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2017
Copyright © UNIASSELVI 2017
Elaboração:
Profª. Luciane da Luz
Prof. Márcio José Cubiak
306.001
L979r Luz, Luciane da
Relações interétnicas / Luciane da Luz; Márcio José
Cubiak: UNIASSELVI, 2017.
230 p. : il.
ISBN 978-85-515-0100-9
Impresso por:
Apresentação
Caro acadêmico! Este é seu Livro de Estudos de Relações Interétnicas.
Trata-se de um tema bastante presente e relevante para nosso mundo atual.
Trataremos aqui de discutir o retorno da etnia ao cenário político e acadêmico
com força total. Esse ressurgimento de tipos étnicos de engajamento individual
e coletivo está ligado às dinâmicas das sociedades contemporâneas, “pós-
tradicionais” como classificou o sociólogo inglês Anthony Giddens (1991).
Bons estudos!
Os autores.
UNI
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades
em nosso material.
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação
no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir
a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.
IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 - PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES............................................................ 1
VII
TÓPICO 1 – CONTEXTO HISTÓRICO DO CONCEITO DE ETNICIDADE E SUA RELAÇÃO
COM AS CIÊNCIAS SOCIAIS.............................................................................................................. 85
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 85
2 DISCUTINDO A HISTORICIDADE DO TERMO ETNIA E SUA
RELAÇÃO COM AS CIÊNCIAS SOCIAIS......................................................................................... 87
2.1 CONCEITUANDO ETNIA E ETNICIDADE.............................................................................. 94
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 97
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 100
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 101
VIII
TÓPICO 2 – DESIGUALDADES E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL.............................. 167
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 167
2 DENUNCIANDO AS DIFERENÇAS SOCIALMENTE CONSTRUÍDAS
ENTRE OS GÊNEROS.......................................................................................................................... 168
2.1 RELAÇÕES ENTRE GÊNERO NA SOCIEDADE BRASILEIRA ATUAL................................ 170
2.1.1 A violência de gênero.............................................................................................................. 172
2.1.2 Desigualdades de gênero no mundo do trabalho............................................................... 175
2.1.3 A falta de representação das mulheres na política brasileira............................................ 178
2.1.4 Assédio moral e sexual e Violência de Gênero.................................................................... 181
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 187
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 188
IX
X
UNIDADE 1
PROBLEMATIZANDO AS
IDENTIDADES
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Você encontrará atividades que
visam a compreensão dos conteúdos apresentados no final de cada tópico.
1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1
1 INTRODUÇÃO
Aquilo que o sujeito é acompanha os acontecimentos e contextos
socialmente objetivados na forma de relações sociais e de fronteiras que se deslocam
constantemente. E muitas das atuais questões polêmicas ligadas às mudanças nos
padrões identitários – aos níveis individuais e coletivos – estão ancoradas em
afirmações nebulosas localizadas nesses passados.
Neste tópico, vamos fazer uma jornada pela história. As relações entre
diferentes culturas em períodos da antiguidade até os dias de hoje e de que maneira
esses encontros promoveram identidades e diferenças. Com isso, esperamos abrir
caminhos para o aprofundamento de seus conhecimentos sobre a historicidade
dos conceitos. Como veremos a seguir, mesmo no passado as fronteiras não eram
percebidas apenas como geográficas.
Vamos lá?
3
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
Tal ideia tem gerado hoje críticas e novos modelos teóricos propostos para
entender como funcionam as identidades contemporâneas, articulando identidade
e diferença.
Porém, como dissemos, nem sempre foi assim. Os povos antigos e da Idade
Média tinham outra concepção identitária, autossuficiente, fechada em si mesma.
Os outros povos não tinham uma identidade específica. Eram os diferentes:
selvagens e bárbaros cujas palavras são invenção do passado.
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TÓPICO 1 | A IDENTIDADE PARA OS ANTIGOS: ESSENCIALISMO IDENTITÁRIO
5
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
Apesar disso, como aponta Stuart Hall (2006), essas versões serviram para
equilibrar e estabilizar o mundo social, apontando “quadros de referência que davam
aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (p. 7). Conforme o autor:
[...] A lógica do discurso identitário assume um sujeito estável, isto é, temos
assumido que há algo que nós podemos chamar de nossa identidade, o
que, em um mundo que muda rapidamente, tem a grande vantagem
de permanecer imóvel. Identidades são uma forma de garantia de que
o mundo não está se desmoronando tão rapidamente quanto algumas
vezes parece. É um tipo de ponto fixo do pensamento e do ser, uma base
de ação, um ponto parado no mundo em transformação. Este é o tipo de
garantia última que a identidade parece nos prover (HALL, 2016, p. 317).
Neste sentido, essa visão essencialista estimula nos seus adeptos a ilusão de
um conjunto de características autênticas e que são partilhadas e experimentadas
por um grupo inteiro. É com este caráter que falamos, por exemplo, em identidade
brasileira. Quando nos referimos a essa identidade, todas as diferenças internas
do país são anuladas em torno de uma unidade. E nós sabemos que cada região
brasileira possui características sociais e culturais muito distintas, que tornam
complexo pensar uma unidade!
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TÓPICO 1 | A IDENTIDADE PARA OS ANTIGOS: ESSENCIALISMO IDENTITÁRIO
7
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
Para Claude Mossé (2004, p. 7), a civilização grega é, “antes de mais nada,
civilização da pólis, civilização política”. E conforme Jean-Pierre Vernant (2002), a
pólis estimulou o desenvolvimento de novas mentalidades, especialmente entre os
atenienses e suas colônias. Esta resultou em transformações materiais que foram
incorporadas à vida: a predominância da palavra no debate público, a publicidade
das suas manifestações políticas e culturais e uma ideia de interesse comum entre
os seus habitantes.
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TÓPICO 1 | A IDENTIDADE PARA OS ANTIGOS: ESSENCIALISMO IDENTITÁRIO
O que ele quer dizer com “Paideia”? Ele implica a ideia de uma formação
moral, religiosa, cívica comum reproduzida através da educação grega. E isso
quer dizer o estudo e o conhecimento em termos da poesia, filosofia, retórica,
matemática, música, astronomia, idioma, elementos essenciais da “alma” do
cidadão grego do período a partir do século V a.C. Este conjunto era ensinado
através das Academias ou por professores particulares, por filósofos nas ruas,
pelas peças teatrais. Era uma moral do dia a dia, a fim de orientar o cidadão ao bem
comum e aos valores gregos. Para Jaeger, havia uma unidade e um núcleo comum
de ideias entre os gregos (JAEGER, 1986).
Temos, então, uma civilização excepcional para aquela época. Tal conjunto
de valores era compartilhado entre os cidadãos das poleis. Escravos e estrangeiros
não eram obrigados ou educados em termos gregos, com exceções. Tal educação
de valores tinha início na infância, tanto para homens quanto para mulheres,
apesar das distinções nas formas de ensinar e no objetivo destes conhecimentos.
Vale dizer que a sociedade grega era uma sociedade de cidadãos, mas a plenitude
cidadã era reservada somente aos homens.
9
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
antes mesmo dos períodos Arcaico e Clássico. Havia interação e laços comerciais e
culturais entre os povos do Mar Mediterrâneo. Havia, sim, um sentimento de “ser
grego” compartilhado nos modos de vida e nas instituições sociais.
Antes dessas guerras contra persas, havia, entre os séculos VII e VI a.C.,
uma fascinação pelos povos como egípcios e localizados no Oriente Próximo
(HALL, 2001). A identidade helênica vinha sendo construída de “forma agregativa
por meio da percepção de similaridades com grupos de pares” (HALL, 2001,
p. 218-219). Ao longo deste período, os bárbaros eram aqueles que não falavam
grego. Que eram incompreensíveis, portanto. Mas a partir do século VI a.C. houve
mudanças cruciais para a cristalização da identidade grega.
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TÓPICO 1 | A IDENTIDADE PARA OS ANTIGOS: ESSENCIALISMO IDENTITÁRIO
uma cultura, tradição antiga. Os traços culturais podem mudar. Depende, sim, da
delimitação de limites entre os grupos e de reforçar laços de solidariedade.
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UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
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TÓPICO 1 | A IDENTIDADE PARA OS ANTIGOS: ESSENCIALISMO IDENTITÁRIO
Além disso, existe uma visão clássica em torno de uma comunidade cultural
mediterrânea cuja potência criativa era a civilização romana. Isso levaria a destacar
um processo de assimilação da cultura romana pelos povos bárbaros dominados,
chamada de “romanização”, como apresentada. Esse termo está ligado a noções de
desenvolvimento, aculturação e à forma como os nativos adotaram e assimilaram
a cultura “romana”. A romanização tradicionalmente observada pela História
defende a ideia de difusão da cultura romana para regiões menos urbanas, mais
“bárbaras”. Tratava-se, em muitos casos, de uma “missão civilizatória romana”.
Essa crítica entende que:
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UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
Isso não quer dizer que os romanos relativizavam as culturas de seus povos
dominados ou não se sentiam superiores. Pelo contrário, queremos dizer apenas
que a identidade romana era um assunto restrito à elite econômica, política, militar
e “sagrada”, ou alguns poucos segmentos mais ricos da sociedade romana.
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TÓPICO 1 | A IDENTIDADE PARA OS ANTIGOS: ESSENCIALISMO IDENTITÁRIO
UNI
As pessoas que viveram essa época possuíam um imaginário social bastante fértil numa
relação muito próxima de situações do universo sagrado e profano. Além disso, as populações
medievais não registravam o tempo como nós fazemos hoje. Este tinha um sentido biológico
e cíclico para a vida. É por isso que as celebrações religiosas ou não – como a celebração do
ano-novo – ressaltavam um ciclo eterno e a repetição de eventos.
15
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
[...] o golpe de mestre de Clóvis foi o de se converter, com seu povo, não
ao arianismo, como os demais reis bárbaros, mas ao catolicismo. Com
isto pôde jogar a cartada religiosa e beneficiar-se do apoio, senão do
papado ainda fraco, ao menos do poder da hierarquia católica e do não
menos poderoso monasticismo (LE GOFF, 2005, p. 32).
DICAS
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UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
Sob esse ponto de vista, categorias como asiático, leste, Oriente falam
mais sobre a Europa do que os povos que supostamente classificam e enquadram
(HOBSBAWM; RANGER, 1998). Na leitura de Hobsbawm e Ranger, o autor aponta
para obras antigas e modernas escritas por viajantes e conquistadores visando
descrever os outros povos em termos de categorias europeias, num “denominador
comum” ao intelecto europeu. Estas estariam em oposição à identidade europeia.
Em geral, esse antagonismo estava dirigido para o Oriente e o Islã.
20
TÓPICO 1 | A IDENTIDADE PARA OS ANTIGOS: ESSENCIALISMO IDENTITÁRIO
21
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:
• Que a base dessa visão identitária fundamenta-se numa filosofia e num trabalho
social de produção de sentidos com bases metafísicas. Nela, a identidade é uma
essência, uma unidade, aquilo que um povo é.
23
24
UNIDADE 1
TÓPICO 2
IDENTIDADE E MODERNIDADE
1 INTRODUÇÃO
No Tópico 1, procuramos observar o debate sobre o essencialismo
identitário. Localizamos sua origem em povos da história antiga, especialmente,
gregos e romanos. Foram importantes na medida em que serviram de base e de
legitimação para versões sobre a identidade tanto na Idade Média quanto nos
séculos seguintes.
25
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
26
TÓPICO 2 | IDENTIDADE E MODERNIDADE
27
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
É clássica sua expressão latina “Cogito, ergo sum” (Penso, logo existo). Este é
o único conhecimento confiável. Aqui surge um sujeito conectado com as mudanças
sociais desse período: singular, mas capaz da dúvida e da reflexão racional. Os
sentidos, as experiências imediatas deviam ser colocadas sob suspeição.
[...] não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele [o gênio maligno]
me engana; e, por mais que me engane, não pode fazer com que eu
nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após
ter pensado bastante nisto e de ter examinado todas as coisas, cumpre
enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo,
é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a
concebo em meu espírito (DESCARTES, 1973, p. 92).
28
TÓPICO 2 | IDENTIDADE E MODERNIDADE
29
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
30
TÓPICO 2 | IDENTIDADE E MODERNIDADE
E daí, claro, esta visão está articulada com suas críticas à Ciência, ao Estado, a
essa necessidade de controle e previsão dos fenômenos e dos sujeitos. A modernidade
de Nietzsche era aquela que confundia conquistas culturais com progresso geral.
31
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
Estimulada pela Razão, essa modernidade fez as pessoas assimilarem esses valores
como questões de liberdade ou felicidade. A Ciência era vista como pretensiosa
e arrogante, cuja especialização levou à pobreza das epistemologias; na política,
ideologias como a socialista anulavam as bases de uma hierarquia meritocrática.
Esse contexto moderno indicado por Friedrich Nietzsche colocava o indivíduo de
joelhos, enfraquecia suas capacidades. Esse cenário levava o indivíduo à confusão, ao
equívoco intelectual. Em suma, ao invés de afirmar as potências humanas criativas, a
Modernidade “secou” o sujeito, tornando-o “rebanho”.
32
TÓPICO 2 | IDENTIDADE E MODERNIDADE
4 A MODERNIDADE
Como definir a Modernidade? Quais suas características e mudanças que
estimulou? E de que maneira os efeitos da Modernidade têm impactado a produção
social das identidades nas sociedades contemporâneas?
35
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
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TÓPICO 2 | IDENTIDADE E MODERNIDADE
produção capitalistas, quer dizer, patrão e operário. Para Marx, essas contradições
eram características da modernidade.
38
TÓPICO 2 | IDENTIDADE E MODERNIDADE
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UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
40
TÓPICO 2 | IDENTIDADE E MODERNIDADE
ela implica a crescente diferenciação dos diversos setores da vida social: política,
economia, vida familiar, religião, arte em particular, porque a racionalidade
instrumental se exerce no interior de um tipo de atividade e exclui que qualquer
um deles seja organizado do exterior. A modernidade era uma ideia, ela se torna
por acréscimo uma vontade, mas sem que seja rompido o vínculo entre a ação dos
homens e as leis da natureza e da história.
41
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
42
TÓPICO 2 | IDENTIDADE E MODERNIDADE
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UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
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TÓPICO 2 | IDENTIDADE E MODERNIDADE
LEITURA COMPLEMENTAR
45
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
a este jugo, os obriga doravante a permanecer sob ele quando por alguns dos seus
tutores, pessoalmente incapazes de qualquer ilustração, é a isso incitado. Semear
preconceitos é muito danoso, porque acabam por se vingar dos que pessoalmente,
ou os seus predecessores, foram os seus autores. Por conseguinte, um público só
muito lentamente consegue chegar à ilustração. Por meio de uma revolução talvez
se possa levar a cabo a queda do despotismo pessoal e da opressão gananciosa
ou dominadora, mas nunca uma verdadeira reforma do modo de pensar. Novos
preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa
destituída de pensamento.
[...]
FONTE: KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: o que é o iluminismo? In: A paz perpétua e outros
opúsculos, Lisboa, Edições 70, 1990. Disponível em: <http://www.uel.br/cch/his/arqdoc/kantPDEHIS.
pdf>. Acesso em: 20 jun. 2017.
46
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:
• Descartes e Kant mudaram essa percepção. Ao passo que para Descartes o sujeito
é aquele que pensa (Cogito ergo sum) e que suspeita das fraudes e conhecimentos
falsos, Kant se preocupa com as bases e possibilidades de conhecimento, de
entendimento do mundo e das coisas.
• Que o sujeito passou a ser questionado pela filosofia e pelas nascentes Ciências
Sociais, promovendo análises e críticas tendo a Modernidade como um elemento
importante nas transformações. Disso, pode-se indicar a Escola de Chicago e o
Interacionismo Simbólico.
47
AUTOATIVIDADE
48
UNIDADE 1
TÓPICO 3
IDENTIDADES NA
CONTEMPORANEIDADE
1 INTRODUÇÃO
No tópico anterior, discutimos alguns eventos de caráter social que
preenchem nosso passado e que foram relevantes num contexto de investigação
sobre a produção de identidades sociais.
49
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
Vamos lá?
Ou será que identidade é aquilo que está “dentro” de nós, nossa essência
individual que faz sermos o que somos? Quer dizer, a nossa individualidade
50
TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
51
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
Woodward (2015, p. 40): “As identidades são fabricadas por meio da marcação da
diferença. Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos
de representação quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade, pois,
não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença”.
53
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
Quer dizer, mais que uma crise subjetiva, só do eu, tipo uma depressão,
a autora afirma que se trata de um fenômeno social e histórico, radicalizado em
nosso período em que vivemos. E que, na maioria dos casos, essa crise possui uma
dimensão conflitiva em torno do reconhecimento.
UNI
O PODER
Bobbio, Matteucci e Pasquino (1997, p. 933), numa definição clássica de visão social e política
do poder, assim o definem:
54
TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
Foucault, em suas obras, sempre procurou constituir uma genealogia do poder. Dentre suas
reflexões, podemos apontar outro tipo especial do poder, característico da pós-modernidade,
o biopoder.
55
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
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TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
57
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
Ser uma "pessoa" não é apenas ser um ator reflexivo, mas ter o conceito
de uma pessoa (enquanto aplicável ao eu e aos outros). O que se
entende por "pessoa" certamente varia nas diferentes culturas, embora
58
TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
haja elementos dessa noção que são comuns a todas elas. A capacidade
de usar "eu" em contextos diferentes, característica de toda cultura
conhecida, é o traço mais fundamental das concepções reflexivas da
pessoidade (GIDDENS, 2002, p. 54).
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UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
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TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
Hoje em dia, nada nos faz falar de modo mais solene ou prazeroso do
que as “redes” de “conexão” ou “relacionamentos”, só porque a “coisa
concreta” — as redes firmemente entretecidas, as conexões firmes e
seguras, os relacionamentos plenamente maduros — praticamente caiu
por terra (BAUMAN, 2005, p. 100).
A identidade é uma produção, não se nasce com ela (HALL, 2014). Essa
é a grande mudança no paradigma dominante que pensava a identidade fixa,
imutável. Existe, nesse sentido, uma crise de identidades? De todas ou algumas
identidades? Em geral, existem formas diversas de iniciar uma resposta. Existem
novas identidades? De certa forma. Algumas emergem de processos sociais de
invisibilidades, como as etnias indígenas, a mulher, o negro – outras surgem em
razão de fenômenos contemporâneos.
Stuart Hall (2014) aponta para uma crise das “velhas identidades”. Segundo
o autor, estas identidades estabilizadoras estão em declínio, acompanhando o
deslocamento da estrutura e dos processos das sociedades modernas. As identidades
modernas estariam sendo descentradas, isto é, deslocadas ou fragmentadas, num
movimento de “duplo deslocamento”, cuja força é a descentração dos indivíduos
tanto do seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos.
Tomaz Tadeu Silva também percebe uma crise de identidades. Tais crises
se originam nas mudanças intensas promovidas pela globalização, pela migração,
pela crise de países e ideologias nos anos 1970 e 1980, que desestabilizaram,
deixaram um vazio na forma de pertencimento. Como resultado, o aparecimento
de identidades plurais, de novas afirmações étnicas, religiosas e nacionais (2014).
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TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
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TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
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TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
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UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
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TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
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UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
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TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
DICAS
• Luta por Reconhecimento – a gramática moral dos conflitos sociais, de Axel Honneth (2003).
• Reconhecimento sem ética? Artigo de Nancy Fraser (2007) publicado na Revista Lua Nova.
de identidade. Para romper com este dilema, Fraser propõe uma concepção
bidimensional de justiça, levando em consideração as preocupações tradicionais
da justiça distributiva e igualmente abarcar as preocupações recentes salientadas
pelas filosofias do reconhecimento (FRASER, 2002).
72
TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
74
TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
Apesar do que foi até aqui dito, seria um erro supor que, por serem
eivadas de eurocentrismo, a filosofia e a teoria social europeia dos
séculos XVIII e XIX em nada teriam contribuído para o desvelamento
de realidades históricas não europeias. Em verdade, pouco se escreveu
e analisou, até o início do século XX, acerca da história de outros povos
e civilizações. Há, entretanto, uma questão importante. O fato é que, ao
se expressarem como universalistas sendo, em verdade, provincialistas,
os europeus ajudaram a criar o instrumental teórico pelo qual os demais
povos poderiam, tendencialmente, ressignificar a imagem que aqueles
faziam de si (BARBOSA, 2008, p. 49)
Também podemos apontar para um efeito atual que pode ser percebido e
que exerce força para a elasticidade do termo “cultura”. O assunto é tratado por
George Yudice na obra “A Conveniência da Cultura” (2006). A tese é que diante dos
atuais problemas sociais, ambientais, culturais, políticos e econômicos, a cultura se
tornou um recurso conveniente. Veja:
75
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
76
TÓPICO 3 | IDENTIDADES NA CONTEMPORANEIDADE
LEITURA COMPLEMENTAR
Marcello Musto
Jornal da UNICAMP
O VENTO POPULISTA
O segundo, por sua vez, nasceu com a onda antieuropeísta. Nos últimos
anos, surgiram novos movimentos políticos declarados “pós-ideológicos”, que se
77
UNIDADE 1 | PROBLEMATIZANDO AS IDENTIDADES
Por fim, na Noruega, com 16,3% dos votos, o Partido do Progresso chegou pela
primeira vez ao governo com posicionamentos políticos igualmente reacionários.
PERIGO NO LESTE
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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:
81
AUTOATIVIDADE
82
UNIDADE 2
TEORIAS DA ETNICIDADE,
RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE
MULTICULTURAL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Você encontrará atividades que
visam à compreensão dos conteúdos apresentados no final de cada tópico.
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84
UNIDADE 2
TÓPICO 1
1 INTRODUÇÃO
Caros acadêmicos, nesta unidade de estudos vamos tratar de temas acerca
de questões pouco comuns na sua trajetória acadêmica, mas que estão muito
presentes nas Ciências Humanas, especialmente nas Ciências Sociais. São as
chamadas Teorias Sociais sobre as relações étnico-raciais.
Essas teorias sociais servem para mostrar como os problemas que ocorrem
em nossas sociedades são decorrentes destas relações e como é importante e
necessário construir uma educação multicultural e uma pedagogia antirracista e
plural com base nessas teorias sociais.
Caros acadêmicos, vejam vocês que cada forma de preconceito que citamos
aqui pode levar a um tipo de discriminação. Pode ser religiosa, racial, de sexo, de
idade, de etnia, de cultura, de nacionalidade, entre outras. Por isso dizemos que o
preconceito e a discriminação ocorrem sempre com base na diferença.
86
TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO CONCEITO DE ETNICIDADE E SUA RELAÇÃO COM AS CIÊNCIAS SOCIAIS
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UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
Pode-se dizer que essa maneira de perceber a etnia foi uma postura
etnocêntrica, na medida em que determinava o grupo étnico como o diferente em
relação àqueles que de fato, conforme destacam Poutignat e Streiff-Fenart (2011),
tinham o “poder de nomear”.
NOTA
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TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO CONCEITO DE ETNICIDADE E SUA RELAÇÃO COM AS CIÊNCIAS SOCIAIS
Lapouge afirma ainda que não se pode confundir etnia com a ideia
de nação, visto que a solidariedade desses grupos, muitas vezes, se mantém
independentemente das fronteiras nacionais. Mesmo distantes, os grupos étnicos
mantêm sua afinidade. Para dar conta da solidariedade de um grupo particular,
diferentemente daquela produzida na ideia de nação e de raça, é que incialmente
o termo foi inserido nas ciências sociais por Lapouge (POUTIGNAT; STREIFF-
FENART, 2011).
Somente após a década de 1970 é que o termo etnicidade de fato vai impor-
se nas ciências sociais, com vários trabalhos, conferências, programas de pesquisa
e também a criação de revistas especializadas na área.
90
TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO CONCEITO DE ETNICIDADE E SUA RELAÇÃO COM AS CIÊNCIAS SOCIAIS
91
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
92
TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO CONCEITO DE ETNICIDADE E SUA RELAÇÃO COM AS CIÊNCIAS SOCIAIS
Por este motivo, o conceito de etnia aparece como uma nova categoria social
igualmente importante para a análise do século XX, tanto quanto foi a categoria de
classe social para o século XIX.
93
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
Etnia tem origem na palavra grega ethos e seu significado está relacionado
aos hábitos e costumes de um determinado povo. Também está relacionada a
outra palavra grega, chamada etnhos, que significa raça, povo e cultura. De acordo
com Sansone e Alves (2014), o termo servia para definir aquelas populações que
não tinham acesso à pólis, e por isso não participavam do regime social, político e
moral da cidade-estado. O termo etnia, em sua fase inicial, carregava, portanto, um
sentido de exclusão social.
Com o passar do tempo, quando o termo etnia passa a ser considerado pelas
Ciências Sociais, especialmente pela antropologia no século XIX, ele adquire uma
dimensão inclusiva, passando a ter a função de classificar as diferentes sociedades
e grupos humanos, assim como o conceito de raça e nação. Vejamos a seguir como
este verbete é definido na perspectiva sociológica do termo.
Portanto, o conceito de etnia por obrigação deve ser flexível, porque não
se pode atribuir a etnia a um espaço geográfico restrito, nem a uma nação ou
94
TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO CONCEITO DE ETNICIDADE E SUA RELAÇÃO COM AS CIÊNCIAS SOCIAIS
Sua mais importante obra foi “Os grupos étnicos e suas fronteiras”,
editada em 1969. Nesta obra o autor discorre sobre o estudo da etnia, focando
no desenvolvimento das negociações sobre as fronteiras geográficas entre grupos
humanos. Barth conseguiu inserir na pauta das Ciências Sociais esse conceito
analítico para dar conta das especificidades étnicas presentes em uma mesma
cultura, demonstrando que a etnicidade é um elemento gerador de laços muito
mais profundo do que a simples convivência em uma sociedade com mesmos
padrões culturais.
95
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
Fredrick Barth defende que não existem diferenças objetivas que fazem
com que os grupos se organizem com noção de pertencimento coletivo.
Ou seja, as pessoas se reúnem e se agrupam não necessariamente em
função da sua cor de pele ou de caraterísticas culturais comuns, mas
por questões subjetivas na construção de suas identidades (AGUIAR,
2007, p. 88).
Para Barth (1976), ainda não está superada a ideia de que as culturas podem
ser preservadas se estiverem suficientemente distantes de culturas vizinhas, se
estiverem isoladas socialmente ou geograficamente. Para o autor, traços culturais
ou identidade étnica podem permanecer, independentemente dos processos de
interação cultural ou aculturações. Nas palavras de Barth (1976, p. 9, tradução
nossa):
96
TÓPICO 1 | CONTEXTO HISTÓRICO DO CONCEITO DE ETNICIDADE E SUA RELAÇÃO COM AS CIÊNCIAS SOCIAIS
LEITURA COMPLEMENTAR
O conceito de etnia vem ganhando espaço cada vez maior nas Ciências
Sociais, a partir das crescentes críticas ao conceito de raça e, em alguns casos,
ao conceito de tribo. Apesar disso, é ainda considerado por muitos uma noção
pouco definida. O termo etnia surgiu no início do século XIX para designar as
características culturais próprias de um grupo, como a língua e os costumes. Foi
criado por Vancher de Lapouge, antropólogo que acreditava que a raça era o fator
determinante na história. Para ele, a raça era entendida como as características
hereditárias comuns a um grupo de indivíduos. Elaborou então o conceito de etnia
para se referir às características não abarcadas pela raça, definindo etnia como
um agrupamento humano baseado em laços culturais compartilhados, de modo a
diferenciar esse conceito do de raça (que estava associado a características físicas).
Já Max Weber, por sua vez, fez uma distinção não apenas entre raça e
etnia, mas também entre etnia e nação. Para ele, pertencer a uma raça era ter a
mesma origem (biológica ou cultural), ao passo que pertencer a uma etnia era
acreditar em uma origem cultural comum. A nação também possuía tal crença,
mas acrescentava uma reivindicação de poder político. A etnia é um objeto de
estudo da Antropologia, e se caracterizou desde cedo como tema principal da
Etnologia, ciência que se propõe a estudar diferentes grupos étnicos, constituindo-
se em torno da própria noção de etnia.
Assim, uma etnia se sente parte de uma mesma comunidade que possui
religião, língua, costumes - logo, uma cultura - em comum. Notemos que nesse
conceito não importa somente o fato de as pessoas que compõem uma etnia
compartilharem os mesmos costumes, mas sobretudo o fato de elas acreditarem
fazer parte de um mesmo grupo. Nesse sentido, a etnia é uma construção artificial
do grupo, e sua existência depende de seus integrantes quererem e acreditarem
fazer parte dela.
97
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
Para Amselle, por exemplo, o conceito de etnia, bem como o de tribo, era
usado em substituição ao de nação, para as "sociedades primitivas”, passando a
ideia de nação a pertencer exclusivamente aos "Estados civilizados”. Dessa forma,
o conceito de etnia teria um sentido etnocêntrico bastante acentuado, mas, apesar
dessas controvérsias, a Antropologia trabalha também com a noção de etnicidade,
que é um sentimento de pertencer exclusivamente a um determinado grupo étnico.
Um conceito próximo ao de identidade.
99
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:
• O surgimento do termo etnia acontece em meados do século XIX, pelo francês Vacher
de Lapouge, para diferenciar o sentido de raça que ele identificava como a reunião de
características físicas dos grupos humanos, das características psicológicas presentes
nos grupos, como a cultura, linguagem e comportamento social.
• A entrada deste campo de estudos nas Ciências Sociais ganha espaço após a
década de 1970, é que o termo etnicidade de fato vai impor-se nas Ciências
Sociais, com vários trabalhos, conferências, programas de pesquisa e também a
criação de revistas especializadas na área.
• Por este motivo também o conceito de classe social não dá conta de explicar a
produção das desigualdades sociais, surgindo assim o conceito de etnia como
instrumento de análise sobre a produção das diferenças.
100
AUTOATIVIDADE
101
102
UNIDADE 2 TÓPICO 2
1 INTRODUÇÃO
Quando fazemos o resgate do conceito de etnia, encontramos muitas
relações com outros conceitos, como o de raça e nação. Por este motivo, a seguir
vamos procurar demonstrar a relação entre eles, além de realizar uma discussão
sobre identidade étnica, grupos étnicos e suas fronteiras.
UNI
103
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
NOTA
Há dois tipos de segregação: de jure e de facto. A segregação de jure representa uma situação
em que grupos definidos com base em diferenças raciais ou étnicas putativas são formalmente
separados por lei. Na segunda situação (de facto), tal separação existe sem uma restrição formal
legal.
Embora tenha havido numerosos casos de segregação legal ao longo da história, as mais
conhecidas são as leis “Jim Crow”, da era pós-guerra de secessão nos Estados Unidos, e o
Apartheid na África do Sul. No primeiro caso, os níveis de segregação racial entre as comunidades
negra e branca aumentaram depois da abolição do regime escravocrata. A maioria dos analistas
apontou tal situação como resultado do medo de uma relação igualitária entre os escravos
libertos e os seus antigos senhores: manter a diferença era, certamente, um modo de prolongar
o sistema de subordinação, enraizado na noção de uma hierarquia “racial” étnica. O apartheid
sul-africano estendeu e formalizou o processo de segregação estritamente residencial de 1948
104
TÓPICO 2 | RAÇA, NAÇÃO, ETNIA, IDENTIDADE ÉTNICA, GRUPOS ÉTNICOS E SUAS FRONTEIRAS
até a década de 1990, o que foi consagrado pelo Ato de Áreas Grupais e pela política “Bantustan”.
A segregação legalmente reforçada foi, nos dois países, muito além da questão do assentamento
residencial. Os não brancos eram impedidos de compartilhar de toda uma extensão de serviços
com os brancos: educação, emprego e saúde; eram proibidos até mesmo de frequentar locais
públicos, como restaurantes, cafés, cinemas, clubes, transporte público e piscinas/praias. O
apartheid chegou ao extremo de separar as entradas de prédios públicos, estabelecer bancos e
fontes de parques, e assim por diante (CASHMORE, 2000, p. 505).
DICAS
Devido às pesquisas genéticas, se sabe hoje que não existem raças humanas
diferentes. Não há nenhuma evidência que afirme que características físicas, como
a cor da pele, o formato do olho, a textura do cabelo, possam implicar em diferenças
comportamentais, de valores, ou morais, como se pensava.
Por este motivo, logo depois da Segunda Guerra Mundial, vários países se
organizaram na luta pela retirada do termo raça da pauta das ciências em geral. O
105
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
Por isso, queridos acadêmicos, temos que ter muito cuidado com as
naturalizações que costumamos fazer no nosso dia a dia. Naturalizar significa
essencializar uma situação, quase sempre no sentido de manter o status quo.
106
TÓPICO 2 | RAÇA, NAÇÃO, ETNIA, IDENTIDADE ÉTNICA, GRUPOS ÉTNICOS E SUAS FRONTEIRAS
Toda e qualquer hierarquia social faz apelo a uma ordem natural que
a justifique, ainda que tal justificativa, e racionalização, possa se fazer
de diferentes maneiras. A ordem econômica, por exemplo, pode ser
justificada como sendo um produto de virtudes individuais (os pobres são
pobres porque lhes faltam sentimentos nobres, virtudes e valores do ethos
capitalista); do mesmo modo, se justifica usualmente a posição subordinada
das mulheres pelas características do sexo feminino; a escravidão dos
africanos, assim como a posição social inferior de seus descendentes,
pelas limitações da "raça" negra etc. Em cada um desses casos, quando a
ideia de uma ordem natural limita formações sociais, emergem sistemas
hierárquicos rígidos e inescapáveis (GUIMARÃES, 1995, p. 31).
107
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
Outros autores defendem que para que uma nação se forme, é necessário
haver um ou mais povos, um território e uma consciência comum. Quando outros
elementos aparecem, como identidade de língua, religião e etnia, eles reforçam a
unidade nacional.
108
TÓPICO 2 | RAÇA, NAÇÃO, ETNIA, IDENTIDADE ÉTNICA, GRUPOS ÉTNICOS E SUAS FRONTEIRAS
NOTA
109
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
a oposição, o contraste com o diferente. Por isso se diz que a identidade étnica se
constrói de maneira relacional.
110
TÓPICO 2 | RAÇA, NAÇÃO, ETNIA, IDENTIDADE ÉTNICA, GRUPOS ÉTNICOS E SUAS FRONTEIRAS
111
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
Por este motivo, pode-se inferir que são as fronteiras étnicas e não
propriamente o conteúdo cultural interno do grupo que o define enquanto grupo
e que o mantém enquanto instituição social. Essa distinção é que permite manter
uma fronteira entre ele e os outros.
NOTA
Soul (do inglês "alma") é um gênero musical dos Estados Unidos da América que
nasceu do rhythm and blues e do gospel durante o final da década de 1950 e início da de 1960
entre os negros. Durante a mesma época, o termo soul já era utilizado nos EUA como um
adjetivo usado em referência ao afro-americano, como em "soul food" ("comida de negro").
Esse uso apareceu justamente numa época de vários movimentos de liberalismo social,
tanto com a revolução dos jovens com o uso das drogas, como os movimentos antiguerra e
antirracial. Por consequência, a "música soul" nada mais era que uma referência à música dos
negros, independentemente de gênero.
112
TÓPICO 2 | RAÇA, NAÇÃO, ETNIA, IDENTIDADE ÉTNICA, GRUPOS ÉTNICOS E SUAS FRONTEIRAS
Compreender a existência das fronteiras étnicas não significa dizer que são
referências fixas, imutáveis. Elas podem se manter, reforçar, ou mesmo desaparecer,
elas podem se tornar flexíveis ou mais rígidas, dependendo das relações que forem
se estabelecendo e das dinâmicas internas e externas ao grupo.
grupos minoritários que são bem-sucedidos são percebidos como indivíduos fora
de categoria” (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 2011, p. 156).
114
TÓPICO 2 | RAÇA, NAÇÃO, ETNIA, IDENTIDADE ÉTNICA, GRUPOS ÉTNICOS E SUAS FRONTEIRAS
115
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
Etnicidade
116
TÓPICO 2 | RAÇA, NAÇÃO, ETNIA, IDENTIDADE ÉTNICA, GRUPOS ÉTNICOS E SUAS FRONTEIRAS
117
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
118
TÓPICO 2 | RAÇA, NAÇÃO, ETNIA, IDENTIDADE ÉTNICA, GRUPOS ÉTNICOS E SUAS FRONTEIRAS
FONTE: SANSONE, Livio; FURTADO, Alves, Cláudio (org). Dicionário crítico das ciências sociais dos
países de fala oficial portuguesa. Salvador: EDUFBA, 2014.
119
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
6 ETNICIDADE E MODERNIDADE
Como podemos perceber, a etnicidade é interpretada de diferentes maneiras,
como a ideia de que é produto da desigualdade de desenvolvimento dos diferentes
países e territórios, como uma estratégia de reivindicações frente aos recursos
do welfare state, como resistência ao processo de modernização e globalização da
cultura, como o resultado histórico da economia capitalista globalizada, ou ainda
como a mistura de todos esses elementos.
NOTA
120
TÓPICO 2 | RAÇA, NAÇÃO, ETNIA, IDENTIDADE ÉTNICA, GRUPOS ÉTNICOS E SUAS FRONTEIRAS
7 DIÁSPORAS E DESLOCAMENTOS
O termo diáspora é extraído dos antigos termos gregos dia (através, por
meio de) e speirõ (dispersão, disseminação), sendo que a palavra atualmente é
utilizada de várias maneiras.
121
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
É claro que esta última imagem da diáspora não é compartilhada por vários
grupos sociais, nem pela maior parte do meio acadêmico. Muitos, ao contrário,
percebem as fortes redes transnacionais como características da globalização,
especialmente o fortalecimento das telecomunicações e das facilidades de viajar.
Assim como existem aqueles a quem agrada a ideia de construir novas identidades
e formar culturas híbridas.
122
TÓPICO 2 | RAÇA, NAÇÃO, ETNIA, IDENTIDADE ÉTNICA, GRUPOS ÉTNICOS E SUAS FRONTEIRAS
constituída atualmente por migrantes, conforme destaca Cogo (2007), sendo que
todos os continentes apresentam movimentos de migração, assim como acolhem
populações em deslocamento, especialmente em nível internacional.
123
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:
124
AUTOATIVIDADE
125
126
UNIDADE 2
TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
Com o surgimento do conceito de etnia, surgem os conceitos de Gênero e
Multiculturalismo, ambos atrelados a movimentos sociais de luta por direitos. No
caso do multiculturalismo, surge a partir dos movimentos negros da década de
1960, e o conceito de gênero surge inicialmente atrelado ao movimento feminista e
aos estudos feministas, no espaço universitário, na década de 1980.
127
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
128
TÓPICO 3 | GÊNERO E MULTICULTURALISMO - CONCEITOS IMPORTANTES
PARA O COMBATE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS ONTEM E HOJE
129
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
131
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
sexuais são as características atribuídas a cada sexo, de acordo com sua cultura.
São modelos do que é próprio e concernente a cada sexo.
3 MULTICULTURALISMO
Caro acadêmico, neste item vamos trabalhar o conceito de multiculturalismo,
procurando apresentar o seu contexto de surgimento. Vamos focar nas políticas
multiculturais nos Estados Unidos, compreendendo que os movimentos sociais
naquele país foram fundamentais para a ampliação do debate sobre direitos civis
e, portanto, fundamentais para o multiculturalismo. Por este motivo, destacamos a
trajetória histórica dos índios norte-americanos e o processo de escravidão ocorrido
no país. Para complementar, destacamos a importância dos movimentos negros e
suas principais lideranças para as políticas de ação afirmativas nos Estados Unidos.
Por fim, realizamos uma discussão acerca do que são Políticas Públicas de
Ação Afirmativa, objetivando nivelar os conhecimentos acerca destes temas de
estudos, que servirão de base para a compreensão do debate multicultural.
Por este motivo, entendemos que igualdade e diferença não são termos
opostos. De fato, a IGUALDADE opõe-se à desigualdade, enquanto DIFERENÇA
opõe-se à padronização, à homogeneização, à produção em série.
NOTA
Em termos de política estatal, o Canadá é identificado como o país que mais tem promovido
políticas de multiculturalismo: por exemplo, manifestações de um ideal político em manter
as relações entre os grupos étnicos de modo a implicar coexistência, tolerância mútua e
igualdade. A imagem do “mosaico” canadense, no qual os grupos que o compõem possuem
formas distintas, mas formam juntos um todo unificado, costuma ser comparada à imagem
do “cadinho de raças”, usada para tipificar os objetivos de assimilação das minorias étnicas nos
Estados Unidos.
134
TÓPICO 3 | GÊNERO E MULTICULTURALISMO - CONCEITOS IMPORTANTES
PARA O COMBATE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS ONTEM E HOJE
FONTE: CASHMORE, Ellis. Dicionário de Relações Étnicas e Raciais. São Paulo. Summus,
2000, p. 371.
Com relação à questão indígena, podemos dizer que antes da vinda dos
primeiros colonos para a América do Norte, a região já era habitada por diversos
povos nativos. Semprini (1999) estima que tenha havido um total de três a quatro
milhões de índios no território norte-americano na época da colonização, no século
XVII. Havia uma infinidade de povos ameríndios, entre os principais podemos
destacar as tribos: Apaches, Navajos, Cheroqui, Moicanos, Comanches, Aruaques,
Chibchas, Mapuche e outras.
135
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
DICAS
136
TÓPICO 3 | GÊNERO E MULTICULTURALISMO - CONCEITOS IMPORTANTES
PARA O COMBATE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS ONTEM E HOJE
137
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
NOTA
O pastor Martin Luther King Jr. foi um personagem que influenciou de forma
decisiva o movimento de luta por direitos. King foi um líder que, influenciado pelo
pensamento de Mahatma Gandhi, lutou pela integração dos negros na sociedade
americana. O movimento pelos direitos civis, liderado por ele, pregava a não violência
e contou com a adesão de muitos brancos que eram, também, a favor da causa.
138
TÓPICO 3 | GÊNERO E MULTICULTURALISMO - CONCEITOS IMPORTANTES
PARA O COMBATE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS ONTEM E HOJE
DICAS
Para saber mais sobre a vida e a luta de Martin Luther King, assista ao filme: “Selma:
Uma Luta pela Igualdade”, que narra sua história como pastor protestante e ativista social, que
acompanha as históricas marchas realizadas por ele e manifestantes pacifistas em 1965, entre
a cidade de Selma, no interior do Alabama, até a capital do Estado, Montgomery, em busca de
direitos eleitorais iguais para a comunidade afro-americana.
NOTA
NOTA
140
TÓPICO 3 | GÊNERO E MULTICULTURALISMO - CONCEITOS IMPORTANTES
PARA O COMBATE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS ONTEM E HOJE
141
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
142
TÓPICO 3 | GÊNERO E MULTICULTURALISMO - CONCEITOS IMPORTANTES
PARA O COMBATE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS ONTEM E HOJE
143
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
144
TÓPICO 3 | GÊNERO E MULTICULTURALISMO - CONCEITOS IMPORTANTES
PARA O COMBATE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS ONTEM E HOJE
Não falamos aqui sobre outros movimentos sociais da década de 1960 nos
Estados Unidos porque o movimento negro foi o que mais teve peso na conquista
dos direitos civis, momento de abertura política para os movimentos em geral. No
entanto, não podemos deixar de admitir que muitos outros movimentos foram
importantes para a conquista das políticas multiculturais. Dentre eles, podemos
destacar os movimentos: operário, feminista, homossexual, hippie, religioso e outros.
não existe uma única, nem melhor definição sobre o que seja política
pública. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da
política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas, e Lynn
(1980), como um conjunto de ações do governo que irá produzir efeitos
específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma
das atividades dos governos [...] que influenciam a vida dos cidadãos. Dye
(1984) sintetiza: “política pública é o que o governo escolhe fazer ou não
fazer”. A definição mais conhecida continua a ser a de Laswell: Decisões e
análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões:
quem ganha o quê, por que e que diferença faz.
145
UNIDADE 2 | TEORIAS DA ETNICIDADE, RELAÇÕES DE GÊNERO E O DEBATE MULTICULTURAL
NOTA
146
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:
147
AUTOATIVIDADE
148
UNIDADE 3
MULTICULTURALISMO, GÊNERO,
RAÇA E ETNIA NO BRASIL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos e no decorrer de cada um deles
você encontrará atividades que o ajudarão a fixar os conteúdos adquiridos.
149
150
UNIDADE 3
TÓPICO 1
1 INTRODUÇÃO
Para iniciar esta etapa, vamos começar discutindo a categoria raça e seu
desenvolvimento histórico. Tal conceito, como veremos adiante, tem sofrido
críticas quanto à sua utilização nas Ciências Sociais, da mesma forma como existe
a defesa de sua utilização. Lívio Sansone (1998, p. 409) indica, por exemplo,
categorias alternativas, como “racialização, relações e hierarquias raciais”, ou
mesmo, o “racismo”. Existe, claro, o peso de seu passado e a ligação com teorias e
políticas de cunho racistas.
151
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
152
TÓPICO 1 | AS POLÍTICAS MULTICULTURAIS NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL
153
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
colombiana foi a organização das comunidades negras, que passaram a lutar por
seus direitos e a reconhecê-los enquanto um grupo étnico específico.
154
TÓPICO 1 | AS POLÍTICAS MULTICULTURAIS NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL
155
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
Isso significa dizer que a cultura negra foi incorporada à cultura venezuelana,
mas que ainda existe discriminação entre os negros e demais etnias no país, pois
devido à forma velada de discriminação, ou seja, quando ela é considerada no nível
pessoal e não como um problema social, os governos tendem a fazer de conta que
o problema não existe, e, assim, não desenvolvem políticas públicas de combate
à discriminação. Esse tipo de pensamento é encontrado na maioria dos países da
América Latina.
156
TÓPICO 1 | AS POLÍTICAS MULTICULTURAIS NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL
Isso significa dizer que apenas no final do século XX e início do século XXI
é que se iniciam efetivamente alguns investimentos em políticas multiculturais no
Brasil e a cultura passa a ser considerada um dos parâmetros para o desenvolvimento
do país, sendo prevista desde a Constituição Federal de 1988.
158
TÓPICO 1 | AS POLÍTICAS MULTICULTURAIS NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL
159
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
Isso não quer dizer que a discriminação por raça, gênero, religião, etnia
e classe social tenha acabado no país, mas são políticas públicas importantes
desenvolvidas através desses ministérios e secretarias, instrumentos eficazes
na construção de uma sociedade brasileira mais justa e que respeite de fato a
diversidade existente nesse imenso país, para que a nossa nova história seja
construída com a efetiva participação de todos.
160
TÓPICO 1 | AS POLÍTICAS MULTICULTURAIS NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL
161
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
162
TÓPICO 1 | AS POLÍTICAS MULTICULTURAIS NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL
163
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
164
RESUMO DO TÓPICO 1
165
AUTOATIVIDADE
166
UNIDADE 3
TÓPICO 2
DESIGUALDADES E VIOLÊNCIA DE
GÊNERO NO BRASIL
1 INTRODUÇÃO
Como vimos, nossa sociedade é culturalmente plural e socialmente
desigual. As diversas interpretações sobre a realidade nacional apontaram para
a existência de abismos profundos entre classes e grupos sociais. Muitos deles
são oriundos da nossa concentração de renda. Outros, são vinculados a muros
simbólicos erguidos em torno da cor da pele ou gênero, por exemplo. De fato,
existem múltiplas camadas de injustiças e distâncias sociais na história brasileira.
167
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
Bons estudos!
E qual foi a situação social dessas duas décadas, que foi significativa a ponto
de fazer emergir novos paradigmas de reflexão nas Ciências Humanas? De uma
maneira geral, ao longo dos últimos 60 anos, um rápido processo de transformação
social, econômico e ambiental acarretou no surgimento de discussões que partiram
de um entendimento mais transversal de Cultura, aproximando-a da Técnica
e da Ciência, da Economia, da Comunicação e Publicidade (RUBIM; RUBIM;
VIEIRA, 2005). Uma das mais impactantes é a sua aproximação com a política.
A territorialização da cultura, por parte da política, e vice-versa, a partir dos
profundos deslocamentos conceituais que ocorreram no último século e no início
deste, resultou na ampliação dos usos possíveis da cultura, considerada agora
importante recurso mobilizado por uma infinidade de agentes sociais, públicos,
privados e estatais, urbanos, rurais ou tradicionais para os mais diversos fins e
justificativas.
169
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
DICAS
170
TÓPICO 2 | DESIGUALDADES E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL
E
IMPORTANT
Trata-se de uma relação de poder que se fundamenta naquilo que Max Weber chamou de
autoridade pessoal. Neste tipo de situação, o que fundamenta a autoridade é a sujeição
pessoal.
Este tipo de tradição cultural dominante em nossa sociedade tem origens estruturais sociais
herdadas da ocupação e dominação política portuguesa desde 1500, continuando presente
e com força até os dias atuais. Todavia, as lutas e movimentos sociais têm reforçado essa
característica nociva à equidade e que se encontra presente em nossa sociedade.
Segundo Freyre, “é característico do regime patriarcal, o homem fazer da mulher uma criatura
tão diferente dele quanto possível. Ele, o sexo forte, ela o fraco; ele o sexo nobre, ela o
belo” (FREYRE, 2002, p. 805). Através dessas construções sociais, as mulheres foram sendo
posicionadas em papéis determinados e secundários, já o papel principal cabia ao Senhor de
Engenho, o “rei da Casa-Grande”.
No Brasil, o campo de estudos sobre esse tipo de violência teve início nos
anos 1980. Tal situação impactou o movimento feminista brasileiro e a academia,
através da incorporação da categoria teórica aos temas de inserção intelectual e do
cotidiano. Por exemplo, surgiram grupos de combate e atendimento às mulheres
em situação de violência, sendo pioneiros os SOS Corpo de Recife (1978), São
Paulo, Campinas e Belo Horizonte (década de 1980) (BANDEIRA, 2014). Tais
estudos resultam das mudanças sociais e políticas no país, acompanhando o
desenvolvimento do movimento de mulheres e o processo de redemocratização.
Além disso, o surgimento das Delegacias das Mulheres nos anos 1980 forçou o
Estado a atuar contra as violências de gênero (SANTOS; IZUMINO, 2005).
E qual a atual situação das mulheres brasileiras em relação aos muitos tipos
de violência possíveis? Para discutir esta problemática, tratamos de indicar alguns
estudos e pesquisas importantes, que permitem uma avaliação da situação em nosso
país. Desde já, apontamos a gravidade da situação contra as mulheres. Segundo
esclarece o Mapa da Violência de 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil:
172
TÓPICO 2 | DESIGUALDADES E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL
173
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
• O perfil geral das mulheres vítimas de homicídios está na faixa etária dos 18-30
anos, incluindo em sua ampla maioria moças negras. Ao passo que o assassinato de
mulheres brancas vem decaindo, cresce a vitimização das negras. Em média, este
número aumentou 190,9% nos últimos dez anos (2003-2013). Em alguns estados
esse aumento passou de 300%! (Amapá, Paraíba Pernambuco e Distrito Federal).
• Os agressores masculinos utilizaram força física (estrangulação-sufocamento)
ou objetos cortantes, penetrantes e contundentes, como armas em seus crimes,
diferentemente de os homicídios entre homens, cuja letalidade está na arma de
fogo. Isso revela, no caso das mulheres, maior presença de crimes de ódio ou
motivos banais.
• A agressão foi cometida, em geral, por pessoas conhecidas da vítima, mais uma
diferença em relação ao universo dos homicídios masculinos, realizados, em
sua maioria, por estranhos.
174
TÓPICO 2 | DESIGUALDADES E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL
TABELA 1 - DISTRIBUIÇÃO DAS PESSOAS DE 25 ANOS OU MAIS DE IDADE, POR SEXO, SEGUNDO
OS GRUPOS DE ANOS DE ESTUDO - BRASIL - 2015 (EM %)
176
TÓPICO 2 | DESIGUALDADES E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL
177
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
178
TÓPICO 2 | DESIGUALDADES E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL
179
UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
180
TÓPICO 2 | DESIGUALDADES E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL
DICAS
E como tem início o assédio moral? Para Hirigoyen (2009), o ponto de partida
é a recusa de alguma diferença, manifestando-se em situações constrangedoras e
comprometedoras, senão preconceituosas, às suas vítimas. São possíveis, ainda,
manifestações de assédio moral por motivos raciais ou religiosos; deficiência física
ou doença também é passível de assédio. A vítima, muitas vezes, “é estigmatizada,
de forma a comprometer a sua qualidade no trabalho”, tomando como objeto do
assédio seus “pontos fracos”, preferências ou deficiências. Quer dizer, o assédio visa
forçar o outro a sair do emprego, do setor e sujeitar-se, calar-se ou ser dominado.
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TÓPICO 2 | DESIGUALDADES E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL
Não são apenas as mulheres que são vítimas do assédio moral no trabalho.
Os homens estão presentes, como pode ser analisado na pesquisa realizada pelo site
Vagas.com. Todavia, as mulheres representam a ampla maioria dos casos registrados.
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contra a liberdade sexual, o seu artigo 216 diz que o assédio sexual no trabalho visa
“constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência
inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” (BRASIL, 2001).
O ano de publicação desta pesquisa marcou uma década desde que a Lei
Maria da Penha, contra violência doméstica, entrou em vigor. Para os autores do
relatório acima mencionado, “o governo falhou em implementar a lei com rigor, e
a violência doméstica e a impunidade continuam amplamente difundidas” (p. 86).
E ainda, denuncia o retrocesso instalado a partir de 2016, quando o novo governo
federal extinguiu o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos
e o reduziu a uma Secretaria, parte do Ministério da Justiça, o que causou uma
redução significativa dos recursos e programas voltados a esses públicos.
E
IMPORTANT
CONHEÇA A LEI
Desde 2013, o Brasil conta com a Lei nº 12.845/2013, que garante o atendimento obrigatório
e imediato no Sistema Único de Saúde (SUS) a vítimas de violência sexual. De acordo com
essa lei, todos os hospitais da rede pública são obrigados a oferecer, de forma imediata, a
chamada pílula do dia seguinte, medicação que evita a fecundação do óvulo em até 72 horas
após a relação sexual. A lei também garante para as vítimas de estupro o direito a diagnóstico
e tratamento de lesões no aparelho genital; amparo médico, psicológico e social; profilaxia
de doenças sexualmente transmissíveis, realização de exame de HIV e acesso a informações
sobre seus direitos legais e sobre os serviços sanitários disponíveis na rede pública.
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Mãos à obra!
ATENCAO
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RESUMO DO TÓPICO 2
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AUTOATIVIDADE
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UNIDADE 3
TÓPICO 3
AS DESIGUALDADES BRASILEIRAS EM
TORNO DA RAÇA
1 INTRODUÇÃO
Geralmente, ouvimos que o Brasil é resultado do encontro de três grupos
distintos: portugueses, negros africanos e os povos originários, isto é, aqueles
que já se encontravam aqui no momento da conquista territorial. Disso resultou a
formação de sociedade fundamentada numa “democracia racial”.
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UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
Esse homem cordial não tem uma visão positiva das "relações impessoais
que decorrem da posição e da função do indivíduo”. Ele destaca e prioriza aquilo
que é de “sua marca pessoal e familiar, das afinidades nascidas na intimidade dos
grupos primários" (CÂNDIDO, 1995, p. 17).
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TÓPICO 3 | AS DESIGUALDADES BRASILEIRAS EM TORNO DA RAÇA
O livro “Não Somos Racistas”, publicado pelo jornalista Ali Kamel (2006),
defende a tese de que o racismo não constitui um traço marcante do país. Para
o jornalista, depois da abolição, nunca foram impostas barreiras institucionais
a negros ou a qualquer outra etnia. Não haveria um racismo institucional e
disseminado, reproduzido constantemente nas relações cotidianas. Kamel sustenta
a ideia de que o preconceito não é racial, mas, antes, social, contra os pobres. A
publicação causou polêmica. Mesmo que seja uma obra de cunho jornalístico, trata-
se de forma dissimulada de negação de certas políticas direcionadas a populações
pardas e negras. Será que os dados indicados a seguir sustentam essa hipótese?
Em relação à raça, podemos também dizer que foi um conceito que mudou
de sentido. Ele sofreu críticas quanto à sua utilização nas Ciências Sociais, da
mesma forma como existe a defesa de sua utilização. Lívio Sansone (2003, p.
409) indica, por exemplo, categorias alternativas como “racialização, relações e
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TÓPICO 3 | AS DESIGUALDADES BRASILEIRAS EM TORNO DA RAÇA
elite branca brasileira, embora apontado por essa mesma elite como um problema
do negro brasileiro” (BENTO, 2002, p. 5).
O Brasil era formado por três raças distintas. Porém, em consonância com
os sentidos do racismo deste momento essa mistura era condenada, colocando
em risco o futuro do país e sua população. O mestiço - o mulato - resultado desse
cruzamento, era uma “raça inferior” no sentido biológico, propenso ao crime, à
fragilidade biológica, indivíduos impulsivos e violentos (RODRIGUES, 1935).
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O preconceito
196
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FONTE: Williams, JR. Dicionário do pensamento social do Século XX. 1996, p. 603.
197
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E
IMPORTANT
Utilizando uma classificação indicada por Renato Lessa (2011), é possível indicar uma primeira
geração, ainda mesmo quando não existia o campo das Ciências Sociais no Brasil, a partir
da Proclamação da República em 1889. Essa geração pode ser indicada em nomes como
Euclides da Cunha, Sylvio Romero, Ruy Barbosa, Alberto Torres e Oliveira Vianna. Em segundo
momento, já no século XX, podem ser indicadas figuras como Alberto Torres, Oliveira Vianna,
Francisco Campos e Azevedo Amaral, cujas obras produziram “forte impacto na agenda política
e institucional do país, a partir dos anos 1930” (LESSA, 2011, p. 30).
Dentre os temas tratados por esta geração de intelectuais encontram-se aspectos ligados à
realidade nacional do momento, como a centralização ou descentralização política, abolição,
propriedade fundiária, papel das forças armadas e forma de governo, entre outros (LESSA, 2011,
p. 30).
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TÓPICO 3 | AS DESIGUALDADES BRASILEIRAS EM TORNO DA RAÇA
Podemos dizer que a partir da obra “Casa-Grande & Senzala”, Freyre criou
uma nova imagem e mito de origem a respeito do Brasil, produto do cruzamento e
miscigenação entre as raças branca, negra e indígena (HOFBAUER, 2006; BENTO,
2002).
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UNIDADE 3 | MULTICULTURALISMO, GÊNERO, RAÇA E ETNIA NO BRASIL
Essa visão cultural e não biológica do Brasil foi possível num contexto
político ligado aos acontecimentos de 1920 e 1930, “quando se tenta superar o
trauma da escravidão negra incorporando, de modo positivo, os afrodescendentes
ao imaginário nacional" (GUIMARÃES, 2004, p. 398).
[...] a metáfora perfeita para designar o racismo estilo brasileiro: não tão
óbvio como o racismo nos Estados Unidos e legalizado qual o apartheid
da África do Sul, mas eficazmente institucionalizado nos níveis oficiais
de governo assim como difuso no tecido social, psicológico, econômico,
político e cultural da sociedade do país. Da classificação grosseira dos
negros como selvagens e inferiores, ao enaltecimento das virtudes da
mistura de sangue como tentativa de erradicação da “mancha negra”;
[...]. Monstruosa máquina ironicamente designada democracia racial
que só concede aos negros um único “privilégio”: aquele de se tornarem
brancos, por dentro e por fora (NASCIMENTO, 1978, p. 93).
DICAS
Documentário dirigido por Nélson Pereira dos Santos, Casa-Grande & Senzala, é
baseado no livro homônimo de Gilberto Freyre.
A produção está dividida em quatro
episódios, no primeiro, "Gilberto Freyre,
o Cabral moderno", fala do próprio autor,
comparando-o ao descobridor do Brasil
por sua atividade intelectual; o segundo
capítulo, "A cunhã de família brasileira"
discute a contribuição do índio à formação
brasileira; na terceira parte, "O português,
colonizador dos trópicos", Freyre analisa as
características do povo português e quais
suas influências na formação brasileira; por
fim, o último episódio, "O escravo negro
na vida sexual e de família do brasileiro",
discute a participação africana na vida social
brasileira. Você encontra no Youtube. Acesse: FONTE: Disponível em: <https://i.ytimg.com/
<https://www.youtube.com/watch?v=0- vi/1d6B9GqNTTM/hqdefault.jpg>. Acesso em:
UGWuzSYmY>. 20 jun. 2017.
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DICAS
3.2 A VIOLÊNCIA
A violência social e racial atinge, principalmente, os jovens. Os riscos são
distribuídos de maneira desigual entre as regiões brasileiras. Segundo o Índice de
Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial (2014), quatro estados
brasileiros estão na categoria de vulnerabilidade muito alta, com índices acima de
0,500: Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Ceará. Outras cinco unidades da federação
apresentam baixa vulnerabilidade, com índices abaixo de 0,300: São Paulo, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Distrito Federal (BRASÍLIA, 2015).
Porém, a situação dos jovens negros é mais gritante.
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Nos anos 1970, também os negros pobres que moravam nas periferias das
grandes cidades do país foram fortemente influenciados por James Brow, cantor
negro norte-americano. Através da chamada soul music (música típica dos negros
estadunidenses), os bailes nos subúrbios cariocas deram origem ao movimento
Black Rio.
LEITURA COMPLEMENTAR
saída o branqueamento. Ele mostra como, num estágio de cem anos, o Brasil
seria branco, pela seleção natural e pela implementação de políticas migratórias
brancas. Para ter noção do “calor da hora”, Lacerda é considerado pessimista, pois
falou em um século, o que seria demais para o branqueamento da nação. Isso sem
esquecer de política de migração implementada sobretudo por Pedro II. Pode-se
entender a política de migração, mas por que branca? A explicação está no conteúdo
racial ideológico dessa política. Há, por exemplo, um professor da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, Renato Kehl, que era partidário do modelo da África
do Sul. Ele faz um elogio à política sul-africana, que selecionava a migração, e
emigrantes brancos, e pede o movimento dos dois lados. De um, a emigração
branca e selecionada e, de outro, faz um elogio à esterilização de mestiços. Quer
dizer, o país da alentada democracia racial estava a um passo do apartheid social.
De que forma a raça foi usada como forma de criar uma identidade
nacional?
- Raça não é uma realidade ideológica, mas raça é uma construção, muitas
vezes perversa, porque ela leva a um campo de hierarquização. Dito isso, raça
é uma construção, identidade também é uma construção. Estamos nesse campo:
identidade também não é uma construção que se faz em contexto e com lutas
sociais e com tensões sociais a todo momento. Então seria preciso pensar por que
é que no Brasil raça sempre foi material para pensar em identidade e o que é que
seria esse racismo à brasileira. Eu acho que existe, sim, um racismo à brasileira,
cuja grande complexidade é que ele é uma ideia que é, sobretudo, de caráter
privado. Isso tem se alterado e muito. Esse racismo brasileiro ainda se manifesta
na esfera do privado, por conta da ausência de movimentos no corpo da lei. O que
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TÓPICO 3 | AS DESIGUALDADES BRASILEIRAS EM TORNO DA RAÇA
está havendo é uma inversão. Estamos tentando colocar no corpo da lei políticas
de compensação, praticando políticas que de alguma maneira estão retornando e
racializando o debate. Esse racismo à brasileira é de caráter privado, por não se
manifestar no corpo da lei e por não se manifestar nas estâncias mais oficiais. Além
de tudo, ele também é um racismo que sempre joga no outro a cota de preconceitos.
Pode ser o argentino, no caso do futebol. O lado bom do momento em que nós
vivemos é enfim que as pessoas estão passando a refletir sobre essa questão. Não
falar a respeito não significa que você não viveu o problema. As pessoas negam e
jogam no outro o racismo que na verdade é de cada um.
213
RESUMO DO TÓPICO 3
214
AUTOATIVIDADE
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