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Cultura Religiosa

Prof. Eduardo Luiz de Medeiros

2016
Copyright © UNIASSELVI 2016

Elaboração:
Prof. Eduardo Luiz de Medeiros

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

200.9
M488c Medeiros; Eduardo Luiz de
Cultura religiosa /Eduardo Luiz de Medeitros:
UNIASSELVI, 2016.

166 p. : il.

ISBN 978-85-515-0011-8

1.Religião - História.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Apresentação
Prezado acadêmico!

A primeira questão que surgiu, quando do início da redação do


presente Caderno de Estudos, foi a seguinte: como analisar e discutir as mais
diversas religiões com o acadêmico, mantendo a imparcialidade científica?
Posso dizer a você que a resposta para essa questão não foi fácil. Em primeiro
lugar, porque tenho minhas próprias convicções religiosas e ao escrever a
respeito de outras vertentes, automaticamente, sinto tentação em cometer
o pecado da parcialidade. Busquei me retirar deste debate a respeito da
certeza absoluta para tentar, através da descrição isenta, deixar que você,
caro acadêmico, possa tirar por si mesmo suas conclusões.

Já nos encontramos anteriormente em História da Igreja no Brasil,


então já nos conhecemos muito bem e será uma honra andar com você nesta
jornada através do desenvolvimento das religiões ao longo da História.

A primeira unidade de estudo tem o objetivo de oferecer um debate


teórico a respeito de como os pesquisadores analisam as religiões, além
de analisar aquilo que chamamos de “Os Povos do Livro”, ou seja, o que
estudaremos nesta unidade: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. A
análise será pautada tendo em vista destacar os principais pontos relativos
às doutrinas de cada uma e os fatores que as diferenciam. A partir disso o
acadêmico terá condições de estabelecer um diálogo entre cada uma delas, o
que o capacita a entender o praticante de cada religião, o que pensa do mundo,
da eternidade e de seu papel na sociedade. A análise buscará permanecer nos
mesmos pontos para que os mesmos temas estejam incluídos em cada uma
das religiões analisadas.

A segunda unidade tratará das religiões orientais, ou seja:


hinduísmo, budismo e confucionismo, além de movimentos religiosos
oriundos do momento histórico atual, o que se convencionou chamar de
pós-modernidade. Para tanto, precisamos entender o que quer dizer este
conceito, e verificar como o pós-modernismo traz um novo contexto político
e social, que favorece um renascimento de cultos e rituais místicos esotéricos,
a evolução da maçonaria, entre outros movimentos.

Na terceira unidade falaremos a respeito da religiosidade brasileira,


sua diversidade e mistura. Algo muito peculiar que não foi comum em outros
países do período da colonização. Discutiremos o conceito de sincretismo
religioso e a partir dele entendemos como a religiosidade brasileira é única
no mundo.

III
Lembramos que cada tópico apresenta uma autoatividade para
fixar seus conhecimentos e alguns textos de apoio para ilustrar os conceitos
trabalhados durante a unidade.

Sobre o professor, Eduardo Luiz de Medeiros, ele é Doutor em História


pela UFPR, especialista em Teologia Bíblica, pela Mackenzie de São Paulo,
Pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular em Curitiba, esposo da Meiry e
pai do Joshua.

Desejo a você excelentes estudos! Espero que possa filtrar as religiões


diferentes da sua e respeitá-las, pois, a partir do conhecimento de cada
uma delas será possível entender como as pessoas entendem e o que estão
buscando. Desejo uma ótima jornada e que, após estas semanas, você amplie
sua visão de mundo!

Prof. Eduardo Luiz de Medeiros

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS............................................................................... 1

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO TEÓRICA.............................................................................................. 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 JUSTIFICATIVA DA ABORDAGEM TEÓRICA E LINHA DE PESQUISA ADOTADA....... 6
3 TERRITORIALIDADE DO SAGRADO E ESPAÇOS DO PROFANO....................................... 7
4 UMA DEFINIÇÃO DE CULTURA RELIGIOSA?........................................................................... 8
4.1 CONCEITO DE CRENÇA............................................................................................................... 10
4.2 CERIMÔNIA..................................................................................................................................... 10
4.3 ORGANIZAÇÃO.............................................................................................................................. 11
4.4 EXPERIÊNCIA.................................................................................................................................. 11
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 12
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 14
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 15

TÓPICO 2 – OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO....................................................................... 17


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 17
2 HISTÓRIA............................................................................................................................................... 18
3 DOUTRINA............................................................................................................................................ 21
4 RELAÇÕES.............................................................................................................................................. 30
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 33
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 34

TÓPICO 3 – OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO.................................................................. 35


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 35
2 HISTÓRIA............................................................................................................................................... 35
3 DOUTRINA............................................................................................................................................ 42
4 RELAÇÕES.............................................................................................................................................. 46
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 49
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 50

TÓPICO 4 – OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO..................................................................... 51


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 51
2 HISTÓRIA............................................................................................................................................... 51
3 DOUTRINA............................................................................................................................................ 53
4 RELAÇÕES.............................................................................................................................................. 61
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 63
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 65
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 66

UNIDADE 2– RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE..................................................................... 67

TÓPICO 1 – HINDUÍSMO..................................................................................................................... 69
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 69

VII
2 HISTÓRIA............................................................................................................................................... 70
3 DOUTRINA............................................................................................................................................ 72
4 RELAÇÕES.............................................................................................................................................. 75
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 79
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 84
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 85

TÓPICO 2 – BUDISMO .......................................................................................................................... 87


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 87
2 HISTÓRIA............................................................................................................................................... 88
3 DOUTRINA............................................................................................................................................ 90
3.1 AS QUATRO NOBRES VERDADES SOBRE O SOFRIMENTO................................................ 92
3.2 O CAMINHO DAS OITO VIAS...................................................................................................... 92
3.3 OS CINCO MANDAMENTOS BUDISTAS.................................................................................. 93
4 RELAÇÕES.............................................................................................................................................. 94
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 99
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 101
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 102

TÓPICO 3 – AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE................................................................ 103


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 103
2 CONFUCIONISMO............................................................................................................................ 104
3 TAOÍSMO............................................................................................................................................. 106
4 XINTOÍSMO......................................................................................................................................... 108
5 HARE KRISHNA................................................................................................................................. 109
6 VARIAÇÕES DO BUDISMO TRADICIONAL............................................................................. 109
6.1 BUDISMO TIBETANO................................................................................................................... 110
6.2 O ZEN-BUDISMO.......................................................................................................................... 111
7 SEICHO-NO-IE.................................................................................................................................... 111
8 IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL – JOHREI.............................................................................. 113
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 115
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 116

UNIDADE 3 – RELIGIOSIDADE BRASILEIRA.............................................................................. 117

TÓPICO 1 – AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL. OU SERIA PINDORAMA?............. 119


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 119
2 OS CULTOS INDÍGENAS................................................................................................................. 120
3 HISTÓRIA............................................................................................................................................. 120
4 RELIGIOSIDADE INDÍGENA......................................................................................................... 122
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 126
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 127
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 128

TÓPICO 2 – AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS....................................................................... 129


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 129
2 HISTÓRIA............................................................................................................................................. 130
3 RELIGIÕES AFRICANAS NO BRASIL.......................................................................................... 131
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................138
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................140

VIII
TÓPICO 3 – OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS................................................................. 141
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 141
2 O ESPIRITISMO................................................................................................................................. 142
3 ESOTERISMO..................................................................................................................................... 145
3.1 ASTROLOGIA................................................................................................................................ 146
3.2 UFOLOGIA..................................................................................................................................... 147
3.3 NOVA ERA..................................................................................................................................... 148
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 150
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 152
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 153

TÓPICO 4 – ECUMENISMO............................................................................................................... 155


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 155
2 ORIGEM DO ECUMENISMO......................................................................................................... 155
3 O ECUMENISMO CONTEMPORÂNEO...................................................................................... 156
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 159
RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 161
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 162
REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 163

IX
X
UNIDADE 1

AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade você será capaz de:

• oferecer um debate teórico a respeito de como os pesquisadores analisam


as religiões;

• analisar aquilo que chamamos de “Os Povos do Livro”, ou seja, o judaís-


mo, o cristianismo e o islamismo;

• destacar os principais pontos relativos a cada uma destas doutrinas e os


fatores que as diferenciam;

• estabelecer um diálogo entre cada uma delas, o que o capacita a entender


o praticante de cada religião, o que pensa do mundo, da eternidade e de
seu papel na sociedade.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos e em cada um deles, você
encontrará atividades que o auxiliarão a compreender os conteúdos
apresentados.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO TEÓRICA

TÓPICO 2 – OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

TÓPICO 3 – OS POVOS DO LIVRO: O CRISTIANISMO

TÓPICO 4 – OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

INTRODUÇÃO TEÓRICA

1 INTRODUÇÃO
Ao iniciarmos o estudo das manifestações, a primeira ideia que precisa
estar em nossas mentes é a de que não é possível entender o sagrado através da
visão profana.

UNI

Não entendeu a frase acima? Não se preocupe, caro acadêmico, conversaremos


com o professor para que ele explique o que é sagrado e o que é profano antes que ele
continue.

Atendendo a pedidos, antes de continuarmos, gostaríamos de definir


sagrado e profano dentro do contexto desta disciplina.

Todos nós temos uma noção a respeito do sagrado. Quando falamos sobre
o Brasil é ainda mais compreensível, pois aqui temos uma religiosidade peculiar,
a qual estudaremos de maneira pormenorizada na Unidade 3 deste caderno de
estudos. O ser humano traz um conceito de religiosidade intrínseco dentro de si.

Uma tribo indígena em uma floresta tropical, cultuando os elementos da


natureza, cristãos adorando a Deus em um templo, muçulmanos numa mesquita
ou judeus em uma sinagoga. Todos eles têm uma perspectiva a respeito do
sagrado e qual é a sua influência em sua vida cotidiana.

Mas então, como podemos definir o sagrado? Essa não é uma tarefa
simples, na medida em que o sagrado se encontra numa realidade “extraordinária”,
distinta do cotidiano do homem. Nos grupos primitivos não havia distinção
entre o sagrado e o profano, na medida em que todas as suas atividades do dia
a dia, como a alimentação, o sexo e o trabalho, por exemplo, eram manifestações
do sagrado para estes grupos. Através do estabelecimento de sociedades e das
regras de convívio social que se estabelecem a partir do momento em que a união

3
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

de vários grupos forma as primeiras aglomerações de grupos humanos, que


poderíamos chamar também de cidades primitivas, o estabelecimento de ritos e
regras sociais, que distanciam a experiência do sagrado da vida comum, forma
esta separação entre o sagrado e profano. Em uma primeira análise, utilizando a
definição de Rudolf Otto (1991), o sagrado é a oposição ao profano.

UNI

Caro acadêmico! É comum que nós associemos o conceito de profano a


tudo aquilo que é contrário à nossa fé, aquilo que é pecaminoso, contrário aos dogmas das
religiões. E é natural que seja assim, na medida em que o Dicionário Michaelis (ANO) define
profano como:

adj (lat profanu) 1 Que não é sagrado ou devotado a fins


sagrados. 2 Não consagrado. 3 Estranho à religião; que
não trata de religião: História profana; literatura profana.
4 Estranho ou contrário à religião cristã. 5 Contrário ao
respeito devido à religião. 6 Que não pertence à classe
eclesiástica; não monástico; secular. 7 Herético. 8 Não
iniciado nos ritos ou mistérios religiosos. 9 Não iniciado
em certas ideias ou conhecimentos; leigo. 10 Que não tem
ilustração; vulgar. Antôn (acepções 1 a 5): sagrado. sm 1
Oposto a coisas sagradas. 2 Indivíduo sem ordens sacras;
leigo. 3 O que não faz parte de uma seita, associação, ou
certa categoria de pessoas. 4 Indivíduo não iniciado em
certos conhecimentos; leigo. Antôn: sagrado.

Porém, em nossa abordagem, o profano tem a denotação de natural, ou seja, tudo aquilo que
não faz parte do sagrado, a vida cotidiana, o trabalho, as relações sociais etc. Não é um termo
pejorativo, apenas utilizado para estabelecer os limites do sagrado em nossos dias.

O sagrado é o produto de uma experiência religiosa, ou, se utilizarmos


o conceito do romeno Mircea Eliade (2001), uma hierofania, ou manifestação do
sagrado.

UNI

Hierofania é um conceito de Eliade. Segundo ele, significa algo de sagrado que


nos é revelado.

4
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA

Através deste conceito de hierofania é possível entender o que se passa pela


cabeça de um adorador celta que adora os elementos da natureza como pedras
e rios, ou como a transposição da fé dos fiéis nas orações diante de imagens de
esculturas, sejam elas santos ou deuses indianos. Neste sentido, a pedra, embora
não deixe de ser uma pedra, já não é APENAS uma pedra, é algo mais que recebe,
através de uma revelação, um novo significado associado à divindade.

UNI

Ficou claro o conceito de hierofania para você, meu amigo acadêmico? Caso
você tenha dúvidas, acesse o site <http://alvanomutz.blogspot.com.br/2006/08/hierofania.
html>, onde existe um texto complementar extraído do livro Cultura religiosa, de Irineu
Wilges, da Editora Vozes, para que você aprofunde seus conhecimentos neste importante e
desconhecido conceito sobre a cultura religiosa.

É complicado para nós, ocidentais do século XXI, aceitarmos este conceito,


pois não nos é familiar, na medida em que vivemos em uma sociedade cada vez mais
dessacralizada, onde essas ideias de apropriação do sagrado já não são discutidas. O
credo é praticado muitas vezes sem que se questione a origem desta fé.

UNI

Não podemos aprofundar aqui a questão da dessacralização do pensamento


ocidental, que aconteceu especialmente no século XIX, quando muitos teóricos chegaram a
propor a morte de Deus! Se você ficou interessado, ou até incomodado com esta afirmação
dos teóricos pós-modernos (e eu espero que fique mesmo!), saiba que no século seguinte,
o XX, uma nova geração de teóricos voltou a anexar Deus e o sagrado na concepção da
sociedade. Estes intelectuais da religião apontam que a separação de Deus da sociedade tem
trazido resultados nefastos para nosso tempo. Para entender como este pensamento evoluiu
no século XIX, acesse: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/nietzsche_deus.htm>.
Nele você pode saber também quais são estes teóricos que retiraram Deus e a ideia da
existência do sagrado de seus estudos.

5
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

2 JUSTIFICATIVA DA ABORDAGEM TEÓRICA E LINHA DE


PESQUISA ADOTADA

UNI

Você pode se perguntar: O autor deste caderno deve “pegar pesado” falando
em tantas teorias? Mas não se preocupe, ele vai explicar agora o porquê de tantos nomes
complicados!

Iniciamos este tópico analisando, de forma abreviada, conceitos


importantes e recorrentes dentro do estudo das religiões, por exemplo, hierofania,
dessacralização, sagrado e profano. Neste segundo ponto gostaríamos de explicar
quais são as razões que nos levaram a enveredar por tal caminho.

Entender que todas as religiões, embora de maneira muito distinta,


possuem uma raiz comum, no sentido de entenderem que o mundo funciona
de acordo com a hierofania, ou seja, com a revelação de algo que transcende
a realidade conhecida e entra no território do sagrado. Essa ideia nos ajuda a
entender de maneira mais humana todos os credos e religiões, na medida em que,
por mais diferente e discrepante possa parecer de início, todas elas têm uma raiz
comum no desejo de explicar como o mundo ao nosso redor funciona.

Outra razão para justificarmos nossa estrutura teórica é explicar nossa


visão de tolerância religiosa. Este conceito significa respeito pelas pessoas que
possuem pontos de vista diferentes do nosso e é uma palavra-chave dentro do
estudo das religiões. Ser tolerante não significa o desaparecimento das diferenças
e das contradições, ou que não importa naquilo que se crê. Uma atitude tolerante
pode perfeitamente coexistir com uma sólida fé e com a tentativa de converter
os outros. A tolerância não limita o direito de fazer propaganda religiosa, mas
exige que seja feita com respeito pela opinião dos outros. A intolerância é,
normalmente, fruto da falta de conhecimento de determinado assunto. É bastante
comum que filhos entrem em conflito de ideias com seus pais, e um ser intolerante
com o outro devido à falta de compreensão mútua dos universos envolvidos. Da
mesma forma a intolerância religiosa, que foi a maior causa de guerras e mortes
na história da humanidade, é causada pela falta de conhecimento profundo das
religiões divergentes.

O respeito pela vida religiosa dos outros, por suas opiniões e seus pontos
de vista, é um pré-requisito para a coexistência humana. Isso não significa que
devemos aceitar tudo como igualmente correto, mas que cada um tem o direito
de ser respeitado em seus pontos de vista, desde que estes não violem os direitos
humanos básicos.

6
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA

UNI

Através da mídia e da própria história ocidental, temos visto os povos


muçulmanos como bárbaros, terroristas e intolerantes. Existem perseguições a cristãos,
existem homens-bomba, porém não é a maioria do povo muçulmano o responsável por
estes atos. É como se no Brasil disséssemos que todos os cariocas são bandidos e traficantes
por causa das imagens que vemos na TV todos os dias. A seguir você vê uma imagem datada
do século VIII, no período da ocupação muçulmana na Península Ibérica. Você pode ver na
imagem um cristão e um muçulmano jogando tranquilamente uma partida de xadrez! Isso
há 1200!

FIGURA 1 – CRISTÃO E MUÇULMANO JOGANDO XADREZ – FIGURA


DO SÉCULO XIII

FONTE: Disponível em: <http://al-qasr-abu-danis.blogspot.


com/2008_0601_archive.html>. Acesso em: 9 set. 2009.

Ao término desta disciplina, esperamos que você tenha ainda mais


convicção de sua fé, no caso de ser protestante como nós, porém que respeite as
demais religiões e, além do respeito, que você possa entender como um fiel pensa,
pois na medida em que alguém se converte para a sua religião, seja ela qual for,
é preciso entender como estes neófitos pensam e qual é a visão de mundo deles,
para que você possa ajudá-los em sua jornada em busca da verdade.

3 TERRITORIALIDADE DO SAGRADO E ESPAÇOS DO


PROFANO
Para o homem religioso das sociedades tradicionais, o encontro com
o sagrado o torna, de certa forma, participante deste mundo sacralizado. Isso
acontece através de uma teofania.

7
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

UNI

Lá vem ele de novo! Deixe-nos ajudá-lo: Teofania é um conceito de cunho


teológico que significa a manifestação de Deus em algum lugar, coisa ou pessoa. Tem sua
etimologia enraizada na língua grega: “theopháneia” ou “theophanía”. É uma revelação ou
manifestação sensível da glória de Deus ou de outra divindade, ou através de um anjo, ou
através de fenômenos impressionantes da natureza. Para maiores informações sobre este
conceito, acesse: <http://www.universidadedabiblia.com.br/o-que-e-teofania/>.

Esta teofania é uma revelação da divindade que indica, de alguma forma,


qual espaço do mundo físico deve ser considerado como sagrado, e a partir disto
este novo local passa a ser aquilo que Mircea Eliade chama de “Ponto Fixo”, ou
seja, um ponto de ligação entre o Céu e a Terra ou as regiões inferiores. Neste
espaço sagrado, o acesso acontece nos dois sentidos: a divindade pode acessar o
fiel, assim como o fiel pode se comunicar com seu objeto de adoração.

Assim podemos explicar a importância do templo religioso para qualquer


fiel que procure nele respostas e experiências com a divindade. Para um cristão,
este lugar é a igreja, para os judeus, a sinagoga, para o muçulmano, a mesquita,
para os adeptos dos cultos de origem africana, são os terreiros. Independentemente
do credo, todos têm em comum esta teofania quanto ao local sagrado. Entrar em
uma igreja é, para o católico, passar do espaço profano para um novo espaço,
onde ele pode encontrar Deus e relembrar os elementos que fortalecem sua fé
através de ritos e o prepara assim para retornar ao espaço profano, onde sua vida
cotidiana acontece, com uma força renovada. Esse relembrar remonta a outro
importante elemento da teoria da religião: o tempo.

O tempo religioso é um tempo reversível, na medida em que é possível


voltar ao passado. De que maneira isso se manifesta? Através dos ritos que são
repetidos nas reuniões, o passado se torna presente mais uma vez, onde os atos
fundadores da visão religiosa são relembrados, seja através das palavras do
fundador da fé, lidas e explicadas pelo líder religioso, seja através de ritos cheios
de significado onde o fiel se sente parte viva do início da fé que ele compartilha
com outros de mesma visão que ele.

4 UMA DEFINIÇÃO DE CULTURA RELIGIOSA?


Dentro de tudo o que vimos até agora no campo da ciência da religião,
seria possível definirmos religião? Pensando sobre a perspectiva proposta em
nosso trabalho, vamos buscar uma definição que possa ser utilizada por todos
os fenômenos religiosos que iremos estudar nas próximas unidades de nosso
caderno de estudos.

8
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA

Algumas definições de religião propostas por teóricos que se debruçaram


sobre esse intrigante e complexo assunto podem nos dar algumas pistas para
uma solução:

De acordo com Friedrich Schleiermarcher (1768-1834) (apud GAARDNER,


2000, p. 18), “A religião é um sentimento ou uma sensação de absoluta
dependência”.

“Religião significa a relação entre o homem e o poder sobre-humano no


qual ele acredita ou do qual se sente dependente. Essa relação se expressa em
emoções especiais (confiança, medo), conceitos (crença) e ações (culto e ética)”
– C. P. Tiele (1830-1902). (TIELE apud GAARDER, 2000, p. 19).

“A religião é a convicção de que existem poderes transcendentes,


pessoais ou impessoais, que atuam no mundo, e se expressa por insigth, pensamento,
sentimento, intenção ou ação” – Helmuth von Glasenapp (1891-1963). (GLASENAPP
apud GAARDER, 2000, p. 20).

As definições acima podem nos auxiliar a entender como é difícil ter


uma definição universal de religião. Esta tarefa é complexa na medida em que,
ao compararmos as religiões, podemos correr o risco de qualificá-las, deixando
uma como a verdadeira, a partir da qual todas as demais são intituladas como
secundárias ou primitivas. Para entendermos as religiões como expressões
culturais de determinada sociedade, não podemos colocar parâmetros que as
qualifiquem, mas sim conceitos, através dos quais podemos analisar cada uma
delas, sem julgar a fé das pessoas como inferior ou superior à nossa.

UNI

Mais uma vez gostaria de lembrá-lo de que essa visão tolerante das demais
religiões não faz com que você abra mão das verdades nas quais acredita, nem significa que
você não deva chamar outros para participar da mesma fé que você. Apenas queremos que
você possa retirar os pré-conceitos que porventura tenha contra alguma religião, em especial
para que possa respeitar aqueles que professam algo com o que você discorde. O apóstolo
Paulo diz que temos que oferecer a Deus um culto racional, ou seja, precisamos conhecer
nossa fé e em que ela difere das demais crenças, para estabelecermos um diálogo.

Uma abordagem baseada em conceitos pode ser encontrada em outro


livro de nossa bibliografia básica da disciplina: O livro das religiões, de Jostein
Gaarder, Victor Hellern e Henry Notakerr, além do livro organizado por Burkhard
Scherer, intitulado As grandes religiões, temas centrais comparados. Ambos serão
amplamente utilizados em nossas análises. Os quatro conceitos fundamentais
que serão analisados são os seguintes: conceito (crença), cerimônia, organização
e experiência.

9
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

4.1 CONCEITO DE CRENÇA


Cada ser humano tem uma consciência de mundo que lhe atribui um
sentido à sua vida. Estes conceitos estão ligados a uma cultura religiosa. Mesmo
que o homem pratique nenhuma religião especificamente, a sociedade recebe
influências de gerações passadas que montam todo o arcabouço teórico que dá
um sentido de moral, de certo e errado, do que é lícito ou do que é proibido. Estes
conceitos surgem através de escrituras sagradas, ritos, doutrinas ou mitos.

No tocante à divindade, as religiões podem ser monoteístas, monolatristas,


politeístas, panteístas ou animistas.

UNI

Caro acadêmico! Não se preocupe em entender estas denominações das


religiões em relação à divindade neste momento. Quando estudarmos cada uma delas em
separado, você as entenderá, com certeza!

No que concerne ao homem, todas as religiões buscam atribuir uma criação


do mundo e do próprio homem, bem como dar uma resposta ao que acontece ao ser
humano quando este morre.

4.2 CERIMÔNIA
Todas as religiões apresentam a cerimônia como um importante elemento
constitutivo. Reuniões que se repetem periodicamente apresentam um fluxo de
funcionamento distinto, através de uma série de ritos que formam um culto ou
liturgia.

UNI

A palavra culto vem do latim “colere”, que significa cultivar. Normalmente


é utilizada para indicar adoração à divindade, porém nas ciências da religião é um termo
coletivo que designa todas as formas de rito religioso.

Podem ser considerados ritos: a oração, o sacrifício, a oferenda, sacrifícios


de alimento, sacrifícios de expiação, ritos de passagem, nascimento e morte, ritos
de puberdade (circuncisão).
10
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA

4.3 ORGANIZAÇÃO
Um aspecto importante em todas as religiões é a irmandade entre seus
seguidores. Existe um vínculo que é gerado entre os fiéis que, muitas vezes, é
o elo mais forte de uma nação inteira. Os judeus, por exemplo, passaram quase
2000 anos espalhados pelo mundo após a conhecida diáspora dos judeus no ano
70 d.C. Durante séculos, gerações nasceram e morreram em países estrangeiros
em todos os cantos do mundo, porém eles continuavam a se considerar judeus,
ou seja, o elo que manteve a nação unida mesmo em países com crenças diferentes
da sua foi a religião.

Grande parte das religiões é organizada através de um corpo de
funcionários próprio que desenvolve tarefas específicas relacionadas ao serviço
do culto e o atendimento dos fiéis. Pastores, padres, curandeiros desenvolvem
atividades bastantes distintas uns dos outros, porém todos eles desfrutam de
um status superior mediante os fiéis, para os quais são líderes. Essa liderança é
demonstrada através de aconselhamentos, explicação da maneira correta de viver,
da ética peculiar de cada grupo. Algumas possuem uma hierarquia internacional,
tendo um líder único para todo o mundo, como no caso do catolicismo; outras
religiões apresentam uma independência nacional, como no caso da igreja da
Noruega, e outras, ainda, possuem uma hierarquia em nível regional, sendo
algumas denominações pentecostais, um bom exemplo deste tipo de organização.

4.4 EXPERIÊNCIA
O elemento intelectual da religião (crença) não pode ser o único vinculado
à religião, pois ela envolve, com igual intensidade, as emoções do fiel. Emoções
essas que são tão importantes quanto os pensamentos e a racionalidade do
homem. A experiência com o sagrado se manifesta através da música, dança e
em algumas religiões através de oferendas e utilização de elementos naturais
alucinógenos que aproximam o fiel da divindade.

UNI

De maneira nenhuma a experiência relacionada às emoções do fiel deve ser


considerada como algo inferior ou fraqueza mediante manipulação dos líderes religiosos.
Todos nós ficamos alegres ou tristes, vivemos tempos de tranquilidade e épocas de desespero
e angústia. Essas emoções não são sinais de fraqueza. A experiência religiosa traz estas
emoções para o campo do sagrado com resultados muito satisfatórios no auxílio da melhora
no emocional do fiel.

11
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

LEITURA COMPLEMENTAR

SAGRADO E PROFANO NA RELIGIÃO E NO CARNAVAL

Vanderlei Dorneles

Dias antes do carnaval (do ano 2000), as Arquidioceses de São Paulo e do


Rio entraram com ação na justiça a fim de garantir uma estranha proibição: que
imagens religiosas não fossem usadas nos carros alegóricos. Algumas escolas já
tinham preparado imagens como a cruz, um painel com Nossa Senhora da Boa
Esperança, e uma Virgem Maria.

Do outro lado, o padre Marcelo Rossi faz a sua Folia do Senhor, uma
celebração religiosa em ritmo de carnaval. O destaque é o ritmo, o corpo e a dança.
Marcelo e outros padres denominados pop conquistaram a simpatia popular
especialmente por suas movimentadas missas, onde a dança ou a “aeróbica do
Senhor” são pontos altos.

Nos últimos tempos, a religião saiu dos domínios da Igreja. Está na


empresa, na escola, na rua, mas especialmente nas manifestações culturais. São
centenas de músicas com letras religiosas. O mercado editorial está cheio de livros
do gênero. A presença de religiosos na TV é coisa comum. Por fim, o carnaval
também se tornou um espaço para a manifestação do espiritual.

Diante desse rompimento de fronteiras, a Igreja se vê obrigada a recorrer à


lei para garantir a preservação de suas imagens. Na disputa judicial para garantir
o monopólio do “sagrado”, cabe uma questão: por que os religiosos quiseram
proibir os foliões de usar as imagens em meio à dança, se os próprios religiosos
levaram primeiro a dança e o ritmo para dentro dos templos? Discórdia à parte,
esses fatos mostram como as distinções entre o sagrado e o profano estão sendo
pressionadas, nessa era de expansão religiosa e de explosão da cultura pop.

O dicionário define profano como algo “não pertencente à religião”, “não


sagrado”, “secular”; enquanto que sagrado é algo “concernente às coisas divinas,
à religião, aos ritos ou ao culto”, “inviolável” ou “santo”.

Entre os povos antigos, a vida religiosa não contemplava essa distinção.


Sagrado e profano eram categorias inexistentes. A religião era o centro da vida
e todas as demais coisas eram naturalmente relacionadas a ela. O plantio da
terra, a procriação e a diversão eram expressões religiosas, na medida em que
se tornavam oferendas aos deuses. Os rituais misturavam atos sexuais, orgia e
danças, como no festival de Dionísio, divindade greco-romana. A dança sempre
foi um acessório cultual, entre os índios, nas religiões afro, no antigo Egito e em
inúmeros cultos antigos. Mircea Eliade, historiador das religiões, afirma que a
dança e a música de tambores eram parte indispensável dos cultos antigos.

12
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO TEÓRICA

A presença de sexo, dança e bebida nos cultos pagãos se deve ao fato


de que a diversão era uma forma adequada de cultuar, segundo os padrões
daquela religião. A união entre sagrado e profano era natural num mundo em
que os deuses eram espíritos evoluídos ou espíritos de guerreiros humanos, que,
portanto, apreciavam as coisas próprias do homem.

As religiões que seguem a revelação bíblica – judaísmo e cristianismo –


criaram a distinção entre sagrado e profano, ao introduzir a ideia do pecado e o
conceito da santidade de Deus. O profano e o sagrado não têm espaço na religião
destituída da ideia do pecado. As religiões antigas e as espiritualistas de hoje não
têm para essas categorias um conceito claro, exatamente porque não estabelecem
a realidade do pecado e da redenção.

O que está acontecendo, com a acomodação das igrejas cristãs à cultura


secular, é uma perda gradativa dessas categorias. Com isso, as expressões
culturais vão sendo aceitas pelos religiosos como ingredientes próprios para o
culto. E no mundo secular as imagens religiosas vão conquistando espaço nas
diversas expressões de arte, inclusive no carnaval.

A mistura de sagrado e profano, no cristianismo, reduz a religião a uma


mera manifestação cultural e simplifica Deus a um personagem do imaginário
popular. No século XVIII, o filósofo Edmund Burke, em seu livro Uma investigação
filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo, chamava a atenção
para a perda da noção da sublimidade de Deus, na medida em que Deus era visto
como uma ideia a ser apreendida. O mesmo ocorre quando a religião é reduzida
a uma simples manifestação cultural.

Para Burke, a sublimidade divina repousa no pensamento de que Deus


é um Ser majestoso separado do mundo e impossível de se igualar ao mundo,
mesmo tendo Se feito carne.

A ideia de um Deus igual ao homem, tolerante e bom camarada, própria


do tempo atual, favorece o amor a Deus, mas enfraquece o temor. O amor se
fortalece com a encarnação, a acessibilidade, a graça. O temor é o resultado da
santidade, da grandeza, da ira, da sublimidade. O temor é tão indispensável que
a Bíblia o chama de “o princípio da sabedoria”.

Na relação com Deus, amor e temor precisam estar juntos. Mas isso só é
possível quando sagrado e profano permanecem separados.

FONTE: Disponível em: <http://www.musicaeadoracao.com.br/artigos/meio/sagrado_profano.


htm>. Acesso em: 12 set. 2009.

13
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

 Antes de estudar as religiões é necessário pensar qual será a abordagem teórica


a ser adotada pelo pesquisador das religiões.

 Tolerância religiosa não é sinônimo de abrir mão de conceitos próprios e


nem de concordar com tudo que os outros concordam. A tolerância apenas
pressupõe o respeito à opinião daqueles que não partilham da mesma fé.

 Hierofania é a manifestação do sagrado no mundo profano, ou seja, uma


árvore sagrada já não é apenas uma árvore, porém é uma árvore revestida de
um poder divino que a transforma em sagrada.

 Para que o homem religioso possa ter acesso ao objeto de seu culto, é preciso
que existam espaços sagrados, que são diferentes de quaisquer dos demais
espaços onde o homem vive. Pode ser uma igreja, uma mesquita, um terreiro
ou uma sinagoga.

 Uma definição de religião única é bastante complexa, na medida em que


colocaria uma religião como a principal ou a verdadeira enquanto todas as
demais seriam falsas ou inferiores. Uma definição que seja baseada em conceitos
ao invés de parâmetros é mais adequada para a abordagem proposta.

 Os quatro conceitos-chave que podem ser identificados em todas as religiões


são conceito, cerimônia, organização e experiência.

14
AUTOATIVIDADE

Como esta unidade foi muito densa, ou seja, com muitos conceitos nem sempre
muito fáceis de serem assimilados, revise o tópico e responda às seguintes
questões:

1 Defina, com suas palavras, o conceito de hierofania.

2 Após o estudo do tópico, como você encara a questão da tolerância religiosa?

3 Defina espaço sagrado e espaço profano, de acordo com a abordagem de


Mircea Eliade.

4 Conceito de teofania.

5 É possível definir religião? Explique.

6 Qual é o parâmetro segundo o qual estudaremos as religiões?

15
16
UNIDADE 1
TÓPICO 2

OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

1 INTRODUÇÃO
Após a abordagem teórica do tópico anterior, passaremos a analisar
juntos os chamados Povos do Livro, ou seja, as três grandes religiões monoteístas
da humanidade: o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Embora o diálogo
entre elas não seja uma tarefa muito fácil, é importante destacarmos que existem
semelhanças entre elas, embora as fronteiras entre o que é tolerável, em termos
teológicos, estejam bastante claras para cada uma delas.

As três religiões têm origem no Oriente Médio, são monoteístas, como já


dissemos e, portanto, chamadas de “abraâmicas”, devido ao homem chamado
Abraão ser o primeiro patriarca a realizar um pacto com o Único Deus. A região
de influência destas religiões foi em primeiro lugar o Mediterrâneo Oriental,
cristianismo e islamismo tiveram um crescimento muito mais expressivo que o
judaísmo. Podemos dizer que o cristianismo é a religião do Ocidente e o islamismo
se tornou uma força praticamente irresistível no Oriente Médio, enraizado na
cultura árabe, enquanto o judaísmo continuou praticamente estagnado no tocante
ao crescimento.

Na ordem cronológica, do antigo para o mais recente, faremos uma


abordagem individual de cada uma delas, iniciando pelo judaísmo, passando
pelo cristianismo e concluindo com o islamismo.

UNI

O termo “Povos do Livro” faz referência à utilização de livros considerados


sagrados por cada uma delas: A Torá para os judeus, a Bíblia para os cristãos e o Corão para
os muçulmanos.

17
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

2 HISTÓRIA
Uma das principais características do povo judeu é sua íntima ligação com
a História. Toda a fé judaica está enraizada na crença de um pacto, ou melhor, uma
aliança especial feita por Deus com um homem chamado Abraão. A descendência
de Abraão deu origem ao povo judeu. Embora o relato do Antigo Testamento
inicie sua narrativa com a história de Adão e Eva e a origem da raça humana por
meio da criação divina, é com Abraão que a ideia de um povo especial, separado
por Deus como Seu, aparece pela primeira vez.

A trajetória do povo judeu tem sua origem por volta de 3.800 anos atrás,
através da figura de Abraão, que parte da terra de Ur, na Caldeia, obedecendo a
uma orientação divina de que deveria sair de sua terra e migrar para a terra de
Canaã. As ruínas de Ur encontram-se hoje no sul do Iraque e Abraão rumou para
próximo das margens orientais do Mediterrâneo. O povo ganhou um nome através
do neto de Abraão, Jacó, que após uma dramática luta com um anjo de Deus, tem
seu nome mudado para Israel. São os 12 filhos de Israel que dão origem às 12 tribos.

FIGURA 2 – PINTURA DE REMBRANDT RETRATANDO O


SACRIFÍCIO DE ISAAC

FONTE: Disponível em: <www.bbc.co.uk/.../167_rembrandt/


page5.shtml>. Acesso em: 20 set. 2009.

Após um período extremo de fome em Canaã, o povo migra rumo ao


Egito, onde desfruta das bênçãos em virtude de José, um dos filhos de Jacó, ser o
vice-rei do Egito. Após muito tempo, os egípcios escravizam os israelitas por 400
anos, quando surge a figura de Moisés como um libertador instituído por Deus
para esta função. Com o chamado Êxodo, os israelitas saem do Egito e passam
a viver errantes pelo deserto por volta de 40 anos, sob a liderança de Moisés.

18
TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

É neste momento que o povo recebe a chamada Lei do Senhor, ou as Tábuas


da Lei, mandamentos de conduta moral e espiritual dadas por Deus para Seu
povo. Sempre que obedecessem a essas leis, receberiam o apoio e o favor divino, e
quando rejeitassem a Lei seriam repreendidos para que voltassem seus caminhos
para Deus.

UNI

Caro acadêmico, você já deve ter percebido que o autor está correndo com
esta história, apontando apenas os fatos que são fundamentais para entender a trajetória do
povo judeu. Se você quiser aprofundar esta história, leia o Antigo Testamento de sua Bíblia ou
procure nas referências bibliográficas no livro de História de Israel.

O povo entra na chamada Terra Prometida por volta de 1200 a.C.


Sob a liderança do sucessor de Moisés, Josué e após ele sob a liderança dos
chamados Juízes, através de um governo teocrático, onde era o próprio Deus
quem os governava através dos líderes instituídos divinamente. Após este
período, os israelitas entram no período monárquico, onde, à semelhança aos
povos circunvizinhos, um rei deveria governar o povo. O reino unido durou
aproximadamente 120 anos sob os governos de Saul, Davi e Salomão, sendo este
último o responsável pela construção do famoso Templo de Jerusalém, símbolo
máximo do judaísmo até os dias de hoje, embora só tenha restado uma das
paredes do antigo templo, conhecido hoje como o Muro das Lamentações.

FIGURA 3 – MAQUETE POSSÍVEL DO PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM,


CONSTRUÍDO POR SALOMÃO

FONTE: Disponível em: <revisando.wordpress.com/.../>. Acesso em: 20 set.


2009.
19
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

Após a morte de Salomão, o reino se divide em dois: o Reino de Israel


e o Reino de Judá, com dinastias distintas. É neste período que surgem os
chamados profetas, homens que recebiam a missão de transmitir a Palavra de
Deus, advertindo o povo de que o Juízo divino viria sobre todo o povo caso
continuassem a seguir o mesmo caminho dos povos ao seu entorno.

UNI

Quais eram estas práticas abomináveis pelo Deus de Israel? A principal delas
era a prática pagã da idolatria. Ela tem origem nas palavras gregas Eidolon (imagem) + latreia
(culto). Esta era uma prática muito comum no mundo antigo e consistia na fabricação
de ídolos ou imagens dos deuses para que fosse prestado culto à divindade através desta
imagem. No caso específico de Israel, o povo cananeu adorava de maneira especial a quatro
deuses: Baal, Moloque, Astarote e Mamom. Os rituais a estes deuses englobavam sacrifícios
de crianças, orgias rituais com sacerdotisas que se prostituíam nos templos.
Você consegue entender agora porque tantas restrições e proibições para o povo de Israel
não seguir os deuses dos cananeus?
Você consegue mais informações a respeito de escavações arqueológicas nas ruínas das
cidades cananeias que explicam cada vez mais como funcionavam os cultos destes povos,
no link: <http://www.cafetorah.com/Destruicao-dos-Cananeus>.

O Reino do Norte (Israel) é devastado pelo povo assírio por volta de 722
a.C. A partir desta data, este reino deixa de ter importância política e religiosa
para o contexto geral de Israel. Isso se deu principalmente pela maneira como
os assírios atacavam as cidades e exilavam os povos. Uma parte da população
conquistada era levada cativa até a Assíria, em especial os soldados, a nobreza
e os intelectuais. Ao mesmo tempo, assírios eram mandados até as cidades para
implantar a cultura assíria nos reinos conquistados. O Reino do Norte sofreu o
processo ao qual chamamos de aculturação, formando depois o povo conhecido
como os samaritanos.

UNI

Aculturação é o processo segundo o qual existe a troca de experiências culturais


entre dois ou mais povos. Este conceito, até pouco tempo atrás, era utilizado para explicar
como culturas inteiras desapareciam após o contato com outra dita “superior”. Isso, porém
tem sido revisto por antropólogos e sociólogos, na medida em que a troca de cultura é
recíproca. A resultante deste contato é uma terceira cultura que une elementos de cada um
dos povos originais. No caso do Reino do Norte, Israel + Assíria = Samaria.

20
TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

O Reino do Sul foi conquistado pela Babilônia por volta de 587 a.C., porém
em 539 a.C. foi permitido que os que assim desejassem retornassem a Judá. Este
foi um período muito importante para o povo de Israel, por diversas razões. Foi
a partir do retorno da Babilônia que o termo judeu passou a ser utilizado para
designar os remanescentes do exílio. Foi durante o exílio na Babilônia que surgiu
uma grande preocupação em registrar os acontecimentos e fabricar cópias dos
livros da Torá ou Pentateuco, bem como os livros das crônicas dos reis de Israel e
Judá. Cópias destes livros foram feitas e guardadas tendo como objetivo principal
preservar a tradição de Israel para as gerações futuras.

3 DOUTRINA
A vida na Babilônia trouxe a figura da sinagoga para o contexto do culto
religioso dos judeus. Já que estavam em uma terra estranha sob forte influência
do sistema politeísta babilônio, os líderes começaram a reunir o povo para ensinar
e ler os escritos sagrados. A partir de então, o Templo não era mais indispensável
para a realização das reuniões, mesmo mantendo uma importância considerável
no tocante à identidade judaica. Após o retorno dos remanescentes a Judá, os
judeus foram repetidamente perseguidos e dominados por povos estrangeiros,
culminando com a ocupação romana que sufocou em definitivo as tentativas dos
revoltosos judeus em recuperar o controle e domínio sobre a Palestina. O ponto
alto desta derrota final dos judeus frente aos romanos foi a destruição do Segundo
Templo de Jerusalém no ano 70 d.C. pelo general romano Tito.

Com esta derrota, os judeus foram espalhados por todo o mundo no


movimento conhecido como “diáspora judaica”. Em todos os países por onde
estiveram desde então, os judeus se reúnem em sinagogas para orar, ler e aprender
a Torá e a respeitar as festas e preceitos éticos ensinados na Lei e no Talmud.

UNI

Diáspora deriva do hebraico tefutzah, “dispersado”, ou ‫ תולג‬galut “exílio” e faz


referência à dispersão dos judeus após a destruição do templo e o massacre de cerca de um
milhão de judeus na batalha de resistência contra os romanos. A tradição atribui a destruição
do templo pelos babilônios à idolatria do povo. A segunda destruição do templo, segundo
a tradição, é atribuída à falta de caridade e respeito vazio pelas leis sem a contrapartida do
respeito e auxílio ao próximo. Os judeus acreditam que o terceiro templo será reconstruído
pelo Messias numa época quando todos os judeus voltarão a se importar uns com os outros
através do amor incondicional. Para maiores informações, acesse <http://www.morasha.com.
br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=274&p=2>. Esta é a página de uma revista judaica
que fala sobre as lições que a destruição do templo deve trazer para os judeus de todo o
mundo.

21
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

Numa sinagoga não existem imagens nem objetos no altar, pois são
estritamente proibidas pela Lei de Moisés. O ponto central de uma sinagoga é a
chamada Arca, um armário que fica na parede oriental, na direção de Jerusalém,
onde são guardados os rolos da Torá, todos escritos em formato de pergaminhos.
A principal reunião judaica acontece no sábado, com uma grande cerimônia
repleta de significados em torno da leitura do Livro Sagrado. Acontecem reuniões
também às segundas e quintas-feiras com o objetivo de, ao término do ano, todo
o cânone seja lido em público.

Além da Torá, são lidos salmos, orações e bênçãos, contidos num livro
especial chamado Sidur. Os cânticos podem ser efetuados por um membro do
sexo masculino adulto leigo, porém o sermão e o ensino da Lei devem ser feitos
por um rabino. Todo o serviço na sinagoga é desempenhado por homens adultos,
enquanto as mulheres desempenham um papel fundamental no culto familiar,
que é tão importante quanto a reunião pública, em especial o chamado Shabat.

FIGURA 4 – ENTRADA DA SINAGOGA DE CURITIBA-PARANÁ

FONTE: Disponível em: <http://www.curitiba-parana.net/religiao.htm>.


Acesso em: 20 set. 2009.

UNI

O shabbat se inicia com o pôr do sol de sexta-feira e dura até o pôr do sol de
sábado.
Todas as refeições deste dia possuem profundos significados religiosos e são responsáveis
pela manutenção dos costumes religiosos e da transmissão destes costumes de geração em
geração.

22
TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

Os judeus aguardam a vinda de um Messias que restaurará o trono de


Davi e devolverá a glória ao povo de Israel. Este Messias deve reconstruir o
grande Templo de Jerusalém. Este será um tempo de grande alegria e paz na
Terra para os judeus.

O judaísmo apresenta basicamente três linhas ou correntes doutrinárias,


todas elas fundamentadas na interpretação dos livros e ritos considerados
sagrados por eles. Esta divisão didática é a seguinte: judaísmo ortodoxo,
reformista e conservador. Outras subdivisões existem, mas não são aceitas pela
comunidade judaica e serão citadas a título de conhecimento.

Estas correntes têm sua origem na tentativa de adaptar o discurso religioso


e teológico da tradição judaica para o contexto das sociedades modernas. Os
ortodoxos são os mais rígidos com o cumprimento das leis e preceitos propostos,
os reformistas um grupo com tendência mais liberal e os conservadores buscam
um meio-termo e um tom conciliador entre os dois primeiros grupos.

DICAS

Não se preocupe, caro acadêmico, o professor vai explicar cada uma destas
linhas do judaísmo contemporâneo a partir de agora!

Os judeus ortodoxos são aqueles que buscam cumprir de maneira cabal


todos os preceitos da Lei Judaica, conhecida como Halachá.

E
IMPORTANT

A Halachá é composta por 613 preceitos estipulados pela Lei Judaica. E o que
seriam estes “preceitos”? Eles têm relação com a vida cotidiana do fiel sobre seus hábitos, por
exemplo, a dieta Kosher. Esta dieta determina alguns alimentos que não podem fazer parte
da alimentação dos judeus ortodoxos. Outros hábitos presentes na Halachá são o descanso
sabático e as leis de pureza familiar, entre outras.

Os judeus ortodoxos possuem algumas peculiaridades em seu cotidiano,


por exemplo, a adoção de roupas simples, separação entre as atividades de
homens e mulheres dentro do contexto das práticas públicas da religiosidade
judaica.

23
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

FIGURA 5 – GRUPO DE JUDEUS ORTODOXOS

FONTE: Disponível me: <http://latitude.blogs.nytimes.com/2012/07/04/


imposing-the-draft-on-ultra-orthodox-jews/?_r=0>. Acesso em: 25 jun. 2016.

Além do terno característico, existem roupas ritualísticas bastante


interessantes, se analisarmos seu significado para os fiéis. O quipá, o peiot, o
tsitsit, o tefilin e o talit.

O quipá representa a superioridade de Deus sobre a Sua Criação e que Ele


sempre nos observa. Por esta razão, acompanha o judeu em todos os lugares. É
importante salientar que o uso destes elementos é meramente ritual em respeito à
tradição, não servindo como uma espécie de amuleto ou algo do gênero.

FIGURA 6 – QUIPÁ

FONTE: Disponível em: <http://www.ehow.com.br/judeus-usam-


quipa-fatos_80900/>. Acesso em: 25 jun. 2016.

24
TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

DICAS

Sugiro que você se aprofunde um pouco mais na ritualística judaica e em como


os judeus tratam a questão das vestimentas. O link <http://www.ehow.com.br/judeus-usam-
quipa-fatos_80900/> explica quais são as razões para que os judeus usem o quipá. Ah, sim,
claro! O professor Eduardo acaba de me pedir para lembrar você de fazer a leitura com um
olhar de pesquisador, buscando se colocar na posição de um judeu ortodoxo que vive em
uma realidade que tentamos explicar até este momento.

Peiot significa costeleta no hebraico. O termo consta no livro de Levítico


capítulo 19:17, que diz: "Não cortem o cabelo dos lados da cabeça, nem aparem
as pontas da barba”.

O corte desta parte do cabelo é considerado por alguns como uma prática
pagã, pertencente aos de fora da comunidade judaica. Alguns religiosos deixam
esta parte do cabelo crescer de maneira permanente para mostrar sua devoção
aos preceitos do Pentateuco.

FIGURA 7 – JUDEU ORTODOXO COM O PEIOT NA LATERAL DO


CABELO

FONTE: Disponível em: <http://www.es.chabad.org/library/


article_cdo/aid/3003569/jewish/Por-qu-algunos-judos-jasdicos-
usan-las-peot-largas-tirabuzones.htm Acesso em 26/06/2016>.
Acesso em: 30 ago. 2016.

Tsitsit são as franjas do Talit. Traduzindo para o bom português, são


quatro cordões que são fixados nas quatro pontas do Talit, que é quadrado. O
texto base para seu uso é Números 15:38, que diz: "Diga o seguinte aos israelitas:
Façam borlas nas extremidades das suas roupas e ponham um cordão azul em
cada uma delas; façam isso por todas as suas gerações”.

25
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

FIGURA 8 – TSITSIT

FONTE: Disponível em: <http://www.ioffer.com/i/100-cotton-jewish-tzitzit-1-set-of-


4-tsitsit-chassidic-170168339>. Acesso em: 26 jun. 2016.

Talit é o manto utilizado nas orações matinais na sinagoga. Tem a função


de gerar isonomia entre os participantes do culto.UNI Conversando: Isono... o
que? Por favor, professor, nos ajude explicando melhor... Não sabemos qual é
o horário em que nosso caríssimo ou caríssima aluna estão estudando. Então é
melhor você dizer o que este termo que você usou significa...

Isonomia quer dizer igualdade de direitos e deveres de diferentes


elementos desta sociedade. A questão da vestimenta implícita no Talit demonstra
um desejo de colocar todos os praticantes em um mesmo patamar. Durante as
práticas religiosas, todos seriam iguais.

FIGURA 9 - TALIT

FONTE: Disponível em: <http://asvespertinas.blogspot.com.


br/2012_04_01_archive.html>. Acesso em: 26 jun. 2016.

26
TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

Por fim, o Tefilin são duas pequenas caixas em couro que contêm trechos
da Torá. São amarradas uma ao braço e outra na testa de todos os homens
maiores de 13 anos todos os dias, exceto sábados. Indica a adesão do indivíduo
aos valores judaicos. Seu uso está descrito em Deuteronômio 6:6-8, que diz: “E
estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; E as ensinarás a teus
filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-
te e levantando-te. Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais
entre os teus olhos”.

FIGURA 10 – TEFILIN

FONTE: Disponível em: <http://tefilinparatodos.blogspot.


com.br/2009/01/tefilin-la-importancia-de-colocar.html>.Acesso
em: 25 jun. 2016.

E
IMPORTANT

Achamos interessante trazer para você uma descrição dos paramentos judaicos
ortodoxos, bem como sua origem na Torá, para que você possa ver como eles efetuaram
uma interpretação literal da mensagem bíblica em todos os aspectos, compondo uma linha
bastante rígida na teologia.

Para os ortodoxos, a Torá é um texto revelado por Deus e por esta razão
não pode ser alterada em nenhum ponto, devendo permanecer intacta através de
uma manutenção bastante rígida das tradições.

27
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

Este grupo procura manter sua unidade interna, alheia ao seu entorno.
Formam comunidades em locais específicos, suas crianças recebem uma educação
distinta daquela que o sistema educacional apresenta, para que elas aprendam
desde cedo sobre sua ortodoxia religiosa. E, por fim, não querem que os princípios
que eles seguem sejam alterados ou modificados, para serem melhor aceitos pela
comunidade não ortodoxa.

DICAS

Estava aqui pensando agora sobre este último parágrafo que o professor nos
trouxe e percebo que não é uma prioridade o recebimento de novos membros nestas
comunidades. Pois se o discurso é tão rígido e não existe o desejo de integrar-se à sociedade,
então não existe um forte trabalho de trazer outras pessoas para esta religião. Confere,
professor? Isto faz algum sentido ou eu estou viajando na reflexão?

Como o Brasil possui uma tradição religiosa cristã, nos é comum a ideia de
Evangelismo onde se procura trazer pessoas para sua fé e o processo de conversão
é bastante simples, não demandando muito esforço por parte do que ingressa
na religião, iniciando então um processo de conhecimento e amadurecimento da
fé que ele acabou de abraçar. No judaísmo este processo é mais complicado e
demorado, pois o candidato ou candidata a se tornar um judeu precisa passar um
ano ou mais estudando os fundamentos do judaísmo, além de escolher qual das
três linhas ele vai participar. Caso procure a linha ortodoxa, por exemplo, precisa
passar por um teste e ser circuncidado.

DICAS

Será que o senhor poderia explicar, para nosso aluno que não está acostumado
com o termo, o que significa circuncisão?

Claro que posso! Circuncisão é a retirada cirúrgica do prepúcio, pele que


recobre o pênis, para fins higiênicos ou religiosos, o que é o nosso caso em nossa
conversa com vocês sobre o judaísmo.

A ruptura no judaísmo ortodoxo moderno ocorreu em grande medida


por causa da rigidez das práticas e de seu afastamento do mundo moderno.
Ela iniciou no século XIX na Alemanha, através de críticas de reformistas que
criticaram a Torá e de maneira especial sua interpretação, que poderia mudar de

28
TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

acordo com as mudanças na sociedade. Estes reformistas propõem uma adaptação


do judaísmo às novas realidades sociais. Propõem abrir mão da rigidez na dieta
alimentar, o descanso sabático e outros itens das práticas rituais.

E
IMPORTANT

É fundamental entender que estas mudanças no discurso judaico têm o objetivo


de manter a relevância da religião na sociedade contemporânea. A interpretação literal é
considerada em conjunto com uma explicação metafísica e atemporal. Por exemplo, o tefilin,
ao invés de ser entendido literalmente como uma ordenança divina para manter o texto nas
caixas de couro na testa e no braço, poderia ser entendido como mantê-la guardada na
mente e nas atitudes. Para os reformistas, portanto, não existem problemas com a obediência
à Torá, apenas uma nova interpretação de seu conteúdo.

Entre estas mudanças ritualísticas está a adoção de línguas vernáculas


dos países onde os grupos de judeus estão inseridos, além da equiparação de
atributos religiosos entre homens e mulheres. Teologicamente, a peregrinação à
Terra Santa e a criação de um Estado judeu deixam de ser uma prioridade para os
judeus desta linha reformista.

Este ponto é fundamental para diferirmos as duas correntes de


pensamento. O judaísmo, por definição, é uma religião de certa forma política, ou
seja, é a trajetória de um povo na história conectado através da religião. Por esta
razão, a manutenção de um Estado judeu para os ortodoxos é o cumprimento de
uma ordenança e promessas divinas para o Seu povo, adicionando o território
físico à religião. O conceito de sionismo é proveniente desta teoria e razão de
discussão com os judeus reformistas que não aceitam a ligação política com a
questão do Estado de Israel. Para eles o judaísmo deve permanecer restrito ao
campo religioso, não político.

E
IMPORTANT

É importante que você não confunda sionismo com antissemitismo!


Sionismo é o movimento político que buscou fortalecer a ideia de que Israel precisava de um
Estado soberano, como maneira de reparar os danos causados por séculos de perseguição
aos judeus. Este movimento teve início no século XIX e culminou com a criação do Estado
de Israel em 1948, após a Segunda Guerra Mundial.
Antissemitismo é o movimento que incita o ódio aos judeus. Foi bastante forte na Alemanha,
onde se pregou, por muito tempo, que eles eram os responsáveis pelos males econômicos e
políticos pelos quais o país passou no final do século XIX, até a materialização do Holocausto
nazista.

29
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

Existe ainda uma terceira via para o judaísmo contemporâneo, chamado


de conservador, que está entre as duas correntes anteriores. Esta vertente surgiu
nos Estados Unidos com um grupo de rabinos que não aceitaram as práticas
alimentares consideradas liberais por demais. A partir desta discordância
teológica e doutrinária, fundou-se o Seminário Teológico Judeu, em Nova York,
um centro para a formação deste novo grupo de líderes chamados conservadores.

Baseiam sua teologia em três pontos principais, os quais chamam de pilares:


a Lei Judaica, a libertação nacional e o uso do hebraico como língua litúrgica.
Entre as diferenças com a linha ortodoxa podemos citar a saída dos guetos para
fazer parte da sociedade na qual os grupos estão inseridos. As mulheres foram
igualadas aos homens na corrente conservadora, porém mantêm a peregrinação
à Terra Santa que eles consideram um preceito divino.

Outras linhas teológicas relacionadas com o judaísmo, mas que não


são aceitas por nenhuma das correntes apresentadas até aqui e gostaríamos de
rapidamente citá-las para o seu conhecimento:

• Judaísmo Messiânico: interage com o cristianismo por aceitar que Jesus Cristo é
o Messias esperado pelos judeus.
• Judaísmo Caraíta: Desconsidera os textos orais utilizados para compor o corpo
doutrinal judaico, aceitando apenas os textos escritos da Torá.
• Judaísmo Samaritano: Divisão oriunda dos habitantes da Samaria, antigo Reino
do Norte de Israel que adotam sua versão da Torá e consideram o monte
Gerizim como lugar sagrado.
• Judaísmo Ateístico: Não acreditam em Deus, mas consideram-se judeus, pois
apresentam simpatia não com a teologia, mas com os costumes e a ética judaica.

4 RELAÇÕES
Para os judeus não existe diferença entre ética e religião. A ética é,
portanto, uma extensão da sua doutrina. Na lei judaica existem 248 afirmações
e 346 restrições ou proibições, totalizando 613 mandamentos. A tradição diz que
um costume tem o mesmo peso de uma lei. Esta lei dá muita ênfase às seguintes
qualidades eticamente aprovadas pela sociedade: generosidade, hospitalidade,
boa vontade, honestidade e respeito pelos pais.

Segundo este conjunto de regras, a ajuda aos necessitados não deve ser
encarada como caridade, mas na justiça, pois é uma determinação divina que
não existam pobres sobre a Terra. (Ver Levítico 19:34). Verificamos no código das
leis judaicas que o exemplo do descanso sabático faz referência à igualdade entre
empregadores e empregados, ou seja, todos devem ser iguais perante esta Lei.
Em última instância, no caso de impor risco à vida humana, as regras poderão ser
quebradas para preservar a vida de alguém.

30
TÓPICO 2 | OS POVOS DO LIVRO: O JUDAÍSMO

Dois filósofos judeus resumiram muito bem a ética judaica:

Mas o reino da liberdade é o reino do conhecimento ético. (Hermann Cohen)


Aquilo que não gostas, não o faças a ninguém. Isto é toda a Torah. (Hillel)

Após a imigração em massa de judeus pelo mundo, muitos alcançaram


posições de destaque nas sociedades onde se fixaram. Mesmo assim, desde
muito tempo até o presente, os judeus têm sido perseguidos em vários locais, em
primeiro lugar pelas sociedades cristãs europeias, por atribuírem a eles a morte
de Jesus Cristo, e mais recentemente, pelos povos de origem muçulmana, que não
aceitam a ocupação das áreas antes pertencentes aos palestinos, que tiveram que
sair de suas terras para que o Estado de Israel fosse criado em 1948.

A principal perseguição contra os judeus foi, sem dúvida, o Holocausto


nazista, ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, entre 1933 e 1945.
Historiadores estimam que aproximadamente seis milhões de judeus tenham sido
mortos nos campos de concentração nazistas. Além do elemento étnico presente
neste conflito, é preciso entender outro importante elemento para explicar a
perseguição tão acirrada aos judeus por Hitler e Mussolini. Desde a Idade Média,
os judeus foram proibidos de possuírem terras para cultivo agrícola. Eles ficaram
restritos aos famigerados guetos e como, ao contrário do cristianismo católico
e do islamismo, o judaísmo permitia que seus seguidores fizessem transações
financeiras através da prática dos juros. Através disso, os judeus eram importantes
comerciantes e muitos importantes banqueiros, obtendo proeminência nas artes
e na cultura. E, por fim, a Alemanha de Hitler estava em crise, com altas taxas de
desemprego e descontentamento popular. Este cenário favorece o surgimento de
ações xenófobas, como foi o caso. Apontar um culpado para todas as agruras do
povo e do Estado foi o argumento utilizado pela cúpula do regime nazista.

UNI

Para o seu final de semana, caro acadêmico, sugerimos que você possa assistir a
dois filmes considerados clássicos recentes sobre o tema do Holocausto nazista:
A Lista de Schindler, de Steven Spilberg, e O Pianista, de Roman Polanski.
Se você já assistiu a estes filmes, encorajo-o a assistir novamente, prestando atenção nos
itens trabalhados neste tópico. Não se esqueça da pipoca e de uma boa companhia!

31
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

FIGURA 11 – A LISTA DE SCHINDLER E O PIANISTA

FONTE: Disponível em: <cinehaus.wordpress.com/.../06/o-pianista-2002/www.


historianet.com.br/conteudo/default.aspx?...>. Acesso em: 25 jun. 2016.

UNI

Estamos chegando ao término de nosso tópico de estudos, caro aluno. Se você


se interessou em conhecer mais sobre a história dos judeus e esta relação deles com o
comércio, vou deixar duas sugestões de leitura para aprofundar seus estudos sobre o tema.
História dos Hebreus, de Flávio Josefo, que conta a trajetória do povo desde Abraão até a
destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos.
Mercadores e banqueiros da Idade Média, de Jacques Le Gof, que conta como os judeus
desenvolveram o comércio e as atividades relacionadas ao dinheiro desde a Alta Idade Média.
Eis as referências.

JOSEFO, Flávio. A história dos hebreus. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

LE GOFF, Jacques. Mercadores e banqueiros da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes,
1991.

32
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Das religiões de cunho monoteísta, o judaísmo é a mais antiga delas, e tanto


o cristianismo quanto o islamismo contam com elementos judaicos em suas
doutrinas.

• A religião judaica é uma religião histórica, ou seja, toda sua doutrina está
baseada nos relatos de sua história com início há aproximadamente 3.800 anos.

• Após a queda do segundo templo de Jerusalém, o centro do ritual judeu passou


a ser a sinagoga e os lares das famílias.

• Os homens são os responsáveis pelo serviço na sinagoga, enquanto as mulheres


são as responsáveis por organizar os ritos domésticos e ensinar aos filhos a
tradição judaica.

• O livro sagrado dos judeus é a Torá, ou o Pentateuco da Bíblia Cristã, o Talmud,


que são comentários antigos acerca da Lei, além dos demais textos do Antigo
Testamento, que são utilizados como complemento do serviço nas sinagogas.

• Para o judeu, a ética e a religião são devem caminhar lado a lado e, portanto, a
conduta social deve condizer com a prática religiosa.

• Os judeus sempre sofreram perseguições, tanto por parte dos cristãos, como
por parte dos muçulmanos. A maior de todas foi o Holocausto nazista que
aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial.

• Tanto na Europa como nos Estados Unidos, os judeus exercem grande


influência no pensamento, economia e cultura, em virtude de, desde a Idade
Média, buscarem o comércio como atividade, por não poderem trabalhar no
campo, na agricultura.

33
AUTOATIVIDADE

Apresentamos, neste tópico, algumas divisões do judaísmo que são muito


importantes para seu entendimento desta importante religião monoteísta.
Para relembrar o que foi tratado neste tópico, responda às seguintes questões:

1 Quais são as divisões principais do judaísmo? E as secundárias que não são


aceitas pelas principais correntes teológicas judaicas? Quais são as razões
para esta divisão de pensamento e doutrina?

2 Defina sionismo e antissemitismo.

3 Quais são as peças de roupas rituais dos judeus ortodoxos e qual é o


significado de sua utilização?

34
UNIDADE 1
TÓPICO 3

OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

1 INTRODUÇÃO
O segundo dos chamados “Povos do Livro” são os cristãos. Até o início do
século XX, o cristianismo foi a religião predominante em todo o Ocidente. Das três
religiões estudadas, nesta Unidade, foi a que mais sofreu modificações estruturais
ao longo de seus dois mil anos de história, seja através do Cisma do Oriente,
seja pela Reforma Protestante, ou ainda pelos movimentos contemporâneos
cristãos, como os protestantes neopentecostais, ou pelo movimento carismático
católico. Portanto, é de suma importância entendermos os traços históricos do
cristianismo para observarmos a sociedade em que vivemos, pois a cultura cristã
está enraizada na política, nas leis e nos estatutos de nossas cidades. Também
iremos entender por que a sociedade ocidental está vivendo um movimento de
franca secularização e porque o islamismo tem avançado de forma tão expressiva
sobre países onde anteriormente o cristianismo predominava.

DICAS

Já viu o que lhe aguarda, caro acadêmico? Então recomendo que você aperte os
cintos e mergulhe na sua própria história!

2 HISTÓRIA
Toda a crença cristã está baseada no cumprimento das profecias judaicas
com relação ao Messias prometido no Antigo Testamento. Para o cristão, o Messias
já veio e Ele é Jesus de Nazaré, que viveu na Palestina, no século I da Era Cristã.
Jesus é o Filho de Deus que veio ao mundo para remir toda a humanidade do
merecido juízo divino, iniciado com o pecado de Adão desde o chamado Jardim
do Éden. Para os cristãos, Jesus foi morto pelos pecados da humanidade, porém
ressuscitou ao terceiro dia como uma prova inconteste de que Deus aceitou seu
sacrifício vicário.

35
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

UNI

Se você precisa de mais subsídios a respeito da doutrina cristã, não se preocupe,


falaremos mais sobre a fé cristã ao longo deste tópico. Relembre agora um pouco da História
Cristã!

Os 12 discípulos de Jesus deram início à primeira comunidade cristã e


continuaram participando dos serviços nas sinagogas e se identificaram como
uma ramificação do judaísmo, assim como os fariseus, saduceus, publicanos e
essênios. Ficaram conhecidos como judeus nazarenos, nome este em referência
direta a Nazaré, cidade natal de Jesus. Muitos destes líderes da Igreja restringiram
a pregação do Evangelho aos judeus. O grande responsável pela universalização
do cristianismo aos gentios (não judeus) foi o fariseu Paulo, convertido no ano
32 d.C. Paulo realizou viagens missionárias através do mundo greco-romano,
levando o cristianismo para regiões distantes do núcleo judaico da Palestina,
além de organizar a base das doutrinas cristãs em suas cartas às primeiras
comunidades formadas.

A separação definitiva entre o judaísmo e o cristianismo ocorreu no ano


70 d.C., no sínodo judeu de Janmia, quando os cristãos foram excomungados
do judaísmo. Para os romanos, que dominavam a Palestina no século I, o
cristianismo era visto como uma religião de escravos. Posteriormente, através do
crescimento exponencial das comunidades cristãs, o império passou a vê-los como
potencialmente perigosos para a estabilidade do Império Romano. Com a negação
dos cristãos em adorarem as divindades romanas, entre elas o próprio imperador
romano, os cristãos foram perseguidos e utilizados como entretenimento do povo
no famoso Coliseu romano. Esta medida era utilizada pelas autoridades como
uma distração para o povo, devido a complicações e dificuldades que o império
sofria neste período. Porém, ao invés de coibir a difusão da nova religião, a
perseguição espalhou ainda mais os cristãos para além das fronteiras do império
e a adesão ao cristianismo aumentava cada vez mais. O ápice deste fato foi a
adesão do próprio imperador Constantino, em 313, e logo em 380, o imperador
Teodósio declarar o cristianismo como religião oficial do império.

UNI

É importante saber como se encontrava a sociedade e a política romana


quando o Imperador Constantino aderiu ao cristianismo, para em breve se tornar a religião
oficial do império. No século III, as condições políticas e econômicas de Roma estavam

36
TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

bastante abaladas. As fronteiras já não eram seguras, pois o exército não podia defendê-las
dos povos chamados por eles de bárbaros. A aristocracia romana ameaçada começou a
migrar para o campo e a constituir estados independentes. Com cada vez maiores gastos
para manter o império, o povo passou a sofrer mais e mais privações, iniciando revoltas
internas e atos de banditismo contra Roma. A partir destes eventos, podemos entender
que a adoção do cristianismo por Roma foi uma medida política, na medida em que, em
decorrência da decadência política e econômica romanas, o cristianismo passou a ser uma
força considerável.

FIGURA 12 – IMAGEM AÉREA DO COLISEU ROMANO

FONTE: Disponível em: <http://www.lmc.ep.usp.br/people/hlinde/


Estruturas/coliseu.htm>. Acesso em: 20 set. 2009.

Este edito imperial dá origem à Igreja Católica Apostólica Romana e


ela permaneceu única até o ano de 1054, quando ocorreu o primeiro cisma na
cristandade. Deste cisma surgiu a Igreja Ortodoxa, que passou a ser a dominante
no Oriente, em especial em Istambul, na Turquia, na Grécia e na Rússia. Antes
do cisma já existiam contendas entre a igreja latina e a oriental, e o principal
elemento de separação entre ambas foi a negação da autoridade do papa de Roma
como o líder supremo da instituição e a veneração das imagens dos santos. Os
católicos ortodoxos veneram os chamados ícones, pinturas sagradas de Jesus, de
Maria e dos santos.

37
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

FIGURA 13 – ICONOGRAFIA ORTODOXA

FONTE: Disponível em: <http://www.nsconceicao.com.br/index.php/artigos/


perguntas-e-respostas-catolicas/1368-o-que-e-a-igreja-ortodoxa>. Acesso em: 26
jun. 2016.

De maneira geral, são 13 as diferenças entre romanos e ortodoxos, algumas


meramente rituais, outras mais importantes, contestando a autoridade papal, por
exemplo.

E
IMPORTANT

Professor, que tal numerar algumas diferenças para nossos alunos poderem
entender melhor do que estamos falando aqui? O que acha?

Para resumir este assunto e não detalharmos os pormenores entre cada


diferença, pois elas serão vistas a partir de um ponto de vista próprio e precisaríamos
observar o que a doutrina ortodoxa e a doutrina romana dizem a respeito de cada
ponto, citaremos o texto de George Mastrantonis, disponível no link: <http://www.
presbiteros.com.br/site/as-diferencas-entre-catolicos-e-orientais-ortodoxos/>.

São 13 as principais diferenças doutrinárias e disciplinares que


distanciam católicos e ortodoxos orientais uns dos outros: os ortodoxos não
aceitam o primado e a infalibilidade do papa, a processão do Espírito Santo a
partir do Filho, o purgatório póstumo, os dogmas da Imaculada Conceição e
da Assunção de Maria Ssma., o Batismo por infusão (e não por imersão), a falta

38
TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

da epiclese na Liturgia Eucarística, o pão ázimo (sem fermento) na celebração


eucarística, a Comunhão eucarística sob a espécie do pão apenas, o sacramento
da Unção dos Enfermos como é ministrado no Ocidente, a indissolubilidade
do matrimônio, o celibato do clero. Como se pode ver, nem todos esses pontos
diferenciais são da mesma importância. O mais poderoso é o da fidelidade ao
papa como Pastor Supremo, assistido pelo Espírito Santo em matéria de fé e de
moral.

É importante salientar que estes elementos são vistos a partir da visão


romana do assunto, por isso o ponto mais importante das divergências entre
ambos está na autoridade papal. Existe um movimento de reaproximação entre
os dois grupos nos últimos anos, em especial com o Papa Francisco e o patriarca
Bartolomeu.

FIGURA 14 – PAPA FRANCISCO E PATRIARCA BARTOLOMEU

FONTE: Disponível em: <http://ministeriosaopaulo.com.br/papa-da-mais-um-


passo-para-religiao-unica-mundial/>. Acesso em: 26 jun. 2016.

Nos séculos seguintes, percebemos o aumento exponencial do poder


da Igreja Católica sobre a Europa, onde por muito tempo os papas lutaram por
exercer, além do poder espiritual, o poder temporal, onde entraram em conflito
direto com as diversas monarquias europeias. É deste período o advento das
Cruzadas cristãs contra os muçulmanos no Oriente Médio e na Península Ibérica,
principalmente, entre os séculos XI a XIII, e a Santa Inquisição, resultado direto
das Cruzadas contra hereges em território ocidental, no século XIV.

39
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

UNI

Sobre as Cruzadas, indicamos o filme homônimo de Ridley Scot, que conta


a trajetória de um filho de um nobre cruzado na defesa da Terra Santa dos sarracenos no
ínterim histórico entre a segunda e a terceira cruzadas. Sobre a Inquisição, o filme baseado
na obra de Umberto Eco, O Nome da Rosa, também vai proporcionar momentos agradáveis
e de conhecimento sobre este tema complexo e intrigante!

O segundo golpe à unidade católica ocorreu no século XVI, através da


chamada Reforma Protestante desencadeada por Martinho Lutero. Esta nova
divisão na Igreja Católica é a gênese das igrejas cristãs de cunho evangélico. É
importante perceber quais foram os fatores que desencadearam este cisma para
entendermos os desdobramentos do cristianismo que temos hoje em nossa
sociedade.

Resumidamente, podemos dizer que o contexto histórico em que Lutero


estava inserido trouxe as condições necessárias para que a divisão acontecesse. O
apoio dos príncipes alemães foi fundamental para a proteção física de Lutero e
as condições para a difusão dos novos aspectos da doutrina cristã, em especial a
justificação pela fé ao invés das obras que eram aceitas até então. Depois de Lutero,
outras denominações surgiram, cada uma delas reforçando um dos aspectos
da vida cristã, entre elas o calvinismo, o metodismo, o presbiterianismo, entre
outros. Isso aconteceu porque a Bíblia não contém princípio claro de organização
eclesiástica e, portanto, cada comunidade pode escolher qual é a sua ênfase e qual
é a maneira pela qual desejam ser organizadas e lideradas.

UNI

Você estudou a trajetória da Igreja Cristã na disciplina de História da Igreja Cristã.


Se tiver alguma dúvida, pode relembrar em todos os detalhes do Cisma do Oriente e da
Reforma Protestante.

Apesar de todos os contrastes existentes e claros, existem semelhanças


entre as denominações cristãs. A principal delas é o centro no ministério de
Cristo, sua morte e ressurreição. As diferenças da maioria delas estão nas
questões doutrinárias e exegéticas, ou seja, na maneira como seus fundadores
interpretaram as Escrituras e criaram uma identidade para seus seguidores.

40
TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

Um novo movimento na cristandade surgiu na virada do século XIX,


com o surgimento do Pentecostalismo, oriundo agora do seio das denominações
protestantes. Estas novas denominações atribuem uma maior ênfase ao trabalho
do Espírito Santo e às manifestações sobrenaturais, como cura para doenças,
glossolalia e profecias. Destaca-se entre elas a Igreja Assembleia de Deus, Igreja
do Evangelho Quadrangular, entre outras. O catolicismo também teve o seu
reavivamento espiritual através do chamado movimento carismático católico.

Na década de 90 do século XX surge a mudança mais recente dentro


do cristianismo contemporâneo. Os chamados neopentecostais, que podem ser
identificados pela ênfase exacerbada na prosperidade, na utilização da mídia
como forma de se aproximar das pessoas e na utilização das forças das trevas
como ferramenta para explicar as agruras dos fiéis.

Por fim, no século XXI, o que podemos verificar é um avivamento das


denominações tradicionais (batistas, presbiterianos etc.), além da ênfase no
louvor e na adoração como instrumentos de evangelismo e capacitação dos fiéis.

UNI

Para uma análise profunda a respeito do pentecostalismo, catolicismo


carismático, neopentecostalismo e do avivamento das denominações tradicionais, por favor,
dê uma “olhadinha” em seu caderno de estudos de História da Igreja no Brasil. Na Unidade 3,
quando analisarmos a cultura religiosa no contexto brasileiro, voltaremos a falar deste assunto.

Sem dúvida, o cristianismo causou profundas mudanças no mundo ao


longo destes 2000 anos de história. Os historiadores concordam que Jesus de
Nazaré não é um personagem fictício, ou seja, ele existiu e habitou entre nós.
O que se discute é a natureza divina de Cristo, o que os cientistas sociais não
podem comprovar, tampouco refutar. A divindade de Cristo é um campo para a
área da fé, assim como em todas as demais religiões. A importância de Cristo não
pode ser negada, tendo em vista que várias religiões tratam e aceitam a figura de
Cristo como um homem muito sábio que trouxe muitos ensinamentos preciosos
para os homens. Porém, apenas os cristãos acreditam que Jesus é Deus que se
tornou homem para morrer pelos pecados da humanidade e trazer a esperança
da salvação aos homens.

41
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

UNI

Para este tema tão vasto e complexo: como o cristianismo se separou do


judaísmo e desenvolveu um novo sistema religioso, gostaria de sugerir o livro “À Sombra do
Templo”, de Oskar Skarsaune, publicado pela Editora Vida. Será um estudo muito interessante!

3 DOUTRINA
Para entendermos o sistema religioso cristão, como fizemos no judaísmo,
precisamos ter em mente que os mesmos princípios constantes no Antigo
Testamento são aceitos e validados pelo Cristianismo. A inserção do cânon do
Novo Testamento traz novos elementos para a formação dos credos cristãos. A
base para a crença cristã está na pessoa de Jesus Cristo, que, segundo os fiéis, é
o Filho de Deus, que veio ao mundo para redimir o homem do poder do pecado
através de seu sacrifício vicário. Este é um resumo do Evangelho, ou das boas
novas que Jesus veio para contar aos homens. O Reino de Deus foi inaugurado
com a vinda de Deus ao mundo.

Embora Jesus não tenha especificado uma religião em seu ministério, ele
solicitou aos seus discípulos que contassem as boas novas aos homens, qual seja,
a ressurreição de Cristo, primeiro para os judeus, depois para os gentios. Com o
amadurecimento das primeiras comunidades cristãs, foi necessário criar regras
para estabelecer o que é certo e o que não era para os cristãos, bem como em que
cada cristão deve ou não acreditar. Estas regras estão contidas nos credos que a
Igreja criou ao longo de sua história, sendo o principal deles o de Niceia do século
IV. Nos credos encontramos os dogmas do cristianismo.

UNI

A palavra dogma significa doutrina. A partir dele o cristão tem condições de


conhecer os pontos primordiais de sua fé.

O principal dogma cristão é a Encarnação de Jesus. Ele foi tanto homem


como Deus, convivendo ambos na mesma pessoa. Portanto, Jesus não era apenas
Filho de Deus, porém Ele era Deus!

A salvação do homem é provida em aceitar a morte e ressurreição de


Jesus em remissão dos pecados. O homem precisa ser salvo de sua natureza

42
TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

pecaminosa. Esta salvação é necessária para libertar o homem de seu apego ao


mundo e, em última instância, do Juízo Final.

Os cristãos acreditam que Jesus irá voltar dos céus e trará uma nova era
para a humanidade, onde Ele irá julgar os homens segundo sua fé em Cristo
e suas escolhas de vida na Terra. Haverá, portanto, um Juízo Final onde todos
os seres humanos serão julgados de acordo com as escolhas realizadas em suas
vidas. Este é o núcleo central do cristianismo.

Outro ponto nevrálgico entre católicos e protestantes é a virgindade


e assunção de Maria, a mãe de Jesus. Para os católicos, Maria permaneceu
imaculada mesmo após o nascimento de Jesus, e a tradição católica descreve que
Maria foi assunta ao céu, recebendo o título de Mãe de Deus. Isto não é aceito
pelos protestantes, que atribuem um grande respeito a Maria, por ter sido a eleita
de Deus para que através dela o Messias entrasse no mundo legalmente.

Para o catolicismo, é possível venerar os santos, ou seja, contemplar suas


imagens e fazer orações para eles, pedindo graças e bênçãos pelos seus intermédios
junto de Deus. Os santos foram grandes homens e mulheres da cristandade a
quem são atribuídos milagres que possam ser comprovados cientificamente,
como curas, por exemplo. A Igreja Católica possui um tribunal específico para
julgar os processos de beatificação e santificação dos santos no Vaticano. Já para os
protestantes as imagens estão proibidas e as orações intercessórias tanto a Maria
quanto aos santos, por apenas Jesus ser o intercessor da humanidade perante Deus.

Para o catolicismo, a figura do purgatório está presente em sua doutrina.


Este lugar é um local intermediário (assim chamado de Entre Lugar) entre o
Céu e o Inferno. No Purgatório, as pessoas pagam por seus delitos e, através da
intercessão dos vivos, suas almas são “purgadas’ e elas podem ascender ao céu.
Os protestantes não creem no purgatório, por não existirem referências diretas na
Bíblia ou nos discursos de Jesus ou dos apóstolos sobre este assunto.

UNI

A respeito do purgatório, gostaria de recomendar o livro do historiador francês


Jaques Le Goff chamado O Nascimento do purgatório. Neste livro, Le Goff verifica que as
primeiras referências ao purgatório surgem no século XII, antes deste período havia apenas
a ideia de inferno e paraíso. Segundo ele, o purgatório seria um lugar para medíocres, que
não mereciam o paraíso, mas seus delitos e pecados não os condenariam ao inferno. Você
pode imaginar que neste panorama todos poderiam se enquadrar, na medida em que o
purgatório aumentou a dependência dos fiéis à Igreja e, consequentemente, seu poder na
Europa Medieval. Caso você não encontre o livro, o ótimo artigo de Nicomedes da Silva
Rocha Neto, intitulado o Entre-lugar a representação do purgatório na Baixa Idade Média, que
você pode encontrar no link <http://www.consciencia.org/o-entre-lugar-a-representacao-
do-purgatorio-na-baixa-idade-media>, pode lhe dar uma boa ideia do estudo de Le Goff
sobre o purgatório.

43
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

Para os católicos, durante a Eucaristia, memorial do sacrifício de Jesus


por todos, o pão e o vinho não são mais apenas pão e vinho, mas sim o corpo
e o sangue de Cristo que se transformam na transubstanciação dos elementos.
Segundo o catecismo da Igreja:

§1392 O que o alimento material produz em nossa vida corporal, a


comunhão o realiza de maneira admirável em nossa vida espiritual. A comunhão
da Carne de Cristo ressuscitado, “vivificado pelo Espírito Santo e vivificante”,
conserva, aumenta e renova a vida da graça recebida no batismo. Este crescimento
da vida cristã precisa ser alimentado pela comunhão eucarística, pão da nossa
peregrinação, até o momento da morte, quando nos é dado como viático.

FONTE: Disponível em: <http://catecismo-az.tripod.com/conteudo/a-z/e/euc-efeitos.html>.


Acesso em: 26 set. 2009.

Para os protestantes em geral, a ceia tem um grande significado espiritual,


que é o de ser também memorial do sacrifício de Jesus, que deve ser um tempo
de reflexão e arrependimento e renovação da aliança com Deus. Porém, o pão
continua sendo pão e o suco da uva continua sendo suco da uva.

O último ponto controverso entre as duas divisões do cristianismo é


acerca do batismo. Os católicos batizam crianças, assim, quem é o responsável
pela escolha da mesma são os pais e os padrinhos. A confirmação da fé acontece
na Eucaristia e mais adiante na Crisma (que é uma representação da descida do
Espírito Santo sobre os apóstolos no dia de Pentecostes.) Para os protestantes, na
sua maioria, o batismo deve acontecer a partir de uma decisão pessoal, quando o
fiel tiver consciência do que está realizando, a partir do que Jesus fez, pois segundo
o Novo Testamento, Jesus iniciou seu ministério terreno com seu batismo aos 30
anos de idade.

UNI

Existem outros pontos de divergência entre católicos e protestantes, porém o


movimento que vemos acontecendo nos dias de hoje é o do fortalecimento das semelhanças.
Mas isso nós estudaremos mais adiante!

Para concluir esta questão doutrinária, a Igreja Católica Apostólica Romana


enfrenta um desafio em sua fase contemporânea, que são cismas de pequenos
grupos que se declaram independentes. Este é um fenômeno bastante novo, que
ainda precisa de estudos mais aprofundados sobre cada um destes grupos. Após
as crises das divisões anteriores, a Igreja Católica Apostólica Romana enfrenta
um novo e desafiador dilema, que é o de conter o avanço de igrejas católicas

44
TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

dissidentes. Ainda é preciso conhecer mais a respeito da quantidade destes grupos


e percentual de fiéis, porém os dados que podemos extrair deste movimento
é que ele demonstra uma tendência de fragmentação do catolicismo romano.
A máxima do cristianismo de que o catolicismo é solidamente estruturado
e que é uma única igreja e que o protestantismo é desfragmentado através de
suas inúmeras denominações já mostra alguns sinais de que este processo está
atingindo também os católicos.

Destes grupos dissidentes surgem constantemente associações e igrejas


lideradas por padres casados que foram proibidos pelo Vaticano de continuar
exercendo o sacerdócio por discordarem de certos posicionamentos por parte da
liderança eclesiástica como o celibato obrigatório, posicionamento sobre o aborto
e eutanásia, o direito da mulher de participar do sacerdócio, a infalibilidade
papal, entre outros pontos. Outro ponto que tem contribuído para o surgimento
destes grupos são os escândalos envolvendo parte do clero católico através de
denúncias de abuso sexual, pedofilia e homossexualismo envolvendo a Igreja e
a aparente conivência e proteção que tem sido dada aos infratores. Este é outro
fator que está mudando atualmente, mas o processo é bastante lento, favorecendo
a dissidência de pequenos grupos.

Entre estes grupos é possível citar Igreja Católica Apostólica Brasileira,


Rede de Missões Católicas, Igreja Católica Americana, Igreja Católica Breakaway
e Igreja Mariavete.

FIGURA 15 – LOGOTIPO IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA


BRASILEIRA

FONTE: Disponível em: <http://grupoapa.org.br/o-que-e-a-igreja-


brasileira-ou-igreja-catolica-brasileira/>. Acesso em: 26 jul. 2016.

45
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

4 RELAÇÕES
Os principais mandamentos do cristianismo têm relação direta com o
amor: amar a Deus em primeiro lugar e então ao próximo como a mim mesmo.
Segundo Jesus, se os cristãos realizarem esta tarefa, toda a Lei de Moisés seria
cumprida. A ética cristã, portanto, prega as boas obras, a ajuda aos necessitados,
pobres e oprimidos, caridade e o amor entre cristãos e entre cristãos e gentios.
Jesus realizou muitas obras, como curas e milagres, e deixou este legado para
seus seguidores.

O ponto crucial da ética cristã é a análise de que todos os seres humanos


foram feitos à imagem e semelhança de Deus e, portanto, devem ser tratados
com respeito e dignidade. A vida de Cristo deve manifestar-se nos atos do dia
a dia dos fiéis, sendo este um poderoso instrumento de evangelização, ou seja,
a mudança na vida do fiel através de novos parâmetros e novos conceitos pode
levar a outros a buscarem uma nova vida com Cristo.

UNI

O livro do sociólogo Max Weber, A ética protestante e o espírito do Capitalismo,


mostra como as bases da teologia protestante podem ajudar a explicar o nascimento do
modelo capitalista no Ocidente a partir do século XIX.

A ética cristã possui elementos que a distinguem de outros sistemas


religiosos. Segundo o teólogo Emil Brunner (2004): a ética cristã é a ciência da
conduta humana que se determina pela conduta divina. A base para esta ética
está tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, e precisa ser entendida a partir
da perspectiva de que as Sagradas Escrituras apresentam a revelação divina para
a humanidade. Desta forma, a ética é um elemento fundamental para o fiel, pois
o cristianismo adota a prática da Evangelização para atrair novos adeptos. Desta
maneira, o estilo de vida do cristão é um elemento-chave para a disseminação e
propagação da mensagem de Cristo na Terra. Além deste elemento externo, onde
aqueles que convivem com este cristão gradativamente percebem a mudança
nas práticas cotidianas deste indivíduo, internamente ele também recebe alento
ao utilizar um arcabouço de elementos e valores que o auxiliam na tomada de
decisões em seu dia a dia, a partir de uma perspectiva divina para estes anseios e
inseguranças de como ele deve se portar eticamente em sociedade.

Porém é possível confundir a ética cristã com uma ética puramente


filosófica e moral, portanto é necessário diferenciar ambas. A figura a seguir pode
nos ajudar nesta tarefa.

46
TÓPICO 3 | OS POVOS DO LIVRO: CRISTIANISMO

FIGURA 16 – ÉTICA CRISTÃ X ÉTICA FILOSÓFICA

FONTE: Disponível em: <http://pt.slideshare.net/venturaneto/tica-crist-slides>.


Acesso em: 26 jul. 2016.

A ética cristã precisa necessariamente de um componente sobrenatural


através da revelação divina através da Palavra de Deus. De maneira distinta, a
ética filosófica acaba sendo relativa, pois gera uma verdade para cada contexto
social.

No contexto brasileiro, a partir do ano de 2014, o país entrou em um


período bastante peculiar no campo da ética política, através dos desdobramentos
da Operação Lava Jato, onde escândalos de corrupção estão sendo trazidos à tona
através de suas diferentes fases. Embora esta operação da Polícia Federal tenha
como objetivo desmantelar uma quadrilha que atuava em um intrincado esquema
de propinas, permanecendo no âmbito político, a palavra ética está muito em
voga em nossos dias.

Neste sentido, a ética cristã é importante e necessária para nossa nação,


pois conceitos como honestidade e caráter estão contidos no arcabouço deste
estilo de vida chamado cristianismo. Em um contexto histórico de uma operação
cujo objetivo é desmantelar um esquema milionário de enriquecimento ilícito
através de propinas e corrupção, práticas que apresentem a melhora no caráter
individual, como é a proposta do cristianismo, são mais que bem-vindas. É
importante salientar que a conduta ética e moral é também alvo de outras religiões
que visam à melhora do indivíduo através do aprofundamento do conhecimento
a respeito dos princípios religiosos.

47
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

FIGURA 17 – OPERAÇÃO LAVA JATO

FONTE: Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/02/


policia-federal-deflagra-23-fase-da-operacao-lava-jato-4980783.html>. Acesso
em: 26 jul. 2016.

48
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O cristianismo surge com os seguidores de Jesus Cristo, para os quais ele era o
Messias esperado pelos judeus.

• Ao longo de seus mais de 2000 anos de História, a Igreja cristã sofreu duas
divisões principais: o Cisma do Oriente em 1054 e a Reforma Protestante no
século XVI, ambos trazendo reações da Igreja Católica Romana.

• Existem discrepâncias entre as doutrinas cristãs, porém todas elas devem estar
centradas na figura de Cristo e em sua ressurreição dos mortos, e na Bíblia
como a Palavra de Deus.

• Embora muitos homens e líderes cristãos não tenham entendido a ética cristã,
por desencadearem muitas atrocidades em nome de Deus, como as Cruzadas e a
Santa Inquisição, para o cristianismo o homem foi feito à imagem e semelhança
de Deus e, portanto, deve ser tratado como tal.

• Podemos encontrar pontos do cristianismo em toda a cultura ocidental, que


foi moldada de acordo com a fé de suas sociedades, entre elas as bases para o
sistema capitalista.

49
AUTOATIVIDADE

A partir de sua leitura do texto deste tópico, responda às questões a seguir:

1 Com a grande quantidade de escravos africanos nas minas de ouro, a Igreja


sofreu um processo de sincretismo religioso. Como podemos entender este
sincretismo?

2 O Movimento Carismático Católico surge na segunda metade do século XX


como uma resposta católica a que outro movimento religioso?

3 O que pode explicar o surgimento de movimentos cismáticos dentro da


Igreja Católica?

4 Sobre as diferenças entre a Igreja Católica Romana e a Ortodoxa, qual é o


principal entrave para as aproximações que estão acontecendo atualmente?

50
UNIDADE 1
TÓPICO 4

OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

1 INTRODUÇÃO
Chegamos ao último tópico de nossa unidade de estudo. Prepare-se
para conhecer uma religião nas areias do deserto e um homem que conheceu
o judaísmo e o cristianismo para formar as bases de sua doutrina. Além dos
interesses econômicos e políticos que resultaram na religião que mais cresce no
mundo, com dados preocupantes sobre estatísticas a respeito do crescimento do
Islã no mundo ocidental.

De todas as grandes religiões monoteístas, o islamismo é a mais recente e


a menos conhecida pelos ocidentais. Isso não quer dizer que não ouçamos todos
os dias nos noticiários, informes de confrontos no Oriente Médio, com homens-
bomba explodindo e causando verdadeiras chacinas com pessoas inocentes.
Porém, é esta a verdadeira descrição dos muçulmanos? Homens fundamentalistas
que se suicidam em nome de Alá? Hoje, mais do que nunca, precisamos conhecer
esta religião para desmistificar algumas informações que temos através da mídia
ocidental.

O islamismo é a religião que mais cresce hoje em todo o mundo. A palavra


“Islã” quer dizer submissão. Segundo esta religião, o homem deve se entregar
totalmente a Deus e submeter sua vontade em todas as áreas de sua vida.

2 HISTÓRIA
Para entendermos um pouco da História do Islamismo, é preciso
compreender quem foi e o que fez seu fundador, bem como o contexto político
que proporcionou a ele as reformas religiosas e políticas. Este homem foi Maomé.

Maomé nasceu na cidade de Meca, na Arábia, por volta de 571 d.C. Desde
este período esta cidade era muito importante para a economia, no sentido de
Meca estar no caminho dos mercadores e comerciantes que transitavam pela
Península Arábica. Maomé era filho de uma proeminente família de comerciantes,
porém ficou órfão muito cedo e foi criado pelo tio. Mais tarde Maomé conhece
Khadidja, uma viúva 15 anos mais velha que ele e que se tornou conselheira e a
primeira seguidora do esposo.

51
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

Além de importante centro comercial, Meca era também um dos centros


religiosos da Arábia. O sistema religioso do século VI era basicamente tribal e
politeísta. Cada tribo possuía deuses e os cultuava. A Caaba, ou a pedra negra, já era
cultuada em Meca antes de Maomé. Conforme os nômades e beduínos passaram a se
assentar em cidades, abandonando o sistema nômade de subsistência, isto trazia um
gradativo abandono da religião tradicional. Com isso, a influência de duas religiões
aumentou a partir deste período: o judaísmo e o cristianismo. Os judeus se espalharam
pela Arábia após sua expulsão de Jerusalém pelos romanos, e os cristãos da mesma
forma, também eram presentes na Arábia neste período. Esse era o complexo mundo
em que Maomé viveu e este mundo influenciou seu pensamento. Não é possível
dissociar o nascimento do Islamismo de seu contexto histórico.

Uma vez ao ano, Maomé realizava uma prática dos monges cristãos, que
era a de se retirar para uma caverna para meditar, embora não usasse as escrituras
para sua meditação. Os muçulmanos acreditam que, quando Maomé atingiu
a idade de 40 anos, ele teve uma revelação divina: o Arcanjo Gabriel apareceu
para ele e lhe pediu que lesse os escritos que ele havia trazido do céu, escritos
pelo próprio Deus. Esta é a origem do Corão ou Alcorão, o livro sagrado dos
muçulmanos. Ele é dividido em 114 capítulos, chamadas suras. Após sua visão,
Maomé começou a pregar o que havia visto nas ruas de Meca, se intitulando
como um emissário de Alá, o único Deus. Estas afirmações levaram a uma forte
oposição dos líderes da cidade, que viam este discurso como uma forma de
Maomé buscar usurpar o poder, além de ir contra toda a tradição politeísta de
seus antepassados. Com o aumento desta oposição, Maomé parte em 622 para a
cidade de Medina. Sua saída ficou conhecida como Hégira, que significa partida
ou rompimento. Para os seguidores de Maomé, este movimento seu não foi uma
fuga e sim a submissão deste para com Deus.

Em Medina, Maomé logo se tornou o líder religioso e político. Para


difundir a nova religião, Maomé organizou a chamada Jihad ou luta, que consistia
no assalto a caravanas de beduínos para poder manter financeiramente a nova
empreitada. Posteriormente, este nome foi o mesmo atribuído à guerra santa.
Na década posterior, Maomé tomou a cidade de Meca, além de grande parte da
Arábia, unificando sob a nova religião grande parte do povo árabe, sendo mais
forte que toda a tradição ancestral politeísta, gerando uma nova identidade a
este povo antes dividido pelo politeísmo. Este foi o legado que Maomé deixou
quando morreu, em 632.

Após sua morte, a liderança dos muçulmanos ficou a cargo dos chamados
califas. Os três primeiros califas foram parentes de Maomé ou estavam entre
os primeiros convertidos. O primeiro cisma do Islã aconteceu com o quarto
califa, chamado Ali, primo de Maomé e casado com sua filha. Ali acabou sendo
assassinado por adversários e um vazio de poder se instalou no mundo islâmico.
Diferentemente do cristianismo, que se dividiu por problemas doutrinários
relacionados com a fé, o islamismo foi dividido por problemas relacionados à
liderança do Islã. Surgem dois grupos deste cisma: os xiitas e os sunitas. A primeira

52
TÓPICO 4 | OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

facção acreditava que o líder do islamismo deveria ser um descendente direto do


profeta Maomé, enquanto a segunda, a maior das duas, acreditava que quem está
no poder deve ser o mandatário da religião. Após a morte de Ali, a sede do Islã
passou de Meca para Damasco, depois para Bagdá e, por fim, em Istambul. Após
1924, a liderança dos muçulmanos não foi mais única e sim regional, acabando
assim com a era dos califas.

Porém, como o islamismo teve uma grande adesão entre o mundo árabe?
Ainda no tempo de Maomé, as potências que influenciavam a Arábia eram o
Império Bizantino e o Império Persa, que se encontravam em declínio. Este vazio
de poder facilitou a expansão desta nova ideologia e religião. Os muçulmanos
ocuparam todo o norte da África, cruzaram o Estreito de Gibraltar e ocuparam
todo o sul da Península Ibérica, onde hoje estão Portugal e Espanha. Avançaram
também para o Oriente, chegando até à Índia. O conflito entre muçulmanos e
hindus foi tamanho que dois países foram criados: a Índia de maioria hindu,
e o Paquistão, de maioria muçulmana. Recentemente, a grande imigração de
muçulmanos para o Ocidente tem aumentado muita sua presença na Europa e
América do Norte, especialmente entre os negros norte-americanos, sendo já a
segunda maior religião nestas localidades.

3 DOUTRINA
Se pudéssemos resumir o islamismo em uma única frase, poderíamos
utilizar Achhadu An Lá Iláha illa Allah ach hadu anna Muhammadan Rassulullah, que
quer dizer: “Não há Deus como Alá e Maomé é seu profeta”. As duas características
principais do Islã são o monoteísmo e a revelação dada a Maomé.

Sobre o monoteísmo, cabe dizer que Alá não é um nome próprio e sim a
palavra árabe para Deus, que já havia sido utilizada por judeus e cristãos árabes. A
raiz é a mesma da palavra El, que indica o nome divino para o judaísmo. Porém, Alá
também é o nome da divindade da Lua na antiga religião politeísta árabe. Sobre a
revelação dada por Deus a Maomé, os muçulmanos creem que Deus se revelou ao
homem em três ocasiões: a primeira para Moisés, a segunda para Jesus Cristo, a quem
reconhecessem como Profeta, e a terceira e mais perfeita de todas, para Maomé.

No tocante à prática religiosa, o islamismo está firmado nos cinco pilares


da religião muçulmana: O Testemunho, A Oração, O Jejum no mês do Ramadam,
o Zakat e a Peregrinação a Meca. Para uma breve explanação sobre estes cinco
pilares do Islã, serão utilizados alguns trechos relativos do Alcorão, citando a
shura e o versículo.

53
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

UNI

Esta associação entre o islamismo e o governo pode fazer parecer que o


elemento religioso não é muito presente na sociedade islâmica. Isso ainda é mais presente
se levarmos em conta o noticiário da TV, que nos mostra apenas a minoria fundamentalista
em seus ataques terroristas. Porém, para o muçulmano, a religião está acima de qualquer
instituição política. É a religião que dita como o governo deve se portar e o que ele deve fazer.

1 Testemunho: "Deus dá testemunho de que não há mais divindade além


d'Ele; os anjos e os sábios O confirmam Justiceiro; não há mais divindade
além d'Ele, o Poderoso, o Prudentíssimo” (ALCORÃO SAGRADO 3:18).

O testemunho do muçulmano deve apresentar os dois elementos já citados


neste tópico: O único Deus verdadeiro é Alá e Maomé é seu profeta. O primeiro
requisito para alguém se tornar muçulmano é proclamar este texto e entendê-lo
com seu coração. Além da crença em Alá, o fiel precisa crer que tudo aquilo que
Maomé disse vem de Deus, e, portanto, não pode ser questionado.

2 Oração: “A oração é uma obrigação prescrita aos crentes, para ser cumprida
em seu devido tempo” (ALCORÃO SAGRADO 4:103).

A oração é fundamental em todas as religiões monoteístas, porém no


islamismo ela tem um caráter obrigatório pelo menos cinco vezes ao dia: ao
amanhecer, ao meio-dia, durante a tarde, ao entardecer e durante a noite. Para
participar das orações, o fiel deve realizar um banho ritual para se purificar das
impurezas deste mundo.

FIGURA 18 - MESQUITA DA CIDADE DE CURITIBA, LOCAL ONDE


OS MUÇULMANOS SE REÚNEM PARA SUAS ORAÇÕES

FONTE: Disponível em: <http://www.curitiba-parana.net/religiao.


htm>. Acesso em: 28 set. 2009.

54
TÓPICO 4 | OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

3 O jejum no mês do Ramadam: "Ó fiéis, está-vos prescrito o jejum, tal como
foi prescrito a vossos antepassados, para que temais a Deus. Jejuareis
determinados dias; porém, quem de vós não cumprir o jejum, por achar-se
enfermo ou em viagem, jejuará, depois o mesmo número de dias. Mas quem,
só à custa de muito sacrifício, consegue cumpri-lo, vier a quebrá-lo, redimir-
se-á, alimentando um necessitado; porém, quem se empenhar em fazer além
do que for obrigatório, será melhor. Mas, se jejuardes, será preferível para
vós, se quereis sabê-lo. O mês de Ramadan foi o mês em que foi revelado
o Alcorão, orientação para a humanidade e evidência de orientação e
discernimento. Por conseguinte, quem de vós presenciar o novilúnio deste
mês deverá jejuar; porém, quem se achar enfermo ou em viagem jejuará,
depois, o mesmo número de dias. Deus vos deseja a comodidade e não a
dificuldade, mas cumpri o número (de dias), e glorificai a Deus por Ter-vos
orientado, a fim de que (Lhe) agradeçais" (ALCORÃO SAGRADO 2:183-185).

O jejum muçulmano acontece durante o mês do Ramadam e inicia com o


nascer do Sol e termina com o pôr do Sol. Durante todo este período, o fiel deve
abster-se de qualquer tipo de alimento e bebida, relações sexuais e o tabagismo.
Tem o objetivo de trazer a disciplina ao povo, além de trabalhar na purificação do
corpo e da mente do muçulmano.

4 O Zakat (Caridade) "E lhes foi ordenado que adorassem sinceramente a


Deus, fossem monoteístas, observassem a oração e pagassem o Zakat; esta é
a verdadeira religião” (ALCORÃO SAGRADO 98:5).

Zakat é traduzido como caridade, ou esmola, e é utilizado como ofertas


voluntárias, que têm sua destinação presente no Alcorão. Elas devem ser
destinadas aos órfãos, às viúvas, aos endividados, aos funcionários responsáveis
pela arrecadação da Zakat e toda a obra de multiplicação do islamismo ao redor
do mundo. O valor desta contribuição é de aproximadamente 2,5% da renda e
deve ser entregue uma vez por ano. São tributados sobre o ouro, e os metais,
sobre os animais, sobre as colheitas, entre outras categorias.

5 A Peregrinação a Meca: "... A peregrinação à Casa é um dever para com Deus,


por parte de todos os seres humanos, que estão em condições de empreendê-
la; entretanto, quem se negar a isso saiba que Deus pode prescindir de toda
a humanidade" (ALCORÃO SAGRADO 3:97).

Todo o muçulmano deve empreender uma viagem até a cidade de Meca


no mês sagrado, pelo menos uma vez na vida. A tradição de Meca como centro
religioso é muito antiga e sua história é curiosa. Segundo a tradição, a Caaba foi
edificada por Abrão e seu filho Ismael há cerca de 4000 anos. Deus teria dado a
ordem a Abraão, de que os homens deveriam visitar o local. Esta edificação é
coberta por um tecido negro e os muçulmanos devem participar das cerimônias
realizadas neste local. As condições para a viagem estão bem claras no Alcorão.
Aquele que viaja deve deixar suprimentos e dinheiro para sua família o suficiente
para que possa suportar sua ausência, não deve em hipótese nenhuma ser
utilizado dinheiro ilícito para a peregrinação, além do peregrino ter condições
financeiras para tal.
55
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

UNI

Se você se interessou em aprofundar seus estudos sobre o islamismo,


sugerimos o livro “Os cinco pilares do Islã que pode ser encontrado no site <http://islam.com.
br/biblioteca/pilares/Os%20Cinco%20Pilares%20da%20Religião%20Islâmica.pdf>.

FIGURA 19 – A CIDADE DE MECA DURANTE PEREGRINAÇÃO E A CAABA

FONTE: Disponível em: <www.geocities.com/.../5871/jorney/meca.html>. Acesso em: 26 set.


2009.

No campo doutrinário existem dois grandes grupos de muçulmanos, já


tratados no tópico sobre a História do Islã: os xiitas e os sunitas. Já analisamos a
origem de cada grupo a partir de uma ótica política de sucessão sobre a liderança
da religião. Gostaria de pontuar que, de maneira doutrinária, as duas correntes
são muito parecidas, com diferenças irrelevantes, se considerarmos apenas o
campo religioso.

DICAS

Eu aprendi com o professor que se analisarmos qualquer fato apenas por um


ponto de vista, nossa compreensão sobre este fato será comprometida. Por isso precisamos
avaliar as demais diferenças entre sunitas e xiitas.

56
TÓPICO 4 | OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

Você tem razão quando diz que precisamos avaliar outros lados dos
eventos. No caso que estamos discutindo aqui, se por um lado as diferenças
religiosas não são tão severas, no campo político as disputas são muito acirradas.
Os núcleos geográficos dos xiitas estão no Irã e no Iêmen, basicamente.

Para um melhor entendimento, vamos tentar comparar esta divisão do Islã


com o cisma cristão que estudamos no tópico anterior. Como no caso da separação
entre Igreja Romana com Ortodoxa, os xiitas e sunitas questionaram a autoridade
religiosa. Para os sunitas, a autoridade da liderança precisa estar baseada na tradição,
nas práticas do profeta e de sua família como foi definido por eles. Para os xiitas, por
outro lado, as Fontes de Emulação são os líderes hierárquicos da religião, chamados
aiatolás. Para os sunitas, o imã é o líder da congregação, como uma espécie de
pastor ou sacerdote cristão. Os xiitas atribuem uma característica mais sobrenatural
aos imãs, que seriam os sucessores espirituais do profeta Maomé, atribuindo a estes
líderes um caráter sagrado, fato que para os sunitas é uma heresia.

Sobre o fim dos tempos, os xiitas esperam pela vinda do Mahdi, uma
espécie de Messias, o que não ocorre com os sunitas. Resumindo, os sunitas
baseiam sua teologia no passado, enquanto a outra linha pauta sua teoria religiosa
no futuro redentor.

Além destes dois grandes grupos, existem outras divisões do islamismo


que apontam para algumas diferenças doutrinárias que levaram às divisões.
Alguns grupos surgiram próximos ao início do movimento, outros são mais
recentes, que apresentaremos a seguir.

FIGURA 20 – DIVISÃO DO ISLAMISMO: INFOGRÁFICO

FONTE: Disponível em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/confira-


como-surgiu-divisao-sunitas-xiitas-696521.shtml>. Acesso em: 26 jul. 2016.

57
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

Além de sunitas e xiitas, o islamismo conta com algumas divisões internas


que são consideradas seitas por parte da liderança oficial da religião. De maneira
geral, estes grupos apresentam uma conotação mais mística dos preceitos
islâmicos. O primeiro deles são os drusos, que formam uma seita à parte do
islamismo tradicional.

DICAS

É bom não esquecermos que este islamismo tradicional é formado pelos dois
grupos preponderantes: xiitas e sunitas.

São conhecidos como Filhos da Luz ou Discípulos de Ismael, ismaelitas.


Possuem uma hierarquia interna composta por corporais, discípulos, adeptos,
mestres e iniciados. Para os drusos existem cinco seres celestiais: Iman ou Gabriel,
uma espécie de ministro superior de Deus com quem compartilhou uma parte de
sua essência divina. Teria aparecido à humanidade sete vezes com o objetivo de
compartilhar com o homem seu destino. Estas aparições do Iman foram: Chatniel
na época de Adão, Pythagore no período de vida de Noé, Shwaib na de Moisés,
Eleazar no tempo de Jesus, Salman El Farzi durante a vida de Maomé, Hamza na
época de El Kaken e no tempo de Said como Saleh. Acreditam no retorno do Iman
(Messias) como sendo próxima. Acreditam também na vinda da divindade para
a Terra onde assume forma humana como um Messias que veio em dez ocasiões
distintas ao longo da História.

E
IMPORTANT

Estas facções do islamismo apresentam fortes influências do Zoroastrismo, por


isso é importante conhecer um pouco mais desta religião para ajudá-lo a identificar estas
influências.

Os drusos acreditam em dois princípios, chamados de Rival e Alta


Razão. Enquanto o primeiro é o Espírito do Mal, o segundo é o Espírito de Deus.
Acreditam na reencarnação, negam a predestinação do homem, pois para os
drusos o homem é livre para escolher entre o Bem ou o Mal. Esta decisão passa
pelas escolhas morais de cada ser humano, que o levarão para mais perto da Alta
Razão ou do Rival.

58
TÓPICO 4 | OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

Em termos de quantidade, embora seja difícil saber com exatidão, algumas


fontes relatam quase um milhão de habitantes espalhados em grupos entre os
territórios do Líbano, Síria, Jordânia e Israel.

FIGURA 21 – POPULAÇÃO DRUSA

FONTE: Disponível em: <http://www.ilya.it/msur/pages/druso.html>. Acesso


em: 26 jul. 2016.

Outro grupo dissidente do islamismo tradicional são os sufis, que surgiu


como uma reação ao processo intelectual do Islã e críticas ao luxo das cortes dos
califados. Encontrou em outras filosofias e religiões seu anteparo doutrinário,
possuindo elementos do cristianismo, taoísmo, hinduísmo, neoplatonismo,
pitagorismo e zoroastrismo. Teve seu ápice durante o século XIII, com lendas que
colocam importantes personagens deste período como adeptos das práticas sufis.

Entre suas práticas podemos citar o ascetismo através do jejum, oração e


meditação. Considerado um movimento místico, acredita que o espírito humano
é uma emanação do divino com o qual se esforça para se integrar. Este retorno
acontece através de três meios principais: pelo amor, êxtase e pela intuição.

DICAS

Como a história também traz muitas curiosidades interessantes, um grupo


muçulmano bastante controverso e cheio de lendas e contradições durante a Idade Média
deu origem a uma adaptação para uma franquia de jogos de videogame de sucesso, intitulada
Assassins Creed, ou Ordem dos Assassinos.

59
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

FIGURA 22 – ASSASSINS CREED

FONTE:  Disponível em: <http://www.gamevicio.com/i/noticias/230/230445-


assassin-s-creed-1-grid-2-e-dark-void-entram-na-retrocompatibilidade/>.
Acesso em: 20 ago. 2016.

Este grupo, envolto em muitas lendas e pouco material histórico, teria


atuado na Pérsia e Síria entre os séculos XI e XII. O seu inimigo era o sistema
político e religioso sunita, sendo este grupo xiita, portanto. Entre aqueles que
analisam este grupo poderia sugerir a leitura do livro de Bernard Lewis chamado:
Os Assassinos, os primórdios do terrorismo no Islã.

FIGURA 23 – LIVRO OS ASSASSINOS, DE BERNARD LEWIS

FONTE: Disponível em: <http://www.estantevirtual.com.br/


autor/bernard-lewis>. Acesso em: 26 jul. 2016.

Este comentário sobre grupos radicais em plena Idade Média tem o objetivo
de trazer um pouco da discussão que ainda vemos hoje em nosso dia a dia, e
não significa, de forma nenhuma, que a maioria dos muçulmanos compartilha
destas práticas. Neste sentido é importante não generalizar práticas religiosas a
partir das minorias, mas precisamos entender sempre o contexto macro de cada
pesquisa que fizermos em nossa carreira acadêmica.
60
TÓPICO 4 | OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

4 RELAÇÕES
No Islã não existe distinção entre política e religião. Todas as obrigações
éticas, morais e sociais estão baseadas no Alcorão. A ética muçulmana preocupa-
se com a justiça, na medida em que não existe violência aberta e violência sutil,
apenas justiça e injustiça. É permitido defender-se da injustiça e da tirania. É
neste ponto que alguns radicais islâmicos encontram legalidade para praticar
atos terroristas. Vale lembrar que estas facções extremistas são minorias dentro
do mundo islâmico. O termo fundamentalismo, muito utilizado em nossos dias, é
um termo perigoso. Esta palavra tem origem no verbete fundamento, no sentido
de alicerces de uma casa. Portanto, não é correto afirmar que apenas o islamismo
é fundamentalista. Este conceito foi criado no Ocidente Cristão no século XVII
como uma forma de resistência ao liberalismo que surgiu na Europa neste
período. O fundamentalismo não é exclusividade dos muçulmanos, tendo em
vista que pode ser de cunho religioso, político ou ainda ideológico.

Os homens que derrubaram os aviões nas torres gêmeas e no Pentágono


em 2001 o fizerem por terem uma grande convicção de que estavam contribuindo
na luta do mal contra o bem. Porém, em seu discurso de vingança, George Bush
usou um termo semelhante, que era o de acabar com este mal. Em última análise,
todos os fundamentalistas são parecidos, sendo que tanto no campo religioso como
no campo político, as vidas humanas são desprezadas em nome de uma verdade
única, seja ela o sistema capitalista ou uma religião. Estes grupos extremistas são
efeitos colaterais do colonialismo europeu, onde o principal efeito era extrair a
matéria-prima de que precisavam. Este sistema foi bastante traumático para as
sociedades oprimidas pelos ocidentais. Este período fez com que o ódio entre
orientais e ocidentais gerasse os fatos a que assistimos confortavelmente em
nossos lares todos os dias.

UNI

Sobre o fundamentalismo, sugerimos a leitura do pequeno livro do professor


Martin N. Dreher: Para entender o fundamentalismo, da Editora Unisinos. Muito esclarecedor
ao explicar como surgiu esta ideia de que o Ocidente representa o mal para o Oriente e o
motivo do ódio do mundo muçulmano pelo Ocidente capitalista. Vale a pena ler!

“No campo do diálogo entre as religiões, os muçulmanos aceitam um


diálogo com as outras duas religiões monoteístas, no sentido de enfatizarem o
culto monoteísta e, segundo eles, compartilharem do mesmo deus”. (SCHERER,
1995, p. 139).

A prática da caridade ou Zakat é uma maneira de diminuir as barreiras


sociais. O Islã é uma grande nação espalhada por todo o mundo, cujo ponto de

61
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

união é a fé muçulmana. Todos devem se envolver na missão de diminuir as


diferenças através da partilha e do pagamento da Zakat. Maomé enfatizou a
necessidade de auxiliar os pobres.

O crescimento do islamismo no mundo tem alcançado índices expressivos


em todos os continentes. No Brasil este crescimento também é bastante importante
e pode ser visto no infográfico a seguir.

FIGURA 24 – INFOGRÁFICO REGISTRA CRESCIMENTO DO ISLAMISMO NO BRASIL E NO


MUNDO

FONTE: Disponível em: <http://istoe.com.br/349181_OS+CAMINHOS+DO+ISLA+NO+BRASIL/>.


Acesso em: 26 jul. 2016.

62
TÓPICO 4 | OS POVOS DO LIVRO: O ISLAMISMO

LEITURA COMPLEMENTAR

Islã cresce na periferia das cidades do Brasil


Jovens negros tornam-se ativistas islâmicos como resposta à desigualdade racial.
O que pensam e o que querem os muçulmanos do gueto

Eliane Brum

O Islã na Laje
Carlos Soares Correia virou Honerê Al-Amin Oadq. Ele é um dos principais
divulgadores muçulmanos do ABC paulista. Na foto, na periferia de São
Bernardo do Campo, onde vive, reza e faz política.

Cinco vezes ao dia, os olhos ultrapassam o concreto de ruas irregulares,


carentes de esgoto e de cidadania, e buscam Meca, no outro lado do mundo. É
longe e, para a maioria dos brasileiros, exótico. Para homens como Honerê, Malik
e Sharif, é o mais perto que conseguiram chegar de si mesmos. Eles já foram
Carlos, Paulo e Ridson. Converteram-se ao Islã e forjaram uma nova identidade.
São pobres, são negros e, agora, são muçulmanos. Quando buscam o coração
islâmico do mundo com a mente, acreditam que o Alcorão é a resposta para o
que definem como um projeto de extermínio da juventude afro-brasileira: nas
mãos da polícia, na guerra do tráfico, na falta de acesso à educação e à saúde.
Homens como eles têm divulgado o Islã nas periferias do país, especialmente em
São Paulo, como instrumento de transformação política. E preparam-se para levar
a mensagem do profeta Maomé aos presos nas cadeias. Ao cravar a bandeira do
Islã no alto da laje, vislumbram um estado muçulmano no horizonte do Brasil. E,
ao explicar sua escolha, repetem uma frase com o queixo contraído e o orgulho
no olhar: “Um muçulmano só baixa a cabeça para Alá – e para mais ninguém”.

Honerê, da periferia de São Bernardo do Campo, converteu Malik, da


periferia de Francisco Morato, que converteu Sharif, da periferia de Taboão, que
vem convertendo outros tantos. É assim que o Islã cresce no anel periférico da
Grande São Paulo. Os novos muçulmanos não são numerosos, mas sua presença é
forte e cada vez mais constante. Nos eventos culturais ou políticos dos guetos, há
sempre algumas takiahs cobrindo a cabeça de filhos do Islã cheios de atitude. Há
brancos, mas a maioria é negra. “O Islã não cresce de baciada, mas com qualidade e
com pessoas que sabem o que estão fazendo”, diz o rapper Honerê Al-Amin Oadq,
na carteira de identidade Carlos Soares Correia, de 31 anos. “Em cada quebrada,
alguém me aborda: ‘Já ouvi falar de você e quero conhecer o Islã’. É nossa postura
que divulga a religião. O Islã cresce pela consciência e pelo exemplo”.

Em São Paulo, estima-se em centenas o número de brasileiros convertidos


nas periferias nos últimos anos. No país, chegariam aos milhares. O número total
de muçulmanos no Brasil é confuso. Pelo Censo de 2000, haveria pouco mais
de 27 mil adeptos. Pelas entidades islâmicas, o número varia entre 700 mil e 3
milhões. A diferença é um abismo que torna a presença do Islã no Brasil uma

63
UNIDADE 1 | AS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

incógnita. A verdade é que, até esta década, não havia interesse em estender uma
lupa sobre uma religião que despertava mais atenção em novelas como O clone
que no noticiário.

O muçulmano Feres Fares, divulgador fervoroso do islamismo, tem


viajado pelo Brasil para fazer um levantamento das mesquitas e mussalas
(espécie de capela). Ele apresenta dados impressionantes. Nos últimos oito anos,
o número de locais de oração teria quase quadruplicado no país: de 32, em 2000,
para 127, em 2008. Surgiram mesquitas até mesmo em Estados do Norte, como
Amapá, Amazonas e Roraima.

Autor do livro Os muçulmanos no Brasil, o xeque iraquiano Ishan


Mohammad Ali Kalandar afirma que, depois do 11 de setembro, aumentou muito
o número de conversões. “Os brasileiros tomaram conhecimento da religião”,
diz. “E o Islã sempre foi acolhido primeiro pelos mais pobres”.

Na interpretação de Ali Hussein El Zoghbi, diretor da Federação das


Associações Muçulmanas do Brasil e conselheiro da União Nacional das
Entidades Islâmicas, três fatores são fundamentais para entender o fenômeno: o
cruzamento de ícones do islamismo com personalidades importantes da história
do movimento negro, o acesso a informações instantâneas garantido pela internet
e a melhoria na estrutura das entidades brasileiras. “Os filhos dos árabes que
chegaram ao Brasil no pós-guerra reuniram mais condições e conhecimento. Isso
permitiu nos últimos anos o aumento do proselitismo e uma aproximação maior
com a cultura brasileira”, afirma.

Eles trazem ao Islã a atitude hip-hop e a formação política do movimento


negro.
A presença do Islã na mídia desde a derrubada das torres gêmeas, reforçada
pela invasão americana do Afeganistão e do Iraque, teria causado um duplo efeito.
Por um lado, fortalecer a identidade muçulmana de descendentes de árabes afastados
da religião, ao se sentir perseguidos e difamados. Por outro, atrair brasileiros sem
ligações com o islamismo, mas com forte sentimento de marginalidade. Esse último
fenômeno despertou a atenção da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, que
citou no Relatório de Liberdade Religiosa de 2008: “As conversões ao islamismo
aumentaram recentemente entre os cidadãos não árabes”.

Os jovens convertidos trazem ao Islã a atitude do hip-hop e uma formação


política forjada no movimento negro. Ao prostrar-se diante de Alá, acreditam voltar
para casa depois de um longo exílio, pois as raízes do Islã negro estão fincadas
no Brasil escravocrata. E para aflorar no Brasil contemporâneo, percorreram um
caminho intrincado. O novo Islã negro foi influenciado pela luta dos direitos civis
dos afro-americanos, nos anos 60 e, curiosamente, por Hollywood. Cruzou então
com o hip-hop do metrô São Bento, em São Paulo, nos anos 80 e 90. E ganhou
impulso no 11 de setembro de 2001.

FONTE: Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI25342-15228,00-ISLA


+CRESCE+NA+PERIFERIA+DAS+CIDADES+DO+BRASIL.html>. Acesso em: 8 dez. 2009.
64
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• O islamismo surgiu no século VII com um homem chamado Maomé.

• As bases do islamismo estão na aceitação do profeta Maomé como o porta-voz


de Deus e na crença em um único Deus: Alá.

• Dentro do islamismo existem dois grupos principais: os xiitas e os sunitas e


outros grupos secundários, como os drusos e sufis, de caráter mais místico.

• A prática do islamismo está pautada em cinco pilares fundamentais: a oração,


o testemunho, a Zakat, o jejum no Ramadam e a peregrinação até Meca.

65
AUTOATIVIDADE

Responda às seguintes questões:

1 Por que a cidade de Meca era fundamental para Maomé e para o islamismo?

2 Qual é a diferença entre sunitas e xiitas?

3 Cite os cinco pilares do Islã e fale um pouco de cada um deles.

4 Qual é a origem do termo fundamentalismo?

5 O islamismo aceita dialogar com outras religiões? Quais?

66
UNIDADE 2

RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade você será capaz de:

• entender como surgiram as religiões orientais de origem indiana e asiáti-


ca, como o hinduísmo e o budismo;

• conhecer algumas religiões influentes no Extremo Oriente, como confucio-


nismo, taoísmo e xintoísmo;

• entender que as diferenças entre estas religiões são muitas vezes oriundas
de interpretações diferentes dos ensinamentos de seus fundadores;

• estabelecer o respeito tão necessário para o diálogo intra-religioso;

• perceber que em um contexto de crise, novos movimentos religiosos sur-


gem como uma resposta a esta crise social, econômica, filosófica.

PLANO DE ESTUDOS
Esta Unidade está dividida em três tópicos e em cada um deles, você encon-
trará atividades que o ajudarão a aplicar os conhecimentos apresentados nos
tópicos.

TÓPICO 1 – O HINDUÍSMO

TÓPICO 2 – O BUDISMO

TÓPICO 3 – AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

67
68
UNIDADE 2
TÓPICO 1

HINDUÍSMO

1 INTRODUÇÃO
Você conhecerá agora um mundo totalmente novo em conceitos, visão de
mundo e modo de expressar a religiosidade. Bem-vindo ao mundo do hinduísmo!

Para mantermos a didática da disciplina, adotaremos, nesta unidade,


os mesmos tópicos que utilizamos na unidade anterior. Desta forma, você
poderá comparar com maior facilidade cada uma das religiões e como elas estão
relacionadas.

O hinduísmo tem uma estrutura diferente de tudo aquilo que já vimos


em nossa jornada religiosa. Das cinco grandes religiões que estudaremos em
profundidade, é a única que não possui um fundador instituído, bem como um
sistema religioso centralizado. Não existe uma liderança única, nem sequer um
sistema de adoração único. Com cerca de três milhões de deuses, e cerca de três
mil castas cada qual com suas regras e rituais, o hinduísmo é uma religião muito
complexa de ser analisada de maneira profunda, por possuir muitos pormenores
e muitas variações. Responder a perguntas como por que muitos hindus preferem
morrer de fome a comer carne de vaca, por que se banham nas águas turvas e
sujas do rio Ganges, buscando purificação, e como funciona o sistema de castas,
será o nosso desafio neste tópico.

Mais uma vez, gostaria de salientar que não usaremos nossas opiniões
pessoais nas explanações. Apenas buscamos informações de praticantes destas
religiões, pessoas que realmente acreditam que sua religião é verdadeira e que a
seguem com fé, independentemente de qual seja. Muitas vezes limitamos nossa
visão e entendimento no sentido de atribuirmos o conceito de fé apenas ao nosso
reduto religioso, quando, na verdade, a definição de fé abrange até aqueles que
dizem não a possuir.

69
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

UNI

Até mesmo os ateus precisam de fé para NÃO acreditar em algo sagrado. Até
mesmo a teoria do Big Bang, no sentido prático, é uma questão de fé, na medida em que é
impossível comprovar que o universo surgiu de uma explosão cósmica. Podemos resgatar
a etimologia de fé do grego “pistia” e do latim “Fides”, resultando na firme convicção de que
algo seja verdade, sem prova de que este algo seja verdade, pela absoluta confiança que
depositamos nele.

2 HISTÓRIA
A principal característica do hinduísmo é sua diversidade extrema. Seu
número sem fim de deuses nos mostra um grande triunfo do hinduísmo: ter
permanecido como uma única religião mesmo com tantos elementos distintos.
Essa é, na verdade, uma característica do politeísmo.

Não conhecemos seu fundador, portanto, o mais correto é dizermos


que o hinduísmo surgiu de uma mescla de outras religiões que surgiram da
migração de povos indo-europeus para o Norte da Índia há cerca de três mil
anos. O nome hinduísmo significa apenas indiano, portanto, é uma religião que
surgiu e permanece restrita a este país e por onde seu povo migrou ao redor do
mundo. Uma grande peculiaridade desta religião é que, diferente do cristianismo,
judaísmo e islamismo, o hinduísmo primitivo, ou seja, sua gênese, não sofreu
muitas alterações ao longo de sua história.

Uma data para o estabelecimento de um início é uma tarefa complexa.


Estudiosos têm atribuído uma data entre 1500 a.C. e 200 a.C. Este início deve estar
associado à ocupação dos povos de origem ariana no Vale do Rio Indo.

UNI

Você sabe quem foram os povos arianos? Achamos importante que você
entenda isso antes de continuarmos. Estes povos têm sua origem no Mediterrâneo Oriental
e acredita-se que seus vestígios mais antigos datam de 8000 a.C. Eles migraram por toda a
Ásia, Índia e Europa. A miscigenação com os povos nativos deu origem aos gregos, romanos,
celtas e indianos, entre outros.
É interessante notar que o termo ariano foi utilizado por Hitler e pelos intelectuais do nazismo
para estabelecer uma prática de genocídio, buscando mostrar que a “raça ariana”, ou seja,
os alemães, eram racialmente superiores que os judeus, ciganos etc. Isso é um tremendo
contraponto, na medida em que os arianos são, em sua origem, um povo proveniente da
mistura de vários povos.

70
TÓPICO 1 | HINDUÍSMO

Didaticamente, é possível dividir o hinduísmo em três fases principais:


Hinduísmo Védico, Brahmânico e Híbrido. Na primeira fase, o que podemos
chamar de hinduísmo primitivo, o que predominava eram os cultos a deuses
tribais. O principal deles era o chamado Dyaus, que significa Deus do Céu. É a
partir deste deus que todos os outros passam a existir. Ele é o grande responsável
pela agricultura, pelas chuvas e pela fecundidade. Neste período já se tem
uma distinção entre deuses maiores e menores, porém restritos a elementos da
natureza, como pedras, árvores, montanhas, raios, tempestades etc.

A segunda fase, conhecida com o fim dos Vedas, a partir da introdução


do deus Brahma, é a mais longa e duradoura da história do hinduísmo. Com o
estabelecimento dos arianos e sua influência contínua, o panteão hindu se divide
de um só deus para uma tríade: Brahma, Vishnu e Shiva. Eles representam,
respectivamente, a força criadora, a força preservadora e a força destruidora. Os
demais deuses existem com a permissão destes três. O sistema religioso se torna mais
elaborado e é deste período o estabelecimento das castas indianas. Os sacerdotes
ou “brâmanes” são estabelecidos e os templos começam a ser edificados em honra
aos mais diversos deuses. A ideia de reencarnação é desta fase do hinduísmo.

A terceira e atual fase do hinduísmo moderno é o chamado Hinduísmo


Híbrido, oriundo da influência do islamismo e cristianismo, principalmente. No
século XII, a Índia foi invadida por muçulmanos e muitos hindus eram forçados
à conversão. O ápice deste conflito entre hindus e muçulmanos foi a criação do
Estado do Paquistão, que foi separado da Índia de modo a separar os dois grupos.
Já no século XVIII, o cristianismo entra na história da Índia com a chegada de
missionários cristãos, em especial católicos, que influenciaram a sociedade e também
a religião. Através das ideias de fraternidade, solidariedade e igualdade de todos
perante Deus, o sistema de castas passa a ser obsoleto e, em 1947, é abandonado
pelo governo indiano. Isso não quer dizer que um sistema social milenar acabe de
uma hora para outra, mas é um grande passo para a inclusão social e uma tentativa
de diminuir a miséria que reina na Índia. É nesta fase que surgem movimentos de
não violência, como o liderado por Mahatma Gandhi no século XX.

FIGURA 25 – PRINCIPAIS DEUSES DO HINDUÍSMO

shiva brahma rama ganesa

hanuman indra kali vishnu

71
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

sita krishna lakshmi parvati

agni durga kartkeya kama

FONTE: Disponível em: <http://joaobosco.wordpress.com/2008/04/12/outros-deuses-do-


hinduismo-o-om-sagrado/>. Acesso em: 15 out. 2009.

3 DOUTRINA
Um conceito-chave para o hinduísmo é aquele que atribui a imortalidade
à alma do homem. Segundo os preceitos religiosos, após a morte, o hinduísta
pode renascer em uma casta mais alta ou mais baixa, num animal ou até mesmo
em um inseto. O que move este ciclo de renascimentos e o que determina qual
será a próxima jornada da alma de um homem é o “Karma” desta pessoa. A partir
disso, é possível entender por que os hinduístas são vegetarianos, o animal é uma
alma em busca de elevação espiritual e matá-lo representa a interrupção desta
evolução, fazendo com que ela retorne mais uma vez no mesmo estágio anterior
ou até mesmo num estágio inferior.

UNI

O que significa “Karma”? O Karma tem origem no sânscrito e quer dizer ato.
Este ato pode ser físico em pensamento e atitudes. O interessante é que esta ideia cíclica
da alma rumo a algo maior não é exclusividade do hinduísmo, o elemento inovador neste
sistema religioso é o fato de que a vida atual do indivíduo não é vista como uma punição
ou como uma espécie de prêmio pelo Karma da vida anterior, mas sim como uma espécie
de lei natural, imutável. Para o hinduísta, o que interessa são os atos desta vida. São eles que
determinam o que ocorrerá com sua alma na próxima jornada.

Através da doutrina do Karma é possível sustentar um sistema social


muito desigual como o de castas. Na medida em que um homem nasce miserável,
isso é um efeito natural de como ele (ao ler ele, entenda sua alma) agiu e se
desenvolveu na vida anterior. Não há nada a fazer, somente buscar a elevação
espiritual individual para que sua sorte seja melhor na próxima vida. A Lei natural

72
TÓPICO 1 | HINDUÍSMO

de causa e efeito se aplica aqui da mesma forma que se aplica ao cristianismo e


ao judaísmo. A diferença é que enquanto para o hinduísmo o final desta história
pode ser praticamente eterno, para os outros dois exemplos não existe a opção de
uma segunda chance em outra encarnação.

Como dissemos no início, o hinduísmo não possui uma doutrina religiosa


estável e aceita por todos os seus membros. A única questão a ser respondida por
ele é como é possível romper o ciclo de reencarnações? Explicamos os períodos
históricos do hinduísmo, em cada um deles a visão de como proceder também é
diferente. O importante é entender que não existe um sistema rígido que obrigue
ninguém a fazer nada. O caminho que cada um escolhe para se libertar da
reencarnação é pessoal. Existem apenas algumas orientações gerais que podem
ajudar, o chamado caminho das três vias. Este caminho pode servir de inspiração
para o hinduísta.

A primeira via deste caminho hinduísta é o do sacrifício. No período védico,


o sacrifício era de fundamental importância para manter o sistema universal.
Através dos sacrifícios era possível manter a fertilidade, as chuvas, a colheita,
todo o sistema social. Como o hinduísmo evoluiu, o significado do sacrifício é
outro na religião contemporânea. Os sacrifícios são realizados hoje através de
boas ações e abnegações pessoais, com o intuito de obter a felicidade, saúde e
prosperidade. Em última instância, o sacrifício tem o objetivo de interromper o
ciclo de reencarnações da alma.

A segunda via deste caminho é a via do conhecimento. Para os hinduístas,
a ignorância é o principal elemento para prender uma alma a esta existência.
Neste sentido, se o indivíduo consegue entender a verdade sobre sua existência,
ele pode romper com este ciclo. É importante sabermos, então, qual é esta verdade
suprema que, para os hindus, é fundamental para acabar com o sofrimento da
vida terrena.

É preciso saber que a palavra “atmã”, em sânscrito, é equivalente à alma


humana. A principal verdade que o hindu precisa aprender é que seu atmã e
o princípio espiritual do universo, representado pelo deus Brahma, não são
elementos distintos, mas um único espírito. Neste sentido, Brahma é um princípio
universal, uma divindade impessoal. A alma humana é um reflexo de Brahma.
Poderíamos comparar esta questão ao reflexo da Lua em diversos lagos ao redor
do mundo ao mesmo tempo. Nenhum reflexo é a Lua de verdade, mas reflete sua
luz. O ciclo de reencarnações termina quando o homem entende completamente
sua unidade com Brahma, voltando, assim, a fazer parte do deus supremo.

73
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

UNI

É deste elemento da doutrina hindu que foi extraída a famosa frase a respeito do
hinduísmo de que tudo é deus e, portanto, todos os caminhos levam a ele.

O terceiro caminho para a salvação é a via da devoção, que é a proposta


mais recente para o hinduísmo. É a mais aceita e a mais seguida na Índia moderna
e é representado pelo seu livro sagrado: o Bhagavad Gitta, um poema catequético
que aponta para um caminho mais fácil para a salvação. Este livro sagrado mostra
que o hindu pode se aproximar dos deuses de maneira desinteressada, ou seja,
sem buscar ganhos ou bênçãos e, com isso, através da misericórdia divina é que o
indivíduo é salvo. Isso não acaba com as outras duas vias, apenas mostra que se
tanto o conhecimento como o sacrifício forem feitos buscando algo em troca, não
existe benefício para a alma do indivíduo.

UNI

Esta via para a salvação do hindu mostra uma relação mais próxima com o deus
ao qual ele adora. É importante lembrar que existem duas percepções sobre a divindade
hindu. No sentido filosófico, o hinduísmo é panteísta, ou seja, o deus é uma força imaterial
que permeia tudo e todos. No sentido prático, é politeísta, ou seja, existe um panteão de
deuses que supera a casa dos 30 milhões de deuses.

Existe uma hierarquia bastante presente no contexto divino hindu. Os


principais deuses são Brahma, que é o criador do mundo; Vishnu, que é aquele
que sustenta e protege as leis naturais, e Shiva, que é o destruidor e que de tempos
em tempos dança sobre o mundo até que dele restem apenas pedaços. Quando
isso acontece, Brahma recria o universo novamente.

UNI

Esta doutrina trinitária no hinduísmo tem sua relevância no âmbito acadêmico,


porém com pouco respaldo popular.

74
TÓPICO 1 | HINDUÍSMO

Existem muitas deusas no panteão hindu, bem como uma infinidade de


deuses menores que são os mais queridos pela população. Os grandes deuses se
preocupam com o universo, com a manutenção da natureza, enquanto que os
deuses menores podem ajudar os seres humanos em seus problemas cotidianos.
Esses deuses podem ser de origem humana, tais como guerreiros, esposas fiéis,
entre outra infinidade de casos. Guardadas as devidas proporções, nesta relação
entre os grandes deuses e os deuses menores, pode ser feita uma analogia entre a
relação que o catolicismo romano faz entre Deus e os santos, por exemplo.

Em nossa atualidade, alguns estudiosos do tema estão atribuindo uma


espécie de neo-hinduísmo para a chegada desta religião para o Ocidente. Esta
manifestação religiosa é entendida como uma reinterpretação dos princípios
e tradições hindus, que desde o início do século XX esteve voltada a enaltecer
a cultura indiana, diante da cultura globalizada ocidental. Isto só foi possível
devido a uma mudança significativa no discurso hindu. Esta mudança apresenta
dois pontos principais: O ensino sobre as castas deixou de ser o elemento central
do hinduísmo, além da nova disposição em levar as práticas hindus para pessoas
que não tivessem origem étnica no sul da Ásia. Este trânsito cultural apresenta
um caminho em ambos os sentidos: ao mesmo tempo em que a Índia inicia o
processo de abertura cultural para o Ocidente, o Ocidente inicia um processo de
absorver elementos da cultura oriental. Este neo-hinduísmo apresenta-se como
uma resposta indiana ao imperialismo europeu do século XIX, além da recepção
de filosofias e religiões de cunho esotérico nos grandes centros ocidentais.

No Brasil existem algumas iniciativas de prática hindu em solo nacional, mas


ainda são poucas e descentralizadas. O que existe são iniciativas de adeptos que vão
buscar conhecimento na Índia e começam a ensinar para outras pessoas as práticas.

DICAS

Em um levantamento pela internet, encontramos locais que ensinam o


hinduísmo em todas as capitais no Sul e Sudeste do Brasil. Centros que giram em torno
da figura do líder que, de maneira geral, recebeu treinamento na Índia e reproduz este
conhecimento ensinando aos interessados.

4 RELAÇÕES
A palavra que mais se aproximaria no sânscrito de ética é a palavra
dharma. A multiforme consistência do hinduísmo gerou, ao longo dos séculos,
um sentimento de tolerância religiosa bastante distinta dos povos monoteístas
estudados na unidade anterior. Para o hindu, cada ser humano deve buscar e
encontrar o caminho para se achegar até Deus, podendo inclusive buscá-lo por
outras religiões.

75
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

Esta aparente harmonia representada na tolerância esconde um sistema


social onde a justiça social não é possível, tendo em vista que esta vida é resultado
do Karma de cada indivíduo. No sistema de castas é necessário que cada um passe
pelas dificuldades impostas pelos deuses para que aprenda a elevar seu Karma.
Ajudar ao próximo, neste sentido, é impedir que sua alma alcance a libertação
do ciclo de reencarnações imposta pelo hinduísmo. O governo secular tenta
implantar o conceito de justiça social abolindo oficialmente o sistema de castas,
porém um sistema social que existe há quase dois mil anos está profundamente
arraigado ao próprio conceito de hinduísmo e do cerne da própria nação indiana.
O resultado desta ausência de ajuda ao próximo causa uma desigualdade social
muito grande em todos os níveis da sociedade indiana. O sistema de castas
proporciona também a ausência de contestação do status quo, com uma população
passiva às desigualdades e cobrança política dos direitos sociais.

UNI

Você deve ter percebido a ausência de figuras neste tópico. Isso foi proposital,
pois existe uma infinidade de deuses e uma infinidade de maneiras de se retratar cada um
deles. Por isso deixamos para que você, acadêmico, possa pesquisar a respeito das divindades
indianas, e é sobre isso que trata sua autoatividade referente ao hinduísmo.

Não poderia encerrar este tópico de estudo sem falar de um personagem


bastante notório em filmes, em especial os americanos, que mostram em parte a
presença da cultura indiana na América. Um grupo denominado SIKHs que pode
ser confundido com os hindus pela vestimenta e aparência, além desta religião ter
nascido na Índia.

FIGURA 26 – SIKHS

FONTE: Disponível em: <http://sikhismo.blogspot.com.br/2011/11/


musica-sikh.html>. Acesso em: 26 jun. 2016.

76
TÓPICO 1 | HINDUÍSMO

Muitos atribuem ao sikhismo uma junção sincrética entre o hinduísmo


e o islamismo de corrente Sufi, que estudamos na Unidade 1, esta divisão do
islamismo tradicional. Mas é bastante complicado reduzirmos qualquer expressão
religiosa a apenas uma junção sincrética. Por isso vamos conversar rapidamente
sobre os adeptos do sikhismo.

O fundador do sikhismo é o guru Nanak, no século XV, na região onde


hoje está Punjabe, entre o Paquistão e a Índia. Sua jornada está descrita em uma
série de relatos lendários, míticos, denominados Janamsakhi, textos escritos meio
século após sua morte.

Toda biografia de líderes religiosos deve ser observada com cuidado, pois
seus biógrafos avaliam a vida deste líder depois de se tornar alguém sagrado. É
preciso separar o componente histórico do componente fantástico da narrativa
hagiográfica. Existe um elemento histórico, pois, como em nosso exemplo,
guru Nanak existiu de fato, e outro elemento, de cunho mítico, para legitimar o
discurso que se construiu após sua morte de que ele possuía uma vida singular
com relação a seus pares. Segundo estes relatos, Nanak teria feito quatro viagens
chamadas de UDASIS, em locais como Tibete, Ceilão, Bagdá e Meca, mantendo
contato tanto com hindus como com muçulmanos, tendo feito discípulos destes
dois grupos. A estes discípulos deu o nome de SIKHS.

Para ele, a religião seria um veículo para agregar as pessoas, mas na prática
acabava separando e gerando contendas, especialmente entre muçulmanos e
hindus. Neste sentido, a intenção de guru Nanak era fomentar a fraternidade e a
igualdade entre os seres humanos. Uma de suas frases mais famosas é aquela que
diz: “Não há hindus, não há muçulmanos”.

Ao invés de considerarmos o sikhismo como uma ramificação do


hinduísmo védico e do islamismo sufi, é melhor observar este grupo como algo
único, oriundo de um contexto de conflitos entre estes dois grupos religiosos. Os
próprios líderes Sikhs entendem terem recebido uma revelação direta oriunda de
um ser supremo que chamam de SAT NAN (Nome Verdadeiro).

FIGURA 27 – REPRESENTAÇÃO DE GURU NANAK

FONTE: Disponível em: <https://www.vahrehvah.com/indianfood/


guru-nanak-jayanti/>. Acesso em: 1 ago. 2016.
77
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

Para criar um discurso conciliatório entre duas religiões antagônicas, é


necessário abrir mão da ritualística individual de cada uma delas e criar um novo
corpo de dogmas que atendam a este novo grupo de fiéis. Este é o desafio de
todo discurso religioso: criar dogmas e práticas que o difiram dos demais grupos
participantes da mesma realidade cultural.

Atualmente, os adeptos do sikhismo são estimados em cerca de 23 milhões


de fiéis, o que os colocam na quinta posição entre os adeptos de religiões no
mundo. Deste total, cerca de 19 milhões vivem na Índia, com uma concentração
mais expressiva no Estado de Punjab, próximo à fronteira com o Paquistão.

FIGURA 28 – MAPA DA FRONTEIRA PAQUISTÃO-ÍNDIA COM DESTAQUE PARA


PUNJAB

FONTE: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Panjabe>. Acesso em: 1 ago.


2016.

A tensão política entre estes dois países é concentrada nesta região de


fronteira, o que gera muitos embates entre os diferentes grupos religiosos, sendo
uma região geograficamente instável. O ideal de paz e harmonia somado à
diáspora de indianos fugindo dos conflitos locais levou o sikhismo a outras partes
do mundo. Existem comunidades significativas sikhs na Inglaterra, Estados
Unidos e Canadá, também com presença na Malásia e Singapura.

78
TÓPICO 1 | HINDUÍSMO

LEITURA COMPLEMENTAR

Quem são os semideuses?

Por Raja-vidya Dasa

As escrituras védicas representam uma concepção consistentemente


pessoal do mundo. Em outras palavras, elas assumem que todos os eventos
dentro do cosmos, todos os fenômenos naturais, todas as obras dos elementos
e dos planetas, bem como todas as atividades dos seres humanos, estão sendo
causadas ou supervisionadas por seres super-humanos inteligentes específicos.

Em sânscrito, esses seres são chamados “devas”, e a tradução mais


apropriada para o português desse termo seria “semideuses”. O dever dos
semideuses é encarregar-se de uma porção da administração do universo e
assegurar que tudo dentro da manifestação cósmica funcione perfeitamente. Eles
são os responsáveis por manter a lei e a ordem dentro do universo. Outro de seus
deveres é organizar as reações cármicas individuais e coletivas dos humanos,
isto é, sua felicidade e sofrimento de acordo com suas próprias ações anteriores.
(A ciência astrológica estuda essas reações como elas são representadas pelas
constelações planetárias no momento do nascimento.)

A esse respeito, a visão de mundo védica corresponde à das culturas


avançadas dos antigos egípcios, gregos, ou romanos, bem como às das religiões
naturais dos índios de pele vermelha, os africanos ou os aborígines australianos. A
maioria das tradições pré-cristãs aceita o conceito de assistentes administrativos
do Senhor gerenciando os assuntos do universo.

Alguns exemplos de diferentes semideuses famosos são os seguintes. O


senhor Brahma é o criador do universo e o primeiro ser criado; o senhor Shiva é o
destruidor do universo; Rei Indra é o rei dos planetas celestiais e o controlador do
clima; Vayu é o semideus encarregado do ar e dos ventos; Candra é o controlador
da Lua e da vegetação; Agni é o deus do fogo; Varuna é o senhor dos oceanos e
mares; Yamaraja é o deus da morte; e por aí vai. Há milhares de semideuses que
estão controlando todas as diferentes atividades dos corpos das entidades vivas e
o funcionamento dos elementos.

Há apenas um deus

Mas ainda, e aqui está a diferença crucial, ninguém pode sustentar que
as escrituras védicas contêm uma concepção politeísta ou panteísta no sentido
usual desses termos. No fim das contas, as escrituras védicas representam uma
concepção de Deus puramente monoteísta. Elas claramente estabelecem que
acima de todas as diferentes variedades de semideuses, há apenas um Deus
supremo que é o criador e mantenedor não apenas dos humanos, mas também
dos semideuses e do cosmos inteiro.

79
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

Este único, supremo Deus, é, certamente, descrito e adorado não apenas


pela religião védica ou hindu, mas por todos os sistemas religiosos autenticamente
monoteístas do mundo. Em sânscrito, Ele tem ilimitados nomes que descrevem
suas incontáveis qualidades e passatempos. Os nomes sânscritos mais populares
de Deus são Krishna, Rama, Hari, Narayana ou Vishnu. Todos eles referem-se à
mesma suprema personalidade.

É importante entender que Deus não é hindu ou cristão, ou muçulmano


ou judeu. Deus não é limitado e não está preso a nenhuma tradição religiosa.
Deus é Deus, e os variados sistemas de crença são diferentes formas de entrar
em contato com esse Deus único. Elas podem diferir em sua abordagem e em
sua compreensão da realidade; elas podem também diferir em seus métodos
práticos, rituais, regras e regulações, mas na verdade elas pretendem conectar o
homem com Deus, e esse Deus é um para todos os sistemas religiosos genuínos.
Em sânscrito, esse único Deus é chamado Krishna ou Vishnu.

É um fato que, em diferentes tradições religiosas, Deus é chamado


por diferentes nomes (como Yahweh, Allah, Jehovah, Adonai etc.), e Ele é
compreendido e adorado em muitos aspectos diferentes. Mas isso não significa
que Ele é inconsistente ou que os vários sistemas de crença contradizem ou
excluem uns aos outros. Na verdade, esses fatos não são nada exceto evidência
da diversidade e grandiosidade ilimitada de Deus.

A Trimurti: Brahma, Vishnu e Shiva

Quando falamos sobre a religião védica e seu conceito de Deus, nós, às


vezes, ouvimos a expressão “trimurti”. Literalmente, o termo “trimurti” significa
“possuindo três formas”, e refere-se às três principais personalidades dentro da
manifestação cósmica: Brahma, Vishnu e Shiva.

Desses três, Brahma é responsável pela criação do mundo, Vishnu por


sua manutenção, e Shiva por sua destruição no final de cada ciclo cósmico.
É importante, no entanto, notar que dentre esses três, Brahma e Shiva são
considerados os principais semideuses, ao passo que Vishnu é considerado como
o próprio Deus.

As partes esotéricas das escrituras védicas claramente explicam que a Suprema


Personalidade de Deus, que reside em sua própria morada no mundo espiritual,
muito além desta criação material, é chamado Krishna. A forma de Krishna tem dois
braços, e para o propósito de criar o mundo material, Ele se expande na forma de
Vishnu, com quatro braços. Esta forma de Deus como Vishnu é responsável pela
manutenção da ordem cósmica, e é sob sua supervisão que as outras duas principais
deidades, Brahma e Shiva, realizam suas respectivas obrigações.

O senhor é descrito como tendo quatro cabeças, e ele é a primeira entidade


viva criada dentro de cada ciclo universal. Ele é diretamente nascido do senhor
Vishnu. Sua responsabilidade é criar os vários planetas do universo inteiro, bem
80
TÓPICO 1 | HINDUÍSMO

como todas as formas de vida específicas nesses planetas. Para esse propósito,
ele antes de tudo cria os principais semideuses que, por sua vez, criam mais uma
prole para popular o universo. Brahma é assim considerado o pai e criador de
todas as criaturas vivas e o chefe de todos os semideuses.

O senhor Shiva é, além do senhor Vishnu, provavelmente a deidade mais


popular no hinduísmo. Ele aparece como um filho direto do senhor Brahma, e ele
tem uma variedade de funções e obrigações, e então também uma variedade de
nomes. Por exemplo, ele é chamado: Nataraja, “o senhor da dança” (porque, no
momento da devastação universal, ele executa sua dança cósmica para destruir
os planetas); Rudra, “o furioso”, ou Bhutanatha, “o senhor dos fantasmas e
espíritos”. Na Índia, ele é frequentemente adorado em sua forma como Shiva-
linga, o símbolo combinado do agente gerador de Shiva, o pai da natureza
material, e sua esposa, Parvati, a mãe.

Como com todas as deidades, Brahma, Vishnu e Shiva têm, cada um,
sua própria consorte feminina, em sânscrito chamada “shakti”, ou “energia”.
Eles também têm seu próprio veículo pessoal ou animal de tração (chamado
“vahana”), assim como algumas características ou símbolos específicos.

Deidade Consorte (shakti) Veículo (vahana)

Vishnu (mantenedor do
Lakshmi (deusa da fortuna) Garuda (águia)
universo)

Brahma (criador do Saraswati (deusa da sabedoria, do


Hamsa (cisne)
universo) aprendizado e da música)

Shiva (destruidor do Parvati, também chamada Durga ou Kali


Nandi (touro)
universo) (personificação do mundo material)

Na Índia atual, além de Vishnu e Shiva, são adoradas como as principais


deidades principalmente Lakshmi e Durga, bem como o filho de Shiva e Parvati
chamado Ganesha (um auspicioso semideus com a cabeça de um elefante).

Demais semideuses

Como mencionado previamente, as escrituras védicas descrevem não


apenas as três deidades da "trimurti" e suas respectivas consortes e veículos
pessoais, mas também um grande número de várias outras personalidades que
são responsáveis pela administração universal. Eles são chamados semideuses, e
vivem em sistemas planetários acima da Terra (os chamados "planetas celestiais").
Todos eles se consideram servos de Vishnu que, em Seu nome, executam tarefas
gerenciais pelo bem-estar dos seres vivos do universo.

81
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

Nas escrituras védicas nós encontramos a informação de que há 33


semideuses principais e milhões de semideuses e subssemideuses subordinados,
ambos masculinos e femininos. Nós podemos analisar esse panteão védico nas
seguintes categorias:

• Senhores dos elementos (p. ex. Varuna, o senhor dos mares e das águas; Agni,
o deus do fogo; Vayu, o senhor dos ventos e do ar).

• Senhores dos planetas (p. ex. Bhumi, a deusa da Terra; Surya, o deus Sol;
Candra, o deus da Lua; Brihaspati, o senhor de Júpiter, que também é o mestre
espiritual dos semideuses; Shukra, o senhor de Vênus).

• Sábios entre os semideuses (p. ex. Narada, os Kumaras, os Maruts, os Sapta-


rishis; Vyasadeva, o compilador dos Vedas).

• Semideuses com funções específicas nos planetas celestiais (p. ex. Indra, o
rei dos semideuses, que também é responsável pelas nuvens e pelo clima na
Terra; Kuvera, o tesoureiro dos semideuses; os Ashvini-kumaras, os deuses
dos tratamentos médicos; Vishvakarma, o arquiteto dos semideuses).

• Semideuses com funções específicas no relacionamento com os seres humanos


(p. ex. Yamaraja, o deus da morte e da justiça; Skanda ou Karttikeya, o deus da
guerra; Kama, o deus da luxúria).

• Semideuses subordinados (como anjos, centauros etc.).

• Deuses e deusas de montanhas e rios e outros fenômenos naturais.

A maioria desses semideuses tem sua respectiva consorte a seu lado e seu
próprio veículo pessoal. Nós não podemos nomear a todos, já que isso iria muito
além do escopo deste ensaio.

Uma palavra final no relacionamento entre semideuses e os seres


humanos: os semideuses são nutridos pelas oferendas derramadas no fogo de
sacrifício pelos humanos e, então, quando eles estão satisfeitos, eles irão retribuir
concedendo todas as coisas desejadas ou necessitadas para a sociedade humana.
Dessa maneira, os humanos são completamente dependentes dos semideuses
com relação a sua saúde, bem-estar, prosperidade e paz.

Claro, todas essas bênçãos também podem ser obtidas diretamente


por aproximar-se do "Deus dos deuses", a Suprema Personalidade de Deus.
Se alguém se empenha na adoração de Deus, os semideuses, que são eles
mesmos totalmente dependentes de Deus, ficam automaticamente satisfeitos e
bem-dispostos com relação à humanidade. No Bhagavad-gita, Krishna explica
que aqueles que adoram os semideuses recebem frutos que são temporários e
limitados. As pessoas na verdade deveriam buscar adorar a Suprema fonte de
todos os semideuses, Krishna, mas por serem influenciados por desejos luxuriosos
por ganhos materiais, eles adoram os semideuses sem verdadeiro conhecimento.
82
TÓPICO 1 | HINDUÍSMO

Portanto, os humanos são geralmente aconselhados por todas as tradições


religiosas a respeitar essas personalidades poderosas, os semideuses, e a
satisfazê-los engajando-se no serviço à suprema personalidade de Deus, Vishnu
ou Krishna. Se alguém satisfaz Krishna, a raiz de toda a criação, então todos os
semideuses são também automaticamente satisfeitos e fornecem generosamente
todas as coisas necessárias à humanidade. Quando a raiz de uma árvore está
satisfeita por água, então as folhas e galhos também estão satisfeitos ao receber
água da raiz. Similarmente, quando Krishna está satisfeito, então suas partes, os
semideuses, também estão satisfeitas. Assim, não há necessidade de adorar os
semideuses. Se alguém adorar apenas Krishna, sua vida será perfeita.

FONTE: Disponível em: <http://pt.krishna.com/quem-s%C3%A3o-os-semideuses>. Acesso


em: 20 ago. 2016.

83
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O hinduísmo é uma religião diferente das demais analisadas devido à falta de


um sistema bastante integrado, além da quantidade exacerbada de deuses e
semideuses que o hinduísmo abrange.

• Essa falta de um comando centralizado trouxe ao hinduísmo uma tolerância


religiosa que não existe nas religiões monoteístas.

• Os hindus são panteístas, ou seja, acreditam que um único Deus é a matéria de


toda a criação, neste sentido tudo é Deus.

• A salvação dos hindus está em romper o ciclo de reencarnações e unir-se a


Brahma. Para isso, deve se esforçar em seguir o livro dos Vedas para melhorar
seu Karma.

• Os sistemas de castas derivados da lei do Karma mantêm os indianos numa


situação de conformismo com a realidade vigente. Ninguém pode questionar
a posição em que nasceu, pois é resultado direto de suas atitudes na vida
anterior.

• Na fronteira entre a Índia hindu e do Paquistão muçulmano, uma nova


manifestação religiosa surgiu e não pode ser confundida com hinduísmo: o
sikhismo.

84
AUTOATIVIDADE

Leia o interessante texto a respeito do hinduísmo e de sua mitologia criadora,


escrito por Raja-vidya Dasa. Nele, o autor explica quem são os semideuses
hindus e como, em sua visão, é possível aproximar a visão panteísta indiana
da visão monoteísta ocidental. O texto integral está disponível no site: <http://
pt.krishna.com/main.php?id=110>.

Baseando sua leitura no texto, responda às seguintes questões:

1 Quais são as semelhanças no discurso contido no texto com outras religiões


que já estudamos?

2 Você conhece outras religiões aqui no Brasil que utilizam o sistema de


oferendas aos semideuses para que possam fazer favores aos homens?

3 Reflita sobre o texto e responda se, a partir de uma visão geral das principais
religiões dos seres humanos, é possível chegar próximo a um denominador
comum que indique pontos em comum entre todas as religiões.

4 A religião pode causar danos ao ser humano? Que tipo de problemas a


religião pode causar ao homem?

85
86
UNIDADE 2 TÓPICO 2
BUDISMO

1 INTRODUÇÃO
É fundamental entender o hinduísmo para que seja possível entender o
budismo. Afinal, o fundador desta religião, Sidarta Gautama, de quem falaremos
a partir de agora, foi um hinduísta por boa parte de sua vida. O budismo
contemporâneo tem cerca de 329 milhões de adeptos em todo o mundo, embora
sua grande área de concentração seja a China, Japão e Tailândia, com contribuições
de países menores como Birmânia, Nepal e Laos.

O budismo é fruto da tolerância religiosa promovida pelo hinduísmo, sem


a qual seria impossível que a doutrina de Buda fosse aceita e seguida por muitos
hindus. A história de seu fundador se divide em dois momentos principais: a vida
do príncipe Sidarta e a vida do Buda. Ambos são a mesma pessoa, a diferença
entre os dois momentos é o processo de iluminação de Sidarta que o fez atingir
o Nirvana e, portanto, romper com a escravidão da alma com o interminável
ciclo de renascimentos. A doutrina de Buda se resume a seguir seu exemplo e
ensinamentos para que outros também atinjam tal estado.

UNI

O Budismo é um ótimo exemplo de como o hinduísmo é tolerante em termos


religiosos. Os fiéis são livres para escolher a maneira como queiram se aproximar dos deuses.
Porém este estado avançado de cultura religiosa revela uma sociedade pobre e carente de
organização. Nas sociedades monoteístas a organização da sociedade a desenvolveu através
desta certa unidade religiosa. A contrapartida negativa nestas religiões tem sido a intolerância
religiosa, que tem matado mais pessoas que todas as guerras ao longo da História. Isto deve
nos fazer refletir a respeito do verdadeiro significado da religião, que é o de trazer paz e
alegria para as pessoas através do sentimento de segurança por ser cuidado por um ser
superior, e o real fruto que temos colhido em nossas sociedades, sejam elas cristãs, islâmicas
ou orientais. Nossa sociedade realmente tem melhorado através da religião?

87
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

2 HISTÓRIA
A história do budismo se confunde com a de seu fundador, Sidarta
Gautama. É praticamente impossível separar a história do mito, porém o que
comumente se sabe a respeito de Buda é o que explanaremos a seguir.

Sidarta foi o filho de um rajá que viveu no Nordeste da Índia entre 560-480
a.C., era, portanto, um príncipe. Sua vida foi rodeada pelo luxo e poder. Seu pai ouviu
uma profecia que dizia que seu filho poderia trilhar dois caminhos: ou o do governo
ou do abandono completo do mundo. Para que o primeiro caminho acontecesse, o
príncipe deveria passar a ser protegido para que não visse as dificuldades, a pobreza,
o abandono da vida dos menos favorecidos. Para que isso não acontecesse, o pai do
futuro Buda o impedia de sair do palácio, ao mesmo tempo em que o cercava de
prazeres e diversões, tendo, ainda jovem, um harém com dançarinas.

A grande mudança na vida de Sidarta aconteceu aos 29 anos de idade,


quando, mesmo contrariando a proibição de seu pai, o príncipe saiu do palácio
pela primeira vez, e o que ele viu o transformou de Sidarta no Buda. Ele viu um
velho, um doente, um cadáver e um monge asceta. Ao ver o velho, descobriu que
a juventude inevitavelmente dará lugar à velhice; ao ver o doente, entendeu que a
saúde um dia será sucedida pela doença, e ao ver o cadáver, percebeu que a vida
dará lugar à morte. Quando Sidarta viu um monge asceta com uma expressão
de felicidade, decidiu seguir aquela vida para encontrar a razão da existência
humana. Naquela mesma noite abandonou sua família no palácio e foi viver
como andarilho, tomado também de pura compaixão pela humanidade, sentiu
um chamado para libertá-la do sofrimento.

Passou a procurar os grandes brâmanes hindus para buscar a sabedoria


que procurava, porém, a única resposta que ele ouvia era a de que deveria estudar
os vedas. Ele já havia estudado os livros sagrados do hinduísmo, percebendo
que então deveria procurar a sabedoria que buscava numa vida de ascetismo,
através de jejuns e penitências. Diz a lenda que Sidarta conseguiu diminuir sua
alimentação até que podia comer apenas um único grão de arroz, porém nem
mesmo assim ele conseguiu dominar o sofrimento. Após uma busca de seis anos,
quando estava em meditação sob uma figueira, ele atinge a “iluminação” ou bhodi,
tornando-se assim um Buda, ou seja, um iluminado. O que ele descobriu? Que
todo o sofrimento do homem é proveniente do desejo. Sendo assim, ao suprimir o
desejo, o homem consegue romper o ciclo de reencarnações imposto pelos deuses.
No budismo, isso recebe o nome de Nirvana.

Para o Buda, o que prende o homem e o faz produzir carma é o desejo


de viver. Ao dominá-lo, ele já não estava mais sujeito à lei do renascimento. Ele
conseguiu a autossalvação, ou seja, ele conseguiu por si mesmo alcançar a salvação.
Porém, o deus hindu Brahma o instigou a contar sua experiência a outros seres
humanos para que outros pudessem alcançar o Nirvana. A partir deste momento,
Buda se tornaria uma espécie de guia para aqueles que o quisessem ouvir. Seu
público foi, basicamente, composto por aqueles hindus que estavam descontentes
com a proposta hinduísta e passaram a ouvir e seguir os ensinamentos de Buda.

88
TÓPICO 2 | BUDISMO

FIGURA 29 – REPRESENTAÇÃO DE BUDA SOB A FIGUEIRA

FONTE: Disponível em: <caminhodomeio.wordpress.com/2008/02/15/


buda/>. Acesso em: 2 nov. 2009.

Seu primeiro sermão foi proferido em Benares, importante centro religioso


hindu, onde muitos monges mendigos o seguiram e juntos vagaram por 40 anos
pelo Nordeste da Índia. Quando tinha a idade de 80 anos, após adoecer por uma
intoxicação alimentar, Buda proferiu seu último discurso a seus seguidores e sua
recomendação a eles é que seus ensinamentos fossem seus mestres a partir de sua
morte. Seus discípulos foram responsáveis pela difusão do budismo até os dias
de hoje.

UNI

Um interessante filme que trata a respeito do budismo é O pequeno Buda.


Embora não seja muito fácil de encontrar em locadoras, vale a pena tentar, pois conta a história
de um menino norte-americano que os budistas tibetanos acreditam ser a reencarnação de
Buda. Paralelamente, a história de Sidharta é contada neste filme. Vale a pena conferir!

89
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

FIGURA 30 – O PEQUENO BUDA

FONTE: Disponível em: <cinema.cineclick.uol.com.br/.../id/2603>.


Acesso em: 2 nov. 2009.

UNI

Se você quiser realizar a leitura do discurso de Buda, por favor, acesse <www.
saindodamatrix.com.br/archives/siddhartha.htm> e poderá ler o texto na íntegra.

3 DOUTRINA
Todo o sistema religioso budista está baseado nos ensinamentos de Buda.
Não podemos nos esquecer de que Buda cresceu e viveu no meio hinduísta,
portanto, muitos dos seus ensinamentos encontram ressonância no hinduísmo,
como a doutrina do carma, da salvação e do renascimento. O primeiro ensinamento
de Buda, neste sentido, é a escravização do homem pela série interminável de
renascimentos. A mola propulsora deste ciclo é o carma do homem, ou seja, seus
atos, pensamentos e desejos.

90
TÓPICO 2 | BUDISMO

UNI

Para que possamos entender este processo, precisamos pensar em nossas vidas.
Todos nós entendemos que algumas atitudes ou decisões que tomamos refletem em nosso
futuro, algumas de maneira positiva, outras de maneira negativa. A escolha de montar uma
família, cursar uma faculdade, seguir uma vida religiosa, cada uma dessas escolhas é tomada
por nós, esperando que algo aconteça no futuro. Esta é a ideia do carma para os hindus e
budistas, com a grande diferença de que para eles isto é totalmente regulado e atrelado à
vida do indivíduo com reflexos na próxima vida. Para eles, as atitudes que tomamos nesta
existência refletirão na próxima. Os cristãos acreditam na lei da semeadura e da colheita, algo
similar a este ensinamento de Buda, com a diferença de que para os cristãos as consequências
acontecem nesta vida e na eternidade, já que a reencarnação é condenada como um falso
ensinamento pelo Novo Testamento. Espero que tenha lhe ajudado, caro acadêmico, a
entender um pouco mais sobre a doutrina do carma.

A doutrina do carma pode ser vista por nós, ocidentais, como sendo justa,
na medida em que os bons terão reencarnações boas, e os maus, más reencarnações,
porém, para os orientais adeptos destas doutrinas, este ciclo é considerado como
uma maldição que deve ser rompida. Portanto, os orientais buscam escapar da
reencarnação, e este ato está profundamente ligado ao conceito de salvação para
estas religiões. Vimos até agora as semelhanças entre hinduísmo e budismo, é
necessário, neste segundo momento, entendermos onde os ensinamentos de
Buda diferem daqueles escritos nos vedas.

Para os hindus, o homem possui uma alma individual atmã e é essa alma
que sobrevive de uma encarnação para outra. Como roupas que são trocadas
pela pessoa, os corpos são trocados pela alma de um renascimento para o outro.
Esta alma possui uma semelhança ao espírito universal (Brahma). Para Buda,
entretanto, o ser humano não possui nada imutável como a alma para os hindus.
Para ele, o homem de hoje não é o mesmo de ontem, portanto, tudo é transitório
e ilusório: tanto a vida como os sentimentos. Ambas as situações estão fadadas ao
fracasso. No budismo, existem três grupos de ensinamentos que condensam as
palavras e ordenanças de Buda: as quatro nobres verdades sobre o sofrimento, o
caminho das oito vias, e os cinco mandamentos. Embora não seja possível afirmar
que estes textos sejam do próprio Buda, por datarem de cerca de quinhentos
anos após a morte do mestre. Mas estes escritos fundamentais apresentam uma
considerável semelhança entre as diferentes escolas budistas e são, portanto,
aceitos pelos budistas como escritos do próprio mestre, transmitidos via oral por
séculos entre seus seguidores. Cada um destes grupos é importante para uma boa
compreensão das doutrinas budistas.

91
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

3.1 AS QUATRO NOBRES VERDADES SOBRE O SOFRIMENTO


Estas verdades têm o significado para Buda de que tudo é sofrimento nesta
existência. A partir delas se chega ao que Buda chama de “o caminho do meio”
que é o caminho das oito vias, onde ele explica como romper com o sofrimento.

A primeira verdade diz que a vida é cheia de dor: no nascimento existe


um passado de dor, um presente de dor e um futuro de dor. Nas palavras de
Buda: “nascer é sofrer, envelhecer é sofrer, morrer é sofrer, estar unido com aquilo
de que não gostamos é sofrer, separarmo-nos daquilo que amamos é sofrer, não
conseguir o que queremos é sofrer” (GAARDNER, 2000). Podemos pensar, neste
sentido, que o budismo é uma religião pessimista, onde não existe o espaço para
a felicidade nem ao bem-estar. Até certo ponto isso é verdade, porém a alegria
na família e na vida monástica é reconhecida. O que deve estar na mente do fiel,
entretanto, é que estas alegrias são transitórias e fadadas ao fim.

A segunda verdade mostra que o sofrimento do homem é fruto de seu


desejo. O desejo do homem por prazeres o faz acreditar que ele tem uma alma
e, portanto, está atrelado à existência. O extremo oposto, o da anulação da vida
ou suicídio, também é condenado, pois pressupõe que o homem tenha uma alma
que possa ser suprimida. O suicídio não leva em consideração a lei do carma não
rompendo o ciclo de reencarnações.

A terceira nobre verdade mostra que o sofrimento pode ser levado ao


fim. Para que isto aconteça é necessário que o desejo cesse. Quando se alcança
este nível de anulação do desejo, o nirvana começa. O ciclo que origina todos os
problemas para o ser humano começa na ignorância que leva ao desejo, que leva
à atividade que leva ao renascimento, levando por sua vez a mais ignorância.
Rompendo com sua ignorância, o homem está apto a atingir o Nirvana.

A quarta nobre verdade mostra que o homem pode acabar com o


sofrimento através da observação e realização do caminho das oito vias.

3.2 O CAMINHO DAS OITO VIAS


Esta doutrina budista também é conhecida como o caminho do meio.
Buda acreditava que os extremos da vida deveriam ser evitados. Tanto uma vida
de extravagâncias como a negação da vida através do suicídio ou de pesadas
autopenitências não ajudam a romper o ciclo de sofrimento da existência. Por isso
Buda optou pelo “caminho do meio”, descrito por ele em oito partes ou etapas.

Os dois primeiros passos neste caminho são a perfeita compreensão e


perfeita aspiração. O caminho começa pela extinção da ignorância do homem,
já que é a ignorância que inicia o movimento da roda do renascimento. Esta
compreensão do homem deve girar em torno de como o mundo funciona, além
de entender de maneira profunda as quatro nobres verdades e a doutrina budista

92
TÓPICO 2 | BUDISMO

de que o homem não possui alma. No tocante à aspiração, o homem deve buscar
a anulação do desejo de si mesmo, pois esta é a raiz de todo o sofrimento. Por
fim, Buda deve ser o ideal a ser seguido por aqueles que acreditam em seus
ensinamentos.

Os passos seguintes falam da ética budista e sua relação com o mundo não
budista, digamos assim. São eles: perfeita fala, perfeita conduta e perfeito meio de
subsistência. Perfeita fala diz respeito à necessidade do homem em não proferir
mentiras, falsidades, de maneira arrogante. Para Buda, o homem deve proceder
de maneira amigável e carinhosa com todos os seres humanos, além do silêncio
também ser incluído na fala perfeita. Perfeita conduta está relacionado com os
cinco mandamentos aos quais todos os que se dizem budistas devem seguir.

3.3 OS CINCO MANDAMENTOS BUDISTAS


Perfeito meio de subsistência diz respeito a possuir uma profissão secular
que seja condizente com o caminho das oito vias. Por exemplo, um dos cinco
mandamentos conclama ao budista a não matar qualquer ser vivo. Neste sentido,
um açougueiro que se tornasse adepto ao budismo teria que mudar de profissão.

Os últimos três passos para concluir o caminho do meio são o perfeito


esforço, a perfeita atenção e a perfeita contemplação. Estes passos representam
como o homem deve relacionar-se consigo mesmo e purificar-se a si próprio. O
perfeito esforço ensina que o homem deve evitar que pensamentos impuros, como
a raiva, a inveja, a luxúria, por exemplo, invadam sua mente. Para tanto ele deve
esforçar-se para manter sua mente pura destes pensamentos. Perfeita atenção o
prepara para a meditação. Durante esta preparação, toda a atenção daquele que
medita deve estar focada em um único ponto, seja ele uma palavra, uma pessoa
ou um objeto. Perfeita contemplação acontece quando todo o corpo foi relaxado
e todas as preocupações humanas se foram juntamente com as noções de tempo
e espaço durante a meditação. É neste momento que os budistas acreditam que
podem atingir o Nirvana e tornar-se um venerável, ou seja, um budista que não
pertence mais à lei do carma e, portanto, não renascerá mais.

A última doutrina budista relevante em nosso estudo é o Nirvana. Vimos


nas quatro nobres leis que Buda tinha uma visão muito pessimista da vida e do
papel do homem na Terra. Não há esperança para o homem dentro do ciclo de
reencarnações. Porém, o alvo da busca de Buda era atingir algo que estivesse fora
deste sistema terreno. Para ele existe algo além, algo imortal que transcende o
sofrimento humano. Através do caminho das oito vias, o budista pode alcançar
o Nirvana, que significa literalmente “apagar” ou na inexistência de carma. Para
tanto, apenas boas atitudes não bastam. Buda, conforme a tradição oriental,
renasceu 547 vezes antes de atingir o Nirvana. É interessante que o Nirvana pode
ser experimentado ainda nesta vida através da meditação como uma experiência
transcendental. O Nirvana final da vida é também conhecido como parinirvana,
que quer dizer “extinção absoluta” ou “extinção última”.

93
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

4 RELAÇÕES
No momento em que Buda sofreu o processo de iluminação, o deus hindu
Brahma pediu a ele que ensinasse aos homens o caminho que ele havia trilhado.
Através da compaixão, Buda decidiu ser o guia daqueles que quisessem o ouvir
para que também pudessem ser salvos através do Nirvana. Neste sentido, o
modelo de Buda é um modelo que deve ser seguido pelos demais budistas no
sentido de que ser budista é se comportar eticamente perante a sociedade através
da piedade e da compaixão. A caridade que fazemos hoje não serve apenas para
ajudar os outros, mas para elevar nosso próprio caráter.

Um bom exemplo disso são os cinco mandamentos budistas, utilizados


para a vida diária dos budistas, sejam eles monges ou leigos.

O primeiro mandamento proíbe fazer mal a qualquer criatura viva. Este


mandamento mostra que o pacifismo é uma das vertentes do budismo. Vários
budistas já travaram guerras e acredita-se que algum soldado profissional que
morra em batalha renasça no inferno ou em algum animal. No tocante a comer
carne, acredita-se que Buda permitia o consumo de carne, desde que o animal
não tenha sido morto unicamente para aquela pessoa. Para o budista a intenção
por trás da ação é o determinante para condenar ou não uma atitude, qualquer
que seja.

O segundo mandamento fala sobre não tomar aquilo que não lhe foi dado.
Não diz respeito apenas ao roubo, mas sim todos os tipos de trapaça e cobrança
de negócios abusivos.

O terceiro mandamento diz que não é possível se comportar de modo


irresponsável nos prazeres sensuais. Este modo irresponsável é tudo aquilo que
pode prejudicar outros sexualmente, como o adultério, incesto, estupro, aborto e
homossexualismo.

O quarto mandamento diz que não se deve falar falsidades. Isso se refere
a falar a verdade, mas também a fofoca e a ira, por exemplo.

O quinto mandamento mostra que não se deve deixar entorpecer com


álcool ou drogas. É proibido no sentido de que o álcool ou a droga entorpece
a mente e impede que o homem, conscientemente, possa obedecer aos demais
mandamentos.

94
TÓPICO 2 | BUDISMO

FIGURA 31 – DIFERENTES REPRESENTAÇÕES DE BUDA

FONTE: Disponível em: <http://www.tzongkwan.com.br/?page_id=8>. Acesso em: 10


ago. 2016.

A sociedade budista é dividida em dois grupos principais: os monges e os


leigos. O almejo de grande parte dos budistas é tornar-se um monge para poder
dedicar-se exclusivamente a cuidar do caminho das oito vias; esta categoria,
porém, possui regras muito mais rígidas que os leigos. Seu estilo de vida, como o de
Buda, foi sempre de simplicidade e abnegação. Os recursos para manutenção dos
mosteiros budistas e para a sobrevivência dos monges e monjas são provenientes
de esmolas. Isso não é de maneira nenhuma considerado degradante por parte
dos budistas, mas sim uma dádiva poder oferecer uma oferta a um monge budista.

A obrigação dos leigos é a de sustentar financeiramente aqueles que


os instruem nas práticas e ensinamentos de Buda. Um leigo pode passar uma
temporada em retiro espiritual para meditar ou receber uma instrução especial,
por exemplo. Estas duas categorias da sociedade budista são interdependentes,
ou seja, para que uma delas exista, a outra deve estar em funcionamento.

O culto budista consiste em venerar relíquias de Buda e de outros homens


santos através da oferenda de flores e incenso. Algumas facções mais tradicionais
dizem que Buda não deve ser adorado, pois ele já atingiu o Nirvana e, portanto,
nada mais pode fazer pela humanidade. Deve-se apenas seguir a seu exemplo e
buscar a autossalvação.

UNI

Relíquias são pedaços de ossos do ente venerado, esta técnica é bastante


utilizada durante a veneração de relíquias de santos, onde ossos são postos em recipientes de
ouro para lá ficarem expostos e serem levados de região em região para que devotos possam
fazer suas orações diante destes fragmentos de ossos.

95
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

Buda não negou a existência dos deuses hindus, como podemos imaginar
num primeiro momento ao analisarmos sua doutrina. Ele apenas “rebaixou”,
digamos assim, a importância destes deuses, pois, para Buda, eles também estão
vinculados ao ciclo de reencarnações. É muito comum encontrar imagens de
deuses hindus em templos budistas em posição secundária em relação a Buda.

Na Ásia existe uma enorme adoração e veneração a espíritos, demônios e


entidades da natureza em muitos vilarejos. As pessoas procuram obter benefícios
mundanos através destas entidades, com rituais diversos. Buda, neste sentido,
apresenta uma semelhança aos três deuses que estudamos no hinduísmo,
responsáveis pela manutenção do universo e questões cósmicas. Estes demônios
poderiam ajudar na resolução de problemas cotidianos.

UNI

É comum acharmos que o budismo possa ser único em todos os países


por onde exerce influência. Isso pode acontecer porque nossa visão ocidental pensa em
unidade quando pensamos em cristianismo, ou judaísmo, embora existam algumas divisões
e diferenças doutrinárias, como vimos na unidade anterior. No Oriente, a tolerância religiosa
é um conceito bastante presente nas religiões existentes. Sendo assim, existem variações do
budismo, que será nosso último assunto neste tópico de nossa unidade de estudo.

Após a morte de Buda, seus discípulos divergiram em relação aos seus


ensinamentos e como ensinariam estes princípios. Surge então a primeira divisão
do budismo, a filosofia Theravada, ou o caminho dos antigos, de linha mais
tradicional, e a filosofia Mahayana, ou o grande veículo, de linha mais liberal.
A primeira linha tem respaldo no Sul da Ásia, enquanto que a segunda tem
influência no Norte da Ásia.

A principal diferença entre as duas linhas doutrinárias do budismo


está no papel do indivíduo na obtenção de sua salvação. No Theravada, a
responsabilidade pela salvação é do indivíduo, no sentido de desenvolver suas
habilidades espirituais e inibir seu carma através da meditação e do caminho das
oito vias. Esta realidade se aplica tanto aos monges como aos leigos.

UNI

Você percebeu que esta é a linha em que nos baseamos para montar toda a
explicação sobre o budismo? A próxima linha apresenta diferenças significativas com relação
a tudo o que discutimos aqui. Preste atenção!

96
TÓPICO 2 | BUDISMO

A segunda linha, Mahayana, prega que todos podem ser salvos, e não
apenas algumas pessoas, como na Theravada. Para esta linha, Buda não é apenas
o guia para ensinar o caminho para o Nirvana, mas sim o grande salvador da
humanidade. No pensamento tradicional, o leigo precisava se dedicar aos
preceitos budistas com afinco a fim de melhorar seu carma e assim renascer
como um monge para então poder atingir o Nirvana. Nesta nova linha filosófica,
todos podem ser salvos pela compaixão e compreensão daqueles que acessam o
Nirvana e espontaneamente decidem abrir mão da eternidade para ajudar seus
semelhantes a alcançarem este estado. Estas pessoas são chamadas de bodhisattvas
ou “pessoas iluminadas”. A única diferença entre elas e Buda é que optaram por
permanecer na Terra para ajudar as pessoas. Os que seguem a linha Mahayana
dizem que o próprio Buda fez esta escolha para ajudar ao próximo.

Desta doutrina budista surgiram outras que veremos no próximo tópico


de estudo, como o Budismo Tibetano, o Zen-Budismo e o Lamaísmo, cada uma
delas com diferenças do que você estudou até aqui.

No Brasil, a chegada do budismo coincide com a vinda dos imigrantes


japoneses no início do século XX. Os primeiros monges chegaram aqui visando
atender às comunidades de imigrantes, passando a interagir com brasileiros em
uma segunda fase deste budismo tupiniquim.

FIGURA 32 – NÚMERO DE BUDISTAS SEGUNDO DADOS DO IBGE

FONTE: Disponível em: <http://istoe.com.


br/156867A+CRISE+DO+BUDISMO+NO+BRASIL/>. Acesso em: 20 ago. 2016.

O budismo no Brasil esteve vinculado à imigração japonesa e é mais


expressivo nas regiões onde a presença das comunidades é maior. Um bom
exemplo desta distribuição geográfica da religião é o bairro da Liberdade, na
cidade de São Paulo, núcleo da presença japonesa. Não é por acaso que a cidade
conta com aproximadamente 240 templos budistas, com mais de 100 escolas
budistas em todo o Estado de São Paulo.

97
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

Com um crescimento mais intenso ao longo do século XX com a primeira


geração de imigrantes, o budismo no Brasil vem perdendo adeptos, na medida
em que as novas gerações vão se desligando da tradição de seus ancestrais. Os
descendentes mais jovens estão aculturados com o Brasil e por isso não apresentam
o mesmo vínculo com as tradições budistas de seus pais e avós.

Na leitura complementar deste tópico apresentamos uma matéria de 2016,


da revista IstoÉ, que trata da questão da queda de adeptos do budismo no Brasil.
Leitura bastante pertinente, para que você perceba como o avanço ou recuo de
determinada religião em uma territorialidade apresenta inúmeras variáveis que
devem ser levadas em conta por parte do pesquisador das religiões.

98
TÓPICO 2 | BUDISMO

LEITURA COMPLEMENTAR

A CRISE DO BUDISMO NO BRASIL

Foi de forma clandestina que o budismo desembarcou no Brasil, há 103


anos. Chegou com os primeiros imigrantes japoneses, no Porto de Santos, em São
Paulo. Naquela época havia aqui um movimento contrário à vinda de religiosos
não cristãos. Muitos monges entraram no país travestidos de agricultores.
Praticado de maneira improvisada até a Segunda Guerra, o budismo passou a
se institucionalizar a partir dos anos 50. Com a invasão de templos de tradição
tibetana e a propagação da corrente zen, foi a vez de artistas e intelectuais, nos
anos 70 e 80, principalmente, abraçarem a religião. Adorar Sidarta Gautama
– peregrino que ficou conhecido como Buda e andou pelo norte da Índia por
quase meio século ensinando que meditação, sabedoria, compaixão e moralidade
podiam combater o sofrimento – virou moda entre milhares de brasileiros. Mas,
o que se apresentava como uma onda de orientalização na religiosidade nacional
não passou de uma marola (leia quadro). Ínfimo 0,14% da população se diz
budista. O que tem despertado mais a atenção de estudiosos é o fato de o budismo,
que chegou ao país como forma de preservação do capital cultural japonês, estar
minguando justamente entre eles. “A religião está enfraquecendo dentro da
comunidade por causa da morte dos adeptos mais idosos”, afirma Frank Usarski,
da pós-graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica
(PUC), de São Paulo.

A falta de renovação dos membros é evidente. E há vários motivos


que contornam o declínio da adesão ao budismo. Primeiramente, as poucas
lideranças religiosas orientais ainda vivas não demonstram querer se adaptar
ao Brasil. “Os sacerdotes vêm do Japão e só falam japonês nos templos. Mas os
jovens descendentes não dominam o idioma e se afastam”, diz a monja Coen, 64
anos, uma das principais representantes do zen-budismo no Brasil. “O budismo
chegou aqui como uma tradição para imigrantes e ainda continua assim. Não
temos um budismo brasileiro. Se não houver uma aculturação, os templos vão se
transformar em belíssimos museus”.

A barreira do idioma transformou muitos templos em focos de


manutenção de cultura e etnia apenas. É o que afirma André Muniz, 31 anos,
arcebispo da Organização Religiosa Budista Tendai Hokke Ichijo Ryu do Brasil.
“Não são mais centros de expansão da doutrina. Muitos dos que os frequentam
o fazem para cultuar os ancestrais e aprender ikebana. Estão interessados nos
cantos e na caligrafia japonesa”, diz ele, que foi discípulo em uma dezena de
correntes budistas, entre japonesas e tibetanas. Em todas elas, conta, o quadro
era o mesmo: a formação dos monges não era feita no Brasil, as línguas orientais
predominavam e a convivência era de subserviência e preconceito. “Ouvi muito
que a mente ocidental não está preparada para receber os ensinamentos de Buda
e a língua oriental é inacessível para nós”, diz. Há quatro anos, ele fundou a
primeira instituição budista brasileira sem nenhum vínculo com denominações

99
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

orientais. “Sempre fui tratado como um estranho, mesmo falando a língua deles”.
A monja Coen confirma a diferença de tratamento. O famoso templo Busshinji,
na Liberdade, em São Paulo, possui, segundo ela, um porteiro que verifica as
intenções do visitante. “Se é japonês e fala a língua de lá, entra. Brasileiro só pode
na hora da meditação para brasileiros”.

É verdade que templos continuam sendo levantados no país. Alguns,


como o Zu Lai, em Cotia, na Grande São Paulo, recebem visitantes fascinados
pela suntuosidade do local – são 10 mil m2 de área construída e 150 mil m2 de
área verde. Muitos, porém, não passam da condição de turista. “Ser budista é se
comprometer com a comunidade”, diz Usarski, autor de “O Budismo e as outras
– Encontros e Desencontros entre as Grandes Religiões Mundiais”, da Editora
Ideias & Letras. A fidelização daqueles que batem à porta do budismo também
é prejudicada pela falta de lideranças para responder aos questionamentos do
aspirante à religião. “Vinte comunidades no interior de São Paulo e três no Paraná
da filial da Honpa Hongwanji não possuem um reverendo permanentemente
no local”, escreve o professor Usarski, em um de seus artigos. Outro empecilho
para novas conversões é a ideia equivocada que se tem sobre a doutrina oriental.
“Quando o brasileiro procura um templo, está atrás de uma transposição
religiosa e não uma conversão”, diz o sacerdote Muniz. “Ele acha que o budismo
é uma religião liberal, que poderá fazer, com uma vestimenta budista, tudo o que
não pode no cristianismo”. Dogmas do budismo, porém, exigem mudanças de
hábitos, tais como abstenção de bebida alcoólica. Mais: sexo fora de uma relação
de comprometimento sentimental é tido como ilícito. “Muitos, em dois meses,
tomam um choque e abandonam”.

Uma vez que o budismo não é propagado pelas próprias lideranças,


outras denominações religiosas, cristãs principalmente, tratam de cooptar
adeptos. É o caso da analista em logística Suzana Yoo, 39 anos. Seus pais fizeram
parte do primeiro grupo de sul-coreanos que desembarcou no Brasil, no início
dos anos 70. Em casa, sua mãe acendia incenso para Buda, rezava e cantava.
Mas a filha jamais foi budista. O budismo, nesse caso, foi vítima de uma prática
comum dos imigrantes orientais, que tratavam de promover a inserção dos
filhos à realidade do país acolhedor. Suzana estudou em colégios católicos até a
adolescência para se adaptar à cultura local. “Foi a escolha de meus pais por ser
a religião predominante no Brasil”. Hoje se assume uma católica não praticante.
“Do budismo, o único ritual que lembro é o de quando alguém morre”, diz.

Adeptos dos ensinamentos de Buda defendem que catequizar não é uma


meta. Nem a conquista de adeptos. Ainda que os seguidores do zen-budismo e
da tradição tibetana – que têm o Dalai Lama como o grande garoto-propaganda
– mantenham acesa a aura pop dessa religião oriental, a ponto de causar a falsa
impressão de que ela tem mais adeptos do que realmente tem, o professor
Usarski, da PUC, é pessimista em relação ao seu futuro. “Acredito que o potencial
de crescimento do budismo no Brasil já esgotou”.

Matéria da Revista IstoÉ de 20 de janeiro de 2016. Disponível em: <http://istoe.com.


br/156867A+CRISE+DO+BUDISMO+NO+BRASIL/>. Acesso em:10 ago. 2016.

100
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O budismo surgiu no seio do hinduísmo, com seu fundador sendo um hindu.

• O desenvolvimento do budismo só foi possível devido à grande tolerância


religiosa dentro do Hinduísmo.

• A história do fundador do budismo é uma história lendária, impossível de se


verificar o que de fato ocorreu e o que é mito.

• Segundo Buda, tudo é sofrimento transitório e efêmero. A salvação do homem


está em conseguir romper o ciclo de reencarnações para atingir o Nirvana.

• No budismo as principais regras são: as quatro nobres verdades do sofrimento,


o caminho das oito vias e os cinco mandamentos.

• Após a morte de Buda, seus seguidores entraram em conflito quanto aos seus
ensinamentos e realizaram um cisma budista: o Theravada, mais tradicional, e
o Mahayana, de filosofia liberal.

101
AUTOATIVIDADE

Sobre o budismo, responda:

1 Quais são as divisões do budismo e como é a doutrina de cada uma delas?

2 Por que podemos considerar o budismo uma religião pessimista?

3 Qual é o objetivo espiritual dos budistas?

4 Como se atinge tal objetivo?

5 Qual é a relação intrínseca entre o budismo e o hinduísmo?

6 Como foi possível o desenvolvimento do budismo em território hindu?

7 Quais são as quatro nobres verdades sobre o sofrimento?

8 Qual é o caminho do meio? Quais são os passos para completar este caminho?

9 Quais são os cinco mandamentos que regem a vida prática dos budistas?

102
UNIDADE 2 TÓPICO 3

AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

1 INTRODUÇÃO
Nos tópicos anteriores permanecemos basicamente no território indiano.
Resta-nos agora voltar nossos olhos para a China e o Japão para entender o que
acontece nestes locais no campo religioso. O budismo se espalhou tanto para a
China quanto para o Japão, porém se desenvolveu de maneira mais livre no Japão.

Nestes dois países, o culto aos antepassados (mortos) é notório. As


religiões nestas localidades serão, portanto, baseadas nesta modalidade de culto.
Outro ponto primordial nestas religiões é a coexistência entre elas. É possível
encontrar pessoas que participem de várias seitas e religiões ao mesmo tempo
sem que isso ofenda qualquer uma delas.

Os eventos históricos em cada uma destas localidades é que determinaram


como as religiões se comportariam no século XX. Após a Segunda Grande Guerra,
várias seitas foram implantadas derivadas do taoísmo, budismo e cristianismo. Já
na China, a revolução de Mao Tsé-Tung, em 1949, fez com que a religião tivesse
um papel cada vez menor na realidade social chinesa, tendo em vista que o
Estado chinês suprimiu o culto religioso destruindo templos e instituindo o culto
nacional. Após a morte de Mao, uma pequena abertura religiosa tem começado a
aumentar, porém até os dias de hoje não existe liberdade religiosa na China.

UNI

Neste último tópico de nossa unidade de estudo faremos uma análise


diferenciada do que fizemos até aqui. Vamos falar um pouco sobre cada uma das religiões
para que você tenha um panorama destas religiões orientais.

103
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

2 CONFUCIONISMO
Podemos considerar o confucionismo mais como uma filosofia que uma
religião. Os adeptos podem participar de outras religiões. A fundação data por
volta do século VI antes de Cristo, sendo mais ou menos, portanto, contemporâneo
de Buda. Seu fundador foi K’ung-Fu–Tzé, que em sua versão latina atribuída
pelos missionários jesuítas do século XVI, ficou conhecido como Confúcio.

A religião chinesa, até o tempo de Confúcio, era um emaranhado complexo


de rituais e cultos a espíritos e elementos da natureza como a chuva, o vento e
o trovão, bem como os antepassados e ancestrais familiares. Um dos papéis dos
imperadores chineses era o de aplacar a ira dos deuses através da criação de templos
em honra a eles e de instituir músicos e sacerdotes para o serviço nos templos.

Confúcio perdeu o pai aos três anos de idade e casou-se com 19. Com
uma grande habilidade para negócios, foi escolhido como administrador dos
celeiros do imperador chinês. Porém, sua inclinação verdadeira era para o campo
da filosofia, música e artes. Entrou então num dilema, que por sinal é bastante
comum em nossos dias: queria viver das artes, porém precisava sustentar sua
família, optou então por uma vida dupla entre o trabalho administrativo e o ensino
de filosofia. A situação mudou quando aos 23 anos perdeu sua mãe, quando
abandonou o trabalho nos celeiros e passou a lecionar filosofia. Aos 34 anos tinha
cerca de três mil alunos, sendo muitos deles filhos da nobreza chinesa. Como
sua reputação aumentou cada vez mais, foi nomeado magistrado-chefe da cidade
de Chung-Tu e em seguida ministro do crime, uma analogia ao nosso Ministro
da Justiça. Foi a partir deste posto que Confúcio experimentou na prática suas
técnicas filosóficas. Fez um estudo para levantar o histórico dos presos, percebeu
que os presos eram ignorantes, no sentido de não terem instrução. A partir disso
passou a fornecer estudo e educação ao público carcerário para que, através do
conhecimento e do aprendizado de um ofício, pudessem prosperar e abandonar
a vida de crimes. A lenda nos conta que os presídios ficaram vazios e os policiais
perderam o emprego.

Confúcio acreditava que se os governantes fossem bons, a sociedade seria


boa, caso contrário a sociedade seria corrupta, se os governantes fossem corruptos.
Através de um estratagema, inimigos da província onde Confúcio trabalhava
corromperam o governante e a situação voltou ao que era anteriormente.
O conselheiro Confúcio abandona a província e passa os próximos 15 anos
caminhando de uma província para outra, procurando um governante que ouça
seus conselhos. Após a morte de sua mulher, retorna à sua terra natal e lá escreve
suas memórias e ensinamentos.

Esse foi um breve resumo da história do pensador chinês com o objetivo


de que todos possamos perceber que a doutrina de Confúcio era muito mais
teórica e bastante racional, ao contrário de budismo e hinduísmo. Uma doutrina
bastante prática, sem metafísica, onde todos devem aprender a praticar o bem
para que todos possam viver bem.

104
TÓPICO 3 | AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

FIGURA 33 – CONFÚCIO

FONTE: Disponível em: <universohq.com>. Acesso em: 2 nov. 2009.

As ideias de Confúcio influenciaram a elite chinesa, porém, na base da


sociedade, o culto aos inúmeros deuses continuou em prática. Ele não era contra
o culto religioso, porém não se envolveu com assuntos sobrenaturais. Podemos
considerar suas ideias mais como uma filosofia que como uma religião no sentido
estrito da palavra. Após sua morte, seus seguidores espalharam suas ideias e o
confucionismo acabou se tornando uma espécie de religião estatal da China,
onde líderes passaram até a perseguir seguidores do budismo e do taoísmo, por
exemplo. O único princípio aparentemente metafísico abordado por Confúcio
era a força criadora Tao, porém ela foi mais utilizada pela próxima religião que
vamos estudar, o taoísmo.

Após sua morte, muitos templos em honra ao pensador chinês foram


levantados na China e seu pensamento moldou a maneira como os governantes
imperiais conduziriam seus governos. Sua influência na China só diminuiu após
a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung, quando as expressões religiosas foram
suprimidas. No Ocidente, muitos administradores têm utilizado os pensamentos
de Confúcio para melhorar a produtividade nas empresas.

Para concluirmos, seguem dez pensamentos de Confúcio para mostrar o


caráter prático e racional de que falamos no início da argumentação.

• A vida é realmente simples. Nós é que insistimos em torná-la complicada.


• Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na
tua vida.
• O que você não quer para você mesmo, não faça aos outros.
• Se você atirar nas estrelas e acertar a Lua, tudo bem. Mas você tem que atirar
em algo. A maioria das pessoas nem sequer atira.
• O silêncio é um amigo que nunca trai.

105
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

• Exige muito de ti e espera pouco dos outros. Assim, evitarás muitos


aborrecimentos.
• De nada vale tentar ajudar aqueles que não se ajudam a si mesmos.
• Ser ofendido não tem importância, a não ser que nos continuemos a lembrar
disso.
• Eu escuto e esqueço. Eu vejo e lembro. Eu faço e entendo.
• Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos você tem?
FONTE: Disponível em: <http://fatorw.com/produtividade/top-10-pensamentos-de-confucio-
para-o-dia-a-dia/> Acesso em: 2 nov. 2009

3 TAOÍSMO
O livro sagrado dos taoístas é o Tao Te Ching ou o livro do Tao e do Te:
Tao significa a ordem do mundo e Te a força vital. Não se sabe quem escreveu
este pequeno livro de 25 páginas com os ensinamentos taoístas, mas a tradição
oriental atribui a origem desta religião a Lao Tsé, pensador contemporâneo de
Confúcio, que, como ele, tem uma história lendária.

Filho de camponeses, Lao Tsé trabalhou como faxineiro do arquivo real de


sua cidade, o que lhe deu muito conhecimento através da leitura de vários livros.
Assim permaneceu ele até os 90 anos de idade, quando abandonou o emprego
por causa da corrupção de seus superiores. Ao tentar abandonar a província, foi
reconhecido por um guarda, que só o deixou partir após escrever seu livro ali
mesmo, na estrada. Após sua partida, nunca mais se ouviu falar dele.

FIGURA 34 – LAO TSÉ

FONTE: Disponível em: <http://daysemauller.wordpress.com/


2009 /09/13/um-pouco-de-historia-2/>. Acesso em: 2 nov. 2009.

Assim como Confúcio, Lao Tsé não elaborou uma religião, nem foi essa
sua intenção. Seus pensamentos são bastante próximos aos de Confúcio, com a
diferença de que, para ele, o conceito de Tao, como força motriz do universo, tem

106
TÓPICO 3 | AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

um papel mais divino que no confucionismo. Para Lao Tsé, Tao não pode ser
descrito pelos homens, pois qualquer descrição do divino será falsa e não terá
elementos que demonstrem a realidade desta força.

No tocante à vida social, o taoísmo prega a passividade ao invés de


atividade. Pode parecer estranho para nós, ocidentais, mas o melhor que um
taoísta pode realizar é a não atividade, ou seja, não realizar nada. Neste ponto, o
taoísmo difere muito do confucionismo, pois, como vimos, através da educação
era possível melhorar a vida das pessoas. Para Lao Tsé, o homem deveria continuar
na ignorância como uma criança ingênua. Para Confúcio, a administração deveria
ser rígida, ao passo que para Lao Tsé toda a administração é má. Se o alvo é a não
ação, então a caridade não faz sentido para o taoísta, embora sejam cordiais e até
realizem boas obras, independentemente se a pessoa for boa ou má.

Da mesma maneira como vimos no caso de Confúcio, foram os seguidores


de Lao Tsé que elaboraram uma religião baseada no ensino de seu mestre. Porém
adicionaram um ingrediente a mais nos pensamentos de Lao Tsé: o misticismo.
Como o povo asiático estava completamente acostumado com ritos de feitiçaria,
culto a mortos, demônios e forças da natureza, estes elementos foram inseridos
no culto taoísta. Um exemplo deste sincretismo asiático era a ideia de Lao Tsé
de que quanto mais “inativo” alguém ficasse, mais longevidade teria. A partir
desta ideia, seus seguidores passaram a misturar estes conceitos filosóficos com
rituais de feitiçaria para encontrar o elixir da vida. Foi neste amálgama religioso
que surgiu o símbolo máximo do taoísmo, o Yin-Yang, antigo símbolo dualista
que representa a força positiva (bem) e a força negativa (mal). Com o passar do
tempo, os pensadores chineses desenvolveram muitas teorias a respeito deste
símbolo, mas a mais conhecida é a que atribui o lado negro da esfera como o
mundo material e o lado branco como o mundo espiritual. Os pingos em cada um
dos lados representam o elo de ligação entre ambos os universos, mostrando que
estão conectados entre si. Na Idade Média, diversas seitas dualistas surgiram em
solo europeu com ideias muito próximas às filosofias orientais, sendo todas elas
subjugadas pela igreja cristã.

FIGURA 35 – YIN-YANG

FONTE: Disponível em: <lastregga.blogspot.com/2009_03_01_


archive.html>. Acesso em: 2 nov. 2009.

107
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

4 XINTOÍSMO
O xintoísmo é uma religião sem fundador, pois existe desde a antiguidade
da nação japonesa sem este nome, ou regras e normas para seus seguidores.
Passou a se estruturar apenas após o século VI de nossa era devido à concorrência
com o budismo, muito embora seja possível perceber, como nas outras religiões
asiáticas, a utilização de elementos de outras religiões pelos japoneses. Este povo
sempre teve uma visão de mundo onde os mortos habitam em meio aos vivos,
logo, o xintoísmo é a religião que pode ser definida, de maneira simplificada,
como o culto aos antepassados. É por essa razão que é tão importante para o povo
japonês ter filhos homens, pois é responsabilidade deles a de realizar as orações
em memória aos mortos da família e oferecer as oferendas rituais determinadas.
Estes espíritos cultuados pelos japoneses recebem o nome de Kami.

Para os japoneses xintoístas, os mortos e os vivos possuem uma relação de


interdependência: os mortos têm necessidades dos vivos, por isso as oferendas e o
extremo respeito que eles têm pelos idosos, que possuem uma posição privilegiada
na sociedade, bem como os vivos dependem dos mortos, que podem realizar
boas ou más ações aos vivos, dependendo da maneira como forem tratados.

Como o Japão é uma ilha que permaneceu praticamente isolada por muitos
séculos, os japoneses criaram uma mitologia de sua criação, onde um casal de
deuses criou o Japão. O elemento mais importante neste contexto era a adoração
à figura do imperador japonês que perdurou até meados do século XIX. Após
a Segunda Guerra Mundial, com a avassaladora derrota do Japão pelas forças
aliadas, o imperador japonês Hiroito declarou esta “divindade” do imperador
como falsa e aboliu o xintoísmo do governo japonês como religião estatal.

FIGURA 36 – TEMPLO XINTOÍSTA NO JAPÃO

FONTE: Disponível em: <http://www.ceap.g12.br/projetos2002/


Pagina2B/CarolineFrancisRachel/PaginaGeo/japareligio.htm>.
Acesso em: 2 nov. 2009.
108
TÓPICO 3 | AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

O templo xintoísta não é um lugar para pregações. É o local onde um kami


habita e onde ele é cultuado através de certos rituais religiosos. Para um xintoísta,
existem quatro aspectos fundamentais do culto: purificação, sacrifício, oração e
refeição sagrada.

UNI

Quando você lê sacrifício, entenda oferenda de alimentos, dinheiro ou bebidas.


Além das festividades de caráter religioso que acontecem em datas especiais e consideradas
sagradas, estas atividades podem ser danças, lutas ou teatro, por exemplo.

5 HARE KRISHNA
Esta seita derivada do hinduísmo é de certa forma recente, fundada em 1896.
Krishna é uma das encarnações do deus Vishnu (avatar), mais especificamente,
sua figura humana.

UNI

Se você não lembra mais a nossa conversa a respeito da trindade hindu, sugiro
que volte ao Tópico 1 desta unidade de ensino.

Para os Hare Krishna, que quer dizer “salve Krishna”, este é o verdadeiro
deus e não Brahma, como no hinduísmo tradicional. Seu livro sagrado é o
Bhagavad-gita e nos outros conceitos doutrinários são muito semelhantes aos
hindus quanto ao sistema de castas, a lei universal do Karma e, portanto, creem em
reencarnações. O ponto interessante nesta seita é que, diferentemente dos hindus,
os Hare Krishna recrutam adeptos nas ruas das grandes cidades ocidentais, e
se sustentam da venda de incensos e livros. Este é um elemento novo dentro
das religiões orientais que não possui apelo à pregação de suas doutrinas, como
verificamos no cristianismo e no islamismo, por exemplo.

6 VARIAÇÕES DO BUDISMO TRADICIONAL

109
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

6.1 BUDISMO TIBETANO


O Tibet é uma região geograficamente privilegiada, por ser praticamente
inacessível. Isso permitiu que o budismo se desenvolvesse de maneira distinta
do que ocorreu na China como um todo. Esta região tinha uma religião ancestral
denominada Bon, que prestava culto aos mortos, animais, elementos da natureza,
através de rituais sangrentos de oferendas e sacrifícios com elementos de feitiçaria.
Estes rituais foram incorporados pelo budismo tibetano, porém na superfície
prevalece o budismo. Como é uma religião bastante singular, não é possível ter
acesso a todos os elementos rituais internos desta variação do budismo.

UNI

Quando se fala em feitiçaria, o que lembramos imediatamente são as bruxas e


os caldeirões cheios de objetos bizarros, buscando o malefício de alguém. Seria interessante
explicarmos como essa imagem chegou até nós, mas cremos que isso ficará para um outro
momento. Etimologicamente, feitiçaria significa, segundo a Wikipédia: O termo grego usado
para feitiçaria é farmakía, que significa “drogueadores”, no sentido de preparadores de drogas
com fins terapêuticos a partir de plantas. Para além da intenção de curar, os feiticeiros também
usavam drogas para induzir estados alterados de consciência para ascender ao mundo dos
espíritos. Uma visão mais correta do que desejamos passar a vocês seria a de um druida ou
alquimista que de uma bruxa.

Os elementos que conhecemos são as rodas de oração, os tambores


característicos e os terços com 108 contas, utilizados para as orações. Foi possível
conhecer o budismo tibetano, também conhecido como lamaísmo, devido à
invasão do Tibet pela China em 1959, levando seu líder maior, o dalai-lama, a
buscar refúgio em outros países. Hoje o líder é considerado o chefe de Estado do
Tibet e visita diversas nações contando o que ocorre no Tibet e difundindo sua
doutrina.

O ponto de maior divergência entre o budismo tibetano e o tradicional


está relacionado à figura do líder. Para o budismo, o Buda atingiu o Nirvana não
reencarnando mais, como já vimos. Já para os tibetanos, o líder é a reencarnação
de Buda. Quando um dalai-lama morre, os líderes escolhem uma criança que
tenha, segundo critérios misteriosos, a alma de Buda reencarnado, e essa criança
passa a ser o novo líder máximo dos monges tibetanos.

110
TÓPICO 3 | AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

6.2 O ZEN-BUDISMO
O zen-budismo segue a linha Mahayana do budismo e esperamos
que você se lembre da diferença entre a linha Theravada e a Mahayana. Caso
contrário, dê uma olhadinha no Tópico 2 de seu caderno de estudos. Zen
significa meditação e o elemento que mais o diferencia do budismo tradicional
é o foco na iluminação de Buda ao invés dos ensinamentos de Buda. Para os
zen-budistas, “mais importante que o dedo que aponta o caminho, é o caminho
que ele aponta”. Disponível em: <http://www.nossacasa.net/shunya/default.
asp?menu=1270>. Acesso em: 20 ago. 2016.

Ritualmente, eles atribuem muita importância à meditação e, ao contrário


das demais linhas de pensamento budista, a experiência do Nirvana não é tão
complexa e penosa para se atingir. Pode acontecer na meditação ou em uma
experiência mundana, como no trabalho ou junto à família, por exemplo.

Para eles, a melhor explicação que se pode ter da vida é vivê-la ao invés de
criar inúmeras teorias e regras a serem seguidas. Neste sentido, os zen-budistas
têm uma atitude bastante positiva com relação à vida, algo inaceitável ao budismo
tradicional.

7 SEICHO-NO-IE
A definição no site da Seicho-No-Ie do Brasil é a seguinte:
É um ensinamento de amor que prega que o ser humano é filho
de Deus, que o mundo da matéria é projeção da mente e, também,
nos revela qual é a nossa verdadeira natureza. É uma filosofia que
transcende o sectarismo religioso, pois acredita que todas as religiões
são luzes de salvação que emanam de um único Deus. (Disponível em:
<http://www.sni.org.br/>. Acesso em: 2 set. 2016.)

Fundada em 1930, por Masaharu Taniguchi, no Japão, pode ser considerada


tanto como uma filosofia de vida como uma religião. Com diferentes biografias a
seu respeito – algumas controversas, apontando para uma vida desregrada e que
procurou seu caminho na meditação e estudo do budismo no Japão, durante o
período da Primeira Guerra Mundial –, Masaharu baseou a filosofia Seicho-No-Ie
em uma sutra budista que diz: “Não existe matéria, como não existem doenças:
quem criou isso tudo foi o coração... Segue-se disso que a doença pode ser curada
com o coração...”. (CAMARGO, 2012, p. 10).

111
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

DICAS

Quer dizer que para Masaharu e seus seguidores a matéria não existe? Assista
ao filme Matrix, que mostra um pouco deste princípio em seu enredo. É considerado um
clássico da cultura Pop de 1999, produzido pelos irmãos Wachowski. Eles utilizam elementos
da cultura ocidental e oriental com referências claras a esta filosofia de que a matéria não
existe, mas é uma projeção da realidade.

FIGURA 37 – CAPA DE MATRIX (MAIO DE 1999)

FONTE: Disponível em: <https://filmow.com/matrix-t6756/>. Acesso


em: 10 ago. 2016.

Voltando para o nosso assunto, a partir deste texto budista, o fundador


da Seicho-No-Ie elabora sua leitura desta realidade com a máxima: “Não existe
matéria, mas existe a realidade” (jisoô) e “Você é a realidade, você é Buda, você é
Cristo, você é infinito e inesgotável”. (TANIGUSHI, 2012, p. 95.)

Claro que estas afirmações são muito contrárias àquelas que estudamos na
Unidade 1 de nosso trabalho com os povos do Livro. Taniguchi utilizou elementos
de introspecção psicológica com fenômenos psíquicos para promover a cura de
doentes através da autossugestão, ganhando adeptos e tornando-se bastante
requisitado para palestras e estudos no mundo ocidental. Esta notoriedade
favoreceu a presença da filosofia Seicho-No-Ie no Brasil, que contém locais de
reunião espalhados por todo o país.

112
TÓPICO 3 | AS RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

FIGURA 38 – MATAHARU TANIGUCHI

FONTE: Disponível em: <http://sni.org.br/>. Acesso em: 10 ago. 2016.

Para entendermos de que forma a Seicho-No-Ie consegue ter adesão em


localidades geográficas distintas é necessário verificar o elemento inter-religioso
presente em sua doutrina. Segundo o site no Brasil com relação aos adeptos que
possuam uma religião, lemos: “Existem pessoas que, mesmo já sendo adeptas de
uma religião e frequentando assiduamente suas atividades, sentem-se muito bem
e felizes ao entrar em contato com os ensinamentos da Seicho-No-Ie, que por sua
vez recebe, com muito amor e carinho, todas as pessoas, sem nenhuma restrição”.
FONTE: Disponível em: <http://www.sni.org.br/oque.asp>. Acesso em: 20 ago. 2016.

A doutrina coloca-se como um apoio adicional para o fiel de outra


realidade religiosa, estratégia utilizada por outros grupos, como a maçonaria, por
exemplo.

8 IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL – JOHREI


Esta expressão religiosa surgiu no Japão, em 1935, com Mokiti Okada e
chegou ao Brasil em 1965. Basicamente utiliza a transmissão de energia de um
indivíduo a outro através da imposição de mãos. A experiência é ensinada e outras
pessoas podem aprender os preceitos Johrei. Mantém a mesma premissa Seicho-No-
Ie a respeito da permissão para participar de outras religiões.

113
UNIDADE 2 | RELIGIÕES DO EXTREMO ORIENTE

FIGURA 39 – MOKITI OKADA

FONTE: Disponível em: <http://jinsai.org/english/meishu_sama/


images/imagjins19.php>. Acesso em: 10 ago. 2016.

Os sofrimentos humanos podem ser eliminados através desta imposição


de mãos e meditação.

DICAS

Esta descrição a respeito da metodologia do Johrei lembra outra expressão quase


contemporânea, chamada Reiki, cuja origem data de 1922, no Japão, que utiliza o princípio
da transmissão de energia através das mãos. Citei esta outra filosofia oriental porque ela tem
sido retomada por algumas correntes esotéricas nos dias atuais que retomaram os ensinos de
Mikao Usui, seu fundador. Não é interessante como estes movimentos religiosos são cíclicos?
Dependendo do contexto histórico em que a sociedade esteja inserida, movimentos antes
esquecidos ganham nova força e são adaptados para a linguagem contemporânea!

Existem outras seitas de menor expressão no Oriente, mas que, por


questão de espaço, não serão tratadas neste caderno de estudos.

UNI

Concluímos a segunda unidade de estudo de nossa jornada religiosa. Espero


que você esteja descobrindo muitos conceitos novos que o ajudarão a entender os outros e
no que eles acreditam. Gostaríamos de saber como sua experiência está acontecendo. Você
poderia compartilhar essa experiência? Mande um e-mail para <edumedctba@yahoo.com.
br> e conte qual é a relevância deste estudo até agora para sua formação acadêmica. É muito
importante que você apresente um feedback para medir seu aprendizado! Espero você na
próxima e derradeira unidade, quando mergulharemos na religiosidade brasileira! Até lá!

114
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Além do budismo e do hinduísmo, várias outras religiões derivadas destas


duas surgiram ao longo da História.

• Muitos dos fundadores destas religiões, como Confúcio e Lao Tsé, não criaram
religiões, mas sistemas filosóficos para entender o mundo que os cercava e
como atingir a eternidade.

• Em contexto de crise, como a Revolução Cultural da China, que aboliu as


práticas religiosas e a Segunda Guerra Mundial, que acabou com a crença no
culto ao imperador japonês, as religiões sofrem mudanças e, muitas vezes,
crescem e se expandem para regiões onde não existem conflitos.

• Após a morte dos fundadores, as religiões sofrem complementos de cultos


mais antigos e modificam os ensinamentos através de um sincretismo religioso,
como no budismo tibetano e no taoísmo.

• O elemento mais importante no xintoísmo é o culto aos antepassados.

• Duas expressões religiosas que ganharam força no Brasil ao longo do século


XX foram a filosofia Seicho-No-Ie e a Igreja Messiânica Mundial Johrei.

• Através das doutrinas religiosas é possível perceber alguns elementos da


sociedade onde estas religiões possuem influência.

115
AUTOATIVIDADE

Esta unidade de estudos é um desafio à nossa mente ocidental. Muitos conceitos


tratados aqui nos parecem muito estranhos, por estarem muito distantes de
nossa cultura, que foi sedimentada sobre o judaísmo e o cristianismo em
grande medida.

Neste tópico tratamos de diversas expressões religiosas oriundas em grande


parte do Japão e da China. Releia o texto do tópico, analise o gráfico a seguir,
que mostra a idade dos praticantes do Budismo no Brasil, e responda às
questões propostas:

ETÁRIO DOS PRATICANTES DO BUDISMO NO BRASIL

FONTE: Disponível em: <http://istoe.com.br/156867A+CRISE


+DO+BUDISMO+NO+BRAIL/>.Acesso em: 10 ago. 2016.

1 Observando o quadro relativo ao budismo no Brasil, analise o panorama de


crescimento destas religiões de cunho oriental. Como acontece o crescimento
destas religiões longe dos centros de origem?

2 Comente a respeito da razão pela qual as filosofias religiosas Johrei e Seicho-


No-Ie conseguiram alcançar presença no Brasil em localidades onde outras
linhas religiosas semelhantes não conseguiram esta mesma presença.

3 Cite os dois movimentos apresentados como variações do budismo


tradicional e quais são seus principais elementos.

4 Qual é o elemento central no xintoísmo?

5 Por que o laoísmo e o confucionismo podem ser considerados como sistemas


filosóficos ao invés de religiões?

116
UNIDADE 3

RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade você será capaz de:

• verificar como a História do Brasil pode ser vista através do prisma das
religiões que acompanham o brasileiro ao longo de seus mais de 500 anos
de História;

• conhecer a origem das religiões influentes no Brasil, por exemplo: o espiri-


tismo, a Nova Era, cultos indígenas e afro-brasileiros;

• verificar que mesmo as religiões tradicionais, como o catolicismo e até


mesmo alguns cultos neopentecostais, apresentam elementos sincréticos
com outras religiões;

• entender a origem da tolerância religiosa que ocorre no Brasil, o que per-


mite até que exista sincretismo inter-religioso;

• conhecer a origem do discurso ecumênico e seus desdobramentos no Brasil;

• analisar as diferenças e semelhanças entre as religiões, visando a uma


aproximação livre de preconceitos das religiões por falta de conhecimento.

PLANO DE ESTUDOS
Esta Unidade está dividida em quatro tópicos e no final de cada um deles,
você encontrará atividades que o ajudarão a fixar os conhecimentos aborda-
dos.

TÓPICO 1 – AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL OU SERIA


PINDORAMA?

TÓPICO 2 – AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

TÓPICO 3 – OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

TÓPICO 4 – ECUMENISMO

117
118
UNIDADE 3
TÓPICO 1

AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL OU SERIA


PINDORAMA?

1 INTRODUÇÃO
Até o momento estudamos as chamadas grandes religiões da humanidade.
Talvez este seja o momento ideal para explicarmos por que estas religiões são
denominadas “grandes”. Isso ocorre porque, por motivos diversos, elas passaram
por um processo de globalização e disseminação muito intenso. Depois da
chegada em uma nova territorialidade, esta religião precisa ser aceita e conseguir
um lugar no seio das religiões autóctones.

Um grande veículo de disseminação religiosa ocorreu na Idade Moderna


através das chamadas Grandes Navegações, que cristianizaram o continente
americano, incluindo o Brasil. Iniciaremos nosso estudo analisando as religiões
brasileiras, no contexto de seu surgimento, ou seja: A religião indígena, o
cristianismo português e, por fim, as religiões africanas, oriundas do sistema
escravista português no Brasil.

UNI

Vamos perceber ao longo desta unidade que nenhuma religião permanece


inalterada ao modificar seu espaço geográfico. Portanto, o candomblé africano é diferente
do brasileiro, até mesmo o catolicismo brasileiro é diferente do romano em alguns aspectos.

Seguindo nossa aventura pelas religiões brasileiras, nossa segunda


parada será no século XIX, quando, através do processo de imigração em massa,
que ocorreu no Brasil em virtude da abolição da escravatura negra no país em
1888, novas expressões religiosas surgiram em terras brasileiras. Neste processo
dinâmico, não foi apenas a mão de obra que chegou a terras tupiniquins,
mas também os sistemas religiosos dos imigrantes. Foi neste momento que o
espiritismo, a maçonaria e cultos esotéricos chegaram e foram modificados de
acordo com a nossa realidade cultural. Com o advento da globalização, novas
religiões chegam ao conhecimento dos brasileiros, seja pela TV, seja pela internet,

119
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

seja ainda por filmes de Hollywood, que trazem modismos que envolvem e
aguçam a curiosidade dos jovens a respeito da religião por trás do filme. Por fim,
faremos uma discussão sobre o movimento ecumênico e como este movimento
influencia as tentativas de diálogo inter-religioso.

UNI

Se algum dos termos desta introdução não ficou claro para você, caro
acadêmico, não se preocupe, analisaremos cada um deles em seu contexto.

2 OS CULTOS INDÍGENAS
Às vezes podemos ter a impressão de que o Brasil sempre foi católico,
porque em nossos livros de história começamos a estudar a partir da chegada
dos portugueses em 1500. Porém, não podemos nos esquecer de que antes da
presença europeia esta terra já era povoada por diversas nações indígenas com
uma história milenar, além de uma diversidade cultural e religiosa muito grande.
Não podemos ter a mesma impressão de Pedro Álvares Cabral, que acreditava
que todos os habitantes eram iguais. Não é possível determinar ao certo o número
exato de nações indígenas, por não existirem registros escritos sobre sua história.
Eles utilizavam a transmissão oral para sua tradição. Com o extermínio indígena
a partir de 1500, seja por assassinato, escravização ou por doenças para as quais
eles não tinham imunidade para se proteger, o conhecimento de muitas nações
indígenas se perdeu no tempo e no espaço.

UNI

Entre as principais tribos indígenas brasileiras em 1500, podemos citar: os


tupi-guarani, os jê, os aruak, os karib, os pano, os tukano, os carrua, além de outros grupos
diversos. O próprio nome “índio” é uma denominação europeia e não como os autóctones
se conheciam.

3 HISTÓRIA
Com o tempo, os portugueses dividiram os índios em dois grupos: o
povo tupi e o povo tapuia. O povo tupi era todo indígena que habitava o litoral
brasileiro, e o povo tapuia, todas as tribos que habitavam o interior do continente.

120
TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL OU SERIA PINDORAMA?

Um detalhe importante neste sentido não deve ser esquecido: a representação


indígena pelos portugueses. Como os tupis eram amistosos em relação aos
portugueses, eram representados vestidos com uma feição quase europeia,
enquanto os tapuia eram representados mais selvagens e nus. Tire suas próprias
conclusões com as figuras a seguir:

FIGURA 40 – MULHER TUPI E HOMEM TUPI

121
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

FIGURA 41 – HOMEM E MULHER TAPUIA

FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-877520080002000


16&script=sci_arttext>. Acessado em: 10 ago. 2016.

4 RELIGIOSIDADE INDÍGENA
Com relação à religiosidade indígena, precisamos resgatar alguns valores
que praticamente não existem mais em nossas sociedades, como a vida em
comunidade e a prioridade na família em detrimento de qualquer outra coisa.
Diversos rituais que aos nossos olhos podem parecer sem sentido e arcaicos,
mostram a posição que a família representa no culto indígena.

Uma figura comum utilizada pelos antropólogos europeus para denominar


a figura do líder religioso indígena em geral é o xamã. Esta figura é responsável
por todos os rituais espirituais do grupo, bem como o principal conselheiro dos
líderes da aldeia. Uma figura de grande autoridade entre toda a tribo. No Brasil,
a nomenclatura que se atribui ao xamã é a palavra tupi pai’é, que em português
se escreve pajé.

Para entendermos a função do pajé, precisamos entender como funciona


a cosmogonia das sociedades tribais, neste sentido, as mesmas atribuições das
tribos africanas que estudaremos na sequência.

122
TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL OU SERIA PINDORAMA?

Para as sociedades tribais, a família é o elemento fundamental. Mais


importante que uma estrutura organizada com fronteiras e governos, é uma
unidade familiar, entre os vivos e entre os mortos. Para os indígenas, os membros
da família que vêm a falecer continuam a fazer parte do contexto familiar, agora
como espíritos, e auxiliam a tribo no tocante à comunicação com os deuses e
na proteção contra as pragas e problemas ambientais. Neste sentido, o culto aos
antepassados é uma prática comum entre os indígenas. Os espíritos dos mortos
continuam interferindo nas práticas do dia a dia e, se não forem lembrados e
recompensados, podem causar doenças e até mesmo a morte de indivíduos.

UNI

As doenças e problemas do dia a dia são atribuídos a espíritos e o papel


fundamental do pajé é o de promover a cura através do ritual certo para cada tipo de espírito.

Como acontece a cura em um ritual xamânico? O pequeno extrato abaixo


foi retirado de um estudo antropológico onde pesquisadores, convivendo no
contexto tribal, presenciaram rituais de cura xamânica no Maranhão:

Os pajés preferem curar à noite, uma das razões é que assim garantem
uma audiência, o que seria difícil durante o dia, quando muitos estão para as
roças. O pajé inicia a cura cantando as canções daquele sobrena­tural que o seu
inquérito leva a considerar como provável. Acompanha a si mesmo, marcando
o ritmo da canção com uma batida forte de pé chacoalhando o maracá. Dança
em volta do paciente; em geral, a família deste e alguns dos circunstantes o
acompanham. A esposa ou um ajudante preparam-lhe os cigarros feitos de
folhas de fumo enroladas em fibra de tawari. Um ajudante toma o maracá e o
pajé preocupa-se daí por diante com a cura propriamente dita. Chupa repetidas
vezes no cigarro para soprar a fumaça em suas mãos ou no corpo do paciente.
Afasta-se para um lado e chupa no cigarro até que, meio tonto, recua de súbito
e leva as mãos ao peito, o que indica ter recebido o espírito em seu corpo. Sob
a influência do espírito o pajé comporta-se de maneira peculiar. Se é es­pírito de
macaco, por exemplo, dança aos saltos, gesticula e grita como esse animal. O
transe se prolonga enquanto o espírito está forte. Algumas vezes o espírito ‘vem
forte demais’ e ele cai ao chão inconsciente. É durante o transe, enquanto está
possuído pelo espírito, que o pajé cura” (cf. Wagley & Galvão, 1961).

FONTE: Revista de Antropologia da USP e encontra-se disponível no site


< http://www.usp.br/revistausp/67/01-laraia.pdf>.

123
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

O pajé dentro desta cosmogonia é o elo entre os homens e os deuses


ou espíritos, por esta razão é o homem mais respeitado dentro das sociedades
indígenas. Algumas tribos brasileiras adotavam a prática da antropofagia ou
canibalismo, que tem sido muito mal interpretada pelo senso comum. O objetivo
principal da antropofagia era o de, através da alimentação do corpo físico de
alguém, adquirir todas as qualidades e forças do corpo. Os pajés são também
pessoas com grandes conhecimentos das ervas nativas e conhecem características
medicinais das plantas autóctones.

Através do conhecimento de ervas são realizados rituais conhecidos como
pajelança, que consistem em, pela ingestão de bebidas fortes, provocar uma
espécie de transe espiritual e a partir de então receber a visitação de espíritos e as
respostas para os anseios pessoais e coletivos. A eficácia e o potencial alucinógeno
são estudados pelas autoridades sanitárias, porém o consumo destas substâncias
para fins ritualísticos é permitido pelo governo brasileiro.

UNI

Todo este sistema religioso que o professor explicou até agora se aplica para
tribos que ainda não sofreram influência do “homem branco”, o que hoje, segundo o site
Brasil Sustentável, resulta num número de 67 tribos, apenas. Portanto, a maioria das tribos
indígenas está até certa medida integrada ao contexto brasileiro e por isso sofre o processo
de aculturação e sincretismo com o cristianismo, principalmente. Movimentos de resgate
da cultura indígena surgem em nosso tempo buscando remontar traços desta cultura
praticamente extinta. Uma destas iniciativas é a série de pequenos programas denominados
ABC da Amazônia, que mostram diversas faces da realidade amazônica, entre elas a cultura
indígena. Você pode assistir a estes vídeos no site disponível em: <http://www.globoamazonia.
com/amazonia/0,,mul937605-16052,00-abc+da+amazonia+confira+todos+os+programetes
+ja+exibidos+da+serie.html>.

Talvez o exemplo mais famoso deste sincretismo indígena com o


catolicismo seja a religião do Santo Daime. Surgiu no início do século XX, através
de um neto de escravos que diz ter recebido a revelação da religião de cunho
cristão com a utilização da bebida indígena Ayahuasca, que recebeu o nome
no Brasil de Santo Daime. De acordo com as origens da religião, seu fundador,
Mestre Irineu, recebeu a revelação de Nossa Senhora da Conceição em uma das
primeiras vezes que tomou a bebida na década de 30 do século passado. Todo o
culto daimista é norteado por hinos compostos pelo Mestre Irineu que propôs,
segundo o site oficial do culto ao Santo Daime <http://www.santodaime.org/
origens/index.htm>, uma nova leitura dos Evangelhos segundo o Santo Daime. O
próprio termo Daime tem origem nas petições de Mestre Irineu a nossa Senhora,
como: Dai-me amor, Dai-me luz, Dai-me compreensão etc.

124
TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS RELIGIÕES DO BRASIL OU SERIA PINDORAMA?

FIGURA 42 – MESTRE IRINEU, FUNDADOR DO SANTO DAIME

FONTE: Disponível em: <http://www.casadecuraris.com.br/event-items/


passagem-mestre-irineu-2016/>. Acesso em: 10 ago. 2016.

A religião daimista tem alcançado certa divulgação na mídia através do


interesse despertado no público estrangeiro, em especial os norte-americanos e
europeus. Após a morte de Mestre Irineu, outros mestres têm se levantado para
continuar o trabalho de divulgação do culto. Algumas pessoas ficam na floresta
fazendo parte de uma comunidade alternativa que tem o objetivo de uma vida
mais espiritualizada e mais próxima à natureza. Este processo também pode ser
reconhecido nas comunidades alternativas de cunho esotérico que existem na
região Centro-Oeste brasileiro.

Na leitura complementar deste tópico, retirado do site oficial do Santo


Daime, vamos conhecer um pouco mais da ritualística litúrgica deste culto
sincrético, genuinamente brasileiro.

125
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

LEITURA COMPLEMENTAR

O QUE É NOSSA RELIGIÃO?

O culto eclético da fluente luz universal é um trabalho espiritual, que tem


como objetivo alcançar o autoconhecimento e a experiência de Deus ou do Eu
Superior Interno. Para tanto, se utiliza, dentro de um contexto ritual tido como
sagrado, da bebida enteógena sacramental, conhecida como ahyausca e que
foi rebatizada pelo Mestre Irineu como Santo Daime. O uso de uma substância
enteógena como sacramento parece ter feito parte das principais tradições
religiosas da antiguidade e fornecido a base visionária de muitas das principais
grandes religiões hoje existentes no mundo.

Nosso culto litúrgico, que se resume em comungar, nas datas apropriadas,


a bebida à guisa de sacramento, se denomina Eclético, por que suas raízes estão
impregnadas de um forte sincretismo entre vários elementos culturais, folclóricos
e religiosos. O uso do sacramento Santo Daime é realizado nas datas do seu
calendário festivo, obedecendo às regras rituais que foram estabelecidas pelo
Mestre Irineu e pelo Padrinho Sebastião.

Um Conselho Espiritual dirige a Igreja e zela pela manutenção da tradição


e dos princípios, ao mesmo tempo que procura adequá-las aos novos contextos.
As principais festas do calendário religioso são os Hinários e os Feitios. Hinários
são 12 horas seguidas de cânticos e bailado em torno de uma estrela de seis pontas,
ao som de diversos instrumentos e maracás. Feitios são as festas de produção
do sacramento, quando toda a comunidade se mobiliza para fazer a bebida
sacramental, que será consumida durante o calendário de trabalhos do ano.

Outro elemento importante da espiritualidade daimista elaborada por


Padrinho Sebastião foi a comunidade. A comunidade se constitui no ponto de
referência comum para o trabalho espiritual de todos os membros. É a ela que devem
retornar todas as boas aquisições que fazemos no nosso aprendizado espiritual.

A Doutrina do Santo Daime ou a Doutrina do Mestre Irineu, como também


é identificada, nasceu dentro da floresta, brotou no seio do seu povo, uma gente
muito humilde e digna. A sua mensagem, que se encontra reunida na forma de
coleções de hinos recebidos pelos mestres e adeptos, prega o amor pela natureza
e consagra o mundo vegetal e todo o planeta como sendo o cenário sagrado da
nossa mãe-terra.

Nosso trabalho mantém, portanto, vínculos muito profundos com a floresta


e pela causa da sua preservação. Isso chega a ser uma questão de fundamento
espiritual. Para desenvolver essa parte social e ambiental do trabalho da nossa
Igreja na Amazônia, foi criado o Instituto de Desenvolvimento Ambiental
Raimundo Irineu Serra, que se empenha hoje em gerir e buscar parcerias para
projetos de desenvolvimento autossustentável, numa região de quase 200.000 ha
de florestas, pertencentes à Floresta Nacional do Purus, onde estamos assentados
há cerca de 16 anos.
FONTE: Disponível em: <http://www.santodaime.org/site-antigo/doutrina/oquee.htm>. Acesso
em: 16 ago. 2016.
126
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• A cultura indígena no Brasil é muito anterior à presença portuguesa em nossas


terras.

• A cosmogonia indígena leva em consideração o culto aos espíritos, sejam eles


antepassados da tribo ou forças da natureza.

• O elemento-chave na religião indígena é o pajé e sua principal função é a de


trazer a cura para as doenças que, segundo a crença geral, são originadas pelos
espíritos.

• O pajé é, ainda, o porta-voz entre o mundo dos homens e o mundo dos espíritos.

• Com a expansão do território e da ocupação das terras brasileiras, os indígenas


passam a se integrar à sociedade brasileira no sentido religioso, inclusive.

• O maior exemplo deste sincretismo e o mais famoso é a religião do Santo


Daime, que envolve elementos católicos, indígenas e esotéricos.

127
AUTOATIVIDADE

QUESTÃO ÚNICA: Destaque as principais diferenças do sistema de valores


indígenas e dos “homens brancos”. Enfocamos algumas características do
sistema indígena neste tópico, descubra se existe relação entre o sistema
religioso predominante e a sociedade brasileira: o que é importante para nossa
sociedade? Com estas informações, procure verificar se o sistema religioso que
predomina em nossa sociedade permite os elementos que são importantes
para ela.

128
UNIDADE 3
TÓPICO 2

AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

1 INTRODUÇÃO
Você deve se perguntar por que não falamos do cristianismo brasileiro
antes de iniciar nosso tópico sobre as religiões afro-brasileiras? Você deve
lembrar-se da disciplina de História da Igreja no Brasil, que você já concluiu
há bastante tempo. Abordamos tudo o que era necessário para o estudo do
cristianismo brasileiro, tanto católico quanto protestante, naquela ocasião. Neste
novo trabalho vamos focar no que ainda não conhecemos.

Escrever a respeito de religiões como Umbanda e Candomblé não é uma


missão muito simples, na medida em que existe todo um preconceito relativo a
estas religiões, sendo que grande parte deste preconceito é oriundo de algumas
denominações protestantes, de modo especial as pentecostais e neopentecostais,
que utilizaram de uma estratégia maniqueísta entre bem e mal para separar os
trabalhadores de Deus dos trabalhadores das trevas. Uma verdadeira Cruzada
contra as religiões afro-brasileiras começou a ocorrer na década de 80 do século
passado, de maneira a estigmatizar os participantes destes grupos religiosos.

Lembrando mais uma vez que não expresso aqui minha opinião a
respeito de qualquer religião, para que você possa realizar uma leitura isenta
de parcialidade. Um dos jargões do protestantismo é que Deus odeia o pecado,
porém ama o pecador. Por que o homem pode ousar realizar algo diferente,
decretando o julgamento das religiões afro?

129
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

UNI

É importante analisarmos se também nós, futuros pensadores e intelectuais da


religião e da teologia, por vezes não nos tornamos maniqueístas (dividimos o mundo e as
pessoas em dois grupos distintos: o bem ou o mal ou os de Deus e os do diabo, por exemplo).
Creio que para os cristãos que porventura estiverem lendo este caderno de estudos, a atitude
de Jesus em buscar os pecadores sem jamais julgá-los pelo que faziam, porém mostrando
um caminho alternativo para aqueles que tinham uma vida sem ética ou moral, seria um
bom exemplo de como devemos nos portar.

2 HISTÓRIA
Não é muito fácil determinar a origem distante das religiões oriundas do
continente africano, devido à falta de registros escritos sobre sua história. Muito do
que sabemos hoje dos povos africanos chegou até nós por via oral, ou seja, através
do relato da geração mais antiga para a subsequente. A análise destas religiões é
algo recente, portanto. Durante o século XX, antropólogos e sociólogos utilizaram
métodos científicos modernos para desvendar as origens destes grupos religiosos
que chegaram até nós com a vinda dos escravos africanos ao Brasil. Este elemento
de transmissão oral dos conhecimentos facilita o sincretismo religioso, na medida
em que, de uma geração para outra, os conhecimentos podem ser alterados.
Na África Moderna, rituais têm sofrido mutações com o islamismo, na mesma
proporção que aqui no Brasil as religiões afro-brasileiras sofreram mutações com
o catolicismo romano.

O contexto africano, no período do Descobrimento do Brasil, era tribal.


Quando dizemos “tribal”, queremos dizer que não existiam países ou nações
africanas, apenas grandes tribos que tinham afinidade ou animosidade entre si.
Neste ponto, os africanos modernos (do século XVI) se assemelham à maneira
como analisamos o sistema indígena brasileiro, onde a tribo envolve as famílias
e não apenas os membros vivos, os mortos também continuam a fazer parte do
cotidiano, como um espírito que vive à parte, pairando sobre a sociedade para
lembrá-los de seguir os preceitos antigos. Os vivos têm a obrigação de preservar
a organização da tribo e isso é obtido através da observância das regras impostas
pelos antepassados, e nisto incluem-se os sacrifícios aos mortos e aos espíritos
familiares. Caso uma família acabe, a conexão que existe com os mortos ancestrais
é cortada e eles deixam de pairar por sobre a Terra. Neste sentido, é importante
manter a tradição, mesmo que a situação mude drasticamente, como no caso
dos escravos deportados da África para o Brasil. O líder da tribo é o chefe ou o
rei, além de chefe político, ele detém o poder religioso no sentido de interceder
entre os espíritos e oferecer os sacrifícios. É ele quem faz o papel do pajé, no caso
indígena brasileiro. Isto é possível, pois a fronteira entre a vida moral, política e
religiosa é bastante difusa, sendo o rei o porta-voz entre os vivos e os mortos.

130
TÓPICO 2 | AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Cada tribo possui um sistema próprio de crenças, mas, de maneira geral,


todas elas creem num deus supremo, embora cada tribo apresente um nome
próprio e pessoal para ele. Algumas lendas africanas contam que existia uma
forte ligação entre este deus supremo e o homem, mas que um dia esta ligação foi
rompida. Os homens só recorrem ao deus supremo em ocasiões especiais, no dia
a dia eles preferem acessar os espíritos e deuses menores, que normalmente estão
associados a fenômenos da natureza, como chuvas, raios, florestas etc.

Na sociedade africana antiga, os “Nganda” são os curandeiros considerados


doutores ou médicos pela tribo. Eles auxiliam no tratamento homeopático das
doenças, além de acompanhar o tratamento físico com amuletos e rituais mágicos.
Para eles, as doenças podem ter sua origem através da chamada magia negra,
que nada mais é do que utilizar os espíritos ancestrais para prejudicar ou atacar
algum desafeto. Os Nganda utilizam outros espíritos para anular o poderio
mágico destes seres sobre os humanos.

Além dos Nganda, existem os adivinhos, que possuem a habilidade de


decifrar sinais enviados pelo mundo dos espíritos através de várias maneiras,
por exemplo, uma bacia com pequenos ossos ou conchas que de acordo com a
maneira como caem oferece uma leitura que serve de conselho para aquele que
recebe a consulta espiritual. Mostramos, na sequência, dois exemplos do “jogo de
búzios” no Brasil em nossos dias.

FIGURA 43 – JOGO DE BÚZIOS

FONTE: Disponível em: <http://irmavaleria.com/consultas.htm>. Acesso em: 27 nov. 2009.

3 RELIGIÕES AFRICANAS NO BRASIL


Como já dissemos anteriormente, os cultos de origem africana chegaram
ao Brasil no século XVIII, com a vinda dos primeiros escravos, trazidos pelos
portugueses.

131
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

UNI

É comum considerarmos todos os africanos como iguais, mas precisamos


lembrar que aqueles que chegaram ao Brasil eram escravos de guerra na África, nas grandes
lutas tribais que ocorriam no território africano. Os degradantes navios negreiros, verdadeiros
porões da morte onde os escravos eram transportados pelos portugueses, traziam membros
de diversas tribos, cada uma com suas próprias crenças e simpatias. Então não pense que
todos os escravos tinham as mesmas crenças ou eram todos das mesmas regiões da África.
Alguns estudiosos dizem que a maioria dos africanos é de origem banta e sudanesa.

FIGURA 44 – PINTURA RETRATANDO O DIA A DIA EM UM NAVIO NEGREIRO

FONTE: <ttp://www.editoradobrasil.com.br/jimboe/galeria/imagens/index.
aspx?d=historia&a=4&u=3&t=imagemA>. Acesso em: 10 ago. 2016.

O que antes os afastava, ou seja, sua origem divergente na África, passa


agora a uni-los no Brasil, pois todos eram africanos em uma terra estranha. Os
elementos religiosos que não eram compatíveis, agora são esquecidos para que se
aproveite o ponto de união entre as diversas tribos africanas. O problema, neste
sentido, é a rigidez dos senhores de engenho, que os obrigavam ao batismo na
Igreja Católica e seguirem os santos do catolicismo. Não restando muita opção
aos negros, eles se adequaram ao catolicismo e transferiram seus orixás ou
deuses para as imagens dos santos católicos, transformando seu culto num culto
sincrético com o catolicismo brasileiro.

Neste sentido, todas as 16 divindades do candomblé e da umbanda estão


associadas a santos católicos, e entre eles, apenas para pontuar como exemplo, as
cinco maiores são as seguintes:

132
TÓPICO 2 | AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

1 – Iemanjá utiliza a imagem de Nossa Senhora da Conceição.


2 – Iansã utiliza a imagem de Santa Bárbara.
3 – Xangô utiliza a imagem de São Jerônimo.
4 – Ogum utiliza a imagem de São Jorge.
5 – Oxalá utiliza a imagem de Jesus.

FIGURA 45 – IEMANJÁ, IANSÃ, XANGÔ, OXALÁ E OGUM

FONTE: Disponível em: <http://www.xamanismo.com.br/Teia/SubTeia1192578971It001>.


Acesso em: 27 nov. 2009.

No Brasil contemporâneo, embora continuem existindo várias vertentes de


cultos afro-brasileiros, como a quimbanda e o culto vodu, as linhas que possuem
mais adeptos são o candomblé e a umbanda.

133
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

UNI

Você acha que o candomblé e a umbanda são iguais? Este é um erro comum da
comunidade leiga de maneira geral. Ambas possuem elementos em comum, porém existem
algumas diferenças importantes para distinguirmos o culto afro.

O candomblé é o culto aos ancestrais de origem familiar, e a origem da


religião está voltada à alma da natureza. O desenvolvimento do candomblé
ocorreu principalmente após a abolição da escravatura, quando o controle
sobre os negros foi diminuindo de maneira gradual. Embora possa não parecer,
a teologia do candomblé é monoteísta, ou seja, eles acreditam em apenas um
deus supremo que muda de nome de acordo com a região da África de onde os
escravos tenham vindo.

UNI

Aqui no Brasil, as tribos africanas ficaram conhecidas como “nações”. Deste


modo, para a nação Ketu, por exemplo, o nome do deus supremo é Olorum, já a nação
Bantu lhe dá o nome de Zambi e a nação Jeje atribui à divindade o nome de Mawi. Porém,
todas estas nações, ao chegarem ao Brasil, transferiram as atribuições desta entidade ao Deus
católico.

As homenagens oferecidas aos orixás são o reconhecimento do povo pelas


qualidades que possuem. Neste sentido, quando os escravos encontraram um
catolicismo popular no interior do Brasil, onde não havia uma forte presença do
clero católico, que tendia mais para um politeísmo com os santos que para uma
doutrina trinitária cristã, este sistema pôde ser muito bem ajustado à teologia do
candomblé.

Quanto aos rituais, o candomblé não enfatiza a prática das “incorporações”


dos orixás, podendo ocorrer de maneira ocasional, não é a prioridade do culto, no
sentido destas entidades serem forças da natureza que não passaram pela vida,
ou seja, não passaram pela existência humana e, portanto, merecem culto para
que se receba algo em troca e se realize a permuta entre esta dimensão física e a
espiritual.

De maneira resumida, o candomblé tem uma origem milenar e tem o seu


culto ao redor do deus supremo e dos orixás, que são elementos da natureza e,
portanto, não são espíritos de pessoas que morreram, eles sempre existiram.

134
TÓPICO 2 | AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

FIGURA 46 – DISPOSIÇÃO E NOMENCLATURA DOS PARTICIPANTES DE UM CULTO DE


CANDOMBLÉ

Agogô
Participantes Xequerê
Pai-de-santo Rum
Rumpi

Ogum Oxalá Lê

Oxóssi Iemanjâ

Obalualé Nanã

Ossaim Tansã

Oxumaré Oxum
Xangõ

FONTE: Disponível em: <http://www.girafamania.com.br/tudo/religiao_candomble.html>.


Acesso em: 28 nov. 2009.

A umbanda, ao contrário do que se imagina, não surgiu na África, é


uma religião recente de origem genuinamente brasileira. Surgiu no início do
século XX, através de um amálgama religioso que une os elementos católicos,
do candomblé, e de maneira especial, do espiritismo que havia chegado ao
Brasil trazido pelos europeus no século anterior. Existem ainda elementos de
cultos ciganos e esotéricos que fecham este caldeirão religioso. A organização
do culto umbandista é bastante descentralizada, ou seja, quem determina as
regras de como a tenda de umbanda deve funcionar é o pai de santo local. O
primeiro registro em cartório da abertura de uma tenda de umbanda data de
1908. A figura-chave dentro do universo do culto é a figura do “Preto Velho”
ou dos guias, que são os responsáveis pelas informações pertinentes aos pais de
santo de como devem conduzir a tenda. As figuras do “Preto Velho” e dos guias
são, na verdade, espíritos de antigos escravos africanos que chegaram ao Brasil
e aqui morreram. São estes espíritos que incorporam nas sessões de umbanda e,
por esta razão, a multiplicidade do culto dificulta uma padronização do ritual
devido à sua pluralidade cultural e religiosa. A umbanda não é iniciática, como o
candomblé, ou seja, para se tornar um médium que recebe um guia, o postulante,
após algum treinamento, poderá fazer parte da “roda”, caso sejam encontrados
nele as características necessárias para a função. Já no candomblé, os postulantes
são separados e preparados através de rituais longos e complexos que visam “abrir
a visão” para que possam estar mais aptos a receber estes seres e ser instrumentos
e canais para que os orixás possam se comunicar com os demais participantes.

135
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

FIGURA 47 – FOTOGRAFIAS DE CULTO UMBANDISTA

FONTE: Disponível em:<https://i.ytimg.com/vi/9p FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-


_Qg4PSqkA/maxresdefault.jpg> Acesso em: 17 QxXe04gZo-8/Vo6Gi9pwxRI/AAAAAAAAHm4/
mai. 2018. kxIEaQ29IFQ/s1600/umbanda%2Blibras.jpg>
Acesso em: 17 mai. 2018.

FONTE: Disponível em: <https://tepma.files.word


press.com/2015/11/img_6607.jpg> Acesso em: 17
mai .2018.

UNI

Você deve ter notado a grande presença de brancos nos trabalhos do culto de
umbanda retratados acima. Podemos dizer que o acesso à umbanda é mais “democrático”
que o candomblé, que além do elemento religioso, é um foco de resistência à manutenção
da cultura afro-brasileira, muito em voga em nossos dias, onde percebemos que os negros
estão buscando retomar seu espaço na sociedade brasileira.

Além da umbanda e do candomblé, existem ainda várias outras linhas de


culto afro-brasileiro, como a macumba e a quimbanda, e cremos que uma breve
palavra sobre ambas pode auxiliá-lo a entender estas outras vertentes dos cultos
africanos no Brasil.

136
TÓPICO 2 | AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

A palavra macumba é de origem banta (makiumba ou makumba) e


significa “espíritos da noite”. A razão disso é que os rituais devem ser efetuados
durante a noite e fora do terreiro, pois estas entidades seriam espíritos menores,
que não pertencem ao panteão do candomblé e, por esta razão, passaram a ser
vistos como subprodutos ou de maneira pejorativa pelos seus próprios iguais.
A Igreja também passou a condenar abertamente os rituais de macumba, no
sentido de serem efetuados nas ruas e durante a noite, podiam ser vistos por
transeuntes. As acusações da Igreja giravam em torno das bebidas e cigarros
que eram fartamente utilizados nos rituais, além das danças altamente eróticas
que aconteciam nestes rituais, que eram interpretados pelos não iniciados como
orgias sexuais.

A quimbanda seria a religião onde um dos rituais é a macumba. Assemelha-


se muito à umbanda, com a diferença marcante de que, em seus rituais, sacrifícios
utilizando elementos como sangue, pólvora, pertences das pessoas a quem se
quer prejudicar são utilizados, o que já não ocorre na umbanda. A quimbanda
seria o que conhecemos como magia negra e a umbanda a magia branca. No
quimbanda, os elementos adorados são os exus, que são espíritos das trevas, ou
espíritos muito atrasados em relação à evolução natural dos espíritos que, quanto
mais elevados, mais “benefícios” podem trazer para a humanidade. Os exus,
porém, podem ser invocados para fazer o mal às pessoas. No mesmo contexto de
sincretismo que vimos no candomblé com os santos católicos, temos a associação
dos exus com as entidades demoníacas do cristianismo. Nos escravos brasileiros
existiam duas vertentes de pensamento principais: a dos escravos que aceitaram
a evangelização católica de bom grado, misturando os elementos religiosos sem
maiores problemas, e aqueles que não aceitaram a mistura, buscando manter a
essência dos rituais africanos. Alguns estudiosos dizem que as entidades que
incorporam na umbanda são os espíritos da primeira categoria, enquanto que, na
quimbanda, são os da segunda.

Poderíamos falar ainda de vodu, santeria cubana, por exemplo, mas como
sua influência está mais relacionada ao Caribe que ao Brasil, extrapolaria o recorte
deste trabalho de estudo.

137
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• As tradições africanas foram transmitidas oralmente em sua grande maioria.

• A origem das religiões africanas remonta ao período primitivo da organização


da sociedade em tribos.

• A família é a chave para entender o papel dos espíritos ancestrais e seu culto,
em especial a participação dos espíritos no cotidiano das pessoas.

• No Brasil, os cultos africanos sofreram mutações as quais chamamos de


sincretismo religioso, ao se misturar com o catolicismo e formar algo
genuinamente novo.

• Podemos ainda destacar que do candomblé, a religião mais próxima dos cultos
africanos, derivaram outras vertentes, como umbanda, quimbanda e macumba.

• A umbanda é uma religião ou vertente genuinamente brasileira e surgiu do


amálgama entre o candomblé, o catolicismo e o espiritismo.

• A macumba e a quimbanda possuem rituais conhecidos como magia negra,


pela razão de que as funções dos rituais podem também ser utilizadas para
prejudicar outras pessoas.:

• As tradições africanas foram transmitidas oralmente em sua grande maioria.

• A origem das religiões africanas remonta ao período primitivo da organização


da sociedade em tribos.

• A família é a chave para entender o papel dos espíritos ancestrais e seu culto,
em especial a participação dos espíritos no cotidiano das pessoas.

• No Brasil, os cultos africanos sofreram mutações as quais chamamos de


sincretismo religioso, ao se misturar com o catolicismo e formar algo
genuinamente novo.

• Podemos ainda destacar que do candomblé, a religião mais próxima dos cultos
africanos, derivaram outras vertentes, como umbanda, quimbanda e macumba.

138
• A umbanda é uma religião ou vertente genuinamente brasileira e surgiu do
amálgama entre o candomblé, o catolicismo e o espiritismo.

• A macumba e a quimbanda possuem rituais conhecidos como magia negra,


pela razão de que as funções dos rituais podem também ser utilizadas para
prejudicar outras pessoas.

139
AUTOATIVIDADE

Este sem dúvida é o tópico mais polêmico de todo o caderno de estudos,


devido a todo o preconceito que ainda existe em relação aos cultos de origem
africana, pelas razões que já foram aqui citadas. Gostaria de propor, nesta
atividade, que você pudesse redigir um texto (mínimo de 15 linhas e máximo
de 30) sobre como sua visão foi afetada após um estudo científico a respeito
destas manifestações religiosas. Caso você queira compartilhar conosco sua
experiência, mande seu texto para <edumedctba@yahoo.com.br> e terei o
maior prazer em ler e dar uma opinião a respeito de seu posicionamento!

140
UNIDADE 3
TÓPICO 3

OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

1 INTRODUÇÃO
Analisamos, até o presente momento, os três maiores movimentos
religiosos no país: os cultos indígenas e os cultos de origem africanas nesta
unidade, bem como o cristianismo brasileiro no caderno de História da Igreja
no Brasil. Porém, um fenômeno recente importante foi um poderoso veículo
para a chegada de novos movimentos religiosos no nosso país. Este fenômeno
foi a grande imigração de europeus e americanos ao Brasil após a abolição da
escravatura, no final do século XIX. Novas ideias chegaram com eles e marcaram
novas religiões em solo tupiniquim, sobre as quais conversaremos a partir de
agora.

UNI

Não é uma tarefa fácil dividir um grande grupo de religiões com suas
especificidades próprias em um único tópico de ensino.

Iniciaremos nosso estudo com o espiritismo, cujo maior ícone no Brasil é, sem
dúvida, o médium Chico Xavier. Continuaremos analisando um fenômeno recente
no Brasil onde podemos perceber a formação de comunidades alternativas de cunho
esotérico, de maneira especial na região Centro-Oeste do Brasil, além de citar outras
vertentes com presença no Brasil, porém com um raio de influência menor.

É preciso deixar claro, porém, que a presença das religiões tratadas


nas outras unidades de estudo, como o judaísmo, o islamismo, o budismo e o
hinduísmo, é muito marcante no Brasil e atuam em nossa sociedade, porém
não houve um sincretismo nacional, como temos visto até aqui. Desta forma, os
princípios estudados anteriormente ainda valem para o judaísmo brasileiro, por
exemplo.

141
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

2 O ESPIRITISMO
O espiritismo surge oficialmente na França no século XIX, através da
figura de Leon Hippolyte Denizard Rivail, que se autodenominou Allan Kardec
posteriormente. Oficialmente, porque existem relatos anteriores de acontecimentos
mediúnicos nos Estados Unidos, em especial o caso curioso da família metodista
Fox que, ao alugar uma casa para residir com a família, estranhos acontecimentos
ocorreram a partir de então, em especial com as duas filhas do casal: Margarida
e Catarina Fox.

FIGURA 48 – PINTURA DE ALLAN KARDEC

FONTE: Disponível em: <http://blogmais.wordpresscom/2008/08/


10/biografia-allan-kardec/>.Acesso em: 28 nov. 2009.

UNI

Ficou curioso para conhecer a história das irmãs Fox? Infelizmente não temos
espaço para tratar deste caso de protoespiritismo. Caso queira conhecer esta história, acesse
<http://www.espirito.org.br/portal/publicacoes/abc/cap04.html>.

A doutrina espírita apresenta elementos hinduístas e cristãos, ou seja, mais


uma vez vemos a palavra sincretismo na baila, mesmo que seus seguidores não
aceitem isso. O espiritismo está pautado em dois pilares principais: a reencarnação
da alma e a comunicação com os mortos. A reencarnação da alma e sua
consequente evolução é uma ideia que já vimos quando estudamos o hinduísmo,
na Unidade 2, apenas o nome não era alma e sim karma. Cada ser humano possui
um karma que pode evoluir ou não de acordo com as atitudes nesta vida. No caso

142
TÓPICO 3 | OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

do espiritismo, todos os seres humanos possuem uma alma que encarna num
corpo de tempos em tempos. Enquanto a alma está desencarnada, ou seja, sem
um corpo, pode ser acessada através de sessões mediúnicas e transmitir recados
ou trazer a solução para vários problemas emocionais ou mesmo físicos, através
da cura por meio do chamado “passe”, que consiste na imposição das mãos para
os que recebem a direção dos espíritos. Podemos considerar o passe como uma
modalidade leve de exorcismo, onde o objetivo é passar boas energias e afastar
influências espirituais negativas que podem levar a doenças e desequilíbrios
emocionais.

Allan Kardec deixou vários textos que são a base para a doutrina espírita.
Os principais são:

1 O livro dos espíritos, de 1857.


2) O que é o espiritismo, de 1859.
3) O livro dos médiuns, 1861.
4) O Evangelho segundo o espiritismo, de 1864.
5) O céu e o inferno, de 1865.
6) A gênese, de 1868.
7) Obras póstumas.

UNI

Em 2004 comemorou-se o bicentenário do nascimento de Allan Kardec e,


como parte destas comemorações, foi lançado o filme Allan Kardec, o Educador, de Dora
Incontri Edson Audi. O filme é brasileiro e conta com atores conhecidos. Recomendo que
você assista ao filme, porém com um olhar crítico, no sentido de ser um filme feito por
espíritas para espíritas. Mas a dica vale!

143
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

Na França, Allan Kardec buscou elaborar um complexo sistema filosófico-


religioso adotando elementos científicos oriundos do evolucionismo de Darwin.
No Brasil, porém, o elemento marcante no espiritismo é o religioso de moralização
da conduta, sendo que, no início, o que era mais valorizado eram os serviços
terapêuticos de cura que eram oferecidos. A novidade no discurso kardecista está
na associação com o cristianismo, em especial à figura de Jesus, que assim como
em outras religiões, o veem como um modelo ideal de espírito evoluído que tem
muito a nos ensinar a respeito de como melhorar no transcorrer das encarnações.
Neste ponto, Jesus não é Deus, na medida em que existe apenas o Deus supremo
e a salvação é individual e espontânea, ou seja, depende do empenho pessoal de
cada fiel. É proveniente dos evangelhos também outro ponto alto do espiritismo:
a caridade. É através dela que a alma pode evoluir para um dia transformar-se
num espírito sublime, que rompe o ciclo de reencarnações.

O maior ícone no Brasil do espiritismo é, sem a menor sombra de dúvida,


Chico Xavier. Falecido em 2002, aos 92 anos de idade, com uma história singular e
um carisma marcante, levantou seguidores por todo o país e, com isso, difundiu a
doutrina espírita pelo país. Chico era um médium que psicografava informações
oriundas dos espíritos, sendo que, no final de sua carreira, havia escrito mais de 400
livros. É claro que foi acusado de charlatanismo por muitos, inclusive membros
de sua família, porém, como não existiram provas, Chico Xavier continuou sua
jornada até sua morte em 2002.

FIGURA 49 – CHICO XAVIER

FONTE: Disponível em: <http://www.batuiranet.com.br/


espiritismo/686/biografia-de-chico-xavier-francisco-candido-
xavier-historia-de-chico-xavier/>. Acesso em: 28 nov. 2009.

144
TÓPICO 3 | OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

O espiritismo não pode ser considerado como cristão, na medida em que


não entende Jesus como Filho de Deus e não aceita o Antigo Testamento como
parte da revelação divina à humanidade, em especial os trechos que dizem que a
reencarnação não existe ou é uma doutrina proibida.

3 ESOTERISMO
O esoterismo é uma ampla gama de movimentos de cunho místico e não
pode identificar uma religião e sim um complexo grupo de movimentos que
têm em comum a crença em forças místicas e cósmicas. Estas forças podem estar
contidas em amuletos de tipos específicos de cristais, através do alinhamento de
planetas e estrelas, podem ser mais intensas em determinadas regiões geográficas.
Perceba que a ênfase não está muito voltada ao contato com o sobrenatural, e
sim com a utilização de elementos que concedam energia que possam auxiliar as
pessoas em seu dia a dia.

A influência esotérica tem crescido vertiginosamente nos últimos anos e


ela cresce proporcionalmente à dessacralização de nossa sociedade. Na medida em
que nossa sociedade se torna cada vez mais secular, considerando a religião como
algo ultrapassado na consciência social, o espaço no ser humano que necessita
deste contato com aquilo que não conseguimos explicar acaba sendo tomado por
essas filosofias, entre elas a astrologia, a ufologia e movimentos alternativos como
teosofia, gnose, eubiose, fé bahai, entre muitos outros movimentos.

FIGURA 50 – IMAGEM: OS CHACRAS (PONTOS DE ENERGIA NO SER


HUMANO)

FONTE: Disponível em: <http://ab-integro.blogspot.com/2009/06/


breve-proposta-de-explicacao-sobre.html>. Acesso em: 28 nov. 2009.

145
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

3.1 ASTROLOGIA
É com certeza uma das mais antigas manifestações esotéricas da história.
É de origem persa através da religião Zoroastrista de origem persa e tem pelo
menos 4.000 anos de existência. Com o tempo sofreu aprimoramentos através das
culturas greco-romanas e teve sua idade de ouro durante os séculos XIV, XV e
XVI. O cerne da astrologia está na crença de que existe uma relação muito estreita
entre a posição dos astros (planetas e estrelas) e a vida individual da pessoa. Os
que seguem este movimento observam atentamente o horóscopo, na medida em
que as previsões são feitas a partir dos signos, que são na verdade 12 constelações
que se encontram na faixa do Zodíaco. Em cada período do ano determinado por
cada signo, segundo os astrólogos, é possível determinar elementos pertinentes à
personalidade da pessoa.

O ponto alto da astrologia é a confecção do chamado mapa astral. Através


deste mapa, os estudiosos recompõem a constelação que havia no exato momento
do nascimento do indivíduo. Através deste mapa, eles acreditam poder realizar
previsões precisas sobre a vida e sobre como ele pode ser bem-sucedido através
do alinhamento dos astros.

Os estudiosos dizem praticar uma ciência antiga, porém não existe


comprovação científica dos resultados práticos dos estudos astrológicos.

FIGURA 51 – EXEMPLO DE MAPA ASTRAL

FONTE: Disponível em: <http://bloglog.globo.com/blog/blog.do?act=loadSi


te&id=91&mes=12&ano=2007>. Acesso em: 28 nov. 2009.

146
TÓPICO 3 | OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

3.2 UFOLOGIA
Dentro do esoterismo contemporâneo existe a vertente ufológica, que é
bastante difundida nos EUA. De acordo com a ufologia, seres de outros planetas
nos visitam constantemente. Estes seres seriam muito mais evoluídos que nós e
estariam monitorando a raça humana para evitar que seja destruída por si mesma.
Algumas pessoas dizem que já tiveram um Encontro Imediato de Terceiro Grau,
ou seja, encontraram um alienígena pessoalmente, ao passo que outros dizem
que foram inclusive abduzidos, ou seja, foram sequestrados do planeta Terra e
levados até os OVNIs (Objetos Voadores não Identificados), onde experiências
foram feitas por parte dos extraterrestres.

Nos Estados Unidos, a ufologia saiu do campo de pesquisa astronômica


para o campo religioso, com igrejas que pregam a vinda dos extraterrestres
ao planeta Terra. Existem inclusive profetas que viajam o mundo pregando o
fim da raça humana através de uma guerra atômica. Toda a humanidade só
não será destruída devido à benevolência dos ETs, que levariam um grupo de
remanescentes para um planeta distante onde o homem poderá começar sua
história de uma maneira diferente.

Difícil de acreditar? Até o presente momento não existem indícios


concretos de que exista vida fora do planeta Terra, embora esta hipótese seja
possível. O que não podemos fazer aqui, em nosso estudo, é misturar o campo
das pesquisas astronômicas do campo das crenças ufológicas.

No Brasil, o caso mais intrigante e popular sobre a ufologia é o caso


ocorrido em Minas Gerais, intitulado o ET de Varginha. Caso queira saber mais
sobre este caso ufológico, o que dizem as autoridades sobre ele, acesse: <http://
www.maisvarginha.com.br/vga_et.asp>.

FIGURA 52 – SUPOSTO DESENHO DO ET DE VARGINHA

FONTE: Disponível em: <http://blig.ig.com.br/foradecampo/


2009/06/24/saudacoes-eu-venho-em-paz/>. Acesso em: 28
nov. 2009.

147
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

3.3 NOVA ERA


Este movimento nasceu na Califórnia e, junto com ele, uma infinidade de
movimentos alternativos que eclodem em todo o mundo, o que dificulta colocar
estes movimentos sob a mesma nomenclatura. Porém, algumas características são
comuns entre os grupos de Nova Era. A primeira delas está ligada a uma profunda
desconfiança e desesperança com as políticas capitalistas contemporâneas e
também à ciência, na medida em que foi a ciência que criou as armas atômicas
e as doenças de laboratório. Desta forma, o materialismo não ajuda o corpo e a
mente do ser humano, devendo ser rechaçado.

O segundo ponto convergente diz respeito a uma nova espiritualização,


com influências orientais e europeias antigas, como as religiões celtas. Cada
vez mais pessoas, sem abandonar sua religião, começam a adotar práticas de
Feng Shui para harmonização e equilíbrio das energias internas às residências,
adotam os elementos da meditação e do yoga, além de terapias alternativas como
florais, acupuntura. Todas estas práticas têm sua origem nas religiões orientais
e, progressivamente, ganham espaço na sociedade quando são desvinculadas de
sua origem religiosa.

Existe um grande interesse em nossos dias a respeito dos anjos de cristais,


pêndulos, fadas, gnomos, duendes e outras criaturas mitológicas, existem cursos
de Teosofia e Gnose espalhados pelas grandes metrópoles, isso sem contar
a influência da música New Age, que ganha a cada dia mais e mais espaço na
mídia. O terceiro elemento aglutinador dos vários grupos de Nova Era tem a
ver com o próprio nome do movimento. Nova Era tem relação com uma nova
era cósmica, através de elementos astrológicos, que um novo momento histórico
começa com a predileção da constelação de Aquário para reger os ventos da
História. Segundo os astrólogos, esta Nova Era será pautada pelo conhecimento.
Com a chegada da Era de Aquário, os estudiosos acreditam que haverá uma
mudança de pensamento de toda a humanidade para melhor. O quarto elemento
destas comunidades é o interesse pela parapsicologia. Eles se interessam em
treinar telepatia, telecinésia e viagens astrais (onde a alma pode ser transportada
sem o corpo por alguns momentos). Por fim, o último elemento aglutinador
destes movimentos é a tentativa de, além de mostrar apenas novas doutrinas e
elementos religiosos, estes movimentos buscam também impactar a sociedade
como um todo através de um novo sistema social. Existem muitas comunidades
alternativas onde todos são vegetarianos, não fazem uso de equipamentos
eletrônicos nem de produtos manufaturados. Comem o que plantam e utilizam
elementos de conforto confeccionados de maneira natural, como sabonetes e
xampus, por exemplo.

148
TÓPICO 3 | OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

FIGURA 53 - ELEMENTOS DA ARQUITETURA E RITUAL DA COMUNIDADE ALTERNATIVA DE


VALE DO PARAÍSO

FONTE: Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=600490>. Acesso


em: 28 nov. 2009.

149
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

LEITURA COMPLEMENTAR

O espiritismo continua crescendo no Brasil

A revista IstoÉ desta semana destaca o lançamento do livro “Kardec, a


Biografia” (ed. Record), escrito pelo jornalista Marcel Souto Maior. “Kardec
precisou ir além da religião para criar uma doutrina inteira em apenas 13 anos”,
explica.

O material foi compilado para mostrar a “força” do movimento que


surgiu na França, mas foi no Brasil que alcançou seu maior número de adeptos.
Embora seja uma prática pagã milenar, o pioneiro do espiritismo moderno foi o
professor Hippolyte Léon Denizard Rivail. Membro destacado de nove sociedades
científicas, escreveu 20 livros sobre pedagogia na França do século XIX.

Mas sua vida mudou quando começou sua busca pelo aspecto
transcendente da vida. Acreditando na revelação feita por um espírito, mudou
seu nome para Allan Kardec. Redigiu o influente “O livro dos espíritos” (1857).
Fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e passou a escrever diferentes
livros sobre o assunto e uma publicação mensal. É considerado até hoje o “grande
codificador da doutrina”.

Faleceu em 1869, vítima de aneurisma cerebral. Na época, sua doutrina


tinha oficialmente sete milhões de seguidores. Desde então continuou crescendo,
apesar da forte oposição da Igreja Católica da Europa. Seus livros eram queimados
em praça pública. Médiuns e adeptos do espiritismo eram condenados por suas
práticas. Souto Maior afirma: “Kardec era político. Depois das brigas, ele media as
palavras com a Igreja e sabia que isso traria publicidade”. Atualmente, no túmulo
de Kardec no Cemitério Père-Lachaise, em Paris, existem mais mensagens em
português do que em francês.  Não por acaso.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirma que o Brasil


tem 3,8 milhões de pessoas que se declaram espíritas. Some-se a isso 30 milhões
de “simpatizantes”, defende a Federação Espírita Brasileira. Oficialmente, entre
2000 e 2010, o número de seguidores do espiritismo cresceu 65% no Brasil.
Segundo a Federação, continua crescendo. É um tema recorrente em novelas e
programas da televisão brasileira.

150
TÓPICO 3 | OUTROS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

3,8 milhões de espíritas

100 editoras especializadas

30 milhões de simpatizantes

67% dos espíritas são brancos

Mais de 4 mil títulos publicados

65 % de crescimento entre 2000 e 2010

19,7% dos adeptos ganham mais de cinco salários mínimos

Geraldo Campetti, vice-presidente da Federação Espírita Brasileira,


assegura: “Nossa população aceita muito bem a ideia de vida após a morte”.
Para muitos estudiosos do assunto, o kardecismo é uma criação brasileira. Eles
apontam três fatores que ajudaram na formulação nacional dessa doutrina: o
sincretismo brasileiro (em especial porque para os católicos a ideia de falar com
santos mortos era comum), a  proximidade entre espiritismo e cristianismo no
ensino das boas obras e, por fim, a popularização dos ensinamentos através de
Chico Xavier.

A chegada do espiritismo ao Brasil foi em 1860. O médico e político Bezerra


de Menezes traduziu os livros de Kardec para o português. Contudo, apenas 100
anos depois viria a chamada “explosão da doutrina”, em grande parte por causa
dos escritos do médium Chico Xavier. Falecido em 2002, deixou mais de 450 livros
publicados. Um deles se chamava justamente “Brasil, Coração do Mundo, Pátria
do Evangelho”. Entenda-se que é a interpretação espírita do Evangelho.

Marcel Souto Maior escreveu sua biografia, “As Vidas de Chico Xavier”,
que vendeu mais de um milhão de cópias. O sucesso rendeu uma versão
cinematográfica, que atraiu 3,4 milhões de espectadores aos cinemas.  Agora, o
autor das duas obras diz que o mesmo ocorrerá com a história de Allan Kardec.
“O filme deve ficar pronto no ano que vem”, comemora.
FONTE: Disponível em: <https://noticias.gospelprime.com.br/istoe-espiritismo-crescendo-
brasil/>. Acesso em: 10 ago. 2016.

151
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Existem inúmeros movimentos religiosos de cunho esotérico em funcionamento


no mundo contemporâneo, entre eles podemos citar a astrologia, a ufologia e o
movimento Nova Era.

• O espiritismo nasceu na França e chegou ao Brasil no início do século XX.

• O espiritismo recebe elementos sincréticos do hinduísmo e do cristianismo.

• Allan Kardec organizou um complexo sistema de doutrinas baseado na religião


e na ciência.

• O cerne do kardecismo está na possibilidade de reencarnação e na comunicação


com os mortos.

• Existem vários elementos que auxiliam na compreensão de que os movimentos


alternativos tenham surgido de maneira contemporânea em nossas sociedades,
e muitas destas causas são geradas por uma insatisfação com o sistema religioso
e material da humanidade.

152
AUTOATIVIDADE

Responda às questões propostas relativas ao tópico de estudo.

1 Quais são os dois pilares do espiritismo?

2 No Brasil, qual é o maior ícone da doutrina espírita?

3 Explique a afirmação de que o esoterismo não pode ser visto como uma
religião única.

4 Cite três grupos religiosos que podemos derivar do esoterismo.

5 Quais são os elementos que podemos citar para mostrar o sucesso de adesão
do espiritismo no Brasil?

153
154
UNIDADE 3
TÓPICO 4

ECUMENISMO

1 INTRODUÇÃO
Neste último tópico de estudo vamos examinar as raízes das tentativas de
unificar o discurso cristão em meio ao universo de vertentes cristãs, sejam elas
católicas ou protestantes. A preocupação com a unidade da Igreja sempre foi uma
constante ao longo da história cristã, devido ao grande número de heresias que
sempre se levantou à margem do cristianismo primitivo, quando líderes cristãos
realizavam suas próprias interpretações do contexto doutrinário e constituíam
um novo cristianismo, normalmente intitulado de “verdadeiro”.

2 ORIGEM DO ECUMENISMO
Foi durante a Idade Média que a humanidade teve um exemplo prático
de unidade cristã, naquilo que os historiadores chamam de cristandade, quando
toda a Europa estava firmemente enraizada nas doutrinas cristãs aliadas ao poder
secular dos reinos cristãos. Porém, qual foi o resultado desta experiência prática?
A necessidade de manutenção do status quo a qualquer custo, mesmo que fosse
necessário o uso da força militar para manter a Europa Cristã. Desta forma, muitos
grupos considerados hereges por Roma foram dizimados para manter a unidade
da Igreja. Dentre eles podemos citar os valdenses na Itália e os cátaros e albigenses
na França.

Com o advento da Reforma Protestante e as sequenciais divisões no seio


evangélico, os reformadores viram a necessidade de aproximação entre elas.
Foram, portanto, os reformadores que iniciaram os diálogos neste sentido, no
século XVI. Podemos citar, por exemplo, os colóquios de Ratisbona (1541), na
Alemanha, e de Poissy (1561), na França. Houve tentativas de aproximação com
os católicos neste período, porém os instrumentos da Contrarreforma Católica e as
contínuas divisões no seio protestante inviabilizaram este projeto por pelo menos
três séculos.

155
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

O moderno movimento ecumênico tem entre 100 e 150 anos de existência.


Foi possível restabelecer os diálogos, devido aos grandes movimentos cristãos de
reavivamento espiritual que ocorreram neste período. Com este reavivamento,
a concentração das diferentes denominações cristãs estava voltada para os
aspectos básicos do cristianismo, e assim foi possível perceber que os elementos
marcantes das diferentes denominações são os dogmas comuns e não as doutrinas
denominacionais.

3 O ECUMENISMO CONTEMPORÂNEO
O marco no movimento ecumênico é a criação do Conselho Mundial de
Igrejas, em 1948, na cidade holandesa de Amsterdã. O objetivo deste conselho
era o de nortear os rumos das igrejas ditas cristãs e auxiliar nos diálogos
intereclesiásticos. Na fundação, 147 igrejas de 44 países aderiram ao movimento.
Hoje, mais de meio século depois de sua fundação, o Conselho Mundial das
Igrejas realizou sua nona Conferência, na cidade de Porto Alegre, no Brasil, em
2006. Nesta nona edição pôde-se perceber que os anseios iniciais do movimento,
que era o de estabelecer o diálogo entre as denominações cristãs, foi ampliado
para outros segmentos religiosos, como a Legião da Boa Vontade (LBV), algumas
Igrejas pseudoprotestantes voltadas a grupos homossexuais e até mesmo religiões
de cunho afro-brasileiro.

UNI

Se você se interessou pelo Conselho Mundial das Igrejas e quer saber mais a
respeito deste polêmico encontro, pode acessar o site do congresso, onde todos os vídeos
dos palestrantes estão disponíveis, bem como os documentos, que as mesas de discussão
formularam. Alguns documentos estão em português, então você pode aproveitar! O
endereço eletrônico é <http://www.wcc-assembly.info/po/sobre-a-assembleia.html>.

O lema do Conselho das Igrejas em sua gênese era descrito pela seguinte
frase de 1954: “O Conselho Mundial de Igrejas é um conjunto de Igrejas que
reconhecem o Senhor Jesus Cristo, de acordo com as Sagradas Escrituras, como
Deus e Salvador, e, portanto, desejam realizar o propósito para o qual foram
conjuntamente comissionadas para a honra de Deus Pai, do Filho e do Espírito
Santo”.
FONTE: Disponível em: <http://www.oikoumene.org/es/about-us/about> Acesso em: 20 ago.
2016.

A Igreja Católica, a princípio, recusou fazer parte do Conselho em 1948,


porém com o tempo e após o Concílio Vaticano II, dá seus passos em direção a
um diálogo rumo a um consenso cristão.
156
TÓPICO 4 | ECUMENISMO

Este tema complexo merece mais comentário, na medida em que tem


gerado muita polêmica, principalmente por parte dos protestantes, que não
veem com bons olhos o movimento ecumênico, no sentido de acreditarem que,
ao se associar a católicos, por exemplo, em prol de um objetivo específico, os
protestantes irão perder sua autonomia e especificidade que um dia os levaram a
se desvincular de Roma.

Alguns protestantes interpretam trechos do livro de Apocalipse ao


movimento ecumênico ao associarem a imagem do Anticristo a um movimento
religioso global segundo o qual ele dominaria a humanidade no período do fim
dos tempos.

UNI

O diálogo intrarreligioso entre as denominações cristãs é bastante válido, quando


o objetivo é o de efetuar uma força-tarefa que tenha a missão de levar esperança para aqueles
que não a têm, levando a Palavra de Cristo aos desafortunados. Quando este movimento
rompe as barreiras do cristianismo para abranger toda e qualquer religião, ficamos receosos
de que a especificidade e riqueza espiritual e cultural de cada um passe a ser deixada de lado
em prol de um bem, dito maior, ou seja, uma religião única, que necessariamente utilizará
elementos de todas as demais, para que seja aceita e praticada. Isto foge um pouco dos
ensinamentos e da própria liberdade de culto que temos no Brasil. O que você acha? Esta foi
apenas uma opinião de quem acabou de realizar uma pequena pesquisa a respeito de um
certo número de religiões e pode dizer que não é preciso aceitar doutrinas contrárias à sua
própria religião para respeitar o diferente. Creio que o debate é saudável, mas o respeito deve
estar acima de tudo neste campo.

FIGURA 54 – BANNER PARA RECEPÇÃO DOS PARTICIPANTES DO 9º


CONGRESSO GERAL DO CONSELHO MUNDIAL DAS IGREJAS

FONTE: Disponível em: <http://www.wcc-assembly.info/po/sobre-a-assembleia.


html>. Acesso em: 28 nov. 2009.

157
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

Existem diversos outros movimentos religiosos em operação no Brasil


que mereceriam tópicos exclusivos, porém o espaço presente não nos permite
continuar com estudos de caso. A título de reconhecimento e, no caso de você se
interessar pelo estudo de outros movimentos religiosos, é interessante ao menos
citá-los:

Religiões de cunho oriental: Igreja Messiânica Mundial (Johrei), Moonismo


e Seicho-No-Ie

Religiões que se dizem cristãs, porém apresentam elementos que não


são encontrados no cristianismo: Testemunhas de Jeová e Mormonismo. (Embora
alguns estudiosos acrescentem os adventistas neste grupo).

Religiões de cunho esotérico ou filosófico: Maçonaria (tratamos deste


tema em História da Igreja no Brasil), Ordem rosa-cruz, teosofia, círculo esotérico
da comunhão do pensamento, Ananda marga etc.

Caro aluno! Chegamos ao final de mais um estudo que espero tenha


edificado muito sua vida e contribuído para que sua visão de mundo tenha se
alterado para melhor. Com isso, espero que você possa utilizar o que aprendeu
não apenas na academia, mas também no seu dia a dia.

Sucesso e um abraço a todos!

158
TÓPICO 4 | ECUMENISMO

LEITURA COMPLEMENTAR

As religiões afro-brasileiras e o sincretismo religioso

Durante o processo de colonização do Brasil, notamos que a utilização dos


africanos como mão de obra escrava estabeleceu um amplo leque de novidades
em nosso cenário religioso. Ao chegarem aqui, os escravos de várias regiões da
África trouxeram várias crenças que se modificaram no espaço colonial. De forma
geral, o contato entre nações africanas diferentes empreendeu a troca e a difusão
de um grande número de divindades.

Mediante essa situação, a Igreja Católica se colocava em um delicado


dilema ao representar a religião oficial do espaço colonial. Em algumas situações,
os clérigos tentavam reprimir as manifestações religiosas dos escravos e lhes
impor o paradigma cristão. Em outras situações, preferiam fazer vista grossa aos
cantos, batuques, danças e rezas ocorridas nas senzalas. Diversas vezes, os negros
organizavam propositalmente suas manifestações em dias santos ou durante
outras festividades católicas.

Do ponto de vista dos representantes da elite colonial, a liberação das


crenças religiosas africanas era interpretada positivamente. Ao manterem suas
tradições religiosas, muitas nações africanas alimentavam as antigas rivalidades
contra outros grupos de negros atingidos pela escravidão. Com a preservação
desta hostilidade, a organização de fugas e levantes nas fazendas poderia
diminuir sensivelmente.

Aparentemente, a participação dos negros nas manifestações de origem


católica poderia representar a conversão religiosa dessas populações e a perda
de sua identidade. Contudo, muitos escravos, mesmo se reconhecendo como
cristãos, não abandonaram a fé nos orixás, voduns e inquices oriundos de sua
terra natal. Ao longo do tempo, a coexistência das crendices abriu campo para
que novas experiências religiosas – dotadas de elementos africanos, cristãos e
indígenas – fossem estruturadas no Brasil.

É a partir dessa situação que podemos compreender porque vários santos


católicos equivalem a determinadas divindades de origem africana. Além disso,
podemos compreender como vários dos deuses africanos percorrem religiões
distintas. Na atualidade, não é muito difícil conhecer alguém que professe uma
determinada religião, mas que simpatize ou também frequente outras.

Dessa forma, observamos que o desenvolvimento da cultura religiosa


brasileira foi evidentemente marcado por uma série de negociações, trocas e
incorporações. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que podemos ver a presença
de equivalências e proximidades entre os cultos africanos e as outras religiões

159
UNIDADE 3 | RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

estabelecidas no Brasil, também temos uma série de particularidades que


definem várias diferenças. Por fim, o sincretismo religioso acabou articulando
uma experiência cultural própria.

Não cabe dizer que o contato entre elas acabou designando um processo de
aviltamento de religiões que aqui apareceram. Tanto do ponto de vista religioso,
quanto em outros aspectos da nossa vida cotidiana, é possível observar que o
diálogo entre os saberes abre espaço para diversas inovações. Por esta razão, é
impossível acreditar que qualquer religião teria sido injustamente aviltada ou
corrompida.

FONTE: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/religiao/as-religioes-afrobrasileiras-


sincretismo.htm>. Acesso em: 8 dez. 2009.

160
RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• A ideia de manter a unidade da Igreja cristã sempre foi uma preocupação dos
cristãos desde sua gênese.

• Durante a Idade Média, a única experiência prática de um continente cristão


reforçado pelo poder do Estado mostrou seu lado negro ao utilizar a força para
manter esta unidade espiritual.

• Com a Reforma Protestante e as sucessivas divisões nas denominações, o


diálogo ecumênico foi guardado por pelo menos 300 anos ao longo da História.

• O marco do ecumenismo moderno é a fundação do Conselho Mundial de


Igrejas, em 1948, em Amsterdã, onde, desde então, igrejas ao redor do mundo
buscam exaltar as semelhanças entre si ao invés das diferenças.

• O acréscimo de outras religiões no debate ecumênico deve ser mantido,


porém sempre com o cuidado de não abrir mão de elementos próprios e que
desfigurem a identidade religiosa de cada grupo ecumênico.

161
AUTOATIVIDADE

Sobre o ecumenismo, responda:

1 Quando surgiu o ecumenismo moderno?

2 Qual é o marco fundamental do ecumenismo moderno?

3 Quais são os problemas que o ecumenismo pode trazer para o cristianismo?

4 Qual é a sua opinião sobre o ecumenismo?

162
REFERÊNCIAS
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164
ANOTAÇÕES

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Você também pode gostar