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PRÁTICA PASTORAL

Autoria: Welder Lancieri Marchini

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz
Prof.ª Tathyane Lucas Simão
Prof. Ivan Tesck

Revisão de Conteúdo: Neivor Schuck


Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa: UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2018


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

250
M315p Marchini, Welder Lancieri
Prática pastoral / Welder Lancieri Marchini. Indaial: UNIAS-
SELVI, 2018.

158 p. : il.
ISBN 978-85-69910-96-1
1.Teologia Pastoral.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Welder Lancieri Marchini

Doutorando em Ciência da Religião (PUC-SP)


onde pesquisa a recepção do Concílio Vaticano II
pela Igreja no Brasil, mestre pela mesma instituição,
com pesquisa sobre os impactos da metrópole em
ambiente urbano. Pós-graduado em teologia pastoral,
com ênfase na teologia da missão (ITESP), bacharel em
Filosofia (PUC-Campinas) e em Teologia (ITESP).

É professor convidado na Graduação em Teologia


do ITF (Petrópolis), na pós-graduação em Ciência da
Religião da PUC (São Paulo) e na pós-graduação Religião
e Cultura na UNIFAI (São Paulo). Trabalha como editor
teológico na Editora Vozes.

É autor do livro “Paróquias urbanas: entender


para participar” pela Editora santuário (2017) e do
livro de catequese com adolescentes “Perseverando
com Jesus” pela Editora Vozes (2015).
Sumário

APRESENTAÇÃO.....................................................................01

CAPÍTULO 1
Religião, Cultura e Sociedade................................................9

CAPÍTULO 2
Teologia Pastoral: Conceitos e Métodos..........................39

CAPÍTULO 3
Iniciação dos Sujeitos Eclesiais..........................................73

CAPÍTULO 4
Gestão Pastoral e Evangelização.....................................105

CAPÍTULO 5
Evangelização e Juventude.................................................121

CAPÍTULO 6
Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso.............................145
APRESENTAÇÃO
A teologia é responsável por pensar a natureza e a razão de ser da Igreja de
Jesus. Se no início do cristianismo os discípulos e discípulas eram pessoas que tiveram
experiência pessoal com Jesus, as outras gerações se distanciam historicamente
dessa vivência. Surge então a preocupação para que não se perca a autenticidade do
seguimento de Jesus e do evangelho em contextos culturais diferentes.

Quando uma cultura muda, mudam também as práticas religiosas, mesmo que
não mude o referencial. A teologia nasce da experiência de fé do cristão que busca
melhor entender os ensinamentos de Jesus para praticá-los. Somos cristãos. Mas
cada realidade pede práticas diferentes, mesmo que o referencial seja único. Jesus
não disse nada a respeito de ser cristão frente os desafios da internet. E simplesmente
porque a internet não existia no seu tempo.

Ao pensar como deve ser o cristão estamos fazendo teologia. E se a intenção


do teólogo é estabelecer um modo de ser consoante ao de Jesus, ele se ocupa de
estabelecer critérios para a prática cristã. Como essa prática tem ressonância da vida
comunitária, pois o cristão nunca é cristão sozinho, nos inspiramos no pastoreio de
Jesus. Temos então, na teologia, uma área destinada à Pastoral.

Mas aqui iremos um pouco além. Mais que uma teologia, iramos pensar práticas
pastorais que dialoguem com o modo de agir e de ser da pessoa de Jesus de Nazaré.

Iniciamos uma caminhada que tem um percurso próprio. No Primeiro Capítulo


buscaremos entender que toda religião está inserida em um contexto cultural e
por isso dialoga diretamente com a cultura onde se estabelece. A prática pastoral
busca dialogar com a sociedade e entende-la é necessário para termos práticas de
evangelização que melhor dialoguem com o ser humano do mundo atual.

O diálogo com a sociedade gera métodos e perspectivas pastorais. No Segundo


Capítulo traremos os modelos pastorais existentes bem como os vários cenários que
compõe as comunidades cristãs. Saber quem somos é importante para sabermos
aquilo que faremos para anunciar a Boa Notícia de Jesus.

Após ver o que é a pastoral e como a própria Igreja se entende, entraremos em


alguns temas que são caros à pastoral cristã. No Terceiro Capítulo abordaremos a
temática da prática catequética. Ela possibilita que a comunidade forme seus novos
membros. No Quarto Capítulo veremos quais são os critérios para que a comunidade
gerencie suas atividades pastorais e possibilite um trabalho mais eficiente. Pensar
a gestão comunitária é imprescindível para que a comunidade utilize suas forças e
empenho na evangelização.
No Quinto e Sexto Capítulos nos dedicaremos, sucessivamente, à evangelização
da juventude e ao diálogo inter-religioso e ecumênico. Se o trabalho com os jovens
é desafiador por nos cobrar novos métodos e perspectivas pastorais, o ecumenismo
nos faz sair o comodismo e das posições dogmáticas para nos lançarmos ao encontro
com o outro, nosso irmão.

Aqui não traremos verdades quanto ao modo de agir. Buscaremos ser coerentes
com a ideia de que o discernimento para uma ação coerente com a pessoa de Jesus
é fruto do contato com a realidade concreta. Buscaremos antes trazer algumas
inquietações e reflexões teológicas que iluminam o agir da comunidade cristã que
busca a construção do reino.
C APÍTULO 1
Religião, Cultura e Sociedade

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Identificar a religião como construção cultural.

 Enunciar as características do indivíduo da sociedade atual para um maior


diálogo com as práticas pastorais.

 Exercitar a capacidade hermenêutica na leitura da sociedade atual e estabelecer


métodos de diálogo pastoral.

 Estabelecer diálogo com a sociedade atual na intenção de construir métodos


pastorais eficientes e eficazes.
PRÁTICA PASTORAL

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Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

ConteXtualização
A pastoral é entendida como a ação da Igreja. Você, aluno, pode estar sedento
por encontrar aqui técnicas e estratégias para melhor executar seu trabalho pastoral.
Mas, antes precisamos entender o objetivo deste primeiro capítulo. Sempre que
executamos um trabalho pastoral, estabelecemos um diálogo entre a Igreja e a
sociedade ou a pessoa que recebe os serviços pastorais. Não podemos incorrer no
erro de pensar os trabalhos pastorais sem antes pensar sobre os receptores desta
mensagem. Por isso este capítulo funcionará como uma grande fotografia que
tiraremos da sociedade para melhor entendê-la. Somente depois disso seremos
capazes de pensar em uma pastoral que melhor dialogue com a sociedade.

Neste primeiro capítulo vamos trazer alguns conceitos básicos para


que nossa prática pastoral seja mais eficiente. A ideia de eficiência vem Neste primeiro
do mundo empresarial. Sabemos que as igrejas não são propriamente capítulo vamos
empresas, nem queremos que sejam. Mas algumas reflexões do universo trazer alguns
conceitos básicos
empresarial podem auxiliar-nos. Uma dessas reflexões que encontramos
para que nossa
no mundo empresarial se refere a duas palavras que são importantes prática pastoral seja
para os planejamentos e estratégias de trabalho. A primeira delas é a mais eficiente.
ideia de que o trabalho empresarial precisa ter eficiência, ou seja, é
preciso saber fazer com competência aquilo a que se propõe. A segunda, eficácia,
ou seja, deve-se buscar alcançar resultados com seu trabalho. A prática pastoral de
uma comunidade também deve buscar ter eficiência e eficácia, mas, para que isso
aconteça, precisamos conhecer aqueles que receberão a mensagem do Evangelho
e a sociedade onde essas pessoas vivem.

Eficiência é entendida como o saber fazer. Eficácia está


relacionada aos resultados alcançados.

Uma comunidade eclesial está longe de ser uma empresa, mas podemos
estabelecer um diálogo, pois sempre encontramos nela um caráter empresarial.
Nosso trabalho pastoral precisa ter eficácia. Precisamos alcançar resultados. A
reflexão teológico-pastoral que devemos fazer é sobre quais são esses resultados.
Nem sempre uma igreja cheia é sinônimo de pessoas que realmente acolham a
mensagem do Evangelho tornando-se discípulas e discípulos de Jesus.

Mas também precisamos buscar a eficiência. É preciso saber fazer um


trabalho de qualidade. Já não cabe mais uma catequese que ignora os processos

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pedagógicos, cultos ou missas mal preparados, atendimentos mal feitos ou


qualquer outra atividade que beire o amadorismo.

Para alcançar eficiência e eficácia nos processos pastorais, é necessário


conhecer bem o nosso público-alvo, entendido aqui como as pessoas que
receberão a mensagem que traremos. A mensagem de Jesus não muda, mas,
como a cultura muda, devemos conhecer a cultura em que vivemos para melhor
estabelecer um diálogo entre ela e o Evangelho de Jesus.

Assim, buscaremos entender a cultura em que vivemos. Começaremos


pelo próprio conceito de cultura e depois de religião. Depois adentraremos nas
características da sociedade atual, fortemente marcada pela individualidade, pelo
consumo e pela busca da satisfação. Essas informações serão importantes para,
depois, pensar em práticas pastorais mais eficientes e eficazes.

Religião Como Produção Cultural


Iniciamos uma caminhada onde buscaremos construir conhecimentos sobre
a Prática Pastoral, que é a maneira como uma Igreja busca estabelecer sua pre-
sença na sociedade. Mas essa prática, apesar de obedecer a critérios de nossa
relação com Deus, acontece em uma sociedade concreta, com práticas específi-
cas e culturas próprias.

A religião assume As práticas pastorais de uma comunidade cristã no Japão serão


características
próprias da cultura diferentes das práticas de uma comunidade na África ou na Inglaterra. A
onde está presente. religião assume características próprias da cultura onde está presente.

Você sabia que no Japão as pessoas utilizam roupas pretas em


dia de festa e roupas brancas para representar o luto?

Por mais que Deus seja um, as igrejas cristãs são múltiplas. Elas assumem
características culturais do lugar onde estão. Deste modo, por mais que o preto
seja a cor do luto na cultura de raiz europeia, é legítimo à prática pastoral no
Japão utilizar o branco, que tem mais significado naquela região.

Mas não precisamos sair do nosso país para perceber essa diversidade
cultural. Uma pessoa que vive sua religião em um grande centro urbano, como

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Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

São Paulo, traz uma cultura diferente daquela que vive num pequeno povoado no
Amazonas ou mesmo no litoral do Nordeste. Também a religião será diferente em
cada lugar onde ela se faz presente.

É importante entender que, mesmo quando falamos de comunidades


católicas, elas não são todas iguais, por mais que as orientações da Igreja Católica
sejam as mesmas. Também quando falamos de Igrejas Assembleia de Deus, por
exemplo, do Ministério Madureira, elas também têm orientações, mas cada uma
assume características próprias do pastor local.

Mas a Igreja não é sempre a mesma? Se a religião cristã é dada


por Deus, até que ponto nós podemos mudá-la?

Não se trata de mudar a religião, nem de negar que ela seja dada por Deus. Mas,
antes, de conseguir estabelecer contato entre aquilo que queremos anunciar com
aqueles que receberão o anúncio. Se alguém pensa em vender roupas de frio num
lugar onde a temperatura mínima é de 28º C ou 30º C, sua tentativa será frustrada.

Mas, antes de continuar nossa conversa, precisamos de duas informações


importantes. A primeira é sobre o conceito de cultura. A segunda, sobre o conceito
de religião. Entendendo que a cultura influencia a religião e que a religião é
também cultura, poderemos pensar práticas pastorais mais eficazes.

1. Conceito de cultura

Pergunte para um grupo de crianças qual é a diferença entre o ser humano e


os animais. Rapidamente alguém se levantará e dirá que o ser humano é racional
e que o animal é irracional.

Mas os animais têm racionalidade. É isso mesmo. Eles pensam. Mas pensam
diferente de nós, seres humanos. A diferença é que os animais têm uma inteligência
concreta. Isso significa que eles agem buscando resolver situações-problema que
estão relacionadas à sua vida concreta (ARANHA; MARTINS, 2002).

Vamos ver um exemplo? Se o seu animal ficar muito tempo sem comida,
pode ser que ele vá até o saco de ração e rasgue-o para poder comer. Ele resolveu
um problema: a fome. Esse problema é bem concreto. O animal não traçou um
plano, não pensou nas possíveis punições, nem levou a sobra da ração para um

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PRÁTICA PASTORAL

esconderijo secreto pensando em se precaver caso essa situação se repetisse.


Ele apenas resolveu, instintivamente, um problema. Segundo Mello (2015, p. 41),

É a cultura que distingue o homem dos outros animais. Por mais


perfeito que seja um ninho de passarinho, pouco representa
como realização comparado com qualquer objeto feito pelo
homem, a diferença está, ao nosso ver, na inconsciência que
domina a atividade animal e na consciência que está presente
no ato humano.

Assista ao filme no YouTube “Como nascem os Paradigmas –


Grupo Macacos Experiência Banana & Água”. Veja que os macacos
buscam comer as bananas. E depois buscam evitar apanhar. Mas
não conseguem fazer mais que isso.

O vídeo é baseado na ideia da construção de um paradigma,


conceito do filósofo Thomas Kuhn. Mas a animação faz a reflexão de
maneira alegórica, o que facilita seu entendimento. Acesse: <https://
www.youtube.com/watch?v=_ZSSyI3my38>.

Os seres humanos, além da inteligência concreta, têm uma inteligência


chamada abstrata. A partir de situações concretas, nós criamos planos, projetos,
ideias, conceitos, teorias e tantas outras coisas que estão no campo da abstração.
Somos capazes de resolver contas de matemática. Quando um professor ensina
ao aluno que 1+1=2, o aluno não pergunta “um mais um o quê?” Isso é pura
abstração. Mas mesmo não conseguindo abstrair ideias de suas experiências, os
animais têm uma inteligência que definimos como concreta.

Mas então o que nos diferencia dos animais? Talvez o que nos diferencie é a
capacidade que temos de produzir cultura. Para entender o ser humano como ser
cultural, vamos ver dois termos, o de natureza e o de cultura.

Natureza: É aquilo que existe por si, que não precisa de outro
ser para existir naquelas circunstâncias. Existe sem a interferência
do ser humano. Que é inato.

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Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

É parte da natureza humana o comer, dormir, andar. As necessidades fisiológicas


são parte de nossa natureza. O nascer do sol, a noite, as plantas, a água, a vida e a
morte são exemplos de natureza. Para ser água, a água não precisa que alguém a
beba. Para ser leão, este animal não precisa que a selva o reverencie como seu rei.
Natureza é então aquilo que existe sem interferência humana.

Autores da antropologia também falam dos binômios inato/adquirido,


genética/epigenética, hereditário/meio (FERRY; VINCENT, 2011, p. 20). Aqui,
buscaremos entender a relação entre a natureza e a cultura.

Cultura: a palavra vem do latim colere, que tem o sentido de


cultivar, cuidar.

Já ouviram a expressão: cultivo de tomates? Geralmente se refere à


plantação de tomates que depois será vendida. O tomate nasce na natureza.
Um animal, inclusive o ser humano, pode comê-lo. Isso é natureza. Quando o
ser humano toma para si as sementes do tomate e planta-as no quintal de sua
casa, no vaso da varanda de seu apartamento ou cultiva uma plantação inteira de
tomates, ele está produzindo cultura.
A cultura é fruto
A cultura é fruto da interferência do ser humano na natureza. Não da interferência
moramos nas cavernas. Fazemos casas. Não andamos descalços. do ser humano na
Produzimos calçados. Não nos cobrimos com folhas de bananeira. natureza.
Confeccionamos cobertores com as lãs de carneiro. Enquanto o animal Enquanto o animal
usa a natureza, o ser humano a transforma. Podemos entender a cultura usa a natureza,
o ser humano a
como o “conjunto das obras humanas” (MELLO, 2015, p. 41).
transforma.

Quando uma pessoa está com sede, vai até a beira do rio e se agacha
para com sua boca beber água, ela faz uso da natureza. Esse é um movimento
carregado de instintos. Mas quando ele percebe que pode utilizar suas mãos para
fazer o movimento de cuia, ou utilizar uma folha de árvore enrolando-a como se
fosse um copo, ou mesmo quando o ser humano fabrica uma taça de cristal para
beber água, ele produz cultura.

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PRÁTICA PASTORAL

Não existe cultura melhor ou cultura pior. Cultura é cultura.

Tudo aquilo que o ser humano faz e que transforma a natureza é cultura.
Quando um grupo vê sua cultura como antropologicamente superior, temos aquilo
que chamamos de etnocentrismo.

Dá-se o nome de Etnocentrismo à atitude dos grupos humanos


de supervalorizar seus próprios valores, sua própria cultura. [...] O
fenômeno do etnocentrismo manifesta-se de várias formas. Podemos
senti-lo quando uma pessoa ridiculariza costumes e hábitos de povos
alienígenas. O brasileiro comum censurará, por certo, a consagração
da vaca na Índia e estranhará a indumentária escocesa masculina
conhecida por saiote.

Fonte: Mello (2015, p. 90).

Quando o ser humano percebe que o bambu pode ser utilizado para produzir
uma flauta, quando percebe que a pedra pode ser uma arma ou o couro do animal
pode ser uma roupa, produz cultura. Podemos cair no erro de achar que alguém
que ouve música clássica tem mais cultura que aquele jovem que gosta de funk.
Essa é uma ideia de cultura erudita. No sentido antropológico não há qualidade de
cultura. Não há cultura melhor ou pior. Cultura é cultura e ponto.

Também a linguagem é uma forma de cultura. O ser humano usa os sons


emitidos pelas cordas vocais e transforma-os em palavras. Assim, aqueles que
falam a língua portuguesa têm uma cultura diferente daqueles que se comunicam
em russo.

Mas a cultura também é a produção de ideias. Quando o ser


Mas a cultura
também é a produção humano interpreta a natureza, ele produz cultura. Quando alguém diz
de ideias. que chove, pois Deus está triste, está produzindo cultura. A cultura
nos ajuda a:

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Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

- interpretar;
- dar significado;
- e dar sentido à natureza.

A área das Ciências Humanas que estuda a cultura ou o ser humano


enquanto ser cultural é a antropologia. Vamos ver o conceito de cultura trazido
pelo antropólogo Clifford Geertz.

De qualquer forma, o conceito de cultura ao qual eu me atenho


não possui referentes múltiplos nem qualquer ambiguidade fora do
comum, segundo me parece: ele denota um padrão de significados
transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema
de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio
das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu
conhecimento e suas atividades em relação à vida.

Fonte: Geertz (1989, p. 103).

Também os hábitos religiosos são parte da cultura. Entendemos que a


experiência que o ser humano estabelece com Deus se transforma em hábitos
e costumes. Assim, as orações ou rezas, os cultos, as vestimentas e até os
alimentos religiosos fazem parte da cultura de determinada religião.

Por que os judeus não comem carne de porco? Em Lv 11,7-8 encontramos


uma orientação de Javé que diz para não comer a carne deste animal por ele ser
impuro. Esta é a orientação religiosa. Neste período o povo vivia no deserto. O
porco devia ser prejudicial à saúde das pessoas. Isso não significa que hoje um
judeu deva comer carne de porco. Essa é uma escolha que compete à própria
religião. Mas é inegável que ela tem uma base cultural.

Há nos costumes religiosos também características culturais. Mas para


entender melhor essa relação entre cultura e religião, vamos entender agora o
que é religião.

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PRÁTICA PASTORAL

Atividade de Estudos:

1) Vamos fazer um exercício redacional. Escreva um pequeno texto


que responda à seguinte questão: Quais são as influências
culturais que nossa sociedade exerce sobre nós? Busque
construir argumentos que embasem sua resposta.

Lembre-se: não há uma única resposta certa. Essa é uma questão


ampla e que pode ser vista por diversos ângulos. Por isso é importante
que você busque argumentos que justifiquem sua resposta.
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2. Conceito de religião

Você já parou para pensar que Deus e a religião são duas coisas
distintas?

Logo que falamos de religião já nos atemos ao nosso contato com Deus.
Mas Deus e religião são duas realidades distintas. Não estamos falando que são
contraditórios, mas distintos, com certeza. Podemos entender Deus como um ser
superior que, na tradição cristã, se revela como Trindade, criando, salvando e
santificando a humanidade.

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Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

A revelação faz parte da construção teológica. Para o cristão,


a religião é fruto de revelação. Para um melhor entendimento da
religião como revelação, você pode ler:

LIBÂNIO, João Batista. Crer num mundo de muitas crenças e


pouca libertação. Paulinas.

Se o seu interesse é de um diálogo maior entre as culturas e a


revelação:

QUEIRUGA, José Torres. Repensar a revelação. Paulinas.


HAUGHT, John F. Mistério e promessa: teologia da revelação.
Paulus.

Mas a religião é um caminho humano para chegar até esse Deus,


vivenciando-o na história. Por mais que entendamos que Deus se revela e oferece
instrumentos para que o ser humano o conheça, a religião assume características
culturais próprias de cada povo ou de determinado período histórico.

A teologia estuda a religião a partir da revelação. Deus se revela ao ser


humano, na história. Aqui buscaremos conceituar a religião num diálogo com
as ciências humanas. Não entendemos que as duas se negam. São apenas
perspectivas diferentes de explicar uma mesma realidade: a religião.

O sociólogo Émile Durkheim (1996) entende que a religião surge a partir do


momento em que as sociedades buscam se organizar. Seria a religião responsável
por entender a realidade na perspectiva do sagrado. Sendo assim, é sagrado
tudo aquilo que remete ao religioso. Aquilo que fica fora desta demarcação será
entendido como profano.

Se no cotidiano relacionamos o profano com coisas demoníacas ou ruins,


na perspectiva de Durkheim, profano é simplesmente aquilo que está fora da
circunscrição do sagrado. Assim, a música dedicada a temas religiosos é sagrada
e a MPB, o samba, o rock ou qualquer outro estilo musical é profano. Um templo
religioso será considerado sagrado. As ruas da cidade, as casas, o ginásio de
esportes ou a escola serão considerados profanos.

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PRÁTICA PASTORAL

O mais importante é entendermos que a religião organiza o mundo,


classificando seus vários elementos como sagrados ou profanos.

Todas as crenças religiosas conhecidas, sejam simples


e complexas, apresentam um mesmo caráter comum:
supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais, que
os homens concebem, em duas classes, em dois gêneros
opostos, designados geralmente por dois termos distintos
que as palavras profano e sagrado traduzem bastante bem
(DURKHEIM, 2003, p. 19).

A religião também classifica comportamentos, ideias e teorias. Haverá um


comportamento que é sagrado, de onde se constitui a moral religiosa, ou ainda
um pensamento sagrado que será chamado de teologia. Durkheim (1996) ainda
define a religião a partir de suas características sociológicas.

Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas


relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas,
crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade
moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem
(DURKHEIM, 2003, p. 32).

A partir da leitura do excerto da obre de Durkheim, algumas características


são importantes:

- a religião é um sistema solidário, ou seja, acontece em um grupo;


- é relativa a coisas sagradas, contribuindo para a classificação da
realidade vivida pelo ser humano;
- a igreja é uma comunidade moral, o que significa que ela instrui a um
comportamento e renega outros.

Outro conceito que nos ajuda a entender as características culturais da


religião é o do antropólogo Cliford Geertz. Ele assim a define:

Religião é: um sistema de símbolos que atua para estabelecer


poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações
nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem
de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura
de fatualidade que as disposições e motivações parecem
singularmente realistas (GEERTZ, 1989, p. 104-105).

Geertz (1989) entende a religião a partir de sua capacidade de produzir


sistemas simbólicos. Ela compõe um imaginário simbólico, um modo de ser e
pensar que, por ser tão penetrante e poderoso, passa a guiar a vida de um grupo.
Como antropólogo, Geertz (1989) entenderá a religião como constituição cultural.

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Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

Uma religião que se organiza em um feudo medieval será culturalmente


diferente daquela que sofre os impactos de um encontro com a cultura japonesa
ou ainda diferente daquela que é sufocada pelo ritmo de vida de uma metrópole
como Nova York. Entender a religião como constitutivo cultural nos auxilia no
pensar uma pastoral que busque dialogar com as mais variadas culturas.

Também hoje vivemos em uma sociedade concreta, a Bíblia será lida a


pessoas concretas com inquietações, alegrias, sofrimentos e anseios também
concretos. Uma prática pastoral deve buscar dialogar com essas dificuldades. Se
Jesus, em seu tempo, curou leprosos, é porque a doença era comum e o estigma
social que circundava esta doença era desumano. A realidade cultural para a
qual anunciamos o Evangelho de Jesus e onde estabelecemos nossas práticas
pastorais é outra e é com a sociedade atual que queremos dialogar.

3. A sociedade atual

A sociedade atual passa por profundas transformações. Podemos dizer


que ela é fruto da modernidade e que tem como sua principal característica a
urbanização. Basicamente podemos dizer que a modernidade se constitui como
uma mudança de pensamento da sociedade europeia, que não mais entende
a si mesma e aos acontecimentos ou aos seus indivíduos unicamente ou
predominantemente na perspectiva religiosa (MARCHINI, 2015b, p. 30).

É importante frisar que a modernidade não significa a morte da religião. Ela


será entendida pelo processo de racionalização. Se antes o ano era contado a
partir das festas religiosas, agora se constitui o ano civil. Se o rei era entendido
como um escolhido por Deus, agora ele será visto na perspectiva de sua
responsabilidade social (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 66).

E onde fica a religião? Com o tempo, ela foi delegada à vivência privada.
Cada indivíduo escolhe e vive a sua religião. Desse movimento culmina a ideia de
um Estado Laico, tão controversa quando falamos da realidade brasileira.

Entenderemos a sociedade atual primeiramente na perspectiva da


urbanização. A religião no contexto urbano passa por grandes transformações
que impactam a vida pastoral das comunidades eclesiais. A vida rural trazia uma
segurança e uma autoridade aos trabalhos pastorais que não mais são presentes
no contexto da vida urbana. Se na sociedade rural o líder religioso era autoridade
notória, na vida urbana ele não exerce tal papel com a mesma intensidade,
tornando-se, muitas vezes, um anônimo.

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PRÁTICA PASTORAL

Mas também buscaremos entender a sociedade atual partindo


A crise das
instituições, a de três características em sua relação com a religião: a crise das
individualização da instituições e dentre elas a Igreja, a individualização da vivência
vivência religiosa, da
construção daquilo religiosa e o enfraquecimento dos vínculos comunitários, e da
que chamaremos de construção daquilo que chamaremos de uma moral do bem-estar. Se
uma moral do bem- num primeiro olhar esse cenário é desolador, aqui queremos ir além e
estar.
sermos propositivos.

Nesta parte final do nosso primeiro capítulo buscaremos entender a


sociedade como se estivéssemos tirando uma fotografia. Queremos olhar seus
elementos, as cores que aparecem e alguns de seus detalhes. Não estamos
defendendo as características desta sociedade e tampouco estamos criticando-a
dizendo que nela não há salvação. Queremos entendê-la por dentro, para saber
como pensam seus habitantes e como ela se organiza e se dinamiza. Acreditamos
que tais informações nos auxiliarão na construção de uma prática pastoral mais
eficiente e eficaz.

3.1 O espaço urbano

Vamos aqui buscar algumas características da cidade, seus elementos,


cultura, pensamentos e comportamentos. Mas uma advertência é importante:
não podemos caricaturar a cidade. Quando vemos a caricatura de algum famoso,
geralmente o reconhecemos na ilustração. Mas o desenhista exagera em suas
características. Então, se quem é desenhado tem o dente um pouco maior, na
caricatura ele terá um dente enorme. Se sua orelha é um pouco grande, na
caricatura ela será desproporcionalmente maior. A caricatura é legal. Mas aqui ela
não nos serve. É melhor assumirmos a analogia da fotografia. Queremos entender
a cidade sem buscar aumentar suas principais características.

É comum contrapormos o espaço urbano ao rural, a cidade ao campo,


a metrópole ao interiorano. E realmente existem muitas diferenças entre uma
pequena cidade no interior do Brasil e uma cidade como São Paulo,
Entendamos o rural Rio de Janeiro, Porto Alegre ou Fortaleza. Mas desde já vamos deixar
e o urbano como se
fossem dois opostos claro que também em uma cidade como São Paulo existem algumas
de uma reta e que as características próprias do ambiente interiorano. E também na
cidades reais estão
entre estes dois cidadezinha do interior existem elementos típicos de uma metrópole.
extremos, ora mais
perto do extremo Entendamos o rural e o urbano como se fossem dois opostos de
rural, ora mais perto
do extremo urbano. uma reta e que as cidades reais estão entre estes dois extremos, ora
Mas, na prática, mais perto do extremo rural, ora mais perto do extremo urbano. Mas,
essas características
são sempre na prática, essas características são sempre misturadas.
misturadas.

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Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

3.1.1 O mundo rural

O mundo rural traz a dinâmica da organização. Tudo nele é definido e


obedece a um esquema muito bem ordenado. O ritmo de vida é rotineiro. Tudo
é mais lento. O tempo parece render muito mais. Seus habitantes dormem cedo,
mas também acordam cedo. Gasta-se o tempo com os afazeres domésticos ou
do campo. Há pouca diversão ou distração com os meios de comunicação, com a
TV ou internet.

O habitante rural acorda todos os dias no mesmo horário, ordenha as vacas,


cuida do campo e isso acontece mesmo aos domingos. Não se aproveita o
feriado para o lazer. Exceto quando o feriado é religioso. A religião auxilia muito
na organização da vida rural. O domingo é marcado como o dia dedicado a Deus.
O lazer acontece, ou nos momentos de reza do terço, ou nas festas religiosas. As
fases da vida são, no mundo rural, oficializadas pela religião. O batizado celebra
o nascimento. O casamento mostra à sociedade o início de uma nova família, a
celebração das exéquias, o final da vida.

Muitas vezes, as atividades religiosas se constituem como grandes


momentos de lazer. Ir à missa, à procissão, ao culto ou à catequese, mais que
uma obrigação, é uma oportunidade de ver as pessoas, de colocar a conversa em
dia e trocar informações.

As funções sociais são bem definidas. A mulher cuida da casa, e o homem,


da roça. O feminino e o masculino são hermeticamente pensados, inclusive em
suas funções sociais.

A família exerce grande autoridade. Os filhos chamam os pais e mães de


senhor e senhora. Não questionam as decisões de uma autoridade. O líder
religioso, geralmente padre, também é respeitado por toda a sociedade. A
sociedade rural ou interiorana é extremamente hierarquizada. Cada função é bem
definida e as pessoas obedecem às decisões de seus superiores.

Na sociedade rural há certa estabilidade. As amizades são duradouras, as


famílias também. As pessoas se conhecem e, muitas vezes, se tratam pelo nome
da família. É comum, quando chegamos a uma cidade do interior, as pessoas nos
perguntarem “de que família você é?”

As igrejas ocupam lugares centrais na vida rural. Territorialmente, essa


centralidade pode ser vista nas pequenas cidades, onde as igrejas são construídas
no centro da cidade e são ladeadas por praças. No domingo as pessoas vão à
missa e depois vão à praça para ver a banda. Lá as crianças brincam e os jovens
arrumam seus namorados e namoradas.

23
PRÁTICA PASTORAL

No ambiente rural, a vida é entendida na perspectiva religiosa. Os


acontecimentos são vistos como vontade de Deus. Assim, quem morre, quem
nasce, a chuva ou a seca, a lavoura que floresce ou míngua, tudo é visto como
consequência da providência ou dos desígnios divinos.

3.1.2 O mundo urbano

A dinâmica do mundo urbano é bem diferente do mundo rural. Se no mundo


rural a estabilidade reina, no mundo urbano tudo é acelerado. As pessoas vivem
com pressa e correndo. Parece que sempre falta tempo para as pessoas que
moram nas grandes cidades realizarem seus afazeres. Metaforicamente, podemos
entender que a cidade assume o ritmo de vida de seu trânsito. Os transportes
coletivos sofrem com os horários de pico e as pessoas ocupam grande parte de
sua vida no trânsito entre o trabalho e suas casas. Se o interior é marcado pela
ordem, a metrópole é marcada pelo ambiente caótico.

A cidade grande traz contradições. Ao mesmo tempo que ela oferece aos
seus habitantes uma enorme opção de lazer, ela não oferece tempo para que
desfrutem destas opções. Numa cidade como São Paulo, as pessoas chegam a
ocupar até quatro horas diárias entre a ida e a volta do trabalho.

Enquanto nas pequenas cidades as pessoas conseguem ter suas casas


como um ponto de referência, estando nela várias vezes por dia, nos centros
urbanos a casa é o local do repouso noturno. Muitos habitantes vão para suas
casas apenas para dormir. Se é preciso ir ao supermercado, geralmente isso é
feito no caminho até sua casa. Mesmo o pão do café da manhã do dia seguinte é
comprado entre as idas e vindas.

Também a participação religiosa ganha novos contornos. A organização


pastoral das igrejas utiliza dos momentos de idas e vindas para a realização
de suas atividades. Isso porque nem sempre as pessoas participam das
comunidades onde residem. E se elas voltam para suas casas, não conseguem
também participar de sua comunidade religiosa.

Mas existem outras mudanças da religião no contexto urbano. Se no mundo


rural a religião auxilia na organização social, no ambiente urbano isso é diferente.
Se nas cidades interioranas o domingo é o dia de ir à missa, nos centros urbanos
o domingo é o dia de ir ao parque, ao shopping, ou mesmo dia de trabalhar.
O grande templo das cidades são os shoppings. E neste templo o trabalho se
transforma na grande liturgia. A cidade não só aprova o trabalho dominical como
o incentiva.

24
Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

Também as festas religiosas perdem o poder de mobilizar a sociedade.


Em grandes cidades ou nas capitais, se torna cada vez mais difícil avistarmos
procissões que ocupam as ruas. Muitas paróquias aboliram esta prática. A religião
urbana está cada vez mais se confinando no interior dos templos.

Se o mundo rural nos remete à vivência da segurança e da estabilidade,


o mundo urbano caminha na outra direção. Tudo é fluido (BAUMAN, 2001). As
famílias se desfazem com mais facilidade, as amizades são cada vez mais virtuais
e sair de casa é muitas vezes evitado quando há medo da violência.

Por fim, podemos identificar que o espaço urbano leva as pessoas a


individualizarem-se. O senso comunitário ou institucional dá lugar aos desejos do
indivíduo. A pessoa busca uma igreja por ter um líder religioso simpático ou que
atende às suas expectativas.

É importante lembrarmos novamente: As ideias que colocamos aqui


representam os dois opostos de uma régua. Não existe uma cidade que seja
inteiramente rural, nem existe a cidade que seja inteiramente urbana. Mas existem
aqueles que trazem marcantes características de um dos dois lados desta régua.

Se você quer entender um pouco mais sobre as diferenças entre


a religião em contexto interiorano ou em contexto de metrópole, pode
ler o artigo:

MARCHINI, Welder L. Juntos e misturados: uma análise do


hibridismo na religiosidade metropolitana. Último Andar (PUCSP.
On-line), v. 26, p. 125-144, 2015a. Disponível em: <https://revistas.
pucsp.br/index.php/ultimoandar/article/view/26126/18755>.

Vamos fazer um exercício de interpretação. Olhe para a sua cidade


e veja se ela se aproxima mais do tipo rural ou do tipo urbano. Mas
vamos fazer isso a partir das características elencadas nas páginas
anteriores. Volte ao texto e veja como a cidade onde você mora ou
trabalha pastoralmente se organiza. Qual é o papel na construção e na
organização da sociedade? Busque escrever sua reflexão.

25
PRÁTICA PASTORAL

3.2 A crise das instituições

Quanto você é influenciado por sua religião? Quando perguntamos isso


estamos tentando entender quanto a sua religião tem de solidez e consegue
inserir seus membros em sua dinâmica, regras e preceitos, ou o tanto que ela tem
de ambiguidade, sendo uma religião mais fluida onde os indivíduos a frequentam,
mas não se percebem participantes ou membros (MARCHINI, 2015b, p. 150).

Quando falamos de instituição, estamos falando de toda forma de


organização social que possa ser explicada dentro do conceito de Racionalização
de Max Weber (apud COLLIOT-THÉLÈNE, 2016, p. 104), principalmente quando
este sociólogo busca explicar as organizações religiosas. Weber fala que a
religião surge da iniciativa de uma liderança fortemente marcada pelo carisma.
Conforme o grupo de seus seguidores aumenta, é necessário que busquem
formas de organização. Essa organização passa a ser cada vez mais racional e,
consequentemente, menos carismática. O processo de racionalização fica mais
evidente com a morte do líder.

Toda instituição traz fortes traços de uma organização racional. Ela cria
regras, leis e busca estabelecer uma ordem. A instituição religiosa tem estatutos,
regulamentos e até legislação, o que fica evidente no Código de Direito Canônico,
que é a lei que gerencia a Igreja Católica.

A organização pode também ter um grau menor de racionalização. Isso


acontece, por exemplo, na família. Os pais e mães estão no limite entre o carisma
e a racionalização. Por mais que não esteja escrito em lugar algum, a família tem
suas regras. Assim, quando uma mãe combina com o filho que ele deve chegar às
dez horas em casa ou quando diz que não deve deixar a toalha molhada sobre a
cama, a família está fortalecendo suas regras.

Para entender aquilo que chamaremos de crise das instituições, nós


precisamos fazer um recuo histórico. Na Idade Média, a Igreja Católica era
soberana. Os reis e imperadores eram coroados por bispos e papas. O poder
religioso estava acima do poder temporal. A sociedade medieval constituiu-se
como uma sociedade organizada pela instituição religiosa.

A modernidade traz a valorização da razão e o consequente enfraquecimento


da fé como tentativa de explicar a vida humana e a sociedade. Já não é o papa
quem diz qual é o melhor governante para uma cidade. Não é o fato de acreditar
em Deus que dá legitimidade a um imperador. Seria o fim da instituição religiosa
como forma de entender e organizar a vida humana? Provavelmente não.

26
Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

A modernidade traz quatro instituições que ainda continuarão organizando


a vida humana e a sociedade. São elas: o Estado, a família, a escola e também
a Igreja. É isso mesmo. A religião não deixa de existir nem de cumprir seu papel
na sociedade e na vida das pessoas, mas agora ela dividirá sua função com as
outras instituições modernas.

É comum nas sociedades, segundo os antropólogos, a necessidade de fazer


parte de um grupo. O antropólogo Gennep estudou os ritos de iniciação e os
ritos de passagem como situações presentes em várias sociedades que buscam
introduzir seus membros em novos grupos ou em novas funções dentro desta
mesma sociedade (GENNEP, 2013).

São exemplos de ritos de iniciação o batismo na tradição cristã ou a


raspagem de cabeça no candomblé. Mas também temos os ritos de passagem
como o casamento, que demonstra socialmente a criação de um novo núcleo
familiar, ou mesmo a festa de debutante, que antropologicamente tem o sentido
de demonstrar para a sociedade que a menina que completa 15 anos é uma moça
e agora já pode ser cortejada pelos rapazes.

A modernidade não acabou com as instituições nem com seus ritos de


iniciação. Ela apenas os modificou. Se antes o batizado era o reconhecimento
de que a família tinha um novo integrante, agora tal reconhecimento vem pela
certidão de batismo. Se a nova família era reconhecida pela Igreja ao ministrar o
sacramento do matrimônio, agora, com a modernidade, será o Estado que fará o
contrato de casamento.

Os ritos de iniciação também estão presentes nas escolas. O trote com os


calouros que ingressam na faculdade é exemplo de que eles apenas deixaram
de ser organizados unicamente pela religião. Também os ritos de passagem
se fazem presentes na escola. São exemplos de ritos de passagem desde as
provas trimestrais que marcam a passagem de um período a outro, até mesmo as
formaturas que demonstram socialmente que aqueles estudantes estão aptos a
viverem uma nova etapa.

Para a socióloga Hervieu-Léger, “a sociedade tem a necessidade de inserir


seus jovens na vida dos adultos” (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 57). Ao celebrar
seus ritos de passagem, ela está mostrando que eles podem assumir sua função
social. Os ritos de iniciação ou passagem têm caráter pedagógico. Eles querem
demonstrar aos jovens e crianças de uma sociedade como devem agir para serem
aceitos pelos mais velhos.

Se a modernidade trazia a valorização da razão, passamos com o tempo


a valorizar não o pensamento, mas o indivíduo. Tudo está voltado a ele e as

27
PRÁTICA PASTORAL

instituições foram, aos poucos, perdendo seu valor. Fazer parte de um grupo não
mais é sinônimo de condição à vida humana. Cada um passa a poder escolher
aquilo que pode viver.

[...] o significado atribuído a essas crenças e a essas práticas


pelos interessados se afastam, geralmente, de sua definição
doutrinal. Elas são triadas, remanejadas e, geralmente,
livremente combinadas a temas emprestados de outras
religiões ou de correntes de pensamento de caráter místico ou
esotérico (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 31).

Alguns autores denominam esse período marcado pela valorização do


indivíduo de pós-modernidade, outros ainda chamam de hipermodernidade ou
de modernidade tardia. O importante é percebermos que o sujeito que na Idade
Média tinha sua vida organizada por Deus e a religião, e que na modernidade terá
sua vida organizada pela razão e pelas instituições modernas, agora estará diante
de uma crise que o deixará como senhor de si mesmo.

Chamamos esse momento de grandes mudanças na organização da vida


humana de um momento de profunda crise das instituições. É comum vermos
sinais desta crise na sociedade atual. Vamos ver algumas de suas características.

• Escola: as crianças vão à escola para aprenderem, ou aquilo que devem


saber (conteúdos), ou aquilo que devem viver e ter como valor (atitude).
Então, se uma escola busca ensinar aquilo que cai no vestibular ou mes-
mo ensinar uma profissão, ela está no campo do conteúdo. Se ela busca
dizer que uma atitude como o bullying é errada, ela educa para a atitude.
É comum vermos escolas que não conseguem fazer nem uma coisa nem
outra. A violência toma conta das escolas e elas não conseguem educar
os jovens para construírem projetos de vida.

• Estado: na sociedade brasileira a política vive um momento de muito de-


scrédito. Ser político é visto popularmente como sinônimo de ser corrupto e
chamar alguém de político provavelmente não seria visto como um elogio.

• Família: a família vive um momento de muitas transformações. Etimologi-


camente, transformar significa “mudar de forma”. A família nunca deixará
de existir. As pessoas se relacionam e elas sempre se agruparão. Mas o
modo como elas se organizam está mudando. A família nuclear (aquela
que é formada por pai, mãe e filhos) começou a se transformar com a re-
alidade do divórcio. Um segundo casamento forma uma família ampliada.
Outra questão relevante é a união homoafetiva. Mas a família não vive
uma crise apenas por seu formato. Talvez sua maior crise seja pela falta

28
Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

de credibilidade moral. Os pais deixaram de ser autoridade moral. Na so-


ciedade tradicional a família é obedecida. Na sociedade pós-moderna os
pais precisam construir relações de credibilidade com seus filhos.

• Igreja: primeiramente, a Igreja Católica deixa de ser a grande organiza-


dora da vida social com a formação da mentalidade de modernidade. As
pessoas passam a se guiar pela racionalidade e não mais se entendem
dentro das normas e do pensamento religioso. Mas também há uma frag-
mentação causada pelo pluralismo religioso. Se antes existia uma Igreja
que era vista como única mediação com Deus, com a Reforma de Lutero,
Calvino, Henrique VIII e outros, há uma descentralização do poder religio-
so. Não estamos dizendo que isso é bom nem que é ruim, mas isso nos
ajuda a entender que a religião passa, aos poucos, a ter menos poder
sobre aquilo que a sociedade vive e decide.

Se geralmente relacionamos crise àquilo que é ruim, isso não é bem verdade.
Crise é uma palavra que vem do grego e significa mudança. Nem toda mudança
é boa, nem toda mudança é ruim, mas as mudanças causam desconforto. E o
maior medo da mudança é por não sabermos ao certo onde chegaremos. Com o
enfraquecimento das instituições, chegamos a uma valorização do indivíduo como
instância de escolhas e organização de sua própria vida (BENEDETTI, 1994).

Alguns filmes nos auxiliam a entender a crise das instituições,


lembrando sempre que as crises são tempos de profundas mudanças
institucionais.

- Escola: A onda (2008), Preciosa (2009) e Elefante (2003).


- Estado: Adeus Lenin (2003), The Edukators (2004) e Tropa de
Elite (2007).
- Família: Pequena Miss Sunshine (2006), Boyhood (2014) e
Amor (2013).
- Igreja: Lutero (2004), A outra (2008) e As aventuras de Pi
(2012).

29
PRÁTICA PASTORAL

3.3 A sociedade individualizada

Outra característica predominantemente presente na sociedade atual e que


influencia diretamente na maneira como as igrejas organizam seu trabalho pastoral
é a individualidade. Não podemos confundir individualidade com individualismo.
Individualismo nos remete à ideia de uma sociedade onde as pessoas são
egoístas e vivem à busca de sua satisfação. Isso até acontece, mas não é bem
isso que explica a existência de uma sociedade individualizada.

Uma sociedade é individualizada quando sua organização e práticas são


pensadas tendo o indivíduo como perspectiva. Essa tendência se acentua na Idade
Moderna com sua filosofia, tanto a de Descartes como a do Iluminismo. Antes
deles, as pessoas, é claro, existiam. Mas elas se submetiam às organizações
sociais sem ao menos pensarem se isso era o certo ou não. Na prática, isso
significa que a sociedade se sobrepunha às pessoas.

Em uma sociedade individualizada, a característica que se sobressai é a do


indivíduo exercendo seu poder de escolha. Vamos a um exemplo? Votar é um
hábito da sociedade moderna. Na antiguidade, as pessoas não votavam. Mesmo
na democracia grega, não era o voto que escolhia os governantes. Eles eram
escolhidos por outros critérios, como o grupo ao qual pertenciam, seu poder de
influência social ou outras características. Mas a vontade de cada indivíduo não
era levada em conta.

Vamos agora a algumas reflexões que nos auxiliarão a entender a sociedade


que vive a valorização do indivíduo.

O sociólogo francês Alain Touraine (2003) faz uso da palavra indivíduo


como um instrumento metodológico. Isso significa que nós podemos utilizar esse
conceito para o estudo que fazemos. Podemos estudar um grupo em perspectiva
social, ou seja, olhando sua organização, sua cultura ou ainda o conjunto de
pessoas que nele vive. Mas podemos também estudar esta mesma sociedade
na perspectiva do indivíduo. Assim, olharemos como essa sociedade se relaciona
com seus indivíduos, se ela tem espaço para manifestações de pensamento e
cultura no âmbito individual.

O filósofo Gilles Lipovetsky soma a essa reflexão a ideia de que, na sociedade


hipermoderna (conceito aqui equivalente ao período que entendemos como pós-
modernidade), os indivíduos se sentem valorizados à medida que consomem
(LIPOVETSKY, 2011). Consequentemente, aquele que não consome não existe
para nossa sociedade.

30
Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

Você concorda com a ideia de que aquele que não consome


não existe?

Nossa sociedade é pautada na ideia do consumo. Um celular que é


comprado, praticamente se torna ultrapassado no momento da compra.
A moda também é outro artifício que impulsiona as pessoas ao consumo.
Não compramos uma nova roupa unicamente porque precisamos, mas
compramos porque devemos manter uma imagem social. O mercado
de trabalho não nos aceita se vestimos roupas antigas ou com um “ar
de ultrapassadas”. Também as pessoas parecem não dar credibilidade
àqueles que não se apresentam bem vestidos.

Mas há uma questão mais polêmica ainda: será que vivemos


numa sociedade que consome tudo, inclusive religião? Há quem diga
que sim. Não significa que as pessoas comprem religião. Mas sim
que estabeleçam com a religião uma relação parecida com aquela
que elas têm com o supermercado.

Você é fiel ao seu supermercado? Por mais que muitos tenham planos de
fidelidade, vamos ao supermercado que oferece os melhores produtos, mas
sempre com os melhores preços. E vamos ao supermercado para comprar aquilo
que estamos precisando.

Muitos estabelecem com a religião a mesma relação. Ela deixa de ser um


projeto de vida e passa a ser uma prestação de serviço. Assim, cresce o número
de pessoas que vão à igreja quando precisam de um sacramento como o batismo
ou o matrimônio, ou ainda quando passam por uma enfermidade ou precisam
de um aconselhamento de um líder religioso. As pessoas também estão mais
exigentes. Buscam o líder religioso que tenha um discurso que as agrade ou a
igreja que tenha mais conforto ou facilidade.

Você concorda com a ideia de uma paróquia que recebe o


dízimo por cartão de crédito? Isso não é comum, mas é real. Leia a
matéria lincada a seguir.

Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/


economia/2010/10/10/internas_economia,184957/padre-de-bh-
aceita-pagamento-de-dizimo-com-cartao-de-credito.shtml>.

31
PRÁTICA PASTORAL

Leia o livro: VILHENA, Maria Ângela. PASSOS, João Décio


(Orgs.). Religião e consumo: relações e discernimentos. São Paulo:
Paulinas, 2012. (Coleção religião e universidade). pp. 99-108.

Indicamos ler principalmente o texto de Edin Sued Abumanssur,


“O desejo, a religião e a felicidade”.

Mas nem tudo é tão belo. Lipovetsky (2007) aponta dois problemas dessa
relação entre o indivíduo e a sociedade. A primeira é que a sociedade moderna
desvincula a felicidade e a satisfação da convivência com os outros. Assim,
parece que a felicidade é um estado de espírito que se constrói no indivíduo e
não depende da sua relação com as outras pessoas (LIPOVETSKY, 2007). Isso
não é verdade. Se sou feliz com meu emprego, ele está diretamente relacionado
às pessoas. Se uma pessoa arruma uma namorada ou namorado e se casa, se
estabelece um vínculo, uma relação. Mesmo para os mais individualistas, vale a
máxima da canção de Vinícius de Moraes: “é impossível ser feliz sozinho”.

A segunda ideia de Lipovetsky está relacionada à felicidade como algo efêmero


(LIPOVETSKY, 2007). Efêmero se refere a algo que é passageiro de maneira extrema.
Aquilo que dura um instante. Nesta lógica, acreditamos que seremos felizes quando
tivermos aquele celular, aquele carro, aquela casa ou aquele relacionamento. Mas
quando conseguimos isso, outras possibilidades aparecerão e estaremos sempre a
buscar novos objetivos que nos tragam essa felicidade.

E a religião, como fica nessa sociedade? Além de ganhar traços de consumo,


ela passa a ser também individualizada. Na prática, a religião deixa cada vez mais
de ocupar os espaços públicos e fica delegada ao campo privado. Cada vez menos
as igrejas falam de mudanças sociais. Isso significa que elas não exercem influência
social? Não. Mas o caminho que elas encontram para isso é o do indivíduo.

Se o indivíduo ganha força, consequentemente ele começa a tomar as


rédeas de sua vivência religiosa. Para a socióloga Hervieu-Léger (2008), uma
das maiores consequências do processo de individualização da religião é o que
ela chama de bricolagem, definida como a apropriação, por parte do sujeito,
“de elementos religiosos, daqui e dali, criando, a partir de suas experiências e
expectativas pessoais, pequenos sistemas de significações que dão um sentido à
sua existência” (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 63).

32
Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

Na perspectiva da autora, o indivíduo participa das atividades religiosas, mas


dá o significado que quer a essas práticas. A palavra bricolagem vem do francês
e quer dizer “faça você mesmo”. Ela aparece nas lojas que vendem material para
que os consumidores confeccionem seus móveis e objetos de decoração. Mas a
ideia é a de que o indivíduo “dê seu rosto”, personalize aquilo que faz.

Exemplo disso é o cristão que diz que ressurreição e reencarnação são a


mesma coisa e que ele não vê problema em ir à igreja cristã no domingo e “tomar
passe” no centro espírita na segunda. Mas você, estudante de Teologia, pode
dizer: “Mas realmente, ele não é cristão!” Sinceramente, esse é um problema
nosso. Para esse indivíduo, não há problema algum em sua atividade religiosa.

Todavia, há um campo onde a bricolagem se faz presente de maneira mais


marcante: na moral. No mundo individualizado as pessoas montam suas próprias
regras morais (LIPOVETSKY, 2007). Chegamos então a uma outra característica
da sociedade atual, que é a busca de prazer e a moral do bem-estar.

3.4 A moral do bem-estar

A última característica que traremos com respeito à sociedade atual é


a da construção de uma moral do bem-estar. Ela é uma consequência das
características que elencamos anteriormente. Vivemos em uma sociedade onde
as pessoas rejeitam a dor. A morte passa a ser, não um tabu, mas algo que
merece ser evitado. Assim, a sociedade atual delegou a morte aos hospitais. Você
costuma ter conhecimento de pessoas que morrem em suas casas? Isso é cada
vez mais raro. As pessoas nem ao menos sabem como se portar diante da morte.

Não estudaremos aqui a temática da morte. Mas indicamos


alguns títulos do monge beneditino Alselm Grün, que trabalham a
temática em perspectiva teológico-pastoral.

- O que vem depois da morte, Ed. Vozes, com temática da morte.


- Morte: a experiência da vida em plenitude, Ed. Vozes, com
temática de um novo entendimento sobre a experiência da
morte.
- O que fiz para merecer isto? Ed. Vozes, com a temática do
sofrimento.

Para quem quer um entendimento da morte em perspectiva


escatológica, indicamos o livro de Leonardo Boff, Vida para além da
morte, Ed. Vozes.

33
PRÁTICA PASTORAL

A sociedade atual acolhe a máxima de que “Sofrer não é bom”. Mas


o sofrimento é inevitável. Ele faz parte de nossa vida. Então, para negar esta
realidade humana, as pessoas buscam o prazer, a qualquer custo. Cirurgias
plásticas são comuns para evitar as imperfeições do corpo, a obesidade é grande,
pois se come na busca de um prazer imediato, e o consumo de remédios para
depressão é exorbitante, pois as pessoas não conseguem suportar este fardo.

É uma contradição: num mundo em que tanto se prega o prazer e a felicidade,


as pessoas têm altos índices de depressão. É importante frisarmos que a depressão
é uma doença e precisa ser tratada como tal. Mas a cultura do antidepressivo
mostra que a sociedade em que vivemos não suporta a dor e o sofrimento.

Na busca pelo bem-estar e pelo prazer, a sociedade atual vive a


consequência da personalização da moral. Vamos lembrar que moral se refere
aos comportamentos que são aceitos ou não por determinada sociedade. Quando
uma pessoa forma seu próprio critério moral, ela desvincula seus critérios
daqueles que são formulados socialmente.

O filósofo que serve de base para nossa reflexão é novamente Gilles


Lipovetsky. Segundo ele, a sociedade atual vive uma substituição da moral do
dever pela moral do bem-estar (LIPOVETSKY, 2005). Nas sociedades tradicionais,
as pessoas vivem um forte senso do dever. Elas obedecem às regras e cumprem
as leis, mesmo sem concordarem com elas. Os membros das sociedades
tradicionais fazem o que é bom e não necessariamente aquilo que traz bem-estar.

Pare um pouco para pensar: você conhece muitos casais que vivem seu
casamento há 30 ou 40 anos? E com 50? Provavelmente a resposta é negativa.
Existem alguns. Mas eles são cada vez mais raros. Isso porque as pessoas não
suportam ser contrariadas. Nossa paciência tem um limite muito pequeno. Não
é raro vermos casamentos que não duram sequer uma semana ou um mês.
Será que antigamente os casais não discordavam? É claro que sim. Mas eles
acreditavam que estar juntos era mais importante que garantir sua satisfação
individual.

Quando essa vivência moral chega na religião, temos um entrave. As


instituições religiosas ainda pensam a partir do dever. Elas formulam seus critérios
morais tendo o dever como base. Um comportamento é aceito por ser bom e não
porque traz satisfação. No entendimento das instituições, satisfação é diferente de
felicidade. Se tenho diabetes e decido tomar um sorvete, posso ter um momento
de satisfação, mas isso não me traz felicidade. A felicidade está relacionada à
construção de um projeto de vida.

34
Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

Diferentemente das instituições religiosas, que têm bases medievais,


os indivíduos da sociedade pós ou hipermoderna confundem satisfação com
felicidade. Assim, o indivíduo se sente feliz à medida que consome, à medida que
tem prazer, à medida que consegue vivenciar momentos de satisfação.

Assim, os indivíduos criam sua própria moral, tendo como base


a satisfação e não o dever. É comum encontrarmos um jovem que vai Assim, os indivíduos
todos os domingos à missa, mas, ao manter relações sexuais com criam sua própria
sua namorada, utiliza preservativos. Vamos lembrar que, segundo a moral, tendo como
moral católica, o sexo deve ser reservado ao casamento e os métodos base a satisfação e
contraceptivos não são aceitos. Também podemos encontrar a mulher não o dever.
que toma anticoncepcional. A situação é semelhante à do jovem. Tempos
atrás esta separação entre o que a religião ensinava e o seu membro praticava não
existiria. As pessoas assumiriam as orientações de sua religião incondicionalmente.

Escolha um jovem ou adolescente de sua comunidade para


conversar, de preferência que não seja uma liderança da comunidade.
E isso por um motivo metodológico. As lideranças têm um discurso
mais elaborado e teológico.

Escolhendo o jovem, converse com ele sobre a maneira como


ele vive sua religião. Busque perceber se ele dá mais valor às suas
aspirações ou ao envolvimento comunitário.

Também encontramos casos de cristãos que, mesmo assumindo o discurso


do seguimento de Jesus, aceitam comportamentos corruptos. Eles vão desde
ocupar a vaga de deficiente no estacionamento, entrar na fila para deficientes,
idosos e gestantes, até a prática de desvios de verbas daqueles que ocupam
cargos públicos. Essas pessoas continuam se sentindo cristãs. E nosso
objetivo, aqui, não é dizer se elas são ou não. Mas queremos identificar tais
comportamentos para, entendendo as motivações do indivíduo atual, estabelecer
critérios e práticas pastorais que consigam dialogar com eles.

35
PRÁTICA PASTORAL

Algumas ConsideraçÕes
Neste primeiro capítulo trouxemos alguns elementos para melhor
entendermos a Igreja onde desenvolvemos nossa prática pastoral e a sociedade
onde vivemos. Uma comunidade religiosa se constrói a partir da cultura onde está.
Por isso, entender a cultura é um pré-requisito para pensar as práticas pastorais
de nossa comunidade.

No mundo atual, podemos perceber que a religião se urbanizou. Com essa


urbanização, três características a acompanham: a crise das instituições, a
individualização da vivência religiosa e a construção de uma moral personalizada,
que busca o bem-estar e nega a possibilidade de uma moral do dever.

É com esse sujeito que nossa prática pastoral irá dialogar, buscando ser
eficiente e eficaz. Se não entendermos nossos interlocutores, de pouco adiantará
aquilo que pensamos na teologia pastoral. De que adiantam discursos belos se
não dizem muito às pessoas? Entendendo a sociedade atual, podemos, agora,
pensar práticas pastorais.

ReFerÊncias
ARANHA, Maria; MARTINS, Maria. Filosofando: introdução à filosofia. São Pau-
lo. Ed. Moderna, 2002.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de


Janeiro: Zahar, 2001.

BENEDETTI, Luiz Roberto. A religião na cidade. In: ANTONIAZZI, Alberto; CALI-


MAN, Cleto (Orgs.). A presença da igreja na cidade. Petrópolis, RJ: Vozes,
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BOFF, Leonardo. Vida para além da morte. 26. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
COLLIOT-THÉLÈNE, Catherine. A sociologia de Max Weber. Tradução de
Cláudio José do Valle Miranda. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. (Coleção Sociologia:
pontos de referência)

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Mar-


tins Fontes, 1996.

FERRY, Luc; VINCENT, Jean-Didier. O que é o ser humano? Sobre os princípios


fundamentais da filosofia e da biologia. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

36
Capítulo 1 RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE

GENNEP, Arnold van. Os ritos de passagem: estudo sistemático dos ritos da


porta e da soleira, da hospitalidade, da adoção, gravidez e parto, nascimento,
infância, puberdade, iniciação, coroação, noivado, casamento, estações, etc.
Tradução de Mariano Ferreira. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. (Coleção An-
tropologia)

GEERTZ, Clifford. A religião como sistema cultural. In: A interpretação das cul-
turas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. pp. 101-142.

GRÜN, Anselm. O que vem depois da morte. Tradução de Bianca Wandt. 4. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

_______. Morte: a experiência da vida em plenitude. Tradução de Markus A. He-


diger. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

_______. O que fiz para merecer isto? Tradução de Edgar Orth. 5. ed. Petrópo-
lis, RJ: Vozes, 2011.

HAUGHT, John F. Mistério e promessa: teologia da revelação. Tradução de Ed-


wino Royer. São Paulo: Paulus, 1998. (Teologia sistemática)

HERVIEU-LÉGER, Danièle. O peregrino e o convertido: a religião em movi-


mento. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

LIBÂNIO, João B. Crer num mundo de muitas crenças e pouca libertação.


São Paulo: Paulinas, Sequem, 2003.

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de


hiperconsumo. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.

_______. A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor


dos novos tempos democráticos. Tradução de Armando Braio Ara. Barueri, SP:
Manole, 2005.
LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma socie-
dade desorientada. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia
das Letras, 2011.

MARCHINI, Welder Lancieri. Juntos e misturados: uma análise do hibridismo na


religiosidade metropolitana. Último andar (PUCSP. On-line), v. 26, p. 125-144,
2015a.

_______. Plantando a cruz em chão de concreto: o cristianismo católico em


contexto de metrópole a partir da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Tat-
uapé. PUC-SP: Dissertação de mestrado, 2015b.

37
PRÁTICA PASTORAL

MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia cultural: iniciação, teoria e temas. 20.
ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

QUEIRUGA, Andrés Torres. Repensar a revelação: a revelação divina na real-


ização humana. Tradução de Afonso Maria Ligorio Soares. São Paulo: Paulinas,
2010. pp. 105-232. (Coleção repensar)

TOURAINE, Alain. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Tradução de


Jaime A. Clasen e Ephraim F. Alves. 2. ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003.

VILHENA, Maria Ângela; PASSOS, João Décio (Orgs.). Religião e consumo:


relações e discernimentos. São Paulo: Paulinas, 2012. (Coleção Religião e uni-
versidade).

38
C APÍTULO 2
Teologia Pastoral: Conceitos e Mé-
todos

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Entender o conceito de teologia pastoral.

 Identificar as principais características da teologia pastoral.

 Produzir práticas pastorais embasadas nos fundamentos bíblicos e


epistemológicos.
PRÁTICA PASTORAL

40
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

ConteXtualização
Ao falarmos de pastoral, a primeira figura que nos vem à mente é a do pastor.
E então trago uma questão importante. Você, aluno, já viu um pastor, ou convive
com ovelhas? Sabemos que a pastoral é a ação da Igreja que quer repetir, em sua
prática, os gestos de Jesus, o pastor.

Jesus viveu em um contexto rural. Ele fala de sementes e


semeadores, videira e agricultor, ovelhas e pastores. A estratégia
de Jesus funciona, pois ele vive em uma sociedade rural. Como
podemos criar estratégias que dialoguem com o mundo urbano em
que vivemos?

Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor. O autor faz uma reflexão


a partir da hermenêutica do Salmo 23, trazendo a figura de Deus
como pastor.

No primeiro capítulo de nosso material, você teve contato com aquilo que
chamamos de uma “fotografia” da sociedade atual. Ela é constituída de cidades
cada vez maiores, mas que ao mesmo tempo oferece menos contato entre as
pessoas. Ela também é caracterizada por instituições religiosas e sociais que
influenciam menos a vida de seus indivíduos. Este indivíduo, por sua vez, é cada
vez mais isolado e sente que pode construir sua própria vida, marcada por uma
personalização das experiências religiosas.

O grande desafio da teologia pastoral é pensar práticas que O grande desafio da


consigam dialogar com este indivíduo e com esta sociedade. Como teologia pastoral é
dissemos no Capítulo 1, queremos uma pastoral que tenha eficiência e pensar práticas que
consigam dialogar
eficácia, que consiga estabelecer estratégias pastorais que sejam bem
com este indivíduo e
executadas e alcancem resultados. com esta sociedade.

Ao pensarmos na prática pastoral, vamos também fazer uma importante


reflexão: que resultados podem ser considerados bons? Esse critério muda ao
longo da história e depende do momento vivido por cada comunidade.

41
PRÁTICA PASTORAL

Fundamentos EPistemolÓgicos
Epistemologia é a reflexão sobre a natureza de alguma coisa, sobre sua razão
de ser, mas também sobre a construção do próprio conhecimento. Ao falarmos de
um fundamento epistemológico da prática pastoral, queremos entender o que ela
é e, ao mesmo tempo, apontar métodos para a construção de uma teologia da
ação pastoral.

Se você quiser entender melhor o que é epistemologia, fica a


indicação:
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. Editora Ática.

Leia a “Unidade 3”, que fala sobre a razão e a construção do


conhecimento.

1. Para falar de uma teologia pastoral

Primeiramente, para falar da epistemologia, vamos retomar rapidamente aquilo


que é a teologia. Ela é muito mais que a experiência religiosa que temos na comunidade,
de uma adesão de fé ou de práticas religiosas (LIBÂNIO; MURAD, 2007).

Ao escrever sobre o método teológico, Clodovis Boff define a teologia como


algo que “nasce do coração da própria fé” (BOFF, 1997). Segundo o mesmo autor,
a fé constitui-se de elementos cognitivo, afetivo e ativo (1997, p. 17). É então,
a fé, um pressuposto básico para a produção teológica. A fé é entendida como
mobilização afetiva e cognitiva do sujeito que, baseando-se em sua produção,
terá uma diretriz e orientação, não somente para sua vida particular, mas para a
comunidade de fé à qual pertence (BOFF, 1997, p. 17).

Fé é muito mais que sentimento. Quando temos um momento


de contato com Deus, não temos necessariamente um momento de
fé. A fé é consequência daquilo que vivemos. A fé, que vem do latim
“fides” ou do grego “pistia”, nos remete à ideia de fidelidade, que é
muito mais uma atitude de compromisso que um sentimento.

42
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

Não queremos dizer que o sentimento não seja bom. Ele pode
ser. Mas não é fé. Um exemplo de fé é Abraão. E por quê? Ele
assume um compromisso com Deus, que diz “Saia de sua terra, do
meio de seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu
lhe mostrarei” (Gn 12,1). A fé de Abraão não se mostra pelo contato
que ele tem com Deus, mas com o compromisso assumido, com a
fidelidade construída.

Quanto ao seu método, o da teologia diz que “ela trata todas as coisas à
luz de Deus” (BOFF, 1997, p. 23). Na prática da produção teológica pode-se
entender que o teólogo tem como princípio a experiência histórica da comunidade
religiosa que está presente na Bíblia, mas também na tradição, entendida como a
experiência constituída no período que sucede os escritos bíblicos.

Na ocupação de estabelecer um diálogo entre a produção teológica e a


compreensão de Deus, o teólogo Andrés Torres Queiruga entende ser necessária
a superação do entendimento da Revelação divina como movimento unilateral
ocupando-se de uma hermenêutica da imagem de Deus (QUEIRUGA, 2010). A
Revelação é o momento fundante do fazer teológico (LIBÂNIO, 2005). Deus se
revela à humanidade. Mas Deus se revela na história. Nosso agir, o contexto onde
vivemos, nossas experiências, angústias e alegrias nos mostram quem é Deus.

Hermenêutica é uma palavra que vem da filosofia. Ela


está relacionada à capacidade que temos de interpretar textos.
Biblicamente também desenvolvemos uma hermenêutica, os textos
bíblicos devem ser interpretados (LIMA, 2014, p. 15). Para melhor
interpretar os textos bíblicos, a teologia fará uso da exegese, que
é o método de estudo das palavras dos textos em grego (Novo
Testamento e os livros sapienciais do Antigo Testamento) ou hebraico
(Antigo Testamento) no contexto bíblico, vendo naquele contexto
como essas palavras eram utilizadas.

43
PRÁTICA PASTORAL

Existem algumas cartilhas (livretos com instruções básicas) que


em muito auxiliam em uma introdução aos métodos de leitura da
Bíblia e na construção de uma hermenêutica bíblica.

- Introdução à leitura da Bíblia, Paulinas.


- Beabá da Bíblia, Paulinas.
- ABC da Bíblia, Paulus.

Todos eles se encontram em nossa bibliografia.

No fundo, você, É na leitura da obra conjunta dos teólogos brasileiros João Batista
estudante, busca Libânio e Afonso Murad (2007) que encontraremos a perspectiva que
fazer teologia para mais nos interessa no entendimento do fazer teológico. A teologia
melhor servir à
sua comunidade, é um saber que busca oferecer uma diretriz à comunidade cristã. No
oferecendo a ela, fundo, você, estudante, busca fazer teologia para melhor servir à sua
mesmo que de
maneira indireta, comunidade, oferecendo a ela, mesmo que de maneira indireta, muito
muito daquilo que daquilo que aqui você aprendeu.
aqui você aprendeu.
Isso não significa que, depois de fazer teologia, você buscará
explicar a todos de sua comunidade todas as coisas que aprendeu,
A teologia deve dizendo a eles que estão equivocados e que você, sim, sabe ao certo
mudar, sobretudo,
seu modo de agir, os conteúdos da fé. A teologia deve mudar, sobretudo, seu modo de
suas concepções agir, suas concepções pastorais, e cultivar a humildade diante do
pastorais, e cultivar a relacionamento com as pessoas de sua comunidade.
humildade diante do
relacionamento com
as pessoas de sua Vamos recapitular...
comunidade.
Podemos entender, trazendo as informações que vimos até aqui,
a teologia como produção de cunho epistemológico-acadêmico que, baseada na
leitura da história cristã, busca oferecer diretrizes ao cristianismo, seja o vivido
nas comunidades eclesiais, seja o pensado na doutrina, moral ou entendimento
bíblico, que é responsabilidade da instituição.

44
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

Atividade de Estudos:

1) Escreva um pequeno texto que elenque as principais características


do fazer teológico. Depois diga como o fazer teologia modifica a
sua prática pastoral.
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E a teologia pastoral? Vamos ver agora alguns autores que nos ajudam a
entender aquilo que é a teologia pastoral, como ela se organiza e qual o método
que ela utiliza para pensar a vida prática das comunidades eclesiais.

A teologia pastoral pode ser definida como reflexão teológica


sobre o conjunto das atividades com as quais a Igreja se realiza,
com a finalidade de definir como essas atividades devem ser
desenvolvidas, levando em consideração a natureza da Igreja,
sua situação atual e a do mundo (SZENTMÁRTONI, 2014, p. 11).

Se a teologia pensa a doutrina e o próprio ser da Igreja, sendo uma área


prática do pensar teológico, a teologia pastoral nasce com o objetivo de pensar o
ser da Igreja em seu contato com as pessoas. Ela não é somente um planejamento
prático das atividades pastorais de uma comunidade. Antes, a teologia pastoral
busca estabelecer critérios para fundamentar o modo de ser e agir da comunidade
eclesial (LIBÂNIO; MURAD, 2007).

Esse modo de ser e agir gera um método, um modo próprio de se construir.


Assim, a teologia pastoral se constitui uma área autônoma da teologia, nunca
desvinculada, mas diferente. A maneira como fazemos teologia bíblica é diferente
da maneira como pensamos os sacramentos ou a eucaristia. Também a teologia
pastoral tem seus próprios parâmetros de conhecimento. Sobre a epistemologia
própria da teologia pastoral, dizem os autores Benincá e Balbinot (2009, p. 6):

45
PRÁTICA PASTORAL

Acreditamos que a prática pastoral pode ser o ponto de


partida para a construção de conhecimentos específicos da
ação evangelizadora. Mais: este processo de construção de
conhecimento, longe de contradizer a mística do discípulo
missionário, é como que uma garantia de sua qualificação.

Não existe um único modo para pensarmos a teologia pastoral. Existem


modelos. Iremos sistematizar os principais.

2. Os modelos de concepção pastoral ao longo da história

Ao tratar da teologia pastoral, o teólogo Agenor Brighenti (2006) aborda os


modelos da trajetória eclesial. Eles trazem a maneira como o próprio cristianismo
encontra para desenvolver seus trabalhos pastorais ao longo da história. Nesta
seção de nosso material, vamos sintetizar os cinco modelos pastorais pensados
por Brighenti (2006): o da pastoral profética, o da pastoral sacramental, o da
pastoral coletiva, o da pastoral de conjunto e, por fim, o da pastoral de comunhão
e participação.

A cada modelo o autor soma um modelo de ação, ou seja, como este modelo
entende que deve agir, e o modelo eclesial, ou seja, a autocompreensão da própria
Igreja neste determinado período. Você pode se aprofundar no entendimento
destes modelos na própria obra.

Agenor Brighenti, A pastoral dá o que pensar. Editora Paulinas.

2.1 Modelo pastoral profética

Historicamente é o modelo que compreende o período patrístico – período da


teologia que sucede o período apostólico e se desenvolve até o século V d.C. – e
tem seu fim com a era constantiniana e o modelo de cristandade. O importante
é entendermos que, quando a Igreja dá continuidade ao projeto de Jesus, ela
primeiramente tem uma ação e desta ação surge o modelo eclesial (BRIGHENTI,
2006, p. 22).

• Modelo de ação: é baseado no testemunho dos primeiros cristãos (mar-


tyría), no anúncio de Jesus, morto e ressuscitado (kerigma) e no ensina-
mento da Palavra de Deus (didaskalia) (BRIGHENTI, 2006).

46
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

• Modelo eclesial: em cada cidade havia uma única comunidade (ecclesia


/ assembleia). O modelo eclesial não está centrado no templo. Eles não
eram a base da comunidade. A assembleia remete justamente ao grupo
de pessoas. Após a escuta do kerigma, o neoconvertido participava do
processo de catecumenato, era batizado e passava a fazer parte da co-
munidade. A igreja funcionava nas casas que buscam viver a comunhão
(koinonía) (BRIGHENTI, 2006).

2.2 Modelo pastoral sacramental

Com a decisão de Constantino (307-337 d.C.) de que o cristianismo teria


liberdade de culto, preparando o terreno para a decisão de Teodósio (379-395
d.C.) de torná-lo a religião oficial do Império Romano, há um aumento exponencial
no número de seus adeptos. A Igreja doméstica dá lugar à Igreja das Basílicas. A
clandestinidade dá lugar à segurança da oficialidade. Os processos catecumenais
dão lugar à sacramentalização (BRIGHENTI, 2006, p. 24).

• Modelo eclesial: O modelo esclesial deste período está relacionado à cri-


standade, entendida como período em que o cristianismo se atrelou ao
Império Romano. Os bispos passam a ser figuras jurídicas mais que pas-
tores do povo. A hierarquia assume, aos poucos, o modelo imperial que se
estende pela Idade Média. A vivência comunitária das primeiras comuni-
dades cede espaço à administração dos sacramentos (BRIGHENTI, 2006).
• Modelo de ação: A ecclesia, caracterizada pela vivência fraterna, dá lu-
gar às paróquias, que têm caráter mais jurídico, visto que são lugares da
administração clerical. E aqueles que continuam nas cidades deixam de
viver os processos de catecumenato. Os monastérios e eremitérios vivem
a espiritualidade de fuga mundi (fuga do mundo). A interação com o mun-
do dá lugar à salvação da alma, característica comum da espiritualidade
medieval (BRIGHENTI, 2006).

A Igreja medieval vive muitos conflitos entre hierarquia e grupos


populares que buscavam resgatar a fé. São Francisco de Assis
mostra alguns destes conflitos. Você pode assistir a dois filmes que
retratam este período.

Irmão sol, irmã lua (1972) ressalta o lado poético da


espiritualidade mendicante franciscana, sem deixar de lado seus
conflitos institucionais. A cena final é muito reveladora quando
falamos da relação com a hierarquia católica medieval.

47
PRÁTICA PASTORAL

Francesco (1989) ressalta o lado humano de Francisco,


seus conflitos internos e também os problemas que teve com a
institucionalização da Ordem dos Frades Menores.

2.3 Modelo pastoral coletiva

O modelo da pastoral coletiva será o da “sociedade perfeita”.


Enfraquecem-se os processos individuais de iniciação e pensa-se a Igreja como
corpo coletivo. Consequentemente, se fortalece a instituição.

O cristianismo, enquanto organização institucional, é fortemente abalado


pelas tantas reformas que acontecem na Modernidade. A Reforma Luterana
(1517), Calvinista (1549), Anglicana (1534) ou mesmo a Reforma Católica (1554-
1563), chamada por muitos de Contrarreforma, tiram do cristianismo católico
sua hegemonia. Num primeiro momento, a tendência será de fechamento. Este
modelo é coletivo não por visar à coletividade da Igreja ou a comunhão fraterna,
mas por buscar reafirmar a identidade social da Igreja assegurando maior número
de adeptos (BRIGHENTI, 2006). A seguir você verá alguns modelos de pastoral
coletiva:

• Modelo eclesial: o modelo deste período será o da Igreja como “socie-


dade perfeita”. Há um fechamento da Igreja Católica diante do Luteran-
ismo que pregava que somente as Escrituras deveriam ser consideradas
como fonte de Revelação, que o cristão se salva pela fé e pela graça de
Deus. Contrapondo-se, a Igreja Católica reafirma a importância dos sacra-
mentos e da hierarquia (BRIGHENTI, 2006).
• Modelo de ação: fortalece-se a concepção de que há salvação somente
dentro da Igreja Católica. Cresce a devoção eucarística e mariana, como
também a visão da missa como sacrifício e, consequentemente, a valori-
zação do sacerdócio (BRIGHENTI, 2006).

2.4 Modelo pastoral de conjunto

A pastoral de conjunto busca ser alternativa à pastoral coletiva. Ela


não visa apenas abarcar adeptos, mas quer o envolvimento e a participação da
comunidade cristã. Ela será oficializada pelo Concílio Vaticano II (1962-1965)
como proposta de um aggiornamento da Igreja Católica (BRIGHENTI, 2006).

• Modelo de ação: há no modelo da pastoral de conjunto o ideal de diálogo,


seja com a modernidade, seja com a ciência ou com a sociedade como um

48
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

todo. O protagonismo dos leigos presente neste modelo é fruto da Ação


Católica, iniciativa europeia que buscava responder às necessidades das
sociedades locais. Busca-se mais a valorização da Igreja como Povo de
Deus e menos das organizações hierárquicas (BRIGHENTI, 2006).
• Modelo eclesial: O Concílio Vaticano II quer ser um concílio essencial-
mente pastoral. Para tanto, entende a Igreja como organismo de comun-
hão, que o mundo deve buscar um diálogo que se concretiza, sobretudo,
pela atitude de serviço (BRIGHENTI, 2006).

2.5 Pastoral de comunhão e participação

O Concílio Vaticano II conta com grande participação da Igreja latino-


americana, e aqui, passará pelo que Agenor Brighenti chama de “recepção
criativa”. Principalmente, a Conferência de Medellín (1968), organizada pela
CELAM (Conferência Episcopal Latino-americana) que busca estabelecer um
diálogo com a sociedade local (BRIGHENTI, 2006).

• Modelo de ação: Há na Igreja latino-americana um apelo por uma ação de


cunho social, denominada de “opção preferencial pelos pobres”. Este ape-
lo vem acompanhado por um protagonismo dos leigos que se envolvem
no mundo da política e na organização de comunidades. Também neste
momento surgem as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), que enten-
dem em conjunto a consciência cristã e cidadã (BRIGHENTI, 2006).
• Modelo eclesial: A Conferência de Puebla (1979), também da CELAM,
busca ver o rosto de Jesus nos pobres e também nos jovens. Há a busca
de diálogo entre o Evangelho de Jesus e a realidade social latino-ameri-
cana, neste período marcada por governos militares e conflitos de ordem
social (BRIGHENTI, 2006).

Alguns filmes auxiliam no entendimento da ação da Igreja na


realidade latino-americana:

Elefante Branco (2012).


Batismo de Sangue (2006).
Romero (1989).

49
PRÁTICA PASTORAL

Os modelos de ação pastoral se desenvolveram ao longo da história. Mas


eles perpetuam suas características no tempo. Sua comunidade pode, mesmo
estando no século XXI, trazer características de um modelo sacramentalista, de
conjunto, ou de comunhão e participação.

Atividade de Estudos:

1) Sua comunidade pode se aproximar de um dos modelos que


vimos ou mesmo trazer uma mistura de vários modelos.

Faça o exercício de identificar, partindo dos modelos que vimos, qual


o modelo (ou os modelos) que estruturam a comunidade eclesial
onde você participa. Escreva uma pequena redação, elencando.
Escrever muito nos ajuda na sistematização de nosso pensamento.

É importante lembrarmos que o modelo revelará, posteriormente,


quais as estratégias de trabalho pastoral que assumimos na
comunidade eclesial.
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Qual modelo é Se o modelo de uma comunidade é o sacramentalista, muito do


o melhor? Isso agir comunitário estará voltado para que as pessoas tenham o acesso
depende de cada aos sacramentos. Se o modelo é o de participação, a comunidade
comunidade.
O importante é buscará se organizar para um maior envolvimento das pessoas em
entendermos que, suas estruturas.
se não identificamos
o modelo que nos
orienta, fica mais Qual modelo é o melhor? Isso depende de cada comunidade. O
difícil pensar em importante é entendermos que, se não identificamos o modelo que nos
estratégias pastorais
eficazes. orienta, fica mais difícil pensar em estratégias pastorais eficazes.

50
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

3. Os cenários de Igreja

O teólogo brasileiro João Batista Libânio fala de cenários. O cenário, diferente


do modelo, é mais fluido, pode ser modificado com mais facilidade. Também
os vários cenários podem dialogar entre si. Utilizando a metáfora do teatro, um
cenário pode contar com vários elementos, desde cenografia até atores. Eles
interagem entre si. Mas há sempre um cenário que predomina.

João Batista Libânio, Cenários da Igreja, Loyola. A obra servirá


de base para as informações que traremos nos próximos parágrafos.

Mas uma reflexão do autor se faz necessária: “Um cenário não se escolhe.
Impõe-se. Tem-se de viver dentro dele. As análises ajudam a elaborar as
estratégias de resistência, caso triunfe um cenário adverso. Ou a organizar as
próprias forças vitoriosas” (LIBÂNIO, 2001, p. 13).

O cenário se sobrepõe à pessoa. Quando entramos em uma comunidade, por


mais que a influenciemos com nossas ideias e perspectivas evangélicas, somos
quase que determinados por seus planos, modo de ser e perspectivas pastorais.

Uma comunidade pode “matar” o espírito do Evangelho trazido


por um de seus membros? Muitas vezes podemos nos deparar com
situações em que pessoas, com entusiasmo, são dominadas pelo
espírito comodista da comunidade que se deixou dominar por uma
pastoral de manutenção, perdendo seu caráter missionário.

Libânio (2001) traz quatro cenários que nos auxiliam na identificação


das características pastorais de uma comunidade: o cenário de uma Igreja da
instituição, o da Igreja carismática, o da Igreja da pregação e o da Igreja da práxis
libertadora. Vamos trazer um breve resumo de cada cenário, para nos auxiliar na
reflexão sobre o tema, nos baseando na obra de Libânio (2001).

51
PRÁTICA PASTORAL

3.1 Cenário de uma Igreja da Instituição

Podemos entender por instituição uma organização de um grupo a partir


da criação de estruturas de organização. A organização institucional é própria
de grupos que crescem numericamente. Quanto mais uma comunidade eclesial
cresce, mais ela precisa se organizar criando regras, diretrizes e estatutos
(LIBÂNIO, 2001).

Em uma Igreja de cenário institucional há uma maior valorização das


organizações institucionais, e uma menor valorização das vivências espontâneas.
O centro são as organizações hierárquicas da instituição. Os ministérios,
conselhos, cúria, diocese ou paróquia ganham maior relevância. O líder religioso
local deve se submeter às orientações gerais.

Neste cenário são mais relevantes a lei e a norma. Se um participante da


comunidade descumpre uma norma, ele deve ser advertido. As normas são vistas
como boas, pois dão diretriz e orientação. Há uma rigidez moral. Por exemplo,
se a comunidade eclesial não permite o divórcio ou um segundo casamento, a
pessoa que se encontra nesta situação será orientada pela comunidade a deixar
de viver na ilegalidade. Em ambientes evangélicos, haverá uma valorização dos
usos e costumes.

O mesmo rigorismo se fará presente na liturgia. Também os ritos devem ser


obedecidos. No caso católico há, neste cenário, uma valorização das rubricas que
orientam a celebração da missa. A regra é vista como o grande instrumento para
orientação da comunidade.

Os processos catequéticos são vistos na perspectiva do catecismo. Na tradição


católica há uma diferença entre catequese e catecismo. Enquanto a catequese é o
processo de preparação para o seguimento de Jesus, o catecismo é um livro que
traz a doutrina católica. Neste cenário, as duas realidades se transformam em uma.
Seguir Jesus significa assumir a doutrina da Igreja. Mas na tradição evangélica
ou protestante, este cenário indica uma valorização da doutrina. Seguir Jesus é
sinônimo de obedecer a uma moral e conhecer a doutrina cristã.

A cada cenário veremos um ponto forte e um ponto fraco.

• Ponto forte: como vimos no Capítulo 1, o mundo atual traz muitas insegu-
ranças e transformações, principalmente para as religiões. O cenário insti-
tucional oferece segurança diante de um mundo tão incerto. Diante da flexib-
ilidade moral, as instituições transmitem regras e orientações bem definidas.
A segurança vem também pela caracterização. No ambiente católico haverá
sobretudo a valorização das vestes e dos objetos religiosos. No ambiente
evangélico, de elementos midiáticos como a música gospel.

52
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

• Ponto fraco: este cenário vai na contramão da pós-modernidade, podendo


ocorrer no erro de “fechar-se num gueto”. A Igreja se transforma em um
grupo de pessoas que falam uma mesma linguagem e assumem o mesmo
comportamento, mas não conseguem dialogar com aqueles que pensam
diferente.

3.2 Cenário de uma Igreja Carismática

Se a instituição se caracteriza pela criação de regras e orientações, a Igreja


Carismática se constitui como um cenário que caminha para o oposto. Mas isso
não significa que a Igreja no cenário carismático segue um laxismo moral, onde
tudo é permitido.

O carisma aqui segue a teoria do sociólogo Max Weber (apud PASSOS, 2006).
Ao ser fundada, uma religião segue as orientações do seu líder, que geralmente
é uma pessoa carismática. As pessoas não o seguem necessariamente por suas
teorias e ideias, mas pelo poder de agregar seguidores, por sua simpatia e poder
de sedução.

Este cenário caminha em sentido oposto ao da instituição, por colocar toda


a responsabilidade não na regra, mas na figura do líder. As regras podem estar
tão presentes quanto no cenário institucional. Mas quem decide é o líder. A
institucionalização começa com a ausência da liderança carismática, geralmente
por causa de sua morte.

No cenário da Igreja Carismática há uma valorização das experiências


emotivas. As pessoas participam de determinada igreja ou seguem o líder por
motivações da ordem pessoal, como dificuldades financeiras ou ausência de um
relacionamento amoroso. O líder carismático se torna um refúgio, um oásis que
dá esperança para que as situações da vida sejam resolvidas.

O estilo ritual presente neste cenário é o do clima religioso e introspectivo.


Quase não há teologia. Existe a experiência de cada um e a experiência individual.
Mais importante que entender quem é Deus, é experimentá-lo. O discurso religioso
e os cultos são voltados ao indivíduo e suas necessidades, sejam emocionais,
existenciais ou financeiras.

• Ponto forte: tem facilidade de dialogar com a pós-modernidade. Por ter um


discurso personalizado, consegue dialogar com as necessidades concretas
da vida das pessoas. Seu discurso sai do campo estritamente teológico e
ganha praticidade. Isso faz com que este cenário se popularize, não somente
no ambiente pentecostal, mas também evangélico e católico. Os líderes re-

53
PRÁTICA PASTORAL

ligiosos midiáticos, que assumem um discurso que tem como interlocutor o


indivíduo e suas necessidades, ganham cada vez mais espaço.

• Ponto fraco: não dialoga com a Igreja institucional e com os avanços


científicos. Por ser o seu discurso embasado no líder carismático, há uma
rejeição de toda construção de conhecimento que pode ser entendida como
uma ameaça ao seu carisma.

3.3 Cenário de uma Igreja da pregação

A Igreja da pregação se entende como a Igreja da Palavra. De certa forma, ela


está relacionada ao espírito luterano, que entende a Palavra de Deus como a única
forma de Revelação. Mas aqui a palavra não pode ser entendida unicamente como
a Bíblia. Não é unicamente a Palavra, mas a palavra, ou seja, é a igreja da instrução.
Liga-se ao aspecto doutrinal, ao ensinamento, ao conhecimento, à pregação.

No cenário da palavra a instrução tem relevância. Os processos catequéticos


ganham importância. Há uma forte construção da doutrina, mas, diferente do
cenário institucional, ela não é entendida como regra ou normatividade, mas
como instrução, que leva em consideração a relação com o indivíduo que aprende
(LIBÂNIO, 2001).

As práticas são catecumenais, ou seja, visam ao preparo dos sujeitos


eclesiais, criando ambientes e possibilidades para que se instruem segundo os
conteúdos da fé. Há, neste cenário, uma valorização do estudo pessoal e da
busca do conhecimento por parte dos participantes.

Os rituais e liturgias serão bíblicos. No ambiente evangélico e protestante


haverá a pregação da palavra e, por meio dela, o entendimento da vida humana e
da comunidade. No ambiente católico, há a valorização dos métodos de leitura e
oração a partir da palavra como a Lectio Divina.

• Ponto forte: busca o saber e o conhecimento. Diferente dos cenários insti-


tucional e carismático, que colocam a responsabilidade sobre os líderes e
a organização, o cenário da Igreja da Palavra cria sujeitos autônomos, que
buscam conhecer os conteúdos e reflexões da fé. Os membros da Igreja da
Palavra buscam instrução, participam de cursos e formação e têm hábito de
leitura, principalmente de conteúdos relativos à fé.

• Ponto fraco: espera um grau de comprometimento com a Igreja e instrução


de seus adeptos que fica difícil colocá-la em prática. Esse cenário tem pou-
ca facilidade de dialogar com o ritmo de vida atual. Num mundo onde o

54
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

ritmo de vida é intenso e as pessoas dedicam pouco tempo à participação


religiosa, o cenário da palavra pede uma maior dedicação de seus mem-
bros à instrução.

3.4 Cenário de uma Igreja de práxis libertadora

O Concílio Vaticano II (1962-1965) muda a prática pastoral e o próprio


entendimento que a Igreja tem dela mesma, principalmente com a ideia do
aggiornamento, conceito que sintetizava a intenção do Papa João XXIII de
trazer novos ares à Igreja (LIBÂNIO, 2001). Na América Latina, o Concílio ganha
contornos bem particulares, que ficam mais evidentes com a Conferência de
Medellín, organizada pelos bispos latino-americanos para pensar o Concílio em
realidade local.

O cenário da práxis libertadora será fruto da Teologia da Libertação,


método teológico que buscou interação da teologia com a realidade social latino-
americana. Medellín será marcada sobretudo pela opção preferencial pelos
pobres e todo o desmembramento desta opção na organização comunitária da
Igreja. O catolicismo, além de muitas comunidades protestantes e evangélicas,
fortalece seu trabalho nas periferias das cidades.

O cenário da práxis libertadora tem como instrumento a leitura popular da


Bíblia, que se instrumentaliza principalmente em forma de círculos bíblicos. As
comunidades passam a ler os acontecimentos históricos relacionando-os com a
Palavra de Deus. A base para a leitura bíblica é o Método Histórico Crítico, que
busca entender o texto bíblico a partir de seu contexto histórico.

A organização eclesial do cenário da práxis libertadora são as Comunidades


Eclesiais de Base (CEBs). Que são grupos de organização popular com forte apelo
sociopolítico. O cenário da práxis libertadora entende que a ação do Evangelho
deve gerar mudanças históricas.

Na liturgia, esse cenário traz o diálogo entre o rito e as necessidades e motivações


concretas. Surgem as chamadas missas afro, indígena, sertaneja, do trabalhador,
entre outras. A intenção é que a liturgia ilumine a vida concreta, principalmente quando
aparecem as dificuldades de contexto cultural, político ou social.

• Ponto forte: presença significativa no continente latino-americano. O


cenário se mostra eficiente ao estabelecer diálogo entre a teologia pensada
e a prática vivida. Assim, estabelece aquilo que chamaríamos de práxis
cristã. A teologia ilumina a vida concreta ao mesmo tempo em que a prática
social serve de elemento para a produção teológica.

55
PRÁTICA PASTORAL

• Ponto fraco: ligação com a esquerda e o sindicalismo. Esse cenário se


mostrou frutuoso nas décadas de 1960 a 1970, quando os países lati-
no-americanos viviam sob os regimes ditatoriais. Com o avanço das de-
mocracias, o cenário da práxis libertadora mostrou pouca habilidade em
estabelecer diálogo com os novos contextos eclesiais.

Vimos os quatro cenários explicitados pelo teólogo brasileiro João Batista


Libânio (2001). Na atividade de estudo, a seguir, apresentaremos uma situação
concreta. Convidamos você, aluno ou aluna, a identificar qual cenário se faz
mais presente.

Atividade de Estudos:

1) Vamos ler o relato de um pastor missionário no Nepal. Há em sua


fala características com as quais podemos identificar os cenários
acima. Busque ler o relato e faça um exercício redacional
apontando quais são as características de cada cenário.

26 nov. 2011, ÍNDIA

Meu nome é Sirjan Bhattarai. Sou pastor de uma igreja apoiada por
Gospel for Asia (GFA), no Nepal, e também estou ministrando nos
arredores dos vilarejos não alcançados.

Além de meu trabalho pastoral, Deus me deu o grande privilégio de


produzir o programa de rádio na língua gurung para o GFA. Antes de
lidar com a responsabilidade de produtor e locutor na língua gurung,
eu pensava que transmitir um programa de rádio nessa língua era um
esforço sem sentido, considerando o estado atual do Nepal.

Eu pensava: “A língua nepalesa é a língua comum com que todos


se comunicam no Nepal. Transmitir um programa em gurung é um
desperdício de tempo e dinheiro”. Mas, para honrar a Deus e ser
obediente aos meus líderes que me pediram para transmitir nesta
língua, comecei a trabalhar no programa.

No dia 1º de agosto, fui pregar o Evangelho em um vilarejo remoto com


mais quatro pastores. O vilarejo não possui nenhuma das facilidades
modernas, eletricidade, hospital ou estradas pavimentadas. Nenhum

56
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

missionário havia estado lá antes. A população do local é de 289 e


90% do povo são gurungs.

Chegamos ao vilarejo à noite. Ao amanhecer, iniciamos nosso


trabalho ministerial. Dividimo-nos em dois grupos para alcançar a
maioria das pessoas. À tarde, meus dois amigos vieram me dizer que
havia alguns gurungs que queriam conhecer alguém que falasse sua
língua, pois só podiam se comunicar nela.

Eu fiquei realmente perplexo ao ouvir isso e fui conhecê-los. Encontrei


uma mulher com cerca de 56 anos. Quando ela me viu, reuniu 12
pessoas em seu pátio para me ouvir. Comecei a falar em gurung e
contar-lhes sobre Jesus Cristo, sua vida e seus ensinamentos. Falei
a eles por 25 minutos e parei para ouvir suas reações.

A mulher nos disse algo tão maravilhoso! Ela disse que tinha ouvido
um programa da Rádio GFA na língua gurung. Certa vez, ela estava
sofrendo de dor de cabeça. Seu filho estava ouvindo a mensagem
do Evangelho no rádio. Ao final da pregação, o locutor disse aos
ouvintes que iria orar a Deus por sua cura. Após a oração, ela não
tinha mais dor.

Quando a mulher e os outros gurungs souberam que eu era a pessoa


que havia entregue a mensagem de Deus, ficaram muito felizes.
Imediatamente, duas mulheres receberam o Senhor Jesus Cristo
como Salvador. Agora, há uma pequena comunidade cristã neste
vilarejo.

Agradeci ao gracioso Senhor Jesus Cristo por Sua obra maravilhosa


e também pedi perdão por minha falta de fé. Percebi porque Deus
quisera me usar para falar em minha língua-mãe. Oro para que o
Senhor me use como instrumento para compartilhar Sua Palavra
através do programa da Rádio GFA.

Por favor, orem para que meu ministério seja eficaz e frutífero. Orem
pelas pessoas desse vilarejo, para que o Senhor possa trazê-las
para o Seu Reino.

Fonte: Disponível em: <https://www.portasabertas.org.br/


noticias/2011/11/1260787/>. Acesso em: 30 ago. 2017.

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PRÁTICA PASTORAL

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4. Características da Pastoral Cristã

Podemos falar que a Pastoral assume, na prática da Igreja, três características


que se complementam. “Ela é profética” (BRIGHENTI, 2006, p. 87); “litúrgica”
(BRIGHENTI, 2006, p. 107) e “sinal de comunhão” (BRIGHENTI, 2006, p. 129).
Traremos aqui, mesmo que brevemente, cada uma dessas características que
embasam o agir da Igreja. Buscaremos fazer uma reflexão com base nos passos
propostos por Brighenti. Mas nossa reflexão é mais voltada à prática pastoral e
menos à Teologia Pastoral.

4.1 Pastoral profética

O profetismo é aqui entendido como testemunho, que no grego é descrito


como martyria. Pode ser que você, estudante de Teologia, em sua comunidade, já
tenha ouvido alguém falar que vai dar um testemunho. Geralmente, essa pessoa
traz algum acontecimento ou mesmo a história de sua vida, colocando-a como um
exemplo. Aqui testemunho não é bem isso.

Se testemunho é martyria, são os mártires os exemplos de testemunho.


Martírio não é somente a atitude daquele que morre por causa da fé. Mártir é
aquele que assume um modo de viver que dá testemunho. É aquele que assume
em sua vida a proposta de Jesus e seu Evangelho (BRIGHENTI, 2006, p. 89).

Assumir a pastoral profética é, por parte da comunidade cristã, assumir


o Evangelho de Jesus a tal ponto que transpareça seu modo de ser. Assim a
Igreja se torna referência, não somente pelo que diz, mas pelo que é. Como diz
Tertuliano, pensador dos primeiros séculos, os cristãos eram tão conhecidos pelo
seu modo de viver que era comum ouvir dizendo “Olha como eles se amam!”

58
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

A pastoral profética pode se espelhar na profecia bíblica. Se popularmente


entendemos o profeta como aquele que prevê o futuro, biblicamente, o profetismo
se constitui como uma denúncia de atitudes, seja do povo ou dos reis, que são
contrárias à vontade de Deus (WILSON, 1993). Assim o profeta assume a postura
de denunciar o que é errado e destruir a realidade do mal e, ao mesmo tempo,
propor novos modelos de vida que aproximem o povo da vivência do amor de
Deus (WILSON, 1993).

Talvez a ideia de profetismo bíblico como denúncia e proposta


tenha deixado muitas dúvidas. Não vamos nos aprofundar, pois
nossa disciplina não é sobre os profetas ou sobre Bíblia. Você pode
ler o livro indicado a seguir que aprofundará essa ideia. SICRE, José
Luís. Profetismo em Israel. Vozes.

4.2 Pastoral litúrgica e ministério da palavra

A palavra liturgia vem do grego e quer dizer “serviço prestado”. No caso da


liturgia cristã, esse serviço é prestado ao povo. A pastoral cristã é litúrgica, pois é
sempre uma prestação de serviço às pessoas, seja pela palavra anunciada, seja
pela assistência dada, seja pela participação social.

Primeiramente, vamos ver a liturgia como palavra anunciada. As pessoas


buscam a comunidade cristã para escutarem a palavra de Deus. A Igreja
anuncia a palavra e quer que as pessoas a entendam, a celebrem e a vivenciem.
Para isso se faz cada vez mais necessária uma formação teórica dos líderes
religiosos. É preciso superar a leitura fundamentalista que, na prática, afasta as
pessoas da vivência da palavra. Os líderes religiosos precisam se aprofundar
em hermenêuticas bíblicas para melhor possibilitarem um conhecimento e uma
vivência da Palavra de Deus.

A liturgia é também serviço prestado à comunidade em muitos outros


aspectos. Os processos catequéticos também são litúrgicos, assim como também
o atendimento ou aconselhamento dado pelos líderes religiosos ou uma visita aos
enfermos. Todos esses trabalhos devem levar as pessoas a uma íntima relação
com Deus e a uma vida de oração.

59
PRÁTICA PASTORAL

4.3 Pastoral de comunhão

A prática pastoral é chamada a agregar a comunidade cristã. As primeiras


comunidades cristãs, posteriores ao período apostólico, utilizavam de dois
instrumentos para o cultivo da comunhão fraterna: a diakonía, característica da
comunidade que se coloca a serviço, e a koinonía, vivência da comunhão.

“O termo diakonía se refere à prestação de serviço por parte de algumas


lideranças da comunidade” (BRIGHENTI, 2006, p. 130). Historicamente, a
palavra diakonía será empregada à função do diácono, seja nas comunidades
protestantes, evangélicas ou católicas.

No Novo Testamento, a diakonía não será propriamente uma função de


alguém específico, o diácono. Ele existe. Mas toda a comunidade é chamada a
assumir o serviço, principalmente aos mais necessitados, aos pobres, às viúvas e
aos enfermos (Tg 1,27; 1Tm 5,16). A diakonía deve ser o ideal de serviço sempre
presente na comunidade.

Ao assumir-se como serviço, a comunidade também se constrói como


ambiente de comunhão (koinonía). A comunhão comunitária é expressão da
comunhão trinitária. A Trindade revela um Deus que é relação e acredita que o
amor é vivido somente na relação entre as pessoas, visto que o próprio Deus se
faz relação. O Pai se relaciona com o Filho e o Espírito é o amor que une os dois
ao mesmo tempo que os abre a toda a criação (LIBÂNIO, 2003).

Para pensarmos: quando uma comunidade, influenciada pelo


ritmo de vida urbano, passa a assumir características de prestação
de serviço, ela deixa de ter como critério a comunhão? Existe
comunidade onde a vivência de Deus é vista apenas na perspectiva
do indivíduo que busca sua satisfação?

5. Fundamentos bíblicos

De onde tiramos os fundamentos para o agir pastoral da Igreja? Acreditamos


que as Escrituras se constituem como o modelo ideal para este agir. E falando das
Escrituras, temos Jesus como nossa principal referência. Isso porque muitas das
atividades que fazemos em nossas comunidades fazem parte mais dos hábitos e
costumes históricos que assumimos, que do próprio modo de ser de Jesus.

60
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

Será que nossas comunidades estão dispostas a assumir o


espírito de Jesus, muito mais que a segurança das organizações
históricas?

E é claro que uma situação não elimina a outra. Se Jesus nos ensina
que nossa prática pastoral deve estar voltada à inclusão (Mc 10, 46-52) e ao
crescimento e dignidade da pessoa (Jo 10,10), Paulo nos ensina que
as comunidades devem se organizar para que nossos trabalhos não
Esses serão os
sejam em vão. dois pilares de
nossa reflexão:
Esses serão os dois pilares de nossa reflexão: Jesus e Paulo. Jesus e Paulo.
Muitos irão perceber que nossas comunidades têm um espírito, além Muitos irão perceber
de cristão, paulino. Nosso objetivo será identificar quais são os critérios que nossas
comunidades têm
tanto de Jesus, como de Paulo, que embasam nosso agir pastoral.
um espírito, além de
cristão, paulino.
5.1 A prática de Jesus

Você provavelmente já escutou falar das parábolas. Há a do semeador que


saiu a semear (Mt 13, 1-9), ou a do joio e do trigo (Mt 13, 24-30), ou ainda a da
ovelha perdida (Lc 15,3-7), do filho perdido (Lc 15,8-10) ou da moeda perdida (Lc
15,11-32). Muitos dizem que Jesus ensinava em parábolas para que as pessoas
mais simples pudessem entender seus ensinamentos. Isso não é bem a verdade.

Já escutaram os evangelhos colocando na boca dos discípulos aquela


expressão “Senhor, explica-nos a parábola” (Mt 13,36)? Se a parábola fosse
de fácil entendimento, Jesus não precisaria explicá-la. A parábola faz parte da
metodologia utilizada por Jesus para criar discípulos e apóstolos. Essa dinâmica
de Jesus aparece, sobretudo, no Evangelho de Mateus.

Para Mateus existem três tipos de seguidores de Jesus: a multidão (Mt


9,8.23.25; 13,2.24; 14,5.14; 15,32.33.35), os discípulos (Mt 5,1; 8,23.25; 9-11.14;
13,10.36; 14,12.15.17.19.22.25.26) e Os Doze (Mt 10,2.5; 11,1; 20,17; 28,16). A
multidão está sempre atrás de Jesus para escutar aquilo que ele tem a dizer,
mas também para ser curada ou para ganhar pão. Jesus não expulsa a multidão
e muitas vezes tem pena deles. Mas também não podemos dizer que Jesus se
satisfaz com a postura, até certo ponto acomodada, que essa multidão apresenta.

61
PRÁTICA PASTORAL

Como fazer para que essa multidão tome consciência e siga Jesus com mais
intensidade? Para isso Jesus utiliza as parábolas. Jesus vive em uma sociedade
rural e suas parábolas utilizam, sim, elementos da vida rural, como as ovelhas, a
semente ou a videira, mas elas causam estranheza.

Vamos tomar como base a parábola do semeador (Mt 13,1-17). A terra onde
Jesus vive é seca. As plantações são escassas e muitas vezes não há água o
suficiente para regá-las. As sementes são produtos das plantações. Sem semente
não há plantação, mas sem plantação também não há semente. A semente é
valiosa.

Quem vive neste contexto escuta Jesus falando que o semeador saiu a
semear... e lançou sementes à beira do caminho, depois sobre as pedras, sobre
os espinhos e apenas uma parte sobre a terra boa. Como pode alguém fazer isso
com as sementes que são tão valiosas? Então a pessoa pensa: Jesus não pode
falar apenas de sementes. Ele está falando de outra coisa.

Essa estranheza aparece também quando Jesus diz que o pastor deixou as
99 ovelhas para buscar uma que estava perdida ou ainda que uma mulher faz
uma festa por encontrar a moeda de ouro. Como pode um pastor, que se sustenta
graças a seu pastoreio, comprometer-se ao ponto de deixar as 99 de lado? Como
pode uma mulher dar uma festa, gastando uma quantia de dinheiro que não
justifique a moeda que encontrou?

Olhe bem, caro aluno! Não estamos aqui dizendo que Jesus estava errado
ou não sabia daquilo que estava falando. Estamos dizendo que essas historietas
contadas por Jesus tinham essa dinâmica confusa, de propósito. Jesus queria,
com elas, gerar curiosidade na multidão.

Quando aquela pessoa que está na multidão escuta a parábola e percebe


que ali há algum ensinamento, mesmo que não saiba qual, ou quando a pessoa
se sente incomodada por não compreender as historietas contadas por Jesus, ela
sai do anonimato da multidão. Começa aí o processo de discipulado. O discípulo
é aquele que diz a Jesus: “Senhor, explica-nos a parábola?” (Mt 13,36).

A multidão é anônima. Na multidão, ninguém tem nome. Ao se tornar


discípulo, o seguidor de Jesus passa a participar da pastoral criada por ele. Os
discípulos são enviados, curam, anunciam a Boa Nova e até expulsam demônios.
Um discípulo é alguém que participa da ação e não apenas a recebe. É aquele
que se aprofunda na vivência da palavra e organiza a ação da comunidade.

Mas há ainda um terceiro grupo: o dos “Doze” (Mt 26,14; 26,47). É assim
que Mateus os chama. “Os Doze” serão os continuadores da ação de Jesus. Eles

62
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

também são chamados por algumas traduções bíblicas de apóstolos. Além de


participarem do anúncio da Boa Nova, eles fundam e organizam comunidades.
Eles têm autonomia para anunciarem.

Cuidado! Não confundamos autonomia com arbitrariedade.


Autonomia não significa fazer aquilo que queremos. Isso é
arbitrariedade. Autonomia é a postura daquele que, por fazer uma
experiência profunda de Jesus, internalizou seus ensinamentos. Por
isso não precisa da regra, ele segue as leis do coração.

Nesse sentido, Agostinho diz: “Ama e faze o que queres”. Para


Agostinho (354-430 d.C.), aquele que ama e é guiado pelo amor não
pode fazer nada ruim. Ele pode até errar, mas não por maldade. Isso
é autonomia.

Retomando. No Evangelho de Mateus encontramos a multidão. A multidão


caracteriza-se pelo anonimato e pela relação de troca com Jesus. Se aproximam
dele conforme sentem necessidade. Não há vínculos nem compromisso. Há a
necessidade religiosa.

E quem é Jesus? O que ele anuncia?

Seguir Jesus é um processo que nos transforma pouco a pouco. Ao


comentar o episódio em que Jesus dialoga com Pedro (Mt 16,21-25), o teólogo
Pagola (2016) diz que Pedro se revela satânico e discípulo. É pedra de tropeço e
pedra que edifica a Igreja. Tudo é processo. Mas processo que chega onde? Com
certeza: até à cruz!

Mas a cruz é muito mais que um pedaço de madeira. Carregar a sua cruz e
seguir Jesus é assumir a mesma postura que Jesus assumiu em toda a sua vida
pública.

Vamos ler um excerto do biblista Pagola (2016) que busca explicar a


expressão “tomar a cruz e seguir”.

63
PRÁTICA PASTORAL

[...] não devemos confundir a “cruz” com qualquer sofrimento,


adversidade ou mal-estar que acontece em nossa vida. A “cruz cristã”
consiste em seguir Jesus, aceitando as consequências dolorosas que
isto nos pode trazer: insegurança, conflitos, rejeições, perseguições...
Ou seja, aceitar o destino doloroso que precisamos compartilhar com
Jesus se realmente seguimos seus passos.

Para dar mais força ao que está dizendo a seus discípulos, Jesus
acrescenta uma frase paradoxal: “Se alguém quer salvar a sua vida,
vai perdê-la; mas quem perder a vida por causa de mim, vai encontrá-
la”. Jesus os está convidando a viver com Ele: agarrar-se cegamente
à vida pode levar a perdê-la; arriscá-la de maneira generosa e audaz
por causa dele e de seu projeto do reino leva a salvá-la.

Dito de maneira mais clara. Quem caminha atrás de Jesus,


mas continua aferrado às seguranças, expectativas e interesses
que a vida lhe oferece, pode terminar perdendo o maior de todos os
bens: a vida vivida de acordo com o projeto salvador de Deus. Pelo
contrário, quem arrisca o que a vida lhe oferece a fim de seguir Jesus
encontrará vida plena, entrando com Ele no reino definitivo do Pai.

Fonte: Pagola (2016, p. 266).

Seguir Jesus assumindo sua cruz implica tornar-se parte na construção de


seu reino. Não há Jesus sem a cruz e, consequentemente, sem a cruz, não há o
reino. Isso porque o reino é consequência de uma entrega total de amor, que se
mostra plena na cruz de Jesus.

O reino anunciado e construído por Jesus revela a imagem e possibilita a


experiência de Deus. Assim, este reino não seria um resultado, mas uma atitude.
Não construímos o reino quando chegamos a um estado x ou y, mas quando
nos construímos a nós mesmos assumindo uma atitude baseada na de Jesus de
Nazaré, que revela o rosto amoroso de Deus (LUCIANE, 2017).

E qual a nossa parte na construção do reino de Deus? Ela acontece quando


nos tornamos sujeitos. Na prática, é quando assumimos nossa função de
continuadores da ação de Jesus, principalmente de seu reino (LUCIANE, 2017).
O sujeito é aquele que assume seu discipulado, aquele que não mais se contenta
em ir atrás de Jesus porque ele dá pão, cura ou ensina. O discípulo descobriu que
Jesus pode lhe oferecer um projeto de vida.
64
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

O discipulado se caracteriza pelo seguimento de Jesus. A necessidade dá


lugar ao comprometimento e envolvimento. O discípulo escuta a Palavra (Mt
13,2), busca entendê-la (Mt 13,18.36) e posteriormente anunciá-la (Lc 10,1). Já
os Doze são os continuadores do projeto de Jesus. São aqueles que formarão
comunidades e continuarão a propagar o Evangelho.

5.2 A prática paulina

Se Jesus anunciou o reino, Paulo anuncia Jesus. Isso acontece porque


Paulo entende que a figura de Jesus sintetiza toda a experiência do reino. Em
Jesus o reino acontece e é pleno. Por isso mesmo Paulo já não mais identifica
Jesus como o homem de Nazaré. A ação cotidiana de Jesus dá lugar à sua cruz e
ressurreição. Ele é o Cristo (DUNN, 2017).

Mas somos muito mais paulinos que imaginamos. Nosso modo de organizar
a Igreja, ao mesmo tempo em comunidades autônomas e que seguem uma
hierarquia apostólica, vem de Paulo. Ele trabalha com lideranças comunitárias
que dialogam com os apóstolos.

Também hoje nossas comunidades obedecem a esta dinâmica. Se um


pastor assembleiano é liderança em sua comunidade, ele também dialoga com as
diretrizes de seu Ministério. Um padre organiza sua paróquia, mas está submetido
ao seu bispo. As igrejas têm organismos hierárquicos e as comunidades locais,
entre tensões e conflitos, buscam dialogar com essa hierarquia, a exemplo do que
acontecia com as comunidades paulinas.

Paulo era um judeu que prezava pela lei e pela tradição de sua cultura e
religião. Ao se converter ao cristianismo, ele traz muito da cultura judaica. Esse
diálogo com o tempo faz com que Paulo não mais se entenda dentro do judaísmo,
mas ainda como hebreu (Gl 2). Mas o importante é entendermos que, dentro do
judaísmo do período paulino, há uma valorização da comunidade. Os judeus se
organizam em sinagogas. Se hoje elas são sinônimo de templos, na época não
era assim. A sinagoga judaica é a comunidade judaica, criada no período do exílio
quando o templo já não era acessível. Estando longe, o povo dá novo sentido à
sua história fazendo com que a comunidade se torne sinal da pertença judaica.

Uma das características das comunidades paulinas é a abertura aos


chamados pagãos. Assim, o evangelho de Jesus não mais será destinado à
descendência judaica, mas se expandirá a vários povos que vivem fora da região
da Palestina, onde Jesus viveu (DUNN, 2017).

Paulo tem uma visão de Igreja mais simbólica ou sistematizada que a de


Jesus, que é mais relacionada com a prática dos fariseus de formar dupla de

65
PRÁTICA PASTORAL

discípulos. Há em Paulo uma preocupação com a Igreja que não há em Jesus.


Enquanto nos evangelhos não há a palavra ekklésia (igreja), Paulo a cita 114
vezes (DUNN, 2017). Mas não podemos entender a palavra igreja nos escritos
paulinos como instituição. Ela vem do grego e quer dizer assembleia, reunião. E
igreja, na perspectiva paulina, está relacionada à reunião de pessoas que vivem
comunitariamente. A Igreja remete às pessoas e não ao lugar (DUNN, 2017).

Essa igreja toma corpo nas casas. Não há templos cristãos e os cristãos ainda
nem atendem por esse nome. Seremos chamados de cristãos posteriormente
em Antioquia. Nas casas Paulo deixará lideranças. Um exemplo é Lídia, figura
presente no livro de Atos (16,14), discípula de Jesus por meio de Paulo. É na casa
dela que a comunidade se encontra (At 16,40).

Tanto em Jesus como Paulo identifica a Igreja como “Corpo de Cristo”. Muito da teologia
em Paulo vemos cristã será pensada a partir deste simbolismo. O Cristo cabeça mostra a
uma preocupação
com as lideranças importância de Jesus na identificação de seu reino. Os vários membros
comunitárias. Elas remetem à diversidade de carismas, funções, ministérios e serviços
não são identificadas
como mão de obra prestados à comunidade.
ou massa que forma
o corpo da Igreja. Há Tanto em Jesus como em Paulo vemos uma preocupação com as
uma preocupação
com a fomentação lideranças comunitárias. Elas não são identificadas como mão de obra
de discípulos e ou massa que forma o corpo da Igreja. Há uma preocupação com a
discípulas que
assumam o seu papel fomentação de discípulos e discípulas que assumam o seu papel na
na comunidade. comunidade.

6. A prática pastoral como construção do sujeito eclesial

Ao pensar em como a fomentação de lideranças pode acontecer na


sociedade atual, nos deparamos com vários problemas trazidos no Capítulo 1.
Nossas comunidades passam por processos de individualização, o desejo de
envolvimento com os projetos comunitários é cada vez menor e a religião ganha
traços de consumo. Como criar discipulado nesta realidade?

Nossa proposta é que a prática pastoral, em diálogo com a sociedade atual,


deve buscar construir sujeitos; primeiramente, os sujeitos sociais e, depois, os
sujeitos eclesiais. Mas o conceito de sujeito não tomamos da teologia e sim da
sociologia de Alain Touraine. Ele servirá de base para a nossa reflexão.

66
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

6.1 O sujeito

Na definição de Alain Touraine (2009), o sujeito moderno é formado a partir de


duas forças: a racionalização e a subjetivação. A racionalização é consequência
da sociedade que cria meios de organização que vão para além da vontade de
seus líderes ou de justificativas subjetivas ou religiosas. Exemplo disso são as leis.
O que nos motiva a não matar alguém não é somente o receio de desagradarmos
a Deus, mas também porque sabemos que seremos presos.

Mas há também, na modernidade, um processo de subjetivação. Nós nos


entendemos como indivíduos, como sujeitos, como pessoas. Queremos ter nossa
própria vida, construir nossa história, ser alguém no mundo. Isso é característica
do sujeito moderno. Você pode pensar: e antes, as pessoas não construíam sua
própria vida? Com certeza sim, mas elas não se angustiavam por não terem um
projeto de vida. Elas se submetiam muito mais às estruturas sociais.

Segundo Touraine, o sujeito se caracteriza pelo “desejo do indivíduo de ser


ator” (2003, p. 73). Sendo aquele que atua, o sujeito constituirá sua identidade na
relação com a sociedade. Um sujeito é aquele que quer agir, assumindo seu papel.

Podemos fazer a seguinte relação.

Se o evangelho de Mateus fala de discípulo, Touraine fala de sujeito. Tanto o


discípulo, quanto o sujeito, querem assumir seu papel, saindo da multidão. Então,
enquanto Mateus fala de multidão, a sociologia nos fala de indivíduo. O indivíduo
não tem nome, desejos, vontade nem autonomia. Ele apenas segue a multidão.

Mas tem também um outro grupo, o dos Doze, segundo Mateus, que podemos
relacionar com os atores sociais de Touraine. Se o sujeito atua socialmente, ele
transforma sua sociedade e contribui para sua formação. A prática pastoral deve
visar à construção de sujeitos eclesiais, que não têm consciência de sua função
como cristãos, aqueles que querem participar ativamente de suas comunidades,
tornando-se atores eclesiais.

6.2 A identidade

Ao falarmos da criação de sujeitos eclesiais, precisamos falar que ela está


relacionada à formação da identidade do cristão. Mas a identidade não pode
ser vista como algo que precede o sujeito. Ela é construída na relação com a
sociedade. Descobrimos o que é ser cristão a cada dia, conforme vivemos nossa
vida de cristão.

67
PRÁTICA PASTORAL

Muitos acham que ser cristão é cumprir um conjunto de regras


ou receber um sacramento. Mais que isso, ser cristão é estabelecer
uma relação com Jesus a cada momento, dialogando com nossa
própria história. Mas vamos ver melhor esse assunto quando formos
falar de catequese.

Vamos ver dois conceitos de identidade

A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço


entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo pessoal e o
mundo público. [...] A identidade, então, costura (ou, para usar
uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura. Estabiliza
tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam,
tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis
(HALL, 2014, p. 11).
[...] a questão da identidade nunca é a afirmação de uma
identidade pré-dada, nunca uma profecia autocumpridora
– é sempre a produção de uma imagem de identidade e
a transformação do sujeito ao assumir aquela imagem. A
demanda da identificação – isto é, ser para um Outro – implica
a representação do sujeito ao assumir aquela imagem. A
identificação [...] é sempre um retorno a uma imagem de
identidade que traz a marca da fissura no lugar do Outro de
onde ela vem. (BHABHA, 2013, p. 84).

Os dois autores falam da identidade em constante diálogo com as práticas


concretas e com a história vivida pelo sujeito. Ser cristão no mundo de hoje é
diferente de ser cristão na época de Paulo. As comunidades hoje são diferentes, a
sociedade é diferente, como também as pessoas são diferentes.

Ao estabelecer um diálogo entre aquilo que queremos ser com aquilo que
conseguimos ser no nosso cotidiano, nos construímos como cristãos, construindo
nossa identidade. Uma prática pastoral, para buscar ser eficaz, precisa formar
pessoas maduras e autônomas, pessoas que busquem estabelecer práticas que
dialoguem com sua própria história e, consequentemente, com a história ao seu redor.

E agora, como fica?

68
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

Vimos muitas coisas até aqui. Ao longo do tempo, a sociedade mudou, as


pessoas mudaram e até as religiões mudaram. Também mudou a maneira como
as pessoas se relacionam com a religião. Não podemos continuar com as mesmas
práticas que deram certo, mas em contextos diferentes, e o pior, acreditando que
elas darão certo. Uma pastoral, para ser eficaz, precisa estabelecer métodos que
dialoguem com a sociedade atual.

Para o teólogo Agenor Brighenti (2006), o papel da pastoral está diretamente


relacionado ao seu objetivo. A pastoral é reinocêntrica, isso significa que ela não
deve se ater apenas a anunciar Jesus, mas, com ele, anunciar seu projeto, que
é projeto do reino de Deus, que acontece com a valorização da pessoa humana.
Jesus cura, ensina e testemunha uma sociedade melhor e não uma Igreja. Assim, a
Igreja, que se concretiza em sua ação pastoral, deve se voltar à ação reinocêntrica.
Em outros termos, podemos falar de uma pastoral ad extra, contrapondo-se a uma
pastoral ad intra. Enquanto a primeira busca dialogar com a sociedade que a cerca,
a segunda se fecha a ela mesma, valorizando sua automanutenção.

O teólogo José Antonio Pagola nos dá uma preciosa pista. Segundo sua
teoria, o projeto de Deus é um projeto de humanização (PAGOLA, 2015). Podemos
entender que, se a pastoral de uma comunidade não leva as pessoas a serem
melhores pessoas, ela é ineficaz e pouco consoante com o projeto de Jesus, que
é o reino de Deus. O objetivo não é a sacramentalização, a frequência dos fiéis
ou a adesão religiosa. Tudo isso é meio. Receber o sacramento, pertencer a uma
Igreja ou ir a um culto religioso só serve se nos leva a ser uma pessoa melhor e
a assumir nosso papel na comunidade e no mundo, como sujeitos. Encerramos
nosso capítulo com um trecho do livro de Pagola.

Precisamos converter-nos a este Deus que está sempre chegando


à nossa vida: mudar a maneira de pensar e de agir. Entrar na lógica
e na dinâmica do reino de Deus. O Pai não pode mudar o mundo se
nós não mudarmos. Sua vontade de fazer um mundo diferente vai se
tornando realidade em nossa resposta. Precisamos despertar nossa
responsabilidade. É possível dar uma nova direção à história, porque
Deus está nos atraindo para um mundo mais humano. Precisamos
levar a sério esta Boa Notícia de Deus. Crer no poder transformador do
ser humano atraído por Deus para uma vida mais digna. Não estamos
sós. Deus está apoiando também hoje o clamor dos que sofrem e a
indignação dos que trabalham pela justiça.

Fonte: Pagola (2016, p. 68).

69
PRÁTICA PASTORAL

Atividade de Estudos:

1) Muito falamos de reino de Deus neste capítulo, mas não o


conceituamos. Isso porque não há um conceito de reino de Deus,
mas uma aproximação.

Faça um exercício redacional buscando conceituar “reino de Deus”.


Não há uma única resposta correta, mas um exercício hermenêutico
do que seria este reino. Você pode buscar dialogar com os textos
onde Jesus fala sobre o reino (13,24-33).
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Algumas ConsideraçÕes
Neste capítulo pudemos entender que a Igreja se pensa na teologia, mas
se concretiza na pastoral. Fazemos teologia pastoral à medida que pensamos as
práticas das nossas comunidades, colocando-as em conformidade com a prática
de Jesus e com seu Evangelho.

Há apenas um critério imprescindível para a teologia pastoral: o reino de


Deus. Os cenários de Igreja e os modelos pastorais que vimos no Capítulo 2
nos ajudam a identificar as características da Igreja onde desenvolvemos nossas
atividades pastorais. Sabendo quem somos, nossos ideais de comunidade e os
objetivos que temos, fica mais fácil estabelecer as práticas pastorais.

Vamos recapitular: no primeiro capítulo buscamos identificar as


características da sociedade atual. No segundo capítulo, conceituar pastoral e
perceber suas tendências e principais características. A partir daqui trataremos
de questões práticas relacionadas ao universo pastoral iniciando pelos processos
catequéticos, entendido como o acompanhamento daqueles que querem se
preparar para seguir Jesus e a comunidade cristã.

70
Capítulo 2 TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS

ReFerÊncias
ANTONIAZZI, Alberto; BROSHUIS, Inês; PULGA, Rosana. ABC da Bíblia. 30.
ed. São Paulo: Paulus, 1982.

BALBINOT, Rodinei; BENINCÁ, Elli. Metodologia pastoral: mística do discípulo


missionário. São Paulo: Paulinas, 2009.

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço


de Lima Reis, Gláucia Renate Gonçalves. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2013.

BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. Petrópolis, RJ: Editora Vozes,


1998.

BOFF, Leonardo. O senhor é meu pastor: consolo divino para o desamparo hu-
mano. 3. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.

BRIGHENTI, Agenor. A pastoral dá o que pensar: a inteligência da práti-


ca transformadora da fé. São Paulo: Paulinas: Valência, ESP: Siquem, 2006.
(Coleção livros básicos de teologia; 15)

CELAM. Conclusões da Conferência de Medellín, 1968: Trinta anos depois,


Medellín é ainda atual? São Paulo: Paulinas, 1998.

_______. Conferência Geral do Episcopado Latino-americano: a evangeli-


zação no presente e no futuro da América Latina, Puebla: conclusões. 2. ed. São
Paulo: Edições Loyola, 1979.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005.

DUNN, James D. G. Jesus, Paulo e os evangelhos. Tradução de Nélio Schnei-


der. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz


Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014.

LIBÂNIO, João Batista. Cenários da igreja. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2001.

_______. Teologia da revelação a partir da modernidade. 5. ed. São Paulo:


Loyola, 2005. (Coleção fé e realidade, 31)

LIBÂNIO, João Batista; MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques,


tarefas. 6. ed. São Paulo: Loyola, 2007.

LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Exegese bíblica: teoria e prática. São Paulo:
Paulinas, 2014. (Coleção exegese)

71
PRÁTICA PASTORAL

LUCIANE, Rafael. Retornar a Jesus de Nazaré: conhecer Deus e o ser humano


através da vida de Jesus. Tradução de Francisco Morás. Petrópolis, RJ: Vozes,
2017.

MARCHINI, Welder Lancieri. Plantando a cruz em chão de concreto: o cristian-


ismo católico em contexto de metrópole. Saarbrücken, Alemanha: Novas Edições
Acadêmicas, 2015.

PAGOLA, José Antonio. O caminho aberto por Jesus: Mateus. Tradução de


Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

_______. Grupos de Jesus. Tradução de Gentil Avelino Titton. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2016.

_______. Voltar a Jesus: para a renovação das paróquias e comunidades.


Tradução de Gentil Avelino Titton. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

PASSOS, João Décio. Como a religião se organiza: tipos e processos. São


Paulo: Paulinas, 2006. (Coleção temas de ensino religioso)

PULGA, Rosana. Beabá da Bíblia: uma introdução à visão global. 5. ed. São
Paulo: Paulinas, 1998.

QUEIRUGA, Andrés Torres. Repensar a revelação: a revelação divina na real-


ização humana. Tradução de Afonso Maria Ligorio Soares, São Paulo: Paulinas,
2010.

SERVIÇO DE ANIMAÇÃO BÍBLICA. Iniciação à leitura da Bíblia. São Paulo:


Paulinas, 2007.

SICRE, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta: os profetas: a mensagem.


Tradução de João Luís Baraúna. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

SZENTMÁRTONI, Mihály. Introdução à teologia pastoral. 3. ed. São Paulo:


Loyola, 2014.

TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. Tradução de Elia Ferreira Edel. 9.


ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

_______. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Tradução de Jaime A.


Clasen e Ephraim F. Alves. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

WILSON, Robert R. Profecia e sociedade no antigo Israel. Tradição de João


Rezende Costa. São Paulo: Paulinas, 1993. (Bíblia e sociedade).

72
C APÍTULO 3
Iniciação dos Sujeitos Eclesiais

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Entender a prática catequética como instrumento para a construção dos


sujeitos eclesiais.

 Identificar as características do processo catequético.

 Assimilar o conceito de iniciação à vida cristã.

 Pensar práticas catequéticas que consigam estabelecer diálogo com os vários


públicos.
PRÁTICA PASTORAL

74
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

ConteXtualização
É comum, em uma comunidade religiosa, a presença de novos membros. Há
uma preocupação da comunidade em preparar esses membros para que sejam
inseridos na comunidade e conheçam a pessoa de Jesus e seu Evangelho. Cada
comunidade tem um modo de preparar seus novos membros.

Neste processo é importante que eles conheçam a comunidade e tenham


contato com os Evangelhos, que são textos privilegiados para saberem como foi
a vida de Jesus.

Chamamos esse processo de inserção à vida comunitária de iniciação. Muitas


comunidades identificam a formação de seus novos membros como catequese.

Você, aluno de Teologia, buscou esse curso certamente porque tem uma
vivência cristã e quer aprofundar ainda mais o seguimento de Jesus. Talvez você
o tenha buscado para qualificar seus trabalhos na comunidade. Também há
aqueles que são líderes religiosos e querem se preparar melhor para o anúncio da
Palavra, qualificar seus sermões e pregações e, assim, chegar mais ao coração
de seus fiéis.

Já tivemos uma caminhada juntos, mesmo que esta caminhada seja virtual.
Nesta caminhada, vimos que o mundo está mudando e é preciso entender esse
mundo para conversarmos com ele, evangelizando. Vimos também que a pastoral
é a ação da Igreja junto deste mundo. Não sei se vocês repararam, mas até
agora não defendemos que a pastoral seja a ação de uma Igreja, em específico.
Acreditamos que você, que buscou fazer Teologia, encontrará aqui, no curso de
Prática Pastoral, ferramentas para qualificar o trabalho de sua comunidade cristã,
seja de qual denominação ela for.

Neste capítulo falaremos de catequese. Esse é um termo e uma prática


próprios da Igreja Católica. Talvez ela seja a igreja cristã que tem os processos
catequéticos mais organizados e assim identificados. Outras igrejas cristãs não
costumam utilizar a palavra catequese para identificar seus processos de inserção
de novos membros à vida comunitária.

Vamos aqui fazer uso de bibliografias católicas e falar de sacramentos.


Não há como falarmos de catequese sem tocarmos nesses pontos. Também
queremos dialogar com todos aqueles que fazem parte de outras igrejas cristãs.
E como faremos isso? Não falaremos de sacramentalização, mas de processos
catequéticos ou processos de evangelização.

75
PRÁTICA PASTORAL

Catequizar, sacramentalizar e evangelizar são a mesma coisa?

Não! Catequizar é o ato de inserir alguém na vivência do


cristianismo.

Quando alguém é catequizado, recebe um sacramento, pode ser


o batismo, a eucaristia ou a crisma, e se sente cristão. A preocupação
é também legal e formal. Aquele que catequiza quer saber se o
catequizado cumpriu todos os requisitos ou obedece às regras. É
muito fácil identificar o legalismo dentro das comunidades cristãs.

Evangelização se refere a outro aspecto catequético. O


Evangelho é a Boa Notícia de Jesus, é seu projeto de vida. Quem é
evangelizado busca se sintonizar com o Espírito de Jesus, estando
em consonância com seus ensinamentos. E isso é um processo,
muito mais que uma celebração. As celebrações marcam etapas da
vida, mas a vida acontece é no cotidiano.

Desde já defenderemos que todo processo catequético deve levar à construção


de sujeitos eclesiais, pessoas autônomas e maduras que buscam não apenas
cumprir regras, preceitos ou mesmo os usos e costumes. A lógica é inversa. Aquele
que é maduro acaba por obedecer à regra, mas sua motivação não é a lei e sim seu
projeto de vida. Então você pode se perguntar: mas ele não vai acabar obedecendo
à regra de qualquer jeito? Sinto muito dizer, mas pode ser que não. Afinal, Jesus
colheu espigas de milho aos sábados, o que era proibido pelos judeus (Mc 12,1-8).
Mesmo que cumpra as leis, e não há mal nenhum nisso, ele o fará de uma maneira
completamente diferente, não repleto do legalismo, mas pleno do espírito (Jo 4,24).

Propomos uma atividade prática. Em sua comunidade deve


haver algum trabalho de cunho catequético: escolas bíblicas, escola
dominical, grupo com crianças, adolescentes ou jovens, além da
catequese convencional.

Escolha um desses grupos e assista ao encontro, mas assista


de fora, como um pesquisador. Leve seu caderninho, observe e
depois escreva um pequeno texto. A instrução dada às pessoas é
sacramental ou evangelizadora?

76
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

Provavelmente haverá dos dois. Anote quais discursos são


entendidos por você como evangelizadores (relacionados à vivência
do Evangelho) e quais são aqueles que têm caráter sacramental ou
doutrinal (relacionado ao cumprimento de regras).

Vamos estabelecer um caminho. Primeiramente veremos o que é a


catequese, como ela começou e se desenvolveu. Num segundo momento,
conversaremos sobre o termo Iniciação à Vida Cristã. Na atualidade, se queremos
pensar a catequese, precisamos falar sobre a iniciação. Depois vamos a questões
mais práticas. Como trabalhar com as crianças? Como utilizar uma dinâmica?
Como fazer para que a catequese seja mais atraente e divertida? Essas questões
serão abordadas. Por fim, traremos uma reflexão sobre a catequese permanente.
Todos somos parte deste processo até o final da vida e é preciso estar sempre se
atualizando no espírito que nos leva ao seguimento de Jesus de Nazaré.

Pastoral CateQuética
Inspirada nas palavras de Jesus, “ide, portanto, e fazei que todas as nações
se tornem discípulos, batizando-as [...] e ensinando-as a observar tudo quanto
vos ordenei” (Mt 28,19), a comunidade cristã tem a missão de anunciar os gestos
e ensinamentos de Jesus de Nazaré. Todos os trabalhos da Igreja fazem parte de
sua missão evangelizadora, e a catequese é espaço fundamental e privilegiado
para que isso aconteça. Assim, a catequese se faz espaço de evangelização,
iniciação na fé e inserção na vida comunitária.

Quando assumimos a fé e o seguimento de Jesus Cristo, temos nossa vida


transformada sob três aspectos. Segundo Marchini (2015, p. 9):

- A experiência com Jesus transforma nossa vida pessoal;


nossos sentimentos, afetos e emoções ganham nova vivência;
passamos a nos conhecer e nos valorizar como criaturas
amadas por Deus.

- Conhecendo-nos melhor, mudamos o nosso modo de


nos relacionar com as pessoas e com a sociedade; nossas
amizades ganham nova dimensão; a família passa a ser lugar
privilegiado da vivência do amor; a sociedade é vista como
local onde o Reino de Deus acontece.

- Sentimos que a comunidade cristã pode ser lugar de


aprendizado e cultivo da fé e por isso somos cativados a
participar cada vez mais da vida eclesial.

77
PRÁTICA PASTORAL

Para pensarmos um pouco: quando a instrução religiosa


oferecida à comunidade, seja a pregação, o sermão, a homilia ou
mesmo aquilo que falamos na catequese, é muito teológico e pouco
vivencial, atingimos a vida das pessoas? No fundo, as pessoas
esperam menos teologia e mais instruções de como deixar que
Jesus transforme suas vidas! A teologia qualifica nossa instrução,
mas nosso objetivo deve ser contemplar a vida cotidiana.

Todo processo
catequético tem Todo processo catequético tem por objetivo levar os catequizandos
por objetivo levar
os catequizandos a a perceberem que o Cristo que receberam quer fazer parte de suas
perceberem que o vidas afetiva e efetivamente. O encontro com Jesus transforma os
Cristo que receberam afetos e também a mentalidade (vivência subjetiva), mas transforma
quer fazer parte de
suas vidas afetiva e também a situação concreta na qual vivemos (vivência objetiva).
efetivamente.
De onde vem a catequese?

A Igreja, desde os primeiros discípulos e o trabalho apostólico,


Esse é o anúncio sempre anunciou a pessoa de Jesus. Chamamos esse anúncio de
do Cristo, morto
e ressuscitado, querigma (do grego kerigma). Esse é o anúncio do Cristo, morto e
presente muitas ressuscitado, presente muitas vezes no livro dos Atos dos Apóstolos (At
vezes no livro dos 2,22-24).
Atos dos Apóstolos.
Em At 2,22-24 vemos Pedro, logo após o Pentecostes, anunciar os
feitos de Jesus, suas curas, prodígios e sinais. Depois, o apóstolo fala da morte e da
ressurreição. No anúncio querigmático não pode faltar a entrega total de Jesus, que
é a cruz, nem a ressurreição, que mostra que o desejo do Pai é a vida e não a morte.
Para a fé apostólica não existe ressurreição sem a cruz, pois toda ressurreição é
consequência da entrega plena. Também não existe cruz sem ressurreição, pois
aquele que se entrega plenamente vive a plenitude do amor de Deus, que é vida.

O querigma é o primeiro anúncio, geralmente feito aos


chamados pagãos, que eram aqueles que não conheciam a fé cristã.
É a primeira imagem dada pelos apóstolos sobre a pessoa de Jesus.
A palavra querigma leva justamente à ideia de que aquilo que é
anunciado é o núcleo central da vivência cristã (LIMA, 2016, p. 24).

78
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

Vamos ler um pequeno texto que descreve a pregação querigmática dos


apóstolos:

A pregação apostólica e das primeiras gerações cristãs tinha


muito presente o mandato missionário de Jesus Cristo (Mc 16,20; Mt
28,20). Seu núcleo central é o Reino de Deus pregado por Jesus, que
se confunde com sua própria pessoa; a proximidade desse Reino, a
conversão a ele para dar início aos últimos tempos: em Cristo Jesus
Deus se manifestou plenamente, sobretudo em sua paixão, morte e
ressurreição, e nada mais devemos esperar: chegaram os últimos
tempos (era escatológica). Entretanto, a demora da segunda vinda
de Jesus levou os cristãos a compreender que sua missão seria
renovar a história e a humanidade através do discípulo de Jesus.

Fonte: Lima (2016, p. 24)

Tudo aquilo que Jesus anunciou é o próprio Reino acontecendo, e a comunidade


cristã percebe isso e quer levar esse Jesus a ser conhecido pelas pessoas, mas
para a comunidade apostólica, uma informação era importante: não havia tempo a
perder. E isso tinha um fundamento muito concreto. No primeiro século, a região da
Palestina vivia forte tensão com o Império Romano. Tal tensão culminou na tomada
de Jerusalém e a destruição do Templo em 70 d.C. (CHARPENTIER, 1992). Como
os cristãos viviam essa tensão, não havia tempo a perder. Era necessário levar as
pessoas a vivenciarem essa realidade histórica de uma maneira diferente.

Tem muita gente que fala que religião não tem nada a ver com
política, mas todo dia diz que Jesus é rei. Se Jesus é rei, ele assume
uma função política. Qual a sua função: construir seu reino.

Essas palavras nos levam a entender que a religião tem a ver


com a pólis (em grego, cidade) e sua organização. Talvez as pessoas
queiram dizer que a religião não deve se envolver com os partidos
políticos. Mesmo que as escolhas partidárias sejam delegadas a
cada indivíduo, não deixa a religião de se envolver com a política,
pois ela se envolve com pessoas que vivem em sociedade.

Devemos pensar no assunto!

79
PRÁTICA PASTORAL

No período pós-bíblico, as comunidades começam a se organizar e a


produzir seu próprio material sobre os processos de iniciação ao cristianismo. O
escrito mais antigo, atribuído aos apóstolos, é chamado de Didaqué, datado do
século I d.C. O texto é exortativo, ou seja, instrui seus leitores a uma prática cristã.
No meio dos escritos há uma alusão à comunidade como local de inserção ao
cristianismo e, por fim, instrui ao batismo.

A Didaqué (Did) fala de perseverança e escolhas (Did, 1). Como vimos, os


tempos eram difíceis. Fala de dois caminhos e da luta do bem contra o mal. Isso é
comum em situações de muita incerteza social, como era a vivida pelas primeiras
comunidades, às vésperas de uma invasão romana.

Didaqué: o catecismo dos primeiros cristãos para a comunidade


de hoje.
Didaqué: catecismo dos primeiros cristãos.

Atividade de Estudos:

1) Primeiro faça uma síntese das principais ideias acerca da


catequese presente na Didaqué. Depois, faça uma leitura dos
processos catequéticos de sua comunidade eclesial, à luz da
catequese apostólica, presente na Didaqué.
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80
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

A Iniciação À Vida Cristã e o


Catecumenato
Quando falamos de processos catequéticos, principalmente
daqueles primários, querigmáticos, que apresentam Jesus às pessoas,
Os processos
estamos falando de um convite não apenas a um sacramento, à catequéticos devem
participação a uma comunidade ou a uma religião. Os processos levar as pessoas a
catequéticos devem levar as pessoas a um projeto de vida. Sendo um projeto de vida.
assim, os processos catequéticos vêm se reformulando e, cada vez
mais, assumem a característica de se tornarem processos de iniciação
à vida cristã.

Viver uma vida cristã é muito mais que ir ao culto ou à missa a cada domingo,
é muito mais que receber um sacramento, é muito mais que orar a cada dia ou se
reunir com as pessoas para rezar o terço. Viver a vida cristã é assumir uma vida
que tenha sentido (NENTWIG, 2013).

Ao falar da finalidade dos processos de iniciação, assim afirma o Núcleo de


Catequese Paulinas (NUCAP, 2013, p. 13):

O processo de iniciação cristã tem a finalidade de produzir a


configuração do catequizando em Cristo: “Eu vivo, mas não
eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Coloca-se como um
caminho a ser percorrido quando tal identidade vai sendo
alcançada paulatinamente.

Vou partilhar com vocês um acontecimento de quando eu era


criança e morava em uma cidade do interior. Certo dia estava na
cidade um bispo diferente, um senhor, já velhinho. Os idosos são
cheios de sabedoria. Neles a sabedoria é tanta, que falam muito, às
vezes até demais. Mas naquele dia não me cansei. Vou transcrever
como guardei as palavras do bispo. Assim ele disse:

- Sabem o que Jesus vai dizer quando a gente chegar no céu?


Ele não vai perguntar quantos terços você rezou, nem quantas vezes
você comungou ou confessou. Primeiro ele vai abrir os braços, dar
um sorriso, dar-lhe um abraço e dizer, meu irmão, que bom que você
está aqui. Depois ele vai perguntar: meu irmão, quanto você amou?
Não seremos julgados pelas vezes que confessamos, comungamos
ou rezamos o terço, mas pela intensidade de nosso amor”.

81
PRÁTICA PASTORAL

E o bispo velhinho continuou:

- Mas então para que serve rezar ou comungar? Eu digo: isso só


serve se nos leva a amar mais. Quando comungamos, vivenciamos
o amor de Deus que se dá a nós, e somos chamados a amar os
irmãos. Quando rezamos o terço, contemplamos os mistérios da vida
de Jesus, e somos convidados a amar mais. Quando confessamos,
olhamos para as nossas limitações, somos chamados a superá-las e
amar mais”.

Eu acredito que esse bispo entendeu o que é ser cristão.


Ser cristão é muito mais que ser católico, evangélico, luterano,
presbiteriano, metodista ou anglicano. Ser cristão é assumir o projeto
de vida de Jesus.

Se você quer se aprofundar sobre esse tema, pode ler alguns


livros da área da espiritualidade, que nos ajudam muito no fazer
teológico.
- Leonardo Boff. Cristianismo, o mínimo do mínimo.

Na catequese, esse processo de perceber que o essencial é o seguimento


de Jesus ganhou um nome específico: Iniciação à Vida Cristã. As outras situações
não deixaram de ser importantes. A moral religiosa, a doutrina, os ensinamentos
bíblicos, tudo isso será ensinado, mas o essencial é o seguimento de Jesus
(ALMEIDA, 2010).

É importante nos atermos à ideia de que a teologia entenderá que essa


Iniciação à Vida Cristã tem a celebração do batismo como momento forte
e paradigmático, isso porque o batismo marca o compromisso assumido
com Jesus, diante da comunidade de fé. Outros autores, que citaremos em
seguida, entenderão não unicamente o batismo como momento paradigmático
da caminhada de iniciação, mas os chamados sacramentos de iniciação, a
saber: o batismo, a eucaristia e a crisma (ou confirmação). Todos coincidem no
entendimento de que o centro da Iniciação à Vida Cristã é o seguimento de Jesus
e de seu Evangelho.

82
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

Em um primeiro momento vamos trazer esses vários conceitos e ver o que


os autores entendem por Iniciação à Vida Cristã, para depois estabelecermos um
diálogo com a prática pastoral.

Na introdução do Ritual da Iniciação Cristã e Adultos (RICA) da Igreja Católica


encontramos o entendimento da Iniciação Cristã como processo que perpassa
pelos chamados sacramentos de iniciação. Assim, o RICA estabelece a relação
entre os sacramentos e o sujeito cristão:

O Batismo os incorpora a Cristo, tornando-os membros do


povo de Deus [...], transformando-nos em nova criatura pela
água e pelo Espírito Santo; por isso são chamados filhos de
Deus e realmente o são. Assinalados na Crisma pela doação
do mesmo Espírito, são configurados ao Senhor e cheios do
Espírito Santo, a fim de levarem o Corpo de Cristo o quanto
antes à plenitude. Finalmente, participando do sacrifício
eucarístico, comem da carne e bebem do sangue do Filho
do homem, e assim recebem a vida eterna e experimentam a
unidade do povo de Deus [...] (RICA, 2013, p. 13).

Ao comentar o RICA, Quezini (2013, p. 10) diz que:

O Ritual não se limita à iniciação sacramental, mas oferece


um caminho progressivo segundo as fontes essenciais do
catecumenato antigo e com as adaptações condizentes em
nossos dias. Esse Ritual, na verdade, é uma proposta de
evangelização por meio de um processo envolvente pelo
qual o adulto é chamado ao encontro com Jesus Cristo na
comunidade. Este irá amadurecer a opção de ser cristão através
das progressivas catequeses e das diversas celebrações que
marcam a caminhada e conduzem a pessoa à vivência plena e
consciente do compromisso cristão.

A pessoa que busca fazer parte da comunidade cristã se prepara para o


batismo. Essa caminhada batismal é chamada de catecumenato, mas o catecúmeno
é chamado a perceber, nesta caminhada, que o sacramento marca a entrada não
somente na comunidade, mas na vida cristã. Por isso que tanto o RICA (2013),
como Quezini (2013), trazem três partes importantes na vivência catecumenal: o
catecúmeno, o encontro com Jesus e o encontro com a comunidade.

A CNBB traz, no Diretório Geral de catequese, outra dimensão na leitura da


IVC. Ela não acontece apenas no batismo, mas nos chamados sacramentos de
iniciação. Assim diz o Diretório de Catequese (DNC): “Um processo de iniciação
unitária e coerente, para crianças, adolescentes e jovens, em íntima conexão com
os sacramentos da iniciação, já recebidos ou a receber” (DNC, 174).

83
PRÁTICA PASTORAL

São três os sacramentos de iniciação: batismo, eucaristia e confirmação


(ou crisma). São assim chamados pois iniciam a uma vivência específica da
comunidade cristã. O batismo inicia à vivência comunitária, a eucaristia inicia à
mesa da comunhão e a crisma à vida de discipulado. A crisma é chamada também
de confirmação, pois “confirma” o compromisso batismal, que agora é assumido
como consequência da maturidade. É um sacramento ministrado a jovens, mas
estes sacramentos devem formar um conjunto.

A catequese de Iniciação à Vida Cristã busca superar uma visão mágica de


sacramento, em que se batiza para livrar a criança de doenças, ou ainda de uma
visão meramente social, em que se batiza a criança para cumprir uma formalidade.
“Visa transformar a fé inicial em uma fé adulta, madura, cada vez mais consciente,
comprometida e consequente” (ALMEIDA, 2010, p. 25).

Ao tratar da iniciação cristã, Lelo identifica o encontro do sujeito consigo


próprio, ao mesmo tempo que dá novo sentido a sua relação com os outros e com
a natureza:

A iniciação faz presente um mundo novo, desconhecido, agora


revelado por uma ação ritual que lhe permite o acesso. Implica
que o iniciado viva uma forte experiência do sagrado, da vida
humana e da natureza. No fundo, essa experiência nodal
conduz-nos ao seio da própria vida, que reclama sentido e
forças para alcançar sua plenitude; põe-nos diante do destino
humano que se apresenta inédito e pessoal (LELO, 2005, p. 25).

Há uma relação dialógica entre o sacramento do batismo e a iniciação. Se


o batismo continua sendo momento paradigmático, agora ele é paradigma de um
novo modelo de vida assumido, que busca configurar-se a Jesus e seu Evangelho.

1. Metodologia catecumenal

Junto com a Iniciação à Vida Cristã, a catequese busca retomar a preparação


catecumenal. Lembramos que o catecúmeno é aquele que está sendo acompanhado
e receberá o sacramento do batismo. A metodologia catecumenal apresenta etapas
que podem ser observadas para que esse processo seja eficiente.

Para falar de catequese catecumenal assumiremos a proposta


da CNBB, mas sugerimos algumas leituras para você se aprofundar
no assunto:

84
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

NENTWIG, Roberto. Iniciação à comunidade cristã. Paulus.


LELO, Antonio Francisco. Catequese com estilo catecumenal.
Paulinas.
PAGNUSSAT, L. F; BORGES, M. A. Iniciação à vivência cristã.
Vozes (coleção com cinco volumes).

A catequese de estilo catecumenal busca preparar o catecúmeno para a


celebração e vivência do batismo. O momento paradigmático é a celebração,
mas toda a ação catequética é voltada para o modo como o cristão viverá o
batismo após a celebração. Esse processo é demarcado em quatro momentos:
pré-catecumenato, catecumenato, iluminação (também chamado de purificação)
e mistagogia.

1.1 Pré-catecumenato

O pré-catecumenato é o primeiro tempo, o tempo do querigma.


Nele, o iniciante é convidado a despertar para uma primeira
aproximação e encantamento com a pessoa de Jesus Cristo. É
tempo que precede o processo catequético propriamente dito
(CNBB, 2015, p. 68).

No pré-catecumenato não há encontros nem protocolos a se cumprir.


Não se trata de um tempo cronometrado. Este tempo deve ser entendido na
perspectiva do kayrós (em grego, tempo oportuno). O pré-catecumenato é o
tempo de encantamento com a pessoa de Jesus. Ele pode ser consequência de
algum acontecimento da vida que leva ao sofrimento, pode ser consequência do
incentivo ou testemunho de alguém ou mesmo inspirado por alguma leitura.

1.2 Catecumenato

O catecumenato é o segundo tempo. É o tempo mais longo, pois


é dedicado ao ensino bíblico-doutrinal e ao aprofundamento.
Está estruturado em fases, celebrações e eixos temáticos.
Nele, o catecúmeno ou o catequizando é convidado a conhecer
e a experimentar os principais aspectos da experiência cristã
(CNBB, 2015, p. 68).

No tempo do catecumenato, o catecúmeno aprofundará os conhecimentos


relacionados à comunidade cristã. Não significa ter aulas, no padrão de uma
escola. Desde o documento Catequese Renovada (CR), de 1984, a CNBB
afirma que a catequese deve ser permeada da integração fé e vida (CR, 246).
Isso significa que a doutrina ilumina a vida cotidiana, ao mesmo tempo em que o
cotidiano serve de motivação para se buscar a doutrina.

85
PRÁTICA PASTORAL

Existem diversas formas de organizar o catecumenato, mas há um problema


próprio do catolicismo. As pessoas são, geralmente, batizadas quando crianças.
Não se trata, no entanto, de um problema teológico, mas de uma questão pastoral.
Se os pais e padrinhos assumem a fé, pela criança, como ela será inserida no
processo catecumenal? Lembramos aqui que o RICA fala de iniciação de adultos.

É constante a dificuldade de levar pais e padrinhos a uma


reflexão sobre o compromisso batismal. O material indicado auxilia
no entendimento da figura do padrinho ou da madrinha, sua função e
características.
FERREIRA, Paulo Fernando Racy. Reflexões por ocasião do
batismo. Vozes.

1.3 Iluminação

A iluminação e purificação é o terceiro tempo. Nesse, o


catecúmeno ou o catequizando, já introduzido na experiência
cristã e desejando tornar-se discípulo, é eleito pela comunidade
eclesial para a iniciação sacramental. O eleito fará uma
experiência de amadurecimento espiritual cuja finalidade é
iluminar e purificar a mente e o coração para uma experiência
do Mistério pascal através dos sacramentos (terceira etapa do
RICA) (CNBB, 2015, p. 68).

Se o catecumenato leva à experiência doutrinal, a iluminação leva à


experiência espiritual. Mesmo que na prática não seja fácil separar as duas
situações, há de se fazer uma distinção. A doutrina é fruto da racionalidade humana
e pode ser entendida como um entendimento da fé na perspectiva intelectual. A
espiritualidade é fruto da oração. Na fase da iluminação, o catecúmeno é chamado
a fazer experiência de retiros espirituais, e fortalecer o hábito da leitura orante da
Bíblia. Se no tempo do catecumenato o catequizando é chamado a entender as
escrituras, aqui ele será chamado a rezá-las, identificando-se com elas.

1.4 Mistagogia

A mistagogia é o quarto tempo. É o tempo litúrgico por


excelência. Recomenda-se que seja vivenciado ao longo do
Tempo Pascal. Iluminados pelos sacramentos recebidos,
os iniciados (neófitos) são chamados a vivenciar a salvação
oferecida por Deus na liturgia comunitária, fonte para a missão
na Igreja e na sociedade (CNBB, 2015, p. 68).

86
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

A iluminação é um movimento pessoal. A mistagogia acontece no


ambiente comunitário. Se o catecúmeno conheceu Deus nas Escrituras, agora ele
será vivenciado no ambiente comunitário. Mais especificamente, o catecúmeno
é chamado a vivenciar a liturgia, principalmente a dominical, que, segundo a
tradição católica, é memória da Páscoa de Jesus. Segundo a CNBB (2015), a
liturgia impulsiona o cristão a assumir seu compromisso junto à sociedade. O
Evangelho será, então, vivenciado no cotidiano do catecúmeno.

O tempo mistagógico é o tempo de vivência do mistério pascal de Cristo


(NENTWIG, 2013). O mistério pascal, mais que explicado, deve ser vivenciado.
Na vivência do mistério da morte e ressurreição de Jesus, o catecúmeno vive
sua própria morte, e participa da ressurreição de Cristo. Sua vida passa a ser
configurada a Cristo, que lhe atribui novo e pleno sentido (LELO, 2014).

A teologia catecumenal é repleta de sentido, mas ao conformar nossa prática


catequética a essa teologia, as dificuldades começam a aparecer. Por isso,
abordaremos questões referentes à prática catequética e seu caráter didático e
pedagógico. A catequese não é escola, contudo, ao assumirmos metodologias
adequadas, podemos alcançar melhores resultados.

Atividade de Estudos:

1) Vamos analisar uma situação a partir dos elementos de uma


catequese de iniciação e de inspiração catecumenal. Convido
você a ler o excerto tirado da obra do teólogo José Maria Castillo,
em que ele relata a diferença entre saber sobre Jesus e crer em
Jesus. Depois, relacione o conteúdo com as características de
uma catequese de iniciação cristã.

Texto:

É comum os estudos de cristologia começarem analisando o que


cada autor pensa poder apontar para a investigação acerca do “Jesus
histórico”. E, como sabemos bem, a primeira coisa que costuma
perguntar quem se põe a estudar a figura de Cristo e sua profunda e
misteriosa mensagem é, antes de mais nada, o que podemos saber
com suficiente segurança sobre o homem de Jesus de Nazaré [...].

Os evangelhos foram escritos por pessoas que acreditaram em


Jesus e para pessoas que acreditaram em Jesus. A origem dos
evangelhos e a intenção daqueles que os redigiram determinaram

87
PRÁTICA PASTORAL

seu conteúdo. Ademais, essa origem e essa intenção nos indicam a


chave de leitura que, ao que me parece, é a mais conveniente para
compreender o que se diz nos evangelhos. E também o que, nesses
escritos, não se pretende dizer.

É necessário ter isso presente desde o primeiro momento.


Porque os evangelistas não foram primordialmente cronistas, que
nos relataram uma história. Os evangelistas foram, antes de tudo,
crentes que nos transmitiram uma fé. Por isso, quando nós, cristãos,
temos os evangelhos em nossas mãos, não estamos simplesmente
diante de uma série de dados que ilustram nosso conhecimento.
Os evangelhos nos apresentam uma série de convicções que
determinam (ou deveriam determinar) nossa vida. Portanto, o que
interessa ao crente, quando lê os evangelhos, não é, primeiramente,
o dado histórico, que neles se apresenta, mas a mensagem de vida
que deve marcar nosso destino.

Fonte: Castillo (2015, p. 23-24).


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QuestÕes Didático-PedagÓgicas e
MetodolÓgicas Para a CateQuese
Não queremos equiparar a catequese aos processos escolares e muito menos
dizer como se deve ensinar, mas é importante termos uma breve noção de elementos
e instrumentos que nos levam a criar um melhor ambiente e estabelecer um diálogo
entre nós e os catequizandos, ou seja, aqueles que querem conhecer Jesus.

Primeiramente, temos que ter consciência de que nenhum catequizando está


fora de seu tempo e de sua realidade. Também o catequista é fruto de seu tempo.
Por isso, é imprescindível conhecermos bem o momento histórico que vivemos
para podermos estabelecer um bom relacionamento com os catequizandos.
Nossos tempos são de profundas transformações (DGAE, 2015-2019, 20-21).

88
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

A vontade de Jesus é que estabeleçamos um profundo diálogo com as


necessidades de nosso tempo com a ousadia e o entusiasmo próprios dos
discípulos que “avançam para águas mais profundas” (cf. Lc 5,4) sendo “sal e
luz” (cf. Mt 5,13-16) na vida da sociedade e da comunidade de fé. Uma catequese
que busque ser eficiente e eficaz deve dialogar com as situações vividas pelos
catequizandos.

Se olharmos para os Evangelhos, Jesus sempre educou seus discípulos para


a participação, impulsionando-os para que eles fizessem parte de seu projeto de
evangelização. Vemos isso quando Jesus pede que eles organizem a distribuição
dos pães no episódio da multiplicação (cf. Mc 6,30-44), ou quando Jesus cura o
cego Bartimeu e pede que os discípulos o chamem (cf. Mc 10,49). Como iniciação
ao discipulado de Jesus, a catequese é chamada a trabalhar nos catequizandos
a atitude de iniciativa daqueles que, a partir de sua experiência de fé, cultivam a
participação no projeto de Jesus e na construção de seu Reino (cf. Mc 16,15-18).

O Reino de Deus se tornou a grande motivação dos discípulos que passaram


a seguir a Jesus de Nazaré. Seguindo a mesma lógica, o catequista pode ser
esse contato do catequizando com a pessoa de Jesus, tendo como resposta a
atitude de comprometimento com o Reino.

Uma postura coerente com a postura de Jesus é a da compreensão e


acolhida próprias de quem tem compaixão. Devemos ser acolhedores com nossos
catequizandos, entender seus anseios e angústias, seus dilemas e valores. Será
que a comunidade cristã, com seus ensinamentos, tem algo a dizer a esses
catequizandos sobre tudo o que eles vivem? Será que os textos bíblicos podem
iluminar a vida desses nossos adolescentes? É claro que sim!

1. Orientações metodológicas

São muitos os métodos utilizados na catequese. Segundo o documento


dos bispos católicos do Brasil Catequese Renovada (CR, 111), cabe a cada
comunidade escolher qual é o método que melhor responde a sua realidade
pastoral, mas o que é método? Sempre que temos um objetivo a ser alcançado,
traçamos um caminho, fazemos um projeto que facilite alcançarmos esse objetivo.
O método é justamente esse caminho que traçamos para sermos eficazes no
trabalho catequético.

Longe de querer estabelecer princípios metodológicos e aprofundamento dos


métodos catequéticos, queremos, neste espaço, trazer algumas reflexões sobre
princípios catequéticos e orientações bem práticas que ajudem a dinamizar o
trabalho do catequista com os catequizandos.

89
PRÁTICA PASTORAL

2. Interação fé e vida

A catequese precisa estar em profundo diálogo com a vida do catequizando.


Essa relação, chamada de interação fé e vida, é trazida pelo Diretório Nacional
de Catequese (DGC, 13,i) como uma das perspectivas da catequese renovada.
Mais que apreender conteúdos, a catequese quer que nos encantemos pela
pessoa de Jesus e livremente O sigamos. Esse ideal de catequese ganhou força
no documento Catequese Renovada. Esse documento, que estuda os processos
catequéticos, cita o Papa Paulo VI, que nos diz que a catequese deve prezar pela
interação entre o Evangelho anunciado e a vida do discípulo (CR, 114).

Interação fé e vida é entendida a partir de um processo catequético que se


articula a partir de duas perspectivas: a experiência vivida no cotidiano da vida e
os conteúdos da fé cristã. Queremos um catequizando que consiga dar sentido a
sua vida cotidiana, que se enxergue discípulo e faça a experiência do seguimento
de Jesus em sua vida familiar, na comunidade de fé e sobretudo nas interações
sociais.

É na vida concreta que o seguimento de Jesus e a concretização do Reino


de Deus acontece. Toda a intenção evangelizadora de Jesus se resume em sua
fala “eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Se Jesus tinha a intenção de fazer mais digna a vida das pessoas, com o trabalho
da Igreja não deve ser diferente. Toda a ação evangelizadora deve estar voltada
para a construção da dignidade humana.

Jesus foi uma pessoa que vivia intensa compaixão pelas pessoas que o
cercavam. Ao mesmo tempo, sua fé apontava para o Pai e seu Reino. Jesus
prega insistentemente o Reino. No Evangelho de Marcos, vemos que o Reino é a
proposta de Jesus para ser assumida por todos. Quando alguém se encanta pelo
Reino, é preciso aderir a sua construção “imediatamente”. Por isso mesmo Marcos
nos diz que os discípulos “imediatamente” deixaram as redes e seguiram Jesus
(cf. Mc 1,18), “imediatamente” chamam Jesus e logo ele cura a sogra de Pedro
(cf. Mc 1,29-31), como também é “instantânea” a cura do leproso (cf. Mc 1,40-
45); nos diz também que a fama de Jesus se espalhava “rapidamente” (cf. Mc
1,28). Marcos não queria dizer, com tantas palavras que nos lembram a pressa do
mundo atual, que Jesus era uma pessoa agitada. Ele quer demonstrar que aquele
que faz a experiência de Jesus tem pressa de que o Reino aconteça. O Reino, na
pregação de Jesus, não era apenas uma teoria. Era uma prática. Assumir uma
catequese que busque a interação fé e vida é assumir a Jesus como proposta
concreta que transforma nossa vida cotidiana, dando a ela valor e sentido.

Como parte central da ação evangelizadora da Igreja, a catequese quer


anunciar a Boa Nova de Jesus, para que a vida concreta do cristão se torne

90
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

mais plena. Se pensarmos bem, é fácil ser cristão dentro da comunidade. Nela
todos pensam de forma muito parecida, estão no mesmo ambiente e, mesmo
que discordem em alguma coisa, a fé é a mesma. Difícil é ser cristão fora da
comunidade eclesial. É lá que concretizamos e plenificamos nosso discipulado
assumindo nossa atitude de cristão e concretizando a prática cristã nas relações
que estabelecemos. Uma catequese que tenha como perspectiva a relação fé
e vida preza por uma ação evangelizadora que se torne atitude cristã na vida
cotidiana, ou seja, no mundo do trabalho, da escola, da família... à luz da fé e dos
ensinamentos cristãos (cf. DGAE, 2011-2015, 71).

Nos temas trabalhados na catequese, essa interação fé e vida deve aparecer


constantemente. É a vida cotidiana do catequizando o espaço concreto onde
Deus se revela e o Reino se concretiza. Os relacionamentos humanos, seja na
família, na comunidade eclesial ou na sociedade como um todo, farão parte da
abordagem dos temas trabalhados na catequese, que deve tomar a atitude de
Jesus como o modelo de atitude a ser assumido pelo catequizando. Sempre
que possível, o catequista pode contar com exemplos e situações trazidos pelos
catequizandos. Eles serão os maiores responsáveis pelo encontro entre a fé
professada pela comunidade e a vida cotidiana.

3. Método ver, julgar, agir e celebrar

Um bom referencial para abordarmos a realidade vivida pelos catequizandos


é o método VER, JULGAR, AGIR E CELEBRAR (MARCHINI, 2015). Isso porque
ele leva em conta a realidade vivida pelos catequizandos, abordando assuntos
e situações que eles vivam em seu cotidiano. Esse método também nos permite
iluminar essas situações com as Escrituras e os ensinamentos da Igreja e nos
leva a percebermos como podemos transformar nossa realidade para sermos
verdadeiros discípulos de Jesus Cristo.

Vamos entender melhor esse método dentro da realidade do encontro de


catequese. Ele nos traz a possibilidade de discutirmos as mais variadas realidades
vividas pelos catequizandos, tendo como motivação primeira suas experiências e
não as teorias e doutrinas. Propomos o assunto (VER), mas descrevê-lo compete
aos próprios catequizandos. São eles que vivem as situações, e ninguém melhor
do que eles para trazer suas angústias, alegrias, tristezas e expectativas. O
momento de VER a realidade é o momento de mostrarmos que queremos discutir
as situações vividas por eles. Esse deve ser um momento de profunda acolhida
de tudo o que é trazido pelos catequizandos.

Quais são os parâmetros para sabermos se aquilo que eles vivem e trazem
para o momento do encontro de catequese é coerente com os princípios da fé
cristã? Esse é o momento do JULGAR.

91
PRÁTICA PASTORAL

Talvez a palavra julgar traga a ideia de um tribunal que nos falará aquilo que
é certo ou errado. Não seria bem isso que essa etapa quer propor. Aqui, JULGAR
está mais no sentido de iluminar a realidade vivida à luz da Palavra de Deus e dos
ensinamentos da Igreja.

O catequista pode trazer instrumentos que ajudem a iluminar a realidade


vivida pelo catequizando. O tempo de discernimento é do catequizando e deve ser
respeitado, mas e se o que eles pensam é errado? Mais que dizer o que é certo
ou errado, devemos levar os catequizandos a refletir para discernir sobre suas
vidas. Se discutimos, por exemplo, os vícios e seus malefícios, e um catequizando
partilha que na sua família há pessoas que fumam, o catequista precisa ter a
sensibilidade de não criar um conflito entre o catequizando e seus familiares. Isso
seria um processo anticatequético.

Aqui é preciso ter a sensibilidade e a razão de Jesus, que buscava nunca


afastar ninguém e, mais que emitir juízos, buscava participar da vida das pessoas
(cf. Mc 2,13-17). Ele come com os cobradores de impostos mesmo sendo
socialmente grave o pecado cometido por eles. O juízo e a mudança de vida cabem
aos cobradores. Jesus quer apenas conviver com eles, trazendo a possibilidade
de uma nova atitude de vida. Os catequizandos chegam ao discernimento por
si mesmos. Ao catequista cabe apresentar Jesus como proposta atitudinal. O
JULGAR também está diretamente relacionado com a formação do catequizando
como cristão-cidadão.

Mapeamos a realidade e a iluminamos com a Palavra de Deus e nossos


princípios evangélicos. Agora é a hora de possibilitar ao catequizando que repense
sua prática de vida. É a etapa do AGIR. As situações trazidas pelos catequizandos,
após iluminadas, serão as mesmas ou novas possibilidades se apresentarão? O
adolescente é chamado a agir de acordo com aquilo em que acredita. Também é
a etapa de conhecer a ação da Igreja. Um bom exemplo do AGIR é perceber se
a comunidade onde vivemos tem trabalhos que são direcionados às situações
que presenciamos no desenvolver de cada tema. Se num determinado encontro
surgiu o assunto drogas e entorpecentes, não poderíamos conhecer, ou pelo
menos citar, o trabalho da Pastoral da Sobriedade? O contato com os agentes de
pastoral ou com as pessoas assistidas por eles pode ser um momento privilegiado
de inserção à vida eclesial.

Agora, vamos CELEBRAR. Celebrar é tornar célebre, dar importância.


Quando celebramos, damos importância ao assunto que foi discutido. Juntos,
ofereceremos a Deus todo o processo catequético trazido para esse encontro.
Momentos de oração tornam o encontro mais celebrativo, mas é importante
frisar que mais importante que um encontro com orações, é um encontro que
seja orante. Tudo nos leva ao encontro com Deus: aquilo que vemos, ouvimos

92
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

ou falamos. Sempre que possível, o catequista pode transformar aquilo que for
conversado em uma prece ou oração. Usar símbolos pode tornar o momento
celebrativo mais dinâmico. Também materiais para desenhos, colagens e recortes
de jornais e revistas podem ser usados para os momentos de oração e celebração.

E a ordem, deve ser essa? É importante dizer que esse método é cíclico
e um momento sempre traz consigo os outros três, VER, JULGAR, AGIR e
CELEBRAR não podem ser separados. Quando o catequizando traz uma situação
para o encontro, ele já buscou entender essa situação. Ao mesmo tempo, quando
o catequista traz a ação de Jesus para iluminar a realidade, já transformamos
em prece nosso momento de encontro com Ele, mas na hora de prepararmos o
encontro de catequese, a ordem apresentada pelo próprio tema pode ser outra.
Essa parte é de autonomia do catequista, que conhece melhor seus catequizandos
e a realidade que eles vivem.

4. O uso de textos bíblicos

A catequese de Iniciação à Vida Cristã assume Jesus como referência


e ponto de partida. Por isso, é necessário ir à fonte da experiência de Jesus:
os Evangelhos. A utilização da Bíblia é imprescindível para uma catequese que
estabeleça uma relação entre a fé celebrada e a vida cotidiana.

O Itinerário Catequético da CNBB assume a catequese de Iniciação à Vida


Cristã como catequese bíblica, ao dizer que:

Todo processo catequético terá a sua iluminação a partir das


Escrituras. Aproveitando as riquezas presentes nas sagradas
Escrituras para inspirar ações e novos modelos de vida cristã
para o hoje de nossa história. A catequese a serviço da Iniciação
à Vida Cristã insistirá em propor os encontros salvíficos de Jesus,
como promotores de uma fé madura (CNBB, 2015, p. 38).

Apesar de tratarmos de assuntos que nos remetem ao ser humano em


suas mais variadas dimensões, a nossa base é a dimensão religiosa da pessoa.
Podemos fazer uso da psicologia, da sociologia, da filosofia e da antropologia para
entendermos melhor o ser humano, mas nosso objetivo, no ambiente catequético,
é entender o ser humano como lugar privilegiado da ação de Deus. Por mais que
tratemos de assuntos variados na catequese, sempre os iluminaremos com textos
bíblicos que tragam situações, geralmente vividas por Jesus.

Para percebermos que Deus age, é preciso conhecê-lo. Quanto mais


conhecemos alguém, melhor percebemos suas motivações, projetos e realizações.
Assim também é com Deus. E o melhor lugar para conhecê-lo são as Escrituras.
Lá, encontramos experiências de pessoas que tiveram momentos fortes e intensos

93
PRÁTICA PASTORAL

de contato com Deus. A Bíblia será sempre utilizada em nossos trabalhos, e assim
não poderia deixar de ser. Ela é o livro de catequese por excelência, pois nos
aproxima mais de Deus. Para bem utilizar a Bíblia é necessário que o catequista
procure pela formação bíblica. Quanto mais conhecermos do universo bíblico, melhor
trabalharemos com os catequizandos. Sempre traremos explicações sobre os textos
bíblicos usados, mas elas estão mais sintonizadas ao tema trabalhado. Qualquer
método de leitura bíblica utilizado pelo catequista pode ser de muita utilidade.

O papel do catequista é o de facilitar a leitura bíblica, oferecendo ferramentas


para que os catequizandos leiam os textos e interpretações que sejam coerentes
com a exegese bíblica. Também é função do catequista facilitar a relação entre o
texto bíblico e os temas, bem como com as situações trazidas pelos catequizandos.

O maior desafio é deixar de ser uma catequese que utilize a Bíblia para ser
uma catequese bíblica. Isso significa ter a Escritura como base para entendermos
a ação de Deus e a realidade humana. Por isso mesmo, o catequista deve sempre
utilizar a Bíblia nos encontros. Cada tema do nosso livro tem, pelo menos, dois
textos bíblicos que devem ser muito bem explorados, inclusive com leitura orante.

A leitura orante é uma prática de leitura bíblica com influência inaciana.


Com o incentivo dos exercícios espirituais elaborados por Santo Inácio de Loyola
(1491-1556) também aos leigos, esta prática se popularizou. Lembramos que
antes, os exercícios espirituais formulados por Santo Inácio de Loyola eram
limitados aos religiosos jesuítas, não por proibição, mas por dificuldade de acesso
e compreensão. Você pode encontrar muitas variações da leitura orante, mas
basicamente podemos resumir a prática de leitura orante em quatro passos:

1. O que o texto bíblico diz em si.


2. O que o texto bíblico diz para mim.
3. O que o texto me leva a dizer a Deus.
4. O que ele me faz contemplar e modificar na vida cotidiana.

Os passos podem ser melhor entendidos acessando o link:


<http://www.nospassosdepaulo.com.br/2013/09/metodo-da-
leitura-orante-da-biblia.html>.

94
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

Não existe muita bibliografia sobre o assunto. Fica como


sugestão o livro:
RAY. Leitura orante: caminho de espiritualidade para jovens.
Paulinas.
CNBB, Leitura orante nos seminários e nas casas de formação.
Edições CNBB.

5. Dinamizando a catequese

Dedicaremos esta seção a dicas práticas para que você possa dinamizar
os encontros de catequese em sua comunidade. A palavra dinamizar vem do grego
dynamis, que quer dizer movimento. Ao dinamizar os encontros de catequese,
queremos que eles se tornem mais agradáveis aos catequizandos.

Assista no Youtube ao vídeo do canal Hora da Pastoral -


Dinâmicas na catequese. Você pode encontrá-lo no endereço
<https://www.youtube.com/watch?v=uIP_-IzuNSk>.

É importante lembrarmos que a dinâmica nunca é o centro da catequese.


Antes, ela está a serviço do tema que será trabalhado. Não começamos a
preparar um encontro de catequese pela dinâmica, mas pela temática. Por isso
as dicas que daremos aqui devem dialogar com o tema trabalhado e nunca se
sobrepor a ele.

Consideramos algumas situações que podem auxiliar na dinamicidade do


encontro de catequese: canções, poemas, filmes, as dinâmicas propriamente
ditas e as brincadeiras.

95
PRÁTICA PASTORAL

Sobre a relação com os catequizandos:


GIL, Paulo Cesar. Quem é o catequizando? Vozes.

Sobre as dinâmicas do processo catequético, que servem de


base para as dicas que trazemos a seguir:
MARCHINI, Welder Lancieri. Perseverando com Jesus:
catequese com adolescentes. Vozes. (livro do catequista).

5.1 Canções

• Devem sempre ajudar a entender melhor o tema e nunca atrapalhar. Se


pegamos uma letra muito complicada de se entender, podemos criar um
problema. Ela precisa falar claramente sobre aquele assunto.
• Pode ser uma canção de fora do universo religioso. A mensagem de
Deus também faz uso de instrumentos utilizados por Ele fora do ambiente
religioso. É sempre legal quando usamos uma canção que faça parte do
gosto musical de nossos catequizandos.
• É muito importante que todos os catequizandos tenham a letra da canção
em mãos. Se não for possível, que a letra esteja visível em um cartaz ou
na lousa. Isso porque apenas ouvindo a canção, alguma palavra pode
não ser bem entendida. Ter a letra visivelmente acessível auxilia depois
nas discussões sobre a canção.
• Se alguém souber tocar violão e a canção for conhecida, é interessante
cantá-la.
• Às vezes, também é legal levar uma canção que os catequizandos não
conheçam; afinal, é sempre bom ter contatos com novas informações.
O importante é que se valorize o que é próprio deles e, ao mesmo
tempo, abram-se novos horizontes, trazendo aquilo que ainda não é de
conhecimento dos catequizandos. O segredo está no equilíbrio entre o
novo e o já conhecido.
• E, no que se refere ao trabalho com canções, o mais importante: o
catequista não deve interpretar a canção pelos catequizandos. A opinião
do catequista deve ser sempre a última a ser expressada. Uma dica é
escutar a música sem fazer nenhum comentário prévio. Talvez o único
seja quanto ao título da canção. Uma proposta pode ser colocar visível a
todos apenas o título da canção. Depois, pergunte se alguém a conhece.
Se não, perguntar sobre o que eles acham que a canção vai dizer. Se sim,
deixe que o catequizando partilhe um pouco de seu conhecimento sobre
a canção. Depois de escutar a canção, dar um espaço para que digam

96
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

qual a frase que mais chamou a atenção e qual a relação da frase com o
tema trabalhado. Muitas mensagens interessantes saem dessa dinâmica.
Frequentemente os catequizandos tiram mensagens da canção que nós
não havíamos percebido.
• As canções podem ser usadas tanto para mapearmos uma realidade
(VER), como também para analisarmos (JULGAR) essa mesma realidade.
• Outro instrumento interessante são os clipes das canções. Alguns trazem
histórias e imagens bem interessantes, que ajudam na abordagem dos
temas.

5.2 Poemas

• Os poemas conseguem trabalhar as questões mais profundas do ser


humano com muita intensidade e simbolismo.
• Os poemas têm linguagem e vocabulário próprios. Muitas vezes, seu
vocabulário não é usual e precisamos recorrer ao dicionário.
• Sentimentos são sempre muito bem trabalhados pelos poemas, mas
também há poemas sobre problemas sociais, principalmente os que são
produzidos pelo hip-hop. Muitos também são canções.
• O poema precisa ser recitado e não apenas lido. O modo como o
recitamos muda seu entendimento.
• Uma música instrumental sempre pode acompanhar o poema, mas ela
precisa estar em sintonia com a sua mensagem. Se o poema é mais
triste, a música precisa ser mais lenta; se o poema é mais contagiante, a
música também precisa ser.
• Também é importante procurar saber se os adolescentes gostam de
poemas. Partir do que eles gostam sempre é uma proposta interessante.

5.3 Filmes

• Os filmes são instrumentos interessantes, mas que também requerem


certo cuidado. Eles também, assim como as canções, devem sempre
ajudar e não criar um problema.
• Mais importante que o filme é o tema trabalhado. Por isso, geralmente não
é interessante passarmos um filme inteiro. Ele traz muitas informações
que não estão diretamente relacionadas ao encontro de catequese, o que
pode criar dispersão na discussão do tema.
• Pode ser interessante escolhermos uma parte de no máximo sete a 10
minutos que tenha relação direta com o tema trabalhado, mas isso requer
que o catequista assista ao filme anteriormente e escolha com cuidado a
parte que será usada.
• O que pode ajudar é o catequista transmitir as informações necessárias
para que todos entendam o filme, contextualizando seu enredo,
personagens, cenários etc.

97
PRÁTICA PASTORAL

• Uma sugestão é, se for da vontade da turma, fazer em alguma oportunidade


uma sessão de cinema. Nessa oportunidade os catequizandos apenas
assistem ao filme e, se for possível, fazem um breve bate-papo sobre
suas opiniões e sua relação com o tema. É sempre gostoso, na medida
do possível, que essa sessão seja acompanhada de pipoca e suco. Os
catequizandos geralmente gostam e se entusiasmam.

5.4 Dinâmicas

• As dinâmicas são importantes para dar movimento aos encontros de


catequese.
• Devem ser escolhidas a partir do tema do encontro. Muitas vezes, porém,
comete-se o erro de achar que a dinâmica é o centro do encontro de
catequese. Um encontro nunca deve ser preparado tendo como base
uma dinâmica.
• Tudo aquilo que utilizarmos, seja a canção, o filme, a poesia, o artigo de
jornal e, é claro, o texto bíblico, deve nos ajudar a abordar melhor o tema
proposto, dinamizando o encontro.
• A dinâmica é uma forma de abordar um tema de modo diferente. Ela deve
estar diretamente conectada com o assunto que vem antes ou depois
dela.
• Podemos usar a dinâmica como introdução a um tema. Nesse caso, pode
ser usada uma canção, poesia ou filme. Eles trazem assuntos que podem
ser relacionados com o tema proposto.
• Todo o material utilizado na dinâmica precisa ser previamente separado.
• A dinâmica precisa ser bem pensada e ter conexão direta com o tema
abordado. Uma dinâmica que não dá certo cria uma desconexão que
atrapalha o andamento do encontro.

5.5 Brincadeiras

• As brincadeiras trabalham a dimensão lúdica do ser humano.


• Elas podem ser usadas para entrosar o grupo quando eles ainda não se
conhecem.
• Uma brincadeira também pode ajudar a trabalhar questões como
companheirismo, trabalho em equipe e colaboração.
• Os jogos podem também ser trabalhados como brincadeiras. Podemos
trabalhar jogos esportivos ou gincanas.
• Do mesmo modo que as dinâmicas, as brincadeiras precisam estar
diretamente relacionadas com o tema trabalhado. Tudo no encontro
conflui para que os catequizandos tenham um melhor conhecimento do
tema.

98
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

Atividade de Estudos:

1) Faça um relato de como os conteúdos estudados neste capítulo


contribuíram para seu entendimento catequético. Uma sugestão:
busque relacionar os conteúdos com as práticas de sua
comunidade eclesial.
______________________________________________________
______________________________________________________
______________________________________________________
______________________________________________________
______________________________________________________
_______________________________________________________

CateQuese Permanente
Alguns pontos relacionados à catequese merecem ser retomados. Vimos que
o centro do processo catequético é a pessoa de Jesus e seu Evangelho. Vimos
também que os processos catequéticos assumem, cada vez mais, características
catecumenais. Essas ideias se concatenam na Iniciação à Vida Cristã. Na prática,
construímos uma catequese que continua acompanhando a vida do catecúmeno,
mesmo depois da celebração do sacramento. Na prática pastoral catequética
chamamos esse processo de catequese permanente. Ao falar da conformidade
daquele que é iniciado à pessoa de Jesus, Lelo (2014, p. 13) diz:

A iniciação cristã tem como objetivo ajudar a pessoa a tornar-


se cristã, participante consciente do mistério pascal e da
comunidade eclesial; viver a dinâmica da união com Cristo,
buscando assemelhar-se a ele; e levar a uma experiência de
fé ligada à vida, num processo contínuo de conversão.

Ser cristão não está relacionado unicamente a um conteúdo. Existem


inúmeros historiadores que conhecem os acontecimentos relacionados ao
cristianismo, e isso não os identifica como cristãos. É cristão aquele que toma
parte, ou segundo Lelo, “participa” do mistério pascal” (LELO, 2014, p. 13). O
cristão busca conformar-se à vida de Jesus. Os textos bíblicos, celebrados nas
liturgias, passam a ter novo sentido, iluminando a vida cotidiana.

É a vida concreta que motiva o processo catequético. Nas Escrituras e


ensinamentos da Igreja (que chamamos de doutrina), o catequizando buscará

99
PRÁTICA PASTORAL

respostas para suas indagações. A CNBB chama essa motivação do catequizando


de “desejo de permanecer seguindo a Jesus Cristo” (CNBB, 2015, p. 38). Assim
diz o Itinerário catequético:

A preparação e celebração dos Sacramentos de Iniciação à


Vida Cristã estarão marcadas por este desejo de permanecer
seguindo a Jesus Cristo e continuar a experiência de fé na qual
foi iniciada. Por isso, a ação catequética não poderá polarizar-
se num único dos três sacramentos de iniciação, tampouco
ignorar a recepção dos sacramentos (CNBB, 2015, p. 38).

O Itinerário catequético, formulado originalmente em 2014, é produto de uma


caminhada que se inicia com o Concílio Vaticano II (1962-1965). O Concílio traz o
desejo de uma religião que dialogue com a vida cotidiana e com a sociedade. Essa
ideia é mais facilmente identificada na produção conciliar Gaudium et Spes (GS).

Na América Latina será realizada a Conferência do CELAM (Conselho do


Episcopado Latino-americano), na cidade de Medellín (1968). Os bispos latino-
americanos se reuniram para buscar identificar um modo de ação da Igreja latino-
americana, tendo como base o Concílio Vaticano II. A catequese – entendida dentro
do universo da educação – será referência de diálogo com a realidade concreta.

No Brasil essa história culminará no Documento 26 da CNBB, intitulado


“Catequese Renovada”. Uma das bases da catequese pensada pelo documento
será a articulação fé e vida. Inicia-se uma superação da visão sacramentalista
da catequese. Os sacramentos continuam sendo importantes e serão celebrados
dentro do catolicismo, mas eles não são o fim da catequese. São meios de
celebrar e vivenciar o seguimento de Jesus (CR, 10-11).

Na Conferência de Aparecida (2007) o CELAM reafirmou a importância do


processo catequético para além dos sacramentos. Sua função é a de criar discípulos-
missionários. O discípulo é aquele que adere ao seguimento de Jesus. Ele é missionário,
pois esse encontro o leva a viver de maneira diferente, se conformando com a pessoa
de Jesus e seu Evangelho e indo ao encontro dos irmãos (DA, p. 28-29).

A ideia de formar discípulos missionários, que transcende a atitude


catequética sacramental, reverbera por autores e pela própria CNBB, que instrui
as comunidades:

Objetivo hoje da catequese é formar cristãos adultos, discípulos


missionários, maduros na fé, inseridos numa comunidade
adulta, na comunhão e participação. Uma catequese na qual
são valorizados os diferentes ministérios, aberta às diferentes
realidades humanas, em constante diálogo intraeclesial,
ecumênico e inter-religioso, a serviço das culturas e da sociedade,
no testemunho concreto do dia a dia (CNBB, 2015, p. 39).

100
Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

Também na intenção de enfatizar a finalidade vivencial de catequese, escreve


Lelo:

As orientações atuais sobre a catequese requerem a integração


da dimensão catecumenal em todo processo catequético como
suporte indispensável para uma celebração que resulte em
profunda transformação interior e leve ao compromisso de
vivência do sacramento, sem reduzi-lo apenas ao momento
ritual-social. Essas expressões significam que vamos dar mais
um passo na catequese para responder ao desafio de formar
discípulos e missionários para a sociedade de hoje, sem
nos fiarmos comodamente na tradição herdada de famílias
pretensamente cristãs (LELO, 2014, p. 9).

É claro o movimento catequético de retorno à catequese apostólica, presente


na Didaqué, de seguimento de Jesus, assumindo o compromisso querigmático
(Did, 1).

Nos últimos tempos, a CNBB trouxe um novo elemento que auxilia no


entendimento da catequese como ação permanente, que não se limita à
celebração ritual do sacramento. A ação catequética deve estar voltada à
formação de sujeitos eclesiais (CNBB, Doc 105, 119).

No final do Capítulo 2 vimos, em um diálogo entre as ideias do sociólogo Alain


Touraine (2003; 2009) e o Evangelho de Mateus, que o sujeito e o discípulo são
figuras análogas. Se o sujeito é aquele que traz o desejo de atuar socialmente, o
discípulo é aquele que entendeu a proposta de Jesus e quer colocá-la em prática.

Uma catequese que busca ser permanente quer, além de levar o catecúmeno
à experiência batismal, iniciá-lo no seguimento de Jesus, possibilitando a formação
de um sujeito eclesial ou, em outras palavras, de um discípulo missionário.

A catequese permanente faz a Igreja pensar em novas comunidades, que


sejam menos seduzidas às celebrações de massa e mais inclinadas às relações
pessoais; comunidades que retomem a vivência doméstica das comunidades
apostólicas e que sejam local da experiência do discipulado.

Ao tratar das novas perspectivas do trabalho catequético, Villepelet (2007, p.


57) escreve:

Jesus foi crucificado, ele morreu, mas Deus o ressuscitou e por


ele traz a vida aos seres humanos. A ideia cristã de Deus está
ligada à fé na ressurreição. A ressurreição não é um detalhe
que se acrescentaria ao resto da fé, é a sua própria essência.
[...] A catequese não pode passar isso em silêncio.

101
PRÁTICA PASTORAL

O autor escreve este excerto em item intitulado “A volta ao centro da fé


cristã”. Falar de catequese permanente vai muito além de falar de encontros de
catequese. Trata-se de entender o processo catequético como algo permanente.
Entender que a relação com Jesus e seu Evangelho deve ser uma constante na
vida do cristão, durante toda a sua caminhada de vida.

Algumas ConsideraçÕes
A comunidade cristã tem como característica estar aberta a novas adesões.
Se no período apostólico cada novo discípulo era acompanhado, com o aumento
dos participantes das comunidades e as características de celebrações com maior
número de adeptos, isso não foi mais possível.

Hoje buscamos estabelecer um diálogo entre a demanda numérica de


nossas comunidades com a qualidade dos processos de iniciação. De que
adianta ter muita gente nos cultos, missas e celebrações, se elas não percebem a
preciosidade que encontram em suas mãos?

Os catecúmenos – ou iniciados no cristianismo – anseiam por qualidade nos


processos catequéticos. Os catequistas também querem oferecer um trabalho de
qualidade. Ao qualificarmos os trabalhos catequéticos em nossas comunidades,
qualificaremos também a comunidade como um todo, pois teremos cristãos mais
autônomos ou, como conceitualmente trabalhamos, verdadeiros sujeitos eclesiais.

ReFerÊncias
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Capítulo 3 INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS

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VILLEPELET, Denis. O futuro da catequese. São Paulo: Paulinas, 2007.


(Coleção pedagogia e fé).

104
C APÍTULO 4
Gestão Pastoral e Evangelização

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Conhecer ferramentas de gestão e planejamento pastoral.

 Identificar os fundamentos e critérios para uma administração que aconteça a


exemplo da pessoa de Jesus.

 Pensar práticas de organização e gestão comunitárias que levem à maior eficá-


cia no processo de evangelização.
PRÁTICA PASTORAL

106
Capítulo 4 GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO

ConteXtualização
Se pensamos em um líder de uma comunidade eclesial, pensamos em
alguém que teve uma profunda experiência com Deus e busca possibilitar a outras
pessoas que também tenham essa mesma experiência.

Esse pode ser o seu caso, caro estudante de Teologia. Você tem, em algum
momento de sua vida, uma experiência profunda e existencial. Ela te leva a
assumir um novo comportamento, com novos projetos e perspectivas. Talvez você
se torne um agente de pastoral, um servo de uma igreja. Talvez a experiência o
leve a ser uma liderança ministerial, seja um padre ou um pastor.

Quando então, você decide que é hora de assumir um trabalho Administrar a


em sua comunidade, sua intenção é evangelizar, mas na prática os comunidade também
trabalhos pastorais de uma comunidade assumem uma gama de tarefas faz parte do projeto de
evangelização.
administrativas. Administrar a comunidade também faz parte do projeto
de evangelização.

Podemos administrar uma comunidade a partir de duas perspectivas:


a primeira é a pastoral. Administramos o material humano da comunidade,
gerenciamos pessoas. A segunda é a econômica. O líder comunitário também
gerencia as economias de uma comunidade, captando recursos, seja através
de dízimo, doações ou festas, mas também pagando as contas de água e luz
da comunidade, organizando a folha de funcionários ou mesmo o patrimônio da
comunidade eclesial.

Nossa ocupação será, neste material, com a primeira característica: Nossa ocupação será,
neste material, com a
a pastoral. É preciso organizar o grupo de colaboradores (servos e
primeira característica:
agentes de pastoral) para que os trabalhos pastorais aconteçam com a pastoral.
maior fluidez e organicidade.

Administração Comunitária
Administrar a pastoral de uma comunidade significa, na prática, organizar as
estruturas e o material humano que forma a comunidade, para que o trabalho
de evangelização aconteça. Para facilitar o entendimento daquilo que é a
administração pastoral de uma comunidade, iniciaremos com uma definição de
administração eclesial:

107
PRÁTICA PASTORAL

A administração eclesial é, especificamente, exercida pelos


gestores eclesiais, no âmbito de sua jurisdição, e sistematiza
as ações eclesiásticas, pastorais e administrativas, procurando
o alcance de metas organizacionais desejadas de maneira
eficiente e eficaz por meio de quatro funções administrativas:
planejamento, organização, liderança e controle dos recursos
organizacionais. Basicamente, as duas primeiras se constituem
em ações finalísticas, e a terceira é, essencialmente, um apoio,
possibilitando o alcance da evangelização, que é razão maior
da sua existência (HENRIQUE; PAIVA, 2012, p. 15).

Partiremos de um pressuposto: a administração de uma comunidade


não é responsabilidade de seu líder ou da figura do clero ou ainda do pastor.
Assumiremos a proposta de uma administração participativa, em que cada
membro da comunidade é efetivamente parte da comunidade, pensando-a e
executando aquilo que é pensado.

O professor de direito canônico, Ivo Müller, retoma o Concílio Vaticano II


(1962-1965) para falar do ideal de participação:

Uma nova luz brilhou no horizonte eclesiológico dos anos sessenta,


com o concílio ecumênico Vaticano II. Este concílio ressuscitou
dentro da Igreja valores cristãos, um tanto empoeirados pela sua
inadequada aplicação aos seus membros, incorporados pelo
batismo ao sacerdócio comum de Cristo. Nesta panorâmica, a
dignidade dos fiéis cristãos foi recuperada, sobretudo dos fiéis
leigos, numa nova mentalidade de Igreja, concebida como Povo
de Deus. A partir deste momento, todos formam a inteira família
deste Povo, edificando conjuntamente a Igreja de Cristo, cada
um dentro do seu estado próprio de pessoas ao tríplice múnus
de Cristo, ou seja, ao múnus sacerdotal, profético e régio de
Cristo (MÜLLER, 2004, p. 15).

Alguns pontos tratados por Müller são importantes para a


A participação sistematização que aqui fazemos. A administração não é comunitária por
dos membros uma decisão de seus líderes. A participação dos membros da comunidade
da comunidade
em sua gestão e em sua gestão e administração é cristológica, ou seja, todo cristão, ao
administração é ser batizado, passa a participar do tríplice múnus de Cristo, que é profeta,
cristológica. sacerdote e rei. Principalmente ao participar do múnus régio, o cristão
torna-se coorganizador da comunidade cristã (MÜLLER, 2004).

Quanto maior a participação dos membros de uma comunidade nos


processos de decisão das prioridades pastorais, maior será o envolvimento
da comunidade como um todo em tais processos. Brighenti (2000) identifica a
participação como o método mais adequado a uma pastoral que busca envolver
os membros da comunidade nos processos assumidos.

108
Capítulo 4 GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO

A administração de uma comunidade eclesial deve ser consequência dos


valores evangélicos assumidos por esta comunidade. Deve haver uma coerência
entre aquilo que a comunidade prega e o modo como ela se organiza. Na obra
conjunta entre o monge Anselm Grün e o diretor da empresa Puma, Jochen Zeitz,
eles analisam que uma empresa não pode prescindir de seus valores éticos. O
mesmo vale para a religião.

Muitos dos que assumem responsabilidade na economia sentem


que, a longo prazo, não podemos exercer a atividade econômica
sem valores. Ao ignorarem valores, as empresas, a longo prazo,
perdem o valor, pois quem ignora os valores, no fundo despreza
o ser humano e, por consequência, também a si mesmo. Um
clima de desprezo pelas pessoas e de desprezo próprio logo
desvaloriza uma empresa. O capital desaparece. As pessoas
que foram desprezadas e desprezam a si mesmas perderam
qualquer sentimento de identidade. Desse modo, uma empresa
desaba em si mesma (GRÜN; ZEITZ, 2012, p. 133).

Os autores falam do mundo empresarial, mas a reflexão é ainda mais útil


ao mundo eclesial. Uma comunidade que prescinde de seus valores evangélicos
acaba por perder o foco e passa a trabalhar por sua manutenção, mais que pela
evangelização.

E qual é o foco da comunidade cristã? As pessoas. É para o É para o crescimento


crescimento das pessoas que a comunidade cristã deve se organizar das pessoas que a
e existir, mas onde encontraremos as bases para essa reflexão? A comunidade cristã
base é a pessoa de Jesus. Ao falarmos de administração, adentramos deve se organizar e
em um campo que muitas vezes parece distante do universo eclesial. existir.
Por isso, primeiramente, tomaremos como exemplo alguns textos bíblicos que
nos dão pistas dos referenciais que devem ser assumidos na administração da
comunidade eclesial.

1. Critérios bíblicos

Jesus não fala de administração de comunidades, isso por dois motivos bem
aparentes. Primeiro porque as comunidades eclesiais, nos moldes que existem
hoje, não existiam na época de Jesus. Elas são uma construção histórica dos
cristãos que buscaram atender às necessidades de seu tempo. Depois, podemos
perceber que Jesus tinha uma relação diferente com a religião. Ele vai ao Templo,
mas sua participação é limitada a algumas festas. A religiosidade de Jesus, como
era comum em sua época, acontece sobretudo fora do Templo.

Como poderíamos nos inspirar na Bíblia para falar de gestão pastoral? Isso só é
possível se assumirmos alguns critérios oferecidos pelo próprio Jesus. Estes critérios
não falam de gestão ou administração, mas nos mostram um horizonte a ser seguido.

109
PRÁTICA PASTORAL

Em Jo 2,13-25 encontramos a passagem onde Jesus vai a Jerusalém por


ocasião da festa da Páscoa. No Templo, ele encontra vendedores que ofereciam
animais a serem sacrificados. Em nenhum momento do texto Jesus se opõe
ao sacrifício, mas ele se opõe à venda de animais, espalhando as bancas com
moedas e dizendo: “Tirem isto daqui! Vocês estão transformando a casa do meu
Pai em mercado” (Jo 2,16).

Os animais vendidos afastavam as pessoas mais pobres do culto do Templo,


pois elas não tinham dinheiro para comprar os animais e, consequentemente,
não poderiam oferecer sacrifícios. Mesmo que as pessoas mais pobres criassem
os animais, eles não poderiam ser utilizados. Criados pelo Templo, os animais
estavam livres de alguma impureza. Ao questionar as práticas do Templo, Jesus
questiona um culto e uma religião que perde a perspectiva de aproximar as
pessoas de Deus.

Em Mt 7, 24-27 encontramos Jesus ensinando aos discípulos na passagem


que fala da casa construída sobre a rocha. Ela é a metáfora para o discípulo que
escuta a Palavra e a internaliza. O discípulo que escuta a Palavra traz a solidez
da casa sobre a rocha. A Palavra lhe traz os critérios necessários para exercer
seu discipulado.

2. Critérios para um planejamento pastoral

As comunidades eclesiais se encontram em um período de grandes


mudanças, como vimos no Capítulo 1. Uma gestão pastoral deve dialogar com esta
realidade, fortemente marcada pela individualidade e pela desinstitucionalização
das vivências religiosas. Uma pastoral eficiente busca perceber quais são os
mecanismos que levam a uma evangelização da sociedade atual. Para que isso
aconteça é necessário um planejamento.

O teólogo pastoralista Agenor Brighenti traz algumas características


O teólogo pastoralista de um planejamento pastoral que leve a um efetivo diálogo com a
“ser técnico, sem ser sociedade atual. Ele deve “ser técnico, sem ser tecnicista” (BRIGHENTI,
tecnicista”.
2000, p. 25). Isso porque a técnica e a tecnologia fazem parte do mundo
atual. Não podemos pensar em templos sem uma estrutura mínima ou
que se organizem sem considerar as tecnologias como a informática, a internet ou
equipamentos eletrônicos. Como uma pastoral deve se organizar em relação às
tecnologias? Isso depende da realidade social de cada comunidade. O importante
é não perder o foco no ideal: a evangelização e não a técnica.

A pastoral deve “ser A pastoral também deve “ser comunitária, sem ser massificante”
comunitária, sem ser
massificante” (BRIGHENTI, 2000, p. 26). O comunitário é caracterizado pelos

110
Capítulo 4 GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO

vínculos estabelecidos, enquanto o massificante visa ao número de participantes.


O número de participantes pode ser interessante quando pensamos em uma
pastoral de eventos, mas esse modelo de pastoral não se torna eficaz, pois não
gera vínculos dos participantes com a comunidade nem dos participantes entre si.

Uma comunidade também deve ser “comprometida sem ser Uma comunidade
deve ser
politizante” (BRIGHENTI, 2000, p. 27-28). Um planejamento pastoral
“comprometida sem
deve considerar a experiência concreta da vida de seus membros. ser politizante”.
Assim, se a comunidade está situada em um bairro que apresenta
problemas estruturais, ele deve se comprometer. O planejamento comunitário não
deve dizer para seus membros em qual partido eles devem votar e sim com quais
critérios eles devem se comprometer.

Por fim, uma comunidade deve ter um planejamento “aberto ao Uma comunidade
universal, sem ser universalizante” (BRIGHENTI, 2000, p. 29). Estar deve ter um
aberto ao universal significa perceber os acontecimentos, sejam em planejamento “aberto
nível eclesial ou social, que influenciam a comunidade, abrindo-se a ao universal, sem ser
novas experiências e dialogando com novas expectativas. universalizante”.

ConselHos e Gestão
Os conselhos comunitários são a própria administração da comunidade. Ao
descrever as funções do conselho comunitário, Altoé descreve que ele “integra
e anima as pastorais, os trabalhos de evangelização e a vida da comunidade,
seguindo as orientações da Igreja. Em outras palavras, o conselho COORDENA
A COMUNIDADE” (ALTOÉ, 2008, p. 13). Ao descrever a realidade católica dos
conselhos comunitários, Pereira aponta que:

Seu principal papel e função é planejar, organizar, liderar,


coordenar e avaliar a Pastoral Orgânica da paróquia,
exprimindo a unidade e corresponsabilidade, na comunhão
eclesial dos seus agentes de pastoral, sejam eles ordinários ou
extraordinários, ou seja, clérigos, religiosos e leigos, sempre
sob a jurisdição do pároco, conforme pede o Código de Direito
Canônico (cf. cân. 536, § 2º), seguindo as normas estatuídas
pelo bispo diocesano. Embora o pároco seja o presidente do
Conselho Paroquial de Pastoral, não é ele quem inventa as
normas, os artigos e cláusulas do regimento desse conselho
[...]. O pároco preside um conselho regido pelas normas da
diocese, contidas no Regimento do Conselho Diocesano de
Pastoral (PEREIRA, 2011, p. 56).

Se o conselho pastoral pensa o agir da comunidade, ele também está em


sintonia com o planejamento de sua diocese. Na prática, devemos pensar que

111
PRÁTICA PASTORAL

o planejamento da ação de uma comunidade eclesial está sempre inserido no


contexto da igreja à qual a comunidade pertence, seja ela católica ou evangélica.
Uma comunidade não é um gueto no qual os cristãos se reúnem para realizar
atividades tendo unicamente seus critérios. Eles estão inseridos dentro do
cristianismo e, mais especificamente, em suas igrejas.

Neste sentido, o líder comunitário exerce importante papel. Ele é esse


vínculo entre a comunidade local e a instituição (PEREIRA, 2011). Ao coordenar
os trabalhos do conselho, o líder comunitário, seja ele o padre ou o pastor, não
deve ser instância de decisão, mas sim orquestrar os trabalhos do conselho para
que não percam o referencial. Ao descrever a função do coordenador, assinala
Altoé (2008, p. 13):

Quem coordena a comunidade é o conselho e não o


coordenador do mesmo. Isto despersonaliza a figura do
coordenador e evita tantos conflitos como temos visto por esse
Brasil afora, favorecendo a tomada de posição mais profética e
a sustentação das decisões em equipe, em grupo.

Henrique e Paiva (2012, p. 29) também descrevem a função da liderança:

O gestor eclesial é referência de liderança no sistema eclesial,


ou seja, ele é gestor e líder, e isso é muito importante para as
organizações religiosas. A diferenciação entre a qualidade do
gestor e do líder está relacionada à fonte de poder em nível de
aquiescência que ela cria entre os colaboradores.

É importante que o conselho comunitário se reúna periodicamente, sendo as


reuniões mensais uma boa medida de tempo para cada reunião (ALTOÉ, 2008).
Isso porque o conselho pensa a vida da própria comunidade, por isso devem
participar do conselho as lideranças da comunidade. Em muitas comunidades essas
lideranças são entendidas como os coordenadores de pastoral (ALTOÉ, 2008).

O conselho comunitário, ao se constituir como organismo responsável pela


administração pastoral da comunidade, exerce sua responsabilidade em direcionar
os trabalhos pastorais. Segundo Henrique e Paiva (2012, p. 15), tal “responsabilidade
tem seu fundamento na dignidade da pessoa humana caminhando até a
responsabilidade social”. Se a comunidade eclesial é responsável por acompanhar
seus membros, visando ao crescimento pessoal, a mesma comunidade também é
responsável por interagir com a sociedade na qual está inserida.

112
Capítulo 4 GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO

Quando falamos de uma pastoral de participação, assumimos


a gestão coletiva como critério para as decisões pastorais de uma
comunidade eclesial. Por muito tempo as assembleias comunitárias
foram comuns. Elas acompanhavam um ideal de participação social,
presente na sociedade brasileira do período do final da ditadura
militar e início da redemocratização (décadas de 1970 e 1980).
Muitas comunidades ainda realizam assembleias.

Sobre organização de assembleias, ler:


PEREIRA, José Carlos. Assembleia paroquial: roteiro de
preparação e realização. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. (Coleção
gestão paroquial)

O livro traz instruções práticas de como organizar uma


assembleia, desde seus trabalhos prévios, como escolha de temas
e preparo dos membros, até organização do próprio evento e
encaminhamentos posteriores à reunião comunitária.

Recapitulando

Até aqui vimos que a administração pastoral da comunidade eclesial é de


responsabilidade de seus membros. A figura do coordenador ou líder comunitário
serve de referência institucional, o que garante que a comunidade não perca sua
unidade com a instituição religiosa.

Atividade de Estudos:

1) Leia o excerto da obra do filósofo Mário Sérgio Cortella:

Ultimamente tem-se falado em empresa espiritualizada, líder


espiritualizado. A crescente frequência com que esses termos têm
adentrado no universo corporativo pode ser interpretada como um
indício de que uma busca por um novo modo de vida e convivência
está em curso?

113
PRÁTICA PASTORAL

É um sinal, que às vezes é positivo, outras vezes não, porque


se pode cair numa dimensão esotérica, que é perigosa. Mas
a espiritualidade no mundo do trabalho é necessária. O que é
espiritualidade? É a sua capacidade de olhar que as coisas não são
um fim em si mesmas, que existem razões mais importantes do que o
imediato. Que aquilo que você faz, por exemplo, tem um sentido, um
significado. Que a noção de humanidade é uma coisa mais coletiva,
na qual se tem a ideia de pertencimento e que, portanto, o líder
espiritualizado – mais do que aquele que fica fazendo meditações e
orações – é aquele capaz de olhar o outro como o outro, de inspirar,
de elevar a obra, em vez de simplesmente rebaixar as pessoas.
Então, nossa espiritualidade é a capacidade de respeitar o outro
como outro e não como um estranho e edificar, em conjunto, um
sentido (como significado e direção) que honre nossa vida.

O líder espiritualizado, com alguma frequência e especialmente


em alguns livros, aparece como alguém próximo a um místico. Isso é
muito negativo, porque a mística, vez ou outra, deriva para o campo
do fanatismo e deixa de ser radical (isto é, de ir até as raízes, saindo
da superfície), passando a ser sectária, desagregadora, o que é uma
coisa deletéria.

Fonte: Cortella (2015, p. 13-14).

Com base no texto e nos conteúdos estudados até o momento,


escreva o papel do líder religioso na gestão da comunidade eclesial.
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114
Capítulo 4 GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO

Gestão e ParticiPação
Um monge da igreja medieval, chamado São Bento, tinha no slogan Ora et
Labora a representação do carisma de sua Ordem. As palavras Ora et Labora
vêm do latim e significam Ora e trabalha. Bento defendia a ideia de que a oração,
sem o trabalho, era pura teoria, mas também o trabalho, sem a oração, perdia
seus fundamentos (GRÜN; ASSLÄNDER, 2014). Ora et Labora são duas fases de
um trabalho que deve buscar a harmonia.

A fase ora, do rezar ou do deter-se, é um grande desafio


para nossa consciência, um exercício mental. Nas tradições
religiosas tanto do Oriente quanto do Ocidente, ela corresponde
às diversas formas de meditação e de exercícios de oração que,
no fundo, são todos semelhantes. A meditação apoia o “cessar”,
o “auscultar”; ela nos ajuda a desvencilhar-nos do que nos ocupa
na fase do labora (GRÜN; ASSLÄNDER, 2014, p. 131).

Para os autores, a oração nos coloca em contato com Deus, colocando-


nos em sintonia com Ele. Na prática podemos dizer que uma administração sem a
fase Ora é uma administração que, aos poucos, perde o critério divino, passando
a se organizar apenas pelos interesses daquele que está à frente da comunidade.
Podemos dizer que a oração, ou o espírito evangélico, nos oferece os critérios
éticos de uma administração eclesial.

O esquema ora et labora corresponde às polaridades que


vivemos por toda parte, no mundo, e experimentamos também
em nós mesmos: homem–mulher, dia–noite, inspirar–expirar,
quente–frio, grande–pequeno, consciente–inconsciente. Essa
polaridade e dualidade pervagam todos os âmbitos da vida.
Em relação a nossa consciência, experimentamos a polaridade
como rumo de orientação para dentro e para fora: estar consigo
ou ocupar-se com o mundo, servir a Deus e ao mundo (GRÜN;
ASSLÄNDER, 2014, p. 139).

Orar e trabalhar são duas dimensões que aparecem constantemente


na comunidade cristã. Uma comunidade sem administração de seu patrimônio,
ou mesmo que não pensa sua ação pastoral, não consegue se organizar, mas
também uma comunidade que perde sua dimensão evangelizadora vai, aos
poucos, se transformando em um organismo burocrático. Para que estas duas
dimensões dialoguem, é necessário que os membros da comunidade eclesial
participem ativamente das escolhas e planejamentos.

115
PRÁTICA PASTORAL

Técnicas de Planejamento
O planejamento pastoral de uma comunidade é importante para que ela
otimize seu trabalho, no sentido de aproveitar melhor o material humano que tem,
pensando prioridades e estratégias de evangelização. Os autores Henrique e
Paiva definem planejamento como:

[...] o ato de determinar as metas da organização e os


meios para alcançá-las. A meta é um estado futuro desejado
que a organização tenta imaginar, e o plano é um esboço
especificando as alocações de recursos, programações e
outras ações necessárias para alcançar as metas (HENRIQUE;
PAIVA, 2012, p. 17).

A organização pastoral, para ser mais eficiente, deve buscar ser orgânica.
Isso significa que as pastorais, serviços e ministérios presentes em uma
comunidade eclesial devem trabalhar em conjunto e não de maneira como se
fossem departamentos separados (ALTOÉ, 2011). Na prática podemos entender
que, quando uma criança participa, por exemplo, dos processos catequéticos, ela
também pode participar dos trabalhos da Pastoral da Criança, sua família pode ser
atendida pelos vicentinos, e a família, como um todo, participa das celebrações
litúrgicas. Como nos planejar? Henrique e Paiva nos dão o seguinte caminho:

a) analisar oportunidades, ameaças ou limitações que existem


no ambiente externo;
b) analisar pontos fortes e fracos de seu ambiente interno;
c) estabelecer a missão organizacional e os objetivos gerais;
d) formular estratégias que permitam à organização combinar
os pontos fortes e fracos da organização com as oportunidades
e ameaças do ambiente;
e) implementar estratégias;
f) realizar atividades de controle estratégico para assegurar
que os objetivos gerais da organização sejam atingidos
(HENRIQUE; PAIVA, 2012, p. 18).

Aqui não priorizamos técnicas de planejamento pastoral como se fossem


receitas que podem ser implementadas “tal e qual” em qualquer comunidade.
Trouxemos perspectivas que devem dialogar com a comunidade local para
alcançar alguma eficácia (BRIGHENTI, 2000). Algumas questões fazem-se de
fundamental relevância no diálogo com a sociedade atual.

A pastoral, para ser eficaz, “precisa superar o amadorismo” (BRIGHENTI,


2000, p. 103). Para isso, a formação dos leigos é imprescindível. A pastoral não
pode cobrar dos leigos aquilo que não foi ensinado a eles. As lideranças da
comunidade precisam, periodicamente, passar por cursos de formação que visem
qualificar o trabalho que é oferecido na comunidade.

116
Capítulo 4 GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO

Outra característica de uma pastoral que busca ser eficaz é a de “privilegiar


os processos mais que os resultados” (BRIGHENTI, 2000, p. 105-106). Uma
comunidade eclesial se constrói a partir da participação e do envolvimento de
seus membros. As metas são horizontes, mas elas não são mais importantes.

No método participativo, privilegiar o processo, basicamente,


significa privilegiar a participação. Quanto mais participação,
melhor, ainda que seja muito mais difícil trabalhar com muita
gente. [...] Nesse sentido, um processo participativo é altamente
evangelizador, pois leva as pessoas a se confrontarem consigo
mesmas, com os outros, com a realidade e, sobretudo, com Deus
e com a mensagem evangélica (BRIGHENTI, 2000, p. 106).

Por fim, uma pastoral “não deve copiar, mas ser original” (BRIGHENTI, 2000, p.
107). Uma comunidade pode se inspirar em práticas pastorais executadas em outras
comunidades, e não há mal algum nisso. As práticas pastorais devem dialogar com
a realidade de cada comunidade. Uma missa celebrada no horário de almoço em
um centro comercial pode surtir efeito, visto que as pessoas aproveitam o horário
de almoço para participar das celebrações. Ser original está em ter estratégias
pastorais que facilitem o acesso a Jesus e seu Evangelho. Ser original significa
voltar à origem. A origem da prática pastoral deve ser Jesus e seu evangelho.

Atividade de Estudos:

1) Vamos ler outro excerto de obra do autor Mario Sergio Cortella.


Nele o filósofo nos fala de nossa relação com o dinheiro,
elencando o que seria essencial e o que seria fundamental.

“Por que eu preciso morar em grandes cidades, viver desesperado


dentro de um carro para lá e para cá, restringir imensamente meu
tempo de convivência com as pessoas de que eu gosto, reduzir o
meu ócio criativo para ficar num lugar onde vão me oferecer apenas
e tão-somente dinheiro?” Essa é uma dúvida que provavelmente
atravessou muitas pessoas no trajeto de ida ou de volta do trabalho.

Para alguns, a resposta a esse questionamento poderia vir de pronto:


“Porque sem dinheiro não se vive”. Sim, sem dinheiro não se vive, mas
só com dinheiro não se vive. Há uma mudança em curso no mundo do
trabalho. As pessoas estão começando a fazer uma distinção necessária
entre o que é essencial e o que é fundamental.
Essencial é tudo aquilo que você não pode deixar de ter: felicidade,

117
PRÁTICA PASTORAL

amorosidade, lealdade, amizade, sexualidade, religiosidade.


Fundamental é tudo aquilo que o ajuda a chegar ao essencial.
Fundamental é o que lhe permite conquistar algo. Por exemplo,
trabalho não é essencial, é fundamental. Você não trabalha para
trabalhar, você trabalha porque o trabalho lhe permite atingir a
amizade, a felicidade, a solidariedade. Dinheiro não é essencial,
é fundamental. Sem ele, você passa dificuldade, mas ele, em si,
não é essencial. No mundo da empresa, salário não é essencial, é
fundamental. O que eu quero no meu trabalho é ter a minha obra
reconhecida, me sentir importante no conjunto daquela obra.

Fonte: Cortella (2015, p. 63-64).

Neste capítulo vimos que o essencial é Jesus e seu evangelho.


Sem isso a comunidade se descaracteriza. Busque, olhando para a
sua comunidade eclesial, elencar aquilo que é fundamental para que
a pastoral aconteça.
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Algumas ConsideraçÕes
Existe uma cantiga que fala: “Caminheiro, você sabe, não existe caminho.
Passo a passo, pouco a pouco, o caminho se faz”. A cantiga quer dizer que cada
um deve encontrar o caminho, dialogando com a realidade concreta da vida. E
isso é bem verdade.

Na pastoral não podemos prescindir das práticas de planejamento. Se não


organizamos a vida pastoral de nossa comunidade eclesial, perdemos muito
tempo, caímos no tarefismo, ou ainda, criamos uma comunidade em que poucas
pessoas vivem imensamente atarefadas, pois fazem todos os trabalhos pastorais.

Planejar significa trabalhar melhor e ganhar mais tempo e eficiência no


trabalho.

118
Capítulo 4 GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO

ReFerÊncias
ALTOÉ, Adailton. Organização paroquial: conselhos, equipes e serviços pasto-
rais. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. (Coleção gestão paroquial).

_______. Construção da cidadania e gestão eclesial: relato de uma experiên-


cia que deu certo. São Paulo: Paulus, 2011. (Coleção pastoral e comunidade).

BRIGHENTI, Agenor. Reconstruindo a esperança: como planejar a ação da


Igreja em tempos de mudança. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2000.

CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a tua obra: inquietações propositivas sobre


gestão, liderança e ética. 24. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

GRÜN, Anselm; ZEITZ, Jochen. Deus, dinheiro e consciência. Diálogo entre


um monge e um executivo. Tradução de Vilmar Schneider. Petrópolis, RJ: Voz-
es, 2012.

GRÜN, Anselm; ASSLÄNDER, Friedrich. Administração espiritual do tempo.


Tradução de Paulo F. Valério. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

HENRIQUE, Nereudo Freire; PAIVA, Edivaldo Cardoso de. Fundamentos da


gestão eclesial: Manual para a área administrativa das paróquias. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2012. (Coleção gestão paroquial).

MÜLLER, Ivo. Direitos e deveres do Povo de Deus. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
(Coleção introdução à teologia).

PEREIRA, José Carlos. Assembleia paroquial: roteiro de preparação e real-


ização. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. (Coleção gestão paroquial).

_______. Conselhos paroquiais: instrumentos de gestão participativa na vida


da paróquia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. (Coleção gestão paroquial).

119
PRÁTICA PASTORAL

120
C APÍTULO 5
Evangelização e Juventude

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Identificar traços da juventude atual.

 Pensar estratégias para uma pastoral juvenil.


PRÁTICA PASTORAL

122
Capítulo 5 EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE

ConteXtualização
Muitas comunidades eclesiais encontram dificuldade em evangelizar a
juventude. É comum delegarmos a “culpa” desta dificuldade aos jovens, dizendo
que “não querem nada com nada” ou que vivem em crise. Então, o que podemos
fazer para que os jovens tenham contato com Jesus e seu evangelho e para que
encontrem nas comunidades eclesiais um ambiente onde possam se construir
como cristãos? Daremos algumas pistas e ofereceremos reflexões que ajudem a
entender melhor a juventude.

A Sociedade Hodierna
Em nosso primeiro capítulo buscamos trazer elementos que nos ajudaram
a montar o cenário do mundo atual. Este cenário tem como elemento os jovens
e as comunidades eclesiais. A interação com as mídias faz com que os jovens
vivam com maior latência as consequências da globalização. Eles interagem com
modelos globais, tanto no que diz respeito à cultura, como os modelos religiosos.

A globalização faz com que as iniciativas culturais locais de vivência religiosa


ou cultural se enfraqueçam (SANTOS, 2013). Tendências globais, inclusive
na religião, ganham força. A globalização evidencia o enfraquecimento das
instituições que são mais próximas da vida cotidiana do sujeito, criando a – muitas
vezes equivocada – sensação de que somos autônomos (TOURAINE, 2003).
Assim, a família, os organismos estatais como a escola ou a política e até mesmo
a religião parecem exercer menor poder sobre os indivíduos.

O enfraquecimento das instituições locais acontece pelo fato de o cenário


globalizado trazer consigo a cultura do mercado. Este cenário global padroniza
a cultura para que não seja necessária uma gama de produtos que atenda às
necessidades específicas de cada população. O global não dá espaço para a
valorização do que é local ou nacional. Valorizam-se os grandes astros e produtos
do mercado global, em detrimento do idioma, da cultura, da memória e da
educação local.

Milton Santos enfatizará que a relação entre os indivíduos – entendido


como local – e o global é desigual (SANTOS, 2013). O indivíduo não participa da
construção das esferas globais na mesma proporção em que é influenciado por
elas. Numa relação de produção, temos um território – ou local – esquizofrênico,
que deixa de atender as suas próprias necessidades para atender às demandas
produtivas globais (SANTOS, 2013).

123
PRÁTICA PASTORAL

Seja qual for a postura que assume o indivíduo hodierno, ela é motivada
pela busca de bem-estar e pelos critérios aparentemente estabelecidos por este
próprio indivíduo. Não há princípios institucionais que sejam assumidos sem
que antes sejam debatidos, pensados, assimilados, ou simplesmente, sejam do
gosto ou gerem bem-estar para o indivíduo (LIPOVETSKY; CHARLES, 2004). O
indivíduo e sua satisfação passam a ser o critério, em detrimento do interesse das
instituições ou da ideia de social e coletivo. Se o indivíduo apresenta interesses
coletivos, ele geralmente é expressão de seu grupo de convivência e não da
sociedade como um todo.

Sendo a juventude um momento de transição da infância para a vida adulta


e da vivência do lúdico para as responsabilidades com a manutenção da própria
vida e da sociedade, ela sempre se pautou nas instituições estabelecidas pela
sociedade como parâmetro para sua vida. Outra questão enfatizada pela situação
moderna e que traz uma espécie de contraponto é que a juventude se constitui
modelo de vigor e beleza (LEFEBVRE, 2015). Inverte-se o modelo: não são os
jovens que se espelham nos adultos buscando constituir sua vida tendo-os como
modelo. Eles se colocam como modelo de virilidade, vitalidade e beleza. A idade
da juventude busca ser perpetuada. Já não são os adultos que ditam a regra aos
jovens. Inverte-se a lógica.

Considerando o cenário juvenil, nos parece que os jovens que não se


identificam com as instituições – inclusive com as instituições religiosas –
são considerável parcela da sociedade. Outros jovens se identificam com as
instituições e as assumem como parâmetro. Temos também aqueles que se
identificam a ponto de assumirem a postura de apartar-se da sociedade chamada
“profana”, reflexo de uma concepção conservadora (LIBÂNIO, 201).

Mais que as referências religiosas institucionais, a juventude


valoriza a vivência da liberdade diante das instituições, seja a família,
A juventude valoriza
a vivência da a escola ou mesmo a Igreja. Entenda-se liberdade aqui como a
liberdade diante das ausência da intervenção institucional na vida privada. O jovem sente-
instituições, seja a
família, a escola ou se inteiramente responsável por decidir seu próprio destino. Para este
mesmo a Igreja. jovem, nenhuma instituição se apresenta com capacidade para tanto
(LIBÂNIO, 2011). Como explicar o crescimento de tantos movimentos
de cunho fundamentalista, como os Arautos do Evangelho ou as comunidades
de vida consagrada, que conseguem agrupar uma parcela considerável da
juventude? Os jovens procuram essa religiosidade como expressão de seus
anseios e não como concretização de uma adesão institucional. A adesão existe,
o restauracionismo também, mas a motivação não é a instituição e sim o próprio
indivíduo que se satisfaz seguindo as regras colocadas pelo grupo religioso
(LIPOVETSKY, 2007).

124
Capítulo 5 EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE

Para entender melhor a relação dos jovens com as instituições religiosas,


vamos dividi-los em três grupos: aqueles que são totalmente alheios à realidade
institucional religiosa, aqueles que participam de alguns eventos religiosos, mas
não querem a intervenção da Igreja em sua vida privada e, por último, aqueles
que aderem à vivência eclesial. Todos esses três tipos – que poderiam ser
subdivididos em tantos outros mais – trazem os traços elencados anteriormente,
seja em maior ou menor intensidade.

1. A juventude inatingida

Essa é a parcela da juventude – provavelmente a maior parcela dentre os


jovens – que já nasceu e cresceu no processo de desinstitucionalização. Alguns
desses jovens podem até enxergar na Igreja alguns traços de valor cultural,
mas a maioria deles não a considera nem como tradição cultural e muito menos
moral. Para eles, a religião é vista como algo folclórico e seus seguidores tornam-
se sinônimo de pessoa ultrapassada. Eles se apresentam alheios à instituição
religiosa. As diretrizes e ensinamentos da Igreja não são de conhecimento desses
jovens (LIBÂNIO, 2004).

2. A juventude de adesão a eventos

Se por um lado cresce a busca por experiências religiosas, por outro diminui o
sentimento de pertencimento a uma religião em específico. Há envolvimento com a
prática religiosa, mas não com as estruturas de uma igreja. Esses mesmos jovens
não querem envolvimento com suas comunidades eclesiais, esse envolvimento
exigiria um comprometimento maior do que aquele que eles se propõem a
oferecer, seja com as estruturas institucionais ou com o código de conduta moral
apresentado pela religião. O jovem cria uma distinção bem clara entre a vivência
religiosa na esfera pública (aqui quase identificada como a participação em um
evento) e a intervenção dos ensinamentos religiosos na esfera privada do jovem,
principalmente no campo da sexualidade (TOURAINE, 2003).

A religião do evento não é a religião de adesão a uma comunidade de fé. É,


antes, a religião que se identifica como prestadora de serviço. Não há projeto de
vida. Há uma necessidade iminente apresentada pelo jovem fiel que é atendida –
ou comumente não – pela comunidade eclesial. Geralmente estas necessidades
estão relacionadas a afetos ou desafetos, como o fim de um relacionamento, como
uma doença, a morte de um familiar ou até mesmo a necessidade de passar no
vestibular ou ser selecionado numa vaga de emprego.

125
PRÁTICA PASTORAL

3. A juventude religiosa

Essa faixa da juventude se identifica com a instituição eclesiástica.


Provavelmente exista em menor quantidade que as juventudes citadas
anteriormente e poderia ser subdividida em vários grupos. São os jovens que
aderem afetiva e efetivamente às práticas religiosas e ensinamentos morais da Igreja
a que pertencem. Encontramos nesse grupo desde os jovens que participam das
pastorais paroquiais de maneira mais profunda, como também das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) ou dos grupos de orientação carismática. A juventude
religiosa também é identificada com facilidade nas comunidades evangélicas, onde
uma camada de jovens adere às organizações eclesiais. É importante entendermos
que a juventude religiosa católica não adere à Igreja como um todo.

Segundo o teólogo Libânio, essa parcela da juventude facilmente se


apresenta com traços fundamentalistas de comportamento e até mesmo
restauracionistas, como os monfortinos ou os Arautos do Evangelho. O indivíduo
se anula e assume o comportamento e os princípios sugeridos pela instituição e
seu líder (LIBÂNIO, 2004).

4. Individualismo

Em nenhum outro momento histórico se valorizou tanto os desejos do


indivíduo como nos tempos hodiernos, mas essa característica não germina do
acaso, ela é fruto de um processo que começa com a modernidade. Com a filosofia
cartesiana, os contratualistas (Hobbes, Locke e Rousseau) e o Iluminismo, temos
o fim de uma filosofia que se ocupa extensivamente da religião e dos interesses
que a cercam. Nasce uma subjetividade centrada nela mesma e não de um ser
humano voltado para Deus, como acontece com a construção da subjetividade
agostiniana (COSTA, 2015). Valoriza-se a razão como paradigma e horizonte para
entender o ser humano. Cria-se o ideal do sujeito livre, autônomo e racional.

A passagem da modernidade para a pós-modernidade não se dá


necessariamente com grande ruptura. Sua maior característica está nos “freios
institucionais que se opunham à emancipação individual (que) se esboroam
e desaparecem” (LIPOVETSKY; CHARLES, 2004, p. 23). Um dos grandes
responsáveis para que isso aconteça é a instauração do mercado como orientador
das relações sociais, como já dissemos anteriormente. Não há mais controle
algum sobre o sujeito. Sua subjetividade não mais se caracteriza pela liberdade,
autonomia e racionalidade. Na pós-modernidade a liberdade e autonomia se
voltam para o poder de consumo, enquanto que a racionalidade dá lugar ao
desejo. Não temos mais o sujeito, mas o indivíduo. Ele não tem a autonomia que
é própria do sujeito e, consequentemente, não se constitui pela razão, mas pela
capacidade de consumo (LIPOVETSKY, 2007).

126
Capítulo 5 EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE

A hipermodernidade é a modernidade em seu maior superlativo. Os ideais de


autonomia e liberdade ganham muita fluidez, efemeridade e poder de mercado.
As situações não são combatidas, mas integradas. Morrem as utopias e ganha
força a sensação de que toda a eternidade se esgota no tempo presente. O
sujeito, que na pós-modernidade se tornou indivíduo, agora se caracteriza pelo
hiperindividualismo (LIPOVETSKY; CHARLES, 2004). A vida humana passa a se
constituir a partir de seu potencial de consumo e isso chega também à religião.

Uma das grandes mudanças de paradigma da sociedade pós-moderna foi


a do êxodo rural. As famílias e as sociedades eram predominantemente rurais.
Isso constituía um modelo de relacionamentos que se pautava principalmente
na valorização do seio familiar. A afetividade era voltada para a família, onde
aconteciam as refeições, os momentos celebrativos e também as tomadas de
decisões. Ela exercia forte papel agregador de seus membros, muitas vezes,
se sobrepondo a vontades individuais. O modelo urbano de família pauta
sua afetividade na satisfação do indivíduo. Ela não mais exerce forte papel
agregador e seus membros se sobrepõem ao conjunto familiar. As celebrações
são terceirizadas. Os filhos saem para celebrar com os amigos e raramente
este momento acontece no ambiente doméstico. As decisões são do âmbito do
indivíduo. A família se adapta à dinâmica de vida e decisões de seus membros.
Enquanto organismo, ela perdeu sua força. Não há mais membros, mas indivíduos
autônomos que buscam satisfazer-se de maneira individualista e, em certo grau,
narcisista (LIBÂNIO). Quando a família não está de acordo com a decisão de um
de seus membros, a dissidência do seio familiar acontece com mais facilidade
que no ambiente rural.

No campo da afetividade e sexualidade não cabem as tradições. Superou-


se o modelo rural da tradição familiar, sobrepondo-se o modelo do carpe diem. A
referência moral é a satisfação imediata. Na pós-modernidade os critérios éticos
dão lugar a critérios estéticos (LIBÂNIO, 2004). Na hipermodernidade o critério
estético dá lugar a critérios esteticistas. Mais importante do que o indivíduo
é o modo como ele se apresenta à sociedade. Assume-se a máxima: “parecer
é mais importante que ser”. As redes sociais passam a ser o grande meio de
relacionamento, e quando a imagem de alguém é transgredida, esse indivíduo
passa a viver as consequências desta transgressão em sua vida cotidiana.

O sujeito moderno, que assumia como parâmetro moral o dever e a


racionalidade, deu lugar ao indivíduo guiado pelo desejo. Por um lado, superou-
se a vivência moral do puro dever, muitas vezes desprovida de sentido, embora
a concepção e o ideal moral ainda estejam aquém dessa realidade. Por outro, o
jovem se tornou refém do consumo. Na sociedade do desejo, tudo vira mercadoria.
Roupas, alimentação, diversão, sexo e amizades, tudo pode ser consumido em
vista de um prazer imediato. Haja vista a grande quantidade de raves e baladas

127
PRÁTICA PASTORAL

frequentadas pelos jovens e da quantidade de drogas e a facilidade de sexo


casual consequentes desses eventos. O paradoxo está nos indivíduos viverem a
liberdade sexual, mas a limitarem ao espaço privado. Tudo é permitido, desde que
não transpareça publicamente. Na realidade metropolitana essa característica
ganha maior expressão. As pessoas têm certo anonimato. Desvincula-se a vida
no trabalho da vida privada. Isso pode levar, por exemplo, um homossexual a
frequentar as festas de seu meio, mas esconder sua orientação sexual no
ambiente de trabalho.

Outra característica da hipermodernidade é que ela agrupa os indivíduos, em


massa, transformando-os. Diferente de uma sociedade que é formada por sujeitos
que carregam junto de si autonomia e corresponsabilidade, a massa é agregação
de indivíduos. O indivíduo é passivo. Fazendo parte da massa, ele unicamente
segue a tendência. Um grupo étnico ou uma tribo urbana pode ser o exemplo de
um agrupamento de indivíduos. Na juventude os indivíduos são mais suscetíveis às
determinações de seu grupo de convívio. Assim, um jovem que se caracteriza por
pertencer a determinado grupo ou tribo, facilmente segue as orientações estabelecidas.

A supervalorização A supervalorização do individualismo acarreta grandes mudanças no


do individualismo envolvimento do jovem com as realidades sociais. Não há envolvimento
acarreta grandes
mudanças no com causas de transformações sociopolíticas. Isso porque os processos
envolvimento do de transformações sociais são longos e seus frutos não podem ser
jovem com as colhidos em curto prazo. Ganham força os grandes eventos lúdicos.
realidades sociais.
Quem os procura não tem consciência sociopolítica. Seus adeptos
procuram diversão. Os eventos virtuais se intensificam e as redes sociais passam a
fazer parte da vida humana com mais intensidade.

Juventude e a Igreja
Falar de Igreja e juventude se torna um grande desafio se
Estamos falando do
jovem que participa antes não identificarmos de que aspecto eclesial e de que juventude
esporadicamente e estamos falando. Não ignoramos que as várias igrejas buscam abarcar
não sistemática e a juventude em seus trabalhos, mas nesta seção nos ocuparemos
estruturalmente de
atividades. sobretudo dos jovens que buscam uma participação religiosa eventual.
Aqui não estamos falando unicamente de eventos grandiosos, como a
Jornada Mundial da Juventude (JMJ) ou Marcha para Jesus. Estamos falando
do jovem que participa esporadicamente e não sistemática e estruturalmente de
atividades, sejam elas em uma comunidade paroquial, um culto evangélico ou em
um evento organizado por um movimento cristão.

128
Capítulo 5 EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE

1. Alguns fundamentos bíblicos

O cristianismo se caracteriza pela organização eclesial. A vivência da


fé é sempre um ato pessoal, mas que desemboca numa adesão comunitária
(LIBÂNIO, 2000). A comunidade é importante para o cristianismo, pois a própria
ação de Jesus nasceu comunitária. No Evangelho de Marcos, o início da vida
pública de Jesus é marcado pelo chamado dos primeiros discípulos (Mc 1,16-
18). Simão e André, que eram pescadores, largam as redes e seguem a Jesus.
Dentro da cultura judaica, Jesus forma uma pequena comunidade de seguidores,
que já nos versículos seguintes da mesma perícope irá contar com a presença
de Tiago e João (Mc 1,19-20). Durante todo o Evangelho de Marcos a presença
dos discípulos de Jesus será significativa. Numa leitura catequética do evangelho,
eles serão os discípulos que descobrirão quem é Jesus no decorrer do caminho
percorrido com ele.

No diálogo em ambiente pastoral com a realidade juvenil não cabe uma


teologia dedutiva, de normas e regras. É preciso uma teologia dialógica, que não se
construa no embate com os jovens, mas com um diálogo franco. Jesus de Nazaré é
o nosso exemplo para construirmos essa reflexão acerca da vivência da juventude.

Contudo é preciso, ao ler as atitudes de Jesus de Nazaré, superar uma visão


literal dos textos bíblicos. Eles pouco falam da sexualidade humana e, por isso
mesmo, a leitura hermenêutica – visto que aqui não faremos propriamente uma
exegese – se faz importante instrumento que nos possibilita um diálogo com o
autor bíblico e suas intenções. Mais que entender a literalidade do texto, queremos
contextualizar alguns personagens de perícopes em suas circunstâncias históricas
(SALZMAN; LAWLER, 2012).

Mais que criar regras sobre o que devemos ou não fazer, Jesus nos chama
a acolhermos as realidades que nos assolam. Exemplo disso é a perícope que
retrata o encontro de Jesus com Jairo e com a mulher que sofria de hemorragia
(Mc 5,21-43). Jairo pede que Jesus cure sua filha, uma menina de 12 anos (Mc
5,42). Essa é a fase do início da menstruação. A partir desse momento a menina
entrava no grupo daqueles que eram vítimas da lógica do puro-impuro. A mulher
com hemorragias já era vítima dessa lógica há longos 12 anos (Mc 5,25), a mesma
idade da menina. Ao tocar em Jesus, a mulher faz com que ele participe dessa
cruel lógica: estaria Jesus impuro? Jesus se volta à multidão (Mc 5,30) e, não por
acaso, Ele quer que todos percebam que foi tocado. A comunidade é chamada a
participar dessa cura. Também nós somos chamados a participar deste assunto,
discuti-lo, acolhê-lo.

129
PRÁTICA PASTORAL

A evangelização e a pastoral devem se inclinar à juventude com o sentimento


de compaixão próprio de Jesus. Por fim, ao curar a filha de Jairo, Jesus pede que
deem de comer à menina (Mc 5,43). Jesus cura, mas é a comunidade que deve
acolher e cuidar de seus jovens.

A parábola do samaritano (Lc 10,29-37) nos traz o critério da misericórdia. O


centro da perícope é o versículo 36, em que Jesus diz quem é o próximo, dizendo
que é “aquele que usou de misericórdia para com Ele”. Depois diz “vai, e também
tu, faze o mesmo” (Lc 10,37). Misericórdia é aqui entendida pelo evangelista como
acolhida e envolvimento.

Atividade de Estudos:

1) Leia o texto de Mc 5,21-43. Escreva numa folha à parte os verbos


utilizados, principalmente quando Jesus está se relacionando
com a menina. Veja que os verbos nos remetem às atitudes dos
personagens bíblicos. Quais são as atitudes de Jesus? Como
elas apontam para uma concepção de pastoral juvenil?
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2. A fé que passa pelo indivíduo

A fé é uma adesão do indivíduo a um projeto de vida. O indivíduo escolhe seguir


a pessoa de Jesus por ver sentido em seu projeto. O Catecismo da Igreja Católica
(CIC) define a fé como “primeiramente uma adesão pessoal do homem
a Deus [...]” (CIC 150). Assim entendemos a fé como adesão humana ao
Com a modernidade
e a emergência da projeto de Deus.
subjetividade, a fé
passa a ser vista Até a modernidade, a vivência da fé estava vinculada à adesão e à
em sua relação com
as experiências tradição (LIBÂNIO, 2000). As questões relacionadas à fé estão vinculadas
humanas e com as às questões doutrinárias. Com a modernidade e a emergência da
questões do próprio
indivíduo. subjetividade, a fé passa a ser vista em sua relação com as experiências
humanas e com as questões do próprio indivíduo. O sujeito moderno

130
Capítulo 5 EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE

se coloca como o centro da questão da fé. Não mais se assume uma doutrina
como o parâmetro. A fé é assumida como meio de satisfação do indivíduo, mas a
modernidade, principalmente a brasileira, da qual estamos falando, não deixou de
ser religiosa. Ela vive essa religiosidade tendo o próprio indivíduo e a satisfação de
suas necessidades como parâmetro (MARCHINI, 2015).

3. Uma nova eclesialidade juvenil

Ocupando-nos da juventude que vive uma religiosidade eventual,


percebemos que sua participação deixa de ser sacramental. Esse jovem não está
preocupado em participar de catequeses e processos de preparação para receber
os sacramentos. Sua preocupação está em participar de momentos (eventos)
que satisfaçam suas necessidades mais iminentes, geralmente relacionadas a
questões práticas do cotidiano ou às questões afetivas.

Mas se a pertença eclesial e a fé são transmitidas pelo sacramento do


batismo (LIBÂNIO, 2000), teríamos na participação eventual da juventude uma
nova concepção eclesial? A fé, adesão a um projeto eclesial, se subjetivou
transformando-se em adesão pessoal a Deus (LIBÂNIO, 2000). Não há uma
mudança substancial, visto que a fé sempre foi consequência da relação entre
o indivíduo e Deus. A mudança está na perspectiva de que a comunidade deixou
de ser o local da concretização desta adesão, passando a ser apenas o locus do
encontro entre o indivíduo e Deus.

Nesta perspectiva, temos jovens que tendem mais para uma vivência
da religiosidade que da religião propriamente dita. A vivência da religiosidade
acontece à medida que se valoriza a ideia de “experiência religiosa” e não adesão
institucional (RIBEIRO, 2009). Se alguém diz que estes jovens deixaram de ser
religiosos se engana, eles mudam o modo como vivem sua fé ou sua religiosidade,
mas continuam buscando uma vivência religiosa.

Uma mudança é a da bricolagem (HERVIEU-LÉGER, 2008) ou customização


das vivências religiosas (RIBEIRO, 2009). O jovem de participação eventual passa
a viver sua religiosidade, dando significado a ela a partir de suas necessidades. O
significado das experiências religiosas não é dado nem pela instituição, nem por
herança familiar (HERVIEU-LÉGER, 2008). Para este jovem, o peso da tradição é
diminuído e passam a valer suas próprias interpretações.

Ao relatar esta transição do jovem, da participação institucional para a


participação eventual, Libânio usa a terminologia de jovem tradicional e jovem
secularizado. Entendemos que secularizado talvez não seja o melhor termo para
descrever a participação religiosa destes jovens, visto que se constitui como um

131
PRÁTICA PASTORAL

termo fortemente marcado pela relação da sociedade europeia com a religião e


de uma tentativa de separação total entre religião e Estado, o que, em nosso
entendimento, não acontece nos mesmos moldes em situação latino-americana.
Os jovens são religiosos, mas sua participação é eventual ou até mesmo
desinstitucionalizada. Libânio (2011, p. 183) descreve a participação do jovem
tradicional como aquela que

[...] vinha de família e cultura religiosa, mantinha facilmente


práticas piedosas. A religião se constituía horizonte e segurança
e dava-lhe paz interior. Motivava-lhe a viver de acordo com a
fé que trazia de casa. Ela servia-lhe de referência principal de
valores, de ação, de comportamentos.

O contraponto desta herança familiar não pode ser entendido como


secularização. O mesmo, poucos parágrafos depois, Libânio diz que “pesquisas
a respeito da espiritualidade dos jovens brasileiros constatam que 65% deles
continuam profundamente religiosos, 30% religiosos e somente 4% se dizem sem
religião” (LIBÂNIO, 2011, p. 185).

Libânio não cita o 1% da pesquisa, mas isso não tira o mérito de sua
análise.

Se 95% desta juventude se diz religiosa, seja essa religiosidade em maior


ou menor grau, não podemos entender que ela se secularizou. A religião desta
juventude apenas não é mais vista como uma tradição a ser assumida, mas como
uma experiência que deve ser sempre agradável e pode dar sentido à vida.

Enquanto mapeamento desta nova religiosidade juvenil, podemos dizer que


ela se caracteriza como um novo modo de experiência religiosa. Ela não é menos
válida que a anterior, que chamamos de institucional e que Libânio chamou de
tradicional (LIBÂNIO, 2011). Ela é reflexo de um indivíduo que busca satisfazer
suas necessidades mais iminentes. Se olharmos pela ótica deste indivíduo, suas
necessidades são legítimas, mas como essas necessidades são dinâmicas, também
sua participação será dinâmica, esporádica e, como denominamos, eventual.

Se olharmos para esta participação com os olhos de uma eclesiologia


institucionalizada, a enxergaremos como uma participação efêmera e incompleta.
A instituição religiosa tem como um de seus objetivos a sua própria manutenção e
ela só será possível com a captação constante de novos adeptos. Numa religião

132
Capítulo 5 EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE

marcada pela participação eventual, a instituição se enfraquece. A participação


religiosa ganha traços de prestação de serviço (ABUMANSSUR, 2012). Por
consequência, o poder que a instituição religiosa exerce sobre o indivíduo é menor,
o que leva o jovem a viver uma moral também relativizada ou personalizada, o
que trataremos no próximo item.

InQuietaçÕes Pastorais
Na Encíclica Evangelii Gaudium, o Papa Francisco identifica a evangelização
com a atitude de alegria (EG 1). Uma evangelização da juventude – ou melhor
ainda, com a juventude – não deve prescindir da intenção de construir uma atitude
de alegria. O jovem é costumeiramente identificado como aquele que traz consigo
a capacidade de viver e irradiar a alegria do Evangelho. Uma pastoral que tenha
esta perspectiva é chamada a assumir novos métodos e perspectivas pastorais.

A pastoral enquanto prática da Igreja é inerente ao seu surgimento. A ação


eclesial, por concepção, visa ao serviço prestado aos seus fiéis e à sociedade.
Essa ação pastoral pode ser iluminada por uma teologia pastoral ou mesmo
pelos organismos pastorais, se transformando em uma práxis cristã (BRIGHENTI,
2006). Há organismos – sejam eles paroquiais, diocesanos ou nacionais – que
pensam o trabalho com a juventude. Teoricamente eles são impulsionados por
trabalhos já existentes e querem oferecer diretrizes para que os trabalhos com a
juventude tenham eficácia.

A ação pastoral está relacionada à tentativa constante da Igreja de assumir


sua missão que implica numa atitude de saída de si mesma, que a leva em direção
ao outro. Retomando a história da salvação, que é repleta de personagens que se
colocam “em saída”, o Papa Francisco diz que esta postura se identifica com a
missão da Igreja (EG 20). O encontro com Jesus faz do cristão alguém repleto de
alegria. Levar essa alegria aos outros ou construir relações de alegria é missão do
discípulo que é impulsionado a ser missionário (EG 21).

A juventude que participa dos movimentos e pastorais juvenis se sente


contemplada – mesmo que insuficientemente – pelos organismos e ação da Igreja.
A juventude inatingida não se preocupa com aquilo que a Igreja tem a oferecer
e a própria Igreja não apresenta ter condições de pensar, de maneira eficaz,
um trabalho que a atinja. Temos a juventude de participação eventual. Como a
prática pastoral da Igreja consegue atingir a esses jovens? Essa participação
se caracterizaria como uma prestação de serviço que acontece sobretudo pelas
celebrações litúrgicas? Querer que esses jovens convertam sua participação
em adesão institucional pode ser um método de pouca eficácia ou durabilidade.
Insistir na participação eventual como parâmetro de eclesialidade pode parecer,

133
PRÁTICA PASTORAL

aos olhos dos teólogos tradicionais, fruto de um laxismo eclesiológico e pastoral.


Pensar nestes desafios com realismo é necessário para uma pastoral que queira
estabelecer um diálogo com esta parcela da juventude moderna.

A Conferência do CELAM em Puebla (1979) traz grandes contribuições


referentes ao trabalho com a juventude. Dentro de uma discussão sobre a opção
preferencial pelos pobres, o episcopado latino-americano afirma que a Igreja faz
também opção pelos jovens. Ao apontar as opções pastorais em contexto latino-
americano, o texto das conclusões diz:

[...] queremos oferecer uma linha pastoral global: desenvolver,


de acordo com a pastoral diferencial e orgânica, uma pastoral
da juventude que leve em conta a realidade social dos jovens
de nosso continente; atenda ao aprofundamento e crescimento
da fé para a comunhão com Deus e os homens; oriente a
opção vocacional dos jovens; lhes ofereça elementos para se
converterem em fatores de transformação e lhes proporcione
canais eficazes para a participação ativa na Igreja e na
transformação da sociedade (CELAM, 1979, p. 354).

A vivência religiosa na atualidade e, sobretudo, na vida da


O jovem quer ter sua
vida transformada juventude ganha contornos de uma praticidade e de uma vivência
ou no mínimo cada vez mais espelhada no cotidiano. Assim, a ação pastoral juvenil
contemplada. deve, ao mesmo tempo em que busca superar a superficialidade das
emergências da vida cotidiana, traçar junto do jovem um projeto que
contemple sua vida concreta. O jovem quer ter sua vida transformada ou no
mínimo contemplada. Os movimentos juvenis e os grupos de jovens são espaços
privilegiados para que este processo de identificação entre a proposta de Jesus
e a vida destes jovens aconteça. No anonimato dos eventos religiosos de massa
essa identificação é dificultada, mas ao mesmo tempo, tais grupos trazem consigo
a dificuldade de uma exigência de participação minimamente regular.

Assim, a evangelização dos jovens deve ter o objetivo de criar uma identidade
juvenil que seja espelho da identidade cristã. Entendemos como identidade, numa
concepção sociológica, aquilo que

[...] preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre o


mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a
“nós mesmos” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo
que internalizamos seus significados e valores, tornando-
os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos
subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo
social e cultural. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos
culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente
mais unificados e predizíveis (HALL, 2014, p. 11).

134
Capítulo 5 EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE

Sendo a identidade construída a partir das relações do sujeito com suas


circunstâncias e influenciando-as, não podemos concebê-la como algo estanque
ou mesmo predeterminado. Assim, ela “nunca é uma afirmação de uma identidade
pré-dada, nunca uma profecia autocumpridora – é sempre a produção de uma
imagem de identidade e a transformação do sujeito ao assumir aquela identidade”
(BHABHA, 2013, p. 84).

Uma pastoral juvenil que busca eficácia diante de um contexto de


modernidade deve se ocupar da construção identitária dos jovens. Uma pastoral
juvenil é chamada a construir, junto com os jovens e seus contextos, sejam
psíquicos, sociais ou mesmo existenciais, um jovem cristão, ao mesmo tempo que
constrói um ser social e humano.

Nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora (DGAE) para os anos 2015-


2019, a CNBB coloca como perspectiva para a ação evangelizadora uma Igreja
a serviço da vida plena para todos. A juventude é contemplada nas perspectivas
eclesiais destes anos (DGAE 113). Primeiramente as diretrizes apontam para a
necessidade de uma maior atenção da comunidade eclesial, principalmente aos
jovens que correm situação de risco sendo vítimas das drogas, abuso sexual ou
mesmo da exploração do mundo do trabalho, mas também fala que é preciso uma
atenção aos trabalhos de pastoral juvenil. Não há maiores instruções, cabendo
estas às instâncias eclesiais que abordam o trabalho com a juventude, a saber:
o Setor Juventude da CNBB, dos Regionais e Sub-regiões da CNBB e das
organizações diocesanas e paroquiais.

Não podemos pensar o indivíduo isoladamente. A organização básica do


cristianismo é comunitária e, ao nos depararmos com a relação do indivíduo com
o ambiente eclesial, nos deparamos com um comportamento que é sintomático.
Há muito não se fala, se canta ou se prega à comunidade. O centro de grande
parcela da religiosidade está no eu. Basta ver a quantidade de canções com
mensagens intimistas que buscam falar da ação de Deus que transforma a
vida da pessoa. Bíblica e teologicamente, toda a prática evangelizadora está
centrada na pessoa humana e assim deve ser; ou o Evangelho transforma a
vida da pessoa ou não houve experiência evangélica, mas ter a pessoa como
centro não deve ser confundido com o egocentrismo de uma ação evangelizadora
que nada mais faz que satisfazer os desejos imaturos daqueles que querem que
Deus faça – continuamente – suas vontades. Essas pessoas não conseguem, em
nenhum momento, se voltar ao outro. Não conseguem perceber que a experiência
evangelizadora acontece no encontro entre os irmãos.

Essa realidade eclesiológica é fruto do momento histórico em que vivemos


e de suas necessidades. Desde sempre foi assim: as pessoas apresentam suas

135
PRÁTICA PASTORAL

necessidades. Jesus só curou os doentes e acolheu os excluídos porque vivia


numa sociedade que não cuidava de seus cegos e excluía pessoas que viviam em
determinadas situações. Como vimos nos capítulos anteriores, a realidade que se
apresenta à Igreja hodierna é a da desinstitucionalização, do hiperindividualismo
e a vivência da sexualidade de maneira personalizada. O jovem é sua própria
instância de decisão no que diz respeito ao modo de vida. Seria a Igreja, enquanto
instituição, capaz de mediar a relação entre o jovem e o mundo que o cerca?
Como resgatar essa credibilidade perdida?

1. Postura de acolhida

Muito se fala de acolhida, mas poucas são as iniciativas de instrumentalização


eficaz das ideias produzidas. A acolhida deve ser entendida como uma postura de
integração do jovem à comunidade. Ninguém se sente acolhido se não for levado
em conta. Também podemos entender a acolhida como uma consequência da
empatia para com os jovens. É essa empatia que cria na juventude uma disposição
à vida eclesial.

A maior dificuldade para que aconteça a acolhida dos jovens


Mas o jovem quer ser é a falta de espaços de integração. O jovem não quer apenas ser
parte de um processo
de evangelização. doutrinado. Ele não é contra a doutrina. Pode ser cativado por ela e
acolhê-la. Critérios doutrinais são importantes, mas o jovem quer ser
parte de um processo de evangelização. Sua realidade não pode simplesmente
ser julgada, ela deve ser compartilhada.

A ação evangelizadora que busca acolher o jovem deve ter em vista sua
construção como sujeito. Nesta concepção pastoral encontramos certa mudança
paradigmática. Mais que constituir uma Igreja com seus organismos e estruturas,
a pastoral voltada à juventude quer se tornar espaço propício para que o jovem
se constitua como sujeito. Superando a postura de indivíduo, caracterizado por
Blank pela figura da ovelha, passiva diante das instruções do pastor, o jovem será
atendido pelos planejamentos e atividades pastorais da Igreja quando assumir-se
como sujeito ativo do processo de evangelização (BLANK, 2006).

A evangelização juvenil, para atingir eficácia, pode lançar mão de um trabalho


que busque constituir o jovem em sua autonomia. Isso requer um trabalho quase
que personalizado, que busque acompanhar cada indivíduo entendendo suas
aspirações e necessidades, buscando orientá-lo e constituí-lo enquanto sujeito.
Contrapondo à analogia da ovelha, Blank compara a constituição do sujeito à do
protagonista (BLANK, 2006). Isso só é possível se a pastoral for capaz de criar
espaços onde o jovem possa se construir enquanto sujeito, se identificando assim
com o ambiente eclesial.

136
Capítulo 5 EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE

Se pensarmos tendo como referência as estruturas eclesiais, ou a reflexão


teológico-pastoral, a ação evangelizadora da juventude deve estar voltada para
a construção do Reino. Resgatando a Lumen Gentium, Brighenti denomina essa
orientação pastoral como reinocentrismo (BRIGHENTI, 2006), iniciativa que busca
a salvação do sujeito e não a manutenção institucional e eclesial.

A juventude se caracteriza como momento em que o sujeito busca constituir-


se como pessoa. A salvação e a ação reinocêntrica se concretizarão como auxílio
para que o jovem descubra o sentido para sua existência (GS 41). Os trabalhos
de grupo de jovens se tornam espaço privilegiado para que essa ação aconteça.
Espaços de acolhida e orientação, que têm como método uma construção
dialógica onde os jovens podem partilhar suas angústias, anseios e realizações
(GS 1), são de grande valia para a construção de cristãos autônomos e sujeitos
de sua própria história (PASSOS, 2014, p. 119-120).

2. Frente à pastoral da massificação

A massificação é característica predominante quando falamos do trabalho


evangelizador com a juventude. Isso é facilmente percebido quando nos
deparamos com atividades como a Jornada Mundial da Juventude ou mesmo
com os trabalhos religiosos midiáticos que acabam servindo de parâmetro para
o trabalho juvenil das comunidades paroquiais. A prática religiosa tem, no evento,
sua base de ação. No evento o envolvimento dá lugar à diversão.

O evento, como proposta única de evangelização, cria cristãos consumidores


de religião e não sujeitos religiosos. O consumidor não quer um compromisso
com os trabalhos religiosos ou os organismos comunitários. Seu compromisso
está com a sua satisfação. Sua relação com a religião se estabelece nas mesmas
bases do consumo. A comunidade passa a ser uma prestadora de serviços
(BLANK, 2006).

Como prestadora de serviços, a comunidade eclesial assume a característica


institucional que possibilita ao consumidor o contato com o produto oferecido, no
caso da religião, rezar. Além de ser a religião direcionada à esfera do privado,
percebemos uma sociedade fragmentada onde cada instituição se torna
responsável por uma dimensão do ser humano. O indivíduo, agora fragmentado,
vai à escola para estudar, ao emprego para trabalhar e à igreja para rezar
(BENEDETTI, 1994).

Se pensarmos numa Igreja que assuma a postura de abolir os eventos,


criaremos trabalhos estressantes que lutam contra a maré de maneira pouco
inteligente. Isso porque, independentemente do tamanho do evento (seja ele de

137
PRÁTICA PASTORAL

nível mundial ou nacional, como a JMJ, seja ele iniciativa de um pequeno grupo
de jovens, como a reza de um terço), se tornou o modus operandi do trabalho
juvenil católico, talvez influenciado pelos modelos evangélicos que não obedecem
à lógica sacramental.

É preciso encontrar nessas estruturas as brechas necessárias para trabalhar


a identidade do jovem como sujeito. Para isso não há uma fórmula, o caminho
se faz caminhando. Cada comunidade deve encontrar seu modo de agir e deve
ter consciência de que qualquer projeto de ação pastoral juvenil é transitório e
vulnerável. Os jovens se transformam rapidamente e qualquer prática que se
cristalize se torna rapidamente ultrapassada.

Em contraponto à pastoral da massificação temos a pastoral comunitária. A


juventude gosta de se reunir em grupos. A busca na constituição de sua identidade
faz com que ela forme pequenas comunidades ou tribos (LEFEBVRE, 2015).
Muitas vezes esta comunidade pode acontecer ou se estender ao ambiente
cibernético. É muito comum os jovens se relacionarem por redes sociais. Uma
pastoral juvenil pode fazer uso das redes de contato ou dos grupos sociais como
espaço privilegiado para a evangelização. Neles os jovens podem se expressar e
ouvir experiências que auxiliam na constituição da identidade juvenil.

Os pequenos grupos de redes de contato e relações se constituem como


mediadores entre uma juventude que se tornou extremamente politizada, e uma
juventude que busca anular qualquer forma de participação social e política,
culminando numa juventude seduzida pelos eventos e pelo anonimato. Diz Lefebvre:

Somos talvez, na Igreja, dependentes demais da reflexão


moderna sobre a juventude que fez dela um personagem
político. Um dos grandes mitos da juventude foi o de opor, já nos
inícios da modernidade, as figuras do jovem rebelde e do jovem
conformista, fazendo da juventude um personagem político
e coletivo. De modo que hoje os queremos ou politizados ou
conformistas (LEFEBVRE, 2015, p. 18).

Ao elucidar a função do leigo na Igreja e no mundo, o Concílio Vaticano II


diz que cada leigo deve ser, individualmente, uma testemunha perante o mundo
(LG 38). O jovem – como leigo – é também chamado a ser essa testemunha
(ALMEIDA, 2006). Ora, se essa é uma ação individual, os mecanismos de
evangelização da juventude devem se ocupar de tirar este jovem do lugar comum,
da pastoral da massificação e torná-lo sujeito social e eclesial. Uma pastoral de
massificação não consegue senão indivíduos que sigam normas. Como é inviável
a instrução individual, a construção de um sujeito religioso, autônomo e capaz de
enxergar sua vida à luz dos ensinamentos cristãos é caminho imprescindível.

138
Capítulo 5 EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE

A autonomia é própria do discípulo, mas não há autonomia


na pastoral de massificação. Busque participar de um culto ou
celebração religiosa que atenda a um número grande de pessoas.
Busque o maior de sua cidade. Veja se os discursos religiosos
constroem sujeitos capazes de agir ou se constituem seguidores
heterônomos. Lembramos que estudamos esta temática no Capítulo
3, em que tratamos da iniciação de novos sujeitos cristãos.

3. Por uma evangelização com a juventude

A juventude talvez seja o grupo social que mais vivencia as mudanças e o


choque entre as gerações. Diferentes dos adultos, eles não têm como base as
experiências passadas e por isso precisam dos adultos como referência e amparo
para a transição da infância à vida adulta. Contudo, de forma alguma devem ser
infantilizados. Segundo o documento do Vaticano II, Apostolicam Actuositatem,
devem ser respeitados em suas faculdades e competências e instruídos, mas não
coagidos às escolhas e condutas (AA 12).

O Documento de Aparecida (DAp 30-32) traz a definição da evangelização


como a ação da Igreja que leva à presença do próprio Jesus, que por sua vez não
pode ser entendido senão no contexto de seu Reino. A Igreja e suas estruturas
têm características que se adaptam mais ao mundo pré-moderno e rural. Diante
da desinstitucionalização da religião, da valorização do indivíduo e da mudança
do dever para o bem-estar como critério de escolha, mudanças estas trazidas
pela modernidade e que elencamos no primeiro capítulo, a Igreja se vê sem saber
como estabelecer novos métodos eficazes de trabalho pastoral, principalmente no
que diz respeito à evangelização da juventude de participação eventual.

Os tempos hodiernos trazem, na concepção do teólogo Antoniazzi, a


necessidade de uma personalização dos trabalhos pastorais, que levem
em consideração o momento histórico e a dinâmica vivida por cada cidade
(ANTONIAZZI, 1997). Uma característica que se torna cada vez mais constante
é da presença da Igreja que se estabelece de maneira difusa (CALIMAN, 1994) e
não mais central. A antiga praça da matriz dá lugar a templos que são construídos
cada vez com menor visibilidade.

139
PRÁTICA PASTORAL

Como capacitar os grupos juvenis para que se constituam espaços coerentes


com as práticas e ensinamentos cristãos? As lideranças devem ser formadas. O
protagonismo juvenil não acontece sem uma sólida e sistemática formação, seja
ela humana, social ou teológica. As iniciativas de capacitação da juventude católica
devem deixar de se limitar a iniciativas locais para ganhar estruturas pastorais, e
muitas vezes esta formação vem também de movimentos sociais extraeclesiais.
Movimentos ecumênicos como a comunidade de Taizé e sociais como ONGs de
cunho ecológico ou sociopolítico se mostram cada vez mais propícios para a criação
da identidade juvenil, inclusive do jovem católico (AHERN, 2015, p. 24-25).

Se o jovem se sentir obrigado a optar entre a comunidade cristã e outro


grupo social, provavelmente a comunidade cristã sairá em desvantagem, por
ter métodos pouco atrativos aos olhos dos jovens. Além disso, uma pastoral que
assuma a postura de fechamento diante da sociedade se mostra pouco eficaz. A
comunidade cristã é chamada a responder aos anseios e questões relativas ao
ser humano atual e não a incentivá-lo a se fechar como se a Igreja fosse um oásis
ou um gueto. A vida plena – horizonte do trabalho pastoral – está na realização do
ser humano que vive no mundo concreto. Assim, o ser cristão se caracteriza muito
mais como uma dimensão antropológica que como uma adesão institucional
(BRITO, 1980).

Diante da sociedade que se organiza em grupos comunitários e de jovens


que se reúnem em esquemas tribais, um trabalho pastoral eficiente e eficaz deve
ter clareza acerca do perfil do jovem a quem está falando. Esse caminho se dá
pela prática pastoral. É preciso perceber quais são os anseios e as questões
colocadas pelo jovem concreto e buscar dialogar com ele. A doutrinação deve
dar lugar ao trabalho dialógico com o jovem. A doutrinação é unilateral e assume
características de colonização. A Igreja ensina para o jovem. Acolher os anseios
e questões juvenis só é possível com uma postura de diálogo, de trabalhar com
e não para os jovens. Não há como estabelecer esse diálogo com os jovens sem
considerar as questões de cunho emocional. Os movimentos de cunho carismático
e eventos promovidos pela Igreja levam em conta o forte apelo emotivo para atrair
os jovens (LIBÂNIO, 2011). Como percepção de uma realidade pastoral, vemos
um forte apelo às necessidades subjetivas. Desconsiderá-las seria não dialogar
com o sujeito moderno.

140
Capítulo 5 EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE

Uma pastoral que queira atingir os jovens e dialogar com eles deve levar
em conta a emergência da subjetividade e o anseio de participação da pessoa
(LIBÂNIO, 2011). O jovem quer, antes de tudo, fazer parte. Antes de ser parte
da instituição e participar de suas estruturas, ele anseia fazer parte para que
possa ser contemplado. Alguém que não se sente parte não se enxergará nos
processos pastorais e estará sempre na zona da prestação de serviço. Além
disso, é imprescindível estabelecer um diálogo entre a fé professada e a vida
cotidiana (LIBÂNIO, 2011). Os conteúdos doutrinários são por demais teóricos e
sem sentido para o jovem do mundo moderno. Se esses conteúdos não inferem
em sua vida prática, ele os descarta.

Faz-se necessário assumir novos métodos e novas linguagens na evangelização


da juventude. No contato com os jovens, a pastoral é chamada a adentrar na
perspectiva de uma evangelização que consiga dialogar com as diferentes
circunstâncias culturais que se fazem presentes na vida dos jovens (DAp 100, d).

Em nível comunitário, é necessário que as organizações saibam estabelecer


um diálogo entre as estruturas eclesiais e os indivíduos que delas participam. A
instituição deve buscar se sustentar, mas seus membros não podem ser anulados
em função disso. Uma instituição voltada para seus membros só é possível
quando seu serviço preza pela construção da autonomia e da experiência
subjetiva (CALIMAN, 1994).

Algumas ConsideraçÕes
É comum escutarmos que o jovem é o futuro da Igreja. Enquanto as
comunidades eclesiais pensarem assim, elas não conseguirão dialogar com a
juventude, isso porque o jovem é também o presente da Igreja. A juventude é
contemplada na evangelização conforme a comunidade eclesial constrói espaços
de interação, primeiramente dos jovens entre si, mas também dos jovens com a
comunidade. Ao contemplar os jovens em seus trabalhos pastorais, a comunidade
se torna mais arejada, com uma jovialidade e entusiasmo que são próprios do
Evangelho de Jesus.

141
PRÁTICA PASTORAL

ReFerÊncias
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142
Capítulo 5 EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE

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143
PRÁTICA PASTORAL

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144
C APÍTULO 6
Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Compreender o conceito de ecumenismo.

 Identificar características do cenário plural atual.

 Pensar a pastoral a partir da relação com as demais religiões, cultivando


empatia e respeito.
PRÁTICA PASTORAL

146
Capítulo 6 ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

ConteXtualização
É muito comum as pessoas, diante da possibilidade de estudar o
ecumenismo, ficarem com receio, pensando que serão incentivadas a abrir mão
de sua fé. Será que ecumenismo significa fusão de igrejas ou aceitar aquilo que
o outro pensa, desvalorizando nossas crenças e costumes? Mais que isso, temos
pontos comuns que nos unem. O ecumenismo buscará encontrar e valorizar tais
pontos para que as igrejas e religiões se aproximem, sendo mais coerentes com
aquilo que pregam e anunciam.

É importante ressaltarmos que não estamos aqui tratando da disciplina


Ecumenismo. Se assim fosse, trataríamos do assunto em todas as suas
dimensões, desde históricas, conceituais, passando pelas questões teológicas
e pastorais. Trataremos, antes, das questões pastorais relacionadas ao
ecumenismo, passando por uma teologia da pluralidade que aponta para uma
prática pastoral ecumênica.

Etimologia e Conceito
Ao trazer a etimologia da palavra ecumenismo, Navarro (1995, p. 9-10)
descreve:

A palavra oikoumene pertence a uma família de palavras, do


grego clássico, relacionadas a termos referentes à morada, ao
assentamento, à permanência. Eis alguns termos-raiz dessa
família linguística:
- Oikos: casa, vivenda, aposento, povo.
- Oikeiotês: relação, aparentado, amizade.
- Oikoeiow: habitar, coabitar, reconciliar-se, estar familiarizado.
- Oikonomeô: administração, encargo, responsabilidade da
casa.

Ao comentar a reflexão etimológica de Navarro, Teixeira e Dias (2008, p. 24)


escrevem:

[...] a raiz original de onde procedem todos os demais vocábulos


é a palavra oikos, casa, lugar habitável, lugar onde se mora.
Outros estudiosos acrescentam ainda a expressão oikodemeo,
um verbo que designa a ação de construção da oikia (espaço
onde se desenvolve a vida familiar, comunitária) para ali se ter a
casa (oikos). [...] Oikoumene refere-se, pois, ao mundo habitado.

Se o ecumenismo trata do diálogo entre os cristãos, ou seja, aqueles que


em sentido metafórico vivem dentro da mesma casa, o diálogo inter-religioso se
refere à relação com todas as religiões (TEIXEIRA; DIAS, 2008).

147
PRÁTICA PASTORAL

O diálogo inter-religioso instaura uma comunicação e um


relacionamento entre fiéis de tradições religiosas diferentes,
envolvendo partilha de vida, experiência e conhecimento.
Essa comunicação propicia um clima de abertura, empatia,
simpatia e acolhimento, removendo preconceitos e suscitando
compreensão, enriquecimento e comprometimento mútuos e
partilha da experiência religiosa (TEIXEIRA; DIAS, 2008, p. 126).

Para um autêntico diálogo inter-religioso faz-se necessária a postura de


envolvimento e empatia. Segundo Teixeira:

Um autêntico diálogo inter-religioso requer esse exercício


positivo de envolver-se, o quanto possível, na experiência
religiosa do outro, de deixar-se habitar pelo seu enigma e
enriquecer-se com sua novidade. Não há como escapar desse
intercâmbio criativo num tempo marcado pela mundialização.
Há que levar a sério o pluralismo religioso. Se existem
dificuldades de encontro no âmbito da “religião como sistema”,
aberturas são favorecidas no âmbito da “experiência interior”.
É nesse âmbito de maior profundidade, das experiências
religiosas, que ocorre o clima mais propício para o diálogo
inter-religioso (TEIXEIRA, 2012, p. 21).

Segundo os conceitos e etimologias vistos anteriormente, podemos distinguir


o ecumenismo do diálogo inter-religioso no sentido de que o primeiro acontece
no âmbito cristão, enquanto que o inter-religioso acontece no diálogo com os
não cristãos. Se teologicamente os dois acontecem com argumentos e caminhos
diferentes, pastoralmente não diferem, entretanto, em seu pressuposto: a
convivência no oikos, na casa.

As práticas ecumênicas podem acontecer, segundo Navarro, em níveis


institucional, espiritual e local (NAVARRO, 1995).

1. Ecumenismo institucional

Não se deve pensar o ecumenismo sem levar em conta o diálogo institucional.


As Igrejas conversam entre si. Os representantes eclesiásticos são responsáveis
pela organização das relações ecumênicas, conselhos, hierarquia. Exemplo de
ecumenismo institucional é o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do
Brasil). Também no ecumenismo institucional se encontra o ecumenismo doutrinal,
responsável por uma aproximação das crenças e moral (NAVARRO, 1995).

148
Capítulo 6 ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

2. Ecumenismo espiritual

É tradição as igrejas cristãs se reunirem para momentos de oração oficial


pela unidade. Isso acontece tanto em nível mundial como nacional ou local
(NAVARRO, 1995). Exemplo do ecumenismo espiritual é a Semana de Oração
pela unidade dos cristãos, que acontece sempre na semana que antecede a festa
de Pentecostes.

3. Ecumenismo local

Significa a entrada, no espaço ecumênico, dos leigos, das paróquias, das


pessoas que constituem “a base” e que na terminologia eclesial formam os grandes
espaços do povo de Deus (NAVARRO, 1995). Segundo a Unitates Redintegratio
(UR), escrito do Concílio Vaticano II que trata do ecumenismo, é a prática vivida que
conduz à plena e perfeita unidade (UR 5).

Em nosso material nos ocuparemos principalmente desse ecumenismo, isso


porque ele é um ecumenismo menos abstrato e conceitual. Sendo mais vivencial,
aponta mais pistas para a ação pastoral.

Pluralismo Religioso
Vivemos um tempo em que o pluralismo já não pode ser visto como uma
ameaça, mas como uma característica cultural. Se até a modernidade o
catolicismo era, além de predominante, politicamente superior, hoje caminhamos
para a legitimação do pluralismo.

O pluralismo existente tanto na cultura quanto na religiosidade. São inúmeras


as igrejas cristãs existentes, como também são muitas as religiões. E se há
tempos a noção era de universalização da vivência religiosa, hoje a diversidade
modifica o próprio modo de produzirmos teologia.

A perspectiva ecumênica, tanto na dimensão intracristã como na


inter-religiosa, ganhou nas últimas décadas forte destaque nos
ambientes teológicos. A pressuposição é que ela é fundamental
para toda e qualquer experiência religiosa ou esforço
teológico ou hermenêutico. Esta visão, quando vivenciada
existencialmente e/ou assumida como elemento básico
entre os objetivos, altera profundamente o desenvolvimento
de qualquer projeto, iniciativa ou movimento religioso. Daí o
interesse pelos estudos ecumênicos. No tocante à teologia,
em todos os seus campos, o dado ecumênico suscita novas e
desafiantes questões (RIBEIRO, 2012, p. 212).

149
PRÁTICA PASTORAL

Vamos fazer uma pesquisa de campo. Saia pelos arredores


de sua residência e liste as igrejas ou religiões existentes. Busque
aproximadamente as 10 mais próximas para que você possa
perceber o pluralismo existente.

Se o pluralismo transforma a produção teológica, também os processos de


encontro entre as culturas transformam a forma como estudamos o fenômeno
religioso.

HiBridismo Cultural e Sincretismo


Religioso
O conceito de hibridismo é próprio da antropologia, e nos auxiliará no
entendimento do contato entre as várias culturas. O de sincretismo é um conceito
da família do hibridismo (BURKE, 2003) que nos auxilia no entendimento do
encontro cultural no âmbito religioso.

Esse conceito nos possibilitará uma reflexão que considere a dinamicidade


da vivência religiosa que faz com que as fronteiras culturais se intensifiquem. O
hibridismo, como conceito metodológico para entender os processos de contato
cultural (CANCLINI, 2006), nos possibilitará superar uma leitura essencialista
(BURKE, 2003), e por isso equivocada, do cenário religioso plural.

Canclini entende “por hibridação processos socioculturais nos quais


estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam
para gerar novas estruturas, objetos, práticas” (CANCLINI, 2006, p. 19).

Se na concepção dos líderes religiosos existe uma religião pura ou uma


essência religiosa a ser implementada, na prática as vivências religiosas se
misturam – ou hibridizam – com a realidade local na qual são implementadas,
ou mesmo com as outras religiões. Exemplo de hibridismo é como o cristianismo
nascente, nos primeiros séculos hibridiza as vivências judaicas com a filosofia
grega, ou mesmo como o cristianismo, ao chegar na América Latina, se hibridizará
com a religião dos nativos que habitavam estas terras.

E se a realidade cultural é uma constante mistura, onde fica a fronteira entre


uma cultura e outra?

150
Capítulo 6 ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

Não existe uma fronteira cultural nítida ou firme entre grupos,


e sim, pelo contrário, um continuum cultural. Os linguistas há
muito vêm defendendo o mesmo ponto de vista a respeito de
línguas vizinhas, como o holandês e o alemão. Na fronteira, é
impossível dizer quando ou onde termina o holandês e começa
o alemão (BURKE, 2003, p. 13).

O termo ‘zona de contato’ busca ser uma alternativa à ideia de fronteira, que
muitas vezes pode ser utilizado na ótica do território (PRATT, 1999). As zonas de
contato entre as culturas constituem fronteiras porosas de trocas culturais.

Quando identificamos os processos híbridos no cenário religioso,


costumeiramente encontramos o conceito de sincretismo. Ele descreve os
encontros de práticas religiosas de uma determinada religião, que no encontro
cultural são assimiladas por outras, que dão a essas práticas um novo sentido.

Ao descrever o sincretismo, Afonso Soares, um dos maiores estudiosos do


sincretismo religioso no Brasil, descreve que:

[...] insistir que tais releituras não são simples justaposições


aleatórias. O sincretismo realiza-se, afirma R. Ortiz, quando
duas tradições são colocadas em contato, de tal forma que a
tradição dominante fornece o sistema de significação, escolhe
e ordena os elementos da tradição subdominante (SOARES,
2002, s.p.).

Exemplo costumeiramente dado para designar o sincretismo é a assimilação


das imagens católicas para denominar os Orixás do candomblé. Para burlar a
supervisão do clero católico, os ialorixás e babalorixás utilizavam imagens
católicas, mas prestavam culto a seus orixás. Contudo, mesmo com a liberdade
religiosa, a prática se manteve, pois se sincretizou, passando a fazer parte do
Candomblé.

O pluralismo, hibridismos e sincretismos são vividos, muito mais que


assumidos como ideal de conduta. Não há como negar o plural como característica
cultural do ser humano.

Falar em pluralismo religioso, hoje, é o mesmo que falar num


modo de compreensão da religião que ultrapassa os limites
da tradição. As diversas expressões religiosas, cada vez
mais centradas no sujeito, acabam se traduzindo numa série
de recortes no universo dos símbolos e das práticas. Esses
recortes, muitas vezes, não se vinculam à tradição. E, quando
isso acontece, a tradição é entendida como algo a ser recriado,
dando origem a uma “nova tradição”, que incorpora elementos
de diversas experiências daqueles que estão inseridos no
campo religioso (SANCHES, 2005, p. 37).

151
PRÁTICA PASTORAL

As práticas híbridas e sincréticas superam nossas opções, se colocando


antes como uma realidade antropológica (SOARES, 2008). Diante do cenário
plural é preciso pensar conceitos que dialoguem (QUEIRUGA, 2007). Uma
teologia pastoral, para ser eficaz, precisa dialogar com a realidade histórica na
qual vivemos. O ecumenismo não é somente uma opção pastoral, mas é também
fruto de um diálogo teológico sincero com a realidade religiosa, que é plural.

Ecumenismo, Conceito e Práticas


Historicamente temos alguns conceitos que nos ajudam a entender o
ecumenismo e o diálogo inter-religioso. Aqui traremos dois deles: a ideia de
unidade e comunhão presente na expressão de Cipriano “Fora da Igreja não há
salvação”, e o conceito de cristãos anônimos de Karl Rahner.

1. Fora da Igreja há salvação?

Quando falamos de ecumenismo, é muito comum ouvirmos o axioma ‘Fora


da Igreja não há salvação’, atribuído a São Cipriano (século III), bispo de Cartago.
Ao formular tal expressão, Cipriano se encontra em meio às discussões cismáticas
(DUPUIS, 1999). Existem duas formas de lermos a afirmação no contexto de
Cipriano: a primeira é na perspectiva de crítica aos cismáticos e, a segunda, na
perspectiva da ortodoxia.

Não pensem que terão a possibilidade de viver de modo cristão


e de se salvar, se não quiserem obedecer aos bispos e aos
sacerdotes [...]. Os soberbos e os rebeldes são mortos pela
espada espiritual, quando se afastam da Igreja. Fora desta,
não podem, realmente, viver de maneira cristã, pois a casa de
Deus é uma só e ninguém pode se salvar a não ser na Igreja
(DUPUIS, 1999, p. 128).

Cipriano afirma que fora da Igreja não há salvação, pois entende a heresia
ou o cismático como um atentado à comunhão. Segundo Cipriano, “a culpa da
discórdia é grave e inapagável” (DUPUIS, 1999, p. 128). Sua intenção é assegurar
a integridade e a unidade da Igreja. É importante termos clareza de que Cipriano
não fala de catolicismo, mas de cristianismo. A Igreja de Cristo é a Igreja Cristã.
O autoentendimento dos católicos romanos virá apenas com o Cisma da Igreja
Ortodoxa (1054).

Cipriano teria a mesma ideia em relação àqueles que não eram cristãos? No
raciocínio de Dupuis (1999), Cipriano não tinha a mesma ideia em relação aos
chamados pagãos. Nos primeiros séculos da Era Cristã, a população pagã era
maior que a cristã. Mesmo assim, Cipriano não se dirigiu a esta parcela.

152
Capítulo 6 ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

Outro teólogo cristão, Eugênio de Ruspas (468-533), será responsável pelo


entendimento literal da expressão pensada por Cipriano. Assim ele escreve em
sua obra Sobre a verdade da predestinação:

Se fosse verdade que Deus quer universalmente que todos


sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade, como
é que a própria Verdade oculta a alguns o mistério do seu
conhecimento? Certamente àqueles aos quais negou este
conhecimento, ele também nega a salvação [...]. Ele quis, então,
salvar aqueles aos quais negou o conhecimento do mistério
da salvação, e não quis salvar aqueles aos quais negou o
conhecimento do mistério salvífico. Se tivesse desejado salvar
uns e outros, a todos teria dado o conhecimento da verdade
(DUPUIS, 1999, p. 133).

Posteriormente Fulgêncio entenderá que a chancela da salvação será o


sacramento do batismo (DUPUIS, 1999). Será essa a interpretação mais tarde
assumida pelos documentos oficiais da Igreja que entenderá, no período medieval,
ser ela própria a chancela da salvação (DUPUIS, 1999).

2. Cristãos anônimos

Este conceito é elaborado por Karl Rahner (1904-1984), que buscou


estabelecer diálogo entre o cristianismo e a modernidade. Basicamente a teoria
do cristianismo anônimo busca perceber que mesmo nas outras religiões há
lampejos do cristianismo (DUPUIS, 1999). Isso porque, para Rahner, há no ser
humano uma inclinação para Deus, denominada “existencial sobrenatural”, que
podemos definir como a “estrutura fundamental, inscrita em nós pela livre iniciativa
da Graça de Deus, que estimula nossa atividade intencional em direção a ele”
(DUPUIS, 1999, p. 202).

Visto que todo ser humano nasce com a inclinação para Deus, Rahner fala
de um cristianismo que é comum em todos, presente não pela doutrina ou crença,
mas por uma atitude existencial. Tal atitude é entendida como o cristianismo
anônimo. O cristianismo anônimo seria, então, um cristianismo implícito,

[...] anônimo, mas real, de cada homem com a concretude


da história salvífica – e, portanto, também com Jesus Cristo
– existe e deve existir naquele que ainda não fez, na fé e
no sacramento, toda a experiência histórica concreta (e
expressamente reflexa) dessa realidade histórico-salvífica e
que, entretanto, possui simplesmente de modo implícito (na
obediência a sua orientação da graça) a relação existencial real
para com o Deus da autocomunicação absoluta historicamente
presente, enquanto esse homem aceita sem reservas a própria
existência (DUPUIS, 1999, p. 204).

153
PRÁTICA PASTORAL

Se hoje o conceito de “existencial sobrenatural” conota uma soberba do


cristianismo em relação às outras religiões, no início do século XX aproxima o
cristianismo do diálogo inter-religioso, percebendo o valor existente nas outras
religiões, mesmo que em perspectiva cristã.

Formulados pelo teólogo Jacques Dupuis, os conceitos de exclusivismo,


inclusivismo e pluralismo religioso falam de posturas que determinada religião
pode ter em relação à pluralidade religiosa. Em cenário brasileiro estes conceitos
são organizados por Faustino Teixeira (2012) e frequentemente estudados na
teologia do ecumenismo.

3. Postura exclusivista

Vincula a impossibilidade da salvação quando o indivíduo se encontra fora


de um conhecimento explícito de Jesus Cristo e da pertença à Igreja (TEIXEIRA,
2012).

Nessa postura, o cristianismo é a única religião verdadeira. Se baseia na


interpretação do adágio que “Fora da Igreja não há salvação”, ideia iniciada por
Orígenes e Cipriano (século III), mas que se complementa com Fulgêncio de
Ruspe (século VI) e se oficializa no Concílio de Florença (século XV).

4. Postura inclusivista

Dentro da teologia das religiões, a posição inclusivista tem como característica


a tentativa de procurar atribuir valor positivo e divinatório em outras religiões, mas
as interpreta como sendo a concretização do cristianismo (TEIXEIRA, 2012). Crê
que as outras religiões têm valor e são meios salvíficos, mas a salvação depende
do Espírito de Cristo. Enquanto o exclusivismo é eclesiocêntrico (a salvação vem
da adesão à Igreja), o inclusivismo é cristocêntrico (a salvação vem da adesão a
Cristo).

5. Pluralismo religioso

A posição chamada pluralista percebe a diversidade religiosa como


característica cultural e defende e reconhece as outras religiões como caminhos
autênticos de salvação (TEIXEIRA, 2012).

Há um pluralismo de fato, que é a constatação da diversidade religiosa, e o


pluralismo de princípio, que diz que a pluralidade vem do próprio Deus. Ela está
no projeto de Deus e Ele é plural em si mesmo, pois é Trino.

154
Capítulo 6 ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

Busque exemplos concretos que possam ilustrar as posturas


que vimos anteriormente. Eles existem em vídeos do youtube, nas
pregações e homilias das igrejas e na postura pastoral de cada
comunidade. Faça esse exercício interpretativo que o ajudará no
melhor entendimento dos conceitos trabalhados.

6. Por uma teologia ecumênica

O teólogo Elias Wolff fala de uma hermenêutica da comunhão, entendida


como um movimento que visa, mais que uma padronização doutrinal, a uma ação
conjunta, entendida como koinonia (WOLFF, 2002). O caminho da hermenêutica
da comunhão tem algumas características fundamentais:

6.1 Bíblia

A leitura bíblica é o principal campo da hermenêutica da comunhão. O


trabalho exegético feito por biblistas das mais variadas igrejas cristãs se mostra
um importante instrumento para entender os textos bíblicos e, consequentemente,
superar as controversas a respeito do entendimento de vários textos das
Escrituras. Segundo Wolff, “a convicção é que a Bíblia fornece as bases
indispensáveis da unidade, como a revelação de Deus a um povo e a resposta
deste à proposta de Deus faz de reuni-lo em comunidade” (WOLFF, 2002, p. 181).

6.2 Eclesiologia

A comunhão do cristianismo é entendida na relação interna entre as igrejas


como expressão da Trindade e externamente como na relação com o mundo
(WOLFF, 2002). Assim, seriam os projetos sociais e a ação no mundo as melhores
formas de se relacionar ecumênica e internamente, e das igrejas com o mundo.
Diz Wolff (2002, p. 183):

Deus revela-se dando a graça da unidade, revela-se tal como


é em si mesmo. E a Igreja que se funda nessa revelação é
chamada a ser como Ele é, uno. A Igreja do Deus Uno e Trino
deve assumir as características da unidade e unicidade do
Deus que a sustenta. Assim, é na comunidade eclesial que
melhor se manifesta a comunhão que Deus é em si mesmo e
quer para o seu povo, motivada pela utopia do Reino como sua
plenitude escatológica.

155
PRÁTICA PASTORAL

Wolff não fala de igrejas, mas da Igreja de Cristo. A unidade não


estaria na institucionalização de uma única Igreja, mas de estarem
as igrejas unidas na Igreja de Cristo.

6.3 Unidade na diversidade

A unidade não deve ser entendida como uniformidade. Estarem as igrejas


unidas não elimina as diferenças entre elas (WOLFF, 2002). Segundo Wolff, “trata-
se de uma unidade no único Espírito, o de Jesus Cristo, descobrindo o significado
profundo da particularidade das diferenças” (WOLFF, 2002, p. 183). Assim é a
pluralidade, expressão do Espírito que une, sem padronizar (WOLFF, 2007). Esta
unidade à qual as igrejas são convidadas a viver deve servir de referência de
unidade a toda a humanidade (NAVARRO, 1995).

6.4 Hierarquia das verdades

O ecumenismo deve se ocupar de questões fundamentais da fé cristã e não


de hábitos, costumes e crenças que são próprios de cada igreja. Assim afirma
Wolff (2002, p. 184):

A ideia da existência de uma “hierarquia” nas verdades da


fé implica na hermenêutica de uma teologia ecumênica por
considerar a doutrina como um complexo estruturado, de cujo
centro alguns artigos estão mais próximos do que outros.

Uma teologia do ecumenismo não implica em uma “nivelação teológica”.


Cada teologia é reconhecida como um sistema complexo próprio. Estabelecer uma
hierarquia de verdades significa perceber que existem verdades fundamentais, ou
seja, verdades que apontam para a centralidade do credo cristão (WOLFF, 2002).

Uma verdade se faz presente na estrutura da ação pastoral ecumênica: toda


a ação da Igreja deve visar à dignidade e a promoção humana (WOLFF, 2002) e na
“defesa dos direitos humanos” (TEIXEIRA; DIAS, 2008, p. 79). Portanto, a prática
e a ação ecumênica devem se voltar à prática e ação do próprio Evangelho, não
visando única e primeiramente às questões doutrinárias, que devem estar a cargo
das instituições religiosas e não da pastoral.

Ao desenvolver os campos de atuação ecumênica, com ênfase nos Direitos


Humanos, Teixeira e Dias (2008, p. 87-88) elencam:

156
Capítulo 6 ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

- Direito às garantias básicas de vida.


- Direito à autodeterminação e à identidade cultural.
- Direito das minorias.
- Direito de participação nos processos de decisão dentro de
cada país.
- Direito à dissensão.
- Direito à dignidade pessoal.

Assim, os autores identificam a prática como sendo o campo de atuação


mais profícuo, tanto para uma teologia ecumênica como para uma prática pastoral
coerente com valores como comunhão e unidade.

Algumas ConsideraçÕes
Ao tratarmos do ecumenismo e do diálogo inter-religioso na perspectiva pastoral,
nos colocamos primeiramente diante de uma realidade que se coloca diante de
toda comunidade eclesial: o cenário religioso atual é diverso. Se entendemos que
nossa Igreja é a única tábua de salvação, nos fecharemos como num gueto e pouco
conseguiremos avançar no diálogo com a sociedade como um todo.

Ser plural é inerente à cultura humana. As igrejas e as religiões se


desenvolvem a partir das características culturais do local onde elas se
estabelecem. Quando nossas comunidades percebem a pluralidade como um
dom, e não como uma ameaça, elas ganham na empatia com que enxergam os
outros grupos religiosos.

ReFerÊncias
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