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História da Teologia

Prof. Célio dos Santos Ribeiro

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Prof. Célio dos Santos Ribeiro

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

R484h

Ribeiro, Célio dos Santos

História da teologia. / Célio dos Santos Ribeiro. – Indaial:


UNIASSELVI, 2020.

202 p.; il.

ISBN 978-65-5663-226-1
ISBN Digital 978-65-5663-223-0
1. Teologia. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 230

Impresso por:
Apresentação
História na concepção hegeliana não é nada linear, mas sempre carre-
gada de movimentos dialéticos que geram algo novo e melhor. Por Teologia,
seria ingenuidade acolhê-la como mero estudo de Deus e não seria suficiente
defini-la enquanto estudo da revelação de Deus. Deus, o Theos é o infinito, é o
Mistério a ser experimentado na existência, por isso pode ser buscado e encon-
trado na história, na cultura, nas religiões e nas relações sociais.

Sobre a História da Teologia há inúmeros trabalhos com a mesma te-


mática e referências, entre os quais destaco os escritos e orientações de Zwin-
glio Mota Dias, quanto ao ecumenismo, João Batista Libânio (in memoriam),
com uma vasta produção teológica; o Professor Faustino Teixeira, grande
cientista e filósofo das religiões. Destacamos, ainda, autores e obras como,
Emile Dermenghem, com sua obra Maomé e Tradição Islâmica; Hans Küng,
com Religiões do Mundo; Leonardo Boff com Tempo de Transcendência; Pedro
Iwaschita, com Maria e Iemanjá: análise de um sincretismo e o Dalai Lama com
sua obra Uma Ética para o Novo Milênio.

Numa pesquisa rápida é possível identificar o currículo e genialida-


de dos autores. Com maestria, competência e habilidades exclusivas, ofere-
ceram como dádiva à comunidade científica e aos que buscam por Deus, no-
bres produções teológicas que revelam as origens e importância da teologia
para a história do conhecimento.

Com as produções de Zwinglio, Hans Küng e Emile Dermenghem é


visível a grandeza da presença da teologia, buscando, via pesquisa, um resga-
te da Teologia original, aberta ao diálogo e muito mais do que tolerante, é uma
teologia que buscou a grandeza da coexistência entre os humanos e o mundo.

Com as produções de Libânio, Pedro Iwaschita, Leonardo Boff, Dalai


Lama e Faustino Teixeira, a comunidade científica conseguiu assimilar que
a Teologia transcende os limites estabelecidos pelas igrejas cristãs e que seu
discurso tem muito a contribuir para com o conhecimento e um mundo mais
justo, solidário e mais humano.

Ainda, sabendo que Deus é o infinito, é impossível atingir o obje-


to em sua plenitude. Podemos fazer o que as diferentes teologias fizeram:
aproximar-se do mistério, experimentá-lo e apresentar conceitos e/ou nomes
possíveis para o mistério e/ou transcendente.

Assim, para narrar, problematizar e refletir sobre a História da Teo-


logia, seria ingenuidade ficar limitado ao cristianismo, que é um entre tantos
caminhos de buscas por Deus. Por isso, além de recorrer às fontes das de-
mais tradições religiosas, como Judaísmo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo,
Xintoísmo, Taoísmo, as múltiplas experiências de Deus no contexto afro e la-
tino americano, que revelaram esforços, pesquisas, práticas, experiências de
fé, ortodoxias e ortopraxias específicas, torna-se imprescindível especificar
os pontos comuns existentes entre as mesmas para comprovar a possibilida-
de de práticas ecumênicas, inter-religiosas e coexistenciais.

Para tal tarefa, você perceberá a sintonia do texto com o pensamento


dos autores citados e outros expressados nas referências bibliográficas. Ain-
da, esta exposição da Histórica da Teologia não tem a intenção de esgotar o
assunto, mas possibilitar ao estudante uma noção geral sobre o objeto com
possíveis lacunas a serem preenchidas via pesquisa.

Aqui, os objetivos são: ressaltar uma História da Teologia que trans-


cenda o discurso eclesiástico e/ou de uma tradição religiosa, produzir um
texto que possa revelar os valores do discurso teológico na história e apre-
sentar referências teológicas que possibilitam o ecumenismo, o diálogo inter-
-religioso e a coexistência.

Na Unidade 1, o objeto de estudo será o conceito de Teologia e seus


aspectos metodológicos, a História da teologia judaica, cristã e islâmica. Na
Unidade 2 será exposta a vasta produção teológica hindu, budista, xintoísta
e taoísta. E na Unidade 3, além de contemplar a incansável busca por Deus
na experiência afro e latino-americana, serão analisadas as teologias cristãs,
de cunho católico, protestantes, as liberais, a teologia ecumênica, inter-reli-
giosa e coexistencial, ou seja, atualmente em Teologia a expressão “tolerância
religiosa” vem sendo substituída por “coexistência”, cujo significado é viver
com o diferente, se colocar à disposição para aprender com todas as experi-
ências religiosas.

Célio dos Santos Ribeiro


NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi-
dades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra-
mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para
diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apre-
sentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em
questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institu-
cionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar
seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de De-
sempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você
terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen-
tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO:
CONCEITOS, HISTÓRIA E A IDENTIFICAÇÃO
DOS PONTOS COMUNS........................................................................................ 1

TÓPICO 1 — TEOLOGIA, O QUE É ISSO?....................................................................................... 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 TEOLOGIA É BUSCA POR DEUS.................................................................................................... 3
3 MÉTODO TRANSCENDENTAL DE BERNARD LONERGAN................................................. 5
4 MÉTODO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO DE CLODOVIS BOFF.................................... 6
RESUMO DO TÓPICO 1....................................................................................................................... 8
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................. 9

TÓPICO 2 — TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR DEUS NO JUDAÍSMO....................... 11


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 11
2 A IMAGEM DE DEUS NO JUDAÍSMO – ONDE DEUS PODE SER ENCONTRADO?..... 13
2.1 A LEI DO SÁBADO....................................................................................................................... 14
2.2 A LEI DA CIRCUNCISÃO........................................................................................................... 14
3 NEOJUDAISMO................................................................................................................................. 14
3.1 A TEOLOGIA DEUTERONOMISTA.......................................................................................... 15
3.2 A TEOLOGIA DA FONTE SACERDOTAL............................................................................... 15
3.3 A TEOLOGIA NOS ESCRISTOS PROFÉTICOS........................................................................ 16
3.4 ATEOLOGIA PÓS-EXÍLICA (538 – 50 a.C.)............................................................................... 16
3.5 ENCONTRAR DEUS NO TEMPLO OU NA SINAGOGA?.................................................... 16
3.6 OUTROS ESCRITOS PROFÉTICOS (Séc. VI – II a.C.).............................................................. 17
3.7 TEOLOGIA SAPIENCIAL (SÉCULOS VI – I a.C.).................................................................... 17
4 PRODUÇÃO TEOLÓGICA PELA LITERATURA MIDRASH.................................................. 18
5 ESCOLAS TEOLÓGICAS JUDAICAS........................................................................................... 19
5.1 ESCOLA DE HILLEL.................................................................................................................... 20
5.2 ESCOLA DE SHAMMAI.............................................................................................................. 20
5.3 ESCOLA DE ZAKKAY OU JÂMNIA OU JABNÉ..................................................................... 20
5.4 ESCOLA DE ISMAEL.................................................................................................................... 21
5.5 ESCOLA DO RABINO AQUIBA................................................................................................. 21
6 O QUE É TEXTO SAGRADO NO JUDAÍSMO?.......................................................................... 21
7 QUEM É DEUS NO JUDAÍSMO?................................................................................................... 22
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 23
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 24

TÓPICO 3 — TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO................. 25


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 25
2 A QUESTÃO DA PROFISSÃO DE FÉ NO MESSIAS................................................................ 25
3 O DEBATE TEOLÓGICO NO CRISTIANISMO......................................................................... 28
4 A TEOLOGIA DA SANTÍSSIMA TRINDADE............................................................................ 29
4.1 TEOLOGIA CLÁSSICA CRISTÃ GREGA.................................................................................. 29
4.1.1 Irineu de Lião........................................................................................................................ 30
4.1.2 Orígenes (185 – 253).............................................................................................................. 30
4.1.3 Tertuliano (160 – 220)........................................................................................................... 30
4.2 TEOLOGIA CLÁSSICA LATINA................................................................................................ 31
4.2.1 Agostinho de Hipona (354 – 430)....................................................................................... 31
4.2.2 Tomás de Aquino (1224 – 1274).......................................................................................... 32
4.2.3 João Duns Scoto (1266 – 1308)............................................................................................. 33
4.3 TEOLOGIA CLÁSSICA MODERNA . ....................................................................................... 34
4.3.1 Teologia da reprodução do modelo de vida comunitária judaica no
cristianismo à luz da trindade........................................................................................... 35
4.3.2 Busca por deus no deserto................................................................................................... 36
4.3.3 Trindade, tradição e pericorese.......................................................................................... 37
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO CRISTIANISMO?................................................................ 38
5.1 O QUERIGMA................................................................................................................................ 38
5.2 OS EVANGELHOS........................................................................................................................ 39
5.3 A CARTA DE BARNABÉ............................................................................................................. 39
5.4 A BÍBLIA PARA A IGREJA CATÓLICA.................................................................................... 41
6 O CÂNON BÍBLICO.......................................................................................................................... 41
6.1 CÂNON DA ÁFRICA................................................................................................................... 42
6.2 REFORMA PROTESTANTE E O CÂNON PORTESTANTE................................................... 42
6.3 A QUESTÃO DO CÂNON NO CRISTIANISMO ORTODOXO............................................ 42
7 QUEM É DEUS NO CRISTIANISMO........................................................................................... 43
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 45
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 46

TÓPICO 4 — TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS NO ISLAMISMO.................. 49


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 49
2 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DO ISLÃ.............................................................................. 49
3 ABRAÃO, JESUS E MARIA NA TEOLOGIA ISLÂMICA......................................................... 52
4 AS ESCOLAS TEOLÓGICAS NO ISLAMISMO......................................................................... 53
4.1 A FALSAFA..................................................................................................................................... 54
4.2 A KALAM....................................................................................................................................... 55
4.3 A MUTAZILA................................................................................................................................. 55
4.4 O SUFISMO.................................................................................................................................... 57
5 QUEM É DEUS NO ISLAMISMO?................................................................................................. 58
6 O QUE É TEXTO SAGRADO NO ISLAMISMO?....................................................................... 58
6.1 O ALCORÃO SAGRADO............................................................................................................. 58
6.2 A SUNA........................................................................................................................................... 59
7 OS CINCO PILARES DO ISLAMISMO........................................................................................ 59
7.1 SHAHADA: CRER EM ALLAH, O DEUS ÚNICO.................................................................. 59
7.2 SALAT: REZAR CINCO ORAÇÕES DIÁRIAS VOLTADOS PARA MECA......................... 60
7.3 ZAKAT: SER GENEROSO PARA COM OS POBRES............................................................... 60
7.4 RAMADAM: O MÊS DO JEJUM................................................................................................. 60
7.5 HAJJ: IR A MECA AO MENOS UMA VEZ NA VIDA............................................................ 60
8 BUSCA DE PONTOS COMUNS..................................................................................................... 61
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 63
RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 65
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 66

UNIDADE 2 — A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO:


CONCEITOS, HISTÓRIA E A IDENTIFICAÇÃO
DOS PONTOS COMUNS...................................................................................... 67
TÓPICO 1 — TEOLOGIA NO HINDUÍSMO: BUSCA POR DEUS
NO HINDUÍSMO......................................................................................................... 69
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 69
2 AS VERDADES ETERNAS............................................................................................................... 70
2.1 A KAMA.......................................................................................................................................... 71
2.2 A ARTHA........................................................................................................................................ 72
2.3 A DHARMA................................................................................................................................... 72
2.4 A MOKSHA.................................................................................................................................... 73
3 CASTAS, KARMA E O SAMSARA................................................................................................ 73
3.1 O KARMA....................................................................................................................................... 73
3.2 SAMSARA...................................................................................................................................... 74
3.3 EXEMPLOS DE CASTAS NA ÍNDIA ANTIGA........................................................................ 74
4 GHANDI: O VAISHYA ILUMINADO QUE SE FEZ DALIT..................................................... 74
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO HINDUÍSMO?...................................................................... 76
5.1 OS VEDAS....................................................................................................................................... 76
5.2 UPANISSADES OU UPANIXADES............................................................................................ 78
5.3 SMRITS OU CÓDIGO DE MANU.............................................................................................. 79
5.3.1 Livro I dos Smrits................................................................................................................. 79
5.3.2 Livro II dos Smrits................................................................................................................ 80
5.3.3 Livro III dos Smrits............................................................................................................... 80
5.3.4 Livro IV dos Smrits............................................................................................................... 80
5.3.5 Livro V dos Smrits................................................................................................................ 81
5.3.6 Livro VI dos Smrits............................................................................................................... 81
5.3.7 Livro VII dos Smrits ............................................................................................................ 81
5.3.8 Livro VIII dos Smrits............................................................................................................ 81
5.3.9 Livro IX dos Smrits............................................................................................................... 81
5.3.10 Livro X dos Smrits.............................................................................................................. 82
5.3.11 Livro XI dos Smrits............................................................................................................. 82
5.3.12 Livro XII dos Smrits........................................................................................................... 82
6 BHAGAVAD GITA............................................................................................................................. 82
7 QUEM É DEUS NO HINDUÍSMO?............................................................................................... 83
8 O HINDUÍSMO CONTEMPORÂNEO.......................................................................................... 84
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 85
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 86

TÓPICO 2 — TEOLOGIA NO BUDISMO: A BUSCA POR DEUS NO BUDISMO................ 87


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 87
2 COSMOGONIA BÚDICA A PARTIR DO TRIPITAKA............................................................. 87
2.1 O DESPERTAR DO BUDA SEGUNDO OS SUTRAS DO TRIPITAKA.................................. 88
2.2 A EXPERIÊNCIA DO SAMSARA PARA O NIRVANA........................................................... 91
2.3 AS QUATRO VERDADES DO BUDA OU SERMÃO DE BANARES.................................... 91
2.4 AS “TRÊS JOIAS” DO BUDISMO............................................................................................... 92
3 O DALAI LAMA E O BUDISMO TIBETANO............................................................................. 92
4 BUDISMO ZEN................................................................................................................................... 94
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO BUDISMO?............................................................................ 95
6 QUEM É DEUS NO BUDISMO? .................................................................................................... 95
7 BUDISMO CONTEMPORÂNEO.................................................................................................... 96
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 97
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 98

TÓPICO 3 — TEOLOGIA NO XINTOÍSMO: A BUSCA POR DEUS


NO XINTOÍSMO.......................................................................................................... 99
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 99
2 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA UMA COMPREENSÃO
DA TEOLOGIA XINTOÍSTA......................................................................................................... 100
3 O TSUMI............................................................................................................................................ 101
4 O QUE É TEXTO SAGRADO NO XINTOÍSMO?..................................................................... 101
5 QUEM É DEUS NO XINTOÍSMO?............................................................................................... 102
5.1 KAMI............................................................................................................................................. 103
5.2 EXEMPLOS DE KAMI................................................................................................................ 103
5.3 PARALELO ENTRE KAMI E ANJOS....................................................................................... 104
5.4 A IDEIA DE TRINDADE NO XINTOÍSMO............................................................................ 104
6 ORIGEM DA VIDA NO XINTOÍSMO........................................................................................ 105
7 A QUESTÃO DO TEMPO NO XINTOÍSMO............................................................................. 105
8 XINTOÍSMO CONTEMPORÂNEO............................................................................................. 106
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 107
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 108

TÓPICO 4 — TEOLOGIA NO TAOÍSMO: A BUSCA POR DEUS NO TAOÍSMO.............. 109


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 109
2 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A TEOLOGIA DO TAOÍSMO............................. 110
3 O QUE É TEXTO SAGRADO NO TAOÍSMO?.......................................................................... 111
3.1 SOBRE LAO TSE.......................................................................................................................... 111
3.2 ESTRUTURA DO DAOZANG E/OU CÂNON TAOÍSTA..................................................... 111
3.3 OUTROS TEXTOS DO TAOÍSMO............................................................................................ 112
3.3.1 Taishang Gareying Plan..................................................................................................... 112
3.3.2 Tapijing................................................................................................................................. 112
3.3.3 Baopuzi................................................................................................................................. 113
3.3.4 Huainanzi............................................................................................................................ 113
3.3.5 Zhuangzi.............................................................................................................................. 113
4 QUEM É DEUS NO TAOÍSMO?................................................................................................... 113
5 YANG E YIN...................................................................................................................................... 114
6 TAO ENQUANTO APROXIMAÇÃO DO MISTÉRIO E POSSIBILIDADE
DE COMUNHÃO ENTRE AS DIFERENTES TRADIÇÕES.................................................... 115
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 118
RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 122
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 123

UNIDADE 3 — TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS,


PROTESTANTES E LIBERAIS: CONCEITOS, HISTÓRIA E AS
POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA................................. 125

TÓPICO 1 — TEOLOGIA AFRICANA: BUSCA POR DEUS NAS


TRADIÇÕES AFRICANAS...................................................................................... 127
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 127
2 ÁFRICA: VENTRE ONDE DEUS GESTOU O HUMANO...................................................... 127
3 IMPORTÂNCIA DA TRADIÇÃO ORAL.................................................................................... 129
4 QUEM É DEUS NA TEOLOGIA AFRO....................................................................................... 130
4.1 EXU................................................................................................................................................ 131
4.2 OGUM........................................................................................................................................... 131
4.3 OBÁ................................................................................................................................................ 132
4.4 OXÓSSÍ.......................................................................................................................................... 132
4.5 OXALÁ.......................................................................................................................................... 132
4.6 YEMANJÁ..................................................................................................................................... 132
4.7 YORI............................................................................................................................................... 132
5 ORIXÁS DO CANDOMBLÉ OU SANTOS CATÓLICOS?...................................................... 133
6 ÁFRICA EM TERRAS LATINO-AMERICANAS....................................................................... 133
6.1 ESCRAVIDÃO SOB BÊNÇÃOS CATÓLICAS E RESISTÊNCIA.......................................... 134
6.2 ORGANIZAÇÃO E RESISTÊNCIA COM A ENERGIA DOS ORIXÁS............................... 135
6.3 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS............................................................................................ 136
6.4 O AXÉ DO TERREIRO................................................................................................................ 136
6.5 RESGATE DA IDENTIDADE AFRO........................................................................................ 137
7 SINCRETISMO: FÉ CRISTÃ E EXPERIÊNCIA DE DEUS COM ROSTO NEGRO............ 138
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 141
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 142

TÓPICO 2 — TEOLOGIA LATINO-AMERICANA: BUSCA POR DEUS


NA AMÉRICA LATINA........................................................................................... 143
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 143
2 A IGREJA CATÓLICA NO PROCESSO DE CONQUISTA DA AMÉRICA LATINA........ 143
2.1 OPÇÃO PREFERENCIAL PELO OURO.................................................................................. 144
2.2 A OPÇÃO PREFERENCIAL PELA IDOLATRIA.................................................................... 146
2.3 A OPÇÃO PELA MORTE DOS AMERÍNDIOS...................................................................... 147
2.4 OPÇÃO PREFERENCIAL PELO PADROADO E O LUCRO................................................ 148
3 A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO................................................................................................. 150
3.1 SINCRETISMO TEOLÓGICO.................................................................................................... 151
3.2 AS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE E O SINCRETISMO DE RESISTÊNCIA...... 152
4 CRISTOLOGIA DA TEOLOGIA LIBERTAÇÃO....................................................................... 155
4.1 TEOLOGIA E RESGATE DO JESUS HISTÓRICO.................................................................. 155
4.1.1 Conscientização................................................................................................................... 156
4.1.2 Revisão da prática............................................................................................................... 157
4.1.3 Revisão da mística.............................................................................................................. 158
4.2 INCULTURAÇÃO DO TEXTO SAGRADO............................................................................ 158
4.3 RESGATE DO CRISTO DA FÉ................................................................................................... 159
5 CONTEXTUALIZAÇÃO DO FROFETISMO BÍBLICO NA AMÉRICA LATINA.............. 162
6 TEOLOGIA PENTECOSTAL NA AMÉRICA LATINA............................................................ 163
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 166
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 167

TÓPICO 3 — TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS E PROTESTANTES:


DA MODERNIDADE À CONTEMPORANEIDADE......................................... 169
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 169
2 TEÓLOGOS LIBERAIS................................................................................................................... 170
2.1 IMMANUEL KANT E A TEOLOGIA DA IGREJA INVISÍVEL........................................... 171
2.2 LUDWIG FEUERBACH: TEOLOGIA ENQUANTO ANTROPOLOGIA........................... 172
2.3 SIGMUND FREUD: TEOLOGIA DA NEUROSE................................................................... 173
3 TEÓLOGOS CATÓLICOS.............................................................................................................. 173
3.1 TEILHARD DE CHANDIN: TEOLOGIA A PARTIR DA VISÃO CÓSMICA.................... 174
3.2 KARL RAHNER: UMA TEOLOGIA ANTROPOLÓGICA TRANSCENDENTAL............ 175
3.3 YVES CONGAR: UMA TEOLOGIA ECUMÊNICA............................................................... 176
4 TEÓLOGOS PROTESTANTES...................................................................................................... 177
4.1 KARL BARTH: UMA TEOLOGIA DA PALAVRA DE DEUS............................................... 178
4.2 RUDOLF BULTMANN: UMA TEOLOGIA EXISTENCIALISTA........................................ 178
4.3 JÜRGEN MOLTMANN: UMA TEOLOGIA DA ESPERANÇA........................................... 179
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 181
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 182
TÓPICO 4 — TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-RELIGIOSA E COEXISTENCIAL.......... 183
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 183
2 TEOLOGIA ECUMÊNICA: POSSIBILIDADE DE COMUNHÃO.......................................... 183
3 TEOLOGIA INTER-RELIGIOSA: POSSIBILIDADE DE RESPEITO.................................... 185
4 TEOLOGIA COEXISTENCIAL: POSSIBILIDADE ÉTICA..................................................... 186
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 188
RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 194
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 195
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 196
UNIDADE 1 —

A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO,
CRISTIANISMO E ISLAMISMO:
CONCEITOS, HISTÓRIA E A
IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS
COMUNS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conceituar o que é teologia e expor seus aspectos metodológicos;

• apresentar a origem e desenvolvimento da teologia judaica;

• identificar a origem e desenvolvimento da teologia cristã;

• mostrar a origem e desenvolvimento da teologia islâmica;

• ressaltar os pontos comuns no pensamento teológico no judaísmo,


cristianismo e islamismo.

1
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – TEOLOGIA, O QUE É ISSO?

TÓPICO 2 – TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR DEUS


NO JUDAÍSMO

TÓPICO 3 – TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS


NO CRISTIANISMO

TÓPICO 4 – TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS


NO ISLAMISMO

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

TEOLOGIA, O QUE É ISSO?

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico serão apresentados três conceitos tradicionais de teologia. A


teologia enquanto “estudo de Deus”, a teologia enquanto “revelação de Deus” e a
teologia enquanto “busca por Deus”. Os dois primeiros partem da ideia cristã, im-
possibilitando qualquer outra afirmação sobre Deus. O terceiro amplia o estudo e o
debate teológico. Deus não está totalmente definido, não há como esgotar o mistério.

As expressões gregas “theos” e “logos” apontam que a teologia é o estudo


de Deus ou estudo da Revelação de Deus ao ser humano. Tanto para o judaísmo,
quanto para o cristianismo e islamismo as concepções tradicionais de teologia
estão relacionadas com a ideia de um Deus que se revela, que define o princípio
do saber teológico nos mitos da criação, culminando de forma diferenciada na
maneira como cada uma dessas religiões define ou não quem é Deus.

Continuando o tópico, serão expostos dois métodos para a produção teológica.


O Método Transcendental de Bernard Lonergan e o Método da Teologia da Libertação
de Clodovis Boff, ressaltando a importância de ambos na produção das teologias.

2 TEOLOGIA É BUSCA POR DEUS

É sabido que há diversas culturas, experiências religiosas e diversas


teologias. Assim, podemos sustentar a tese de que Deus é buscado pelo ser
humano. É este, na existência, que define Deus a partir do contexto cultural,
geográfico, econômico, social, mítico e político.

São diversas as culturas que recepcionam a ideia de Absoluto, aquele


que está só, que é causa e/ou essência da existência ou “motor imóvel”. Há
pensadores — a exemplo de Jean Paul Sartre — que se calam diante desta ideia,
preferem o silêncio. Há autores — a exemplo de Ludwig Feuerbach, Karl Marx
e Sigmund Freud — que negam qualquer possibilidade de existir um Criador.
Mas as religiões expressam até mesmo nomes, a partir do próprio contexto, ao
Absoluto, aclamando-o enquanto Theós, Deus.

Povos que viviam no deserto pensaram a ideia de um paraíso inverso ao


deserto. Povos que viviam nas margens de rios definiram a água enquanto bem
precioso e divino. Povos que viviam em montanhas, relacionaram o ambiente

3
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

geográfico com a ideia de Deus. Povos que viviam em florestas criaram até mesmo
um culto à mãe natureza. Ainda, povos que viviam em guerras, envolveram Deus
em seus conflitos. Vencer a guerra é ação de Deus e perder a batalha é castigo
de Deus. Logo, é a experiência de transcendência a partir da imanência ou na
existência o ser humano define a essência.

Assim, fica nítido que a teologia e/ou a busca por Deus não está limitada
ao Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, o planeta já era bem mais extenso em
relação à visão de mundo dos primeiros teólogos judeus, cristãos e islâmicos.
China, Índia e a própria África já haviam iniciado a experiência de buscar por
Deus, resultando diferentes teologias, que culminaram com as profissões de fé
afro, hindu, xintoísta, taoísta, budista e outras.

UNI

É comum a divulgação de cursos de Teologia nos quais a grade curricular é


totalmente voltada para a teologia cristã, teologia judaica ou islâmica. Seria mais ético que
as instituições delimitassem o objeto de estudo na divulgação do curso de graduação.

Logo, aqui, antes de relatar e pensar a História da Teologia, faz-se justo e


necessário trilhar os caminhos da antropologia. É na existência que o ser humano
define o objeto e/ou professa sua fé. A teologia é a busca incansável do ser
humano para definir, entender, relacionar e amar a Deus na própria existência.
Portanto, não é Deus que se revela, mas o humano que o busca e Deus permite ser
encontrado, sem esgotar o mistério.

Ainda, produzir uma História da Teologia requer um discernimento entre


teologia original e teologia limitada por discursos eclesiásticos e/ou a determinada
ortodoxia. Para isto, é necessário abordar a temática demonstrando o que revela a
dimensão transcendental e sua importância e sentido para a imanência.

Ao expor a história do discurso teológico, sua importância e problemática,


requer o esforço para entender os caminhos da antropologia para acontecer a teo-
logia, ciente que não há caminho para o transcendente sem passar pelo imanente.

Ainda, pela liberdade humana na existência — na concepção sartreana —


o humano é o único capaz de definir qualquer objeto na própria existência, isto
é, a “existência precede à essência”, o que o faz impreterível para a História da
Teologia. E para definir, entender, delimitar, observar qualquer objeto, torna-se
imprescindível um ou mais métodos.

4
TÓPICO 1 — TEOLOGIA, O QUE É ISSO?

3 MÉTODO TRANSCENDENTAL DE BERNARD LONERGAN

Na filosofia não há pensador moderno que não tenha tratado sobre a im-
portância do método. Isto é fato em Descartes, Spinoza, Leibniz, Bacon e Kant,
porém, a teologia ignorou a questão do método por muito tempo.

Um dos autores que trabalhou o tema com profundidade foi Bernard Loner-
gan (1975). Ele desenvolveu o método teológico transcendental, visando estabelecer as
condições gerais que são pressupostas para o estudo aprofundado da teologia, isto é, a
formulação e interpretação da busca por Deus e/ou processo de produção da teologia.

Na busca e/ou estudo de Deus, Lonergan divide seu ensaio em duas par-
tes: a primeira trata da elaboração do método transcendental e a segunda expõe a
aplicação do mesmo à Teologia.

O método transcendental é uma reflexão filosófica que o autor fornece


enquanto componente antropológico de base a consciência humana, munida de
procedimentos hermenêuticos, que permitem elaborar uma nova interpretação
do trabalho do teólogo e do objeto de estudo da teologia, isto é, a busca por Deus.

Enquanto operações intencionais cognitivas, Lonergan divide as mesmas


em quatro partes: experiência, inteligência, juízo e decisão. Na experiência tem-se
a apreensão dos dados, prestando-lhe a devida atenção; na inteligência, se obtém
o entendimento dos dados apreendidos; no juízo, opera-se a aceitação ou rejeição
dos dados apreendidos e na decisão, se efetua o reconhecimento dos valores ou
de outros meios que levam à sua aplicação.

Nas quatro operações da consciência há uma correspondência com quatro


âmbitos do significado: âmbito do senso comum, âmbito da teoria, âmbito da
interioridade e o âmbito da consciência. A esses quatro âmbitos agregam-se
literatura, história, teatro e crítica e a arte. Dessa forma, os objetos são apreendidos
não nas relações que têm conosco, mas nas relações existentes entre si.

A Lonergan cabe o mérito de ter evidenciado, como poucos souberam


fazer, que em todas as operações intencionais e em todos os níveis do significado
teológico está inserido um movimento de autoconsciência que conduz de forma
lógica, ainda que não necessariamente, ao reconhecimento da transcendência.

Assim, na investigação teológica, nesta incansável busca por Deus, está


presente uma exigência ilimitada de inteligibilidade. No juízo humano, está uma
exigência do incondicionado. Na deliberação humana, está presente um critério
que critica todo bem finito.

Assim, o ser humano pode chegar a uma melhor compreensão de si,


indo além do senso comum, da teoria da interioridade e do âmbito em que
Deus é conhecido e amado. Dessa forma, Lonergan estabelece o movimento de
autoconsciência e deste deduz quatro regras para o método transcendental: “sê

5
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

atento, sê inteligente, sê razoável, sê responsável” (LONERGAN, 1975, p. 43).

4 MÉTODO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO DE CLODOVIS


BOFF

Ainda, quanto ao método, outro teólogo que propiciou grande


contribuição à Teologia é Clodovis Boff (1998), com sua obra Teoria do Método
Teológico, na qual o autor expõe a prática da teologia, sua gramática, suas regras
e sua epistemologia para que o pesquisador possa articular seus doze elementos
fundamentais: a fé, o texto sagrado, a igreja/instituição, os fiéis, a tradição, o
magistério, a filosofia, a prática, a linguagem, a razão, a ciência e outras teologias.

Para Clodovis, para se fazer teologia, o pesquisador deve dividir o seu


trabalho em quatro partes: técnicas, método, epistemologia e espírito, sem deixar
de lado a ótica da libertação. Além desse direcionamento, aponta outros como:
consciência ecológica, étnica, feminista e inter-religiosa.

Ao revelar a fonte da teologia ressalta a fé, o mistério e o amor, rejeitando


uma perspectiva puramente intelectualizante da teologia, critica a razão
instrumental iluminista, propondo o uso de uma razão discursiva e intuitiva e
defende a experiência de fé da comunidade, o ponto de partida da produção
teológica e/ou início da busca por Deus.

Para Clodovis, a fé se ouve, se deixa penetrar pela consciência e se pratica,


isto é, passa pelo ver, julgar e agir, possibilitando sentido para o discurso teológico.

Destarte, neste trabalho, além de acolher as orientações de Losergan,


torna-se impreterível considerar as orientações metodológicas de Clodovis
Boff, porque o teólogo passa por duas fases em sua incansável busca por Deus.
Na primeira transcorre a pesquisa, a interpretação, a história e a dialética. Na
segunda, a fundação, a doutrina, a sistemática e a comunicação.

A pesquisa recolhe dados sobre a relação humana com o divino; a


interpretação assegura o significado; a história revela os dados encarnados
em ações e movimentos; a dialética investiga as conclusões conflitantes dos
historiadores, intérpretes e pesquisadores; a fundação objetiva o horizonte
alcançado pela conversão intelectual, moral e religiosa; a doutrina serve-se da
fé como guia para escolher entre as alternativas propiciadas pela dialética; a
sistemática procura um esclarecimento definitivo do significado das doutrinas
e a comunicação tem enquanto finalidade a apresentação inteligível e eficaz do
resultado encontrado na busca por Deus.

Assim, a História da Teologia tematiza a abertura do ser humano para


com o Mistério que o envolve de maneira positiva ou rejeita-o. Ressalta a relação
do ser humano com seu horizonte utópico, possibilitando melhor compreensão
de si e da própria história porque no fundo de toda situação teológica encontra-se
6
TÓPICO 1 — TEOLOGIA, O QUE É ISSO?

referência aos fundamentos últimos do ser humano: quanto à origem, quanto ao


fim e quanto à existência, em que se realiza a teologia.

Em relação a Deus, o teólogo toma a atitude de quem se sente desafiado,


de quem experimenta um apelo para ir ao encontro de algo que está acima
da racionalidade. Por isso, a teologia não fala só de Deus, mas também do ser
humano, sistematizando a relação imanente e transcendente.

Por não estar limitada à pura facticidade, a teologia indaga o fático pelo seu
ser verdadeiro. Em outras palavras, o pensamento teológico não se contenta como
as coisas estão ou são definidas, sempre está no processo de busca, expressado
pela linguagem humana e com categorias humanas.

Logo, a teologia se desenvolve em muitas dimensões, no caminho para fora


do ser humano, conforme faz o judaísmo, cristianismo e islamismo e no caminho
para dentro, como expressa o hinduísmo, o xintoísmo, taoísmo e o budismo.

7
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A teologia é busca, estudo e revelação de Deus.

• Em Teologia é fundamental o uso do método transcendental de Lonergan e


o método da Teologia da Libertação de Clodovis Boff.

• O teólogo deve ter consciência do componente antropológico de base na


produção teológica, sendo esta munida de procedimentos hermenêuticos
que permitem elaborar uma nova interpretação do trabalho pesquisa produ-
zido.

• O pesquisador tem como tarefa recolher dados sobre a relação humana com
o divino e interpretar o significado do objeto em questão.

• Em teologia é importante aplicar a dialética para investigar as conclusões


conflitantes dos historiadores, intérpretes e pesquisadores.

8
AUTOATIVIDADE

1 Conforme os estudos realizados neste tópico, para o Judaísmo, quanto para


o Cristianismo e Islamismo as concepções tradicionais de teologia estão
relacionadas com a ideia de um Deus que se revela, podendo o teólogo
partir da revelação ou não para elaborar a pesquisa. Assim, na elaboração
da pesquisa teológica, o teólogo pode seguir dois caminhos e/ou métodos
especificados a seguir?

a) Partir da transcendência para a imanência ( ) Sim ( ) Não. Justifique!

b) Partir da imanência para a transcendência ( ) Sim ( ) Não. Justifique!

2 De acordo com os estudos realizados até agora, são visíveis as diferenças


entre os métodos teológicos dos autores Bernard Lonergan e Clodovis Boff,
assim, é verdadeiro afirmar:

a) ( ) Segundo Bernad Lonergan, o pesquisador deve dividir o seu trabalho


em quatro partes: técnicas, método, epistemologia e espírito, sem deixar
de lado a ótica da libertação. Além desse direcionamento, aponta outros
como: consciência ecológica, étnica, feminista e inter-religiosa.
b) ( ) Conforme Clodovis Boff, em todos os níveis do significado teológico está
inserido um movimento de autoconsciência, que conduz de forma lógica,
ainda que não necessariamente, ao reconhecimento da transcendência.
c) ( ) Em teologia não há cientificidade, sendo desnecessária aplicação de
qualquer método.
d) ( ) Em teologia o pesquisador deve dividir o seu trabalho em quatro partes:
técnicas, método, epistemologia e espírito, sem deixar de lado a ótica da
libertação. Além desse direcionamento, aponta outros como: consciên-
cia ecológica, étnica, feminista e inter-religiosa.

3 Em teologia, o teólogo é convidado a fazer uso do auditus fidei para


posteriormente realizar o intelectus fidei. Portanto, é verdadeiro afirmar:

a) ( ) Seguindo o método proposto parte-se da realidade transcendental para


pensar a fé e as estruturas eclesiásticas.
b) ( ) Na fase do auditus fidei, o teólogo se coloca a escuta e análise da fé da
comunidade cristã.
c) ( ) Na fase do intelectus fidei o teólogo realiza os procedimentos hermenêu-
ticos necessários para contextualizar a fé.
d) ( ) A tradição oral foi fundamental para a elaboração método teológico em
destaque.

9
10
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR


DEUS NO JUDAÍSMO

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, o objeto é a história da busca por Deus no judaísmo. Para


isso, será enfatizado o processo de construção da identidade judaica a partir dos
conflitos vivenciados pela história dos hebreus, fortemente marcada pela vontade
e luta por um território. Disso brotou o vínculo da religião dos hebreus com a
política administrativa do território conquistado constantemente ameaçado por
povos mais preparados militarmente.

Judaísmo está relacionado a Judá, Iudá, Iahweh ou IHWH. Aquele que


é. Judaísmo é a experiência religiosa dos hebreus ou povo de Israel. É comum a
confusão entre os termos hebreu e judeu.

No contexto bíblico pré-exílio na Babilônia, hebreu é a nacionalidade do


povo que fala o hebraico. Hebreu vem de Héber, aquele que se recusou a construir
a “Torre de Babel” e/ou aquele que preservou o hebraico (Narrativa disponível no
Livro do Gênesis, 11, disponível na Bíblia Judaica e Cristã), o idioma dos hebreus.
Héber é neto de Sem (Livro do Gênesis, 10, disponível na Bíblia judaica e bíblia
cristã). Ainda, Abraão é chamado de “hebreu” (Livro do Gênesis, 14, disponível
na Bíblia judaica e bíblia cristã). Hebreu é o povo, descendente de Abraão, que
recebeu a “Terra Prometida”. Hebreu é utilizado enquanto sinônimo de Judeu
nas mesmas bíblias. Após o 538, com o fim do Exílio na Babilônia, a expressão
“judeu” passou a ser utilizada para designar os membros da tribo ou clã de Judá
ou reino do sul. A palavra aparece nas mesmas bíblias nos livros de Segundo Reis
25 e Jeremias 34. Atualmente, hebreu equivale ao israelita, nascido em Israel e
judeu é aquele que professa o judaísmo.

Ainda, na análise das fontes da história da teologia judaica, nota-se a


dificuldade de afirmar qual é o momento exato da origem histórica da teologia
judaica. É uma teologia que comporta documentos como narrativas, provérbios,
sermões, poemas, mitos e outros. São autênticas fontes ou testemunhos da
evolução da busca por Deus ao longo da história do povo hebreu.

Diante de tamanha diversidade de assuntos, e levando em conta que a re-


dação desses documentos se estendeu por um período de mil anos, é fácil concluir
que não se pode fazer a leitura e interpretação deles de forma literal e/ou uniforme.

Os antigos hebreus não escreviam como nossos historiadores modernos.

11
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

Os onze primeiros capítulos do Gênesis, por exemplo, não foram escritos como
um curso sobre as origens da humanidade, com lições de astronomia, história na-
tural e conhecimento biológico. São relatos numa linguagem simples e figurada,
adaptada às inteligências de um povo em desenvolvimento, são verdades funda-
mentais necessárias ao conhecimento possível sobre Deus, bem como a descrição
popular das origens do gênero humano.

Sabemos que um teólogo não escreve como um cientista. O teólogo é livre


no uso da linguagem, faz uso de imagens, comparações, amplificações, relatos
sem fontes, que um historiador atual jamais utilizaria.

Ninguém ignora que as tradições populares, em geral, são imprecisas. Sua


função primeira é embelezar os heróis e ofuscar os inimigos. Esse processo literário
pode ser identificado nos mais antigos textos do Judaísmo, que posteriormente
foram utilizados pelo Cristianismo e Islamismo para a elaboração da teologia
própria destas tradições.

Ainda, é sabido como a mentalidade popular gosta de fixar em músicas


e poemas a lembrança de seus heróis. E mais, é nítido como a parábola, a
comparação, a anedota, a própria fábula ou lenda, são sugestivas e apropriadas
para ajudar na compreensão de verdades profundas e abstratas.

Os autores hebreus, em suas incansáveis buscas por Deus, não


desdenharam de utilizar esses processos. Assim, eles procuraram inocular mais
facilmente no espírito do leitor um ensinamento de caráter religioso. Atualmente,
admite‑se que ao tentar escrever como teria sido a origem da humanidade, os
judeus tenham feito uma descrição paralela, uma descrição mais ou menos igual
àquilo que aconteceu com eles enquanto povo, fazendo a experiência de buscar
por Deus. Exemplo disso é a imagem do oleiro (Livro do Gênesis 1, disponível na
Bíblia judaica e bíblia cristã): Deus faz o humano a partir do barro, reproduzindo
a atividade profissional dos antepassados do povo hebreu no Egito.

Destarte, essa busca e sua redação foram proporcionando o discurso teológi-


co judaico, que atinge seu auge com o provável Concílio de Jâmnia (90 e 105 d.C.), ou
Assembleia de Rabinos, ocorrida ao sul da atual Tel Aviv, quando ocorreu a fixação
definitiva do texto denominado por Bíblia Judaica e/ou Antigo Testamento. Esta data
marca a conclusão do processo secular de redação e reunião dos vários livros con-
siderados sagrados, já aceitos como palavra divina há muito tempo pelo judaísmo.

Este longo processo de redação tem sido estudado por diferentes linhas teo-
lógicas, com resultados satisfatórios, reconhecendo quase unanimemente, por exem-
plo, no texto da Torah e/ou Pentatêuco, a presença de quatro fontes ou documentos
principais: a fonte Javista (J), a Eloista (E), a Deuteronomista (D) e a Sacerdotal (P).

Assim, você já pode perceber que a construção do pensamento teológico


judaico não foi linear, mas extremamente influenciado por diversos documentos
e/ou fontes de momentos históricos diversos.

12
TÓPICO 2 — TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR DEUS NO JUDAÍSMO

Um momento histórico de suma importância para o processo de edição da


Teologia Judaica foi a destruição de Jerusalém e do seu Templo, em 586 a.C., pelos
babilônios (Segundo Livro dos Reis, 25, disponível na bíblia judaica e na bíblia cristã),
um século e meio após a destruição da Samaria e do reino do norte (aniquilado em
722‑720 a.C. pelos assírios). Foi um marco histórico fundamental para a compilação
da Torah e/ou livro da Lei, fonte fundamental para o discurso teológico do Judaísmo.

A partir do caos de Jerusalém e de Israel, no processo de reconstrução


deste foi desenvolvida uma teologia fortemente ligada à monarquia e ao templo.
O rei é o ungido (em grego, o Cristo), o escolhido (em hebraico, o Messias). Sua
vontade é interpretada enquanto vontade de Deus.

O ordenamento jurídico da monarquia hebraica é decretado e relatado


enquanto norma divina. Aqui está o motivo da preservação histórica do judaísmo.
É uma tradição religiosa fortemente vinculada ao poder do rei e seu exército.
Assim, nas vitórias militares do rei, é Deus que agiu a favor de Israel. Nas derrotas,
Deus é reinterpretado, é aquele que pune e/ou tem novos propósitos ao seu povo.

Destarte, no processo de exílio para Babilônia, a teologia tornou-se ainda mais


fecunda. Da catástrofe política, econômica e religiosa, que parecia pôr fim ao próprio povo
hebreu, o discurso teológico é remodelado, algo muito presente nas narrativas proféticas.

Os profetas haviam de longa data pronunciado um determinado “juízo


divino”, o “dia das trevas” (Livro de Amós 5,18, disponível na bíblia judaica e na bíblia
cristã), mas a realidade parecia mais desesperadora ainda: nem rei, nem templo, nem
a própria terra. Disso resultou uma teologia da esperança, carregada de messianismo
e visões de um novo tempo. Com estas informações preliminares é possível fazer um
estudo da História da Teologia Judaica, ciente que podemos encontrar insegurança nas
fontes, visto que as principais informações sobre as origens do judaísmo são narrativas
sagradas, fortemente amparadas pela tradição oral, mitos, fatos e prodígios.

2 A IMAGEM DE DEUS NO JUDAÍSMO – ONDE DEUS PODE


SER ENCONTRADO?
Com a construção do templo, o povo hebreu se habituara a encontrar e
adorar o seu Deus em Jerusalém e com a destruição do templo e longe da terra
prometida, os exilados o reencontram, mesmo no Exílio. Redescobrem o conceito
dinâmico da presença divina, como no tempo do nomadismo e do deserto. Inte-
riorizam a ideia de Deus que se manifesta presente onde quer que se observem
seus mandamentos (Livro do Profeta Jeremias, 7,2‑15; 26,2‑11 disponível na bíblia
judaica e bíblia cristã). Por isso foram delimitadas normas jurídicas e religiosas.

13
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

2.1 A LEI DO SÁBADO


No ambiente babilônico, uma cultura diferente — interpretada como
pagã — os judeus sentiram a necessidade, também por motivos nacionalistas, de
reforçar a observância religiosa do sábado, cuja origem cultual se situa na antiga
Mesopotâmia. Assim, a reunião litúrgica no 7º dia, durante a qual professavam
a fé no Deus dos patriarcas e da Aliança realizada com Moisés no Sinai. Dessa
forma, enfatiza uma teologia da esperança do retorno à terra dada por Deus (Livro
do Gênesis, 2,2‑3, disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã). Assim começou a
sinagoga, substituindo o templo.

2.2 A LEI DA CIRCUNCISÃO


Embora praticada historicamente, inclusive por outros povos como os
egípcios, a partir do exílio na Babilônia, a circuncisão passou a ser o “sinal” nacional
e religioso da Aliança (Livro do Gênesis, 17,10‑14 disponível na Bíblia judaica e bíblia
cristã), distinguindo os hebreus fiéis ao judaísmo e os demais que não a praticavam.

A circuncisão é o corte do prepúcio e/ou sinal de aliança com Deus na


carne (anel do prepúcio). Ela deve ser realizada no 8º dia após o nascimento. No
Livro do Levítico 12, disponível na bíblia judaica e cristã, a circuncisão passou a
ser lei. Todos os homens do clã de Abraão foram circuncidados.

3 NEOJUDAISMO
Atualmente não há dúvidas, devido à sucessão de catástrofes históricas do
povo hebreu, que foi gestado um novo judaísmo e/ou recuperação parcial da experi-
ência religiosa durante e após exílio na Babilônia, incluso uma nova teologia judaica.

Numa releitura histórica do povo hebreu, de Moisés até o Exílio da Babilônia


(Século XII ao século VI a.C.), verifica-se o processo de revisão do judaísmo que culmi-
nou com a denominada teologia deuteronomista, apresentada nos livros: Deuteronô-
mio, Josué, Juízes, Primeiro Samuel, Segundo Samuel, Primeiro Reis e Segundo Reis.

14
TÓPICO 2 — TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR DEUS NO JUDAÍSMO

ATENCAO

O que é sabido da teologia pré-deuteronomista é um parecer da própria fonte


deuteronomista, que confirma a existência histórica de uma tradição judaica com uma
teologia própria, com forte apologia ao monoteísmo.

3.1 A TEOLOGIA DEUTERONOMISTA


Seus autores e/ou redatores partem do fato teológico de que Deus agiu de
modo constante na história do povo hebreu, aplicando advertências com ameaças
e castigos (Livro do Deuteronômio, 28, disponível na bíblia judaica e bíblia cristã),
chegando a punir com a destruição quase toda Jerusalém.

Segundo Garcia Lopez (2006), pelo discurso teológico justifica-se a


catástrofe, o exílio da babilônia e a ação de Deus. Esse discurso histórico‑teológico
é apresentado especialmente nos discursos dos grandes personagens da história
do povo hebreu: Moisés, Josué, Samuel e Salomão.

Davi é apresentado como o “rei perfeito”, idealização levada adiante pelos


teólogos judeus. Ele é o referencial de todos os reis de Israel, tanto do passado
como do futuro, alimentando a “Teologia do Messianismo”, isto é, a esperança de
um “novo Davi”, cuja finalidade seria a recuperação política e religiosa do povo
hebreu, visto que em termos econômicos, não houve, na história do povo hebreu,
nada mais salutar para o povo que o próprio exílio.

3.2 A TEOLOGIA DA FONTE SACERDOTAL


Segundo Garcia Lopez (2006, na redação final da Torah, o escrito‑fonte Sa-
cerdotal (P) ocorreu no exílio na Babilônia, propiciando uma releitura da história
do povo hebreu).

Além de demasiada preocupação com o sábado, a fonte sacerdotal ressal-


ta a circuncisão, o tabernáculo, a Arca, o sacerdócio, os sacrifícios, a distinção e o
cisma entre sagrado‑profano, puro‑impuro e pecado‑expiação (Livro do Levítico
10, disponível na bíblia judaica e bíblia cristã).

Dessa forma, o documento sacerdotal e/ou discurso teológico é apresenta-


do como um projeto para o futuro, isto é, um programa cultural para a restaura-
ção pós‑exílica do povo hebreu, concebido como comunidade religiosa e política.
Assim verifica-se nele uma grande esperança no término do cativeiro babilônico
e no retorno à pátria perdida.

15
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

3.3 A TEOLOGIA NOS ESCRISTOS PROFÉTICOS


No pré-exílio, a teologia dos profetas estava relacionada com a ameaça,
durante o exílio será de consolação. Assim, o profeta‑sacerdote Ezequiel, depor-
tado já após a primeira tomada de Jerusalém (597 a.C.), após uma primeira fase
de ameaças (Livro de Ezequiel 7, disponível na bíblia hebraica e cristã), procurou
sustentar a esperança dos exilados com as promessas admiráveis de um novo
tempo, com uma nova realidade política, econômica e religiosa.

Pouco antes do fim do exílio (538 a.C.), a teologia de Ezequiel expressa a voz
inflamada de um personagem teológico intitulado de Deutero‑Isaías (Livro de Isaías,
40‑55 disponível na bíblia hebraica e bíblia cristã), que percebeu nas vitórias de Ciro,
rei da Pérsia, os sinais da próxima libertação e/ou redenção do povo hebreu.

Assim, a teologia do profeta, revela um personagem incansável, com


intuito de reanimar e consolar o povo hebreu, anunciando um novo êxodo (Livro
de Isaías, 43,16‑21 disponível na bíblia judaica e bíblia cristã) para o sonhado
retorno à pátria perdida.

3.4 ATEOLOGIA PÓS-EXÍLICA (538 – 50 a.C.)


Entusiasmados com os oráculos do Dêutero‑Isaías e, finalmente, com o
próprio decreto de Ciro, o persa (538), que possibilitou a volta dos hebreus para sua
terra e a reconstrução do Templo (Livro de Jeremias, 29, 1‑14 disponível na Bíblia
judaica e bíblia cristã), fica nítida a inovação teológica na comunidade que se formou
em torno do Templo de Jerusalém, reconstruído e reinaugurado em 515 a.C.

Importante notar a dificuldade para preservar a unidade entre judeus, tal


a divergência de opinião entre os conservadores, mais apegados ao culto antigo
e os tolerantes, abertos às novidades do contexto, após a experiência do exílio.

Daí a razão de encontrar, nos escritos pós-exílicos, certa “bipolaridade


teológica”: particularismo versus universalismo judaico, devido à influência
cultural estrangeira.

3.5 ENCONTRAR DEUS NO TEMPLO OU NA SINAGOGA?


O novo Templo, reconstruído de 521 a 515 a.C., novamente como santuário
central, não foi aceito por todos, principalmente pelos samaritanos, desde então
sempre mais separados, reproduziram a experiência religiosa politeísta assimilada
na Babilônia. Aos hebreus, o Culto e a Lei deram cada vez mais destaques ao
“judeu fiel”, especialmente pelos esforços do Profeta Neemias, sendo protegido
pelo sacerdote Esdras, em meados do século V.

16
TÓPICO 2 — TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR DEUS NO JUDAÍSMO

Nos textos atribuídos a Neemias, há um procedimento normativo oposto


aos casamentos mistos (Livro de Esdras, 10, disponível na bíblia judaica e bíblia
cristã), observância do sábado e a exigência de taxas para o culto (Livro de Esdras,
13, disponível na bíblia judaica e bíblia cristã).

Fica visível na narrativa teológica pouco interesse pelos acontecimentos


contemporâneos, preferindo retomar as antigas tradições e os antigos escritos,
reescrevendo à luz da renovada insistência sobre o culto e a Lei. Dessa forma foi
elaborada a redação final da Torah e a compilação dos escritos dos antigos profetas.

3.6 OUTROS ESCRITOS PROFÉTICOS (Séc. VI – II a.C.)


São escritos teológicos breves, às vezes repetindo os seus predecessores.
Ressaltam o período da reconstrução do Templo, nas teologias do denominado
Trito‑Isaías (Livro de Isaías, 55 — 66, disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã),
Ageu e Zacarias, Malaquias, Abdias e Joel, escritos teológicos dos séculos V e IV a.C.

3.7 TEOLOGIA SAPIENCIAL (SÉCULOS VI – I a.C.)


Parcialmente a teologia sapiencial era cultivada no período pré‑exílio, mas
floresceu no pós-exílio, do século VI até o ano 50 a.C., produzindo obras teológicas
importantes como a redação final dos Provérbios, o Cântico dos Cânticos, o
pessimista Eclesiastes, a Sabedoria, Sirácida ou Eclesiástico em meados do século
II, traduzido para o grego, aproximadamente em 130 a.C.); o livro de Baruc, com
o seu problema sapiencial e o livro da Sabedoria (Aproximadamente, ano 50 a.C.),
já redigido originalmente em Grego.

A teologia judaica versou no começo os mesmos temas do humanismo


individualista e terreno encontrados na teologia sapiencial do pré-exílio. Aos
poucos foi permitido penetrar no javismo e procurou descobrir as manifestações
da denominada Sabedoria de Deus na história do povo hebreu.

UNI

O javismo ou javista, ao lado da eloísta, deuteronomista e sacerdotal, é uma


das fontes da Teologia Judaica que deu origem ao Texto Sagrado denominado de Torah e/
ou Livro da Lei. Do ponto de vista teológico, “esta fonte constitui um documento único, no
qual se descreve a condição humana inspirando-se no estilo de vida do povo hebreu por
volta do século X a.C.” (GARCIA LOPES: 2006, p. 276).

17
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

Quanto a Eclesiastes (300 a.C.), nota-se que o seu pessimismo e a sua


insistência na vaidade das coisas humanas, no absurdo de tantas situações da
vida, na insatisfação mesmo das situações chamadas felizes, preserva-se a fé do
povo hebreu em Deus – um Deus, aliás, poucas vezes mencionado, a quem a
teologia judaica se refere em termos mais de conformista que de confiança. Em
Eclesiastes ainda não contempla, como no Livro de Daniel, Segundo livro dos
Macabeus e o livro da Sabedoria, a teologia da retribuição em outra vida.

4 PRODUÇÃO TEOLÓGICA PELA LITERATURA MIDRASH


O vocábulo midrash, do hebraico darash, quer dizer “procura, investigação”,
e designa duas coisas diferentes. Primeiro como método exegético designa a
própria interpretação rabínica da denominada Bíblia Judaica e enquanto gênero
literário caracteriza‑se pela amplificação dos textos e fatos anteriores.

As mencionadas fontes teológicas escritas datadas a partir do século X


a.C., isto é, da época davídico‑salomônica em diante, foram demasiadamente
influenciadas pela fase pré-literária, também objeto da História da Teologia, que
busca aproximação de suas tradições, transmitidas oralmente desde muito antes.

No entanto, é possível, com profundidade, formular hipóteses fundamen-


tadas nos estudos da etnologia e do folclore, constatando que a tradição oral tem
uma dinâmica interna semelhante em diversos povos. Em sua transmissão, pode-
mos distinguir os seguintes elementos:

• É transmitida por narradores individuais (contadores de histórias, poetas,


trovadores, sacerdotes), de certo modo envolvidos com a comunidade
(família, clã, tribo). Aliás, essas tradições passam de pai para filhos.
• Sua conservação inalterada por longos séculos é obtida, graças a bem-
sucedidas técnicas de memorização que se valem de palavras‑chaves ou do
ritmo de versos curtos, nos quais nenhuma sílaba é alterada.
• No centro das tradições do clã estão pessoas individuais, os heróis do passado,
a cujos feitos incorporam as experiências de toda a comunidade.
• Proclamada em datas marcantes, a tradição oral revestia o caráter de uma
celebração festiva, “litúrgica”, recordando o passado e, a partir do presente,
impulsiona o futuro.
• Finalmente, devido a vários fatores como a sedentarização do clã e divulgação
da escrita, a tradição oral é redigida e transformada em Teologia.

Ainda, na história do midrash, foram utilizados dois métodos no processo


de produção teológica: halacá e hagadah.

No primeiro, devido à necessidade de assegurar um correto entendimento


dos textos sagrados, exigia-se completar os mandamentos com toda precisão e
proteção. Assim, quando não se dispunha de um texto que havia sido perdido

18
TÓPICO 2 — TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR DEUS NO JUDAÍSMO

em determinado momento da história, se recorria à analogia e/ou à interpretação


de mestres reconhecidos pelo judaísmo, via costumes ou precedente admitido.

Já na hagada o procedimento interpretativo dos textos sagrados que


estava fora da norma oficial, principalmente o que estava relacionado à vida
moral e edificação espiritual, era contextualizado. O teólogo, geralmente, parte
de acontecimentos ou supostos acontecimentos antigos para fundamentar e/ou
justificar determinada situação do tempo presente.

Assim, se a teologia judaica levou cerca de mil anos para ser escrita e
fixada (Do século X a.C. até a promulgação do Cânon de Jâmnia, entre 90 e 105
d.C.), quase outro tanto foi o tempo da formação e crescimento das tradições
orais que ligam Abraão ao aparecimento dos primeiros escritos‑fontes da Torah
e outros escritos, para posteriormente serem definidos os dogmas do Judaísmo.

Historicamente, as fontes revelam a cultura hebraica e a influência de


outras no processo de busca por Deus. Entre elas está Alexandria, no Egito, que
promoveu o encontro da cultura hebraica com a cultura grega.

Durante o século III a.C., os hebreus dedicaram-se às atividades


econômicas, incluindo o comércio e para isso, fizeram uso do grego como língua
diária, inclusive nas sinagogas. Como consequência, surgiu a necessidade de
traduzir a Torah para o grego possibilitando novos procedimentos hermenêuticos.

Segundo Iussim (1996), Ptolomeu II, fundador da Biblioteca de Alexandria,


teria encomenda a tradução da Torah ao sumo sacerdote de Jerusalém, o
qual enviou 72 escribas para o trabalho. Disso resultou o texto conhecido por
Septuaginta e/ou tradução dos setenta, texto fundamental para o Judaísmo de
Alexandria e ao Cristianismo no primeiro século.

5 ESCOLAS TEOLÓGICAS JUDAICAS


O grande livro sagrado para o judaísmo é a Torah. A partir da mesma e
devido as constantes surpresas históricas vivenciadas pelo povo hebreu, como
invasões estrangeiras, conflitos internos e crises econômicas, o afastamento da
pátria no primeiro século foi necessário, o que é definido por diáspora judaica.

Longe de Israel, a terra prometida por Deus, surgiu a necessidade de


repensar o judaísmo para não ser extinto. Disso resultou a origem das denominadas
escolas teológicas judaicas.

19
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

5.1 ESCOLA DE HILLEL


Hillel, um sábio que viveu no período herodiano na primeira metade
do século I. De origem babilônica, não foi seduzido pela teologia de caráter
messiânico. Possibilitou as condições para o controle racional da Torah.

Na Escola de Hillel foi estabelecido um princípio: a interpretação e a aplicação


da Torah em seu sentido literal puro. Porém, em certas ocasiões, pode ser contrária ao
verdadeiro espírito da Lei, porque as circunstâncias históricas são alteradas.

Segundo Barrera (1999), a Escola de Hillel desenvolveu forte apologia


a direitos, principalmente liberdade às mulheres na vida em sociedade. Ainda,
esta não se importava em alterar a Lei, contanto que salvasse o sentido e o fim
primordial da própria Torah.

5.2 ESCOLA DE SHAMMAI


Esta escola acusava Hillel de modernismo pelo fato da mesma admitir
novas normas derivadas da Torah. Foi uma escola patriota, conservadora das
tradições judaicas. Essas atitudes revelam a preocupação em salvaguardar os
princípios fundamentais da Torah. Era mais renitente à admissão de estrangeiros
e a liberdade feminina.

5.3 ESCOLA DE ZAKKAY OU JÂMNIA OU JABNÉ


Zakkay foi discípulo de Hillel e após a catástrofe ocorrida no ano 70 d.C.
em Jerusalém, fundou a comunidade de Jâmnia com a finalidade de reorganizar
o judaísmo e restaurar as instituições políticas do povo hebreu.

Esta escola desenvolveu um sistema normativo e a interpretação da Torah


com a finalidade de fazer com que as normas e procedimentos interpretativos da
Escola de Hillel pudessem ter força legal e fossem aplicáveis nas novas realidades
da diáspora, na qual o povo hebreu foi obrigado a viver a partir de então.

Em Jâmnia, a bíblia judaica foi definida, sendo acolhidos enquanto


sagrados somente os textos que haviam sido escritos em hebraico, juntamente
com a profissão de fé do judaísmo, excluindo Jesus de Nazaré enquanto Messias,
obrigando os cristãos a fundarem suas próprias comunidades.

20
TÓPICO 2 — TEOLOGIA JUDAICA: A BUSCA POR DEUS NO JUDAÍSMO

E
IMPORTANT

Uma testemunha da divisão tríplice do cânon hebraico é Flavio Josefo, fariseu


e historiador judaico que testemunhou a queda de Jerusalém em 70 d.C. “Eram apenas
vinte e dois os livros do cânon hebraico agrupados nas três divisões do cânon massorético”
(MANZANARES, 1995, p. 93).

5.4 ESCOLA DE ISMAEL


Foi uma escola que surgiu no século II e partia do princípio segundo o qual
toda doutrina ou lei vem expressa em linguagem humana e sua interpretação,
portanto, há de ser regida pela razão. Foi uma escola dotada de rigor crítico,
filológico e histórico (BARRERA: 1999, p. 567).

5.5 ESCOLA DO RABINO AQUIBA


É contemporânea da denominada revolta de Bar-kochba (130/131 d.C.).
Aquiba dava primazia à derivação das leis a partir dos textos sagrados. Assim,
toda tradição oral poderia ser legitimada pela própria Torah.

Segundo Barrera (1999), Aquiba sempre esteve próximo dos movimentos


apocalípticos, messiânicos e políticos. Foi ele que deu interpretação messiânica
para Bar-kochba, quando liderou uma revolta para expulsar os romanos da
Palestina. A obra de Aquiba foi continuada por outros grandes mestres, tendo
grande influência na história posterior do judaísmo.

6 O QUE É TEXTO SAGRADO NO JUDAÍSMO?


O texto sagrado fundamental é a Torah e/ou os mesmos cinco primeiros
livros que estão na Bíblia Cristã. Entre os séculos II e VII, teólogos judaicos
destinaram 613 mandamentos que compõem a vida e os costumes dos judeus.

21
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

NOTA

O termo Torah pode ser usado para se referir à Bíblia Hebraica ou, simplesmente
“Escrituras”, que é composta por três partes: a Torah (O Pentatêuco: Gênesis, Êxodo, Levítico,
Números e Deuteronômio), os Nebiim (Os Profetas: Josué, Juízes, Samuel, Reis, Isaías, Jere-
mias, Ezequiel, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu,
Zacarias e Malaquias) e os Ketubim (Os escritos: Salmos, Provérbios, Jó, Cântico dos Cânticos,
Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Esdras-Neemias e Crônicas).

Na Sinagoga, a leitura das Escrituras deu origem a outra designação hebraica:


Miqra (Aquela que é lida). Após a destruição do templo de Jerusalém, no ano 70 d.C.,
a Escola de Zakkay percebeu que a chave para a sobrevivência do judaísmo estava na
transmissão da erudição judaica e na transferência dos símbolos da religião do templo
para outros aspectos da vida judaica. Assim, foi desenvolvido um sistema normativo,
dividido em seis ordens e subdividido em 63 tratados, contendo leis e costumes ju-
daicos e sua adaptação às novas circunstâncias, sendo compilado pelo Rabino Judá, o
Príncipe, resultando no texto denominado de Mishna (Aquilo que é ensinado).

A seguir, as reflexões e/ou interpretações da Mishna propiciaram a origem


do Talmud de Jerusalém (400 d.C. e o Talmud da Babilônia (500 d.C.). Ambos
fazem uso dos mesmos textos da Mishna, mas diferem na interpretação.

Posteriormente passou a ser usada a expressão Talmud para designar


ambos os textos com status de Texto Sagrado na mesma estatura da Bíblia Judaica.
Além destes, há outros dois livros importantes para o judaísmo. Primeiro, o
Siddur, livro de orações para preces diárias, o Sabá ou dias santificados. E o
Hagadah, é o livro da recontagem do Êxodo, que ocorre na refeição familiar, no
cerimonial do Seder (Páscoa), durante a qual o grande ato divino da libertação
dos hebreus no Egito é recitado e revivido de geração em geração.

7 QUEM É DEUS NO JUDAÍSMO?


O povo hebreu em sua incansável busca definiu Deus com um nome
inefável, atribuindo quatro letras YHWH. O nome é tão sagrado que não pode ser
pronunciado, é Aquele que é. Por isso, durante a história do judaísmo a teologia
buscou expressões substitutas para evitar a palavra YHWH. O mais comum é
Adonai (O Senhor!). No judaísmo Deus não tem forma ou cheiro, é o invisível e
está além da capacidade de intelecção dos seres humanos.

O judaísmo preocupou-se em enfatizar isso evitando representações


artísticas que poderiam ser confundidas por tentativas de retratar Deus. Por isso,
“Ouve Israel, Adonai é nosso Deus, Adonai é Um”.

22
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os principais elementos históricos e teológicos utilizados pelos hebreus no


processo de busca por Deus até a definição da Torah enquanto Livro Sagrado
no denominado Concílio de Jamnia.

• No percurso histórico, nada linear, foram colocados em evidência


personagens de narrativas sagradas – a exemplo do Deutero-Isaías – seguidos
de personagens históricos – a exemplo do Rabino Aquiba – que passaram a
ser de suma importância para compreender a Teologia Judaica.

• Mesmo com a insegurança das fontes, o que fica fora de dúvidas é que a
Teologia Judaica foi marcada pela forte relação entre poder e religião, ficando
difícil definir o que é religioso e o que é profano. Inicialmente, Deus foi
definido a partir do discurso do patriarcado de Abraão e Moisés, a seguir
pelos denominados Juízes e depois pelos Monarcas e Rabinos.

• Mesmo com os entraves históricos, o judaísmo revela Deus, Aquele que é,


conforme as escrituras, totalmente mistério, algo que o torna difícil para
qualquer tentativa de aproximação mediante uso da razão.

23
AUTOATIVIDADE

1 Conforme os estudos realizados neste tópico, para o Judaísmo, onde Deus


pode ser encontrado?

a) No Templo ( ) Sim ( ) Não. Justifique!

b) Na sinagoga ( ) Sim ( ) Não. Justifique!

2 De acordo com os estudos realizados até agora, o Judaísmo elaborou


uma Teologia da Esperança a partir do conceito de “Messias”. Assinale a
afirmação verdadeira:

a) ( ) Em Jâmnia, a bíblia judaica foi definida, sendo acolhidos enquanto


sagrados somente os textos que haviam sido escritos em hebraico,
juntamente com a profissão de fé do judaísmo, excluindo Jesus de
Nazaré enquanto Messias.
b) ( ) Em Jâmnia, a bíblia judaica ficou indefinida, sendo acolhidos enquanto
sagrados somente os textos que haviam sido escritos em hebraico.
c) ( ) Em Jâmnia, a única questão foi em torno da profissão de fé do judaísmo,
excluindo Bar-Kochba e Jesus de Nazaré enquanto Messias.
d) ( ) Em Jâmnia, o Rabino Aquiba, discípulo de Hillel após a catástrofe
ocorrida no ano 70 d.C. em Jerusalém, fundou a comunidade de Jâmnia
com a finalidade de reorganizar o judaísmo e restaurar as instituições
políticas do povo hebreu.

3 Na bíblia judaica é possível, com profundidade, formular hipóteses


fundamentadas nos estudos da etnologia e do folclore, constatando que
a tradição oral tem uma dinâmica interna semelhante em diversos povos.
Com isso é verdadeiro afirmar:

a) ( ) A tradição oral foi usada apenas no livro do Gênesis.


b) ( ) O folclore hebreu foi fundamental para a elaboração de toda a Torah.
c) ( ) A etnografia foi dispensada na elaboração da Torah.
d) ( ) A tradição oral foi fundamental para a elaboração da Torah.

24
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR


DEUS NO CRISTIANISMO

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico será apresentada a evolução histórica da teologia cristã,


ressaltando o processo de desprendimento do Cristianismo em relação ao
judaísmo até a definição da Teologia da Trindade.

No tópico anterior está nítido que entre os hebreus ocorreu a profissão


de fé no Messias por três vezes. A primeira profissão de fé foi na pessoa de Ciro,
o persa (Livro de Isaías, 43,16‑21. Disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã),
devido ao decreto de deportação dos hebreus da Babilônia para a denominada
“Terra Prometida” (585 a.C.). A segunda profissão de fé no Messias ocorreu na
chamada revolta de Bar-kochba (130/131 d.C.), durante o governo do imperador
Adriano (117-138 d.C.).

2 A QUESTÃO DA PROFISSÃO DE FÉ NO MESSIAS


Segundo Metzger (1984), Cassius Dio, narra que houve uma última revolta
dos judeus contra tropas do império romano em 130/131 na Palestina. Segundo
o cronista, Adriano empreendeu uma viagem para o oriente, incluindo também
a Palestina no roteiro com a finalidade de reconstruir o Templo de Jerusalém e
instaurar um santuário a Júpiter no mesmo lugar. O fato propiciou a resistência
de hebreus, resultando na revolta de Bar-kochba contra os romanos, o qual saiu
vencedor no início e depois derrotado.

O fato proporcionou a afirmação de Bar-kochba como o Messias prome-


tido. Para o Rabino Aquiba, na pessoa do líder revolucionário se cumpria a pro-
missão messiânica, que se entrevia no Livro dos Números 24.17 (Disponível na
Bíblia judaica e bíblia cristã).

Os rebeldes, liderados por Bar-Kochba, conseguiram conquistar Jeru-


salém. Desse fato muitos hebreus acreditaram que uma nova era se irrompia,
o Messias havia chegado. Os romanos, no entanto, entraram em cena quando
Adriano encarregou o marechal Julio Severo para acabar com a rebelião. No de-
correr desta, toda a Judeia foi devastada.

Os rebeldes e demais, como herodianos, fariseus, saduceus, essênios (ju-


deus ortodoxos) e hebreus seguidores da doutrina de Jesus de Nazaré, que per-

25
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

maneceram vivos passaram a viver enquanto refugiados fora de Jerusalém ou


vendidos como escravos.

Dessa perseguição resultou a origem de comunidades mistas, contendo


seguidores do judaísmo ortodoxo e de judeus que aderiram ao seguimento de
Jesus de Nazaré, aclamado como o Cristo, o Messias anunciado pelas escrituras.
Era a terceira profissão de fé no Messias.

Era um novo exílio para o judaísmo e ao mesmo tempo a gestação do cris-


tianismo. Esses judeus-cristãos, em busca de dias melhores num futuro próximo
mantiveram-se ligados às sinagogas e, a exemplo de Paulo, o apóstolo, a princípio
sofreram punições, sendo finalmente expulsos para edificar as comunidades cris-
tãs. Dessas experiências comunitárias resultou a teologia paulina, fortalecendo o
tema da profissão de fé no Messias com mais evidência. Na pessoa de Jesus de
Nazaré, crucificado na Palestina, no primeiro século, o Deus dos hebreus, confirma
a promessa, envia o Messias, o Cristo, aquele que foi ressuscitado dentre os mortos.

Sem contestação, o tema da profissão de fé no Messias ocupa um primeiro


plano na consciência cristã dos três primeiros séculos. Os cristãos são os que
conhecem a Deus, face a face, na pessoa de Jesus de Nazaré. O incognoscível saiu
de seu mistério e manifestou-se ao humano: primeiro ao povo judeu, pela Lei e
pelos profetas, depois à humanidade pelo Cristo e veio pessoalmente revelar os
mistérios de Deus. Daí os teólogos cristãos enfatizam o tema da revelação.

Esse grande interesse pelo tema da revelação tem diversas causas. As


primeiras gerações cristãs estão ainda sob o impacto da grande manifestação de
Deus na pessoa de Jesus, o Cristo. As consideradas testemunhas e/ou apóstolos,
vivem e proclamam o anúncio da salvação: “O Reino de Deus está próximo”.

A preocupação de atingir os considerados pagãos — povos de demais cul-


turas vizinhas — leva os teólogos cristãos, a exemplo de Paulo, a procurar pontos
de aproximação entre o cristianismo e o pensamento grego. Por isso, os apologe-
tas tomaram o conceito de Logos, comum a todas as religiões do império romano
e aos sistemas filosóficos do século III, para fazer a teologia do Logos.

Também os primeiros teólogos cristãos, apontados como hereges na his-


tória refletiram sobre a revelação do Messias na pessoa de Jesus de Nazaré. Os
gnósticos, por exemplo, em certo sentido, elevaram ao máximo o conceito de re-
velação, mas o deformam ao mesmo tempo. Defenderam que a salvação se reduz
à gnose, em vez de ser também um conhecimento. Outros teólogos cristãos mos-
tram que o cristianismo traz a verdadeira gnose, evidenciando, porém, que é ao
mesmo tempo inseparavelmente vida e conhecimento.

Entre os gnósticos, o Cristo revela um Deus totalmente novo, desconhe-


cido do mundo judeu, estabelecendo uma diferença radical entre o Deus da Te-
ologia Judaica e o Deus da Teologia Cristã. Mas os primeiros teólogos cristãos
mais vinculados às autoridades eclesiásticas têm a oportunidade para salientar a

26
TÓPICO 3 — TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO

harmonia e o progresso da revelação, obra de um só e único Deus por seu Logos,


o Cristo anunciado em e por Jesus de Nazaré. No contexto, um dos maiores pro-
blemas na teologia cristã é evidenciado, isto é, o da relação entre Teologia Judaica
e Teologia Cristã e/ou os textos denominados de Antigo e Novo Testamento.

E
IMPORTANT

Herege é aquele que defende uma doutrina contrária. Já no início do cristia-


nismo o debate teológico e filosófico foi intenso. Geralmente, se o teólogo estava mais
próximo do bispo de Roma, sucessor do apóstolo Pedro, o considerado Papa pelo catolicis-
mo, era considerado apologeta da verdade e outros eram definidos enquanto hereges. Sinal
que na história o poder político-religioso tem força para definir até mesmo quem é Deus.
Partindo deste ponto de vista, o apóstolo Paulo foi considerado um herege pelos judeus,
assim como O Giordano Bruno, Galileu Galilei, Leonardo Boff e Hans Küng, perseguidos e
punidos pelo poder político-religioso.

Nestas disputas teológicas, os judaizantes preservam a primazia da


revelação profética, enquanto grupos cristãos como os marcionitas, seguidores
de um líder religioso chamado de Marcião de Sinope (85 a 150 d.C.), estabelecem
oposição entre Teologia Cristã E Teologia Judaica. Para Marcião, o Deus revelado
na pessoa do Cristo não se identifica e não tem qualquer relação com o Deus
definido pelo judaísmo.

Os teólogos cristãos tiveram que examinar a relação entre a teologia


judaica e teologia cristã. Primeiro salientaram a unidade profunda de ambos e
confirmam que há um só e mesmo Deus autor da revelação por seu Verbo ou
Logos ou Cristo, sendo a criação, as teofanias, a Torah, os profetas, a encarnação,
etapas dessa única e contínua manifestação de Deus na existência.

Na Carta de Clemente Romano, considerado o quarto bispo de Roma e/ou


Papa, entre 88 – 97, escrita aos Coríntios, a teologia judaica e/ou Antigo Testamento
é o fator dominante. O autor não só fundamenta suas admoestações morais com
frases do Antigo Testamento, mas busca motivações teológicas. Trevijano (1996),
chama a atenção, por exemplo, quando Clemente Romano trata da ressurreição,
ele o faz, sem remeter aos escritos cristãos disponíveis na teologia paulina,
mas sim ao Antigo Testamento, à Teologia Judaica. Clemente vê o cristianismo
enquanto continuidade do judaísmo. Ele é afirmado por outros teólogos cristãos
como Justino e Irineu de Lião.

Todavia, no processo de busca e definição de Deus, a teologia cristã


apresenta um debate ainda mais complexo, a questão da Santíssima Trindade.
Três deuses em três pessoas ou um Deus em três pessoas?

27
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

3 O DEBATE TEOLÓGICO NO CRISTIANISMO


Um dos primeiros debates ou controvérsias na teologia cristã envolvendo
a questão de Deus-Trindade foi em torno da doutrina de Arius, bispo de
Alexandria no Egito, entre 250 – 336. Para ele não há uma igualdade essencial
entre a pessoa de Jesus e Deus que os torne iguais, definindo Jesus apenas um
homem. O Concílio de Niceia, em 325 condenou Árius por heresia.

Em Roma, no século III, o bispo Sabélio, divulgava que na Santíssima Trinda-


de, Deus dos cristãos, não há três pessoas e um só Deus, mas modos de Deus atuar na
história, dando origem ao sabelianismo ou monarquismo ou patripacionismo.

Segundo esta teologia, Deus atuou como Pai ao criar o mundo, o mesmo
atuou como Jesus que morreu na cruz e atua na história como Espírito. O
principal oponente de Sabélio foi Tertuliano, que chamou a doutrina de Sabélio
de patripassionismo, isto é, Deus Pai, na afirmação de Sabélio, havia sofrido na
cruz. Assim, este foi acusado de herege.

Em Constantinopla, no século V, o patriarca Nestório afirmava que em


Jesus há duas pessoas, uma humana e outra divina e reprovava o dogma da
Theotokos, que afirmava ser Maria, Mãe de Jesus, a Mãe de Deus. Dessa forma,
Nestório discordava da ortodoxia cristã que afirmava: em Jesus, o Cristo há uma
pessoa e duas naturezas, a humana e divina e que Maria é a Mãe de Deus. Em 431,
o Concílio de Éfeso condenou Nestório por heresia.

Aproximadamente, no ano 400, chegou a Roma um monge de origem


britânica, chamado Pelágio, trazendo um texto que fazia comentários às Cartas
Paulinas. Na teologia pelagiana, a vontade humana é fundamental e decisiva na
experiência da salvação, contrariando a Teologia da Graça de Agostino de Hipo-
na. Para Agostinho o humano é escravo do pecado e necessita da intervenção da
graça, de Deus, para ser salvo. Mas para Pelágio o humano é livre para ser salvo
ou para desistir da salvação, é o humano que decide pelo seu futuro. O Concílio
de Cartago (418), Éfeso (431) e Orange II (529), recepcionaram a teologia agosti-
niana e condenaram Pelágio por heresia.

Sobre as controvérsias teológicas não pode ser deixada de lado a questão


envolvendo o Espírito Santo e/ou a doutrina do “Filioque”, isto é, o Espírito Santo
procede do Pai ou procede do Pai e do Filho ou procede do Pai pelo Filho? Foi um
debate entre teólogos latinos e gregos.

Os latinos defendiam a tese que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho,


enquanto os gregos, afirmam que o Espírito Santo procede do Pai pelo Filho. Em
381, o cristianismo católico ocidental havia afirmado que o Espírito Santo procede
do Pai, porém a teologia latina acrescentou a expressão “Filioque” (do Filho), ou
seja, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, enquanto o catolicismo ortodoxo
no oriente ficou com a forma: o Espírito Santo procede do Pai pelo Filho. A ques-
tão foi resolvida, selando o cisma entre cristianismo ocidental e oriental em 1054.

28
TÓPICO 3 — TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO

Dessa forma, aos poucos ocorreu o desenvolvimento da Teologia cristã,


mas fortemente protegida pelos interesses do Império Romano no Ocidente e
no Oriente. Se o judaísmo foi sustentado pela monarquia israelita, o cristianismo
recebeu as bênçãos imperiais romanas. Não foi por disputas teológicas, mas
pela força do decreto de Tessalônica, de 380, que o imperador Teodósio fez do
cristianismo a religião oficial do império romano.

4 A TEOLOGIA DA SANTÍSSIMA TRINDADE

Diante do mistério radical e absoluto da Santíssima Trindade, o uso


da linguagem é meio de aproximação e figurada. As expressões “causa”, com
referência ao Pai, “geração”, com relação ao Filho e “expiração”, concernindo
ao Espírito Santo ou ainda “processões”, “missões”, “natureza”, “pessoas”,
“substância” e “comunidade” são analogias e não visam ser explicações causais,
num sentido filosófico.

A tentativa é apresentar a diversidade e a comunhão existente na realidade


divina. Assim faz-se necessário seguir as orientações de Clodovis Boff (1988),
ou seja, fazer a experiência do auditus fidei para iniciar o processo de intellectus
fidei. Na história, a tradição cristã consagrou três produções teológicas clássicas
envolvendo a Santíssima Trindade.

4.1 TEOLOGIA CLÁSSICA CRISTÃ GREGA



A teologia trinitária grega parte do Pai, tido como fonte e princípio de toda
divindade. Do Pai há duas saídas: o Filho pela geração e o Espírito pela processão.
O Pai comunica toda sua substância (Hipóstase, substância que não faz parte de um
todo. É a substância individual, completa, existente em si e por si em eterna comu-
nhão.) ao Filho e ao Espírito Santo, por isso são consubstanciais ao Pai e igualmente
Deus. O Pai constitui também a Pessoa do Filho e do Espírito Santo num processo
eterno. Esta teologia tem forte vínculo com a heresia do subordinacionismo.

ATENCAO

Subordinacionismo é a heresia de Ário, século III, segundo a qual o Filho e o


Espírito Santo estariam subordinados, em relação desigual, ao Pai, não possuindo de forma
idêntica a mesma natureza; ou então seriam criaturas excelsas, mas apenas adotadas (ado-
cionismo) pelo Pai em sua divindade. O Concílio de Niceia, em 325, condenou o arianismo
(FRANGIOTTI, 1995).

29
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

A teologia clássica grega em torno da questão da Trindade, teve três


principais representantes:

4.1.1 Irineu de Lião

Exímio teólogo do século II, possivelmente caiba a ele a honra de ter sido o
primeiro a formular sistematicamente a fé cristã. Irineu considera o Filho gerado
e não criado, deixando de explicar o mistério, porque o Mistério não pode ser
contemplado e jamais explicado.

Sua tese de recapitulação de todas as coisas em Cristo constitui o eixo de


sua teologia, ou seja, Cristo se fez humano para divinizar a humanidade, restaura
o humano, “imagem e semelhança do Criador.

4.1.2 Orígenes (185 – 253)

É o sábio mais fecundo da antiguidade cristã. Quanto às relações das


Três Pessoas em Deus, chegou a aderir ao subordinacionismo. Embora defenda
a divindade do Filho, Orígenes acentua também sua inferioridade. Foi o
primeiro a utilizar o termo homousios (consubstancial), termo que fez carreira nas
controvérsias dogmáticas.

Disso resultou a expressão dogmática Nicena-constantinopolitana


(Concílio de Niceia, em 325 e Constantinopla em 381), definindo o dogma
homousiano, afirmando a igualdade de natureza entre o Pai e o Filho.

4.1.3 Tertuliano (160 – 220)

Faz a exposição pré-nicena mais nítida da doutrina da Trindade. Foi o


primeiro a expressar os termos “Trindade e Pessoa” na teologia cristã. Para ele, o
Pai possui a plenitude da divindade (toda substância); o Filho apenas uma parte.

Assim, o Filho procede do Pai como o raio se irradia do Sol. Foi ele quem
abriu caminho para a expressão dogmática cristológica da união hipostática das
duas naturezas de Jesus Cristo, humana e divina. Os milagres de Jesus revelam
sua divindade, os sentimentos e a paixão sua humanidade.

30
TÓPICO 3 — TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO

4.2 TEOLOGIA CLÁSSICA LATINA

A teologia trinitária latina parte da natureza (substância única, é a graça e


união em Deus) divina, igual nas três pessoas. Esta natureza divina é espiritual;
por isso possui um dinamismo interno. O espírito absoluto é o Pai, a inteligência
é o Filho e a vontade o Espírito Santo.

Dessa forma, os Três se apropriam de modo distinto da mesma natureza.


O Pai sem princípio, o Filho por geração do Pai e Espírito Santo espirado pelo Pai
e pelo Filho. Logo, os três estão na mesma natureza, são consubstanciais e por
isso há um só Deus. O Concílio Ecumênico Lateranense IV em 1215 expressou
a teologia dogmática latina. Esta teologia corre o risco de ser entendida como
sabelianismo ou modalismo, isto é, a heresia de Sabélio, século III, segundo a qual
o Filho e o Espírito Santo seriam simples modos de manifestação da divindade
e não pessoas distintas. Também pode ser denominada de modalismo, doutrina
que apresenta a Trindade como três modos de ver humanos do único e mesmo
Deus, ou então três modos (máscaras) do mesmo e único Deus se manifestar aos
seres humanos.

Assim, Deus não seria Trindade em si, seria um e único. Segundo Fragiotti
(1995), Sabélio foi condenado por heresia. A teologia latina sobre a Trindade teve
grandes representante. A exemplo de Agostinho de Hipona, Tomas de Aquino e
João Dunus Scoto.

4.2.1 Agostinho de Hipona (354 – 430)

O Tratado sobre a Trindade de Agostinho é uma obra de maturidade,


longamente meditada (de 388 – 419), interrompida e retomada por Agostinho.

Até o livro VII expõe o dogma trinitário. Agostinho investiga a Trindade,


que é Deus, nas realidades eternas, incorpóreas e imutáveis, cuja perfeita
contemplação será a vida bem-aventurada que não pode ser senão eterna.

Para ele, a existência de Deus não é proclamada somente pela autoridade


dos textos sagrados, mas por toda a natureza, inclusive a comunidade criada
à imagem e semelhança do Criador. Essa questão pode ser encontrada mais
precisamente no Livro VI, onde Agostinho ressalta que sua sabedoria é uma
substância incorpórea e uma luz que permite que se veja o que os nossos olhos
carnais não conseguem ver.

No capítulo VIII, Agostinho procura definir Deus partindo das criaturas,


reproduzindo a teoria das ideias de Platão. Para atingir a prova de que Deus
existe, faz duas exigências: “crer para compreender e compreender para crer”. É
o debate teológico e filosófico sobre fé e razão.

31
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

No capítulo IX, o autor delimita o ato de procurar e encontrar Deus como


procedimentos a serem adotados neste desafio humano, completando fé e razão
que culminam com a afirmação na qual Deus é “Aquele a quem o bem nada falta”
ou como já havia afirmado nas Confissões, capítulo XIII: “Tu que és o bem não te
falta nenhum bem”.

Após refletir acerca de passagens bíblicas sobre o apóstolo Paulo sobre


a palavra espelho (Primeira Carta aos Coríntios 13, disponível na Bíblia Cristã),
afirma:

[...] Devido à semelhança imperfeita, como dissemos, diz-se que


o homem é à imagem e nossa, para que o homem fosse imagem da
Trindade, não igual à Trindade como o Filho é igual ao Pai, mas
aproximativa, conforme já se disse, em certa semelhança. O mesmo
acontece com relação a coisas que dizemos ser vizinhas, não pelo lugar,
mas por certa imitação... Dissemos em outro lugar que os diferentes
nomes aplicados a cada uma das três pessoas na Trindade, traduzem
relação recíproca, tais como: Pai e Filho e o Dom de ambos, o Espírito
Santo. Com efeito não se pode dizer que o Pai é a Trindade, ou que o
Filho é a Trindade, nem o Dom ser a Trindade. O que é dito, porém, de
cada um dos três em relação a si mesmo, é dito não no plural, mas no
singular, pois é referente a uma única realidade: a própria Trindade...
Não são três deuses, três bons ou três onipotentes, mas um só Deus
(AGOSTINHO, 1994, p. 258).

A partir do livro VIII, procura os sinais de Deus na criação e na estrutura


ternária do humano, que traz em si seu movimento, que é seu princípio e seu
fim. Agostinho se lança na investigação da verdade, porém, curva-se perante
o mistério ao perceber os limites da pesquisa humana, buscando sempre mais
corrigir os resultados de suas descobertas.

4.2.2 Tomás de Aquino (1224 – 1274)



A teologia tomista da Santíssima Trindade completa a obra agostiniana.
Preserva o caráter divino e consubstancial das Três Pessoas, aprofundando as
formas distintas de uma prover da outra, analisando as relações reais entre elas.
Neste tópico, Tomás de Aquino complementa Agostinho. Afirma o teólogo:

[...] é necessário admitir em Deus somente Três Pessoas. Pois como


demonstramos, várias pessoas supõem várias relações subsistentes
entre si realmente distintas”. Na Trindade há três relações: a
paternidade, a filiação e a processão. “Chamam-se propriedades
pessoais, sendo como pessoas constituintes: a paternidade do Pai é a
Pessoa do Pai, a filiação a do Filho e a processão é a do Espírito Santo
procedente” (AQUINO, 1980, p. 288).

Outro tópico de suma importância no pensamento teológico de Tomás
de Aquino é o que ele chama de “cinco vias que comprovariam a existência de

32
TÓPICO 3 — TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO

Deus”, fundamentadas na própria existência, na experiência humana, no mundo


e em seu contato com o pensamento aristotélico. Afirma Aquino (1980):

a) A primeira prova e/ou primeiro motor, tudo aquilo que se move é


movido por outro ser. Este para ser movido necessita também ser
movido. Se não houvesse um primeiro ser movente, cairíamos em
um processo indefinido. Logo, é necessário admitir a existência de
um Ser que não seja movido, o próprio Deus;
b) A segunda prova e/ou causa eficiente, todas as coisas existentes no
mundo não possuem em si a causa eficiente de suas existências.
Devem ser consideradas efeitos de uma causa. Logo, é necessário
admitir a existência de uma causa eficiente, fonte da sucessão de
efeitos, o próprio Deus;
c) A terceira prova e/ou ser necessário e ser contingente, é um argu-
mento variante da segunda prova. Todo ser contingente do mesmo
que existe, pode deixar de existir. Ora, se todas as coisas que exis-
tem podem deixar de ser, então, em algum momento, nada existiu.
Mas se assim fosse, também no atual momento, nada existiria, pois
aquilo que não existe somente começa a existir em função de algo
que já existia. Logo, é necessário admitir a existência de um ser que
sempre existiu, um ser absolutamente necessário, que não tenha
fora de si a causa de sua existência, que seja a causa da necessidade
de todos os seres contingentes, o próprio Deus;
d) A quarta prova e/ou graus de perfeição, está em relação à qualida-
de de todas as coisas existentes. Há graus diversos de perfeição.
Estabelecemos que tal coisa é melhor ou mais bela, mais poderosa
ou mais verdadeira que a outra. Se uma coisa possui mais ou menos
determinada qualidade positiva, isso supõe que existe um ser com
o máximo dessa qualidade. Logo, devemos admitir que existe um
ser com máximo de bondade, beleza, poder e verdade, sendo um
máximo e pleno, o próprio Deus.
e) A quinta prova e/ou finalidade do ser, está relacionada a finalidade
das coisas. Todas as coisas brutas que não possuem inteligência, es-
tão cumprindo uma finalidade. Logo, devemos admitir a existência
de um ser dirige todas as coisas naturais para que cumpram cada
uma de suas finalidades, o próprio Deus.

4.2.3 João Duns Scoto (1266 – 1308)

A grande tarefa deste teólogo foi distanciar a fé da razão, defendendo que


o objeto da Teologia é Deus, enquanto o problema a ser enfrentado pela Filosofia/
Metafísica é o ser.

Para Immarrone (2003), na teologia de Scoto, provar a existência de Deus


não é meramente provar a ideia de infinito. Para cumprir sua tarefa, rejeita o
pensamento de Agostinho, se afasta do platonismo e recorre a Aristóteles, como
havia feito Tomás de Aquino.

O ponto de partida do teólogo é o próprio infinito, o qual defende ser


este necessário, capaz de propiciar a criação por ato livre. Logo, recorre também
à metafísica aristotélica, isto é, Deus é o “Motor Imóvel”, é Ato puro, porém não
conhecido em essência pelo humano.
33
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

Ainda, segundo Immarrone (2003), não satisfeito, Scoto rebate a ideia


de essência necessária para afirmar a existência porque o infinito é uma ideia
derivada da própria ideia de finito, isto é, o infinito é transcendental, abismo
e liberdade, impossível de ser compreendido pela razão, podendo portanto, o
humano expressar o desejo de amar não um bem qualquer e passageiro, mas o
Bem Infinito, o próprio Deus.

DICAS

Para um melhor aprofundamento sobre João Duns Scoto leia: IMMARRONE. L.


Giovanni Duns Scoto, metafisico e teologo le tematiche fondamentali della sua filosofia
e teologia. Roma: Miscellanea Francescana, 2003.

4.3 TEOLOGIA CLÁSSICA MODERNA



A teologia trinitária moderna parte das Três Pessoas divinas, Pai-Filho-
Espírito Santo e faz uso de uma expressão grega, o termo pericorese, para
expressar que Deus é Trindade.

UNI

O termo grego perikoresiV (pericoresis ou girar ao redor) é utilizado para de-


signar a comunhão ou a recíproca efusão de amor entre os três eternos amantes. No latim
foi traduzido por circuminsesseio (de circum, equivalente à “em redor” e ou “estar sobre ou
dentro” e ou coabitação) ou circumincessio (incidire e ou avançar). A palavra quer designar
a verdade da Trindade, fazendo a ligação entre a unidade e a Trindade, isto é, a comunhão
existente no Pai-Filho-Espírito Santo.

Verifica que na teologia da Santíssima Trindade, há Um só Deus em Três


Pessoas. Os Três vivem em eterna pericorese, sendo um no outro, pelo outro,
com o outro e para o outro. A unidade trinitária significa a união em virtude da
pericorese e da comunhão eterna. Esta união, porque é eterna e infinita, permite
falar de um só Deus.

Ainda, parte do dado da fé, a existência do Pai-Filho-Espírito Santo como


distintos e em eterna comunhão. O Concílio Católico de Florença expressou a
teologia dogmática moderna (DENZINGER: 1991, p. 593).

34
TÓPICO 3 — TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO

4.3.1 Teologia da reprodução do modelo de vida


comunitária judaica no cristianismo à luz da trindade

A partir da Galileia – enquanto ambiente teológico – os primeiros cristãos


instituíram com seus discípulos uma forma de vida comunitária que não era
novidade aos hebreus do primeiro século. Esta mesma estrutura foi acolhida
no decorrer dos séculos e também assumida por seguidores diversos, buscando
atingir a perfeição e/ou aguardar a parusia, o final dos tempos, porque “O reino
dos céus está próximo [...] Arrependei-vos porque é chegado o Reino de Deus”
(Evangelho de Mateus, 3 e 4, disponível na bíblia cristã).

O judaísmo foi a referência para as denominadas comunidades cristãs.


Um desses modelos de comunidades pode ser identificado nos escritos de Qumrã.

UNI

Qumrã, local habitado por judeus essênios, nas proximidades do Mar Morto, atu-
almente entre Jordânia e Israel, provavelmente surgiu após a queda de Jerusalém no ano 70
d.C. Foi uma comunidade, muito preocupada em preservar o judaísmo sem a profissão de fé
nos Messias Jesus de Nazaré e Bar Kochba, mas preservavam a fé na vinda de aCuriosamente,
“foi um pastor de nome Muhammed que em 1947 encontrou talhas de barros contendo ma-
nuscritos do Antigo e Novo Testamento” (HORSLEY; HANSON, 1995, p. 40).

Segundo Berger (1995), a comunidade de Qumrã tinha governo


comunitário muito parecido com o que descreve o Livro de Atos dos Apóstolos, 6
e 15 (Disponível na Bíblia Cristã).

A análise da obra deixa entrever a existência de comunidades,


entendidas como conjuntos de homens e mulheres que assumiram o
projeto de Jesus, o Messias crucificado, que se distinguem uma das
outras pelo lugar em que residem os seus membros e pelos seus
responsáveis, denominados apóstolos e profetas(Livro de Atos dos
Apóstolos, 11, disponível na Bíblia Cristã) (ALMEIDA, 2001, p. 91).

Em Qumrã havia um conselho formado por doze homens e três sacerdotes


que formavam um organismo mais elevado no âmbito da assembleia. Os
paralelos entre a Assembleia de Qumrã e a Multidão dos Cristãos de Jerusalém
são evidentes.

35
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

4.3.2 Busca por deus no deserto

O que há no deserto a não ser o nada e a necessidade de buscar o que está


distante, o infinito? Foi o que fizeram os denominados “monges do deserto”. Eram
cristãos influenciados por experiências iguais aquela encontrada em Qumrã.

Na primeira metade do século IV, com a falsa liberdade concedida aos


cristãos por Constantino (313 d.C.), a instauração de comunidades cristãs, a
exemplo daquela de Qumrã, foi em demasia.

No Egito podemos encontrar testemunhos dos monges do deserto sob


duas formas de vida: a eremita com Antão de Coná (RODRIGUEZ: 1994), falecido
em 356, e a vida em comunidade ou cenobita, cujo idealizador foi Pacômio de
Tebas (GOMEZ, 1992), falecido em 325.

Os mosteiros ou cenóbios difundiram-se no Oriente de um modo


excepcional. Entre homens e mulheres, que optando pela castidade, pobreza e
obediência viviam juntos orando, trabalhando e ajudando-se fraternalmente.

Segundo Gomez (1992) foi Eusébio de Cagliari, bispo de Vercelli, falecido


em 371, o primeiro a introduzir o estilo de vida cenobita no ocidente. Quando no
ano 345 foi eleito bispo de Vercelli, realizou com seus clérigos, aquele ideal de
vida comunitária que não era somente coabitação, mas também comunhão de
culto, de fé, de caridade e de bens.

Semelhante à instituição de Eusébio é a de Agostinho, bispo de Hipona


(354-430). Agostinho não conheceu Eusébio nem seu cenóbio, porém, conheceu
os monges de Milão. Recebendo o episcopado, em sua residência em Hipona,
continuou vivendo com clérigos em perfeita comunhão de bens.

Agostinho de Hipona assumiu a vida fraterna, todavia, apresenta a vida


comunitária sem nada de próprio como “união de mentes e de corações”; pres-
supõe identidade de fé e de culto, como também atividade na caridade, além da
comunhão de bens que o bispo de Hipona considerava necessária para a vida
comunitária ideal:

[...] muitos de vós conheceis, por ter lido a Sagrada Escritura, como
queremos viver e como vivemos graças à misericórdia de Deus.
Contudo, para que recordeis, ser-vos-á lido o texto mesmo do livro dos
Atos dos Apóstolos, a fim de que possais ver onde está descrita a forma
de vida que queremos cumprir. Quero ver-vos atentos enquanto dura
a leitura, para falar-vos depois dela e com a ajuda do Senhor, sobre o
que eu vos tinha prometido (AGOSTINHO apud BOFF, 1988, p. 185).

Essa maneira de viver não era obrigatória para todos os clérigos, porém,
aos que voluntariamente a aceitavam, Agostinho impunha a observância dos pre-
ceitos de Cristo como obediência ao bispo, ou seja, a castidade e a atitude evan-

36
TÓPICO 3 — TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO

gélica de não possuir nada de próprio, vivendo cada um do que a comunidade


podia oferecer e que se distribuía conforme as diversas necessidades:

Quem quiser ter alguma coisa privada e viver dela, agindo contra
nossas normas, é pouco dizer que não continuará comigo; não
continuará nem como clérigo. É verdade: havia dito, e estou consciente
disso, que se não quisessem assumir comigo a vida comunitária, não
lhes tiraria o clericato, o qual poderiam manter, vivendo sozinhos e
servindo a Deus como quisessem. Contudo, coloquei-lhes diante
dos olhos o grande mal que significa decair do propósito. Preferi Ter
coxos a chorar mortos. Com efeito, quem é hipócrita, está morto. A
quem encontrar vivendo na hipocrisia, a quem achar possuindo algo
privado, não lhes permitirei fazer testamento, mas o riscarei da lista
dos clérigos (AGOSTINHO apud BOFF, 1988, p. 194).

Tal gênero de vida assumido por Agostinho e por seus discípulos subsis-
te, ainda hoje, embora que no decorrer dos tempos tenha ficado influenciado por
superestruturas nos moldes de micros, médias e grandes empresas multinacionais
(Atualmente, no Brasil, as principais empresas que exploram o mercado — editorial,
clínico e educacional — estão concentradas nas mãos e no poder de Congregações
ou Ordens Religiosas que se consagraram com a força da filantropia e muito capital).

4.3.3 Trindade, tradição e pericorese

A tradição cristã, ao combater o monarquismo, o patripassionismo, o


sabelianismo e o arianismo, afirmou a consubstancialidade na Trindade. O
Concílio Católico de Toledo (675) expressou: “Não se deve pensar que as Três
Pessoas sejam separáveis, pois não se há de crer que existiu ou atuou uma antes
da outra, ou depois da outra, ou sem a outra, porquanto são inseparáveis tanto no
que são quanto no que fazem” (DENZINGER: 1995, p. 301).

A pericorese pressupõe absoluta paridade ontológica entre as Três Pessoas


Divinas, mas diz mais ao dirigir a atenção para doação recíproca do Pai-Filho-
Espírito Santo que se fazem de todo o próprio Ser.

Com a expressão pericorese, a teologia cristã afirma a completa efusão do


próprio ser e coloca em circulação total aquilo que possui cada uma das Pessoas
trinitárias. “Eu e o Pai somos um [...]” (Evangelho Segundo João, 10, disponível
na bíblia cristã).

Segundo Boff (1984), há uma circulação total da vida e uma coigualdade


perfeita entre as Pessoas da Trindade, Deus dos cristãos, sem qualquer superiori-
dade de uma à outra.

Ainda, na Trindade tudo é comunitário e comunicado entre si, menos o


que é impossível de comunicar: o que as distingue uma das outras. O Pai está
todo no Filho e no Espírito Santo e o Espírito Santo está todo no Pai e no Filho.

37
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

Daqui deriva a igualdade, respeitadas as diferenças, da comunhão plena e das


relações justas para a sociedade e a história.

5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO CRISTIANISMO?

É fato que após a queda de Jerusalém, no ano 70 d.C., os judeus foram


submetidos a um novo exílio, mas preservaram sua identidade enquanto povo, o
monoteísmo e seus textos sagrados em hebraico.

No culto sinagogal do século I, a leitura da Torah tinha precedência em


relação aos profetas, mas nas comunidades de origem grega era divulgada a
tradução da Bíblia traduzida em Alexandria, durante o governo de Ptolomeu II,
no século III, a denominada tradução dos LXX, que recebeu novas composições
escritas em grego.

Essas traduções, posteriormente, sofreram restrições dos judeus mais


ortodoxos e o catálogo, a lista ou Canôn dos Textos Sagrados para o judaísmo
estava praticamente definido.

Para os judeus ortodoxos, somente os textos escritos em hebraico foram


considerados sagrados e os escritos produzidos em grego — denominados de
deuterocanônicos — foram recusados, a exemplo dos livros de Tobias, Judite,
Primeiro Macabeus, Segundo Macabeus, Sabedoria, Baruc e Eclesiástico.

Entretanto, nas primeiras comunidades cristãs, no século III, o uso das


Escrituras é fato, isto é, a versão grega da Bíblia Judaica, os escritos definidos como
deuterocanônicos, os Evangelhos e outros escritos, aos poucos foram aclamados
enquanto Palavra de Deus.

5.1 O QUERIGMA

Não foi um texto escrito, mas constituiu no Anúncio dos acontecimentos


históricos ou deutero-históricos relacionados a pessoa de Jesus e o significado
soteriológico que lhe foi atribuído com referência aos escritos proféticos da Bíblia
Hebraica.

Com o Querigma, contata-se uma convicção de fé pascal relacionada aos


desígnios de Deus manifestados pelos textos sagrados, considerados por judeus
e também pelos cristãos. Este documento, fruto da tradição oral, foi de suma
importância para elaboração dos textos definidos enquanto Novo Testamento.

38
TÓPICO 3 — TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO

NTE
INTERESSA

O cristianismo não surgiu enquanto religião do livro. O ponto de partida da fé


cristã foi a partir da profissão de fé na pessoa de Jesus. Os fatores decisivos foram as pre-
gações dos seguidores que encontram na pessoa de Jesus de Nazaré, o Cristo, o Messias
anunciado, prometido na Bíblia Hebraica, que confirmava o messianismo.

5.2 OS EVANGELHOS

No denominado Novo Testamento da Bíblia Cristã, foram acolhidos


enquanto sagrados, os Evangelhos de Marcos, Lucas, Mateus e João. O primeiro
apelara para a tradição oral como tantos outros autores antigos. Já Lucas se revela
enquanto teólogo e historiador e serviu de fonte para o Evangelho de Mateus,
provavelmente ao Evangelho de Tiago e, ao Evangelho de Tomé e ao Evangelho
aos Hebreus.

Além destes, é bom ressaltar que outros evangelhos foram produzidos:


Evangelho de Pedro, Evangelho dos Nazarenos, Evangelho dos Ebionitas e o
Evangelho Secreto de Marcos.

Ainda, no Novo Testamento encontramos as denominadas Cartas, mas


outras cartas com estrutura e conteúdo próximos ao que está disponível na atual
lista, também foram aclamadas como sagradas.

O que há de comum nestes textos? Todos foram utilizados como textos


sagrados no início do cristianismo entre os séculos II, III e IV, porém, a quem foi dada
a missão de afirmar estes que são considerados sagrados e aqueles que são apócrifos?

É fato afirmar quanto assunto, que o procedimento hermenêutico jamais é


imparcial, o teólogo o faz a partir do seu contexto, isto é, o gnóstico parte da gnose,
os sabelianos justificam o sabelianismo, o ariano, o arianismo, os pelagianos, o
pelagianismo e aquele que está ocupando um poder, justifica o próprio poder,
sua fé, seus interesses.

5.3 A CARTA DE BARNABÉ

Foi utilizada, enquanto sagrada, em Alexandria entre os séculos II e III e


preservada pelo Código Sinaítico ou Bíblia do Sinai, datada do século IV, mas foi
descartada pelo denominado Código de Muratori, provavelmente do séculos II e
III, e conhecido através de um manuscrito produzido no mosteiro de Bobbio, norte
da Itália, no século VIII, sendo reencontrado encontrado em Milão no século XVIII.

39
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

Na Carta, Jesus é aclamado enquanto Messias, o Cristo, em apenas cinco


momentos (Carta a Barnabé, 1,1; 2,6; 12, 1; 12,10-11). Ainda, poucas vezes é
chamado de Senhor.

Na mesma carta fica nítido o amor de Jesus pelos cristãos; que com
sua morte, Jesus exclui da história todos os rituais relacionados aos sacrifícios
judaicos. Define a cruz enquanto cumprimento das profecias da Bíblia judaica.

Com a morte de Jesus na cruz, o autor afirma ser um sacrifício perfeito


em relação ao sacrifício de Isaac, apresentado a Deus por Abraão. Jesus é a ovelha
perfeita que a Torah exigia para o sacrifício expiatório. Disso vai resultar a fonte
da teologia do apóstolo Paulo sobre a Eucaristia ou a teologia do pão descido do
céu para saciar e salvar a humanidade.

No texto, o autor revela ser um profundo conhecedor do judaísmo e a


influência exegética do próprio judaísmo no cristianismo que estava sendo
gestado, confirmando a tese que o cristianismo foi possível via crise institucional
e/teológica no judaísmo.

Aos judeus que acolheram a profissão de fé que em Jesus de Nazaré


estava a figura do Cristo, o Messias anunciado pelas Escrituras, o cristianismo é
a continuação do Antigo Testamento, enquanto que aos judeus que rejeitaram a
profissão de fé cristã, o judaísmo segue sua história.

ATENCAO

Surgiram as expressões “Código e Cânon”. O termo deriva do grego Kanôn, que


designa uma vara de junco, um caniço empregado para medições; daí o significado de medi-
da, ou, figuradamente, de norma ou regra. Os termos foram demasiadamente utilizados pelo
cristianismo primitivo e medieval para delimitar as diversas listas de livros sagrados. Isso com-
prova que a Bíblia Cristã não foi confeccionada como ela é publicada atualmente. A história
revela grandes divergências quanto ao assunto se um livro é sagrado ou apócrifo.

Sobre o Código de Muratori, Bruce (2011) afirma que recebeu este título
devido ao bibliotecário, um sacerdote italiano chamado Ludovico Antonio
Muratori, que o encontrou na Biblioteca Ambrosiana de Milão, no século XVIII.
Muratori publicou seu achado em 1740.

A lista do Código de Muratori no Novo Testamento começa por Marcos,


Lucas, João, Atos dos Apóstolos, 13 Cartas Paulinas, 2 Cartas de Judas e o
Apocalipse. Além de ser um Tratado de Cristologia, recepciona o que conhecemos
por Novo Testamento, porém, acrescenta o Pastor de Hermas enquanto livro
sagrado, após o Apocalipse.
40
TÓPICO 3 — TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO

Segundo Trevijano (1996), o livro O Pastor de Hermas também foi


classificado pelo Código Claremontano do século VI, o qual ressalta o livro Atos
dos Apóstolos e a Carta aos Hebreus.

5.4 A BÍBLIA PARA A IGREJA CATÓLICA

A Bíblia ou Escrituras dos católicos, recepcionou a Bíblia dos LXX ou Sep-


tuaginta, os textos deuterocanônicos e o atual Novo Testamento contendo 27 livros.
Seguindo as orientações da expressão dogmática Católica, afirmada pelos Concílios
de Trento, Vaticano I e Vaticano II, a Bíblia é a Palavra de Deus, contendo 73 livros.

Partindo das variadas e antigas denominações aplicadas à Bíblia, assim como


da história do cânon, código ou lista de livros, é possível concluir que tanto judeus como
cristãos estimavam os livros sacros mais do que qualquer outro gênero de literatura.

Os livros eram consultados não apenas por ocasião de problemas reli-


giosos, mas deles era deduzida toda a moral e toda a teologia. Destarte, que o
Concílio de Trento designou os livros bíblicos de “sacros” e “canônicos”. “Sacro”
refere‑se a uma relação especial a Deus como autor; “canônico” exprime a autori-
dade singular em questão de fé e de moral. Na IV Sessão de 8 de abril de 1546, o
Concílio de Trento aprovou o cânon bíblico da tradução denominada de Vulgata
ou tradução para o latim de autoria de Jerônimo de Estridão, a pedido do Papa
Dâmaso, entre 366 a 380 e destacou de modo especial o critério da canonicidade.

Em seguida, o Concílio resume a decisão sobre o cânon e a origem divina


dos livros canônicos, dizendo: “Se alguém não acatar como sacros e canônicos os
livros da Escritura Sagrada, conforme enumerados pelo Concílio de Trento, ou
lhes negar a inspiração divina – seja excomungado” (DENZINGER: 1995, p. 639).

Dessa forma, no cristianismo de tradição católica, por inspiração divina,


os hagiógrafos produziram os textos que o futuro definiu como sagrados. Porém,
é sabido que os primeiros teólogos cristãos não tinham qualquer noção de que
estavam sob impulso do Espírito Santo. Por exemplo, quando o apóstolo Paulo
escreveu a Timóteo, pedindo que viesse a Roma e trouxesse os livros, apetrechos
de escrivão e o manto perdido em Trôade (Segunda Carta do Apóstolo Paulo a
Timóteo, 4), certamente não estava movido pelo Espírito Santo.

6 O CÂNON BÍBLICO

Em teologia, você já sabe que canôn é a lista dos livros pertencentes à Bíblia.
A partir do século IV d.C. os escritores cristãos começam a empregar as palavras
“kanonizómena” ou “kanoniká” para aqueles livros que “regulamentavam” a fé e
os costumes cristãos, sendo por esse motivo arrolados no catálogo das Escrituras
Sagradas. Assim, o cânon é o elenco, estabelecido pelas lideranças cristãs, dos
livros que devem normatizar a fé e a vida dos cristãos.
41
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

6.1 CÂNON DA ÁFRICA

O primeiro catálogo oficial dum sínodo que enumera todos os livros do


cânon atual é o sínodo de Hipona, na África, do ano 393. O Papa Inocêncio I, em
405, enviou um catálogo igual ao bispo do sul da França, Eusébio.

O Concílio Trulano (692) aceitou o mesmo cânon na sua íntegra. No


cristianismo ocidental encontramos iguais resenhas de livros sacros no Decreto
Gelasianodo Papa Gelásio (492‑496), bem como no decreto do Concílio de
Florença para os Jacobitas (1441). Com tudo isso, o debate sobre a extensão do
cânon bíblico parecia encerrado (DENZINGER, 1995). Porém, em 1534, Martinho
Lutero, traduziu a Bíblia para o alemão e relegou os livros deuterocanônicos
de apócrifos, isto é, não pertencentes à Escritura Sagrada. Devido ao fato, o
Concílio de Trento, 1546, retomou a questão da canonicidade dos textos bíblicos,
decretando a lista da atual Bíblia Católica, enquanto sagrada com 73 livros.

6.2 REFORMA PROTESTANTE E O CÂNON PORTESTANTE

A Reforma protestante dos séculos XVI e XVII avançou o debate sobre a


canonicidade bíblica. Aos primeiros reformadores – Martinho Lutero, João Cal-
vino, Martin Butzer, Menno Simons, Ulrico Zwinglio – a canonização só pode
ser obra do Espírito Santo. Assim, a canonização está diretamente relacionada à
inspiração divina. Não é alguém que afirma, impõe ou decreta a inspiração, mas
deriva da própria Escritura Sagrada.

Logo, só a Bíblia pode atestar a canonicidade de um livro bíblico. Por


exemplo, em Lucas 24, “Jesus explica a lei e os profetas”, confirmando que a To-
rah e os profetas são livros inspirados. Por isso, os denominados livros deute-
rocanônicos (Tobias, Judite, Primeiro Macabeus, Segundo Macabeus, Sabedoria,
Baruc e Eclesiástico) foram considerados apócrifos, isto é, não inspirados porque
não derivam da profecia, tem historicidade comprometida e não são confirmados
pela própria Sagrada Escritura, ficando a bíblia protestante com 66 livros.

6.3 A QUESTÃO DO CÂNON NO CRISTIANISMO ORTO-


DOXO

O catolicismo ortodoxo grego, além dos livros canônicos do Concílio de


Trento, considera ainda como canônicos um suposto Terceiro Livro de Esdras e
Terceiro Macabeus, ambos apócrifos na Igreja católica latina.

Na Igreja Ortodoxa Russa, sob a influência protestante, desde o século


XVIII, discute‑se a canonicidade dos livros deuterocanônicos. A mais recente
tradução russa da Bíblia, editada pelo patriarcado de Moscou, contém todos os

42
TÓPICO 3 — TEOLOGIA CRISTÃ: A BUSCA POR DEUS NO CRISTIANISMO

livros deuterocanônicos na ordem da Septuaginta e ainda o terceiro e Quarto


Livro de Esdras e o Terceiro Macabeus. Para nenhum desses livros o patriarcado
manifesta a mínima dúvida no tocante à canonicidade: chama a atenção somente
o fato de que o Quarto Livro de Esdras está depois dos três livros de Macabeus
e o Terceiro Esdras vem após Neemias. A maioria das igrejas protestantes,
que surgiram após século XV, concordaram com Lutero na rejeição dos livros
deuterocanônicos. Quanto ao Novo Testamento, não há divergências entre
católicos, gregos, russos e protestantes.

7 QUEM É DEUS NO CRISTIANISMO

Deus é Trindade e a encarnação de Jesus na história significa a saída da


Trindade de si mesma para ir ao encontro com o “outro”, o ser humano. É o
mistério do aniquilamento, do despojamento por amor e misericórdia, é o processo
de esvaziamento de Deus. Com os Judeus os cristãos partilham a intuição que do
lado da Trindade existe uma dramática história de solidarização com o gênero
humano. Diante do clamor do povo no Egito, a Trindade se revela no Êxodo
como “Eu sou aquele que é”, que está presente.

No clamor do crucificado, clamor da Trindade, é o humano que ajuda


a carregar a cruz, empresta o túmulo e professa diante daquele que sangra na
cruz, que ali está Deus, ali está o pão descido do céu. A glória da Trindade é que
o povo viva em comunhão, esteja em comunhão. Assim se identificam o desejo
de Deus com o desejo humano: vida nova, chave para compreender a lógica do
cristianismo. Reconhecer o Deus no partir do pão na comunidade, na Eucaristia.

As cenas do batismo de Jesus, narrado segundo o Evangelho de Lucas,


o autor retrata uma recriação da comunidade cristã com diversos enfoques. Por
detrás do fato teológico do batismo de Jesus por João Batista, o evangelista vê um
evento maior e mais significativo. É o Pai quem batiza Jesus dando-lhe o Espírito
para uma missão. Desce sobre Jesus o Espírito Santo em forma de uma pomba,
lembrando da mensageira que a Noé anunciou o fim do dilúvio. Além disso, no
mundo antigo, ela é o símbolo do amor, do ágape fraterno.

Assim, unem-se estes dois significados na descida do Espírito Santo: a


pomba, mensageira entre a Trindade e a humanidade, transmite a mensagem
de amor do Pai para com o Filho. Mas a descida do Espírito inclui mais um
significado: o sopro da comunhão, carregada de amor e vida, sinal da realização
das antigas profecias. Se, na cena do batismo, Deus foi o protagonista, na das
tentações, encontramos o diabo como personagem principal atuando sobre Jesus.
O diabo seduz o humano, “filhos de Adão”, a desconfiar do amor de Deus. Sugere
ao humano, que ele está na história só pela mera sobrevivência e suscita nele
fortes instintos de garantir-se a si mesmo: vontade de poder e egoísmo.

Na primeira tentação, o diabo toca na necessidade vital e elementar de


viver: a comida, que quando é buscada de forma egoísta nada mais é do que

43
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

a realização do prazer de ter. A segunda tentação mostra “os reinos da terra”,


explana diante de Jesus as vantagens da acumulação da riqueza e poder. Na
terceira o diabo lhe propõe uma vida de messias diferente daquela à qual Deus
no batismo o chamou.

Jesus, incluso a de ser o Messias, resiste às tentações continuando fiel à


experiência do batismo. É o amor de Deus que garante a sua vida desde as neces-
sidades básicas até o modo de desenvolver a missão. Os seus desejos e anseios se
encontram seguros com este Deus que o ama. Em vez de acolher o “pão diabóli-
co”, mantém-se fiel ao Reino da Trindade, que culmina na cena do “fazer-se pão”
que desce do céu para todos.

O pão descido do céu assegura e comunica o perdão de Deus ao ser


humano, reergue os desprezados e marginalizados, liberta-os de complexos
de culpas paralisantes que lhes destruíram a consciência, devolvendo-lhes a
integridade e a dignidade humana, ressuscitando neles a esperança que os leva a
uma nova prática: o partir do pão.

Em Jesus de Nazaré o “ser filho” é, segundo o Evangelho de Lucas, um


processo. Toda a vida pública foi aprendizagem. Na cruz Jesus passa pela última
vez pelas tentações do poder econômico, político e messiânico, mas desta vez, de
ordem invertida.

Primeiro são elites religiosas que o seduzem a usar seu poder de messias
para livrar-se da cruz. Em seguida, os soldados aludem ao seu poder político,
instrumento capaz de libertá-lo da morte. Por último, um dos ladrões se aproxima
para que o também crucificado lhe garanta a mera sobrevivência. Mas, completam-
se o “Ser Filho” em Jesus e o “Ser Pai” em Deus, quando, numa situação dramática
de abandono, Jesus morre... com as palavras: “Pai, em tuas mãos entrego o meu
Espírito”, ou seja, entrega aquele que foi recebido no batismo.

44
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O teólogo deve ter a consciência enquanto componente antropológico de base


munida de procedimentos hermenêuticos, permitindo elaborar uma nova
interpretação do trabalho do teólogo e do objeto de estudo da teologia, isto é,
a busca por Deus.

• Os pressupostos teológicos do Cristianismo e o grande debate em torno da


definição de quem é Deus para os cristãos, incluso as controvérsias teológicas
que resultaram na definição da fé e na origem do termo heresia.

• Após o cisma entre Judaísmo e Cristianismo, a teologia cristã possibilitou o


processo histórico para definir a Bíblia Católica que levou também a afirma-
ção canônica da Bíblia Protestante.

• Ficou visível a influência do poder do Império Romano, principalmente no


governo de Teodósio para afirmar em 483 o Cristianismo enquanto Tradição
Religiosa.

• Ao expor os fundamentos históricos da Teologia Cristã, fica em evidência a ima-


gem de um Deus com rosto e atitudes humanas. Tão humano que revela Deus.

45
AUTOATIVIDADE

1 Conforme os estudos realizados neste tópico, para o Cristianismo, Deus


é Trindade, Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Os Três estão na mesma
natureza, são consubstanciais e por isso há um só Deus. O Concílio
Ecumênico Lateranense IV em 1215 expressou a teologia dogmática latina.
Considerando os estudos realizados, é verdadeiro afirmar:

a) ( ) Esta teologia corre o risco de ser entendida como sabelianismo ou


modalismo, isto é, a heresia de Sabélio, século III, segundo a qual o
Filho e o Espírito Santo seriam simples modos de manifestação da
divindade e não pessoas distintas.
b) ( ) Esta teologia corre o risco de ser entendida como arianismo, isto é, a
heresia de Ário, século III, segundo a qual o Filho e o Espírito Santo
seriam simples modos de manifestação da divindade e não pessoas
distintas.
c) ( ) Pode ser denominada de patripassinismo, doutrina que apresenta a
Trindade como três modos de ver humanos do único e mesmo Deus,
ou então três modos do mesmo e único Deus se manifestar aos seres
humanos.
d) ( ) Pode ser denominada de nestoricismo, doutrina que apresenta a
Trindade como três modos de ver humanos do único e mesmo Deus,
ou então três modos do mesmo e único Deus se manifestar aos seres
humanos.

2 A canonicidade bíblica é o resultado de um intenso debate teológico. De


acordo com os estudos realizados sobre o assunto, assinale (V) Verdadeiro
ou (F) Falso.

( ) O Concílio de Trento, 1546, retomou a questão da canonicidade dos


textos bíblicos, decretando a lista da atual bíblia católica, definindo a
mesma com 73 livros sagrados.
( ) São Livros deuterocanônicos: Tobias, Judite, Primeiro Macabeus,
Segundo Macabeus, Sabedoria, Baruc e Eclesiástico.
( ) Segundo a tradição católica, somente a bíblia pode atestar a canonicidade
de um livro bíblico. Por exemplo, a Lei e os Profetas são livros inspirados.
( ) A mais recente tradução russa da bíblia, editada pelo patriarcado de
Moscou, contém todos 66 livros.

3 No cristianismo há diversos textos sagrados, porém na denominado igreja


primitiva, existiu, segundo a tradição um “texto” sagrado denominado de
QUERIGMA. Sobre este é verdadeiro afirmar:

a) ( ) No Querigma contata-se uma convicção de fé na paixão de Cristo, re-


lacionada aos desígnios de Deus manifestados pelos textos sagrados,
considerados por judeus e pelos cristãos.
46
b) ( ) No Querigma contata-se uma convicção de fé pascal relacionada aos
desígnios de Deus manifestados pelos textos sagrados, considerados
por judeus e pelos cristãos.
c) ( ) Foi um Texto Sagrado acolhido no início do primeiro século, porém
dispensado pelo Concílio de Trento em 1545.
d) ( ) Foi um texto sagrado, porém não escrito, constando os principais mo-
mento da vida de Cristo e acolhido pelo Concílio de Trento em 1545.

47
48
TÓPICO 4 —
UNIDADE 1

TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA


POR DEUS NO ISLAMISMO

1 INTRODUÇÃO

Chegamos até aqui construindo o conhecimento em torno da História da


Teologia judaica e cristã. Agora, você entrará em contato com outra riquíssima
experiência teológica, na qual Deus também é buscado e encontrado. É a concepção
teológica do Islamismo e/ou islã.

Neste tópico, além da origem e contexto em que o Islã foi gestado, também
serão enfatizados os pontos comuns existentes no islamismo, cristianismo e
judaísmo e as expressões teológicas coincidentes entre elas, por exemplo, o
monoteísmo, o mesmo procedimento de busca, a importância do texto sagrado
escrito e a forte ligação entre comunidade política e comunidade religiosa.

2 FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DO ISLÃ

A região da Península Arábia, entre os séculos V e VII foi habitada por


povos sedentários e seminômades. Os primeiros viviam em cidades e dedicavam-
se ao comércio. Os seminômades vagavam pelo deserto, sempre organizados em
tribos dedicadas à pecuária.

Situada na região do Hegaz está uma das cidades mais importantes da


Arábia, Makka ou Meca, a Honrada. Fecunda para o comércio, foi uma das
principais rotas dos produtos do oriente para o ocidente. Meca, por muito tempo
esteve sob domínio do Império Otomano.

Segundo Dermenghem (1978), em 570 na cidade de Meca, nasceu


Muhammad e/ou Maomé, filho de Abdallah e Amina. Perdeu os pais ainda na
infância, foi beduíno da tribo dos coraixitas, que dominava a cidade de Meca e
tinha como missão zelar pela Caaba de Meca.

Maomé foi pastor de ovelhas, identidade igual a de Davi, o grande rei do


povo hebreu (Primeiro Livro de Samuel, 16, disponível na Bíblia judaica e bíblia
cristã) e um dos profetas que antecederam a Maomé, segundo o Alcorão Sagrado.
Foi criado pelo tio Abu Talif, mercador.

Devido às viagens com seu tio, entrou em contato com outras culturas,
incluso o judaísmo e o cristianismo. Seu avô era muito influente, comerciante de

49
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

destaque e líder religioso na Caaba.

Aos 20 anos Maomé prestava serviço à Khadija, viúva e herdeira de


um grande patrimônio. Aos 25 anos, Maomé casou-se com Khadija, passou a
administrar os bens da esposa, permaneceu frequentando a Caaba e realizou
viagens pela Síria, vindo a fortalecer os laços com o monoteísmo existente no
Judaísmo e Cristianismo (WALKER, 1998). Maomé e Khadija tiveram quatro
filhos, dos quais três faleceram ainda criança, ficando apenas Fátima.

Em Meca, a classe sacerdotal que governava a Caaba, preservava enquanto


ambiente de peregrinação politeísta, fortalecendo a identidade de Meca enquanto
centro comercial. Muitos estrangeiros ainda a frequentavam com fortes laços com
a Caaba original.

Aos 40 anos, aproximadamente, no ano 610, segundo a tradição


muçulmana, Maomé recebeu a revelação do Anjo Gabriel: “Quem se declarará
inimigo de Gabriel? Ele com beneplácito de Deus, impregnou-to (O Alcorão) no
coração, para corroborar o que fora revelado antes; é guia e alvíssara de boas
novas para os crentes” (ALCORÃO SAGRADO, SURATA 2ª 97).

A partir da revelação no Monte Hira, em Meca, Maomé começou a


divulgar a sua própria experiência religiosa monoteísta, muito influenciada pelo
judaísmo e cristianismo. Porém, a mensagem de Maomé não foi bem acolhida em
Meca, obrigando o profeta a buscar refúgio em Medina, dando início a Hégira e/
ou exílio no ano 622.

E
IMPORTANT

Os grandes personagens dos textos sagrados no judaísmo e cristianismo passa-


ram pela experiência de exílio. Assim foi com Moisés no Egito, Jesus, já na infância foi até o
Egito, muitos dos profetas viveram no exílio da Babilônia etc. Com Maomé não foi diferente.

Todavia, em 630, com forte exército, o profeta entra em Meca, toma a


cidade e faz dela um grande centro religioso, cujo culto é dirigido a Deus e/ou
Allah. Aos poucos, Maomé tornou-se líder religioso e político, unificou as tribos
da Península Arábica, criando um Estado, cujo povo passou a professar que Allah
é Deus e Maomé o seu profeta.

Enquanto líder político-religioso, Maomé viu que o politeísmo mais dividia


do que fortalecia as tribos árabes. Seguindo o modelo, principalmente do cristia-
nismo, fortemente vinculado ao império romano, implanta um Estado monoteísta.

50
TÓPICO 4 — TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS NO ISLAMISMO

Para Dermenghem (1978), Maomé, melhor que ninguém, conheceu tam-


bém as virtudes e os defeitos nas tribos árabes. Inspirado, que nem um dia sequer
pensou vencer sem sob a proteção de Allah, sabia, entretanto, prever o futuro e
medir as forças e as fraquezas do adversário. Apesar de quanto se tenha dito a seu
respeito, foi homem bom e generoso. Sua clemência na tomada de Meca foi mais
do que um ato político.

Com a morte de Maomé em 632, a figura do sucessor ou califa ficou in-


definida. A entidade responsável pela escolha do sucessor seria a Ummah e/ou
comunidade de fiéis.

ATENCAO

Há muita confusão com a expressão Ummah. É comum a tradução do árabe por


Nação, com limites geográficos. O melhor sinônimo seria Comunidade dos seguidores de Allah,
independentemente do local onde esteja um muçulmano, ele é membro da Ummah.

A primeira possibilidade para suceder a Maomé era Ali ibn Abi Talib,
primo e genro do profeta, mas o escolhido foi Abu Bakr (632-634), um dos sogros
do profeta e um dos primeiros a se converter ao Islã.

Paulatinamente, o califado muçulmano conquistou a Península Ibérica,


a Pérsia, o Norte da África e o Império Bizantino decadente, mas na Batalha de
Poitiers, quando a intenção era conquistar o Império Carolíngio, foram vencidos
pelos francos. Assim, o islã era divulgado, conquistando seguidores.

Para a sucessão, Abu Barkr indicou Umar ibn al-Kattab, como segundo
califa, que governou entre 634 e 644. Este foi responsável pela expansão árabe-
muçulmana, conquistando a Síria, a Palestina, o Egito e parte da Pérsia. Com sua
morte, foi sucedido por Uthman ibn Affan (644-656) e foi neste califado que o
texto oficial do Alcorão foi confeccionado e as conquistas árabes ampliadas pelo
norte da África e pela Ásia Menor, além da conquista total da Pérsia.

Já no século X, Meca passou a ser governada por xarifes ou xerifes, os


descendentes do Profeta Maomé. Além do comércio, Meca passou a ser a cidade
mais importante para o Islamismo. A partir de Meca, a incansável busca por Deus
é retomada. A partir de Meca, foi confeccionada a Teologia Islâmica.

Atualmente, com quase dois milhões de habitantes, Meca é visitada


anualmente por mais de 10 milhões de peregrinos. É voltado para Meca que
cada islã faz suas orações diárias. Lá está a Caaba, uma construção cúbica, com
aproximadamente 15 metros de altura, sempre coberta por um manto escuro.

51
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

No interior da Caaba está a “Pedra Escura”, tem em torno de 50 centímetros


e é a relíquia mais sagrada para o povo muçulmano. Segundo a tradição islâmica,
ficou escura por causa dos pecados da humanidade, mas quando Abraão a recebeu
do Arcanjo Gabriel, no período de construção da Caaba, era totalmente branca. A
Caaba é cercada por muros e ao lado está a grande Mesquita de Meca, porém, antes
do Islamismo, a Caaba, possivelmente era um centro de observação de astronomia
e/ou astrologia e possível ambiente de culto e/ou observatório científico árabe.

3 ABRAÃO, JESUS E MARIA NA TEOLOGIA ISLÂMICA

No livro do Gênesis podemos verificar: "O Senhor apareceu a Abrão (Pos-


teriormente será chamado de Abraão) e disse: É a tua posteridade que eu darei
esta terra. Abrão construiu ali um altar ao Senhor, que lhe aparecera [...]” (Livro do
Gênesis, 12, disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã). Este relato foi recepcionado
pelo Alcorão: “Designar-te-ei Imame dos homens. Abraão perguntou: e o serão os
meus descendentes? Respondeu-lhe: Minha promessa não alcançará os iníquos [...]
E quando estabelecemos a Casa (Caaba) para congresso e asilo da humanidade,
dissemos: Adotai a instância de Abraão por oratório [...]” (2ª SURATA, 124-125).

Nesta surata encontramos o principal ponto comum entre judaísmo,


cristianismo e islamismo, isto é, a fé das três grandes tradições tem como ponto de
partida a experiência religiosa de Abraão e seus dois filhos: Ismael, o primogênito,
gerado por Agar (a escrava) e Isaac, gerado por Sara, a esposa legítima (Livro do
Gênesis, 21, disponível na Bíblia judaica e bíblia cristã).

Segundo Feiler (2003), se o judaísmo e o cristianismo fundamentam a fé


a partir de Abraão e Isaac, o Islamismo faz a fundamentação a partir de Abraão
e Ismael. Assim, podemos afirmar que as mencionadas religiões são abraâmicas,
com pontos comuns e diferenças.

Segundo o Alcorão sagrado, "Abraão jamais foi judeu ou cristão; foi, ou-
trossim, monoteísta, submisso, e nunca se contou entre os idólatras" (ALCORÃO
SAGRADO, SURATA 3ª, 67). E diz a respeito de Abraão e de Ismael:

E quando Abraão implorou: Senhor meu, faze com que esta cidade
seja de paz, e agracia com seus frutos os seus habitantes que creem
em Deus e no Dia do Juízo Final e Deus respondeu: Também aos
incrédulos agraciarei um pouco; mas depois serão condenados ao
tormento infernal. Que funesto Destino! E quando Abraão e Ismael
levantaram os alicerces da Casa, exclamaram: Ó Senhor nosso, aceita-a
de nós pois Tu és Exorável, Sapientíssimo. Ó Senhor nosso, permite
que nos submetamos a Ti e que surja de nossa descendência uma
nação submissa à Tua vontade (ALCORÃO, 2ª SURATA, 126-128).

O Islã é a submissão e a obediência a Deus. Assim, todo aquele que obe-


decer a Deus e agir de acordo com a sua vontade, são seus seguidores, são muçul-
manos. Os profetas e os mensageiros, por obedecerem e se submeterem a Deus,

52
TÓPICO 4 — TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS NO ISLAMISMO

são muçulmanos. Por isso, os profetas, também personagens da Torah judaica e


da Bíblia cristã, são definidos pela teologia islâmica enquanto seguidores de Allah.

Aqui você pode perceber que a expressão de fé no Islamismo é edificada


sobre três fundamentos: a) A fé em Uno e Único, b) A fé na profecia e c) A fé no
mundo da eternidade.

É notável que a fé na profecia e na eternidade está ligada diretamente à fé em
Allah, o Clemente. E aquele que professa a fé em Allah, é envolvido pela fé na profe-
cia e na eternidade e em tudo o que está em Allah, incluso punições e recompensas.

Todavia, é interessante a maneira respeitosa como o Alcorão Sagrado


expressa sobre personagens bíblicos e personagens da Torah. Além de Abraão,
ressalta Maria, Mãe de Jesus: "Ó Senhor, meu Deus, concebi uma mulher — mas
Deus bem sabia o que havia concebido, e um varão não é o mesmo que uma
mulher — eis que a chamo Maria: ponho-a, bem como a sua descendência, sob a
Tua proteção [...]" (ALCORÃO SAGRADO, SURATA 3ª, 36).

A respeito de Jesus, o Filho de Maria, segundo o Alcorão, ele é o penúltimo


dos profetas de Deus, aquele que fez o anúncio da vinda do Profeta Maomé: "De
tais apóstolos preferimos uns mais do que os outros. Entre eles, se encontram
aqueles a quem Allah falou, e aqueles que elevou em dignidade. E concebemos a
Jesus, filho de Maria" (ALCORÃO SAGRADO, SURATA 2ª, 253).

UNI

Nestas citações do Alcorão Sagrado é possível identificar pontos comuns en-


tre judaísmo, cristianismo e islamismo pela forte ligação existente entre os personagens e
o Absoluto e/ou Deus.

Porém, a novidade do islamismo não é ter reproduzido mais uma ideia


de salvação, mas em ter transformada a ideia de salvação em monoteísmo semita,
abrindo uma nova perspectiva religiosa para o ser humano.

4 AS ESCOLAS TEOLÓGICAS NO ISLAMISMO


Com o poder de persuasão do império muçulmano, a língua árabe passou a
ser conhecida e aceita por outros povos, principalmente pelos vencidos em guerras.
Se o judaísmo era divulgado em hebraico, o cristianismo em grego e latim, o idio-
ma oficial do islamismo era o árabe. Para Attie Filho (2002), o anúncio do Alcorão
Sagrado era realizado em árabe, é a Palavra de Deus transmitida pelo Anjo Gabriel

53
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

a Maomé, o terceiro grande profeta, sendo antecedido por Abraão e Jesus.

Com a expansão do império islâmico, entre os séculos VII e VIII, não


tardou que a filosofia grega, por intermédio da Síria, chegasse ao mundo árabe.
Enquanto o judaísmo se fechava nas sinagogas e o cristianismo se enclausurava
nos mosteiros, o islamismo surgia para o mundo, tomando para si a herança
filosófica dos principais centros de cultura da época.

Quando os árabes conquistaram a Síria, Pérsia e o Egito (630-640), a


filosofia grega estava mais do que viva entre as escolas monásticas, ou seja, entre
o sabeus de Harnan, nestorianos e jacobitas.

Entre 813-833, Al-Ma’mun assumiu o poder no império muçulmano. Em 830,


este califa demonstrou interesse nos escritos de Aristóteles. Em Bagdá, capital do império,
fundou as “Casa da Sabedoria”, com museus, bibliotecas e centros de traduções.

De libera (1998), destaca Hunayn ibn Ishaq (808-873) como um dos


maiores sábios e grande tradutor da época. Assim, os principais centros culturais,
Alexandria e Bizâncio, sob domínio muçulmano, tiveram toda cultura migrada
para Bagdá, influenciando a produção teológica islâmica, com demasiado auxílio
de melquitas, nestorianos e jacobitas.

Logo, da mesma forma que o “Motor Imóvel” de Aristóteles servirá de


base para a teologia de Tomás de Aquino durante o século XIII, já no califado
de Al-Ma’mun, a filosofia grega, principalmente Platão e Aristóteles, constituía
o paradigma para definir quem é Deus. Dessa forma, o politeísmo perdia espaço
e Deus que já era chamado de IHWH pelos judeus e TRINDADE pelos cristãos,
passa a ser chamado também de Allah pelos muçulmanos.

Attie Filho (2002), chama a atenção para as obras apócrifas produzidas


no contexto. Um exemplo é a Teologia do Pseudo Aristóteles. É uma obra, como
muitas da Idade Média, recebeu por título o nome de um filósofo antigo, cujo
objetivo era obter maior aceitação, credibilidade, despertar curiosidade ou valor
de mercado. A autoria do texto é desconhecida, segundo Fakhry (1989), há indícios
de ter sido elaborada entre os séculos VIII e IX em Bagdá. Sem pretensão, a obra
une a Filosofia à Teologia, Platão a Aristóteles para fundamentar quem é Allah.

Destarte, com aprovação e reprovação, a filosofia grega propiciou uma


renovação na maneira como interpretar o islamismo. Além da fé, aplica-se a
lógica aristotélica para ler e interpretar o Alcorão Sagrado. As principais escolas
teológicas e filosóficas que surgiram foram a Falsafa, a Kalam e a Mutazila.

4.1 A FALSAFA

A expressão árabe Falsafa é traduzida por filosofia, mas constituiu uma


escola de procedimento filosófico, teológico e hermenêutico ligada ao islamismo.

54
TÓPICO 4 — TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS NO ISLAMISMO

Surgiu em meio ao processo de expansão do império islâmico, entre os séculos


VIII e IX, recebendo forte influência da cultura religiosa e filosófica estrangeira.

Para Giordani (1992), a tratar da Falsafa, ressalta: o deserto foi marcante para
o povo árabe. O deserto é instável, da noite para o dia podem desaparecer estradas.
Por isso, o árabe não pode confiar como os gregos, na uniformidade da natureza. A
instabilidade do deserto obriga a profissão de fé no destino misterioso que constitui a
essência das coisas. Por isso, na concepção islâmica, o mundo e o humano nasceram
com um destino irrevogável diante do qual só cabe dizer “Deus quer”.

Assim, na Falsafa, a relação Criador e criatura passou a ser objeto de análise


e paradigma filosófico e teológico. Outro tema de destaque foi a fundamentação
da profissão de fé islâmica. Para essa tarefa foi imprescindível a lógica aristotélica,
fortalecendo os dogmas do Alcorão Sagrado.

Logo, a razão passa a ser um meio para o ser humano conquistar a verda-
de independentemente da revelação. Mas não demorou para a Falsafa ser inter-
pretada como perigo às leis previstas no islamismo, ultrapassando os limites da
tolerância religiosa, chegando ao fim após a morte do filósofo Averróis em 1198.

4.2 A KALAM

O termo usado no islamismo para teologia é a expressão Kalam. Foi


uma escola que surgiu durante o século VIII, devido ao debate teológico com os
cristãos e/ou monges nestorianos e jacobitas.

Visto que o alcorão sagrado fomenta reflexões filosóficas e teológicas


a respeito da existência e a relação Mundo, Natureza e Deus, a Kalam passou
a ressaltar a importância da legitimidade do chefe na comunidade, da
responsabilidade de cada muçulmano, bem como a forma em que cada humano
seria punido pelos seus atos considerados pecaminosos.

Assim foi sendo estabelecida uma vasta produção teológica de caráter


moral e dogmática, fortalecendo as verdades de fé para o islamismo e fortalecendo
os dados da revelação e tradição.

4.3 A MUTAZILA

A expressão pode ser traduzida por “isolados”. Foi uma escola teológica
que surgiu em Basra, século VIII, no interior do mundo muçulmano. É a escola
oficial dos islâmicos de cunho sunita.

55
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

NOTA

Os sunitas são seguidores dos califas abássidas, descendentes do tio do pro-


feta Maomé, chamado por Al-Abas. Sustentam que o califado pertenceria aos que foram
considerados dignos pelo consenso da Ummah. Segundo Elias (2003), aproximadamente,
85% dos muçulmanos são sunitas. Seguem a Suna, também livro sagrado que apresenta a
trajetória do Profeta Maomé. Além desse grupo, há a oposição, os xiitas, a minoria, que não
reconhece a Suna, fazem a leitura literal do Alcorão Sagrado e defendem que o autêntico
sucessor de Maomé seria Ali ibn Abi Talib, primo e genro do Profeta.

Com a finalidade de desenvolver uma leitura do Alcorão Sagrado tendo


por base a razão, argumentavam que por meio desta, seria possível separar a
revelação autêntica da fantasia.

Na Mutazila defende-se a unidade divina. Ainda, Deus é aquele que toma


conhecimento do fato quando este se realiza. E para atribuir uma dimensão mais
racional sobre Deus, foi aplicada a filosofia grega, exceto Aristóteles. Ao analisar
a produção teológica desta escola, Dermeghem, ressalta:

Para evitar o antropomorfismo e o que julgavam politeísmo disfarçado,


rejeitavam os Atributos. Declaravam que só a Essência divina e o
Corão, sua palavra criada, eram eternos, ao passo que os sunitas na
grande maioria criam que os Atributos fossem coeternos e que o Corão
fosse incriado (o que coincide, talvez, com o que os cristãos entendem
pelo Verbo (DERMEGHEM, 1978, p. 18).

Na segunda metade do século VIII, começou a fazer parte da Mutazila, um


sábio chamado Ali ben Ismail al-Ashariya (874-936), que após permanecer, durante
algum tempo na escola, proclamou em público que havia professado doutrinas
heréticas, embora nunca tenha escrito um texto refutando o pensamento mutazila.

Em seguida, os membro da Escola de Mutazila passaram a sofrer


perseguições, começaram a perder espaço e foram substituídos pelos discípulos
de Ashariya, responsável pelas principais obras de teologia islâmica.

No que tange ao pensamento doutrinário, os Ashariya muito se distinguiram


dos pensadores da Escola de Mutazila, principalmente em relação à forma como
compreendiam a razão e o intelecto do homem. Verifica-se, com a seguinte definição:

56
TÓPICO 4 — TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS NO ISLAMISMO

As divergências entre os Mutazila e os Ashariya derivavam


do diferente entendimento que tinham do poder da razão
humana. Os Ashariya reconhecem que os seres humanos
possuem alguma vontade própria e poder de raciocínio, mas
consideram que estas capacidades humanas são extremamente
limitadas quando comparadas com a onisciência e onipotência
de Deus. Os Mutazila, por outro lado, tinham uma grande fé
nos poderes do intelecto humano e recusavam-se a aceitar que
algumas coisas estivessem para lá do entendimento humano.
Ambas as posições se baseiam na tradição filosófica islâmica,
à qual a teologia islâmica foi buscar muitas das suas ideias
(ELIAS, 2003. p. 47).

4.4 O SUFISMO

Sufismo é a tradução da expressão árabe Tasawwuf, derivada de Suf, cujo


significado é “lã”, devido à veste simples utilizada pelos mestres sufis. Seja no
judaísmo, quanto no cristianismo, há movimentos mistagógicos, totalmente voltados
para a espiritualidade. No islamismo, identificamos a experiência do sufismo.

Para Roger Garaudy (1988), o sufismo é a dimensão mística do Islã, que pro-
cura concretizar os ensinamentos do Alcorão Sagrado, a Suna e os clássicos pilares
do islamismo. Segundo o mesmo autor, é verdadeiro afirmar que a espiritualidade
dos monges do deserto do cristianismo, os mestres espirituais do judaísmo, a ascese
budista e o gnosticismo de Alexandria também influenciaram o sufismo.

Os primeiros mestres do sufismo estão situados nas origens do islamismo, quan-


do a expansão política do império muçulmano propiciou um contexto de riqueza, poder
e prazer. Em oposição à vaidade e imoralidade, os mestres sufis passaram a propagar a
pobreza, a humildade e o despojamento de tudo o que não é vontade de Allah.

O sufismo também é definido a partir da palavra Suffa, cujo significado


é “banco” de praças ou disponível ao público. Este conceito está relacionado ao
grupo, seguidores de Maomé, que não tinham casas e dormiam nos bancos dispo-
níveis para descanso. Esse grupo, segundo Garaudy (1988) formou uma grande
comunidade onde todos partilhavam o pão e não havia necessitados entre eles.

Ainda, “tornar-se sufi é assumir a espiritualidade islâmica, é iniciar ou


percorrer o caminho para a iluminação até a Haqiqa e/ou Gnose e/ou Conheci-
mento. Para isso cada tradição ou escola sufi tem suas orientações e metodologia
própria” (GARAUDY, 1988, p. 49).

Sobre o caminho, também são diversos. Pode ser o jejum, a caridade, a


recitação do Alcorão Sagrado, a meditação, o cultivo do diálogo, o silêncio e/
ou a busca coletiva do discernimento espiritual. Assim, o sufi transcorre para a
liberdade, encontra paz, e encontra Deus. Logo, no sufismo parte da existência do
ser humano para atingir a transcendência, o próprio Deus.

57
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

UNI

Percebeu a relação entre as primeiras comunidades sufis e a comunidade


judaica de Qumrã ou a comunidade narrada no Livro Atos dos Apóstolos, 2 (Disponível na
Bíblia Cristã). Ainda, a relação do sufismo com as Ordem de São Francisco de Assis?

5 QUEM É DEUS NO ISLAMISMO?

Deus é Allah, o clemente, o misericordioso... o muçulmano faz a Tawhid


(Profissão de Fé), podendo assim, ser chamado de Mwahhid (Aquele que confessa
que Deus é único e uno). Por esta atitude outras são acolhidas, pois a profissão de
fé acarreta consequências teológicas, pois o Alcorão Sagrado não separa a fé da
prática diária, logo vigora não uma ortodoxia, mas a ortopraxia islâmica.

Allah é o Criador, é totalmente outro e se faz presente, é compassivo e


íntimo, nada pode ser comparado a Allah. Além de clemente e misericordioso, ele
é santo, onipotente, onisciente, onipresente, sábio, bondade, amável, poderoso,
único, uno... No alcorão sagrado são noventa e nove nomes atribuídos a Allah.
O centésimo nome é “al ism” que não pode ser traduzido, é o segredo que Allah
guarda, é o Mistério. Aqui podemos perceber convergências com o Judaísmo e
Cristianismo. No Judaísmo se faz uso da expressão IHWH, quatro letras que não
são pronunciadas ou “Aquele que é”, o Senhor, o Mistério. Também no Cristianis-
mo identificamos a Trindade em pericorese, isto é, o Mistério existente em Deus.

Oportuno o discurso de Agostinho de Hipona sobre Deus. A partir do capí-


tulo VIII do Tratado sobre a Trindade, dispensa as Escrituras e a Razão para ressal-
tar o Amor que irradia o humano a partir de Deus. “Se vê o Amor, vê a Trindade”.

6 O QUE É TEXTO SAGRADO NO ISLAMISMO?

Segundo a tradição islâmica, o Alcorão Sagrado e/ou Corão, foi revelado


por comunicação direta entre Deus e o Profeta, por mediação do Anjo Gabriel em
língua árabe. Além do grande texto, há a suna, o caminho a ser seguido.

6.1 O ALCORÃO SAGRADO

Segundo Samuel (1997), o Alcorão Sagrado está dividido em 114 suratas


(capítulos), que abordam a vida espiritual, jurídica, social e política dos muçul-
manos. Está dividido em três partes: na primeira revela a profissão de fé islâmica
e os atos dos profetas que antecederam a Maomé, a segunda expõe a vida e/ou
58
TÓPICO 4 — TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS NO ISLAMISMO

peregrinação do profeta e a terceira constitui um sistema normativo).

Segundo Hayek (2001) foi após a morte de Maomé (632), no califado de


Abu Bark (632-634), o Alcorão Sagrado ganhou forma de texto escrito, sendo con-
servado no califado de Omar Ibn Al Khattab (634-644).

No entanto, a primeira tradução é datada de 1143, mas atualmente exis-


tem traduções nas principais línguas do mundo, mas somente a versão árabe é
considerada Texto Sagrado (SAMUEL, 1997. Ainda, o alcorão sagrado pode ser
interpretado, mas jamais alterado.

6.2 A SUNA

Não tem a mesma importância que o alcorão sagrado, mas é um documento


que retrata as orientações do Profeta Maomé, preceitos além do alcorão sagrado
e virtudes a serem seguidas pelo muçulmano. É uma fonte posterior, foi o meio
encontrado por Maomé para ensinar os seus seguidores.

7 OS CINCO PILARES DO ISLAMISMO

A grandeza do Islamismo não está apenas na submissão do homem ao


seu Criador, mas no comprometimento com a divindade e com o próprio ser
humano, algo que também é nítido no Judaísmo e no Cristianismo.

Ainda, é um movimento monoteísta mais amplo. O islamismo é uma


experiência de Deus comunitária, com seu modo próprio de viver, que normatiza
todos os setores da vida. Tudo se concentra num sistema normativo-religioso
denominado de xaria e/ou o caminho correto que foi estruturado a partir das
fontes sagradas no princípio do islamismo, através de uma classe de sábios
denominados de ulemás e/ou intérpretes ou legisladores do islã. Disso resultaram
os cinco pilares do islã.

7.1 SHAHADA: CRER EM ALLAH, O DEUS ÚNICO

Pode ser definida com a expressão árabe Shahada, o testemunho. O


seguidor ou submisso assume e repete a fórmula “Não há outro Deus e Maomé
é seu Profeta”. Deus é eterno, inato, onisciente, onipresente. E a função humana
é se submeter a Deus e servi-lo. Deus é incomensurável e os homens, incluso
Maomé, o Profeta, são mortais. Ao chegar no fim da vida, Deus julgará a todos os
humanos, separando bons para o paraíso e os maus aos infernos.

59
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

7.2 SALAT: REZAR CINCO ORAÇÕES DIÁRIAS VOLTADOS


PARA MECA

Todo muçulmano é chamado pela torre da Mesquita. É uma veneração


a Deus, é a submissão ou prostração. É possível fazer em qualquer lugar, mas
de preferência de forma coletiva na Mesquita. Geralmente, na sexta-feira, a
comunidade se reúne na Mesquita para a oração comunitária.

7.3 ZAKAT: SER GENEROSO PARA COM OS POBRES

Todo seguidor ou submisso entrega uma parte de sua renda para obras
assistenciais. É um símbolo da solidariedade coletiva dos fiéis que constituem a
Ummah, a comunidade islâmica.

7.4 RAMADAM: O MÊS DO JEJUM

Ramadã é o mês sagrado para os muçulmanos, é o tempo de ascese e


purificação. É o mês do recebimento do alcorão sagrado. É tempo de se abster,
do nascer ao pôr do sol, de relações sexuais, alimentos e bebidas. Mas vive-se
um tempo de alegria, visitas aos familiares e confraternizações que ocorrem ao
anoitecer e seguem até a madrugada.

7.5 HAJJ: IR A MECA AO MENOS UMA VEZ NA VIDA

É a peregrinação que deve ocorrer até Meca ao menos uma vez na vida
pelo muçulmano saudável e que disponha de condições para o feito. É a Casa dos
seguidores e submissos de Allah. Atualmente, Meca tem estrutura para acolher
até dois milhões de seguidores.

Segundo Geiger (1970), o islamismo deve ser analisado como uma


continuidade para os árabes do monoteísmo herdado do judaísmo e do próprio
cristianismo. Há uma possível influência de uma ramificação posterior da
comunidade corânica e de cristãos ou de árabes monoteístas influenciados pelo
judaísmo.

Assim, fortalece a tese que os pilares da fé islâmica, tem origem no judaísmo


e no cristianismo primitivo (RABIN, 1957). Portanto, qualquer reutilização que
deles se faça será apenas a interpretação daquilo que originalmente pertenceu
a estas tradições, o que é até mesmo reconhecido pelos primeiros exegetas
muçulmanos, que não demonstraram qualquer hesitação em reconhecer a origem
judaica e cristã em muitos termos religiosos contidos no Alcorão.

60
TÓPICO 4 — TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS NO ISLAMISMO

8 BUSCA DE PONTOS COMUNS

Então, nesta unidade os objetivos a serem alcançados eram, primeiramente,


conceituar o que é Teologia e expor seus aspectos metodológicos, para que fosse
possível perceber que não há construção científica sem método.

A seguir, o assunto esteve relacionado com a origem e desenvolvimento


da Teologia Judaica, que fez uso de diversas fontes, inclusa a oralidade e a escrita.
Num terceiro momento, a reflexão foi em torno da teologia cristã, que surgiu via
problemático- teológica vivenciada pelo judaísmo após a queda de Jerusalém no
ano 70 d.C. E para fechar a unidade, foi apresentada a origem e desenvolvimento
da teologia islâmica, ressaltando a influência das tradições anteriores, divergências
e pontos comuns no processo de construção da teologia islâmica.

Sobre os pontos comuns, é muito oportuna a posição do Papa João Paulo


II, quando discursou aos jovens, em Casablanca, Marrocos, em 19 de agosto de
1985. Disse o Papa:

Cremos no mesmo Deus, o Deus único, o Deus vivo, o Deus que


cria os mundos e leva os mundos à sua perfeição”. Embora se possa
afirmar que cristãos, muçulmanos e judeus creem em um mesmo
Deus, a forma de conceber sua unicidade é diferente. No Judaísmo o
monoteísmo é soteriológico e surge no âmbito da Aliança entre Deus
e o povo escolhido. No Cristianismo, este monoteísmo é mediado por
Jesus Cristo e assumido no seio de uma diferenciação intratrinitária.
No Islã, por sua vez, o monoteísmo é ontológico e dogmático, sem
ligação direta com uma aliança histórica. A unicidade de Deus está
inscrita na natureza original da criação e do ser humano, pois, segundo
o Alcorão Sagrado, Surata 7, 172-173, na pré-eternidade já se realizou
uma profissão de fé nesta unicidade. Por isto, segundo um Hadiṯ de
Maomé, “Todo recém-nascido é muçulmano; seus pais é que o fazem
judeu, cristão, muçulmano” (GEFFRÉ, 2001, p. 92).

Ainda, no texto teológico foram feitos apontamentos da história da


teologia com a experiência religiosa de hebreus, gregos, romanos e árabes, inclusa
a influência política no monoteísmo das mesmas religiões.

Assim, podemos concluir que a força e persuasão das tradições — judaísmo,


cristianismo e islamismo — está mais na espada do que na fé? O judaísmo faria
história sem estar ligado ao trono de Davi? Teria sobrevivido o cristianismo sem
o Império Romano? O islamismo seria o que é sem o poder do Império Árabe?

E mais, nas tradições religiosas debatidas durante a unidade, é inegável


a vasta produção teológica, mistagógica e artística. Os grandes sábios judeus,
cristãos e islâmicos, antes de expressarem sobre Deus, fizeram uma antropologia
na qual ressalta que o ser humano em torno do Mistério existente em Deus, torna-
se é mais humano e responsável por tudo o que Deus fez de melhor, o próprio
ser humano e a Terra, nossa casa, mas diante do excesso de interrogações, seria
fundamental ouvir os grandes mestres da Teologia.
61
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

UNI

Sugestão para aprofundar o assunto estudado:


• BOFF, Leonardo. Definição de Deus. Disponível em: https://bit.ly/3lkWW06.
• TEIXEIRA, Faustino; DIAS, Zwinglio. Ecumenismo e diálogo inter-religioso: a arte do
possível. São Paulo: Santuário, p. 119-221, 2008.

62
TÓPICO 4 — TEOLOGIA ISLÂMICA: A BUSCA POR DEUS NO ISLAMISMO

LEITURA COMPLEMENTAR

DO PLURALISMO RELIGIOSO À DIVERSIDADE CULTURAL: A FRANÇA


ENFRENTA O MEDO DA FRAGMENTAÇÃO SOCIAL

Martine Cohen

A visão histórica panorâmica primeiro nos mostrou o progressivo alar-


gamento do pluralismo religioso em relação à única religião não cristão presente
na França no século XIX, o Judaísmo. Mas o não respeito desse princípio no que
diz respeito aos muçulmanos na Argélia Colonial demonstrou a relutância de
uma França culturalmente (religiosamente) cristã, quando frente a “outros” que
estavam numa posição demográfica que lhes possibilitaria oporem-se a seu po-
der colonial se tivessem direito à cidadania plena. Os judeus argelinos (entre 15
e 20 mil pessoas em 1831), por contraste, receberam o mesmo status político que
os judeus franceses, a saber, aqueles de um cidadão francês que goza de plenos
direitos. Entretanto, as duas maiores crises que colocaram em perigo seu lugar
dentro da estrutura nacional e até mesmo os excluíram por alguns anos (o Caso
Dreyfus e o Governo de Vichy) mostraram a persistente concepção de uma iden-
tidade francesa católica.

Quando a França do pós-guerra os reintegrou, a aceitação explícita do


secularismo pela Igreja Católica assegurou o regime republicano, que começou a
ampliar seus princípios de pluralismo religioso e a incluir outros grupos minori-
tários. Mais tarde, o contínuo processo de secularização, assim como o bem-estar
econômico e o individualismo moral permitiram uma abertura da sociedade fran-
cesa à diversidade cultural. A persistente discriminação contra imigrantes ára-
bes-muçulmanos, porém, colocou em dúvida a eficiência do modelo do “direito à
diferença” como meio de integração.

O desejo de retornar ao “modelo republicano” e de considerar os imigran-


tes e seus filhos como “muçulmanos”, de acordo com o antigo padrão denomi-
nacional, foi então reforçado na opinião pública por novos fatores: o surgimento
do Islã político tanto no cenário internacional quanto no cenário nacional, assim
como o crescente impacto dos conflitos religiosos e políticos no Oriente Médio
nas relações entre os judeus e os muçulmanos franceses.

O medo da fragmentação social a partir de diferenças “étnicas” ou religio-


sas resultou, desta maneira, em um novo debate sobre a laïcité enquanto realida-
de oposta ao multiculturalismo, termo que se tornou sinônimo de “separatismo”.
Multiculturalismo em um mundo global vs secularização em “velhas” identida-
des nacionais A secularização implica não apenas na limitação da religião à esfera
específica da realidade social de cada um e o declínio da prática religiosa, mas
também na possível transformação de alguns símbolos e celebrações religiosas
em festivais seculares ou sinais patrimoniais. Esses processos de secularização
hoje em dia são questionados pela globalização e pelo crescimento de um Islã

63
UNIDADE 1 - A TEOLOGIA NO JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

radical. Com a globalização, as sociedades ocidentais desenvolveram relações ín-


timas com sociedades não-secularizadas a partir de onde imigrantes podem ou
fazer parte do processo de secularização de suas estruturas nacionais (esse pa-
rece ser o caso da maioria deles), ou não. Destarte, símbolos secularizados como
a árvore de Natal, por exemplo, podem agora ser considerados “não neutros” e
relacionados ao seu contexto cristão, como é o caso em vários países do Ocidente
(França, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, etc.).

Em reposta, a opinião pública pode reconsiderar esse símbolo ou como


parte de uma identidade coletiva comum – e defender seu uso – ou como a so-
brevivência de um símbolo religioso que deve ser removido para não ofender os
recém-chegados – isso foi feito, por exemplo, com a transformação dos desejos
de “Feliz Natal” em desejos de “Boas Festas”. Desta maneira, sinais “religiosos”
podem ser usados por sociedades ocidentais como parte de seu contexto cultural,
definindo uma identidade mais ou menos nacional (assim como no plano local
ou europeu), incluindo ou em conflito com as culturas imigrantes. Essa possi-
bilidade de conflito pode, por sua vez, ser explorada pelo Islã político radical,
especialmente (mas não apenas) quando a integração de imigrantes muçulmanos
é difícil e até mesmo falha (por conta de discriminação, crise econômica ou pe-
las enfraquecidas capacidades de integração do Estado). Confrontando essa pro-
posta alternativa para uma identidade transnacional muçulmana, o debate sobre
“símbolos religiosos” se transformou em um debate sobre “identidade nacional”.
Identidades religiosas globais se tornaram uma estrutura competidora possível
para aquelas dos Estados Nacionais. Em um mundo global, o multiculturalismo
desestabiliza “velhas” identidades nacionais.

Ele coloca em questão a suposta neutralidade dos Estados liberais mo-


dernos que foram construídos no mundo ocidental – especialmente na França,
onde o modelo político de uma nação construída sobre bases cívicas “encobriu”
a realidade social de uma maioria cultural católica. Desta forma, se nós preten-
demos preservar a existência de uma estrutura nacional, como podemos elaborar
novos “compromissos” em um contexto de um mundo global conflituoso? Como
podem as democracias continuar a manter e administrar seu pluralismo existen-
te – que inclui o direito de cada indivíduo a sair de seu grupo primário – contra
ataques extremistas e identidades radicais?

FONTE: Revista de Estudos da Religião setembro, 2010, p. 48-69. Disponível em: https://bit.
ly/3jhH5hl. Acesso em: 3 fev. 2020.

64
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os elementos fundamentais da evolução histórica da Teologia Islâmica. Entre


eles, a transição do politeísmo para o monoteísmo, algo semelhante também
ocorrido na origem do Cristianismo quando Teodósio definiu a fé cristã en-
quanto fé para todos do Império Romano.

• No processo de elaboração da ortodoxia islâmica, fica nítida a preocupação


com o Texto Sagrado e a valorização da tradição oral, o que foi muito impor-
tante na história da teologia judaica.

• No final, há a busca dos pontos comuns existentes nas três grandes tradições
religiosas aqui analisadas.

CHAMADA

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AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

65
AUTOATIVIDADE

1 No decorrer dos estudos foram expressos diversos discursos teológicos que


ressaltam a presença de teólogos que investigaram sobre Deus. Ainda, “[...]
todas as religiões devem ser mais sensíveis às exigências do humano. Este
patrimônio humano de todos os seres humanos é um critério ético geral,
válido para todas elas em seu conjunto. Mas as religiões também devem
lembrar-se continuamente de sua essência primitiva, que resplandece em
suas origens, em seus escritos canônicos e em suas instituições básicas. Ao
mesmo tempo, deverão estar muito atentas a seus críticos e reformadores,
profetas e sábios, que lhes lembram constantemente as infidelidades [...]”
(KÜNG, 1999, p. 280). Há atitudes nas tradições religiosas estudadas que
confirmam a afirmação?

a) Islamismo ( ) Sim ( ) Não. Cite uma:

b) Cristianismo ( ) Sim ( ) Não. Cite uma:

c) Judaísmo ( ) Sim ( ) Não. Cite uma:

2 De acordo com os estudos realizados até agora, são visíveis as diferenças e os


pontos comuns nas tradições religiosas da Unidade I, entre as semelhanças,
é verdadeiro afirmar:

( ) O procedimento teológico que formulou os diferentes textos sagrados


dispensou a tradição oral, passando a fazer uso da escrita e hermenêutica.
( ) O procedimento teológico que formulou os diferentes textos sagrados
fez uso apenas de escritos abraânicos e a hermenêutica.
( ) O procedimento teológico que formulou os diferentes textos sagrados
fez uso apenas da tradição oral e escrita.
( ) O procedimento teológico que formulou os diferentes textos sagrados
fez uso da tradição oral, escrita e hermenêutica.

3 O islamismo tem os “cinco pilares” ou atitudes sagradas como parte


da ortodoxia, revelando que a fé não está limitada à submissão do ser
humano ao seu Criador, mas no comprometimento com a divindade e
com o próprio ser humano, algo que também é nítido no Judaísmo e no
Cristianismo. Conforme os estudos realizados, é verdadeiro afirmar que os
“cinco pilares” são:

a) ( ) Jejum, confissão, crer em Allah, páscoa e ir a Medina uma vez na vida.


b) ( ) Confissão, crer em Allah, oração, esmola e ir a Meca uma vez na vida.
c) ( ) Jejum, crer em Allah, prece coletiva, meditação e ir a Jerusalém uma
vez na vida.
d) ( ) Oração, jejum, caridade, crer em Allah e ir a Meca uma vez na vida,
conforme a possibilidade.
66
UNIDADE 2 —

A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO,
BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO:
CONCEITOS, HISTÓRIA E A
IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS
COMUNS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer a origem e desenvolvimento teológico no Hinduísmo;

• entender a origem e desenvolvimento da Teologia no Budismo;

• identificar a origem e desenvolvimento da Teologia no Xintoísmo;

• assimilar a origem e desenvolvimento da Teologia Taoísta;

• ressaltar os pontos comuns no pensamento teológico oriental,


assimilando o conceito de teologia em nós e/ou o que pode ser
alcançado pelo humano na História da Teologia no Oriente.

67
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – TEOLOGIA NO HINDUÍSMO: BUSCA POR DEUS


NO HINDUÍSMO

TÓPICO 2 – TEOLOGIA NO BUDISMO: A BUSCA POR DEUS


NO BUDISMO

TÓPICO 3 – TEOLOGIA NO XINTOISMO: A BUSCA POR DEUS


NO XINTOISMO

TÓPICO 4 – TEOLOGIA NO TAOISMO: A BUSCA POR DEUS


NO TAOÍSMO

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

68
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

TEOLOGIA NO HINDUÍSMO: BUSCA


POR DEUS NO HINDUÍSMO

1 INTRODUÇÃO

Percebemos que as experiências religiosas e teológicas e/ou a busca por


Deus no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo percorreram um caminho de dentro
para fora, de forma horizontal e vertical. Foram buscas e definições que resulta-
ram convergências e divergências. Nestas, Deus é Um e Único, tem um nome, é
distante e ao mesmo tempo próximo.

Entre as convergências identifica-se um Deus, porém com infinitas inter-


pretações. Cada leitor dos textos sagrados, seja vinculado ou não ao Judaísmo,
Cristianismo ou Islamismo, a partir do contexto vital em que está inserido, com
sua economia, situação geográfica, política, social e cultural poderá fazer uma
interpretação, podendo resultar em novas compreensões sobre Deus, resultando
em escolas teológicas ou comunidades de fé.

Ainda, a partir das interpretações teológicas pode ser feita uma releitura de
Textos Sagrados para justificar guerras, fogueiras, inquisições, xenofobias, homofobias
e outros males que nada tem em Deus. Mas as interpretações podem resultar também
em amorosidade, altruísmo, sustentabilidade, comunhão, irmandade, fraternidade,
direitos humanos, coexistência e justiça social.

No ocidente há uma “Teologia em Si”, na qual o teólogo busca e atinge


seu objeto na medida exata em que este se revela. Daí procede a contextualização
teológica e os procedimentos hermenêuticos.

No oriente, há uma “Teologia em Nós”, na qual o teólogo busca e expressa


aquilo que alcançou mediante experiência com o Mistério e seus procedimentos
hermenêuticos. Por isso, ao tratar da História da Teologia no Hinduísmo, Budismo,
Xintoísmo e Taoísmo, mais oportuno será o auditus fidei para o intelectus fidei, ou
seja, vamos ouvir antes do que pensar o percurso trilhado para buscar por Deus.

Destarte, neste tópico, o caminho a ser percorrido para a busca de Deus é


inverso, buscar Deus no próprio humano. É na interioridade que está o Mistério.
É um caminho talvez mais difícil de ser percorrido. É no encontro com o eu, que
Deus pode ser encontrado, sinal que não há necessidade de sair do planeta para
experimentar Deus.

69
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

Ao conceituar a Teologia, não ficamos delimitados às orientações de uma


determinada tradição religiosa, ampliamos a ideia de Teologia enquanto estudo
de Deus ou da Revelação de Deus, para afirmar que Teologia é busca pelo absoluto
na própria existência e/ou busca por Deus. Sartre (1978, p. 5) já havia orientado:
“A existência precede a essência”.

NOTA

Em sua famosa conferência de 1946, em Paris, o filósofo Jean Paul Sartre


(1905-1980) apresentou o conceito de “Existencialismo”. Segundo o autor, a essência é de-
finida pelas suas escolhas, pela interpretação que o ser humano faz do mundo a sua volta,
de suas experiências. Ao ser lançado no mundo o ser humano tem tudo indefinido, mas
tem a liberdade para fazer suas escolhas (SARTRE, 1978).

Ainda, faremos, neste tópico, um resgate histórico da teologia e/ou busca


por Deus no Hinduísmo, que ao lado da religião do Zoroastro, é a mais antiga
experiência religiosa da história. Veremos que a expressão Hinduísmo está
relacionada ao rio Sindhu ou Hindu, situado entre a antiga Pérsia e a antiga Índia.

2 AS VERDADES ETERNAS

Na Índia antiga, aproximadamente, há cinco mil anos, viviam os arianos


ou indo-arianos e tinham como experiência religiosa a Ária Dharma, ou religião
dos Arianos. Também era definida por Manava Dharma ou Religião do Homem.
Ainda, há a expressão Sanatana Dharma ou a Religião Eterna. Os persas chamavam
os arianos de povos do Hindú e a religião deste de Religião dos Hindus. Daí
resultou a expressão Hinduísmo.

No Hinduísmo não há um personagem protagonista como encontramos


no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Enquanto religião eterna, o Hinduísmo
tem enquanto fundamento as “Verdades Eternas” ou “Verdades Sagradas”,
definidas por diversos sábios anônimos, pessoas iluminadas que fizeram o
caminho de busca por Deus e/ou teólogos.

Por muito tempo estas “Verdades Eternas” foram preservadas pela tradição oral
e ensinadas pelos sábios, pessoas que falavam mais pelo exemplo do que por palavras.

A fonte das “verdades eternas” são sábios desconhecidos e reconhecidos


pela tradição. Devido à moral ilibada, eram considerados sábios ou aqueles que
encontraram Deus. Estas “Verdades Eternas” são definidas por “Vedas”, devido ao
trabalho de um sábio hindu, chamado de Krishna Dvaipayana Vyasa, que decidiu

70
TÓPICO 1 — TEOLOGIA NO HINDUÍSMO: BUSCA POR DEUS NO HINDUÍSMO

transcrever os grandes ensinamentos recebidos de sábios que o antecederam. Desse


trabalho resultou o livro mais sagrado no Hinduísmo, o Livro dos Vedas, dividido
em quatro partes: Rig-Veda, Sama-Veda, Yajur-Veda e Atharva-Veda.

Como gesto de gratidão pelo trabalho realizado por Krishna, ele passou a
ser chamado de Veda Vyasa. Anualmente, os hindus celebram o aniversário deste
sábio, é o dia do guru ou Professor Vyasa.

NOTA

É possível encontrar textos que aclamam Krishna como um Deus. No Hinduís-


mo, ele está entre os heróis do passado. É um sábio muito próximo da expressão “santidade”
do cristianismo. Porém, há uma criatura sagrada denominada de Krishna, ela é a manifes-
tação de Brahma, a suprema divindade no Hinduísmo.

Todavia, a origem do povo hindu é bem mais antiga que o Hinduísmo,


é marcada por dois períodos históricos da Índia antiga: o período harappeano
e o védico. No período harappeano (aproximadamente entre 3300 e 1700 a.C.),
chegaram a desenvolver a metalurgia e a arte em cerâmica. Nas cidades havia
uma organização social, política, econômica e religiosa. No período védico,
(aproximadamente entre 1750 e 500 a.C.) foi gestado o Hinduísmo.

No Hinduísmo, a vida é um processo de sucessivas reencarnações. Cada


reencarnação pode gerar um humano mais humano, mais capaz, completo, ético,
consciente e livre. Haverá um momento em que não será mais necessária uma
nova reencarnação porque o humano atingiu o ápice do Hinduísmo, a Moksha, o
estágio da libertação.

Porém, antes da experiência espiritual da Moksha e/ou santidade na


linguagem cristã, cada humano tem uma razão de ser, cada vida tem um sentido.
Ninguém nasce para sofrer, a felicidade é a vida. E para que isso aconteça, o
hindu tem plena consciência da dimensão da Kama, Artha e Dharma para um dia
concretizar em seu ser a realidade da Moksha.

2.1 A KAMA

O humano é por excelência um ser do prazer, o que para o catolicismo


foi definido por “pecado”, caminho para eventuais impurezas. No Hinduísmo,
Kamadeva é uma ação sagrada que estimula o humano a vivenciar o prazer.
Kama está relacionada à dimensão do amor enquanto Eros e/ou sexual. Kama é
o sentimento profundo da erótica, a vontade de dar e receber carinho ao mesmo

71
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

tempo. Kamadeva é divino, definindo a erótica enquanto sagrada, bela e parte


do humano. Sem o Eros, o humano torna-se fonte de traumas, incompleto, triste,
podendo passar a vida em conflitos diversos e sendo causa de conflitos. Ainda, na
solidão o humano pode substituir o vazio pelo poder, ganância e outras vaidades.

2.2 A ARTHA

Como viver sem o necessário para a própria subsistência? A Artha não


pode ser entendida enquanto meio de estímulo ao capitalismo, mas enquanto
dimensão sagrada, parte da vida, que propicia o bem-estar. As principais causas
do sofrimento humano estão relacionadas à falta do imprescindível para a vida.
Assim, as atividades profissionais e/ou laborais estão ligadas à religião, recebendo
estímulos e valorização.

2.3 A DHARMA

No percurso histórico de cada humano, seja nas relações sociais e vida


familiar, cada um tem suas próprias obrigações. Quando criança, deveres de
criança, quando adolescente deveres de adolescente, quando adulto, deveres de
adulto e quando idoso, deveres de idoso. Cada um tem um sentido próprio. A
vida não é um vazio inútil. Cada humano tem o seu valor, independente da faixa
etária ou gênero. Cada humano é único, com suas habilidades e competências.

A palavra Dharma pode ser definida por “missão do eu” e/ou “a identidade
de cada humano no Cosmo”. O Dharma é o nascimento dentro do espaço e tempo.
Ainda, pelo Dharma explica-se e justifica-se a classe social na qual o humano está.

Assim, aquele que nasceu nas instâncias do poder tem o dever de


saber governar e legislar partindo do princípio que Brahma é perfeito e justo.
O agricultor tem a função pré-estabelecida de cultivar a terra e o sacerdote de
aprender e viver os rituais, sem desejar o poder.

Isso pode ser interpretado, sem os princípios básicos do Hinduísmo,


enquanto feudalismo ou conformismo ou legitimação do poder através da
religião como ocorreu com o “culto aos imperadores romanos” implantado no
governo de Otávio, o Augustus (27 a.C. – 14 d.C.). Ainda, pode legitimar poderes
a exemplo da Monarquia no Estado do Vaticano, na qual o sucessor do apóstolo
Pedro, também exerce o governo.

No Hinduísmo todo humano tem um “dever ser”, muito próximo do


imperativo categórico de Immanuel Kant (1724-1804). Cada um cumpre sua
função pelo bem de todo um sistema cósmico, cada um tem o seu karma, isto é,
um agir que pode possibilitar a evolução ou o declínio do humano.

72
TÓPICO 1 — TEOLOGIA NO HINDUÍSMO: BUSCA POR DEUS NO HINDUÍSMO

2.4 A MOKSHA

Da mesma forma que no Budismo, o hindu confia na possibilidade de um


dia atingir um nível espiritual superior a ponto de dispensar a realidade material,
sendo, a partir desta experiência, desnecessária a reencarnação. No Budismo é
a experiência do Nirvana enquanto no Hinduísmo é a Moksha, porém, não há
outro caminho para a liberdade a não ser a própria existência. Logo, Kama, Artha
e Dharma são instrumentos ou caminho para a Moksha.

3 CASTAS, KARMA E O SAMSARA

No Hinduísmo tudo está inter-relacionado e/ou cada ser vivo e cada


objeto existente está conectado. Independentemente do tamanho ou lugar que
ocupe na imensidão do universo, nada deixa de ser parte de um todo, cada um
com uma identidade própria, cada um com sua importância.

O âmago da teologia hindu é o “dever ser”, uma vida de acordo com a


moral e a lei para o processo de libertação no ciclo de reencarnações. A vida tem
uma organização lógica, quase matemática, logo, a experiência religiosa hindu
fortalece a tese da predestinação ou Dharma, no qual tudo está determinado,
incluso a possibilidade de o humano evoluir até um determinado limite, isto é, a
iluminação ou santidade, na perspectiva cristã ou perfeição segundo o Islamismo.

3.1 O KARMA

O Karma é o agir ou fazer. É a ação do humano a partir do seu próprio


Dharma. Incluindo outras experiências vitais do ser humano, o sistema cósmico
reage, definindo o que cada um passa a ser. Na teologia hindu podemos identificar
três conceitos de Karma.

• Sanchita Karma: nas experiências vitais do passado, as ações positivas e


negativas, são preservadas no humano e repercutem no presente, assim como
repercutirão no futuro, definindo sua real identidade.
• Agami Karma: cada ação há uma reação. Passado, presente e futuro estão
interligados. O que plantei, planto, também colho e colherei. Assim, sejam
ações positivas quanto negativas surtem efeitos no humano.
• Prarabdha Karma: é o que o humano é no tempo presente. É o humano como
ele é e está na existência, isto é, é o ser livre, aberto à transcendência. É o efeito
das ações passadas, é o ponto de partida para evoluir ou não.

73
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

3.2 SAMSARA

Pelo conceito de Dharma e Karma, o humano é parte de um sistema que


envolve nascimento, vida, morte e renascimento. É o Samsara, é o ciclo da vida.
Enquanto estiver apegado ao prazer e à matéria, o humano acumula karmas,
permanece na imaturidade. Para atingir a libertação e/ou a maturidade, para
migrar do Samsara para a iluminação, faz-se necessária a intervenção de Shiva,
o Senhor dos Crematórios, é o sopro da vida, “é aquele que vem em auxílio de
nossa fraqueza” (Carta aos Romanos 8, disponível na Bíblia Cristã), é a mesma
imagem do Espírito Santo do Cristianismo. É Shiva que desce no mais profundo
da existência humana, é Ele que liberta o humano das trevas para Brahma, a luz.

3.3 EXEMPLOS DE CASTAS NA ÍNDIA ANTIGA

Não há um número definido sobre as castas no Hinduísmo. O que se sabe


é que são milhares ou como as estrelas do céu. Na história da índia, antes de 1947,
ano da Independência política, foram delimitadas quatro castas.

• Brahmanes: os iluminados, que era uma minoria, classe social formada por
intelectuais, sábios e sacerdotes.
• Kshatriya: os braços de Brahma, que eram os políticos e militares, que
deveriam seguir as orientações dos brahmanes.
• Vaishyas: as coxas de Brahma, cuja função era cultivar a agricultura e
desenvolver o comércio.
• Sudras: a classe predominante, constituída de artesãos, pequenos camponeses
e operários.

Além das castas, há ainda, os Dalits, os intocáveis. São os que violaram o


sistema de castas em vidas passadas. São aqueles que exercem atividades como
limpeza de esgoto, lixo e manejo dos mortos.

4 GHANDI: O VAISHYA ILUMINADO QUE SE FEZ DALIT

Mahatma Gandhi nasceu em 1869, quando a Índia já era colônia da


Inglaterra. Sua casta era a dos Vaishyas, dedicada ao comércio. Em 1891, Gandhi
foi a Londres onde se graduou em Direito. Em 1893 foi à África do Sul, onde viu os
horrores sofridos pelo povo hindu, como perseguição e preconceitos. Aprofundou
os estudos sobre o Hinduísmo, analisou o Cristianismo e o Islamismo.

Em 1884, já na Índia, ingressou na política, passando a fazer oposição ao


sistema político que oprimia os indianos. Em 1908, ele publicou o livro Autonomia
Indiana, no qual questiona os valores ocidentais.

74
TÓPICO 1 — TEOLOGIA NO HINDUÍSMO: BUSCA POR DEUS NO HINDUÍSMO

Com o final da Primeira Guerra Mundial, em 1917, fortaleceu o movimento


nacionalista através da participação ativa no Partido do Congresso Nacional
Indiano, cujo objetivo era a Independência da Índia, a democracia, a igualdade
política entre os Estados, a tolerância religiosa entre Hinduísmo e Islamismo, as
reformas econômicas necessárias na Índia e o fim do sistema de castas. Gandhi
foi o Vaishya que se fez Dalit, visto que era comum encontrá-lo lavando latrinas,
dando o exemplo aos seus seguidores.

Em 1922, na greve contra o aumento de impostos, Gandhi reuniu milhares


de pessoas. Na oportunidade, ele foi acusado de danificar o patrimônio público,
sendo processado e condenado a seis anos de prisão.

Em 1924 foi libertado, se afastou do ativismo político, passando a dedicar


ainda mais à meditação. Em 1930, organizou e liderou a “Marcha para o Mar” ou
“Marcha para o Sal”, percorrendo mais de 300 quilômetros, sendo acompanhado
por milhares de pessoas para protestar contra a dominação inglesa e os sucessivos
aumentos de impostos, entre eles o imposto do sal. Em seus discursos, Gandhi,
dizia “vamos buscar o sal...”

Além de enfrentar de forma pacífica o problema político, Gandhi,


enfrentou o problema político religioso, talvez o mais violento da história da
Índia. Gandhi defendia a tolerância religiosa entre Hinduísmo e Islamismo, mas
Mohammed Ali Jinnuah projetou a instalação de um Estado Muçulmano na Índia,
que resultou em intensos conflitos.

Em 1932, Gandhi chama a atenção da comunidade internacional pela gre-


ve de fome, exigindo a retirada imediata dos ingleses da Índia. Em 1942 foi preso
mais uma vez.

Em 1947, os ingleses reconheceram a independência da Índia, mas preser-


varam sua dependência econômica. A seguir, os conflitos entre seguidores do Hin-
duísmo e Islamismo se espalharam por toda a Índia., resultando na aprovação do
cisma entre Índia hindu e o lado muçulmano, onde está o atual Paquistão.

Um desses conflitos ocasionou o assassinato de Gandhi em 30 de janeiro


1948, tendo como autor um brâmane fundamentalista que refutava o diálogo in-
ter-religioso entre Hinduísmo e Islamismo.

A filosofia de Gandhi foi a conquista de direitos sem violência. Para ele


a libertação humana era possível pela meditação e o jejum, instrumentos viáveis
para o domínio dos sentidos e sentimentos.

Segundo Lopez Martinez (2006), Gandhi encontrou a Ahimsa, uma


filosofia ou teologia hindu que normatiza o comportamento humano para a não
violência, e a Satyagraha, texto sagrado hindu no qual consta que a ausência total
do desejo de fazer o mal a qualquer ser vivo é regra de vida.

75
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO HINDUÍSMO?

No Hinduísmo contata-se a existência de um forte vínculo entre arte,


ciência e a teologia. O humano deve adaptar-se à ordem natural do cosmo, aceitar
a vida e a morte, admitindo a ideia de absoluto, infinito e finitude.

A arte hindu vincula os seres existentes e o Cosmo, unificando o material


com o espiritual, possibilitando ao humano a visualização do mundo espiritual. Na
antiguidade, por volta de 1500 a.C., a arte hindu era esculpida em rochas e/ou regiões
montanhosas, delimitando o espaço enquanto sagrado. Ainda, procura comunicar
humor, beleza e gosto. Elgood (2011) ressalta que no Templo de Kandariya Mahaveda,
do século XI, as imagens são carregadas de exuberância erótica, certificando que a
Kama e/ou prazer constitui uma dimensão humana sagrada.

A ciência proporciona a felicidade suprema e para atingir este nível é


imprescindível a meditação. A consciência deve constituir um único pensamento,
capaz de fazer do humano um ser indiferente em relação a tudo o que há no
mundo material. É uma experiência em que o humano não alimenta desejo algum.

Até o final do período védico, 500 a.C., era permitido sacrificar animais
e comer a carne, mas com o Budismo e Jainismo foi introduzido no Hinduísmo
o princípio da não violência, evitando efeitos para o kharma. Logo, a ideia de
coisa ou experiência sagrada no Hinduísmo difere de tudo o que encontramos
na Unidade 1, incluso o conceito de Livro Sagrado. São sagrados porque estão
relacionados com o humano e própria natureza.

Quando algo é definido enquanto sagrado, automaticamente, há a


delimitação de um sistema de normas punitivas. Por exemplo, aquele que maltratar
um animal, poderá ser submetido ao sistema punitivo religioso. Logo, a dimensão
espiritual torna-se fonte jurídica, ponto comum entre as tradições religiosas.

Historicamente, nada diferente do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, o


Hinduísmo produziu uma vasta produção teológica, resultando em seus próprios
textos sagrados. São eles: Vedas, Upanissades, Smrits e Bhagavad Gita.

5.1 OS VEDAS

O Livro dos Vedas é o Livro da Sabedoria, um dos mais antigos da literatura


teológica, tendo aproximadamente 4000 anos de existência. É totalmente
vinculado ao transcendente. Disso resulta a dogmática dos Vedas, sua ortodoxia
e sistema normativo, isto é, não recebeu qualquer intervenção humana.

A expressão “Veda” significa céu, luz ou sabedoria. Cada Veda, cada


ensinamento é separado em dois momentos: o mantra (samhita) e a interpretação
(brahmana). A literatura védica é composta por quatros livros que compõem

76
uma teologia védica que está dividida em Rig-Veda, Sama-Veda (A Sabedoria
dos Cânticos), Yajur-Veda (Sabedoria dos Sacrifícios) e Atharva-Veda (Sabedoria
dos Sacerdotes).

Nos Vedas está a fonte do conhecimento teológico, filosófico, antropológico


e medicinal no Hinduísmo, no qual tudo está integrado. Humano, Deus e
Natureza formam um corpo cósmico.

No texto são inúmeros os rituais, que revelam a intimidade entre humano,


divindade e natureza, através de hinos e/ou mantras (a mente livre), podendo ser
gerar ao recitador uma vida longa, saudável, próspera e iluminada.

O resultado de práticas espirituais a partir de mantras pode propiciar ao


praticante, além de uma vida ética, pacífica e feliz, elevar a pessoa à experiência
pessoal com o transcendente, Deus, o Único ou Absoluto, aquele que não é criado.

Os hinos ou mantras formam uma grande coletânea extraída dos grandes


sábios do Hinduísmo, os heróis, personagens iluminados da história e da tradição
oral. Muitos eram sacerdotes, mas nem todos.

Estes sábios eram aclamados como visionários. Pela iluminação revelaram


a verdade ao humano comum. São eles que portam o segredo que conduz o
humano a Deus, Único, o não nascido.

O mantra deve ser repetido por várias vezes até a conexão com a energia
divina. É a ligação direta com Deus. Há mantra para a limpeza da mente,
prosperidade, amor, compaixão etc. Por exemplo:

• Mantra OM: é o som do Uni-Verso, unindo o Humano ao Cosmo.


• Mantra OM Namah Shivaya: é o som da purificação do corpo e da mente.
• OM Ganapataye Namaha: é o som da prosperidade e bem-estar.
• OM Mani Padme Hum: é o som da compaixão, para bloquear que a maldade
alheia contamine o recitador do mantra.
• Har Krishna, Hare Rama, Rama Hare: é o som da iluminação, podendo levar
o recitador até Deus.

No Rig-Veda é comum a presença de mantras que ressaltam a medicina


hindu ou medicina sagrada: “Os médicos, curadores dos humanos curaram
com o frio e o calor. Nutriram com o alimento e o livraram da escuridão” (RIG-
VEDA,1957, p. 111).

Segundo Keneth Zysk (1985), o Livro Sagrado Rig-Veda faz importante


menção às profissões existentes na antiguidade. Entre elas destacam-se o médico,
o marceneiro e o sacerdote (RIG-VEDA, 1957). Keneth Zysk (1985). Ainda destaca
que a medicina hindu era inseparável da religião.

77
Quanto à medicina, destacam-se a plantas medicinais e o uso da água
enquanto remédio principal ao humano. “A água elimina doenças de qualquer
ser vivo... que a água seja seu remédio para o acontecer da sua felicidade” (RIG-
VEDA, 1957, p. 118).

5.2 UPANISSADES OU UPANIXADES

Não é possível definir a data correta e nem os autores deste texto sagrado.
Provavelmente, o Upassades ou Upaxades foram escritos durante o século XVI a
VII a.C., bem antes que a Bíblia Judaica e Cristã. É o livro de invocações. É uma
teologia ad intra, isto é, em vez de buscar Deus fora do humano, faz o caminho
inverso, procura Deus na interioridade, levando ao autoconhecimento. É a busca
pela dimensão sagrada que habita em cada humano.

O princípio básico do livro é a realidade intrínseca existente entre humano


e o mundo. A sabedoria proporciona a paz e a felicidade, objetivos possíveis,
mediante prática da meditação.

As narrativas se dividem em profissões de fé no espírito particular e o


espírito universal. São elencados diversos seres, como semideuses, próximo do
humano, mas que vivem em sintonia direta com Brahma, o Absoluto, que não é
feminino e nem masculino.

Os autores sagrados tiveram também grande preocupação com a consci-


ência e a mente humana. Aqui fica nítida a preocupação com o ego, a interiorida-
de e a espiritualidade. Muito distantes da origem da psicanálise, os hindus esta-
vam muito avançados no processo de busca e entendimento da psiqué humana.

Uma frase muito comum no Livro é “No princípio era Água...” o Germe
nascido na Água é fonte para Brahma, que sai do “Ovo de Ouro” para ser o Criador
do Céu, Terra, Humano... o Germe é um Ovo de Ouro, é brilho, é Luz, irradia vida.

Para Shattuck (2001), esta teologia passou a ser dominante a partir do


século IV, considerando a nova cosmovisão que apresenta a ideia de unificação
de tudo e de todos, muito próxima da ideia de comunhão e consubstancialidade
entre imanência e transcendência no Cristianismo, algo também semelhante
na física quântica. Para a autora o Hinduísmo vem evoluindo. Por exemplo, a
questão do dote foi sendo extinta enquanto ritual, devido às mudanças sociais.
Como no universo, no Hinduísmo nada é estático, tudo é reinterpretado a partir
das Escrituras védicas.

Da mesma forma que no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, há muitas


interpretações e reinterpretações das Escrituras. Há procedimentos hermenêuticos
e há o perigo do fundamentalismo. Ora interpretam-se os textos sagrados, ora
repete-se ao pé da letra, sem qualquer contextualização. É o grande perigo de ler
o texto fora do contexto com pretextos militares, políticos e econômicos.

78
Seja qual for o texto sagrado, pode ser feita uma leitura para a paz, cuja
finalidade é o crescimento espiritual, podendo fazer um ser humano melhor, mais
voltado para o bem-estar humano, porém, podem ocorrer leituras e interpretações
tendo por objetivo a preservação ou busca do poder, legitimando barbáries, o
que foi demasiadamente utilizado no processo de conquistas de territórios onde
estavam culturas milenares.

5.3 SMRITS OU CÓDIGO DE MANU

Manu, segundo a ortodoxia Hinduísta é o filho de Brahma e o grande


legislador. Foi aquele, a exemplo de Moisés, foi o mediador entre o Absoluto e o
Humano. Foi através de Manu, que o Livro da Lei (Torah no Judaísmo) chegou e foi
revelada à humanidade. O texto é do período védico (1750 – 500 a.C.) e constitui um
sistema normativo civil e penal com o intuito de evitar o caos social, religioso e moral.

Segundo Garcia-Gallo (1972), o Código, em suma, normatiza o agir


humano com relação ao dever ser social e religioso, tendo enquanto princípio
o Dharma, isto é, as obrigações naturais que cada humano membro de uma das
castas deve realizar durante a vida.

Logo, o determinismo e/ou teologia da predestinação é bem mais antiga


que o discurso teológico cristão no contexto do protestantismo do século XVI, que
resultou em grandes debates entre católicos e protestantes.

NOTA

Castas é a classe social, econômica, política e religiosa a qual pertence cada


hindu. No Tópico 4 será mais detalhada esta questão.

Ainda, segundo Garcia-Gallo (1972), o texto sagrado e/ou Smrits tem uma
estrutura lógica, composta por doze livros, que via pesquisa, merecem melhor
aprofundamento, sempre via paralelo com o Livro do Gênesis, texto estruturado
durante o exílio da Babilônia no ano 587 a.C., isto é, posterior ao período védico.

5.3.1 Livro I dos Smrits

A exemplo do Livro do Gênesis (Disponível na Bíblia Judaica e Cristã),


começa com a justificativa ou fundamentação para a origem da vida, sinal que
Filosofia, Ciência e Religião estavam unidas.

79
Se os hebreus, com a mitologia, procuraram fundamentar a origem do
Planeta Terra e da vida, os hindus fundamentam a origem do Universo, os dois
lados da existência. Fazem uso da expressão “Cosmo”, muito além da ideia de
origem de Mundo ou Terra, expressão clássicas do Gênesis.

Se no Gênesis encontramos a narrativa “No princípio Deus criou o Céu e a


Terra... a Terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo e o Espírito pairava
sobre as águas... Deus disse haja luz e houve luz... após criar tudo, Deus disse:
façamos o homem, homem e mulher os criou...” (Narrativa da fonte Javista de
Gênesis 1, disponível na Bíblia Judaica e Cristã) ou “No tempo em que Deus fez
a Terra e o Céu, não havia nenhum arbusto... Deus fez chover nos campos... Deus
modelou o homem com argila... e da costela do homem, Deus fez a mulher...”
(Narrativa da Fonte Eloísta de Gênesis, 4, disponível em na Bíblia Judaica e
Cristã), no Código de Manu, “Tudo era silêncio e escuridão...”

Na narrativa sagrada hindu, a partir do silêncio,

Brahma, que não tinha forma (espírito e/ou mistério) fez surgir as águas
cósmicas e nela depositou uma semente... com o tempo a semente
gerou o “Ovo Dourado” e Brahma (que não tinha forma, foi gerado
e não criado) se revela com pele vermelha, quatro braços, quatro
cabeças e oito olhos voltados para os quatro cantos do universo... ficou
um ano cósmico no “Ovo Dourado...” quando o Ovo se quebrou a
casca se tornou a esfera celeste e o interior a terrestre. Brahma deu
forma à esfera celeste... Brahma integrou a Trimurti, uma espécie de
união hipostática, pericorética e/ou comunhão entre Brahma, Shiva e
Vhisnu... Brahma criou uma filha do próprio corpo, dando origem a
Manu, o primeiro homem.

5.3.2 Livro II dos Smrits

São relatadas as regras de condutas aos Brahmanes e descendentes. É a


mais alta classe social, política e religiosa no Hinduísmo.

5.3.3 Livro III dos Smrits

São regras ao proprietário de uma casa, alguém de posse. É um sistema nor-


mativo para esfera familiar. Enfatiza em demasia o “pátrio poder”, o poder do homem.

5.3.4 Livro IV dos Smrits

Novamente enfatiza o instituto jurídico do “pátrio poder”, além de


estabelecer uma moral doméstica, delimitando as normas do casamento e rituais
a serem praticados no âmbito familiar.

80
5.3.5 Livro V dos Smrits

É dedicado às mulheres e normatiza a submissão do feminino ao masculino,


devendo a esposa obedecer em tudo ao esposo. Ainda, ressalta a importância do
trabalho e rituais de purificação da mente e corpo no ambiente doméstico.

5.3.6 Livro VI dos Smrits

Neste livro surgem outros dois grupos de pessoas, os ascetas e os anacoretas.


Os primeiros são pessoas iluminadas que se entregam a práticas religiosas e/
ou à espiritualidade, mediante meditação, contemplação e mortificação. E os
anacoretas são os que vivem na solidão, dedicando-se à meditação em busca da
iluminação, a denominada Moksha. Devido à iluminação, são sábios e intérpretes
da verdade, podendo prescrevem as regras para os brahmanes.

5.3.7 Livro VII dos Smrits

É o dever ser das autoridades e funcionários do Estado. Normatiza as ati-


vidades do governante, dos militares e cobradores de impostos. Logo, por vontade
divina, regulamenta o direto do Estado tributar e o dever de a sociedade não sonegar.

5.3.8 Livro VIII dos Smrits

Se do Livro primeiro ao sétimo, o direito material é estruturado, o Livro


VII expressa o direito formal. É um Código de Processo Civil e Penal, revelando
como a Lei deve ser praticada. Há, ainda, um procedimento hermenêutico, isto é,
determina quem tem poder para interpretar, fiscalizar e aplicar a lei.

5.3.9 Livro IX dos Smrits

Retoma o direito material, porém, na esfera penal. É o Direito Penal hin-


du. Estabelece as normas penais, define os crimes e penalidades, sempre partindo
do princípio que qualquer norma é uma determinação sagrada, tendo como fonte
o Absoluto, a vontade de Deus.

81
5.3.10 Livro X dos Smrits

É uma continuação do Livro IX, sinal que outras normas foram sendo
instituídas no decorrer do tempo e outras sendo contextualizadas, demonstrando
o dinamismo do Direito Hindu. Ainda, tanto no Livro IX quanto no Livro X, a
lei penal não é a mesma para as diferentes “castas”. Há uma interpretação da lei
para cada casta e seus descentes.

5.3.11 Livro XI dos Smrits

É o livro que estabelece as bases de uma teologia moral, apresenta o


conceito e lista de “pecados”, separando a expressão “pecado” de “crimes”. O
crime deve ser punido, mas o “pecado” pode ser expiado, revelando o mesmo
princípio da compaixão, do perdão e reconciliação entre humano e humano e
humano e divindade. Ainda, especifica os rituais de expiação, sempre relacionado
com a água, o grande remédio que cura e purifica o humano.

5.3.12 Livro XII dos Smrits

Neste livro fica visível uma escatologia, a narrativa sobre a vida após a
morte, muito ligada à teologia da retribuição, podendo ser revertida em punição
ou processo de purificação da alma para o tão esperado retorno ao Absoluto, ao
coração de Brahma e/ou comunhão eterna com a força cósmica do Universo.

6 BHAGAVAD GITA
É datado do século IV a.C. Relata a sabedoria de Krishna. É um texto muito
usado para fins de meditação ou práticas yóguicas. Transmite o conhecimento do
ser e orientações para o agir humano.

Os personagens principais são Krishna e Arjuna. O primeiro, totalmente


iluminado e sábio conversa com Arjuna, o guerreiro. Em 70 versos, Krishna im-
pulsiona Arjuna a cumprir o seu dever ser de guerreiro. Mas Arjuna vive o dilema
de lutar ou fugir da guerra para preservar a paz. É o dilema humano universal.
Enfrentar os obstáculos praticando nossos desejos ou optar pelo silêncio e paz.

O objetivo do Gita é auxiliar o humano a romper com a escuridão e a


ignorância para reencarnar para a libertação espiritual. Pelo Gita, purifica-se o
corpo, a mente e o intelecto para atingir a autodisciplina, austeridade, honestidade,
o desapego, autocontrole e a sabedoria.

82
7 QUEM É DEUS NO HINDUÍSMO?

Há diversas interpretações sobre a real identidade de Deus. No Hinduís-


mo primitivo constata-se um monismo religioso. Deus é Brahma, o Criador, mas
sempre está em relação e/ou em comunhão com Vishnu (A preservação) e Shiva
(a transformação).

Para Hans Küng (2005), no Hinduísmo, Deus é Trindade. É um corpo com


três cabeças, revelando a unidade na Trindade. Brahma, Vishnu e Shiva são os três
eternos que vivem em pericorese. Mas quem é Ganesha? Ganesha é aquele que
tem corpo humano e cabeça de elefante, outra definição de Deus no Hinduísmo.

Segundo Wilkinson (2002), há 91 interpretações sobre Ganesha. Da mes-


ma forma que no Cristianismo, no qual pessoas fazem a interpretação, sempre
vinculadas com alguma espécie de poder, afirmando Deus como aquele que gos-
ta de incenso, músicas, louvores, procissões, castigos, fogueiras, torturas, guerras,
genocídios e ecocídios ou aqueles que recepcionam Deus enquanto amor, liber-
tador, comunhão, fraternidade, aquele que ouve o grito do seu povo e desce para
estender a mão ou Deus é aquele que se identifica com o “Pai do Filho Pródigo...”
(Evangelho de Lucas 15, disponível na Bíblia Cristã), que respeita a liberdade do
filho, mas fica todos os dias à beira da estrada... e quando o filho volta quase mor-
to, ressuscita o filho, pega o “cordeiro pascal” que deveria ser ofertado a Deus e
faz uma grande festa. No Hinduísmo não é nada diferente.

No Hinduísmo Deus é interpretado e reinterpretado. Sobre Ganesha, a inter-


pretação mais convincente define como aquele que remove obstáculos. O elefante é
grande e forte, mas usa um rato para o movimento, serve-se do insignificante, do hu-
mano. Ganesha identifica-se com Shiva (o transformador). Ainda, culturalmente está
relacionado com a domestificação dos elefantes que foram utilizados na agricultura
hindu, unindo humanos e elefantes na produção agrícola e prosperidade.

Onde há produção agrícola há armazenamento e ratos. Ganesha não seria


outro Deus, mas outra interpretação de Deus. Seria como Nossa Senhora no cato-
licismo popular na América Latina. São poucos, até entre os sacerdotes católicos,
aqueles que saberiam explicar o sistema pericorética e consubstancial existente
na Trindade Cristã, porém, aclamam com facilidade a figura de Nossa Senho-
ra enquanto protetora, rainha do céu, Santa milagrosa, intercessora, medianeira,
aquela que transforma, protege etc. No Hinduísmo Ganesha é uma interpretação
popular de Deus e muito vinculado ao ambiente agrícola.

A teologia hindu é marcada pela forte relação com a natureza, principal-


mente com as imagens de montanhas e rios. A primeira é onde Deus habita. É da
montanha que vem a água, que formam os rios, a fonte da vida.

Ainda, cada hindu, além de experimentar Deus Trindade, carrega algo


próximo ao devocionismo popular do cristianismo católico. Todavia, em vez de
prestar culto ao anjo ou santo, o teísta hindu presta culto às variadas manifesta-

83
ções de Deus Brahma, Vishnu e Shiva, que recebem outras denominações. Entre
elas destacam-se Ganesha (O transformador), Krishna (O iluminado), Murugan
(A bondade), Dhanvantari (A saúde ou cura), Darshan (A visão), Sarasvati (A
sabedoria) e Lakshmi (A beleza). Dessa forma, o Hinduísmo revela que Deus está
em todos, é infinito, onipresente e onisciente.

8 O HINDUÍSMO CONTEMPORÂNEO

No Hinduísmo não há um cisma entre vida religiosa e vida civil. Não há o


uso da religião como instrumento de poder social, político e econômico. Há uma
moral definida, porém, contextualizada, a exemplo do sistema de castas. É fruto
de uma época, de um determinado contexto.

Os sacrifícios são momentos festivos, nos quais todas as criaturas


sagradas participam da grande ceia. Pede-se a Deus a proteção, bênção, saúde e
prosperidade, enquanto cada ser humano assume o compromisso de uma vida
ética. Frequentando um templo ou não, o ser humano não deixa de ser hindu.
Não é o culto, não são os ritos que fazem de alguém um ser religioso ou não. O
Hinduísmo é prático, não podendo jamais ser separado da vida.

No Hinduísmo há duas estruturas, aquela vinculada à natureza e outra


à coletividade. A primeira é obra divina, é Deus materializado, por isso deve ser
cuidado, preservado e recuperado. Um exemplo é o Rio Ganges, que por muito
tempo foi poluído, mas para que Deus não deixe a Índia, o Ganges deve ser re-
cuperado. A segunda é obra humana, que resulta em ambição, egoísmo e mortes.
O ser humano deve entender que é obra divina como os demais seres naturais e
sobrenaturais, tendo como dever resgatar sua real identidade.

Segundo Sharttuck (2001), o Hinduísmo está muito diferente daquele do


passado. Com os avanços científicos e tecnológicos muitos hindus viajaram em
peregrinação aos templos principais, leram as escrituras pessoalmente, aprende-
ram os mitos através de filmes ao invés de aldeões contadores de histórias. Ao
mesmo tempo, o mundo moderno criou novos desafios visto que muitos hindus
agora vivem fora da Índia, e a Índia em si está mudando rapidamente. A urbani-
zação e o crescimento da classe média moderna demonstram que os gurus estão
adaptando os ensinamentos para um novo tipo de sociedade. Os hindus da classe
média urbana preferem pensar Deus como o Brahma impessoal e fazem menos
rituais que os camponeses. Isso também é verdade em relação aos hindus que vi-
vem na Europa e nos Estados Unidos. O velho sistema de castas está sendo subs-
tituído por uma sociedade democrática, e, em alguns lugares, as mulheres estão
se tornando sacerdotisas. Tradições culturais como o dote, que já foi considerado
parte da religião, foram afastadas por não se adequarem ao mundo moderno.

84
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A evolução teológica do Hinduísmo parte do princípio da profissão de fé na


Trindade Hindu e da mesma derivam outras expressões para definir quem é
Deus.

• A importância dos Textos Sagrados para os hindus, como a literatura védica, os


Smrits e seus procedimentos hermenêuticos propiciam a evolução teológica.

• A cosmogonia do Hinduísmo a partir da ideia do “Ovo de Ouro” é a gênese


da teologia hindu.

• A experiência religiosa de Mahatma Gandhi e sua luta pacifista no processo de


Independência da Índia, caracterizam a influência religiosa no meio político
e social.

• A importância do Hinduísmo Contemporâneo enquanto experiência religiosa


fortemente envolvida com a natureza, pode ser uma contribuição para um
mundo mais sustentável.

85
AUTOATIVIDADE

1 No Hinduísmo, Deus é revelado enquanto Trindade, Brahma, Shiva e


Vhisnu. Considerando os estudos realizados, é verdadeiro afirmar:

a) ( ) A teologia hindu é marcada pela forte relação com a natureza, principal-


mente com as imagens de montanhas e rios. A primeira é onde Deus habi-
ta. É da montanha que vem a água, que formam os rios, a fonte da vida.
b) ( ) Segundo o Livro dos Vedas, Brahma criou uma filha do próprio corpo,
dando origem a Manu, a primeira mulher.
c) ( ) No Hinduísmo, verifica-se que há uma reprodução da ideia de Deus
enquanto Trindade, reproduzindo o politeísmo cristão.
d) ( ) Na teologia hindu Brahma é o Criador, Shiva o Redentor e Vhisnu é o
espírito Santificador.

2 Os Vedas é um dos livros sagrados para o Hinduísmo. De acordo com os


estudos realizados sobre o assunto, assinale (V) Verdadeiro ou (F) Falso.

( ) Segundo os Vedas, Deus fez chover nos campos... Deus modelou o


homem com argila... e da costela do homem, Deus fez a mulher.
( ) O princípio básico do Livro é a realidade intrínseca existente entre
humano e o mundo. A Sabedoria proporciona a paz e a felicidade,
objetivos possíveis, mediante prática da meditação.
( ) As narrativas se dividem em profissões de fé no espírito particular e
o espírito universal. São elencados diversos seres, como semideuses,
próximos do humano, mas que vivem em sintonia direta com Brahman,
o Absoluto, que não é feminino e nem masculino.
( ) Segundo o Hinduísmo, para dar origem ao primeiro ser humano, Deus,
criou a partir de si mesmo.

3 No Hinduísmo há uma forte relação de fé com água e tudo o que está na


natureza. Quanto às águas do Rio Ganges, o hindu considera:

a) ( ) O Ganges é o ambiente apenas de banho sagrado.


b) ( ) No Ganges ocorrem os rituais de purificação do corpo e alma, atingindo
sua finalidade no Hinduísmo.
c) ( ) O Ganges é um Deus como qualquer outro.
d) ( ) Segundo o Hinduísmo, banhar-se no Ganges é entrar em comunhão
com a Ganges, uma divindade.

86
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

TEOLOGIA NO BUDISMO: A BUSCA


POR DEUS NO BUDISMO

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, nós seguiremos o processo de busca por um melhor


entendimento da Teologia. Agora, vamos analisar os momentos mais importantes
da Teologia Budista, tendo consciência que nas publicações sobre Budismo, há um
número insignificante de publicações que fazem uso da expressão “Teologia Budista”.

É sabido que o budismo é uma das mais antigas experiências religiosas.


Sua origem está na região norte da Índia, na aldeia de Kapilavastu, aos pés do
Himalaia, situada no reino de Kosala, atualmente Nepal.

Vale ressaltar que no oriente há uma “Teologia em Nós”, na qual o teólogo


busca e expressa aquilo que alcançou mediante experiência com o Mistério e seus
procedimentos hermenêuticos. Por isso, também é oportuno o auditus fidei para
o intelectus fidei, ou seja, vamos ouvir antes do que pensar o percurso de busca
por Deus no Budismo.

Segundo a tradição budista, da infância à juventude, o príncipe Sidarta


conheceu apenas riqueza, poder e prazer. Foi superprotegido pela coorte de seu
pai a ponto de ser proibido de ultrapassar os limites das muralhas do palácio real.
Viveu até a juventude sem contradições, desconhecendo a dor, a fome e a morte.
Seu pai arranjou-lhe uma esposa, com quem teve um filho, para que o mesmo se
apegasse à vida no reino e assumisse a função de sucessor do pai.

Família, filhos e o poder não era o conceito de felicidade para Sidarta.


Ainda na juventude, o príncipe Sidarta, consciente de seu despertar e/ou libertar-
se de tudo que se passou desde o infinito, transmite aos seus discípulos a história
das vidas anteriores do próprio Buda e/ou a Cosmogonia búdica, que segundo a
profissão de fé budista constitui um dogma.

2 COSMOGONIA BÚDICA A PARTIR DO TRIPITAKA

O Tripitaka é o Livro sagrado por excelência ao Budismo. A segunda parte é


intitulada de “Sutra”, que contempla a história e fundamentação do Budismo. Pode
ser entendido enquanto conjunto de lendas, nada diferente das narrativas sobre pro-
dígios e milagres dos personagens bíblicos, a exemplo dos milagres de Jesus narra-
dos nos Evangelhos ou origem do mundo no Gênesis (Disponíveis na Bíblia Cristã).

87
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

No Sutra, não é possível delimitar o que é mito, lenda e história, porém,


tratando de teologia, a linguagem transcende a razão, o auditus fidei e/ou escuta
da fé torna-se regra fundamental.

Segundo HUAI-CHIN (1999) o Sutra menciona que, o Universo é infinito


e contempla inúmeros mundos, tendo cada um uma montanha-eixo denominada
de Sumeru. Em torno de Sumeru giram o Sol, a Lua e outros astros. Todo o con-
junto apresenta uma forma de cilindro ou quando visto de cima é semelhante um
disco (interessante que a narrativa datada antes de Cristo contempla uma cosmo-
gonia na qual o mundo é esférico e o sistema é geocêntrico, enquanto no ocidente,
até o século XV, o mundo era quadrado e aos que discordassem, a exemplo de
Giordano Bruno e Galileu Galilei, em vez de serem aclamados enquanto ilumi-
nados, foram processados, julgados e condenados, em nome de Deus, à fogueira
em praça pública).

Na periferia do Sameru há uma cadeia de montanhas que faz limite com o


oceano. Entre essas montanhas exteriores e o monte Sumeru se acham sete cadeias de
montanhas separadas por mares, onde há ilhas, o ambiente onde habitam os humanos.

A estrutura cósmica é composta por três planos. O primeiro é o “plano


sem forma”, ambiente do pensamento puro e das Devas, as criaturas puras, que
na teologia cristã pode ser equiparada ao conceito ocidental de “pneuma ou espí-
rito”. O segundo é o “plano com formas”, ambiente das Devas com corpos e livres
do desejo, semelhante ao conceito ocidental de “anguelós ou anjo”. O terceiro
é o “plano do desejo”, ambiente onde vivem as Devas do desejo, que pode ser
equiparado aos santos católicos. Quanto aos homens habitam as ilhas, das quais
Jambudvipa é a mais importante, onde pode nascer um Buda.

Ainda, os seres existentes – incluso Humanos, Devas, Deuses e o Buda


– em todos os níveis do Universo infinito são prisioneiros do ciclo de reencarna-
ções, colhendo os frutos do seu próprio karma. Logo, cada ser tem vidas anterio-
res, fundamentando e definindo quem é o Buda.

2.1 O DESPERTAR DO BUDA SEGUNDO OS SUTRAS DO


TRIPITAKA

As fontes principais que narram a vida do Buda são provenientes da


tradição oral, que resultou o Tripitaka, o livro mais sagrado para o Budismo.

Aproximadamente, em 565 a.C. nasceu o príncipe Sidarta Gautama, filho


do rei Sudodhana. Era de família nobre, da casta dos guerreiros e príncipes, uma
casta abaixo dos brahmanes do Hinduísmo.

A segundo HUAI-CHIN, o Sutra ressalta que quando jovem, o príncipe


Sidarta foi para um passeio além do palácio e fez quatro experiências. Na primeira

88
TÓPICO 2 — TEOLOGIA NO BUDISMO: A BUSCA POR DEUS NO BUDISMO

encontrou um idoso e entendeu que o humano definha no tempo. Na segunda


viu um enfermo e se despertou para o limite humano perante a enfermidade.
Na terceira se deparou com um cadáver e conheceu a fraqueza humana perante
a morte. No caminho de retorno ao palácio, conheceu um Sadhu indiano, sábio,
despojado, pobre, humilde e em paz.

NOTA

Sadhu significa “o bom homem” ou “homens sagrados. Não constituem famí-


lia, renunciam a vida em sociedade. Fazem opção pela vida mística, asceta, itinerante, são
praticantes exemplares da yoga e dependem da caridade alheia. Também são chamados
de Baba ou Pai espiritual.

A partir das experiências com os quatro humanos, meditou sobre o hu-


mano no tempo com suas três marcas: a enfermidade, a velhice e a morte. Ainda,
assimilou do sábio Sadhu que o conforto para a angustia humana é possível me-
diante desapego físico e mental.

Após as experiências, Sidarta iniciou o caminho de busca por sabedoria


e entendimento do Mistério que envolve o próprio humano. Fez o caminho ad
extra, buscando respostas nas mais diversas literaturas e filosofias. Mas foi aos 35
anos, no caminho ad intra, no profundo silêncio e no encontro consigo mesmo que
Sidarta fez a experiência do Nirvana, parte da espiritualidade do Hinduísmo e/ou
o encontro da consciência perfeita do ser. Foi o caminho da espiritualidade que
fez Sidarta despertar e/ou libertar-se para revelar a sua real identidade, o Buda
que pode ser chamado também de Sakiamuni.

Ainda, segundo a literatura Sutra, após o despertar do Buda, o rei de Kosala,


pai de Sidarta, ordenou que aumentasse a guarda e que as mulheres mais belas e sedu-
toras do reino fizessem tudo o que seria possível para distrair o príncipe, mas Sidarta
ou Buda e/ou Sakiamuni, revelou seu projeto de deixar o reino e seguir sua missão.

Ainda, segundo HUAI-CHIN (1999), no Sutra, o pai de Sidarta prometeu


ao príncipe que o mesmo poderia fazer e ter o que desejasse, desde que perma-
necesse no palácio real. Sidarta disse então: “Desejo quatro coisas: permanecer de
posse de minha juventude, que jamais a doença toque o meu corpo, que minha
vida nunca chegue ao fim e que meu corpo não se decomponha jamais”.

Impotente perante o pedido do filho, o rei nada respondeu e permitiu que


Sidarta partisse a fim de percorrer o caminho de busca da verdade. Foram seis
anos de buscas. Leu e ouviu os grandes mestres do brahmanismo, leu e ouviu os
grandes mestres da yoga e experimentou a ascese hindu (práticas de mortificação

89
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

como o jejum, prender a respiração até perder o fôlego), mas nada novo aconte-
ceu, mas aprendeu que toda atitude extrema é prejudicial ao humano.

A seguir, Sidarta tomou a decisão de ficar em silêncio em Bodhgaya, debai-


xo de uma árvore denominada de bodhi, adotando o “caminho do meio”, no qual o
alimento não era totalmente negado e nem exagerado na meditação. Foram 49 dias
de profunda meditação, de busca da verdade, do absoluto, Deus em si mesmo.

A seguir passou a ter seguidores, estabelecendo moradia na bacia do Gan-


ges. Buda, após vida longa, fez a experiência do paranirvana ou extinção eterna e/
ou morte, na região de Kusinagara, Índia.

Antes de sua morte, aos 80 anos, realizou inúmeras viagens pela Índia
transmitindo sua sabedoria para diversos discípulos. Mas o budismo não foi acei-
to na Índia, bem provável devido ao sistema de castas que vigorava. Assim, da
mesma forma como no Cristianismo, o Budismo fez a experiência da diáspora ou
êxodo, espalhando-se por diversas regiões da Terra, mas principalmente na Ásia.

Com a morte do Buda seus seguidores instituíram as Sanghas, comunida-


des de monges ou monastérios. Para ingressar havia dois requisitos: afastamento
da vida social e a promessa de não causar escândalos à Sangha. Para alimentação,
dependiam da caridade da vizinhança. A única refeição era encerrada às 12 horas
do dia. A cada mudança da Lua celebravam a Uposadha, na qual cada monge
expressava os próprios sofrimentos e/ou pecados para o ocidente.

Na origem da Sangha, as regras eram amenas, porém, com o tempo foi


sendo redigido um sistema normativo, que adotou até mesmo práticas penais
como castigo e expulsão aos monges delinquentes.

Assim, não demorou muito tempo para surgirem os primeiros conflitos e


cismas, que deram origem a três concepções de Budismo: a Thevarada (Doutrina
dos antepassados) ou Hinagana, Mahayana (grande veículo) e a Vajrayana.

O Budismo Theravada (ou Hinayana) ou Budismo primitivo é mais di-


recionado aos monges. A questão do puro e impuro é bastante enfatizada pela
Theravada. O Budismo Mahayana, que é mais contextualizado, faz uso de proce-
dimentos hermenêuticos na produção teológica e/ou doutrinária, gerando duas
fontes: o budismo Bodhisattava e o Budismo Zen, sendo reestruturados na Coreia
do Sul, Japão e Tibete. Foi o Budismo Mahayana que atribuiu o nome de Hinaya-
na à Thevarada, cujo significado é “Pequeno Veículo”.

Ainda, a terceira é a Vajrayana (também é conhecido por Mantrayana ou Tan-


trayana). Esta enfatiza as recitações de mantras, é mais esotérica e ressalta a importân-
cia dos Mandalas. Também surgiu enquanto dissidente da Theravada, contestando o
rigor desta na questão do puro e impuro. Radicalizou a expressão “Vacuidade” e faz
apologia à transgressão como instrumento para a iluminação, isto é, o uso de carne,
peixe, vinho, grãos torrados e o sexo passaram a ser algo comum em seus rituais.

90
TÓPICO 2 — TEOLOGIA NO BUDISMO: A BUSCA POR DEUS NO BUDISMO

Destas concepções ou escolas budistas surgiram outras como o Budismo Tibe-


tano e o Budismo Zen. Ainda foi a partir da Rota da Seda, ou seja, o conjunto de estra-
das entre Índia, China e Síria, que o Budismo foi se espalhando, conhecido e praticado.

2.2 A EXPERIÊNCIA DO SAMSARA PARA O NIRVANA

No Budismo, todos, incluindo Devas e Deuses, estão envolvidos num


incessante ciclo de nascimentos e mortes, sem princípio e sem fim. É o processo de
reencarnações. Qualquer ser poderá renascer, seja Deus, Deva, humano, animal
irracional, espírito maligno ou até os que habitam os infernos. No Samsara há Mara, o
Deus da morte que vigia para que ninguém e nada escape do ciclo de reencarnações.

No silêncio, debaixo da árvore, percebendo que Sidarta estava para


despertar e/ou libertar, Mara convocou todos os demônios para impedir o processo.
Sidarta venceu Mara e fez a experiência do Nirvana, a libertação de todos os desejos,
medos e preocupações que propiciam a ilusão de que exista um “eu permanente”,
esgotando todo traço do karma, isto é, a libertação total das paixões efêmeras.

2.3 AS QUATRO VERDADES DO BUDA OU SERMÃO DE


BANARES

Após o despertar do Buda ou Sakiamuni (ex-Sidarta Gautama) foi Brah-


ma, o Criador, que intercedeu ao Buda para que revelasse a verdade libertadora à
humanidade. Com a experiência do Nirvana, Buda assumiu como missão ensinar
o processo de libertação pelo qual havia passado. Em seu primeiro sermão, na
aldeia de Benares, Índia, ensinou “As Quatro Verdades”.

A primeira é a Dukkha, isto é, na vida tudo é sofrimento porque não há


algo que não está em processo de mudanças e quanto mais o humano busca al-
guma coisa permanente no mundo efêmero para se apegar, maior é a Dukkha, a
imperfeição que afeta a existência. A Dukkha tem como causa a Tanha ou segun-
da verdade, isto é, o desejo que não pode ser confundido com o objetivo da vida,
a grande iluminação.

No Budismo, todo desejo leva à cobiça, ganância, ao que é efêmero e ao


prazer. A terceira verdade é a libertação, isto é, o rompimento com os desejos,
preocupações e medos.

E a quarta é o Caminho Óctuplo, isto é, as práticas a serem seguidas para a


libertação: reconhecer as quatro verdades, estar focado na libertação, evitar palavras
que causem sofrimento ao outro, conduta correta, promover a vida, libertar de esta-
dos mentais destrutivos, preservar pensamentos corretos e concentração correta.

91
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

2.4 AS “TRÊS JOIAS” DO BUDISMO


O Budismo é mais ortopraxia do que ortodoxia, devido à importância do
agir ético, a meditação, a contemplação e a compaixão. Os principais objetos de
contemplação são as “Três Joias”: o Buda (o sábio), o Dharma (a sabedoria) e a
Sangha (a comunidade budista). O sábio é referencial a ser ouvido e seguido, a
sabedoria é o caminho para a iluminação e a comunidade é o meio para preservar
e viver o Budismo. Ao contemplar as “Três Joias”, o budista faz um resgate de sua
própria natureza, reafirma sua real identidade na existência e unifica passado,
presente e futuro, possibilitando a evolução do humano.

3 O DALAI LAMA E O BUDISMO TIBETANO

Ao norte da Cordilheira do Himalaia com mais de 2100 anos e 4900 me-


tros de altitude, está o Tibete. Mesmo sob soberania da China, há um governo
estabelecido pela sucessão dos Dalai Lamas.

Segundo a profissão de fé do Budismo Tibetano, o Dalai Lama é o líder


espiritual e político do Tibete. No Dalai Lama está o “Oceano da Sabedoria”. É
ele que tem o conhecimento e sabe o que é melhor para o povo tibetano. É o Dalai
Lama que tem o segredo para a paz e a felicidade de todos.

Em 1913 os chineses foram expulsos do Tibete, sendo proclamada a inde-


pendência pelo 13º Dalai Lama, porém jamais aceita pelo governo chinês.

No dia 6 de julho de 1935 nasceu um menino chamado Lhamo Dhondup


que foi reconhecido pelos monges budistas do Tibete como a reencarnação do
Dalai Lama. Ainda aos quatro anos de idade foi levado por monges budistas ao
palácio Potala, na montanha de Hongsham, em Lhasa, capital do Tibete, para
iniciar sua formação para assumir sua real identidade. Em 1939 foi aclamado pu-
blicamente como o 14º Dalai Lama, recebendo o nome de Jamphel Ngawang Lo-
bsang Yeshe Tenzin Gyatso ou simplesmente Tenzin Gyatso.

Em 1950, Mao Tse-Tung ordenou a intervenção militar no Tibete e a partir


de 23 de maio de 1951, pelo Acordo dos 17 Pontos, o Tibete passou a ser parte da
China, mas liderado pelo 14º Dalai Lama.

Entre 1956 e 1957, com auxílio dos Estados Unidos, grupos armados tibetanos
resistiram contra o exército chinês. Em 1959, na “Revolta de Lhasa”, o governo chinês
ameaçou prender o Dalai Lama. Devido ao fato, sob proteção dos Estados Unidos, o
Dalai Lama foi obrigado a buscar refúgio na Índia, fundando um “governo do Tibete”
em pleno exílio na cidade de Dharamsala, tendo mais de 100 mil tibetanos refugiados.

No Tibete, entre 1956 e 1957, mais de 87 mil tibetanos foram mortos, mon-
ges foram encarcerados e mais de 6000 monastérios budistas foram destruídos.
Por isso, em 1967, o Dalai Lama saiu pelo mundo anunciando sua fé e clamando
92
TÓPICO 2 — TEOLOGIA NO BUDISMO: A BUSCA POR DEUS NO BUDISMO

pela paz no Tibete e no mundo. Tendo o reconhecimento da comunidade interna-


cional, em 1989, o Dalai Lama, recebeu o Prêmio Nobel da Paz.

Na perspectiva do Dalai Lama, para entender o Budismo há a necessidade


de entender a existência. Vivemos uma sucessão de “Eras”. O conceito de existên-
cia é definido por “Era dos mil Budas”. Vieram três Budas e se foram. O quarto
Buda é o ex-príncipe Sidarta Gautama, o Sakiamuni.

Entende o Budismo quem entende o sofrimento. A causa do sofrimento pode


ser negativa ou positiva. Logo, o sofrimento está numa relação causa e efeito, mani-
festada a partir da ignorância que impede o humano de ver além da imanência. E
para superar a ignorância há a necessidade de superar o medo da velhice e morte.

O primeiro passo é o conhecimento das três formas de sofrimentos. Co-


nhecer o sofrimento do sofrimento, isto é, as doenças físicas. Conhecer o sofri-
mento das mudanças, isto é, as experiências prazerosas que ocasionam frustra-
ções. Conhecer o sofrimento do nascimento, ou seja, ao nascer o humano se apega
à ignorância, à existência e ao que é efêmero.

Quanto à causa das três formas de sofrimentos o karma é a causa, isto é,


condutas que podem se desenvolver com o tempo. Há duas espécies de condutas.
As maléficas que são motivadas pela ignorância (o mesmo conceito de pecado do
Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) e benéficas que são motivadas pela sabedo-
ria (as boas obras do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo).

Assim, resta ao humano eliminar as emoções maléficas e estabelecer enquan-


to objetivo na vida o encontro da verdadeira natureza da mente, a verdade última
da existência, denominada de Sunya (vacuidade), isto é, a consciência de que tudo e
todos existem sob dependência e interdependência. Nada pode existir isoladamente.

No Brasil, o Dalai Lama esteve em 1992, 1999, 2006 e 2019. Na segunda pas-
sagem, palestrou em diversos lugares, mas em São Paulo deixou esta mensagem:

Sou um pouco crítico quanto aos ocidentais que entram em


contato com as tradições orientais, como por exemplo a budis-
ta, e começam a mudar seus hábitos exteriores. Primeiro, aban-
donam suas tradições de origem. Depois, mudam suas roupas,
vestindo-se como os orientais se vestem. Em seguida, mudam
os móveis de sua casa. Mudam seu comportamento, mudam
seus gestos... vemos ocidentais que abraçam por exemplo o
sikkismo, ou tornam-se hare krishnas, e de repente saem as
ruas com o cabelo raspado, as vestes laranja no estilo oriental...
acho que isso não é bom... prefiro pessoas que conservem suas
tradições de origem e aprendam o que podem aprender com
o budismo, aplicando suas novas descobertas dentro de sua
maneira cultural própria. O budismo não está nas regras mo-
násticas nem na aparência. Olhem para o nosso mestre, Buda
Sakiamuni. Ele criou um conjunto de regras a serem seguidas,
mas seu grande ensinamento está em conhecermos a nossa pró-
pria mente (MONJA COHEN, s.d., s.p.).

93
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

4 BUDISMO ZEN

Da mesma forma que no Cristianismo e nas demais tradições religiosas, não


é possível falar do Budismo no singular. Na história foram instituídos cristianismos,
hinduísmos, islamismos e outros. No Budismo, o pluralismo também é fato. O
Budismo Zen é um entre tantos, mas com uma identidade própria.

No Budismo Zen se faz um resgate da natureza do Buda. É um gesto que


transcende a ação humana. Busca-se a concentração plena mediante comunhão
corpo e mente. Para Forzani (2007), o Zen expressa uma “trama existencial”,
misturando espiritualidade e filosofia, cuja finalidade é conduzir o ser humano
ao processo de purificação e concentração para acontecer a comunhão com o
mundo, ampliando o olhar sobre o eu e tudo o que está na existência. Ainda, o
Zen é o ensinamento silencioso do Buda. Dispensando o recurso verbal, o mestre
fez uso de uma flor (Udumbara) e ao girá-la transmite sua sabedoria. Este gesto
foi preservado na China até chegar no Japão.

Em vez de leituras, sermões, debates, meditações de livros sagrados, o silêncio


tornou-se prioridade. Para Yapolski (2007), os primeiros monastérios do Budismo Zen
são datados da época de Hung-Jen, patriarca Chinês (601-674), sendo preservados dois
meios de espiritualidade: a vida monástica e a comunhão com a natureza.

A chegada do Budismo ao Japão foi no século VI, após a “Reforma de Tai-


ka” (a Grande Reforma) em 645, no início do período Assuka (604 – 1192). Devido
às relações comerciais entre China e Japão, o imperador japonês, Shotoku, com au-
xílio de monges coreanos, edificou mosteiros e templos, difundindo o Budismo.

Sob proteção do Estado, o Budismo prosperou no Japão. Também, nesta


época, chegou ao Japão o monge Ganjin para transmitir o Ritsu, ou seja, aplicar
as regras dos monges previstas no Tripitaka, uma das ramificações do Budismo
chinês. Posterior a esta, outras escolas budistas migraram para o Japão, incluso o
Budismo Zen no século XII.

O século XII é marcado pelo período Kamakura. Neste século, chegaram


ao Japão duas tradições budistas: a Rizai, liderada pelo monge Eisai Myosen
(1184-1225) e a Soto, tendo como principal representante o mestre Eihei Zenji
Dogen. Enquanto a Rinzai praticava koans (atividade mental de meditação), a Soto
praticava o zazen, isto é, “sentar zen” em profundo silêncio, atento à respiração e
ao livre fluir dos pensamentos, sem fixar em nada, afastando a agitação mental.
Segundo Fazion (2003), uma das melhores definições do Budismo Zen é de Kodo
Sawaki (1880 – 1965): “Os homens acumulam conhecimentos, mas eu penso que
o fim último seja poder sentir o som dos vales e olhar as cores da montanha”
(FAZION, 2003, p. 1001).

94
5 O QUE É TEXTO SAGRADO NO BUDISMO?

Buda nada escreveu. Tudo o que sabemos é fruto da tradição oral. Após a
morte de Buda, seus seguidores preservaram a sabedoria do mestre. De maneira
geral, o Budismo tem o Tripitaka (pode ser transcrito como Tipitaka) e/ou Três
Cestos enquanto texto sagrado.

O Tripitaka está estruturado em três partes. A primeira intitulada de


Vinaya, a qual apresenta um conjunto de regras monásticas, delimitando os
aspectos morais da tradição. A segunda é o Sutra (pode ser transcrito como Sutta),
que revela os ensinamentos do Buda. E na terceira parte, a Abhidhamma, isto é,
a teologia budista via procedimentos hermenêuticos das regras e ensinamentos
do Buda.

O Budismo Mahayana, além do Tripitaka, recepciona, enquanto sagrados,


os livros: Prajnaparamita Sutra (expressa a sabedoria do Budismo), o Lankavatara
(revelações) e o Saddharmapundmika (Sistema normativo do Budismo).

6 QUEM É DEUS NO BUDISMO?


Para entender Deus no Budismo é necessário afirmar o que Deus não é ao
Budismo. Há uma recepção do politeísmo. No Sutra identificamos Brahma inter-
cedendo ao Buda para divulgar sua sabedoria à humanidade. Ainda, no próprio
Sutra, Mara, o Deus da Morte vigia o ciclo de reencarnações e reúne demônios
para evitar a iluminação de Buda.

Quanto à imagem de Deus, o Budismo rejeita a teologia de um Deus Cria-


dor, Juiz, Inquisitor, Redentor, Salvador, Santificador, Castigador, Vingador e/
ou que retribui a alguns e não faz o mesmo a outros. Ainda, a ideia de uma alma
permanente e a vida num paraíso eterno via julgamento ou tribunal celestial ou
juízo final, também é dispensada.

A opção budista é pelo “silêncio”, a ponto de experimentar, encontrar no


silêncio algo que move a vida. No silêncio, o budista se depara com a grandeza do
mistério sem a pretensão de investigá-lo, conceituá-lo ou defini-lo.

No Budismo Zen, a expressão “Sunyata”, que pode ser conceituada por


“vacuidade” envolve o ser humano no mistério. É a experiência de comunhão do
imanente com o transcendente. É a experiência de ir além do que o ser humano
está habituado a definir como ser humano ou realidade imanente.

95
O primeiro passo para a experiência com o silêncio é o próprio “eu”, é
uma atitude humana que visa atingir o próprio humano. É a busca “ad intra” que
proporciona o esvaziamento do “eu” e o despojamento do apego a si e coisas exis-
tentes. Nessa experiência, com o “silêncio” algo acolhe, envolve o humano. Isso
é comunhão, isso é amor, compaixão, mansidão, é transcendência. É algo muito
acima do que a razão pode atingir. Isso é Deus.

7 BUDISMO CONTEMPORÂNEO

Na atualidade podemos afirmar que o Budismo tem por princípios a valoriza-


ção da vida e o agir ético. Para isso, preserva Deus enquanto “silêncio”, não dando mo-
tivos para eventuais conflitos religiosos e faz uso da meditação no e com o “silêncio”.

Para o budismo, cada ser humano tem seu karma, mas não como estímulo
para o conformismo e sim como ponto de partida para que cada ser assuma sua real
identidade para uma autoconstrução e/ou busca de um ser cada vez mais humano.

O budismo tem ensinado que não podemos repetir os mesmos erros. O


sofrimento é fato e tem o seu valor, mas não nascemos para ele e sim para sermos
melhores. Se há trevas em nossa casa (Terra) devemos iniciar o caminho para o
Nirvana, a iluminação para que possamos contagiar cada ambiente com a luz
que temos. É o que tem feito pelo mundo o próprio Dalai Lama, um dos budistas
mais conhecidos como um autenticamente budista. Em uma de suas palestras no
Brasil, disse o Dalai Lama:

[...] nada adianta você fazer um retiro tradicional de três anos, três meses
e três dias. Pode ser até que a sua mente, ao longo desse tempo, em
vez de melhorar, piore... a única coisa certa que se pode dizer é que
depois desse tempo todo seu cabelo vai crescer... “Mas há um pequeno
problema. No mundo de hoje, há vários “businessmen” que, visando
obter dinheiro, dão ensinamentos religiosos. Isso acontece cada vez
mais frequentemente; ocorre muito na China, que importa “mestres”
tibetanos, mas também no resto do mundo. Esses não são mestres
genuínos. Apresentam-se como grandes mestres, mas não são. Seu
propósito é unicamente o de obter dinheiro (MONJA COHEN, s.d., s.p.).

Ser budista é sentir-se parte do mistério que engloba o universo e ao mesmo


tempo voltar-se para si para perceber que a arrogância e o egoísmo maculam a real
identidade do ser humano, assumindo de forma imprescindível a humildade a com-
paixão, enquanto sinônimos da sabedoria. E com a sabedoria podemos encontrar
alívio no sofrimento e continuar trilhando o caminho até o nirvana, a iluminação.

Porém, o grande drama do budismo pode ser o excesso de técnicas e/ou


ritos e consequentemente a carência de práticas, atitudes de compaixão e/ou a
ética do cuidado que em outras tradições religiosas podem ser definidas por cari-
dade, kama, sustentabilidade, respeito e/ou simplesmente de amor.

96
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A origem e desenvolvimento do Budismo ocorreu a partir do Hinduísmo.

• A construção teológica a partir da experiência do Buda instaura a busca pelo


transcendente na interioridade.

• Os Textos Sagrados budistas, o legado de Buda e a multiplicação de


experiências budistas a partir da Índia, contribui para o encontro do humano
com o humano.

• A opção pelo “Silêncio”, no Budismo, enquanto aproximação do Mistério,


algo próximo do conceito de Deus, revela o humano enquanto projeto infinito.

97
AUTOATIVIDADE

1 De acordo com os estudos realizados, analise as afirmações e assinale a


assertiva correta:

I- Com a experiência do Nirvana, Buda assumiu como missão ensinar o


processo de libertação pelo qual havia passado. Em seu primeiro Sermão,
na aldeia de Benares, Índia, ensinou “As Quatro Verdades”: a Tahavana,
Mahayana, a Vajrayana e o Budismo Zen.
II- Dukkha tem como causa a Tanha, a segunda verdade revelada pelo Buda.
III- Com a experiência do Nirvana, Buda assumiu como missão ensinar o
processo de libertação pelo qual havia passado. Em seu primeiro Sermão,
na aldeia de Benares, Índia, ensinou “As Quatro Verdades”: o sofrimento,
o desejo, a felicidade e a ressurreição.

a) ( ) Estão corretas I e II.


b) ( ) Somente a III é correta.
c) ( ) Nenhuma está correta.
d) ( ) A II está correta e I e III incorretas.

2 Tripitaka ou Tipitaka é o Livro mais sagrado do Budismo e está dividido


em três partes. Considerando os estudos realizados, assinale a alternativa
verdadeira.

a) ( ) Na Vinaya há um conjunto de regras estatais que delimitam os aspectos


morais do Budismo.
b) ( ) No Sutra está estruturada a teologia da ressurreição.
c) ( ) Na Abhidharma há procedimentos hermenêuticos que sistematizam a
teologia budista.
d) ( ) No Sutta há 12 sermões do Buda.

3 O Budismo Mahayana, além do Tripitaka, recepciona também enquanto


sagrado o livro:

a) ( ) Prajnaparamita Sutra, o qual contempla a sabedoria do Budismo.


b) ( ) Lankavatara, o qual expressa a vida do Buda.
c) ( ) Saddharmapundmika, o qual define as regras para a prática da meditação.
d) ( ) Sutta, o Sistema normativo do Budismo.

98
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

TEOLOGIA NO XINTOÍSMO: A
BUSCA POR DEUS NO XINTOÍSMO

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico será analisado o momento histórico em que o Xintoísmo desperta


enquanto religião no Japão e o processo de construção de uma teologia enquanto
busca por Deus. É uma experiência religiosa diferente em relação ao Hinduísmo e
Budismo, porém há pontos comuns com estas e as tradições do ocidente.

Seria possível uma religião sem mandamentos, sem um Deus, senhor


absoluto que interage com a humanidade? Seria possível uma religião sem templo
ou regras morais? Seria possível uma religião sem ao menos um livro sagrado?
No Xintô ou Xintoísmo podemos encontrar respostas para estas questões.

Da mesma forma que enfatizamos para o Hinduísmo e Budismo, vale frisar


que no Oriente, há uma “Teologia em Nós”, na qual o teólogo busca e expressa
aquilo que alcançou mediante experiência com o Mistério e seus procedimentos
hermenêuticos. Por isso, mais oportuno será o auditus fidei para o intelectus fidei,
ou seja, vamos ouvir antes do que pensar o percurso de busca por Deus no Oriente.

Até o século VI, quando o Budismo foi colocado como religião do Estado
nipônico, não havia qualquer menção ao Xintoísmo, porém havia uma prática
religiosa no arquipélago onde está o atual Japão.

Segundo Herbert (1967), foi na “Reforma Taika” (A Grande Reforma), sob


comando do Imperador Kotoku, em 645, que ocorreu a estatização da propriedade
privada na região que definimos hoje como Japão. Neste contexto, sob proteção
do Estado, o Budismo prosperou, mas a antiga prática religiosa do arquipélago
nipônico foi preservada e praticada sob título de Kannagara no Michi ou “Xintô”
(Caminho dos deuses) para diferenciar do Budismo.

Antes do Budismo não havia um cisma entre imanência e transcendência,


humano e natureza, deuses e humanos. Não havia um objeto de adoração. Tudo
estava integrado, tudo no todo, isto é, mortos, vivos e não nascidos.

Assim, mesmo sem haver uma teologia sistemática ou ortodoxia xintoísta,


façamos a análise a partir das fontes do próprio Xintoísmo e autores que publica-
ram trabalhos sobre o assunto.

99
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

2 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA UMA COMPREENSÃO


DA TEOLOGIA XINTOÍSTA

No estudo da Teologia Xintoísta, temos que deixar de lado a ideia de re-


velação. A Teologia deve ser entendida por busca por Deus, pois no Xintoísmo
não há uma teologia sistemática como podemos encontrar no ocidente, porém,
há uma experiência religiosa diferenciada. Logo, podemos resgatar o histórico da
maneira de buscar Deus, deuses ou o Mistério na história do Japão.

O Xintoísmo é definido por religião do Japão. Assim, vejamos alguns ele-


mentos fundamentais para a compreensão dessa busca por Deus. O Japão, en-
quanto nação organizada, já era fato há dois séculos a.C., mas o primeiro período
da história do Japão é a Era Jamon (10.000 a.C. a 200 a.C.). Na Era Yayoi, quando
já havia o cultivo do arroz e o domínio do metal, a região do atual Japão já estava
organizada enquanto nação.

A expressão Japão vem de Nippon, cujo significado é “origem do Sol”


ou “Terra do Sol Nascente”, bem relacionado com o nome da Deusa Amaterasu
Omikami, que é nada mais que a Deusa Sol. Segundo a tradição nipônica, o im-
perador é descendente da Deusa Sol.

ATENCAO

É comum a menção em torno da “Rainha Himiko” e do suposto Reino Yamatai


na história do Japão, mas a afirmação não é unanimidade. Segundo Iamamura (1996), Hi-
miko está mais próxima de uma lenda ou mais um mito da cultura nipônica.

De 660 a 585 a.C., Kamuyamato deu início ao “Reino Yamato”, na ilha


central de Honshu, tendo Yamato como o grande rei. A seguir recebeu o título de
imperador, assumindo o nome de JIMMU, dando início à dinastia dos imperado-
res japoneses. Foi com JIMMU que o Japão tomou forma de Estado.

Com o fim do período Yayoi, veio o período Assuka (604-1192). Foi neste pe-
ríodo que ocorreu o processo de unificação do arquipélago, formando o atual Japão.

De 593 a 622, Shotoku Taishi governou o que conhecemos por Japão, sen-
do até cultuado como “protetor do Japão”. Neste período, o Japão intensificou
as relações comerciais com a China, passando a ser influenciado pelo Budismo.
E com o auxílio de monges coreanos, o próprio imperador começou a difundir o
Budismo. Monastérios e templos budistas foram edificados. Do tempo deste im-
perador ainda há o templo de Horyuti, localizado na cidade de Nara.

100
TÓPICO 3 — TEOLOGIA NO XINTOÍSMO: A BUSCA POR DEUS NO XINTOÍSMO

Com o Budismo em evidência, houve a necessidade de atribuir um nome


às experiências religiosas já existentes anteriores ao Budismo. Surgiu então a ex-
pressão “Xintô ou Kannagara no Michi” e/ou “Caminho dos Deuses”.

Segundo Littleton (2002), a arqueologia encontrou altares esculpidos em


rochas e outros preparados no meio da floresta, confirmando a existência de uma
prática religiosa, com oferendas e culto próprio do lugar destinado à Natureza
como um todo. Assim, no Xintoísmo tudo é sagrado. Sol, Lua, chuva, mares, rios,
fauna, flora, montanhas, raios, ventos etc. Tudo parte de um Todo, sem qualquer
personificação de um Deus, isto é, é o humano envolvido no Mistério.

3 O TSUMI

É comum afirmações sobre a não existência de uma moral no Xintoísmo. Pela ex-
pressão “Tsumi” é possível afirmar que há uma moral estabelecida, logo, um sistema de
regras não positivadas. Tsumi equivale à impureza, sendo possível quando há o contato
com cadáveres, sangue e morte, ou seja, um ato violento é um contato com sangue, um
ato criminoso é um contato com a morte ou um ato com um cadáver pode haver conta-
minação. Assim, há o permitido e o proibido, logo, há um ordenamento moral.

Interessante é o meio para ficar livre da impureza. Torna-se puro o impu-


ro através da passagem pela água, isto é, o ato de banhar-se. Aqui percebemos
o mesmo conceito de bapta, ou batismo da tradição cristã, ou o “banhar-se nas
águas do Ganges”, no Hinduísmo.

Kami Izanagi banhou-se no rio após a saída do “Mundo dos Mortos”. Banhar-se
no Xintonismo é recomeçar a vida, dar sequência ao sentido da vida, sem as impurezas.

4 O QUE É TEXTO SAGRADO NO XINTOÍSMO?

Quando uma narrativa é histórica, preservada e referencial para um


determinado povo ou tradição, tem um valor inestimável. Ainda, é insubstituída,
mesmo com os avanços na pesquisa histórica e arqueológica. Quando uma
narrativa, mesmo com suas lendas, mitos, alegorias e mistérios, ela ganha uma
dimensão sagrada devido a sua historicidade e vínculo com os costumes. Assim,
podemos afirmar, no Xintoísmo há textos insubstituíveis, uma literatura que irá
se perpetuar na história porque é fruto de uma construção cultural.

• Kojiki: é um livro datado do ano 712, o qual apresenta a narrativa mítica da


tradição oral do Xintoísmo, da origem da experiência religiosa até o ano 628.
• Nihongi: datado do ano 720, continua a narrativa da tradição oral.
• Kogoshui: datado do ano 807, o livro narra os rituais do xintoísmo.
• Sendai Kuy Hongi: datado do final do século IX, narra de forma mítica a
história do Japão até o século VII.

101
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

• Engi-Shiki: datado do ano 967, cujo conteúdo é uma coletânea de rituais


oferecidos aos Kami.

5 QUEM É DEUS NO XINTOÍSMO?

Qualquer historiador afirmaria que o Xintoísmo tem uma infinidade de


deuses e que não há uma teologia ou moral definida. Mas Teologia não é história
ou arqueologia. A Teologia nem sempre usa a razão. A razão pode mais atrapa-
lhar do que ajudar no entendimento sobre Deus e/ou Mistério, por isso em Teolo-
gia é aconselhável fazer auditus fidei para realizar o intelectus fidei.

Partindo do Kojiki, a principal fonte do Xintoísmo, portador de um gênero


literário próprio, que faz uso de uma rica mitologia, podemos se aproximar do
mistério, da fé, da moral e buscar Deus e/ou relatar a teologia xintoísta.

O Kojiki expressa a sabedoria dos antepassados com suas alegorias, poe-


sias, cantos e relatos sobre os heróis. No início faz menção ao Takama no Hara, o
mais alto céu, isto é, ao Absoluto.

No Takama no Hara, segundo Chamberlain (2013), há um Mestre Divino do


Centro Celestial, que permanece ao lado do Kami Alto Divino Maravilhoso e que
está ao lado do Kami Divino que produz. Seria uma reprodução da Trindade Hin-
du (Brahma-Shiva-Vhisnu), ou algo próximo da Trindade Cristã (Pai-Filho-Espírito
Santo)? São realidades não criadas. Seria o Motor Imóvel de Aristóteles? Fica difícil
afirmar, mas deixando a razão de lado, podemos silenciar, ajoelhar e contemplar.

Além da suposta Trindade Xintoísta, o Kojiki relata uma infinidade de Kami


(É uma expressão que não tem singular e plural. De forma racional seria como co-
locar as águas do oceano Índico e as águas do Atlântico uma ao lado da outra no
mesmo espaço. Seriam duas águas?). Kami são criaturas sobrenaturais que na lin-
guagem judeu-cristã-islã, pode ser comparada com os anjos. Anjo não tem forma,
cheiro, substância etc. Segundo Littleton (2010), no Xintoísmo há uma infinidade de
Kami. A maioria são imagens míticas extraídas do Budismo e Taoísmo.

A seguir, o Kojiki relata a comunhão amorosa de Kami, o feminino e o


masculino. Izanami e Izanagi gestam a vida na Terra, cercada pelo primeiro oce-
ano. Com uma espada mexem as águas do oceano fazendo ondas ou espumas...
ao puxar de volta a espada uma gota saiu dando origem a Onogoro, a primeira
ilha do Japão. Ainda, a partir da relação sexual dos Kami nasceram aberrações e/
ou o ser humano. Na segunda relação, Izanami morre no parto, mas deu à luz a
Kayutsuchi, o Kami de fogo.

Triste e revoltado, Izanagi vai buscar seu amor no “Mundo dos Mortos”,
mas sem sucesso. No retorno ao “Mundo dos Vivos” lava seu rosto em um rio
para tirar as impurezas que trouxera do Mundo dos Mortos... da impureza do
olho esquerdo nasceu Amaterasu Omikami, a “Kami Sol”. Das impurezas do

102
TÓPICO 3 — TEOLOGIA NO XINTOÍSMO: A BUSCA POR DEUS NO XINTOÍSMO

olho direito nasceu Tsikiyomi, a “Kami Lua”. E das impurezas do nariz nasceu
Suzanoo, “Kami das Tempestades”. Ainda, de Amaterasu nasceu Jummo Tenno,
O primeiro imperador do Japão.

As narrativas do Kojiki reproduziram uma Consmogonia e ao mesmo


tempo uma genealogia, justificando a divinização da figura do imperador. É ní-
tida a estrutura hierárquica que liga o transcendente ao imanente, as realidades
“Mundo Celestial, Mundo dos Mortos e Mundo dos Vivos”, puro e impuro, finito
e infinito e outros dualismos.

5.1 KAMI

Há publicações que traduzem Kami por deuses ou entidades divinas,


mas o próprio Kojiki expressa que há uma hierarquia que parte de uma realidade
absoluta, a suposta Trindade Xinto.

Para uma melhor compreensão do termo Kami, vamos analisar a expres-


são Kamikaze, algo mais familiar no Ocidente. Kami = Divino + Kaze = Vento.
Kamikaze é a expressão usada para definir o tufão que impediu a conquista do
Japão pelo império Mongol no século XIII. Ainda, a expressão foi atribuída aos
pilotos japoneses, por amor e honra ao Japão, pilotavam aviões carregados de
bombas e realizavam ataques suicidas contra navios e bases militares dos países
aliados na Segunda Guerra Mundial.

Muito oportuna a palavra Kami separada de Kaze, isto é, Kami não tem
forma, é algo que sai de uma realidade ainda maior. É fonte divina que gera vida,
podendo ser perfeita, pura, forte, positiva ou impura e negativa. Ainda, pode ge-
rar criaturas ou aberrações, seres perfeitos e outros imperfeitos. Numa linguagem
cristã, é um “Espírito que sopra onde quer” ou energia que revigora o ser humano.

Kami aclama-se em altares nas montanhas, florestas e casas. Logo, estão


nestes ambientes e também nos sábios, mares, rios, florestas, nas pequenas e
grandes criaturas, nos alimentos, em cada ser e no imperador. Um Kami bom
gera o positivo, um Kami mau gera o negativo.

5.2 EXEMPLOS DE KAMI

Quantos Kami podem ser identificados no Xintoísmo? Quantos santos


há no catolicismo? Quantos anjos há no islamismo? Quantos orixás há no
Candomblé? É uma pergunta que poucos conseguiriam responder. Há Kami que
ainda não foram revelados ou não nascidos, mas fazem parte do Panteão Xinto.
Vejamos alguns.

103
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

• Maakyury: é o Kami da Sabedoria.


• Kami Inari: usa corpo de raposa para levar fertilidade, prosperidade e amor
aos agricultores e na vida de cada pessoa.
• Kami Rijin: é o Kami dos trovões, tempestades.
• Kami Fujin: é o Kami dos ventos.
• Kami Hachiman: é o Kami dos guerreiros, é o protetor.
• Sakuya Hime: é a Kami do Monte Fuji que expressa poder e eternidade.
• Kami Jizo: vive nas margens do Rio Sanzu. O outro lado do Rio Sanzu é o
lugar onde as pessoas que fizeram o bem partem após a morte. Mas as crian-
ças não conseguiram evoluir o suficiente para realizar a travessia. É o Kami
Jizo que coloca as crianças debaixo de seu manto e ajuda a cada uma delas a
cruzar o rio. Kami Jizo também vem em auxílio das crianças na hora do parto.

5.3 PARALELO ENTRE KAMI E ANJOS

Nas teologias judeu-cristã-islã, a Revelação dos anjos é fato. Diz-nos,


porém, que são criaturas, a exemplo dos Kami. A ­revela­ção diz também que
são seres pessoais que pertencem ao mundo invisível. São, portanto, espirituais
porque os anjos são puros espíritos compostos somente de essência e existência,
mas não de matéria e forma. Segundo a teologia, os anjos são ­incorpo­rais, mas
compostos de forma e de “matéria espiritual”. Todos, porém, reconhecem que
são superiores ao ser humano. Ainda, cada anjo e cada kami, realiza plenamente
as características de sua espécie. E mais, devemos dizer que eles são seres duma
plena maturidade, duma intensa vida interior e totalmente senhores de si.

5.4 A IDEIA DE TRINDADE NO XINTOÍSMO

Antes é bom frisar que não há qualquer afirmação dos autores citados nas
referências bibliográficas que reportam para a possibilidade de uma teologia tri-
nitária no Xintoísmo. Ainda, ao elaborar uma história da teologia faz-se necessá-
rio os métodos propostos na introdução e a Hermenêutica. Assim, deve-se aplicar
o auditus fidei para depois realizar o intelectus fidei. Daí chegamos à conclusão de
que há a possibilidade de afirmar uma Trindade Xintoísta.

É sabido que a Trindade Hindu, a Trindade Cristã e a Trindade Xintoísta


revelam o que não devemos entender de Deus Uno como uma unidade fria e rí-
gida, mas como a plenitude da vida e de comunhão. O protótipo mais sublime da
unidade é a unidade que desabrocha na comunhão. A “pluriunidade” que flores-
ce na comunhão, é mais radical, mais verdadeira do que a unidade do “átomo”.

Embora o mistério transcendental seja o simplesmente Uno, uma única subs-


tância existe nele, ao mesmo tempo, também um diálogo interno, uma troca interna
de amor entre os três da Trindade, seja no Cristianismo, Hinduísmo e no Xintoísmo.
Sem este diálogo absolutamente não existiriam três criaturas e tudo nele seria rígida

104
TÓPICO 3 — TEOLOGIA NO XINTOÍSMO: A BUSCA POR DEUS NO XINTOÍSMO

unidade. Os personagens do Takama no Hara devem todo o seu ser ao relacionamen-


to recíproco de um com o outro e nada diferente nas teologias cristã e hindu.

Desse mistério transcendental se irradia também uma luz interpretativa


do ser humano. O que somos como humanos, não o podemos ser por nós mes-
mos. O transcendente realiza em nós aquilo que perfaz o nosso ser, ele nos coloca
numa nova relação consigo mesmo. Quando entramos em comunhão com a re-
alidade transcendental, o Kami, a energia ou o espírito se faz presente em nós e
assim podemos chamar o transcendente de Deus Conosco.

6 ORIGEM DA VIDA NO XINTOÍSMO

Nas teologias orientais podemos dizer algo semelhante que vigora nas te-
ologias judias-cristã-islã, a relação entre a geração do humano e a criação divina e/
ou fonte de um mistério. Sobre isso, deve buscar-se na categoria da “causalidade
instrumental”, isto é, trata-se de uma ação pela qual uma causa produz um efeito
que supera a sua capacidade, enquanto a sua ação é movida, elevada e guiada por
uma causa superior, seja qual for o nome atribuído ao absoluto ou causa superior.

A causa superior não se limita a dar o toque inicial a um outro ser a fim de que
ele produza o seu efeito, mas opera junto com a causa inferior, de maneira que o resul-
tado da ação seja inteiramente efeito da causa principal e inteiramente efeito da causa
instrumental, agindo assim cada uma na sua ordem própria e formando uma unidade.

Assim, cada nova pessoa humana é fruto da ação imediata do transcen-


dente. A ação transcendental se distingue no Xintoísmo tanto da criação do nada
como do ­concur­so ordinário. Pode-se falar, então, de “concurso criativo”. O abso-
luto não age ­externa­mente, de fora ou paralelamente, mas opera através da ação
de Kami como origem transcendente, enquanto eleva esta ação internamente, ca-
pacitando-a para a realização daquilo que por si mesma não poderia realizar.

7 A QUESTÃO DO TEMPO NO XINTOÍSMO

Como fica a questão do tempo no Xintoísmo? O tempo só existe para as coisas


“temporais”, isto é, as coisas que se transformam; ele é coextensivo à realidade cria-
da. Por isso não existe tempo no Xintoísmo, pois no Takara no Hara nada se altera.

O mundo, em cada um de seus ­instan­tes, depende da Trindade Xintoísta,


como se fosse o primeiro. O mundo não cessa de ser criado. Ser criado consiste em
receber-se totalmente, a cada instante, das mãos de um criador. A criação do ser que
dura é chamada conservação, mas no Xintoísmo, criação e conservação são uma e mes-
ma realidade, pois, a criação é algo de sempre atual, permanente. Daqui a doutrina do
Kami. Através de Kami se conserva, governa, orienta a existência para sua finalidade.
Crer na criação Xinto é, portanto, professar um otimismo diante dum mundo que não
é absurdo, porque pensado e conduzido por um amor inefável na e com a natureza.
105
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

8 XINTOÍSMO CONTEMPORÂNEO

No Xintoísmo a comunhão profunda do humano com a natureza se funde com


um sentimento carregado de respeito e amorosidade. É parte da identidade xintoísta
preservar e cuidar de parques e jardins. O mesmo gesto silencioso é prática perante os
animais, flores, frutos e a água de um rio ou de uma pequena cascata artificial em um
apartamento na cidade, porque na beleza natural venera-se a energia de Kami.

As regras xintoístas não provêm de um Deus legislador e/ou de uma auto-


ridade religiosa fora de contexto, mas cada ser humano é desafiado a encontrá-las
na própria natureza, no encontro com o desconhecido ou mistério.

No Xintoísmo não há expressado o conceito de “pecado”, mas qualquer


ato contra a natureza é um ato vergonhoso e/ou anti-humano. Ainda, na cidade,
por menor que seja, em cada lar há uma conexão com o natural através do cuida-
do com a alimentação e a higiene. Disso resulta uma ética voltada para a susten-
tabilidade e paixão pelo próprio ser humano, tão urgente neste mundo carente de
práticas que ressaltam a vida enquanto valor. Ser xintoísta é ser autoconsciente e/
ou praticar o “dever ser”. Assim, tudo o que propicia morte deve ser evitado para
abrir espaço para Kami, a energia que gera e revigora a vida.

106
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A evolução histórica da teologia xintoísta, especifica a relação transcendência


e imanência, cujo ponto de partida é o alto Plano Celestial.

• A experiência com Deus é possível através dos Kami, criaturas sobrenaturais,


podendo ser força, fraqueza, sabedoria, ignorância e tudo o que é contempla-
do pela Natureza.

• No texto há a tese que afirmar a Trindade Xintoísta, a qual não tem a preten-
são de esgotar o Mistério existente na realidade transcendental.

• A ação transcendental se distingue no Xintoísmo tanto da criação do nada


como do ­concur­so ordinário. Pode-se falar, então, de “concurso criativo”, fora
da compreensão de tempo e eternidade.

• Enquanto experiência religiosa com forte vínculo com a natureza, o Xintoís-


mo pode propiciar práticas religiosas de caráter ecológico, um mundo mais
sustentável.

107
AUTOATIVIDADE

1 De acordo com os estudos realizados, analise as afirmações e assinale a


assertiva correta:

I- Na realidade denominada de Takama no Hara no Xintoísmo há um “Mes-


tre Divino do Centro Celestial, que permanece ao lado do “Kami Alto
Divino Maravilhoso” e que está ao lado do “Kami Divino que Produz”.
Estas são realidades não criadas.
II- Deus Trindade é uma expressão do Cristianismo e não há qualquer fun-
damento no Kojiki xintoísta.
III- Na realidade denominada de Takama no Hara no Xintoísmo há um “Mes-
tre Divino do Centro Celestial, que permanece ao lado do “Kami Alto
Divino Maravilhoso” e que está ao lado do “Kami Divino que Produz”.
Estas são realidades criadas

a) ( ) Estão corretas as afirmativas I e II.


b) ( ) Somente a afirmativa I é correta.
c) ( ) Nenhuma das afirmativas está correta.
d) ( ) As afirmativas II e III são corretas.

2 Segundo o Kojiki, livro sagrado para o Xintoísmo, a vida na terra foi possível
pela ação de dois Kami. Considerando os estudos realizados, assinale a
alternativa que aponta para a narrativa sobre origem da vida na terra.

a) ( ) Kami Sakuya Hime, Kami do Monte Fuji, que expressa poder e eternidade
b) ( ) Kami Jizo, o Kami Criador.
c) ( ) Kami Hime e Jizo, autores da realidade terrena.
d) ( ) Izanami e Izanagi gestaram a vida na Terra.

3 Conforme os estudos realizados, as regras xintoístas não provêm de um


Deus legislador e/ou de uma autoridade religiosa fora de contexto. Quanto
à origem das regras xintoístas é verdadeiro afirmar:

a) ( ) O xintoísta em si a crença nos Kami, fonte de regras.


b) ( ) O livro sagrado denominado de Sutra emana as regras.
c) ( ) As regras têm origem na tradição oral.
d) ( ) Cada ser humano é desafiado a encontrar as regras na própria natureza,
no encontro com o desconhecido ou mistério.

108
TÓPICO 4 —
UNIDADE 2

TEOLOGIA NO TAOÍSMO: A
BUSCA POR DEUS NO TAOÍSMO

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico serão apresentados os elementos fundamentais da produção te-


ológica do Taoísmo, destacando sua origem e desenvolvimento via busca pelo Tao,
a força cósmica que gestou o universo e tudo o que podemos perceber na existência.

Neste tópico optamos pela expressão Tao, porém a tradução do chinês


para a língua portuguesa, de forma literal, segundo Robinet (1997), sugere a ex-
pressão DAO. Assim, esta tradição religiosa pode ser denominada de Taoísmo ou
Daoísmo, ou seja, é a fonte que jamais se esgota, para a qual todos devem expres-
sar admiração e permitir ser envolvido pelo mistério.

No Taoísmo, a grande mãe é a natureza, é dela que vem a vida e a energia


que revigora todas as criaturas, restando ao ser humano atitudes de reverência, con-
templação e respeito, permitindo que realize o seu ciclo. Vivendo em equilíbrio e
comunhão com a natureza, o ser humano pode esperar vida longa, paz e felicidade.

Da mesma forma como Espírito, Kami, Anjo, Trindade e outros termos


teológicos, perante o TAO, a linguagem apresenta limitações para definir ou con-
ceituar. Explicar e definir via razão ou empiria, é a grande tentação humana.

É bom frisar, que qualquer relato de “visão” de Anjo, Santo, Nossa Senho-
ra, Kami ou Demônio, nada mais é do que enfermidade ou tentativa de alienar
ou fomentar um doentio proselitismo, ou ainda, meio de edificar impérios. Logo,
em teologia, o racionalismo e o empirismo podem mais atrapalhar do que servir.
Ainda, a expressão “visão” não pode ser confundida com “experiência mística”,
por exemplo: “Moisés no Monte Tabor”, o “Profeta Elias perante a brisa suave”,
“Os grandes sábios desconhecidos do Hinduísmo perante a Trindade Hindu”, o
“Profeta Maomé perante o Anjo Gabriel, “Buda debaixo da árvore bodhi”, “Maria
perante o Anjo Gabriel”, Lao Tse perante o Tao” etc.

No Taoísmo são muitas as expressões utilizadas para traduzir as diversas expe-


riências com o Tao. Assim, focaremos a construção teológica não enquanto “revelação”,
mas faremos um distanciamento da ideia de “Teologia em Si” para uma “Teologia em
Nós”. Como já foi mencionado, na primeira, o teólogo atinge o objeto da Teologia, de-
fine e interpreta. Na segunda, o teólogo expressa o que alcançou, relata sua experiência
com o mistério, pensa o que o intelecto captou e realiza os procedimentos hermenêuti-
cos, isto é, faz o auditus fidei para prosseguir seu trabalho de intelectus fidei.

109
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

Logo, falaremos da busca por Deus, dos diversos conceitos do Tao, suas
práticas e fontes, que devido à historicidade, importância e paradigma para o
Taoísmo, apresentaremos o Texto Sagrado o Tao Te Ching. E partir deste faremos
a narrativa em torno da ideia de Deus Trindade e a importância das demais cria-
turas divinas cultuadas nesta tradição.

2 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A TEOLOGIA DO


TAOÍSMO

Na China, entre os séculos XVIII e XI a.C., reinou a dinastia Shang, na


qual foram encontrados, segundo Miller (2008), praticas religiosas que se iden-
tificam com as do Taoísmo. Ainda, havia uma classe sacerdotal que zelava pelos
sacrifícios em honra de heróis e divindades. Robinet (1997) confirma o culto aos
ancestrais no reino do Norte e o Xamanismo enquanto religião do reino do Sul e
a existência da Escola filosófica-teológica denominada de Yang e Yin, aproxima-
damente no ano 300 a.C.

No entanto, o Taoísmo institucionalizado somente pode ser fundamenta-


do na dinastia Han (25-220 d.C.). Segundo Miller (2008), a fundação do Taoísmo
ocorreu no ano 142 d.C. No contexto surgiram duas escolas com cunho político-
-religioso: o “Tao Para a Paz” e o “Tao da Ortodoxia Unitária”. Segundo Robinet
(1997), a primeira se rebelou contra o império Han, mas sem êxito. A segunda
criou um Estado Taoísta em Suchuan, mas antes de ser combatida cedeu ao poder
do império, preservou as práticas religiosas e chegou a ser a religião oficial.

No sul da China, durante o século IV, sob inspiração do “Tao da Ortodoxia


Unitária”, surgiram outras duas escolas: o “Tao da Suprema Caridade” e o “Tao do
Tesouro Numinoso”. A primeira ressaltava a importância da meditação, profilaxia e
definições de divindades internas no ser humano enquanto meio para a imortalidade.
A segunda incorporou práticas budistas no Taoísmo como a reencarnação e o karma.

Já no século V, entrou em evidência o estilo de vida monástica e sacerdotal.


E na dinastia Tang (618-907), o Taoísmo foi considerado religião oficial da China.
Segundo Robinet (1997), mosteiros e templos foram edificados pelo próprio império.

No final da dinastia Tang, o Confucionismo e o Budismo foram popu-


larizados, influenciando também o Taoísmo, dando origem a mais uma escola,
sendo denominada de “Tao da Completa perfeição”, que buscou novos seguido-
res e abriu o Taoísmo para uma grande participação ativa das mulheres. Novos
templos e monastérios foram edificados e devido à popularidade do Taoísmo, os
governos propiciaram grande incentivo até o final do século XIX.

Todavia, com a revolução chinesa de 1911, o Taoísmo sofreu intensa per-


seguição por um breve período. E com a instalação da República Popular da Chi-
na em 1949, o governo reprimiu práticas religiosas, incluindo o Taoísmo, sendo
necessário um êxodo Taoísta nos demais continentes.
110
TÓPICO 4 — TEOLOGIA NO TAOÍSMO: A BUSCA POR DEUS NO TAOÍSMO

Devido à prática da profilaxia, alquimia e a busca pela imortalidade, o


Taoísmo influenciou em demasia a medicina chinesa, propiciando pesquisas para
a farmacologia e a fitoterapia.

3 O QUE É TEXTO SAGRADO NO TAOÍSMO?

O texto mais sagrado no Taoísmo é o Livro do Tao e/ou Tao Te Ching


ou “Caminho da Virtude”. Segundo a tradição, foi Lao Tse o autor do livro,
mas segundo Cherng (2008), o livro é resultado de trabalhos de autores que
antecederam Lao Tse há cinco séculos, aproximadamente, mas uma coisa é certa,
com a instituição do Taoísmo no século II, Lao Tse e seu livro passaram a ser
sagrados aos seguidores desta tradição.

3.1 SOBRE LAO TSE

Segundo a tradição taoísta, Lao (Velho) Tsé (Sábio) teria vivido no século
VI a.C. e teria sido bibliotecário na coorte imperial chinesa. Insatisfeito com o
regime imperial buscou refúgio na floresta, passando a viver como místico e
totalmente despojado. No final da vida, antes de migrar para o Tibete, deixou na
China um livro com o título Tao Te Ching, o Livro do Caminho e da Virtude.

Pode ser que Lao Tse seja apenas um personagem mítico do Taoísmo, mas
a tradição aponta que ele foi discípulo de Kung Fu Tse (O Filósofo Confúcio), que
viveu entre 551 e 479 a.C., um dos principais sábios da China.

3.2 ESTRUTURA DO DAOZANG E/OU CÂNON TAOÍSTA

Segundo Robinet (1997), na dinastia Ming (1368-1644), por ordem do im-


perador Chengzu (1402-1424), copistas juntaram manuscritos e textos que trata-
vam da religião oficial do império. Ainda, nesta dinastia, o sábio Zhang Yuchu
recebeu ordens para reeditar uma completa coletânea da Sabedoria Taoísta. E
fazendo uso dos escritos taoístas da biblioteca de Jiangxi, incluso o Tao Te Ching,
o sábio iniciou os trabalhos.

O denominado Cânon do Taoísmo foi publicado pela primeira vez em


1447 no governo de Yingzong (1436-1449) com o título Escritos Taoístas da Grande
Ming. Este cânon preservou um importante legado da cultura literária taoísta.
Este cânon e/ou DAOZANG é dividido em duas partes:

PARTE I: AS TRÊS CAVERNAS

São os graus superior, mediano e inferior do rito de iniciação para a classe


sacerdotal no Taoísmo.  Cada “caverna” tem obras dividas nas seguintes catego-
111
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

rias: textos, talismãs, comentários, diagramas e ilustrações, histórias e genealogias,


preceitos, cerimônias, magias, artes, biografias, hinos e memoriais. Eis as cavernas:

I. O Zhen, a Caverna da Verdade: são 12 tratados revelados pelo Senhor do Te-


souro Celeste, é o caminho do grande veículo.
II. O Xuan, a Caverna do Mistério: são 12 tratados revelados pelo Senhor do Te-
souro Espiritual, é o caminho do veículo médio.
III. O Shuan, a Caverna Sagrada: são 12 tratados revelados pelo Senhor do Tesou-
ro Divino, é o caminho do pequeno veículo.

PARTE II: OS QUATRO COMPLEMENTOS

I. Sublime mistério, formado pelo texto Tao Te Ching de Lao Tse e todos os tra-
tados abaixo dele. É usado para complementar a Caverna da Verdade.
II. Sublime paz, formado pelo Tratado da sublime paz: usado para complemen-
tar a Caverna do Mistério.
III. Sublime transparência, formado por todos os tratados do elixir de ouro, usa-
do para complementar a Caverna Sagrada.
IV. Ortodoxa unitária é uma coletânea de textos que contextualizam as três ca-
vernas e os três primeiros complementos.

3.3 OUTROS TEXTOS DO TAOÍSMO

Segundo Robinet (1997), atualmente são mais de 1500 textos que compõem
a literatura do Taoísmo, sendo que muitos não fazem parte do Cânon desta tradição.

3.3.1 Taishang Gareying Plan

É um tratado que expressa as respostas e a retribuição. É ainda um sistema


normativo que retrata o permitido e o proibido, ou seja, expõe a moral taoísta e
aplica as consequências ao infrator. Elenca ainda uma teologia da prosperidade,
com a retribuição aos que preservarem na harmonia com o Tao, incluso a eternidade.

3.3.2 Tapijing

É o livro que pode ser definido por Livro da Grande Paz. É um clássico da
espiritualidade taoísta.

112
TÓPICO 4 — TEOLOGIA NO TAOÍSMO: A BUSCA POR DEUS NO TAOÍSMO

3.3.3 Baopuzi

Robinet (1997) define por Livro do Sábio, conceituando a sabedoria taoísta


enquanto simplicidade e despojamento da materialidade. Trata ainda das receitas
para uma boa alquimia, muito próximas do conceito atual de fitoterapia, cuja
finalidade é a eternidade.

3.3.4 Huainanzi

Robinet (1997) confirma que trata de uma coletânea de textos muito


próximos de um Manual de Filosofia, no qual os autores fizeram um entrelaçamento
do Taoísmo primitivo com o Confucionismo e o Direito do império da dinastia
Ming, incluindo a teoria do Yang e Yin.

3.3.5 Zhuangzi

É um livro que tem por título o nome de seu autor. Robinet (1997) diz que
ele teria vivido durante o século IV a.C. Podemos defini-lo como o “Francisco de
Assis” do Taoísmo. No livro, ele expressa que o caminho da iluminação é o desapego
material. Zhuangzi sempre evitou riquezas, fama e cargo político junto ao governo,
mesmo sendo convidado para ocupar o cargo de primeiro ministro no império.

O livro trata de dois temas cruciais do Tao Te Ching. A questão do materia-


lismo consequente da civilização chinesa e o caminho para o progresso espiritual,
ou seja, a busca pelo equilíbrio e harmonia com a ordem natural.

4 QUEM É DEUS NO TAOÍSMO?

Segundo o Tao Te Ching, no Taoísmo, a natureza é um grande mistério


vivo, é tudo com todos. O Tao é o princípio ou caminho a ser seguido para que
jamais sejam abalados o equilíbrio e a harmonia com a própria natureza, que tem
duas forças primordiais, o Yin e o Yang, um dualismo nada maniqueísta.

No Capítulo 25 do Tao Te Ching, o autor do livro, Tao Tse, nomeia o Tao: “Uma
coisa existe formando o caos [...] antes de nascerem o céu e a terra... eu não sei o seu
nome, dou-lhe a grafia DAO (Tao)... forçado a nomeá-lo digo: Supremo Um”.

O Tao é mistério, é um princípio, está em tudo e em todos. Para ganhar


forma, materializou-se através de Avatares, podendo ser em corpo humano ou
qualquer espécie. Ele vai onde quer, sopra onde quer, gera vida e “renova a face
da Terra”. É uma imagem muito próxima ao “Espírito Santo” da tradição cristã.

113
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

Ainda, no Taoísmo há uma criatura divina para cada dia do ano, para
cada espaço celestial e terrestre e para cada criatura há protetores e guerreiros.
Ainda, todas as criaturas divinas são lideradas pelo Imperador Jade. É Deus com
Deus e em Deus porque está interligado com a Trindade Taoísta.

No entanto, ao tratar de Deus, tratamos do mistério. Logo, ao fazer teolo-


gia, realizamos a “Teologia em Nós”, isto é, perante o que alcançamos com nossas
limitações intelectuais, expressamos nosso conceito.

Assim, via auditus fidei contemplamos o Panteão Taoísta ou “Reino dos


Céus” ou “Reino de Deus”, considerando que há o “Imperador Jade” que gover-
na todas as criaturas divinas, que na maioria são heróis do passado (algo muito
próximo do conceito de mártires e santos do Catolicismo ou profetas do Islamis-
mo), ou criaturas sagradas emprestadas do Budismo. Segundo Robinet (1997), as
criaturas divinas constituem a emanação do Tao.

Todavia, interligado com o “Imperador de Jade” está o Mistério e/ou a


gênese do Tao, os “Três Puros” ou Sanqing ou a Trindade do Taoísmo: o Taiqing
ou Supremo Puro, o Yuqing ou Puro Jade e o Shangqing ou Altíssimo Puro
(ROBINET, 1997). Esta seria a Trindade Taoísta?

O que é fato no Panteão Taoísta ou Reino dos Céus é a comunhão entre o céu
e a Terra ou o Transcendente com o Imanente ou, segundo Robinet (1997), é o micro-
cosmo no macrocosmo ou a unidade da interioridade com a exterioridade humana.

Ainda, segundo o Tao Te Ching, dos Três Puros e/ou Trindade saiu o “so-
pro primordial”, que se repartiu em Yang e Yin. O primeiro por ser puro e leve
moveu-se para o alto, gerando o céu. O segundo, por ser denso e pesado, moveu-
-se para baixo, gerando a Terra, mas preservam a conexão original. Assim, em
cada ser Yang e Yin estão presentes.

5 YANG E YIN

Seja na vida social ou religiosa, o Yang e o Yin estão presentes. São duas
forças antagônicas, mas juntas constituem a unidade. O Yang é o transcendente, o
sagrado, o masculino, a luz, a racionalidade, o bem, o externo etc. O Yin é a ima-
nência, o profano, o feminino, a escuridão, a interioridade, o afeto, a intuição, o mal,
a passividade etc. Isso nada tem de maniqueísmo. Cada ser, homem ou mulher
comporta o Yang e o Yin. Um complementa o outro para o acontecer da existência.

Segundo Granet (1997), o documento mais antigo que trata do Yang e o


Yin é um Tratado anexo ao Livro “I Ching”, de autoria de Confúcio, porém, antes
da instituição do Taoísmo, havia uma Escola filosófica chinesa, aproximadamente
do ano 300 a.C., que fazia menção ao “Yang e Yin”.

114
TÓPICO 4 — TEOLOGIA NO TAOÍSMO: A BUSCA POR DEUS NO TAOÍSMO

Segundo Capra (1982), todos os seres humanos passam pelas fases do


Yang e Yin porque a personalidade de cada um não é estática, há um dinamismo
resultante do encontro entre masculino e feminino. Assim, quando Yang atinge
seu ápice se volta para o Yin e este quando atinge seu ápice se volta para o Yang.

No Taoísmo, todas as ações do Tao são refletidas pelo dinamismo de am-


bos os polos. Nada é Yang e nada é Yin em todo momento. Para Hirsch (1995),
Yang e Yin refletem as transformações contínuas do próprio universo e nos leva à
compreensão da realidade sempre relativa, carregada de inovações e/ou fenôme-
nos. Assim, Yang e Yin são forças que garantes o ritmo e evolução do Universo e
do próprio ser humano.

Ainda, para Capra (1982), a ideia mecanicista de mundo, herdada de


Descartes e Newton deve ser substituída por uma visão de mundo interligada,
na qual os fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais são interde-
pendentes. Aos sábios chineses, os fenômenos que analisamos participam de um
processo cósmico e dinâmico. Assim, todas as transformações ocorrem gradual-
mente numa progressão ininterrupta.

Destarte, é neste movimento cíclico do Yang e Yin que deve ocorrer o equi-
líbrio dinâmico que propicia o positivo, isto é, a bondade, compaixão, ética, prá-
ticas sustentáveis, fraternidade e paz; porém, com o desequilíbrio, as catástrofes
pessoais, sociais e globais, são inevitáveis. Disso resulta um Taoísmo sempre atu-
al, podendo ser uma grande contribuição para a vida e o resgate dela na história.

6 TAO ENQUANTO APROXIMAÇÃO DO MISTÉRIO E


POSSIBILIDADE DE COMUNHÃO ENTRE AS DIFERENTES
TRADIÇÕES

No Taoísmo percebe-se que o ser humano busca o conhecimento do que


transcende a realidade, buscando contato consigo mesmo e o cosmo com suas
forças ou energias que apontam para lugares especiais que entrelaçam os aconte-
cimentos da vida humana. Onde o ser humano fazia a experiência do divino, seja
na natureza e na vida cotidiana se depararam com a grandeza do mistério, que
recebeu conceitos humanos, mesmo com as limitações da linguagem e da razão.

Ainda, as múltiplas experiências com a natureza e limitações do próprio


humano no tempo levaram a uma multiplicidade de imagens que aproximam o
humano do divino. Com certa razão se poderia dizer que uma divindade não fora
um ser subsistente em si, mas a denominação de uma possibilidade concreta, en-
tre muitas, de se encontrar com a incompreensível e/ou a transcendência de Deus.

No entanto, se esta é a natureza de Deus, compreende-se imediatamente


porque a realidade transcendental do Taoísmo é múltipla, isto é, podem se dividir
e novamente reunir, porque principalmente um Deus único entre os muitos, nos

115
UNIDADE 2 - A TEOLOGIA NO HINDUÍSMO, BUDISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO: CONCEITOS, HISTÓRIA
E A IDENTIFICAÇÃO DOS PONTOS COMUNS

quais se crê, pode em seguida, quando venerado, reunir em si todos os elementos


divinos.

Isso se deu também com Ihwh no Judaísmo, com a Trindade no Cristia-


nismo e Alla no Islamismo. Porém, ao mesmo tempo, aconteceu também algo
diferente em relação ao Taoísmo, seja com Ihwh, a Trindade e com Alla, não
ocorreu a desagregação em diversos deuses, subsistindo em harmonia ao lado de
outros, isso foi entendido enquanto artifício político e religioso. A multiplicação
de deuses no contexto histórico destas tradições religiosas facilitaria o apogeu
político e econômico de nações inimigas ou os procedimentos hermenêuticos fo-
ram limitados. Por isso, houve um grande esforço teológico para definir Deus
enquanto ser Único.

Assim, as três teologias deram mais do que significados para o conhe-


cimento de Deus, apontaram caminhos para encontrar Deus. E perante árdua
tarefa, apontaram para lugares onde Deus não poderia estar jamais, ou seja, nas
instâncias do poder. Ainda, apontaram para lugares que coincidem com o Hindu-
ísmo, Budismo, Xintoísmo e Taoísmo, isto é, no “Silêncio”, na água, na montanha,
na natureza e no próprio humano, confirmando que é na própria existência que o
teólogo define ou apresenta conceitos sobre a essência.

Assim, o Taoísmo, perfila a revelação judeu-cristã-islã, tem um dado abso-


lutamente positivo, apresenta que “Deus é espírito e verdade”.

Ainda, conhecendo mais das tradições religiosas do Oriente, podemos afirmar


que a teologia deu um caráter privado às tradições religiosas ocidentais, reduziu a prá-
tica da fé à decisão do indivíduo, sem relação com o cosmo, a natureza e o mundo,
colocando em primeira linha as categorias do íntimo, do privado e do não político.

Tem sido frequente a privatização da mensagem religiosa ocidental. As


diferentes teologias, sejam elas ocidentais ou orientais são muito mais que pro-
messas relacionadas com o ser humano. A primeira tarefa da Teologia é a ação
política, isto é, operar uma desprivatização das bases da teologia, tarefa tão im-
portante como o programa de desmitologização do sagrado.

Atualmente, cabe à teologia determinar novamente as relações entre a re-


ligião, sociedade e natureza. A teologia deve acentuar que em qualquer discurso
religioso está permanentemente relacionado com o mundo, não num sentido cos-
mológico natural, mas num sentido político social e sustentável ou como elemen-
to crítico libertador deste atual contexto e de seu processo histórico.

As grandes promessas escatológicas das diferentes tradições religiosas


não podem ser privatizadas, mas devem estar abertas a uma nova responsabili-
dade social e ecológica, porque essas promessas não se identificam com nenhum
determinado sistema social, elas são para teístas e não teístas um constante im-
perativo crítico libertador frente a qualquer modelo de sociedade que fere diaria-
mente o planeta, nosso paraíso ferido.

116
Um adepto de qualquer tradição religiosa, individualmente, é incapaz de
fazer valer tais promessas. Por isso e para isso temos a coletividade humana e as
instituições religiosas, que podem possibilitar uma eficiente consciência crítica. A
religião não surge a par ou acima da realidade, mas dentro dela enquanto insti-
tuição da liberdade crítico-social-política-ecológica da fé.

Exercendo sua função crítico-libertadora, as instituições religiosas, pe-


rante a sociedade contemporânea, propiciarão a consciência crítica e a energia
necessária para revitalizar o mundo enfermo e ordem estabelecida. Aí estão as
premissas e as bases para o, assim chamado, “senso crítico” e para a, assim cha-
mada, “Teologia em Nós”.

Atualmente, as religiões se dividem entre as de “epifanias” e as de “pro-


messas”. Nas religiões de epifania dá se ênfase a doutrina e ao culto. Numa reli-
gião de promessa urge dar importância à prática. Eis o desafio: aceitar o mundo
já pronto e acabado, também no âmbito da fé ou encarar o mundo como tarefa a
ser realizada por todos.

É puro atraso transferir a fé de seu objeto próprio, que é Deus à ordem


temporal e moral imposta por uma instituição. Assim, Deus perderia o posto de
Absoluto e Mistério, isto é, a um conjunto de costumes e afirmações dogmáticas
com seus badulaques. Isso só é admissível quando a religião é apenas ópio.

Todavia, neste contexto de secularização, em que se dá tanto valor à pes-


soa humana e às suas descobertas e experiências pessoais, os valores da mística
oriental do Hinduísmo, Budismo, Xintoísmo e Taoísmo ganham espaço, tendo
muito a ensinar à trilogia Judaísmo, Cristianismo e Islamismo e vice e versa.

117
LEITURA COMPLEMENTAR

O Budismo e o “silêncio sobre Deus”

Entrevista com o Teólogo Dr. Faustino Teixeira sobre “Deus nas Religiões
Orientais”, sendo indagado pela Monja Budista Coen Roshi.

Monja Coen Roshi: Quais são as narrativas de Deus nas religiões não
monoteístas?
Faustino Teixeira: Alguns autores tendem a indicar essas tradições não mono-
teístas como religiões místicas, distinguindo-as das religiões monoteístas, identificadas
como proféticas. Esta distinção, porém, não nos autoriza a concluir em favor de uma
separação rígida, que excluiria qualquer significado profético nas religiões orientais ou
dimensão mística nas religiões proféticas. O caminho para se atingir a “Realidade” nas
religiões orientais é encontrado na interioridade. Trata-se de uma busca do Mistério
desconhecido na “gruta do coração”. A ênfase recai no caminho do “êntase” e não do
“êxtase”, ou seja, o caminho da descoberta do Mistério maior acontece no “íntimo do Si
substancial”. A tradição oriental enfatiza mais o apofatismo teológico, excluindo assim
a possibilidade de se alcançar o Mistério mediante conceitos. A mediação para esse en-
contro se dá pela experiência. Uma conhecida sentença zen afirma: “melhor ver a face
do que ouvir o nome”. Encontramos uma expressão desse apofatismo na experiência
budista do sunyata (vazio). Esse conceito vem empregado como expressão da inefabi-
lidade e indizibilidade da realidade do Mistério. Não indica niilismo ou relatividade,
mas a radical diversidade que separa esse Mistério de todo e qualquer atributo possível
de ser concretizado ou simbolizado. Na mística advaita hindu, a dinâmica religiosa
vem concebida como uma experiência kenótica, de radical esvaziamento do sujeito hu-
mano e seu potenciamento para perceber a transparência do Mistério transcendente/
imanente no mundo dos fenômenos. O sujeito esvaziado de sua densidade ontológica
reencontra sua identidade com o Brahman, que pode ser reconhecido como “a unidade
última da realidade. É o centro profundo da nossa existência, isto é, a consciência (cit),
e também a alegria e a bem-aventurança (ananda)”.

Monja Coen Roshi: O que os monoteísmos podem aprender com essas


religiões, sobretudo no que diz respeito ao diálogo inter-religioso?
Faustino Teixeira: Um traço peculiar que envolve as tradições religiosas não
monoteístas, em particular as tradições do Oriente, é a ênfase dada no caminho
místico. O estudioso das religiões, R.C. Zaehner, apontou, com acerto, que “a reli-
gião da Índia se caracteriza por fazer da experiência mística a verdadeira base da
religião”. É no âmbito da mística que acontece a contribuição decisiva dessas tradi-
ções religiosas: são “escolas” singulares do cultivo da mística. Podemos sublinhar
traços importantes como a atenção dada à experiência, o incentivo ao desapego, o
cultivo da interioridade, a ruptura da arrogância e da hybris totalitária, a abertura
ao Mistério do Real. Vale ressaltar, seguindo a trilha do clássico documento Diálogo
e Missão (1984), do Secretariado para os não-cristãos, que é no âmbito do diálogo
das experiências de oração e contemplação – dos caminhos de busca do Mistério -,

118
que se dá o nível mais profundo do diálogo inter-religioso. É nesse âmbito de pro-
fundidade que podem acontecer, substantivamente, o “enriquecimento recíproco e
cooperação fecunda” entre as distintas tradições religiosas, no sentido da afirmação
e preservação dos valores e dos ideais espirituais mais sublimes do ser humano.

Monja Coen Rohi: O que é a Escola de Kyoto e como a sua visão de


mundo provoca uma quebra da hegemonia da racionalidade grega e ocidental?
Faustino Teixeira: A Escola de Kyoto, ou Kyoto-ha, envolve um grupo
de pensadores japoneses que contribuíram de forma singular, e em perspecti-
va oriental, para a articulação criativa da filosofia ocidental. Entre esses pensa-
dores podem ser elencados: Nishida Kitaro (1870-1945), Tanabe Hajime (1885-
1962), Nishitani Keiji (1900-1990) e Ueda Shizutero (1926). Segundo James Heisig,
a investigação filosófica levada a cabo por esses pensadores “nunca se separou
do cultivo da consciência humana como participação no real. Inspirando-se na
filosofia antiga e moderna ocidental, bem como em sua própria herança budis-
ta, e aliando as exigências do pensamento crítico à busca da sabedoria religiosa,
eles enriqueceram a história intelectual do mundo com uma perspectiva japone-
sa renovada e reacenderam a questão da dimensão espiritual da filosofia”. Uma
contundente crítica ao conceito egocêntrico do ego, firmado na racionalidade
filosófica ocidental, vem tecida por Keiji Nishitani, em sua obra A religião e o
nada (1960). A centralidade do ego cogito, a partir de Descartes, resultou numa
tal dinâmica ego-centrada que confinou o sujeito numa limitada perspectiva de
autoimanência. Como consequência inevitável, firmou-se um modo narcísico de
ser. Com base no aporte da tradição budista e da mística eckhartiana, Nishitani
propõe um conceito peculiar de subjetividade, que se contrapõe à subjetividade
do ego: trata-se de uma subjetividade que se afirma em razão da morte absoluta
do ego. É curioso constatar a sintonia dessa reflexão de Nishitani com os ques-
tionamentos feitos por Henrique Cláudio de Lima Vaz à modernidade moderna.
Em sua obra sobre a experiência mística e filosófica na tradição ocidental, Vaz
sinaliza que a revolução antropocêntrica da filosofia moderna acabou resultando
na “dissolução da inteligência espiritual”. Na inflexão noética da modernidade
moderna, marcada pela primazia gnosiológica e ontológica do sujeito, a dimen-
são transcendente do ser vem absorvida na imanência do sujeito.

Monja Coen Roshi: Em que aspectos existe uma afinidade entre a Escola
de Kyoto, o pensamento existencialista e a mística cristã do Mestre Eckhart?
Faustino Teixeira: Os pensadores da Escola de Kyoto dedicaram-se inten-
samente ao estudo da filosofia ocidental. Nishitani chegou a seguir, em 1938, os
seminários de Heidegger sobre Nietzsche em Friburg. Também Ueda Shizuteru
teve uma formação alemã, passando três anos na Universidade de Marburg, sob a
orientação de Friederich Heiler e Ernst Benz. Ali concluiu sua tese doutoral sobre
a antropologia mística de Meister Eckhart em confronto com o zen budismo (tese
publicada em 1965). Fixo-me aqui em dois aspectos de sintonia entre a Escola de
Kyoto e a mística de Meister Eckhart. Com base no pensamento de Nishitani, há
que sublinhar a centralidade da ideia de Abgeschiedenheit (desprendimento), to-
mada do pensamento de Eckhart. Esse conceito é empregado por Nishitani para
falar da subjetividade elemental, ou seja, da subjetividade que emerge da morte

119
absoluta do ego, e que faculta a experiência da unidade com Deus. Assim como na
tradição zen budista, também no pensamento de Eckhart a noção de vazio ganha
centralidade. Pode-se afirmar que a presença do Mistério se firma mais claramente
no ser humano à medida que se amplia o seu vazio: nada querer, nada saber e nada
ter. Trata-se de um desprendimento que é bem distinto da ataraxia. Na verdade, o
ser desprendido é alguém que se abre de forma distinta para a realidade, pois para
ele “toda realidade reencontra sua densidade verdadeira”. O outro traço de sinto-
nia pode ser encontrado na noção transpessoal de Deus. Nishitani sublinha como
um dos aspectos de originalidade do pensamento de Eckhart, a noção de Deidade:
situar a essência de Deus numa região para além do Deus pessoal, ou o Deus das
criaturas. Também nessa linha da transpersonalidade de Deus vai a reflexão da Es-
cola de Kyoto. Enfatiza-se a ideia de um Deus transcendente e imanente: de Deus
como realidade onipresente em todas as coisas do mundo e, simultaneamente, um
mistério que escapa a qualquer tentativa de determinação.

Monja Coen Roshi: Como compreende a acusação de que o budismo é


niilista ao projetar um além nunca alcançável ao homem?
Faustino Teixeira: Contra essa absurda acusação, posicionou-se critica-
mente o grande pensador Daisetz Teitaro Suzuki, que também manteve um rico
relacionamento com Nishida Kitaro. Há um capítulo específico em sua Introdu-
ção ao zen-budismo (1969) sobre esta questão. Há também uma larga reflexão a
propósito no terceiro volume de seus ensaios sobre o budismo zen (1940). É cap-
tar de forma superficial ou equivocada a noção central de sunyata ou vacuidade
nessa tradição espiritual. O que o budismo zen ensina sobre o vazio é bem dife-
rente: não se trata de negar a existência ou o seu valor, mas de apontar para além
de sua realidade, ou melhor ainda, para a “outra orelha da realidade” e captar o
fato central da vida. Não se trata de negação em sentido lógico, mas de extremo
cuidado em “preservar a condição misteriosa do último”. Trata-se da “negação
como cifra da transcendência”. Como mostra Suzuki, “Buda revela-se a si mes-
mo quando não é mais afirmado. Para encontrar o Buda temos que renunciar ao
Buda. Este é o único caminho para obter a verdade do Zen”.

Monja Coen Roshi: A recusa de uma “palavra supérflua sobre Deus”,


que explica o fato de se calar sobre Ele, aproxima o budismo da filosofia de
Wittgenstein, com as categorias do silêncio e do inefável?
Faustino Teixeira: Num de seus clássicos dísticos do Peregrino Querubí-
nico, o místico Angelus Silesius (1624-1677) dizia que “nenhuma criatura sonda a
Divindade” (PQ V, 339). Também João da Cruz (1542-1591) assinala em seu Cân-
tico Espiritual que Deus é uma “ilha estranha”: estranha aos homens, aos santos
e aos anjos (CB 14,8), e que nenhum intermediário consegue dar a notícia de seu
significado: “não sabem dizer-me o que desejo” (CB 6). Assim é na mística cristã,
mas também nas outras tradições místicas. A linguagem mística “enuncia a au-
sência como presença e a presença como ausência”, sempre recusando qualquer
palavra supérflua sobre o Mistério sempre maior. Com respeito ao budismo, não
se pode defini-lo como uma tradição ateia, como alguns defendem de forma equi-
vocada. O que ocorre é um “silêncio sobre Deus”. A esse respeito gosto sempre de
citar uma passagem preciosa do livro de Juan Martin Velasco sobre o Fenômeno

120
místico (1999). Para ele, “o silêncio de Deus que o Buda tão consequentemente
pratica é a forma mais radical de preservar a condição misteriosa do último, o
supremo, a que toda religião aponta”. Ao se calar sobre Deus, essa tradição está
questionando as tentativas ilusórias e problemáticas que acompanham as tradi-
cionais perguntas sobre Deus: muitas vezes são perguntas incorretas, indevidas e
lesivas da “transcendência da realidade à qual se referem”.

Monja Coen Roshi: O que o Ocidente pode aprender com a compreen-


são budista do caminho que “vai do eu ao si mesmo”? Como essa passagem
pode tornar o sujeito pós-moderno menos orgulhoso e arrogante, menos preso
ao desejo e, por conseguinte, ao sofrimento?
Faustino Teixeira: Ao escrever o prefácio à obra de Suzuki, A grande liber-
tação, Carl Gustav Jung aborda a distinção entre o eu e o si mesmo. O si mesmo
traduz uma compreensão mais elevada do eu, agora despojado de seu apego a si
e às coisas. Daí ser necessário trabalhar a ideia de si mesmo como um não eu. Essa
passagem de nível vem observada na experiência da iluminação (satori). Trata-se
“de uma ruptura e uma passagem da consciência limitada na forma do eu para a
forma do si-mesmo que não tem um eu. Essa concepção corresponde ao zen, bem
como à mística do mestre Eckhart”. Essa mudança de perspectiva vem também
trabalhada por Nishitani, ao abordar o significado da subjetividade elemental, ou
seja, a subjetividade que emerge da morte do ego. A chave de compreensão dessa
passagem do eu ao si mesmo pode ser encontrada no clássico sermão de Benares,
ocorrido logo após a iluminação de Buda, onde se fala das quatro nobres verdades.
Ali se diz que na raiz de todo sofrimento está o “anseio compulsivo pelas coisas
da vida”, o apego desestabilizador (tanha). Só mediante a superação desse apego,
mediante o nobre caminho óctuplo, é que se abrem as veredas da iluminação.

Monja Coen Roshi: De que forma a inversão do cartesianismo promovida


por Thomas Merton (existo, logo penso) pode inspirar um novo posicionamento
do sujeito em relação à forma como lida com sua espiritualidade e racionalidade?
Faustino Teixeira: É sabido o influxo da perspectiva zen budista sobre o pen-
samento de Thomas Merton. Mas há também que sublinhar a presença de Nishida
Kitaro em sua reflexão. Na clássica obra de Thomas Merton sobre o Zen e as aves
de rapina (1968), há um capítulo dedicado ao pensamento de Nishida. Para o mís-
tico trapista, Nishida revela-se como um autêntico filósofo zen. Merton indica que
essa inversão do cartesianismo, provocada pela Escola de Kyoto, traduz uma nova
atenção ao real. O caminho essencial vai do ser ao pensar e não o contrário. Nishi-
da vai conferir uma importância central à ideia de “consciência pura”, que é ponto
de partida para qualquer despertar filosófico. Trata-se de uma atenção particular ao
caráter trivial da experiência, que antecede qualquer distinção entre sujeito e objeto.
O que ocorre com a consciência pura é um refinado fenômeno de consciência, que
confere prioridade ontológica ao mundo. É evidente que essa perspectiva inspira um
posicionamento que é novo e problematizador. Há que lidar com o mundo e com a
natureza de outra forma; há que conceder uma atenção particular ao que é vivido e
experimentado.

FONTE: <https://bit.ly/2YBkvbs>. Acesso em: 9 jul. 2020.

121
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os elementos fundamentais para a compreensão da Teologia na Tradição


Taoísta estão na história das dinastias chinesas.

• A importância e dificuldade para traduzir a experiência com o Tao propicia a


ideia de mistério e/ou Deus.

• É possível afirmar uma teologia trinitária no Taoísmo, fundamentada nos Tao


Te Ching, o livro sagrado para esta tradição.

• A filosofia do Yiang e Yin e o Tao são possibilidades de comunhão entre as


diferentes tradições religiosas.

CHAMADA

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AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

122
AUTOATIVIDADE

1 De acordo com os estudos realizados, analise as afirmações e assinale a


assertiva correta:

I- Na dinastia Ming, o Confucionismo e o Budismo foram popularizados,


influenciando também o Taoísmo, dando origem a escola denominada de
“Tao da Completa perfeição”, que buscou novos alunos, incluindo mu-
lheres, que tiveram uma participação ativa.
II- Yang e Yin refletem as transformações contínuas do próprio Universo
e nos levam à compreensão da realidade sempre relativa, carregada de
inovações e/ou fenômenos. Assim, Yang e Yin são forças que garantem o
ritmo e evolução do Universo e do próprio ser humano.
III- No Taoísmo há uma criatura divina para cada dia do ano, para cada es-
paço celestial e terrestre e para cada criatura há protetores e guerreiros.
Todas as criaturas divinas são lideradas pelo Imperador Jade.

a) ( ) Estão corretas I e II.


b) ( ) Somente a I é correta.
c) ( ) Todas estão corretas.
d) ( ) A II está correta e I e III estão incorretas.

2 No Taoísmo todas as ações do Tao são refletidas pelo dinamismo de ambos


os polos. Nada é Yang e nada é Yin a todo momento. Conforme os estudos
realizados, assinale a concepção Yang e Yin de Fritjof Capra.

a) ( ) Para Capra, o documento mais antigo que trata do Yang e o Yin é um


Tratado anexo ao Livro “I Ching” de autoria de Confúcio.
b) ( ) Capra afirma que antes da instituição do Taoísmo, havia uma Escola
filosófica chinesa, aproximadamente do ano 300 a.C., que fazia menção
ao “Yang e Yin”.
c) ( ) Capra afirma que todos os seres humanos passam pelas fases do
Yang e Yin porque a personalidade de cada um não é estática, há um
dinamismo resultante do encontro entre masculino e feminino.
d) ( ) Para Capra, quando Yang atinge seu ápice se volta para o Yin, mas não
o contrário.

3 De acordo com os estudos realizados, o “Canon Taoísta” está estruturado


em duas partes. Assinale V para as afirmações verdadeiras e F para as
falsas.

( ) Na Caverna da Verdade há 12 tratados revelados pelo Senhor do Tesouro


Celeste, é o caminho do grande veículo.
( ) O Xuan ou Mito da Caverna tem 12 doze tratados revelados pelo Senhor
do Tesouro Espiritual, é o caminho do veículo médio.
( ) Na Caverna Sagrada há 12 tratados revelados pelo Senhor do Tesouro
123
Divino, é o caminho do pequeno veículo.
( ) O Sublime mistério, formado pelo texto Tao Te Ching de Lao Tse, foi
inspirado nos Vedas.
( ) A Sublime paz forma o Tratado da sublime paz, usado para complementar o
Mito da Caverna do Mistério, sendo este datado no contento da dinastia Han.
( ) A Sublime transparência é formada por todos os tratados do elixir de ouro,
usado para complementar a Caverna Sagrada.

124
UNIDADE 3 —

TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-


AMERICANA, CATÓLICAS,
PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS
POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E
COEXISTÊNCIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a origem do desenvolvimento da Teologia a partir das ma-


trizes africanas e da Teologia na América Latina;

• identificar a origem e desenvolvimento das Teologias Católicas e Pro-


testantes;

• conhecer a origem e desenvolvimento das Teologias Liberais;

• assimilar a importância e possibilidade de uma Teologia Ecumênica, in-


ter-religiosa e coexistencial.

125
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – TEOLOGIA AFRICANA: BUSCA POR DEUS


NAS TRADIÇÕES AFRICANAS

TÓPICO 2 – TEOLOGIA LATINO-AMERICANA: BUSCA POR DEUS NA


AMÉRICA LATINA

TÓPICO 3 – TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS E PROTESTANTES:


DA MODERNIDADE À CONTEMPORANEIDADE

TÓPICO 4 – TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-RELIGIOSA


E COEXISTENCIAL

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

126
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

TEOLOGIA AFRICANA: BUSCA POR


DEUS NAS TRADIÇÕES AFRICANAS

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico será realizada uma breve apresentação da história da Áfri-


ca e a sua defesa enquanto gênese da humanidade. Se Deus fez tudo, logo, Ele
escolheu a África enquanto “berço” para a humanidade. Serão apresentadas as
principais fontes para a afirmação.

Na narrativa histórica serão identificados os fenômenos culturais, míticos e


religiosos, incluso a ideia de tradição oral enquanto texto sagrado. Ainda será res-
saltado o processo de sistematização da opção dos colonizadores da América Lati-
na pela escravização de povos africanos e a apologia do catolicismo a este sistema.

A seguir será analisada a reprodução da Teologia de matriz africana na


América Latina, incluso o processo de sincretismo religioso para afirmar que a
busca por Deus e o conceito do mesmo se faz a partir da coletividade sem qual-
quer imposição eclesiástica e/ou qualquer forma de poder.

Na sequência será desenvolvida uma síntese dos principais movimentos


sociais de cunho religioso afro que resistiram ao sistema escravocrata e ao racismo.

2 ÁFRICA: VENTRE ONDE DEUS GESTOU O HUMANO

Escrever a história da teologia na África é urgente e de grande responsabi-


lidade. São milhões de oprimidos e crentes que tomam cada vez mais consciência
das reais causas de sua opressão e tem cada vez mais o desejo de resgatar sua
história, sua real identidade para o acontecer da tão sonhada liberdade.

Por teologia, aqui entende-se, além da busca de Deus, a reflexão sobre a fé


de um povo, que recebeu influências diversas, seja da própria cultura e do poder
da cruz e da espada dos colonizadores. Assim, a História da Teologia na África
será o resultado dos estudos das diversas maneiras como a fé foi concebida, im-
posta e praticada ao longo do tempo.

É sabido que a África é o “berço” do ser humano. Ali está sem qualquer dúvi-
da o “sopro da vida”. Se Deus fez o humano de barro, os elementos água e terra eram
de solo africano. Se Deus fez o humano a partir da água, terra, fogo e/ou ar, foram na
Mãe África as primeiras experiências, relações sociais, políticas e religiosas.

127
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

Segundo Hugot (2010), já na pré-história da África (10.000-4000 a.C.) ha-


via técnicas avançadas no polimento da pedra, no processo de domestificação de
animais selvagens, na agricultura, urbanização, na arte e na religião.

Com mais evidência, o mesmo autor menciona a expressão “Neolítico


Africano” (9000-3000 a.C.), no qual havia uma forma de povoamento denomi-
nada de “Povo do Saara”, os quais constituíram uma civilização seminômade,
muito dedicada ao cultivo de rebanhos de grande e pequeno porte.

Sutton (2010) defende a tese que afirma ter existido na África (8000-5000
a.C.) uma “Civilização das Águas”, de economia sedentária. Tal civilização teria
se estendido de oeste a leste ao longo de rios e lagos até o norte pelo Rio Nilo e
até o sul pelos Grandes Lagos africanos. Segundo o mesmo autor, esta civilização
sobreviveu através da pesca e caça de hipopótamos e crocodilos.

Ambos os autores, apoiados em dados linguísticos e arqueológicos, são


de pleno acordo que entre estas civilizações havia uma infinidade de etnias, a
exemplo dos “Cuchitas”, etnia responsável pela entrada de cabras e rebanhos
de grande porte na África devido à aversão ao peixe e a prática da circuncisão.
Estes ocuparam o Quênia, Etiópia e a atual África do Sul, enquanto que os Bantos
ocuparam onde está o Zaire, Angola e Moçambique. Quanto aos Orubás e/ou Na-
gôs, ocuparam a atual Nigéria. Tanto os bantos quanto os nagôs desenvolveram a
agricultura e fizeram uso de ferramentas de metal.

Outro ponto que os autores são de pleno acordo é referente à rota comer-
cial no Mediterrâneo, ligando a África com o mundo árabe, que consolidou o
desenvolvimento de sociedades complexas na África há mais de 5000 a.C.

Para Salama (2010a), merece destaque a civilização Garamantes do século


II a.C. Foi este povo que forneceu elefantes, leões e tigres aos romanos. Foram
muito importantes para o desenvolvimento comercial entre África e Roma, além
de contribuírem para a extinção de muitas espécies.

Entre os séculos VII e XV, como consequência das intensas rotas comer-
ciais e entre estas o Islamismo, a África sofreu forte influência dos seguidores
de Allá. Segundo Hrbek (2010), a conversão de soberanos da África Sudanesa
teria sido estimulada pelo engodo do Islamismo ser uma religião universal, isto
é, o Islã chegou à África como uma espécie de solução ideológica, cuja finalidade
era preservar o poder dos soberanos. Isso comprova que os muçulmanos foram
eloquentes junto aos líderes de clãs e reinos da África. Converteram governan-
tes para depois converterem os governados, fazendo da África uma extensão da
Ummah (comunidade dos fiéis do Islã), porém, não ocorreu o mesmo entre os
séculos XVI e XIX. Com a presença europeia, principalmente da Inglaterra, pio-
neira no processo de conquista do território africano, enquanto os governantes
africanos ofereciam ouro, esmeralda, diamante e mão de obra escrava, os euro-
peus ofereciam quinquilharias e bugigangas.

128
TÓPICO 1 - TEOLOGIA AFRICANA: BUSCA POR DEUS NAS TRADIÇÕES AFRICANAS

Com a instalação do tráfico de seres humanos pelo Atlântico, a África co-


nheceu o subdesenvolvimento e a miséria, sendo tudo isso mediante aprovação
de reis e outros governantes africanos, vassalos de cortes europeias, principal-
mente da coroa inglesa. E quando a Inglaterra proibiu o tráfico de seres humanos
para alimentar o sistema escravocrata, consolidou ainda mais a miséria na África,
monopolizando a produção agrícola e pastoril do continente durante o século
XIX, ampliando a dependência econômica da África com a Inglaterra.

Quanto à religião, já na pré-história da África havia um pluralismo religioso


muito vinculado com a natureza e influenciado por questões geográficas, culminan-
do no sincretismo religioso e teológico. Mas a partir da presença romana, hebraica e
islâmica, chegou à África a ideia de monoteísmo e da fé vinculada ao poder político.

3 IMPORTÂNCIA DA TRADIÇÃO ORAL

Não há qualquer texto escrito considerado sagrado na história da África,


porém com a publicação das obras, The History of the Yorubas e a História Geral da
África, escrita por intelectuais africanos sob coordenação de Joseph Ki-Zerbo, de-
vemos valorizar ainda mais a tradição oral na história da teologia afro.

A primeira obra é de autoria do reverendo Samuel Johnson, nascido em


Serra Leoa, em 1846. Ali, o autor resgata a cosmogonia Yorubá, fundamental para
a compreensão do Candomblé. A obra de Johnson foi publicada em 1921, sendo
fundamental e aporte crítico na compreensão das etnias no processo de criação do
Estado Nigeriano, servindo de fonte para qualquer estudioso da africanalidade.

A segunda obra teve início no Primeiro Congresso Internacional de Africa-


nistas, realizado em Acra, capital de Gana, em 1962, sob patrocínio da UNESCO.
Na ocasião, o evento reuniu mais de 500 especialistas em África. O projeto foi apro-
vado na 16ª Assembleia Geral da UNESCO no ano seguinte. Foi um árduo trabalho
de síntese a partir dos dados da arqueologia e outras fontes. O mesmo abordou as
relações históricas entre as diversas regiões do continente em diferentes períodos
históricos, partindo da pré-história da África. Ainda foram contempladas no traba-
lho as múltiplas civilizações do continente africano e suas principais instituições.

DICAS

História Geral da África, escrita por intelectuais africanos sob coordenação de


Joseph Ki-Zerbo, está dividida em oito volumes já publicados em língua portuguesa e dis-
ponibilizados no Brasil.

129
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

No sétimo volume, mesmo sendo alvo de severa crítica, apresenta uma


boa síntese da arte e da religião afro. São seis capítulos que enfatizam a “voz
dos vencidos” e/ou práticas de resistências perante o processo de conquista do
continente africano em diferentes regiões, omitindo as alianças ocorridas entre
conquistadores e lideranças dos próprios conquistados durante o século XIX.

No entanto, as duas obras valorizam e confirmam o que sabemos via tra-


dição oral banto e nagô, etnias que chegaram ao Brasil via brutalidade europeia e
suas práticas de tráfico de seres humanos para alimentar o sistema escravagista,
protegido pelas bênçãos do catolicismo.

Ainda, os textos citados confirmam a existência de uma teologia de ma-


triz africana e asseguram a veracidade da tradição oral, tão presente nos terreiros
de Candomblé e/ou Umbanda e/ou Macumba e tornam-se de suma importância
para buscar e entender Deus com rosto negro.

4 QUEM É DEUS NA TEOLOGIA AFRO

Nas diversas tradições religiosas já afirmamos que Espírito, Anjo, Kami,


Tao e Energia não têm formas, são criaturas envolvidas no mistério, ao absoluto
e/ou infinito, ao Theós, que foi traduzido por Deus, a quem as tradições religiosas
apresentaram conceitos ou definições, deram nomes ao Theós, sempre a partir do
contexto vital e/ou da existência. Por exemplo, no Cristianismo Deus é Trindade,
mas há outras criaturas divinas como os arcanjos e querubins, os santos do cris-
tianismo católico e, mais especificamente, a imagem de Nossa Senhora Mãe de
Deus e/ou de um da Trindade.

Na teologia afro a tradição oral preservou as mais diferentes imagens de


Deus, sendo todas vinculadas e/ou em comunhão com a Mãe Terra. São os orixás,
a energia que envolve o humano e a natureza, a imanência com a transcendência.

Segundo Johnson (1921), a cosmogonia afro contempla OLORUM (OLO-


DUMARE), a energia primordial, o Mistério, o infinito, Aquele que é, o Criador que
criou o ORUN, o mundo espiritual. Nada a ver com o conceito de céu do Cristia-
nismo e Islamismo. Está mais próximo do conceito dado ao Panteão Xintoísta. No
ORUN estão os orixás, os filhos de OLORUM. Entre eles, OXALÁ, o mais velho e os
demais como ODUDUWA, OBATALÁ, EXU, YEMANJÁ e tantos outros.

OLORUM confiou a OXALÁ a substância escura para criar AIYE, o mun-


do material, mas OXALÁ (Masculino) recusou a fazer os rituais necessários para
dar origem a AIYE. EXU não gostou da atitude racional de OXALÁ (Atitude
própria do masculino) ... antes que OXALÁ saísse do ORUN, EXU fez com que
OXALÁ sentisse sede, obrigando OXALÁ furar uma palmeira... dela saiu um
líquido saboroso, era vinho de palma. OXALÁ bebeu, saciou a sede e dormiu...
ODUDUWA vendo que OXALÁ dormia, pegou a substância escura e levou até
OLORUM. Este permitiu que ODUDUWA partisse... ao chegar de ORUN, ODU-

130
TÓPICO 1 - TEOLOGIA AFRICANA: BUSCA POR DEUS NAS TRADIÇÕES AFRICANAS

DUWA (Feminino) em comunhão e amor com OBATALÁ (Masculino), lançou a


substância escura sobre as águas, formando um pequeno monte... sobre o monte
sentou uma ave que ciscou com seus cinco dedos (Visão dos cinco continentes?),
espalhando a substância, dando origem a AIYE, a Terra, a Mãe Natureza.

Entre ORUN e AIYE há uma união hipostática ou comunhão. Assim, terra


e vida são os princípios básicos do Candomblé, razão de ser do terreiro. Com os
pés ao chão, terra e vida celebram a unidade, a comunhão e o amor. Daí a neces-
sidade de resgate da teologia de matriz africana, sempre vinculada com o meio
ambiente, podendo ser de grande valia para a formatação da consciência humana
para gestar um espírito sustentável.

E como acontece essa comunhão entre ORUN e AIYE? Qual é o elo de


ligação entre ambas as realidades? O que liga as duas realidades são os ORIXÁS,
criaturas sagradas que estão no ORUN, mas atuam em AIYE, a realidade material
ou natural. Em ORUM há mais de 400 ORIXÁS, tendo cada um alguma espécie de
missão em e com a AIYE. Vejamos sete exemplos de ORIXÁS, os mais populares
no Candomblé de origem Yorubá, muito presentes no Brasil.

4.1 EXU

A comunicação entre imanência e transcendência só é possível via apro-


vação de EXU. Sem EXU, AIYE, o terreiro e tudo o que está em AIYE, ficam des-
protegidos. Deixar EXU de lado é caminhar sozinho na estrada da vida. Sem EXU
nada evolui, nada cura, nada melhora, podendo até mesmo retroceder. Em vez de
bênçãos, ocorre perdição ou maldição.

Na liturgia do Terreiro Sagrado de Candomblé, primeiro invoca-se EXU


com o rito do “Padê de EXU”, no qual são oferecidos alimentos e bebidas ao Ori-
xá. EXU é alegria, ninguém fica deprimido.

Os ambientes preferidos para invocar EXU são as encruzilhadas da vida.


Na dúvida e insegurança da vida, EXU aponta o caminho e a verdade. Suas cores
são o vermelho e preto e têm a segunda-feira enquanto dia em que sua energia
está em maior evidência. Seus filhos são festivos e justos.

4.2 OGUM

É filho de ODUDUWA. Após a criação de AIYE, OGUM, diante de tanta bele-


za e amorosidade da própria Mãe, OGUM ficou apaixonado por ela (Seria o comple-
xo de Édipo africano?). Por isso, OGUM passou a ser desprezado pelas mulheres e foi
expulso para AIYE, a Terra, passando a viver nas matas e tendo que fazer suas pró-
prias ferramentas para o trabalho e defesa pessoal. OGUM é venerado apenas pelos
homens. OGUM é o Senhor da guerra e da agricultura. Suas cores são o azul e branco.
Sua energia é mais forte ainda na terça-feira. Seus filhos são valentes e vencedores.
131
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

4.3 OBÁ

Com sua doçura e beleza é a senhora que controla as águas doces, evitan-
do tormentas e enchentes. Tem em si a força natural do feminino. É a protetora
das mulheres e sua beleza vai além do físico. É ainda a Orixá que faz justiça. Na
quarta-feira sua energia é mais radiante. Suas cores são o vermelho e branco com
detalhes amarelos. Com OBÁ, as mulheres são mais fortes do que já são.

4.4 OXÓSSÍ

É filho de OXALÁ e YEMANJÁ. Vive nas matas, é a força que domina a


Natureza. Com OXÓSSI presente a morte não chega. Com OXÓSSI não há fome.
É protetor dos caçadores, mas também das florestas, permitindo apenas a retira-
da da vida para saciar a fome. Suas cores são o verde e o azul. Na quinta-feira sua
energia é mais forte que a morte.

4.5 OXALÁ

É o orixá mais velho. Manifesta-se como idoso vestido de branco ou jovem


vestindo roupa prateada. Rejeita a violência e conflitos. É o Orixá da esperança
e da paz. Sua cor é o branco. Na sexta-feira sua energia erradia com mais força.
Seus filhos são pacifistas.

4.6 YEMANJÁ

É a Orixá, Mãe de todos os demais Orixás. É a rainha dos mares, protetora


dos pescadores e marinheiros. É ela que restaura as emoções e propicia a fecun-
didade. YEMANJÁ está sempre com seios volumosos, pronta para alimentar os
seus filhos. É a Mãe por excelência. Suas cores são o azul e branco. Aos sábados
sua energia contagia a todos com mais evidência.

4.7 YORI

São dois Orixás, os protetores das crianças. Estão sempre em comunhão


com tudo o que nasce. São as criaturas mais puras do ORUN. YORI têm a cura
para qualquer enfermidade das crianças. O domingo é dedicado a YORI, a força
e energia das crianças. YO é a vitalidade que sai da energia e RI é a potência que
se manifesta, gerando vida.

132
TÓPICO 1 - TEOLOGIA AFRICANA: BUSCA POR DEUS NAS TRADIÇÕES AFRICANAS

5 ORIXÁS DO CANDOMBLÉ OU SANTOS CATÓLICOS?

Os ORIXÁS, os mais populares no Candomblé de origem Yorubá, muito


presentes no Brasil, foram e continuam sendo invocados nos terreiros e até nas
missas e celebrações católicas no Brasil. Do século XVI até os dias atuais, através
das imagens de santos e anjos católicos foi brotando o fenômeno denominado de
sincretismo religioso, motivo de grandes conflitos na história do Brasil.

Diante disso foram inúmeras as tentativas do catolicismo e protestantis-


mo de conceituar EXU enquanto a personificação do diabo e os demais ORIXÁS
enquanto demônios, fomentando a doentia intolerância religiosa católica e pro-
testante, que tanto mal ainda faz ao mundo.

Por exemplo, na festa de Nossa Senhora Mãe de Deus no dia 1º de janeiro,


enquanto o católico louva a santa, olhando para a mesma imagem, o candomble-
teiro olha para a santa e invoca YEMANJÁ. Na festa de São Sebastião no dia 20 de
janeiro, enquanto o católico celebra o santo, o candombleteiro invoca OXÓSSI. Na
festa de São Miguel Arcanjo, no dia 29 de setembro, enquanto o católico invoca o
Arcanjo Miguel, o candombleteiro invoca EXU. Na festa de São Jorge, no dia 24
de abril, enquanto o católico venera o santo, o candombleteiro invoca OGUM. Na
festa de Natal e no dia 15 de janeiro, festa de Nosso Senhor do Bonfim, que é o
próprio Jesus Crucificado, enquanto os cristãos celebram o nascimento de Jesus
e adoram o Cristo, o candombleteiro também está em festa, é dia de OXALÁ.
No dia 30 de maio, enquanto os cristãos católicos celebram Santa Joana D’Arc, o
candombleteiro celebra OBÁ, a protetora das mulheres. No dia 27 de setembro,
quando os católicos celebram São Cosme e São Damião, o candombleteiro invoca
YORI, os Orixás das crianças.

6 ÁFRICA EM TERRAS LATINO-AMERICANAS

Desde meados do século XV, navegadores portugueses tinham capturado


na costa da Guiné alguns africanos, que depois tinham sido vendidos na Europa.
O tráfico era uma prática habitual no contexto, mas aos poucos foi sendo limita-
do, ficando sob domínio de Portugal e, em pequena parte, da Espanha. Las Casas,
para defender com mais eficácia os indígenas americanos, teve uma ideia, cujas
consequências não podia prever:

Sua Majestade poderá dar por alguns anos a algumas pessoas assina-
ladas e fazer mercê a um de cinquenta mil maravedis; a outro de cem;
a outros de mais; a outros de menos, para serem ajudados a povoar a
terra até se arraigarem nela... e também mandar emprestar ou fiar a
eles alguns escravos negros a serem pagos dentro de três ou quatro
anos, ou como for sua real vontade e mercê (SUESS, 1992, p. 753).

O generoso Las Casas, embora impetuoso defensor dos oprimidos indí-
genas da América não suspeitava jamais ter cooperado involuntária ou volun-

133
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

tariamente para uma opressão ainda mais dura e desumana. A escravidão dos
índios foi de fato substituída pela escravidão e comércio dos africanos, porém,
com o tempo, a iniciativa se desenvolveu até assumir proporções gigantescas,
sobretudo, quando, em meados do século XVII, já estavam se exaurindo as minas
de ouro e de prata na América, exploradas vorazmente pelas primeiras gerações
de conquistadores.

Foram incrementadas em grande escala no Brasil as plantações de açúcar,


de algodão e de fumo, bastante lucrativas, mas que exigiam uma mão de obra cada
vez maior de pessoas vinculadas à agricultura, a exemplo dos bantos e nagôs.

Navios espanhóis e portugueses se juntaram a franceses e ingleses, que


acabaram depois suplantando totalmente os primeiros. Em 1713, o tratado de
Utrecht, pôs fim à guerra da sucessão espanhola. A partir dele, a Inglaterra che-
gou até a garantir para si o monopólio do tráfico negreiro.

No início, os traficantes promoviam uma espécie de caçada: chegavam


às terras africanas, invadiam as aldeias, perseguiam e prendiam seus habitantes,
destruindo toda organização social e familiar.

Chegando ao Brasil, o país que mais recebeu escravos, havia um processo


de tentativa de aniquilamento cultural e religioso. Posterior ao batismo exigido
pelo catolicismo, os africanos eram comercializados como objetos.

No trabalho, bantos e nagôs, sempre estavam sob vigilância de capatazes.


Qualquer deslize era motivo para torturas com a máxima severidade. Alguns cas-
tigos mais conhecidos ocorriam no pelourinho. A castração, a amputação de seios
e a quebra de dentes com martelo, foram meios para estabelecer o poder sobre os
africanos, sob bênção do catolicismo.

Assim, o sistema ia se consolidando. E no meio do sistema escravagista


estavam as dioceses e mosteiros com seus bispos e abades que legitimavam a
prática diante da cruz, do ouro e do sangue dos africanos. A própria hierarquia
católica se via diante de um sistema que legitimava a morte em nome de Deus.

6.1 ESCRAVIDÃO SOB BÊNÇÃOS CATÓLICAS E RESISTÊNCIA

A escravidão foi uma forma extrema de exploração de mão de obra pela


qual o poder estatal transformou o ser humano afro em propriedade. O escravo
era reduzido a mero ”objeto”, podendo ser comprado e vendido, emprestado ou
alugado, como qualquer outra mercadoria ou como um animal.

A escravidão e o tráfico de seres humanos foram essenciais para a monta-


gem da estrutura do sistema colonial da América Latina entre o final do século XV
e o início do século XIX. As terras conquistadas pelos colonizadores portugueses
e espanhóis necessitavam de mão de obra abundante para o comércio que se ex-

134
pandia. Após a primeira tentativa fracassada de escravizar a população indígena,
que resistiu, a solução encontrada foi buscar no continente africano uma popula-
ção que já experimentava o trabalho agrícola, a exemplo de bantos e nagôs.

A escravidão tornou-se uma instituição que ocupou o centro do sistema


colonial. Toda a sociedade estava assentada sobre o trabalho escravo. O Brasil foi
uma das primeiras colônias da América onde se explorou o trabalho do negro em
regime de escravidão e também foi a colônia que mais recebeu escravos durante
os quatro séculos de escravidão.

6.2 ORGANIZAÇÃO E RESISTÊNCIA COM A ENERGIA DOS


ORIXÁS

A presença associativa e organizada da comunidade negra na sociedade


brasileira não é um fato novo. Entre as organizações negras, às vezes, frágeis e um
tanto desarticuladas, mas sempre constantes, merecem destaques os quilombos.

Os conquistadores dos séculos XVII e XVIII diziam que os quilombos eram


habitações de negros fugitivos em lugares despovoados. Na verdade, os quilombos
eram mais do que isso. Foram organizações políticas e comunitárias, alternativas ao
sistema de dominação escravagista. Neles, os escravos se organizavam à margem,
em oposição à sociedade escravocrata, formando uma sociedade alternativa.

O quilombo mais conhecido foi Palmares, propriamente uma federação


de quilombos, um verdadeiro sistema de produção alternativa à sociedade colo-
nial. Resistiu quase cem anos às tentativas de destruição e foi preciso formar um
exército de quase seis mil mercenários para destruí-lo.

Em seu percurso histórico as organizações negras tiveram ainda nas con-


frarias religiosas e nas irmandades, ambientes expressivos de manutenção da
unidade social. Grupos religiosos como o Candomblé, Terreiros de Xangô e da
Umbanda constituíram formas de organizações negras e de resistência.

Os primeiros sinais de resistência apareceram logo nos navios que cruzavam


o Atlântico, carregados de africanos. Há registro de práticas de resistência nos navios
como aconteceu no navio “L’ Africain”, em 1738 e na Revolta dos Macuas em 1823.

Ainda, a prática do aborto, para não dar à luz um filho escravo, a do suicídio,
a greve de fome e o banzo não devem ser lidas como desespero, mas como último
recurso de resistência que prejudicava os senhores do regime escravagista brasileiro.

Como no período da escravidão, depois da “abolição” o negro resistiu à


dominação em suas formas. Desde as revoltas dos marinheiros negros como João
Cândido em 1910, surgiram outras organizações negras.

135
NTE
INTERESSA

Em 1931, nasceu a Frente Negra Brasileira, que foi cassada pelo Estado Novo do
governo Getúlio Vargas e o Movimento Negro Unificado – MNU em São Paulo, em 18 de
junho de 1978. No início de 1930, houve a formação da “Frente Negra”, uma organização que
teve grande influência e foi o centro convergente de uma série de entidades e grupos afros.

Outra forma de resistência cultural e política ocorreu através da arte nas


atividades das Escolas de Samba a partir de 1928 e no Teatro Experimental do
Negro em 1944 no Rio de janeiro. E na Bahia, as organizações carnavalescas como
o “Afoxé Filhos de Gandhi”, em 1949 e o Bloco “Ilê Aiyê”, em 1974 expressaram
gritos de resistência e resgate da identidade cultural. O que seriam apenas grupos
carnavalescos tornaram-se fortes movimentos sociais afros em terras brasileiras.

6.3 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Uma das primeiras religiões afro é o Candomblé. Dependendo do contex-


to, pode receber outros nomes como Xangô, em Recife, Alagoas e Paraíba; Can-
domblé, na Bahia; Tambor, no Maranhão; Batuque e Baçuê, na Amazônia; Batu-
que, no Rio Grande do Sul; Macumba, em São Paulo e Rio de Janeiro. De origem
sudanesa, os terreiros de Candomblé preservaram o culto aos orixás.

É uma experiência religiosa de grande beleza em suas celebrações. A co-


munhão entre o humano e o divino ocorre por meio da dança. É talvez a mais
intensa experiência religiosa da humanidade. O candomblé procura a harmonia
entre o ser humano e a natureza, porém, as formas difundidas da tradição afro
no Brasil são aquelas que genericamente se chamam de Umbanda. Tecnicamente,
o nome mais correto seria a Macumba, no entanto, a Macumba ganhou uma co-
notação pejorativa no catolicismo e no protestantismo, devido à intolerância re-
ligiosa, que propagaram a descriminação e estimularam a perseguição religiosa.

6.4 O AXÉ DO TERREIRO

Sempre houve uma íntima ligação entre o candomblé e as lutas de resis-


tência do povo negro. Em Salvador, por muito tempo, estar ligado aos cultos afri-
canos era motivo de prisão por suspeita de ligação com as revoltas. Fé nos orixás
e a luta por libertação do sistema escravocrata constituíam a mesma experiência.
Muitas histórias de formação de quilombos na Bahia estão ligadas à constituição
de um terreiro como o Ilê Axé Opôs Afonja.

136
O espaço do candomblé é a natureza. É uma religião ligada à terra. É
necessário que haja plantas, água corrente e animais para as obrigações e os sa-
crifícios aos orixás. Por isso é necessária a luta por terra e liberdade onde o povo
negro possa celebrar os orixás.

O terreiro deve estar sempre aberto a todos. Se alguém deseja fazer a iniciação,
faz-se necessária a ligação do candidato ao seu Orixá e incorporá-lo. Cada pessoa nasce
com seu orixá. Todo orixá tem sua planta específica, que geralmente é medicinal.

O mistério e/ou transcendente no terreiro é vivenciado através dos orixás.


Celebrar o culto aos orixás é receber a “AXÉ”, a força da natureza e dos ancestrais
que possibilita vida nova e liberdade. Participar do terreiro é entrar em comu-
nhão com os ancestrais, resgatando a real identidade do ser humano.

O terreiro se torna um espaço onde é possível viver a esperança da liber-


tação. Atualmente é possível encontrar momentos onde se percebe a ligação dos
Terreiros de Candomblé às lutas populares. Segundo Felix (1987), O movimento
do Afoxé Filhos de Gandhi, surgiu a partir de um grupo de 40 homens que eram
estivadores ligados ao Candomblé do Terreiro do Ilê Axé Opô Ajanju. Essa cate-
goria de trabalhadores foi a mais organizada e consciente da história da Bahia.
O nome escolhido foi em homenagem a Mahatma Gandhi, o grande líder da luta
pela emancipação do povo da Índia contra o colonialismo inglês e o racismo na
África do Sul. Na época, Gandhi acabara de falecer.

6.5 RESGATE DA IDENTIDADE AFRO

O objetivo da sociedade escravocrata era destruir a identidade do afri-


cano para dominá-lo. Para isso, foi estruturado um mecanismo para apagar da
memória do negro o seu passado. Oficialmente, não se reconhecia a maneira de
trabalhar, de cultivar, de fazer casas, de educar os filhos, de fazer a experiência
religiosa, nem a língua dos povos afros. Até as práticas medicinais foram reco-
nhecidas como bruxarias na América.

Para aniquilar a identidade afro bantos e nagôs foram privados da terra,


família e liberdade. Foi negada a história e controladas as manifestações étnicas e
culturais, via “demonização” da vivência religiosa. Assim, o sistema escravocrata
tentou eliminar a história e a identidade cultural africana na América.

Ideologicamente, a destruição dessa identidade era reforçada pela brutali-


dade da relação branco-senhor e negro-escravo. O negro devia ser reduzido à iden-
tidade de “não humano” e/ou apenas uma mercadoria nas relações econômicas. Era
considerado rude nas relações pessoais e religiosas, incapaz de entender, merecendo
ser tratado como animal. Ser negro era sinônimo de “sem cultura e sem alma”.

No espaço do terreiro é que se reconstruíam os laços familiares de forma


ampla, ao redor dos orixás. Participar de um terreiro era pertencer a uma fa-

137
mília; significava recuperar e reconstruir uma dignidade pessoal e comunitária.
No terreiro, bantos e nagôs encontraram apoio numa organização com normas,
hierarquia reconhecida, costumes, conhecimento transmitido, relações afetivas,
celebrações, festas etc. – tudo o que era integrante da identidade de um povo.
Foi no espaço religioso do terreiro que o povo negro começou a recuperar a sua
identidade como povo que tem uma história a ser contada e resgatada.

Segundo Boff (1992), os negros escravizados tiveram de ouvir o catolicismo


de seus senhores. Afinal, que evangelho uma raposa pode anunciar em um galinhei-
ro? Um senhor de escravos a seus escravizados? Apesar das imposições dos escra-
vocratas, os negros souberam guardar sua própria religião. A experiência de Deus
africana sincretizou-se com elementos ibérico, indígena e mestiço, mas conservou
suas matrizes africanas e não ocidentais. Por ela, puderam resistir. No espaço não
controlado de seus cultos viveram uma liberdade mínima e se sentiram dignificados
por serem portadores, em seus próprios corpos em transe, da vinda das divindades.

7 SINCRETISMO: FÉ CRISTÃ E EXPERIÊNCIA DE DEUS COM


ROSTO NEGRO

A denominada evangelização ou desevangelização dos escravos negros


foi um processo forçado e, além disso, superficial. A esse respeito, Kloppenburg
(1982) fala que os negros no Brasil, apesar da afirmação de que são cristãos, con-
tinuam no fundo a ser ligados à sua religião de origem. Chamá-los simplesmente
de cristãos seria cair numa ilusão.

Ainda, não há como manipular o Espírito que sopra e paira onde quer.
Deus é espírito e verdade. Os próprios cristãos estão cansados de ler isso na pró-
pria Bíblia, mas parece que não entenderam ainda o básico de uma catequese
pneumatológica. No contexto histórico e/ou no processo de conquista da Amé-
rica, principalmente, o catolicismo da cabeça dos bispos tentaram “engaiolar” o
Espírito, que também pairou em cada terreiro revelando que Deus é mais Mãe do
que o Pai da Trindade.

Os bispos católicos jamais entenderam isso. Os pastores protestantes po-


dem captar melhor os anseios do espírito porque vivem e servem o Evangelho a
partir de uma experiência familiar. Os bispos católicos nunca foram pais e difi-
cilmente serão, logo, jamais entenderão. Ser pai é ser mais racional do que afe-
tivo. O pai da bronca, impõe normas e delimita o agir, a mãe é carinhosa, afeto,
totalmente amorosidade para com s seus filhos. Daí o motivo do povo negro ter
encontrado no terreiro a experiência da liberdade e do amor de Deus, que tem
como fonte Iemanjá, a rainha da terra e das águas. Com sua beleza e encanto
não impõe os absurdos textos normativos episcopais, mas simplesmente ama e
permite transbordar seu amor a todos os seus filhos, sejam eles negros, pardos,
amarelos ou brancos.

138
DICAS

Boaventura Kloppenburg é um dos mais bem informados estudiosos das religi-


ões afro. Em seu artigo Ensaio de uma nova posição pastoral para a Umbanda, na Revista
Eclesiástica Brasileira, nº 48 (1982), p. 506-527, retoma um estudo publicado na mesma
revista no número 28 de 1968, p. 404-417.

Por outro lado, também é fato que a maioria dos negros se fizeram católi-
cos após o forçado batismo. Entretanto, coloca-se o problema teológico-pastoral.
Seriam católicos ou do candomblé ou da umbanda? Ou então, as duas coisas
juntas, ainda que alternadas? É exatamente esse entrelaçamento complexo e con-
traditório da religião e cultura católica e afro-latina que caracteriza um fenômeno
chamado de sincretismo cultural.

A origem desse sincretismo é atribuída normalmente ao disfarce ao qual


eram constrangidos os escravos. Eles invocavam suas divindades sob o nome
de santos católicos e dançavam suas danças sagradas como se fossem formas de
diversão. Assim, abraçavam a atitude católica imposta pelos bispos católicos, po-
rém, continuavam religiosamente africanos. No Brasil, os povos afros sofreram
uma violência concentrada: a da escravidão econômica no seu corpo e a da proi-
bição da sua cultura e da religião na sua alma.

Outro modo de sincretismo mais eficaz foram as inúmeras e difundidas


“Confrarias do Rosário dos Homens Negros”. Elas realizaram uma interpretação
mais distintamente catolicizante das religiões africanas. Aqui, o catolicismo não
foi mais que um simples verniz. Assim, nota-se que o sincretismo é histórico e
repercutiu um forte grito que ecoou aos ouvidos de muitos e nos apresentou um
novo modo de experimentar Deus na perspectiva africana.

Ainda, o encontro das religiões afro, indígena e o cristianismo, não resul-


taram apenas num sincretismo estratégico, mas também em formas de combina-
ções espontâneas e criativas onde operava a lógica da livre associação, da corres-
pondência livre dos elementos dos sistemas religiosos em questão, propiciando
uma maior compreensão da diversidade cultural.

139
E
IMPORTANT

Para Eliade (1980), o grande acontecimento do século XX, mais importante do


que as grandes guerras e as grandes revoluções foram o descobrimento da diversidade
das culturas. Até o século XX houve casos de justaposição ou mesmo de compenetração
inconsciente de culturas múltiplas. Cada povo enxergava as culturas de outros povos como
barbárie ou falta de cultura.

Todavia, o importante é contemplar a maneira como se relacionam as di-


versas culturas nos dias atuais. Estão longe de ocuparem uma posição semelhan-
te. Há culturas conquistadoras, invasoras e culturas invadidas e conquistadas, no
entanto, as culturas invadidas procuram resistir para salvar a sua identidade. A
modernidade só não provocou mais estragos porque o que ainda existe resiste e
quer permanecer na existência apesar da crítica. E se cultura significa algo exis-
tente, um conjunto de formas e de estruturas, um conjunto de valores ou de ob-
jetos materiais e culturais situados, definidos, reconhecidos e interiorizados por
um certo número de pessoas, devemos dizer que a modernidade é anticultura.

No Brasil, a questão sobre a importância da cultura nacional enquanto


fator de mobilização e resistência à invasão da cultura europeia surgiu no século
passado. A Igreja Católica não percebeu a problemática e o desafio porque estava
comprometida demais no processo de romanização da fé e com o lucro.

140
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A África tem uma história a ser contada.

• Se Deus fez o humano de barro, foi com terra e água da África que Ele gestou a vida.

• Historicamente é possível fundamentar a existência de uma Cosmogonia


africana, muito próxima do Xintoísmo.

• A experiência religiosa afro tem uma teologia a partir do Panteão Afro, com
seus orixás.

• A presença afro na América, além da opressão sofrida pelos bantos e nagôs, deu
origem a movimentos de resistência e propagação do candomblé e seus orixás.

141
AUTOATIVIDADE

1 Segundo Johnson (2011), a cosmogonia afro contempla OLORUM, a energia


primordial, o Criador que criou o ORUN, o mundo espiritual. No ORUN
estão os orixás, os filhos de OLORUM. Entre eles, OXALÁ, o mais velho e
os demais como ODUDUWA, OBATALÁ, EXE, IEMANJÁ e tantos outros.
Conforme os estudos realizados, quanto à origem da Terra, é verdadeiro
afirmar.

a) ( ) Iemanjá.
b) ( ) Oxalá.
c) ( ) Exu.
d) ( ) Oduduwa.

2 Os ORIXÁS, os mais populares no candomblé de origem Yorubá, muito


presentes no Brasil, foram e continuam invocados nos terreiros e até nas
missas e celebrações católicas no Brasil. Do século XVI até os dias atuais,
através das imagens de santos e anjos católicos, foi brotando o fenômeno
denominado de sincretismo religioso. Conforme os estudos realizados,
quanto a OXALÁ, é verdadeiro afirmar.

a) ( ) É celebrado na sexta-feira santa.


b) ( ) É celebrado no dia 15 de janeiro, dia de Nosso Senhor do Bonfim.
c) ( ) É celebrado no dia 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida.
d) ( ) É celebrado no dia 24 de abril, dia de São Jorge.

3 Segundo Boff (1992), os negros escravizados no Brasil tiveram de ouvir o


catolicismo de seus senhores. Segundo o autor, que evangelho uma raposa
pode anunciar em um galinheiro? Apesar das imposições dos escravocratas,
os negros souberam guardar sua própria religião. A experiência de Deus
africana sincretizou-se com elementos ibérico, indígena e mestiço, mas
conservou suas matrizes africanas e não ocidentais. Por ela, puderam
resistir. No espaço não controlado de seus cultos viveram uma liberdade
mínima e se sentiram dignificados por serem portadores, em seus próprios
corpos em transe, da vinda das divindades. Quanto aos povos africanos
que chegaram ao Brasil, é verdadeiro afirmar.

a) ( ) Cuchitas e Aiye.
b) ( ) Bantos e Nagôs.
c) ( ) Garamantes e Orubás.
d) ( ) Etíopes e sudaneses.

142
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

TEOLOGIA LATINO-AMERICANA:
BUSCA POR DEUS NA AMÉRICA
LATINA

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico será apresentada a Teologia na América Latina e/ou a busca


por Deus numa releitura do processo de conquista do território por ação dos
conquistadores europeus. Será feita a análise dos modelos eclesiais que fincaram
raízes na história do povo latino. Será detalhada a teoria da ”opção pelos pobres”
enquanto chave hermenêutica teológica que delimita o conceito de teologia la-
tino-americana, suas consequências políticas e a reação dos bastidores da Igreja
Católica a partir dos bispos romanizados, que ainda acreditam que são príncipes
de um império que não mais existe. A seguir, a Teologia da Libertação de Gustavo
Gutierrez, Jon Sobrino, Juan Luiz Segundo, Leonardo Boff e outros, partindo da
“denúncia dos vencidos”, incluso ameríndios, povos afros, sofredores e profetas
da América Latina para afirmar que Deus ouviu o grito dos pobres e quer libertá-
-los, definindo o conceito de Deus da Vida e a Cristologia que enfatiza a imagem
do Cristo Libertador.

Continuando a reflexão, serão apresentadas outras práticas da Igreja Cató-


lica, incluindo suas opções por um projeto de cristandade e/ou padroado e o de-
senvolvimento das comunidades eclesiais de base. E ao final narra a propagação da
Teologia Pentecostal e Neopentecostal nas igrejas, principalmente no catolicismo.

2 A IGREJA CATÓLICA NO PROCESSO DE CONQUISTA DA


AMÉRICA LATINA

Para expor a Teologia da América Latina faz-se necessário ressaltar a de-


núncia das vítimas que acusam a devastação feita pelos colonizadores. A con-
quista da América Latina significou um dos genocídios da história. Os sobrevi-
ventes são povos crucificados, submetidos a condições piores que a dos judeus na
Segunda Guerra Mundial e dos cristãos sob os imperadores romanos.

Hoje, esse processo continua pelos dois terços que passam fome, pela fa-
velização das cidades, agressão ecológica e subemprego, robotização industrial,
agronegócio, êxodo rural e a política de um Estado mínimo, cuja finalidade é
preservar o subdesenvolvimento. Nesse processo, os empobrecidos são os mais
ameaçados de extermínio.

143
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

Segundo Gutierrez (1989), na América Latina o deus-mercado se instalou,


ele é um deus assassino. Muito se derrama no afã do lucro. Na ânsia da riqueza e
do poder, nada o detém, atropela o direito dos empobrecidos, pisoteia o projeto
do Deus professado pelos cristãos.

Ainda, a partir da morte dos pobres e lucro exacerbado de muitos religio-


sos das paradas de “sucesso”, os teólogos latino-americanos afirmam a fé em um
Deus, que se revelou nas pequenas comunidades e movimentos revolucionários,
pois, esse Deus é princípio de tudo, vivifica porque é vida, transborda de amor
porque é pai e mãe, se faz presente na história do continente dos empobrecidos
e, como afirma Gustavo Gutierrez (1989, p. 72), “Ele liberta porque é libertador”.

Segundo Enrique Dussel (1992), na história da América Latina podemos


identificar duas fases e três modelos de catolicismos. No início se formou o re-
gime de cristandade colonial, fortalecido pelo sistema do padroado (1492-1808),
baseado na aliança entre Igreja e Estado, entre uma falsa evangelização e o poder
temporal, entre a cruz e a espada; regime justificado pela bula Inter Caetera do
Papa Alexandre VI de quatro de maio de 1493. Essa fase é encerrada com o perí-
odo de 1808 a 1930, que marca a crise da cristandade colonial, ligada à indepen-
dência das colônias espanholas e aos governos liberais neocoloniais, dependentes
primeiro da Inglaterra e da França e, depois, dos EUA anexado ao liberalismo
que introduziu o protestantismo; e a Igreja católica começou a depender direta-
mente de Roma e não mais da Espanha.

Na segunda fase (1930-1962), surgiu um projeto de neocristandade, que


ainda não desapareceu totalmente, projeto baseado na Doutrina Social da Igreja.
E em seguida, a partir do Vaticano II (1962-1965), a Igreja da cristandade teve que
se confrontar com a Igreja dos pobres, nascida na América Latina, para a liberta-
ção dos pobres. Era mais uma fase (1962-1985).

2.1 OPÇÃO PREFERENCIAL PELO OURO

Navegar foi preciso, principalmente para o catolicismo europeu do século


XVI, caso contrário, a miséria seria inevitável. A expansão marítima europeia dos
séculos XV e XVI foi consequência da necessidade de encontrar novos mercados for-
necedores. A nação pioneira nesse processo foi Portugal. Tendo como marco inicial a
Conquista de Ceuta (1415). Situada na costa marroquina, Ceuta simbolizava o pode-
rio muçulmano. Como dessa região partiam piratas árabes, a conquista foi justificada
por Portugal como uma reação católica aos ataques muçulmanos. No entanto, a bur-
guesia lusitana saiu frustrada em seus objetivos. A intenção era interceptar as carava-
nas de ouro, marfim, pimenta e escravos que faziam parada em Ceuta. Os lusitanos
prosseguiram sua expansão contornando a África e chegando às Índias e ao Brasil,
porém, seguindo o exemplo lusitano, em 1492, após expulsar os mouros de seu ter-
ritório, os reis espanhóis Fernando e Isabel dispuseram a patrocinar uma viagem ao
oriente para Cristóvão Colombo, que resultou com a chegada ao território america-
no. Além dos espanhóis, franceses, ingleses e holandeses seguiram o mesmo curso.

144
TÓPICO 2 - TEOLOGIA LATINO-AMERICANA: BUSCA POR DEUS NA AMÉRICA LATINA

Segundo Boff (1992), a Inglaterra chegou ao ponto de oficializar a pirataria.


Os piratas foram transformados em corsários e receberam do poder real a Carta de
Corso. Por esse documento, a monarquia inglesa autorizava ataques e pilhagens
contra navios de nações inimigas, desde que os lucros dos saques fossem divididos.

Esses fatos marcam o princípio do domínio europeu em terras latino-ameri-
canos sob bênçãos do catolicismo, que perdia adeptos para o movimento reformista
protestante na Europa. A ganância e a opção preferencial pelo ouro já se encontram
muito presentes na época. Dada sua importância para a história é fundamental
ressaltar as principais consequências do contato do europeu com a América Latina.
Consequências que serão abordadas sob o ângulo dos conquistados.

Segundo Boff (1992), há estimativas de que antes da conquista havia cerca


de 88 milhões de habitantes em todo continente americano. Nessa época, Espa-
nha e Portugal não possuíam, juntos, 11 milhões de habitantes. Foi principalmen-
te através dessas duas nações que se empreendeu a conquista brutal dos povos
pré-colombianos, num dos mais sangrentos massacres da história humana.

ATENCAO

Conforme Ruggiero Romano (1973), os mecanismos básicos da conquista co-


lonial americana (principalmente no caso da América espanhola) podem ser sintetizados
em três elementos fundamentais: a espada, a cruz e a fome.

Ainda, a superioridade do armamento não constituiu condição única para


explicar a vitória do conquistador sobre os nativos. Os índios eram numerica-
mente superiores. Na revolução, além de seu armamento, os conquistadores con-
taram com o vírus de inúmeras doenças infecciosas trazidas da Europa (sarampo,
tifo, gripe, malária), causando grandes epidemias entre as tribos indígenas, que
não tinham resistência orgânica contra essas infecções.

Contaminado por doenças, que ignorava e não sabia combater, o indígena


sofria duplo impacto, físico e psicológico, pois supunha, muitas vezes, ser castigado
pelos deuses. E aproveitando-se dos mitos existentes entre os habitantes da terra e
das profecias sobre as catástrofes vindouras, o conquistador foi fincando a cruz cató-
lica sobre o vazio gerado pelo medo e pela desorientação de populações estarrecidas.

Como as autoridades políticas e religiosas entre os povos latino-america-


nos fundiam-se na figura de um único chefe, o conquistador, ao liquidar o poder
político indígena, também atacava seu poder religioso. Como demonstração de
sua força, o conquistador europeu construía igrejas e capelas católicas sobre as
ruínas dos velhos templos indígenas.

145
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

O termo fome aqui não se refere apenas à questão alimentar dos povos
latino-americanos. A fome é símbolo de um conjunto de fatores econômicos que
foram alterados com a conquista, por exemplo, alterações no ritmo de trabalho,
deslocamentos de populações e modo de vida. No que diz respeito aos desloca-
mentos, devemos notar que tiveram um caráter brutal, uma vez que transporta-
vam tribos inteiras de povos litorâneos para regiões de altiplano ou, então, tribos
moradoras de lugares quentes para regiões subtropicais.

Em suma foram esses, os complexos e eficientes mecanismos da conquista


colonial da América Latina. Conquista trágica que conjugando espada, cruz e fome,
encontramos os meios para a sustentação da opção preferencial pelo ouro e o poder.

Terminada a conquista parcial, abriu-se espaço para a imposição do sis-


tema de exploração colonial católico, que funcionou como uma das principais
alavancas no desenvolvimento do capitalismo na América Latina.

Segundo Boff (1992), para alguns, o descobrimento da América significa a


incorporação das novas terras à cultura europeia. É a visão daqueles que estavam
nas caravelas e aportaram a 12 de outubro de 1492 na atual ilha de hoje Santo
Domingo. Para eles, a descoberta corresponde à dilatação da fé e a expansão dos
valores da civilização ocidental, porém, há os que denunciam a invasão e a con-
quista violenta, com o consequente etnocídio numa proporção inimaginável. É a
perspectiva dos que estão na periferia porque foram e permanecem vítimas da
voracidade dos conquistadores. Não aceitam a versão de que a América foi des-
coberta. Ela já existia há mais de 40 mil anos.

Ainda, há um terceiro grupo, que toma distância da denúncia e procura


um caminho original. É a oportunidade para as culturas autóctones realizarem
um autodescobrimento, resgatando sua identidade sufocada e as exigências de
um diálogo profundo com a cultura europeia e as religiões.

2.2 A OPÇÃO PREFERENCIAL PELA IDOLATRIA

Afirmar um falso deus é idolatria. Esta é uma problemática que está mui-
to presente na história da conquista do terreiro latino-americano. Nas bíblias, a
idolatria é percebida enquanto perigo ao ser humano. Não afirmar a Aliança com
o Deus da vida é romper com o seu projeto e assumir o projeto da morte. Quem
não proporciona vida é partidário da morte, mesmo na mediocridade.

Segundo Gutierrez (1989), o tema da idolatria nasce num contexto cultu-


ral. A idolatria é antes de tudo uma prática. Por isso se pergunta: a quem se serve
de fato? Ao Deus da vida ou a um ídolo de morte e que estimula a matança?

Para entrar na dinâmica da idolatria faz-se necessário a confiança no que


ilude e a submissão ao que aliena. Submeter a própria vida aos ditames do poder
é oposição ao que proporciona vida. Para Gutierrez (1989), o ídolo é o que o ser

146
TÓPICO 2 - TEOLOGIA LATINO-AMERICANA: BUSCA POR DEUS NA AMÉRICA LATINA

humano forja com as mãos, convertendo-o em um fetiche e a ele se submete.

O ídolo é incapaz de caminhar ao lado de um povo. Cai na idolatria quan-


do se coloca o ouro e a prata acima de quem os fez e de seu projeto. Neste caso,
o dinheiro escraviza quem o fabricou. Assim, o fetichismo do dinheiro, portanto,
passa a ser a veneração das armas ideológicas de morte. Muito sangue se derrama
no afã do lucro. Na ânsia da riqueza e do poder, nada detém o ídolo, isto é, atropela
o direito dos pobres e pisoteia o projeto de Deus que exige a defesa do oprimido.

Segundo Gutierrez (1989), a opressão do pobre tem que ser chamada por
seu verdadeiro nome, é um assassinato. Através das vítimas do fetiche, aprecia-
mos com maior nitidez o sentido da idolatria e a razão de sua rejeição radical
por parte da Teologia latino-americana. A idolatria acarreta a morte do pobre, o
dinheiro vitima os despossuídos.

2.3 A OPÇÃO PELA MORTE DOS AMERÍNDIOS

O processo da conquista é complexo. Muitos são os fatores que impulsio-


nam os europeus a deixar o Mediterrâneo e alcançar o Atlântico e preferir as rotas
marítimas àquelas terrestres para chegar às fontes da riqueza comercial. Não é
este ou outro fator que determina a expansão. É uma totalidade complexa, porta-
dora de uma dimensão econômica, política, ideológica e evidentemente também
religiosa que se coloca em movimento de expansão e de conquista.

Primeiramente se conquista, sempre com a mão armada, os espaços dos mu-


çulmanos, depois a costa atlântica da África e das Ilhas Canárias e finalmente o vasto
oceano. Por ser um movimento global, a conquista reunia os atores sociais do tempo.

Junto com soldados vinham missionários, junto com colonizadores chega-


vam funcionários, ao lado de plebeus se incorporavam nobres, criminosos bani-
dos da sociedade e prostitutas discriminadas se agregavam a fidalgos e doutores.
Cada segmento tinha seu objetivo particular, que não raro, entravam em conflito
quando se encontravam sobre o mesmo chão na colônia.

Todavia, há exceção de alguns poucos missionários religiosos, nos quais se


constata um potencial fantástico de utopia e de generosidade, mas a maioria queria
mesmo enriquecer. Segundo Boff (1992), paradigmática é a resposta de Francisco
Pizarro, o destruidor do império inca, ao missionário que o increpta por se preocu-
par não com a evangelização, mas excessivamente com o ouro dos indígenas: “Não
vim a isso; vim pelo ouro”. A sede do ouro e prata os fazia cometer barbaridades.

Quanto aos Maias, numa única palavra conseguiram expressar a conse-


quência funesta da conquista: “Castrar o sol! Para fazer isso vieram estes estran-
geiros!” (BOFF, 1992, p. 60) O sol era a divindade suprema, a fonte da vida do
universo, o sentido de todas as coisas. Intentar destruir tal significado foi o maior
crime da conquista, na perspectiva das vítimas.

147
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

Esse processo de invasão e submetimento pela violência dura ou doce não


foi apenas inicial, nos primórdios do século XVI, ele fundou a lógica das relações
entre as potências colonizadoras e os espaços ocupados durante os séculos sub-
sequentes. Será sempre uma relação desigual, de dependência e de reprodução
daquilo que ocorria nas metrópoles.

Ainda, o saque do ouro e das riquezas naturais perpetrado pelos conquista-


dores não é quase nada em comparação com o sequestro da identidade e da memória
histórica que as culturas indígenas sofreram. Mutilou-se o homem originário, sua
sabedoria, sua ciência, suas religiões e seu senso comunitário. Segundo Boff (1992),
agora se apresenta a ocasião singular de recuperar a história anterior a 1492. Não no
sentido dos arqueólogos e dos etno-historiadores, mas na perspectiva dos próprios
povos indígenas e afros que valorizam a memória ainda viva de seu passado.

Lugar especial nesse processo de resgate ocupa a religião. Ela foi negada
pelos missionários ou folclorizada pela cultura dominante. Agora se faz necessá-
rio reconhecer sua validade e legitimidade. Não apenas como um dado axial da
cultura, mas em sua significação estritamente teológica. Deus não chegou aqui
com missionários católicos ou protestantes. Na verdade, Deus já estava presente
nas culturas: a revelação não se restringiu à experiência judia-cristã-islã, recolhi-
da canonicamente nos textos sagrados.

Segundo Boff (1992), esta teologia insiste no fato de que os indígenas não
são apenas pobres e por isso devam ser apoiados em suas lutas. Eles não gostam
de ser vistos como pequenos, porque culturalmente não o são. Eles são outros,
diferentes em sua cultura e em sua religião, ricos em grandes valores pessoais e
comunitários. Essa diferença precisa ser acolhida e valorizada como uma grande-
za que revela Deus em formas distintas da realização do mistério humano. Foram
de fato empobrecidos num processo de ganância e violência.

2.4 OPÇÃO PREFERENCIAL PELO PADROADO E O LUCRO

Desde a metade do século XV até o século XVII, os pontífices concederam


aos soberanos da Espanha e de Portugal privilégios cada vez mais importantes,
exigindo contemporaneamente deles, em compensação, que se encarregassem da
evangelização nas terras invadidas.

O Papa Alexandre VI adotara essa linha por diversas causas: absorvido


por outras preocupações delegava a outros a evangelização e as missões. Assim,
os papados julgavam que o apoio das autoridades civis e militares constituía o
caminho mais seguro e eficaz para a catolicização da América Latina, e que a
descoberta e ocupação de novas terras eram consideradas como a continuação da
libertação da península ibérica do jugo islâmico, isto é, como um empreendimento
essencialmente sagrado.

Cada uma dessas teses tem sua parte de verdade, mas o sistema não é

148
TÓPICO 2 - TEOLOGIA LATINO-AMERICANA: BUSCA POR DEUS NA AMÉRICA LATINA

totalmente compreensível se não levam em conta as condições gerais do tempo


e a mentalidade da época, em particular a estreitíssima união do Estado com a
Igreja, típica dos regimes absolutos.

Prescindindo de controvérsias, é certo que o padroado foi atribuído aos


soberanos da Espanha e Portugal, porém, foram determinados direitos e deveres,
que faziam da evangelização na América Latina um dever do Estado, mas que
ao mesmo tempo, atribuíam plena autoridade sobre a Igreja no território das
missões.

Entre os direitos do Estado estavam: nomeação para todos os benefícios;


admissão ou exclusão de missionários confiada ao arbítrio soberano, e com
a condição, de qualquer modo, de que eles partissem sobretudo de Lisboa, de
Sevilla ou de Cádiz. Segundo Boff (1992), os missionários não podiam partir sem
a autorização régia.

Ainda, o segundo Martina (1996), o Estado deveria prover todas as despesas


do culto, o sustento e viagens dos missionários, do bispo ao sacristão; cuidar da
manutenção e restauração dos edifícios de culto. Em síntese, a autoridade civil
na América Latina gozava de direitos muito superiores aos que dispunham na
Europa.

No padroado, o número de espanhóis e portugueses não era suficiente


para explorar as imensas riquezas que a América Latina oferecia com seus metais
preciosos e produtos agrícolas. Era mais simples e mais cômodo fazer os índios
trabalharem. No entanto, o egoísmo dos conquistadores e dos colonos encontrou
um inesperado profetismo de oposição.

Os primeiros a levantarem a voz contra a opressão dos índios foram alguns


dominicanos. No quarto Domingo do advento de 1511, em Santo Domingo, o
Padre Antonio Montesinos, sem considerações e eufemismos, chamou seus
ouvintes a responsabilidade:

Com que direito e com que justiça tendes em tão cruel e horrível
servidão estes índios? Com que autoridades tendes feito tão detestáveis
guerras a estas gentes que estavam em suas terras mansas e pacíficas,
onde tão infinitas delas, com mortes e estragos nunca ouvidos, tendes
consumido? Como os tendes tão oprimidos e fatigados, sem lhes dar
de comer nem curá-los em suas enfermidades em que incorrem pelos
excessivos trabalhos que lhes dais e morrem, dizendo melhor, os
matais, para tirar e adquirir ouro a cada dia? (SUESS, 1992, p. 407).

Foi um escândalo sem precedentes que custou ao pregador uma pena


semelhante a que foi conferida pelo Vaticano ao teólogo Leonardo Boff, em 1989. Se
alguns dos dominicanos defendiam a liberdade dos índios, outros não tinham a mes-
ma prática e chegavam até receber recomendações para conter os exageros:

149
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

Os religiosos das ordens de São Francisco, São Domingos e Santo


Agostinho, que residem nessa terra, têm em seus mosteiros troncos
para pôr os índios que querem, os prendem e açoitam, pelo que lhes
parece, e os tosquiam, que é um gênero de pena que se costuma dar
aos índios (SUESS, 1992, p. 753).

Contudo, a escravidão continuou e contra ela se multiplicaram então


opúsculos e disputas públicas que resultaram na liberdade dos índios e escravidão
dos negros provindos da África.

3 A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Gutierrez (1989), partindo da experiência do Êxodo israelita estrutura os


fundamentos da Teologia Libertação. Para ele, Êxodo é o acontecimento no qual
se baseia a fé do povo judeu e também dos cristãos. As cenas do Livro Sagrado
revelam a experiência histórica da ação do Pai dos empobrecidos no processo de
libertação da opressão e da marcha rumo à terra prometida.

Este é o ato funcional da Teologia da Libertação. Trata-se da vivência de
um povo. Segundo Gutierrez (1989), o Pai dos empobrecidos se revela como li-
bertador, através de um gesto que acompanha e dá sentido a todo itinerário que
leva seu povo ao encontro com ele. Por isso, libertação e culto estão estreitamente
ligados. No entanto, a libertação, por sua vez, chega à plenitude no grito dirigido
àquele que se identifica como Abba, o Pai dos oprimidos.

Durante cinco séculos, os ameríndios, afros e demais empobrecidos da


América Latina nunca foram ouvidos. A cultura europeia e os modelos eclesiás-
ticos que foram adotados andaram por um caminho de mão única. Segundo Boff
(1992), agora é a vez de ouvir o reverso da conquista. Dar a vez ao discurso dos
empobrecidos desta terra. A presença europeia significou genocídio e etnocídio.

O desenvolvimento autônomo das culturas aqui presentes foi interrompi-


do abruptamente. De autônomas passaram a dependentes e subjugadas. Torna-
ram-se culturas do silêncio e da resistência. Não puderam exercitar sua criativida-
de e dar sua contribuição à experiência universal do ser humano ou à experiência
cristã. Tiveram de ser eco da voz dos outros. Somente nos dias atuais despertam,
com renovada força e buscam autonomia, liberdade e solidariedade com todas as
raças e línguas.

Somos obrigados, por consciência a ouvi-los. É nosso dever ético, que cor-
responde ao seu direito de falar, de proclamar sua versão dos fatos e de querer
ajudar na construção de um continente mais sensato, solidário e feliz.

150
3.1 SINCRETISMO TEOLÓGICO

Por sincretismo entende-se o encontro de culturas e teologias, resultando


em uma nova expressão teológica, algo muito comum na história da Teologia na
América Latina. O sincretismo surge com a ideia de “missão” ou levar Deus. É
uma ideia medieval e arcaica. É a tentativa de engaiolar o Espírito Santo ou mani-
pular Deus e usá-lo com pretensões políticas, algo comum na história da presença
da Igreja Católica na América Latina.

A Igreja católica concede, no mês de outubro, uma atenção especial à sua


atividade missionária. Para balizar sua catequese, escolhe como lema: “ Ide e
anunciai!” Ir aonde e anunciar o quê? O anúncio é sempre desdobrado em renún-
cia e denúncia. Neste triângulo de renúncia, denúncia e anúncio, a missão ganha
chão, vida e força para resistir às tentações de um discurso evasivo, fora de lugar
e fora de tempo.

Seria mais adequado o lema “Ide e renunciai!” Atualmente, a Igreja ca-


tólica procura renunciar os erros históricos, pede perdão aos povos da América
Latina, procura se colocar à escuta e aprende com os empobrecidos. Esta escuta é
condição prévia da fé. O missionário aprende a escutar primeiramente no lugar
do empobrecido, na sua cultura, nas suas assembleias.

O primeiro anúncio do Evangelho é prático. É a mudança de lugar do


missionário. Sua sorte dependerá, a partir desta mudança, da sorte dos empobre-
cidos. Para o missionário não existe mais texto decorado. Sua opção não é apenas
no espírito. Ele não vem para expor prédicas ou propor uma nova teoria, mas
uma práxis transformadora.

Esta práxis não se refere à transformação da cultura, mas à transformação


global da sociedade, que ameaça a sobrevivência dos oprimidos. Esta transforma-
ção é condição para a simples sobrevivência física dos empobrecidos e é condição
do Deus entendido na America Latina, que sintoniza a fraternidade entre raças
e línguas com a filiação divina. Assim, a libertação não se reduz à sobrevivência
física, mas não se realiza independente dela.

Tanto para os judeus, como para os povos empobrecidos da América La-


tina, a revelação de Deus, marcada por lugares, está profundamente vinculada
à terra sobre a qual se atam os laços da Aliança e se alicerçam as promessas de
um futuro sem morte. A conquista da terra prometida é penhor da fidelidade do
Deus dos oprimidos e também é prova da fidelidade do seu povo. É horizonte
de um mundo novo e redimido, condição apocalíptica de “ um novo céu e uma
nova terra”.

Assim, a missão fundada na justiça refaz todas as relações pela base, suprimin-
do completamente toda a injustiça. Este ato de refazer define o novo do céu e o novo
da terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram. E o ambiente propício para
refazer é aqui na história, que deve ser construída por meio da resistência e denúncia.
151
A opção preferencial pelos empobrecidos da América Latina força a redi-
mensionar o sentido da salvação. Uma visão dualista da salvação não pode servir
dentro de um compromisso de luta pela reconquista da terra alienada.

Segundo Boff (1992), a boa notícia da salvação do humano por ação de


Deus, que extrapola a questão da terra, não responde às más notícias que inquie-
tam os empobrecidos. Este evangelho seria um projeto de amor sem prática, um
resíduo de religião-ópio, um calmante que não cura as causas do sofrimento.

Parafraseando os profetas bíblicos poderíamos dizer aos jesuítas, domini-


canos, agostinianos, franciscanos, camilianos, paulinos e outros do mesmo ramo
do mercado da Educação, Saúde e Comunicação: ai de vós que ajuntam casa a
casa, colégios a colégios, latifúndios a latifúndios e ficam proprietários ou acio-
nistas. Nada tem em nome próprio, mas tem usufruto de todo o patrimônio da
empresa disfarçada de Vida Religiosa Consagrada.

Outro tema explorado por Gutierrez (1989) é o tema do “ano santo” do


Antigo Testamento bíblico, chamado “ano jubilar”, que era celebrado, sempre
depois de sete anos sabáticos, de 50 em 50 anos, fazendo voltar a “propriedade
alienada” aos seus donos originais.

No Livro do Êxodo, a redistribuição das terras e casas era base da recon-


ciliação com Deus e com a comunidade. Não havia reconciliação interclassista.

Dessa forma, percebemos que reconciliação e conversão significam então


desfazer a acumulação ou promover a comunhão. A conversão tem sempre uma
incidência sobre a comunhão dos bens terrestres e sobre a participação na admi-
nistração do bem comum e dos frutos da terra.

Assim, o ambiente de fraternidade definitiva é a “terra prometida”. Para o


povo contemplado no Livro do Êxodo a terra prometida era o retorno ao “paraíso
terrestre” do qual o humano havia sido expulso Também, no Novo Testamento, a
terra e a história do povo messiânico são o ambiente, onde começa a eternidade.
A terra que Jesus promete aos mansos, humildes e pobres, é a terra molhada pelo
sangue dos denominados mártires cristãos. Porém, diante dos sinais da morte,
cresce a esperança numa justiça definitiva e numa redistribuição da vida, que a
Teologia cristã chama de ressurreição, um fenômeno que será analisado na sequ-
ência com mais cuidado porque mostra traços de libertação, sinônimo da ânsia e
desejo do personagem Jesus de Nazaré.

3.2 AS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE E O SINCRETISMO


DE RESISTÊNCIA

Outro fenômeno muito importante para a Teologia da Libertação foi a for-


mação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Estas pequenas comunidades

152
surgiram entre 1950 e 1960, após a efervescência representada pelas várias pas-
torais sociais em diferentes igrejas cristãs. Com a iniciativa do alto clero católico,
surgiram as denominadas CEBs, um modelo eclesial de comunhão-participação.
Eram populares em suas expressões e profundamente evangélicas em seu espí-
rito. Era um novo jeito de ser igreja, que nascia da base e na Bíblia bem aberta
encontraram a luz certa para denunciar e resistir contra a opressão, dominação
estrangeira e o poder dominante nacional.

Nas quatro instâncias constitutivas da Igreja, enquanto grandeza teológi-


ca, as CEBs trouxeram contribuições notáveis: à palavra (apropriação pelos leigos
do comentário bíblico e da reflexão), à celebração (criação de novos ritos e reinte-
gração dos ritos tradicionais), ao ministério (surgimento de vasta gama de servi-
ços, mistérios laicais e carismas); por fim à missão (com a criação de outras comu-
nidades e inserção na realidade local, social e política de forma transformadora).

Inegavelmente esse novo modo de ser Igreja representava uma distribui-


ção distinta do poder religioso, produziu muitos bens simbólicos e elaborou um
consenso eclesial diferente daquele da Igreja hierárquica.

Este modelo eclesial e original vem baseado nas primeiras comunidades


cristãs, no pão dividido pela metade, na pedagogia de baixo para cima, na ro-
tatividade das funções, na centralidade do empobrecido, de sua libertação e na
importância de uma Cristologia na vida daqueles que optaram de maneira prefe-
rencial pelo cristianismo.

Apesar de certas contradições e dependências do velho modelo eclesial,


não se pode negar a novidade teológica adotada pelo novo modelo de Igreja pre-
sente na América Latina.

O modelo eclesial de CEBs conseguiu atrair para parcelas importantes do


cristianismo hierárquico. Estas comunidades realizaram muitos milagres. Conse-
guiram fazer os “cegos” enxergarem a realidade que exclui, oprime e mata. Com
a visão adquirida a partir dos pequenos tão presentes nas CEBs, muitos teólogos
e membros do clero passaram a enxergar e presenciar o milagre do “pão multipli-
cado” e partilhado. Assumindo a ética cristã, pautada na comunhão, as comuni-
dades conseguiram desmascarar a idolatria, o mal-uso do sagrado na história da
América Latina e o falso poder através da denúncia e da resistência.

Concretamente foi decisiva na formulação da opção preferencial de toda a


Igreja Católica pelos pobres, contra sua pobreza e em prol de sua libertação, mar-
ca registrada do novo cristianismo, definido como consequência da denominada
e perseguida Teologia da Libertação.

A partir dos anos 1960, por todos os cantos da América Latina irrompe-
ram movimentos organizados pelos pobres e oprimidos. Eles já não aceitavam
pacificamente os níveis de miséria a que estavam condenados. Começavam a se
dar conta do caráter perverso do capitalismo, construído à custa da miséria de

153
muitos. As CEBs buscavam um caminho de libertação, uma sociedade diferente,
onde os oprimidos conscientizados e organizados fossem os principais sujeitos
da transformação necessária.

Junto desses movimentos estavam muitos teólogos e bispos, a exemplo


de Gustavo Gutierrez, Leonardo Boff, Rubem Alves, Dom Paulo Evaristo Arns,
Dom Luciano Mendes, Dom Pedro Casaldáliga e outros desconhecidos. Eles se
associaram ao projeto político de uma sociedade democrática, participativa, igua-
litária e sensível aos valores religiosos. Estes cristãos militantes começaram a se
perguntar em que medida o Reino de Deus e a salvação se articulavam com suas
lutas de salvação-libertação.

Concluíram que a salvação integral passa também pela salvação social e


que a salvação é sinônimo de libertação. Os círculos bíblicos e as pequenas co-
munidades aprofundavam essas convicções, bem como iam dando expressões
religiosas às lutas no sindicato, no campo e no partido político.

Assim, o modelo eclesial de CEBs tornou-se o núcleo onde se faz a experi-


ência de viver como cristão e continuar na história a missão de Jesus e do Espírito.
É onde acontece o encontro da fé e da vida, como experiência e missão.

No entanto, a grande novidade das CEBs foi e permanece, sem dúvidas,


a militância política. Aos poucos, as CEBs foram elaborando seu projeto político
popular que chegou a causar inveja até mesmo nos grandes comunistas que não
acreditavam que era possível sair algo revolucionário da religião.

As CEBs representaram a aliança concreta entre a fé e a vida dos opri-


midos num comunismo popular. Em outras palavras: a base da Igreja na base é
constituída pelos empobrecidos que lutam pela política de Jesus, que ele denomi-
na “Reino de Deus”, entrando em contraste com o arranjo socioeconômico neoli-
beral da sociedade fundada na injustiça que gera opressão e exploração.

Na perspectiva da Teologia da Libertação, evangelizar, é bem sabido, sig-


nifica proclamar, anunciar a boa nova de Jesus, o Cristo de Deus. No entanto, ser
evangelizado é ser cativado e apaixonado pela pessoa de Jesus e querer estar bem
perto dele, isto é, desejar encontrar com o seu projeto e sua práxis.

Contudo, podemos chegar na seguinte conclusão: os povos pobres, po-


bres de diversos modos, não só carentes de pão, mas também privados de liber-
dade e direitos humanos, são os meios que Deus utiliza para julgar os que lhes
arrebatam suas vidas e os que acumulam impérios. É a partir dos pobres que o
Deus “de” e “em “Jesus de Nazaré questiona e interpela, sobretudo como fizeram
os bispos católicos em Puebla:

154
A situação de extrema pobreza generalizada adquire, na vida real,
feições concretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer as feições
sofredoras de Cristo, o Senhor: feições dos povos indígenas e,
com frequência também dos povos afro-americanos, que vivendo
segregados e em situações desumanas, podem ser considerados como
os mais pobres dentre os pobres; feições de camponeses que, como
grupo social, vivem relegados em quase todo o nosso continente,
vivendo sem-terra e sem teto, vivendo em situação de extrema
dependência interna e externa, submetidos ao sistema de comércio que
os enganam e os exploram; feições de operários, que têm dificuldades
de se organizar e defender os próprios direitos e as feições de menores
e idosos, cada dia mais numerosos, frequentemente postos à margem
da sociedade... (PUEBLA, 1979, 31).

Que futuro têm esses pobres e esse cristianismo popular? É o futuro carre-
gado de sonhos e vontades de sobrevivência. O cristianismo dos pobres reassume
a grande tradição latino-americana dos indígenas, dos negros, dos pobres em
geral e confere a ela uma expressão eclesial. Pela metodologia das CEBs, de con-
fronto entre fé e vida, partindo sempre das demandas da realidade, se torna mais
fácil a inculturação do evangelho pelos próprios empobrecidos.

No entanto, configura-se um novo desafio às igrejas cristãs: separar o


evangelho do poder para originar um modelo eclesial original. Assim, o cristia-
nismo não será mais romanizado ou americanizado, mas muito mais mestiço,
afro-brasileiro e caipira, a ponto de entender Deus mais como imagem feminina
do que masculina. Na América Latina não é a Trindade Cristã que faz milagre e
abençoa, mas é Nossa Senhora, que tem uma intimidade extraordinária com os
pobres ou um simples pastor protestante com sua forma de orar.

4 CRISTOLOGIA DA TEOLOGIA LIBERTAÇÃO

A opção preferencial pelos pobres, contra sua pobreza e em prol de sua li-
bertação dá à Igreja da América Latina, no decurso dos anos, um novo jeito de ser.
A Teologia da Libertação, as CEBs, o engajamento político e as pastorais populares,
e por último, a necessidade sentida de uma “evangelização inculturada” marcaram
uma identidade nova, na qual a inspiração antropocêntrica da teologia se conjuga
com a progressiva aproximação dos empobrecidos. Esta trajetória é um indício de
sua conversão, da sua criatividade como também do seu amadurecimento.

4.1 TEOLOGIA E RESGATE DO JESUS HISTÓRICO

Quando se fala da opção preferencial pelos pobres, faz-se necessário


ressaltar três etapas na evolução da mesma opção, isto é, da “conscientização”,
da “inserção” e da “evangelização inculturada”. Não se trata, primeiramente,
de etapas cronologicamente sucessivas. O desdobramento em três etapas é,
antes, resultado de uma releitura teológica explicitada na própria opção do
personagem Jesus de Nazaré. Segundo Boff (1992), a mesma opção significou
155
uma aprendizagem progressiva a respeito do Cristo Libertador, presente na
história da Igreja.

4.1.1 Conscientização

Esta primeira fase é marcada pela atitude profética de “somente anun-


ciar” Deus vinculado com a vida dos empobrecidos da América Latina e demais
continentes. Apesar de uma realidade marcada por injustiças, as igrejas cristãs
contemplando a dor e a miséria de tantos filhos e filhas de Deus insistem que
Deus é amor e vida. Assim, elas se propõem a lutar pela libertação dos povos
oprimidos dentro de um conflituoso processo econômico, social e político.

Em suas diversas atividades pastorais quer ser voz daqueles que não têm
voz. Passa a agir dentro de um otimismo moderno. Partindo do princípio de que
Deus ouve o clamor de seu povo e liberta porque é libertador, os cristãos procu-
ram sua presença perscrutando os “sinais dos tempos”.

Sob a influência moderna do imperativo categórico de Kant e ou da filoso-


fia dialética de Marx, considerando, sobretudo, os movimentos sociais liderados
por “agentes pastorais” como sinais da ação divina, ocorrem para cristãos moder-
nos os exigidos “sinais” da presença de Deus quando os “agentes” conseguem
transformar a realidade do jeito como entendem que devem. A atuação eficiente
do homem transformador virou metáfora e sinal do Deus transformador. O agen-
te requer para a própria prática a presença de Deus.

Surge na “mística” a prática de “construir o Reino de Deus”, na qual os “agen-


tes” se propõem a converter o povo, “ignorante e alienado”, à sua visão de vida e his-
tória. São eles que “conscientizam o povo” e “conduzem o processo de libertação”.

Dessa forma, a Fé foi transformada em sinônimo da possibilidade de


construir o projeto de Jesus. Mas orquestrando todo esse projeto utópico, estava
a razão “iluminista” com um messianismo nos moldes modernos que não atingiu
a meta que se propôs. A crise se fez notada pela perda de incidência das práticas
políticas na sociedade. Os assessores, animadores e promotores sociais se confes-
sam desiludidos pelo caminho que a história levou à consciência da incapacidade
de instalar um novo sistema religioso, social, político e econômico.

Ainda, a visão linear da História, subjacente à ideia da “construção de um


novo sistema”, perdeu substância e relevância. Não contaram com a contingência
e as ambiguidades da história concreta. Querendo construir o “sistema imagina-
do”, fugiram às pressas das incertezas da história para abrigar-se na paz ilusória
de uma proposta definitiva. Exigiram para a sua prática todo respeito da presen-
ça de Deus, mas uma vez malsucedidos, sentiram-se abandonados.

Assim, o Deus hegemônico que as elites pensantes imaginaram, falhou. A


sua “força” não foi suficiente para convencer os ricos a abandonarem suas táticas

156
opressoras, mas foi suficiente para passar por cima da fé e da esperança dos em-
pobrecidos, não lhes respeitando a sua identidade.

De certa maneira, tinham-se tornado infiéis à revelação de Deus. Tinham


largado a inspiração inicial. Deus estava no início de sua prática, na indignação
ética que o sofrimento dos oprimidos lhes causava. Manifestava-se a eles no pró-
prio sofrimento do empobrecido. Mas em vez de continuarem fiéis a esta ma-
nifestação, queriam toda a presença de Deus para a prática própria. O Deus da
misericórdia cuja presença captava no rosto e no grito das vítimas foi usurpado
pelas elites e voltou a ser um Deus hegemônico que lhes dava todo aval para uma
“prática transformadora” elitista.

A “conscientização” encontra o seu auge a partir da década de 1980. É nesta
época em que dentro da própria Teologia da Libertação surgiu a crítica. Os pobres
também desejam esta libertação elitista? O impasse exigia uma maior empatia com
as bases a fim de que fosse superado o verticalismo ideológico dos “agentes”.

Deste modo, a teologia via a necessidade de uma revisão da opção prefe-


rencial pelos pobres em seus dois polos: no polo político era necessário reexami-
nar as categorias da interpretação social e as subsequentes estratégias pastorais e,
no polo místico, a dimensão espiritual deste compromisso social e político.

4.1.2 Revisão da prática

Cresceu a percepção por parte dos teólogos da libertação que o povo estava em-
penhado no processo de libertação, mas com táticas diferentes daquelas exigidas pela eli-
te pastoral. Enquanto as práticas clássicas dos “agentes” eram dirigidas por políticos ou
revolucionários profissionais, as práticas populares negligenciavam as elites libertadoras.

A meta da luta popular não era tanto a tomada de poder, mas uma vida
melhor com tudo o que isto podia significar. O povo não lutava tanto a partir de
uma consciência de classe adquirida reclamando como tal os seus direitos, mas a
partir da experiência concreta de miséria e opressão. A utopia desta gente não era
o “paraíso já”, mas condições dignas de vida.

Assim, quando pela revisão do polo da prática política começaram a valori-


zar a vida e a luta do povo pobre, a Teologia da Libertação tomou consciência da al-
teridade dos empobrecidos. Descobriram que os excluídos têm um rosto definido.
São indígenas, negros, posseiros, trabalhadores, homens e mulheres unidos na luta
pela vida. É a cultura do salário mínimo, popular, que não conta numa economia
de mercado. São pessoas, privadas de vida e liberdade, sedentos por pão e ternura.

Economicamente falando, estão destituídos de quase tudo. Todavia, isto


não significa que culturalmente eles sejam pobres. Ao contrário, agora se reparam
os valores de sua sociabilidade. É a revisão do polo místico, que vai aprofundar o
processo de ensino e aprendizagem a partir dos empobrecidos.

157
4.1.3 Revisão da mística

Nota-se que a prática dos novos agentes populares tem um polo místico:
a luta dos empobrecidos é sustentada pela fé. Querem sobreviver na esperança,
apesar de todas as forças de morte que penetram em seu cotidiano. E é nesse
cotidiano dos oprimidos que se busca a sobrevivência constantemente negada.

A vida negada é a base material de uma passagem, é o chão histórico


de uma caminhada que é, na concretude da luta cotidiana, uma busca da
transcendência. A exigência do milagre da vida vale-se da dimensão religiosa.
A incrível persistência da fé na vida alimenta-se de um Deus experimentado,
próximo e favorável à vida dos pobres. Conquistam a proximidade de Deus e
ganham fôlego para viver. E o Deus recuperado como Deus da vida, Deus dos
perdidos, Pai dos pobres, torna-se fonte para o acontecer de um mundo diferente
na mesma Mãe-Terra, Mãe de muitos seios.

Percebendo esta grande força da fé dos empobrecidos e a grande incidência


que ela tem, na luta do dia a dia, os teólogos interpelam para uma conversão dos
agentes: a Igreja deve deixar de ser apenas “mãe e mestra” e tornar-se também “
aluna e aprendiz” dos empobrecidos. Em vez de converter os empobrecidos para
suas concepções de vida e de Deus, ela deve converter-se aos empobrecidos, pois
lá com os pequenos, Deus e vida falam mais alto.

4.2 INCULTURAÇÃO DO TEXTO SAGRADO

Para a Teologia da Libertação, o contexto da convocação da Igreja para


uma reevangelização é a realidade histórica, carente de uma nova pedagogia para
fazer frente à secularização pós-moderna.

A cultura moderna ocidental, depois de ter sido forjada pelo catolicismo,


nada ou pouco tem de cristianismo. Ela dispensa as referências cristãs porque não
lhe são mais necessárias do ponto de vista socioeconômico e menos ainda do pon-
to de vista moral e religioso. É tempo de pós – catolicismo. Surge assim a necessi-
dade de reafirmar a identidade cristã e evangelizar outra vez a cultura moderna
devido ao novo contexto histórico. É necessário dar continuidade à “primeira
evangelização”, libertando o Evangelho das amarras da colonização.

A meta da reevangelização será a salvação e a libertação integral de deter-


minado povo ou grupo humano para que a missão das igrejas continuem sendo
a de restaurar o rosto desfigurado de Jesus no mundo. Assim, a reevangelização
se revela como nova fase teológica e a inserção é confirmada como pressuposto
necessário de um novo jeito de evangelizar.

Somente evangelizadores próximos ao povo poderão perceber que o de-


safio de reevangelizar é grande. A igualdade em termos econômicos e políticos

158
é condição para ser acreditável na evangelização: quem tem suas esperanças ga-
rantidas por posição e domínio na sociedade não é acreditável quando quer ensi-
nar o empobrecido a colocar suas esperanças em Deus. As virtudes misericórdia,
compaixão, solidariedade, delicadeza e humildade, formam o lado interior da
reevangelização. Os evangelizadores devem ser pessoas compadecidas, dispostas
a carregar junto com os marginalizados a realidade ferida dos mesmos.

São evangelizadores aqueles que experimentam um Deus condescendente,


um Deus despojado, amante dos empobrecidos, e que descobrem o seu Messias no
Jesus manso, humilde e sofredor, revolucionário, e que sendo Filho de Deus teve de
tornar-se um entre os empobrecidos. É o mais divino no mais humano. Não é um
Deus que repousa em si mesmo, mas que sai de si para encontrar-se no “outro”. O
que o leva a procurar o ser humano ameaçado pela morte é a sua condescendência
e compaixão. É um Deus que encontra a sua glória quando o ser humano vive.

4.3 RESGATE DO CRISTO DA FÉ

A Teologia da Libertação estabeleceu uma cristologia original, reinterpre-


tando a teologia da encarnação, vida, paixão e ressurreição de Cristo em diálogo
com o contexto social e político da América Latina. Autores como Jon Sobrino,
Juan Luiz Segundo e Leonardo Boff, assumiram este trabalho.

Encarnação é o termo teológico que corresponde à prática da opção prefe-


rencial pelos pobres. Encarnação significa a saída de Deus de si mesmo para ir ao
encontro com o outro, o ser humano. É o mistério do aniquilamento, do despoja-
mento por amor e misericórdia. É a base da reevangelização.

Com os judeus, os cristãos partilham a intuição, que ao lado de Deus, exis-


te uma dramática história de solidarização com o gênero humano. Intuímos que
Deus esteja numa incansável procura do ser humano para resgatar-lhe a vida.

A teologia da encarnação tem seu auge no evento pascal. Assim a história


da condescendência de Deus ostenta dois polos: o grito dos pobres e o grito de
Jesus no Calvário. E, nos dois, Deus ouve o clamor dos aniquilados e socorre a
vítima que grita. Diante do grito de um povo, Deus se revela como Libertador. E
se aproxima da miséria do povo: vê, escuta, conhece, desce... toma partido e faz
uma opção preferencial pelos empobrecidos.

A glória de Deus é a vida de seu povo. A identificação do interesse de Deus


com os desejos de vida de um povo é a chave para compreender a lógica da teologia
da Aliança do Sinai. A gratuidade da libertação exige a igualdade e misericórdia para
com aqueles que sofrem pondo ênfase na defesa dos direitos dos empobrecidos.

Ao cristão não é dado escolher a quem amar, não é dado discernir se a


pessoa merece ou não o nosso amor e a nossa dedicação. Assim os destinatários
do amor de Deus estão nos becos e ruas, favelas e sertões; são índios, negros,

159
brancos, morenos, presos, operários, menores e tantos outros, privados de vida,
liberdade e ternura.

As cenas do batismo de Jesus é uma recriação das comunidades primiti-


vas com diversos enfoques. Seguindo o Evangelho de Lucas descobrimos o nasci-
mento do homem novo, ancorado no amor de Deus e enviado aos empobrecidos.
Nas entrelinhas do batismo o evangelista vê um evento maior e mais significativo.
É o Pai quem batiza Jesus dando-lhe o Espírito Santo para uma missão. Assim, a
Trindade mostra sua face em pericórese-comunhão.

Se, na cena do batismo, Deus foi o protagonista, na das tentações, encon-


tramos o diabo e ou o império como personagem principal atuando sobre Jesus.
O diabo e ou o mercado seduz os seres humanos, procura suscitar em Jesus fortes
instintos para garantir-se a si mesmo: vontade de poder, ganância, cobiça, egoís-
mo que, por sua vez, o levam a oprimir e marginalizar os seus semelhantes.

Na primeira tentação o diabo toca na necessidade vital e elementar do ser


humano: a comida, a mesma que é retirada do prato dos empobrecidos que sobre-
vivem no Brasil. A segunda tentação mostra “os reinos da terra”, explana diante
de Jesus as vantagens da acumulação, de riqueza e poder. Na terceira, o diabo lhe
propõe uma vida de Messias diferente daquela à qual Deus no batismo o chamou.

A proposta é a de um Messias dos meios eficazes: prodígios e milagres –


no estilo pentecostal – para impressionar e influenciar os setores da sociedade.
Jesus resiste a todas as tentações continuando fiel à experiência do batismo. É a
paixão trinitária de Deus que garante a sua vida desde as necessidades básicas até
o modo de desenvolver a missão. Os seus desejos e anseios se encontram seguros
com este Deus que o ama e se sente profundamente amado. Numa irrestrita con-
fiança nesse Deus aceita e vive a sua fragilidade humana, recebendo do amor do
Pai forças para resistir às tentações que exaltam o “ter”, o “poder” e “o valer-se”:
ele recusa o poder econômico, político e religioso para ser um entre os empobre-
cidos e com eles edificar instaurar uma política que ele chama de Reino de Deus.

A genealogia de Jesus tem seu lugar estratégico entre o batismo e as ten-


tações, entre, por assim dizer, Deus e o diabo, isto é, entre a vida e a morte. Num
mundo dominado pelo diabo que procura desviar os caminhos dos filhos de Deus,
Jesus, inserido na humanidade, participando da filiação adâmica é chamado a vi-
ver o que vem a ser a verdadeira natureza humana e a verdadeira natureza divina.

O anúncio de Jesus de Nazaré e sua revelação como Messias dos empo-


brecidos e oprimidos indicam o porquê de sua opção por meios fracos. A recusa
do messianismo do poder é condição prévia de encontrar-se com os pobres. A
vulnerabilidade e fragilidade humanas aceitas e vividas em plena confiança em
Deus dispõem Jesus a ser o Messias dos empobrecidos.

Da gratuidade próxima de um Deus, que se revela Pai no batismo de Je-


sus, resultou um projeto inovador do ser humano e da convivência humana. O

160
homem novo nascido de Deus, vive totalmente a partir da gratuidade do Pai e,
assim, torna-se capaz de chegar aos outros para restituir-lhes a vida.

Na ética cristã, todo agir contra a moral tem sua gênese no ato idolátrico,
e todo agir ético tem uma fonte teologal. O pecado não é constituído somente
pela infração de uma lei, mas implica uma ruptura mais profunda, que expressa
o modo de se colocar perante Deus e a comunidade.

Na Teologia da Libertação, na cruz, Jesus passa pela última vez pelas ten-
tações dos “filhos de Adão”: pela tentação do poder econômico, político e messi-
ânico. A entrega de Jesus de Nazaré à morte parecia ter sido a vitória do negativo,
mas a sua morte se distingue de outras mortes pela sua fidelidade ao projeto li-
bertador. Esta entrega deixa transparecer que a fidelidade de Jesus ao projeto não
foi fácil, pois, lhe custou dores e angústias: trouxe o abandono do próprio Deus,
o Pai entrega o próprio Filho, que grita por vida. Este grito parece contradizer
violentamente todo o movimento anterior da história da paixão, que de entrega
em entrega chega à autoentrega incondicional do crucificado. Esta palavra do
abandono por parte de Deus soa como algo escandaloso e blasfemo, o que mostra
ao mesmo tempo a autenticidade e a dificuldade de interpretação.

No entanto, esta morte tem um significado. No contexto pascal, a Pales-


tina se encontra sob domínio do império romano; portanto, a pena de morte ju-
daica pela cruz não pode ser aplicada. Tem Pôncio Pilatos como governador e
Herodes Antipas que se diz o rei. Neste contexto, os movimentos populares estão
presentes: galileus, essênios, zelotas, fariseus, batistas e outros. Estes se dividem
e almejam transformações. Jesus tem um movimento particular com o projeto do
Reino de Deus.

Diante do escândalo da morte, a experiência da ressurreição significa uma


revolução. A morte escandalosa se torna salvação-libertação. Para os primeiros
cristãos a ressurreição revela uma verdade inédita e inesperada sobre o homem
crucificado. Ela é uma nova Páscoa, é a esperança dos empobrecidos, é a liber-
tação e posição definitiva de Deus sobre o que termina na cruz. Deus revela o
messias humano. As forças do império e do falso poder caem como o tombo da
besta da literatura apocalíptica. Com a sua ação, Deus se apresenta como aquele
que ouve a clamor dos pequenos porque é, de fato, o Pai dos pobres.

A ressurreição deve ser comprometida mais como um agir de Deus. Assim,


o fato de Deus ter ressuscitado Jesus se torna uma autodefinição na qual Deus de-
clara que está ao lado dos oprimidos. É a partir deste enfoque também que se abre
um caminho para superar uma religiosidade egocêntrica e mesquinha. A ressurrei-
ção de Jesus pressupõe esperança e consciência histórica, conforme a qual a história
é o lugar de uma prática concreta que se orienta pela prática de Jesus.

Esta confiança num Deus que ressuscita pode romper o pensamento le-
galista de tantos cristãos, pensamento este que no fundo se baseia no medo e na
insegurança perante um Deus que, para muitos, veste características de vingador

161
e que para acalmar a sua ira, exige boas obras. Em vista do agir de Deus que res-
suscitou Jesus, o partidário do cristianismo deve adotar outra postura de vida.
Deve assumir uma atitude em que amor é predominante. As práticas não visam,
de maneira mercantilista, garantir a salvação individual.

5 CONTEXTUALIZAÇÃO DO FROFETISMO BÍBLICO NA


AMÉRICA LATINA

Para a Teologia da Libertação a fé é prática, logo todo religioso deve sen-


tir-se mais à vontade junto aos empobrecidos. E se chegar a sentar-se junto dos
ricos, deve ser como Cristo, para lembrar-lhes, sem meios termos, que eles devem
transformar suas riquezas num serviço aos empobrecidos, porém, este profetis-
mo, às vezes, propicia desafios. Entre eles pode estar o martírio.

De modo exemplar, Frei Tito de Alencar Lima encarnou todos os horrores


do regime ditatorial implantado na América Latina sob a tutela da dominação
norte-americana. Frei Tito permanece como símbolo das atrocidades infindáveis
do poder ilimitado, prepotente e arbitrário. Ficou, sobretudo, como exemplo a
todos que resistem à dominação, lutam por justiça e liberdade, aprendendo, na
difícil escola da esperança, que é preferível “morrer do que perder a vida”. Frei
Tito foi preso em novembro de 1969. Foi vítima das maiores atrocidades, princi-
palmente entres os dias 17 e 27 de fevereiro de 1970. Seu relato de torturas, redi-
gido na prisão, foi divulgado pela primeira vez no Jornal Publik na Alemanha e
depois readaptado por Frei Betto em 1982.

Preso desde novembro de 1969, eu já havia sido torturado no DOPS.


Ao chegar à OBAN, no dia 17 de fevereiro de 1970, terça-feira às 14 ho-
ras, fui conduzido à sala de interrogatórios. O assunto era o Congresso
da UNE em Ibiúna, em outubro de 1968. Queriam que eu esclarecesse
fatos ocorridos naquela época. Apesar de declarar nada saber, insis-
tiam para que eu confessasse. Pouco depois, levaram-me para o pau de
arara. Dependurado, nu, com mãos e pés amarrados, recebi choques
elétricos nos tendões e na cabeça. Eram seis torturadores. Davam-me
tapas nos ouvidos e berravam impropérios. Ao sair da sala, tinha o
corpo marcado por hematomas, o rosto inchado, a cabeça pesada e
dolorida. Um soldado carregou-me até a cela, onde fiquei sozinho. Era
uma cela de 3 x 2,5m, cheia de pulas, de ratos e de baratas. Terrível mal
cheiro, sem colchão e cobertor. Dormi de barriga vazia sobre o cimento
úmido, frio e sujo. Na quarta-feira, fui acordado às 8 horas e conduzi-
do à sala de interrogatórios... na quinta-feira, três policiais acordaram-
-me à mesma hora do dia anterior. De estômago vazio, fui para a sala
de interrogatórios e lá fiquei por 10 horas... uma hora depois, com o
corpo todo ferido e sangrando, desmaiei. Fui desamarrado e reanima-
do. Conduziram-me a outra sala dizendo que passariam a descarga
elétrica para 220 volts a fim de que eu falasse antes de morrer. ‘Nosso
assunto agora é especial’, disse o capitão Albernaz ligando os fios em
meus membros. ‘Tenho verdadeiro pavor a padre’. O capitão queria
que eu dissesse onde estava o Frei Ratton. Como não soubesse, levei
choques durante quarenta minutos. Queria também os nomes de ou-
tros padres de São Paulo, Diante das minhas negativas aplicavam-me

162
mais choques, davam-me socos, pontapés e pauladas nas costas. Gri-
tavam difamações contra a Igreja. Encerrando a sessão daquele dia,
carregado, voltei à cela, onde fiquei (BETTO, 1982, p. 227).

Frei Tito foi libertado e banido do Brasil em troca de um embaixador su-
íço, que havia sido sequestrado no Rio de Janeiro pela Vanguarda Revolucio-
nária. Frei Tito peregrinou pelo exílio no Chile, Itália e França, encontrando-se
definitivamente com a ressurreição. Muitos outros padres e não padres, como
Schael Schreiber, Vladimir Hersog e Virgílio Gomes da Silva, morreram em salas
de torturas. Outros ficaram surdos, estéreis ou com defeitos físicos e mentais.
A esperança desses presos se colocava nas Igrejas, instituições que parcialmente
estavam fora do controle estatal-militar.

Na perspectiva da Teologia da Libertação, o cristianismo tem sentido en-


quanto defesa da dignidade humana. Onde houver um sofredor, lá está o próprio
Deus. As Igrejas não podem pecar por omissão.

Denunciar abertamente as violações como estas e também aquelas que


são praticadas contra a vida dos empobrecidos na América Latina é sem dúvidas,
a função primordial daqueles que realmente assumiram os empobrecidos como
opção e companheiros na missão.

Segundo Boff (2002), atualmente a burguesia se revela incapaz de con-


trolar e administrar o desenvolvimento industrial que suscitou, negando a Terra
como pátria comum. E negando a Terra, nega também os empobrecidos, nega a si
mesma e produz seus próprios coveiros, isto é, fortalece o crescimento incontro-
lável da violência e da luta armada.

Os empobrecidos não podem se calar diante da fome. Na cidade e no cam-


po os conflitos se alastram. Na luta pela terra e vida, muitos são os mártires – Jo-
simo, Rodolfo, Ezequiel, Chico Mendes, Doroty Stang etc. – que foram plantados
por todos os cantos da Mãe-Terra, causando a indignação social.

Segundo Boff (2002), se a finalidade da Igreja católica fosse evangelizar os


ricos, deter-se-ia na particularidade de um modelo econômico selvagem históri-
co, porque o rico depende, adora e defende o capital que lhe concede a riqueza.
Isto é, graças ao sistema que oprime, exclui e mata, o rico é rico.

6 TEOLOGIA PENTECOSTAL NA AMÉRICA LATINA

Em tempos de globalização e exclusão social, econômica e eclesial, torna-


-se propícia a revitalização de demônios e a confecção de milagres. É tempo de
suplicar aos céus o que na terra parece impossível.

Assim, podemos afirmar a concretização da opção pelo cristianismo mer-


cadológico e televiso. É um novo modelo eclesial que passou a vigorar na Amé-

163
rica Latina com mais destaque na década de 1990, sem qualquer originalidade. E
um modelo eclesial copiado do pentecostalismo norte-americano.

Nesse modelo, o batismo com o Espírito Santo é o âmago da experiência


do crente. O pentecostal é aquele que foi batizado no Espírito, transbordando
graça recebida, sendo muitas delas em dólar e ou prosperidade. Mas a chegada
da teologia pentecostal na América Latina é datada de 1910.

Gunnar Vigran e Daniel Berg, dois suecos naturalizados americanos, che-


garam a Belém do Pará no dia 19 de novembro de 1910 a bordo de um na-
vio de terceira classe e se alojaram no abafado e calorento porão da Igreja
Batista da rua São João Balby, dormindo numa só cama, estavam longe de
supor que o acontecimento marcava o início do maior fenômeno religioso
experimentado na América Latina (LIMA, 1987, p. 62).

A origem do movimento pentecostal nos Estados Unidos começou por


volta de 1890, quando o pastor Daniel Awrey, em Delaware, Ohio, já reunia fiéis
em cultos caracterizados pentecostais. Em 1900, no Estado de Tenesse ocorreu
uma concentração com centenas de adeptos, com desdobramentos no Kansas,
Oklaroma e Texas. Um encontro com grande público teve lugar em Los Angeles
em abril de 1906 e, a partir daí o movimento espalhou-se pelos quatro cantos dos
Estados Unidos, contagiando a América Latina.

Em 1967, por iniciativa de professores e alunos da Universidade de Du-


quesne, pequena cidade aos arredores de Pittsburgh, nos Estados Unidos, surge a
Renovação Carismática, reproduzindo a experiência pentecostal na Igreja católica.
Mas a confirmação do movimento veio em 1973, em Gottaferrara, perto de Roma,
quando os participantes do primeiro congresso de lideranças de 34 países do pen-
tecostalismo católico ouviram do Papa Paulo VI o seguinte pronunciamento:

Estamos sumamente interessados no que estais fazendo. Ouvimos fa-


lar muito sobre o que acontece entre vós e nos regozijamos. Alegram-
-nos convosco, queridos amigos, pela renovação de vida espiritual que
hoje em dia se manifesta na Igreja, sob diferentes formas e em diferen-
tes ambientes (LIMA, 1987, p. 96).

Mais tarde, no quarto congresso internacional dos pentecostais católicos,


que foram recebidos em audiência especial nos jardins do Vaticano, endossou:

Sinto-me verdadeiramente feliz em ter esta oportunidade para falar de


coração aberto a vós que viestes de todo o mundo para participar des-
ta conferência estabelecida para assistir-vos no cumprimento de vossa
tarefa como dirigentes da Renovação Carismática. De modo especial
quero assinalar a necessidade de enriquecer e tornar essa visão eclesial
que é tão essencial para a renovação, nesta etapa de seu desenvolvi-
mento (LIMA, 1987, p. 97).

No Brasil, a Renovação Carismática Católica (RCC) foi importada pelos pa-


dres jesuítas em 1972, espalhando-se por todo o território nacional, pregando um
164
proselitismo mercadológico e anulando as pequenas comunidades eclesiais de base.

A direção internacional da RCC é o International Catholic Charismatic


Renewal Office, que funciona em Roma. Na América Latina, a sede está em Bo-
gotá, Colômbia. Em Dallas, Estados Unidos, funciona um centro especializado na
preparação de jovens da América Latina para utilização dos meios de comuni-
cação no trabalho missionário. É uma Igreja disfarçada de movimento, que atua
livremente dentro de outra Igreja.

No Brasil, pela força da mídia e da prática mercadológica, a RCC está em


todas as instâncias da Igreja. O trabalho de envolvimento e a infraestrutura é es-
pantoso. Centenas de milhares de pessoas estão comprometidas. Bispos e padres
que apreciam palcos e a mídia foram convertidos. Vejamos a afirmação de Caeta-
no Minette de Tellesse, o teólogo da Renovação Carismática: “O cristão é aquele
que não tem projeto para o nosso momento histórico, ou seja, nada tem a fazer
aqui. O cristão é aquele que espera no céu outro mundo” (TELLESSE, 1986, p. 32).

165
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Teologia na América Latina é associada à histórica da conquista do


continente.

• O cristianismo católico foi fundamental no projeto de colonização e conquista


da América.

• A Teologia que surgiu na América Latina parte do princípio que Deus é o


Libertador das vítimas do processo de conquista.

• A Teologia da Libertação fez o resgate da identidade cultural e religiosa dos


povos pré-colombianos e da africanalidade.

• As Comunidades Eclesiais de Base fundaram uma nova eclesiologia na


América Latina, mas foram ofuscadas pelo pentecostalismo católico.

• A imagem de Deus é plural ou resultado de um sincretismo religioso.

166
AUTOATIVIDADE

1 Nas quatro instâncias constitutivas da Igreja, enquanto grandeza teológica,


as Comunidades Eclesiais de Base trouxeram contribuições notáveis à Teo-
logia da América Latina: à palavra (apropriação pelos leigos do comentário
bíblico e da reflexão), à celebração (criação de novos ritos e reintegração
dos ritos tradicionais), ao ministério (surgimento de vasta gama de servi-
ços, mistérios laicais e carismas); por fim à missão (com a criação de outras
comunidades e inserção na realidade local, social e política de forma trans-
formadora). Quanto à origem das CEBS é correto afirmar:

a) ( ) Teve início com o Quilombo dos Palmares.


b) ( ) A origem está nos movimentos sociais de cunho político.
c) ( ) Surgiram por determinação do Vaticano.
d) ( ) Surgiram por iniciativa do alto clero brasileiro.

2 A Teologia da Libertação estabeleceu uma cristologia original, reinterpre-


tando a teologia da encarnação, vida, paixão e ressurreição de Cristo em
diálogo com o contexto social e político da América Latina. Conforme os
estudos realizados, assinale a alternativa que aponta para o teólogo funda-
dor da Teologia da Libertação na América Latina.

a) ( ) Gustavo Gutierrez.
b) ( ) Caetano Tellese.
c) ( ) Leonardo Boff.
d) ( ) Jacques Maritan.

3 Quando a Teologia da Libertação cita a opção preferencial pelos pobres, faz-


se necessário ressaltar três etapas na evolução da mesma opção. Não se trata,
primeiramente, de etapas cronologicamente sucessivas. O desdobramento
em três etapas é, antes, resultado de uma releitura teológica do Evangelho,
Texto Sagrado aos cristãos. Quanto às etapas, é verdadeiro afirmar.

a) ( ) Revisão da prática, mística e libertação.


b) ( ) Conscientização, inserção e evangelização inculturada.
c) ( ) Releitura bíblica, oração e libertação.
d) ( ) Inculturação da fé, meditação e revolução.

167
168
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS


E PROTESTANTES:
DA MODERNIDADE À
CONTEMPORANEIDADE

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico será apresentada a narrativa histórica dos principais discur-


sos teológicos desenvolvidos da modernidade à contemporaneidade. Do século
XVIII até o XXI são inúmeros os teólogos cristãos, assim como são muitos os pen-
sadores que investigaram as teologias orientais.

Com o avanço da Reforma Protestante nos séculos XVI e XVII, a Igreja


Católica respondeu o momento de crise teológica e institucional com o Concílio
de Trento (1545-1563), propiciando um resgate da teologia nos aspectos bíblico,
sistemático e moral.

Além de resgatar a teologia patrística, também desenvolveu uma apologéti-


ca da Teologia enquanto estudo da Revelação de Deus, instaurando um sistema te-
ocrático no qual a vontade de Deus passou a ser sinônimo da vontade do Papa e vi-
ce-versa, fomentando ainda mais a intolerância religiosa. Enquanto consequências
da arbitrariedade do Concílio ocorreram diversos fatos que resultaram em mortes.

Por exemplo, a Noite de São Bartolomeu, um dos resultados práticos do Con-


cílio de Trento. Na noite de 23 para 24 de agosto de 1572, em Paris, católicos entraram
em confronto com os protestantes, resultando em mais de 3000 protestantes mortos.

Outro resultado prático foi o Tratado de Augsburgo de 1555, o qual es-


tabelecia a lógica da intolerância, com o princípio “Um reino, uma fé”, ou seja,
se o rei era católico todos do reino deveriam professar o catolicismo, se o rei era
protestante deveria professar o protestantismo.

Do tratado surgiram dois movimentos armados em 1608, autênticos exércitos


para a defesa da fé. De um lado a Liga Católica e de outro a União Evangélica. Foram
diversos os confrontos entre estes, resultando na denominada “Guerra dos Trinta Anos”.

Um exemplo de confronto foi a “Defenestração de Praga”, de 1618, quan-


do na Bohemia (Atual República Tcheca) reinava o Kaiser Ferdinand II, que era
católico, mas a população era protestante. Com fundamento no Tratado de Augs-
burgo, o imperador tentou impor a lei, porém, a União Evangélica, liderada por

169
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

Frederico II, invadiu o palácio real, lançou pelas janelas todos os ministros do
imperador/kaiser e os protestantes assumiram o poder na Bohemia.

Outra consequência nada positiva do Concílio de Trento foram os Manuais


de Teologia, que substituíram as dissertações e teses. Cada Manual deveria ter o
“Nihil Obstat”, isto é, o “Nada Consta” e/ou a aprovação das autoridades católicas
para publicar qualquer trabalho de cunho teológico, silenciando muitos teólogos.

No entanto, com as publicações teológicas liberais obrigaram tanto os


teólogos católicos quanto os protestantes a buscarem fundamentos filosóficos e
teológicos mais seguros. Entre as publicações liberais mais críticas destacam a
tese da “Igreja Invisível” de Immanuel Kant, a defesa de Ludwig Feuerbach em
torno da “humanização de Deus e a divinização do Humano”, a crítica à “religião
ópio”, de Karl Marx e o “ateísmo psicanalítico”, de Sigmund Freud.

Com estas teses, o conflito a ser enfrentado não era mais entre católicos e
protestantes, mas entre teístas e ateístas. Assim, na média em que o Concílio de
Trento foi ficando no passado, com o fim do “casamento” entre Igreja e Estado, com
a afirmação do ser humano na política, na arte, na ciência e na filosofia, as igrejas
católicas e protestantes, através de seus institutos e universidades, fomentaram a
produção teológica, quando os manuais perderam espaços para novas teses.

Ainda, novas críticas à religião foram inevitáveis, tendo a teologia uma


nova missão, isto é, provar sua razão de ser, isto é, expressar sua contribuição para
a modernidade e propiciar respostas ao humano, parte do Universo infinito. Foi
neste contexto que surgiram teólogos com maestria que enfrentaram os mais dife-
rentes temas científicos, filosóficos e teológicos. Neste tópico serão contemplados
três representantes da teologia liberal, três teólogos católicos e três protestantes.

Dos liberais será apresentada uma síntese sobre a eclesiologia de Immanuel


Kant, a humanização de Deus e divinização do humano, de Ludwig Feuerbach e
a relação teologia e neurose de Sigmund Freud. Dos católicos, será apresentada
uma síntese teológica de Teilhard de Chardin e sua “visão cósmica”, Karl Rahner,
com sua teologia pensada a partir da imanência ou “Antropologia transcendental”
e Yves Gongar, com sua “teologia ecumênica”. Dos protestantes, será enfatizado o
pensamento de Karl Barth, com sua teologia da Palavra de Deus, Rudolf Bultmann
com sua teologia existencialista e Jürgen Moltmann com sua teologia da esperança.

2 TEÓLOGOS LIBERAIS

Em todos os tópicos fizemos uso das expressões “Transcendência” e


“Transcendente”, ligando o mistério onde Deus pode ser encontrado, definido ou
conceituado apenas. Assim, o transcendente é o objeto a ser alcançado, podendo
ser “uma Teologia em nós”. Ainda, o teólogo pode fazer um a “Teologia em si”,
partindo da revelação, pensando o objeto e sua relação com a imanência. Pode
ainda, fazer um “estudo sobre Deus” a partir de uma ou várias “Tradições reli-

170
TÓPICO 3 - TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS E PROTESTANTES:
DA MODERNIDADE À CONTEMPORANEIDADE

giosas”. E mais, o teólogo pode “buscar por Deus, partindo da existência, expe-
rimentando o que Deus é e o que Deus não é, sem vínculo com qualquer dogma,
poder ou determinismo.

Foi este último caminho que pensadores como Kant, Hegel, Feuerbach, Freud,
Marx e Nietzsche decidiram seguir, instaurando o conceito de Teologia Liberal.

2.1 IMMANUEL KANT E A TEOLOGIA DA IGREJA INVISÍVEL

Transcendental para Kant (1724-1804) é o que o humano descobre. Assim,


pensar transcendentalmente é perguntar pela possibilidade do conhecimento de
determinado objeto existente no próprio sujeito. Ainda, investigar transcenden-
talmente é demonstrar como “o que está fora do humano”, via atividades dos
sentidos, é transformado em conhecimento. Ainda, isto que o humano atingiu
não é a reprodução do real, mas o resultado da produção da criatividade huma-
na. Assim, o porto seguro de partida para a navegação intelectual ou reflexão de
Kant é a razão, o que ele divide em razão pura (quando trata do conhecimento
científico, dos fenômenos) e razão prática (quando trata do conhecimento moral).

Para Kant (1986) Deus não pode ser conhecido pela razão pura porque
está fora de alcance da experiência possível, mas não é impossível falar de Deus.
Se pela razão pura há impossibilidade, resta o caminho da razão prática. Pela
razão pura conhecemos o que é, pela razão prática conhecemos o que “deve ser”.
Logo, moralmente é possível aceitar que Deus existe, podendo ser o fundamento
do “dever ser” humano, portador da consciência moral e/ou razão prática.

Na razão prática há o imperativo categórico e/ou lei moral universal, isto


é, a obediência a uma determinada norma devido ao “dever ser” e/ou por consci-
ência. Segundo Kant (1986), a consciência moral tem dois postulados: a liberdade
e a imortalidade.

Sem ser livre, a vontade não poderá ser autônoma, nem boa ou má, por-
tanto, a consciência moral é fato indiscutível e disto podemos afirmar a liberdade
como ato de valoração. Assim, o humano não é apenas sujeito cognoscente, mas
consciência moral valoradora.

Quanto à imortalidade, Kant conclui que se há um mundo fenomênico


deve haver um ente no qual nossa inspiração se realize. Tal ente é Deus, o bem
supremo. Assim, Deus não é um ser fora do humano, mas a própria razão prática,
que exige a boa conduta ao humano.

Em 1793, Kant publicou A Religião dentro dos Limites da Mera Razão, na qual
defendeu uma eclesiologia ou estudo sobre a Igreja. Na mesma obra Kant propõe
uma “Igreja Invisível” sem cultos, pastores ou sacerdotes. A fé numa Igreja de
cultos concretiza a relação senhor-escravo porque o culto é imposto, sobressaindo
o medo de ser punido, o que está muito presente nas Igrejas e religiões reveladas.

171
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

Para Kant a verdadeira religião está na consciência moral. A religião revelada


é servil e mera imposição. Fora da moral, tentar fazer algo para louvar ou agradar a
Deus nada mais é do que ilusão. Na “Igreja Invisível” não há culto, impera a liberda-
de e consciência moral, mas na “igreja visível” restam superstições e idolatria.

2.2 LUDWIG FEUERBACH: TEOLOGIA ENQUANTO


ANTROPOLOGIA

No texto A essência do Cristianismo, Feuerbach (1804-1872) reduz a teologia


cristã à antropologia. Para ele todos os conceitos e definições que a teologia cristã
atribui a Deus devem ser atribuídos ao ser humano porque o humano é o seu
Deus.

O elemento fundamental de Feuerbach é a consciência humana constitu-


ída pela racionalidade. A consciência que o humano tem de Deus é a consciência
de si mesmo. Segundo ele, a teologia cristã propõe uma vida celestial enquanto
verdade. Se a vida celestial é verdadeira então a vida terrena é falsa porque quan-
do o imaginário é tudo, a realidade é nada.

Assim, a teologia cristã anula a vontade do humano se libertar. Com isso o


cristianismo não passa de projeção, onde o humano idealiza a si mesmo no trans-
cendente, resultando em alienação, ou seja, toma como Deus aquilo que é mera
expressão humana. Dessa forma, Feuerbach chega à conclusão de que filosofia e
teologia são inconciliáveis.

Ainda, Feuerbach recepciona a integração entre finito e infinito e este in-


finito é o próprio humano que ainda não está pronto, está evoluindo, vai sendo
constituído na história, rompendo com a ideia de absoluto. Logo, o ateísmo é o
caminho necessário para o ser humano redescobrir sua dignidade, reconquistan-
do sua essência. Ainda, a experiência cristã é o relacionamento do humano com
o próprio humano, devendo, portanto, ser extinto. Com isso, a Bíblia Cristã deve
ser corrigida porque não foi Deus que criou o humano, mas o humano criou Deus
à sua imagem e semelhança.

Quanto ao Deus cristão, há uma grandeza. A grandeza de Deus é a grandeza


do humano e o sofrimento de Deus na cruz é o sofrimento humano. E quanto ao
Mistério da Santíssima Trindade, é o mistério da vida social porque somente um hu-
mano pobre e fraco projeta um Deus rico e forte. Assim, a fé em Deus é a fé no próprio
humano infinito, Logo, não devemos amar a Deus, mas amar o próprio humano.

172
TÓPICO 3 - TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS E PROTESTANTES:
DA MODERNIDADE À CONTEMPORANEIDADE

2.3 SIGMUND FREUD: TEOLOGIA DA NEUROSE

Para Freud (1856-1939) o humano é um ser insatisfeito, tem consciência


do finito, mas deseja o infinito, porém, entre o desejo e a realidade há um abismo
delimitando o infinito em ilusão. Mas por que surgiu a ideia de Deus?

Para David (2003) na perspectiva de Freud a criança teme o Pai, mas sabe
que poderá contar com Ele nos momentos de perigo. Transportando para a na-
tureza, o humano a repciona a ideia de um Pai perfeito, o qual o chama de Deus.
Assim, religião e a teologia perpetuam o humano enquanto criança. Na solidão
e na existência o humano faz a busca por um Pai forte e bondoso. Na infância,
muitos conflitos de ordem psíquica não são resolvidos, propiciando a neurose na
vida adulta, que nada mais é do que a fuga do adulto ao mundo infantil. Freud
acolhe a religião enquanto fuga do adulto ao mundo ideal e feliz da criança.

Ainda, para Freud a história do ser humano tem três estágios. O começo
é a fase da magia com seus mitos, o segundo é o estágio religioso instituído e a
plenitude da história é o tempo da ciência, o terceiro estágio. Assim, quanto mais
conhecimentos científicos o ser humano portar, mais preparado ele estará acei-
tando seus limites, junto com o que ele é de fato, a ponto de abandonar a religião.

Portanto, segundo David (2003), Freud admite que a neurose é a igreja ou


religião para onde se retiram os iludidos e fracassados. Na igreja ou na religião, o
ser humano realiza a fuga do mundo para um suposto mundo sem contradições,
feliz e ideal como é o mundo das crianças. Logo, podemos afirmar na perspectiva
freudiana, que quanto mais iludidos e fracassados existirem em uma sociedade,
maior será o número de igrejas e religiões.

3 TEÓLOGOS CATÓLICOS

As igrejas protestantes já tinham consciência da grandeza teológica exis-


tente em seus institutos e universidades muito antes do Concílio Vaticano II
(1961-1965). A Igreja Católica, porém, só durante o Concílio é que percebeu ex-
cepcionais teólogos, que muito já haviam produzido, sendo alguns ignorados e
até mesmo perseguidos, silenciados e condenados pela própria Igreja.

Devido à lamentável teologia dos manuais propiciada pelo Concílio de


Trento (1545-1563) e recepcionada pelo Concílio Vaticano I (1869-1870) havia
suspeitas de que a teologia católica estaria dominada por obscuridades porque
não havia liberdade para pesquisar. No entanto, havia uma lista de pensadores
com vasta produção. Entre eles destacam-se Karl Rahner, Yves Congar, Urs Von
Balthasar, Teilhard Chardin, Romano Guardini, Garrigou Lagrange, Marie Do-
minique Chenu, Henri De Lubac, Edward Schillebeeckx, Bruno Forte e Gustavo
Gutierrez. Aqui foram selecionados os três primeiros, dos quais será apresentada
uma síntese e breves comentários.

173
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

3.1 TEILHARD DE CHANDIN: TEOLOGIA A PARTIR DA VISÃO


CÓSMICA

O jesuíta Pierre-Marie-Joseph Teilhard de Chardin nasceu em 1º de maio


de 1881, no Castelo de Sarcenat, na França. Em 1914 interrompeu seus estudos
devido à convocação militar para a 1ª Guerra Mundial. Com o fim da Guerra
retomou seus estudos na Sorbone. Em 1923 foi à China para atividades de arque-
ologia. Em 1926, já na Europa, entrou em atrito com seus superiores, devido a
sua doutrina em torno da evolução humana. Durante a 2ª Guerra Mundial ficou
na China, onde escreveu sua grande obra, O fenômeno da humanidade. Em 1946
retornou à França e foi proibido de publicar suas teorias. Em 1951 migrou para os
Estados Unidos onde ficou até o final de sua vida em 1955.

Teilhard de Chardin foi um profundo conhecedor de teologia, filosofia e


ciência. Por isso, a finalidade de sua teologia foi a defesa da fé cristã. Com sua “vi-
são cósmica” procurou integrar teologia, filosofia e ciência, expressando sempre
seu afeto e amorosidade pelo absoluto.

A “visão cósmica” é a maneira como Teilhard Chardin (1995) define o


universo. Afirma que o universo veio se constituindo debaixo para cima, de sua
gênese até hoje e continuará se configurando, envolvendo fatos naturais, huma-
nos, psíquicos e espirituais.

Segundo este teólogo-filósofo-cientista, de uma massa primitiva vieram


os átomos, que possibilitaram as moléculas e a vida, organizando uma nova es-
fera e/ou biosfera, que se expandiu e se organizou até a origem dos primatas,
que num processo de cefalização crescente e envolvimento encefálico do sistema
nervoso, possibilitou a reflexão, a consciência e/ou espírito, isto é, o ser humano.

No entanto, este processo evolutivo continua devido à “lei da complexida-


de-consciência”, isto é, uma estrutura e curvatura psiquicamente convergentes do
mundo. Assim, temos que admitir que o universo é consequência de um processo
evolutivo que ainda não está pronto, mas que um dia atingirá o “Ponto Ômega”, a
conclusão ou auge da evolução, gerando um novo organismo, a noosfera.

Para Teilhard de Chardin (1995) a evolução é a maior descoberta de todos


os tempos, na medida em que nos coloca enquanto seres capazes de entender o
humano e o universo. Ainda, a evolução não está em conflito com o cristianismo,
ao contrário, é um argumento a seu favor porque a evolução necessariamente
deve passar pelo cristianismo. Fomos criados e ser criado significa estar numa
relação transcendental perante o Absoluto e/ou Deus.

E mais, para Teilhard de Chardin (1995), na história há uma conjunção ci-


ência-religião, incluso à filosofia. Nos últimos 300 anos nem ciência e nem religião
e nem filosofia conseguiram se diminuir mutuamente. Uma sem a outra não con-
seguem se desenvolver. Uma anima a outra. Assim, ciência e religião e também a

174
TÓPICO 3 - TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS E PROTESTANTES:
DA MODERNIDADE À CONTEMPORANEIDADE

filosofia são faces ou fases conjugadas de um único ato completo do conhecimento,


que pode abarcar para completar e contemplar o passado e o futuro da evolução.

3.2 KARL RAHNER: UMA TEOLOGIA ANTROPOLÓGICA


TRANSCENDENTAL

O alemão e jesuíta Karl Rahner, nascido em Friburgo, em 5 de março de


1904, merece destaque pela sua capacidade em abordar temas teológicos voltados
à espiritualidade. Foi um grande admirador de Immanuel Kant. Rahner foi o pri-
meiro a aplicar o método transcendental kantiano em teologia, garantindo base
filosófica para ela. Rahner concebeu a atividade teológica como interpretação da
Revelação de Deus ao humano mediante categorias filosóficas.

Enquanto profundo conhecedor de Kant, Hegel, Heidegger, Schope-


nhauer, Kierkegaard e Nietzsche, não exitou em afirmar que a filosofia mais ade-
quada para fundamentar a teologia enquanto revelação contínua sendo Tomás
de Aquino. Segundo Rahner (1969), com Tomás de Aquino é possível dar um
fundamento racional para a Teologia. Ainda, para o teólogo não produzir uma fé
cega, a razão deve ser configurada para perceber Deus.

Na teologia antropocêntrica, Rahner (1969) busca fundamentação em Hei-


degger. Ao interrogar o ser parte do humano enquanto ente, buscando entendi-
mento do ente procura entender o ser. Com efeito, se o humano pergunta sobre o
ser, percebe-se que ele tem um conhecimento do ser em geral e que o ser origina-
riamente se lhe apresente como essencialmente cognoscível.

Ainda, ao interrogar-se sobre o ser em geral revela no próprio humano uma


transcendência ao ser em geral. Tal aproximação do ser do próprio humano e/ou o ente,
é a prova da dimensão espiritual do humano, isto é, o humano enquanto espírito.

Ainda, partindo da dimensão espiritual do humano, Rahner (1969) coloca


a existência de Deus como algo absoluto. Assim, o humano é o ente que na liber-
dade, em sua busca, encontra Deus, o ente Absoluto. E ao afirmar a finitude real
do ente Absoluto postula a afirmação possível do ser Absoluto que se manifesta
livremente na criação enquanto automanifestação do Mistério/Deus que possibi-
lita a revelação através da palavra humana, que expressa sua ideia e/ou o objeto
que atingiu. Assim, para Rahner (1969), a antropologia é o ponto de partida para
o acontecer da teologia ou antropologia transcendental.

E mais, para ele o humano e o mundo são realidades com uma finalidade
sobrenatural. Logo, os três mistérios (Trindade, Graça e Encarnação) são compre-
ensíveis a partir do próprio humano, sem perder seu caráter de mistério.

Em 1960, Karl Rahner foi nomeado para a comissão Sobre os Sacramentos


do Concílio Vaticano II e em seguida, o Papa João XXIII o escolheu para ser perito

175
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

oficial do mesmo Concílio, sendo um dos protagonistas da nova teologia católica.

3.3 YVES CONGAR: UMA TEOLOGIA ECUMÊNICA

O celta Yves Congar nasceu em 13 de abril de 1904, em Sedan, nas Arde-


nas. Ainda na adolescência ingressou no Seminário da Diocese de Paris. Em 1925,
deixou a Diocese para ingressar na Ordem de São Domingos. Lecionou até 1939,
quando foi preso pelo exército alemão devido ao seu antinazismo.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, conseguiu a liberdade,


retomando as atividades pastorais e acadêmicas, porém, sua teologia não foi bem
vista na França, sendo alvo de perseguição, censura na própria Igreja Católica.
Foi proibido de lecionar, publicar e palestrar. Viveu uma experiência de exílio
em Jerusalém, quando por determinação de seus superiores na Ordem de São
Domingos foi mandado para a Terra Santa, afastando-o de suas atividades.

Seu exílio terminou em 1956 quando o bispo de Strasbourg, Jean Julien


Weber, lhe confiou uma intensa atividade pastoral com diversas conferências te-
ológicas. Durante o Concílio Vaticano II, o Papa João XXIII o convocou para ser
perito oficial de uma Comissão Teológica.

Congar é um teólogo com vasta produção. Destacamos deste a sua Teolo-


gia Ecumênica com a qual renovou a própria Teologia. Segundo ele, por dezenove
séculos o cristianismo se preocupou em conhecer a Deus, deixando de conhecer o
mundo, a realidade humana, os fatos concretos da história, a experiência política,
cultural e científica.

Congar dedicou sua vida ao processo de atualização da teologia, seja na


sua esfera moral, bíblica, pastoral, eclesial e ecumênica. Quanto ao método teo-
lógico, rejeitou o método conceitual-dedutivo, assumiu o método indutivo, par-
tindo da experiência humana na história para se aproximar do Mistério existente
em Deus Trindade.

Quanto a sua teologia ecumênica, Congar (1965) rejeitou a Igreja enquan-


to fonte de salvação e expressa que a missão da Igreja é assimilar, desenvolver
todos os valores presentes nas demais igrejas e religiões não cristãs.

Depois de hostilizar os movimentos ecumênicos gestados nas igrejas pro-


testantes, a Igreja Católica, a partir do Concílio Vaticano II, sob influência de Con-
gar, passou a fazer parte dos movimentos ecumênicos, porém, em 1937, Gongar
já havia escrito uma “Iniciação ao Ecumenismo”, traduzido para o espanhol em
1965, no qual aponta as repercussões negativas que os diversos cismas entre cris-
tãos afetaram diretamente o próprio cristianismo. A seguir estabelece o objetivo
do ecumenismo: fazer coincidir a unidade visível com a unidade invisível, isto é,
resgatar a alma do cristianismo.

176
TÓPICO 3 - TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS E PROTESTANTES:
DA MODERNIDADE À CONTEMPORANEIDADE

Para Congar (1976) cada igreja é uma comunidade situada em um contex-


to vital com sua história, o que ele chama de igreja visível, mas há a igreja invisível
que engloba todas as igrejas e reconhece a veracidade em todas as experiências
religiosas. Ainda, para Congar, os cristãos devem voltar às “Fontes”, recuperar o
cristianismo primitivo porque a verdade da religião não está nas instituições, mas
no Cristo, Deus Amor.

4 TEÓLOGOS PROTESTANTES

A história do pensamento teológico protestante começa com os protago-


nistas da Reforma Protestante. Martinho Lutero (1483-1546), na Alemanha; João
Calvino (1509-1564), na França e Ulrico Zwinglio (1484-1531), na Suíça. Estes são
definidos enquanto fontes para a teologia protestante.

A teologia protestante tem três princípios fundamentais. Primeiro: a sal-


vação da humana deriva de Deus. Segundo: não há intermediários entre Deus e o
humano. Terceiro: na Bíblia está a Palavra de Deus.

Após a morte de Lutero, o alemão Phillip Melanchthon (1497-1560), foi


um dos primeiros teólogos da Reforma Luterana. Ele aplicou conceitos aristoté-
licos nesta teologia, contrariando Lutero e propiciando fundamentação filosófica
a ela. Disso resultaram novas aventuras no procedimento teológico protestante e
uma delas foi a origem da denominada teologia protestante liberal.

Aplicando o método filológico e histórico, Johann Salomo Semler (1725-


1791) revelou que a Bíblia não é toda divina, como ensinaram os fundadores,
mas constitui um livro carregado de contribuições humanas. Na mesma linha
racional, Hermann Samuel Reimarus (1694-1768) afirmou que os elementos mira-
culosos dos evangelhos não passam de invenções dos primeiros cristãos. Para ele,
Jesus não ressuscitou, mas morreu frustrado diante do fracasso de sua pregação.

No século XIX, Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768-1834) elabo-


rou uma nova teologia de cunho protestante, transferindo a religião da esfera da
razão para o sentimento, reduzindo a dogmática teológica a simples expressões
dos sentimentos do humano em relação a Deus, isto é, são sentimentos que nas-
cem quando o humano toma consciência de si mesmo e do universo que o cir-
cunda. A seguir, o humano se dá conta de que depende do Absoluto/Deus, que é
alcançado por meio da intuição e dos sentimentos.

Ainda no contexto, Georg Hegel (1770-1831) reduz a religião ao domínio


da razão. Segundo Hegel (1936), a religião é um dos momentos conclusivos da
dinâmica dialética do Absoluto.

Todavia, não demorou para surgirem teologias que reagissem ao libera-


lismo protestante. Entre os teólogos protestantes destacam-se Karl Barth, Emil
Brunner, Paul Tillich, Rudolf Bultmann, Oscar Culmann e Jürgen Moltmann.

177
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

Aqui vamos apresentar uma síntese dos três principais teólogos protestantes.

4.1 KARL BARTH: UMA TEOLOGIA DA PALAVRA DE DEUS

O suíço Karl Barth nasceu na Basileia em 10 de maio de 1886. Iniciou seus


estudos em Berna e os concluiu na Alemanha. Em 1911 foi pastor na Igreja Refor-
mada em Safenwill. Em 1921 foi nomeado professor de teologia na Universidade
de Goettingen. Em 1926 foi a Muenster onde publicou A Dogmática Cristã (1927)
e A Dogmática Eclesiástica (1931). Em 1933, quando Adolf Hitler assumiu o poder,
Barth era professor em Bonn. No contexto foi instituída a “Igreja Evangélica da
Nação Alemã”, que aclamou Hitler como enviado divino. Nesta surgiu um mo-
vimento religioso fundamentalista chamado de “Cristãos Alemães”. Barth não
exitou em apresentar severa crítica ao nazismo e à “Igreja Evangélica da Nação
Alemã”. Disso resultaram conflitos entre Barth e as autoridades nazistas, gerando
a expulsão de Barth da Alemanha, passando a residir em sua terra natal, passan-
do a dedicar-se a uma vasta produção teológica, incluso a resistência ao nazismo.

Quanto à Teologia de Barth, é de profunda inspiração bíblica e integra os


grandes problemas da humanidade no contexto das duas grandes guerras mun-
diais. Barth, com uma mentalidade democrática, se opôs aos regimes totalitários.

Em sua obra, Barth (2005), fazendo uso do método dialético, procura su-
perar o racionalismo, humanismo e liberalismo teológico que estavam impregna-
dos na Teologia protestante. Resgata o paradoxo da “fé bíblica” e sob inspiração
do existencialismo de Soren Kierkegaard reivindica a infinita diferença qualitati-
va entre filosofia e teologia.

Para Barth (2005), o objeto da Teologia é a “Palavra de Deus”, isto é, o


conjunto da automanifestação de Deus, incluso a dimensão ontológica da Reve-
lação. A automanifestação assume três formas: a Revelação, a Bíblia e o Anúncio
da Bíblia. Pela Revelação Deus visitou o seu povo através do Cristo encarnado na
miséria humana. Pela Bíblia o ser humano recorda a revelação ocorrida e se pre-
para para a Revelação futura. Pelo anúncio a revelação é divulgada pela Igreja.

Como Deus, a sua palavra preserva a inefabilidade que o teólogo jamais


poderá alterar porque é espiritualidade e transcendência. Pela Palavra de Deus
Barth (2005) afirma ser possível compreender e explicar todos os mistérios da fé
cristã porque Deus e sua palavra constituem a mesma realidade. Por isso, Karl
Barth é o teólogo da “Palavra de Deus”.

4.2 RUDOLF BULTMANN: UMA TEOLOGIA EXISTENCIALISTA

O alemão, luterano e biblista, Rudolf Karl Bultmann nasceu em Wiefelste-


de, em 20 de agosto de 1884. Em 1903 iniciou seus estudos teológicos na Universi-

178
TÓPICO 3 - TEOLOGIAS CATÓLICAS, LIBERAIS E PROTESTANTES:
DA MODERNIDADE À CONTEMPORANEIDADE

dade de Tübingen. Em 1910 começou a lecionar na Universidade de Marburg. Em


1921 publicou sua grande obra História da Tradição Sinótica, na qual introduziu o
método histórico-morfológico.

Bultmann teve diversos contatos pessoais com o filósofo Martin Heidegger,


que também lecionava em Marburg. Devido aos contatos e pesquisas filosóficas e
teológicas, sua teologia sofreu forte influência do existencialismo de Heidegger. Viu
no mesmo um instrumento apto para o anúncio do cristianismo de forma inovadora
na modernidade. Em 1941 publicou Novo Testamento e Mitologia, com o qual obteve
reconhecimento mundial, influenciando de forma positiva a História da Teologia.

Para Bultmann (2003) a Teologia é o intelectus fidei, ou seja, pensa a fé e


conserva a inteligibilidade da Revelação de Deus. Assim, para o processo de teo-
logar faz-se necessário filosofar. Logo, a filosofia é imprescindível para a teologia,
principalmente o existencialismo, que pode oferecer representações apropriadas
para a interpretação da Bíblia, visto que está relacionada com a existência.

Ainda, o existencialismo fornece ao teólogo um esquema geral da autênti-


ca existência, sem predeterminar sua atuação concreta em cada instante particu-
lar. O mesmo presta-se à interpretação da Palavra de Deus, não só pela sua pré-
-compreensão da existência, mas acima de tudo pela concepção de ser humano
em sua especificidade. Segundo o existencialismo, o ser humano é diferente das
demais criaturas, ele tem consciência do real, é um projeto infinito e carregado de
possibilidades, podendo ter múltiplas opções e decisões.

E mais, a existência é uma luta entre vida inautêntica e vida autêntica.


Para Bultmann (2003) o anúncio do Evangelho enquadra-se com o existencialis-
mo porque conclama o ser humano a romper com o “velho humano” para um
renascimento em Cristo, gerando um humano mais completo, mais humano.

4.3 JÜRGEN MOLTMANN: UMA TEOLOGIA DA ESPERANÇA

O alemão e luterano Jürgen Montmann nasceu em 18 de abril de 1926. Em


sua juventude, no ano de 1943, em plena 2ª Guerra Mundial foi convocado pelo exér-
cito alemão e não demorou muito para ser capturado como prisioneiro. Foi condu-
zido para a prisão de Northon-Camp, na Inglaterra, onde encontrou teólogos que
também estavam encarcerados. Ali encontrou seus primeiros mestres em teologia.

Após a guerra foi para Bremen, onde prosseguiu com seus estudos teológicos
e filosóficos. Ensinou teologia em Wuppertal, Bonn, Tübingen e nos Estados Unidos.

Segundo Moltmann (2005), o centro da Teologia é Cristo, resultando a


Cristologia, isto é, o estudo da Revelação de Deus em Jesus de Nazaré, o Cristo
Ressuscitado. Assim, propõe uma releitura geral do cristianismo a partir da cru-
cificação e ressurreição. Em vez de partir da encarnação de Jesus, faz o caminho
inverso, porque na cruz de Cristo está o sofrimento humano, nossas limitações,

179
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

frustrações e também a esperança da ressurreição. Segundo ele, pelo mistério da


crucificação do ressuscitado é possível encontrar Deus, a Trindade.

A Cristologia de Moltmann se projeta para o futuro escatológico. Tudo o


que se falou de Cristo implica o que Ele será e o que se deve esperar Dele. Assim,
Moltmann (2005) afirma que no Cristo está a esperança do humano, pois a ressur-
reição não esvazia a cruz, mas a preenche de escatologia e significado.

180
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Reforma Protestante inovou a História da Teologia com novos procedimentos


hermenêuticos.

• O Concílio de Trento foi uma reação da Igreja Católica em se autoafirmar


enquanto instituição, porém, gerou o drama da intolerância religiosa.

• O Concílio de Trento e o Vaticano Segundo limitaram a Teologia Católica com


a publicação dos manuais de teologia, anulando a criatividade teológica.

• Com a liberdade religiosa Kant, Feuerbach e outros propiciaram a Teologia


Liberal.

• Enquanto reação a Teologia Liberal, teólogos protestantes e católicos


apresentaram uma vasta produção teológica com destaque para Teilhard
Chardin, Karl Rahner, Yves Congar, Karl Barth, Rudolf Bultmann e Jürgen
Moltmann.

181
AUTOATIVIDADE

1 Segundo Immanuel Kant, no processo de construção do conhecimento, o


que o humano pode atingir quando o objeto a ser estudado não é a repro-
dução do real, mas o resultado da produção da sua criatividade. Assim, o
porto seguro de partida para a navegação intelectual ou reflexão de Kant é
a razão. Conforme os estudos realizados, o conhecimento de Deus na pers-
pectiva kantiana é possível.

a) ( ) Razão prática.
b) ( ) Razão institucional.
c) ( ) Razão bíblica.
d) ( ) Razão pura.

2 O Ecumenismo é um movimento que faz apologia da comunhão entre


todas as igrejas cristãs. Quanto à origem do movimento ecumênico, assinale
verdadeiro (V) ou falso (F).

( ) O Concílio Vaticano I foi fundamental para o avanço ecumênico.


( ) O movimento ecumênico surgiu entre as igrejas protestantes.
( ) No início, a igreja católica hostilizou os movimentos ecumênicos.
( ) O Concilio Vaticano II, sob inspiração de Yves Congar, propiciou aos
católicos a participação no movimento ecumênico.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

a) ( ) V – F – V – F.
b) ( ) F – V – F – F.
c) ( ) F – V – V – V.
d) ( ) V – F – F – V.

3 A filosofia existencialista fornece ao teólogo um esquema geral da autêntica


existência, sem predeterminar sua atuação concreta em cada instante
particular. O mesmo presta-se à interpretação da Palavra de Deus, não só
pela sua pré-compreensão da existência, mas acima de tudo pela concepção
de ser humano em sua especificidade. Quanto ao teólogo defensor deste
procedimento hermenêutico, é verdadeiro afirmar.

a) ( ) Martin Heidegger.
b) ( ) Karl Rahner.
c) ( ) Karl Barh.
d) ( ) Rudolf Bultmann.

182
TÓPICO 4 —
UNIDADE 3

TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-


RELIGIOSA E COEXISTENCIAL

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico serão apresentados a origem e o desenvolvimento dos mo-


vimentos de ordem ecumênica, isto é, o esforço para propiciar a unidade entre
as igrejas cristãs, cuja finalidade estava centrada na ameaça do secularismo origi-
nado a partir das inovações científicas e tecnológicas. Ainda, serão contemplados
os movimentos que propiciaram o diálogo inter-religioso, cuja finalidade está no
esforço para conter a intolerância religiosa e o perigo do fundamentalismo. E a
seguir será apresentado o conceito e fundamentação da Teologia Coexistencial, a
qual propõe a possibilidade de atitudes éticas entre nas relações humanas, inde-
pendentemente da posição religiosa, filosófica ou política que cada ser humano
assume em seu contexto histórico.

2 TEOLOGIA ECUMÊNICA: POSSIBILIDADE DE COMUNHÃO

A palavra “ecumenismo” tem origem na expressão grega OIKOUMENE,


cujo significado pode ser “casa comum” e/ou “viver em casa de forma pacífica”.
Porém, casa aqui é a Terra, única casa possível para todos independentemente de
religião, política e cultura.

Há quem acredite que o movimento ecumênico surgiu enquanto movimento


e teologia na Igreja Católica Romana. Ao contrário, quando o movimento ecumênico
eclodiu no globo, a Igreja Católica Romana estava bastante atarefada em divulgar e
praticar o que havia sido definido no Concílio “Ecumênico” Vaticano I (1869-1870).

Importante ressaltar que a expressão “ecumênico” do dito concílio não se refere


à participação ativa de demais profissões de fé, mas como apenas ouvintes do próprio
concílio. Ainda, as duas principais decisões do Concílio Vaticano I não foram ecumênicas.

A primeira foi a “Constituição Dogmática Dei Filius”, que decretou o


cristocentrismo católico como único caminho para salvação humana. Já na in-
trodução do documento, a Igreja Católica expressa: “Congregados no Espírito
Santo neste concílio ecumênico, sob a nossa autoridade...” (DENZINGER, 2001,
p. 1045), isto é, na autoridade do papa.

A segunda foi a “Constituição Dogmática Pastor Aeternus” (DENZINGER,


2001, p. 1069), na qual a Igreja Católica decretou ser o poder do Papa o caminho e a

183
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

verdade em questões de fé e norma moral para a salvação humana, isto é, o dogma


da infalibilidade papal. Com isso, comprova a não preocupação da Igreja Católica
com uma possível unidade entre igrejas cristãs, mas em efetivar o seu próprio poder.

Constata-se historicamente que a origem dos movimentos ecumênicos


está nas igrejas protestantes. Em 1844 surgiu a Associação de Moços e Moças na
Inglaterra, sendo efetivada nos Estados Unidos da América em 1854. Em 1895
apareceu a Federação Mundial de Estudantes Cristãos. Disso resultaram diversos
eventos de cunho ecumênico. Com destaque para a Conferência de Edimburgo
de 1910, a Conferência do Panamá de 1916, a Encíclica do Patriarca de Constanti-
nopla da Igreja Ortodoxa de 1920, a União Latinoamericana da Juventude Evan-
gélica de 1941, a instituição do Conselho Mundial das Igrejas (CMI) de 1948, a
Conferência Evangélica da América Latina de 1949, 1961 e 1969 e a criação do
Conselho Nacional das Igrejas Cristãs no Brasil, em 1982.

Destes, destacamos a atuação ecumênica do CMI, fundado em Amster-


dam, no contexto caótico e violento da 2ª Guerra Mundial com a participação de
mais de 100 igrejas, sem a participação da Igreja Católica Romana, que chegou a
proibir teólogos católicos de compor o evento.

O CMI tem sua sede em Genebra, na Suíça e atualmente é composto por


representantes de 345 igrejas, incluindo protestantes históricas, ortodoxas e uma
boa parcela das igrejas pentecostais.

O CMI é o grande símbolo do movimento e da teologia ecumênica, cujo


objetivo é buscar a unidade dos cristãos e propiciar a cooperação entre as igrejas
cristãs na construção de um Planeta pacífico e justo.

Quanto à Igreja Católica Romana, ainda não faz parte do CMI, mas há
uma modesta aproximação, a ponto do Concílio “Ecumênico” Vaticano II (1962-
1965) publicar um decreto sobre o ecumenismo, com o título “Unitatis Redintegra-
tio” (DENZINGER, 2001, p. 1571) e/ou orientações práticas para o ecumenismo
na perspectiva católica.

Atualmente, as atividades ecumênicas do CMI têm foco em três segui-


mentos: relações ecumênicas, diaconia e/ou testemunho público da fé cristã e for-
mação ecumênica.

Quanto ao ecumenismo, segundo Wolff (2002), as igrejas devem ter a co-


ragem de rever sua própria história, não sob o prisma de sua profissão de fé, mas
do cristianismo conforme o evangelho, pois, cada igreja é uma expressão particu-
lar do próprio evangelho.

E são em torno das questões cruciais para o planeta e a vida em sociedade


que o CMI, a exemplo de Jesus, o Cristo, toma partido. É na defesa da vida amea-
çada pela fome, guerras, arbitrariedades, genocídios, etnocídios e ecocídios que o
CMI concretiza sua diaconia, revelando que o cristianismo tem algo a contribuir

184
TÓPICO 4 - TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-RELIGIOSA E COEXISTENCIAL

para um mundo mais justo e fraterno. Assim, o CMI comprova que o cristianismo
é mais ortopraxia do que ortodoxia.

3 TEOLOGIA INTER-RELIGIOSA: POSSIBILIDADE DE RESPEITO

Como vimos, o ecumenismo é algo ainda a ser concretizado. Em uma só


tradição religiosa, o Cristianismo, com uma só definição de Deus (Deus Trinda-
de), podem ser encontradas as multiplicações de procedimentos hermenêuticos
e jogos de interesses, incluso a preservação do poder institucional. Ainda, cada
uma, em vez de experimentar Deus sem esgotar o mistério, o define a partir das
próprias estruturas institucionais.

E quando o desafio é o possível encontro fraterno e respeitoso entre as


mais diferentes tradições religiosas espalhadas pelo planeta? É a partir desta
questão que brotou na história a Teologia do Diálogo Inter-religioso.

Vivemos tempos sombrios carregados de fanatismos e fundamentalismos


seja de ordem religiosa, quanto na política. É um mundo em crise e a partir desta
a teologia, enquanto busca por Deus, analisa a existência e propõe caminhos para
a transcendência.

A Teologia do Diálogo Inter-religioso criou a expressão “Diálogo Intercredal”


a partir dos escritos do teólogo Claude Geffré. Segundo Geffré (2013), há uma Teolo-
gia possível entre as três grandes tradições religiosas, cuja fé encontra fundamentos
na pessoa de Abraão, personagem da Bíblia Judaica, Bíblia Cristã e do Alcorão Sa-
grado. Para esta teologia, Geffré usa a expressão “Diálogo e/ou triálogo intercredal”.
Quanto à aproximação respeitosa entre tradições religiosas orientais, ocidentais e ou-
tras, Geffré usa a expressão “Diálogo e/ou pluralismo Inter-religioso”.

O princípio do pluralismo é a existência de bondade em todas as tradições


religiosas, que todas as religiões estão situadas num determinado contexto cul-
tural onde Deus pode ser encontrado e conceituado e que cada religião tem algo
a contribuir à vida no planeta. Este princípio tem sido o ponto de partida para
diversas produções teológicas. Entre estas destacamos as produções teológicas de
Raimon Pannikkar e a de Claude Geffré.

Segundo Pannikkar (1981), o mediador entre Deus e o mundo é Cristo,


que pode ser identificado nos cristianismos e nas demais tradições religiosas com
diferentes conceitos e/ou nomes.

Segundo Geffré (2013), o Mistério em Deus transcende a instituição reli-


giosa. Ao admitir isto o mesmo faz uso da expressão Teologia das Religiões cujo
paradigma é o pluralismo religioso. Partindo da Nostra Aetate, decreto do Con-
cílio “Ecumênico” Vaticano II, que trata do diálogo inter-religioso na perspectiva
da Igreja Católica Romana, afirma que devemos aceitar o que há de bom e santo
nas demais tradições religiosas. Ainda, defende que a Teologia das Religiões deve

185
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

explicar a razão do pluralismo religioso na história e apresentar fundamentos


para a aproximação, diálogo e respeito entre as diferentes religiões.

4 TEOLOGIA COEXISTENCIAL: POSSIBILIDADE ÉTICA

Para Mircea Eliade (1980) a maior descoberta da humanidade é a existência


do universo cultural. No entanto, o cenário atual mostra a internacionalização, a
comunicação em escala e a complexidade social, política, cultural e religiosa cada
vez mais intensa e tensa. Atualmente, nem tudo é evolução e desenvolvimento,
experimentamos uma aporia e uma crise humanitária e moral, fortemente marcada
pela multiculturabilidade que tem como estímulo o fenômeno da globalização.

A crise obriga o humano a voltar a navegar e/ou migrar, podendo ser
afogado em águas estrangeiras porque o país estranho, mesmo sendo cristão, na
maioria, não acolhe, muito menos quer saber que um tal de Jesus de Nazaré havia
orientado seus seguidores que o único caminho que leva o humano a Deus é a “lei
do amor ao próximo”. Daí a necessidade da ética se sobressair em relação à reli-
gião. Uma ética que garanta a preservação ambiental, direitos individuais, sociais
e os diferentes mundos culturais, nos quais o humano é uma espécie em extinção.

É sabido que a religião e o fenômeno da modernidade, incluso a técnica, fize-


ram estragos no processo de evolução do humano. Em nome de Deus muitos exérci-
tos foram criados para dominar e matar a religião estrangeira. Em nome da técnica, o
humano vem sendo substituído no setor agrícola, industrial, bancário e outros.

Com o crescimento das forças produtivas modificaram-se as atribuições


do Estado, que passou a intervir na economia, assumindo no sistema capitalista a
função de preservar as relações de produção, submetendo às delimitações do ca-
pital global, ocupando-se cada vez com questões de ordem técnica, afastando-se
do direito e da política. Priorizando ciência e técnica em tudo, a identidade dos
seres humanos enquanto sujeitos da história foi ofuscada.

Para Habermas (2012), é urgente uma mudança de paradigma, da razão


instrumental para a razão comunicativa. Pela razão comunicativa, o ser humano dá
sentido às próprias ações. Graças à linguagem é capaz de comunicar percepções,
desejos, intenções, expectativas e pensamentos. Pela razão comunicativa, o huma-
no pode resgatar a identidade de sujeito da história, ampliando a ideia de razão.

Para Habermas (2012), a razão iluminista e/ou instrumental gerou no ser


humano formas de sentir, pensar e agir, fundadas no individualismo, no isolamen-
to, na competição e no rendimento, causas dos intensos problemas sociais e con-
flitos internacionais, no que tange à degradação do meio ambiente, controle dos
recursos naturais, os movimentos migratórios e as ameaças militares. Para Haber-
mas, ciência e técnica ampliam as possibilidades humanas, mas elas não podem
penetrar em esferas de decisão onde deve imperar a razão comunicativa. Assim,
além de “práticas ecumênicas” entre cristãos, muito bem pensadas e praticadas

186
TÓPICO 4 - TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-RELIGIOSA E COEXISTENCIAL

pelo Conselho Mundial das Igrejas, além do “triálogo intercredal” entre judeus,
cristãos e muçulmanos, além das “práticas de oposição à intolerância religiosa”, há
ainda o caminho da coexistencialidade e/ou saber viver e conviver com o diferente
na cultura e na fé, porém, jamais na alma que nos faz membros da mesma espécie.

Com as inevitáveis mudanças no globo, do dia para a noite o vizinho ou com-


panheiro de trabalho poderá ser alguém diferente, isto é, poderá não ser protestante,
católico, muçulmano, hindu, judeu, xintoísta, taoista, budista ou ateu. Mesmo sendo
diferente, a comunicação irá acontecer. Daí a necessidade da linguagem nas relações
humanas. Seja através do olhar, do aperto de mão, da saudação, da oferta de uma
flor ou no gesto de estender a mão ao diferente que sofre, sem questionar se o outro
é crente ou não. O agir comunicativo na perspectiva habermasiana transcorre porque
o outro é parte da mesma espécie e não porque é adepto de uma religião.

Para compreender a Teologia Coexistencial e/ou buscar Deus, sem a obri-


gatoriedade ou urgência de encontrá-lo faz-se necessário o desprendimento de
tudo aquilo que vem desumanizando o próprio humano e uma nova consciência
que seja menos religiosa e mais ética.

A Teologia Coexistencial tem como ponto de partida e chegada o humano


e o planeta, nossa casa comum que sofre ameaças constantes a partir dos modelos
de políticas econômicas que foram efetivadas no globo. “Aproximar-se” do outro,
fazer “reuniões” onde cada líder religioso cria seu próprio altar e trono, “tolerar”
alguém da mesma espécie e ou apenas “respeitar” o semelhante são atitudes in-
satisfatórias e/ou mera demagogia perante a grande crise que vive o humano. Ou
salvamos a todos ou pereceremos. É só salvando a existência que talvez um dia
possamos entender e experimentar a essência, o próprio Deus, que na história
tem recebido uma infinidade de nomes e/ou meros conceitos.

187
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

LEITURA COMPLEMENTAR

O COVID-19 NOS FAZ DESCOBRIR ESPÍRITO NO COSMOS, NO SER


HUMANO E EM DEUS

Leonardo Boff

Vivemos numa época particularmente anêmica de espírito. A falta de polí-


ticas governamentais por parte do atual Presidente para atacar o Covid-19 mostra
mais que falta de empatia e de solidariedade para com os mais de cem mil mortos.
Mostra, o que é mais grave, a falta de espírito. Parece que o presidente vive ainda no
estágio pré-humanos, dos primatas. Não cuida nem ama a vida, a vida de seu povo.

Acresce ainda que cultura do capital que se funda no consumo afogou o espí-


rito na materialidade opaca. E sem espírito perdemos o que há de melhor em nós: a
comunicação livre, a cooperação solidária, a compaixão amorosa, o amor sensível e a
sensibilidade cordial pelo outro lado de todas as coisas, de onde nos vêm mensagens
de beleza, de grandeza, de admiração, de respeito, de veneração e de transcendência.

Há uma das festas da tradição cristãs, das mais importantes, Pentecostes,


na qual os cristãos celebram a irrupção do Espírito sobre amedrontados seguidores
de Jesus. Transformou-os em corajosos mensageiros de sua mensagem libertadora,
alcançando-nos a nós até os dias de hoje. Nesse momento trágico de afogamento do
espírito que é o mesmo que o assassinato da vida, deixada por conta de um vírus,
que o atual Presidente negacionista desconsidera como uma simples gripe, cabe
uma reflexão sobre o espírito em minúsculo e sobre o Espírito em maiúsculo.

O espírito: primeiro no universo depois em nós


Somos singularmente portadores de grande energia. É o espírito em nós.
O espírito, na perspectiva da nova cosmologia (a ciência que estuda o surgimento
do universo, sua expansão e evolução, para onde se dirige, qual é seu sentido e
nosso lugar dentro deste processo), é tão ancestral quanto o cosmos. Espírito é
aquela capacidade que os seres, mesmo os mais originários, como os hádrions, os
topquarks, os prótons e os átomos tem de se relacionarem, trocarem informações
e de criarem redes de inter-retroconexões, responsáveis pela unidade complexa
do todo. É próprio do espírito criar unidades cada vez mais altas e elegantes.

O espírito primeiramente está no mundo; somente depois está em nós.


Entre o espírito de uma árvore e nós a diferença não é de princípio. Ambos são
portadores de espírito. A diferença reside no modo de sua realização. Em nós se-
res humanos, o espírito aparece como autoconsciência e liberdade. Na árvore por
sua vitalidade e relações com o solo, com os raios solares, as energias da Terra e
do cosmos; ela sente, se relaciona, se nutre e nutre a própria natureza sequestran-
do CO2 e dando-nos oxigênio sem o qual não vivemos.

188
TÓPICO 4 - TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-RELIGIOSA E COEXISTENCIAL

Espírito humano é aquele momento da consciência em que ela se sente


parte de um todo maior, capta a totalidade e a unidade e se dá conta de que um
fio liga e religa todas as coisas, fazendo com que sejam um cosmos, e não um
caos. Como se relaciona com o Todo, o espírito em nós nos faz sermos um projeto
infinito, uma abertura total ao outro, ao mundo e a Deus.

Portanto, a vida, a consciência e o espírito pertencem ao quadro geral das


coisas, ao universo, mais concretamente: à nossa galáxia, à Via-Láctea, ao sistema
solar e ao planeta Terra, ao local onde vivemos. Para que tivessem surgido, foi pre-
ciso uma calibragem refinadíssima de todos os elementos, especialmente das assim
chamadas constantes da natureza (velocidade da luz, as quatro energias funda-
mentais, a carga dos elétrons, as radiações atômicas, a curvatura do espaço-tempo
entre outras). Se assim não fosse não estaríamos aqui escrevendo sobre isso.

Refiro apenas um dado do livro do astrofísico e matemático  Stephen


Hawking intitulado “Uma breve história do tempo” (2005): “Se a carga elétrica
do elétron tivesse sido ligeiramente diferente, teria rompido o equilíbrio da força
eletromagnética e gravitacional nas estrelas e ou elas teriam sido incapazes de
queimar o hidrogênio e o hélio, ou então não teriam explodido. De uma maneira
ou de outra a vida não poderia existir” (p. 120). A vida pertence, pois, ao quadro
geral das coisas e a vida possuída pelo espírito.

O princípio andrópico fraco e forte.


Para conferir alguma compreensão a essa refinada combinação de fatores,
criou-se a expressão “princípio andrópico” (que tem a ver com o homem). Por
ele se procura responder a esta pergunta que naturalmente colocamos: por que as
coisas são como são? A resposta só pode ser: se fosse diferente nós não estaríamos
aqui. Respondendo assim não cairíamos no famoso antropocentrismo que afirma:
as coisas só têm sentido quando ordenadas ao ser humano, feito centro de tudo,
rei e rainha do universo?

Há esse risco. Por isso os cosmólogos distinguem o princípio andrópico


forte e fraco. O forte diz: as condições iniciais e as constantes cosmológicas se
organizaram de tal forma que, num dado momento da evolução, a vida e a inteli-
gência deveriam necessariamente surgir. Essa compreensão favoreceria a centra-
lidade do ser humano.

O princípio andrópico fraco é mais cauteloso e afirma: as pré-condições


iniciais e cosmológicas se articularam de tal forma que a vida e a inteligência po-
deriam surgir. Essa formulação deixa aberto o caminho da evolução que demais
a mais é regida pelo princípio da indeterminação de Heisenberg e pela autopoie-
sis dos biólogos chilenos Maturana–Varela.

Mas olhando para trás, nos bilhões de anos, constatamos que de fato as-
sim ocorreu: há 3,8 bilhões de anos surgiu a vida e há uns quatro milhões de anos,
a inteligência. Nisso não vai uma defesa do “desenho inteligente” ou da mão da
Providência divina. Apenas que o universo não é absurdo. Ele vem carregado de

189
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

propósito. Há uma seta do tempo apontando para frente. Como afirmou o astro-
físico e cosmólogo Feeman Dyson: ”parece que o universo, de alguma maneira,
sabia que um dia nós iríamos chegar” e preparou tudo para que pudéssemos ser
acolhidos e fazer o nosso caminho de ascensão no processo evolucionário. Curio-
samente, quando no processo da evolução apareceram as flores (antes era tudo
verde), nesse momento surgiu nosso ancestral. Parece que o universo e Deus lhe
prepararam um berço de flores para enfatizar a alta qualidade deste ser que esta-
va iniciando sua jornada pelos séculos até chegar a nós.

O universo autoconsciente e portador e espírito.


O grande matemático e físico quântico Amit Goswami, que muito vem ao
Brasil, sustenta a tese de que o universo é autoconsciente (O universo autocons-
ciente, Record 2002). No ser humano ele conhece uma emergência singular pela
qual o próprio universo através de nós se vê a si mesmo, contempla sua majestá-
tica grandeza e chega a uma certa culminância.

Cabe ainda considerar que o cosmos está em gênese, não está pronto, está
ainda se autoconstruindo e em expansão contínua. Cada ser mostra uma propen-
são inata a irromper, crescer e irradiar. O ser humano também. Apareceu no cená-
rio quando 99,96% de tudo já estava pronto. Ele é expressão do impulso cósmico
para formas mais complexas e altas de existência.

Alguns aventam a ideia: mas não seria tudo puro acaso? O acaso não pode
ser excluído, como mostrou Jacques Monod no seu livro O acaso e a necessida-
de, o que lhe valeu o prêmio Nobel em biologia. Mas ele não explica tudo. Bioquí-
micos comprovaram que para os aminoácidos e as duas mil enzimas subjacentes
à vida pudessem se aproximar, constituir uma cadeia ordenada e formar uma cé-
lula viva seriam necessários trilhões e trilhões de anos. Portanto, mais tempo do
que o universo e a Terra possuem de fato, que é de 13,7 bilhões de anos. O recurso
ao acaso é dar honra à ignorância. Melhor é dizer que não sabemos.

Dizendo de forma mais exata: o recurso ao acaso mostre apenas nossa


incapacidade de entender ordens superiores e extremamente complexas como a
consciência, a inteligência, o afeto e o amor. Nesse sentido, talvez a visão de Pier-
re Teilhard de Chardin do universo, segundo a qual este mais e mais se comple-
xifica e, assim, permite a emergência da consciência e da percepção de um ponto
Ômega da evolução na direção do qual estamos viajando, seja mais adequada
para expressar a dinâmica mesma do universo.

Não seria melhor calarmos reverentes e respeitosos diante do mistério da


existência e do sentido do universo?

Depois dessas reflexões, já estamos habilitados a abordar a dimensão teo-


lógica do espírito como Espírito Criador.

O Espírito Criador e a cosmogênese.


Como não podia deixar de ser, Deus também é incluído na dimensão do

190
TÓPICO 4 - TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-RELIGIOSA E COEXISTENCIAL

espírito. E por excelência. Está presente na primeira página da Bíblia quando se


narra a criação do céu e da terra. Diz-se que sobre o touwabohu, isto é, sobre o caos,
melhor, sobre as águas primitivas “soprava um  ruah  (um vento, uma energia)
impetuoso” (Gn 1,2). Daquele caos tirou todas as ordens: os seres inanimados,
os animados e o ser humano. A este, tirado do pó como todos os demais, Deus
“soprou-lhe nas narinas o ruah de vida, o espírito, e ele tornou-se um ser vivo”
(Gn 2,7). É no capítulo 37 de Ezequiel que irrompe, de forma insuperavelmente
plástica, a força vital do espírito. Quando este vem, os ossos ressequidos ganham
carne e se transformam em vida.

Também as expressões mais altas do ser humano são atribuídas à presença


do espírito nele, como a sabedoria e a fortaleza (Is 11,2), a riqueza de ideias (Jo 32,28),
o senso artístico (Ex 28,3), o desejo ardente de ver Deus e o sentimento de culpa e a
consequente penitência (Ex 35,21; Jr 51,1; Esd 1,1; Es 26,9; Sl 34,19; Ez 11,19; 18,31).

Deus “tem” espírito.


Essa força criadora e vivificadora é eminentemente possuída por Deus.
As Escrituras falam com frequência do espírito de Deus (ruah Elohim). Ele é dado
a Sansão para ter força portentosa (Jz 14,6; 19,15), aos profetas para terem cora-
gem de denunciar em nome dos pobres da Terra as injustiças que padecem, para
enfrentar o rei, os poderosos e anunciar-lhes o juízo de Deus.

Especialmente no judaísmo intertestamentário, esperava-se para os fins dos


tempos a efusão do espírito sobre toda a criatura (Jl 2,28-32; At 2, 17-21). O Messias
será “forte no espírito” e virá dotado de todos os dons do espírito (Is 11,1ss).

É nesse contexto do judaísmo tardio que surge a tendência de personificar


o espírito. Ele continua sendo uma qualidade da natureza, do ser humano e de
Deus. Mas sua ação na história é tão densa que começa a ganhar autonomia. As-
sim se diz, por exemplo, que “o espírito exorta, se aflige, grita, se alegra, consola,
repousa sobre alguém, purifica, santifica e enche o universo”. Jamais se pensa
nele como criatura, mas como algo do mundo de Deus que, quando se manifesta
na vida e na história, tudo transforma.

O Espírito é Deus, Deus é Espírito.


A compreensão começou a mudar quando se cunhou uma expressão de-
cisiva: “espírito de santidade” ou “espírito santo”. Essa formulação guarda certa
ambiguidade, pois pode-se dizer espírito santo para se evitar dizer o nome de
Deus (coisa que os judeus até hoje, por respeito, evitam) como pode-se significar
o próprio Deus. Para a mentalidade hebraica, “santo” é o nome por excelência
de Deus, o que equivale dizer na compreensão grega: Deus como transcendente,
distinto de todo e qualquer ser da criação.

Em resumo, podemos afirmar: pela palavra espírito (ruah) aplicado a


Deus (Deus “tem” espírito, Deus envia o seu espírito, o espírito de Deus) os ju-
deus expressavam a seguinte experiência: Deus não está atado a nada; irrompe
onde quer; confunde planos humanos; mostra uma força à qual ninguém pode re-

191
UNIDADE 3 - TEOLOGIAS: AFRICANA, LATINO-AMERICANA, CATÓLICAS, PROTESTANTES E LIBERAIS:
CONCEITOS, HISTÓRIA E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO E COEXISTÊNCIA

sistir; revela uma sabedoria que torna estultície todo o nosso saber. Assim, Deus
se mostrou aos líderes políticos, aos profetas, aos sábios, ao povo, especialmente,
em momentos de crise nacional (Jz 6,33; 11, 29; 1 Sam 11,6).

Assim como é dado ao rei para que governe com sabedoria e prudência,
no caso o rei Davi (1 Sam 16,13), (oxalá o dê ao presidente antiespírito que nos
(des)governa) será dado também ao servo sofredor, destituído de toda pompa e
grandiloquência (Is 42,1). Em Is 61,1 diz-se explicitamente: “o espírito de Javé está
sobre mim porque Javé me ungiu… para anunciar a libertação dos cativos e a bo-
a-nova para os pobres”, texto que Jesus aplicará a si na sua primeira aparição na
sinagoga de Nazaré (Lc 4, 17-21). Por fim, o espírito de Deus não sinaliza apenas
sua ação inovadora no mundo, mas aponta para o próprio ser de Deus. O espírito
é Deus. E Deus é Espírito. Como Deus é santo, o Espírito será o Espírito Santo.

O Espírito Santo penetra tudo, abarca tudo, está para além de qualquer limi-
tação. “Para onde irei para estar longe de teu Espírito? Para onde fugirei a fim de es-
tar longe de tua face? Se eu escalar os céus, aí estás, se me colocar no abismo, também
aí estás” (Sl 139,7) até o mal não está fora de seu alcance. Tudo o que tem a ver com
mutação, ruptura, vida e novidade tem a ver com o espírito. O Espírito Santo está tão
unido à história que ela de profana se transforma em história santa e sagrada.

O Espírito num mundo sem espírito e em degradação.


Hoje sentimos a urgência da irrupção do Espírito Santo como na primeira
manhã da criação. A Carta da Terra, face à crise mundial ecológica, com energias
negativas que nos podem arrastar ao abismo, afirma: “Como nunca antes da his-
tória, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isso requer uma
mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência
global e de responsabilidade universal… Temos ainda muito a aprender a partir
da busca conjunta por verdade e sabedoria (final)”.

O Papa Francisco diz igualmente em sua encíclica “sobre o cuidado da Casa


Comum: ”Nunca maltratamos e ferimos a Casa Comum como nos últimos dois
séculos (n. 53). Se “não mudarmos nosso estilo de vida insustentável – continua –
só poderemos desembocar nas catástrofes” (n. 161).

Cabe ao Espírito iluminar nossa mente e transformar nosso coração. Se fi-


zermos essa conversão, dificilmente escaparemos das ameaças que pesam sobre o
sistema-vida e sistema-Terra. Cabe ao Espírito a capacidade de transformar o caos
destrutivo em caos criativo, como operou no primeiro momento do Big Bang. Ele
pode transformar a tragédia como a atual do Covid-19 numa crise acrisoladora que
nos permite dar um salto de qualidade rumo a uma nova ordem, mais alta, mais
humana, mas cordial, mais amorosa e mais espiritual. O universo, a Terra e cada
um de nós somos templos do Espírito. Ele não permitirá que seja desmantelado e
destruído. Esse pedido é urgente para a atual situação quando a Terra como um
todo é atacada por um vírus letal que está dizimando milhares de vidas.

192
TÓPICO 4 - TEOLOGIA ECUMÊNICA, INTER-RELIGIOSA E COEXISTENCIAL

Importa suplicar ao Espírito: Vem, Espírito Criador! Renove a face da Ter-


ra, aqueça nossos corações e rasgue um horizonte de sentido e de esperança para
a nossa realidade humana desumanizada e agora posta sob o risco de milhares
desaparecerem vítimas da intrusão do Covid-19. A ciência, a técnica e a vacina
são fundamentais. Mas apenas com elas não está garantido que evitemos voltar
ao que era antes. Para isso precisamos de outro espírito que dê centralidade ao
que conta: a vida, a cooperação, a interdependência, a generosidade e o cuidado
para com a natureza e para uns para outros. Se não fizermos esta viragem para-
digmática, podemos ser atacados novamente e de forma ainda mais letal.

FONTE: <https://bit.ly/2EkNCck>. Acesso em: 15 ago. 2020.

193
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Teologia Ecumênica convoca cada igreja cristã a rever sua própria história,
não sob o prisma de sua profissão de fé, mas do cristianismo conforme o
evangelho.

• A expressão “Diálogo Intercredal” que consiste em uma Teologia possível


entre as três grandes Tradições Religiosas cuja fé encontra fundamentos na
pessoa de Abraão, personagem da Bíblia Judaica, Bíblia Cristã e do Alcorão
Sagrado.

• O caminho da coexistencialidade e/ou saber viver e conviver com o diferente


na cultura e na fé.

• A Teologia Coexistencial tem como ponto de partida e chegada o Humano e


o Planeta, nossa Casa comum.

CHAMADA

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194
AUTOATIVIDADE

1 A Teologia Ecumênica, a cada dia que passa, vem sendo desenvolvida a


partir das igrejas cristãs. Quanto à Igreja Católica Romana, que ainda não
faz parte do Conselho Mundial das Igrejas, publicou um documento du-
rante o Concílio “Ecumênico” Vaticano II (1962-1965) com orientações prá-
ticas para o ecumenismo na perspectiva católica. Sobre este documento é
verdadeiro afirmar.

a) ( ) É uma Constituição Dogmática que tem por título Unitatis Redintegratio.


b) ( ) É uma Constituição Dogmática que tem por título Pastor Aeternus.
c) ( ) É um Decreto que tem por título Unitatis Redintegratio.
d) ( ) É um Decreto que tem por título Pastor Aeternus.

2 Quanto a Teologia do Diálogo Inter-religioso, o mediador entre Deus e o


Mundo é Cristo, que pode ser identificado nos cristianismos e nas demais
tradições religiosas com diferentes conceitos e/ou nomes. Assinale a alter-
nativa que aponta para o autor que defende esta tese.

a) ( ) Claude Geffré.
b) ( ) Raimon Pannikkar.
c) ( ) Karl Barth.
d) ( ) Karl Rahner.

3 Conforme os estudos realizados quanto ao tema da Teologia Coexistencial,


assinale verdadeiro (V) ou falso (F).

( ) Para compreender a Teologia Coexistencial e/ou buscar Deus, sem a obri-


gatoriedade ou urgência de encontrá-lo faz-se necessário o desprendi-
mento de tudo aquilo que vem desumanizando o próprio humano e uma
nova consciência que seja menos religiosa e mais ética.
( ) A Teologia Coexistencial tem como ponto de partida e chegada o próprio
Deus revelado e o planeta, nossa casa comum que sofre ameaças constantes
a partir dos modelos de políticas econômicas que foram efetivadas no globo.
( ) A Teologia Coexistencial tem como ponto de partida e chegada o huma-
no e o planeta, nossa casa comum que sofre ameaças constantes a partir
dos modelos de políticas econômicas que foram efetivadas no globo.
( ) A Teologia Coexistencial propõe que só salvando a existência talvez um
dia possamos entender e experimentar a essência, o próprio Deus.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.


a) ( ) V – F – V – V.
b) ( ) F – F – V – F.
c) ( ) F – V – F – V.
d) ( ) V – F – F – F.

195
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