caso do medo
Cabe-nos agora a tarefa de esclarecer, na medida do
104
possível, por um lado, as relações entre a angústia ::
a irritação cardíaca de origem vegetativa, e. por outro
lado, as relações que existem entre a libido e o sistenm
neuro-vegetativo, ou, pe'o menos, formuiar a problemá
tica destas relações
Os especialistas da angina de peito ccncordarn
geralmente em que as irritações na condução sensitiva
que provocam extra-sístoles, taquicardia, assistolia, etc ,
ocorrem acompanhadas por um sentimento de ançjústi-j
mais ou menos acentuado. Segundo Brissau c, «o senti
mento específico de um perigo de vida é inerente a
todas as sensações que vêm do coração». Rothberger
escreve: «O sentimento da iminência da morte (na an
gina de p eito ) não deve ser considerado como uma
simples consequência da dor, mas como uma sensação
específica provocada pelo estado do coração; de outrn
maneira existiria tam bém em casos, em que, por razões
diferentes, dores violentas aparecem nas zonas perifé
ricas. Mesm o quando, nos casos de angina de peito,
os doentes não conseguem localizar exactamente a dor
sentem no entanto esse tipo de dor, totalm ente d ife
rente das dores cutâneas ou musculares». Lutembacher
descobriu que a angústia se manifesta já no caso de
uma ligerra distenção do coração. Braun caracteriza as
relações entre a angústia e os fenómenos cardíacos da
seguinte forma: « 0 coração, são ou doente, possui a
faculdade específica (filogenética) 7 de sentir a angústia:
e até podemos dizer que, de modo geral, não é possível
pensarmos no próprio coração sem experimentarmos uma
sensação algo semelhante à angústia. Em todos os graus
de angústia, existe, ao nível do coração, uma sensação
determinada que cresce simultaneamente com a própria
angústia: é um sen t im en t o profu-n do e es m a ga d o r d e
medo, de opressão, de falta de ar, uma sensação dolo-
105
rosa que, no mais alto grau de angústia, se encontra
ligada ao sentimento de morte», seja este um senti
mento d e desfalecimento físico ou de «impotência do
ego biológico».
No que diz respeito às causas das afecções cardía
cas, que não têm origem bactéria na nem mecânica, as
opiniões dos fisiologistas divergem no pormenor, mas
convergem na ideia d e que devemos procurá-las na3
perturbações funcionais do sistema neuro-vegetativo,
p-erturbações causadas -por sua vez por afecção das
secreções internas s: Esta concepção tem pontos comuns
im portantes com a teoria psicanalítica da libido, que
considera 'também as perturbações das secreções inter
nos como base somática das neuroses.
Com a introdução da estase somática da libido como
uma das causas das perturbações da função vaso-
-vegetativa, parece resolvida uma lacuna da fisiologia,
que até hoje os especialistas não tinham encarado
como problema, apesar das numerosas sugestões de
Freud na sua 'teoria da neurose actual. Por exemplo, nos
trabalhos d e L. Braun sobre «as perturbações psicoge-
néticas da actividade card ía c a » ", o nome d e Freud é
mencionado apenas de passagem, numa nota em pé de
página, não se fazendo qualquer alusão à sua tão im por
tante descoberta relativa ès consequências somáticas das
perturbações sexuais. E, no entanto, qualquer passo em
frente neste campo conduz ineiurtave^mente ao problema
da sexualidade.
Com o poderá então a psicanálise contribuir para d
resolução do problema das relações eotre a sexualidade
e o sistema neuro-vegetativo (ou autónom o)?
Vamos tentar p artir dos fenómenos que existem na
excitação sexual, no coito e no orgasmo.
■ Ibid.
* Psychogenem und Psychotherapie Körperlicher Symptom?.
Viena. 1926.
106
c) Excitação sexual e sistema nervoso autónomo
107
Veremos mais à frente que, nos preparativos do
acto sexual, as principais funções automáticas são asse
guradas pelo sistema vaso-vegetativo; por outro exemplo,
a va-so-dilatação na erecção, a secreção das glândulas
de Bartolini na mulher e, de uma maneira geral, o afluxo
de sangue’ às partes genitais. Podemos portanto dizer
que a excitação sexual no prazer da expectativa (análog j
à da angústia expectante) começa por atingir o sistema
cardíaco através dos nervos vegetativos, mas que, com
o seguimento do processo, se transfere para o sistema
genital, na medida em que não exista inibição, aliviando
assim o sistema cardíaco n.
Que se passa depois de uma excitação sexual,
que inicialmente se repercute sobre o sistema vaso-
-vegetativo?
No início do acto sexual, a excitação concentra-se
cada vez -mais no aparelho genital; depois, através das
vias sensitivas, é apreendida como sensação de praze.-
e aumenta até ao auge. Podemos dizer que, durante o
acto sexual, a excitação passa cada vez mais do sistema
neuro-vegetativo para o sistema sensitivo, para final
mente atingir, no momento do clímax, o sistema nervoso
m otor e a musculatura, Esta passagem significa que o
sistema neuro-vegetativo fo i aliviado e que a excitação
sexuai se descarrega sobre o sistema senso-motor. A
passagem do sistema sensitivo ao sistema m otor e a
queda da excitação em todo o corpo são experim enta
dos como satisfação,
Esta interpretação apoia-se nas manifestações feno-
menologicamente perceptíveis ao nível do sistema vaso-
-vegetativo e senso-motor, antes, durante e depois do
acto. Ajusta-se no essencial à descrição fisiológica do
organismo que nos é dada por M u lle r1*. Segundo este
108
autor, a excitação transmite-se da musculatura lisa do
aparelho gemtal (cordão espermático e próstata) parx
a musculatura estriada (isto é, os músculos bulbosos
e isquio-cavernpsos, toda a musculatura pélvica) atin
gindo a seguir o resto da musculatura estriada, em par
ticular os extensores das pernas (tudo isto foi com pro
vado por M uller com experiências feitas no c ã o ).
Além disso, o autor supõe que, «quando se atinge
o orgasmo, a excitação se transmi-te (dos músculos
lisos do aparelho gem tal) para o restante sistema neuro-
-vegetativo». O que vem confirmar ainda mais a nossj
ideia segundo a qual o orgasmo corresponde a uma
modificação na localização da excitação sobre o sistema
vegetativo. Podemos acrescentar apenas que a excitação
se transfere, durante o processo, para o sistema senso-
-motof.
Distingurremos consequentemente as seguintes fases:
1) A armazenagem, sob tensão, da energia sexual
no sistema vegetativo.
2) A concentração espontânea ou voluntária da
libido no aparelho gemtal (tensão sexual e fenómenos
vaso-m otores).
3) Passagem progressiva para o sistema sensitivo
(prazer preliminar; J e H na figura 5 do capítulo il) .
4 ) Passagem para o sistema m otor (subida até ao
clímax, prazer final; III e IV na figura 5 ).
5) Refluxo sobre o sistema vegetativo, estado idên
tico ao estado de pantida (V no nosso esquem a): os
órgãos genitais e o resto do aparelho muscular ficam
aliviados, a musculatura descontrai-se.
Por «orgasmo» entendemos os processos descritos
em 4 e 5. Em função disto a satisfação é tanto mais
completa quanto mais:
1 ) a libido se concentrou na zona genital.
2 ) a excitação do sistema vegetativo vo lte a d im i
nuir de forma mais completa (ou seja, menos p e rtu r
badora).
Compreendemos agora melhor •como se fixa a neu
rose de angústia de Freud: quando qualquer inibição
impede que a excitação sexual passe ao sistema neivoso
senso-motor e à zona genital, a excitação permanece
J09
em estado de tensão no sistema vaso-vegetativo. dando
origem a todos os fenómenos característicos da neurose
vaso-motora. É esse nitidamente o caso da abstinência
total devida a inibições mentais, quando a sensibilidade
genital nunca é chamada a participar e tam bém da exci
taçáo frustrada, quando a excitação passa de facto até
ao sistema sensitivo mas não se efectua a sua passa
gem para o sistema motor, que é mais importante.
Segundo a minha experiência, nos casos de coito
interrupto, observam-se mais sintomas de neuraste
nia aguda do que sintomas de neurose de angústia
Este facto explica-se da form a seguinte: no coito in te r
rompido, tx is te evidentem ente descarga no sistema
motor, m as o alívio da excitação é gravemente pertur
bado pela interrupção do aoto; consequentemente, a
excitação genital de natureza sensitiva não descarre
gada produz fenómenos típicos da neurastenia e, para
além destes, subsiste uma quantidade m aior ou m e n rr
do excitação sexual no sistema neu-ro-vegetativo, o que
vai repercutir-se em parte no sistema cardíaco e
parte so<b a forma de perturbações de outros órgãos
irrigados pelo sistema autónomo (p o r exempt o, o intes
tin o ). Entre a etiologia da 'neurose de angústia e da
neurastenia existem transições que não nos perm item
estabelecer uma separação nítida. Apenas podemos dizer,
de um modo geral, que a neurastenia aguda é tanto
mais manifesta quanto mais tardio e mais próximo de
descarga motora é o m om ento em que a evolução da
excitação é perturbada; por outro lado, quanto mais
cedo esta perturbação se regista, antes da passagem
da excitação para o sistema m otor (isto é, quanto
menos o sistema neuro-vegetativo é aliviad o ), mais in
tensos são os sintomas da neurose vaso-m otora e da
angústia actual. Em todas as neuroses é necessário leva’
em conta a m aior ou menor carga suportada pelo sis
tema vegetativo (o nervosism o).
No seu primeiro trabalho sobre a neurose de angús
tia, Freud baseava-se no facto de «em toda uma série
de casos, a neurose de angústia aparecer de mãos dadas
com a mais forte diminuição da libido sexual, a do
prazer psíquico», para concluir: «há que procurar o
MO
mecanismo da neurose de angústia ( . . . ) no desvio da
excitação sexual somática para fora do campo psíquico
e na utilização anoim af desta últim a, que ê sua con
sequência». Este «desvio para fora do campo psíquico»
só pode realizar-se graças ao recalcamento da percep
ção das sensações genitais; somaticamente, significa
apenas a interrupção da passagem do sistema vegeta
tivo para o sistema senso-motor; a consciência (o sis
tema « B - W » n de Freud) desempenha aqui um impor
tante papel. Segundo Freud, a consciência domina o
acesso à m otricidade. A tom ada de consciência da
excitação sexual, isto ê, da parte psíquica da Hbido que
se exprrme sob a forma de desejo sexual, é uma con
dição prévia indispensável à sensibilidade dos órgãos
sexuais; isto já corresponde a uma passagem parcial da
excitação pana o sistema sensorial (sensação de prazer);
e, de facto, nas análises, vemos que a angústia aumenta
a partir do m om ento em que a percepção da excitação
genital é recalcada e se atenua quando esta é permitida.
Se não for possível atingir a satisfação orgástico-motora,
e se ailém disso a excitação sexual não se fixar em
sintomas psico-neurótieos, verifica-se geralmente novo
bloqtieam ento da sensibilidade genital, voltando a angús
tia a aparecer, assim como os concomitantes fenómenos
vaso-motoces. Na realidade, esta angústia já não é exclu
sivamente angústia de estase; adquire também o sentido
de um «medo» do ego perante as necessidades sexuais.
No entanto, a sensibilidade genital diminui em função
da não-percepção (recalcam ento) da excitação sexual e
o refluxo da estase da excitação para o sistema autónomo
aumenta; estes processos são condicionados principal
mente por inrbições como, por exemplo, o medo do coito.
A satisfação sexual no orgasmo não significa ape
nas uma deslocação da excitação nervosa, mas tam bém
um rejuvenescim ento físico-químico das outras funções
vegetativas, o que é mais importante ainda para todo
o organismo. Neste ponto, a química fisiológica vê abrir-
-se-l’he um vasto campo de trabalho cheio de promessas
Quanto a mim, contentar-m e-ei com fazer notar o desa-
112
Não se devia diagnosticar neste caso uma simples
neurose de angústia; antes disso, teríamos que pbservar
que os estados de angústia, apesar de se pncontrarem
isentos de conteúdo determ inado («flu tu antes»), se da
vam sempre da mesma maneira, pelas nove horas da
noite, e que o carácter da paciente (a titu d e masculina,
voz excessivamente grave, objectividade fria ) permitia
identificar uma base neurótica obsessiva. Ao fim de
alguns mesesr a análise revelou que a sua angústia se
revestia ainda de certas características de angústia de
expectativa indeterm inada («com o se estivesse para
acontecer uma desgraça»).
A análise breve revelou qual a ocasião que provo
cara a neurose: o m arido, que se encontrava numa situa
ção económica e social medíocre, obrigara-a a fazer um
aborto; a paciente não $he perdoara e odiara-o desde
essa altura, enquanto antes apenas sentia tê-lo em pouca
estima. O aborto tinha sido para ela um duplo choque:
em prim eiro ]lugar, significara a perda do filho; e em
segundo lugar, significaria, e isso era mais importante,
uma operação sangrenta praticada nos seus órgãos geni
tais. A decepção provocada pela perda da criança estava
em contradição com a sua natureza masculina e com a
sua atitude perante a segunda gravidez. ocorrida no
decurso da análise. Em função da sua natureza m ascu
lina, escolhera um homem feminino que podia dominar
e atorm entar de acordo com o seu carácter obsessivo.
O facto de o marido lhe perm itir este comportamento
ainda a revoltava mais e incitava-a a atorm entá-lo com
m aior intensidade. Esta atitude contraditória explicava-se
pelo facto de, nos seus fantasmas, a paciente aparecer
como mulher apaixonada, amada por um homem forte e
particularmente grosseiro. A análise deste fantasma per
mitiu-nos aceder m uito rapidamente às experiências da
primeira infância, que foram sucessivamente recordadas.
Durante o terceiro mês de análise, depois dos con
flitos actuais com o marido terem sido discutidos nos
seus traços essenciais, sem que os sintomas desapare
cessem ( cada transferência era im ediatamente desmas
carada e destruída) a paciente lembrou-se de muitos
detalhes de uma histeria de angústia que tivera entre
ô 113
os três e os sete anos de idade. Tinha medo de locai*
escuros e de ladrões. O casamento de seus pais fora
desastroso; o pai era um bruto que tiranizava a mulher
e os filhos e lhes batia.
Como era criança, a princípio não compreendern
por que razão o seu pai, quando à noite regressava
embriagado ia casa, se mostrava brutal para com a mãe,
tornando-se am ável na manhã seguinte. O pai tinha pot
costume regressar m uito tarde e a criança (a paciente)
tinha m edo das cenas que sabia se repetiam todas as
noites. No seguimento da análise, recordou, com intensos
sentimentos de angústia e perturbações vaso-motoras,
cenas de coito que ouvira durante vários anos. Nesses
momentos, sentira angústia, palpitações, e sensações de
calort que agora se repetiam desde há quatro anos;
sentia tam bém como que uma necessidade de urinar.
A análise q u e a paciente fez com m uita inteligência
perm itiu-nos distinguir duas fases nesta observação do
corto. A princfpio apenas sentira angústia e tivera a
ideia de que qualquer coisa de horrível estava a acon
tecer à mãe; certos sonhos fizeram-nos pensar que na
prim eira vez que acordara cheia de medo e em todas
as noites seguintes não conseguira voltar a adormecer,
esperando ansiosamente o que iria suceder-se. Pouco
a pouco, habituara-se a estas cenas nocturnas e chegara
a pensar que não deviam ser assim tão terríveis, senão
sua m ãe não iria de Uvre vontade para a cama d o pai
e este não se mostraria tão am ável para com e/a na
manhã seguinte. Descobriu o carácter voluptuoso da
situação e a partir dessa altura, passou a masturbar-se
durante as relações sexuais dos pais. Os mesmos fenô
menos físicos que antes acompanhavam a angústia,
acompanhavam agora a excitação sexual. No entanto,
uma vez recalcada a impressão produzida pelas icenas
nocturnas, a masturbação passou a estar associada ã
angústia. Por fim, a m asturbação fo i tam bém recalcada
e apenas ficaram vestígios, difíceis de reconhecer: o
medo dos ladrões e do escuro. Além dÍssof surgiu um
fantasm a que durante a análise pode ser relacionado
com as cenas do quarto de dormir: muitas vezes durante
as suas fantasias diurnas, im aginava-se «muito, muito
114
rica». É notável que, por volta dos sete anos, estaà
fantasias tivessem substituído com pletam ente a angústia.
A partir desse m om ento, e sobretudo durante a puber
dade, sentia alguma coisa de semelhante à angústia
quando encontrava homens que lhe agradavam. No en
tanto sabia sempre como salvar-se d e situações peri
gosas e, refugiava-se no «fantasma <fo dinheiro». Por
vezes, surpreendia-se a pensar que para ganhar m uito
dinheiro poderia até prostituir-se. Assim, uma vez, sonhou
que andava de noite numa ruela escura e que em
todas as esquinas e cantos da rua havia homens que a
enchiam d e terror. Quando era criança, interessara-se
m uito petas mulheres que deambulavam à noite nas ruas.
Uma vez abordara uma prostituta e esta dera-lhe uma
moeda. Entregara-a a seu pai, «para que e/e fosse bom»,
pois sabia que era posstvet seduzi-lo com dinheiro.
Assim o fantasm a do dinheiro era um fantasma de
incesto disfarçado e tinha a possibilidade de fixar a
angústia; porque, com o dinheiro, podia, por um lado,
seduzir o pai, e, por outro conquistá-lo; não lhe esca
para que a m ãe obtinha ta l resultado quando dava
dinheiro ao pai. Este fantasma não era acompanhado
por qualquer excitação sexual; em contrapartida, ficava
genitafm ente excitada quando via alguém bater numa
criança ou num cão. Estes fantasmas do dinheiro e da
fustigação traduziam precisamente a regressão ao está
dio sádico-anal, em conformidade com o seu carácter,
que designamos como neurótico-obsessivo: era total-
m ente frígida e hostil à sexualidade, ordenada, conscien
ciosa, com uma dureza masculina e uma natureza fria
devida à blocagem afectiva no piano sexual.
Depois de rem em orada a cena prim itiva, e sobre
tudo quando lhe expunha os pormenores, a paciente
manifestou perturbações vaso-motoras durante a aná
lise, que inicialmente se encontravam ligadas à angústia;
pouco a pouco, o medo da excitação genital diminuiu,
mas subsistiam palpitações cardíacas, sensações de calor
e outros sintomas vaso-motores. Na verdade, a angústia
diminuta à medida que progredia a sensibilização da
zona genital. Quando pela primeira vez sentiu prazer
durante as relações sexuais com o marido, sem contudo
115
atingir o orgasmo, de novo ficou grávida. Durante quatro
anos não utilizara qualquer meio contraceptivo; ficar
grávida im plicava a sua aceitação do papel sexual da
mulher. Algum tem po antes do acto sexual acima m en
cionado, tivera diversos sonhos em que o desejo de ter
um filho se exprimia simbolicamente. E, de qualquer
forma, toda a sua presença reflectia claramente esta
conversão ao estado feminino, materno: a sua voz, a
sua maneira de andar, a sua atitude, perderam toda a
dureza ostensiva.
Apesar desta m odificação do carácter e da dim i
nuição da angústia, a análise continuou. O medo da
m asturbação, que se traduzia em medo de tocar nos
órgãos genitais, não fora nunca abordado; a paciente
não tomara ainda consciência do seu m edo de ser ferida
durante as relações sexuais, e o desejo de possuir um
pénis, que estava na origem da sua a titu d e masculina,
tam bém não tinha sido evocado. O resultado obtido
devia ser exclusivamente atribuído à recordação da cena
prim itiva e à liquidação quase total da fixação inces
tuosa, facto que tinha perm itido libertar parte das suas
disposições amorosas femininas.
A o décimo mês da análise o tratam ento foi in ter
rom pido sem se ter atingido êxito to ta l, devido ao avan
çado estado de gravidez da paciente. O marido sofria
ligeiram ente de ejaculação precoce, que não o afectava,
mas, por isso mesmo, não conseguia tam bém fixar em
si a libido que a m ulher desenvolvia. Além disso, a
paciente vivia novo conflito, que pretendia resolver ds
form a neurôtca, através da psicanálise. Arrastada pelas
antigas aspirações masculinas, casara com um homem
feminino; mas presentem ente, e de acordo com a sua
nova atitude feminina, desejava como marido um homem
forte e enérgico. Alguns meses depois, a paciente era
uma m ãe feliz mas uma esposa infeliz. Os estados de
angústia não tinham regressado, m as sofria agora de
uma ligeira neurose gástrica, cuja origem residia num
laço não superado para com a própria mãe. A vrigem
deste sintoma só podia ser a estase libidinal, que por
certo não fora ainda eliminada. D e tem pos a tem pos,
manifestavam-se sensações de calor acompanhadas de
1 16
excitação sexual, e a paciente tentava em vão com
batê-las sem conseguir recalcá-las. Resolveu continuar a
análise para poder resolver o conflito que tinha vgoro
com o marido.
Podemos antecipadam ente ver que a paciente podm
escolher entre duas decisões: ou aceitava o marido
com resignação, mas ficando assim exposta ao perigo
de uma recaída, já que, por m aior que seja a satisfação
resultante da prática dos deveres maternos e apesar
duma eventual sublimação, a excitação sexual só no
orgasmo pode encontrar alívio, ou desfazia o casú-
m ento e procurava um marido diferente, mais a seu
gosto. A eventual solução por m eio de satisfação ona-
nista não parecia poder ser minimamente eficaz a longa
prazo, e apresentava perigos relativos à elaboração de
fantasmas (n o va regressão).
■Expusemos este caso em pormenor, pois queríamos
tomar em linha de conta o significado da estase Irbr-
dinal somática no prognóstico da neurose. As possibili
dades de recaída num paciente liberto de todo e qual
quer sintoma dependem, em primeiro lugar, da quanti
dade de libido bloqueada, isto è, das inibições internas
ainda não resolvidas e das dificuldades exteriores que
im pedem o acesso a uma vida sexual equilibrada
De um ponto de vista teórico, este caso pode escla
recer certas relações entre os -mecanismos da neurose
actual e os da pura psiconeurose. Temos de distinguir
os processos seguintes:
a) 0 conflito actual com o marido utilizava a neu
rose como meio para atingir fins neuróticos (proteger-se
contra o acto sexual, atorm entar o m arido). M as ató
este conflito era o resultado de uma identificação frus
trada, imputável a experiências infantis.
b) Depois do marido ter recusado o filho e depois
de se ter praticado a operação sangrenta nos seLí.
órgãos genitais, a paciente operou uma regressão a um
estádio li'bi'dinal cuja origem provinha muito especifica
mente das experiências vividas no quarto ano da sua
infância (estados de angústia que se repetiam todcis
as noites). A reactivação psíquica do desejo sexual in
fantil suscitava uma excitabilidade sexual somática que
se manifestava da mesma maneira que antes, isto é,
sob a forma de excitação vaso-motora. A exc&pção da
angústia, os sintomas isolados não tinham qualquer sen
tido psicológico. O sentido da •angústia era o regresso
do 'medo frente à 'brutalidade do p a ir perante o acto
sexual que supunha perigoso e perante o seu próprio
desejo de Incesto. A té à declaração da doença, a exci
tação sexual não podia manifestar-se, devido à sua
recusa da sexualidade, A frigidez, que correspondia a
uma superestrutura da angústia d e castração e a unaa
protecção contra a tentação sexual, só puderam desa
parecer com o violento golpe constituído pela recorda
ção dos fantasmas infantis.
c) No entanto, a angústia de castração impedia
a sensibilização da zona genital e a excitação só podia
suTgir sob a forma da angústia de esta se. Os smtomas
vaso-motores, os arrepios e as vertigens representavam
deste m odo a excitação sexual não apreendida com o ta!.
Por 'Conseguinte, a angústia de castração e o recusa
caracterial da sexualidade eram as razões psíquicas e
indirectas da angústia actual.
Vem os assim que a estase somática da Ifbrdo pode
surgir de duas maneiras:
a) lim a inibição psíquica ligeira vem perturbar a
continuidade d o desenvolvim ento da satisfação, sem
im pedir ainda a própria excitação. A excitação simples,
sem supressão da tensão sexual (excitação frustrada),
cria primeiro um inquietude, uma irritabilidade, um mau
humor geral, além de um estado de ma>l-estar físico, de
forma que, passando a ser uma fo n te de desprazer cada
vez maior, acaba por ser rejeitada; as sensações geni
tais aparecem não como impressão agradável, mas desa
gradável, e, por vezes dolorosa, até.
Geralmente, é só nesse m omento que a angústia
e as manifestações vaso-m otoras passam para primeiro
plano. A perturbação do equilíbrio librdrrval põe então
em destaque, secundariamente, os conflitos psíquicos
que continuam disponíveis.
b) Uma forte inibição caracterial, como no caso
acima mencionado, nunca deixa que a excitação se
chegue a manifestar, de tal forma que as tensões soma
118
ticas se tornam bastante débeis e, logo que aparecem,
utilizam como descarga as diversas oportunidades o fe
recidas pela vida q u o t i d i a n a . Inicialmente, são activados
os conflitos infantis sob a forma de fantasmas sexuais,
por circunstância actual mais ou menos im portante, mas
que se encontra sempre associada com estes conflitos,
tornando-se assim patogênica. A estase somática da Irbido,
originalmente débil, ganha o seu potencial patológico
em razão desta activação dos intensos (fantasmas antigos.
Em seguida, acentua o conflito psíquico e passa a ser
a verdadeira fonte energética dos sintomas; como já
dissemos, os sintomas «não aparecem no momento d a
regressão, -mas sim passado um certo período, durante
o qual, conscientemente ou inconscientemente, a p ro
dução de fantasmas geradora d a estase é predominante.
Em processos neuróticos avançados, não é fácil
discernir as componentes psíquicas e somáticas da estase
li-bidinal nas suas relações de acção recíproca. A dis
tinção entre a génese da neurose actual e da psiconeu-
rose, no início do processo, é decisiva: no primeiro
caso, a energia somática encontra-se bloqueada desde
início e a longo prazo provoca igualmente estases psi
cológicas (desejo frustrado) e regressões; no segundo
caso, em função de circunstâncias actueis, devido a
urna decepção relativamente ao objecto amado ou a uma
doença narcísica, há antigos desejos e fantasmas infantis
que são reactivados, que arrastam consigo secundaria
mente estases patogênicas da energia sexual somática.
No entanto, há que sublinhar que semelhante fuga para
a infância ou, se quisermos, para a doença, intervém
tanto mais cedo e relacionada com ocasiões tanto mais
insignificantes quanto mais débeis forem a fixação libi-
dinal em objeotos reais e a satisfação sexual real.
Consequentem ente, nenhuma neurose actual pode
desenvolver-se se não existirem inibições psicológicas
ou perturbações da função genital, nem nenhuma psico-
neurose se pode desenvolver sem estase da libido
somática. E todas as neuroses actuais adquirem uma
superestrutura psiconeurótica, tanto mais forte quanto
mais durar.
A componente psiconeurótica da neurose corres -
119
ponde à etiologia h is tó ric a (com plexo de É d ip o ), a
com ponente actual corresponde à etiologia a ctu a l (estass
lib id in al).
(hiMónco)
l ip. V.\
120
A o fim de algum te m p o , a a ngústia passou a re c e
ber c o n te ú d o s d e te rm in ad o s; m u ila s vezes acordava com
sonhos nos quais se via perseguido. T odavia, não tiv e r >
pesadelos assim na sua iníância». *
«Uma m u lh e r de quarenta anos sofrera, d u rante o.s
v in te anos da sua vid s de casada, de a ngústia e n e u
rose va so -m o to ra ; alguns sin to m a s de neurastenia a g u d •>
( dores lo m b a re s , cabeça pesada) vinham c o m p lic a r este
quad ro clínico. Q uando lhe p e rg u n ie i se sentia vlgum -i
coisa d urante o a c to sexual, a p a c ie n te desfez-se em
lágrim as: «Há v in te anos que c o rro to d o s os m édico-,
e que espero esta pe rg u n ta . P orque razão nenhum rnc
in te rro g o u a este re sp e ito ? Tinha vergonha de ser ou
a fa la r no assunto. S ei m u ito bem que o que m e fa lta
é a satisfação». A lgum as sessões (e ra im p ra tic á v e l p ro
ceder a um a análise, p o r fa lta de te m p o ) revelaram que,
d e p o is do casam ento, o m a rid o e xcitara-a uma vez com
o d e do e que este «acto» a ate rro riza ra vio le n ta m e n te
(a n g ú stia de m a s tu rb a ç ã o ). N unca m ais o to le ro u . Desde
então, era a to rm e n ta d a p o r e xcita çõ e s sexuais que p ouco
a p o u co cederam lu g a r quase c o m p le ta m e n te aos s in
to m as da neurose, ou apareciam a lte rn a d a m e n te com
estes. U m a te n ta tiv a de e lim in a çã o da in ib iç ã o psíquica
através de sugestão apenas lo g ro u um ê x ito te m p o rá rio .
A p a cie nte a tin g iu pela p rim e ira vez o o rgasm o p o r
fric ç ã o d ig ita l d o c litó ris , Os sin to m a s desapareceram
im e d ia ta m e n te . Uma segunda te n ta tiv a não fo i tã o bem
sucedida: a p a c ie n te apenas fic o u e xcita d a e os s in to
m as v o lta ra m com to d a a sua fo rça . A in ib iç ã o psíquica,
p ro va ve lm e n te um s e n tid o d e cu lp a b ilid a d e intensa cm
relação è m astu rb a çã o , fora te m p o ra ria m e n te levantada
p o r m e io de uma fo rte tra n sfe rê n cia an a lítica , m as não
era poss'tvel e lim in á -la d e fin itiv a m e n te sem uma análise
m ais aprofundada.
N e ste ú ltim o caso não po d e m o s c o n c lu ir que e x is
ti se efeito directo da sugestão. De fa c to , a e x p e riê n
cia d o tra ta m e n to p s ic a n a fític o c o n ve n ce u -n o s cada vez
m ais de que o orgasm o g e n ita l te m com o consequência
a elim ina çã o dos sintom as. Só d e s c o b ri esta relação
pela p rim e ira vez a o analisar u m ca rá cte r o b sessivo,
que m anifestava in capacidade p e rante o tra b a lh o , ru m i-
nações obsessivas e tim idez sexual. Após oito meses
de trabalho analítico, a fixação à m ãe e a fixação, mais
actual, à irmã, dissolveram-se, a ponto de o paciente
poder realizar o seu primeiro coito e este te r sido satis
fatório sob todos os pontos d e vista. Todas as p ertu r
bações corporais desapareceram duma só vez, o pa
ciente sentia o «espírito livre» e com o que «ressusci
tado». O ito dias mais tarde, os sintomas voltaram p ro
gressivam ente para de novo desaparecerem depois de
novo coito. Esta alternância m anteve-se durante seis
semanas. Para evitar que a análise caisse num círculo
vicioso, o paciente teve de continuar a viver em ab sti
nência para que, sob a pressão dos fenómenos m órbi
dos, pudesse levar a cabo todo o trabalho que esitava
por fazer e que $e tornava necessário para que houvesse
a neutralização de todas as possibilidades de recaída
neurótica. Há seis anos que o paciente„ se encontra
plenamente ap to a trabalhar e a amar.
122
co ib ir-se de pensar co n sta n te m e n te : «£ se o m eu
íilh o m orre?».
Desde as primeiras semanas de tratamento, p ud e
mos formar uma ideia clara acerca das verdadeiras cir
cunstâncias da doença. Em primeiro lugar, a paciente
lembrou-se de que na altura em que o fitho ficara de
cama, fora atorm entada pelo m edo de que a sua outra
filha, de treze anos, arrastasse o irmão para a m astur
bação. Pouco tem po antes, notara sem que isso a preo
cupasse demasiado, que a filha se masturbava. Algum
tempo depois, ficara vivam ente decepcionada com o
marido, com o qual vivera até à data uma união relati
vamente feliz: este cortejava uma rapariga jo vem e bei
jam -a na sua presença. A paciente revoltara-se e ficara
cheia de ciúmes. (Segundo dizia, pessoalmente, era tão
fiel ao marido que estremecia toda perante simples
olhares de outros hom ens). Depois deste incidente, sen
tiu uma necessidade irresistível de se masturbar e du
rante a noite seguinte sonhou que tinha relações sexuais
a te r g o 14 com seu pai, falecido havia oito anos. Nas
suas relações sexuais com o marido nunca sentira sen
sações tão intensas como as do sonho. A partir desse
m om ento, o medo hipocondríaco aumentou e tomou
a forma de angústia.
Durante a puberdade, a paciente masturbara-se
excessivamente durante m uitos anos até ao dia em que
lera um livro sobre os supostos perigos que o onanismo
pode implicar. Por exemplo, pensou que era possívef
contrair sífilis por força da masturbação. Quando come
çara a andar com o marido, masturbara-se muitas vezes
e só deixou de fazê-lo quando passou a ter relações
sexuais regulares com ele: tinha reduzida sensibilidade
vaginal, encontrava-se sujeita a vaginismo frequente e
revelava-se inibida sob todos os pontos de vista. D u
rante vários anos, as relações sexuais com o marido
tinham consistido em fricções na vulva, causando-lhe
apenas uma satisfação parcial.
Se quisermos ordenar as circunstâncias da doença
I23
verificamos que a angústia apareceu com o último e o
mais grave de todos os sintomas, depois do sonho do
coito com o pai durante o qual a paciente sentiu sens^-
ções vaginalm ente voluptuosas baseadas nos seus fan
tasmas incestuosos. Havia já muito tempo que o seu
equilíbrio mental se tornara instável; tinha de lutar
contra desejos onanistas, sofria de insensibilidade vagina!
e de impotência orgástica. Depois da decepção causada
pelo marido, refugiara-se no fantasma e os desejos ona
nistas tinham voltado com nova força. Já na altura da
doença do filho, o recalcamento fora abalado. O médico
mencionara a tuberculose, o p ró p rio p a i da p a cie nte
m orre ra tu b e rc u lo s o . Isto deu-nos o conteúdo do seu
medo; a sua fonte de energia residia na angústia da
masturbação; o medo foi reactivado pela masturbação
da filha, sem n o e n ta n to a p a re ce r de im e d ia to com o
a fe c to de a ng ú stia . A defesa contra o onanismo só
tomou a forma de angústia quando a paciente sentiu,
no sonho, a violenta excitação sexual referida. Morrer
perder-se, eram, segundo a sua antiga concepção, d
consequência necessária da masturbação. O desejo ona
nista, asím com o o medo de ser castigada, eram projec
tados sobre o fHho.
Havia em tudo isto razões particulares que o sonho
seguinte esclareceu:
«/A cena passa-se num p ra d o verde. De repente,
ve jo o m e u filh o n o que se cham a um ca rro m o rtu á rio
ao vofante, c o m o u m c o n d u to r. V a i e vem pela estrada.
A o cham á-lo e a o p re c ip ita r-m e para o fa ze r parar, ele
re cua ; v o lto viv a m e n te para trá s e ele va i para a fre n te
De re p e n te v e jo a m in h a irm ã fa le cid a e q u e ro ta s ti-
gá-la em vez d o m eu filh o , m as ela é tã o pequena quo
não te m qua lqu e r d ific u ld a d e em baixar-se e e sco n d e r
-se sob um a carroça. S ó te n h o te m p o de a a g arrar
pela m ã o e d e lhe d a r u m p a r de b o fe ta d a s co m a m ã o
esquerda. M a s te n h o a im p re ssã o estranha de que *
m inha m ão fic a colada na cara e e x p e rim e n to m u itn
d ific u ld a d e em re tirá -la para v o lta r a bater-lhe».
A p a cie n te co m p re e n d e u im e d ia ta m e n te o s ig n ifi
cado d o vo la n te e d o «v a i-e -v e m », no seu sonho. C om o
brincara aos m é d ic o s co m o u tra s crianças d u ra n te o-;
124
anos da sua infância e puberdade, teve de confessor o
desejo que tinha de seduzir o filho; a sua defesa contro
tal desejo apenas passou a ser consciente perante o
medo de ver a filha tomar a iniciativa de semelhante
redução».
A pacieme teria podido certamente ficar por aqui.
Porque razão o medo das consequências da sua própria
masturbação se transferiu sobre o filho? iPorque razão,
além disso, este medo não se revelara quando vira =i
filha a masturbar-se?
«Entre os seus medos obsessivos, voltava sempre
a ideia de que o filho não chegaria aos dezoito anos.
Não tinha conseguido corrformar-se com a ideia de
que a sua velha m ãe dormira outrora no leito conjugal
com o seu irmãot, que na altura tinha já dezoito anos.
Ela própria dormira com o filho até à altura da anáfise.
A posição que adoptava sobre este assunto era bem
clara; a criança tinha de se deitar de costas para ela
e ela m etia-lhe as mãos nas partes genitais. Ainda con
tinuava a dar-lhe banho e a lavá-lo, mas ao fazê-lo e v i
tava tocar-lhe as partes genitais. O recalcamento pro
grediu e esta atitude transformou-se em verdadeiro medo
perante qualquer contacto. E deu-se o mesmo processo
em relação às suas relações sexuais com a criança.
( ver mais ad ian te).
A lém disso, nas suas representações inconscientes,
a criança passara a ter o signifiçado d e mem bro v iril
ou, mais exactamente, a mãe transferia para ele toda a
4íbido que retíra-ra d o seu próprio, pequeno e miserável
pénis: o clitóris. Assim se explica o desejo que a pa
ciente sentira na altura do nascimento do filho de que
este ficasse sempre pequenino, isto ó, semelhante ao
seu próprio falo. Ao níve! mais profundo, perder a criança
queria dizer perder o m em bro viril.
«O desejo de possuir um pénis encontrava o seu
mais nítido m odo de expressão no facto de, no quarto
de banho, preferir urinar de pé. Nunca esquecera a que
ponto invejara os rapazes por serem capazes de diri
girem o jacto da urina para onde queriam. No decurso
da análise tornou-se manifesto que alimentava incons
cientemente a esperança de que o tratam ento a poderia
125
ajudar a possuir um pénis; a sua esperança de cura
resumia-se a este significado. Depois dos sintomas terem
desaparecido, graças à transferência, o tratam ento con
tinuou durante ainda dois meses, pois a paciente não
tograva desfazer-se da ideia de que não se encontrava
curada. Durante a análise da transferência positiva, o
m edo de voltar a cair doente tornou-se, a dada altura,
m uito forte; a paciente lem brou-se então de que uma
vez sonhara ter drto ao m arido que podia ir des
cansado para o café, por que ela não o impediria,
contanto que lhe deixasse o m em bro. A este respeito,
há um sonho desta fase do tratam ento que é bem carac
terístico; para o compreendermos, basta que saibamos
que, para ela, «a irmã mais nova» ou a «falecida irmã»,
revestia o significado dos «órgãos genitais castrados»
(ta l como: filh o = pénis) .
«Tenho que escalar uma montanha no cimo da qual
existe uma cabana d e verdura. A minha irmã mais nova
(o s meus órgãos genitais) está a m eu lado; perto deste
Joca-I de prazer estão m uitas folhas, sobre as quais estão
deitados dois grandes troncos de árvore. A minha
irmã precipita-se e agita-se em torno desse local (m as
turbação do clitó ris/p én is/tro nco de árvo re). De repente,
tudo começa a trem er (orgasm o; ver o seu sonho no
capítulo II I, c ) e vejo a minha irmã no sopé da m on
tanha, com os troncos de árvore por cima dela (aqui
intervêm fantasmas de violação). Precipito-m e na direc
ção do senhor doutor e pergunto-lhe se pode ir acudir
à minha irmã (o s meus órgãos genitais) e examiná-la
(jo g o do m é d ico /on an ism o). M a s você responde-me
sem pre que não ( frustração na análise) e penso que não
quer, que tudo isto se deve apenas à análise, porque•
eu nessa altura não podia falar (para ela, o sr/êncio
era sem pre sinaf de que a pessoa esconde excitação
ou desejos sexuais) . Quando descubro que examinou
a minha irm ã, fico furiosa consigo».
Ê evidente que o fantasma do pénis possuía o seu
próprio potencial patogênico; era porém reforçado pela
relação com o onanismo e a angústia de castração.
A isto vinha acrescentar-se um a identificação parcial
com o pai e a consecutiva e inevitável decepção amo-
126
rosa. Por exemplo, quando o marido queria ir ao café,
ela reclamava-lhe o pénis; e quando o fim da a má//se'
lhe fo i anunciado, teve o sonho acim a transcrito, sen
tindo tam bém uma v io le n t3 v o n ta d e de urinar duranre
a sessão. Depois de uma interrupção da análise, surgiu
nela qualquer coisa que a levava a querer analisar os
outros. Finalmente, como a tuberculose lhe roubara o
pai, tinha tam bém medo de morrer com a mesma doença.
Durante a puberdade, o pai supreendera-a uma vez
a masturbar-se; apesar de a não ter repreendido, sentiu
que ele ficara aborrecido.
A partir desse m om ento, a tendência para as a c ti
vidades masculinas e para entrar em concorrência com
os rapazes aumentou. Apesar desta identificação parcial
com o pai, continuava, no entanto, a ser feminina nos
seus traços fundam entais de carácter. £ a continuação
da sua prolongada análise revelou, a pouco e pouco,
que o seu desejo de possuir um pérris e o seu pvedo
hiponcondríaco, sob os quais descobrimos a angústia
de castração, se acentuavam sempre que algo lhe era
recusado ou sofria qualquer decepção no plano hete
rossexual, ou ainda, quando nela despertavam desejos
pofig&mos, que lhe provocavam o referido medo perante
outros homens, fsto traduzia-se na análise, inicialmente
sob a forma de um m edo de ordem geral frente ao ana
lista e mais tarde sob a forma do medo d e ser violada.
Esta fase forneceu-nos tam bém a chave das suas
relações infantis com o pai. Entre outras coisas, o facto
de ter a filha ao mesm o tem po que a m ãe tinha a irmã
mais nova tivera um papel im portante. As duas crianças
receberam o mesm o nome; a paciente cuidou das duas
e, nessa altura>, produzia o fantasm a de ser ela a m ãe
das duas crianças, representadas como tendo sido ambas
filhas do seu pai. Por essa ocasião, teve o sonho
seguinte:
«O m eu pai está deitado na cama do meu marido,
tal e qual com o o m eu marido. Choro m u ito e conto-lhe
a que ponto a minha irmã (os meus órgãos 'genitais)
se portaram m al (sentim ento de culpabilidade devido à
m asturbação e fantasma de incesto), e, falando e cho
rando ao mesm o tempo, vou à cozinha, puxo a cortin )
127
da janela e ponho por cima um papel opaco (tinha o
hábito de fazer o mesmo antes de ter relações sexuais
com o m arido)».
Uma outra fom e. absolutam ente essencial, dos seus
medos em relação ao filho residia numa vontade de
morrer fortem ente recalcada, que tinha tam bém por o ri
gem o am or pelo pai. Quando o filho nascera, o pai
estava de cama, a morrer e, no seu desespero, pensar >t
que talvez fosse possível que o pai sobrevivesse, se o
filho morresse em seu lugar. Num dos seus sonhos, em
que apanhava cogumelos com o filho nos bosques, o
pai aparecia de repente e a criança tornava-se cada vez
mais «fantasm ática». Outro sonho seu:
«Cortei e comi os dois pés do m eu filho. Dispor-
-m e-ia a cortar outro pedaço, mas a criança ainda está
viva e eu digo ao m eu marido: vou prim eiro cortar a
cabeça, e ele aconselha-me a levá-lo ao hospital. Então
lem bro-m e de que já chorei m uito por causa do m eu
filho, que sinto grande dificuldade em imaginar que
ele consiga chegar aos vinte anos; e eis que acabo de
o transformar num estropiado. Sinto então um vivo
desejo de rem ediar tudo e quero ardentem ente curar
a ferida. M as é claro que não posso rr ao m édico, pois
ele im ediatam ente veria o que eu tinha feito ao m eu
filho».
Façamos um resumo dos significados essenciais do
medo hipocondríaco; inconscientem ente a paciente que
ria dizer o seguinte:
1. «O m eu marido decepcionou-m e e volto para
o pé do m eu pai que m e satisfará» (sonho de incesto
— desejo de m asturbação).
2. «Tenho m edo d e que a tuberculose leve tam
bém o m eu filho (substituto do p ai)».
3. «Desejo que o meu filho morra, para que o meu
pai volte».
4. «Quero levar o m eu filho a masturbar-se, mas
tem o que perca a vida» ( m edo da m orte — angústia de
castração ).
5. «Quero cortar o meu filho e/n ped.iços e apo-
derar-m e do seu m em bro».
6. «O meu filho é o meu mem bro; quero mastur-
128
baf o m eu filho (o m eu m em bro) mas tenho medo de
o perder ( o m em bro) por causa disso (c o m o castigo).
Enquanto a paciente reprimia as suas tendências
genitais e a angústia de castração se convertia em
núcfeo do seu medo hipocondríaco, a excitação somá
ticat que não podia ser eliminada da esfera genital,
criava uma válvula de escape por meio de um sintoma
de conversão fortíssimo. Com efeito, quando no decurso
da análise, a transferência se tornou actuai, apareceram-
-lhe grandes pápulas de urticária no braço e no lado
esquerdo da cara, a que deu o nom e de « boltias». A
paciente notou que as « bolhas» apareciam apenas do
lado esquerdo; ora, eu estava sentado do lado esquerdo,
atrás dela. N um dos dias seguintes (estando ela preci
samente a falar da sua apreensão em se mostrar eos
homens em fato de banho) quando lhe apareceram umas
«bolhas» que lhe provocam grande comichão nas pernas,
acim a das ligas. Quando analisei a escolha do lugar
sobre que a conversão incidira, a paciente lembrou-se
de que uma vez, por volta dos seus dez anos, um
rapaz lhe m etera a m ão por baixo da saia. A ideia de
que um homem pudesse olhar para ela ou abordá-la
com ideias sexuais tivera durante algum tem po como
consequência im ediata o aparecim ento d e borbulhas.
Por nada deste m undo, disse-me espontaneamente, se
poria toda nua diante de mim. Na praia, tivera v e r
gonha dos seus braços e pernas nus, e sobretudo do
seu peito, que achava demasiado pequeno. A urticária
podia então explicar-se com uma rubescência excessiva
da pele; pelo menos surgia sempre em todo o tipo de
situações em que as mulheres costumam corar. Tal era
o sentido psicológico do sintoma».
Quando na puberdade tivera borbulhas, atribuira
•isso ao facto de se masturbar excessivamente nessa
época. Vários anos mais tarde, já casada, sempre que
não conseguia atingir a satisfação, apareciam-Hie «bo
lhas», que lhe provocaram comichão. Que se tratava Je
uma excitação genital que, afastada da zona genital, se
exteriorizava ao nível da pele, comprovaram-no as se
guintes circunstâncias: Durante a análise, a paciente recu
sou durante muito tem po a minha exiplicação segundo
129
9
a qual não abandonara definitivam ente o onanismo, como
pensava ter feito, mas recalcara apenas o respectivo
desejo. Afguns meses depois (enrretanto familiarizara-se
com esta id eia), confessou que na altura em que se
apusera mais fortem ente à minha explicação, lhe tinhasn
aparecido 'borbulhas de urticária nos lábios do sexo, e
que não parava de as coçar consta n tem ente, sem sa
dar conta d e que a supressão da com ichão era pura c
simplesmente- uma masturbação, tal como, antes de
adoecer, ficava apavorada com a excitação genital, tinha
depois m edo das « bolhas», que considerava uma grande
infelicidade e um sinal da sua doença.
A urticária aparecia tam bém quando a paciente sen
tia vontade de urinar durante a análise e sentia ver
gonha de me dar a conhecer a necessidade que tinha
de ir à casa de banho. O erotismo uretra! encontrava-so
nela fortem ente marcado e, em consequência disso,
apareciam tam bém borbulhas quando se molhava ou
tom ava banho. N a infância, sofrera um período de enu-
rese. Tivera durante m uitos anos o mesmo sonho, no
qual era surpreendida a lavar roupa. Este sonho fo:
durante m uito tem po incompreensível; um dia a pa
ciente lem brou-se de que na altura da puberdade, quando
lavava roupa, roçava o sexo contra a borda do tanque,
aproveitando assim o ritm o dos m ovim entos. Quando
por fim começou a lutar contra o onanismo, aparece
ram -lhe em todo o corpo bobões de urticária, ligados
à lavagem da roupa. M a is tarde, lem brou-se de que as
primeiras borbulhas lhe tinham aparecido aos sete arios,
na região períneal e na parte de dentro das coxas,
quando ajudava o pai nos trabalhos de jardinagem . A
paciente sentia uma fo rte aversão, misturada com a n
gústia, em relação ao coito a tergo. No entanto, em
sonhos, era precisam ente nessa posição que tinha re h -
ções sexuais com o pai. Quando era pequena observara
com interesse a união dos animais e chegara à conclu
são de que os pais faziam a mesma coisa. Depois de
casada, tivera m uitas vezes desejos violentos de pra
ticar o coito a tergo, reagindo a tais desejos com esta
dos de angústia. Consequentem ente, a localização cor
respondia sem pre ao órgão excitado e psiquicamente
130
investido (lábios da vulva/onanism o; região perineal / coito
a tergo; coxas/fantasm a de ser apalpada debaixo da
saia, e tc .).
0 sentido do sintoma era sobre determinado. As
«"bolhas» significavam: exibição e reacção de vergonha,
onanismo e angústia de castração e, além disso, a
micção (apareciam borbulhas quando a paciente se mo
lhava ou quando a vontade de urinar lhe vinha durante
a análise). A energia, por meio da qual as represen
tações possibilitavam a produção do sintoma era a exci
tação genital somática (origem do sin to m a), a mesma
excitação que noutras alturas provocava a irritação do
sistema cardíaco e a angústia. Com uma regularidada
impressionante, a angústia diminiria quando a urticária
aparecia e aumentava novam ente perante o recalca
mento deste sintoma de que a paciente linha medo e
com razão. A paciente parecia te r a Intuição de que a
urticária era tão censurável, como a masturbação. Ora
mesmo nos momentos em que era menos intensa, a
angústia d e castração não (ficava p or certo com pleta
m ente inactiva, sendo antes a principal responsável pelo
desvio da excitação genital dos órgãos genitais para a
epiderme. Temos <así>im um novo problema:
Qual a relação entre a angústia de castração, que
impHca o recalcam ento da genit&fidade, e a angústia
actual, consequência desse recalcamento?
f) M e d o e estado de angústia
131
Como verificamos pela história do caso referido, carac
terizado por perturbações vaso-motoras (IV , d ), aqui, 6
a recusa caracterial da sexualidade, causada pela angús
tia de castração, que provoca a estase libidinal e, con
sequentemente, a angústia actual. A angústia de c a s
tração é o modelo da angústia neurótica; vei'ificamos
isto na análise da paciente presa de medos ■hipocoí
dríacos (IV , e ) . Pudemos ver neste caso que os desejos
de onanismo recalcados constituem um perigo interior
permanente, que o ego temia. A seu tempo, Freud
formulou a distinção entre a angústia neurótica e a
angústia real da seguinte maneira: a úkima seria um.i
reacção a um perigo exterior, enquanto que a primeira
seria uma reacção a um perigo interior (pulsional). A
análise dos dois casos citados pôs em evidência que
o elemento m otor do recalcam ento é o m edo dos perigos
ligados à satisfação das pulsões (am eaça de castração
como castigo do onanismo, ameaça «proveniente de ideias
ou da experiência infantis). A angústia neurótica é por
tanto muito semelhante à angústia real; mas encontramo-
-nos assim perante uma nova fonte de problemas: por
vezes, a angústia é consequência do recalcamento das
exigências sexuais; outras vezes, é sua causa. Portanto, ou
há qualquer coisa de incorrecto na nossa concepção
da angústia, ou estamos a dar o nome de «angústia» a
dois tipos diferentes d e (factos.
Tentem os em primeiro lugar verificar a nossa expli
cação da angústia aotual. Podem objectar-nos que a
angústia que acompanha a neurose cardíaca nrvais não é
do que uma angústia real. Esta neurose equivaleria
assim a uma correcta apreciação da ‘importância do
coração para a manutenção da vida, não sendo neces
sário ser-se hipocondríaco para ter m edo da morté.
Esta tese poderia apoiar-se em factos com o a sensação
de aniquilamento tantas vezes verificada « o sentimento
de abandono, que caracterizam os estados violem os
de angústia cardíaca. Na neurose cardíaca vegetativa, a
angústia poderia iportanto ser uma reacção psíquica pe
rante uma ameaça de morte. A tal concepção opõem-se,
porém , alguns factos importantes:
1.) Se assim fosse, >a angústia deveria existir iguai-
132
mente na endocardite infecciosa e a sufocação em casos
de coração obeso ou após um esforço físico intenso,
assim como em doenças orgânicas mais graves, como
o cancro ou a tuberculose pulmonar. M as sabemos que
tal não acontece restando-nos assim a hipótese segundo
a qual a angústia cardíaca apenas se declara numa
forma qualitativam ente determinada de afecções cardía
cas, precisamente as que têm origem vegeta ti va.
2.) é facto estabelecido pela fisiologia que a an
gústia cardíaca típica pode aparecer antes mesmo da
arritmia te r acedido ao nível da consciência. Não pode
mos, portanto, falar aqui d e reacção consciente perante
um perigo d e ameaça da vida.
3.) Observações pessoais, que tiv e ocasião de c o n
firm ar mais tarde, no que respeita à intoxicação pela
nicotma, não deixam tam bém qualquer dúvida sobre
este ponto; no m om ento da assisto li a que precede a
taqiricardia, instala-se uma sensação de angústia que
só secundariamente é preenchida por ideias de «morte»
na sequência de um eventual estado prolongado de
arritmia e de taquicardia progressiva.
Ê, portanto, indubitável que na neurose cardíaca, a
angústia é um fenómeno acompanhando uma irritação es
pecífica da actividade cardíaca, e que só secundariamente
entra em relação com os conteúdos da angústia real.
Houve quem dissesse que a angústia que se supõe
vivermos na altura do nascimento seria a origem de
todas as angústias ulteriores e que todos os acessos
de angústia neurótica reproduziriam o processo do nas
cimento; uma ta l afirmação não tem fundamento nem
em factos clínicos nem na lógica do raciocínio. Será o
nascimento algo mais do que a primeira ocasião em que
se produz uma irritação traumática do sistema vaso-
-vegetativo? Induzimos simplesmente a angústia a partir
de fenómenos vaso-motores no recém-nascido, mas não
sabemos se este sente um estado correspondente. Os
acessos de angústia nos doentes nada têm de comum
com a pretensa angústia do nascimento, a não ser no
que diz respeito a fenómenos somáticos específicos
desse estado. Os fantasmas m uito frequentes relativos
ao nascimento e ao seio materno não são mais carac
133
terísticos da angústia do que, por exem plo, o medo da
castração, dos ladrões, ou o medo da morte. A angustia
do nascimento seria apenas um caso particular de
mobilização da libido narcísica de ó rg ã o 18 no sistema
vaso-vegetativo; consequentem ente seria tam bém uma
angústia actual. M as ver na angústia do parto uma
angústia real, como o faz Rank, ê uma concepção a
que tudo se opõe.
C om e fe ito , q u a l é a re la çã o e ntre a a n g ú stia a ctu a l
e a a ngústia em face d e u m p e rig o real (exterio r ou
interior) ? Enquanto a angústia actual é consequência
de uma irritação do sistema vegetativo, a angústia real,
por sua vez, é causa de tai irritação; empalidece-se, «o
coração pára», sentem-se palpitações, tremores, fica-se
com «pele de galinha», suores frios de angústia apare*-
cem, regista-se a paralização do «medo». Com o obser
vou Freud, trata-se de uma reacção absolutamente ina-
daptada. Seria mais apropriado defendermo-nos contra
o perigo por meio de qualquer actividade motora; a fuga
ou a luta. Comecemos por esclarecer o que é que dc
ponto de vista energético, diferencia a reacção adequada
que se efectua p o r m eio da rnervação do sistema vege-
tativo. O aparecim ento re p e n tin o da situação aterrori
zadora impede manifestamente que a energia, digamos,
o instinto de conservação, passe do sistema vegeta-
tivo para o sistema m otor (musculatura com inervação
voluntária). Se distinguirmos a forma v e g e ta tiva e a
forma m o to ra da reacção ao perigo, nada se oporá ^
hipótese segundo a qual a reacção vegetativa corres
ponderia a uma função do instinto de conservação filo-
geneti ca m ente antiga: lembremo-nos da reacção veg e
tativa do polvo em face do perigo e do fenómeno d 3
mimetismo como medida de protecção. A função nei-
vosa voluntária é, pelo contrá-nio, uma aquisição íilogo
neticam ente recente no desenvolvimento do organismo
animal. A aptidão para a defesa vegetativa ou, mais
exactam ente, ipara a protecção vegetativa autoplástica.
perdeu-se com pletam ente no homem; foi porém, substi
tuída de maneira satisfatória pela aptidão in te le c tu jl
134
dests para prever e evitar o perigo. Quando o perigo
surge, porém, de forma im prevista, o indivíduo apenas
pode pôr em funcionamento o mais prim itivo dos meca
nismos de defesa, dada a impossibilidade momentânea
de qualquer raciocínio intelectual, por muito rápido que
fosse, -que levasse à escolha de um tipo de defesa
motora: verifica-se a passagem do modo de reacção
intelectual ou motor ao modo de reacção vegetativa,
isto é, próprio do estado do narcisismo 'primário.
Por conseguinte, em nossa opinião, a reacção vege
tativa numa situação de terror constituiria um abandono
das formas de defesa superiormente desenvolvidas e
uma regressão momentânea a formas biológicas mais
primitivas; esta hipótese, a ser correcta, integra-se sem
dificuldade na teoria da libido. As investigações da psi
canálise sobre as neuroses traumáticas mostraram que
estas têm origem num traum a que afecta a Iíbido nar-
císica, e não no narcisismo secundário, que corresponde
já a uma etapa superior da libido. Precisamente, o nar
cisismo primário (biológico) é a fonte biológica de
todas as aspirações li-bidinais e localiza-se sobretudo
ao nível do sistema vegetativo. Em todas as situações
de perigo existe porém, mobilização de Iíbido narcísica
ao serviço da conservação do ego. A forma por que
esta mobilização se processa, isto é, o sistema utilizado
pelo instinto de vida, depende unicamente do tipo
de perigo.
No caso de perigo real exterior, o que é investido é.
a) o sistema intelectual: medidas de protecção pre
ventivas, quando o perigo não é eminente (polícia, leis,
medidas de segurança pessoais).
b) o sistema motor: a fuga ou a auto-defesa
quando o perigo é compreendido a tempo.
c) o sistema vegeta ti vo: inervação involuntária,
quando o perigo surge bruscamente (regressão ao nar
cisismo prim ário).
No caso de um perigo real interno devido à pressão
de exigências instintuais censuradas, o que é investido é:
a) o sistema intelectual: medidas de escape neu-
rótico-obsessivas (cerimoniais, proibições, ordens, e tc .),
b) o sistema senso-motor: todos os tipos de des
135
locação histérica da excitação sexuai da zona genital
para outros órgãos («conversão»).
é evidente a analogia entre as formas de defesa,
no caso de um perigo exterior e de um perigo interior,
ao nível dos sistemas intelectual e motor. Quanto aos
fenómenos vaso-vegetativos provocados pelo bloquea-
mento da excitação sexual e a angústia de estase, serão
eles também análogos à reacção de medo biológico?
Uma tal ideia é facilm ente concebível mas não satis
fatória; em nossa opinião, não é possível atribuir a um
indivíduo semelhante preocupação com a imortalidade
do plasma germinativo, como não é possível estabelecer
a existência de um instinto individual de reprodução
Preocupemo-nos antes com as questões levantadas
pelo sentido psicológico da angústia flutuante, provocada
por uma 'irritação vegetativa. Vemos no medo uma reac
ção frente ao perigo, da mesma forma que considera
mos a sensação luminosa com o uma reacção aos raios
de luz e a sensação auditiva com o uma reacção às
ondas sonoras. Observemos esta comparação.
Temos igualmente sensações luminosas quando o
nervo óptico é irritado por uma excitação eléctrica ou
térmica. Ora o aparelho vegetativo pode reagir da mesma
maneira quando é afectado não por um perigo mas por
outro tipo de excitação — por exem plo, a energia sexuai
armazenada e que não encontra saída normal.
Se em s itu a ç õ e s de te rro r se v e r ific a a m o b iliz a ç ã o
da libido narcístca de órgão no sistema vegetativo.
nada se opõe à ideia de que esta entre em função, do
mesmo modo, na sequência de outro tipo de excitaçc-23
(internas, como no caso da abstinência sexual). A
angústia de estase seria então tão desprovida dc «ss •
tiido» como a sensação luminosa devida a uma excita
ção eléctrica do nervo óptico. A questão de u m «sen
tido» b io ló g ic o não se põe neste caso. E chegamos
agora à questão da origem do aíeoto da angústia.
No caso da nossa paciente (capítulo IV, e ), existia
um medo hipocondríaco m uito tem po antes do apare
cim ento da histeria de angústia; o medo só revestiu a
form a da angústia depois do sonho de incesto e dy
excitação dele resultante. 0 conteúdo do medo (con-,-
136
cientemente: estar a morrer; inconscientemente: estar
ferida nos órgãos genitais) era o mesmo antes e depois
do sonho; a única diferença consistia em que a exci
tação sexual era sentida no sonho de forma aguda c,
mais tarde, desviada da zona genital. Poderíamos dizer
que foi a excitação sexual que, ao tornar-se mais forto,
provocou a intensificação do medo da castração e deu
fugar ao afecto de angústia correspondente; mas esta
objecção é facilmente refutável, pois a angústia de
castração teria podido ser igualmente aguda no dia em
que a paciente observara a filha (com a qual se iden
tificava) a masturbar-se; ora, nessa ocasião, não se
manifestou qualquer afecto de angústia.
Que a excitação sexual tenha sido aqui determ i
nante, confirm a-o a observação clínica comparada -das
relações entre o afecto de angústia e a es ta se libidinai.
Assim, por exemplo, certa forma de homossexualidade
activa tem por base a «angústia» de castração, sem que
seja possível detectar em tal caso qualquer vestígio
do afecto de angústia. Qual será a razão porque a erec
ção em tais pacientes desaparece durante o coito por
força do medo de que qualquer coisa aconteça ao
membro, como a análise dos seus sonhos revela, mas
sem que estes pacientes sintam angústia? Em tal caso,
o perigo é psicologicamente real e no entanto o afecto
não se forma. Se este tipo de pacientes abandonar as
práticas d'as relações sexuais sem se refugiar no ona
nisme e se a abstinência se prolongar, a angústia de
castração manifesta-se então como afecto. Nos doentes
que sofrem de ejaculação precoce, a angústia de cas
tração é particularmente forte, mas também aqui o afecto
de angústia não se forma enquanto persistir descarg;)
motora da excitação, ainda que de maneira inadequada
Constatamos que os afectos de angústia desaparecem
a partir do momento em que os pacientes começam
a apreender as sensações genitais, no decurso da aná
lise; constatamos igualmente que o mesmo é possível
antes da angústia de castração se manifestar de uma
ou outra forma, e também antes da sua eliminação.
Estes dois factos obrigam-nos a concluir que o m edo
137
de castraçã o só assum e a q u a lid a d e de a fe c to de
a n g ú stia p e la in te rv e n ç ã o da esta se so m á tica da lib id o .
Introduzindo na discussão o afecto de angústia, eli
minamos uma dificuldade que o term o usual de «medo»
implica. M anifestam ente, não temos em vista os m es
mos dados afectivos quando dizemos: «Tenho medo de
um passeio perigoso na montanha» ou quando falamos
do mesmo sentido no m om ento da queda no buraco
de urna rocha. O m e d o de um p e rig o (re a l ou im a g in á rio )
a in da p o r v ir é d ife re n te d o q ue é s e n tid o n o m o m e n to
em que o p e rig o é a ctu a l. Entre os dois casos existem,
porém, transições; podemos im aginar um perigo qu
se aproxima e sentir um afecto de medo mais frac
em quantidade, mas igual em qualidade, ao do medo
real. Podemos imaginar a mesma situação perigosa sem
experim entar qualquer m edo, mas constatamos que em
tal caso o perigo apenas é apreendido pelo pensamento
e não p ela intuição sensível. A observação pessoal
atenta leva-nos ainda à seguinte conclusão: o simples
m e d o transforma-se tanto mais em angústia, ou por
outras palavras, o pensamento de um perigo tem uma
ressonância afectiva ta n to maior, quanto menos for con
ceptual © quanto mais fo rte fo r a representação intui
tiva. M as nem a representação mais intuitiva é capaz
de su sorta r a angústia característica das situações real
m ente aterrorizadoras.
A irvtuição d e um perigo suscita tam bém , por sua
vez, fenóm enos vaso-vegetativos: é possível que pro
voque palpitações e arrepios de medo, até mesmo ver
tigens e tremores e fica-se com a convicção de que y
irritação do sistema vasovegetativo cresce paratelamerne
à angústia. Inversamente, pode dizer-se que o a fe c to
que tra n sfo rm a o m e d o e m a n g ú s tia a u tê n tic a é consa-
quência da irritação somática; 'habituemo-nos portanto
a pensar que os afeotos em geral se encontram d epen
dentes de processos somático-biológicos. As pessoas
influenciáveis pelos preconceitos psicologizantes, não
quererão adm itir tal dependência e considerarão que o
afecto é a causa exclusiva dos fenómenos somáticos
É isso que na realidade se passa, o que não exclui
porém, que, por seu turno, o afecto seja d e origem
138
somática também. Continuamos a ter presente a hipó
tese fundamental do Freud: o afecto é uma manifesta
ção das pulsões e o núcleo específico do inconsciente
é constituído por pulsões. É impossível encontrar algo
s opor a esta ideia.
Estaremos em malhores condições para compreen
der o afecto de angústia, se nos debruçarmos sobre
fenómenos mais facilmente inteligíveis, como a em oção
sexual e a có le ra , que há que conceber como m a n ife s
tações ou do instinto sexual ou do instinto de des
truição.
A simples representação de um comportamento
sexual faz aparecer, no indivíduo insatisfeito, fenóm e
nos vaso-motores mais ou menos intensos, sensações
de prazer genital e desejos sexuais. No indivíduo satis
feito, pelo contrário, por exemplo, após a prática das
relaçõe? sexuais, a mesma representação pode não p r j-
vocar nem sensações de prazer nem fenómenos vasc-
-motores. Quanto aos desejos sexuais afectivos, estão
de todo ausentes. É necessário um período de repouso
mais ou menos longo para que às representações sexuais
se venha juntar um desejo afectivo. A emoção sexual
encontra-se ausente mesmo quando se verifica a repre
sentação fortemente intuitiva da cena; a imagem é baça
e sem tonalidade afectiva, sendo a própria faculdade
de imaginação pouco intensa. Ora, no psiquismo pro
priamente dito, nada mudou; as representaçõss co nti
nuam intactas; simplesmente, a fo n te so m á tica dos a fe c
to s esgo tou-se ; ou, mais precisamente, o orgasmo fez
descer a tensão somática — e, com ela, a tensão psí
q u ic a — a um nível de potencial muito reduzido. M u ifo
provavelmente, a repartição da energia é diferente da
existente no estado de excitabilidade genital. Só uma
nova concentração de energia sexual somática na zona
rjenital voltará a conferir às imagens sexuais um valor
afectivo. Este, uma vez presente, pode então aumentar
3 impressão somática por meio de representações. A
sensação corporal, que há que distinguir da percepção
dessa sensação, não pode aparecer sem um processo
fisiológico determinado. Até uma alucinação corresponde
apenas a uma impressão corporal mal interpretada, como
139
ficou demonstrado pelos trabalhos d e Freud, Ferenczi e
Schilde-r sobre a hipocondria. Assim , a sensação sexual
fim pressão orgânica) corresponde à experiência prim á
ria; a emoção sexual à experiência secundária, depen
dente da primeira.
Acontece o mesm o com o afecto de cólera, que é
tanto mais violento quanto mais reprimida fo r a a c ti
vidade motora. A «ira im potente» é o seu grau mais
intenso. Se dermos livre curso à fúria que sentimos, o
afeoto desaparece pouco depois; se a contivermos, <1
excitação persiste até ser dissolvida em com portam en
tos de substituição ou actos imaginários. M as, a longo
prazo, os afectos d e cólera acabam por se acumular e
por encontrar uma descarga motora brutal, explosiva,
por vezes mesmo em circunstâncias com pletam ente ina
dequadas. Voltarem os (cap. V III) à importância da estase
somática da libido na formação da cólera e da agressi
vidade em g e ra l De m om ento, o que interessa é que o
afecto de cólera é acompanhado tam bém por fenóme
nos vaso-motores, tais com o palpitações, vaso-dilatação,
perturbações respiratórias, e tc ...... enquanto não encon
tra desoarga motora.
Tanto no caso da excitação sexual como no caso
da fúria, os afectos são provocados pela inibição m o
tora e pela estase da excitação no sistema vaso-vege-
t ativo; em contrapartida, a actividade motora suprime
estes afectos aliviando o sistema nervoso autónomo. C he
gamos assim à seguinte conclusão: o afecto é a m anifesta
ção psíquica de uma excitação do sistema vaso-vegetativo.
não podendo a simples representação psíquica produzir
o mínimo afecto na ausência de excitação somática
Além disso, não se vê bem de que maneira poderia
uma representação iniciar a excitação somática sem
apelar para o inconsciente. Qualquer representação rela
cionada com funções vitais mobiliza as energias i-nstin-
tuais, libidtnais ou destrutivas, ao serviço da descarga
motora. Estes instintos não podem manifestamente em er
gir no consoiente sob a forma de afectos, se não houver
participação do corpo. É o sistema vaso-vegetativo que
aqui desempenha o pape! de intermediário. Isto no caso
140
dos três afectos principais: a excitação sexu a l, a cólera
e a angústia.
Que lugar ocupa então a angústia nesta série en
quanto afecto? E que proveito podemos tirar desta
investigação dos afectos de amor e ódio, para o escla
recimento do problema da angústia?
Quando a actividade sexual é representada intuiti
vamente, o corpo comporta-se um pouco como se ela
fosse real, isto é, com se a excitação vaso-vegetativa,
que surge sob a forma de afecto sexual, viesse juntar-se
à descarga motora. Acontece o mesmo corn a cólera
(ódio levado ao paroxism o).
A nossa paciente, que sofria de angústia de expec
tativa todas as noites (IV , d ) , com portava-se como sa
a situação antecipada estivesse já presente, isto é, como
se, nesse instante, o pai maltratasse a mãe, com quem
a paciente se identificava. O medo tornara-se actual,
porque a excitação sexual na altura sentida voltava a
aparecer sem, no entanto, poder ser apreendida como
tal, tal e qual com o no caso de medo hipocondríaco.
Em toda a situação da paciente, a excitação era o único
elemento efectivam ente real. A ideia de que a angústia
de castração poderia, por si só, gerar um afecto de
angústia não é satisfatória: se assim fosse, o medo de
ser ferida durante o acto sexual deveria ter-se já mani
festado sempre que a paciente tivesse tido relações
com o marido; como tal não aconteceu, resta-nos atribuir
o facto à ausência de excitação corporal. Outra prova
ainda: não existe 'afecto de angústia nos casos em que
os masoquistas se ferem a si próprios, embora se trate
de uma situação em que a integridade do conpo ou da
vida está explicitam ente ameaçada. Não havia também
o menor vestígio de angústia na paciente ninfomaníaca
que provocava em si própria feridas graves com um 3
faca; ela pensava que ia enlouquecer de angústia quando
não lograva atingir satisfação sexuel.
Chegamos deste modo, à seguinte conclusão: o
afecto psicológico de origem vegetativa não é espe
cifico em si mesmo, e só se m anifesta como afecto
de angústia quando a m otricidade tibidinal ou destru
tiva se encontra bloqueada.
141
À 'luz destes factos, a angústia psicológica surge-
-nos <fi-naJmente como uma formação complexa, de que
a expectativa do perigo (angústia de expectativa, m edo)
e irma sensação corporal (afecto de angústia) consti
tuem dois efementos fundamentais. O m edo do perigo
pressupõe o investim ento narcísico do ego, e o afecto
de angústia, blocagem da m otricidade libidinal e des
trutiva. Nunca sentiríamos m edo se estivéssemos seguros
de poder operar a descarga das nossas pulsões destru
tivas sobre o objecto perigoso; não teríamos qualquer
afecto de angústia se a energia do rnstinto vital não
fizesse accionar, com o nos estádios primitivos, o apa
relho vital original, isto é o sistema vaso-vegetativo.
Estas relações com os instintos fundam entais impede m-
-nos de conceber a angústia, bem como o prazer sexual,
como fenómenos puram ente biológicos.
142
CAPÍTULO V
143
ricos, por exemplo, desaparecem, aparecem em seu lugar
estados e sonhos de angústia cujo conteúdo consiste,
na maioria dos casos, em ideias de violação. A angústia
aparece tam bém quando caracteres impulsivos reprimem
os seus imputeos sádicos ou quando homossexuais dei
xam de se masturbar. A angústia que assim se liberta
pode perfeitamente te r um carácter de defesa contrc?
o instinto ou surgir com o afecto de angústia no quadro
de uma neurose actual.
Por conseguinte, a angústia toma o lugar da exci
tação sexual e pode vir a ser substituída pelos sinto
mas; faz-se sentir em todos os casos uma elevação ds
função psíquica, a que corresponde uma diminuição
noutro ponto. Assim, de entre ds sintomas de umd
neurose, há que distinguir, do ponto de vista descri
tivo, os seguintes factores funcionais:
a) As funções-mais: isto é, os sintomas neuróticos,
tornados no sentido dinâmico que lhes atribui Freud, s
a angústia; perturbam o equilíbrio psíquico absorvendo
a respectiva energia, torturam a subjectividade e são.
social e biologicam ente, inúteis,
b ) As inibições de função ou funções-menos: cor
respondem aos sintomas que, numa neurose, não pro
duzem formações de compromisso, representando u n i
cam ente as alterações das funções normais, por força
do dispêndio da energia desviada por vias travessas
para as funções-mais. É apenas aqui que se comprova
o valor heurístico da hipótese freudiana da «conserva
ção da energia psíquica». 0 indivíduo que rumina as
suas obsessões queixa-se simultaneamente de ser inca
paz de pensar no seu trabalho; a energia dispendída na
agorafobia faz sentir a sua falta nos momentos d eci
sivos das rel-ações sociais ou na função amorosa; o indi
víduo que se serrte diminuído e que pelo seu sentim ento
de inferioridade, não consegue resultados concretos,
gasta, em sonhos acordados sobre tem as de orgulho
e de sexualidade, uma energia que, se libertada, poderia
por si só vencer o mesmo sentim ento de inferioridade.
As perturbações da função genital equivalem todas a
inibições de função: não são (com excepção do vagi
nism o) sintomas no sentido dinâm ico, isto é, não cor-
144
respondem à satisfação disfarçada de um impulso insiin-
tual da libido.
é intenção nossa indicar neste capítulo a outra
via aberta para a iíbido de estase, quando esta não se
manifesta como afecto de angústia. Limitar-nos-emos a
uma breve exposição da impotência histérica e obses
siva, antes de falarmos detalhadamente da astenia geni
tal que acompanha a neurastenia crónica.
145
Inversamente, nos sintomas de conversão, é o traço da
satisfação que predomina sobre os de defesa, como,
por exemplo, na urticaria da paciente atrás mencionada
(cap. ÍV, e ), ou no «arco de círcuio». É certo que na maior
parte dos sintomas de conversão, encontramo-nos exclu
sivam ente perante um «sucedâneo» da satisfação, pe
rante uma descarga motora inadequada, embora não nos
seja permitido faiar aqui de satisfação no sentido de
sensações sexuais, já que é precisamente a aptidão do
ego consciente para a apreender como tal, que carac
teriza a impressão de prazer. No entanto, a energui
genital, que normalmente condiciona a excitação dos
órgãos genitais, é utilizada aqui para inervar um outro
órgão de forma mórbida. A escolha desse órgão é deter
minada pela representação do desejo correspondente;
essa representação tal como a sensação genital, encon
tra cortadas as vias de acesso ao consciente. Em resumo
na «linguagem do organismo», própria da histeria, sao
as representações do desejo genital que se manifestam
em primeiro lug^r.
0 processo de conversão pode afectar qualquer
órgão mas escolhe de prsferência os que m elhor se
adaptam à enunciação dos desejoo genitais, quer pela
sua erogeneidade particular, quer pelo seu valor genital
simbólico (partes abertas ou pontiagudas <do corpo),
quer ainda pela relaçãc de associação que possuem
com a função genital (p o r exemplo, barriga — gravidez).
Uma das tendências características da neurose h
excluir o aparelho genital da representação consciente;
é por isso que existem tão poucos processos de con
versão incidindo na própria zona genital, e que as for
mas que aparecem com mais frequência são as formas
de impotência histérioa correspondentes a inibições de
função e não a sintomas no sentido dinâmico. O mais
im portante sintoma de conversão que afecta os próprios
órgãos genitais é o vaginismo, bem como a dismenorreia
psicogénica. A amenorreia psicogénica i e a esterilidade :i
146
sáo inibições de função apenas na medida em que
sejam expressões directas da angústia de castração ou
do desejo de virilidade, apesar de, em certos casos, a
arrrenorreia poder também corresponder a um fantasma
de gravidez. No decurso da análise de várias -mulheres
histéricas, que recalcavam fortem ente os seus desejos
onanistas, surgiram comichões eczematosas na zona
genital antes de elas terem tomado disso consciência.
Neste caso, é difícil determ inar se se trata de um pro
cesso de conversão ou se o eczema se deve apenas a
eventual masturbação durante o sono. M uitos porme
nores relativos ao aparecimento e posterior desapare
cimento destes sintomas levam-nos a concluir que deve
mos optar pela primeira eventualidade. A comichão é
um pretexto para a fricção dos órgãos gemtais, sem
que a doent- tenha necessidade de tom ar consciência
do verdadeiro sentido do seu gesto.
Foi o caso de uma paciente que ficava com eczema
nos órgãos genitais sem se masturbar, mesm o durante
o dia, quarrdo se opunhc è realização dos seus desejos
onanistas conscientes. Dir-se-ia que era uma forma de
a pulsão forçar a satisfação.
Citem os um caso de amenorreia psicogérrica no qual
o conteúdo era um fantasma de gravidez: numa paciente
de dezanove anos a m enstruação deixou de aparecer
durante nove meses, a seguir à m orfe da m ãe. A paciente
partira logo a seguir de viagem com o pai e esque
cera-se de levar consigos pensos higiénicos; a sua inten
ção inconsciente era óbvia: não foi menstruada, conse
quentem ente desejava ter um filho.
Ao contrário da região genítai, as zonas oral e anal.
assim como a pele, são os terrenos de eleição do pro
cesso de conversão. À zona oral estão tam bém togados
órgãos que a evocam, não anatomicam ente mas por
associação: a cavidade bucai, a laringe, a faringe, o
estômago, os brônquios, o nariz, e, por outro lado, a
pele da cara, o orânio e os seios. Os sintomas de con-
147
versão que lhe correspondem sâo os seguintes: os
vóm itos histéricos (que aparecem de forma atenuada
no fastio para com a alimentação em geral, ou para
com certos pratos em particular) a exoftalmia histérica,
ou espasmo funcional do piloro, a asma brônquica ner
vosa, o mutismo patológico e a astenia histérica, a rubes-
cência da eritrofobia, diversas formas de cefaleia (dores
de cabeça).
No que diz respeito è zona anal, os sintomas clás
sicos do medo da genitalkJade são a prisão de ventre
histérica (m uitas vezes depois de um fantasma de g ra
vid ez) e, mais raramente, a diarreia. Falei detalhada
mente noutra o casião 4 da diferença que existe entre
estes conteúdos psíquicos e os dos sintomas intesti
nais na neurastenia crónica.
Entre os sintomas d e conversão que estão relacio
nados com a pele e órgãos anexos, podemos citar prin
cipalm ente a urticâria pstcogénica e a rubescência doen
tia. Lembramos os mecanismos psíquicos que provocavam
urticâria na paciente que tinha medos hipocondríacos
(cap. IV , e ), e acrescentemos ainda outro exemplo.
«Um homem de vinte e seis anos entra em trata
m ento analítico por ser extrem am ente atreito a rubes
cência e angústia. C om o em todos os casos de eritro
fobia, o que actuava aqui ao nívef da cara era principal
m ente o desvio da genitatidade e a angústia de castração
U m dia — na véspera, a análise abordara o tem a do seu
m edo relativam ente ao m em bro — o paciente não apa
receu. Eis o que no dia seguinte m e contou: quando se
preparava para sair do apartam ento para ir à análise,
aparecera-lhe subitam ente uma enorme erupção de urti-
cária (u m a «bolha») no lábio superior; logo a seguir
apareceram borbulhas de urticâria, bem delimitadas e
avermelhadas, nas costas das mãos, enquanto que o
seu pénis começou a inchar: ficou «m uito grande, es
ponjoso e todo mofe». Ficara com m edo da sessão na
qual suspeitava que se fafaria do seu onanismo e do
seu receio em relação ao m em bro, e não conseguira
decidrr-se a deslocar-se até tá. O inconsciente ajudou-o.
148
m as ao fa zê -lo a tra iço o u -se . A e sp o n jo sid a d c do seu
pén is era expressão do m e d o de ve r arruinada a sua
p o tê n cia (ta m b é m era a lv o de a ngústia de im p o tê n c ia );
o seu c re scim e n to desm esurado re v e lo u as suas te n
dências e x ib ic io n is ia s ».
Pode haver também outros fenómenos cutâneos
(paiticularmerrte, certos sintomas que surgem na neu
rose de angústia, como a tra-nspíração, a palidez ou a
rubescência, e tc .), que são consequência de histeria de
conversão; mas não é forçoso que assim aconteça,
isto é, nem sempre contêm representações inconscientes
No campo da musculatura, conhecemos os temas
de conversão; o tique psicogénico, que é equivalente do
onanismo (S tekel, Ferencri, Retch, Deutsch, Kovacs),
a estase e abase* sobre as quais sabemos ainda muito
pouca coisa, e o «arco de círculo», que é uma repre
sentação do coito propriam ente dito.
A análise destes sintomas de conversão, que 3e
localizam r>a zona oral ou anal, mostra que a boca, a
garganta, as vias respiratórias, o intestino, a coluna
fecal, etc., tomaram a seu cargo o significado dos órgãos
genitais, ou, em certos casos, algumas das suas funções
específicas (Freud, Ferenczi, Abraham ). No entanto, a
escoHia dos órgãos foi condicionada pela sua própria
erogeneidade, que atraiu a si a excitação que os órgãos
genitats rejeitaram, de forma que, como resultado final,
se deu uma amálgama. Em tais casos, podemos falar de
uma am álgam a de pufsões o ra is-g e n ita is o u anais-genitais.
A terapia an-alítica das perturbações da potência deve
preocupar-se principalmente com a libertação dos impul
sos genitais, e ajudá-los até a cristalizarem.
Paralelamente a esta mistura de puteões, operou-se
uma regressão p a rc ia l aos estádios pré-genitais da libido,
sem que a atitude genital e o desejo genital tivessem
sido abandonados.
As inibições da função genital na histeria de angús
tia e na histeria de conversão formam-se, com o p o d e
mos ve>r, a partir da rejeição do interes i: libidinal. ligado
149
à zona genital. E as diferentes inibições histéricas da
genitalidade guardam uma forma determinada relativa
mente às relações dinâmicas que têm com os sintomas
de histeria: localizam-se sob o signo de uma angústia
de castração claramente reconhecível e — contraria
mente à neurose obsessional — d ire c ta m e n te a ctuante.
Com o formas de impotência 6 tipicam ente histérica temos
1. A abstinência neurótica nos dois sexos cau
sada por uma a n g ú stia ou apreensão sexuais conscientes
ou de uma inconsciência facilmente detectável.
Deve-se considerar a abstinência neurótica como
uma forma particular de impotência: com efeito, a expe
riência ensina-nos que a perturbação da genitalidade
se manifesta mais ou menos cedo quando histéricos que
viveram durante muito tem po em estado de abstinência
sexual decidem experim entar o coito. A contece muitas
vezes que o doente não se apercebe da sua neurose
ou que esta não se desenvolveu com pletam ente antes
do paciente ter renunciado à abstinência. As primeiras
tentativas amorosas das mulhere-s resultam muito fre
quentem ente num fracasso; quanto aos homens, ficam
muitas vezes cruelm ente decepcionados com a sua pri
meira experiência sexual. As raparigas vêem habitual
mente todas as suas abordagens d e um objecto sexual
esbarrarem com obstáculos culturais que se vêm somar
às inibições internas herdadas da infância, é por esta
razão que as doenças aparecem no momento da puber
dade ou um pouco depois. Ou então, noutros casos,
as pacientes começam por suportar as frustrações e só
ficam doentes a seguir ao casamento, devido à frustra
ção interna, quando renunciam à abstinência.
Na maioria dos casos, os homens indicam espon
taneamente o m e ^ o da im p o tê n c ia co m o c o n s titu in d o
o m o tiv o da sua a b s tin ê n c ia . As raparigas que perten
cem a um certo meio sobre o qual pesam poderosos
recalcamentos sexuais (por exemplo, as famílias de
pequeno-burgueses e de funcionários conservadores) só
raramente têm consciência da sua apreensão sexual e
I50
quase nunca se apercebem da relação entre esta última
e as suas neuroses. Em ceitos oaoos, ao interrogá-las
sotore a sua vida sexual, descobrimos que os seus amores
infelizes as fazem sofrer ou que os seus amigos sao
«animalescos» e exigem «coisas muito indecentes», mas
que tudo isso, «no entanto» nada tem a ver com o mal
de que sofrem. M ostrarem os mais adiante que existe
uma profunda ligação entre o medo da impotência no
homem e a apreensão perante a sexualidade na mulher
Não é sem pre muito fácil estabelecer uma ligação
entre a abstinência e a neurose. Invocam-se em favcr
da abstinência as racionalizações mais plausíveis, como
as mais inverosímeis. É por isso que ouvimos da boca
de homens que não têm oportunidade ou meios de pra
ticar o coito, o pretexto de que se encontram tão ocu
pados com a sua profissão e outras preccupações que
não conseguem de todo pensar «nessas coisas»; por
vezes até se refugiam por detrás de motivos de ordem
moral ou religiosa. 0 medo das infecções venéreas é
irm t da«; racionalizações que mais concorrem para a absti
nência. Certos pacientes vão ao ponto de dizer que,
com cs meios materiais de que dispõem, não podem
ter filhos; trata-se evidentem ente neste caso, como é
óbvio, de uma racionalização, porque os indivíduos quft
não estão informados sobre os meios anticoncepcionais
praticam geralm ente o coito m tem jpto.
Na maioria dos casos, a abstinência prolongada das
viúvas jovens é da ordem da neurose. Não conseguem
encontrar um novo objecto sexual, ou porque alimentam
um pesado sentimento de culpabilidade em relação ao
defunto, ou porque continuam excessivamente fixadas
nele. Abandonar o luto mais ou menos rapidamente b
um sinai de saúde psíquica: com efeito, segundo Freud
e Abraham, o paipel do luto é o de ajudar a ultrapassar
a perda de que se foi alvo.
A té aqui só falámos da abstinência no que respeita
ao comércio sexuaJ. A abstinência to tal, a que exclui
toda e qualquer forma de satisfação sexual directa, só
raramente se encontra. A experiência mostrou-nos que
devemos desconfiar de informações obtidas por anamnese
em pacientes que nos informam ter vivido em total
151
abstinência; na maioria dos casos, ou passam por alto
as suas satisfações auto-erótícas ou nem sequer deías
têm consciência, por se encontrarem disfarçadas. É aqui
que transparecem todas as formas de onanismo genital
ou extra-genital larvar, assim como os «equivalentes
dü onanismo». (Ferenczi).
A impotência histérica pode também revestir as
seguintes formas:
2. N os homens
a) Im potência erectiva eventual ou parcial:
A erecção desaparece antes do acto, ou não existe. A
aptidão para a erecção espontânea não é habitualmente
perturbada na masturbação ou durante os fan-tasmas.
b ) Forma benigna de ejaculação precoce (ejacu
lação precoce do estádio genital):
A erecção pode ser boa óu incompleta, e a ejacu
lação surge causada pelo m edo, im ediatamente ames
ou logo a seguir à penetração.
3. N as mulheres:
a) Insensibilidade vaginal tot<*l ou parcial
b) Todos os casos de impotência orgástica foíal.
As mulheres histéricas, contrariam ente às neuróticas
cbsessionais, nunca são frigidas, isto é, com pletam ente
inexcitáveis; pelo contrário, com o todo o corpo, com
excepção da esfera genital em si, , v ive sob o signo da
genitalidade, são d e uma hrpersensibiiidade sexual.
Quando submetidos à análise, os estigmas histéricos
(dores de ovários, sensibilidade dos seios) não revelam
nenhum sen-tido psíquico; são, sim, expressão imediatü
da sensibilidade genital que foi deslocada (Ferenczi).
Em numerosos casos de histeria feminina, o clitóris é de
uma extrema excitabilidade, de tal forma que o menor
toque provoca sensações análogas ao orgasmo; é isso
que muitas vezes ilude o médico e a paciente e os indu
zem a ignorar a impotência orgástica; mas é evidente
que esta excitação, que intervém à maneira de um
curto-circuito, não possui o mesmo valor económico
de um orgasmo normal. O mesmo aoorrtece com a exci
tação na ejaculação precoce. No comércio sexual, estas
mulheres são normalmente ansiosas e vaginaím em c in
sensíveis.
152
II. A IM PO TÊN CIA NA NEUROSE O B SESSIVA
2 153
do seu carácter, isto é a sua incapacidade em senti >
alegria, não tinha qualquer constiôncia da doença, a p e
sar de sofrer cruelmente, suportava-a como um desiino
R ecentem ente travara conhecimento com um rapaz que
começara a odiar fortem ente sem, de início, saber porquê:
mais tarde racionalizou o seu ódio, invocando toda a
espécie de m otivos. Viera-lhe espontaneamente à ideia
que, quando este se mostrava mais am ável e amigável
para com ela, é que o odiava ainda mais. Progressiva
m ente começou a declarar-se uma angústia violenta sem
pre que o via. A reacção da paciente consistiu num
forte aum ento dos seus estados de ódio e dos fantas
mas sádicos. Pouco depois, verificou-se que se apaixo
nara pelo rapaz, sem querer adm iti-lo, e que tentara
lutar contra estes sentimentos, odiando-o. O ódio e a
angústia pareciam alternar reforçando-se um ao outro
e dom inavam a paciente; este ciclo durou um certo
tem por até que, acabou por se declarar uma grave
depressão. Durante os estados depressivos, sentia neces
sidade de com er muito. Durante uma destas fases, no
decurso da análise, sonhou que devorava salchichas com
sofreguidão. Teve o fantasm a consciente de espezinhar
o hom em, de o reduzir a lama e de esmagar o seu m e m
bro com a soía do sapato. Quando, durante a análise,
reconheceu a natureza da sua angústia, esta desapa
receu e com ela os fantasmas sádicos; mas nem por
isso d e ix o u d e transferir o seu amor sobre o analista
defendendo-se contra ele da mesma forma, odiando-o
e comendo m uito. A angústia não aparecia. Finalmente,
acabou p or interrom per a análise a pretexto de que }á
não precisava de mais tratam ento, tendo conseguido
o que queria: não estar já apaixonada pelo homem e
não tendo portanto nada mais a tem er. Por mais que
eu lhe explicasse que estava a fugir, não consegui con-
vencê-la.
A violenta paixão desta doente correspondia a um
impulso da libido em direcção aos objectivos instin-
■tuais genitais e em direcção ao objectivo heterossexual.
Como estetíim pulso se operou de um modo histérico,
foi tam bém do mesmo modo que a reivindicação ins-
tintual foi recusada: a paciente manifestou primeiro an
154
gústia (»angústia de estase e angústia de defesa). 0
ódio forçado e os fantasmas sádicos, que alternavam
com a angústia, eram coerentes com uma fuga no sa
dismo, próprio da neurose obsessiva que é acompa
nhada de defesa agressiva, não contra o instinto mas,
pelo contrário, contra o objecto de perigo. Esta defesa
agressiva contra o perigo genital também existia no
estádio oral sob a forma de destruição ora! do p énis/fac
tor d e perigo. Era a este processo inconsciente que
correspondiam os estados depressivos. A fuga em face
das reivindicações genitais, acompanhada de defes3
agressiva contra o objecto que desperta os desejos
genitais, é uma forma de reacção específica da neurose
obsessiva perante o «perigo genital». Esta forma de reac
ção não -poupa nenhum caso de neurose obsessional.
mas, ou se manifesta sob forma de particularidades
caracteriais ou com sintomas do tipo agora descrito.
Enquanto que normalmente, no homem, a agressi
vidade se coloca ao serviço da libido fálica, nos obses
sivos, a relação é invertida: a genitaiidade é posta ao
serviço do instinto de destruição, o falo deixou de ser
mediador do amor genital e do prazer, para passar a
ser (em casos extrem os) uma arma criminosa. Para o
carácter obsessivo masculino agressivo, o coito signi
fica, antes do mais, a acção de perfurar e apunhalar a
mulher. Esta disposição patológica podará, dar resulta
dos muito diferentes consoante os outros aspectos do
carácter do indivíduo:
a) Abstinência com base numa ideologia ascética.
de modo bem característico as racionalizações apresen
tam o acto sexual como qualquer coisa de sujo (anal)
e de bestial (sád ico ). O sadismo fálico manifesta-ss
como hipermoralismo, a analidade como hisperesteticismo.
Na verdade, esta ideologia desmorona-se durante a aná
lise a partir do momento em que volta a manifestar-se
a angústia de castração: a anterior recusa do acto sexuai
aparece agora como a recusa das uvas por parte da
raposa da fábula, que dizia que aquelas estavam verdes.
b) Im potência erectiva: embora não seja muilo
frequente nos obsessivos, tem para eles um sentido
especificamente diferente daquele que possuía para os
155
histéricos. Nestes últimos, a erecção só não se dá por
medo da castração, enquanto que nos primeiros se
ira ta de um «tabu da erecção»: trata-ss de evitar o
assassinato imaginado pelo fantasma inconsciente, u tili
zando o falo como arma. Isto aparece não só nos sin
tomas isolados com o tam bém nos sonhos e fantasmas.
Estes doentes escolhem de preferência armas de fogo
ou armas ponteagudas para simbolizar as partes genitais
e existe sempre nas suas fantasias sexuais diurnas a
ideia de uma violência activa feita à mulher, que resiste.
Os impulsos sádicos são ou dirigidos contra a mulher
ela própria (a m ã e ) ou simplesmente herdados do homem
(o p a i). Se a regressão obsessional é acompanhada
p or um maior abandono da mulher em favo r do homem,
o impulso fálico tom a além disso o sentido de uma
agressão hom ossexualT.
As etapas que estas duas formas de im potência
obsessiva percorrem durante o seu desenvolvimento são
as seguintes: (no estádio histérico) desejo incestuoso
e ódio em relação ao pai, e , por via disso, medo de
castração p o r p arte do pai (regressão ao estádio sádico*
•anal) isto é, neste caso, defesa contra o perigo de cas
tração através da agressão sádica (-a n a l) contra o pai,
o que significa sempre em substância a castração (fálica)
d o pai; m edo de ser castigado (castrado) p or causo
desse atentado; nova defesa sádica diante deste perigo;
finalm ente, -intenso recalcamento e form ação reaccional
contra a agressão fálica pela introjecção do pai que
proibe e castiga — metam orfose do m edo do pai em
sentim ento de culpabilidade (angústia do ego em rela
ção ao super-ego). Na neurose obsessiva, a análise só
atinge normalmente a angústia de castração depois de
ter descoberto o sadismo anal e o sadismo fálico e
uma vez afastadas as racionalizações que fazem com
que despreze a sexualidade, enquanto que, na tiisteria,
a angústia de castração aparece mais nitidamente.
156
c) Diminuição considerável da potência orgástica.
apesar da capacidade de erecção e de ejaculação con
tinuarem aceitáveis: é a terceira forma de impotência
obsessiva e, com o ascetismo, a mais frequente. Muitas
vezes a perturbação da potência de que são aívo estes
doentes pode facilm ente escapar à observação, já que
a erecção se desenvolve bem. Fui alvo da objecção
de que tais casos estavam em contradição com a minha
anterior afirm ação, segundo a qual não existe neurose
sem perturbação da função genital. Mas basta inves
tigar detalhadamen te as sensações sexuais durante o acto
ou analisar as disposições sexuais dos «pacientes em
relação ao acto sexual para se nos tornar evidente que
estas últimas dão lugar a graves 'perturbações e que
estas estão na origem da estase libidinal.
Por exem plo, muitos obsessivos escrupulosos c o n
cebem o acto com o um dever 'para com a esposa, dever
que se sentem na obrigação de cumprir, e por m or do
qual têm que vencer, não sem dificuldades, um senti
m ento d e impotência. Um destes doentes, nos dias em
que, segundo dizia, tinha que «fazer o «frete» obrigava-se
a pensar constantemente: «Tenho que ter relações hoje,
não posso esquecer-me». Um outro doente tinha rela
ções frequentes com o único fim de «treinar» para o
coito. Depois d e algumas fricções desprovidas de prazer,
parava; tinha tido tem po de se convencer que era
«potente». Há v in te anos que praticava o acto sexual
desta forma, manifestando sintomas típicos de neuras
tenia aguda, paralelamente à sua ipseudo-potência e è
sua neurose obsessiva.
A ausência psíquica de libido é com um a todos os
casos desta espécie (insensibilidade psíquica total ou
parcial), e é normalmente acrescida de uma insensibi
lidade do 'pénis mais ou menos pronunciada. Nos neu
róticos obsessivos é frequente a «erecção fria»; é obser
vável pela ausência do sentim ento específico de prazer,
causado pela tensão. Estes doentes ou não têm nenhuma
ejaculação ou têm m uita dificuldade em atingi-la. Para
além da insensibilidade do pénis, é preciso n otar a
tendência anal para a retenção do sémen, que tem um
papel decisivo na ejaculação tardia (Ferenczi).
157
No obsessivo erectivam ente potente a impotência
orgástica é de fácil identificação. O obsessivo m edita
tivo rumina os seus problemas durante o acto; o que
sofre de obsessão numérica enumera as fricções; um
outro que sofra de manias rituais procura aplicada e
ansiosamente respeitar uma certa ordem até nas rela
ções sexuais, ou então sente receio de ter negligenciado
um pormenor da cerimónia do sono. As sensações de
prazer, que d e início são medíocres, aumentam ligeira
mente em intensidade no momento da ejaculação, caso
exista ejaculação. Depois do acto, o sujeito sente uma
lassidão pesada, sentim entos d e culpabilidade e de nojo
e sensações de repulsa.
M uitos casos manifestam uma insensibilidade du
pénis ligada à ejaculação precoce. No carácter obses
sivo, é extrem am ente frequente que a consciência da
doença apenas com ece a existir no momento em que
apesar da extensão que adquiriram, os sistemas obses
sivos já não são suficientes para controlarem a estase
libidinal, e a angústia se liberta ou aparecem estados de
abatim ento neurasténícos: dores de cabeça, perturba
ções durante o trabalho, insóma, etc.
Não é raro que a abstinência obsessiva surja depois
de um fiasco devido a impotência de erecção ou da
ejaculação. Não devemos, portanto, desleixar a consi
deração do objectivo da abstinência, que é o de o
sujeito se •enganar a si próprio, saltando por cima dos
seus sentimentos de impotência. Contrariamente ao que
se passa no caso da histeria e da neurastenia crónica,
os obsessivos tem o costume de não tom arem a sua
impotência em consideração e de lhe atribuírem pouca
importância ou não fazerem caso dela apesar d e pos-
suirem provas formais da sua existência, é certo que o
sentimento de impotência essim recalcado não tarda o
manifestar-se e aparece sob a forma de um sentimento
generalizado de inferioridade. O facto de não acredita
rem na sua impotência e de a compensarem é um traço
comum aos obsessivos e aos caracteres narcísico-
-genitais.
Enquanto que o homem de carácter obsessivo (ao
contrário do homem histérico) se mantém activo como
158
homem e enquanto o carácter histérico feminino co n
serva uma atitude feminina, a mulher de carácter obses
sivo aparece como principalmente agressivo-mascuíina \
A explicação é-nos dada pela analise da forma obses
siva da frigidez, a qual é íanto mais forte quanto mais
pronunciado o carácter obsessivo. 0 desejo de possuir
um pénis não se manifesta apenas por meio de singu
laridades sexuais e fantasmas, tais como os que se en
contram no carácter histérico; exerce também sobre o
carácter uma influência no sentid'o de uma masculinização
do ego: a doenta não se contenta com o desejo de ser
homem, vai ao ponto de, sem esforço, se comportar
como um homem e realizar os respectivos ideais de
virilidade. A identificação com o pai não ficou pelo
ideal do ego, atingiu o ogo, o que conduz necessaria-
msnte a uma diminuição da identificação com a mãe.
A recusa do homem tem por corolário a forte acentua
ção da tendência da homossexualidade, vivida como
homem. (N a ‘histeria, as desilusões experimentadas com
o sexo masculino condicionam uma inclinação passiva-
- infantil nas mulheres).
No plano caracterial, a mulher histérica afirma e até
exagera a sua feminilidade, e a sua angústia é unica
mente dirigida contra o coito (a castração). A obses
siva, pelo contrário, nega o ser feminino em geral e.
por compensação, vê-se assim, obrigada a exagerar a
masculinidade. Tendo-se embora transformado caracterial-
menie em homem, a aceitação do homem como objecto
amoroso lembrar-lhe-ia o destino que a sua autonomia
lhe reserva. Por isso, não se contenta com rejeitar o
homem; tem necessidade da afirmar a sua masculini
dade, por meio de uma luta incessante. O meio de que
se serve para atingir tal fim, é o sadismo anal: a sua
intenção (inconsciente) é a de roubar ao homem
o seu membro, em parte para o possuir e em parte para
eliminar o órgão susceptível de desbloquear as suas
aspirações femininas que, apesar de recalcadas, não
159
morreram ainda com pletam ente (lem brem o-nos do último
caso de depressão crónica que descrevemos, V, 2 ). Por
isso, em inúmeros casos femininos da neurose obses
siva, os sintomas da doença aparecem no seguimento
de um relaxam ento do recalcamento da libido genital,
de um amor súbito, da perda de um homem (que morre
ou se c as a), que era inconscientemente amado mas
rejeitado ao nível da consciência: as formações reac-
cionais do estádio sádico-anal encontram-se reforçadas
e a defesa anal contra o perigo genital manifesta-se
nestes sintomas.
■Enquanto que o sadismo próprio da neurose obses
siva do 'homem conserva murtas vezes o seu carácter
fálico, na mulher manifesta, na maioria dos casos, uma
natureza anal m uito pronunciada: esmagar, espezinhar,
(fustigar >as nádegas, etc., são os traços que o dis
tinguem.
é evidente que este sistema caracterial da neurose
obsessiva feminina não é mais do que uma superestru
tura ed»ficada em reacção contra a feminilidade. Basta,
para nos convencermos disto, observar as modificações
caraoteriais que surgem em tais casos durante a análise.
A transferência libidinal passiva-feminina opera aqui com
o mesm o automatismo que na histeria, mas menos facil
m ente. E com a diferença de que, em vez de se defender
desta aspiração p o r meio da angústia, com o num caso
de histeria, a d oen te lhe resiste com ódio, até que surja
uma qualquer atitude feminirfa que já não possa ignorar
nem negar. Normalm ente, esta nova fase é prenunciada
por uma angústia histérica, o que apenas significa que
se iniciou a metamorfose da neurose obsessional em
-histeria, isto é, que o vettio processo regressivo faz
■marcha atrás e que, por via disso, se reforça a histeria
de angústia infantil. Exprimindo isto em termos de drnâ-
mica: a angústia libertou-se dos sintomas em que estava
fixada. Há outros sinais desta metamorfose: as sensações
genitais que aparecem espontaneam ente e que a doente
receia: isto quer dizer que a angústia genital, que até
então não se tinha feito sentir, começa tam bém a surgir.
Em vez da intenção destrutiva dirigida contra o objecto
causador do impulso genkal (e que, portanto, era factor
160
de p erig o ), vem manifestar-se a defesa contra o instinto
em si: o objecto, este, pode subsistir enquanto tal, e é
■finalmente aceite. Com a liquidação analítica da angús
tia genital, liberta dos sintomas obsessivos, acaba a
tarefa terapêutica.
161
tornou-se progressivamente mais rara, e foi isso que
causou o aparecim ento de espsrm3torreia e enureso:
0 paciente só se arriscou a frequentar mulheres aos vinte
e quatro anos, mas invariavelm ente fogo ao primeiro
contacto dava-se a ejaculação, o esperma escorria ds
forma contínua e o mem bro ficava absolutamente flácido.
O paciente nunca tinha tido uma verdadeira tentativa de
coito, nunca tinha sequer tido uma e re c ç ã o . T odas as
experiências lhe pareciam incongruentes e humilhantes.
Dois anos antes, tinha-se deixado arrastar para a cama
com uma rapariga m uito agressiva, mas não tinha ousado
retirar a roupa interior; não sentindo qualquer excitação,
tinha-lhe virado as costas e tinha adormecido contra n
parede. Desde ai, nunca mais se tinha deixado levar
tão longe e contentava-se com uma ejaculação sem
m uito prazer, todo vestido.
A lém disso, desde a puberdade - - que não tinha
sido marcada por grandes excessos— , de tem pos a te m
pos, sofria de dores de cabeça; uma vez por outra sentia
tam bém um sentim ento de opressão no peito e náuseas.
O paciente vivia em estado constante de 'mau humor.
é certo que era capaz de trabalhar, mas era extrem a
m ente atreito a cansaços corporais e sentia-se frequen
tem ente incapaz de contar ou de ter durante muito
tem po. Desde há alguns anos, sofria tam bém de dores
reumatismos nos membros e nas costas, que não tinham
nenhuma relação com o estado do tem po e que nenhum
tratam ento tinha ainda conseguido vencer. Tratava-se de
sensações hipocondríacas difusas e variáveis. A lém disso,
tinha prisão de ventre desde a mais tenra infância: só
com laxativos especiais ou sentando-se num bacio cheio
de água a ferver conseguia evacuar. Os resultados do
exame oigânico foram negativos, exceptuando a exis
tência de varicoceles19 no testiculo esquerdo.
Todos os membros da sua família mais chegada (pais
e três irmãos e irmãs mais velhos) sofriam d e prisão
de ventre crónica. Todos, excepto o pai, carácter am b i
valente e obsessivo, eram pessoas capazes de enfrentar
a realidade. Quanto ao paciente, tinha um carácter re-
162
ceoso e deprim ido, mas era, ao mesmo tempo, de uma
amabilidade excessiva: só por si esta atitude revelava
o seu carácter feminino.
A análise do inconsciente tomou corpo desde a
segunda sessão, graças a um sonho cujo conteúdo muito
pouco escondido aterrorizou o paciente: nesse sonho.
beijava a sua irmã cinco anos mais veíha nas partes
genitais. O que o consternava não era tanto o gesto em
si, mas antes o facto de ser dirigido à irmã. Tudo o que
soube dizer do sonho foi que desde a infância nutria um
grande am or pela irmã, amor esse que era retribuído.
Tendo casado vários anos antes, no estrangeiro, a irmã
vivia resignada, numa união m uito tranquila, e recebia
muitas vezes a visita do paciente. Reinava entre eles
uma tal intim idade que ela partilhava com ele os segre
dos do seu casamento e queixava-se da sua frigidez.
Na altura da puberdade, tinham jurado m utuam ente que
viveriam sempre juntos e nunca se separariam. A irmã
prodigalizava-lhe constantem ente conselhos maternais e
correspondia de boa vontade à sua atitude de irmão
mais novo.
Numa das tardes seguintes, voltou a aparecer a
reminiscência de uma fobia que rem ontava à época dos
seus três a seis anos e que tinha sido to talm en te esque
cida desde então: A descrição que fez do objecto da
sua angústia apresentava muitas lacunas. Tratava-se de
uma visão que tinha sempre que entrava num vestíbulo
mergulhado na penumbra: um «fantasma» (era assim
que lhe chamava na altura) «descia de algum lado», ou
nntão era «como se saísse de alguém ou como uma
camisa posta por cima da cabeça». E de começo, não
ioi possível saber mais do que isto.
Para começar, exporemos a análise do sonho e,
seguidamente, a da fobia.
Em relação ao sonho, o paciente, preso de forte
inibição, contou que tinha entre os três e cinco anos
praticado jogos sexuais com uma prima cinco anos
mais velha, facto que, exceptuando alguns pormenores
importantes, nunca tinha sido recalcado. Esta recordação
sempre lhe pesara muitíssimo; considerava estes jogos
como a acção mais im portante da sua vida e conside
163
rava-os como origem exclusiva da sua doença. 0 jogo
consistia fundam entalm ente em brincar aos médicos e
aos doentes, em au$cultarem-se um ao outro e, enquanto
assim procediam , em apalpar o ânus e as partes genitais.
Lembrava-se perfeitam ente de ter apalpado as partes
genitais da prima; no entanto, não sabia se ela rinha
apalpado as suas. Os remédios receitados eram beijos
nas partes mais diversas do corpo. M u ito mais tarde,
recordou, mostrando sinais evidentes de nojo e de de
fesa, que se tinham beijado m utuam ente no rego das
nádegas. A prima desempenhava normalm ente nestes
jogos o papel activo e com portava-se neles absoluta
m ente como um rapaz. O m ais grave, segundo o paciente,
tinha sido que tais brincadeiras tinham posteriormente
determ inado os seus fantasmas de masturbação. A repre
sentação do coito não aparecia neles de todo em todo,
mas a prim a tam bém não tinha o m enor papel nos fan
tasmas. Os seus fantasmas preferidos eram: estar am ar
rado, lam ber as partes sexuais femininas, m am ar o seio.
M ais tarde, os seus sonhos e fantasmas ordenaram-se
da seguinte forma: alguém lambia o seu m em bro, la m
bia os excrementos no rego das nádegas, etc. A tomada
de consciência deste últim o fantasma fo i precedida por
um longo período de fortes náuseas matinais. Quando
entrámos na análise dos pormenores, recordou que.
quando criança, linha uma preferência singular por se
sentar ao colo da m ãe, m eter-se entre as suas pernas
e aproxim ar a cabeça o mais perto possível das suas
partes sexuais. N o entanto, o fantasma cunilingue diri
gido à mãe e fortem ente im pregnado de elementos anais,
encontrava-se profundam ente recalcado. Sô a partir dos
elem entos enunciados foi possível reconstituí-lo; pareceu
nunca ter tido consciência de tal fantasma e nunca ter
vivido uma satisfação concreta a não ser nos jogos
praticados com a prima. Só mais tarde a sua mem ória
captou uma recordação que confirmava substancial
m ente a nossa suposição, isto é, que a m ãe era o ver
dadeiro objecto dos seus desejos orais e anais; viu-se
m uito pequeno no quarto de dorm ir a observar sua
mãe a lavar os seios e o sexo.
Os órgãos genitais do paciente desempenhariam
164
algum papel nestes jogos? Esta pergunta ficou sem
resposta praticam ente até ao fim da análise. Nos fan
tasmas, vinha à luz a representação de uma fellatio pas
siva; no entanto, o paciente não se lembrava de nada
de semelhante, embora relativam ente a outras a c tiv i
dades tivesse imagens claras. Antes de elucidarmos a
questão da sua actividade genital, vamos esclarecer um
pouco o objecto e as motivações da sua fobia infantil.
Os elem entos do «fantasma» que foram explicados
em primeiro lugar foram os seguintes:
1. desce de qualquer sítio;
2. parece que sai de alguém;
3. passa por cima da cabeça como uma camisa.
Pouco depois, a situação que fizera aparecer a visão
esquecida ressurgiu na m em ória do paciente: um primo
pequeno extraía do balão o que ele chamava a sua
«alma». A recordação voltara instantaneamente à memória
do paciente: Este acontecim ento banal provocou a recor
dação, por duas razões, uma das quais foi logo esclarecida:
o «fantasma» era de cor avermelhada, nu, sem cabelos.
O desenho que o paciente executou a m eu pedido
representava um rapaz no qual o paciente reconheceu
instantaneamente o seu irm ão, mais velho dez anos do
que ele. Continunando as associações, lembrou-se de
que ç irmão uma vez lhe metera m uito medo; não soube
dizer em que época. Tudo isto, no entanto, não expli
cava os três elementos acim a expostos. Só quando o
paciente se deu conta de que a nalma» do balão era
de borracha vermelha é que compreendeu, im ediata
m ente, o primeiro elem ento ( «desce de qualquer sítio»):
tratava-se 'de um im gador com um tubo de borracha
vefmefha. Lembrou-se então d e uma coisa: o fantasma
parecia por vezes surgir de um regalo que se encon
trava n o arm ário do vestíbulo. Isto vinha contradizer
a recordação recente, segundo a qual o irrigador se
encontrava normalm ente em cima de uma prateleira do
quarto de banho. Se tiverm os em conta a recordação
das abluções que o paciente vira a m ãe fazer, a idteia
do regalot juntam ente com o terceiro elem ento (« p a s
sava por cima da cabeça como uma cam isa»), só podia
165
significar que vira sua m ãe administrar lavagens vagi
nais, e que isso a levara a tirar a camisa.
M ps o que teria o irm ão a ver com isso? E porque
razão o clister aparecia sob forma de «fantasma», car
regado de tanta angústia?
F oi para resolver este problema que nos servimo..
do m aterial seguinte, m aterial este que o paciente foi
fornecendo aos poucos, ao longo de vários meses.
Eis o conteúdo de um sonho que o paciente teve
no início desse período. «Estou a rezar de joelhos numa
igreja com outras pessoas e tenho a cabeça inclinada
para a frente. N o m om ento em que saio, uma grande
forma farrtomâtica aparece em frente às portas da igreja
e sinto um m edo de m orte». A prim eira associação indica
que está a rezar como um muçulmano, compfetam ente
inclinado por terra. (IG R E J A ? ) A este respeito, lem
brou-se espontaneamente de que, quando era criança,
tinha o hábito de dizer Kristier ( como cristão) em vez
de Klistier (C lis te r). Quando era pequeno sofria de pri
são de ventre e era sempre a m ãe que lhe fazia as
lavagens (n o sonho, a igreja simboliza a m ãe e o Kristier^.
A posição d e reza rto sonho equivale à atitu de que
tinha de assumir durante umà lavagem. M esm o sem
isto, não faltavam provas que assinalassem as suas
disposições anais. Lembrou-se de que o m édico da
família lhe tinha um dia perguntado (tin ha ele três anos)
na brincadeira: «Então passas a vida sentado no pote?»
Durante uma grande p arte da sua infância, tivera de
ficar horas sentado no bacio a brincar com constru
ções. Com o outras crianças brincam aos combóios, cor
rendo, o paciente brincava aos combóios fazendo escor
regar o bacio em volta do quarto. M ais tarde, durante
a análise, só conseguia ultrapassar a sua . prisão de
ventre sentando-se num bacio cheio de água a fer
ver. A m ãe pusera-lhe supositórios e fizera-lhe lava
gens até aos sete anos. Depois só suportava os clisteres
em caso de prisão de ventre particularm ente forte, mas
continuava a falar da defecção com a m ãe, que mostrava
m uito interesse pelo assunto.
Descobri que, no paciente, como em m uitos casos
de prisão de ventre, o sintoma se encontrava sujeito
166
ás mais diversas racionalizações. Bastava que tivesse
espontaneamente vontade de ir è retrete para encon
trar sempre algo de mais im portante a fazer. Foi deste
m odo que instituiu essa forma infantil de defecar no
bacio. Temos de fazer entrar em linha de conta a sua
aversão pelo quarto de banho, enraizada no seu velho
medo d a retrete e do aparelho de lavagem. Quando em
criança ia ao quarto de banho, as portas tinham de ficar
abertas e tinha que estar com as costas em c o n ta d o
com a parede. M esm o com todas estas preocupações,
uma enorme angústia subsistia de que qualquer «coisa»
(o b jecto , espírito, fantasm a) subisse pela retrete acima
e — as indicaçõees aqui eram imprecisas — o atacasse.
Ora o «fantasma» era do sexo mascutino e, mais
tarde, adquiriu os traços do irmão. Qual seria a razão
pela qual a relação anal com a mãe, impregnada de
prazer, estava misturada com o receio do irmão? O
paciente afirmava que admirava e gostava do irmão,
adm irava-o especialmente desde a puberdade, e com
uma força que era quase a de uma abnegação total. Só
podemos comparar as relações que tinha com o irmão
com as de uma rapariga loucamente apaixonada. Ficava
cheio de aiegría quando o irmão passeava com ele, e
infinitam ente triste, até às lágrimas, quando o via pre
ferir a companhia de pessoas m uito mais velhas. Çen-
surava-o interiorm ente por gostar pouco dele. Um con
selho, uma opinião p o r parte do irmão eram para ele
qualquer coisa de sacro-santo. Bste irmão, capaz de ver
a realidade de form a saudável, afastara-se cedo da casa
paterna, onde reinava constantemente uma atmosfera
doçntia. Quando o paciente se deu conta de que apesar
de todos os seus esforços, o irmão lhe escapava, ficou
profundam ente magoado, afastou-se dele e ligou-se a
homens que se lhe assemelhavam m uito. Foi sem nenhuma
reticência e até com uma boa vontade evidente, que
se subm eteu ao papel da pessoa dirigida que admira o
seu mestre. M as, durante a análise, foi-se tornando cada
vez mais claro que tal ligação e tal amor eram reac
cionais: alguns dias apenas após o inicio da análise,
o paciente teve um pensamento a que, de início, não
ligou m uita importância: sentado num café, perdido em
167
sonhos, viu de repente a imagem da participação de
uma morte. Depois, fomos compreendendo, de início
apenas por meio de alusões, a seguir cada vez com
mais pormenores, que censurava a mãe por ter prefe
rido o irmão. Este últim o* fora efectivam ente o eleito
e o paciente sofrera cruelmente com esta rivalidade.
«Da boca da minha mãe, nunca se ouvia mais nada que
não fosse H., H. e sempre H . y> (n o m e do irm ã o ). O
paciente era obrigado a usar os fatos vermelhos do
irmão e fazer coro nos elogios que lhe dirigiam, 'em
virtudue da sua inteligência, da sua assiduidade e da
sua boa educação. M a s em vez de aceitar a luta com
o rival, decidira ainda antes de ter atingido a puberdade
(aos 10 an o s ), conquistar o am or de sua m ãe, ju n
tando a sua voz à dela quando esta punha nas núvens
o filho mais velho. Com efeito , tivera muitas vezes a
oportunidade de verificar que sua m ãe gostava das
pessoas que louvavam o irmão mais velho, enquanto
odiava os que diziam m al dele. Foi isto que o fez ju n
tar-se às primeiras. M a s a progressiva idolatria exage
rada pelo irmão provocou o recalcam ento d e todas as
suas más intenções em relação a este et antes de mais,
do desejo da sua morte. Consequentem ente, amando o
irmão, o paciente não só transferia sobre ele o am or
pela mãe, com o tal adoração era tam bém uma reacção
ao ódio, ditada por um sentim ento de culpabilidade.
Eis o que explica que o fantasma tenha podido repre
sentar o irm ão, confundido com o irrigadort isto é, com
o instrum ento que servia ao prazer da mãe. Este era o
lado positivo da am bivalência. O segundo elem ento do
«fantasma» indica que era «como se saísse d e alguém ».
Fora a extracção da alm a do balão que tivera por efeito
o desencadear da recordação. Eis com o o paciente im a
ginava a m orte: a alma, que tinha a mesma forma 'do
corpo, escapava-se deste. O fantasma ou •espírito que
■perseguia o paciente era portanto a alnrva d e seu irmão
desaparecido, cuja 'morte ele tinha desejado.
Quando descobrimos o proveito que o paciente tirava
da suo prisão de ventre sob forma de prazer eu to -
-erótico, assim como a relação que mantinha com a mãe,
os estados intestinais melhoraram consideravelmente.
168
Mas a cura completa só se efectuou depois da desco
berta das outros refações fantasmáticas do paciente.
D e facto, o paciente continuava a sofrer de violentos
espasmos e cólicas assim como de náuseas e flatulências.
A análise da retenção dos gases levou-nos à desco
berta de um forte prazer anal, assrm como de form a
ções reaccionais que o paciente dirigia contra certos
hábitos de com portam ento de seu pai. O paciente pos
suía um olfacto m uito desenvolvido. Durante a análise,
foi muitas vezes alvo de uma alucinação de odores de
uiina, fenómeno que estava intim am ente ligado ao ero
tismo uretral. As suas flatulências eram uma reacção
contra seu pai, que nunca fizera o menor esforço mesmo
da presença da família para reter os gases. O paciente
percebera m uito cedo que sua mãe condenava estes
hábitos de seu pai e assim evoluiu de forma oposta ao
exemplo paterno, por amor à sua mãe, tal como ado
rava o irmão para lhe agradar. O pai era avarento, indis
creto, abria todas as cartas que chegavam a casa, e,
além disso, estava sempre a embirrar com todos; o
paciente, pelo contrário, fazia pouco caso do dinheiro
e eplicava-se em ser de uma discrição e docilidade
m uito especiais. D evido ao facto de seu pai nunca ter
tido escrúpulos em tudo o que dizia respeito aos pro
blemas anais, o paciente foi ao ponto de se proibir
qualquer espécie de flatulências fisiológicas. M as esta
renúncia efectuada por am or à mãe, só fora conseguida
com um grande esforço; efectuara-se ao preço de um
enorme recalcam ento e levou aos sintomas orgânicos
que não mais deixaram o paciente em paz. Bastou que
se desmascarassem estas relações fantasmáticas para
que as flatulências e o estado geral do paciente m e
lhorassem.
É extraordinário verificar que as dores torturantes,
que pareciam cólicas e que, a uma dada altura, apare
ciam todas as noites durante as primeiras horas da
madrugada, persistiram. A sua análise não obteve o
mesmo êxito; desapareceram no entanto, quando os
fantasmas da gravidez acederam ao consciente. Não
pudemos, é claro, explicar a especificidade destas dores,
mas, para além das particularidades temporais, pusemos
169
em evidência a sua relação com a ideia da espectativa
d e uma criança fecal dentro do ventre. Com e feito , as
fezes do paciente tinham a forma de «minúsculos caga
nitas» a que dava o nom e de «B obky» :1 Lembrou-se a
este respeito do grande interesse que m aniíesivra em
criança, durante uma viagem, pelas cacas de cabra
Com parava-as a azeitonas, e as náuseas que acom pa
nharam a análise deste pormenor confirmaram sem equí
vocos as suas fortes tendências cuprófagas, que esta
vam no base dos seus fantasmas e das suas experiências
de cunilingue anal. A introdução a esta fase deu-se
com um sonho que dizia o seguinte: «Sou ainda criança,
brinco num quarto grande; há moedas de ouro dispersas
pela sala, eu evacuo caganitas pequenas que desapa
recem e no seu lugar aparecem minúsculas crianças».
Foi difícil„ a p artir da análise do sonho, decidir sem
equívocos a que ideia inconsciente atribuir o maior
significado: se era o próprio paciente a m atéria excre-
mencial = a criança na sala grande (is to é, dentro da
m ã e ), ou se o paciente, ele próprio, dava as crianças
à luz. O paciente falava muitas vezes da sua defecação
como se fosse «um parto difícil». N em as investigações
sobre a sua infância nem as inform ações recolhidas
fora da anamnese forneceram elementos que perm itis
sem afirm ar que tivesse observado mulheres grávidas.
Isto é tanto mais digno de atenção quanto é certo que
o paciente se lem brou de te r atra ve ssa d o um período
da sua vida em que m editara intensamente sobre o
problem a da reprodução. Certas observações de animais
e das suas crias no campo, tiveram , neste período, uma
grande im portância. D urante um certo tem po — por volta
dos três anos — fora acom etido Je uma enorme neces
sidade de fazer perguntas. Lembrou-se nitidam ente da
desilusão que sentira perante a resposta que lhe tinham
dado quando perguntara o que queria dizer a palavra
Hebe mm o (p a rte ira ). Responderam-lhe que era uma ven-
dedeira de legumes, mas o paciente julgou estar um
pouco m ais bem informado: era o ventre onde se encon-
170
trava o bébé que se abria; a Am m e (a m a ) dava então
o peito à criança que se agarrava a ele e mamava,
o peito à criança que se agarrava a ele e mamava,
A tendência oral fazia assim parte da sua teoria d o
nascimento, e continuava a ter, como vamos ver, um
papel im portante na sua teoria da concepção.
N a época em que as cólicas nocturnas eram mais
agudas, o paciente tinha sonhos na base dos quais se
encontrava a seguinte tendência: o m édico fecundava-o
pela boca. Durante o dia, era alvo de violentas doreá
de cabeça e náuseas. Eis um dos sonhos: «O nosso
canalizador está a reparar as canalizações, estou ao pé
dele, e ele puxa de repente o autoclismo; o liquido
espalha-se; parece-se com um nevoeiro ténue (fic o m o
lhado) e tem um gosto salgado». As associações que
lhe acudiram em relação à primeira parte do sonho m os
tram im ediatam ente que o canalizador representa o ana
lista, que se supõe estar a reparar as canalizações, isto
é, o m em bro do paciente. A segunda parte contém uma
resistência afectiva à cura da im potência e alimenta um
desejo privilegiado: o analista fecunda-o ( associação)
com urina na boca (gosto saíg a d o ). A q u i encontra-se
igualmente a explicação das suas alucinações olfactivas:
o paciente lem brou-se de ter sentido prazer com o
cheiro da urina que vinha das partes sexuais da prima,
durante os jogos que com ela praticava. N ão foi possível
saber se, para além disto, a prima tinha efectivam ente
urinado. Por conseguinte as alucinações olfactivas que
se produziam durante as sessões não eram apenas re
cordações destes jogos: eram tam bém representações
de desejos associados com o aparelho urinário do ana-
lista. As canalizações do sonho continham igualmente
um elem ento determ inante vindo da infância: o paciente
interessara-se pelos tubos do quarto d e banho e espe
cialmente pelo da retrete, até surgir o m edo do irrigador
e da retrete. O sentido deste interesse só ficou daro.
com a análise do seguinte sonho: «Uma águia leva uma
mulher pelo ar, depois deixa-a cair sobre m/m». A águia,
é o pai, a mulher a m ãe, o levar pelo ar representa o
coito entre os pais. Durante as tentativas de coito que
o paciente fizera durante a análise, fora obrigado a lutar
17!
particularmente contra o desejo que sentia de se colocar
debaixo da mulher e de levar a boca aos seus órgãos
genitais. A ideia de quer depois do coito com o pai,
a sua m ãe pudesse cair sobre ele está em perfeito
acordo com a relação anal com a mãe, como vimos a tra
vés do irrigador. Num sonho que tivera alguns dias
antes, via-se a ele próprio, durante relações sexuais com
uma prostituta, deitado debaixo da mulher, que possuía
um m em bro masculino; era a m ãe praticando o coito
sobre ele com o pénis do pai. Eis a relação com o pai,
que se exercia por trás da relação passivo-anaí com a
mãe. Estamos agora em condições de compreender que
a fobia infantil era expressão do fracasso do recalca
mento das suas tendências homossexuais anais-passivas.
Consequentem ente, o irm ão m ais velho não tinha sido
apenas o representante da m ãe munida d o irrigador;
representara tam bém o pai. Todo este processo fora
elaborado de um m odo totalm ente anal, E sabemos
agora a quem se dirigiam profundam ente os votos de
morte, que aparecem na fobia. Quando estávamos a
analisar este encadeado, a seguinte frase escapou da
boca do paciente: «Só serei potente quando o meu
pai m orrer».
F oi por outra razão ainda, que o irmão passou a ser,
decisivamente, o representante do pai. Descobrimos até
aqui que, por assim dizer, todas as aspirações sexuais
do paciente eram do tipo passivo-anat, baseadas num
erotismo da boca e da urina, e regiam desta forma a
sua vida, desde a mais tenra infância. Agora, há que
perguntar qual o destino das suas tendências genitais,
Um ano e m eio de análise não nos deu o m enor escla
recim ento a este respeito.
Tivem os que aguardar que um encadeam ento de
associações nos conduzisse, por fim, a uma am eaça de
castração vivida pelo paciente. Foi um sonho, m uito em
particular, que nos perm itiu reconstruir um a cena capital:
«Toco piano num quarto escuro; ao lado o Dr. S. ( um
homem público austríaco em posição de destaque) faz
um discurso e olha-m e com um ar irritado, através dos
óculos». Peto perfil, o Dr. S. lem bra-lhe o irmão, que
tam bém usava óculos. O «destaque» no sonho coincide
172
tam bém com a recordação de o irmão ter o costume de
andar de andas no campo; além disso, voltou a obscura
reminiscência d e um andar da sua casa, mergulhado nas
trevas, onde sentira angústia. N a véspera deste sonho,
o irmão do paciente viera informar-se sobre o estado
do tratam ento, o que levara o paciente a perguntar-se
durante um instante se eu não iria contar ao irmão
algum conteúdo da análise. Há que acrescentar que.
no início da análise, m e pedira para não dizer nada ao
irmão do que dissesse respeito à masturbação. Acres
centemos ainda que, no sonho o paciente toca piano,
o que é um símbolo típico de onanismo; juntemos r.
isto o discurso (d e reprovação) e o olhar irritado, e n
reconstrução não encontra qualquer objecção mais: o
nosso paciente fora um dia surpreendido, num local
escuro ( vesti bufo/fantasm a) a fazer manipulações geni
tais e recebera como castigo um sermão. Isto dera-se
m uito cedo, aos dois anos de idade mais ou menos,
porque a recordação do fantasma vinha dos seus três
anos e a cena só podia te r precedido a fobia. O receio
do fantasma, com os traços do irmão, que se desenvol
veu mais tarde, tinha a sua origem, portanto, nesta cena
primordial, onde se vê o irmão dar o sinal da angústia
de castração.
é neste contexto que surgiu ainda, obscuramente
a recordação da prima a puxar-lhe violentam ente pelos
testículos num dos jogos. A dor característica que per
sistia na região testicular, existia por assim dizer,
como aviso. Era tam bém a isto que estavam associadas
as queixas estereotipadas do paciente no tocante ao
tamanho reduzido, não do pénis, mas dos testículos,
assim com ao medo de se despir totalm ente diante de
uma mulher».
A análise conseguiu trazer a lume, até aos mais
ínfimos pormenores as actividades e os fantasmas sexuais
da primeira infância deste paciente; mas, com excepção
de uma única reminiscência, foi impossível desenterrar
o menor elem ento relacionado com qualquer papel espe
cial do erotismo fálico ou susceptível de indicar que
este último pudesse estar ao serviço de investimentos
objectais. 0 erotismo ligado à urina ocupava o segundo
173
plano relativam ente ao erotismo anal, mas manifesta-
va-ss nitidamente na ejaculação precoce e nas alucina
ções olfactivas. Acrescentaremos que o paciente gostava
de ficar muito tem po no quarto de banho a brincar
com a água quando era criança. Mas aíé esta disposição
orientada para uma atitude genital fora moldada pela
analidade e a oralidade. O interesse dirigido para as
canalizações encontrava-se ao serviço não só das ten
dências anais, mas tam bém das tendências uretra is
Pusemos em evidência a forma pela qual o fan
tasma do paciente era o de ser ele próprio objecto de
relações uretrais (salpicos de urina = fecundação pelo
analista; a tendência para levar à boca os órgãos genitais
da mulher) e como os fantasmas de sucção Hie serviam
de veículo: As reminiscências que vieram à superfície
durante a análise conferiram im portante lugar à impres
são com que o paciente extraíra da imagem de mugir
vacas. A semeihança entre a urina e o pénis conduziu
em primeiro lugar ao fantasma de chupar os órgãos
genitais e o seio da mulher; em segundo lugar, a pôr
no mesmo plano o seu próprio pénis e o seio (ou a te ta ),
assim como a urina ou o sêmen e o leite. Ao primeiro
contacto com um corpo feminino o seu esperma escorria.
Era coerente com o seu carácter feminino o facto de o
pénis, tendo a função de seio, se colocar ao serviço da
feminilidade. O onanismo não consistia em fricção mas
sim em pressão do membro mole contra um objecto:
sinal caraoterístico para mim (e pude fazer observações
semelhantes noutros casos) do facto de o pénis repre
sentar o peito (d esejad o ); tudo se passa como se o
paciente indicasse ao objecto em questão o que ele
próprio deseja.
Tentem os agora reconstituir a evolução seguida pela
neurose no caso do nosso paciente. As fortes disposi
ções anais da família exerceram um efeito caracterial
sobre todos os seus membros. As tendências anais da
mãe reforçaram as disposições do paoiente para a prisão
de ventre. A renúncia necessária à analidade não se fez,
de form a que, por um lado, esta subsistiu enquanto
auto-erotism o anal e, por outro lado, apareceu em relação
especificamente anal com a mãe. Esta relação foi recal-
174
cada e foi o sintoma da prisão de ventre crónica que
correspondeu à sua representação e à sua satisfação
neuróiicas. À analidade, que se tinha fixado ao mvel
primário, vieram juntar-se o erotismo oral e o erotismo
uretrai. O primeiro manteve a fixação ao seio materno:
foi este que, quando recalcado, produziu as náuseas,
combinando-se com as tendências anais e uretrais e
conseguiu manifestar-se através de fantasmas ona ms tas
especificamente orais (m am ar no seio, beijar os órgãos
genitais, comer os excrem entos). 0 erotismo uretra!
subsistiu sob a forma de ejaculação precoce, de perdas
de urina o dé sémen. No plano caracterial, foram estas
forças instintuais iníaiuis quo, opondo-se à orientação
fálica masculina, condiconaram o innmtilismo e o fem i
nismo. A esta fixação prim;'..io ve:o depois juntar-se um
outro obstáculo ao desenvolvimento: as admoestações
do irmão e as dores seni.idn3 nos testículos repiimiram
o erotismo genital antes que: este pudesse desenvolver-se
completam ente. Assim foi bloqueada a via para uma
real identificação fálica óorn o pat, deixando o campo
livre para o desenvolvimento da relação infantil e da
identificação com a mãe. O paciente servia-se do seu
membro como de um seio e alimentava uma relação anal
passivo-feminina com homens superiores (através de
imagens do pai e do irm ão).
No entam o, para além desta identificação com a
mãe, no interior do^ego, apareceu uma identificação com
o pai a partir da qual duas tendências surgiram. Por um
Lèdo, as proibições devidas à severidade do pai (e do
irmão: proibição da masturbação) tinham-se agravado
no ego e tinham efectuado a maior parte do trabalho
de recalcamento. Por outro a Ido, o seu carácter desen
volve-se em aposição ao do pai: foi o que nós designa
mos noutro trabalho por formação reaccionaj do super-
-ego. Como estabelecemos mais acima, isto fez-se por
amor à mãe, a favor de quem o paciente sempre tomara
partido: não queria «parecer-se com o pai, mas sim ser
exactam ente o seu co-ntrário». A concretização destas
tendências foi tanto mais fácil quanto mais elas corres
pondiam totalmente ao seu iryfantilismo e ao seu fem i
nismo. A coisa era diferente, no que respeitava às identi
175
ficações positivas com o pai. Não só venerara o irmão
e os amigos, que lhe eram superiores, como queria
tam bém ser igual a eles. Os desejos que o seu ides:
do ego (na medida em que as suas aspirações eram
orientadas para o positivo) ia buscar a esta fonte, estn-
vam condenados a nunca se concretizarem e davam lugar
a sentimentos de inferioridade. Com efeito, para realizar
a parte positiva e masculina do seu ideal do ego, teria
que ter possuído uma libido genilal vigorosa: ora esta.
como nós vimos, não se tinha desenvolvido. Em conse
quência, as identificações positivas com o pai só ocor
reram no super-ego
Não está em nosso poder determinar a razão pela
qual, no caso do nosso paciente, a puberdade teve um
desenvolvimento tão linear, nem se a estrutura partt
cular da sua Irbido não teve um efeito inibidor no seu
aparelho genital. O que é facto é que os fenómenos da
pirberdade, que aparecem geralm ente entre os doze e
os catorze anos de vida, só se manifestaram no paciente
a partir dos vinte e dois anos. Foi por volta desta época
que começou a masturbar-se, mas com fantasmas prá-
-genitais, fortes sentimentos de culpabilidade e medos
que o levaram a coibir-se. Vemos na espcrmoíorrcia c
na enurese consequências da excitação somática que
não foi liquidada. Estas manifestavam a seguinte situa
ção: nos fantasmas, o pénis estava ao serviço da iden
tificação com a mãe (o pénis como seio) e mecanis
mos pré-genitais, de tal forma que as excitações tinham
de ser eliminadas sem orgasmo.
Quando a excitação sexual somática e as reivin d i
cações masculinas do ideal do ego o levaram a procurar
uma mulher, a fixação pré-genital tornou-se imediato
m ente obstáculo: o paciente pôs os ceus órgãos geni
tais em contacto com o mulher, deixou escorrer o
esperma e virou-lhe as costas, dominado pela m o tiva
ção inconsciente de que estava a receber uma «lava
gem ». Tudo aconteceu como se à genitalidade tivesse
176
sido recusado o zcesso ao aparelho sexual, habituado
às excitações pré-genitais.
A análise começou então por liquidar a prisão de
ventre. Esta desapareceu na medida em que se pode
fazer aceder ao consciente os seus elementos d eter
minantes. As dores de cabeça desapareceram ao mesmo
tem po que a prisão de ventre, sem que a análise tivesse
conseguido elucidar as suas determinações. A opressão
que o paciente sentia no peito era um sintoma de medo
(m edo do fantasm a) e desapareceu durante a análise,
mas foi impossível descobrir a sua determ inação espe
cífica. Da mesma forma, o sémen e a urina desapare
ceram, as poluições em contacto com a mulher pararam.
Ao décimo quarto mês de análise, depois da descoberta
das cenas de castração, o paciente conseguiu por duas
vezes efectuar um corto. N o entanto, a tendência genital
psíquica continuava fraca; não manifestava qualquer de
sejo de coito. A análise foi limitada pela estrutura psí
quica do paciente. O que não é desenvolvido durante a
infância não pode ser recriado durante uma análise. Uma
coisa é certa: esta tem de contar sempre com as ener
gias instintuais existentes; tem a possibilidade de reor
ganizar estas energias, mas nada lhes pode acrescentai.
Umn atitude mais objectiva em relação à m ãe, uma certa
indiferença em relação ao pai e ao irmão deram provas
de que as liquidações analíticas foram, no entanto,
atingidas, e quef portanto, eram possíveis. No restante
da sua personalidade, o paciente sentiu-se mais livre.
O sucess~ obtido, na verdade, não conseguiu compensar
a deficiência genital, apesar de o ter ajudado a supor
tá-lo com mais facilidade. N ão devemos excluir que
uma continuação da análise pudesse conseguir mais;
no entanto, tendo em conta a estrutura da libido do
paciente, isso seria pouco provável».
A astenia psico-genita! que o nosso paciente mani
festava era a causa da astenia do aparelho genital; esías
duas fraquezas exprimiam-se na gravidade do seu caso
de ejaculação precoce. A estrutura libidinal desta per
turbação da potência é característica das formas graves
da neurastenia crónica.
177
t>) A astenia genital. Duas formas de ejaculação precoce
178
estádio narcísico. A isto vem acrescentar-se um reforço
constitucional do erotismo uretral que leva a uma so-
brestimação do pénis como via urinária. «E quando 33
exigências da função sexual propriamente dita atingem
este orgão, este então evita-as».
No que diz respeito ao prognóstico, «os casos
menos favoráveis» são, segundo Abraham, «os casos
em que a ejaculação precoce se manifesta desde a
pube-rdade e continua ulteriormente durante vários anos
consecutivos. Trata-se, então, d e casos de uma predo
minância extraordinariamente forte do erotismo uretral
sobre o erotismo genital».
A nossa investigação vèm com pletar neste ponto
os resultados de Abraham, na medida em que temos
a intenção de distinguir duas foim as fundamentais da
ejaculação precoce, diferentes tanto pela sua génese
como pelo seu prognóstico.
0 que nos levou 3 distinguir entre estas duas for
mas são as seguintes diferenças clínicas:
1) A ejaculação precoce ou existe desde sempre
ou só aparece depois de um período de relativa p otên
cia sexual
2) A emissão de esperma faz-se ou antes ou só
após a penetração do membro.
3) A emissão prematura de esperma dá-se conti
nuamente ou só por acessos.
4 ) O membro apresenta a sensibilidade máxima
na glande ou na uretra.
5) 0 membro pode estar rígido ou flácido.
6) Nos fantasmas sexuais, conscientes ou incons
cientes, podem acontecer duas coisas: a) a ideia da
penetração do membro na vagina predomina, com ou
sem sensação de prazer, ou então to) é substituída por
fantasmas pré-genitais (aconchegar-se contra a mulher,
beijar os seios, estar amarrado, e tc .).
Estas características podem agrupar-se mais ou m e
nos claram ente em duas categorias. A ejaculação ante
portas (antes da penetração) é geralmente acompanhada
por uma poluição uretral de esperma, por uma m aior
ou menor fia cid ez do membro e p or f a nt a sm a s p ré -
•genitais, ao passo que a ejaculação que se dá imediata
179
mente depois d3 introdução vem associada a uma erec
ção, por vezes até a uma ejaculação ritmada de sémen
e, invariavelmente, a fantasmas activos de coito. E x is
tem por vezes excepções a esta regra, principalmente
a ejaculação ante portas com o membro rígido. A expe
riência confirma sistematicamente que a primeira forma
é de longe a mais grave e é em geral crónica, enquanto
que a segunda forma aparece geralmente depois de um
período de relativa potência e é absolutamente curável
por meio de psicanálise.
A distinção entre estas duas categorias é conse
quência de uma diferença rra irrfraestrutura libidinat. Tanto
a forma grave como a forma benigna são doenças de
fixação, a primeira no estádio anal (-u retral) e a segunda
no estádio (u retra!-) genital. Em ambos os casos, entre
outras coisas, o sintoma tem o significado da micção, mas
na sua forma grave, o erotismo uretral está associado à
libido genital. A libido genital manifesta-se claramente
nos factos seguintes:
1) Capacidade d e erecção.
2) A glande é bem mais excitável do que a uretra
ou a raiz do pénis.
3) Fantasmas d e corto.
4) Caracterialmente, os homens que sofrem da
forma benigna de ejaculação precoce são masculinos,
activos e agressivos; são m uitas vezes homossexuais
activos declarados. A doença só apareceu depois de
um período de relativa potência sexual.
A ausência das com ponentes genitais na ejaculação
precoce ou ainda a 'predominância da estrutura anal
rraduz-se pelas características seguintes:
1) Os doentes nunca foram potentes
2) Os fantasmas do coito heterossexual são to ta l
mente inexistentes ou cedem o lugar a fantasmas pre-
-genitais.
(N ão nos devemos evidentem ente deixar desorien
tar pelos desejos expressos por um paciente que declara
ter vindo tratar-se para poder atingir o coito: Tudo
depende dos seus fantasmas inconscientes).
3) A excitabilidade da glande é fraca ou nula (in
sensibilidade 'parcial ou total do péns). O centro das
180
sensações voluptuosas é a uretra; as sensações esten
dem-se quase sempre até à zona do períneo.
4) É quase impossível faiar de erecção, ou por
que não existe ou porque o membro fica todo encoHiido.
5) De um ponio de vista caracterial, os doentes
são passivo-femininos. A análise revela paralelamente
um sadismo recalcado, um considerável masoquismo
moral e erógeno. Além disso existem quase sempre
sintomas de neurastenia como prisão de ventre crónica,
dores de cabeça, tendência para o cansaço, espeima-
tOTreia e lassidão hipocondríaca.
Estas duas formas distinguem-se também peia form j
como surgem; a mais grave aparece na maioria dos
casos em razão de uma fixação primária ao estádio p r2-
-genital; a menos grave resulta de uma regressão ao
desejo incestuoso genital. Na ejaculação precoce do
estádio genital, a ligação genital à m ãe foi afectada
pela angústia d e castração. Mas a existência de uma
forte estrutura fálica m anteve a identificação com o pai
e impediu uma regressão mais profunda para estádios
anteriores. €m muitos casos, a angústia de castração,
inspirada pela mãe, consiste no receio de uma «coisa»
perigosa (0 pénis do p a i) localizada dentro da vagina,
ou então na ideia mibidora d e que a vagina possuiria
dentes, para m order o membro. 0 prazer de urinar foi
posto ao serviço das tendências genitais e exi b id o -
nistas, mas é tam bém a causa da saída do esperma.
Neste caso, portanto, a ejaculação precoce manifesta,
segundo a expressão de um paciente, o medo <(de se
arriscar a entrar na boca do lobo» e constitui uma pro
tecção contra uma permanência demasiado longa no
interior da vagina. Para m uitos pacientes este receio
é perfeitam ente consciente. A saída uretra! ou até mesmo
a saída rítmica, prematura, de esperma, são antes de
mais expressão desse m edo, com o as crianças que rea
gem quase sempre à angústia e ao terror com diarreias
e micções involuntárias. Por detrás da identificação
com o pai, que marca o caráoter masculino ^activo, vemos
por vezes em acção uma identificação com a mãe; mas
esta é referente ao estádio genital e não coincide aliás,
do ponto de vista caractertel, com <a Identificação com
181
o pai. 0 que diferencia este caso da impotência
erectiva sem ejaculação precoce é a Im portância do
erotismo uretral.
M uito drferente é a estrutura libidinal da ejacula
ção precoce ou ante-portas da fase anaf. Segundo a
minha experiência, trata-se na maioria dos casos dó
uma inibição do desenvolvimento e de uma fixação
primária ao estádio anal-uretral, com ou sem activação
parcial da etapa fálica. Só tenho conhecim ento de um
caso em que a análise conseguiu pôr em evidência uma
regressão completa do estádio genital ao estádio anal
Quando se trata de uma regressão, a identificação geni
tal com o pai é abandonada em favor de uma identifi
cação anal com a -mãe. Se se trata d e uma fixação ou
de uma regressão total, é o desejo genital que tam
bém não existe e é norm alm ente substituído p o r rela-
ções uretra is em relação à -mãe e passivo-enais em
•relação ao pai. As satisfações anais e uretrais são nor
malmente manifestas sem por isso o paciente estar
necessariamente consciente deias. Enquanto que a an
gústia d e castração é dominante na ejaculação precoce
do tipo genital, na de tipo anai existe sob o signo da
satisfação auto-erótica, e p or vezes até com prazer de
sujar a m ulher d e urina e de excrementos.
0 m om ento de urinar é adiado por ser especial
mente agradável quando a bexiga está cheia. A micção
está investida de qualidades anais (Ferenczi) Da
mesma maneira a defecaçãc tam bém é particularmente
agradável. Certo paciente meu passava longos momentos
no quarto de 'banho de forma a evacuar os excrem entos
lentamente aos 'bocados. Muitas vezes não evacuava
durante oito dias para pod er depois extrair com o dedo
o excrem ento endurecido. Dois outros pacientes, que
conseguiam desenvolver uma certa libido genital, se
bem que muito fraca, e que sentiam desejo do coito,
■iam 'para o quarto de banho antes de se encontrarem
com a mulher, numa im paciente expectativa do que ia
passar-se. Depois da expulsão dos excrem entos, todo
o «prazer do coito» desaparecia.
182
Se na forma genital da ejaculação precoce, o essen
cial do tratamento terapêutico termina quando o desejo
incestuoso e a angústia de castração são eliminados,
em contrapartida, na sua forma anal, o êxito da cuca
só se manifesta quando o paciente é capaz de aban
donar os benefícios do prazer anal e uretral. Só depois
da libertação de uma genitalidade potente, anteriormente
recalcada, (coisa que se aplica exclusivamente aos casos
que resultam de uma regressão) é que o combare entre
a libido genital e pregenital se pode resolver favora
velm ente.
Sobre este assunto podem consultar-se os meus
dois trabalhos sobre o significado terapêutico da geni
talidade.
é preciso notar tam bém que a identificação dom i
nante com a mãe é um obstáculo para a cura. Esta iden
tificação constitui a principal oposição caracterial por
estar ligada à necessidade de ser castigado pelo pai.
M uitas das atitudes destes doentes podem resumir-se
na seguinte fórmula: «Tenho culpas para com o meu pai,
não tenho o direito de agir como ele, tenho que pagar
o meu erro dedicando-m e a ele». 0 sentimento da cu l
pabilidade em relação ao pai existe também na forma
genital; mas o prazer pré-genital não possui um peso
importante. E, -na outra forma, é este benefício do prazer
pré-genital que se encontra associado aos fantasmas ma
soquistas e investe o sentimento de culpabilidade com
libido anal; desta situação resultam dificuldades terapêu
ticas especiais.
A identificação com a mãe contém muitas vezes
um outro factor determ inante da ejaculação precoce:
na im aginação do paciente, o pénis tom ou o valor do
seio e o esperma o valor do leite. Tal com o em tempos
a mãe oferecia o seio ao filho, o m em bro é agora ofe
recido à mulher. Nos fantasmas e durante os prelim i
nares, surge tipicam ente o desejo de se aconchegar e
apertar contra a mulher. Nos casos mais graves o esperma
começa então a escorrer. Por um lado, depois de terem
abandonado ou de nunca terem assumido o papel mascu
lino, os pacientes subm etem-se à mulher (a m ãe) como
crianças e desejam o seu seio. O fantasma de mamar
183
no seio é característico destes casos. (N um dos meus
doentes, o esperma escorria enquanto ele sugava o seio
da sua am iga). Mas, por outro lado, o paciente assume
o papel da mãe que oferece o seio à criança, como se
quisese mostrar à mulher o que espera dela (o «gesto
mágico» de Liebermann). A acção de mamar o seio ò
a saída do esperma com pletam -se portanto numa en c e
nação do desejo de ser mamado. Eis o que daria um
sentido mais profundo ao facto constatado por Abra ha m:
o paciente quando assim age urina contra a mulher. Um
outro paciente tinha a impressão de que o esperma
estava dentro do membro e pensava poder extrai-lo
por pressão sobre o membro. A sarda do esperma e da
urin-a gota a gota, que está muitas vezes associada à
forma grave de ejaculação precoce, encontra-se igual
m ente associada à ideia inconsciente de que o pénis
seria o tão desejado seio por onde escorre o leite
Assim, um doente, quando criança, gostava de oferecer
aos seus amigos o seu membro para eles sugarem.
Outro doente ainda corrseguia na altura da análise mamar
no seu próprio pénis. Assumia assim sknirltaneamente
o papel da mãe e do falho.
Mas para além destas determinações psíquicas, não
podemos desleixar o estado da excitação permanente
dos órgãos, particularmente da uretra e do períneo. A fir
mar que o órgão é medíocre, só por si, pouco sentido
terá. Esta mediocridade terá existido desde sempre?
Segundo a opinião de urólogos, a hiperexcitabilidade do
aparelho genital e a ejaculação precoce são condicio
nados pela h ip e re m ia 18 crónica das partes genitais e
pela hipertrofia da próstata. No entanto, haveria que veri
ficar se a causa dessa hiperemia não seria precisamente
o medo de satisfação sexual especial destes pacientes.
Esta hipótese baseia-se na consideração seguinte: em
condições normais, as partes genitais ficam hiperémicãs
durante os preliminares e essa hiperemia aguda desa
parece im ediatam ente depois do orgasmo. Qu.ar.io aos
pacientes que sofrem de astenia gon-i-tal, são orgastica-
184
mente impotentes em consequência do seu medo de
satisfação e isso implica uma disposição permanente
para a excitação sexual, e, por consequência, uma hipe-
remia crónica. Não restam dúvidas de que a hiperemia
que, a princípio era resultado de circunstâncias psíquicas,
pode gerar modificações somáiicas profundas, mal se
torne crónica.
Enquanto que na ejaculação precoce genital a satis
fação genital continua, apesar de tudo, a ser o verda
deiro objectivo, na forma grave da ejaculação precoce
o doente renunciou ao coito e são os preliminares que
constituem o seu objectivo principal. 0 pénis que deixou
de ser a expressão e o instrumento da masculinidade,
transformou-se em seio, no plano da representação, pon-
do-se assim ao serviço da feminilidade inconsciente
mente desejada. Por conseguinte, podemos falar de uma
erotização oraI do pénis (contrapartida da genitalização
histérica da zona bocal).
A astenia genital é o resultado de uma invasão da
zona genital pela libido pré-genital. Há que distingui-la
das outras formas de impotência, do ponto de vista em
que a genitalidade m antém os seus impulsos que, a p e
sar de inibidos, continuam localizados nos órgãos geni
tais. A fórmula inconsciente essencial para um im po
tente que sofre de fraqueza genital é a seguinte: «A/ão
quero ter relações sexuais mas sim utilizar o meu sexo
de tal ou tal maneira»; enquanto que a do homem sim
plesmente im potente é: «Desejo o coito mas não o pra
tico porque receio um perigo».
A mobilização pré-genital dos órgãos genitais implica
que toda a excitação se repercuta sobre o resto do
corpo e que tal excitação só possa ser eliminada no
orgasmo genital; além disso existe uma excitação sexual
permanente: aparecem assim os m al-estares hipocon
dríacos. O doente não «imagina coisas» como pensam
os médicos de orientação exclusivamente somática; tra
ta-se pelo contrário d e perturbações corporais bem reais,
como o demonstraram Freud, Ferenczi e Schrlder. A
alternância entre estados de excitação e de cansaço
físico, a incapacidade de agir dos neurasténicos, a sua
perpétua pressa e o seu sentim ento incessante de terem
4 185
falta de tem po — eis algumas das consequências d3
astenia genital.
é facto que os neurasténicos, desenvolvem uma
forma de carácter específica com base na sua fraqueza
genital e da sua impotência orgástica; assim, vemos a
grande importância teórica que pode ter o estudo das
neuroses actuais até mesm o para a teoria do carácter.
A análise de tais doentes mostrou-nos que é impossível
aparecer uma excitação psíquica sem ressonância cor
poral e que nervhum processo físico se efectua sem uma
reacção psíquica. São justam ente as neuroses actuais
que, aparentem ente, nos indicam o caminho a seguir para
chegarmos aos fundamentos biológicos comuns ès reac
ções físicas e psíquicas. Mas essa investigação sai do
âm bito dos nossos propósitos.
186
CAPÍTULO VI
187
Estas afirmações foram corrigidas posteriorm ente'. N,i
realidade, o primado da genitslidade aparece !cgo na
in-íância, na «fase fálica» do desenvolvimento libidinal
Este estádio atinge tanto um sexo como outro. Por um
lado, é nessa altura que se constitui a base mais sólida
da consciência do ego masculino: o orgulho de possuir
um pénis; por outro lado, aparece na rapariga a vontade
de possuir um pénis, que está na origem do sentimento
de inferioridade feminino e das suas compensações \
Aqui «existe realmente um masculino e não existe um
feminino; a oposição enuncia-se da seguinte forma: órgão
genital masculino ou castrado *, A polaridade sexual só
coincide com o masculino e o feminino, quando o desen
volvim ento termina, na altura da puberdade» (Freud,
Loc. ci*t.). O rapaz ipossui dentro de si as tendências
dessa etapa, ao passo que a rapariga, depois de ter
dado conta da inferioridade relativa do seu clitóris, se
vê na obrigação de mobilizar outras qualidades ero-
gêneas para instaurar o 'primado vaginal e transferir para
a vagina o erotismo clitoridiano. Este processo só em
circunstâncias favoráveis se consuma definitivam ente e,
em qualquer dos casos, nunca antes da puberdade.
Segundo a opinião quase unânime dos autores, durante
a infância, a vagina não desempenha nenhum papel de
zona erógena. E, por conseguinte, as análises não dão
nenhuma indicação de masturbações vaginais durante a
infância, com excepção de doerrtes que foram levadas
muito cedo a efeotuar manipulações semelhantes ao coito
e que, desta form a, descobriram a vagina como órgão
de prazer.
188
Como é então possível que a rapariga que, como
o rapaz, chega à fase genital com uma ligação à mãe,
se v o lte nessa altura para o pai? É esse o tema do
último estudo de Freud: «Algumas consequências psico-
dógicas da diferença anatómica entre os sexos» Para
o rapaz, o problema é tanto mais fácil que não tem que
mudar d e objecto, mas simplesmente passar da atitude
relativam ente passiva da fase pré-gemtal à fase mais
activa da fase fálica. Em contrapartida, a rapariga não
só tem que passar à fase activa, como tem que m u d a r
igualmente de objecto. Afasta-se da mãe e vira-se para
o pai. Freud enuncia três razões para isto: 1) Se a mãe
tem preferência p o r outro filho, a separação começará
pelos ciúmes. 2 ) Considera-se a mãe responsável pela
falta d e pénis, porque foi ela que «lançou a criança no
mundo com um equipamento tã o in s u f i c i e n t e » 3) S e
gundo Freud, as mulheres em geral, não suportam o ona-
nismo tão bem como os homens; daqui a admitir-se que
esta actividade agradável é afectada pela inferioridade
narcísica da ausência de pénis, vai um passo apenas,
pois que a rapariga é «avisada de que não pode certa
mente tornar-se igual ao rapaz neste ponto e que mais
vale não fhe fazer concorrência». A rapariga abandona
o desejo de possuir um pénis e substitui-o pelo de ter
um fiJho e, «neste desejo, esctfHié o pai com o objecto
de amor». Assim, nas raparigas, o complexo de castra
ção é anterior ao com plexo d e Edipo, enquanto que nos
rapazes, este vai degenerar em angústia de castração \
Poderão estas razões, que foram descobertas a partir
de alguns casos, justificar, de forma geral, a escolha efec
tuada pela rapariga d e um objecto heterossexual? Freud
deixa a questão em suspenso. É evidente que estes
189
acontecimentos da infância da rapariga são típicos e
podem juntar-se ao número d e circunstâncias normais
da evolução sexual feminina; no entanto, tudo isto parece
um pouco insuficiente para explicar porque razão a
mulher se votoa ulteriorm ente para o homem.
190
rspenas de u .t i jogo graças a um outro substituto do
seio, o dedo que se chupa e que só ulteriormente pas
sará a ter o valor de pénis. Rank afirma que é esta
diferença que vai ajudar a atingir o objectivo final do
desenvolvimento normal: existiria então apropriação geni
tal da mãe por parte do filho e a rapariga «identificar-
-se-ia com esta graças a um investimento narcísico do
seu próprio peito efectuado pela sua libido narcísica».
0 significado que Rank dá a esta fase não é claro: o
quy ele descreve como sendo um processo normal tem
jusiam ente como resultados casos muito neuróticos e
ele é o primeiro a sublinhar um antagonismo com a
estrutura normal. Os meus próprios estudos sobre a des
locação da libido na neurastenia crónica mostraram que
as mais graves carências da potência existem em homens
para quem o pénis e o esperma passaram respectiva
mente a ser substitutos completos do seio materno e
do leite. Quanto às raparigas cujo peito está investido
de libido narcísica, têm tendência a renegarem os ho
mens porque, nos seus fantasmas, dão inconsciente
mente ao seu próprio peito o valor de pénis. A im pre
cisão no que diz respoito às diferenças entre o desen
volvim ento sexual normal e patológico prossegue na
fase seguinte do mesmo trabalho de Rank: «O nosso
interesse... não é tanto dirigido para a forma como a
viciação sádico-oral primitiva da mãe, por parte da
lactente, entra na vida sexual normal ou perversa de um
indivíduo, mas antes para a forma como a fase genital
se apropria do resto (seríamos tentados a dizer o resto
sórdido V baseando-nos no número de perversões e de
neuroses)». Receamos que exista aqui uma imprecisão
terminológica. Com efeito, a evolução sexual de rrvuítas
neuroses e perversões distingue-se justamenté pelo
excesso de libido oral, sádica ou não, que foi «apro
priada pela fase genital». Por outras palavras, existe
então uma fixação da libido em atitudes orais ou sádicas.
Em que medida o interesse tibidinal foi arrancado às
zonas pré-genitais e virado para a zona genital? Melhor
ainda, em que condições a libido genital pode desen-
191
volver-se sem interferir demasiado com as tendôncns
pré-genitais? Eis as perguntas que dizem respeito ao
desenvolvim ento sexual normal. Basta pôr o problema,
para mostrar o que nos diferencia: Rank pergunta do
que forma a genitalidade emerge das zonas pré-genitais,
nós perguntamos de que forma a libido genitai poda
desenvolvef-se sem ser perturbada pelas influências da
libido pré-genital.
O cam po da análise psicológica em si, que só em
último caso deveria aventurar-se em casos particulares,
com porta uma nítida diferenciação entre «desenvolvi
mento dos instintos» e «desenvolvim ento das relações
com o m undo exterior». Decerto, estas apoiam-se na
estrutura instintual mas representam uma etapa superior
d o desenvolvimento dos instintos e, além disso, depen
dem essencialmente da experiência individual. «Géneso
da genitalidade» não ipode então significar: ou o apare
cimento das aspirações genitais, ou o aparecim ento dc
am or objectai genital e da escolha do objecto. Do ponto
de vista do método, nada nos impede de procurar .»
génese do amor objectai através da psicologia, mas não'
podemos fazer a mesma coisa no que diz respeito ao ero
tism o fálico, que resulta de excitações corporais e não
pode consequentemente ser apresentado pela psicologia.
Rank concebe o erotismo fálico com o um subpro
duto e não como um dado psicológico irred utível ísto
traduz-se nas seguintes frases (loc. cit. p. 148): «A agres
sividade pode ser tem porariam ente dispendida no está
dio genital (e prim itivam ente no estádio oral); é esta
atitude que nós caracterizamos com o term o de potên
cia (no h o m em ). A erecção (que é o seu sinal apa
ren te) seria, p o r assim dizer, um sintoma passageiro
d e conversão da tfbido sédico-oral (ap etite sexual)».
É difícil de com preender p o r que razão o erotism o g eni
tal exigiria ume explicação psicogenética e não o ero
tismo oral ou anal, por exem plo, sobre os quais nin
guém até agora se debruçou. Em contrapartida, se
perguntarmos o que faz surgir o erotismo fálico, Freud
dá-'nos, como primeira aproximação, uma resposta sufi
ciente: as frustrações da satisfação anal, das excita
ções externas e internas ligadas à aprendizagem da
192
limpeza corporal, devem ser consideradas como respon
sáveis pelas modalidades desta manifestação. A estu
argumento metodológico soma-se a experiência de muitos
casos clínicos, nos quais se recusa a erecção ou em
que, como no caso da neurose obsessional, a satisfação
continua a ser fraca, embora o falo tenha sido precisa
mente posto ao serviço das tendências orais e sádicas.
193
«ser» ou «significar» de forma imprecisa. Embora, por
vezes devamos considerar isso como uma simples incor
recção sem importância, por outro lado, tal utilização
pode dar origem a falsas asserções e a complicações
inextricáveis. Por exemplo, o coito normal «seria» ou
«significaria» uma regressão ao seio materno. É impos
sível que o seja de facto. Que o signifique, pode querer
dizer que o sujeito, desejando conscient&monte o coito,
esteja a desejar inconscientemente voltar para o seio
materno. Se, numa tal interpretação, não se indica que
se está a falar do inconsciente arcaico, existe eviden
tem ente transposição do campo patológico para o campo
normal. Por exemplo, quando um homem im potente
sonha com o coito, é possível que exprima através dele,
também, a sua nostalgia do seio materno; mas está a
designar sem dúvida nenhuma o coito, quando em
sonhos penetra numa caverna ou foge da suposta cas
tração que é o acto sexual para se refugiar no seio
materno. Consequentemente, as interpretações imprecisas
podem fazer-nos perder com pletam ente de vista a razão
principal da impotência: o coito não é só ou não é de
todo a satisfação para a genitalidade em si, é, sim, a
satisfação para a nostalgia do seio materno ou da libidn
oral ou ainda do sadismo. Ora, e isto é já uma hipótese
confirmada, os desejos genitais regridem aos desejos
pré-genitais e à nostalgia do seio m aterno, quando, em
consequência da angústia de castração, é recusada i
satisfação genital.
Na «teoria da genitalidade» de Ferenczi, a interpre
tação «bio-analítica» do coito veio substituir o ponto
de vista da psicologia individual. Não há objecção m e to
dológica a opor a isto. A nossa experiência clínica per
mite-nos até confirmar uma parte das hipóteses espe
culativas de Ferenczi, as que assimilam a ejaculação com
a autonomia biológica de um órgão que seja causa ds
dor ou de tensão. Eis um facto que provaria o valer
heurístico de muitas «especulações». De qualquer forma,
para o indivíduo são, a ejaculação não significa certa
mente urna castração. Só para indivíduos neuróticos
(pelo menos para a m aioria), é que o orgasmo pode
ter o significado de um perigo (castração) e é por isso
194
que sofre perturbações. Quanto ao sentimento normal
de um indivíduo se «perder» no orgasmo, só pode mani
festar-se quando não existe angústia de castração.
Uma outra parte das hipóteses de Ferenczi que diz
respeito à genital ida de merece uma reflexão especial.
Ferenczi tentou compreender o processo de fricção e
de ejaculação com o resultado de uma mistura (anfim ixis)
das pulsões anal e uretrai. A ejaculação seria um pro
cesso u retrai, ao passo que o prolongamento da fricção
pela retenção do esperma seria um mecanismo anal.
Neste com bate entre o desejo d e dar e o d e conservar,
a vitória caberia normalmente ao erotismo ti retrai. Na
ejaculação precoce, a pulsão uretrai ganharia demasiado
cedo; na ausência de ejaculação a pulsão anal seria
preponderante. Para se atingir a potência de ejaculação
seria nejessário que houvesse um equilíbrio entre estas
duas tendências. A isto tem que se contrapor que a
ejaculação se explica totalm ente pelo processo reflexo
do cervtro espinal que é posto em funcionamento pela
•ricção com o excitação sensível. £ a fricção em si é
tão expJicável psicologicam ente com o o coçar de uma
comichão cutânea, a menos que queiramos interpretar
o fisiológico pelo psicológico. De qualquer forma, e s ti
interpretação era para Ferenczi apenas um ponto de
partida para a sua hipótese, prometedora, da «bio-análise».
M as a experiência demonstra que a função genital só
pode ser afectada pelas tendências não ger.itais. Conse
quentem ente, embora a hipótese geral de Ferenczi seja
realmente correcta, para que a função genita'1 normal
possa exercer-se há que acrescentar um outro elemento
à simples deslocação das qualidades anais e uretra is
para o aparelho genital. Não será justam ente a libido
fálica no homem que, pelo seu próprio princípio eró-
geno, gera uma tal modificação?
Se analisarmos a função genital normal em home.is
orgasticamente potentes, no sentido da nossa definição,
encontramos, para além do amor objecta! fálico que
se manifesta nitidam ente, numerosas tendências mais
ou menos acentuadas, que, através da análise de homens
impotentes, reconhecemos como pré-genitais, ou sádicas,
ou como nostalgia do seio materno. Bastará isto para
195
chegarmos a alguma conclusão quanto à génese do
processo e ao «sentido» de uma função? Decerto qu-3
não, pois muitas dessas tendências podem te r vindo
secundariamente por acréscimo, depois da edificação d d
função ou então estarem especificam ente determinadas
Por exem plo, quando, na análise de um homem são,
vemos desenvolverem-se tendências sádicas ou orais,
a função genital sofre perturbações e a razão de tais
perturbações reside, sem dúvida alguma, nessas ten
dências exclusivamente. Em contrapartida, nada muda
quando analisamos o prazer genital ou a experiência
orgástica, a não ser que despertem os antigos desejos
incestuosos. Normalm ente, o erotismo genital não se
encontra subm etido a nenhuma restrição da parte do
super-ego. Este tolera a genital ida de, ou vai até a pontoa
de a depreciar, mas não a repele de modo nenhum.
E até esta diferença ínfima entre a tolerância e a apre
ciação da satisfação genital pelo super-ego aparece c la
ram ente marcada não só na intensidade da satisfação
final e na atitude em relação ao objecto sexual com o no
que diz respeito às ideias sobre sexualidade; basta uma
simples comparação para o demonstrar. O erotism o pré-
-genital assock>u-se fortem ente de forma acessória à
genital idade, segundo modalidades individuais, e encon
tra satisfação no prazer inicial e fin a l— juntam ente com
esta última — e é isso que o distingue da genitalidacie
normal. Se, ou p or recalcam ento ou até mesmo po;
simples defesa, tais aspirações pré-genitais são exclu í
das da satisfação pré-genital, esta, por sua vez, sofrerá
mais ou menos com isto, conform e a intensidade da
excitação ou da defesa encontradas. Qual será a origem
desta rejeição?
é inverosímil que as aspirações pré-genitais e outras,
que não pertencem à genitalidade, possam participa'
na satisfação sexual geral sem alteração, isto é, sem
serem influenciadas peta tendência genital. Isto torna-se
claro se pensarmos nos objectivos destas pulsões, que
têm de ser modificadas de uma maneira ou de cut;-3
durante o acto sexual, caso contrário, perturbam o ego.
Um 'beijo, como introdução ao acto sexual, satisfaz
evidentem ente a libido oral: o seu objectivo primitivo
196
era a sucção. No beijo, este objectivo é elevado oo
estado genital da satisfação. A transformação da sucção
em beijo pode, sem hesitação, ser imputada à influênc a
do erotismo genital sobre o oral. 0 b8ijo com a língua
é ainda mais sugestivo. É evidentem ente necessário supor
uma influência inversa quando por exem plo, nos preli
minares, a boca entra em contacto com as partas geni
tais do companheiro. Entre isio e a fellatio ou o cuni-
lingue como perversão exclusiva, existem todos os
intermediários e a impotência aumenta à medida q u j
os objectivos pré-genitais predominam cada vez mais.
A analidade é elevada ao estádio genital como
tendência ao coito a tergo ou como erotismo olfativo.
Da mesma forma, o sadismo do homem e o maso
quismo da mufher passam a ser respectivamente activi
dade masculina e 'passividade feminina. 0 erotismo ure-
tral parece poder encontrar uma satisfação completa
na ejaculação, devido às suas relações genéticas com
a genitaHdade, com o o fez notar Ferervczi. A ejaculação
ante-portas com o am olecim ento do pénis representa o
limite patológico em que o erotismo uretral se apoderou
totalm ente do cam po genital.
Portanto, a «subordinação dos objectivos pré-geni
tais ao primado da genital idade» condiciona também,
na fase fálica, uma m odificação qualitativa das pulsões
parciais. Deve-se atribuir esta modificação ao carácter
fálico da libido e às influências do super-ego om
formação. Mas qualquer puteão pré-genital pode muito
bem permanecer excluída da genitalização, devido j
uma fixação parcial ou a um recalcamento isolado.
Pode tam bém , durante o desenvolvimento das activi
dades sexuais, na puberdade ou mais tarde, ficar d im i
nuída e não ser admitida a participar na satisfação geni
tal. Um tal afastamento ou recalcamento parcial encobrs
um duplo perigo. Por um lado, uma m enor ou maior
quantidade de libido é excluída da satisfação, forma
estase e o contra-investim ento que se lhe segue só
pode perturbar a harmonia da experiência sexual. Por
197
outro lado, o impulso recalcado exerce irm efeito de
atracção sobre as outras tendências e acaba por se
transformar no refúgio dos desejos reprimidos. Assim
se constitui o germ e de uma eventual neurose. Por
exemplo, os caracteres obsessivos capares de erecção
fazem um rigoroso tabu de todas as posições de coito,
que não sejam a «normal». M ostram os igualmente, com
exem plos, até que ponto um erotism o anal que se gene
raliza pode perturbar o orgasmo feminino. Por si só, a
reivindicação pulsional recalcada não poderia criar a
neurose, se não viesse juntar-se-the o enfraquecimento
da satisfação sexual e a consequência que daí resulta:
a estase da libido. Deste ponto de vista, os tabus que
marcam qualquer manipulação mais ou menos ligada a
actividade onanista, apresentam um perigo m uito espe
cial. Notemos especialmente o tabu dos contactos recí
procos das p anes genitais. Em tais casos, é uma parle
im portante da genital idade propriamente dita que fic j
exchjída da satisfação. Os efeitos desta exclusão nã:>
se limitam à satisfação mas suscitam m uito facilmente
uma insensibilidade vaginal na mulher e provocam no
homem uma apatia considerável no acto sexual, até
mesm o um enfraquecim ento da potência erectiva.
Depois de termos tentado esclarecer um pouco o
desenvolvimento dos objectivos pulsionais e as suas
interrelações, voitem os agora ao problema da escolha
do dbjecto.
198
Sobre este assunto, existem dois pontos de vista
parcialmente antagonistas na literatura psicanalitica. Por
um lado, Freud e H. Deutsh defendem que, durante a
puberdade e períodos anteriores a feminilidade se desen
volve por reacção à disposição amorosa da rapariguinhíi
em relação ao pai. Em consequência, a rapariga seguiria
em primeiro lugar uma linha de actividade e d# v irili
dade antes de se converter a critérios femininos. N-i
base destas análises, Karen H o rn e y 11 foi a primeira i
defender um ponto de vista diferente. Segundo esta
autora, a frustração do desejo de ter um filho desem
penharia um papel determ inante fia génese do complexo
de castração feminino, da vontade de possuir um pénis
e d e ser rapaz. Quanto às atitudes masculinas na mulher,
deveríamos considerá-las como formações re3ccionais e
com o consequências de falsas identificações. Nos meus
trabalhos sobre as identificações frustradas 11 em carac
teres recalcados, fui levado a adoptar este último ponto
de vista. Freud, no seu último trabalho (loc. c it.), aliás,
não apresenta a escolha feminina do objecto como
sendo certa e geral. Pelo contrário, ao estudar os tra
balhos de H. Deutsch, ficamos convencidos que, ao
que parece, ela considera a vontade de possuir um
pénis como m otor prim itivo de todas as atitudes fu n
damentais da m ulher (o fi-lho substitui o pénis e, durante
o coito, o prazer sexual feminino resulta de uma iden
tificação com o hom em ). 0 que é que se desenvolve
em primeiro lugar: o desejo de te r um filho e a passi
vidade fem inina ou o desejo de possuir um pénis e a
actividade viril? € evidente que é impossível dar uma
resposta universalmente válida a tal pergunta. No entanto,
se estabelecermos a distinção entre objectivo e objecto
do instinto tam bém no tocante ao desenvolvimento se
xual fem inino, é possível suprimir muitas contradições
aparentes que obscurecem o problema.
0 facto de na infância não existir uma organização
199
vagina! capaz de ss transformar na base da feminilidade
afirmada, é um facto quo milita em favor da hipótese
do Freud e H. Deutsch. 0 onanismo clitoridiano da idade
edipiana e da puberdade fazem parte dos dados típicos
e o desejo d e possuir um pénis está sistematicamente
presente, embora nem sempre desempenhe um papel
patogênico primário. Encontrámo-lo, por exemplo, até
em caracteres dos mais femininos e maternais, facto que
Horney nota igualmente. «Desejo de possuir um pénis»
e «desejo de ser hom em » não são portanto idênticos:
podamos encontrar o primeiro sem o segundo, mas não
o contrário, O complexo de virilidade da mulher é a
manifestação caracteria! do desejo de possuir o pénis
e não pode existir se não tiver havido uma id e n tifi
cação com o homem (o pai) no ego. É o que acontece
com muita frequência nas neuroses obsessivas das m u
lheres. Nas histéricas, em contrapartida, o desejo de
possuir um pênis não exerceu uma influência essencial
sobre a atitu de feminina e maternal e só se manifesta
através de certos sintomas muito isolados.
A análise do desenvolvimento do amor objectai hete
rossexual em diversos tipos de mulheres frígidas mostra
que este depende m uito menos do erotismo clitoridiano
e do desejo de possuir um pénis do que das condições
exteriores, de que dependem as identificações.
Para muitas mulheres que repelem os homens e a
heterossexualidade, manifestando ao mesmo tem po um
com portam ento nitidam ente masculino, uma identifica
ção precoce e total com o pai foi provocada pela ati
tude deste último Este tipo de mulher recebeu muito
pouco amor e compreensão por parte do pai, que na
maioria dos casos era severo, ausente, frio, ou até por
vezes bruta!. Nos seus fantasmas sádicos, este tipo de
mulher representa-se a si própria como detentora destas
características; o que está estranhamente em contradi
ção com o desprezo que têm pela «brutalidade dos
homens», e exclusivamente dos homens. Quando a aná
lise cria neste tipo de mulher uma transferência positiva
200
fone, os desejos de maternidade e a tendência a ofe
recer-se ao médico (o pai) começam a sair das cam a
das profundas do inconsciente, correspondentes a uma
etapa precedente do desenvolvimento da libido. A aná
lise de tais casos pode remontar até à idade que a
memória consegue alcançar. Mostramos que a cena pri
mordial foi vivida em plena identificação com a mãe.
e depois, a uma dada altura, começou uma identificação
com o pai que iria dom inar e eliminar da formação do
carácter a identificação com a mãe. A cena primordial
desempenha um papel importante no estabelecimento
da identificação com o pai. Com efeito, o comportamento
do pai durante o dia enquadra-se com pletam ente com essa
«cena de pancadaria» que a menina observara à noite, de
forma que a criança tinha sido muito naturalmente levada
a pensar que a mãe havia sido espancada, ferida, cas
trada. Afastando-se do pai, o que provoca o fim da
identificação com a m ãe e a introjecção do pai que não
lhe liga, a menina efectua assim a sua estrutura edipiana
Só o medo da castração pode ter motivado esse afas
tamento do pai, porque, durante a cena primitiva, ?.
menina identificava-se com a mãe. As reacções te rj-
pêuticas positivas destas pacientes também o mostram.
Com ©feito, quando a identificação materna desperta
por influência da transferência positiva, aparecem sonhos
e fantasmas com tom masoquista. Defendem-se contra
tais sonhos e fantasmas exagerando imediatamente ainda
mais a sua masculinidade e o seu ódio pelos homens.
A motivação profunda de uma tal defesa reside num
medo manifesto da genitalidade. Essas mulheres que
até então toleravam ainda o acto conjugal começam
a deixar de suportá-lo, ou a tem er (com ou sem angús
tia) consequências vagamente nefastas. Compreendemos
sem dificuldade que existe aqui um medo de perder
o pénis. Porque, depois da instauração da identificação
com o pai, o desejo de possuir um pénis transformou-se
em fantasma inconsciente de possuir realmente um pénis.
(Um a paciente que tinha precisamente este fantasma
urinava sempre de pé por cima do buraco da retrete).
M as quando se crê possuir uma coisa teme-se também
perdê-la Em contrapartida é mais difícil de compreender
201
a angústia da castidção antes da identificação com o
pai, pois nessa altura só existia o desejo de pòssuir um
pénis, facto que certamente exciui a angústia de cas
tração no seu sentido restrito, mas não o medo de
a ficar ainda mais ferida nos órgãos genitais, já de si
mutilados. Porque qualquer coisa ficou: o clitóric, que
muitas meninas pensam que vai desenvolver-se e que
pode sempre dar prazer. Nüo obstante, estaríamos mais
conformes com os factos psicológicos no que diz res
peito à mulher se falássemos de «angústia genital» em
vez de «angústia de castração».
A identificação com o pai, que gera no carácter
o complexo de virilidade, provém portanto da frustra
ção amorosa que a menina sentiu em relação ao pai.
Daqui não resulta (ou pelo menos não im ediatam ente)
um desejo de possuir um pénis, o qual existia já an te
riormente por si próprio, independentemente da identi
ficação com a mãe. O desejo de possuir um pénis e a
identificação com a mãe só entram em conflito, quando
esta última esbarra com a frustração exterior. A identi
ficação com o pai, consequência de condições puramente
exteriores, vem depois — mas só depois — acrescentar
ao desejo de possuir um pénis toda essa força que
veremos ulteriorm ente em acção no carácter e nos
sintomas.
Comparando estas pacientes com outras, veremos
que o desejo de possuir um pénis nem sempre leva à
masculinidade. Muitas pacientes nunca desenvolveram
um caráoter viril e sempre apresentaram qualidades fem i
ninas e por vezes, até apesar da sua histeria, qualidades
maternais, que se apoiam numa identificação com a mãe
no seio do ego. 0 «im-pulso de actividade» descrito por
H. Deutsch (loc. cit.) foi na puberdade apenas uma mani
festação passageira14 e não conseguiu transformar de
maneira notável as grandes linhas da personalidade.
A análise da evolução das relações objectais mostra.
202
também nestes casos, todo o alcance que pode ter o
com portam ento concreto e o carácter do pai no que
respeita ao pleno desenvolvimento da feminilidade. O
pai, sem ser feminino nem estar submetido à mãe, deu
à sua filha muito amor não realizado. Em consequência,
à frustração interna não veio juntar-se uma frustração
externa tão forte corno no tipo precedente, c a razão
para uma identificação total com o pai desapareceu
portanto igualmente. A identificação com a mãe poderá
tam bém ter subsistido com base na satisfação do amcr
objectai, pelo menos no aspecto da ternura. O que faltou
para a sua estabilização com pleta foi essencialmente o
erotismo vaginal, que não pode instalar-se devido a
certos conflitos neuróticos. Mas enquanto que no tipo
precedente a sensualidade heterossexual esbarra contra
a angústia genital, neste caso é o medo do incesto e o
sentim ento de culpabilidade em relação à mãe que de
sempenham o principal papel. Evidentemente, no caso
da histeria grave, um medo intenso do coito (angústia
genital) vem somar-se a isto.
No entanto, o onanismo clitoridiano e o desejo de
possuir um pénis fazem também parte dos dados clás
sicos destes casos. Em que consiste portanto a dife
rença entre os dois tipos? Ora bem, a comparação
permite-nos afirmar que no tipo obsessivo-masculino,
a masturbação do clitóris é acompanhada por fa n ta s
mas sádicos e homossexuais-activos, enquanto que no
tipo histérico feminino existe paralelam ente a represen
tações heterossexuais (e muitas vezes masoquistas)
de coito.
Estes factos lançam uma certa luz sobre a dife
rença aparente entre o ponto de vista de Freud e H.
Deutsch por um lado, e o de Hom ey e meu por outro
lado. Os primeiros consideram a libido fálica masculina
com o a primeira a desenvolver-se, ao passo que nÓ3
tomamos em conta a disposição psíquica da rapariga
em relação ao pai, que anuncia a sua atitude feminina
203
ulterior e que, na nossa opinião, se desenvolve prim eiio
O desenvolvimento sexual feminino encontra-se atém
disso complicado pelo facto de a rapariga desejar o pai
de início, com um órgão masculino (fantasmas de coito
com orgasmo clitoridiano). Mas, hoje em dia, não se
poderá opor à seguinte concepção: a libido de órgão
da m ulher é no início masculina e, normalm ente, a sua
atitude psíquica é sempre feminina ou semelhante à
sua fem im M ad e ulterior (sah/o uma única excepção) 15.
é possível que a rapariga com ece por descobrir o
pénis ao 'brincar com os seus colegas ou irmãos; pode
acontecer tam bém que adquira o desejo de ter um
filho, por ocasião de um nascimento, p o r exemplo — tal
alternativa depende talvez in terra men te do caso. Quanto
a saber se a consequência resultante da comparação
dos órgãos genitais antes da fase genital será um agra
vam ento do com plexo de castração, ta l constitui a in d i
para nós um problem a totalm ente em suspenso, pois
certam ente será necessário termos em conta que, neste
caso, o órgão genital já foi descoberto com o consti
tuindo fonte d e prazer, tendo sido ‘investido de narci
sismo. Além disso — e este facto é ainda mais decisivo
— os desejos de possuir um pénis e o de ter um filho
coexistiram durante m uito tem po pacificam ente e sem
influências recíprocas, até que, no tumulto do período
edipiano, as variações do destino individual restabele
cem, num sentido ou noutro, a equação: pénis/filho.
A rapariga abandona o conflito edipiano umas vezes com
um com plexo de virilidade, outras com uma identifica
ção com a mãe, mas, em qualquer dos casos, o erotismo
clitoridiano que já fo i activado não desempenha nenhum
papel específico.
Se a rapariga terminou a sua fase edipiana com
uma identificação com a mãe no plano do carácter, esta
204
só se ajustará com o erotismo clitoridiano até à puber
dade. Nessa altura, co-m a reactivação dos conflitos
antigos, a identificação com a mãe acabará por desa
parecer, em benefício do complexo de virilidade, a menos
que forme a base do primado vaginal.
De que maneira se instala o primado vaginal? Trata-
se duma questão ainda obscura em muitos aspectos.
Nos «Três ensaios sobre a teoria da sexualidade», Freud
afirmava que, na puberdade, o erotismo clitoridiano se
deslocava normalm ente para a vagina. Freud não se
alarga m uito sobre as modalidades e contradições de
uma tal deslocação. Das investigações comparativas já
feitas, ressalta hoje que a principal condição da deslo
cação consiste numa identificação caracterial com i
mãe, que se efectuou no seio do ego. Mas, mesmo em
táis condições, podemos no entanto interrogar-nos sobre
a forma como o erotismo fálico do clitóris se pode
«transformar» em- erotismo receptivo da vagina, porque,
sem uma tal metamorfose, uma deslocação pura e simples
seria difícil de imaginar.
Tanto quanto sei, foi Jekels ,s o primeiro que esta
beleceu a relação causal entre a analidade e o erotismo
vaginal, com base na sua qualidade comum de receptá
culos (côncavos). Mais tarde, F eren czi1T e Lou Andreas-
-Salomé defenderam a mesma ideia. Recentemente, H.
Deutsch (loc. cit.) descobriu que, para além das carac
terísticas de receptáculo da analidade, a vagina tomava
também a seu cargo as da oralidade. De resto, a acti
vidade de sucção da vagina é um fenómeno bem assenta.
Os meus próprios estudos sobre a evolução do super-ego
na multter (loc. cit.) levaram-me aos resultados seguin
tes: «a identificação com a mãe no ego» faz-se a partir
dos atributos de analidade e de oralidade e a «evolução
normal da mulher» comporta, «após a frustração fálica,
uma regressão parcial a um estádio anterior de desen
volvimento da libido». 0 estudo das perturbações do
orgasmo feminino não só nos dá uma confirmação da
205
ideia atrás citada, como leva tam bém , inevitavelm ente,
à conclusão de que a indispensável «deslocação» do
erotismo clitorid-iano, remate final da construção do pri
mado vaginal, só é possível depois da deslocação para
a vagina da libido anal e oral. Nestas deslocações, tra
ta-se de movimentos de interesse psico-iibidinal e não,
de processos fisiológicos quaisquer. A vagina tem a
sua própria erogeneidade fisiológica, que não pode entrar
em cena enquanto o clitóris continua com um forte
investimento psíquico e erogeneidade fisiológica. Mas
se houve interesses orais-receptivos ou anais-passivos
da libido investidos do lado da va g in a — -coisa que se
torna possível precisamente pela identificação com a
m ãe — o clitóris vai perder um m aior ou m enor 'inte
resse psíquico. No entanto, a sua excitabilidade fisioló
gica não desaparece: pelo contrário, desempenha um
papel importante nos preliminares e no coito. Mas, a
partir do momento em que se descobrem as novas
fontes de prazer da vagina (a qual pode satisfazer todas
as aspirações da libido, corresponde ao papel biológico
da sexualidade e, contrariam ente ao erotismo clitori-
diano, não gera nenhum conflito psíquico) a criação da
excitação por meio do clitóris passa a te r um interesse
secundário.
Em resumo, há qu-e distinguir três elementos funda
menta is no conceito de genital ida d e.
206
genital. Na sua qualidade de excitação sexual física em
geral, a libido somática está sediada no sistema neuro-
-vegstativo e tem a sua fonte nas secreções internas
(de uma química sexual ainda hipotética). 0 orgasm o
(c, com ele, a regulamentação da economia libidinal)
só está assegurado se uma pulsão psico -g en ital bem
d e senvolv ida fo r capaz c/s concentrar sem perturbações
a c x c i l j ç ã o sexual somática na zona genital. 0 facto de
só o aparelho genital ter a possibilidade de proporcionar
a satisfação orgástica deve residir na estrutura fisioló
gica das diferentes zonas eiógenas.
Qualquer perturbação de um dos três elementos da
genitalidade condiciona uma impotência orgástica e uma
estase libidinal. É o que acontece quando se recalca
a percepção dos impulsos genitais, quando a libido
genital psíquica é afastada para outras zonas erogénas,
ou quando, devido a uma evolução psico-genital defei
tuosa, a libido pré-genital se apodera do domínio geni
tal, etc. Todas estas perturbações afectam a evolução
da excitação sexual somática.
Entre as múltiplas possibilidades que se abrem à
libido acumulada na estase (formação da angústia de
estase, sintomas de conversão, sintomas obsessivos),
o reforço do instinto de destruição possui um signifi
cado sobre o quat ninguém se debruçou até agora. É o
c^;e vamos fazer a seguir.
207
CAPÍTULO V II
209
agressividade, da brutalidade e do sadismo) depende ou
da possibilidade actual de satisfação sexual ou da pres
são exercida pela estase somática da libido.
A nossa demonstração apoia-se em indícios clínicos
tão conhecidos que podemos dispensar-nos da anállss
pormenorizada dos doentes. A dependência de que aca
bamos de falar observa-se não só no domínio corporal
ccm o no das atitudes mentais; de facto, não 'há que
separar atitudes mentais e manifestações corporais.
Já no caso da neurastenia aguda — que lem como
origem uma satisfação inadequada e por fundamento
a estase somática da libido -r— vemos am plificarem-se as
manifestações do instinto d e destruição: irritabilidade e
explosões de cólera a propósito de coisas de nada,
assim como uma excessiva agitação motora. Os estudos
teóricos de Freud sobre a libido, que foram confirm a
dos pelos resultados de Abraham, Federn, Sadger j
muitos outros, ensinam-nos que, assim como o aparelho
genital e as zonas erógenas são zonas funcionais do
instinto sexual, o instinto de destruição recorre à m us
culatura e que, com o mostra a análise dos casos em
questão, a agitação motora se manifesta nestas neu
roses ao ponto de a excitação sexual não satisfeita
invadir o sistema muscular; não S3 manifesta nele já
como actividade sexual, mas como tendência para a
destruição.' Temos, portanto, d e adm itir que se a exci
tação sexual não é nem absorvida no sintoma nem
bloqueada na angústia dé estase, passará para o ins
tinto de destruição.
Nos caracteres sádico-impulsivos, a agitação motora,
a tendência para a agressividade geral são, como facil
mente se verifica, tanto mais fortes quanto mais tem po
os sujeitos viverem em abstinência, observando-se inclu
sivam ente que estes im pulsos dim inuem logo que a
abstinência cessa, mesmo que seja por pouco tem po.
Da mesma forma, com o bem o mostrou a análise
de um dos nossos casos, a agitação m otora que se
traduz pela necessidade de viajar ou de fuga perm a
n ente, reside numa excitação sexual desviada para o
aparelho muscular. Essa necessidade imperiosa de viajar
210
e de fugir corresponde aqui à busca inconsciente de
um objecto sexual e de satisfação sexual.
Outro facto com provativo disso é o -de o lactante
começar a morder, isto é, a ser sádico-oral, quando o
desmamam; e podemos também observar que a exci
tação das crianças que começam a entrar no período
de recalcamento dos complexo de Édipo 'passa do campo
erótico e sensível para o campo m o to r e destruidor.
Quando, com o iníoio da puberdade, começa a evo
lução não só física com o m ental da sexualidade, em
geral, o carácter é bem diferente do que será- depois,
no fim dessa fase. A principio, predom inam a fantasia,
a sentim entalidade, a tendência para um amor urriversal
da humanidade. Mais tarde, quando se estabelecem o
novo recalcamento do com plexo d e Édipo e a luta contra
a masturbação, desenvolve-se o caráoter d ito da «idade
ingrata»: maldade, arrogância, tendência para armar baru
lho com os pa'is e educadores, vontade de brigar ou
de fazer desporto. Dos tempos do liceu fica-nos a todos
a lembrança de como os professores temiam as aulas
do primeiro e segundo ano (e m ais raramente do
te r c e iro )s.
Também noutros campos vemos a excitação sexuai
não satisfeita transformar-se muito facilm ente em agres
sividade, até m esm o em brutalidade, da mesma forma
que um amor ludibriado pode m uito facilm ente trans
formar-se em ódio.
Na. altura da menstruação, e m uito em particular
irrvediatamente antes do início do ciclo, as mulheres
neuróticas m ostram-se ou extremamente irritáveis e agres
sivas ou muito deprimidas. Em pacientes minhas que
eram simultaneamente impulsivas e frígidas, eu era capaz
de adivinhar quando começava a menstruação. Pela m aior
ou m enor acentuação da agressividade a psiquiatria vê
no mau bum or que acompanha o período menstrual uma
consequência directa do processo somático da menstrua
ção, e ten ta p o r conseguinte exercer influência sobre
estas perturbações, p or m eio d e uma terapêutica orgâ-
211
nica. Inversamente, a análise mostra que a irritabilidade
e a agressividade são 'reacções psíquicas ao corrimento
de sangue genital, ao passo que a depressão corres
ponde em parte a uma afecção de narcisismo (pois a
maioria das mulheres têm a impressão que a m ens
truação as põe em desvantagem em relação ao hom em )
e em p arte a um recalcamento das tendências agres
sivas (sentim ento d e culpabilidade). M as estas reacções
não são puramervte psíquicas. Prove disso é o facto de,
em m uitos casos, a agressividade e os fantasmas sádicos
se amplificarem antes m esm o de a m ulher saber que
o seu ciclo vai começar, o que econtece muitas vezes,
dada a irregularidade d a menstruação nas mulheres neu
róticas. Quando, graças à análise, essas mulheres reco
bram a sensibilidade genital ou inclusivamente a p o tê n
cia orgástica, estas reacções de tw m o r são substituídas
por uma excitação sexual focalizada e geral, porque
norm alm ente a libido se acentua no período im ediata
mente anterior à m enstruação no seu decurso. Uma vez
liberta da frigidez, acontece precisamente que a mulher
vai deixar d e sofrer de estase libidinal que, quando não
gera uma angústia d e estase, faz aum entar a agressi
vidade. Aceitou a genitialkJade sem pénis e a exp ecta
tiva da satisfação sexual já não cria nela nem angústia
nem ódio, mas predispõe-na mais para o amor, ao con
trário de mulher neurótica, que reprim e o próprio prazer
da expectativa.
A análise d e casais onde as discussões e a b ru ta
lidade hnperam mostra que estas provêm essencial
m ente de um estado d e insatisfação sexual. Voltarem os
mais porm enorizadamente a este assunto no último
capítulo.
Os animais castrados (capões, bois, cães, etc.) são
totalm ente desprovidos de agressividade e, em contra
partida, os galos e os touros são tanto mais agressivos
quarrto m ais raram ente cobrem as fêmeas. Depois do
coito, tanto a libido com o a agressividade se tornam
mais débeis.. Para se amestrar severamente os cães de
guarda, há que mantê-los presos e afastados das cadelas.
A natureza fleugmática dos eunucos castrados antes da
puberdade mostra não só que a estase da libido é uma
212
fonte importante de agressividade mas também que o
instinto de destruição perde o seu poder sabre o mundo
exterior quando falta a fonte libidinal.
Os incidentes que 'marcam a menopausa e a velhice
constituem uma excepção: quando se inicia a involução
da menopausa, o sujeito reage primeiro violentam ente
com uma actividade sexual maior, e isto tanto mais
quanto mais insatisfeito tenha vivido a sua vida.
Quando a menopausa chega, não é raro ver-se nascer
puJsões sádicas, isto é, pulsões sexuais cruéis. Todos
estes factos não são mais do que um preliminar para
a involução do envelhecimento, no qual, segundo a hipó
tese de Freud, o instinto de morte ou, por outras pala
vras, o instinto biológico de destruição se desenvolve
no interior do indivíduo. Com o esgotamento da fonte
individual do Eros, isto é do instinto d e vida, instala-se
o processo d e involuções que leva à m orte — e isso não
pode ser obra d o acaso.
Além disso, o desaparecimento espontâneo das ten
dências para a agressividade ou crueldade depois de um
aoto sexual satisfatório prova tam bém que o instinto
de destruição depende d o estado da libido. Assim, o
orgasmo genital retira manifestam ente energia ao sistema
muscular: os desportistas obstinados, baseiam-se na
observação correcta destes factos, quando vivem em
abstinência afim de realizarem melhores resultados.
213
por ganhar. Daqui resulta uma dupla consequência. Em
primeiro lugar, é uma outra pulsâo ainda não atingida
pela frustração que vai aparecer mais -nitidamente em
prim eiro plano (por exemplo, a analidade quando c
criança foi arrancada ao seio materno, a mastuibução
genital depois do sucesso da aprendizagem da limpez-j
corporal). Em segundo lugar, qualquer frustração sus
cita ódio e ambivalência em relação ao objocio q u ■;
impõe os limites à satisfação. Quanto mais forte tivar
sido a irrupção da frustração, mais a fase do ódio cer-i
grande; quanto mais a educação tiver conseguido rápid-’
e brutalmente fazer com que a criança renuncie aos
seus instintos, mais o ódio será intenso. A terceira
consequência da frustração e da ambivalência é uma
identificação mais ou menos completa com o agente
da frustração. Isto 'pode parecer paradoxal, mas é um
facto Inegável: assimilamos caracterialmente o que odia
mos porque nos é proibido am á-lo. A energia pulsional
utiliza a identificação com o objecto — é o am or; o que
m otiva a identificação é o ódio provocado pela frus
tração que se sofreu. Assim, o objecto que não podía
mos deixar de amar e que tínhamos que odiar porque
não nos autorizava a satisfação, vai tomar o valor de
exemplo quando o carácter do ego e do ideal do ego
se form arem.
É nos caracteres impulsivos que este fenómeno so
maniíesta mais nitidamente. Os homens deste tipo que
ulteriorm ente desenvolvem sem recalcamento tendências
agressivas (e em particular sádicas) tinham gozado de
uma satisfação não recalcada desde a sua mais tenra
infância, ao contrário dos caracteres recalcados. A agres
sividade só apareceu com pletam ente depois, quando os
pais ou os séus substitutos começaram a reprimir brutal
m ente a satisfação sexual. A frustração brutal do incesto
é então sentida com tanta mais força, quanto mais
poderosamente a satisfação sexual real tivesse feito
aumentar este amor. Isto mostra que as pulsões par
ciais não se desenvolvem pela ordem habitual e que a
sexualidade infantil era «perversa-polimorfa» no sentído
mais lato da expressão. A genitalidade estava plena
m ente desenvolvida e até satisfeita, na medida das
214
possibilidades fisiológicas. A introjecção p rem iíura dos
objectos amados e da sua brutalidade cria um ideal do
ego sédico, cuja agressividade se volta para o interior
e para o e xte rio r. Estas crianças serão incapazes de
amor, ap3sar de terem uma enorme sede dele, pois o
ódio eíogou qualquer espécie de movim ento amoroso.
Mais tarde, o que mais detestarão será justamente aqurb
a que pediam mais amor, a casa materna. Como, além
disso, reprimiram as tendências para o amor, com preen
dem peifekam eníe que estão sujeitos a sofrer desilusões;
só desejam objectos inacessíveis e comportam-se <iu
forma a receberem inevitavelm ente uma recusa c a te
górica. Tal como o seu desejo sensual, a sua reacção
depois da inevitável decepção é não-recalcada e im pul
siva e, além disso, estas reacções são de um sadismo
caracterizado, isto é agressivas-destrutivas, no sentido
sexual, e a análise da sua origem mostra que na forma
,da agressão como no objecto que esta visa, volta a
aparecer o impulso sexual proibido. Por conseguinte
a frustração da satisfação sexual fez com que a agres
sividade viesse ao de cima. A combinação do desejo
de vingança com a pulsão sexual proibida gera a ten
dência sexual para a destruição, o sadismo.
No domínio da histeria e das neuroses de recalca
mento, de tipo obsessivo, encontram-se inúmeras provas
que apoiam esta concepção da origem individual do
sádismo. Lembremos aqui a nossa descrição da reacção
daquela mulher obsessiva (Cap. V , 2 ) quando as suas
tendências amorosas reapareceram na situação de trans
ferência. Como não podia saber nada dos seus desejos
e receava o analista como qualquer outro objecto sexual,
começou a odiá-lo. Então proliferaram fantasmas sádicos,
cujo carácter sexual era indiscutível. O processo, que,
neste caso, é inconsciente, desenvolve-se manifesta
mente no indivíduo impulsivo: este exige, sem deli
cadezas, provas de amor, e ameaça, por exemplo, enve
nenar o médico quando é repelido. Nunca admitirá que
a sua intenção assassina é motivada por esta recusa,
porque o seu orgulho, tão facilmente ofendido, e o seu
sentimento de culpabilidade, proibem-no de uma tal
confissão. M u ito pelo c o n trá rio , ac abará por encontrar
215
uma racionalização qualquer ou por declarar m iito Sim-
ptesmente que um assassínio, uma castração ou lançar
fogo com certeza o curariam, que seria para ele a única
forma de se satisfazer verdadeiramente, que deveria «ir
até ao fim», de uma vez por todas.
As relações entre o instinto de destruição e a
angústia neurótica não são tão simples como' as que
existem entre este e a estase libidinal.
A dada altura, A dler negava que se devesse buscar
a fon-te da angústia na libido e defendia o ponto de vista
segundo o qual a angústia seria uma reacção aos impulsos
agressivos. Uma observação superficial parece vir con
firmar esta concepção: com efeito, quando os caracteres
impulsivos travam as suas tendências sádicas, a angús
tia aparece. Mas, quando reafizam estas tendências, a
sua angústia neurótica fica reforçada, contrariam ente à
angústia de estase, que se dissipa depois da satisfação
sexual. Seria, neste caso, então o significado social da
«angústia de agressão» qus explicaria a sua diferença
qualitativa relativam ente á angústia íibidinal? Mas esta
hipótese é incompatível com os resultados do nosso
estudo, que demonstrou clinicamente que a intensidade
da agressividade depende da estase libidinal. Basta~ncs
portanto acrescentar aqui mais um facto: é na altura
da menstruação que as psicopatas agressivas, tornan
do-se ou não mais agressivas, desenvolvem ao máximo
a sua angústia moral ou a sua angústia agressão.
Em que difere geneticam ente a angústia de agms-
são (ou angústia moral) da angústia sexual?
No princípio do seu desenvolvimento, o ego tende
unicamente a obedecer às exigências do id; mas, obri
gado a vivar no seio de uma comunidade social, o ego,
se não se quer arriscar a ser por ela afogado, a breve
trecho tem que alinhar ao fado do super-ego moral,
que a çle se impõe. Compreendemos agora tudo isto
graças aos ensinamentos de Freud. Assim o mundo
exterior trava os instintos e, em caso de desobediência,
há que recear o castigo (a castração como castigo para
a masturbação, por e x e m p lo ); a isto o ego reage pela
angústia de objecto e, não podendo controlar as suas
exigências instintuais, tem que as recalcar. Mas este
216
receio de ser castigado não desaparece por causa disto,
subsiste sob a forma de sentimento de culpabilidade,
porque o objecto temido passa para o ego como recal
camento interno, como um «tu não deves» interno: diz-se
que o objecto é introjectado como super-ego. O senti
mento de culpabilidade é essencialmente uma angústia
moral (F reu d ); a expressão «angústia m o ra l» ' dá plena
mente conta de qu|> o sentim ento de culpabilidade é
apenas um prolongamento da angústia de castração,
que é o verdadeiro modelo de toda a angústia de puni
ção (F reu d ). Imaginamos ser profundamente morais,
mas fundamentalmente, temos apenas medo: é o que
revela a análise de todas as neuroses obsessivas.
Mas se examinarmos mais de perto a natureza do
sentimento de culpabilidade, da angústia moral, e se
a compararmos com a angústia infantil de punição, che
gamos a uma diferença fundamental: a angústia de cas
tração é a reacção imediata do ego quando este sente
dentro de si uma exigência sexual proibida. Pelo con
trário, a angústia moral é antes de mais a reacção do
ego quando este sente dentro de si uma tendência
sádico-destrutiva; de um ponto de vista puramente des
critivo, devemos por conseguinte denominar a angústia
moral angústia de agressão: com efeito, ela significa
que o indivíduo tem medo de vir a ser ele tam bém des
truído, se se com portar de forma egoísta, cruel ou
anti-social. A angústia de castração significa pelo con
trário o m edo neurótico da m utilação dos órgãos sexuais
quando se oede aos impulsos da libido.
Portanto para que a angústia de castração se trans
forme em sentimento de culpabilidade afgo terá que vir
somar-se-lhe: é a reacção agressivo-destrutiva ao perigo
de castração (o u à frustração de uma satisfação fibi-
dinal). Cste processo, que é facilm ente observável nas
neuroses obsessivas, pode resumir-se da seguinte ma-
fieira: a criança sofreu uma frustração de um impulso
libidinal; a sua reacção é dupla: por um lado, a angústia
de castração; por outro lado, tendências agressivas con-
6 217
tra a pessoa que está na origem da frustração. O ódio
é afinal de contas a reacção natural a uma frustração
ou a utna lim itação na procura do prazer. Este ódio é
acompanhado d e -pensamentos e, em casos extremos,
de impulsos assassinos. Mas como o objecto odiado
é ao mesmo tem po amado, dá-se o desenvolvimento
de uma angústia perante a realização de tais rmpulsos
relativam ente ao objecto amado; esta angústia de agres
são junta-se então è angústia de castração: se quere
mos roubar o falo do nosso pai, temos tam bém que
recear sermos castrados. A angústia moral ou angústia
de agressão é, portanto, expressão imediata de um
impulso de vingança recalcado, mas não emerge apenas
do contexto ódio/vingança: o ódio só por si levaria
à acção sem sentimen-to de culpabilidade, é sobretudo
o amor, o amor do objecto assim com o o amor próprio,
que cria a angústia moral.
De um lado como do outro, constatamos portanto
a mesma coisa: o ódio depende da intensidade da recusa
de am or, o instinto de destruição depende da estase
libidinal.
0 homem sente tam bém uma angústia de agressão,
mas esta só aparece com o inibição moral desprovida
de afectividade, porque a estase libidinal não existe.
Trata-se antes d e m ais de compreender porque razão
nos doentes a angústia moral pode aparecer acom pa
nhada de todos os sinais de afecção d e angústia: é que
na base de todas estas reacções complexas está a fonte
actual de todos os fenómenos neuróticos, a estase
‘libidinal
218
CAPÍTULO VIII
219
observa nada que se pareça de perto ou de longe com
o sadismo fálico ou anal do homem, que apunhala, fuzila
bate, perfura, esmaga, espezinha \
O instinto de destruição do homem distingue-se
fundam entalmente por um traço: os seus objectivos não
são biologicamente necessários; deste ponto de vista,
identifica-se totalm ente com a selvajaria dos animais
quando estes não conseguem atingir a satisfação sexual.
Nesta medida, o instinto de destruição é a contrapartida
(e consequência) da civilização e da cultura humanas
que, pelo seu lado, se fundam na repressão e sublima
ção da sexualidade. O que acontecerá ao instinto de
destruição? 0 meio ambiente social e a faculdade de
adaptação do indivíduo é que decidirão: o instinto de
destruição pode chegar a desenvolver-se num carácter
associai e cruel (o assassino sádico) ou, no seu oposto,
numa hipermoralidade obsessiva, cuja intolerância e du
reza põem claramente a nu a sua origem. Pensemos na
dureza do dogma católico e em particular na inquisição,
que, a pretexto de defender a hipermoralidade religiosa,
a envolveu de crueldade. Em si, a exigência e o exer
cício religioso do ascetismo resultaram de um profundo
sentim ento de culpabilidade; o pecado original, o mito
de Adão e Eva, não era mais que um acto genital proi
bido p or Deus Pai. Tal como na neurose obsessiva, a
proibição exterior transformou-se em proibição interior;
melhor ainda, Freud e Reik 2 demonstraram que os ritos
religiosos seguem regras absolutamente idênticas aos
cerimoniais obsessivos. Mas, tanto quanto eu saiba,
ninguém ainda defendeu a ideia de que é a repressão
das pulsões genitais que provoca tal ‘brutalidade. Ta»
repressão tem p or consequência um sadismo que vamou
encontrar, invertido, no masoquismo religioso. As orgias
masoquistas da Id ad e-M éd ia e a brutalidade sem lim ites
da Inquisição eram , portanto, fundam entalm ente descar
gas de energia libidinal. Isto fo i m agistralm ente repre-
220
sentado nos retratos de Filrpe II e Ti li Eulenspiegel por
De Coster, com todo o seu espírito. Contrariamente a
fH ip e II, neurótico e cruel, o protestante Till Eulens-
pregel rejeita e rkJrcufôriza o princípio do ascetismo,
o que faz d ele o tipo exem plar do homem bom; sim
boliza assim a influência benéfica que a supressão do
princípio do ascetismo exerceu no protestantismo, o
quai, pelo menos de inicio, se diferenciava do catoli
cismo pela sua maior brandura e tolerância.
221
esposa, justam ente porque ela se lhe deu sem celebra
ção do casamento, enquanto faz uma corte «respeitosa»
a outra rapariga, esta da sua classe. Quanto maior for
o respeito p or ela, m aior será a indignação com que
rejeitará a ideia d e ter relações íntimas com ela; ou
perderá a ternura que lhe tem , no caso de esta ceder
às suas exigências sensuais.
A sensualidade será considerada anal porque está
isolada e porque as tendências amorosas se encontram
divididas. Estes dois factos resultam filo g eneticam en te4
da soma dos actos de recalcamento individuais. É tudo
isto que é possível estudar através da análise de neu
róticos. A m ulher respeitada representa a m ãe que, para
o filho, não tem vida sexual, por te r sido ela que, em
tem pos, proibiu as actividades auto-eróticas com o re
pulsivas, e q u e oram tão agradáveis à criança. Por outro
lado, muitos neuróticos manifestam um grande desprezo
pela mulher; um dos m otivos é porque ficaram amarga
mente decepcionados, durante a sua infância, ao cons
tatarem que os próprios pais e particularmente a própria
m ãe, praticavam o que lhes era proibido. Foi tu d o recal
cado e só ficou tima desconfiança geral perante a jus
tiça divina e humana, uma sobrestrmaçõo ou uma depre
ciação extremas 'pela mulher, uma religiosidade obses
siva ou um ateísmo fanático, por fim e principalmente,
a incapacidade de unificar as tendências ternas com as
tendências sensuais. Doravante, só metade da persona
lidade pode participar na experiência sexual; isto leva
indubitaveimervte a um enfraquecimento da satisfação
psico-genital, com todas as suas consequências. Do ponto
de vista social, o resultado mais im portante disto, é
incontestavelmente o desenvolvimento das tendências
sádico-agressivas.
Além destes m otivos irracionais, que estão na ori
gem do desdobram ento da moral sexual, há motivos
racionais que desempenham tam bém o seu papel nas
diferentes concepções d o com ércio sexual fora do casa
mento («adultério» inclusivé) tan to para o homem como
para a mulher. Trata-se de sentim entos inspirados pelo
222
aspecto bárbaro e antinatural das relações entre os dois
sexos na realidade actuai. Como a moral sexual dom i
nante começa por denegrir a sensualidade, especial
mente o acto de amor e quando estas regras são denun
ciadas p or serem nocivas e anti-naturais, invoca-se a
degradação dos sentimentos sexuais por ela própria
gerada \
Assim, até os que têm menos preconceitos olharão
intuitivam ente, sem dúvida com um olhar diferente, para
o amor extra-conjugal, conforme se trate de um homem
ou de uma mulher. A linguagem traduz esta diferença:
a mulher «tem um deslize» enquanto que o homem
«faz uma conquista». Nunca se viu uma mulher «con
quistar» um homem, nem um homem «ter um deslize».
A causa disto reside no facto de que para a maioria
dos homens, «conquistar» uma mulher é fazer autentica
mente uma conquista m ilitar e de que, além disso, a
posse de uma m ulher casada representa um triunfo sobre
o marido «enganado». Não há, portanto, sobretudo, uma
experiência sexual mas sim uma «possessão», uma «de
sonra», irm «enganar», um «triunfo» e uma «vingança».
Portanto, para quem reage em termos burgueses, é incon
cebível que um cônjuge, que sente momentaneamente
uma atracção extra-conjugal, possa confessá-la ao outro
confiadamente.
Em tais condições, a experiência do orgasmo só
pode ficar diminuída em comparação com a alegria de
conquistar, de enganar, de esconder e d e «abandonar».
TaJ como a moral sexual burguesa enfraquece a potên
cia orgástica, estes preconceitos resultam na desfigu
ração do amor genital e furm reforço da duplicidade da
moral sexual. Para um homem dotado de potência orgás
tica, o acto sexual não ê nem uma prova de virilidade.
223
nem uma conquista militar, nem uma vingança contra
terceiros, mas sim uma experiência agradável, compar
tilhada e necessária. A mufher, tal como o homem,
«recebe» tanto com o «dá», e a muNier que não é frí
gida, deixou de ser um puro instrumento sexual. É desde
já evidente que a aceitação plena da genital idade reabi
lita a vida sèxual.
224
subestimação da m ulher que se baseia na dupla m o n l
sexual, reforça consideravelmente, para não dizer deci
sivamente, a reacção natural da mulher perante a sua
ausência de pénis. Desde pequenas, as raparigas ouvem
constantemente que os rapazes têm o direito e a possi
bilidade de agir. £ assim se cria um círculo vicioso na
mentalidade burguesa: não sublimado, o orgulho de pos
suir um pénis leva a considerar a mulher como um s e r
inferior. Por efeito de ricochete, esta subestimação torna
a mulher masculina, sexualmente temerosa e frígida.
Sendo frígida, perde o seu valor como objecto sexual,
porque a mulher insensível desperta justamente no
homem a impressão de só ter à sua frente um instru
mento de prazer e este sentimento reforça enfim a sua
presunção masculina e a subestimação da mulher.
Não é possível explicar apenas através da «con
cepção sádica do coito» a convicção de que a mulher
«se sujeita» ao acto sexu ai e de que este é para eia
algo de degradante. Com efeito, em prim eiro lugar,
esta convicção pode ir até à ideia de que a mulher
utiliza o acto para seduzir o homem e, em segundo
lugar, encontrámo-la em pessoas que não têm uma
concepção sádica do acto. Tal concepção deve antes
ser atribuída à degradação generalizada da vida sexual
e à atitude sádica e degradante do homem em relação
à mulher.
225
na constituição do €stado patriarcal e das associações
masculinas. Em particular, Boehm demonstrou T que fre
quentai" prostitutas pode servir de satisfação a u m 3
homossexualidade recalcada. Efectivamente, por inter
médio das prostitutas estabelece-se um comércio com
todos os outros homens; e, de facto, os oficiais, m ari
nheiros e os membros das associações estudantis têm
o costume, sob a pressão de uma homossexualidade
não satisfeita, de Irem em grupo ao bordel. Nesses
meios, v er dois homens, ou até mais, irem um a seguir
ao outro ter com a mesma m ulher é tão habitual como
a homossexualidade manifesta. Há que acrescentar a
isto a amizade íntima entre o «estudante veterano» e o
«caloiro» seu protegido, amizade esta cujos objectives
são recalcados, na maioria dos casos.
A análise dos neuróticos revela sempre que a sepa
ração das tendências sexuais reforça a hom ossexuali
dade e faz surgir o sadismo, tanto no homem como na
mulher. Nos membros das associações estudantis, estas
duas tendências satisfazem-se através de duelos e de
combates de sabre; o prazer da «luta» e a delimitação
absolutamente rigorosa entre amigos e inimigos são 03
seus fenómenos característicos. Em muitos pacientes que
se vêm obrigados a travar uma luta constante contra
a homossexualidade (nos eritrófobos, p or exem p lo ), ests
pulsão opera em sonhos uma ruptura do recalcamento,
sob a forma de com bates à faca, ao sabre ou à pistola.
Esta representação explica tanto a recusa como a satis
fação da pulsão. Tendo em conta a atitude global dos
estudantes destas associações, somos levados a consi
derar os seus contezes assaltos de sabre como uma
forma sádica de substituir a masturbação mútua; a acção
contêm ao mesmo tem po o seu próprio castigo. Esfor
çam-se p o r exibir as suas inúmeras vitórias nesses c o m
bates; o jovem «caloiro», tal como o galã em voga,
coram d e vergonha se não possuírem nenhuma cicatriz.
Tudo isto tem um significado perfeitam ente unívoco:
226
estamos perante tendências auto-punitivas que encon
tram no duelo a sua satisfação. Compensar sentimentos
de inferioridade com uma encenação espectacular de
valentia constitui uma segunda m otivação para estes
combates.
Temos de adm itir que a deformação do amor tem
um papel preporiderante no desenvolvimento da cruel
dade ,tanto no indivíduo como nas massas. A brutalidade
da Guerra Mundial (e talvez mesmo a Guerra Mundial
em si) não teria sido possível se a sede de poder de
um punhado de dirigentes não tivesse encontrado q u jl-
quer eco na crueldade latente dos indivíduos. Num ensaio
intitulado Considerações actuais sobre a guerra e sobre
a m orte ®, que passou quase despercebido, infelizmente,
nos meios que precisamente deveriam ter-se interes
sado por ele, Freud conseguiu explicar o entusiasmo
bélico: a guerra significa a libertação colectiva dos recal
camentos e em particular das pulsões sexuais, com a
autorização do pai, idealizado na pessoa do imperador:
pode-se finalmente matar sem sentimento de culpabili
dade. Durante a guerra, foi possível constatar igualmente
que os indivíduos que tinham fortes ligações heteros
sexuais ou sublimações válidas, se opunham à guerra
e que, em contrapartida, os que consideravam as m u
lheres como simples buracos e eram homossexuais laten
tes ou manifestos, eram os mais brutais dos valentes.
Os psicopatas sádicos e os caracteres associais também
?e conformavam bem com a ideologia bélica. Quem
esteve na guerra conhece bem o papel das obsceni
dades e injúrias anais em tal ambiente. Estas duas com
ponentes da genitalidade desfigurada reinavam tanto
nas salas de convívio como no quartel, no campo do
manobras ou na messe dos oficiais. As prostitutas e o
coito eram o assunto exclusivo das conversas. Os que
conhecem as grosserias dos militares sobre a função
genital não nos recusarão certam ente o direito de ver
nelas uma regressão colectiva à analidade e ao sadismo.
Durante a guerra, esta regressão propagou-se por todo
227
o lado, mas já antes da guerra o ambiente dos quartéis
demonstrava claramente o estado mórbido da estru
tura genital das massas e dos seus dirigentes.
Diz-se murtas vezes, com razão, que onde reina a
força e a violência não existe lugar para o amor. A
sociologia e a teoria das neuroses exigem que se acres
cente tam bém o seguinte: quando o &mor objectai geni
tal não pode exercer-se na sua unidade, assiste-se a u.n
exagero da sede de poder e da brutalidade para atém
dos limites biológicos e so ciais9. Com efeito, a nossa
experiência clínica da influência da repressão do amor
sobre a propensão ao ódio, permite-nos afirmar que o
m otor da guerra não era só nem fundam entalmente s
sede do poder, até mesmo para certos dirigentes que
tirvham o poder de decisão. É certo que essa sede foi o
motivo imediato e se veio acrescentar aos problemas
sócio-económicos do poder. Mas de que 'forma o c o n
trolo sexual e a limitação da Uberdade d e escolha, no
campo sexual, poderiam ter ficado sem ©feito na m en
talidade individual? Nunca estas restrições tinham sido
tão rigorosas e tão grosseiras como na aristocracia de
sangue e de dinheiro que rodeava a dinastia reinante.
Os preconceitos de classe, a consciência do estatuto
social 0 os pretensos interesses de ‘Estado exigiam de
cada qual que pusesse as suas necessidades sexuais
atrás das dos interesses da classe. A escolha dos m ari
dos e os casamentos eram assuntos de política, sobre
tudo entre os mais chegados do rei. Tais frustrações,
que tinham um alcance social, não podiam deixar de
ter consequências. Apesar da consciência que cada um
tinha de que a sua camada social exigia que aceitasse
sem protestos abertos a proibição de uma má aliança
e um casamento forçado, o inconsciente da criança
tinha que se revoltar. £ se a carapaça da boa educação,
de rigor na corte, não perm itia uma explosão revolu
228
cionária nos lares, estas explodiram à luz do dia nas
«escandalosas» aventuras sexuais e no sadismp bético.
Assim os interesses económicos fizeram com que
às inibições genrtais individuais se viessem juntar as
restrições exteriores. Tais restrições económicas da geni-
talidade não afectam o proletariado, e como além disso
a pressão das exigências culturais é menor do que na
classe dirigente, o número de neuróticos é proporcio
nalmente menos elevado e a genitalkJade é menos entra
vada quando as condições materiais de vida são piores.
Verificamos 'imediatamente a diferença analisando doen
tes provenientes das camadas mais pobres do prole
tariado. Um recalcamento muito menos repressivo, uma
infância praticam ente deixada a si própria, uma verda
deira precocidade sexual, recusas brutais, eis entre
outros os atrrbutos da miséria proletária.
Evidentemente, encontra-se muitas vezes brutalidade
nas camadas pobres do proletariado: assassinatos, brigas
à faca, excessos de álcool, etc. Que relação existirá
entre esta brutalidade e a genitalidade relativamente
desinibida do proletariado? 0 prim eiro com entário que
se impõe é que estas manifestações de brutalidade do
proletariado são negligenciáveis se tivermos em conta
o núm ero de indivíduos que o integram. Se considerar
mos a ausência mais ou menos marcada de inibições
culturais eficazes e a miséria e a sujeição a um traba
lho duro, o que devemos antes perguntar é: qual a
razão porque a brutalidade das massas se manifesta
tão pouco? A sociologia não conseguiu dizer-nos ainda
porque razão as massas se deixam submeter p or alguns
indivíduos. Nas condições de vida a que as -massas
foram submetidas até estes últimos anos (e muitas vezes
hoje em d ia), se os indivíduos tivessem sido submetidos
às mesmas restrições sexuais que as classes dominantes,
não teriam faltado revoltas caóticas. Esta docilidade
psíqu-ica relativa das massas, que deve parecer incom
preensível até para os capitalistas bem informados, é
mais uma vez im putável, entre outras coisas, à liber
dade relativa da genitalidade, porque a sua satisfação
retira energia às puJfeões sádicas. Evidentemente, quando
a brutalidade de um indivíduo acorda, é muito mais primi
229
tiva e irreflectida do que nas ciasses dirigentes, porque lhe
falta a fachada e a máscara do civismo, é uma brutalidade
infantil em comparação com a brutalidade dissimulada, e
consequentemente mais implacável e proporcionalmente
mais divulgada, dos abastados. 'Esta brutalidade é segu
ram ente fácil d e entender com o m eio de protecção da
propriedade privada. M as um problema de grande im por
tância ficou p or aprofundar: o domínio económico dessa
minoria terá sido possível em razão da sua brutalidade,
brutalidade esta favorecida no interior e no exterior do
meio dirigente pe>la separação social e a 'limitação da
liberdade sexual? Ou terá sido o contrário que acon
teceu? Terá -havido prim eiro, como o afirma a teoria
marxista, uma dom inação económica d e alguns, devido
a circunstâncias puram ente exteriores? € só acessoria
mente, com o fim de proteger a propriedade privada,
esta dom inação terá conduzido ao isolamento dos pos
suidores e, por conseguinte, ao desenvolvim ento da bru
talidade dos abastados, ao lim itar em particular a liber
dade sexual?
N a nossa opinião, com a ajuda da teoria do incons
ciente e guiada pela psicologia sexua1! analítica, a socio
logia está em condições de resolver importantes proble
mas que sem estes apoios estariam fora do seu alcance.
A nossa tentativa, evidentem ente cheia de lacunas, não
pretende ter feito qualquer descoberta definitiva. É ape
nas um prim eiro passo, baseado em certas analogias
entre a dinâmica m ental do neurótico e a das massas,
que são sem pre compostas p or indivíduos e apenas
por mdrvíduos.
230
mas isso rapidamenie deixa de impressionar o homem
experiente, causando-lhe até por vezes repulsa e eie
cai rapidamente numa apatia em relação à mulher e o
acto sexual volta a cair ao nível de um acto auto-erótico,
onanista, que já não é estimule do pela mulher mac
unicamente por fantasmas. A atitude em relação à mulher
em geral, que é o resultado de tais práticas, traduz-se
perfeitamente pelas expressões habituais dos soldados
e dos estudantes, do género: «o que é preciso é cm
buraco» ou «De noite todos os gatos são pardos», etc.
0 prazer, que só pode resultar do prazer da com pa
nheira, m uitos homens tentam substituí-lo p or diversas
variações d e coito, o que, em tais condições, não podo
de maneira nenhuma satisfazê-los.
é bastante significativo que m uitos homens e mu
lheres ignorem com pletam ente que existe um orgasmo
feminino e que m uitos o considerem como vergor.hoso.
A sutoestimaçao da mulher e a apatia adquirida nas rela
ções onanistas e «anais» com mulheres pagas, ievam-
-nos inehJtavelmente a sentirem-se enojados depois do
acto, e muitas vezes até durante a ejaculação; tsis reac
ções vão ser difíceis de ultrapassar depois, no casa
mento. A sensualidade genital está doravante tão mar
cada pela anaiidade que não pode unir-se à ternura.
Supondo que ainda é possível sentir ternura por uma
mulher, as relações com ela serão consciente nu ín co n j-
cisn tem ente consideradas com o um aviltam ento da m u
lher amada. Se a ternura se apaga, o acto passa então a
ser um pesado dever e subsiste apenas com o mecanismo
de evacuação. Se a ternura não morre, então surge no
homem o risco de ficar to ta l ou só parcialmente im po
tente. Naturalm ente, a genitalidade da m iilher é quo
paga tudo isto. A mulher teve que reprimir essa geoita-
'lidade até ao casamento e o homem tem que dar
mostras de muito tacto e compreensão para conse
guir ultrapassar a tim idez sexual feminina, sobretudo
durante os primeiros tem pos da relação sexual. Mas
justam ente nunca aprendeu a interessar-se pela satis
fação da mulher. E caso a esposa desse livre curso à sua
excitação, ele recordar-se-ia apenas da comédia das
prostitutas simulando a excitação sexual. Eis a razão
231
pela qual a separação da sexualidade, separação de o ri
gem social que se exprime n)a oposição casamento
/prostituição, deve ser considerada como uma das causas
fundamentais da frigidez persistente das mulheres, q u j
não apresentam qualquer predisposição particular p a n
a neurose. E a falta de interesse pela satisfação d=i
mulher tem por consequência a ejaculação prematura c
a flacidez do membro masculino, porque o homem pro
cura atingir a satisfação final sem se adaptar à mulher
que, sobretudo no início do casamento, só com dificul
dade consegue atingir o orgasmo e por vezes não o atinge.
Para a mulher, situa-se aqui o ponto de partida para uma
regressão que anima fantasmas antigos, facto que instaura
as bases para uma eve/itual psiconeurose. £sta forma «Je
ejaculação precoce, de origem social, é o último obstáculo
que encontramos durante o tratam ento das mulheres frigi
das. M as um tal obstáculo é inultrapassável. A análise po
derá 'libertar a genitalidade feminina, mas esta não poderá
desenvolver-se p or o marido não ser suficientem ente
potente, isto á , não ter ultrapassado a separação das
suas tendências sexuais; o seu com portamento co ntim u
tão egoísta com o no passado, quando tinha relações
sexuais com prostitutas.
232
igualmente ameaçado de neurose. Em todo o caso, tais
restrições levam sempre, no casamento, a um nervosismo
cujos verdadeiros motivos permanecem normalmente
inconscientes ou acabam por ser recalcados. E as con
sequências, para o casamento, arriscam-se a ser igual
mente desastrosas se o homem, acentuando a separação
da sua sexualidade, descarregar a sua genitalidade num
acto conjugal aprovado pela sociedade e satisfazer as
suas necessidades pré-genitais fora do casamento.
Inibições e divisões das necessidades engendram
um afrouxamento crescente da atracção sexual. A inten
sidade da descarga orgástica não pára de descer. Du
rante o acto. a pressão perturbadora de fantasm as vindos
de pulsões não satisfeitas torna-se cada vez mais forte.
A agressividade acaba por aumentar e actua antes de
mais contra o cônjuga pretensam ente culpado. Os de
sejos polígamos, outra consequência que surge norm al
mente, causam, além disso, nos casais m oralmente ini
bidos, um sentim ento de culpabilidade que vem reforçar
o ódio ainda mais. Se a profissão do homem não lhe
perm ite sublimar o que reprime ou se a sua capacidade
de sublimação enfraqueceu, a sua homossexualidade
desenvolve-se e transformar-sé-á em jogador ou em
bêbado.
Se a mulher tem uma libido forte e trava os seus
instintos, a neurose é a única via que se lhe abre. A
mulher pode até m uito bem ignorar até que ponto o
marido a desiludiu, porque quam o mais forte é o recal
camento mais a m ulher terá tendência a procurar a satis
fação através de fantasmas que conduzem necessaria
mente à regressão e à estase libiainal. Acontece, por
vezes, que o desejo de satisfação se exprime por um
hum or amargo e irritável.. É o grau da inibição moral
que decidirá entre uma ou outra consequências. M uitos
maus casamentos têm a sua origem na impossibilidade
de um entendimento genital (no sentido restrito e no
sentido lato) e os conflitos conjugais são apenas uma
neurose disfarçada.
A mulher frígida sente o acto sexual com o uma
coisa brutal e sujeita-se-lhe com o a um sacrifício p e
noso: Não passa de um pesado dever, tanto para eta
233
como para o marido que, com razão aliás, pensa que
essa repulsa o visa 'pessoalmente. Em tais casos, até a
sublim ação fica sem efeito, porque o conflito da vida
sexual vai 'igualmente afectar e despedaçar as sublima
ções já existentes. É muitas vezes daí que provém a
inaptidão para o trabalho. Apenas resta a afternativ i
entre a neurose e a infidelidade conjugal.
Cm certas condições, pode acontecer que uma nu
merosa prole e uma grande miséria material perm itam
evitar tais dificuldades, absorvendo uma parte das ener
gias psíquicas que, sem isso, teriam contribuído para a
form ação da neurose. Em particular, até certo ponto,
a m ulher pode encontrar nos ftthos uma substituição
para a satisfação sexual que lhe falta. No entanto, seria
totalmen-te ocioso querer, em nome d e concepções reli
giosas ou metafísicas, substituir totalm ente a satisfação
sexual pelo trabalho ou p or uma famfHa numerosa.
Porque, noutras condições, que são parte integrante
da form ação das neuroses, estas desenvolvem-se apesar
da miséria, da sujeição ao trabalho ou da numerosa prols.
Sem subestimar o factor económico, gostaríamos
de fazer ressaltar que os conflitos internos debilitam
igualmente as forças necessárias para enfrentar a dura
realidade. A desorientação interior vem som ar-se às
dificuldades exteriores e ambas se reforçam mutuamente.
Por hábito os responsáveis pela política social e dem o
gráfica desleixam o aspecto subjectivo da miséria social,
ou só o consideram quando este deriva das dificuldades
exteriores. Pelo contrário, a análise dos indivíduos per-
mite-nos dar conta de que os neuróticos podem aumen
tar desmesuradamente as dificuldades que se lhes apre
sentam. Quem quer que tenha encontrado esta propensão
para o aumento da miséria económica e a aceite como
um escape para os conflitos internos, não pode acre
d itar numa solução radical para os problem as sociais
através de métodos tradicionais. Do ponto de vista
sociológico, essas neuroses disfarçadas não ficam a dever
nada à tuberculose, no que diz respeito à deterioração
da saúde do povo. Podemos verificá-lo rapidamente na
vida d e um dispensário psicanalítico para economica
m ente débeis. Os grandes nomes da assistência social
234
teriam desde há muito tem po descoberto- tudo isto se
não se tivessem fechado na crença de que as neuroses
(com o aliás, ao que parece, todas as ideias) não são
mais do que uma «superestrutura» das relações eco
nómicas.
U casamento é um dos muitos pontos de cruz.v
mervto dos problemas sociais. Ora, com efeito, oficial
mente, o casamento não é considerado como o que
na realidade é, isto é, uma comunidade sexual cujo
fundamento deve residir sobretudo, no amor object-il
genital. M uitas vezes esquecemo-nos disto e conside
rámo-lo apenas como uma unidade económica ou uma
instituição que tem por objectivo a reprodução. No
entanto, muito poucos casamentos se fazem por razões
económicas ou para a reprodução: nas condições actuais,
o casamento significa sempre restrições e comporta um
risco de miséria económica. Seria má psicologia pre
tender que estas razões objectivas possam ser ou passar
a ser uma m otivação subjectiva para que um casa
mento se faça ou se mantenha. Se, apesar das restri
ções económicas e pessoais, apesar até do risco de
miséria, o casamento se faz, é porque, na verdade, assim
o exigem poderosas necessidades individuais, neces
sidades sobretudo de ordem sexual. Freud emitiu um dia
a ideia de que o prazer sexual representa um prémio
que a natureza concede ao homem pela conservação da
espécie. Escravizando os homens ao recalcamento, a
civilização e a miséria económica que a acompanha
conseguiram despojar desse prémio uma grande parte
da humanidade, especialmente as mulheres. Aquilo que
assegura a reprodução da espécie, não é já senão a
esperança de obter este prémio de prazer ou, no respei
tante às mulheres, a medíocre perspectiva de ter uma
existência económica autónoma.
É certo que a tendência biológica para a reprodu
ção, o desejo de ter filhos é, por razões individuais,
significativamente mais pronunciada na muih&r do que
no homem, e isso vê-se no psiquismo. Contudo, na his
tória de cada indivíduo, o desejo sexual precede sempre
o de ter filhos. Só em algumas mulheres é que o desejo
da maternidade mascara o desejo sexual. A anáiise
235
destes casos mostra que se trata dum recalca me n n
neurótico das pulsões genitais. De facto, estas mulheres
inconscientemente têm medo do acto sexual ou experi
mentaram graves desilusões com os homens e desejam
uma criança p or partenogénese (H . Deutsch). Quanto à
multier frígida que tem muitos filhos, d e início não os
queria, peio menos prim ordialm ente. Uma vez dados à
luz, e só a partir de então, os filhos substituíram a
satisfação sexual, absorvendo energias Irbidinaís por força
do trabalho a que obrigam. A análise rapidam ente faz
nascer a revolta contra as obrigações maternais e contra
a abnegação a que a mulher teve que se res ig n a r1*.
Nos casamentos relativam ente bons, o desejo de
ter um filho só aparece após uma certa saturação das
exigôncias genitais.
Facilmente se costuma proclam ar que só a vinda
duin filho p od e consolidar um casam ento, mas ta l só
se verifica m ediante certas condições prévias. Uma das
mais im portantes é a harmonia psico-genital dos pais.
Se esta não se estabelece, as crianças tornam-se pelo
contrário uma nova fonte d e m al-estar e geram uma
pesada coacção d e que só os privilegiados se podem
libertar. Se hà várias crianças, todo o amor que não é
saciado no casamento vai ser derram ado sobre eles.
Os pais vão decidir das suas preferências, segundo o
sexo dos filhos, e cada cônjuge favorecerá os seus pre
feridos em detrim ento dos outros, o que s ó pod e t e r
consequências prejudiciais para o desenvolvim ento das
crianças, que passam e estar presas d e graves conflitos,
quer entre si, quer com os pais. M u ito s «desdobra
mentos de personalidade» que Freud atribui a Identifi
cações opostas m utuam ente incompatíveis são fru to de
tais casamentos.
237
Púnhamos portanto a moral de lado e examinemos
antes os factos.
Anos de monogamia geram um em botamento da
atracção sexual; é raro que •esta não redunde numa
morna resignação; pelo contrário o mais frequente c
que a monogamia leve a graves conflitos conjugais. Este
problema, que é o eixo da sexualidade conjugal, foi
desde sempre objecto de gracejos mais ou menos obsce
nos, tendo preocupado tam bém grandes espíritos como
Balzac ou Strindberg; mas só a ciência está em condi
ções de elucidar estas questões.
Cada um dos cônjuges com eça a descobrir no outro
defeitos que até então não vira nem notara. Quer as
suas personalidades tenham m udado, quer não, os espo
sos deixam de se compreender. É extrem am ente raro
que conheçam as verdadeiras razões da sua mútua
incomprensão, antes vêm no em botam ento sexual uma
consequência do seu desacordo. Na realidade, o qu-?
se passa é exactam ente o contrário; a diminuição d i
atracção sexual sublinha os traços de carácter qus
tinham sido esbatidos no período de harmonia genitç).
Tom em os o caso mais favorável: os cônjuges são
mais ou menos saudáveis tanto física como psiquicc-
mente, a coacção económica não os atingiu muito, p
o marido soube fazer recuar a cisão do am or condicio
nada pela economia e a sociedade. Não deixa de se
verificar por isso que a desfloração constitui para 3
mulher virgem um choque (um a nova castração) 12 que
só em condições muito favoráveis pode superar. Quando
238
não perde rapidamente a frigidez, começa a alimentar
ódio contra o marido. A té hoje, uma reserva, que é
compreensível, mas injustificável do ponto de vista m é
dico, juntam ente com o receio de se cair na pornograf!
impediu que se abordasse a psicologia da noite de
núpcias. Contudo, como afirmaram escritores sérios e
como o demonstra a psicanálise das pessoas casadas,
a felicidade ou a infelicidade posteriores do casal são
redutíveis no fim de contas à experiência da primeira
união sexual. O facto de se designar pelo nome de
«lua de mel» as primeiras semanas do casamento mos
tra bem que os que forjaram esta expressão e os qua
gostam de a utilizar sofreram um em botam ento sexual e
querem assim realçar as aparências das primeiras expe
riências conjugais que só parecem tão belas quando
comparadas com a apatia posterior. Na 'ealidade, os
primeiros tempos produzem sobretudo um choque e ou
são vividos numa constante decepção cor.sciente ou
são recalcados e afastados da consciência por meio de
ilusões de curta duração. Com efeito, a mulher enfrenta
esta nova experiência, que desde a infância era tabu,
com angústia: e onde o medo domina não há lugar para
o prazer. Quanto ao homem, qu-e até então foi geral
mente obrigado a separar as suas aspirações amorosas,
encontra-se também confrontado com uma situação nova
e tem que ter muito tacto e sensibilidade para adaptar
a sua sensualidade a essa situação e não com eter impru
dências. Nenhuma harmonia amorosa pode resultar daqui.
Para muitos homens, é a novidade da experiência que
gera ,o atractivo aparente dos primeiro? tempos do
casamento: pela primeira vez na vida, eles «possuem»
uma mulher da sua própria classe, coisa que até então
lhes estava vedada.
Quanto às mulheres de meios social e '‘e conòmica-
mente menos favorecidos, só podem também reagir
com ôngústia quando chegam virgens ao casamento.
O homem da sua classe não sofreu talvez com a sepa
ração das tendências amorosas, mas geralmente não
possui o nível de refinamento sensual susceptível de
evitar o choque da desfloração.
A primeira preocupação dos centros de conselhos
239
para os casais deveria ser esclarecer os cônjuges sobre
as dificuldades da harmonia psíquica e física. O exame
da saúde corporal ó apenas uma parte da sua missão.
O simples facto de se explicar que a harmonia genital só
se pode instaurar após se terem ajustado os dois ritmos
sexuais poderia evitar graves decepções. O marido deve
ria saber que, de início, a m ulher a m aior parte das
vezes é frígida e que perderá e frigidez por si própria,
se se tiver mantido fundam entalm ente sã e que, pelo seu
lado, não deve dar mostras de falta de tacto. Quanto
às mulheres neuróticas, provavelmente só uma psica
nálise poderia ajudá-las a ultrapassar estas dificuldades.
Desde ique existem Dispensários Psicanalíticos para os
economicamente débeis, até os mais deserdados podem
beneficiar dos conselhos e dos cuidados dos especia
listas da análise. Não tem os o direito de subestimar as
aspirações sexuais dos proletários. Aquando das suas
análises, as mulheres neuróticas de operários relatam
muitas vezes que as recriminaram pela sua frigidez. Mas
nem o m édico de bairro (que cegamente só confia nos
métodos som áticos) nem o conselheiro matrimonial (que
quanto às questões psicológicas tem poucas ideias ou
m uitos preconceitos) conhecem estas dificuldades pri
mordiais de que tam bém sofrem os casais de proletários”
240
Voltem os ao tema central deste sub-capítulo. Mesm o
que a harmonia sexual acabe por instaurar-se, depois
d e superadas todas estas dificuldades, novos perigos
fazem sentir a sua ameaça. A satisfação passa a obter-se
facilmente e já não é necessário conquistar o objecto;
estes dois factos levam a uma demasiada frequência
das relações, o que é d u p lam en te, prejudicial. Deixam
de produzir-se grandes tensões libidinais; a princípio as
mais pequenas estases libidinais são eliminadas. Ferenczi
foi, que eu saiba, quem primeiro tratou os perigos da
«habituação sexual» no m atrim ónio de forma científica *'
Além disso, o co ito é praticado como um dever e sur
gem as primeiras sensações de repugnância. O prazer
agressivo da conquista éxerce-se tam bém em parte no
acto sexual. M uitos homens, que antes do casamento
só pensavam em conquistar um grande número de m u
lheres, vêm o seu desejo pela esposa diminuir logo
que deixa de haver algo a conquistar. Pode encontrar-se
este fenómeno extremo em diversos graus em todos
os casamentos; ele tem as suas raízes no que caracteriza
o desenvolvimento sexual da criança. 0 sexual foi-lhe
sempre proibido e esta associação vai subsistir no
inconsciente. 0 fruto proibido, cujo núcleo é o sexual,
foi particularmente desejado. Assim a coisa proibida
adquire um sentido sexual escondido mesmo em dom í
nios não-sexuais, como por exemplo, o roubo na clep to
mania. Em muitos homens, o valor sexual do proibido
reforça-se de maneira tão patológica que não pode dese
jar o não proibido. Quanto mais o homem queria «con-
txaccptivos, mas vai, a<> que parece, até aos métodos de atiorl«».
Pois bem, como diríam os, o casamento não é. segundo esla concep
ção. um a união sexual porque em caso contrário nSo se partiria do
casamento para chegar à sexualidade. Ê no mesmo espírito que fun
ciona o Centro de Conselho de Francforte (Prof. Raeko): «Depois
de efectuado o casamento, acabam-se os conselhos. Conselhos a
casais c limitação dop nascimentos não têm nada em comum»,
í; pelo menos o ponto de vista do conselheiro! Fslc tamhéni
não tem nada em comum com o facto dos conselhos s6 terem
o seu completo dignificado depois do casamento! Tudo isto nn<i
precisa evidentemente de critica.
'* Psychoanalyse non Sexualgewohneiten (Psicanálise dos hábito-.
«exnaií). Internationaler Psychoanalytischer, Verlag, 1925.
241
quistar» e «possuir» ames do casamento, mais depressa
se tornará indiferente depois de se ter casado. A parte
narcfsica e sádica da genitalidade permanece insatis
feita no casamento monogamico.
Por fim, há que ter em consideração o peso ci^s
relações sexuais entre a mãe e o filho na primeira infân
cia. Segundo Rank, se o desejo da mãe inacessívei con
servar a sua intensidade prim itiva, ou nunca se podei.)
perseverar num amor (donjuanism o) ou, para que se
possa amar, será preciso que a mulher pertença a um
terceiro e seja conquistada como interdição (F re u d ).
Para estes homens, a esposa cuja posse se tornou legi
tima deixa portanto de se identificar com a mãe tão
cobiçada. Nesse caso, só uma resolução analítica da
fixação incestuosa pode trazer remédio para esta si
tuação.
Houve discussões sem fim sobre a essência poli -
gâmica ou monogâmica do ser humano. Cada quol toma
partido por uma ou por outra das teses, conform e as
suas opiniões filosóficas. Os mais lúcidos vêm tanto
dum lado como do outro uma igual quantidade de argu
mentos morais e deixam a pergunta sem resposta. A
psicanálise da evolução sexual mostra que as tendên
cias para a monogamiâ e para a poligamia co-existem e
radicam ambas no desenvolvim ento da criança. A ten
dência para a monogamia deriva do desejo exclusivo
da criança, seja pela m ãe, seja pelo pai. Tão geral
como o desejo, a interdição do incesto é a base da
tendência para a poligamia. Aquele que não consegue
operar uma transFerência autêntica, ou vai procurar o
objecto perdido sem nunca o encontrar, ou vai fugir
constantem ente dele.
A té que ponto o homem pode dom inar as suas
tendências para a poligamia, por meio do casamento?
Tal depende das perguntas seguintes: em que medida
pode libertar-se das condições amorosas da estrutura
edipiana? E até que ponto conseguiu reencontrar a mãe
na esposa? O mesmo se passa, m utatis m vtandis ,6. com
a mulher, é tam bém verdade que para os dois sexos
242
os desejos de poligamia se manifestam tanto menos
quanto melhor os esposos aprenderam a conhecer e a
satisfazer as aspirações sexuais respectivas e quanto
maior for a compreensão com que cada um encara as
inclinações poligâmicas do outro.
As 'tendências para a poligamia despertam invaria
velm ente sempre que há tendências libidinais im por
tantes não satisfeitas. Além disso, e pondo de momento
de parte o em botam ento da genital idade saciada na
monogamia, podemos observar que as m otivações poli
gâmicas diferem nitidam ente do homem para a mulher.
Com efeito, muitas mulheres têm desejos poligâmicos
porque querem evadir-se do complexo de inferioridade
feminino fazendo com que muitos homens as admirem
e as seduzam. Este 'pano de fundo narcísico pode le r
sempre com o fundamento o facto de a mulher te r sido
repelida pelo pai, quando menina. O tip o objectai da
poligamia (busca do objecto amoroso inacessível) pode
transformar-se num tipo narcísico no seguimento de
violentas formações reaccionais. O facto d e as mulheres
pertencerem mais frequentem ente que os homens a esta
tipo pode explicar-se pela base anatómica do sentimento
feminino de inferioridade, a saber, a ausência de pénis.
Habitualmente, paralelamente ao tipo objectai, as ten
dências vingativas desempenham tam bém um papel con
siderável: a vontade de dominar o objecto sexual cons
titui um outro m otivo da poligamia. Em geral, a mulher
gemtal mente satisfeita, só muito raramente é po liga ma,
ao passo que as mulheres que sofrem de insensibilidade
vaginal e de um forte erotismo clitorkiiano dão provas
de instabilidade.
Toda a tendência não sublimável que fica por satis
fazer no comércio sexual tem p or consequência a aste
nia genital e um ce<*to afastamento relativam ente ao
cônjuge; esta observação é válida principalm ente para
a tendência para a homossexualidade. Não está aqui em
causa a força neurótica da homossexualidade, mas a
com ponente homossexual fisiológica na heterossexuali-
dade. Quando no casamento as tendências para a p oli
gamia se tornam coercivas, pode-se presumir, com base
nas experiências analíticas, que as tendências homos
243
sexuais não conseguiram encontrar lugar. Os factos con
vencer-nos-ão facilmente: os homens desejam então, não
uma outra mulher monógama, mas mulheres polígamas
ou homossexuais; procuram o tipo de raparigas de maus
costumes que W eininger descreve. Nas mulheres, tdl
facto manifesta-se ocasionalmente sob a forma ainda
mais nítida duma fixação às mulheres homossexuais
Se quem sente as tendências poligâmicas se conti
nuar a agarrar p o r demasiado tem po à forma «normal»
das relações, se toda e qualquer forma de alteração
se tornar tabu ou se as pulsões parciais não encon
trarem satisfação nos preliminares, a tendência genita!
em bota-se muito rapidamente. Mais exactamente, entra
em conflito com as necessidades insatisfeitas. Estes
caso? manifestam sempre inibições neuróticas e um
recalcamento das tendências pré-genitais e da homos
sexualidade. Se tiouver um certo regime de grande liber
dade no mundo de relações (o que é variável com 03
indivíduos) esta rivalidade fatal- é evitada e muitas
causas de em botam ento tornam -se inofensivas.
Pela análise das mulheres frígidas vê-se que o fan
tasma ou o gosto de ocupar no acto sexual uma posi-
ção superior corresponde ao desejo de ser homem
Tam bém os homens que possuem uma estrutura fe m i
nina mais vincada formam um fantasma que consiste
em ficar debaixo da mulher. Em caso de neurose repe
lirão contudo estes desejos, como desejos deslocados
e efeminados. Em certas condições, es té estado de
coisas dá lugar a consequências patológicas, mas nor
malmente, contudo, pode ser observado nos homens
mais viris e nas mulheres mais femininas. A inversão
das posições (co itus inversus) consegue satisfazer bas
tan te bem, pelo menos em parte, tais desejos e tírar-
-Ihes subsequentemente toda a perigosidade. A melhor
maneira de satisfazer a homossexualidade activa do
homem é 0 coito a tergo. Na mulher, este coito serve
para satisfazer desejos m uito antigos que correspondem,
quer a uma concepção anal do acto, quer à recordação
do que se viu os animais fazer durante a infância.
Muitos homens que, quando crianças, experim en
taram prazer em brincar com os órgãos genitais, semem
244
necessidade que lhe toquem no sexo antes do acto.
M uitas mulheres cujo orgasmo é retardado só conseguem
atingir a satisfação depois de terem sido excitadas
manualmente
Para entrarmos em -linha d e conta com todos os
factos, não devemos perder de vista que o conjunto
da organização pró-genital, que é mais ou menos forte,
consoante os indivíduos, nunca deixa de acompanhar
o primado da genitalidade (F re u d ). Se as pulsões pré-
-genitais não forem satisfeitas, interpõem-se no caminho
e geram perturbações que tendem a ser satisfeitas em
exclusivo no sentido da perversão. Por esse motivo,
uma pui são orai mais 'fortemente marcada deverá ser
satisfeita sob fornia do fellatio ou do cuninüngus.
0 acto sexual em si mesmo está em condições de
contentar as diversas tendências psico-sexuais. N o en
tanto, para isso, é necessário que a sexualidade im pe
riosa da criança tenha sido pouco afectada petos recal
camentos e que possa misturar-se com a corrente actual
da vida sexual, pelo m enos na parte que não foi trans
formada em traços d e carácter ou em sublimações. A
atitude do homem e da m ulher antes e após um acto
satisfatório é prova d e que todos os desejos foram
consumados com êxito.
Antes do acto, o homem tem um com portam ento
simultaneamente terno e fálico -agressivo; a m ulher espera
em geral passivamente a agressão genital. No decurso
do acto, o com portam ento da mulher modtfica-se e ela
torna-se p or sua vez mais activa atá que o seu orgasmo
coincide com o do hom em. Este últim o não acede è
plena satisfação quando a m ulher sofre de frigidez ou de
insensibilidade. M esm o os que frequentam as prostitutas
exigem que o p ar os «acompanhe» pelo menos aparen
tem ente. Trata-se sem dúvida duma participação inten
siva no orgasmo do parceiro, duma identificação com
pleta que vem juntar-se à experiência pessoal. Esta
245
identificação é propícia à satisfação das tendências
femininas do hom em e masculinas da mulher.
A pós um acto satisfatório, o com portam ento habi
tualm ente inverte-se. A mulher dá livre curso à sua
tendência maternal e o homem volta a ser criança.
Como tem consciência de que pode procriar, a mulhe>
terá tendência a ver no homem uma criança e vir assim
ao encontro da sua atitude infantil. Tem um com porta
m ento infantil e passivo antes do acto, maternal e
activo depois dele, ao passo que o tiornsm reage de
m odo paternal e agressivo, antes, infantil e passivo,
depois.
M esm o nesse caso, as dificuldades já citadas e as
motivações do em botam ento nas relações monogâmicas
não podem, a bem dizer, ser eliminadas; mas o princípio
pode ser evitado, na medida em que os cônjuges p re
firam não pagar com uma neurose ou com algum seu
equivalente (um casamento infeliz) a observância das
suas regras morais. Dito isto, há outra causa do em bo
tam ento que é inevitável; a Irbido é tão susceptível de
destacar-se d e determ inado o b jecto com o de nele se
fixar, a ibido é tão lábil quanto viscosa (F re u d ). Se não
houver outro factor, a satisfação em si mesma com
porta o em botamento. A variação do modo d e satisfa
ção apenas poderá retardá-!o; não pode suprimi-lo. M as
este em botam ento, que é um dado fisiológico, não tem
nada a v er com o que tem origem em trecalcamentos
neuróticos. Com efeito, é ressentido muito menos peno
samente, pois não se baseia na repressão das reivindi
cações instintuais, mas na sua satisfação. E quando mais
tarde aparece, mais coincide com a diminuição da capa
cidade somática e os perigos de estase líbidinal desa
parecem. Para praticar mesmo durante o casamento uma
abstinência temporária e voluntária, é preciso realmente
ter uma grande consciência dos perigos relacionados
com uma frequência demasiado elevada das relações
sexuais. Ferenczi sublinhou energicamente este facto
(loc. c it.). A im im idade corporal comportada pela união
conjugai (o quarto de dormir comum, e tc .) torna difícil
levar a cabo esta abstinência. Mas se não a o bservarem
os esposos, mesmo os que atingiram uma grande har
246
monia sexual, um dia, com terror, vêm-se confrontados
com a realidade da diminuição da sua trbido. Sentindo-se
culpados, tentarão ocultá-la ou compensá-la por meio
de uma ternura excessiva. Em consequência disso, sur
girão tendências para a 'poligamia que os deixarão
desconcertados e que serão tanto mais surpreendentes
quanto mais imenso era o apego ao cônjuge e que
poderão d e seguida levar a fantasmas ou a actos com-
pufeivos de poligamia. Em virtude da tradição que con
dena a infidelidade conjuga! como coisa imoral, errada
e criminosa, surgem sentimentos profundos de cuipabi-
fidade. Se se esconder como um segredo criminoso a
tendência para o adultério, ou esta é recalcada ou com e
ça-se a representar a comédia oposta perante o cônjuge;
é nessa altura que as pessoas de moral rígida se vêm
ameaçadas pela neurose. Quanto aos menos escrupu
losos, praticam o -adultério e dissimulam-no. Poucos
são os que têm a coragem de se abrirem ao cônjuge
sobre o assunto; embora esta franqueza nem sempre
apague a dificuldade, tem por si própria uma acção liber
tadora. Uma «infidelidade» passageira pode até tornar-se
necessária para um bom casamento. É claro que isso
só diz respeito às excepções favoráveis e pressupõe
uma clara consciência dos perigos que ameaçam então
a estabilidade d o casai De qualquer form a, estam os
perfeitam ente no direito d e pôr em dúvida as vanta
gens duma fidelidade que se baseia, não na satisfação,
mas na coacção e no recalcamento. E temos a certeza
absoluta que uma fidelidade dessas afecta a saúde
merrtal.
Perante tantas dificuldades, não nos espantará já
a abundância dos dramas conjugais, quer eles se expri
mam sob a forma de dramas passionais, quer como aze
dum e e morna resignação ou neuroses. De to d a . esta
miséria só uma p arta pode ser atenuada pela mais
ampla regulação económica das relações sociais: a que
provem das condições exteriores. Só até certo ponto
se podem alterar as necessidades individuais e nem a
punição do adultério, nem o ostracismo social podem
varrê-las da terra. Quanto ao auxílio médico, o p io r dos
obstáculos que se opõe ao seu êxito é o de misturar
247
à avaliação dos factos qualquer valoração subjectiva
ou moral, seja ela anarquista ou reaccionária. O médico,
enquanto m édico, tomará em linha de conta, o melhor
que th© for possível, a luta entre as reivindicações ins-
tintuais e as exigências sociais, por meio de um c o m
portamento absolutamente tolerante, que siga a terapia
de Freud, e deixa que o doente 'tome as suas decisões,
depois de lhe ter proporcionado o conhecim ento dos
seus desejos e a capacidad-3 de tom ar uma decisão.
Segue-se daqui que, face a um paciente insatisfeito
com o casam ento, nem lhe devemos aconselhar o adul
tério nem desviá-lo dele,
Com isto se relaciona, p o r outro lado, uma questão
do maior alcance social: a psicologia da «luta dos sexos».
O desprezo frequente a q ue o homem vo ta a mulher;
o m ovim ente fem inista que, justificando a crítica de
Gre*te M eisel-Hess, se esforça p or identificar as mulheres
com os homens, em v e z d e desenvolver pela sublim a
ção as aptidões próprias do seu sexo; a fem inilização
crescente dos homens; o conflito conjugal, tal corno
Strindberg o pós inesquecivelm ente em cena, e que
reencontramos quase a cada passo nos amores entre
pessoas solteiras; e o conjunto das atitudes que não se
podem confundir com o amor mas que, ftoje em dia,
o acompanham, como, p or exem plo, a mal-querença, a
inveja, a brutalidade, o desdém , o gosto da dom inação
e a falta d e delicadeza; todos estes factos deveriam
ser incluídos neste sub-capítulo, pois não são tanto
causas, mas antes consequências da impotência orgás
tica do homem contemporâneo, do homem civilizado.
M as. dada a extensão do seu significado social, este
assunto merece um estudo particular.
248
formações caraoteriais, reconhecemos sem esforço que
a lim itação sexual corre a p ar com a tim idez e a m e ti
culosidade, ao passo que a intrepidez e a ousadia são
acompanhadas peto livre exercício das capacidades se
xuais» (Freud) ,T. A comparação entre as capacidades
sociais e sexuais dos doentes e dos homens saudáveis
revela relações sistemáticas entre as funções prim itivas
e as funções mais elevadas; e para ajuizarmos da tera
pêutica a levar a cabo, não podem os menosprezar tais
correspondências.
As pulsões pré-genitais são, p or natureza, auto-
- eróticas, quer dizer, associais; o instinto d e destruição
e o seu corolário erótico, o sadismo, são anti-sociais.
Inserido è força na com unidade social, o indivíduo tem
que renunciar aos seus próprios objectivos instintivos
e aplicar as correspondentes energias (p o r am or ao
objecto amado ou devido à coacção da educação) em
objectivos importantes para a sociedade e a civilização.
Freud chamou a este processo «sublimação». A subli
mação pressupõe antes do mais que as forças instin
tivas que há que transform ar não sucumbam ao recal
cam ento,. que impede, não apenas a satisfação, mas
tam bém toda e qualquer transformação do instinto.
Neste sentido, as regras morais de onde provêm os
recalcamentos entram em contradição com as activi
dades de adaptação sócio-culturais que perm item evitar
tais recalcamentos. O recalcamento pode, p o r vezes,
levar a actividades sociais que se assemelham a uma
sublimação. Cornudo, é fácil distinguir tais actividades
das verdadeiras sublimações, pelo seu excessivo carácter
reaccional e pela impressão de rigidez que delas ressalta.
Uma outra diferença mais importante é o facto de o
verdadeiro princípio da realidade na vida social se har
monizar bastante com o princtpio da realidade no amor.
Com efeito, como vamos mostrar, o sertíido das reali
dades na vida social pressupõe o sentido das realidades
no amor ao passo que o falso realismo reaccional de
tipo compulsivo não pode ir a p ar com o sentido das
realidades no amor.
1T Introdução à psicanálise
8 249
Em consequência das condições de vida fisiotó-
gicas, psicológicas, sociais e biológicas, a genitalidade
é a única de todas as pulsões que pode preencher g
função do princípio da realidade no amor. Ficamos a
dever a Ferenczi a expressão «servtido das realidades no
amor», ê fácil estabelecer a legitim idade desta noção
sob todos os pontos d e vista. D o ponto de vista ps/co -
lógico, o homem im potente sente-se diminuído e sente-se
mais ou menos incapaz de exercer qualquer actividade,
mesmo nos domínios não sexuais. D o ponto de vista
fisiológico, a satisfação genital garante o alívio orgás
tico das ^tensões Irbidinais somáticas e constitui por
isso uma das condições da manutenção do equilíbrio
mental. D o ponto d e vista social, a genitalidade (no
sentido em que a definim os) exige um parceiro e é
fundamento, portanto, pelo menos, da comunidade de
duas pessoas; além disso, é a única tendência que .1
sociedade, em certa m edida, aprova e cuja satisfação
tolera, facto que não teria im portância, se, p or isso, o
perverso não se sentisse m aldito. D o ponto de vista
biológico, de entre todos os instintos, só a genitalidade
serve, além disso, para a conservação da espécie. O
hom em são, quer dizer, o homem capaz de am or e de
actividade, aplica a sua genitalidade essencialmente em
objectivos sexuais, ao passo que o seu instinto de des
truição e as suas pulsões pré-genkais se voltam para
objectivos sociais e culturais. Com o doente, passa-se
o contrário: as suas actividades sociais são sexuaiizadas
e o seu instinto d e destruição e as suas pulsões pré-
-genitais dominam a sua vida amorosa.
250
livremente à disposição do indivíduo. Comparemos isto
com o com portam ento do homem sexualmente realizado:
após um acto sexual satisfatório surgem o gosto peío
trabalho e uma actividade social acrescida, desapare
cendo ou diminuindo entretanto tem porariam ente o inte
resse pela sensualidade. Este estado d e coisas explic3-
-se pelo deslocamento das energias no orgasmo: a libido
espalhou-se p or todo o corpo após o clímax, o que
induz uma frescura corporal e um sentim ento do ego
mais v i n c a d o A fadiga e a incapacidade dos neuras-
ténicos representa o contrário disto.
'Pode portanto dizer-se que as energias libidinais
m odificadas no orgasmo reanimaram as sublimações,
sempre que o orgasmo se deu. Por sua vez, estas subli
mações têm origem nas tendências duradouramente des-
sexualizadas e nas pulsões destrutivas desviadas dos
seus objectivos primitivos. O recalcamento do exce
d ente de energia Irbidinal mais não faz do que re-sexua-
lizar as tendências prim itivam ente 'Irbklinais, e reorientar
tam bém a agressividade para os seus primitivos objec
tivos. No tocante à noção de sublim ação, tiaveria p or
tanto que distinguir esquematicamente nelá os três fac
tores pulsionais seguintes:
1) a agressividade destrutiva duradouramente des
viada do aniquilamento do objecto (sentim entos comu
nitários, interesse por diversas actividades importantes
do ponto de vista social, moralidade e actividades
sociais);
2 ) as tendências pré-genitais duradouramente des
viadas dos objectivos auto-eróticos (certas formas da
actrvidades sociais, interesse cultural, ciência, arte, gosto
pelo dinheiro, ambição, e tc .);
3 ) o interesse genital não sublimado; 'mantém cons
tantem ente relações objectais ternas e tarvto 'leva à des
carga orgástica, com o, a seguir, se vai aliar às tervdên-
,251
cias sublimadas, após o deslocamento da energia no
orgasmo.
Pode dar-se o devido valor è importância do.
complem ento Hbidmal para a estabilidade de uma subi*
■mação se observarmos sistem aticam ente que a capa
cidade social se restringe tanto mais quanto mais se
prolonga e se estende a abstinência sexual. Quando
há uma carência do com plem ento libidmal, a sublim a
ção reduz-se, pois, em consequência da estase e ua
regressão da libido, até que outras pulsões que estavam
sublimadas são d e certa maneira seduzidas por sua vez
pelo mau exemplo e recusam a acção social que essen
cialm ente lhes é im posta. A sublimação e a satisfação
sexual não se opõem; mas a subHmação é, sem sombra
de dúvidas, contraditória com uma actividade sexual
insatisfatória.
M as pode a satisfação da genitalidade pôr em
perigo a sublimação? 0 prazer sexual satisfatório estará
em condições de absorver duradouram ente todo e qual
quer interesse? A estas perguntas podemos desde já
responder que não, com base no facto de os homens
genitafm ente satisfeitos serem mais capazes do que os
outros de uma actividade prolongada. A libido genital
pode ser tem porariam ente saciada — quanto às excita
ções pré-genitais apenas podem aumentar a tensão e
nunca reduzi-la — e, uma vez saciada, pode então aliar-
-se às sublimações; este facto exclui que as sublimações
possam ser ameaçadas pela satisfação genital. Nos casos
em que se podem observar perturbações da capacidade
social, em consequência de interesses sexuais exces
sivos como, por exemplo, a fiinfomania, a satiríase, a
neurastenia ou o onanismo da puberdade, etc., é p o r
que existe uma perturbação da função do orgasmo que
não dá descanso à aspiração sexual.
Para os homens que determ inam a moral sexual
geral nos grandes centros de civilização, a oposição
entre a sensualidade física e a cultura do espírito é
uma ideia de indiscutível evidência. Mas o observador
científico deve decidir indagar sobre se essa oposição
existe realmente ou se tem um fundamento puramente
irracional. Para isso, chegar-se-á facilm ente à conclusão
252
que apenas alguns indivíduos particularm ente dotados
conseguem escapar ao corporal — que neles apenas é
tolerado — por meio de uma espiritualidade que as
sume tão-só o papel duma compensação. A massa das
pessoas que tenta fazer o mesmo sem possuir os recur
sos intelectuais necessários vê-se condenada à famosa
«neurastenia do homem das grandes cidades». Vivem
a sua sensualidade no m edo e, consequentemente, a
sensualidade é apenas tolerada, fragmentada e, portanto,
insatisfeita; vínga-se formando mecanismos de defesa
que obrigam tam bém a uma resignação no dom ínio inte
lectual. Por conseguinte, a sua força espiritual e inte
lectual não é livre, é crispada, não possui base sólida,
antes se apoia num medo constante da vida instintiva
e está cheia de tem ores sexuais. Quanto aos poucos indi
víduos dotados, não centuplicariam os resultados reais do
seu desenvolvim ento intelectual e da sua actividade social
se pudessem, não apenas tolerar a sua sensualidade, mas
arfrrmá-la tam bém ? Ser «capaz de actividade na vida so
cial» é um conceito relativo; como prova disso, indivíduos
há que sendo disso capazes, vêm a possuir uma a c ti
vidade de sublimação bastante melhorada, após uma
análise das suas perturbações sexuais coroada de êxito
— e isso verrfica-se precisamente porque não levanta
rão já qualquer barreira ideológica entre a sua sensua
lidade e as suas aspirações cu-lturais. Precisamente nas
naturezas geniais da têmpera de um Goethe a força do
espírito manifesta-se quando há sublimação e não com
pensação, quando tais naturezas, sendo interiormente
fortes, não têm que recear abandonar-se tam bém ao
ritmo prim itivo da sua vida sensual. É precisamente essa
ausência d e receio que permite que, após a momen
tânea perda d e consciência do orgasmo, a pessoa volta
a mergulhar na actividade de esforço intelectual e espi
ritual, que domina a sexualidade e é p or ela dominada.
Consequentemente, todos os que pregam o ascetismo
em nom e d e ideologias culturais ou religiosas e com
isso só conseguem resultados opostos, andariam melhor,
no seu próprio interesse, se dessem a sua colaboração
ao desenvolvimento da sexualidade sensual e física; quer
dizer, se se deixassem de «depreciar a vida amorosa»
253
(Freud) e substituíssem o slogan «Civilização ou Sen-
suaiidade» por outro: «Civilização na Sensualidade».
Quando a civilização for uma sublimação e não já uma
grande neurose colectiva, tudo o resto deveria vir por si.
Subsiste um problema: que aconteceu è libido geni
tal dos que vivem em abstin,ência e que, no entanto,
têm aspecto de viver em boa saúde psíquica? é certo
que a disponibilidade iibidinal e a frequência da neces
sidade de resolver as tensões variam consideravelm ente
de indivíduo para indivíduo. M as, como o aparelho
sexual somático não deixou de funcionar— pois, nesse
caso, não deixariam de aparecer sintomas de eunucoidia
— hão-de existir certam ente tensões libidinais. E que
outra saída poderá encontrar essa libido orgânica se não
fo r satisfeita 'pelo orgasmo, nem originar sintomas neu
róticos? Só poderíamos pronunciar-nos sobre esta im por
tante questão com base na análise d e homens que,
embora vivendo em abstinência sem sofrer com isso,
continuassem de boa saúde. Mas não seria absoluta
m ente falso avançar desde já que todo aquele que vive
numa abstinência sexual prolongada sem sofrer de enfer
m idade física não age assim por força d e sua vontade
consciente mas antes sob o império de inibições ou
fixações, pois não é difícil de imaginar que para e n tra
var uma função biológica tã o im portante como a sexua
lidade, é pelo menos necessário um recalcamento. Se
nos refugiamos por detrás dum «hipo-funcionamento»
do aparelho sexual somático, estaremos apenas a brincar
com as palavras; com efeito, geralm ente, os eunucos
castrados após a puberdade conservam perfeitamente
a sua libido psíquica; tam bém após a idade crítica a
libido pode persistir durante algum tempo. Supondo
mesmo que um trabalho intensivo e verdadeiras subli
mações possam eliminar as estases, o nosso conheci
mento da energética das pulsões impede-nos de aceitar
sem provas que uma tal atitude possa ser duradoura
e ultrapassar determ inado nível. Preferimos, em todo
o caso, deixar tal questão em suspenso pois só tem
importância teórica.
254
Por mais que se tenha querido deixar à individua
lidade psíquica o mais vasto campo de variação, não
foi por isso que, assim com o existe uma fisiologia do
corpo normal, embora não haja dois homens constituí
dos da mesma maneira, assim como se pode determinar
uma estrutura fundam ental adequada para o número de
ossos e a sua disposição, para a forma e o estado do
sistema nervoso, a estratificação da pele, etc., assim
também no domínio mental existe uma estrutura funda*
mental adequada, que se exprime por uma determinada
disposição das pulsões. Isso não exclui de m odo nenhum
a diferenciação mental. A relação entre esta estrutura
fundam ental e as variações individuais assemelha-se à
relação entre a estrutura a que chamamos «árvore» («o
carvalho», a «faia», e tc .) e as diferenças de grandeza
e disposição dos ramos de duas árvores (dos carvalhos,
das faias, e tc .). Ora, isto reduz a nada a acusação de
«esquematismo», segundo a qual a investigação do geral
não teria direito de cidade no domínio m ental. E aquilo
a que chamamos patologia não é o desvio que afecta
a estrutura que normalmente existe, mas apenas a
subversão da própria estrutura fundamental-
A psicanálise visa reordenar as pulsões segundo
a estrutura fundamental. Nisso, encontra-se de acordo
com a vontade consciente do doente com base no prin
cípio da realidade. Não julga as atitudes do doente
segundo os princípios do bem e do mal; contenta-se
com determ inar qual das suas atitudes corresponde à
sua aptidão para se adequar à realidade e quais das suas
atitudes perturbam aquela aptidão. Através da clarifi
cação psicanalrtica e da revivescência dos antigos con
flitos, as pulsões voltam a encontrar automaticamente,
sem nossa intervenção, uma nova ordem e fazem reapa
recer a estrutura latente orientada para a realidade,
estrutura que, de resto, apenas se encontrava enterrada.
A análise é, portanto simultaneamente, uma síntese,
como Freud um dia demonstrou w, se ressalvarmos o facto
de a psicanálise, de que se encontram excluídas toda e
255
qualquer persuasão © toda e qualquer instituição de
ideal, se conformar bem meWior è natureza do pacienie
do que qualquer educação não analítica («psicagogia»).
Não há dúvida elguma, portanto, d e que a teoria
ps>rcanafítica tem um objectivo, que pode ser atingido
sem recurso a m eios educativos: a instauração da apti
dão para o am or e o trabalho, ou, para sermos ainda
mais claros: a instauração da aptidão para a satisfa
ção sexual.
A pós tantos anos de exercício da prática psicana-
Htica, nunca se viu que os pacientes perdessem todo
o sentido das proporções nem que a acentuação da
sua im pulsividade fosse duradoura p or m aior que fosse
o levantam ento dos recalcamentos. Isso prova que o
método freudiano desde que seja exercido com perícia
é capaz d e controlar o «material explosivo» que m ani
pula; e isso mostra tarrvbém que o Eros individual cau
ciona a adaptação social. Após a cura psicanatótica, ◦
paciente consegue dom inar tam bém os seus instintos
por m eio da consciência. M as este controle não é já
paralisado peia neurose: ganhou um sentido plenamente
consciente.
é fácil de mostrar que o facto de o psicanalisía se
atrrbuir com o objectivo instaurar a potência orgástica
não significa que ultrapasse por isso as suas atri
buições médicas. Tal objecção seria de esperar e eu
gostaria de me antecipar a ela. Considera-se que a
instauração da aptidão para o trabalho é um objectivo
evidente, mas pude aperceber-me de que o estabeleci
m ento duma aptidão com pleta para o amor é conside
rada coisa bem menos evidente por grande número
de psicanalistas. A origem desta parcialidade reside em
que compreensivelm ente hesitam em entrar em conflito
com a moral sexual dominante.
A o contrário de todos os outros métodos de psi-
coterapia, a psicanálise acha necessário não haver qual
quer intromissão na livre escolha do paciente. Na imensa
maioria dos casos, o problema assim levantado acaba
por se resolver com pletam ente por si, quer porque o
doente vem ao médico explicitam ente no seguimento da
perturbações genitais, quer porque bem cedo toma cor>s-
256
ciência da sua impotência e é ele quem deseja Ubertar-
-se dela. A minoria residual é composta pelos quo
compensam a sua impotência ou que rejeitam a sexua
lidade, em consequência de particularidades caracteriais
mais profundas. Mas, sem qualquer e x c e p ç ã o ,. até um
paciente que rejeita a sexualidade, mais tarde ou mais
cedo, acabará por, no decurso da anéhse, se ver con
frontado com as suas aspirações genitais. Se a análise
tive r sido executada segundo as regras da arte, ele
reconhecerá os seus desejos e verá por si próprio quai
a importância do recalcamento da função genital para
a formação da sua nevrose. Em todos os casos, é neces
sário conseguir falar das práticas onanistas, dos fantas
mas e do modo de com portam ento durante o acto se
xual, com tanta profundidade como se se tratasse dos
pormenores dum " cerimonial obsessivo. A o recuar (no
momento oportuno) perante a explicação das circuns
tâncias do aoto sexual, ao considerá-la como uma ques
tão ociosa ou um abuso do poder, o doente apenas
manifesta os seus próprios recalcamentos e corre assim
o risco de desprezar os dados mais importantes para
a resolução do conflito neurótico e a destruição da
estase libidinal.
Já não se pode continuar a dissimular que, como
saída que é para a neurose, a sublimação não tem para
a m aior parte dos doentes o mesmo significado que em
geral lhe atribuímos. A abreacção não é mais do que
uma solução momentânea e restrita do conflito. Além
disso, só para um número reduzido de histerias traum á
ticas poda ser considerada como factor de cura. A con
tece até que o facto d e se trazer à consciência o con
flito rnconsoiente apenas constitui uma condição neces
sária para a sua resolução: por mais com pleta que seja,
uma srmples decisão intelectual não toasta para operar
a reorganização definitiva das pulsões, quer dizer, para
eliminar a base reaccional caracteriai sobre que a neu
rose se apoia. Uma parte dessa base reaccional, talvez
a mais im portante (porque mais actual) é constituída
peia neurose aotual.
Acrescentemos a tudo isto um outro dado da expe
riência corroborado pelas estatísticas das catamneses.
257
Os pacientes que conseguem ter uma vida sexual orde
nada durante ou após o tratam ento dão mostras, pelas
melhorias experimentadas, duma estabilidade muito maior
do que aqueles que não puderam desfazer-se da sua
estase libidinal, quer por os conflitos genitais não terem
sido ainda resolvidos quer em consequência de d ificu l
dades externas (m eio, idade, enferm idade física, e t c . ) :u.
Os casos de recaída nas neuroses de sintomas e de
carácter verificam -se com os doentes cuja impotência
não foi curada ou que vivem em abstinência, a maior
parte das vezes p or razões neuróticas não resotvidas.
Embora quanto ao essencial o problema da base
•reacciona! da neurose ainda esteja em suspenso, pode
já ter-se com o certo que a estase somática da libido
e a propensão para a angústia constituem as suas traves
mestras. A supressão do m edo da satisfação sexual
constitui sem qualquer contestação um instrumento in
dispensável para atingir os objectivos do tratamento.
E, no que toca á terapia causal, com o a angústia face
aos supostos perigos da satisfação provoca a estase
da Mbido, a qual, p or sua vez desencadeou a angústia
de estase e os sintomas, o processo d e cura deve seguir
um curso inverso, independentem ente das formas indi
viduais da neurose. Por outras palavras, a eliminação do
medo da satisfação liberta do recalcam ento as pulsões
que foram parcialm ente subftmadas e parcialmente agen
tes da satisfação. Com a libertação dos recalcamentos
e a aparição das sublimações no curso do tratam ento
dá-se p or terminada a prim eira parte da cura: o doente
é aliviado do seu fardo.
Uma quantidade inumerável de observações prova
que não se p ode considerar bem sucedida nenhuma aná
lise enquanto não se libertou a angústia ligada aos
sintomas, facto que é anunciado pela aparição d e esta
dos de angústia passageiros. A té o sentim ento d e cul
pabilidade tem tam bém que se reconverter em angústia.
Só nessa altura se pode empreender um trabaiho psica-
nalftico sobre as fontes da angústia. Surgem com o tais
258
em primeiro plano o narcisismo do ego, que deriva da
angústia de castração e a fibido bloqueada, que provoca
a angústia de estase. A agressividade e a nostalgia do
seio maternal (a angústia do parto) que, como mostrá
mos, dependem da intensidade da estase 'KbidinaJ e da
angústia de castração, só podem portanto desempenha'
um papel secundário com o fontes de angústia, isso é
bem vincado na .reacção terapêutica: esta varia com a
eliminação desta ou daquela fonte d e angústia.
Assim, após a consumação de cura, a nostalgia do seio
maternal e a agressividade são, já abandonadas, já subme
tidas a outras tendências ou então sublimadas. €m contra
partida, a angústia abandona apenas o seu objecto inces
tuoso, conservando com pletam ente o seu objectivo se
xual. Porque é que a supressão da angústia te m como
efeito no prim eiro caso um afastam ento relativamente
ao objecto da pulsão e no segundo oaso uma aproxi
mação? É costum e presumir nesse resultado um êxito
da terapia sem no entanto se esclarecer com o o mesmo
processo terapêutico (a eliminação da angústia) produz
consequências opostas. Ê certo que isso não é evidente.
Mas a experiência fornece-nos os seguintes elementos:
1) Enquanto não se tiver analisado a angústia de
castração, nem todas as sessões de análise d o mundo
poderão farer desaparecer a nostalgia do seio maternal
e a agressividade (casos refractários) ou então, caso se
tenha conseguido írbertar uma p arte da libido, esta aca
bará por refluir para antigas fixações após uma curta
incursão em direcção às atitudes genitais ( casos de
recaída);
2) Casos há em que os sintomas se dissipam defi
nitivamente antes mesmo do termo da análise. Nesses
casos, a análise começou por atacar em primeiro fugar
as fixações genitais e conseguiu rompê-las totalmente
antes que fixações mais profundas viessem complicar
a situação de transferência. A libido genrtal libertada
da angústia de castração pode então tornar autom ati
camente ineficazes outros desejos enquanto que a reso-
259
lução orgástica da estase Irbkiinaí eliminava pratica
mente toda e qualquer possibilidade de regressão;
3) Quando, durante a infância, o prim ado da geni-
talidade só atingiu uma form ação incompleta, o peso do
«regresso ao seio maternal», ou até a tendência para
a satisfação pré-gemta-l, levam a melhor, apesar da
análise de conjunto das fontes de energia.
Assim o am or objectai genital, quando satisfeito,
é o inimigo mais poderoso tanto do instinto de des
truição com o do masoquismo pré-genrtal e d a nostalgia
do seio maternal e do super-ego de punição. Esta supe
rioridade do Eros, «guardião da vida», sobre o instinto
de destruição é a justificação objectiva dos nossos
esforços terapêuticos.
'Mas, nesta perspectiva, a terapia analítica tropeça
com dificuldades exteriores insuperáveis. Nos casos mais
favoráveis, tais dificuldades apenas substituem as neu
roses por um infortúnio real; na p io r das hipóteses,
provocam recaídas contra as quais nàda se pode, por
as condições exteriores não serem susceptíveis de trans
form ação. Tom em os o exem plo de uma mulher que
impelida peias suas tendências masculinas, escolheu para
esposo um hom em feminino, atingido talvez por uma
■ligeira ejaculação precoce, para pod er dom iná-lo e ator
m entá-lo. Se o sucesso da análise transformar a sua
masculinidade em fem inilidade e abolir o erotismo cíitori-
diano em proveito duma disposição vaginal, esta mulher
curada pela análise, não se encontra já em concordância
com um marido que, a p artir daí, não 'lhe convêm ,
pois, em conformidade com a sua nova estrutura, ela
desejaria um m arido forte que a dirigisse e a dominasse em
tudo. Por outras palavras, a aptidão para o orgasmo foi
libertada, apenas aguardando um estímulo da parte do
m arido — m as este não possui quer a compreensão eró
tica quer a potência sexual necessárias. € pode acon
tecer que um casamento, q ue foi decidido por razões
neuróticas e em condições m uito más, se torne depois
indissolúvel p or circunstâncias materiais: é p or isso que
260
os solteiros e os casais sern fiihos beneficiam dum
m elhor 'prognóstico.
Há toem poucas saídas segu-ras para estas dificul
dades externas. Alguns pacientes particularmente d o ta
dos tentam encontrar salvação num trabalho qualquer;
no entanto, o seu equilíbrio perm anece instável e nunca
estão com pletam ente à altura das exigências do mundo
exterior. A resignação sexual oculta sempre no seu
seio o perigo da recaída, pois, se a abstinência com pleta
é já inconcebível para um homem originalmente são,
por maioria de razões o será para quem tenha sofrido
de uma neurose e precisamente d e perturbações da
frbido. A satisfação onanrsta pode prevenir a recaída,
mas se constitui durante m uito tem po o modo exclusivo
de satisfação, esconderá, também ela, o perigo da re
caída, visto que é acompanhada por fantasmas e por
uma satisfação psíquica incom pleta, mesm o que to ta l
mente isenta de angústia e de sentim ento d e culpabi
lidade. Resta o adultério e aqui termina a influência
da análise, pois a decisão com pete ao ideal do ego
do paciente, o qual, depois de, no decurso da análise,
ter tornado seus elementos novos favoráveis aos ins
tintos, se encontra em seguida em condições de optar
entre o dever de fidelidade ditado pela moral dom inante
e o direito não-imoral à satisfação sexual.
Bem feitas as contas, devemos confessar que os
resultados com alguma importância prática são bem
magros, se comparados com a miséria sexual e sócio-
-económica do nosso tem po. Vis<to que a satisfação
sexual e a sublimação, únicas soluções válidas para a
neurose e os seus equivalentes, dependem tam bém do
meio sócio-eco nó mico, a margem de manobra do tra
balho psicanalítico vê-se, à primeira vista, considera
velm ente restringida. Tornar o doente capaz de, sem
recaídas, suportar os conflitos, constitui a segunda parte
da sua tarefa bem com o o seu objectivo ideal; mas a
eliminação dos recalcamentos genitais pela análise e a
libertação das pulsões que 'têm que ser sublimadas não
são senão os primeiros passos para a instauração dessa
aptidão. Na maioria dos casos, pode-se esperar que
dum tratam ento psicanalítico *bem conduzido resulte uma
261
melhor resistência às decepções da vida. Quanto ao
resto do trabalho d e imunização cabe à satisfação sexual
real e ao m eio ambiente levá-lo a bom termo; e estes
factores podem em princípio ser conscientemente deter
minados por um homem liberto dos seus desejos infantis
e dos seus impulsos masoquistas.
* #
262
lhos, pois a jovem em questão continuará provavel
mente histérica e sexualmente tímida e poderá, além
disso, precipitar o marido e os filhos na neurose; quanto
ao jovem , revelar-se-á possivelmente impotente, caso
contrário, há muito tem po que teria chegado por si à
mesma conclusão que o neurólogo. Os conselhos que
os dois jovens receberam poderiam tê-los curado se
ambos fossem psiquicamente sãos e capazes de dar
livre curso ao desenvolvimento normal da sua excitação
sexual. Em contrapartkJa, a psicanálise, ao levar certas
pulsões sexuais à sublimação, ao tornar possível a adap
tação social pela 'transformação da agressividade e ao
eliminar as inibições sexuais inúteis, «permite um pro
cesso espontâneo e orgânico que age quantitativam ente
e qualitativam ente a partir do interior e que é também
uma «organoterapia»: a satisfação sexual que suprime a
estase da libido. É certo que a penturbação da função
genitai mantém a neurose ao passo que a libido blo
queada na estase não pára de alimentar o processo
neurótico (causa a c tu a l); mas efectivam ente, esta per
turbação, por sua vez, quando apareceu começou por
tom ar urna via puramente psíquica ( causa histórica).
Suponhamos mesmo que existem até produtos que
desenvolvem a libido. Se os administrássemos a um
neurótico sem desejos sexuais conscientes, não dim i
nuiríamos p or isso em nada as suas inrblções psíquicas
que afastam a excitação do domínio genital. Bem pelo
contrário, seguramente apenas iríamos aumentar a sua
angústia neurótica ou provocar novos sintomas. E se
existisse um medicamento que diminuísse a libido, teria
certam ente com o efeito atenuar também a angústia, o
que poderia, com certeza, reduzir a base reaccional da
neurose, mas nunca elim iná-la. E nem a superestrutura
mental associada ao sentim ento de impotência faria mais
do que modificar a fachada. A faculdade de sublim a
ção continuaria tão débil como antes, pois de facto tra
tar-se-ia, não de uma modificação qualitativa (com o
acontece numa psicanálise) m as apenas duma diminui
ção quantitativa da energia psíquica. Um Estado que se
dedicasse a curar os inadaptados ao trabalho apenas
poderia opor-se a uma terapia deste género. Em conclu-
263
são, n eh uma o rga no-terapia, por mais elaborada que
seja, pode dispensar a psicanálise, pois a organoterapia
apenas pode acrescentar ou retirar, ao passo que a psi
canálise age sobre a repartição das energias no sistema
psíquico e, por meio de uma modificação do ego, põe o
psiquismo em condições d e adm itir esta nova reparti
ção qualitativa das energias e de suportar as m odifi
cações quantitativas.
Mas, no momento actual, tudo isto é ainda utópico.
Infelizm ente, os ensaios sobre a química sexual ou são
do domínio da ficção, ou continuam ainda no impasse
dos preconceitos de origem afectiva: a via que a psica
nálise indica para a fisiologia das neuroses encontra-se
obstruída p or um tabu. Resta-nos a esperança de v ir
mos a eliminar radicalmente os preconceitos sociais que
atingem a sexualidade. Com a organoterapia e com a
difusão no sek> do povo de uma informação sexual
baseada, não na moral, mas na ciência (facto que não
deixaria d e ter repercussões na educação e na ciência)
a psicanálise individual poderia ter dois poderosos alia
dos em embrião. M as não se pode pensar que num
futuro previsível possamos gozar dessas facilidades no
nosso difíoi-l trabalho.
264
GLOSSÁRIO
ABREACÇÃO
AFECTO
A N G Ú S T IA
265
existe para Freud a angústia como «sinal do ego», a
angústia como causa. Ora, na mesma época, os traba
lhos de Reich levaram-no, pelo contrário, a privilegiar
a angústia como resultado da estase sexual. Aliás, Reich
modificou a primeira concepção de Freud: a angústiü
era, para ele, não só uma simples conversão da libido,
mas, mais precisamente, o equivalente ao nível do sis
tema vaso-vegetativo, da mesma excitação que provoca
o prazer no aparelho genital. Esta é a angústia actual,
ou, melhor ainda, a angústia de estase (cf. Cap. IV ).
Ao explicar esta origem da angústia, no fim do
Capítulo V II, Reich joga com o duplo sentido da palavra
alemã «Angst» que significa simultaneamente medo e
angústia: a angústia é o resultado de um medo; a angús
tia moral ( Gewissensangst) é, segundo Reich, o medo
da moralidade, a angústia de castração (Kastration-
sangst) é o medo de ser castrado, etc,
E C O N O M IA SEXUAL
266
ESTASE LIBIDINAL (ou estase da Kbido)
FOR M A ÇA O REACCIONAL
IDEAL DO EGO
IN V ES TIM EN TO
267
de representações, uma p a n e do corpo, um objecto, etc.
Por exemplo, nos caracteres fiistéricos, a boca é inves
tida de libido genital. Na sublimação, a libido pré-
><yenital é investida em actividades sociais.
O contra-investim ento consiste num investimento,
de defesa do ego, da form a a bloquear o acesso de
representações e de desejos inconscientes ao consciente
e ao sistema motor. É o aspecto económico de uma
form ação reaccional ou substitutiva.
NEUROSE A C TU A L
OBJECTO
268
à sua libido narctsica. Na criança (e ulteriormente no
adolescente), a escolha do objecto consiste na eleição
de uma pessoa ou de um tipo de pessoas como objecto
de amor. Por outro lado, utiliza-se p or vezes também,
em psicanálise, a palavra objecto no sentido filosófico
tradicional (oposição objecto-sujeito). Neste caso, o
adjectivo correspondente é: objectivo.
269
ÍNDICE
P R E F Á C I O ....................................................... 25
Capítulo I
O CONFLITO NEURÓTICO . . . . . . 31
Capítulo II
A POTÊNCIA O R G Á S T IC A ....................................... 41
Capítulo III
AS PERTURBAÇÕES PSÍQ UICAS DO O RGASM O 57
Capítulo IV
A ESTASE S O M Á T IC A DA LIBIDO E O ESTADO
DE A N G Ú S T I A ....................................................... 95
Capítulo V
A LÍBIDO GENITAL NAS PSiCONEUROSES 143
Capítulo VI
A TEORIA P SIC A N A LÍS TIC A D A G ENITALIDADE 187
Capítulo V II
O IN STIN TO DE DESTRUIÇÃO DEPENDE DA
ESTASE L I B I D I N A L ................................................209
Capítulo V III
S IG N IFIC A D O SOCIAL DAS TEN D ÊN CIAS GE
N ITA IS ....................................................................... 219
C L O S S Á R IO ....................................................................... 265