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DA SOCIOLOGIA
2ª Edição
Indaial - 2019
UNIASSELVI-PÓS
Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
C571t
Cignachi, Henrique
ISBN 978-85-7141-422-8
ISBN Digital 978-85-7141-423-5
CDD 300
Impresso por:
APRESENTAÇÃO.............................................................................5
CAPÍTULO 1
A Sociologia E As Abordagens Teóricas Fundamentais:
Durkheim, Marx E Weber...............................................................7
CAPÍTULO 2
Estado, Poder, Classes Sociais e Cultura...............................55
CAPÍTULO 3
A Sociologia Nos Dias de Hoje: os Desafios
do Mundo Globalizado E Fragmentado.................................. 115
O recorte de autores e temas realizado na obra não é o único possível, mas foi
uma escolha necessária frente à multiplicidade de autores e tendências observadas
na pesquisa sociológica e nas ciências humanas em geral. O fio condutor de nossa
seleção foi a observação de temas que acompanham a pesquisa sociológica desde
o século XIX e que ainda são extremamente relevantes para o entendimento para
superação dos constantes desafios de nossa sociedade atual.
Bons estudos!
Henrique Cignachi
Saber:
3 Identificar a sociologia como área do conhecimento científico com origem no sécu-
lo XIX.
3 Identificar as contribuições de Émile Durkheim e Max Weber para a definição me-
todológicas da Sociologia.
3 Apontar a importância de Karl Marx na produção do conhecimento sociológico a
partir do materialismo-histórico.
3 Conhecer a visão de Max Weber acerca da modernidade marcada pela racionali-
zação e nas estruturas burocráticas.
3 Enunciar os conceitos de solidariedade propostos por Émile Durkheim a fim de com-
preender a sociedades humanas da era industrial em relação às eras passadas.
Fazer:
3 Analisar as contribuições teórico-metodológicas dos clássicos da sociologia para a
produção sociológica recente.
3 Realizar pesquisas sociológicas de maneira a identificar a importância do método
sociológico e dos conceitos como formas de compreensão da(s) sociedade(s) hu-
mana(s).
3 Diferenciar as contribuições dos três clássicos da sociologia a partir de suas leitu-
ras da sociedade industrial.
1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Nesta primeira unidade veremos o caminho percorrido pela sociologia quando
esta surge durante a segunda metade do século XIX. Neste período, ocorreram in-
tensos debates que buscavam delimitar as disciplinas que tinham na ação humana,
em suas dimensões histórico-culturais, o seu objeto de pesquisa e análise.
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por vez a dogmática cristã da criação dos animais e humanos. A Igreja já não Tal como nas
determinava através de suas análises teológicas qual era a verdade dos ho- ciências da
mens. Prenunciava-se que esta verdade só poderia ser adquirida através do “natureza”,
meticuloso trabalho de observação, cálculo e descrição da natureza. acreditava-se que
a humanidade
também poderia
Podemos nos questionar por que o estudo deste contexto é tão im-
ser estudada
portante, mas é exatamente neste contexto que no campo das análises “cientificamente”
dos fenômenos humanos, a filosofia e a teologia cederiam terreno a ou- e que este estudo
tras especializações com pretensões científicas. poderia contribuir
para a melhoria
Tal como nas ciências da “natureza”, acreditava-se que a humani- da sociedade.
Consolidavam-
dade também poderia ser estudada “cientificamente” e que este estu-
se o direito, a
do poderia contribuir para a melhoria da sociedade. Consolidavam-se economia (chamada
o direito, a economia (chamada “economia política” à época), a história “economia política”
e surgia também a sociologia. E no terreno desta última é que iremos à época), a história
observar intensos debates em torno do estatuto e validade das “ciências e surgia também a
humanas” perante o mundo acadêmico e a sociedade. sociologia.
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Por isso, ele foi um dos primeiros defensores do ensino laico universal e promul-
gava que o conhecimento científico deveria ser livre de interesses e paixões. Contudo,
registrava que o conhecimento científico sobre a sociedade andava a passos difíceis e
lentos porque “os objetos submetidos ao conhecimento social tocavam nos interesses
religiosos e políticos” (Condorcet apud. LÖWY, p. 40). Apesar do otimismo de Concorcet
com o progresso da humanidade e da possibilidade da consolidação de uma ciência
social objetiva e neutra, o maior empecilho para esta realização seria exatamente que
este é um conhecimento “social”, portanto, permeado por interesses conflitantes.
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Assim, Durkheim conclui que as sociedades não são simples soma dos indivídu-
os. As instituições que formam o conjunto de regras morais que delimitam a liberdade
individual são os mecanismos que garantem o ordenamento social, exercendo força
coercitiva sobre as ações dos indivíduos. Para ele, a análise sociológica era definida
como a ciência das “instituições, da sua gênese e do seu funcionamento”, Durkheim
mas não instituições somente do ponto de vista comum, de uma empresa, estabelece como
o parlamento ou a presidência, mas, sim, “todas as crenças e todos os mo- objetivo da
dos de conduta instituídos pela coletividade” (DURKHEIM, 2007, p. 30). sociologia o estudo
dos chamados “fatos
sociais”.
Metodologicamente, Durkheim estabelece como objetivo da
sociologia o estudo dos chamados “fatos sociais”. Conforme Durkheim
expõe em sua obra “Regras do método sociológico”, (2007, p. 13):
As instituições que geram coerção, não apenas física, mas moral – que vão da
família, às regras econômicas, às leis e instituições do Estado – devem ser estuda-
das no sentido que provocam uma relação de mutualidade e dependência entre si e
que exercem coerção sobre os indivíduos, ordenando a totalidade da vida social a
partir desta relação que é coletiva e independente das vontades individuais.
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Para exemplificar esta questão em sala de aula, basta questionar seus alunos
as razões pelas quais eles devem obedecer a seus pais ou porque necessitam vir
a escola, ou o que entendem como certo ou errado. Verá como as suas respostas
podem ser explicadas pela presença das coerções, físicas e morais, presentes
nestas instituições sociais, como a família ou o Estado.
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O conjunto das duas formas consciência é o que garante o “ser social”, sendo
a segunda a mais importante. Quanto mais extensa for a consciência coletiva, maior
será a coesão social (o que, todavia, não deve ser interpretado como mera uniformi-
dade social). Para Durkheim, “esse apego a algo que supera o indivíduo, essa su-
bordinação dos interesses particulares ao interesse geral, é a própria fonte de toda
atividade moral” (DURKHEIM, 1999, p. 21).
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Tomando por exemplo nossa sociedade atual, marcadas por uma intensa divisão
profissional e socioeconômica, as pessoas sentem-se indivíduos muito distintos uns
dos outros, cada vez mais particularizados em valores, crenças, hábitos e riquezas (por
exemplo, a diversidade de estilos musicais, a diversidade da “moda”, de religiões, filoso-
fias, de acesso ao conhecimento, renda e poder). As famílias são nucleares e marcadas
pela não permanência. As gerações mais novas tendem a questionar as regras morais
das gerações anteriores e a contravenção social é estabelecida pela legitimidade da lei
impessoal do Estado.
Isto, porém, não exclui uma análise política de Durkheim em torno da sociedade
capitalista de sua época e da necessidade de se reformar e criar instituições que man-
tivessem formas de solidariedade coletivas. Para Durkheim, a manutenção de associa-
ções profissionais seria extremamente importante para “conter egoísmos individuais,
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Durkheim percebia que a destruição das corporações de ofício medie- Durkheim percebia
vais, sem terem substituídas por novas formas, levaram a situação de “esta- que a destruição
das corporações de
do de anomia" nas relações sociais nas sociedades industriais do século XIX.
ofício medievais,
Para ele, seja por falta de articulação nacional (na forma de confederações) e sem terem
de força como “instituição pública”, os sindicatos de trabalhadores ainda não substituídas por
haviam ocupado seu lugar. Os conflitos da sociedade capitalista seriam re- novas formas,
sultado, portanto, do fato que o progresso econômico ainda não havia levado levaram a situação
ao desenvolvimento de instituições dotadas de uma autoridade capacitada a de “estado de
anomia” nas
regulamentar os interesses e estabelecer limites aos indivíduos egoístas.
relações sociais
nas sociedades
Metodologicamente, Durkheim defendia que cientista social deveria se industriais do século
portar da mesma forma que os cientistas naturais. Deveriam analisar os fatos XIX
sociais objetivamente, delimitá-los e comprovar afirmações a partir de evidên-
cias. A observação dos fatos sociais deve ser feita sem preconceitos de valor. Isso não
impedia, porém, que o sociólogo se observa, tal como na biologia, o estudo das situa-
ções “normalidade” ou de “anomia social” (ou “patologia social”).
Estas situações podem ser sinteticamente descritas como situações sociais com
“regulamentação” (normais) ou situações sociais em que impera a “ausência de re-
gulamentações”, ou seja, a anomia. O egoísmo para Durkheim, seria uma anomia na
medida em que significa a ação individual sem levar em consideração os efeitos so-
bre o todo, na medida em que não possuem freios a isso. Um assaltante que comete
um crime e é punido conforme as regras legais e moralmente aceitas, estaria dentro
da normalidade, já que seu egoísmo foi limitado pelo Estado. Agora, ações criminosas
sem freios e gerando prejuízos coletivos gerariam uma situação de patologia social.
Contudo, Durkheim foi criticado, notadamente pela tradição marxista, por não
perceber que este modelo também era dúbio e poderia ser empregado para justificar
uma ordem social injusta. Marx, à época, já havia criticado a obra de Comte por seu
conservadorismo em uma nota de rodapé em “O Capital”: “Auguste Comte e sua es-
cola teriam podido demonstrar, portanto, da mesma forma, a eterna necessidade dos
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senhores feudais, como eles o fizeram para os senhores capitalista” (MARX, 1997, p.
449). A ideia de estudar o que mantém as sociedades coesas em “normalidade”, fren-
te a situação não esperadas de “anormalidade”, poderia significar que o pesquisador
agiria de forma compromissada a manter a ordem social vigente (ou seja, a ordem
capitalista).
Como destaca Löwy (2006, p. 47), a ideia que “o conflito entre a necessidade
de objetividade científica e a existência de diversos pontos de vista contraditórios”
pudesse ser resolvido por simples boa vontade, esforço, serenidade, e sangue-frio,
com “empenho na imparcialidade” poderia ser lida como a história do Barão de Mün-
chhausen, personagem de histórias infantis da Alemanha. Ao se ver afundando num
pantanal com seu cavalo, vendo seu corpo coberto de lama, ele teria tido a brilhante
ideia de se puxar pelos cabelos com seu cavalo, e com um salto, sair do pantanal, ou
seja, a proposta dos positivistas de analisar objetivamente sem preconceitos e ideolo-
gias seria tal como puxar-se pelos cabelos destes mesmos preconceitos e ideologias.
Por outro lado, Durkheim fora criticado por outros sociólogos, exatamente por
defender que a sociologia deveria tratar apenas de fenômenos coletivos e de forma
objetiva, menosprezando os fatos individuais (ou apenas os vendo como resultado
das ações da estrutura social). Além disso, como veremos, para Max Weber a dife-
rença fundamental das ciências humanas para os naturais não era tão simples, já que
o objeto da ciência humana é a própria humanidade do qual o cientista se faz parte.
Perceba como esta é uma tensão ainda debatida pela sociologia nos dias de hoje.
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2 Quais os principais conceitos desenvolvidos por Durkheim?
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3 A CONTRIBUIÇÃO DE KARL
MARX PARA A SOCIOLOGIA: O
MATERIALISMO-HISTÓRICO E A
CRÍTICA AO CAPITALISMO
A sociedade capitalista da indústria, que triunfava sobre o Antigo Regime (as mo-
narquias absolutistas, o mercantilismo e as sociedades estamentais), também trazia
junto de si sintomas de crise, desigualdades e contradições sociais e econômicas ter-
ríveis. A pobreza do operário fabril e a crescente poluição das cidades contrastavam
crescentemente com a crescente riqueza e opulência da burguesia e seus espaços
de sociabilidade. O livre mercado encaminhava a economia para sucessivas crises, e
com elas, a miséria humana. A desestruturação do feudalismo e a entrada do capita-
lismo no mundo rural levou a grandes ondas migratórias e períodos de fome em pleno
século XIX (como a grande fome irlandesa de 1848).
O Iluminismo havia dado bases para a reflexão crítica da sociedade do antigo re-
gime, mas boa parte dos seus pensadores não viveram as consequências e limites
sociais das revoluções que preconizaram. Em meados do século XIX diversos pensa-
dores se debruçavam em entender os mecanismos do crescimento da desigualdade
social e do caráter “anárquico” da economia capitalista, que em diversos momentos
interrompia o progresso e colocava a sociedade em situações críticas.
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Sua obra, apesar de anterior a Durkheim e Max Weber, ficou inicialmente conheci-
da por sua influência no movimento político dos operários e intelectuais radicais, tendo
atingido maior influência acadêmica principalmente ao longo do século XX, na pesquisa
histórica, econômica e sociológica. Ao longo do século XX 1/3 da população mundial
viveu sob Estados cuja inspiração provinha das análises teóricas de Marx. Desta forma,
apesar da redução de sua influência nas últimas décadas, a obra de Marx continua se
apresentando como fonte de profundos debates políticos ou acadêmicos.
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Isso possui uma razão na forma como Marx via a relação de ciência e política.
Diferente dos outros dois pensadores clássicos, Marx nunca fez questão de tentar
separar a pesquisa científica da intervenção política. Pelo contrário, a união entre o
conhecimento teórico da sociedade capitalista e a avaliação da situação das lutas de
classe de sua época guiavam sua intervenção política, voltada à emancipação social,
cultura e política do proletariado, em prol de uma sociedade sem classes.
Além disso, Marx sempre apontou seus antagonistas intelectuais como produ-
tores de conhecimento para determinadas classes sociais (não necessariamente a
sua). Desta forma, era comum referir-se a “economia política burguesa” quando es-
crevendo sobre Adam Smith ou David Ricardo e acusava de ideológicos os que ten-
tavam esconder-se por de trás de uma suposta neutralidade política, como vimos em
relação aos positivistas como Comte.
3.1 O MATERIALISMO-HISTÓRICO E
A CRÍTICA AO CAPITALISMO
Karl Marx nasceu na Alemanha, se exilou na França e posteriormente viveu boa
parte de sua vida, também como exilado político, na Inglaterra. Sua base de pensa-
mento, que foi denominado de materialismo-histórico, possui bases teóricas na crítica
das tradições intelectuais mais fortes destes países em sua época. A obra teórica de
Marx não pode ser compreendida separadamente de sua trajetória como homem in-
telectual e político. Sua obra sofre influência de algumas fontes, ao qual são identifica-
das quase sempre por sua crítica a elas: os “jovens hegelianos” na Alemanha; o mo-
vimento operário (cujo contato teve com o socialismo francês e o movimento cartista
britânico); a economia política inglesa (Smith e David Ricardo); e, no materialismo da
época, influente pelo Iluminismo e Positivismo Francês e pela tradição empirista britâ-
nica de Francis Bacon (LÖWY, 2002).
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Para Marx e Engels (2007), estes pensadores nada fizeram em fazer avançar a
“libertação do homem” pelo desenvolvimento da “autoconsciência”. Antes era preciso
compreender que a escravidão ou a servidão dos homens não seria superada com a
simples crítica de ideias, mas sim com os avanços da modernidade industrial, como
a máquina a vapor ou a melhoria das técnicas agrícolas, quando a humanidade tiver
alimento, vestimenta etc., em quantidade e qualidade para todos. Em outras palavras,
entendiam que apenas se poderia provocar mudança de ideias com a transformação
da realidade social e econômica, das condições materiais da existência, ou seja, lan-
çavam as bases do que seria denominado como materialismo-histórico, o método
de pesquisa e análise sociológica preconizado por Marx e Engels.
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FONTE: O autor
Por outro lado, Marx e Engels descreveram este movimento histórico e revolucio-
nário da expansão burguesa como o mesmo processo em que tão rápido a burguesia
alcançou o poder e desenvolveu a economia, tão rápido foram as manifestações de
suas contradições. Para eles, numa sequência metodológica que será desenvolvida
em obras posteriores de Marx, esta contradição poderia ser resumida no conflito entre
o sucesso das forças produtivas - ou seja, do operariado que movia a produção pelas
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Da mesma forma que a burguesia teve suas fases de desenvolvimento na luta con-
tra a opressão feudal, assim também o teve o proletariado. Inicialmente sozinhos, depois
coletivamente, enfrentando o mesmo burguês e até mesmo destruindo as máquinas. Re-
agem institivamente, buscando retornar seu papel de artesão feudal. Com o passar do
tempo desenvolveram coalizões e organizações para lutar contra a burguesia.
Da luta individual do operário contra seu patrão, esta luta tomou condições de luta
de classe contra classe. E a luta de classes é essencialmente política. Desenvolvem-se
sindicatos, partidos nacionais e organizações internacionais. Para Marx, o proletariado,
desta forma, seria a classe que revolucionária a sociedade burguesa. Não teria nada a
perder e a única forma de conquistar os meios de produção é através da supressão do
modo de apropriação que a mantém. E diferente de outros movimentos minoritários, o
proletariado representaria o interesse da maioria da sociedade no capitalismo. Devido
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FONTE: O autor
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Na introdução do livro “Para a crítica da Economia Política”, que foi a base para
posteriormente escrever o seu clássico “O Capital”, Marx é incisivo na crítica ao indivi-
dualismo encontrado por ele na tradição liberal. Para ele, o homem é um ser essencial-
mente social, mas que só pode isolar-se quando em sociedade: “a produção do indiví-
duo isolado fora da sociedade [...] é uma coisa tão absurda como o desenvolvimento da
linguagem sem indivíduos que vivam juntos e falem entre si” (MARX, 1987, p. 5).
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dizer o mesmo que “determinação” no sentido analítico (causal) (SARTORI, 1997 apud.
LIMA, 2010, p. 132). Se as formas materiais determinam as formas ideais, estas últimas
também atuam como determinações das formas materiais.
Apesar de boa parte da doutrina teórica de Marx ter nascido da escrita das obras
de “juventude”, foi somente com “O Capital” que Marx sistematizou seu método de pes-
quisa histórico, econômico e social e os seus achados teóricos e históricos acerca do
desenvolvimento da sociedade capitalista. Na época, a divisão do conhecimento huma-
no ainda era restrita e as disciplinas eram muito mais descritas como doutrinas teóricas,
tal como a “Economia Política”, do que como áreas compartimentadas do conhecimen-
to acadêmico (como temos hoje).
Nesta obra Marx vai identificar o desenvolvimento das formas de produção e troca
de “mercadorias”, que seria o núcleo aparente da nova sociedade industrial, ou seja,
sua capacidade de produzir produtos como nunca na história humana. A contribuição
mais significativa de Marx para a sociologia e a economia foi a exposição do mecanis-
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mo pela qual a riqueza é gerada - o trabalho - e como ela seria expropriada pela bur-
guesia no processo de produção capitalista, através da extração de mais-valia.
FONTE: O autor
A teoria marxista foi sempre polêmica pois sua leitura científica é a de uma
proposta de estudo diretamente vinculada a um projeto de transformação radical
da sociedade capitalista. Além disso, Marx e os marxistas foram por diversas vezes
criticados por darem ênfase excessiva à “economia”, o que os teria levado a caírem
num “economicismo”, ou seja, numa explicação que reduz toda realidade social aos
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seus fundamentos econômicos. Como veremos, esta foi uma crítica inicialmente
formulada por Max Weber e também empregada por outros intelectuais, inclusive
dentre marxistas que tentaram desvincular o marxismo de análises puramente
econômicas e que excluíam a importância das formas culturais na determinação das
sociedades humanas.
Além disso, o marxismo foi criticado por ser excessivamente abrangente e por
reduzir os indivíduos a meras figuras determinadas por grandes estruturas sociais e
econômicas, ou seja, estes críticos veriam que o marxismo como um sistema em que
a estrutura se sobrepõe aos indivíduos e estes são determinados por esta estrutura.
Assim, Marx teria sido um dos grandes representantes das grandes teorias que
abarcavam toda realidade social e histórica, mas que se mostraram posteriormente
limitadas em servir de base metodológica para entender as vastas particularidades do
mundo social, particularmente, da análise dos indivíduos e de suas ações.
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Para Weber, ao contrário dos positivistas franceses, o sujeito não poderia se se-
parar facilmente dos juízos de valor e apenas o poder fazer não apenas recorrendo
às fontes apresentadas para legitimar a objetividade do argumento, mas sim, repor-
tando-se em relação ao objeto de pesquisa a partir do que esse lhe suscitasse em
juízo de valor. Por exemplo, alguém que escreve uma tese sociológica acerca de um
movimento/partido político certamente possui alguma relação de valor com esse ob-
jeto (seja de aproximação/simpatia ou repúdio). Logo, para Weber, faz-se necessário
expor essa relação, que fundamenta a escolha deste objeto, para em seguida despir-
-se disto e promover a análise objetiva do objeto.
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Weber repudiava especialmente a influência política que professores Weber era, portanto,
mantinham em suas cátedras como o prof. Gustav von Schmoller, muito um defensor
conhecido à época, por defender reformas sociais que adequassem a so- da neutralidade
ciedade industrial moderna aos valores passados. Também era crítico das acadêmica e
dos professores
tendências políticas marxistas que se tornavam referência para jovens pes-
acerca de assuntos
quisadores, já que para o marxismo, ciência e ação política seriam insepará- políticos. Quando
veis. Weber era, portanto, um defensor da neutralidade acadêmica e dos pro- vestiam o manto da
fessores acerca de assuntos políticos. Quando vestiam o manto da ciência, ciência, deveriam
deveriam deixar o homem político para fora de sala. deixar o homem
político para fora de
sala.
No entanto, como explica Saint-Pierre (2004), o próprio Weber não se-
guiu coerentemente com o modelo por ele mesmo proposto. Em julho de
1918, em uma conferência para oficiais do exército Austríaco acerca do tema “Socia-
lismo”, o autor não distinguiu qual parte de sua fala seria juízo de valor e qual seria
apenas análise intelectual (pretensamente científica e objetiva). Além disso, em “A
Política como Vocação” Weber teria emitido juízos de valor (acerca do nacionalismo,
tornando-o bandeira política não criticável) o que o tornava um “verdadeiro e radical
‘profeta de cátedra’, que ele tanto repudiava” (SAINT-PIERRE, 2004, p. 31).
Desta forma, foi recorrente nos autores marxistas a crítica a neutralidade webe-
riana (a mesma crítica dirigida ao positivismo), ou seja, a ideia da ciência social pro-
duzida livre de juízos de valor. Desta forma, Weber também pode ser criticado pela
metáfora do Barão de Münchausen, como vimos anteriormente acerca das críticas
aos critérios de neutralidade adotados pelo positivismo.
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Weber não No entanto, para Michael Löwy, Max Weber não seria um positivis-
acreditava que ta no sentido clássico, por sua defesa de uma neutralidade científica nas
a ciência social ciências sociais. Weber não acreditava que a ciência social pudesse ser
pudesse ser
totalmente apartada de valores e nem que eles poderiam ser universais.
totalmente apartada
de valores e nem Os valores eram a base da ciência no sentido em que determinavam as
que eles poderiam escolhas dos objetos de pesquisa e guiavam as perguntas sobre o que
ser universais. seria importante conhecer (LÖWY, 2006).
Os valores eram
a base da ciência Além disso, Weber criticou fortemente os positivistas pela influência
no sentido em que
que a biologia exerceu sobre estes. Primeiro porque a realidade social
determinavam
as escolhas dos não poderia ser reduzida a leis naturais-universais e segundo pois a
objetos de pesquisa experiência social é permeada de ação social, que seria antes de tudo
e guiavam as individual e permeada por subjetividade. Diferente de Durkheim, que
perguntas sobre o defendia que a sociologia deveria se guiar por uma visão da sociedade
que seria importante como um todo integrado e com partes interdependentes (como órgãos),
conhecer (LÖWY,
Weber buscava antes de tudo o estudo da experiência do indivíduo,
2006).
do entendimento desta experiência. Para ele a sociologia deveria ser
“compreensiva” e não meramente causualística. Deveria compreender mais como
os fenômenos ocorrem e menos porque ocorriam a partir de uma determinação
orgânica ou derivada de uma lei geral.
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Barbosa e Oliveira (2002, p. 104), Weber distinguiu quatro tipos ideais de ação
social:
Em Weber, a ação social partiria da ação mais racional para as mais irracionais.
O racional é aquilo que não segue nenhum outro ordenamento que não seja o de
atingir os fins esperados. Mas aí divide-se ações orientadas para um fim movido por
interesse, como um fim econômico ou a realização de uma pesquisa científica, das
ações motivado por valores, como a religião. Um seguidor de uma religião ao realizar
uma ação guiado por seus valores religiosos, terá realizado uma ação racional, como
por exemplo, fazer um jejum. Essa ação ela é racional aos valores, aos princípios que
ele quer seguir, mas isso não significa que é racional em relação aos fins do sujeito.
O fim da ação guiada por valores é o próprio meio de se realizar (ser casto, praticar o
jejum etc.) (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002, p. 106).
Para Weber (1987), o significado atual de capitalismo deve ser buscado em sua
associação a organização capitalística do trabalho e na rentabilidade da atividade eco-
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nômica, que ele considera uma organização racional. A organização do trabalho livre
e racional é o que possibilita o desenvolvimento da especulação, comercialização e
produção moderna. E esta organização só é possível graças a criação de estrutura
racionais de direito e administração: “isto porque o moderno capitalismo racional ba-
seia-se, não só nos meios técnicos de produção, como num determinado sistema le-
gal e numa administração orientada por regras formais” (WEBER, 1987, p. 10). Sem
esta racionalidade técnica e o formalismo de procedimentos administrativos e legais,
apenas haveria capitalismo mercantil aventuroso e especulativo. O desejo de ganhos
ilimitados existente em todos os momentos da história não é para ele o que explica o
“espírito do capitalismo”.
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lação ascética como fins (ou seja, reinvestindo na produção ao invés de prazeres mo-
mentâneos) era o mecanismos pelo qual os indivíduos buscavam identificar se eram
predestinados ou não: “ele [o indivíduo protestante ascético] não retira nada de sua
riqueza para si mesmo, a não ser a sensação irracional de haver “cumprido” devida-
mente a sua tarefa” (WEBER, 1987, p. 47).
Desta forma, para Weber, a ética protestante é o que funda o “ethos” necessário
ao capitalismo. Desta forma, contrariando o materialismo economicista que identifi-
cava na leitura marxista do advento do capitalismo, bem como a leitura generalizante
da diferenciação social como motivadora de uma nova forma de solidariedade social
de Durkheim, Weber antepõe fatores “superestruturais”, ou seja, causas culturais, no
caso, a ética protestante como fator preponderante para o advento do capitalismo
contemporâneo (WEBER, 1987, p. 47):
Para Löwy (2014), Max Weber não seria um crítico apenas da burocracia que
invadiria todos os aspectos da vida moderna, mas do próprio capitalismo, que é onde
a burocratização da vida é um caminho sem retorno. O caminho para o lucro aprisio-
naria e torna alienados não só os proletários, mas também os maiores banqueiros,
tornando-os como que em “súditos sem mestre”, em que as pessoas perdem a sua
criatividade e liberdade frente a “jaula de aço” deste sistema.
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FONTE: O autor
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E neste ponto é possível estabelecer um paralelo com Marx. Este descreveu que
o capitalismo nas relações profissionais, “despojou de sua auréola todas as ativida-
des até então consideradas dignas de veneração e respeito”, nas relações familiares
“rasgou o véu de comovente sentimentalismo” que as envolvia e “as reduziu a meras
relações monetárias”, na vida “tudo que é sólido e estável se volatiliza, tudo o que é
sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados a encarar com sobrieda-
de e sem ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas” (MARX, ENGELS,
2002, p. 48). Como destaca Cohn (1979 apud. CARVALHO, 2008, p. 9):
Neste sentido, para Löwy (2014), é possível entender o diálogo que muitos mar-
xistas estabeleceram entre Weber e Marx em relação ao capitalismo. Contudo, a dife-
rença entre Weber e Marx seria que o primeiro comporta uma crítica individual, liberal
do capitalismo, uma crítica resignada quanto ao destino, pessimista, enquanto o se-
gundo avaliava o capitalismo a partir de uma crítica que se propunha revolucionária.
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5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao fim deste primeiro capítulo, então é importante recapitularmos
alguns pontos centrais. Como vimos, as bases da sociologia contemporânea foi se
constituindo num contexto histórico de ascensão da sociedade industrial, do Estado
moderno e de crescente divisão do trabalho e de riqueza. Neste contexto, vimos o
papel desempenhado pela emergência do pensamento iluminista e positivista em pa-
vimentar as bases do pensamento científico e no liberalismo como base das relações
sociais da sociedade capitalista. Vimos também como o socialismo nasce como con-
traponto à sociedade burguesa, em defesa da igualdade social.
50
Marx relaciona sua obra com várias esferas do conhecimento humano: filoso-
fia, economia, sociologia e história. Seu método de pesquisa contrastava com o de
Durkheim e Weber na medida em que, se estes dois concordam quanto a necessi-
dade de separar “juízos de valor” a fim de garantir a objetividade do conhecimento,
para Marx todo conhecimento advém de uma posição social e política na sociedade,
ou seja, seria compromissada politicamente com alguma classe e projeto social. Toda
teoria que servisse para a manutenção da ordem social era considerada uma ideolo-
gia, no sentido de mascarar a realidade das suas contradições centrais. Para Marx, o
materialismo-histórico era um método de pesquisa capaz de instrumentalizar a políti-
ca do proletariado em prol de uma revolução que acabasse com a ordem capitalista.
Para ele o capitalismo seria baseado na exploração econômica do proletariado, via
controle dos meios de produção e extração de mais-valia dos operários.
Weber, diferentemente dos outros autores, compreendia que a realidade social
51
era formada de juízos de valor. O método proposto para garantir a neutralidade cien-
tífica do sociólogo era de que, se a escolha do objeto de pesquisa era sempre um
ato motivado por juízos de valor (ou seja, por preferências pessoais do pesquisador
a partir de um determinado conjunto de motivos e valorações), sua pesquisa deveria
ser guiada por critérios objetivos de pesquisa, tratando-se sempre de distinguir quan-
do o pesquisador estava falando como sujeito de valores e quando estaria apenas se
referindo aos procedimentos de pesquisa e resultados. Para ele a ciência não deveria
servir a propósitos delimitados. Sua visão sobre a sociedade industrial é considerada
pessimista, já que percebeu que o desenvolvimento técnico e econômico foi possível
graças a organização racional das instituições e dos indivíduos, o que acarretou a for-
mação da burocracia, reduzindo a liberdade e a criatividade dos indivíduos, levando
ao desencantamento do mundo.
Por outro lado, o marxismo sempre foi permeado por ambas perspectivas socio-
lógicas, seja a partir da influência do estrutural-funcionalismo francês (ANDERSON,
2004) ou por autores que adotaram parte das leituras weberianas no interior do capi-
talismo (LÖWY, 2014).
Assim, entendemos ser possível afirmar que tanto Durkheim, Marx e Weber,
através de caminhos distintos, pretenderam-se a fazer ciência ao estipular metodo-
logias abrangentes para ler a realidade social e apresentar respostas as questões
vividas pelas sociedades em seu tempo, sendo que muitas destas questões perma-
necem em nosso presente.
52
REFERÊNCIAS
ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental: nas trilhas
do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1997.
LIMA, João Vicente R. B. Costa e Lima. Explicação e Paixão em Marx. In. LIMA,
João Vicente R. B. Costa e Lima (org.). Marx: atualidade e controvérsia. Santa Cruz
do Sul: EDUNISC, 2010.
LÖWY, Michael. A jaula de aço: Max Weber e o marxismo weberiano. São Paulo:
Boitempo, 2014.
LÖWY, Michael. Ideologia e Ciência Social. 17ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.
53
MARX, Karl. Prefácio a crítica da Economia Política. In. MARX, Karl. Manuscritos
econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. 4.ed. São Paulo: Nova
Cultural, 1987.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
MARX, Karl. O Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2002
THORPE, Christopher (et. al.). O livro da sociologia. São Paulo: Globo Livros,
2015.
WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. 4ª ed. São Paulo: Unicamp,
2001.
Saber:
3 Identificar a relação e os conceitos de Estado e poder nas diversas tendências
sociológicas.
3 Compreender a origem e atuação do Estado e as formas de poder social.
3 Identificar as várias categorias para compreensão da dinâmica de grupos sociais
na sociedade moderna e os mecanismos de identificação social.
3 Compreender a relação entre cultura e ideologia nas sociedades humanas.
Fazer:
3 Identificar as diferentes formas de Estado e poder presentes na sociedade atual.
3 Compreender as diversas dinâmicas de formação e conflito entre os grupos sociais.
3 Identificar discursos e posições identificadas como etnocêntricas.
56
1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Nesta segunda unidade estudaremos sobre os principais conceitos e temas de
pesquisa desenvolvidas pelas diversas correntes sociológicas observadas durante o
século XX. Como vamos observar, boa parte da sociologia do século XX parte das pre-
missas metodológicas e teóricas da sociologia clássica, conforme estudado na primeira
unidade desta obra.
Ora, estas são questões que evocam um longo passado de discussões na fi-
losofia política. Aristóteles definia o ser humano como um “animal político”, ou seja,
um ser cuja vida em comunidades amplas necessitavam a criação de mecanismos
de organização e resolução de disputas e conflitos sociais, ou seja, uma comunida-
de política.
a sociologia busca
identificar as Neste caso, a distinção que propomos é que, mais do que estudar os
origens e bases procedimentos e sistemas de governo e administração do poder público,
do poder político e que é a especialização da ciência política, a sociologia busca identificar as
estatal e qual sua origens e bases do poder político e estatal e qual sua relação com outras
relação com outras estruturas de poder e com os indivíduos, ou seja, identificar as bases do
estruturas de poder
fenômeno político, do poder político e do poder do Estado.
e com os indivíduos,
ou seja, identificar
as bases do Como vamos ver nesta seção, a partir da teoria sociológica clássica,
fenômeno político, principalmente a de matriz weberiana e marxista, criou-se uma grande tra-
do poder político e dição de estudos que visaram identificar as relações entre o poder político,
do poder do Estado.
58
indivíduos, sociedade e poder econômico. Foi durante o século XIX e início do XX que
a maioria dos Estados Nacionais contemporâneos se consolidaram e a estrutura do
poder político da sociedade burguesa mostrava suas diferenças frente às antigas mo-
narquias absolutistas do antigo regime. Além disso, estas tornavam-se o pilar do novo
status quo (“o estado das coisas”), ou seja, uma instituição voltada à preservação da
nova ordem socioeconômica. Esta, contudo, não permaneceu sem questionamentos,
seja da tradição liberal weberiana, seja da vertente crítica do marxismo.
59
60
61
Por isso a tradição marxista prosseguida a partir de lideranças políticas como Vla-
dimir I. Lenin e Leon Trotsky, que viveram no então antigo regime czarista russo,
mantinha a leitura que o Estado burguês era um organismo de dominação direta da
classe burguesa sobre o proletariado. Para Lenin o Estado era o produto do inconciliá-
vel antagonismo de classes e apenas poderia ser substituído a partir de uma revolução
violenta que instituísse uma ditadura da classe proletária até que esta terminasse por
derrotar a burguesia, não só nacionalmente, mas internacionalmente (LENIN, 2010).
Por esta razão Trotsky retomou a ideia de Marx de que a revolução socialista deveria
ser internacionalista e permanente, pois a estagnação sob fronteiras nacionais levaria
ao colapso das revoluções (TROTSKY, 2011).
62
Tanto Lenin como Trotsky tiveram pouca experiência com os Estados democráti-
co-liberais do ocidente. Sua leitura permanecia vendo o Estado como estrutura de co-
erção física direita da burguesia sobre o proletariado. Foi o Italiano Antonio Gramsci
(2011) quem percebeu que a dominação burguesa no ocidente era distinta da domina-
ção política tradicional (que seria identificada aos Estados orientais, com o Estado sob
o czarismo na Rússia). Para Gramsci, a dominação nos países ocidentais não se dava
apenas a partir da coerção física direta da classe proletária, na sua sujeição explícita,
mas sim a partir de mecanismos que garantisse o consentimento das classes domina-
das, ou seja, sua aceitação. Por isso definia que no ocidente a hegemonia das classes
dominantes eram mantidas pelo “Estado ampliado”, ou seja, a união entre o Estado
“estrito” (coercitivo, poder político-legal) e o “Estado ético”, formado pela “sociedade ci-
vil”, organizado em instituições como as escolas, igrejas, sindicatos, jornais, teatros etc.
(GRAMSCI, 2011, p. 264).
Uma boa parte da obra teórica de Gramsci foi escrita enquanto esteve
preso na Itália de Mussolini. Para uma visão geral dos principais extratos
de seus vários “cadernos do cárcere” como obras anteriores de juventude.
Livro: O leitor de Gramsci: escritos escolhidos 1916-1935. Organizado
por Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
63
parte dos partidos de trabalhadores nos países ocidentais teria optado por estratégias
de negociação com a burguesia, na formação de governos de “compromissos de
classes” e se afastado de estratégias revolucionárias. Isso não significava o fim da luta
de classes ou o fim da dominação de uma classe por outro, mas a interpretação de que
no processo de consolidação democrática, é possível o surgimento de acordos políticos
e econômicos entre as classes antagônicas.
Isso, por outro lado, não significou que as democracias burguesas se desenvol-
veram como regra no mundo ocidental. Em países centrais, como Inglaterra, França e
Alemanha, as lutas do operariado por direitos trabalhistas como liberdades políticas e
sociais (como as lutas como o direito ao voto feminino), só foram conquistados no início
do século XX. Além disso, onde a ameaça de revoluções socialistas se mostrava forte,
a reação burguesa não foi tímida, inaugurando a era de regimes autoritários, como o
fascismo italiano e o nazismo alemão. Cabe lembrar que Antonio Gramsci, que atuava
como liderança do Partido Comunista Italiano, foi preso e terminou falecendo nas pri-
sões de Mussolini no ano de 1938.
64
65
FIGURA 1
Em 2016, o Brasil gastou com benefícios previdenciários 13,1% do Produto Interno Bruto (PIB); esse nível de
despesas com a Previdência só é encontrado em países muito mais envelhecidos que o nosso, como a França.
FONTE: O Estado de São Paulo. 12 dez 2017. Disponível em: <https://
economia.estadao.com.br/noticias/geral,reforma-da-previdencia-
necessaria-e-justa,70002116550>. Acesso em: 18 set. 2019.
66
Em síntese, o autor parte da compreensão de que é das unidades mais Para Weber, a
básicas de associação política, que regule e proteja os seus membros, como política é o exercício
os clans familiares ou interfamiliares, clubes secretos ou grupos religiosos fe- do poder puro, da
chados (como os quáqueres), é que é possível compreender este tipo de capacidade de
ação social política, que não tem objetivo meramente econômico e que se exercer a coerção
física direta sobre
exerce ultimamente pelo uso da força. Para Weber, a política é o exercício
os indivíduos de
do poder puro, da capacidade de exercer a coerção física direta sobre uma determinada
os indivíduos de uma determinada comunidade política ou contra outras. comunidade política
ou contra outras.
O regulamento legal
da coação física
O desenvolvimento do Estado passa pela extensão desta comunida- é o que confere
de que se alicerça na lei. O regulamento legal da coação física é o que con- legitimidade última
fere legitimidade última a uma comunidade política, o que irá ser designado a uma comunidade
de Estado. Esta legitimidade confere poder sobre as outras comunidades e política, o que irá
os indivíduos, atuando como expressão máxima da “comunidade política. ser designado de
Estado.
Weber assim explica:
67
Seguindo o método de estabelecer tipos ideias, Weber irá descrever três tipos
ideais de dominação e legitimação do poder: a tradicional (patrimonialista), a caris-
mática e a racional-legal (ou burocrática).Isso não significa que não tenha desenvolvido
outros, mas estes três seriam o que permitiriam abranger várias evidências dispersas
pela história. E para estudar os três tipos de dominação e legitimação do poder, é im-
portante compreender os quatro tipos ideais de ação individual. Para Héctor Saint-Pier-
re (2004, p. 101), “Weber construiu a tipologia da ação para prover-se de um arcabouço
categorial que lhe permitisse articular uma rede conceitual capaz de suportar sua teoria
da legitimidade da dominação”.
68
Dominação legal:
• Dominação legal: aquela em que não se obedece a uma pessoa por seu
aquela em que não
poder próprio, mas sim pela regra legal que confere poder e legitimidade se obedece a uma
a pessoa na posição de poder (seja um governante ou burocrata), a partir pessoa por seu
da lei e do regulamento instituído. Como diz Weber, “seu tipo mais puro é poder próprio, mas
a dominação burocrática” (WEBER, 2003, p. 128), O funcionário deste Es- sim pela regra legal
tado é aquele que tem formação profissional relativo ao cargo que ocupa e que confere poder
e legitimidade a
seu objetivo é trabalhar conforme regras racionais e não por motivos pes-
pessoa na posição
soais. Ou seja, esta é a dominação típica dos Estados que instituíram servi- de poder (seja
ços públicos e direitos de cidadania universais. Weber explica, porém, que um governante
nenhum Estado é exclusivamente burocrático. Geralmente os cargos mais ou burocrata),
altos são destinados à figuras políticas (seja por monarcas, presidentes ou a partir da lei e
parlamentares), mas o que caracteriza a dominação legal-burocrática é que do regulamento
instituído.
as políticas são executadas por um corpo de burocratas profissionais, seja
nos serviços públicos, seja na justiça e até mesmo no corpo parlamentar e
governamental (os políticos tem limites de atuação destacados pela lei).
• Dominação Tradicional: é aquela que se constitui “em virtude da crença na
Dominação
santidade das ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existentes”.
Tradicional: é aquela
“Seu tipo mais puro é o da dominação patriarcal”, aquela que possui caráter que se constitui “em
comunitário, onde “quem ordena é o ‘senhor’, e os que obedecem são ‘súdi- virtude da crença
tos’, enquanto o quadro administrativo é formado por servidores” (WEBER, na santidade das
2003, p. 131). A obediência é dada pela dignidade e santidade própria de ordenações e dos
quem manda. Quem obedece, obedece por fidelidade. A legitimidade das or- poderes senhoriais
de há muito
dens se dá pela tradição e sua obediência milenar. Porém, por não ser um
existentes”.
código escrito, mas baseado no reconhecimento da tradição, há espaço para
69
arbítrios, onde o senhor age conforme seu prazer e simpatias e antipatias puramente
pessoais. No quadro administrativo os servidores atuam conforme dependentes pesso-
ais do senhor (amigos, parentes, vassalos). Aqui não há competência profissional nem
estatuto legal das funções dos servidores. Eles atuam por mando pessoal e pela discri-
ção dada pelo seu senhor. Historicamente, podemos vincular esta forma de dominação à
sociedade do antigo regime e da antiguidade, ao poder dos senhores feudais, dos prínci-
pes, de sultanatos a monarquias: “todos os verdadeiros despotismo tiveram esse caráter,
segundo o qual o domínio é tratado como um direito corrente de exercício do senhor”
(WEBER, 2003, p. 132).
• Dominação carismática: é o tipo de dominação que se dá “em virtude de devoção afe-
tiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente: fa-
culdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual ou de oratória” (WEBER,
2003, p. 135). Assim, quem manda, o líder, o faz porque possui seguidores, tais como
Dominação “apóstolos”, que o seguem por crença nas capacidades extraordinárias do
carismática: é o líder. Assim, não é um poder que reside na lei ou na virtude da tradição. O po-
tipo de dominação der de dominação do líder pode ser perdido quando decai a “fé” de seus se-
que se dá “em guidores na crença de suas qualidades. Aqui também não há critério racional
virtude de devoção
de competência para os que exercem cargos administrativos na dominação
afetiva à pessoa
do senhor e a seus carismática. A escolha é feita pela posição de carisma e proximidade ao líder,
dotes sobrenaturais não seguindo fatores tradicionais ou legais. Historicamente este tipo de domi-
(carisma) e, nação está vinculada aos antigos demagogos gregos e às figuras políticas ou
particularmente: religiosas que adquirem poder pela capacidade de criar legiões fiéis, a partir
faculdades mágicas, de um suposto poder mágico ou de oratória e vinculação pessoal. Na Améri-
revelações ou
ca Latina, vincula-se à tradição do caudilhismo e do populismo.
heroísmo, poder
intelectual ou de
oratória” (WEBER, A partis dos tipos ideais de dominação, Weber busca apresentar um
2003, p. 135). modelo pela qual a realidade histórica possa ser estudada pela aproxima-
ção ou não com cada um destes modelos. E historicamente, a dominação
não se apresenta “idealmente”, mas como uma mistura destes tipos de dominação.
Na realidade, pode haver um tipo de dominação cuja legitimidade pode ser encon-
trada nas três formas de dominação, com uma sendo dominante em determinado
momento e outra em outro. Estes tipos ideais servem para evidenciar como o poder é
legitimado pelas pessoas e qual o tipo de ação social é realizada pelo indivíduo para
aceitar esta dominação (se racionalmente, por força da tradição ou por afetividade).
70
Robert Michels, o partido político mais representativo de sua época era o Partido
Social-Democrata da Alemanha, pois representava as tendências mais democratizan-
tes de sua época. No entanto, pela própria necessidade da luta política eleitoral, estes
partidos tornaram-se organismos controlados por uma oligarquia de dirigentes partidá-
rios (MICHELS, 1982, p. 21):
71
Esta seria a sua “lei de bronze da oligarquia”. Ou seja, uma lei histórica que todo
tipo de organização social vai levar ao surgimento de uma classe de indivíduos acima
dos demais, uma elite dominante. Esta teoria se relaciona em partes com a teoria da
tendência à burocracia vista em Weber. Para Michels (1982, p. 230), contrariando os
preceitos revolucionários do marxismo:
Esta leitura tornou-se melhor conhecida na obra do economista liberal Joseph Schum-
peter, que marcou a teoria política do século XX por sua doutrina da democracia procedimen-
tal. Para Schumpeter, as democracias não eram expressões da participação do povo na políti-
72
ca, mas espaços em que elites políticas disputam o voto das “massas” (vistas como indivíduos
sem capacidade de organização própria, manipuláveis). Para ele, “bem comum” e “vontade
do povo” eram objetos de fé religiosa, não um fato observável (SCHUMPETER, 1984, p. 315).
73
Por outro lado, mesmo que tendo consistência nas várias pesquisas empíricas le-
vadas a cabo pelos cientistas políticos, muitos carecem de interpretação das bases reais
pela qual se emana o poder político e das bases da legitimidade ou não deste poder. Des-
ta forma, a fim de compreender as bases pela qual opera a política, a sociologia particu-
larmente tem como campo de atuação o estudo das relações sociais estabelecidas pelos
indivíduos e as classes e grupos sociais estabelecidos nestas relações.
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3 AS CLASSES SOCIAIS NA
SOCIEDADE MODERNA:
IDENTIDADES, DINÂMICAS E
CONFLITOS
Conforme destacado desde a primeira unidade, o estudo da Sociologia deve ser
relacionado sempre ao contexto histórico e social de sua produção. Quando nos de-
paramos com a sociologia clássica de Marx, Durkheim e Weber, é visível como os
problemas relativos à organização da sociedade, dos seus conflitos e formas de re-
produção, ocupou boa parte destas obras.
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Por outro lado, a interpretação liberal-weberiana, que busca identificar a ação so-
cial sob a ótica da racionalidade individual e econômica, não consegue explicar a força
com que as classes sociais se expressão na política e na disputa por projetos políticos
na sociedade, visto que no século XX tivemos o desenvolvimento dos primeiros “parti-
dos de massas”, notadamente os ligados ao proletariado industrial europeu. Por outro
lado, para Durkheim, a falta de organizações que garantissem a solidariedade profissio-
nal parecia levar os indivíduos ao isolamento e a falta de identidade pessoal.
Como podemos ver, a partir do confronto com algumas teses da sociologia clás-
sica, muitos sociólogos puderam colocar novas questões de pesquisa e buscar novas
fontes e métodos de estudo. Outra questão que se colocou na sociologia do século XX
foi o estudo dos impactos das mudanças tecnológicas e organizacionais no chamado
“mundo do trabalho”. Ou seja, como o desenvolvimento das tecnologias foi modificando
a forma como os seres humanos se relacionam com seu trabalho e sociedade. Este
tornou-se um espaço de ampla discussão teórica, muitas vezes unindo os clássicos em
novas sínteses teóricas e produzindo novas formas de enxergar a realidade social.
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na luta política entre estas frações de classe, já que a questão da consciência socialista
e revolucionária do proletariado não aparecia no século XX como uma expressão direta
da situação de identidade entre o proletariado, mas sim como um elemento político e
teórico a ser desenvolvido pela classe na sua organização em partido político.
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Como explicar por que o proletariado teria seguido seus líderes nesta
O sociólogo Adam
traição? Neste sentido, o sociólogo Adam Przeworski, na obra “Capitalismo e Przeworski, na
social-democracia” (1989) buscou resgatar a contribuição do marxista Antonio obra “Capitalismo e
Gramsci acerca do estudo das relações de forças na luta de classes a fim de social-democracia”
questionar as definições de classes no marxismo. (1989) buscou
resgatar a
contribuição do
Przeworski desenvolveu a tese de que nas democracias ocidentais as
marxista Antonio
classes dominantes, a fim de desenvolver a sua “hegemonia” de classe - ou Gramsci acerca
seja, desenvolver a ideia que seus interesses são os interesses que devem do estudo das
guiar o desenvolvimento de toda a sociedade -, precisam conceder benefí- relações de forças
cios políticos e econômicos às classes dominadas, a fim de que estas con- na luta de classes
sintam à dominação. Além disso, identificou historicamente que foi o próprio a fim de questionar
as definições
proletariado que buscou desenvolver melhorias dentro do sistema de do-
de classes no
minação quando seus partidos aceitaram participar da luta política eleitoral marxismo.
da democracia burguesa. Esta estratégia eleitoral acabou reduzindo a luta
do proletariado à conquista de melhorias sem se aventurar na luta revolucionária, que
traria riscos enormes. Assim, o partido social-democrata alemão não teria realizado
uma “traição” de classe. Desta forma, como explica Przeworski (1989, p. 174):
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Para Weber, os conflitos de classe nada mais seriam do que conflitos delimitados
na esfera econômica. Seria uma luta em torno da definição dos “preços no mercado
de trabalho”. Assim, não haveria uma correspondência entre classes sociais e política
como descrita pelos marxistas. Para Weber as lutas políticas consideradas “lutas de
classes” seriam muito mais lutas de “estamentos”. Na verdade, ambas se inter-relacio-
nariam, explicando assim parte da organização de partidos políticos a partir de classes.
83
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Assim, a luta de classes marxistas, presente em realidade no século XIX teria A luta de classes
diminuído conforme foi se reduzindo as práticas de distinção tradicionais baseadas marxistas, presente
no status social dos indivíduos, ou seja, conforme a realidade estamental perecia. em realidade no
Assim, esta seria a razão pela qual o socialismo e partidos operários floresceram século XIX teria
na Europa, mas nunca se tornaram representativos nos Estados Unidos, uma na- diminuído conforme
foi se reduzindo as
ção onde as diferenças de status social nunca foram tão fortes.
práticas de distinção
tradicionais
Se por um lado Lipset consolidou uma interpretação provocadora ao baseadas no
marxismo e simpática à vitória do liberalismo ocidental, por outro lado a teo- status social dos
ria weberiana de classes também produziu uma crítica ferrenha à estrutura de indivíduos, ou
classes no centro do capitalismo a partir da obra de outro sociólogo norte-ame- seja, conforme a
realidade estamental
ricano, Charles Wright Mills.
perecia
Para Wright Mills no seu livro “A Elite do Poder” (1968) a moderna sociedade indus-
trial norte-americana da década de 1960 estava marcada pela colaboração dos sindica-
tos operários aos capitalistas e pela formação de uma extensa “classe média burocratiza-
da” que estava desumanizada pela racionalização cada vez maior do trabalho.
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Uma distinção social bastante exemplar a partir da alimentação pode ser dada
entre a diferença do tipo e quantidade de alimentos ingeridos por trabalhadores manu-
ais em relação aos trabalhadores de escritório. Por isso popularmente se designa a um
prato bem cheio como sendo um “prato de pedreiro”. Por outro lado, também, como
marca de distinção social, as classes mais abastadas tendem a refinar e complexificar
sua alimentação e formas de etiqueta social à mesa, como nas festas em que estão
dispostos diferentes tipos de talheres, pratos e taças para servir os diferentes tipos de
alimentos e bebidas, fato considerado frívolo por populares.
Neste sentido, trabalhadores assalariados em um mesmo nível de consumo, po-
rém com diferentes espaços de trabalho e vivência, podem criar distinções que os se-
param na realidade social (normalmente a separação entre trabalho manual, do traba-
lho de escritório e, este, do trabalho intelectual-artístico). Assim, estilos artísticos, locais
de convivência, estruturas de linguagem e temas de conversa tornam-se espaços de
habitus que distinguem as diversas frações de uma determinada classe social. O mes-
mo ocorreria na classe dominante, onde setores consolidados distinguem-se por refina-
mento de “novos ricos”, já que estes ainda não teriam as práticas do habitus da classe
dominante. Além disso, aspectos étnicos e de gênero também entram na definição de
um determinado habitus de uma fração de classe ou mesmo de profissões específicas.
88
Nas famílias de classe média, desta forma, desde cedo as crianças de classe mé-
dia são preparadas para reprodução deste capital cultural, sendo reservados gastos a
bens culturais (como jornais, livros, cursos de línguas) e com educação (escolas parti-
culares). Nestas escolas particulares seria desenvolvido o habitus de classe média atra-
vés do estímulo à concorrência de estudos e à preparação para o vestibular, canal de
acesso ao ensino superior. Enquanto isso, filhos de trabalhadores manuais geralmente
estimulam seus filhos a já “ganharem a vida” desde cedo, enquanto os de classe média
são estimulados a não se preocupar com finanças até não completarem seus estudos
superiores.
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cipantes (etnografia), que boa parte dos assalariados nos calls centers viram inicial-
mente este trabalho tanto como um forma de ascensão social (em relação à trabalhos
manuais, como de serviços gerais ou de diaristas), mas posteriormente uma fonte de
frustração (dado o alto grau de stress e enfermidades adquiridas no local de trabalho
para adquirir metas e a falta de possibilidades de ascensão em posições de geren-
ciamento). Boa parte dos trabalhadores de telemarketing são formados por mulheres,
de descendência negra ou nordestina, advindas de famílias muito pobres, e de uma
minoria de homens, em sua maioria homossexuais e negros. Assim, identificaram um
ciclo no trabalho do teleoperador, que dura muitas vezes menos de um ano: da con-
tratação, à satisfação, ao adoecimento pela rotinização e pela pressão das metas, à
demissão e seguro-desemprego (BRAGA, 2012, p. 196).
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4 A CULTURA ENTRE A
SOCIOLOGIA E A ANTROPOLOGIA:
ETNOCENTRISMO, IDEOLOGIA,
EVOLUCIONISMO E RELATIVISMO
CULTURAL
Nesta seção, queremos lançar um questionamento. Sabemos que boa parte das
ações humanas não são definidas como atividades econômicas, sociais ou políticas, mas
sim como atividades “culturais”. Este termo é usado das mais diversas formas e com os
mais diversos sentido, ora mais estritos, ora mais amplos, mas porque deixamos este
conceito, que parece preceder os demais quando falamos em atividade humana ou pen-
samos em socióloga foi relegado para um segundo plano?
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Boa parte das formas de se posicionar frente a estas questões estão colocadas no de-
senvolvimento das pesquisas acerca da cultura humana em seu debate central, entre o evolu-
cionismo (etnocentrista) e o relativismo cultural na antropologia e na sociologia clássica.
96
sociedade por parte de sua classe dominante, ou seja, uma visão de mundo, Antonio Gramsci
uma visão “cultural” de fundo religioso, estético e artístico, também pode servir descrevia que os
para legitimar a dominação social. Antonio Gramsci descrevia que os grupos grupos dominantes
dominantes impõem seus valores e crenças aos grupos dominados, num pro- impõem seus
cesso descrito como “hegemonia cultural”, exercida por diversos aparelhos pri- valores e crenças
aos grupos
vados, dedicados à produção e disseminação da visão de mundo dominante
dominados, num
(GRAMSCI, 2011). Esta leitura influenciou diversos estudos culturais de mar- processo descrito
xistas, como Erich Fromm, Herbert Marcuse, Guy De Bord, Raymond Willians, como “hegemonia
Stuart Hall e Benedict Anderson. cultural”, exercida
por diversos
Como veremos a seguir, estudos antropológicos do século XIX serviram aparelhos privados,
dedicados à
como legitimação para a dominação de povos considerados “bárbaros” e “atra-
produção e
sados”. Paradoxalmente, a legitimação do imperialismo europeu sobre povos disseminação
na África e Ásia (em boa medida até fins da Segunda Guerra Mundial) que da visão de
cometeu diversas barbáries e extermínios de povos nativos (como no caso do mundo dominante
Congo Belga), foi construída por acadêmicos sérios em Universidades euro- (GRAMSCI, 2011).
peias em fins do século XIX e início do XX, guiados por uma visão de evolução
das sociedades humanas e de progresso, ou seja, a ciência também é um espaço de
gestação de ideologias, ou seja, visões de mundo que mascaram a realidade e legitimam
a exploração e a dominação.
4.2 EVOLUCIONISMO E
PROGRESSO
No primeiro capítulo, vimos a influência das noções de objetividade das ciências
físicas e da biologia sobre a sociologia clássica. O eixo central do desenvolvimento da
antropologia clássica foi o debate entre o evolucionismo cultural e o relativismo cultural,
como do desenvolvimento de técnicas de pesquisa que garantisse a objetividade da
análise antropológica. Do ponto de vista da chamada escola evolucionista a ideia cen-
tral, adotada pelos primeiros pesquisadores das mais diversas culturais humanas, foi a
de evolução e progresso.
97
O progresso está uma instância simples, como na ideia de progresso linear e ascendente, do
ligado a imagem de simples ao mais complexo, a um patamar que só existe na expectativa dos
uma escada, linear pesquisadores.
e hierarquizada,
que caminha do Assim, a associação do conceito de evolução era com uma ideia mais
mais simples para
antiga, dos filósofos iluministas, a de progresso. O progresso está ligado
o mais complexo,
considerado o mais a imagem de uma escada, linear e hierarquizada, que caminha do mais
“evoluído” aquele simples para o mais complexo, considerado o mais “evoluído” aquele que
que está em um está em um estágio superior, mais complexo, desenvolvido.
estágio superior,
mais complexo, E obviamente, para estes primeiros etnógrafos, as suas sociedades -
desenvolvido.
notadamente Reino Unido e França - eram o estágio superior, mais evoluído
da humanidade, ponto final da evolução, ponto do qual se analisaria para as
outras sociedades, vistas como formas pré-históricas ou situadas em degraus inferiores
da evolução. Esta ideia foi popularizada no século XIX pelo pensador inglês Herbert
Spencer (que também influenciou criticamente Durkheim) e teve maior impacto que a
ideia de evolução darwiniana.
98
99
1890 apud. CASTRO, 2005, p.107-108). Aqui temos uma visão do etnocentrismo
europeu que foi dominante durante o período de imperialismo tardio (fins do século XIX
até fins da Segunda Guerra Mundial).
100
indivíduos, que não agem apenas utilitariamente, mas em função das nor- “nas sociedades
mativas da sociedade em que participa (DURKHEIM, 2000, p.23-24). Para inferiores”, “tudo
Durkheim, a moral era central na explicação dos fatos sociais, que era sem- contribui para
pre um fato coletivo. reduzir as diferenças
e as variações ao
mínimo”. “Tudo é
Durkheim, na introdução de “As formas elementares da vida religiosa” vai
comum a todos. Os
buscar a religião primitiva a partir de duas condições: (1) em sociedades cuja movimentos são
organização seja a mais simples e (2) que seja possível explicá-la sem tomar estereotipados”;
nenhum elemento tomado de uma religião anterior. Desta forma, fica evidente “tudo é uniforme,
a sua ligação com o esquema evolucionista, calcado na ideia do desenvolvi- tudo é simples”
mento de formas sociais mais “simples” para as mais “complexas”. Para ele, (DURKHEIM, 2000,
p. 11).
“nas sociedades inferiores”, “tudo contribui para reduzir as diferenças e as va-
riações ao mínimo”. “Tudo é comum a todos. Os movimentos são estereotipa-
dos”; “tudo é uniforme, tudo é simples” (DURKHEIM, 2000, p. 11). Se os fatos são mais
simples, as relações se tornam mais fáceis de ser compreendidas.
Além disto, partilha da ideia de humanidade como um ser comum, já que concebe
a ideia de que o homem possui uma “natureza religiosa” comum. Tomando o objeto
religioso, percebe que “na base de todos os sistemas de crenças e de todos os cultos,
deve necessariamente haver certo número de representações fundamentais e de atitu-
des rituais que [...] têm sempre a mesma significação objetiva e desempenham por toda
parte as mesmas funções” (DURKHEIM, 2000, p. 10). Para compreender este objeto, a
sociologia, uma “ciência positiva”, deve buscar explicar as religiões arcaicas para com-
preender a realidade presente da humanidade.
101
4.3 O ETNOCENTRISMO NA
ANTROPOLOGIA EVOLUCIONISTA
Além dos estudos sobre culturas “exóticas” e “primitivas”, do “outro” distante,
também surgiram estudos sobre elementos considerados “exóticos” e “primitivos” que
poderiam ser observados dentro das sociedades “civilizadas”. Este etnocentrismo le-
vou ao surgimento de área do conhecimento conhecida como “folclore”, que sob a
perspectiva evolucionista, tornou-se o estudo das “sobrevivências” culturais primiti-
vas na sociedade civilizada. Seriam sobrevivências de um suposto estágio inferior de
desenvolvimento das comunidades e dos indivíduos, consideradas irracionais e sem
função social, como os costumes, superstições e crendices populares. A sobrevivên-
cia deste “folclore” seria determinada por uma suposta desigualdade natural entre os
humanos. As classes mais pobres seriam mais pobres e ignorantes por uma incapaci-
dade natural de se desenvolverem plenamente.
Com isso, a tradição evolucionista foi perdendo força nas Universidades, ou vista
de maneira crítica. Por mais que a ideia de sucessão histórica de formas mais simples
para mais complexas possa ser uma ideia com razoabilidade empírica (como visto no
funcionalismo de Durkheim ou na ideia de desenvolvimento histórico do marxismo), ela
não permite defender a ideia de uma natureza universal e que caminha inexoravelmen-
te por mesmas etapas ou caminhos.
102
Por um lado, o antropólogo Frans Boas (2005) inicia uma tradição do particularismo
histórico e do relativismo cultural, que buscava comprovar que as semelhanças culturais
vistas em povos de regiões distantes, usadas pelos evolucionistas para justificar uma uni-
dade da natureza humana e de suas fases de desenvolvimento civilizatório, decorriam
das trocas culturais entre as sociedades e não por uma suposta unidade da natureza
humana. Também evidenciava que a cultura deveria ser tomada em sua totalidade para
então comparar-se a outras (cada cultura deve ser tomada em sua particularidade).
103
A tradição iniciada por Bronislaw Malinowski (1984), por sua vez, levantou a preposi-
ção de que era fundamental o antropólogo ir a campo realizar a observação empírica para
a constituição de qualquer análise. Para ele, os evolucionistas passaram a ser considera-
dos, pejorativamente, “antropólogos de gabinete”, pois formulavam suas análises a partir
de relatos de viajantes ou observadores pagos.
Além disto, para Malinowski (1984), era necessário compreender uma dada cultura
em sua totalidade e particularidade, sendo que a dissecação de um aspecto de uma dada
sociedade para fins de comparação com outras passou a ser considerado um método
equivocado, já que se detinham na aparência de distintas sociedades sem compreende-
-las em sua totalidade – o que difere uma das outras (CASTRO, 2005, p. 35-36).
104
antropológicos a uma fórmula que possa ser aplicada a cada caso, explicando seu passa-
do e prevendo seu futuro” (BOAS, 2005, p. 106).1
Desta forma, Boas (2005) vai evidenciar que os estudos sobre a cultura
De modo oposto
humana, devido a sua “matéria-prima” complexa, calcada na interação indiví- ao evolucionismo,
duo e sociedade, não pode ser reduzida a um estudo classificatório. Para ele, a a cultura em Boas
antropologia “precisa ser uma ciência histórica, uma ciência cujo interesse está é considerada um
centrado na tentativa de compreender os fenômenos individuais, mais do que todo, “a cultura
no estabelecimento de leis gerais” (BOAS, 2005, p. 107). De modo oposto ao é integrada”, “é
uma totalidade”:
evolucionismo, a cultura em Boas é considerada um todo, “a cultura é integrada”,
“invenções,
“é uma totalidade”: “invenções, vida econômica, estrutura social, arte, religião e vida econômica,
moral, todas estão inter-relacionadas” (BOAS, 2005, p.105 e 103). estrutura social,
arte, religião e
Para ele, as determinações biológicas e racialistas sobre a cultura eram moral, todas estão
meramente especulativas. Para ele, “a cultura é um determinante muito mais inter-relacionadas”
(BOAS, 2005, p.105
importante do que a constituição física” e que “os resultados do extenso ma-
e 103).
terial reunido durante os últimos cinquenta anos não justifica a suposição de
qualquer relação estreita entre tipos biológicos e forma cultural” (BOAS, 2005, p. 97).
Na obra “Raça e Progresso” (2005), Boas vai realizar uma crítica contundente ao
pensamento racial na antropologia. Não negava a necessidade de estudarmos o de-
senvolvimento racial humano, mas considerava que a assimilação de raça com deter-
minações culturais, geográficas e mentais (como traços culturais sendo determinados
hereditariamente) era um empreendimento temerário, não apropriado para o desenvol-
vimento de um conhecimento que pudesse trazer elementos para a compreensão da
própria sociedade. Pelo contrário, para Boas os estudos raciais desenvolvidos na an-
tropologia pareciam reproduzir os preconceitos raciais estabelecidos nas sociedades.
105
106
Para George Stocking Jr., a crítica de Boas “era relativista, tanto no que diz res-
peito ao método como à apreciação em si mesma – as raças, as línguas e as culturas
não podiam ser estudadas nem apreciadas de um ponto de vista eurocêntrico” (STO-
CKING, 2004, p. 31).
Para Benedict era preciso perceber a dialética estabelecida entre indivíduo e so-
ciedade, evidenciando que sociedade e indivíduo não são antagônicos, mas interde-
pendentes, numa relação de necessidade recíproca, um “toma lá, dá cá”. Benedict
fez uma defesa enfática em defesa da relatividade cultural, ou seja, da aceitação e
adoção de trocas culturais pacíficas e buscando a compreensão mútua:
Logo que o ponto de vista seja aceite como uma crença habitual,
ela será um bastião de confiança da vida perfeita. Atingiremos en-
tão uma fé social mais realista, adoptando como razões de espe-
rança e novas bases de tolerância os padrões de vida coexistente
e igualmente válidos que a humanidade criou para seu uso a par-
tir das matérias-primas da existência (BENEDICT, 1985, p. 304).
107
Assim, Mead defendeu a ideia de que o gênero não é baseado nas diferenças bio-
lógicas entre os sexos, mas sim nas condições culturais e históricas de uma determina-
da sociedade. Assim, baseados na ideia de que “os papéis de gênero não são naturais,
mas criados pela sociedade”, Mead estabeleceu “o gênero como um conceito crítico”
(THORPE, 2015, p. 299). Suas ideias influenciaram o movimento de libertação sexual
e feminista dos anos 1960 em diante e na formação de uma área de estudos sobre
gênero nos estudos sociológicos e antropológicos pelo desenvolvimento da chamada
teoria queer.
108
FIGURA 2
FONTE: G1. 9 mai 2018. Disponível em: <https://glo.bo/2VSOQzw>. Acesso em: 19 set. 2019.
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5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste capítulo observamos como os conceitos de política, Estado, classes e
identidades sociais foram trabalhadas a partir da sociologia clássica de Marx e Weber.
Vimos também como o mundo do trabalho sofreu mudanças significativas que impac-
tam na identidade dos indivíduos. Por fim, destacamos o debate entre evolucionismo
e relativismo cultural nos estudos culturais desde a segunda metade do século XIX e
o problema colocado pelo etnocentrismo nas pesquisas sociais.
110
Por outro lado, vimos como a sociologia de matriz weberiana dá maior destaque
a uma análise que não toma a posição econômica comum (“situação de classe”) como
expressão de uma identidade de interesses que se desenvolveria em distinções sociais
e políticas claras, como visto no marxismo. Vimos como a tradição sociológica webe-
riana, no entanto, não se traduz em posições políticas simplificadas. Por um lado, se
desmentia teses marxistas ao analisar a inexistência de classe operária organizada em
partidos comunistas ou trabalhistas nos Estados Unidos visto que nos EUA não havia
reminiscências dos estamentos feudais europeus, por outro lado se destacou a extrema
dominância de uma elite política, econômica e militar que exerce o poder sem oposi-
ções neste mesmo país e que consegue cooptar e manter alienadas as classes mais
baixas e médias, num sistema de dominação burocrática nunca visto antes.
111
REFERÊNCIAS
ANDERSON, P. Considerações sobre o marxismo ocidental: nas trilhas do
materialismo histórico. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
BENEDICT, Ruth. Padrões de Cultura. Lisboa, Portugal: Edição Livros Brasil, 1985.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007a.
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007b.
112
ENGELS, Friedrich. Prefacio de Engels para a terceira edição alemã. In. MARX,
Karl. O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte. São Paulo: Centauro, 2000.
HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1997.
LÖWY, Michael. Ideologia e Ciência Social. 17ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.
113
114
Saber:
Fazer:
116
1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Neste capítulo, pretendemos fazer um breve apanhado dos temas e refle-
xões sociológicas atuais. O objetivo não é exaurir ou aprofundar os temas pro-
postos, mas apresentar algumas das principais problemáticas que se colocam em
nossa sociedade contemporânea. Pretendemos que estas reflexões sirvam para o
aprofundamento de leituras e para a reflexão sobre a necessidade e as formas de
se pensar o ensino da sociologia no sistema de ensino brasileiro.
117
118
119
O fim da União Soviética passou a ser celebrado por boa parte das forças políti-
cas do ocidente (inclusive de esquerda), como a vitória da economia de mercado ca-
pitalista e/ou como a vitória da sociedade calcada na democracia liberal, com respeito
às liberdades individuais, à democracia competitiva e à propriedade privada.
120
Para o sociólogo
Para o sociólogo Manuel Castells (2000), saímos da era industrial e
Manuel Castells
passamos para a era da informação, cuja expressão seria a “sociedade em (2000), saímos
rede”. Uma sociedade permanentemente conectada por redes baseadas da era industrial e
na tecnologia e na internet, permitindo a disseminação de conhecimentos passamos para a
outrora especializados. Um dos exemplos do uso das redes foi a expansão era da informação,
vertiginosa do mercado financeiro internacional, capaz de conectar os vá- cuja expressão seria
a “sociedade em
rios mercados globais e verificar automaticamente as flutuações de preços
rede”.
de commodities e ações.
121
122
Para o autor, a cultura deste novo capitalismo é baseada na ideia de que a ins-
tabilidade econômica, profissional e pessoal deve ser o novo normal. A premissa do
novo capitalismo é a de que “não há mais longo prazo” nas orientações gerenciais e
econômicas das empresas (SENNET, 2006). O resultado do lucro em curtíssimo pra-
zo precisa ser demonstrado rapidamente para felicitar os acionistas e para o bônus
dos executivos. Empresas, mesmo estáveis em lucratividade, são vendidas ou fundi-
das e sob o signo do aumento da produtividade e do lucro. Sempre ocorre enxuga-
mento de pessoal e mudanças de orientação ou sede produtiva. Os trabalhadores
precisam se adaptar e ser polivalentes e reclamar da realidade é soar como alguém
dependente e inflexível (SENNET, 2006).
123
124
O historiador Eric Hobsbawm, por usa vez, destaca que o retorno do fundamenta-
lismo religioso no mundo, seja no ocidente ou no oriente, deriva de uma reação da crise
de noção de “comunidade” e “sociedade”, típicas do mundo descrito pelos sociólogos:
Estes aspectos da sociedade atual ressaltados por Sennet e por Hobsbawm tam-
bém se apresentam em diversos outros autores. Para o sociólogo Zygmunt Bauman
(2001), todos estes fenômenos seriam resultado do advento de uma nova fase da mo-
125
126
Você já parou para se perguntar, refletir com seus familiares, amigos e alunos
sobre esta aparente fluidez da vida cotidiana, da sensação de que sempre falta algo
para nos realizarmos, que parece que estamos sempre “incompletos”, pessoalmente
e profissionalmente? Já se perguntou como esta “insegurança” generalizada tem
formatado a ordem social nos últimos tempos? Quantas pessoas que você conhece
sofrem de problemas psicológicos?
127
Para Harvey (2001), no entanto, estes não eram sintomas de uma sociedade
pós-industrial, pois toda sociedade contemporânea se alicerça sobre a produção in-
dustrializada, apesar de cada vez mais robotizada, apesar de geograficamente ex-
pandida (dos centros para as nações periféricas alinhadas com a política do capital).
No argumento de Harvey (2001), a expansão da indústria para outros centros e a
flexibilização de valores e significados não mudaria a realidade mais essencial do
capitalismo, que é a produção de mais valia.
Esta realidade levou a muitos sociólogos contemporâneos a tentar entender o
fenômeno de transformações radicais no mundo do trabalho que acarretam na preca-
rização das relações de trabalho causado pelo avanço da informática e das tecnolo-
gias baseadas em aplicativos on-line.
FONTE: <https://saude.abril.com.br/bem-estar/pesquisa-brasileiros-
querem-dormir-melhor-mas-nao-conseguem-por-que/>.
128
O motorista passou mal no local da entrega, a cliente chegou a
entrar em contato com a central da RAPPI, que de maneira desumana
se limitou a solicitar que a mesma desse baixa no pedido, para que
eles conseguissem cancelar as próximas entregas do mesmo, evitando
prejuízo aos clientes do aplicativo, afirmando nada poder fazer em relação
ao estado de saúde do “motorista parceiro”.
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3 DESIGUALDADE SOCIAL,
MOVIMENTOS SOCIAIS E CRISE
POLÍTICA NO MUNDO ATUAL
Como vimos na seção anterior, as mudanças no mundo do trabalho são contro-
versas quanto aos efeitos gerados. A crença que a tecnologia pode libertar o homem
do trabalho (a tese de Masi) é frustrada pela realidade de que as novas relações de
trabalho, baseadas em “redes”, geram frustração e desmancham a ideia de “estabili-
dade”, seja nas relações de trabalho ou da vida, levando à situação de “modernidade
líquida” (Bauman). No entanto, a questão da desigualdade e seus efeitos parecem
ser mais consensuais, no sentido que atingiram um ponto que leva ao questionamen-
to da situação até pelos mais ferrenhos defensores do neoliberalismo.
131
e da demanda por mão de obra nas indústrias, levando bilhões de pessoas a migrar
para as cidades em busca de melhores oportunidades de emprego. Se a pobreza já
existia nas populações camponesas de países como Brasil, África do Sul, Índia e China,
a concentração destas populações nas periferias das grandes cidades levou ao surgi-
mento de enormes favelas, do tamanho de cidades, onde passaram a viver milhares de
pessoas de forma concentrada, com péssimas moradias e sem acesso a saneamento
básico.
E, como nós podemos debater essas questões com os alunos? Vamos observar
que contribuições na exposição e explicação destas questões tem surgido no debate
acadêmico e público nas últimas décadas.
132
Paulo, Rio de Janeiro, Nova Délhi e Joanesburgo (que possui a maior favela do mundo,
Soweto, com quatro milhões de habitantes). Para Davis (2006), o descompromisso do
Estado em financiar a moradia popular via crédito barato, a valorização capitalista dos
espaços urbanos e a precariedade dos trabalhos informais são as razões apontadas
para se entender o fenômeno de favelização nos grandes centros urbanos.
133
134
porém, que somente revoluções podem acabar com o ciclo, apostando e colocando
como programa a regulação política do capitalismo atual. A concentração absurda de
riquezas nas mãos de uma minoria leva à redução da demanda consumidora, geran-
do desemprego e pobreza. A questão foi sintetizada por Piketty (2014, p. 368):
Em outras palavras, gera-se uma situação em que os ricos tendem a ficar cada
vez mais ricos à revelia da grande maioria da massa trabalhadora. Cita o exemplo
dos Estados Unidos, que na atualidade apresenta dados de concentração de riqueza
enormes: os 10% mais ricos detém 72% da renda nacional enquanto os 50% mais
pobres detém apenas 2%. Além disso apresenta outro dado alarmante: dentre os ri-
cos existe uma minoria descrita como “super-ricos”, que concentram boa parte da
riqueza nacional em suas mãos.
135
FONTE: WOLF, Martin. Financial Times. 3 jul. 2019. Disponível em: <https://
www1.folha.uol.com.br/colunas/martinwolf/2019/07/por-que-o-governo-
democratico-mostra-desgaste-nos-estados-unidos-e-no-reino-unido.shtml>.
136
Para Foucault (2006), não haveria um centro onde o poder poderia seria to-
mado da classe dominante e a ordem capitalista substituída por outra. Para ele,
os perigos de se manter ou criar novas instituições disciplinares e punitivas tam-
bém era uma realidade nos Estado socialistas da época. Como explica Foucault,
criticando a falta de interesse de intelectuais marxistas franceses de sua época
acerca das questões das instituições e saberes punitivos/disciplinares realizadas
em seus primeiros estudos sobre a psiquiatria:
137
Apesar de terem surgido movimentos em prol de uma “nova esquerda” que pre-
servasse o legado marxista da opressão soviética ou do controle intelectual pelos
Partidos Comunistas (ANDERSON, 2004), os movimentos da década de 1960 trou-
xeram novas identificações políticas e a chamada filosofia pós-moderna (também de-
nominada de “pós-estruturalista”) ganha relevância.
138
139
Na antropologia e na sociologia surge, a partir dos anos 1980, os estudos
de gênero sob uma perspectiva pós-estruturalista, que iriam ser descritos
Na antropologia e
na sociologia surge, como a teoria queer. Se a partir das contribuições clássicas de Margareth
a partir dos anos Mead (estudada ao final do Capítulo 2) e da influência filosófica do existen-
1980, os estudos cialismo feminista de Simone de Beauvoir os estudos de gênero passaram
de gênero sob uma a se tornar um campo da sociologia, posteriormente, pela influência da fi-
perspectiva pós- losofia pós-estruturalista (como de Foucault e Derrida), surge esta corrente
estruturalista, que
de intelectuais que busca em seus estudos dismistificar os rótulos sociais
iriam ser descritos
como a teoria queer. em torno dos gêneros masculino e feminino tradicionais. Como explica Ri-
chard Miskolci:
140
Como você tem visto o efeito destes movimentos em nossa sociedade? Estes
são debates centrais a serem realizados com nossos alunos para formação de uma
perspectiva de cidadania calcada no respeito à diversidade e a não discriminação.
Sugerimos uma atividade a seguir, a partir da leitura de uma reportagem histórica, que
permite o debate do tema.
141
“Eu não tinha lei a meu favor, era tudo contra mim. Eu era tida como
puta. Não consigo me desvencilhar dessas coisas até hoje”, diz Waldire-
ne, agora uma senhora de 71 anos, ainda manicure no interior de São
Paulo”.
142
Para Machado (2007), os novos movimentos sociais colocam uma dinâmica so-
cial incapaz de ser avaliada sob um ponto de vista estrutural-institucional, sendo fre-
quentemente descritos como movimentos não institucionalizados.
143
Para Machado (2007), por outro lado, os novos movimentos sociais deveriam
ser tomados como os movimentos que não se enquadravam no esquema sociológi-
co de até então:
144
Por outro lado, o que tem se visto em várias regiões do planeta mais recentemente
é o aprofundamento das desigualdades e o crescimento de situações políticas extre-
mistas, o que leva à reflexão sociológica sobre as condições para a ação política nos
tempos de hoje.
145
Populistas vêm ganhando força mundo afora, explorando temores da população e descontenta-
mento com a política. Uma análise sobre os casos de Estados Unidos, Itália, França, Alemanha
e Brasil.
FONTE: Deutsche Welle, 25 out 2018. Disponível em: <https://www.dw.com/
pt-br/como-o-populismo-instrumentaliza-o-medo-pelo-mundo/a-46030839>.
Para Fraser, o colapso desta política hegemônica levou a crise atual expres-
sa em algumas características em comum:
146
Para entender esta crise, portanto, Fraser (2018) resgata o conceito de A hegemonia
hegemonia do marxista Antonio Gramsci, conceito que descreve o processo capitalista nas
em que uma classe dominante naturalizada sua dominação, tornando seus últimas décadas foi
pressupostos como “senso comum” da sociedade. A hegemonia capitalista forjada combinando
dois aspectos: a
nas últimas décadas foi forjada combinando dois aspectos: a distribuição, ou
distribuição, ou
seja, “como a sociedade de alocar bens divisíveis, especialmente renda”; e, seja, “como a
o reconhecimento, “um senso de como a sociedade deve atribuir respeito e sociedade de alocar
estima [...], refere-se às suas hierarquias de status” (FRASER, 2018, p. 45). bens divisíveis,
especialmente
Para ela, portanto, o colapso do bloco hegemônico anterior, o “neolibe- renda”; e, o
reconhecimento,
ralismo progressista” levou a eclosão de movimentos como os que levaram
“um senso de como
Trump ao poder nos Estados Unidos. Esta situação se deu pelo fato de que a sociedade deve
os efeitos do neoliberalismo, implementado pelos governos norte-americanos atribuir respeito e
a partir de Ronaldo Reagan, “esvaziaram os padrões de vida da classe traba- estima [...], refere-se
lhadora e da classe média, enquanto transferiam riqueza e valor para cima, às suas hierarquias
principalmente para o grupo 1% mais rico” (FRASER, 2018, p. 45). de status”
(FRASER, 2018, p.
45).
No entanto, se os efeitos da distribuição eram negativos, a hege-
monia neoliberal necessitava compensar em outro aspecto, que foi o de
reconhecimento a partir de “aspirações não econômicas de emancipação”. Assim
“calhou, desse modo, aos ‘novos democratas’ contribuir com o ingrediente essen-
cial: uma política progressista de reconhecimento”, tendo por núcleo “os ideais de
147
Assim, como declara Fraser (2018), “o programa neoliberal progressista para atin-
gir uma ordem de status justa não visava a abolir a hierarquia social, mas ‘diversificá-
-la’, ‘empoderando’ mulheres ‘talentosas’, pessoas de cor e minorias sexuais para que
chegassem ao topo” (FRASER, 2018, p. 47). Obviamente que nem todos movimentos
sociais foram ganhos para a causa neoliberal progressista, mas aqueles que foram,
conscientes ou não, constituíam boa parte dos movimentos. Assim, o lado sombrio da
atividade econômica neoliberal adquiriu algo de emocionante ao proporcionar um am-
biente cosmopolita e progressista. Projetos antineoliberais eram marginalizados e deli-
beradamente excluídos da esfera pública.
Ainda segundo Fraser (2018), o sucesso de Trump foi combinar no período elei-
toral um novo bloco “proto-hegêmonico” que pode ser definido como “populismo rea-
cionário”, pois combinou uma política “hiper-reacionária de reconhecimento com uma
política populista de distribuição: o muro na fronteiro mexicana, além de gastos de
larga escala em infraestrutura”. Eleito, apesar da manutenção de índices de desem-
148
prego baixos herdado de Obama, sua política ficou longe da política de distribuição
prometida e do protecionismo esperado, mantendo o neoliberalismo em uma versão
de compadrio e de beneficiamento direto dos 1% mais ricos.
Assim, esta leitura da crise política mundial a partir do caso norte-americano, apre-
sentado por Fraser (2018), nos ilustra os paradoxos desta modernidade tardia e os peri-
gos que prenunciam o deslocamento discursivo das contradições sociais apenas sob a
ótica do reconhecimento social e não na distribuição de riquezas.
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4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste capítulo, estudamos sobre vários temas e perspectivas sociológicas para
compreensão do mundo contemporâneo. Observamos aspectos como as mudanças
geradas no mundo do trabalho e nas relações interpessoais, as mudanças de pers-
pectivas metodológicas (como os estudos influenciados pelo “pós-estruturalismo”, a
emergência dos “novos movimentos sociais” e, avaliamos em parte o processo de crise
política atual e de crescimento de desigualdades sociais.
151
to ao indivíduo na análise sociológica, por outro lado a adoção da leitura romântica, do espe-
cífico pelo específico, da fuga da objetividade pela aceitação da subjetividade como ótica de
análise e fora das regras da crítica científica parecem apenas servir como fugas intelectuais
e deslegitimam o conhecimento acadêmico na sociedade.
Além disso, análises como de Fraser, de crítica teórica e política dos movimentos so-
ciais na fase neoliberal do capitalismo, evidenciam que a fuga das análises estruturadas
da sociologia clássica demonstra limites na compreensão dos fenômenos de crise política
e desconforto em torno do avanço das pautas destes movimentos. Se o dualismo ante-
rior parecia estar sob o primado econômico-coletivo e de oposição de classes, o primado
passou a ser cultural-individual e centrado no conflito progressismo vs. conservadorismo.
Sínteses tornam-se necessárias e por isso privilegiamos a exposição desta autora na
avaliação da crise política atual, que também atinge o nosso país.
A era inaugurada pela filosofia, artes e movimentos desta era “pós-moderna” não
conseguiu apresentar alternativas de transformação social às antigas contradições iden-
tificadas pela sociologia clássica de Marx, Weber e Durkheim, que se apresentam ainda
como presente no mundo atual.
Além disso, temos visto neste debate, a partir da publicação da Base Na-
cional Curricular Comum, o ataque a premissas básicas do estado leigo e da li-
berdade de pesquisa e ensino no Brasil. Primeiramente, temos o prenúncio da
obrigatoriedade da oferta de ensino religioso e a retirada do termo “gênero” dos
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REFERÊNCIAS
ALONSO, Angela. As teorias dos movimentos sociais: um balanço do debate. In.
Lua Nova. São Paulo, n. 76, 2009, p. 49-86.
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ROUANET, Sérgio P. As razões do iluminismo. São Paulo: Cia das Letras, 1987.
154
WOLF, Martin. ‘Capital in XXI century’, by Thomas Piketty. In. Financial Times. 24
abr. 2014. Disponível em: https://www.ft.com/content/0c6e9302-c3e2-11e3-a8e0-
00144feabdc0#axzz2yz1aCVku. Acesso em: 2 ago. 2019
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