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Gêneros, Identidades,
Etnias e Representações
Prof.a Marilsa Aparecida Alberto Assis Souza
Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020
Elaboração:
Prof.a Marilsa Aparecida Alberto Assis Souza
SO729e
ISBN 978-85-515-0447-5
CDD 869.909
Impresso por:
Apresentação
Prezado acadêmico! Neste momento, inicia-se uma nova etapa
de sua formação profissional em torno da construção de conhecimentos
relacionados aos estudos literários. No caminho trilhado até aqui, você já fez
muitas descobertas acerca da importância da literatura. Compreendeu que o
acesso a ela permite o desenvolvimento de uma gama de conhecimentos que
perpassam por aspectos linguísticos, pela educação estética e pelo contato
com diferentes saberes e culturas.
III
Ao término de cada unidade, você também encontrará uma lista
de referências bibliográficas, composta por autores e autoras com os quais
dialogamos na tessitura do texto. São estudiosos — alguns mais antigos,
outros mais recentes — que vêm fomentando o debate acerca dos temas
trabalhados. À medida do possível, e quando você achar oportuno, busque
essas referências para que possa ampliar o olhar sobre a temática estudada.
NOTA
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.
IV
V
LEMBRETE
Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.
VI
Sumário
UNIDADE 1 – RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA...............................................................1
VII
TÓPICO 2 – A LITERATURA E OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS.............................................113
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................113
2 COLONIALISMO, ETNOCENTRISMO E EUROCENTRISMO...............................................113
3 PÓS-COLONIALISMO .....................................................................................................................117
4 DESCOLONIZAÇÃO, LITERATURA E CRÍTICA PÓS-COLONIAL......................................122
5 CRÍTICA LITERÁRIA FEMINISTA E ESTUDOS PÓS-COLONIAIS .....................................126
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................127
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................128
VIII
TÓPICO 3 – LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES, .........................................................229
ESPAÇOS E SUPORTES........................................................................................................................229
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................229
2 CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA.....................230
3 CONHECENDO ALGUNS AUTORES DA LITERATURA
BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA................................................................................................235
3.1 RUBEM FONSECA.........................................................................................................................236
3.2 FERNANDO BONASSI.................................................................................................................238
3.3 ADRIANA LUNARDI....................................................................................................................240
4 A ESCOLA E A FORMAÇÃO DE LEITORES NA CONTEMPORANEIDADE ....................243
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................245
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................255
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................256
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................259
IX
X
UNIDADE 1
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.
CHAMADA
1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1
1 INTRODUÇÃO
Os assuntos abordados neste primeiro tópico fazem parte de uma pauta
bastante atual, quando diversos setores da sociedade têm debatido questões de
gênero, respeito às diferenças e conquista de novos espaços pelas mulheres. É
possível que neste momento você esteja se perguntando: qual é a relação do
docente de Língua Portuguesa e Literatura com essas discussões?
Além disso, é preciso ter em mente que, mesmo que o corpo docente adote
uma postura de não trabalhar diretamente com questões relacionadas a gênero em
sala de aula, essa temática emerge naturalmente no contexto escolar. A propósito,
considerando que profissionais que trabalham com a Língua Portuguesa e a
Literatura têm a linguagem como principal ferramenta de trabalho, é oportuno
ressaltar que ela se constitui em um instrumento poderoso no processo de construção
do gênero, uma vez que o ser humano tende a incorporar esse conceito por meio
do aprendizado de discursos que são produzidos a partir de padrões socialmente
determinados como sendo inerentes à constituição feminina ou masculina.
Por hora, este primeiro tópico irá retomar, inicialmente, um pouco da história
do movimento feminista, didaticamente dividido na Primeira, Segunda e Terceira
Onda Feminista. A seguir, será abordado o conceito de gênero e suas implicações
práticas no cotidiano de homens e mulheres e, finalmente, faremos alguns
apontamentos sobre como as questões de gênero se manifestam no espaço escolar,
dando algumas pistas sobre o trabalho que pode ser realizado em sala de aula.
3
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
DICAS
FICHA TÉCNICA
Título: Suffragette (Original)
Ano produção: 2015
Dirigido por: Sarah Gavron
Duração: 106 minutos
Gênero: Biografia-Drama-História FONTE: http://www.ipvc.pt/ese-
Países de Origem: Reino Unido da Grã-Bretanha e geed-cinema-as-sufragistas.
Irlanda do Norte Acesso em: 7 set. 2019.
O conceito de gênero, por sua vez, é muito mais amplo, devendo ser
compreendido na perspectiva da construção das identidades. De acordo com
Scott (1989, p. 3),
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TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
Louro (1997), por sua vez, explica que as questões de gênero estão
relacionadas à subjetividade, bem como a aspectos históricos, sociais e culturais
que diferenciam homens e mulheres. Por esse motivo, pessoas que viveram em
épocas diferentes ou que tiveram contato com culturas diferentes podem ter
comportamentos totalmente distintos, mesmo tendo o mesmo formato de órgão
genital. E o que isso significa, na prática?
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
Percebe-se, assim, que características que muitas vezes são atribuídas ao sexo
com que a pessoa nasceu, são, na verdade, resultantes de aprendizagens construídas
ao longo da vida. Portanto, a diferença sexual não é a única variável na construção da
identidade dos sujeitos, pois nesse processo entram em cena os valores e as normas
de conduta que configuram as representações culturais e sociais.
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TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
mães que ensinam às filhas desde cedo a arrumarem a casa, mas isentam os filhos
desta aprendizagem. Da mesma forma, diversas famílias liberam as crianças do
sexo masculino para brincarem de bola ou bicicleta na rua, enquanto as do sexo
feminino brincam de casinha dentro de casa. E tem mais:
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TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
Além disso, até o início do século XX, as relações assimétricas entre homens
e mulheres eram respaldadas pela ideologia da maternidade, que, segundo Rago
(2001), reduzia as mulheres à esfera privada, lugar considerado natural da esposa/
mãe/dona de casa. Entretanto, é importante observar que somente as mulheres
pertencentes a famílias mais abastadas ficavam restritas ao espaço doméstico,
podendo dedicar seu tempo unicamente à maternidade. Mulheres pobres
sempre trabalharam fora de casa, o que corrobora com a ideia de que diferentes
desigualdades, quando interagidas simultaneamente — neste caso, o fato de ser
pobre e ser mulher — geram tratamentos desiguais. O fato de trabalhar fora,
entretanto, não significa reconhecimento. Segundo Fonseca (2001, p. 517),
[...] penetrar na esfera pública era um velho anseio por longo tempo
vedado às mulheres. Significava uma conquista, possibilitando-
lhes, segundo Hannah Arendt, assumir sua plena condição humana
através da ação política, da qual, por longo tempo, permaneceram
violentamente excluídas. Passavam as mulheres a garantir sua
transcendência, pois o espaço público, afirma aquela filósofa, não
pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente
para os que estão vivos: deve transcender a duração da vida dos
homens mortais, aos quais acrescentamos, também, a das mulheres
mortais (SOIHET, 2002, p. 116).
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
DICAS
Com certeza, você já ouviu falar na Lei Maria da Penha, decretada em 2006,
com o objetivo de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher. O nome Maria da Penha é uma homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes,
farmacêutica e bioquímica que sofreu violência doméstica durante 23 anos de casamento,
tendo ficado paraplégica após ser vítima de dupla tentativa de feminicídio pelo marido. Seu
caso é representativo da violência doméstica sofrida por inúmeras mulheres em nosso país.
Para saber mais sobre a história dessa mulher você pode:
• Acessar o site do Instituto Maria da Penha e ler sobre sua história de vida: http://www.
institutomariadapenha.org.br/.
• Ler o livro Sobrevivi... posso contar, escrito por ela mesma.
• Assistir ao documentário O silêncio das inocentes (2010), dirigido por Ique Gazzol.
FONTE: http://www.ameliapt.com.br/
FONTE: https://www.saraiva.com.br/ sesc-tv-exibe-documentario-violencia-
sobrevivi-posso-contar-3065914/p>. domestica-mulher-dia-2812/.
Acesso em: 7 set. 2019. Acesso em: 7 set. 2019.
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
Para Matos e Soler (1997, p. 97) “a categoria gênero procura destacar que
os perfis de comportamento feminino e masculino se definem um em função do
outro. Esses perfis se constituem social, cultural e historicamente num tempo,
espaço e cultura determinados”. Tendo compreendido o conceito de gênero sua
abordagem enquanto categoria relacional, no próximo subtópico trataremos das
questões de gênero em um espaço específico que é o ambiente escolar.
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TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
Esse modelo também pode ser percebido no interior das salas de aula, nas
quais é possível encontrar dois tipos de demarcação dos lugares em conformidade
com as expectativas esperadas de comportamento conforme a distinção entre os
gêneros. Por julgarem que as meninas costumam ser mais ordeiras e disciplinadas
que os meninos, é comum, nas escolas, a disposição de alunos e alunas de forma
alternada, com o intuito de manter o controle da disciplina em sala de aula. Em
alguns casos, docentes preferem manter meninos e meninas em grupos separados.
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
E
IMPORTANT
Mesmo que de forma sutil, pela linguagem é possível estabelecer diferenças e promover
desigualdades, pois os discursos produzidos na sociedade costumam demarcar, de forma
direta ou indireta, os lugares dos gêneros. Veja, a seguir, uma lista de ditos populares carregados
de valores metafóricos que reproduzem estereótipos e preconceitos referentes à mulher.
Não há dúvidas de que lidar com estas questões constituiu um desafio à prática
docente, pois faz-se necessário desconstruir conceitos e preconceitos que fazem parte
de sua própria constituição identitária. Como bem coloca Gomes (2004, p. 13),
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
O uso dos termos masculino e feminino para referir-se ao gênero das palavras
costuma gerar confusão entre a categoria gramatical e a característica biológica dos
sexos. Para evitar tal equívoco, os gramáticos Pasquale e Ulisses esclarecem:
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
E
IMPORTANT
De acordo com o texto apresentado, não é apenas por meio da ocultação do feminino que
as produções discursivas e linguísticas podem hierarquizar diferenças e gerar desigualdade.
Você concorda com essa afirmativa? Em caso afirmativo, consegue dar exemplos de
situações – que vão além das questões de marcadores de gênero – nas quais a prática
discursiva contribui para reforçar estereótipos e preconceitos sociais?
24
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:
• Gênero e diversidade são temas inerentes ao espaço escolar, motivo pelo qual
profissionais de quaisquer disciplinas devem atentar para não reproduzirem
estereótipos e preconceitos em sala de aula.
• A análise feita pela crítica literária feminista tem como foco o gênero da autoria
das obras literárias.
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AUTOATIVIDADE
1 “Os sujeitos que constituem a dicotomia não são, de fato, apenas homens e
mulheres, mas homens e mulheres de várias classes, raças, religiões, idades
etc. e suas solidariedades e antagonismos podem provocar os arranjos mais
diversos, perturbando a noção simplista e reduzida de ‘homens dominantes
versus mulher dominada’ [...]. Essas múltiplas identidades não podem, no
entanto, ser percebidas como se fossem ‘camadas’ que se sobrepõem umas
às outras, como se o sujeito fosse se fazendo ‘somando-as’ ou agregando-
as. Em vez disso, é preciso notar que elas se interferem mutuamente, se
articulam; podem ser contraditórias; provocam, enfim, diferentes ‘posições’.
Essas distintas posições podem se mostrar conflitantes até mesmo para os
próprios sujeitos, fazendo-os oscilar, deslizar entre elas — perceber-se de
distintos modos” (LOURO, 1997, p. 33 e 51).
O trecho que você acabou de ler foi retirado do livro Gênero, sexualidade e
educação: uma perspectiva pós-estruturalista, de Guacira Lopes Louro, importante
referência nos estudos sobre gênero em nosso país. Com base no que você
estudou até aqui, faça uma análise do trecho lido relacionando-o com o termo
interseccionalidade, cuja definição foi apresentada no decorrer da unidade.
26
Considerando o texto e o gráfico, avalie as afirmações a seguir.
FONTE: Sylvia Walby. Gênero. In: William Outhwaite e Tom Bottomore (Ed.). Dicionário do
pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 332.
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UNIDADE 1
TÓPICO 2
1 INTRODUÇÃO
Após estudar o conceito de gênero, entender o espaço escolar como
expressão da diversidade e compreender que por meio de seus discursos e práticas
docentes pode construir ou desconstruir estereótipos de gênero junto aos discentes,
vamos tratar especificamente de questões relacionadas a gênero e literatura.
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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TÓPICO 2 | LITERATURA, GÊNERO E A FORMAÇÃO DE
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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TÓPICO 2 | LITERATURA, GÊNERO E A FORMAÇÃO DE
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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TÓPICO 2 | LITERATURA, GÊNERO E A FORMAÇÃO DE
Felski (2003 apud BELLIN, 2011), por sua vez, assegura que o gosto pelos
romances sentimentais por parte das mulheres era algo concebível, já que estes,
ao priorizarem temas relacionados à psicologia e aos sentimentos humanos,
tornavam-se adequados para a mulher devido a sua expertise em emoções e por
serem consideradas guardiãs da vida privada.
É neste contexto que surge a crítica literária feminista, que tem, a princípio,
o desafio de percorrer o caminho trilhado pelas mulheres enquanto leitoras. Ela
busca retratar a interface entre a literatura e o mundo social, demonstrando o
quanto as representações de gênero circulantes na sociedade estão intrinsecamente
relacionadas com valores e crenças construídos historicamente e socialmente.
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
[...] analisa textos de Henry Miller, Norman Mailer e Jean Genet em busca
da maneira como a personagem feminina, ou do personagem masculino
em posição feminina, no caso da obra de Genet, é retratada nessas obras.
Mais do que se aprofundar na análise dos textos desses autores, Millet os
utiliza como base para a formulação de sua teoria da política sexual, onde
denuncia, entre outras coisas, a extensão e penetração do patriarcado em
nossa sociedade (ANDREOSSI, 2011, p. 254).
Para Zolin (2005), a aguçada consciência política de Kate Millet faz com
que ela problematizasse a prática acadêmica fundamentada no patriarcalismo,
fazendo emergir reflexões sobre a posição notoriamente secundária ocupada
pelas heroínas dos romances de autoria masculina. O mesmo ocorre em relação
às escritoras e críticas literárias. Assim, neste sistema que hierarquiza as
relações de gênero, “o poder é exercido na vida civil e doméstica de modo a
submeter a mulher, que, a despeito dos avanços democráticos, tem continuado
a ser dominada, desde muito cedo, por um sistema rígido de papéis sexuais”
(ZOLIN, 2005, p. 226).
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TÓPICO 2 | LITERATURA, GÊNERO E A FORMAÇÃO DE
Bellin (2011) chama a atenção para o fato de que Elaine Showalter não
conseguiu solucionar o impasse acerca das diferenças nos escritos femininos que
permitiriam considerar as mulheres como um grupo literário distinto.
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
NOTA
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TÓPICO 2 | LITERATURA, GÊNERO E A FORMAÇÃO DE
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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TÓPICO 2 | LITERATURA, GÊNERO E A FORMAÇÃO DE
A primeira obra é Bia Bisa, Bisa Bel, de Ana Maria Machado. Trata-se de
uma obra que já foi traduzida para diversas línguas e ganhou vários prêmios,
já tendo vendido mais de 500.000 exemplares. O livro conta a história de Isabel,
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
uma menina de dez anos que encontra uma fotografia antiga de sua bisavó, Bia. A
partir de então se estabelece um diálogo imaginário entre ambas, que desencadeia
um processo de autoconhecimento de Isabel, em um momento delicado da vida
que é a fase da puberdade. A obra em questão foi analisada por Salete Rosa Pezzi
dos Santos (2009), com o objetivo de explorar a representação do sujeito feminino
em épocas distintas: Bisa Bia, representativa de uma sociedade do século XIX, de
uma época em que “a gente lavava o rosto no quarto mesmo, e sempre tinha uma
bacia e um jarro d’água, com uma toalha limpinha do lado” e Isabel, jovem do final
do século XX, protagonista de um tempo do “congelado, enlatado, desidratado,
ensacado, emplasticado...” (MACHADO, 1985, p. 24-25).
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TÓPICO 2 | LITERATURA, GÊNERO E A FORMAÇÃO DE
por um ciclone, junto com seu cachorro, para a Terra de Oz. A partir daí a história
narra as aventuras e os perigos enfrentados pela menina, como bruxas malvadas e
monstros, na tentativa de voltar para casa. Neste percurso ela faz alguns amigos,
sendo que cada um estava à procura de algo que pudesse suprir suas carências: o
Lenhador de Lata, que procura um coração, o Espantalho, que deseja um cérebro,
e o Leão, que quer ser corajoso. Juntos eles se unem para encontrar o Mágico de
Oz, acreditando que este poderia ajudá-los na realização de seus desejos.
A obra em tela foi analisada tanto por Cecil Jeanine Albert Zinani (2009)
como por Ana Carolina Lazzari Chiovatto (2017), ambas com o intuito de
discutir as representações de gênero veiculadas pelas personagens femininas que
compõem a história. Primeiramente, Zinani (2009) chama a atenção para o fato de
que a história dá visibilidade não só a uma criança, mas a uma criança do gênero
feminino, dois segmentos até então pouco valorizados na literatura, que raramente
tinha infantes e mulheres como protagonistas. A propósito, a introdução de
personagens infantis na condição de protagonistas foi mais recorrente depois da
metade do século XIX, com a publicação das obras Alice nos país das maravilhas, As
aventuras de Tom Sawyer e Pinóquio (ZINANI, 2009).
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
Outro título analisado foi Hoje é dia de Maria, de Luis Alberto de Abreu e
Luiz Fernando Carvalho. Trata-se de uma obra que ficou bastante conhecida ao
ser produzida em formato de minissérie, transmitida pela televisão brasileira em
2005. A narrativa conta a história de uma menina órfã de mãe que vive em um
sítio localizado no interior do Nordeste brasileiro. Utilizando-se do recurso da
intertextualidade, os autores dialogam com a obra A gata borralheira, de Charles
Perrault, pois assim como a protagonista do clássico literário, Maria também
convive com as perversidades de uma madrasta cruel. Cansada de ser perseguida
pela madrasta, Maria resolve fugir em busca de seu sonho que é conhecer as
franjas do mar. No decorrer dessa jornada Maria enfrenta vários perigos, ao
mesmo tempo em que revisita diversos contos populares. A obra em questão
foi analisada pelas pesquisadoras Elisângela Araújo Silva e Naelza de Araújo
Wanderley (2015).
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TÓPICO 2 | LITERATURA, GÊNERO E A FORMAÇÃO DE
Os contos de fadas, por sua vez, também são narrativas nas quais podemos
encontrar muitas representações de gênero. Originalmente, construídos para o
mundo adulto, a partir da apropriação do conceito de infância (ARIÈS, 1981) eles
passaram a ser adaptados para o universo infantil. Embora denominadas contos
de fadas, o que caracteriza essas narrativas não é, necessariamente, a existência de
fadas, mas a presença do espaço maravilhoso, que extrapola a realidade concreta
(PINHEIRO; GOMES, 2018). São narrativas caracterizadas pela prevalência da
magia e do encantamento, pela existência de um núcleo problemático no qual
protagonistas buscam sua realização pessoal e pela existência de entraves a
serem heroicamente enfrentados, culminando na vitória do bem contra o mal.
Normalmente, eles são compostos em torno de algumas etapas distintas: “a
travessia, a viagem ao mundo mágico; o encontro com o personagem do mal ou
o obstáculo a ser vencido; a dificuldade a ser superada; e a conquista (destruição
do mal); a celebração da recompensa” (SCHNEIDER; TOROSSIAN, 2009, p. 135).
A primeira coletânea de contos infantis que chegou até nós foi organizada
por Charles Perrault, ainda no século XVII, na França. As histórias por ele coletadas
tinham origem na tradição oral e até então não haviam sido documentadas.
Posteriormente, destacaram-se as coletâneas dos irmãos Grimm, na Alemanha, e
as de Hans Christian Andersen, na Dinamarca, que além de compilar e adaptar
contos orais, criou diversas outras narrativas (PINHEIRO; GOMES, 2018).
45
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
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TÓPICO 2 | LITERATURA, GÊNERO E A FORMAÇÃO DE
os contos de fadas não são somente estórias distrativas, posto que são
amplamente disseminados, transcendem barreiras geográficas, encantam
o imaginário de crianças (e adultos) com narrativas, personagens, padrões
de beleza, estereótipos, sentimentos e comportamentos que traduzem
fascínio e, em geral, exprimem relações de gênero marcadas pela cultura
patriarcal. Reafirmam papéis sociais distintos para cada sexo como
produto natural, ao mesmo tempo em que reproduz hierarquias e lugares
distintos para homens e mulheres, prenhes de simbolismos que ofuscam
a percepção de suas construções sociais, como produto deliberado da
ação humana que institui o jeito de ser, agir e viver de ambos. Determina
o espaço público, a razão, a força, ao primeiro, e o espaço privado, a
emoção, a delicadeza à segunda.
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UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
E
IMPORTANT
Quer conhecer alguns títulos de obras literárias que abordam temas como
igualdade, feminismo e direitos humanos direcionados ao público infantojuvenil?
Veja, a seguir, uma relação de quinze livros que ajudam a desconstruir preconceitos e
estereótipos sociais. Boa leitura!
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RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:
• A literatura é uma ferramenta que pode ser utilizada para reflexões e discussões
acerca das questões de gênero que permeiam as relações sociais.
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AUTOATIVIDADE
2 (ENADE/2017 – LETRAS/INGLÊS)
As escolas brasileiras não têm um único jeito de ensinar sobre gênero e
sexualidade; pesquisas evidenciam currículos e práticas pedagógicas e
de gestão marcadas pela discriminação. Distinções sexistas nas aulas, na
chamada, nas filas de meninos e de meninas, nos uniformes, no tratamento
e nas expectativas sobre alunos ou alunas, tolerância da violência verbal e
até física entre meninos, representações de homens e mulheres nos materiais
didáticos, abordagem quase exclusivamente biológica da sexualidade no
livro didático, estigmatização referente à manifestação da sexualidade das
adolescentes, perseguição sofrida por homossexuais, travestis e transexuais,
evidenciam o quanto a escola (já) ensina, em diferentes momentos e espaços,
sobre masculinidade, feminilidade, sexo, afeto, conjugalidade, família.
FONTE: <http://www.spm.gov.br>. Acesso em: 11 jul. 2017 (adaptado)
50
Nesse contexto, para construir uma prática pedagógica que promova
transformações no sentido da igualdade de gênero a partir do respeito às
diferenças, espera-se que a escola
51
52
UNIDADE 1
TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
Durante muito tempo, o universo literário constituiu-se em um espaço
precipuamente masculino, o que não significa que as mulheres não tivessem
competência e habilidade para transitar nesse ambiente. Na verdade, as pressões
socioculturais restringiam as mulheres à esfera doméstica, conforme já abordado
nessa unidade, e aquelas que resolvessem percorrer outros caminhos eram vistas
como transgressoras da ordem social. Por esse motivo, algumas mulheres tiveram
que publicar livros usando pseudônimos masculinos, sob pena de não serem
reconhecidas ou de terem que dar satisfações à sociedade relativas ao seu desejo
de transitar por esse universo de predominância masculina.
Esse processo de exclusão também fez com que a produção literária das
mulheres fosse quantitativamente inferior à masculina, gerando um pensamento
equivocado de que a escrita feminina também seria inferior em termos de
qualidade. Apenas com a emergência da crítica literária feminista, já estudada no
tópico anterior, que se começou a questionar o papel da mulher enquanto leitora,
enquanto escritora e enquanto objeto de representação nas obras literárias. Os
escritos femininos, por sua vez, passam a dar voz às inquietudes individuais e
coletivas das mulheres em geral, problematizando seu papel na sociedade por meio
de personagens femininas que muitas vezes estão em processo de descoberta de si.
53
A seguir, será feita a análise de algumas obras protagonizadas por
personagens femininas. São contos produzidos por três importantes escritoras
da literatura brasileira: Clarice Lispector, Lygia Bojunga e Marina Colasanti.
Você conhece a obra de alguma delas? No decorrer das análises, serão transcritos
alguns trechos das respectivas obras. Esperamos que essas transcrições agucem
sua curiosidade para que você busque os textos, na íntegra. São textos bastante
acessíveis, facilmente encontrados em livraria, bibliotecas e até mesmo na internet.
E
IMPORTANT
54
E
IMPORTANT
“Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, mas seus pais imigraram para o Brasil pouco
depois, indo instalar-se em Maceió e, mais tarde, em Recife. Estudou inglês e francês, na
infância, e cresceu ouvindo o idioma dos pais, o iídiche. Mudou-se para o Rio de Janeiro,
onde se formou em direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na universidade,
conheceu aquele que viria a ser seu marido, o diplomata Maury Gurgel Valente. Da união
nasceram seus dois filhos [...]. Dedicou a vida à escrita, produzindo textos para jornais, mas
principalmente, escrevendo literatura” (MACENA, 2017, p. 27).
Quer saber mais sobre essa importante escritora? Acesse o site https://claricelispectorims.
com.br/vida/.
Nele você encontrará uma variedade de informações, muito bem organizadas, sobre
a vida e a obra de Clarice Lispector, além de ter acesso a um rico acervo de imagens
que compõem a linha do tempo da escritora. Também poderá localizar artigos, teses e
dissertações já escritas sobre ela.
55
É o caso do conto A solução, no qual Clarice dá visibilidade à mulher
gorda, tipo de personagem comumente retratado no modelo discursivo
patriarcal de forma negativa, quase sempre associada a termos pejorativos como
“feia, irritadiça, arfante, de olhar guloso, irrequieta, engraçada, de classe baixa”
(AZEVEDO, 2016, p. 55).
Outra obra de Clarice Lispector que permite fazer várias leituras da condição
feminina na contemporaneidade é Laços de Família, coletânea de contos publicada em
1960 cujas temáticas se interligam por tratarem de relações familiares.
56
DICAS
Que tal fazer uma leitura prévia dos contos que serão
analisados a seguir? Posteriormente, leia os demais
contos da coletânea. Com certeza você vai gostar!
Apresentaremos, agora, três contos que fazem parte dessa obra, iniciando
por Devaneio e embriaguez de uma rapariga, que retrata a história de uma mulher
consumida pela rotina e entediada com as funções cotidianas e repetitivas da
vida doméstica. Em um dia em que o marido estava no trabalho e os filhos na
casa das tias, ela se vê absorta em seus devaneios que indicam um estado de
angústia e inquietação: “Os olhos não se abandonavam, os espelhos vibravam
ora escuros, ora luminosos [...]. Os olhos não se despregavam da imagem, o pente
trabalhava meditativo, o roupão aberto deixava aparecerem nos espelhos os seios
entrecortados de várias raparigas” (LISPECTOR, 1998, p. 17).
Mas quando ele se inclinou para beijá-la, sua leveza crepitou como
folha seca: - Larga-te daí! – E o que tens? pergunta-lhe o homem
atônito, a ensaiar imediatamente carinho mais eficaz. Obstinada,
ela não saberia responder, estava tão rasa e princesa que não tinha
sequer onde se lhe buscar uma resposta. Zangou-se: – Ai que não me
maces! não me venhas a rondar como um galo velho! Ele pareceu
pensar melhor e declarou: – Ó rapariga, estás doente. Ela aceitou
surpreendida, lisonjeada (LISPECTOR, 1998, p. 19).
57
Ao sugerir que a mulher estava doente, o marido, na verdade, não queria
aceitar uma recusa da esposa: “o homem, por sua vez, cujo papel social atribuído
a ele o fez crer que sempre teria seus galanteios atendidos, diante da situação,
recusa-se a acreditar que sua mulher não mais se enquadrava no padrão de esposa
ideal, e prefere acreditar que ela estaria doente” (RIBEIRO; MOL, 2014, p. 184).
58
inquietações: “na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu
espanto – ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam
transmitido” (LISPECTOR, 1998, p. 31).
Não se sabe porque, mas aquele encontro insólito com o cego desperta
profundos sentimentos na personagem, que começa a refletir profundamente
sobre sua própria existência. Conforme Pozenato (2010, p. 167),
59
Ana não conseguirá mudar o futuro que seu destino de mulher lhe
reserva, porque este é, na verdade, uma invenção de Ana para tornar
inteligível o que ela não consegue compreender, mas que a epifania
do cego mascando chicles a faz intuir, isto é, a falta de sentido da
monotonia de sua vida. E o retorno de Ana à alienação não se dá
mediante uma imposição, mas devido ao seu próprio assujeitamento
(RÖHRIG, 2017, p. 202).
60
Ao dar voz aos devaneios de Laura no momento em que ela se prepara para
o jantar, Clarice vai compondo paulatinamente a personagem, contrapondo-a à
amiga: “Carlota ambiciosa e rindo com força: ela, Laura, um pouco lenta, e por
assim dizer cuidando em se manter sempre lenta; Carlota não vendo perigo em
nada. E ela cuidadosa” (LISPECTOR, 1998, p. 49).
Pensa, então, em pedir à empregada que leve as rosas para Carlota, que
ficaria surpresa com a sua “delicadeza de sentimentos”, já que, afinal, “ninguém
imaginaria que Laura tivesse também suas ideiazinhas” (LISPECTOR, 1998,
p. 59). Esse gesto também impressionaria seu esposo, que “encararia com
benevolência os impulsos de sua pequena mulher, e de noite eles dormiriam
juntos” (LISPECTOR, 1998, p. 60). Esses pensamentos demonstram, mais uma
vez, o desejo de Laura em ser reconhecida por estar adaptada a um padrão
esperado de comportamento, bem como o desejo de agradar às pessoas, para ser
bem vista e aceita socialmente. Entretanto, depois de pedir para a empregada
enviar as rosas, Laura se vê arrependida, afinal:
Por que dá-las, então? lindas e dá-las? Pois quando você descobre
uma coisa boa, então você vai e dá? Pois se eram suas, insinuava-se
ela persuasiva sem encontrar outro argumento além do mesmo que,
repetido, lhe parecia cada vez mais convincente e simples. Não iam
durar muito – por que então dá-las enquanto estavam vivas? O prazer
de tê-las não significava grande risco – enganou-se ela – pois, quisesse
ou não quisesse, em breve seria forçada a se privar delas, e nunca mais
então pensaria nelas pois elas teriam morrido – elas não iam durar
muito, por que então dá-las? O fato de não durarem muito parecia
tirar-lhe a culpa de ficar com elas, numa obscura lógica de mulher que
peca. Pois via-se que iam durar pouco (ia ser rápido, sem perigo) [...].
Olhou-as com enlevo, pensativa, profunda. E, sinceramente, nunca vi
na minha vida coisa mais perfeita (LISPECTOR, 1998, p. 61).
61
Um simples jarro de rosas foi capaz de perturbar a ordem recentemente
estabelecida, já que a “beleza extrema” das rosas a incomodava, contrastando com a
opacidade de sua vida. Além disso, as rosas despertam em Laura questionamentos
acerca de si, fazendo-a refletir sobre questões que nunca havia pensado, como, por
exemplo, o fato dela nunca se preocupar consigo, vivendo a vida em função do
outro: “Um segundo depois, muito suave ainda, o pensamento ficou levemente
mais intenso, quase tentador: não dê, elas são suas. Laura espantou-se um pouco:
porque as coisas nunca eram dela” (LISPECTOR, 1988, p. 61).
Por fim, ao desfazer-se das rosas, Laura sente sua falta pois “haviam
deixado um lugar claro dentro dela [...]. As rosas haviam deixado um lugar sem
poeira e sem sono dentro dela. No seu coração, aquela rosa, que ao menos poderia
ter tirado para si sem prejudicar ninguém no mundo, faltava. Como uma falta
maior” (LISPECTOR, 1998, p. 31). O conto leva o público-leitor a refletir sobre os
conflitos internos que podem ser desencadeados mediante situações simples e
inusitadas do cotidiano.
DICAS
62
“Em seu último texto, A hora da estrela nos apresenta a história de Macabéa, uma
nordestina pobre, raquítica e semianalfabeta. Diferente de suas personagens
anteriores que inseridas no vazio de um quotidiano pequeno burguês, viviam
um tédio confortável, Macabéa é só, sem laços de família e que mal tem forças
para lutar pela sua sobrevivência na cidade do Rio de Janeiro. Macabéa, essa
personagem de existência insignificante e miserável, é de grande importância
no conjunto da obra de Clarice Lispector, pois trata-se de sua última
personagem, de seu último livro. Depois de A Hora da Estrela, Clarice retira-
se de cena, como que num gesto de desistência de tentar entender-se, de tentar
entender a vida e sua dor, cessa sua busca desesperada de seu eu. Órfã de pai
e mãe, Macabéa foi criada por uma tia “muito madrasta má” que também vem
a falecer alguns anos depois. Não se sabe de que maneira, mas um dia a jovem
chega ao Rio de Janeiro. Lá vai viver em uma pensão na rua do Acre, dividindo
o quarto com mais quatro moças, todas Marias (da Penha, Aparecida, José e
uma quarta que era apenas Maria), que trabalham como balconistas nas Lojas
Americanas. Macabéa consegue um emprego de datilógrafa em um pequeno
escritório (foi a única que aceitou trabalhar por aquele salário tão baixo). Lá
divide o espaço com o chefe, o dono da firma e Glória, uma carioca da gema,
fogosa e loira (artificial)” (CORDEIRO, 2017, p. 3273).
DICAS
Você também pode assistir ao filme cujo roteiro é uma adaptação do romance
homônimo de Clarice Lispector. Ele foi produzido por Suzana Amaral em 1985.
63
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
De acordo com Cristófano (2011, p. 1), “ao pensar na literatura como uma
possibilidade de contribuir para a formação ideológica do povo brasileiro”, a
escritora “utiliza as suas obras infantis e juvenis como um compromisso social.
Por meio de suas obras literárias denuncia e favorece reflexões sobre várias
questões, entre eles, o preconceito contra a mulher”.
E
IMPORTANT
Antes de continuar a leitura, que tal conhecer um pouco sobre a vida e a obra dessa
escritora?
FONTE: <http://obviousmag.org/literatura_em_movimento/2017/por-que-amar-as-obras-
de-lygia-bojunga.html>. Acesso em: 8 set. 2019.
Para conhecer as obras e outros dados interessantes da vida da autora, acesse o site: http://
www.casalygiabojunga.com.br/pt/index.html.
64
TÓPICO 3 | REPRESENTATIVIDADE E REPRESENTAÇÃO FEMININA NA LITERATURA BRASILEIRA
Nem sei qual das três me enrola mais. Às vezes acho que é a vontade
de crescer de uma vez e deixar de ser criança. Outra hora acho que é a
vontade de ter nascido garoto em vez de menina. Mas hoje tô achando
que é a vontade de crescer. Já fiz de tudo para me livrar delas. Adiantou?
Hmm! É só me distrair um pouco e uma aparece logo. Ontem mesmo
eu tava jantando e de repente pensei: puxa vida, falta tanto ano pra eu
ser grande. Pronto: a vontade de crescer desatou a engordar, tive que
sair correndo pra ninguém ver. Faz tempo que eu tenho vontade de
ser grande e ser homem. Mas foi só no mês passado que a vontade de
escrever deu pra crescer também (BOJUNGA, 1990, p. 11-12).
Não serão somente suas vontades que viverão na bolsa, mas também
outros personagens que a menina vai agregando ao longo da história, como o
galo Afonso. E assim a narrativa vai se desenvolvendo, em meio a relatos que
misturam acontecimentos reais da família com o mundo criado no pensamento
de Raquel, povoado por fantasias e por seus amigos imaginários, denominados
André e Lorelai.
65
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
Porque eu acho que é muito melhor ser homem do que mulher [...].
É, sim. Vocês podem um monte de coisas que a gente não pode.
Olha: lá na escola, quando a gente tem que escolher um chefe, pras
brincadeiras, ele sempre é um garoto. Que nem chefe de família: é
sempre o homem também. Se eu quero jogar uma pelada, que é o tipo
de jogo que eu gosto, todo o mundo faz pouco de mim e diz que é coisa
pra homem; se eu quero soltar pipa, dizem logo a mesma coisa. É só
a gente bobear que fica burra: todo o mundo tá sempre dizendo que
vocês é que têm que meter as caras no estudo, que vocês é que vão ser
chefe de família, que vocês é que vão ter responsabilidade, que – puxa
vida! – você é que vão ter tudo. Até pra resolver casamento – então eu
não vejo? – a gente fica esperando vocês decidirem. A gente tá sempre
esperando vocês resolverem as coisas pra gente. Você quer saber de
uma coisa? Eu acho fogo ter nascido menina (BOJUNGA, 1990, p. 16).
Algumas formas de representação do feminino vão se desvelando no
decorrer do texto, por exemplo, quando Raquel descreve uma de suas irmãs mais
velhas: “Essa irmã que eu tô falando é bonita pra burro, você precisa ver. Nem
sei o que ela é mais se bonita ou mascarada. Imagina que outro dia ela me disse:
Eu sou bonita, não preciso trabalhar nem estudar: tem homem assim querendo
me sustentar; posso escolher à vontade” (BOJUNGA, 1990, p. 26). A fala da irmã
de Raquel (“tem homem querendo me sustentar”) associada à descrição física da
moça (“bonita pra burro”) remete à objetificação do corpo feminino, que consiste
em considerar a mulher como objeto ou coisa, e não como sujeito dotado de
aspectos emocionais e psicológicos (BELMIRO et al., 2015).
Em outro momento da narrativa Raquel tece reflexões sobre seu tio Júlio,
cuja esposa gosta de gastar dinheiro com coisas que logo enjoam e descarta:
66
TÓPICO 3 | REPRESENTATIVIDADE E REPRESENTAÇÃO FEMININA NA LITERATURA BRASILEIRA
Ao término da narrativa Raquel descobre que “ser menina podia ser tão
legal quanto ser garoto (BOJUNGA, 1990, p. 125), e a vontade de ser um menino
emagreceu tanto que foi sumindo. Isso aconteceu após Raquel conhecer a Casa
dos Consertos, onde ela encontra uma família diferente na qual os papéis sociais
não estão pré-definidos; ao contrário, os moradores alternam nas funções que
tradicionalmente são divididas entre homens e mulheres.
Percebe-se logo de início, pela atitude da avó, que a vida de Maria mudaria
drasticamente na nova residência. Quando Barbuda explica aos moradores
da casa que Maria trabalhava com eles no circo, a avó interrompe de forma
veemente: “v – Agora ela não trabalha em mais nada, agora ela vai ficar morando
aqui comigo e só vai estudar e brincar [...] – Isso era antigamente, essa história de
Maria trabalhar em circo já passou (BOJUNGA, 1987, p. 13-14).
67
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
Durante os passeios que fez pela corda bamba Maria descobre, por
exemplo, o motivo da solidão e do egoísmo da sua avó e revive o momento
da morte dos pais, compreendendo o motivo pelo qual eles arriscaram a vida
no espetáculo circense que ocasionou a tragédia. Ao reviver fatos de dor,
Maria consegue elaborar seu luto e viver momentos de superação: trata-se de
um processo que, “embora doloroso, conduz a menina para a recuperação da
memória e, de posse do conhecimento da vida vivida, sente-se livre da culpa
[...]” (SANTOS, 2015, p. 46-47).
[...] ué que porta nova era aquela? Era uma porta diferente de
tamanho e de feitio, diferente de pintura também: parecia que estavam
experimentando uma porção de cor: tinha uma porção de pinceladas,
cada uma de uma tinta. Maria abriu a porta bem devagar. Mas
sem medo. Era um quarto vazio [...] Maria começou a passar muito
tempo no quarto novo [...] O tempo vai passando, mais portas vão
aparecendo, e Maria vai abrindo todas elas, e vai arrumando cada
quarto[...] Num quarto ela bota o circo onde vai trabalhar; no outro ela
gota o homem que ela vai gostar; no outro os que ela vai ter. Arruma,
prepara, prepara: ela sabe que vai chegar o dia de poder escolher
(BOJUNGA, 1987, p. 123).
68
TÓPICO 3 | REPRESENTATIVIDADE E REPRESENTAÇÃO FEMININA NA LITERATURA BRASILEIRA
69
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
E
IMPORTANT
Que tal conhecer um pouco mais sobre a escritora Marina Colasanti antes de
continuar a leitura? Leia, a seguir, sua biografia.
70
TÓPICO 3 | REPRESENTATIVIDADE E REPRESENTAÇÃO FEMININA NA LITERATURA BRASILEIRA
Conforme reiterado mais de uma vez no texto, “Tecer era tudo o que fazia.
Tecer era tudo o que queria fazer”, pois realizando essa atividade cotidiana ela
se sentia feliz. Com o tempo, porém, a tecelã começa a se sentir sozinha, motivo
pelo qual resolve tecer um marido: “com capricho de quem tenta uma coisa
nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam
companhia” (COLASANTI, 1985, p. 8). E foi assim que ela compôs seu esposo,
com o qual viveu feliz por um certo tempo, sempre pensando em aumentar sua
felicidade quando os filhos viessem a fazer parte daquela família.
Porém, quanto mais tecia mais triste ficava, passando a sentir saudades
do tempo em que, mesmo sozinha, era feliz, tecendo sua vida, sonhos e humores
com as diversas cores dos fios que colocava em seu tear. Resolveu, então, voltar
ao tear, segurar a lançadeira ao contrário e desfazer todo aquele tecido:
71
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
Além do bastidor, conto integrante do livro Uma ideia toda azul (1998), também
gira em torno do ofício do tear, metáfora recorrente na obra de Colasanti que remete
à ideia de transformação interior e crescimento natural (GOULD, 2005). O conto tem
início com a personagem decidindo o que irá bordar; ela sabe apenas que quer utilizar
a cor verde. Ao começar o bordado, viu que ele tomou a forma de capim, “alto, com as
pontas bordadas como se olhasse para alguma coisa” (COLASANTI, 2015, p. 16). Aos
poucos, diferentes componentes são gradativamente tecidos e um cenário vai surgindo
por meio de suas habilidosas mãos:
Foi no dia da árvore. A árvore estava pronta, parecia não faltar nada. Mas
a menina sabia que tinha chegado a hora de acrescentar os frutos. Bordou
uma fruta roxa, brilhante, como ela mesma nunca tinha visto. E outra, até
a árvore ficar carregada, até a árvore ficar rica, e sua boca se encher do
desejo daquela fruta nunca provada (COLASANTI, 1985, p. 13).
72
TÓPICO 3 | REPRESENTATIVIDADE E REPRESENTAÇÃO FEMININA NA LITERATURA BRASILEIRA
O final da narrativa permite supor que a menina foi viver dentro do seu
próprio bordado, contando, para isso, com a ajuda da irmã mais velha, já que ela
mesma não poderia fazer seu próprio bordado:
73
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
LEITURA COMPLEMENTAR
74
TÓPICO 1 | REFLEXÕES ACERCA DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
75
UNIDADE 1 | RELAÇÕES DE GÊNERO E LITERATURA
artigo, do que com a discussão que Mary Wollstonecraft (1995) gerou a partir
dele. Portanto, muito da produção feminina escrita, tanto literária quanto crítica,
política ou social pode ter-se perdido, especialmente pela não valorização desses
trabalhos, afinal, o contexto da produção é uma sociedade patriarcal dominante
que não considera a mulher como cidadã dotada de pensamentos, vontades
e direitos, negando-lhe, também, uma identidade intelectual. Entendemos
sociedade patriarcal como uma sociedade em que naturalmente os homens detêm
o poder de decidir as verdades que sustentam o mundo. Lemaire, considera que
Sendo assim, por muito tempo, a literatura feminina foi uma literatura
de margem, ou seja, esteve à parte das grandes obras canônicas, salvo algumas
exceções. Conforme considera Pinto (2003), embora no fim do século XIX, já
houvesse indícios de um movimento sufragista no Brasil, foi mesmo no século
XX, com o processo de urbanização, que ele ganhou expressão. Logo, precisamos
lembrar que apenas uma pequena elite tinha acesso à língua escrita no País e que
essa elite era composta, em sua maioria, pelo gênero masculino, portanto, tanto a
figura da leitora quanto a da autora foram restringidas ou totalmente excluídas.
[...]
76
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:
• Os diversos contos produzidos por Clarice Lispector, que quase sempre retratam
situações do cotidiano, colocam o leitor face a face com multirrepresentações
da mulher na sociedade.
CHAMADA
77
AUTOATIVIDADE
78
Na segunda aldeia, esperando ter mais sorte, ofereceu-se
para fazer serviços de homem. E novamente ninguém quis aceitá-
la porque, com aquele corpo, tinham certeza de que era mulher.
Cansada, mas ainda esperançosa, ao ver de longe as casas da terceira aldeia,
a Princesa pediu uma faca emprestada a um pastor, e raspou a barba. Porém,
antes mesmo de chegar, a barba havia crescido outra vez, mais cacheada,
brilhante e rubra do que antes.
Então, sem mais nada pedir, a Princesa vendeu suas joias para um
armeiro, em troca de uma couraça, uma espada e um elmo. E, tirando do
dedo o anel que havia sido de sua mãe, vendeu-o para um mercador, em
troca de um cavalo.
79
Companheiro nas lutas e nas caçadas, inquietava-se, porém, o
Rei vendo que seu amigo mais fiel jamais tirava o elmo. E mais ainda se
inquietava, ao sentir crescer dentro de si um sentimento novo, diferente de
todos, devoção mais funda por aquele amigo do que um homem sente por
um homem.
Pois não podia saber que à noite, trancado o quarto, a princesa
encostava seu escudo na parede, vestia o vestido de veludo vermelho,
soltava os cabelos, e diante do seu reflexo no metal polido, suspirava
longamente pensando nele.
Por fim, como nada disso acalmasse seu tormento, ordenou que
viesse ter com ele. E, em voz áspera, lhe disse que há muito tempo tolerava
ter a seu lado um cavaleiro de rosto sempre encoberto. Mas que não podia
mais confiar em alguém que se escondia atrás do ferro. Tirasse o elmo,
mostrasse o rosto. Ou teria cinco dias para deixar o castelo.
Naquele dia não ousou sair do quarto, para não ser denunciada pelo
perfume, tão intenso, que ela própria sentia-se embriagar de primavera.
E perguntava-se de que adiantava ter trocado a barba por flores, quando,
olhando no escudo com atenção, pareceu-lhe que algumas rosas perdiam o
viço vermelho, fazendo-se mais escuras que o vinho. De fato, ao amanhecer,
havia pétalas no seu travesseiro.
80
Uma após a outra, as rosas murcharam, despetalando-se lentamente.
Sem que nenhum botão viesse substituir as flores que se iam. Aos poucos,
a rósea pele aparecia. Até que não houve mais flor alguma. Só um delicado
rosto de mulher.
Agora é sua vez! Tendo como base os estudos realizados nessa unidade
e as análises dos textos literários apresentados, faça sua própria análise do
conto Entre a espada e a rosa, com o olhar voltado para as relações sociais de
gênero presentes na narrativa.
2 (ENADE/2008 – LETRAS)
Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas
como aços espalhados. Ah que medo de começar e ainda nem sequer sei o nome
da moça. Sem falar que a história me desespera por ser simples demais. O que
me proponho contar parece fácil e à mão de todos. Mas a sua elaboração é muito
difícil. Pois tenho que tornar nítido o que está quase apagado e que mal vejo.
Com mãos de dedos duros enlameados apalpar o invisível na própria lama.
Clarice Lispector. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 25.
81
82
UNIDADE 2
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.
CHAMADA
83
84
UNIDADE 2
TÓPICO 1
DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
1 INTRODUÇÃO
Estamos iniciando a Unidade 2 deste Livro Didático denominado Raça,
etnia, cultura e literatura, em que trataremos da diversidade cultural e suas
implicações no contexto educacional e veremos como esses temas podem ser
trabalhados em sala de aula por meio da literatura.
85
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
E
IMPORTANT
86
TÓPICO 1 | DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
DICAS
FICHA TÉCNICA:
Título: Day & Night (Original)
Ano produção: 2010
Dirigido por: Teddy Newton
FONTE: <http://twixar.me/CHjT>.
Duração: 6 minutos
Acesso em: 10 jan. 2020.
Gênero: Animação
País de Origem: Estados Unidos
Link para acesso ao vídeo: https://www.youtube.com/
watch?v=ZxFlN-yHES0.
87
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
Retomando a canção popular que diz que Narciso acha feio o que não é
espelho, Barreto, Araújo e Pereira (2009), sugerem que cada povo carrega em si
um pouco de narcisismo e que isso, em certa medida, é compreensível, já que é
normal gostarmos daquilo que crescemos acostumados a aprender a gostar.
NOTA
88
TÓPICO 1 | DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
NOTA
Você conhece crenças ou hábitos que são comuns em outros povos, mas que
parecem estranhos a nós que vivemos no Brasil e vice-versa? Vamos pensar em alguns e
anotá-los aqui?
Veja, a seguir, dez costumes brasileiros que são estranhos para pessoas que vivem em
outros países. Hábitos que para algumas pessoas são normais podem ser estranhos para
pessoas de outras culturas.
89
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
90
TÓPICO 1 | DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
91
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
E
IMPORTANT
92
TÓPICO 1 | DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
NOTA
Você já deve ter ouvido falar na carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei D.
Manuel por ocasião do descobrimento do Brasil, na qual ele registra suas impressões sobre
a nova terra e o novo povo encontrado. Veja, a seguir, alguns trechos da carta. À medida
que for lendo, grife as partes em que é possível perceber o estranhamento do europeu
frente aos hábitos e costumes do povo indígena.
FONTE: <https://www.todamateria.com.br/carta-de-pero-vaz-de-caminha/>.
Acesso em: 15 set. 2019.
“Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos corpos como
pelas pernas, que, certo, assim pareciam bem. Também andavam entre eles quatro ou cinco
mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma
coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto
da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os
colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que
não havia nisso desvergonha nenhuma”.
“Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas.
Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta
da largura de dois dedos”.
“Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão
e acenaram para a terra, como se os houvesse ali.
Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele.
Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão.
Depois lhe pegaram, mas como espantados.
Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não
quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora.
Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada,
nem quiseram mais.
Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não
beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora.
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito
com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e
acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam
ouro por aquilo”.
93
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
94
TÓPICO 1 | DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
95
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
E
IMPORTANT
96
TÓPICO 1 | DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
97
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
98
TÓPICO 1 | DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
E
IMPORTANT
• a compreender que a diferença deve ser tomada como sinônimo de diversidade e nunca
de desigualdade;
• que não devemos usar os padrões da nossa própria cultura para julgar os padrões
culturais de outro grupo;
• e a perceber que o que caracteriza o homem é sua aptidão praticamente infinita para
inventar modos de vida e formas de organização social extremamente diversas.
99
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
inclusivo no qual seja possível relacionar e conviver com pessoas que pensam,
sentem e veem o mundo de forma diferente. Conforme exposto em Barreto,
Araújo e Pereira (2009, p. 204), “uma relação de alteridade é uma relação com um
outro no qual não nos vemos refletidos. É oposto de identidade”.
NOTA
Vamos fazer uma pausa na leitura para apreciar o poema Anedota búlgara, de
Carlos Drummond de Andrade (2009, p. 36).
Anedota Búlgara
FONTE: <https://www.travessa.com.br/alguma-poesia/artigo/32907be0-eb06-4667-
8b4a-c4c6d2f4365a>. Acesso: 4 out. 2019.
Com base no que estudamos até agora, pense na relação que pode ser feita entre o
poema de Drummond e o conceito de alteridade. Anote aqui suas considerações:
100
TÓPICO 1 | DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
Conforme reiteradas diversas vezes, neste livro didático, a escola pode ser
um local que reproduz, de forma direta ou indireta, estereótipos e preconceitos.
Isso acontece quando ela mantém um abismo entre a cultura escolar e a cultura
de referência de discentes pertencentes a grupos sociais, étnicos e culturais
marginalizados, deixando prevalecer, em seu currículo, a matriz cultural europeia.
Conforme exposto por Moreira e Candau (2005, p. 37-38):
101
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
Construir o currículo com base nessa tensão não é tarefa fácil e irá
certamente requerer do professor nova postura, novos saberes, novos
objetivos, novos conteúdos, novas estratégias e novas formas de
avaliação. Será necessário que o docente se disponha e se capacite a
reformular o currículo e a prática docente com base nas perspectivas,
necessidades e identidades de classes e grupos subalternizados
(MOREIRA; CANDAU, 2005, p. 39).
102
TÓPICO 1 | DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
NOTA
1- Eduque as crianças para o respeito à diferença. Ela está nos tipos de brinquedos, nas
línguas faladas, nos vários costumes entre os amigos e pessoas de diferentes culturas,
raças e etnias. As diferenças enriquecem nosso conhecimento.
2- Textos, histórias, olhares, piadas e expressões podem ser estigmatizantes com outras
crianças, culturas e tradições. Indigne-se e esteja alerta se isso acontecer – contextualize
e sensibilize!
3- Não classifique o outro pela cor da pele; o essencial você ainda não viu. Lembre-se:
racismo é crime.
4.- Se seu filho ou filha foi discriminado, abrace-o, apoie-o. Mostre-lhe que a diferença
entre as pessoas é legal e que cada um pode usufruir de seus direitos igualmente. Toda
criança tem o direito de crescer sem ser discriminada.
5- Não deixe de denunciar. Em todos os casos de discriminação, você deve buscar defesa
no conselho tutelar, nas ouvidorias dos serviços públicos, na OAB e nas delegacias de
proteção à infância e adolescência. A discriminação é uma violação de direitos.
6- Proporcione e estimule a convivência de crianças de diferentes raças e etnias nas
brincadeiras, nas salas de aula, em casa ou em qualquer outro lugar.
7- Valorize e incentive o comportamento respeitoso e sem preconceito em relação à
diversidade étnico-racial.
8- Muitas empresas estão revendo sua política de seleção e de pessoal com base na
multiculturalidade e na igualdade racial. Procure saber se o local onde você trabalha
participa também dessa agenda. Se não, fale disso com seus colegas e supervisores.
9- Órgãos públicos de saúde e de assistência social estão trabalhando com rotinas de
atendimento sem discriminação para famílias indígenas e negras. Você pode cobrar essa
postura dos serviços de saúde e sociais da sua cidade. Valorize as iniciativas nesse sentido.
10- As escolas são grandes espaços de aprendizagem. Em muitas, as crianças e os
adolescentes estão aprendendo sobre a história e a cultura dos povos indígenas e da
população negra; e como enfrentar o racismo. Ajude a escola de seus filhos a também
adotar essa postura.
E você? Como acha que docentes podem contribuir para que atitudes de racismo não
aconteçam na escola?
103
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
Posteriormente, em 2008, essa lei foi alterada por outra, de nº 11.645, que
acrescentava a temática da cultura indígena ao lado da afro-brasileira. Ambas as leis
trouxeram, portanto, novas demandas para serem inseridas no currículo escolar
brasileiro que – movido por um legado eurocêntrico – dava pouco ou nenhum
espaço para reflexões acerca da contribuição da cultura afro-brasileira e indígena
na constituição de nossa identidade. Conforme nos lembra Meinerz (2016, p. 3),
104
TÓPICO 1 | DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO
Como você deve ter percebido, essas leis são extremamente importantes
pois reconhecem a pluralidade que faz parte da formação da sociedade brasileira,
sendo a diversidade inerente ao espaço escolar. A propósito, pensar o espaço
escolar enquanto lócus de manifestação da diversidade cultural implica pensar
no papel do docente enquanto mediador das relações de ensino-aprendizagem,
relações éticas e conflitos de ideologias (SILVA; SILVA, 2013), uma vez que sua
figura acaba sendo central na aplicação destas leis.
105
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:
106
AUTOATIVIDADE
Texto 1
Texto 2
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
107
Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
108
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
109
Considerando que o trabalho de leitura na educação básica visa ao letramento
crítico e à discussão das representações acerca de diferenças de sexo, de
gênero, de raça e de classe social, redija um texto estabelecendo pontos de
aproximação e distanciamento entre os textos 1 e 2. Em seu texto, aborde:
2 (ENADE, 2014)
Fora de Foco
Uma jornalista baiana passou pelo que classificou como "enorme constrangimento"
ao tirar a foto para renovar o passaporte, em Salvador: agentes da Polícia
Federal pediram que ela prendesse o cabelo estilo black power, pois o sistema
não aceitava a imagem gerada. "Eu gosto do meu cabelo e, naquela foto, fiquei
terrível", disse. A jornalista descarta ter recebido qualquer tratamento racista
dos funcionários do local, mas reclamou no Facebook: "Essas coisas podem
não ser intencionais, mas tudo, no fundo, tem um padrão que desvaloriza a
estética que foge do convencional." O delegado, chefe do setor, explicou que
um cabelo de proporções maiores diminui o rosto do fotografado, e foi isso que
o sistema impediu. "A gente concorda com ela que isso é inadmissível. O caso
já foi passado para nossa sede em Brasília, para sabermos que medidas podem
ser adotadas", afirmou.
Diários Associados. Estado de Minas, 18 jul. 2014 (adaptado).
FONTE: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/provas/2014/36_
pedagogia.pdf.>. Acesso em: 22 set. 2019.
111
o modo como ensinamos e que sentidos nossos/as alunos/as dão ao que
aprendem. Atrevidamente é preciso, também, problematizar as teorias
que orientam nosso trabalho (incluindo, aqui, até mesmo aquelas teorias
consideradas “críticas”). Temos de estar atentas/os, sobretudo, para nossa
linguagem, procurando perceber o sexismo, o racismo e o etnocentrismo
que ela frequentemente carrega e institui.
FONTE: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/provas/2011/PEDAGOGIA.pdf>.
Acesso em: 29 set. 2019.
112
UNIDADE 2 TÓPICO 2
1 INTRODUÇÃO
Estamos iniciando mais um tópico no qual estudaremos a relação entre
a produção literária e os estudos pós-coloniais. Antes, porém, será feita uma
retomada de alguns termos importantes como colonialismo, etnocentrismo e
eurocentrismo, essenciais para a compreensão dos estudos relacionados.
113
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
fato que essa não exigia apenas tributos, bens e riquezas dos países
conquistados, mas reestruturava as economias dos países colonizados
de tal modo que o relacionamento entre o colonizador e o colonizado
interferiu no intercâmbio de recursos materiais e humanos trocados
entre ambos. Consequentemente essa colonização devastou a cultura,
as vezes milenar, de muitos povos, a qual foi substituída por uma
cultura eurocêntrica e cristã.
114
TÓPICO 2 | A LITERATURA E OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS
FONTE: <https://lume-re-demonstracao.ufrgs.br/imagens-para-pensar-o-outro/1-recursos.html>.
Acesso em: 21 set. 2019
115
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
[…] Estes índios andam nus sem cobertura alguma, assim machos
como fêmeas, não cobrem parte nenhuma de seu corpo, e trazem
descoberto quanto a natureza lhes deu. Vivem todos em aldeias, pode
haver em cada uma sete, oito casas, as quais são compridas feitas à
maneira de cordoarias; e cada uma delas está cheia de gente duma
parte e doutra, e cada um por si tem sua estância e sua rede armada em
que dorme, e assim estão todos juntos uns dos outros por ordem, e pelo
meio da casa fica um caminho aberto para se servirem. Não há como
digo entre eles nenhum Rei, nem Justiça, somente em cada aldeia tem
um principal que é como capitão, ao qual obedecem por vontade e não
por força; morrendo este principal fica seu filho no mesmo lugar; não
serve doutra cousa se não de ir com eles à guerra, e aconselhá-los como
se hão de haver na peleja, mas não castiga seus erros nem manda sobre
eles cousa alguma contra sua vontade. Este principal tem três, quatro
mulheres, a primeira tem em mais conta, e faz dela mais caso que das
outras. Isto tem por estado e por honra. Não adoram cousa alguma
nem têm para si que há na outra vida glória para os bons, e pena para
os maus, tudo cuidam que se acaba nesta e que as almas fenecem com
os corpos, e assim vivem bestialmente sem ter conta, nem peso, nem
medida (GANDAVO, 2008, p. 66).
Como você pôde perceber, nesse pequeno trecho, Gandavo aponta diversos
aspectos do modo de vida indígena fazendo referência ao não uso de vestimentas,
ao tipo de moradia, à ausência de autoridade política, à prática da poligamia
pelos homens e à ausência algum tipo de culto religioso que pudesse cercear as
ações dos indivíduos. Os aspectos destacados por Gandavo não foram aleatórios
pois, ao abordá-los, ele estabelece, internamente, um diálogo com os valores da
cultura na qual estava inserido. O autor, portanto, olha para a população nativa
com as lentes da própria cultura, concluindo, então, que aquele modo de vida era
bestial, fazendo-se necessária a intervenção do colonizador para salvar essa gente.
116
TÓPICO 2 | A LITERATURA E OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS
Vale ressaltar, porém, que, em ambos os casos, sendo concebido como bom
ou mau selvagem, esse outro era visto apenas como “objeto-pretexto para todo
tipo de exploração econômica, política quanto à conversão religiosa ou à emoção
estética” (GERHARDT, 2019, p. 4). Em outras palavras, “a tarefa civilizatória e
a tutelagem paternal assumidas pela nação europeia nada mais foram que um
pretexto pelo qual intensificavam a rapinagem e a luta pela aquisição de matérias-
primas” (BONNICI, 2009, p. 264), não podendo ser dissociado, portanto, do
ideário colonialista.
3 PÓS-COLONIALISMO
O colonialismo contribuiu para que a diversidade cultural da humanidade
acabasse sendo limitada “a apenas uma perspectiva paradigmática que vê a
Europa como a origem única dos significados, como o centro de gravidade do
mundo, como realidade ontológica em comparação com a sombra do resto do
planeta” (SHOHAT; STAM, 2006, p. 20). Em contrapartida, “as experiências
culturais dos subalternos – dos povos colonizados – as suas construções culturais
são relegadas a um secundário lugar rotulado como saber local, que a tradição
filosófica ocidental não considera relevante” (MATA, 2014, p. 29).
117
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
Por esse motivo é possível afirmar que o colonialismo foi muito além
das dominações políticas, territoriais e econômicas, configurando-se também
como uma dominação epistemológica pois, em meio a uma relação notoriamente
desigual, “conduziu à supressão de muitas formas de saber próprias dos povos
e nações colonizados, relegando muitos outros saberes para um espaço de
subalternidade” (SANTOS; MENESES, 2009, p. 5).
118
TÓPICO 2 | A LITERATURA E OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS
119
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
E
IMPORTANT
120
TÓPICO 2 | A LITERATURA E OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS
falar de uma única teoria pós-colonial, mas de uma série de estudos oriundos de
diversos campos epistemológicos cujo ponto em comum é a crítica às narrativas que
apresentam a cultura eurocêntrica como modelo civilizatório universal (GUERRA,
2014). Ou ainda, trata-se de “uma variedade de contribuições com orientações
distintas, mas que apresentam como característica comum esforço de esboçar, pelo
método da desconstrução dos essencialismos, uma referência epistemológica crítica
às concepções dominantes da modernidade” (COSTA, 2006, p. 84). De acordo com
esse autor, a crítica colonial foi iniciada por “autores qualificados como intelectuais
da diáspora negra ou migratória – fundamentalmente imigrantes oriundos de
países pobres que vivem na Europa Ocidental e na América do Norte – teve, na
crítica literária, sobretudo na Inglaterra e nos EUA, a partir dos anos 1980, suas
áreas pioneiras de difusão” (COSTA, 2006, p. 84).
121
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
122
TÓPICO 2 | A LITERATURA E OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS
123
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
124
TÓPICO 2 | A LITERATURA E OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS
NOTA
Guaixará
Esta virtude estrangeira
me irrita sobremaneira.
FIGURA – O AUTO DE SÃO LOURENÇO
Quem a teria trazido,
com os seus hábitos polidos
estragando a terra inteira?
Quem é forte como eu?
Como eu, conceituado?
Sou diabo bem assado,
a fama me precedeu:
Guaixará sou chamado
Que bom costume é bailar!
Adornar-se, andar pintado,
tingir pernas, empenado
fumar e curandeirar,
andar de negro pintado.
Para isso
com os índios convivi.
FONTE: <http://twixar.me/nypT>.
Vêm os tais padres agora
Acesso em: 13 jan. 2020.
com regras fora de hora
para que duvidem de mim.
Lei de Deus que não vigora.
125
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
126
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:
127
AUTOATIVIDADE
2 (ENADE, 2018):
TEXTO 1:
FONTE: <http://design.ufes.br/sites/design.ufes.br/files/field/anexo/provas-e-gabarito_
enade2018-design.pdf>. Acesso em: 2 dez. 2019.
A frase em latim “Ex Africa semper aliquid novi”, do escritor romano Caio
Plínio, dita há 2.000 anos, significa “da África sempre há novidades a reportar”.
A partir dessa ideia, o curador alemão Alfons Hug montou a exposição “Ex
Africa”, que conta com 18 artistas de oito países africanos e dois artistas
brasileiros. A ideia da mostra é retratar a produção artística africana sem
estereótipos aos quais estamos acostumados, como objetos de artesanato e
referências iconográficas.
TEXTO 2
128
de Berlim (1885), que definiu a partilha colonial da África, essas imagens
“simpáticas” começaram a sombrear. Reinos e Impérios foram substituídos
pelas tribos primitivas em estado de guerra permanente, umas contra outras,
para justificar e legitimar a Missão Civilizadora, que até hoje alimenta o
imaginário da África no Brasil.
I- A África tem sido pensada, por muitos, como um único país, compreendida
de forma monolítica, como se fosse formada por cultura única, ou, até
mesmo, um lugar de povos sem cultura alguma, o que contribui e reforça
a exclusão social das obras africanas do sistema das artes visuais.
II- Construídas sob a égide do clichê da miserabilidade, as clássicas
representações sobre a África, que retratam o continente como um celeiro
da tradição, do arcaísmo, da produção manufaturada e artesanal, são
estereótipos que precisam ser superados, por serem incompatíveis com a
multiplicidade de expressões artísticas africanas.
III- Os estereótipos sobre o continente africano foram construídos a partir
de interesses políticos, culturais e econômicos que sustentaram, durante
séculos, projetos de exploração e ações excludentes.
129
130
UNIDADE 2 TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
Conforme visto no decorrer desta unidade, a Lei nº 11.645/08 regulamentou
a obrigatoriedade da inclusão, no currículo oficial da rede de ensino, da temática
História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. A escola, enquanto locus de transmissão
e socialização de conhecimento e cultura, pode contribuir ou não para a
implantação de uma prática pedagógica de respeito e valorização de diferentes
culturas, dentre elas a africana e a indígena. Assim, espera que as escolas superem
práticas pedagógicas que submetem tais culturas a um processo de cristalização
ou folclorização (GOMES, 2003), tornando o currículo mais democrático e aberto
à diversidade cultural existente em nosso país.
Por esse motivo, é essencial que o corpo docente esteja preparado para
trabalhar com tais temáticas em sala de aula. No caso específico da Literatura,
o conhecimento das obras de escritores africanos, indígenas e de imigrantes
oportuniza uma aproximação rica e interessante com essas culturas nem sempre
valorizadas no ambiente escolar.
2 LITERATURA AFRICANA
Para iniciar os estudos sobre a literatura africana é importante ter
em mente que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não existe uma
uniformidade cultural neste continente. Além de ser necessário levar em conta
as diferenças existentes entre os países localizados ao norte do deserto do Saara
e aqueles localizados ao sul, na região denominada África subsaariana, é preciso
compreender que, mesmo nesta região, de grande extensão territorial, também
é possível encontrar bastante diversidade, muito embora eles tenham diversos
traços em comum.
131
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
AUTOATIVIDADE
132
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
133
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
134
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
135
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
Luuanda está dividida em três contos que têm em comum o fato de tratarem
do cotidiano e da luta pela sobrevivência nos musseques – bairros pobres de Luanda.
Utilizando-se de recursos da oralidade, o autor consegue recriar o modo de vida
angolano, aproximando o leitor de aspectos culturais e linguísticos de seu povo.
A primeira narrativa – denominada Vavó Xíxi e Seu Neto Zeca Santos – conta a vida
desses dois personagens, sempre marcada pela pobreza e pela fome. Utilizando as
palavras de Ferreira e Souto (2013, p. 12), “a dificuldade imposta pela colonização,
impedindo dignidade de vida aos personagens, o espaço de discriminação imposto
pelos musseques, soa como um grito na narração de Luandino”.
Ao fazer uma análise das obras de Luandino Vieira, Ferreira e Souto (2013,
p. 14) ponderam que:
136
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
FONTE: <https://melhorliteratura.files.wordpress.com/2014/12/imagem.jpg>.
Acesso em: 13 jan. 2020.
“Quero rir, me sentir feliz, livre, despreocupado, Paizinho está ali, mas não
posso: no seu rir e estar ali eu vejo, como Rute vai ver daqui a pouco no último
passeio de barco na baía da nossa terra de Luanda, a morte de Maninho.
É a chorar e sem as flores na mão que a Igreja do Carmo me entra pelo corpo
adentro”.
“[…] por isso, mãe, eu não quero ser enterrado, é uma palavra tão feia, tão fria,
tão fosca, tão fresca; ou sepultado, outra, rima com abandonado, excomungado,
capado e castrado, dominado e discriminado – escravizado! – essas todas
palavras e suas rimas e sinónimos, todas têm silêncio e quietez e eu quero
ser lançado no mar, então terei ao menos a ilusão de movimento, vou nascer
outra vez embalado, baloiçado nas ondas todo o tempo e não vou ser pó, serei
plâncton e vadiarei, vou andar no quilapanga por todas as praias do Mundo”
(VIEIRA, 2004).
137
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
[...]
2.2 PEPETELA
FIGURA 3 – PEPETELA (ANGOLA)
138
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
139
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
FIGURA 4 – YAKA
FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTxwqc3o8Vx2jG-Kp7KiIL
7kmTA4PVtj182spLXwo9wo3cjq9UI&s>. Acesso em: 13 jan. 2020.
É o fim, pensou ele, já sem forças para o dizer em voz alta. Devo fazer o balanço
da minha vida. [...] Só tenho que fazer a das perdas. Uma família a que dei
origem, hoje espalhada pelo mundo. Só Joel e Chico sobraram. E Joel talvez agora
já esteja morto, sem sepultura. É importante estar sem sepultura? Gostaria de
levar a enterrar esse menino que descobri no fim da vida. E fui egoísta e ia dizer-
140
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
lho, quando me alegrei que fosse lutar. Ia fazer o que nunca fui capaz de fazer,
ele ia redimir-me. É sempre assim, descobre-se demasiado tarde. Não deixará
traço no mundo. Nem o sapalalo. Não foi ele que o construiu, mas deixei-o
apodrecer, já saí pó por todos os lados, basta uma explosão aqui perto para ele
desabar. Nada, não deixa nada atrás dele. A sociedade será outra nesta terra,
nem vestígios registará na História. A História guarda os feitos de heróis, na
medida que interessam às forças vitoriosas da época. Não são os seus vestígios
que a nova sociedade vai querer na História. Um colono a mais. Para esquecer.
A culpa foi minha? Tinha sido apenas o mexilhão da história, uma bimba que
se afogou porque duas vagas chocaram exactamente sobre ela. [...] A terra que
a boca de Alexandre Semedo morde lhe sabe bem. É o cheiro do barro molhado
pelo orvalho de madrugada e o som longínquo de badalos de vacas na vastidão
do Mundo. Leva esse sabor e cheiro de terra molhada para cima da pitangueira,
onde fica a balouçar, para sempre (PEPETELA, 1998, p. 393-395).
“Yaka segue o modelo grego de saga familiar pelo fato de ter o seu principal
núcleo narrativo centralizado na história dos Semedo, uma família de colonos
portugueses que veio para Angola no final do século XIX, ao mesmo tempo
em que a história desse clã está atrelada ao desenvolvimento histórico de
uma região de Angola e da própria nação angolana.
[...]
[...]
141
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
2.3 AGUALUSA
FIGURA 5 – AGUALUSA (ANGOLA)
FONTE: <https://www.estantevirtual.com.br/livros/jose-eduardo-agualusa>.
Acesso em: 4 out. 2019.
142
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
livro mais famoso, o romance epistolar Nação Crioula (1997), “afirma-se como
o desfecho de um longo percurso de construção de uma identidade marcada
pela miscigenação e pela consciência crítica das relações entre os continentes
americano, europeu e africano” (SILVA, 2011, p. 7). Veja, a seguir, um enxerto
da obra O vendedor de passados, seguida de uma breve análise empreendida por
Martins e Martins (2015).
FONTE: <https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/I/5126uMjIrQL.jpg>.
Acesso em: 13 jan. 2020.
143
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
144
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
145
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
De acordo com Silva (2018, p. 2), a obra de Paulina Chiziane, que aborda
questões femininas e da cultura moçambicana, acaba configurando-se como “o
espaço da representação universal feminina, já que ali encontram-se transfiguradas
as inúmeras e diversas faces e vozes há muito silenciadas”. Ainda segundo essa
autora, “a prosa de Paulina Chiziane, por meio de uma narrativa livre de tabus e
de um lirismo advindo de uma estrutura discursiva específica que assume o tom
confessional [...] desloca o leitor do centro masculino ocidental e lhe apresenta
diversas margens interpretativas até então não observadas” (SILVA, 2018, p. 14).
146
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
FONTE: <https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/I/51kLX3pK39L._SX322_
BO1,204,203,200_.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2019.
147
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
FONTE: <http://www.pluraleditores.co.mz/our-country/authors/author/ver/?id=32845>.
Acesso em: 6 out. 2019
148
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
Além das obras citadas, Mia Couto publicou diversos contos, crônicas e
romances, dentre eles: Terra Sonâmbula (1992), Mar Me Quer, (1998), Vinte e Zinco
(1999), Último Voo do Flamingo (2000), O Gato e o Escuro (2001), A Chuva Pasmada,
(2004), O Outro Pé da Sereia (2006), O beijo da palavrinha (2006), Jesusalém (Antes
de nascer o mundo) (2009), Pensageiro frequente (2010), A Confissão da Leoa (2012),
Mulheres de cinzas (2015), A Espada e a Azagaia (2016), O Bebedor de Horizontes
(2017). Veja agora alguns trechos da obra Terra Sonâmbula e respectiva análise
feita por Rabello (2011).
149
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
FONTE: <https://images-na.ssl-images-amazon.com/images/I/517etOJMUVL.jpg>.
Acesso em: 13 jan. 2020.
“– Que pátria, Kindzu? Eu não tenho lugar nenhum. Ter pátria é assim como
você está a fazer agora, saber que vale a pena chorar. [...] – Não gosto de pretos,
Kindzu. – Como? Então gosta de quem? Dos brancos? – Também não. – Já sei:
gosta de indianos, gosta da sua raça. – Não. Eu gosto de homens que não tem
raça. É por isso que gosto de si, Kindzu.
[...]
O povo acorreu para lhe tirar carnes, fatias e fatias de quilo. Ainda não morrera
e já seus ossos brilhavam no sol. Agora, eu via o meu país como uma dessas
baleias que vêm agonizar na praia. A morte nem sucedera e já as facas lhe
roubavam pedaços, cada um tentado o mais para si.... Estou condenado a uma
terra perpétua, como a baleia que esfalece na praia. Se um dia me arriscar num
outro lugar, hei de levar comigo a estrada que não me deixa sair de mim.
[...]
Então ele com um pequeno pau rabisca na poeira do chão: “AZUL”. Fica a olhar
o desenho, com a cabeça inclinada sobre o ombro. Afinal, ele também sabia
escrever? Averiguou as mãos quase com medo. Que pessoa estava em si e lhe
ia chegando com o tempo? Esse outro gostaria dele? Chamar-se ia Muidinga?
Ou teria outro nome, desses assimilados, de usar em documento?” (COUTO,
2007).
150
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
É notável, de fato, que Mia Couto faça com a língua portuguesa o que ele próprio
chamou de “brincriações”, criando neologismos e expressões peculiares como
uma maneira de se apropriar de uma língua que veio do colonizador, mas
modificando-a segundo sua sensibilidade artística [...]. Os neologismos aparecem
na formação de adjetivos ou verbos, acrescentando novos valores semânticos às
palavras primitivas. Mesmo que algumas construções causem certa estranheza
ao leitor, é evidente como os neologismos e os termos autóctones enriquecem o
texto, ampliando e diversificando o léxico da língua portuguesa.
Mia Couto explora consistentemente os significados telúricos ou primitivos da
ligação do homem com a terra, simbolizada de diversas maneiras ao longo
do livro. O romance se inicia com a revelação de que naquele lugar onde se
encontram as personagens, a estrada havia sido destruída pela guerra. Trata-se
de uma paisagem devastada, em que hienas se arrastam e a tristeza se adensa,
retirando a leveza das cores. Nesse cenário, movimentam-se as personagens
em uma dimensão mítica, errando pela terra destroçada, com um desespero
pungente e uma recusa da morte. Assim se apresentam Muidinga e Thuair,
vagando em busca de um lugar até avistarem um machibombo queimado.
Nesse momento, também descobrem os cadernos de Kindzu, o único dos
mortos que não tinha o corpo queimado. A figura de um homem se faz notável
enquanto Muidinga e Thuair retiram as vítimas carbonizadas de dentro do
antigo automóvel [...].
A presença da escrita e da oralidade, do novo e do antigo, é sensível em Terra
Sonâmbula, envolvendo toda a complexa construção textual e a busca das
personagens por sua identidade. É através da alternância de perspectivas entre
os cadernos de Kindzu e as vidas de Muidinga e Thuair que decorre a trama. O
texto é narrado em primeira e em terceira pessoa. Há uma voz em terceira pessoa
que narra as aventuras das personagens que se sucedem ao longo dos capítulos e
uma voz em primeira pessoa que narra os escritos de Kindzu” (RABELLO, 2011).
DICAS
Antes de dar continuidade à leitura, veja essa lista com 10 obras bastante
interessantes e seus respectivos resumos para que você possa mergulhar na literatura
africana.
151
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
Estórias Abensonhadas
Os contos podem ser uma boa iniciação à literatura africana. Nesse livro, eles foram escritos
depois da guerra e, conforme o autor, “surgiram entre as margens da mágoa e da esperança”.
Em cada uma das 26 histórias é possível notar o traço inventivo e original da linguagem de
Couto. Aspectos da tradição oral africana recebem relevo na obra desse premiado autor.
A Sul. O sombreiro
Trabalho mais recente de Pepetela, é ambientado em Angola nos séculos XVI e XVII,
portanto, no início da
colonização portuguesa naquele país. O núcleo narrativo desdobra-
se novamente. Desta feita, Pepetela dá voz a três narradores que se revezam no intuito de
contar a história dos primórdios do que viria a ser a Angola atual.
152
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
3 LITERATURA INDÍGENA
Antes de falarmos da literatura indígena propriamente dita, é importante
tecer algumas considerações acerca da literatura indianista e indigenista. A literatura
indianista foi aquela produzida no Brasil no século XIX, no período do romantismo.
Ela exaltava a natureza nacional e a construção da imagem idealizada do índio
como herói brasileiro. Tais obras, escritas por autores não índios, tinham como
perspectiva a visão do branco/colonizador, ou seja, elas “trazem a cultura, os
costumes, a língua e a religiosidade do índio retratados pelo outro, pelo não índio.
É o olhar do outro sobre uma cultura que não é a sua” (AMARAL, 2017, p. 24074).
153
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
As obras indigenistas, por sua vez, são caracterizadas por Thiél (2013, p.
1178) como sendo aquelas:
Para além dos estudos literários, vale ressaltar que o termo indigenista
também está relacionado, na contemporaneidade, às políticas de proteção ao
índio (CARVALHO, 2018).
154
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
[...] a literatura escrita pelos povos indígenas no Brasil pede que se leiam
as várias faces de sua transversalidade, a começar pela estreita relação
que mantém com a literatura de tradição oral, com a história de outras
nações excluídas (as nações africanas, por exemplo), com a mescla
cultural e outros aspectos fronteiriços que se manifestam na literatura
estrangeira e, acentuadamente, no cenário da literatura nacional.
155
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
156
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
Dentre as diversas obras publicadas por Yaguarê Yamã, vamos nos deter
em duas delas, que foram analisadas por Amaral (2017). A primeira é O caçador de
histórias Sehay Ka’at Hariá (2004):
O livro Murũgawa: mitos, contos e fábulas do povo Maraguá (2007), por sua
vez, está dividido, como indicado no título, em mitos, contos e fábulas. De acordo
com Amaral (2013, p. 24078), “tal obra abre caminho para uma análise mais
157
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
Veja, a seguir, alguns trechos da obra Contos da Floresta e uma breve análise
feita por Siscú (2017) acerca de três narrativas pertencentes à obra: História de
Kâwerá, As makukáwas e História de Mapinguary.
FONTE: <https://www.antroposofica.com.br/lojas/00000472/prod/contos_floresta_g.
jpg?cccfc=21b7b5db>. Acesso em: 13 jan. 2020.
158
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
Tomou um susto, ao ver que o corpo do amigo não estava mais lá, apenas
a cabeça. O homem parou. E, no momento em que se virou, viu a cabeça se
transformando em Mapinguary. A cabeça mesmo já não existia mais. O que
havia era um corpo enorme, todo peludo, com uma hedionda boca no meio do
estômago que começou a gritar e a gemer pavorosamente” (YAMÃ, 2012).
“A literatura indígena se constrói com elementos típicos da cultura oral.
Fortemente marcada pela tradição, esta literatura traz em seu corpus histórias
recheadas do sobrenatural, do maravilhoso, do fantasmagórico. Categoriza-se
essas narrativas como insólitas, pois falam muito sobre as crenças do homem
da Amazônia, principalmente os que moram em áreas fora da cidade e que
têm experiências estranhas a partir de uma situação vivenciada por ele mesmo
ou por outrem. Assim no enredo destas histórias é comum aparecerem seres
e situações incríveis que extrapolam o humano, como é o caso dos três contos
elencados para este estudo.
[...]
No conto História de Kãwera o leitor é levado a conhecer o mundo estranho onde
reina o Kãwera, “esqueleto velho. Ser da mitologia Maraguá, metade homem,
metade morcego” (YAMÃ, 2012, p. 56).
[...]
As Makukáwas, o insólito se faz presente na figura de um homem alto e forte, mas
com pés de pássaro. A aparição desse ser na história acontece em decorrência a
do lamento constante de uma mulher que ao cuidar de inúmeras makukawas,
as quais seriam servidas como refeição para o esposo, reclama o fato de ter que
sozinha cuidar dos pássaros.
[...]
Na narrativa História de Mapinguary o insólito também acontece por meio da
aparição de um ser estranho e de uma situação sobrenatural. O Mapinguary,
figura estranha e amedrontadora, é “um ser mitológico Maraguá. Entidade
maligna da floresta, com o corpo coberto de pelos e boca no estômago” (YAMÃ,
2012, p. 56). Esta entidade sobrenatural é tida no imaginário amazônico como
um monstro que persegue as pessoas na floresta, usa pedaços de carne para
atraí-las e depois devorá-las.
[...]
As três histórias deste estudo fazem parte do imaginário amazônico e são
frutos de narrativas orais, típicas das sociedades indígenas. Essas narrativas
têm como uma das características fundamentais a presença do insólito que se
concretiza na presença de seres fabulosos, estranhos e situações suprarracionais
que extrapolam os limites da condição natural humana.
[...]
O leitor dessas narrativas é assim convidado a entrar no jogo da ficção, a
aceitar como verdade as situações e seres anormais e estranhos. As narrativas
indígenas, frutos da cultura oral, circulam entre os membros da comunidade
por meio de um interlocutor que empresta a sua voz e assim narra a história
aos seus receptores de forma que estes a recebam como uma verdade possível
na ficção e por que não na realidade concreta” (SISCÚ, 2017).
159
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
DICAS
Quer conhecer um pouco mais sobre esse autor? Acesse o site http://
blogdeyaguare.blogspot.com/p/obras-de-yaguare.html e conheça o blog de Yaguarê Yamã.
Nele, você encontrará fotos e informações sobre o Povo Maraguá, outros livros do escritor
e ainda uma relação de diversos autores que produzem literatura indígena.
160
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
[...] não existe uma identidade cultural única brasileira, mas diversas
identidades que, embora não formem um conjunto monolítico e
exclusivo, coexistem e convivem de forma harmoniosa, facultando e
enriquecendo as várias maneiras possíveis de indianidade, brasilidade
e humanidade. Ora, identidade implica a alteridade, assim como
alteridade pressupõe a diversidade de identidades, pois é na interação
com o outro não-idêntico que a identidade se constitui.
FONTE: <http://lojasaraiva.vteximg.com.br/arquivos/ids/6973198/785202.
jpg?v=637075265593030000>. Acesso em: 13 jan. 2020.
“As histórias que irei contar, ou melhor, recontar, já foram narradas milhares de
vezes por este Brasil afora. Estas fábulas, cujos personagens são animais, fazem
parte do repertório popular, mas a origem delas é da gente indígena, embora
161
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
162
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
DICAS
O mito guarani de A Terra sem Males é o foco desta obra direcionada para o público
infantojuvenil. À simplicidade da narrativa somam-se a complexidade mito e sua relevância
na cultura guarani. O leitor não índio, possivelmente, construirá um diálogo de parte do
mito com a narrativa bíblica do Dilúvio, mas a narrativa abre as portas para uma discussão
sobre as especificidades a cultura desse povo. Informações que seguem a narrativa são
acompanhadas por grafismos geométricos, que dialogam com formas de expressões
indígenas. Questões diversas, como história dos guaranis, a resistência e diversidade
indígena no Brasil, as migrações e a demarcação das terras podem ser aprofundadas,
servindo como propostas para pesquisa.
A Terra sem Males: Mito guarani. São Paulo, Jakson de Alencar, Paulus, 2009 (Coleção
Mistura Brasileira)
Os pequenos ikpeng são os guias de uma narrativa que descreve 24 horas em sua aldeia.
O texto, acompanhado do filme que o inspirou, em um enredo circular e edição bilíngue,
é ideal para apresentar a cultura do povo ikpeng, do Mato Grosso. A linguagem é concisa,
mas densa de informações e possibilidades de discussão sobre o que aproxima e o que
diferencia o povo ikpeng de outras culturas. Tarefas, brincadeiras, costumes passados e
presentes, festas e rituais, objetos ancestrais e cotidianos, papéis sociais, medos e perigos da
floresta, além de mudanças incorporadas pelo contato com culturas europeias, fazem parte
da obra. O texto promove a abertura cultural ao outro e constrói pontes para a compreensão
das diferenças sem preconceitos. Das Crianças Ikpeng para o Mundo Marangmotxíngmo
Mïrang, de Rita Carelli (Adaptação e ilustrações). São Paulo: CosacNaify, 2014 (Coleção
Um Dia na Aldeia)
A Terra dos Mil Povos: História indígena do Brasil contada por um índio
Este foi o primeiro livro escrito por um autor indígena brasileiro que li e a obra me apresentou
novas possibilidades de ver os índios na história e na literatura. O texto mostra o poder
da palavra na tradição ancestral indígena, aponta a pluralidade de etnias, conta como os
povos nativos leem o mundo, constroem suas identidades e suas relações com os não
índios, revelam respeito pelo poder criador e pela terra. O livro é um relato individual e
ancestral, mas muito mais que isso: trata-se de um convite para conhecermos a história
tribal brasileira, a contribuição e presença dos povos indígenas no Brasil de hoje.
A Terra dos Mil Povos: História indígena do Brasil contada por um índio, de Kaka Werá
Jecupé. São Paulo: Peirópolis, 1998 (Série Educação para a Paz).
Câmera na Mão, o Guarani no coração
Ler O Guarani, de José de Alencar, constitui desafio para muitos jovens. Contudo, o texto
de Scliar pode promover o interesse pela leitura da obra de Alencar. Em uma linguagem
contemporânea, o narrador conta, em primeira pessoa, como foi motivado à leitura de
163
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
Câmera na Mão, o Guarani no Coração, de Moacyr Scliar. 2. ed. São Paulo: Ática, 2008.
Kurumi Guaré no Coração da Amazônia
De autor amazonense, a obra narra aventuras infantis e descreve o povo maraguá. Além
de acompanhar registros da memória do narrador, uma auto e cosmorrepresentação, e
ensinamentos dos povos da floresta, o leitor pode observar a composição multimodal do
texto e os símbolos maraguá. Grafismos indígenas constituem uma poética que traduz uma
vontade política de expressão de identidade, contam histórias complementares e podem
sinalizar a origem do texto na tradição ancestral. A compreensão da obra envolve uma leitura
dos símbolos maraguá, do Glossário Nheengatú e de termos regionais amazônicos. Há um
enredo nos desenhos da obra de Yamã que lança o leitor para uma rede de significados
construídos na interação entre palavra e imagem.
Kurumi Guaré no Coração da Amazônia, de Yaguarê Yamã. São Paulo: FTD, 2007.
“Ouça o que dizem os antigos. Preste atenção na fala dos velhos sábios, pois eles guardam
a Palavra Criadora”. Esta frase de Ailton Krenak, inserida em uma carta nas páginas iniciais
desta obra, marca o tom do texto xavante. Um envelope contendo a carta inclui cartões-
postais com ilustrações que narram histórias encontradas nos objetos de arte dos povos
indígenas. Como um prefácio, as imagens anunciam as palavras dos membros mais velhos
da aldeia Pimentel Barbosa. Suas vozes foram gravadas e traduzidas para a escrita por
xavantes do Núcleo de Cultura Indígena. Em edição bilíngue, o texto é acompanhado por
desenhos de jovens artistas da aldeia, fotos dos xavante e dos warazu, não índios, e por um
panorama histórico que vai do século XVI ao século XX.
Wamrêmé Za’ra: Nossa palavra – Mito e história do povo xavante, de Sereburã; Hipru;
Rupawê; Serezadbi; Sereñimirâmi. São Paulo: Editora Senac, 1998.
Há obras que buscam reconstruir, pela ficção, figuras indígenas heroicas. É o caso do
romance que, narrado pela perspectiva de um jesuíta, em um vaivém da memória, destaca
a resistência dos Sete Povos das Missões (RS) e de um dos líderes e guerreiros indígenas do
Sul do Brasil, Sepé Tiaraju. No texto, Tiaraju é apresentado pela visão do colonizador, Michael,
ou Padre Miguel. Seu olhar constrói o herói indígena e a história da colonização dos povos
indígenas pela missão catequizadora dos jesuítas e pela política europeia. Documentos
históricos, como os tratados de Tordesilhas e de Madrid, além de conflitos e migrações
indígenas formam o contexto da obra.
Sepé Tiaraju: Romance dos Sete Povos das Missões, de Alcy Cheuiche. Porto Alegre: AGE,
2012.
164
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
com europeus. O texto nos apresenta essa terra como um personagem com um passado,
com povos que vivem à sombra de uma profecia anunciada pelo velho Karaíba, de que “um
grande monstro” viria e destruiria tudo. A obra preenche uma lacuna histórica e literária
e apresenta costumes, crenças e leituras do mundo pela visão cultural indígena. Assim,
constrói vozes para povos que não tiveram sua palavra registrada e enfrentaram a crueldade
da colonização europeia e da escravidão.
O Karaíba: Uma história do pré-Brasil, de Daniel Munduruku. Barueri, SP: Manole, 2010.
Com prosa e poesia, Thiago de Mello traça sua gênese e conduz os leitores em uma
viagem pela extensão do Rio Amazonas, percorrendo sua história e dos homens que nele
navegaram: os índios que chegaram à Amazônia, as icamiabas, os exploradores e cronistas
europeus e o poeta. Nesta edição bilíngue, que conta com as encantadoras fotografias de
Luiz Cláudio Marigo, o poeta descreve com suavidade a beleza e a tristeza das águas, da
floresta, das plantas e dos animais da Amazônia e trata de seus espíritos protetores, que
tentam defender a floresta da ganância, do lucro, da caça predatória. O poeta retrata os
cantos dos índios, suas angústias e sofrimentos, mas anuncia a esperança de que a vida
ainda pode ser salva.
Maíra
FONTE: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/dez-obras-com-a-tematica-indigena/>.
Acesso em: 8 out. 2019.
165
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
166
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
No Brasil, o livro Canaã (1902), de José Pereira da Graça Aranha, pode ser
considerado a primeira obra importante no gênero. De acordo com Fogal e Araújo
(2012), a obra é constituída por “uma polifonia de argumentos e perspectivas,
disfarçados sob a couraça racial, que visam discutir a nação brasileira. Na obra,
pode-se observar a configuração de ideias do brasileiro resignado, do brasileiro
patriótico, do estrangeiro dominador e do estrangeiro humanitário, todos a
discutirem o futuro do país”. Ainda de acordo com estes autores, a imigração, em
Canaã, é apresentada de forma estilizada, uma vez que ela
FONTE: <https://blogdoims.com.br/ficcao-sem-teoria-quatro-perguntas-para-tatiana-
salem-levy/>. Acesso em: 9 out. 2019.
167
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
Veja, a seguir, alguns trechos do livro Paraíso (2015) e da análise feita por
Dutra (2016). Ao fazer a leitura, procure associá-la com os estudos sobre gênero
realizados na unidade anterior.
168
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
FIGURA 14 – PARAÍSO
FONTE: <https://www.cidadaocultura.com.br/wp-content/uploads/2019/05/CAPA_
Para%C3%ADso.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2020.
169
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
[...]
O problema da violência doméstica é explorado por Levy através da
personagem Rosa, a empregada doméstica que trabalha no sítio de uma amiga,
em local afastado da cidade e cercado pela natureza, onde a narradora Ana
encontra o cenário ideal para escrever. Exceto por Carlos, o motorista, e Rosa, a
empregada doméstica, Ana estava sozinha com seu medo e suas memórias no
sítio ironicamente chamado Paraíso.
A ironia em torno da ideia de Paraíso, no entanto, desconstrói a imagem do
casamento como o ideal de realização da mulher. Casada com Sérgio, Rosa
abandona sua individualidade e se submete a várias formas de violência, por
julgar que aquele era o destino que lhe cabia. Os ciclos de violência, comuns
em relacionamentos abusivos, são representados no comportamento de Rosa
que, inicialmente triste por ter sido abandonada pelo marido, depois o aceita
de volta e sofre novamente com mais um episódio de agressões.
O arrependimento de Sérgio e o senso de responsabilidade pela manutenção da
família que ela possui – ainda que isso implique em sacrifícios, uma ideia que
fundamenta muito da estrutura patriarcal – impedem que Rosa denuncie seu
marido pelas agressões, levando-a a se calar diante da violência. A denúncia
não é feita, mesmo com a insistência de Ana, e um novo episódio de violência
volta a acontecer, de forma ainda mais trágica.
[...]
Por contemplar no romance as várias formas de violência sofrida pelas
mulheres, independentemente de qual seja sua idade, raça, classe social,
sexualidade etc., Tatiana Salem Levy traz para a narrativa contemporânea uma
questão fundamental e que precisa ser mais discutida, não apenas na literatura,
mas na sociedade atual.
[...]
A ironia do título do romance destaca que ainda não vivemos no paraíso da
igualdade de gênero, em que a violência já não aterroriza a vida das mulheres.
Ao mostrar que o paraíso ainda não é aqui, a autora abre espaço para uma
discussão importante sobre a violência contra a mulher e sobre a necessidade
de demonstrarmos que é possível combate-la e que o primeiro passo é quebrar
o silêncio que nos aprisiona” (DUTRA, 2016).
170
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
FONTE: <https://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=00217>.
Acesso: 9 out. 2019.
171
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
Como você deve ter percebido na breve apresentação desses livros que
fazem parte da literatura de imigrantes, tais obras têm como principal característica
dar voz e visibilidade a sujeitos muitas vezes esquecidos e inferiorizados pela
sociedade, que nem sempre está aberta para compreender e respeitar aquele que
é diferente. Assim como fizemos com os autores anteriores, nesse momento você
terá oportunidade de ler alguns trechos da obra Dois Irmãos e da análise realizada
por Souza (2012).
FONTE: <https://img.travessa.com.br/livro/BA/94/9496ebae-3681-486c-b6cb-b87119a29551.
jpg>. Acesso em: 13 jan. 2020.
172
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
“Eu não sabia nada de mim, como vim ao mundo, de onde tinha vindo. A
origem: as origens. Meu passado, de alguma forma palpitando na vida dos
meus antepassados, nada disso eu sabia. Minha infância, sem nenhum sinal de
origem. É como esquecer uma criança dentro de um barco num rio deserto, até
que uma das margens a acolhe. Anos depois, desconfiei: um dos gêmeos era o
meu pai. Domingas disfarçava quando eu tocava no assunto; deixava-me cheio
de dúvida, talvez pensando que um dia eu pudesse descobrir a verdade.
[...]
Não morei no Líbano, seu Talib. A voz começou mansa e monótona, mas
prometia subir de tom. E subiu tanto que as palavras seguintes assustaram:
“Me mandaram para uma aldeia no sul, e o tempo que passei lá, esqueci. É
isso mesmo, já esqueci quase tudo: a aldeia, as pessoas, o nome da aldeia e o
nome dos parentes. Só não esqueci a língua...” [...] “Não pude esquecer outra
coisa”, Yaqub interrompeu o pai, exaltado. “Não pude esquecer...”, ele repetiu
reticente, e se calou. [...] Só Yaqub permaneceu em baixo da seringueira. Ele e
sua frase incompleta.
[...]
Naquela época, tentei, em vão, escrever outras linhas. Mas as palavras parecem
esperar a morte e o esquecimento; permanecem soterradas, petrificadas, em
estado latente, para depois, em lenta combustão, acenderem em nós o desejo
de contar passagens que o tempo dissipou. E o tempo, que nos faz esquecer,
também é cúmplice delas. Só o tempo transforma nossos sentimentos em
palavras mais verdadeiras.
[...]
Na primeira semana de janeiro de 64 Antenor Laval passou em casa para
conversar com Omar. O professor de francês estava afobado, me perguntou se
eu havia lido os livros que me emprestara [...] Minha mãe se assustou ao vê-lo
tão abatido, um morto-vivo, a expressão aflitiva de um homem encurralado.
[...] Os dois saíram apressados e Omar só voltou na madrugada do dia
seguinte, quando Zana estranhou a sobriedade do filho, alguma coisa que ele
escondia ou inquietava [...] Antes de almoçar pediu dinheiro à irmã. Era bem
mais do que costumava pedir, um dinheirão que Rânia se recusou a dar. [...]
Ele ainda insistiu, sem o cinismo habitual, sem os gestos de sedução que a
desmanchavam” (HATOUM, 2006).
173
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
[...]
O ambiente que forma o pano de fundo da história é o de imigrantes que
se dedicam ao comércio. A narrativa apresenta avanços e recuos no tempo,
sem uma cronologia linear. Dessa forma, aos poucos, o leitor vai tomando
consciência de todos os problemas que envolvem a trama.
[...]
Toda a narrativa tem sua estrutura por meio de recordações que surgem da
memória do narrador personagem. A necessidade de Nael em descobrir o
passado, para, assim, compreender a sua existência, faz com que ele transforme
os pedaços de sua memória em palavras.
[...]
A literatura contemporânea, apresentada aqui por meio da obra de Hatoum,
leva o leitor à reflexão e à formação de seu próprio ponto de vista, de uma
leitura de mundo compatível com a experiência vivenciada. Não há, portanto,
um desfecho tradicional direcionado pelo narrador, mas sim, um fecho que
permite várias leituras, de acordo com as vivências do leitor. A obra de Milton
Hatoum abre ao leitor a possibilidade de participação no universo discursivo,
promovendo o diálogo entre a Literatura e a História, o que o permite extrapolar
todos os limites entre o que é real e o que é ficcional, buscando, dessa forma,
um olhar crítico do mundo” (SANTOS, 2012).
DICAS
TUROS
ESTUDOS FU
174
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
LEITURA COMPLEMENTAR
Daniel Munduruku
Tenho certeza que agindo assim, nunca mais teremos que dizer aos nossos
jovens e crianças: “vamos brincar de índio?”.
176
TÓPICO 3 | LITERATURA AFRICANA, INDÍGENA E DE IMIGRANTES
Aqui caberia outra reflexão que deverá vir brevemente. No entanto, devo
deixar claro que o termo parente é usado pelos indígenas para todos os seres (vivos
ou não-vivos). Chamar alguém de parente é colocá-lo numa rede de relações que
se confunde com a própria compreensão cosmológica ancestral. Mesmo na língua
portuguesa podemos observar que se trata de uma palavra que une concepções
(par+ente) que denota um envolvimento que permite compreendermos que dois
ou mais seres se juntam numa rede consanguínea. Do ponto de vista indígena
isso vai além da consanguinidade e se insere numa cosmologia cuja crença coloca
todos os seres (entes) numa teia de relações. Somente neste contexto é possível
compreender a intrínseca relação dos indígenas com a natureza. Isso é, no entanto,
assunto para outra conversa.
Até aqui tenho usado outra palavra para referir-me aos povos ancestrais.
Ora eu uso nativo, ora indígena. Qual seria a certa? Ambas estão corretas para
referir-se a uma pessoa pertencente ao um povo ancestral. Por incrível que
possa parecer não há relação direta entre as palavras índio e indígena, embora
o senso comum tenha sempre nos levado a crer nisso. Basta uma olhadela num
bom dicionário que logo se perceberá que há variações em uma e noutra palavra.
No duro mesmo os dicionários têm alguma dificuldade em definir com precisão
o que seria o termo índio. Quando muito dizem que é como foram chamados
os primeiros habitantes do Brasil. Isso, no entanto, não é uma definição é um
apelido e apelido é o que se dá para quem parece ser diferente de nós ou ter
alguma deficiência que achamos que não temos. Por este caminho veremos que
não há conceitos relativo ao termo índio, apenas preconceito: selvagem, atrasado,
preguiçoso, canibal, estorvo, bugre são alguns deles. E foram estas visões
equivocadas que chegaram aos nossos dias com a força da palavra.
177
UNIDADE 2 | RAÇA, ETNIA, CULTURA E LITERATURA
Afinal, o que tem de errado com a palavra? A antiga ideia de que nossos povos
são dependentes de um Povo maior. A palavra tribo está inserida na compreensão de
que somos pequenos grupos incapazes de viver sem a intervenção do estado. Ser tribo
é estar sob o domínio de um senhor ao qual se deve reverenciar. Observem que essa é
a lógica colonial, a lógica do poder, a lógica da dominação. É, portanto, um tratamento
jocoso para tão gloriosos povos que deveriam ser tratados com status de nações
uma vez que têm autonomia suficiente para viver de forma independente do estado
brasileiro. É claro que não é isso que se deseja, mas seria fundamental que ao menos
fossem tratados com garbo.
178
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:
CHAMADA
179
AUTOATIVIDADE
1 (ENADE, 2014)
TEXTO 1:
TEXTO 2:
180
c) ( ) Desenvolve a diversidade cultural, à semelhança do que aponta a imagem,
mas não transcende os valores canônicos tradicionais da esfera do literário.
d) ( ) Estabelece a fusão entre diversos valores culturais. Os elementos
apresentados na imagem são mais ou menos destacados, dependendo
da literatura em que são referenciados.
e) ( ) Torna a literatura contemporânea um modismo a partir dos cânones
exclusivos das literaturas clássicas. Assim, contrapõe-se à imagem que
aponta para diversos elementos culturais não canônicos.
FONTE: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/provas/2014/30_letras_
portugues_licenciatura.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2020.
Subpoesia
Subsarianos somos
sujeitos subentendidos
subespécies do submundo
subalimentados somos
surtos de subepidemias
sumariamente submortos
do subdólar somos
subdesenvolvidos assuntos
de um sul subserviente.
Com base nos estudos realizados acerca da crítica pós-colonial, faça uma
análise crítica do poema Subpoesia, do poeta angolano José Luís de Mendonça.
181
182
UNIDADE 3
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
183
184
UNIDADE 3
TÓPICO 1
1 INTRODUÇÃO
Nas unidades anteriores, vimos que a literatura contribui no processo de
formação do sujeito à medida que o instiga a pensar criticamente a expor opiniões,
a realizar comparações entre o que foi lido e a realidade vivida, ou seja, por meio
dos textos literários é possível ampliar a capacidade de análise e reflexão, fazendo
emergir novos posicionamentos frente às questões sociais.
185
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
E
IMPORTANT
186
TÓPICO 1 | LEITURA, EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL
e viaja pelo mundo ministrando palestras. É membro, entre outros, dos conselhos editoriais
da Revue de Synthèse (Paris) e da revista Mana: Estudos de Antropologia Social (Rio de
Janeiro). Diversos de seus livros estão publicados no Brasil.
“Roger Chartier faz parte da geração de intelectuais que seguem a linha historiográfica
atual com o propósito de compreender os aspectos sociais do homem no tempo pelo
viés cultural. Em suas obras, demonstra como a prática de leitura se desenvolveu dentro de
alguns períodos de tempo, sendo assim, um especialista renomado no assunto. Chartier é
um historiador preocupado com a evolução do livro, experiências de leitura e proliferação
do universo textual, temas que são relativamente novos na problemática histórica e que são
elencados porque a atualidade coloca em questão todo o universo do livro, desestabilizado
por causa do meio eletrônico. Suas obras seguem direcionadas por três segmentos
principais – representação, prática e apropriação, não é favor de uma definição puramente
semântica do texto por acreditar que a relação entre criação e consumo, entre produção e
recepção, são interdependentes. Isso significa que todo texto é produto de uma leitura, ou
seja, a construção do livro como um todo só pode existir com uma gama de interpretações
dos leitores. Além disso, considera que a leitura é uma prática que envolve gestos, espaços
e hábitos” (NASCIMENTO, 2018, p. 188-189).
NOTA
FIGURA – GUTENBERG
FONTE: <http://twixar.me/xYpT>.
Acesso em: 4 nov. 2019.
187
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
FONTE: <https://www.historiadomundo.com.br/idade-moderna/invencao-imprensa.htm>.
Acesso em: 4 nov. 2019.
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TÓPICO 1 | LEITURA, EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL
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UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
[…] tal mudança no suporte físico da escrita força o leitor a ter novas
atitudes e aprender novas práticas intelectuais. A passagem dos textos
do livro impresso para a tela do computador é uma mudança tão
grande quanto a passagem do rolo para o códex durante os primeiros
séculos da Era cristã. Isso desafia a ordem dos livros familiares aos
leitores e dita novos caminhos de leitura que superam as limitações
tradicionais impostas pelos objetos impressos.
190
TÓPICO 1 | LEITURA, EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL
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UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
NOTA
Em 1998, Gilberto Gil lançava a música Pela Internet, na qual ele fazia uma
espécie de apologia à internet, utilizando termos que até então pouco conhecidos, mas
que foram se popularizando como websites, homepage, gigabytes e outros. Vinte anos
depois Gilberto Gil apresentou nova versão da música, refletindo sobre os impactos que a
internet vem causando na vida das pessoas. Confira!
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TÓPICO 1 | LEITURA, EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL
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UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
Você deve ter notado, nas letras das duas músicas, a grande quantidade de
termos pertencentes à linguagem da internet que eram impensáveis há algumas
décadas. As transformações ocasionadas pela era digital não se restringem à linguagem
e ao setor da comunicação, chegando a ser difícil apreender todas as transformações
por ela ocasionadas. Conforme lembrado por Bortolazzo (2016, p. 10),
Para corroborar as palavras de Bortolazzo, basta que você olhe a sua volta
e certifique-se de quantos artefatos digitais se encontram ao seu dispor nesse
momento. As relações mantidas com esses artefatos são elementos significativos
que configuram novos padrões de comportamentos sociais na contemporaneidade.
A propósito, o Ensino a Distância, modalidade de curso escolhida por você, só foi
possível devido a essa série de invenções tecnológicas que permite sua conexão
às redes de informações.
Cultura Digital
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TÓPICO 1 | LEITURA, EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL
significados culturais. Quer dizer, para que se possa pensar sobre o conjunto
de práticas que envolvem os sujeitos e as tecnologias digitais, é preciso dar a
elas significados […]. Deste modo, as Novas Tecnologias de Comunicação e
Informação não só incitam as formas pelas quais enxergamos e experimentamos
o mundo, mas produzem e são os próprios produtos da sociedade em que
vivemos” (BORTOLAZZO, 2016, p. 12).
[…] neste tipo de leitura não existe o contato físico com o papel. Os
livros ou textos são digitalizados ou já nascem em meio digital e são
disponibilizados de diversas maneiras, mas principalmente através da
internet, o que possibilita que mais de um leitor o acesse, estando em
qualquer lugar do planeta e a qualquer hora do dia, socializando a
informação. Para essa nova forma de leitura, são necessários mais requisitos
do que para a leitura convencional.
Letramento Digital
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UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
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TÓPICO 1 | LEITURA, EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL
NTE
INTERESSA
[…] É importante fazer esta distinção: como os Imigrantes Digitais aprendem – como todos
imigrantes, alguns mais do que os outros – a adaptar-se ao ambiente, eles sempre mantêm,
em certo grau, seu “sotaque”, que é, seu pé no passado. O “sotaque do imigrante digital”
pode ser percebido de diversos modos, como o acesso à internet para a obtenção de
informações, ou a leitura de uma manual para um programa ao invés de assumir que o
programa nos ensinará como utilizá-lo. Atualmente, os mais velhos foram “socializados”
de forma diferente das suas crianças, e estão em um processo de aprendizagem de uma
nova linguagem. E uma língua aprendida posteriormente na vida, os cientistas nos dizem,
vai para uma parte diferente do cérebro. Há centenas de exemplos de sotaque de imigrante
digital. Entre eles estão a impressão de seu e-mail (ou pedir a secretária que o imprima para
você – um sotaque ainda “mais marcante”); a necessidade de se imprimir um documento
escrito do computador para editá-lo (ao invés de editá-lo na tela; e trazer as pessoas
pessoalmente ao seu escritório para ver um web site interessante (ao invés de enviar a eles
a URL). Tenho certeza de que você consegue pensar em um ou dois exemplos sem muito
197
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
esforço. Meu exemplo favorito é “Você recebeu meu e-mail” pelo telefone. Aqueles de nós
que são Imigrantes Digitais podem, e devem, rir de nós mesmos e de nosso “sotaque”.
Mas esta não é apenas uma piada. É muito sério, porque o único e maior problema que
a educação enfrenta hoje é que os nossos instrutores Imigrantes Digitais, que usam uma
linguagem ultrapassada (da era pré-digital), estão lutando para ensinar uma população
que fala uma linguagem totalmente nova. Isto é óbvio aos Nativos Digitais – as escolas
frequentemente sentem como se nós tivéssemos criado uma população de sotaque forte,
estrangeiros incompreensíveis para ensiná-los. Eles geralmente não podem entender o que
os Imigrantes estão dizendo. O que “discar” um número significa mesmo? Para que esta
perspectiva não pareça radical, muito menos apenas descritiva, deixe-me elucidar alguns
pontos. Os Nativos Digitais estão acostumados a receber informações muito rapidamente.
Eles gostam de processar mais de uma coisa por vez e realizar múltiplas tarefas. Eles
preferem os seus gráficos antes do texto ao invés do oposto. Eles preferem acesso aleatório
(como hipertexto). Eles trabalham melhor quando ligados a uma rede de contatos. Eles têm
sucesso com gratificações instantâneas e recompensas frequentes. Eles preferem jogos
a trabalham “sério”. (Isto lhe parece familiar?) Mas os Imigrantes Digitais tipicamente têm
pouca apreciação por estas novas habilidades que os Nativos adquiriram e aperfeiçoaram
através de anos de interação e prática. Estas habilidades são quase totalmente estrangeiras
aos Imigrantes, que aprenderam – e escolhem ensinar – vagarosamente, passo-a-passo,
uma coisa de cada vez, individualmente, e acima de tudo, seriamente […].
Considerando que o texto foi escrito há quase 20 anos, você acha que ele ainda pode
ser considerado atual? Escreva aqui suas impressões:
Essa divisão estabelecida por Prensky (2001) foi alvo de muitas críticas,
especialmente devido ao emprego do termo nativo digital, que sugere que os jovens
têm uma competência inata para utilizar os recurso digitais. Entretanto, conforme
lembrado por Coelho, Costa e Mattar Neto (2018), essa oposição foi importante
pois permitiu estabelecer uma reflexão acerca das diferenças comportamentais e
culturais entre gerações. Ademais, “se existem diferenças que distinguem um nativo
digital de um imigrante digital, dando-lhes identidade, também há similitudes que
possibilitam que essas duas noções sejam compreendidas em um contexto de ação
e atuação no mundo” (COELHO; COSTA; MATTAR NETO, 2018, p. 1087).
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TÓPICO 1 | LEITURA, EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL
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UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
Como você pôde perceber, a educação na era digital requer que a escola
incorpore ao seu currículo as novas linguagens oriundas da Tecnologia da
Informação e Comunicação. De acordo com Garofalo (2018, p. 2), isso possibilitará
“que o aluno desvende possibilidades de comunicação e uma participação mais
consciente da cultura digital. Do lado do professor, é o início do caminho de
reinventar novos modelos de promover a aprendizagem, interagir e compartilhar
significados entre professores e alunos”.
200
RESUMO DO TÓPICO 1
201
AUTOATIVIDADE
FONTE: <https://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2005/01/28/490613/usabilidade-
e-chave-aprendizado-em-ead.html>. Acesso em: 30 nov. 2019.
1 INTRODUÇÃO
Das paredes das cavernas até a tela de um computador foram vários
os suportes de escrita utilizados pelas pessoas para registrarem suas ideias,
informações e emoções. A evolução desses suportes acompanha a história da
evolução da humanidade, sendo que cada um deles alterou a forma de lidar com
a escrita e com a leitura.
205
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
Suportes da Escrita
FONTE: <http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/suportes-da-
escrita>. Acesso em: 8 nov. 2019.
206
TÓPICO 2 | LITERATURA NA ERA DIGITAL
FONTE: <https://www.estudopratico.com.br/wp-content/uploads/2015/11/escrita-
cuneiforme.jpg>. Acesso em: 8 nov. 2019.
207
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
de 2000 sinais e seu uso era de uma dificuldade enorme [...]. Somente no século
XX foram encontrados documentos que esclareciam em partes a complexidade
de entendimento desta escrita, sua tradução foi uma tarefa muito árdua. Para
conseguir decifrar os documentos encontrados, era necessário que os estudiosos
dominassem outras línguas como o hebreu e o árabe, para que pudessem
encontrar dentro do vocabulário dessas duas línguas alguma semelhança que
leve a tradução da escrita cuneiforme.
FONTE: <https://cdn.britannica.com/s:575x450/18/153418-004-D84DE409.jpg>.
Acesso em: 11 nov. 2019.
208
TÓPICO 2 | LITERATURA NA ERA DIGITAL
FIGURA 3 – PAPIRO
FONTE: <http://museuegipcioerosacruz.org.br/wp-content/uploads/2017/12/Papiro.jpg>.
Acesso em: 11 nov. 2019.
O talo da planta era cortado em tiras longas e estreitas e posto para secar.
Depois de secas, as tiras ficavam de molho em água e vinagre por alguns dias.
Após um novo período de secagem, as tiras eram coladas umas sobre as outras,
em sentido horizontal e vertical, formando retângulos ou quadrados. Eram,
a seguir, prensadas durante mais alguns dias e depois marteladas e alisadas.
Para aumentar a resistência do material, várias dessas folhas prensadas eram
coladas umas sobre as outras. Por fim, eram emendadas e presas a um suporte
de madeira ou marfim, formando um rolo. A escrita era feita em sentido paralelo
às fibras [...]. Muitas das informações hoje conhecidas sobre a civilização egípcia
chegaram até nossos dias por meio de papiros. São famosos, entre outros, o
Papiro de Ahmes (ou de Rhind), coletânea de ensinamentos matemáticos datada
de 1650 a.C., e o Livro dos mortos, que era colocado nos sarcófagos, pois se
acreditava que ajudava o falecido a encontrar o caminho da luz.
209
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
FIGURA 4 – PERGAMINHO
FONTE: <https://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2012/10/pergaminho.jpg>.
Acesso em: 11 nov. 2019.
FONTE: <https://www.passeiweb.com/estudos/sala_de_aula/historia/surgimento_da_escrita_
egito>. Acesso em: 11 nov. 2019.
210
TÓPICO 2 | LITERATURA NA ERA DIGITAL
[…] aparece em novos suportes, que vão além do livro impresso. Com
isso surgem novas ferramentas de construção do texto e novos papéis
para autor e leitor. A literatura incorporou sistemas semióticos que
vão além do verbal: visual, cinético, sonoro, digital, entre outros, que
realizam de maneira inovadora, velhas experiências e descobertas.
Abre-se um leque de possibilidades de criação inventiva sob o viés da
literatura contemporânea que mantêm uma relação com a tradição,
mas que soa como novidade.
211
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
212
TÓPICO 2 | LITERATURA NA ERA DIGITAL
O que é ciberliteratura
213
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
Ainda sobre a estética dos textos digitais, Hayles (2009) apud Spalding
(2010) atenta para a emergência de diversas formas literárias, por exemplo, a ficção
em hipertexto, ficção na rede interligada, ficção interativa, narrativas locativas,
instalações, arte generativa e poemas em Flash, entre outras. Com relação ao
conto, Spalding (2010) destaca o miniconto e o hiperconto como possibilidades
literárias já adaptadas ao meio digital. De acordo com Silva (2017, p. 213), “a
publicação de romances online continua sendo um fenômeno minoritário e
marginal”, havendo uma “popularidade das formas ultracurtas de minicontos e
mininarrativas on-line”.
215
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
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TÓPICO 2 | LITERATURA NA ERA DIGITAL
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UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
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TÓPICO 2 | LITERATURA NA ERA DIGITAL
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UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
DICAS
Antes de continuar a leitura, que tal visitar a página do livro digital Minicontos
Coloridos? Nela, você poderá fazer sua própria mistura de cores e ler o miniconto
referente à cor produzida. Além disso, o projeto tem um caráter colaborativo, ou seja,
você também pode deixar se inspirar pelas cores e enviar seus próprios minicontos, que
poderão ser publicados. O livro está disponível em: http://www.literaturadigital.com.br/
minicontoscoloridos/.
220
TÓPICO 2 | LITERATURA NA ERA DIGITAL
FONTE: <http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/10998/9808>.
Acesso em: 14 nov. 2019.
221
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
• Cliptocardiograma
FONTE: <http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/10998/9808>.
Acesso em: 14 nov. 2019.
222
TÓPICO 2 | LITERATURA NA ERA DIGITAL
• Crescer
FONTE: <http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/10998/9808>.
Acesso em: 14 nov. 2019.
223
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
E
IMPORTANT
1- A Literatura Digital é aquela obra literária feita especialmente para mídias digitais,
impossível de ser publicada em papel.
2- A Literatura Digital busca criar uma nova experiência de leitura para o usuário.
3- A Literatura Digital requer um novo tipo de texto e de autor.
4- Por literatura entende-se a arte da palavra; portanto, um projeto de literatura digital
deve conter texto. Não ser um projeto de literatura digital não é ser melhor ou pior,
apenas outra coisa, como videoarte.
5- A Literatura Digital é um novo gênero literário, não substituindo os gêneros da literatura
tradicional em papel ou e-book.
6- A Literatura Digital pode ser multimídia, hipertextual, colaborativa etc., mas não é
necessário que todos os recursos sejam usados simultaneamente.
7- A Literatura Digital pode ser encarada como uma ferramenta para incentivar a leitura
em ambientes digitais. Não queremos que um usuário largue um livro para ler literatura
digital, e sim que ele largue por 10 minutos seus joguinhos ou redes sociais e leia um
projeto de literatura digital.
8- Livro digital não é livro digitalizado – confundi-los seria o mesmo que filmar uma peça
de teatro e chamar isso de cinema.
9- A Literatura Digital é uma atividade lúdica, mas não é um jogo, pois num jogo o
“objetivo principal é antes de mais nada e principalmente a vitória” (vide Homo Ludens,
de Huizinga).
10- Substitui-se aqui o conceito de livro pelo conceito de obra, entendido como “um objeto
dotado de propriedades estruturais definidas, que permitam, mas coordenando-os, o
revezamento das interpretações, o deslocar-se das perspectivas” (vide Obra Aberta, de
Umberto Eco).
224
RESUMO DO TÓPICO 2
225
AUTOATIVIDADE
TEXTO 1:
“O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de
comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo
especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas
também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como
os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao
neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais
e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores
que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (LEVY,
1999, p. 17).
TEXTO 2:
“O desenvolvimento da cibercultura se dá com o surgimento da microinformática
nos anos 70, com a convergência tecnológica e o estabelecimento do personal
computer (PC). Nos anos 80-90, assistimos à popularização da internet e a
transformação do PC em um “computador coletivo”, conectado ao ciberespaço,
a substituição do PC pelo CC. Aqui, a rede é o computador e o computador uma
máquina de conexão. Agora, em pleno século XXI, com o desenvolvimento
da computação móvel e das novas tecnologias nômades (laptops, palms,
celulares), o que está em marcha é a fase da computação ubíqua, pervasiva
e senciente, insistindo na mobilidade. Estamos na era da conexão. Ela não
é apenas a era da expansão dos contatos sobre forma de relação telemática.
Isso caracterizou a primeira fase da internet, a dos “computadores coletivos”
(CC). Agora temos os “computadores coletivos móveis (CCm)”. Trata-se da
ampliação de formas de conexão entre homens e homens, máquinas e homens,
e máquinas e máquinas motivadas pelo nomadismo tecnológico da cultura
contemporânea e pelo desenvolvimento da computação ubíqua (3G, Wi-Fi),
da computação senciente (RFID, bluetooth) e da computação pervasiva, além
da continuação natural de processos de emissão generalizada e de trabalho
cooperativos da primeira fase dos CC (blogs, fóruns, chats, softwares livres,
peer to peer etc.). Na era da conexão, do CCm, a rede transforma-se em
um “ambiente” generalizado de conexão, envolvendo o usuário em plena
mobilidade” (LEMOS, 2004, p. 1).
226
2 (ENADE, 2014) Com relação ao uso das Tecnologias da Informação e da
Comunicação (TIC) na leitura e na escrita, assinale a opção CORRETA:
227
228
UNIDADE 3
TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
Neste último tópico, que tem como tema a literatura contemporânea, faz-
se necessário, primeiramente, explicitar o sentido dado ao termo contemporâneo.
Conforme salientam Vieira e Rodrigues (2014), a priori, toda definição apresentada
para esse termo pode ser problemática, podendo ocasionar exclusões e falhas.
229
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
230
TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
Schollhammer (2011, p. 98), por sua vez, afirma que a literatura marginal
é um fenômeno que, “coloca o contato com a realidade atual brasileira como foco
principal. Trata-se, aqui, de uma literatura que, sem abrir mão da verve comercial,
procura refletir os aspectos mais inumanos e marginalizados da realidade social
brasileira”. Como marco desse tipo de literatura no Brasil, Schollhammer cita
Estação Carandiru, de Dráuzio Varella.
E
IMPORTANT
FONTE: <https://www.custojusto.pt/porto/livros/estacao-carandiru-de-drauzio-
varella-29781842>. Acesso em: 15 nov. 2019.
231
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
“Um dos mais icônicos livros da literatura brasileira e o mais famoso de Dráuzio Varella,
Estação Carandiru nos mostra uma realidade que tendemos a ignorar. Publicado em 1999, o
livro registra experiências do autor durante o período em que fez um trabalho voluntário de
prevenção à AIDS na Casa de Detenção de São Paulo — o maior presídio da América Latina
à época. Dráuzio mostra todo o funcionamento do presídio com linguagem jornalística e
expositiva, começando com uma descrição física do local tão exemplar que nos faz sentir
como se estivéssemos passeando pelos pavilhões durante todo o livro, tão familiarizados
ficamos com o ambiente. Em seguida, descreve a rotina dos presos, incluindo refeições,
faxinas, visitas, trabalhos e outros aspectos da organização e da vida dentro da cadeia. Na
sequência, o autor nos conta, em curtos capítulos e adquirindo um tom machadiano de
contar os “causos”, histórias de vida dos presos. Essas histórias nos fazem lembrar o que
muitas vezes se faz esquecer: os presos também são pessoas, com esposas, filhos, mães,
sentimentos, angústias e necessidades. São pessoas como nós, não inferiores, e que ainda
possuem direitos”.
FONTE: <https://medium.com/@luizacipriani/esta%C3%A7%C3%A3o-carandiru-
dr%C3%A1uzio-varella-resenha-edb83ac4f96d>. Acesso em: 16 nov. 2019.
232
TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
233
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
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TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
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UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
236
TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
Veja, a seguir, um trecho de Feliz Ano Novo, uma de suas obras mais
conhecidas, seguido de comentários sobre ela.
FONTE: <https://www.estantevirtual.com.br/livros/rubem-fonseca/feliz-ano-
novo/4076603867>. Acesso em: 16 nov. 2019.
237
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
FONTE: <http://empilhandopalavras.blogspot.com/2011/01/biografia-fernando-bonassi.html>.
Acesso em: 16 nov. 2019.
238
TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
Suas obras também retratam as tensões das ruas das grandes cidades
marcadas pela violência. Dentre as obras produzidas, temos Prova Contrária, 2003;
São Paulo/Brasil, 2002; Passaporte, 2001; O Amor é uma Dor Feliz, 1997; 100 histórias
colhidas na rua, 1996; Subúrbio, 1994; Crimes Conjugais, 1994; Um céu do mundo,
1991; O Amor em chamas, 1989; Diário da Guerra de São Paulo, 2007, entre outros.
Veja, a seguir, um pouco da obra 100 histórias colhidas na rua, na qual o autor
reúne cem histórias urbanas, em forma de minicontos, que revelam aspectos do
mundo contemporâneo. A seguir também serão apresentados alguns minicontos
presentes na obra.
239
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
Veja, a seguir, dois minicontos extraídos da obra 100 histórias colhidas na rua.
240
TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
FIGURA 16 – FÓSFOROS
FONTE: <https://www.amazon.com.br/vendedora-f%C3%B3sforos-Adriana-Lunardi-ebook/dp/
B00A3D97HG>. Acesso em: 17 nov. 2019.
241
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
“A vontade de explorar em detalhes, de registrar tudo, foi tão forte que não
pude manter meus dedos longe do teclado, nem no hospital, onde estou
sentada agora, junto a uma tomada de energia, de frente para um crucifixo
para onde olho de vez em quando tentando lembrar por que razão mesmo eles
são pendurados nas paredes” (LUNARDI, 2011, p. 128).
[...]
“No visor do telefone encontro cinco chamadas perdidas, todas de Max.
Quando nos conhecemos, eles já não estavam juntos havia mais de dois anos.
O que não quis dizer nada. O tempo não contava, não conta, para ela. E eu não
podia pedir perdão por aquilo, nunca pedi. A nossa desgraça, mana era querer
o mesmo. Um mal da nossa descendência. Não importava quem chegasse
primeiro, eu tinha a vantagem de ser mais velha. Fiquei com o que era meu
e também com o que planejei para a minha irmã. Sendo as duas, não sobrou
quase nada para ela” (LUNARDI, 2011, p. 182-183).
242
TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
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UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
TUROS
ESTUDOS FU
Para complementar o que foi visto na unidade, leia o artigo a seguir, escrito
por Alberto Hércules dos Santos Coelho Barbosa, no qual ele apresenta reflexões teóricas e
sugestões práticas sobre o ensino de literatura e o uso de recursos tecnológicos no Ensino
Médio. Boa leitura!
244
TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
LEITURA COMPLEMENTAR
Introdução
245
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
246
TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
247
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
248
TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
147) afirmam que “o desafio consiste em criar situações que permitam ao estudante
utilizar ao máximo suas capacidades cognitivas”. Dentro dessa perspectiva, as
tecnologias de informação e comunicação são ferramentas poderosas.
O trabalho com o texto literário em sala de aula aborda não apenas aspectos
estéticos, ou seja, relativos aos recursos de criação literária, do texto como objeto
de arte: a leitura pode proporcionar a análise de elementos políticos, culturais,
linguísticos... Nesse sentido, ensinar Literatura significa também formar uma
visão crítica acerca da história, do homem e do mundo.
249
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
Bases da Educação Nacional, que trata dos objetivos a serem alcançados pelo
Ensino Médio: “III) aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo
a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico” (MEC, 2008, p. 53).
250
TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
251
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
252
TÓPICO 3 | LITERATURA CONTEMPORÂNEA: VOZES,
Considerações finais
253
UNIDADE 3 | LITERATURA, LEITURA E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE
FONTE: <https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/17/15/o-ensino-de-literatura-e-o-uso-de-
recursos-tecnolgicos-no-ensino-mdio>. Acesso em: 30 nov. 2019.
254
RESUMO DO TÓPICO 3
CHAMADA
255
AUTOATIVIDADE
1 (ENADE, 2017)
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2 (ENADE, 2017)
TEXTO 1
O processo de canonização não pode ser isolado dos interesses dos grupos
que foram responsáveis por sua constituição, e, no fundo, o cânon reflete estes
valores e interesses de classe.
O cânon é um evento histórico, visto ser possível rastrear a sua construção e
a sua disseminação. Não é suficiente repensá-lo ou revisá-lo, lendo outros e
novos textos, não canônicos e não canonizados, substituindo os ‘maiores’ pelos
‘menores’, os escritores pelas escritoras e assim por diante. Tampouco basta –
ainda que seja extremamente necessário – dilatar o cânon e nele incorporar outras
formações discursivas, como a telenovela, o cinema, o cordel, a propaganda, a
música popular, os livros didáticos ou infantis, a ficção científica, buscando
uma maior representatividade dos discursos culturais. O que é problemático,
em síntese, é a própria existência de um cânon, de uma canonização que
reduplica as relações injustas que compartimentam a sociedade.
FONTE: REIS, R. C. In: JOBIM, J. L. (Org.). Palavras da crítica. Rio de Janeiro: Imago, 1992 (adaptado).
TEXTO 2
FONTE: MOSCOVICH, C. Uma vida inteira pela frente. In: FREIRE, M. (Org.). Os cem menores
contos brasileiros do século. 2. ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2004 (adaptado).
PORQUE
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3 “[...] reconhecer a especificidade das formas literárias nas novas mídias
não significa, de modo algum, abandonar o rico manancial dos modos
tradicionais de compreensão da linguagem, da significação e da interação
corporificada com os textos. Não é difícil concluir a partir disso que a
ciberliteratura não chegou para fazer operações de diminuição ou divisão,
mas para somar e multiplicar” (SANTAELLA, 2012, p. 238).
Com base nesse trecho do artigo de Lúcia Santaella e nos estudos realizados
nesta unidade, apresente um texto expressando sua opinião acerca da literatura
na era digital.
258
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