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A criança com asma e sua família: avaliação

psicossomática e sistêmica

Dóris Lieth Nunes Peçanha

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PEÇANHA, D. L. N. A criança com asma e sua família: avaliação


psicossomática e sistêmica [online]. São Carlos: EdUFSCar, 2015, 201 p.
ISBN 978-85-7600-456-1. https://doi.org/10.7476/9788576004561.

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A criança com asma
e sua família
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Dóris Lieth Nunes Peçanha

A criança com asma


e sua família
avaliação psicossomática e sistêmica

São Carlos, 2015


© 2015, Dóris Lieth Nunes Peçanha

Capa
Rafael Chimicatti

Projeto gráfico
Vítor Massola Gonzales Lopes

Preparação e revisão de texto


Marcelo Dias Saes Peres
Daniela Silva Guanais Costa

Editoração eletrônica
Guilherme José Garbuio Martinez

Apoio
Fapesp

Processo no 2012/07940-6, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).


As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsa-
bilidade da autora e não necessariamente refletem a visão da Fapesp.

Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar

Peçanha, Dóris Lieth Nunes.


P364c A criança com asma e sua família : avaliação
psicossomática e sistêmica / Dóris Lieth Nunes
Peçanha. -- São Carlos : EdUFSCar, 2015.
201 p.

ISBN – 978-85-7600-402-8

1. Medicina psicossomática. 2. Teoria dos sistemas.


3. Avaliação sistêmica. 3. Subjetividade. 4. Asma em
crianças. 5. Família. I. Título.

CDD – 616.08 (20a)


CDU – 61:159.9

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titular do direito autoral.
“Existe uma canção que precisa ser cantada
em nossa cultura: a canção dos ritmos dos re-
lacionamentos, das pessoas enriquecendo-se e
expandindo-se mutuamente. O ruído e o tu-
multo da vida cotidiana muitas vezes abafam o
som das harmonias que tornam possível a vida
compartilhada – as melodias da mútua acomo-
dação e apoio cimentam a interação humana.”
(Salvador Minuchin)
Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fa-


pesp), pela concessão de auxílio para apresentação de parte deste traba-
lho em Congresso Internacional, pelo parecer favorável à realização de
pesquisa pós-doutoral relacionada ao mesmo e, finalmente, pelo apoio à
publicação deste livro, juntamente com a Editora de nossa Universidade,
a EdUFSCar. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico (CNPq), pela concessão de bolsas envolvendo partes deste tra-
balho (doutoramento, apoio à participação em eventos científicos e pro-
dutividade científica); à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes), pelo auxílio por ocasião do doutorado sanduíche
na Université René Descartes (Paris V – Sorbonne).
À “sempre” orientadora e amiga, Profa. Dra. Aidyl Macedo de
Queiroz Pérez-Ramos (IP-USP, SP e APP – Academia Paulista de Psico-
logia), exemplo de competência profissional e de sensibilidade humana.
Profunda gratidão por todos os encontros e trocas, pela solidez de dire-
trizes, incentivo e compreensão.
À ex-orientadora parisiense, Profa. Dra. Rosine Debray (in memo-
rian, Paris V, França), à equipe da Associação Instituto de Psicossomática
Pierre Marty (Paris), a Christophe Dejours (Paris V), por todas as vezes
em que, gentilmente, nos acolheu em seu Laboratório no CNAM. Os
agradáveis contatos com essas pessoas e muitos outros colegas e amigos
na França, ao longo dos últimos 20 anos, influenciaram decisivamente
nossa trajetória.
À Profa. Dra. Jurema Alcides Cunha (PUCRS) (in memorian), pela
alegria e incentivo às nossas contribuições ao Teste das Fábulas; ao colega
e ex-orientador Prof. César Augusto Piccinini, PhD, (UFRGS), pelo incen-
tivo, e ao Prof. Dr. Carlos Alberto Ribeiro Diniz (UFSCar), pela assessoria
estatística.
Ao colega canadense Carl Lacharité, PhD, pelas discussões e cola-
borações científicas por mais de uma década, contribuindo no aperfei-
çoamento do pensar sistêmico.
Ao Laboratório Vivência Intrapsíquica e Desenvolvimento Am-
biento-Organizacional (Vida), que juntamente com o Curso de Gradua-
ção em Psicologia (UFSCar) festejou 20 anos de existência (em 2014), em
especial às nossas ex-alunas, em nome da psicóloga Késia Cristina Matos
de Sousa, pela colaboração na realização dos estudos de casos.
À família, que oportunizou as condições fundamentais para com-
preendermos o ser humano: mãe, Horfila Nunes Peçanha, incentivo e
compreensão em todos os momentos; pai, Antonio da Porciúncula Peça-
nha (in memorian), amor e apoio incondicional; irmão, Sérgio Hamilton,
pelo carinho e sabedoria; filhos, Munir e Cássio Peçanha Rockenbach
(engenheiros de produção), que amorosamente, desde a tenra infância,
compreenderam a importância de nossa missão como psicoterapeuta,
pesquisadora e escritora.
Aos amigos, na pessoa da psicóloga Cibele Coury, pelo carinho,
apoio e agradáveis trocas na salinha “mágica”, como assim a denominou.
Às crianças e famílias que participaram desta pesquisa. A você leitora e
leitor, razão final deste livro.
Sumário

1. Introdução: em busca da compreensão


humana 11
1.1 Apresentação 11
1.2 Problematização e objetivos 12
1.3 Síntese e orientações do trabalho 17

2. O que dizem livros e artigos sobre o tema 19


2.1 Quadro asmático 19
2.1.1 Epidemiologia 23
2.1.2 Asma como síndrome multifatorial 26
2.1.3 Revisão de estudos sobre a criança asmática 28
2.1.4 Cronicidade da doença e disfunções na família? 34

2.2 Compreensão psicossomática: evolucionismo e


psicanálise 38
2.2.1 Evolucionismo: do amor pelos animais à
psicossomática 43
2.2.2 Psicogênese das doenças somáticas? 46
2.2.3 Princípio da predição? 50
2.2.4 Conceitos fundamentais em psicossomática 51
2.2.4.1 Pensamento operatório 51
2.2.4.2 Mentalização 52
2.2.4.3 Depressão essencial 54
2.2.4.4 Desorganização progressiva 55

2.3 Compreensão sistêmica e famílias 57


2.3.1 Da Teoria dos Sistemas (TS) à Teoria Familiar
Sistêmica (TFS) 58
2.3.2 Teoria sistêmica e estudo de famílias
psicossomáticas 63
3. Como entender crianças e famílias 69
3.1 As crianças e suas famílias 70
3.2 Meios compreensivos 75
3.2.1 Entrevista com os pais 76
3.2.2 Desenho em Cores da Família (DCF) 80
3.2.3 Entrevista Familiar Estruturada (EFE) 89
3.2.4 Teste das Fábulas (TF) 98

3.3 Ajuste das técnicas à realidade dos sujeitos 107

4. Com a palavra, crianças e famílias 111


4.1 Pais 111
4.2 Crianças no desenho (DCF) 119
4.3 Crianças nas estórias (TF) 123
4.4 A família (EFE) 131
4.5 Vinte estudos psicológicos 134
4.6 Manoel e sua família: um caso típico 159
4.7 Síntese dos resultados gerais 170

5. Discussão e sugestões 173

6. Novos inícios integrativos 185

Referências 189
1. Introdução: em busca da
compreensão humana

1.1 Apresentação

A originalidade deste livro reside na integração, por meio da práti-


ca clínica, das teorias sistêmica e psicossomática. Fritjof Capra recomen-
dou tal integração como ideal para a compreensão do ser humano. En-
quanto Capra escrevia sobre isso (sem que o soubéssemos), atendíamos
crianças e famílias conjugando essas abordagens teóricas.
Este trabalho busca, em especial, contribuir para uma maior com-
preensão da criança com asma e de seu contexto familiar, estudando as
influências recíprocas entre ambos. Isto se justifica porque os trabalhos
disponíveis geralmente focalizam a asma na infância ou a família da crian-
ça asmática numa abordagem unidirecional. Entretanto, teorias mais re-
centes e a prática clínica indicam a reciprocidade entre esses dois aspectos.
A presente contribuição caracteriza-se por duas perspectivas:
uma, de caráter teórico-experimental, que relaciona teoria e dados obti-
dos; outra, eminentemente clínica, que objetiva compreender as intera-
ções entre o desenvolvimento emocional da criança com asma e sua fa-
mília (e vice-versa), favorecendo intervenções que potencializem a saúde
nesse processo transacional.
Ao longo deste trabalho são apresentadas concepções teóricas psi-
cossomática e sistêmica, bem como o que a clínica médica entende por
quadro asmático. As contribuições bibliográficas incluíram revisões da li-
teratura sobre o tema em foco e aqueles de abordagem aproximativa ao
mesmo em função da escassez de estudos que conjuguem essas aborda-
gens. Fontes bibliográficas clássicas também foram incluídas em função
de sua relevância para esta investigação. Como metodologia, utilizamos o
método de estudo de caso com um grupo de crianças com asma e idade
A criança com asma e sua família

de 7 a 8 anos (grupo experimental), comparado e emparelhado com outro


grupo de crianças sem problemas de saúde e na mesma faixa etária (gru-
po controle). Em ambos, estudamos aspectos do desenvolvimento infantil,
o contexto psicoeducativo, bem como a estrutura e a dinâmica familiar
dentro de uma visão que considerou a influência mútua e interdependen-
te entre todos esses elementos. Os seguintes instrumentos, aplicados aos
dois grupos, foram utilizados: entrevista com os pais e Entrevista Familiar
Estruturada (EFE) e técnicas projetivas como o Desenho em Cores da Fa-
mília e Fábulas. As crianças do grupo controle, além de terem sido selecio-
nadas segundo as variáveis de emparelhamento entre os grupos, deveriam
ser saudáveis física e psicologicamente. Esta última condição também fez
parte do grupo experimental. A análise dos dados foi feita de forma quali-
tativa e quantitativa. A primeira, efetuada por meio do estudo das falas dos
sujeitos, considerou a relação biunívoca de pares de emparelhamento, ex-
perimental e controle, relacionando-os com a teoria e as variáveis dos ins-
trumentos usados. Posteriormente, foi feito o estudo conjunto de todos os
casos pertencentes a cada grupo. Para a segunda forma, quantitativa, utili-
zamos a estatística descritiva, que também permitiu a análise conjunta de
todos os casos, possibilitando igualmente a caracterização e comparação
entre os grupos (experimental e controle). A comparação entre os mes-
mos, relativamente à EFE, foi feita por meio de técnicas de significância
estatística (teste “T”, de Student), pois os dados obtidos foram expressos
numa escala que forneceu a média de cada variável estudada. Apresenta-
remos, ao longo do trabalho, os casos clínicos e um estudo completo de
uma criança e sua família, ilustrando a compreensão obtida a partir das
falas destes pacientes. Discussões dos resultados e sugestões terapêuticas
também serão apresentadas nesta obra.

1.2 Problematização e objetivos

A criança com asma tem sido estudada, no âmbito da Psicologia


Clínica, focalizando-se o fator emocional na gênese e evolução dessa
doença crônica. Além disso, os estudos sobre o desenvolvimento de
crianças com essa enfermidade, ao compará-las com aquelas não por-
tadoras da mesma, apresentaram particularidades que têm requerido

12
Dóris Lieth Nunes Peçanha

dos especialistas estudos específicos.1 Contudo, poucas são as pesquisas


desenvolvidas no ambiente natural das crianças. Além disso, não en-
contramos trabalhos que atentassem para o processo evolutivo infantil
em interação recíproca com a estrutura e dinâmica familiar, aspectos
que serão analisados em nossa pesquisa clínica. Os autores de orien-
tação dinâmica vêm estudando os conflitos psicológicos presentes na
relação mãe-criança como um aspecto importante na etiologia de cer-
tas doenças crônicas, por exemplo, a asma na criança. Uma importante
revisão da literatura sobre o tema2 destacou um bloqueio no processo
de separação-individuação dessas crianças, com implicações decisivas
para seu desenvolvimento. Achados prévios desta autora3 apoiaram es-
sas assertivas teóricas concernentes à dificuldade no processo de indi-
viduação, indicando ainda que a díade mãe e criança com asma tendia
a apresentar padrões particulares de interação quando comparada com
grupos de crianças sem problemas de saúde ou com outras portadoras
de doença crônica, como as cardiopatias congênitas.
Por outro lado, a literatura sobre os sistemas familiares mostra di-
ferenças importantes entre famílias com fronteiras claras entre seus inte-
grantes e aquelas “emaranhadas”, com limites difusos e sem papéis defi-
nidos entre seus membros.4 As últimas integram o quadro denominado
“famílias psicossomáticas”, que foram estudadas inicialmente por Mi-
nuchin, Rosman e Baker,5 com desenvolvimentos que incluem famílias
com crianças asmáticas.6 Nossa pesquisa amplia as contribuições desses
autores, integrando o estudo do processo evolutivo de crianças com asma
e de suas famílias por meio da análise clínica, psicossomática e sistêmica,
das transações recíprocas ocorridas no aqui e agora desse núcleo familiar.
Resultados de diversas investigações sobre a asma na infância pa-
recem confirmar a hipótese de uma associação entre as dificuldades de
interação na família e o surgimento e a gravidade desse quadro clínico

1 Mrazek e Klinnert (1996), Mrazek (2003), Klinnert, Kaugars, Strand e Silveira (2008), Nagano et
al. (2010), Peçanha e Lacharité (2007).
2 Madrid (2006).
3 Rockenbach-Peçanha (1993).
4 Boszormenyi-Nagy e Framo (1980), Bowen (1984), Molinari, Taverna, Gasca e Constantino
(1994), Seywert (1990), Shapiro (1991).
5 Minuchin, Rosman e Baker (1978).
6 Frey (1995), Gustafsson (1987), Gustafsson, Kjellman e Bjorksten (2002), Onnis (1989).

13
A criança com asma e sua família

na criança.7 Portanto, esse tema torna-se relevante para a saúde física


e psicológica, implicando um maior conhecimento dos fatores emocio-
nais associados à asma pediátrica,8 particularmente aqueles derivados do
contexto familiar, incluindo a maneira como são percebidos pela criança
portadora dessa doença e por sua família.9
Além disso, a necessidade de compreensão dos vínculos transa-
cionais entre a criança com asma e sua família encontra suporte no en-
foque metodológico integrativo e no modelo transacional do processo
evolutivo criança-família. Essas abordagens apresentaram, em comum,
o fato de considerarem as várias áreas que operam no desenvolvimento
infantil de forma inter-relacionada com o contexto sociofamiliar. Conce-
bemos as diferentes áreas do processo evolutivo da criança de forma in-
ter-relacionada, e estas, por sua vez, integram-se com outro todo maior,
que são as variáveis provenientes do contexto familiar. Ressaltamos que
o modelo anteriormente proposto por Pérez-Ramos10 referia-se à me-
todologia de estudo de caso, considerando que avaliação e intervenção
constituem processos inter-relacionados que envolvem ações recíprocas
e complementares.
Independentemente da direção causal e da inconsistência dos
achados sobre problemas emocionais podendo desencadear a doença fí-
sica, ou vice-versa, estudos clássicos11 afirmam que a enfermidade crôni-
ca, como acontece com a asma, altera o ritmo do desenvolvimento infan-
til, manifestando-se de diversas formas, de acordo com uma série de va-
riáveis, entre elas as características da própria criança. Contudo, importa
saber como a criança vivencia os conflitos dentro de seu grupo familiar e
que defesas ela mobiliza para lidar com essas pressões. Assim nos interes-
sou investigar como falhavam os mecanismos psicológicos condizentes
com a faixa etária da criança, passando a ocorrer somatizações. Portanto,
estas se ligam à gênese e à evolução do quadro asmático, como postulou

7 Fiese (2008), Gustafsson, Kjellman e Bjorksten (2002), Klinnert, Kaugars, Strand e Silveira
(2008), Molinari, Taverna, Gasca e Constantino (1994), Nagano et al. (2010).
8 Cabral et al. ([2002] 2010), Fritz, Spirito e Yeung (1994), Klinnert, Mrazek e Mrazek (1994),
Mrazek (2004), Mrazek e Klinnert (1996), Mrazek, Klinnert, Mrazek e Macey (1991), Peçanha e
Lacharité (2007).
9 Wood et al. (2008).
10 Pérez-Ramos (1990).
11 Eiser (1990).

14
Dóris Lieth Nunes Peçanha

a teoria psicossomática pediátrica formulada, inicialmente, por Kreisler,


Fain e Soulé,12 destacando-se, nas últimas décadas, as obras de Szwec
e Debray.13 O presente trabalho contribui para o conhecimento desses
psicodinamismos no contexto criança e família. Ao incluir a compreen-
são da família nuclear dessas crianças num entendimento transacional e
psicodinâmico, esta autora amplia seus estudos anteriores que incluíam
díades (mãe e criança com asma14) e tríades (mãe, criança com asma e
pessoa estranha15).
O estudo das inter-relações entre a criança com asma e sua família
justifica-se ainda pelas evidências de que esse processo tendia a ocorrer
com dificuldades para essas partes do processo. Isso já era sugerido pelos
trabalhos pioneiros de Alexander16 sobre o valor da relação mãe-filho e
que foram desenvolvidos, na década de 1940, por ele e outros que inte-
graram a Escola de Chicago nos Estados Unidos; no Brasil, pela pesquisa
pioneira de Queiroz,17 em São Paulo, instituindo, naquela época, o que
mais tarde seria denominado de pediatria hospitalar; na Itália, destaca-
mos os trabalhos de Onnis.18 Esse autor mostrou como a asma pediátrica
sustentava-se na estrutura e na dinâmica familiar, tendo importante fun-
ção mantenedora do equilíbrio desse sistema, embora com altos custos
para a saúde do grupo.
Em síntese, a atenção desta pesquisadora ao estudo da criança com
asma liga-se à multifatoriedade e à importância do assunto para o desen-
volvimento infantil.19 Além disso, a análise da literatura evidenciou a in-
suficiência dos modelos teóricos que estão caracterizados pela unidimen-
sionalidade e, consequentemente, dos métodos de pesquisa utilizados.
Dessa forma, encontramos, de um lado, muitos estudos sobre a criança
com asma, considerada isoladamente ou na relação com sua mãe, e, de
outro, estudos mais recentes que incluem a família, mas que, em geral,

12 Kreisler, Fain e Soulé (1974).


13 Szwec (1993, 1998), Debray (1996, 2001, 2008).
14 Rockenbach-Peçanha (1993).
15 Peçanha (1993).
16 Alexander ([1952] 1989).
17 Queiroz (1960).
18 Onnis (1989), Onnis et al. (1993, 1994).
19 Peçanha (1993, 1996, 1997), Rockenbach-Peçanha (1993), Peçanha e Piccinini (1994), Peçanha e
Pérez-Ramos (1997, 1999), Peçanha, Pérez-Ramos e Lacharité (2003), Peçanha e Lacharité (2007).

15
A criança com asma e sua família

não contemplam o dinamismo das transações entre criança e família.


Contudo, estes últimos possibilitaram a formulação do modelo de “fa-
mílias psicossomáticas”,20 cuja conceituação, embora tenha gerado hipó-
teses importantes sobre o funcionamento de famílias com um membro
portador de doença crônica, também desperta críticas relativas ao seu
caráter reducionista que impede o real entendimento do grupo familiar
e do indivíduo que apresenta a enfermidade.21 Considerando essa lacuna
no conhecimento científico, examinamos o desenvolvimento da criança
com asma e o papel da família na coconstrução desse processo por meio
das transações recíprocas entre estes dois agentes (criança e família). Em
consequência, as teorias que se mostraram mais adequadas ao problema
de pesquisa, contemplando sua complexidade, foram: a psicossomática e
a abordagem sistêmica da família.
Os objetivos da pesquisa fundamentaram-se em duas fontes de
informação: na literatura relativa ao tema, que indicou a necessidade
de maior conhecimento das transações recíprocas entre criança com
asma e sua família, e na experiência da autora como psicoterapeuta e
pesquisadora na área da asma pediátrica. Destacamos, assim, a natureza
teórica e clínica do trabalho. A primeira dimensão caracterizou-se pelo
teste empírico de assertivas teóricas sobre crianças com asma por meio
de estudos de caso em análise bidirecional criança e família. A dimen-
são clínica refere-se à aquisição de um maior conhecimento de fatores
emocionais específicos da asma na infância, explicada pela inter-relação
criança-família, favorecendo intervenções junto a ambas. Considerando
esse posicionamento, o objetivo geral desta obra consiste em transmitir
nossa compreensão das inter-relações entre a criança e sua família no
contexto dessa doença crônica. Os objetivos específicos do estudo foram
assim delineados:

• Inter-relacionar o processo evolutivo das crianças com


asma com as características da estrutura e da dinâmica de
seu núcleo familiar.

20 Bruch (1978), Minuchin, Rosmam e Baker (1978), Peçanha e Lacharité (2007).


21 Onnis (1989), Selvini (1987).

16
Dóris Lieth Nunes Peçanha

• Identificar os padrões básicos da estrutura e do funciona-


mento das famílias com crianças asmáticas, explicitando a
dinâmica transacional com essas últimas.
• Analisar os psicodinamismos transacionais das crianças
com asma com seu contexto familiar.
• Explorar a interdependência do quadro asmático com o
processo de desenvolvimento da criança e com as caracte-
rísticas de seu contexto familiar.

Por fim, ressaltamos que a asma não é apenas uma enfermidade


que ilustra a compreensão sobre doenças psicossomáticas, mas também
constitui um exemplo para o estudo de famílias devido a sua comorbida-
de com problemas mentais e potencial para afetar múltiplos membros da
família,22 interessando conhecer em particular as interações entre criança
e sistema familiar.

1.3 Síntese e orientações do trabalho

Da análise da literatura disponível, concluímos que os estudos psi-


cossomáticos tendem a se concentrar nas variáveis intrapsíquicas e, par-
ticularmente, na qualidade da relação mãe-criança, enquanto os traba-
lhos sistêmicos focalizam as inter-relações presentes no grupo familiar.
Constatamos, ainda, a ausência de pesquisas que integrem essas teorias.
Recentemente observamos uma tendência nos estudos sistêmicos, sobre-
tudo europeus, em contemplar as variáveis provenientes do indivíduo,
reconhecendo que demasiada ênfase no sistema pode obscurecer a com-
preensão do sujeito.
A referida lacuna teórica encontra seus reflexos na escassez de
produções científicas que analisem as transações recíprocas entre crian-
ça e família, aprofundando o estudo desses dois agentes. Contudo, os
trabalhos examinados permitiram fundamentar a abordagem integrativa
de nossa pesquisa; os aspectos mais importantes relativos à dinâmica in-
trapsíquica e relacional das crianças com asma, bem como das variáveis

22 Fiese (2008).

17
A criança com asma e sua família

familiares que influenciam na gênese e manutenção dessa enfermidade;


a seleção de meios compreensivos ou de instrumentos psicológicos que,
além dos dados fornecidos pelo informante, possibilitaram uma análise
mais objetiva pela pesquisadora-observadora dos fatores em estudo. Al-
gumas diretrizes derivadas dos trabalhos revisados são referidas a seguir:

• Os enfoques psicossomático e sistêmico, utilizados em con-


junto, mostram-se suficientemente amplos e integradores
no sentido de favorecer uma análise da reciprocidade de
desenvolvimento entre criança e família. Podemos afirmar
que essa abordagem apreende o objeto de estudo em suas
especificidades, em sua totalidade e em suas inter-relações.
• A conjugação de tal referencial teórico permite elucidar as
implicações psicológicas da asma na infância, ultrapassan-
do modelos lineares, ou seja, unidimensionais e causais, que
se mostram incompatíveis com os avanços da ciência em
diferentes áreas do conhecimento.
• A preocupação básica dessas perspectivas vem sendo a sis-
tematização de conhecimentos que permitam compreender
os meios pelos quais indivíduos e famílias regulam seu equi-
líbrio. Numa forma inovadora e integrando psicossomática
e sistêmica, acreditamos melhor entender a busca do equilí-
brio nesses sistemas e o significado de um sintoma (no caso,
a asma pediátrica).
• Quanto aos instrumentos psicológicos empregados nos es-
tudos examinados, constatamos a predominância de escalas
e questionários, ficando evidente a necessidade de conjugá-
-los com técnicas projetivas capazes de revelarem os aspec-
tos reprimidos ou desconhecidos pelos próprios sujeitos,
conforme diretrizes da literatura.

18
2. O que dizem livros e artigos
sobre o tema

2.1 Quadro asmático

Iniciamos falando de aspectos médicos. A maioria dos autores


considera a asma como uma doença multifatorial com repercussões ne-
gativas sobre o desenvolvimento infantil. A asma é compreendida mais
como uma síndrome (estado mórbido caracterizado por um conjunto
de sinais e sintomas) do que propriamente como uma doença. Mas, para
facilitar esta comunicação, mantemos o último termo por ser de uso cor-
rente. Apesar de tratarmos de uma enfermidade muito estudada, não
existe uma definição unânime para ela.
No final do século passado, com o aval da Organização Mundial
da Saúde (OMS), foram criados Guias para o Diagnóstico e Manejo da
Asma (Global Initiative for Asthma (Gina). Aos poucos, firmou-se entre
os profissionais a compreensão da asma como um processo inflamatório
pulmonar crônico, associado a uma resposta exagerada das vias respira-
tórias, ou “hiper-reatividade brônquica” (HRB) com limitação do fluxo
aéreo. Isto resulta numa série de sintomas respiratórios mais ou menos
característicos. O diagnóstico é clínico e não existem exames de labora-
tório que possam estabelecê-lo com segurança, ainda que as provas de
função pulmonar sejam decisivas nesse processo avaliativo.
Esforços no sentido de estabelecer critérios uniformes, capazes de
identificar a asma no mundo, também estão representados pelo Estudo
Internacional da Asma e Alergias na Infância (Isaac), em suas diferentes
A criança com asma e sua família

fases.23 Se de um lado parece existir certa concordância dos autores quan-


to aos métodos para diagnosticar a enfermidade asmática, de outro não se
observa uma uniformidade quanto aos critérios para classificá-la.
A antiga classificação da asma em extrínseca ou atópica, identifi-
cando-se aí precipitantes alérgicos, e intrínseca ou não atópica, isto é, sem
precipitantes alérgicos, perdeu valor face à evolução do conhecimento que
vem afirmando: 1) a inflamação brônquica é da mesma natureza em am-
bos os grupos de pacientes; 2) a hiper-responsividade brônquica também
se encontra em ambos os grupos; 3) a não identificação de precipitantes
alérgicos não significa sua inexistência; 4) a resposta terapêutica nesses
grupos é praticamente a mesma; e 5) as implicações terapêuticas são ba-
sicamente iguais, a não ser a decisão médica de realizar imunoterapia.24
A América do Norte serve-se de uma taxonomia que compreende
quatro subgrupos segundo a intensidade da asma, são eles: Leve inter-
mitente; Leve persistente; Moderada persistente; e Grave persisten-
te.25 Anualmente, os conhecimentos e diretrizes sobre essa doença são
atualizados.
No Reino Unido, a asma é classificada de acordo com a quantidade
de medicação exigida para controlar os sintomas. Dessa forma, são ca-
racterizadas cinco diferentes fases na enfermidade asmática. Outra clas-
sificação que vem se revelando adequada considera a gravidade da asma
com base na intensidade e frequência dos sintomas, necessidade de me-
dicação de alívio e os registros de PEF (Pico de Fluxo Expiratório) ou de
VEF (Volume Expiratório Forçado). A utilização desses procedimentos
tem repercussões terapêuticas importantes.
De forma geral, seis características têm sido utilizadas para deter-
minar a intensidade da asma: (1) medicação requerida; (2) frequência
de episódios de falta de ar; (3) frequência de visitas médicas ou hospi-
talizações; (4) severidade da obstrução durante os episódios; (5) histó-
ria de interrupção na respiração (crises); e (6) ocorrência de períodos
prolongados de irreversibilidade da broncoconstrição, também conhe-
cido como estado de mal asmático. Observamos, na literatura revisada,

23 Pearce, Aït-Khaled, Beasley et al. (2007).


24 Rizzo e Pitanga ([2002] 2014).
25 Gina ([2009] 2010).

20
Dóris Lieth Nunes Peçanha

a predominância do critério intensidade no esquema classificatório des-


sa doença, dividindo-a em subgrupos ou tipos. Apesar dos esforços no
sentido de maior precisão no diagnóstico da asma, as crianças pequenas
frequentemente sofrem com o subdiagnóstico ou com a não definição do
quadro asmático que, contudo, está ocorrendo. Isto se deve, por exemplo,
ao fato de elas sibilarem somente por ocasião de uma infecção respirató-
ria, sendo então diagnosticadas como portadoras de bronquite sibilante,
bronquite ou pneumonia, apesar dos sintomas serem mais compatíveis
com o quadro de asma conforme já postulava o I Consenso Brasileiro no
Manejo da Asma, ocorrido em 1994.
Ainda quanto à inconsistência do diagnóstico de asma, Fábregas,
Damiá e Tordera26 identificaram quatro tipos diferentes de pacientes re-
presentativos de categorias diagnósticas com significado clínico relevan-
te e que estariam parcialmente ocultas dentro dos diagnósticos de asma
brônquica e bronquite crônica. Entretanto, mesmo nesse último aspecto,
existem discordâncias. De forma complementar, Monge27 refere que o
quadro asmático pode começar no período de aleitamento do bebê e tal
precocidade não representa um limite para o diagnóstico. O autor sus-
tenta essa assertiva, lembrando que 40% dos sintomas asmáticos surgem
antes que a criança complete seu primeiro ano de vida, cifra que sobe para
60% aos dois anos e para 80% aos cinco anos de idade. As provas de fun-
ção pulmonar são fundamentais para corroborar o diagnóstico, ainda que
sejam de difícil realização em crianças com menos de seis anos de idade.
Importante lembrar que a Classificação Internacional de Doenças
recodificou como asma o que, anteriormente ao ano de 1978, era de-
signado de bronquite asmática. Como o bebê tem pulmões de dimen-
sões reduzidas, alguns quadros de sibilância podem desaparecer quando
ele se torna fisiologicamente mais maduro. Ao contrário, a criança com
asma mantém-se sibilante durante a infância. Esse motivo, de ordem fi-
siológica, faz com que os médicos geralmente estabeleçam o diagnóstico
de asma quando a sibilância permanece até os dois primeiros anos de
vida, no mínimo.

26 Fábregas, Damiá e Tordera (2002).


27 Monge ([2002] 2014).

21
A criança com asma e sua família

O diagnóstico diferencial entre asma e doenças pulmonares obstru-


tivas crônicas (DPOC) é fundamental, mas também se constitui numa ta-
refa complexa e controversa.28 O diagnóstico adequado depende da utiliza-
ção de uma classificação bem operacionalizada que contemple as diferen-
tes variáveis envolvidas na etiologia, na fisiologia e no tratamento da asma.
Especialistas brasileiros, congregados nas Sociedades Brasileiras
de Alergia e Imunopatologia, de Pneumologia e Tisiologia, e Sociedade
Brasileira de Pediatria, vêm publicando orientações sobre o diagnóstico
e o tratamento da asma. Destacamos os seguintes avanços: elaboração
do I Consenso Brasileiro no Manejo da Asma (Sociedade Brasileira de
Alergia e Imunopatologia, de 1994); revisão e atualização constante do
trabalho, resultando no II Consenso Brasileiro no Manejo da Asma (So-
ciedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia, de 1998); no III Con-
senso Brasileiro no Manejo de Asma (Sociedade Brasileira de Alergia e
Imunopatologia, de 2002); nas IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo
da Asma Consenso Brasileiro no Manejo de Asma (Sociedade Brasileira
de Pneumologia e Tisiologia, de 2006); e, por último, as atuais Diretrizes
da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o manejo da
asma, de 2012. Temos ainda a realização de congressos, denominados
Congresso Brasileiro de Asma, com previsão de bienalidade.
Na presente investigação, adotamos a classificação apresentada no
Consenso Brasileiro, segundo a qual a asma pode ser dividida quanto à
gravidade em intermitente e persistente: leve, moderada e grave. A esti-
mativa é de que 60% dos casos de asma sejam intermitentes ou persisten-
tes leves, 25% a 30% moderados e 5% a 10% graves. Embora a proporção
de casos graves represente uma minoria entre os portadores de asma,
eles utilizam a maior parcela dos recursos de saúde. Contudo, importa
assinalar que, na prática, a asma apresenta um espectro contínuo, sem se-
parações nítidas entre as classes apresentadas, podendo sua intensidade
variar numa mesma pessoa em momentos diferentes.
Diferentes classificações no estudo da asma, ou a falta de apre-
sentação pelos autores dos critérios adotados, dificultam a comparação e
avaliação dos achados de pesquisas constantes na literatura, sendo, por-

28 Fábregas, Damiá e Tordera (2002).

22
Dóris Lieth Nunes Peçanha

tanto, imperioso precisar os critérios utilizados para se chegar a uma de-


finição dessa doença e de sua gravidade.
Em síntese, a asma vem sendo caracterizada pela obstrução rever-
sível das vias respiratórias, hiper-reatividade e um processo de inflama-
ção brônquica. Mas ela pode ser mais do que uma doença inflamatória
crônica,29 pois os estudos mostram apenas uma fraca correlação entre o
grau de obstrução das vias respiratórias e a magnitude dos sintomas da
asma. Alterações nos marcadores inflamatórios indicariam a existência
de um mecanismo biológico por trás das associações encontradas, por
exemplo, entre o distresse parental e a morbidade da asma pediátrica.30
Por fim, a educação do paciente e de seus familiares recebe, de for-
ma crescente, a atenção de clínicos e pesquisadores, constituindo-se num
alvo importante nos programas de saúde nos países desenvolvidos. Co-
nhecer a natureza da doença, os fatores desencadeantes das crises, a ação
dos medicamentos e possíveis efeitos colaterais ajuda no estabelecimen-
to de uma boa relação médico-paciente. Fornecendo tais informações,
melhora-se a adesão às medidas de higiene ambiental e ao uso adequado
da medicação profilática ou para o alívio das crises. O resultado tende a
ser um adequado controle do quadro asmático.

2.1.1 Epidemiologia

Os estudos mostram que a asma constitui a doença crônica com


maior ocorrência na infância,31 afetando mais de 14% a 16% das crian-
ças.32 Essa enfermidade vem crescendo na população infantil nos últimos
25 anos,33 atingindo seu pico de 60% a 65% dos casos na faixa etária dos
seis meses aos três anos para ambos os sexos, declinando a seguir, sobre-
tudo no início da idade escolar. A enfermidade asmática está associada ao
maior número de hospitalizações na infância e, entre as doenças crônicas,
é responsável pelas maiores taxas de absentismo escolar, sendo que essas

29 Faffe ([2008] 2010).


30 Wolf, Miller e Chen (2008).
31 Crespo et al. (2011), WHO (2011).
32 Stewart, Masuda, Letourneau, Anderson e McGhan (2011).
33 Cloutier (2008).

23
A criança com asma e sua família

crianças também sofrem por se sentirem diferentes das demais e por te-
merem um ataque de asma, conforme referido em revisões de estudos.34
A prevalência mundial da asma pediátrica (número de indivíduos
acometidos) varia desde 36% (Reino Unido) até 1,6% (Indonésia), com
uma média em torno de 9%. No Brasil, a média estimada é de 13%,35 sen-
do que nosso país é o 8o no mundo em prevalência de asma. Aproxima-
damente 20% dos brasileiros têm ou já tiveram alguma manifestação da
doença, sendo que 25% destes apresentam a forma moderada ou grave,
que pode levar à morte se não diagnosticada e tratada corretamente.36
Um fato importante é que a incidência (número de casos novos/
ano) tem aumentado consideravelmente nos últimos anos, inclusive no
Brasil, e sua causa ainda permanece bastante desconhecida. Cerca de
10% da população mundial já apresentou algum episódio asmático,37
com predomínio dos casos de asma leve (60%), seguido do tipo modera-
do (25% a 30%), e, por último, a enfermidade de tipo grave (5% a 10%).
A morbidade da asma vem crescendo em várias partes do mundo,
notadamente na Nova Zelândia, na Alemanha, no Reino Unido e nos
Estados Unidos. Tal fato, potencialmente grave, gera discussões que bus-
cam entender o aumento nas taxas de prevalência, morbidade e mortali-
dade registradas, no mundo ocidental, desde a década de 1960. Um dado
importante é a inadequada percepção da intensidade do broncoespasmo
por parte de muitos pacientes, seja na crise aguda, seja no período entre
as crises. Alguns pacientes apresentam uma forte sensação da obstru-
ção brônquica, o que pode levar ao uso excessivo de medicamentos; por
outro lado, há pessoas incapazes de perceber tal obstrução antes que ela
atinja níveis críticos. Em geral, os últimos pacientes são subtratados, fi-
cando em potencial risco de morte.38
Em relação à mortalidade por asma, ela tende a ser baixa, osci-
lando de 1,5 a 9/100.000 em todas as faixas etárias onde há registro da

34 Stewart, Masuda, Letourneau, Anderson e McGhan (2011).


35 Rizzo e Pitanga ([2002] 2014).
36 Informação disponível em: <http://saude-joni.blogspot.com/2010/05/dia-mundial-de-combate-
-asma.html>.
37 Cates (2001).
38 Rizzo e Pitanga ([2002] 2014).

24
Dóris Lieth Nunes Peçanha

doença. No grupo entre 5 e 34 anos, onde o diagnóstico de asma é menos


questionável, encontra-se entre 0,2 e 0,5/100.000.39
Quanto à importância dos fatores demográficos, os achados mos-
traram-se inconsistentes em relação à classe social. Alguns autores atri-
buíram essa inconsistência à dificuldade de comparar as classes sociais
nos diferentes países. Entretanto, observamos que, em muitos estudos,
os fatores socioeconômicos não eram considerados importantes quanto
à manifestação da asma. Por outro lado, problemas psicossociais, disfun-
ções familiares e baixo nível de educação formal revelaram-se, nessa or-
dem de importância, como fatores associados à necessidade de cuidados
médicos intensos em crianças com idade média de 7,7 anos, apresentan-
do risco de morte motivado pela asma.
Outros estudiosos afirmam que diferenças relativas à raça existem
na prevalência e severidade da asma e que, parcialmente, podem ser ex-
plicadas pelos fatores genéticos, sociais, culturais e econômicos.40 Entre-
tanto, o impacto da asma em subgrupos afro-americanos e latinos tem
sido destacado na literatura.41
Parece existir maior concordância entre os pesquisadores quanto
à pequena influência da variável sexo sobre o impacto dessa enfermidade
na vida das crianças, embora seja conhecida a incidência maior da asma
no sexo masculino.42 Nas crianças asmáticas, a proporção de meninos em
relação às meninas varia de dois para um (2:1) nos dois primeiros anos
de vida, diminuindo um pouco (1,5:1) aos sete anos e alcançando a igual-
dade (1:1) na adolescência. A asma tende a ser mais intensa nos meninos
e há evidências de que, nos quadros graves, a proporção seria de quatro
meninos para uma menina (4:1).
Em outros trabalhos constatamos que apenas 40% dos pré-esco-
lares asmáticos continuavam a apresentar sintomas, como a sibilância,
com a idade de 5 anos. Entre eles, somente 20% se mantinham sibi-
lantes com a idade de 10 anos. Nesses casos, investigações fisiológicas
sugeriram que, apesar da inexistência de sintomas visíveis, tais crianças
não haviam superado a asma em virtude da continuidade do processo

39 Id. ibid.
40 Crespo et al. (2011).
41 Garro (2011).
42 Casagrande et al. ([2008] 2010).

25
A criança com asma e sua família

inflamatório. Compreendemos que estes são indicativos de que a cura


não havia se processado, fortalecendo a hipótese da asma como doen-
ça crônica. Apesar da relevância do aspecto inflamatório, amplamente
aceito pela comunidade científica, praticamente inexistem trabalhos,
como este que descreveremos, sobre os fatores que possam contribuir
para a minimização ou para a manutenção das crises em idade escolar,
do ponto de vista emocional.
Finalmente destacamos, em termos gerais de saúde, um crescente
número de evidências documentando uma mudança histórica na epide-
miologia da severidade das doenças na infância – de grave para crônica
–, e isso começou cerca de cinquenta anos atrás.43

2.1.2 Asma como síndrome multifatorial

O pensamento contemporâneo sobre a asma expande-se, incluin-


do estudos sobre ecologia, epidemiologia social, imunologia, neuroendo-
crinologia, genética e psicologia, num esforço multidirecional que pro-
duz complexos modelos sobre a “psicossomatização respiratória”.44 Essa
autora relembra que os estudos sobre hipnose, conduzidos na década de
1960, parecem sustentar a ideia de que os casos de asma resistentes a
tratamento medicamentoso apresentam fatores emocionais importantes.
Os trabalhos de Madrid45 no âmbito da intervenção e pesquisa mostram
o valor dos fatores emocionais. Observamos uma tendência dos autores
no sentido de reconhecer a importância do fator emocional na gênese e
na evolução da asma em crianças.
Os efeitos da cronicidade da asma sobre a saúde física da crian-
ça, bem como a vulnerabilidade desta aos problemas comportamentais,
sociais e emocionais, há muito vêm sendo assinalados por diversos es-
tudiosos. Para Eiser,46 nome importante no estudo de doenças crônicas
infantis, definir tais problemas permanece uma questão a ser respondida
pelos pesquisadores devido à inconsistência na seleção dos instrumentos

43 Halfon e Newacheck (2010).


44 Mitrani (1993, p. 317).
45 Madrid (2006).
46 Eiser (1990).

26
Dóris Lieth Nunes Peçanha

de medida e à ausência de um referencial teórico que permita clarear as


implicações psicológicas da asma em crianças.
A concepção multicausal sobre a gênese da asma tem sido am-
plamente aceita nos últimos anos. Esse posicionamento, também deno-
minado multifatorial,47 postula a combinação interdependente de fatores
hereditários, alérgicos, infecciosos e psicológicos na primeira ocorrên-
cia e desenvolvimento posterior dessa doença. A interação entre células
inflamatórias (particularmente mastócitos e eosinófilos), mediadores e
outras, presentes nas vias aéreas, compõe o fator fisiopatogênico da in-
flamação brônquica. Contudo, como já foi dito, a asma pode ser mais
do que uma doença inflamatória.48 Além disso, estudos delineados para
acessar a severidade da asma evidenciaram uma fraca correlação entre o
grau de obstrução das vias aéreas e a magnitude dos sintomas, reportan-
do a influência de fatores emocionais como emoções negativas.49
Ainda na questão da multifatoriedade da asma, salientamos o pa-
pel dos fatores emocionais.50 Segundo Alexander,51 numa obra já clássica
sobre o assunto, coube à orientação psicossomática restaurar, na etiolo-
gia dessa enfermidade, o aspecto emocional. Esse autor estabeleceu uma
correlação entre as tensões emocionais e as funções respiratórias, con-
cluindo que os fatores de ordem psíquica desempenhariam um papel im-
portante na maior parte das doenças respiratórias, entre outras. A partir
de suas contribuições, a concepção da asma como doença psicossomáti-
ca continua até os dias atuais.
Um consenso emerge a partir das contribuições científicas pro-
venientes das áreas clínica, social, psicológica e biológica no sentido de
que fatores psicossociais afetam a morbidade da asma em crianças. Con-
tudo, o papel desses fatores na gênese, incidência e sintomatologia da
asma permanece controvertido, pois os mecanismos dessa enfermidade
não são suficientemente conhecidos. A causalidade vem sendo conside-
rada bidirecional ou recíproca, e, no entender desta autora, é cíclica ou

47 Guerra e Martinez (2008).


48 Faffe ([2008] 2010).
49 Cabral et al. ([2002] 2010).
50 Gustafsson, Kjellman e Bjorksten (2002), Klinnert et al. (2001), Klinnert, Kaugars, Strand e Sil-
veira (2008), Minuchin et al. (1975), Mrazek e Klinnert (1996), Nagano et al. (2010), Peçanha e La-
charité (2007).
51 Alexander ([1952] 1989).

27
A criança com asma e sua família

multideterminada em sua complexidade sistêmica. Isto apoia a utiliza-


ção de uma abordagem psicossomática e sistêmica no estudo da asma.

2.1.3 Revisão de estudos sobre a criança asmática

Apresentamos conclusões baseadas em estudo de casos clínicos de


crianças com asma, passando, depois, à exposição de pesquisas experi-
mentais.
Referências às características de personalidade como um fator as-
sociado à asma remontam ao tempo em que Alexander, French e Ale-
xander e Dunbar52 começaram a aplicar a teoria psicanalítica à medicina
somática. Na ocorrência dessa enfermidade, Alexander53 afirmou que
existiria uma situação inicial de dependência não resolvida que levaria
a conflitos de dependência-independência, gerando culpa e hostilidade.
Esta última passaria a ser reprimida e, assim, a ação agressiva não se ma-
nifestaria no mundo externo. Ele referiu ainda que a sensação de uma
criança de estar separada de sua mãe poderia provocar uma crise.
Estudos posteriores refutaram a hipótese de que certas experiências
psicológicas ou conflitos específicos pudessem conduzir à asma. Contudo,
a ansiedade de separação vem sendo frequentemente apontada como um
fator associado ao desencadeamento de crises.54 Mas, na investigação de
Bussing e Burket,55 com 37 sujeitos com asma, 23 hemofílicos após a pri-
meira crise de HIV e 31 sem problemas de saúde, com idade variando de 7
a 18 anos, a ansiedade de separação predominou no grupo de hemofílicos,
e o estresse intrafamiliar foi maior no grupo de asmáticos.
Pesquisa desenvolvida por esta autora com 17 pré-escolares com
asma, tendo como controle um grupo de 11 crianças sem problemas de
saúde e outro de 9 crianças com cardiopatia congênita,56 evidenciou que
a ansiedade de separação era mais intensa entre as crianças do grupo em

52 Alexander (1934), French e Alexander (1941), Dunbar (1943).


53 Alexander ([1952] 1989).
54 Kreisler (1992), Madrid e Schwartz (1991), Madrid (2006), Onnis (1994), Peçanha e Pérez-Ra-
mos (1999), Szwec (1993).
55 Bussing e Burket (1993).
56 Rockenbach-Peçanha (1993), Peçanha (1993).

28
Dóris Lieth Nunes Peçanha

estudo e aparecia associada a crises de asma. Uma revisão teórica57 sobre a


interação entre mãe e criança portadora dessa enfermidade também apoia
a importância desse tipo de ansiedade na gênese da doença em questão.
As assertivas pioneiras de French e Alexander58 quanto à repres-
são dos afetos nos sujeitos acometidos de asma, e os desenvolvimen-
tos teóricos posteriores,59 continuam a ser objeto de investigação. Fritz,
Spirito e Yeung,60 em trabalho muito citado, testaram o estilo de defesa
repressivo em escolares asmáticos com idades entre 10 e 15 anos. Esco-
res obtidos em escalas indicaram que um terço do grupo apresentava
repressão de afetos, especificamente, de ansiedade e raiva. Os autores
concluíram que os efeitos da repressão devem ser considerados nos da-
dos auferidos em pesquisa clínica.
Ainda em relação a escolares com asma, Szwec61 indicou a existên-
cia de uma hipersensibilidade aos traumas e aos conflitos. Em muitos de-
les, encontrou entraves na organização psíquica, sendo que a crise surgia
como resposta a uma situação conflitiva. Em outros casos, as possibilida-
des psicológicas de resposta e de simbolização permaneciam boas, sendo
que a crise de asma tinha um lugar mais periférico dentro do sistema
de defesa da criança. A observação de diferentes tipos de organizações
psíquicas levou esse autor a concluir que não existe uma “uniformidade
estrutural” entre essas crianças. Entretanto, ele assinalou a existência de
características particulares nesses grupos, tais como modalidades espe-
cíficas de relação e de identificação. A primeira diz respeito à evitação
de conflitos e a segunda à tendência da criança com asma a se confundir
com objetos ou pessoas.
As conclusões de Szwec62 apoiaram-se em formulações pioneiras,63
amplamente aceitas pelos estudiosos da Escola de Paris (hoje reunidos na
Associação Instituto de Psicossomática Pierre Marty), de que, no desen-
volvimento da criança com asma, tende a haver falhas na constituição dos

57 Peçanha e Piccinini (1994).


58 French e Alexander (1941).
59 Madrid (2006), Marty, M’Uzan e David (1963a), Nemiah e Sifneos (1970), Sifneos (1991).
60 Fritz, Spirito e Yeung (1994).
61 Szwec (1993).
62 Id. ibid.
63 Kreisler, Fain e Soulé (1974).

29
A criança com asma e sua família

“organizadores”.64 As repercussões podem ocorrer sob a forma de moda-


lidades interativas imediatas e fáceis com pessoas estranhas que não são
percebidas como tais. Um estudo desta autora65 indicou que as relações
triádicas tendem a ser negadas por serem vivenciadas pela criança de for-
ma conflitiva. Assim, a problemática evolutiva infantil tem sido particular-
mente estudada no que diz respeito à angústia do oitavo mês – segundo o
organizador.66 Este, quando bem constituído, possibilitaria ao bebê desen-
volver a simbolização para enfrentar a experiência percebida de ausência
da figura materna. Em geral, em crianças em que a expressão somática
predomina, “o desenvolvimento psíquico não se faz em torno da clara
percepção entre mundo familiar/mundo estrangeiro, em razão da insu-
ficiência de investimento dos objetos privilegiados mãe e pai”.67 O acesso
progressivo à simbolização decorre desse contexto, em que os sistemas de
paraexcitação maternal e paternal são eficazes e, em consequência, a dis-
tinção mãe/pai/pessoa estranha é fundamental e organizadora.68
A literatura vem assinalando uma interação específica entre
a mãe e a criança com asma, de forma a excluir outras pessoas desse
vínculo.69 Entretanto, não foram encontradas pesquisas experimentais
sobre o papel de um estranho na referida relação. Em função disso, esta
autora70 procurou elucidar algumas questões levantadas pela teoria psi-
cossomática quanto ao processo interativo mãe, criança e pessoa estra-
nha no contexto da enfermidade asmática. Participaram do estudo 21
crianças de ambos os sexos, de 3 a 5 anos, suas mães e uma pessoa es-
tranha. O grupo experimental foi constituído de 11 crianças com asma,
e outras 10, sem problemas de saúde, fizeram parte do grupo controle.
A interação da tríade foi examinada através de uma sessão de brinque-
do, que foi filmada para posterior transcrição e análise. Os resultados
mostraram poucos contatos entre a mãe e seu filho portador de asma,
havendo dificuldade daquela para interagir com a pessoa estranha, e
quando essa transação ocorria, a criança tendia a interrompê-la. Esse

64 Spitz ([1952] 1987).


65 Peçanha (1993).
66 Spitz ([1952] 1987).
67 Debray (1996, p. 193).
68 Id. (2008).
69 Kreisler, Fain e Soulé (1974).
70 Peçanha (1993).

30
Dóris Lieth Nunes Peçanha

último fato foi discutido como uma limitação dessas crianças no sen-
tido de encontrar satisfação no funcionamento independente, confor-
me postulado de Mahler.71 Consideradas em conjunto, essas evidências
corroboraram as afirmações da teoria psicossomática72 de que as mães
de crianças com asma podem apresentar dificuldade para integrar pes-
soas ou situações vivenciadas como estranhas nos cuidados ao seu filho,
com repercussões no desenvolvimento deste.
Por outro lado, pesquisas que examinam o papel do pai na asma
pediátrica são raras, embora assertivas teóricas e clínicas tenham indi-
cado sua posição marginal em função da forte aliança entre mãe e filho
nesses casos.73 Entre os raros trabalhos que investigaram as atitudes pa-
ternais educativas, no contexto da dinâmica familiar temos o de Boven-
siepen, Oesterreich, Wilhem e Arndt,74 que comparou 68 crianças com
asma e seus pais a outras 118 que não apresentavam problemas de saúde,
e seus respectivos pais. Os instrumentos de pesquisa foram o Inventá-
rio de Personalidade de Freiburg e um questionário multidimensional
concernente à percepção da criança quanto às atitudes educativas do pai
e da mãe. As análises indicaram diferenças somente nas atitudes pater-
nas. O papel do pai de criança com asma caracterizou-se pela evitação
de conflitos, forçando a harmonia familiar. Esse papel, combinado com
uma diferenciação de gênero insuficiente, teve um importante impacto
na dinâmica da família, particularmente ao se combinar com a posição
central assumida pela criança com asma nesse contexto. Discutiremos
tal centralidade no âmbito dos resultados clínicos e sistêmicos de nossa
pesquisa sobre a família de uma criança com asma.
Em síntese, as dificuldades das crianças asmáticas em vivenciar
conflitos que reativam situações de separação ou perda remetem ao
processo de separação-individuação descrito por Mahler.75 Entre essas
crianças, o processo em questão tende a se desenvolver com dificuldades.
Segundo a teoria psicossomática,76 tais sequelas representariam zonas de

71 Mahler (1979).
72 Debray (1996, 2001, 2008), Kreisler, Fain e Soulé (1974).
73 Kreisler (1992), Madrid (2006).
74 Bovensiepen, Oesterreich, Wilhem e Arndt (1980).
75 Mahler (1979).
76 Marty (1991, 1993).

31
A criança com asma e sua família

fixação que organizariam as defesas de forma psíquica, na presença de


um adequado desenvolvimento emocional, ou somática, quando esse ní-
vel de elaboração não se encontra bem desenvolvido.
A insuficiência ou inadequação de defesas psíquicas, além de co-
laborar para que a criança utilize seu corpo como meio de expressão de
transtornos de ansiedade e depressão, pode também incrementar o uso
da conduta com o mesmo objetivo de busca do equilíbrio psicossomáti-
co.77 Neste sentido, diversos trabalhos evidenciaram um predomínio de
problemas de comportamento entre as crianças com asma.
Ainda em relação à contribuição da criança com asma, há evidên-
cias de associação entre desordens do comportamento e asma, indepen-
dentemente do sexo da criança, idade e severidade da doença.78 Distúr-
bios no sono, ansiedade, dificuldade de relacionamento interpessoal e
desadaptação escolar entre as crianças com asma foram destacados na
literatura. Hamlett, Pellegrini e Katz79 entrevistaram 30 mães de escolares
asmáticos ou diabéticos entre 6 e 14 anos, tendo como grupo controle
outras 30 mães cujos filhos não apresentavam problemas de saúde, que
foram entrevistadas. As mães das crianças com doença crônica relataram
um grande número de problemas no comportamento, bem como maior
número de eventos estressantes na vida destas últimas. Entretanto, nesse
estudo, o grupo experimental constituiu-se, indistintamente, de crianças
portadoras de asma ou diabetes, prejudicando conclusões específicas em
relação às primeiras.
Com base em estudos prévios que associam rejeição materna a maior
severidade da asma infantil, Nagano et al.80 realizaram uma investigação
prospectiva, constatando que as mães de crianças asmáticas (2-12 anos)
mostravam alta rejeição ativa por seu(sua) filho(a) com menos de 7 anos
de idade e asma severa. A associação entre as características psicossociais
maternas e a asma pediátrica variava conforme a idade da criança. Nestas,
com mais de 7 anos, o comportamento materno era mais egocêntrico e
associava-se à estabilização das reações alérgicas. Entretanto, a interferên-
cia materna, ou intrusão, foi sempre um fator agravante da asma.

77 Peçanha (1996).
78 Salomão Junior et al. ([2008] 2014).
79 Hamlett, Pellegrini e Katz (1992).
80 Nagano et al. (2010).

32
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Por outro lado, há evidências de que o grau de ajustamento das


crianças com asma depende, em parte, do informante. Dessa forma, há
evidências de que dados fornecidos pelas mães dessas crianças indicam
maiores desajustes do que aqueles informados por outras pessoas, ou ob-
tidos por meio de outras medidas objetivas, daí a importância da trian-
gulação das fontes de informação, como procedemos na pesquisa rela-
tada neste livro. Também foram observados dados científicos de que a
idade afetava o ajustamento infantil. Assim, crianças mais novas tendiam
a apresentar problemas em desempenho, particularmente em questões
de escolaridade, enquanto crianças com idade maior figuravam como
mais prejudicadas na área social. Contudo, comparar escores obtidos por
crianças com doença crônica com normas da população geral pode ser
inadequado se não houver rigoroso controle de variáveis demográficas.
Os estudos vêm mostrando, repetidamente, que crianças com
asma apresentam maior número de problemas do desenvolvimento.
Entretanto, alguns autores postulam que tal fato se associava à doença
crônica, não havendo especificidade de desajustes entre diferentes enfer-
midades. Fiese81 constatou que a carga ou o peso da rotina de cuidar de
uma criança com asma afetava negativamente a interação mãe-criança.
Nessas condições, as mães expressavam atitudes mais críticas e rejeição
relativamente à criança asmática, que, por sua vez, apresentava sintomas
internalizados como alta ansiedade. Contudo, esse grupo de crianças
verbalizou que recebia apoio de suas mães e que também delas vinham
informações de como lidar com a asma.
Importa destacar que cada criança apresenta particularidades pró-
prias que também influenciam o seu meio. A partir de transações recí-
procas, desenvolver-se-ia uma espiral, numa linguagem metafórica, ou,
para usar as palavras de Onnis,82 um círculo relacional. Os trabalhos des-
se autor, revisados posteriormente, permitem levantar a hipótese de uma
regulação circular rígida no processo relacional de crianças com asma e
suas famílias. Assim, a asma (sintoma) de uma criança é tomada como
um índice de disfuncionamento familiar, representando um esforço de
manutenção do equilíbrio desse sistema.

81 Fiese (2008).
82 Onnis (1989).

33
A criança com asma e sua família

Concluímos esta parte registrando que as pesquisas sobre a crian-


ça com asma, aos poucos, vão seguindo a mudança paradigmática da
ciência contemporânea que cada vez mais reconhece o papel ativo de
cada sujeito e a importância da reciprocidade em relações humanas con-
textualizadas. Assim, as investigações ampliam-se de forma a incluir a
família dentro de enfoques transacionais.

2.1.4 Cronicidade da doença e disfunções na


família?

Os achados de diversos estudos evidenciam uma forte relação entre


disfunções na interação familiar e a gênese e desenvolvimento da enfermi-
dade asmática em crianças. Mas prosseguem as controvérsias quanto ao
papel da cronicidade de uma enfermidade no desencadeamento de inte-
rações disfuncionais. Além disso, doenças crônicas têm sido examinadas
como um estressor familiar, independentemente do diagnóstico – asma,
diabetes ou doença cardíaca na infância. Contudo, em nossos estudos, te-
mos observado diferenças no interior de grupos com doença crônica, pre-
dominando disfuncionalidades interativas no grupo de crianças asmáticas.
A fim de entender o complexo jogo de fatores que influenciam o
relacionamento interpessoal, no contexto familiar, e o desenvolvimen-
to da criança quando esta é portadora de uma doença crônica, Frey83
testou a abordagem sistêmica proposta por King’s.84 Inicialmente, King’s
enfocou conceitos de interação e saúde no sistema familiar como fatores
que afetavam a enfermidade infantil, Frey85 trabalhou com dois grupos
de sujeitos de 10 a 16 anos, um com diabetes “mellitus” e o outro com
asma. Concluiu que fatores como a dinâmica familiar funcional explica-
vam uma quantidade significativa da variância quanto ao grau de saúde
da criança com doença crônica, em ambos os grupos, conforme predito
pela abordagem de King’s. No contexto da cronicidade, ressaltamos o tra-
balho de Gustafsson,86 frequentemente referenciado na literatura sobre o

83 Frey (1995).
84 King’s (1981, 1990 apud Frey, 1995).
85 Frey (1995).
86 Gustafsson (1987).

34
Dóris Lieth Nunes Peçanha

tema. Esse autor mostrou que famílias com um(a) filho(a) asmático(a)
apresentavam distúrbios significativos na coesão familiar, quando com-
paradas àquelas com um integrante portador de diabetes “mellitus”. En-
tretanto, não houve diferença na interação das famílias com crianças
diabéticas ao serem confrontadas com o grupo de famílias sem proble-
mas de saúde entre seus filhos, sugerindo que não bastava uma doença
ser crônica para afetar negativamente os padrões de interação familiar.
O autor prosseguiu seus estudos,87 reafirmando a importância das tran-
sações familiares no desenvolvimento e gravidade da asma pediátrica.
Em estudo prospectivo com 82 crianças, aos 18 meses de idade, famílias
participaram de um teste familiar em que a habilidade para se ajustar as
demandas da situação (adaptabilidade) e o equilíbrio entre a proximi-
dade emocional e a distância (coesão) foram filmados e analisados por
juízes independentes em termos de funcionamento familiar funcional
ou não. A maioria superou a asma com a idade de 3 anos, mas nos casos
em que a enfermidade persistia, a associação da enfermidade com uma
família disfuncional foi altamente significativa (p = 0.01). Os padrões de
interação incluíram expressão de emoção e reação às necessidades dos
outros. Houve alternância entre total desinteresse e grande envolvimento
(p = 0.02), falta de suporte e rejeição do suporte ofertado (p = 0.01), um
grande número de decisões individuais sem considerar os outros mem-
bros (p = 0.04) e falta de limites nas “fronteiras geracionais” (p = 0.04).
Além disso, as crianças asmáticas apresentaram mais sinais de estresse
emocional do que as crianças sadias (p = 0.02). Esse estudo controlado
mostrou a importância dos fatores psicossociais e a necessidade de medi-
das que trabalhem as interações familiares e as conexões sociais, pois estas
podem influenciar o curso da enfermidade.
Em um trabalho muito citado, devido ao seu impacto na comu-
nidade científica quanto ao peso dos fatores emocionais no desencade-
amento da asma, Klinnert, Mrazek e Mrazek88 examinaram a qualidade
da relação conjugal no período pré-natal de 150 bebês com risco genético
para a asma, identificado pela linhagem materna e pela presença dessa
enfermidade nas mães. Os dados provenientes de entrevista com os pais

87 Gustafsson, Kjellman e Bjorksten (2002).


88 Klinnert, Mrazek e Mrazek (1992).

35
A criança com asma e sua família

foram avaliados por meio de uma escala clínica de cinco pontos. Foi en-
contrada uma forte associação entre as dificuldades conjugais no perío-
do pré-natal e problemas de comportamento entre as crianças com asma
quando tinham dois anos de idade. Essa pesquisa reiterou que não bastava
uma doença ser crônica para afetar negativamente a interação no núcleo
familiar, pois, nesse caso, fatores disfuncionais preexistiam ao nascimen-
to da criança. Na continuidade desse estudo de caráter longitudinal, os
autores89 investigaram a importância de estressores familiares e cuidados
paternais no aparecimento da crise asmática. Das 74 crianças cujos pais
evidenciaram uma paternagem adequada e um bom ajustamento entre
mãe e filho, apenas 3 dessas crianças desenvolveram asma aos 2 anos de
idade. Os resultados indicaram que fatores psicológicos como cuidados
paternais de risco eram importantes preditores da expressão da doença
na criança. A combinação desse fator de risco e estresse familiar contri-
buía para a gênese da enfermidade de uma forma que os autores con-
sideraram não simplesmente aditiva, mas multiplicativa. Os achados de
tais trabalhos continuam sendo um marco no estudo da asma pediátrica
ao evidenciar a relevância dos fatores emocionais na gênese e no desen-
volvimento dessa enfermidade,90 sendo apoiados por outras investigações
sobre a qualidade interativa existente entre essas famílias.91
Entre os estudos revisados, Onnis92 utilizou um método que mais
se aproxima do nosso estudo com famílias. Esse autor analisou as mo-
dalidades interativas no contexto de um grupo de 10 famílias com uma
criança com asma grave, na idade de 6 a 13 anos. Para essa caracteriza-
ção, o autor considerou o diagnóstico pediátrico e os fracos resultados
obtidos com o tratamento farmacológico. Esse grupo foi comparado a
outro, também de 10 famílias com uma criança na mesma idade daquelas
do grupo experimental, mas sem situação de doença psicossomática ou
psiquiátrica em qualquer um de seus membros. Os resultados mostraram
a presença, no grupo com uma criança com asma, de modelos interativos
típicos, repetitivos e fortemente disfuncionais que confirmaram as carac-

89 Id. (1994).
90 Mrazek e Klinnert (1996).
91 Peçanha e Lacharité (2007).
92 Onnis (1989).

36
Dóris Lieth Nunes Peçanha

terísticas descritas por Minuchin e Fishman.93 São elas: o emaranhamen-


to, a superproteção, a rigidez e a evitação de conflitos que dificultavam
sobremaneira o processo de individuação nesse sistema familiar.
Na continuação dos estudos com vistas à prevenção da cronici-
dade, Onnis94 realizou um trabalho controlado sobre terapia familiar
sistêmica. Entre os casos submetidos a tratamento, encontramos o de
uma família com uma menina asmática. O autor referiu que a regra
fundamental dessa família era a proibição de brigar. Num sistema fa-
miliar governado por essa regra, que traduzia também o medo de que
a unidade do grupo fosse perdida, desagregando-se, a asma da menina
funcionava como um elemento pacificador e estabilizador. Porém, ao
mesmo tempo, bloqueava o sistema familiar numa imobilidade doloro-
sa, fixando, na menina, o peso dos sintomas e, na família, uma situação
difusa de sofrimento na qual todos participavam. Em síntese, esse caso
clínico evidenciou que a asma se mantinha graças a uma família cujo
mito da unidade e o medo do desacordo eram tão fortes que todo espa-
ço pessoal ficava “sufocado”.95
A presença de inter-relações disfuncionais em famílias com uma
criança que sofre de asma, especialmente a negação de conflitos e a con-
fusão, ou falta de limite entre níveis geracionais, vem sendo apontada
como aspecto típico desse contexto familiar.96 Esses autores salientaram
ainda a necessidade de desenvolvimento dos recursos familiares para en-
frentar problemas com propósitos preventivos.
Carr97 realizou uma revisão sistemática da literatura, utilizando-se
de meta-análise sobre a efetividade de intervenções sistêmicas familia-
res com crianças e adolescentes com várias dificuldades, incluindo pro-
blemas somáticos como a asma. As intervenções sistêmicas analisadas
incluíram tanto a terapia familiar como outras abordagens baseadas na
família, como o treino parental, ficando comprovada sua eficácia.
Enfim, achados dos diversos trabalhos revisados indicaram forte re-
lação entre disfunções na interação familiar e a gênese e desenvolvimento

93 Minuchin e Fishman (1990).


94 Onnis et al. (1993).
95 Onnis (1989).
96 Molinari, Taverna, Gasca e Constantino (1994).
97 Carr (2009).

37
A criança com asma e sua família

da enfermidade asmática em crianças, particularmente nos casos de asma


grave. Porém, não há resultados conclusivos quanto ao papel da cronicida-
de da doença na gênese e desenvolvimento da asma, bem como no estabe-
lecimento de uma interação disfuncional nas famílias dessas crianças. Por
outro lado, observamos que as pesquisas que envolvem o contexto familiar
limitam-se à exploração de um ou outro aspecto, sendo raras aquelas que
consideram todo o conjunto da família e as inter-relações entre seus mem-
bros. As transações recíprocas entre família e criança asmática foram insu-
ficientemente contempladas como objeto de estudo, ficando evidenciada
apenas a associação significativa entre a percepção de qualidade de vida de
crianças latinas com asma e de seus pais.98 Resta, portanto, a necessidade
de trabalhos que analisem as transações recíprocas dentro do contexto fa-
miliar, sem esquecer a contribuição da subjetividade de cada um, em par-
ticular da psicossomática infantil.

2.2 Compreensão psicossomática:


evolucionismo e psicanálise

A psicossomática desenvolvida a partir do legado de Pierre Marty


é o alvo de nossas discussões neste item, a qual envolve duas perspectivas
interligadas: a do evolucionismo do tipo darwiniano e a da pesquisa clí-
nica psicanalítica sobre o funcionamento psíquico. Seu postulado básico
refere-se à unidade essencial do organismo humano e à hierarquização
progressiva de todas as funções que participam de sua organização. Mas,
antes de adentramos no tema, vamos situar a psicossomática, de forma
geral, no seu contexto histórico.
Muitos são os enfoques em psicossomática, lembrando que esse
nome surgiu na segunda metade do século XIX, com o psiquiatra alemão
Heinroth (1773-1843). Além disso, os fundamentos da psicossomática
como disciplina encontram-se nas observações clínicas redigidas por ou-
tro médico alemão, Georg Groddeck. Aliás, foi ele o pai do conceito so-
bre o id, retomado por Freud em sua segunda tópica. Para Groddeck, toda
doença, e mais, todo o sintoma físico, provém de um conflito psíquico.

98 Garro (2011).

38
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Contudo, nossa pesquisa baseia-se nas contribuições da Escola Psicos-


somática de Paris, referência mundial no assunto, e que atualmente se
denomina Associação Instituto de Psicossomática de Paris Pierre Marty
(IPSO Pierre MARTY). As atividades de ensino em psicossomática são
organizadas em cooperação com o Departamento de Psicossomática da
Associação de Saúde Mental do 13o Distrito de Paris (ASM 13), e são fei-
tas a partir dos atendimentos terapêuticos nos seus dois centros de saúde:
centro de psicossomática para adultos Pierre MARTY e centro de psicos-
somática para bebês, crianças e adolescentes Leon KREISLER.
Os primeiros expoentes da Escola Psicossomática de Paris ou IPSO
foram P. Marty, M. Fain, L. Kreisler, R. Debray, C. Parat, C. David, M. de
M’Uzan e D. Braunschweig, A. Fine, entre outros. A obra coletiva de Pier-
re Marty, Michel de M’Uzan e Christian David99 é considerada como o
ato fundador desse grupo. Nela, foram descritos casos de pacientes aten-
didos nas consultas de Psicossomática do Serviço de Clínica neurocirúr-
gica do Prof. Marcel David, a quem devemos o primeiro laboratório fran-
cês, dentro de uma faculdade, consagrado à pesquisa psicossomática. Em
suma, nesses sujeitos a excitação pulsional escapava à elaboração mental.
Explicando, se tal carga energética não fosse elaborada psiquicamente,
nem suficientemente evacuada em ações ou comportamentos, como os
posteriormente denominados processos autocalmantes,100 ela seria des-
carregada no corpo, que, assim, a somatizaria. Essa linha de pesquisa foi
possível graças à colaboração de médicos, como o professor de clínica
cirúrgica Jean Gosset e colegas da Sociedade Psicanalítica de Paris.
Nessa época emergiu também um pensamento psicossomático so-
bre a criança por meio do encontro de dois psicanalistas, Michel Fain e
Michel Soulé, com um pediatra de grande sensibilidade, Léon Kreisler.
Juntos, eles produziram a obra fundamental L’enfant et son corps, que se
encontra traduzida para a nossa língua. Esse livro marcou o nascimento
da psicossomática psicanalítica da criança. Kreisler continuou dirigindo
a unidade infantil do IPSO por mais de 30 anos, até 1989. Tivemos o pri-
vilégio de assistir a muitas de suas consultas, bem como da maioria dos
autores do IPSO, seguidas de discussão com o grupo de estudiosos em

99 Marty, M’Uzan e David (1963b).


100 Smadja (1993), Szwec (1998).

39
A criança com asma e sua família

psicossomática. Enquanto viveu, Kreisler trabalhou como Winnicott, in-


teressando-se pelo corpo dos bebês e pela psicossomática infantil, mas por
outro ângulo. Em idade avançada, ele continuava a participar dos seminá-
rios do IPSO, sempre ao lado de sua esposa, igualmente idosa. Esse notá-
vel psicopatologista, clínico e autor, faleceu em 2009 aos 89 anos. A empa-
tia e as observações clínicas de Kreisler marcaram gerações de psiquiatras,
psicólogos e pediatras na França e em outros países, como o Brasil.
No âmbito da psicossomática infantil, Braunschweig e Fain101 de-
ram importantes contribuições para a compreensão do psiquismo infan-
til, com o conceito de corpo erógeno (corpo do desejo psíquico, diferente
de necessidade biológica) e a teoria da censura do amante (1975), que
marcou a interdição da ligação simbiótica entre mãe e bebê. Esses temas
foram, mais tarde, retomados por Christophe Dejours ao considerar que
o pensamento psicossomático, centrando-se na pouca mentalização dos
pacientes somáticos, deixava em detrimento a questão da sexualidade
(dimensão estritamente humana e psíquica).
Os estudos pioneiros que anunciaram o nascimento do movimen-
to psicossomaticista, em Paris, foram: Aspectos funcionais da vida oníri-
ca, de Michel Fain e Christian David (1963), e O pensamento operatório,
de P. Marty e M’Uzan (1963), ambos apresentados no XXII Congresso de
Psicanalistas de Línguas Romanas, em 1962. O crescimento dessa Escola
deu lugar, a partir de 1972, à constituição de um centro de consultas,
pesquisa e posteriormente de formação, o IPSO. Dejours, na introdução
de uma de suas primeiras obras dentro desse movimento,102 registrou que
o Instituto de Psicossomática abriu suas portas ao público nas dependên-
cias do Hospital de la Poterne des Peupliers, em Paris, em 1978, sob a
direção de P. Marty. Em homenagem póstuma a esse médico psicanalista
(1918-1993), tal associação recebeu, como já dissemos, o atual nome de
Institut de Psychosomatique Pierre Marty.
Em função das pressões da economia global, ou neoliberal, que a
França vem sofrendo e a elas cedendo, o IPSO experimentou, nas últimas
décadas, importantes cortes governamentais em seu orçamento de servi-
ços e de pessoal. Mesmo com dificuldades, esse Instituto continua a aten-

101 Braunschweig e Fain (1975).


102 Fain e Dejours (1984).

40
Dóris Lieth Nunes Peçanha

der pelo sistema público de saúde uma clientela exclusiva de pacientes com
somatizações. Além disso, por meio de seu Centro de Ensino e Formação
em Psicossomática (Centre d’Enseignement et de Formation en Psychoso-
matique (CEFP)) continua a formar psicoterapeutas em psicossomática e
a oportunizar uma sensibilização à psicossomática para os clínicos interes-
sados na abordagem psicanalítica dos pacientes somatizadores.
Situado o contexto deste trabalho, lembramos que a psicossomá-
tica, “concepção doutrinal e patogênica que aceita e inclui os fatores psí-
quicos e conflitivos no determinismo ou no desenvolvimento das doen-
ças físicas”,103 é tão antiga quanto à própria medicina. Seu desenvolvimen-
to segue os paradigmas de cada época e de seus principais autores, desde
Hipócrates e Platão, num movimento que se inclina ora sobre a pessoa
doente, ora sobre a doença em si mesma. Dessa forma surgiram concep-
ções que seguem diferentes linhas filosóficas: humanismo, globalismo,
monismo, vitalismo, entre outras, opondo-se ao organicismo, ao mecani-
cismo e ao dualismo. Os autores do IPSO Pierre Marty seguem a vertente
monista e o princípio evolucionista, com grande influência de Darwin e
John Jackson. Para eles, a palavra psicossomática agrupa dois termos, sem
traço de união entre eles, a fim de conotar a unidade fundamental entre
o psíquico e o corpo. Entretanto, Dejours, também membro dessa Esco-
la, critica o monismo psicossomático e propõe um “dualismo imanente”.
Ou seja, a ordem psicológica não independe da ordem biológica, mas as
relações entre elas não seriam sincréticas, e sim de “subversão”. Esta seria
operada pela ordem psíquica da sexualidade – “nova ordem construída
a partir da antiga ordem biológica” –, que não simboliza o biológico. A
simbolização parte daquilo que foi separado para construir novos laços, e
isso ocorre no território dominado pela ordem psicológica.104
No geral, a perspectiva psicossomática em questão considera os
movimentos da psique, do soma e das relações entre ambos nos sujei-
tos portadores de doença somática. Também se interessa em estudar as
relações dinâmicas e, em geral, harmoniosas do psíquico e do somá-
tico nos indivíduos sadios, bem como as “variações de normalidade”

103 Kreisler (1992, p. 7).


104 Dejours (1988, p. 11).

41
A criança com asma e sua família

na criança. Segundo Marty,105 o homem é, por definição, psicossomá-


tico. Utilizar esse termo de forma adjetiva torna-se redundante, sendo
justificado em relação a noções gerais como a necessidade de precisar
uma área de conhecimento: a ciência ou medicina psicossomática, por
exemplo. Esse autor destacou ainda que a ênfase dada ao psíquico ou ao
soma, conforme as circunstâncias, não implica uma posição dualista.
Importante registrar que a psicossomática não diz respeito so-
mente ao adoecer, mas se preocupa também com a compreensão do
processo de saúde. Ou melhor, adoecimento e saúde são aspectos in-
timamente relacionados. O existir humano expressa-se pela busca de
um equilíbrio psicossomático e no dinamismo desse processo. Importa
avaliar se a doença está ou não a serviço da saúde da pessoa. Dejours,
há décadas, vem criticando o caráter estático do conceito de saúde pro-
posto pela OMS, opondo-lhe a ideia dinâmica de busca criativa do bem-
-estar. Dentro do seu enfoque particular (aquele da subversão libidinal
já mencionado), o autor entende que a construção do corpo erógeno não
se dá de forma definitiva, e que a saúde do corpo, em particular, é uma
conquista em constante renovação. Pelo conceito de subversão libidinal,
Dejours106 explica a formação de um segundo corpo, o corpo erótico,
que necessita da sexualidade para colonizar o corpo biológico.107 Esse
corpo erótico seria constituído a partir das trocas afetivas e também dos
impasses relacionais entre o corpo do adulto e o corpo da criança. Nesse
cenário, a sexualidade humana colonizaria o corpo biológico – aquele
das regulações fisiológicas. Segundo esse autor, a clínica das doenças so-
máticas ensina sobre as alterações do corpo erógeno, as rupturas ou as
interrupções da subversão libidinal.
No geral, a teoria e a prática psicossomática “trata das possibilidades
de extensão dos processos econômicos inconscientes ao campo das doen-
ças e, além disso, é uma teoria evolucionista do desenvolvimento, da orga-
nização, das regressões, como também das reorganizações regressivas”.108
Apresentaremos, a seguir, importantes pressupostos teóricos da
teoria psicossomática, desenvolvida pelos autores do IPSO, que são: psi-

105 Marty (1993).


106 Dejours (1989, 2001, 2009).
107 Dejours e Gernet (2012).
108 Rouart (apud Kreisler, 1992, p. 12).

42
Dóris Lieth Nunes Peçanha

cogênese das doenças somáticas; causalidade endógena; estrutura hierár-


quica das funções; e princípio da predição. Após o delineamento desses
aspectos, serão abordados conceitos fundamentais para sua maior com-
preensão, tais como pensamento operatório, mentalização, depressão es-
sencial e desorganização progressiva.

2.2.1 Evolucionismo: do amor pelos animais à


psicossomática

Havia entre Pierre Marty e os animais uma relação privilegiada,


assim como em Darwin e os moluscos, Haeckel e as anêmonas-do-mar,
Freud e as enguias, e César Ades, pioneiro na psicoetologia brasileira, e as
aranhas. De acordo com nosso colega do IPSO, o médico psicanalista A.
Blanquer, Marty enquanto criança sonhava em ser “O médico chefe das
corças” (nome científico, Capreolus, gênero de cervídeos do Velho Mun-
do). Interessante é que a corça é um animal símbolo da deusa da caça Ár-
temis (ou Diana, na cultura romana). No mito, esse animal teria cascos
de bronze e chifres de ouro, seria extremamente veloz e incansável, mas
o semideus Hércules conseguiu, num de seus doze trabalhos, capturá-la.
Marty apreciava a pesca, as enguias que mantinha numa banheira,
e os touros. A propósito, ele detinha grande conhecimento sobre bovinos,
segundo nossa orientadora em Paris, R. Debray, que por sinal foi uma das
pessoas que mais o acompanhou nas consultas desenvolvidas no IPSO e
na expansão da teoria psicossomática. Outro fato interessante, Marty ia
para seu consultório no Bd. Saint Germain, em Paris, acompanhado de
seu cão, assim como C. Ades ia para seu laboratório na USP com Sofia, sua
cachorrinha (artigo: “A dog at the key board: using arbitrary signs to com-
municate requests”), conforme registramos anteriormente.109 Tudo isso
para dizer que o amor pelos animais, sua compreensão, qualificada como
empatia por Blanquer, estava na base do pensamento desses autores evo-
lucionistas que tanto contribuíram para a compreensão do ser humano,
ou, nas palavras do colega, “da animalidade, a sua e de outras espécies”,110

109 Peçanha ([2012] 2014).


110 Blanquer (2014, s/p).

43
A criança com asma e sua família

chegando-se, assim, ao que entendemos por compreensão do ser humano


que contém o animal, o pessoal, o contextual e o transcendental.
Marty defendeu sua tese de medicina com o título “La vomisse-
ment, esquisse psycho-somatique” (O vômito, esboço psicossomático)
em 9 de julho de 1948, com base na fisiologia comparada entre ser huma-
no e animal. O autor, ao longo de sua obra, não precisou suficientemente
as bases evolucionistas de seu pensamento, talvez por considerá-las um
pressuposto corrente no meio médico da época. Entretanto, hoje, com
o advento de estudos evolucionistas na área de psicologia e psiquiatria,
essa questão começa a ganhar nova importância. A propósito, Blanquer
introduziu, dentro do conjunto de seminários do IPSO, o tema que deno-
minou “Evolutionnisme et Santé” (Evolucionismo e saúde). Tal iniciativa
pioneira continua em vigor e é promissora. Em 2012, ocorreu o início
desses seminários, mesmo ano em que perdemos o grande psicólogo Cé-
sar Ades, ex-ocupante da Cadeira no 19 da Academia Paulista de Psicolo-
gia, a quem temos a honra de suceder. Gostaríamos imensamente, eu e o
colega Blanquer, de ter a leitura de César relativamente a esse seminário
inaugural, e muito conversamos sobre o amor pelos animais que carac-
terizou esses dois grandes observadores do comportamento humano, os
queridos Pierre Marty e César Ades.
Voltemos à tese de Marty, cujo orientador foi Jean Delay, um
neuropsiquiatra que, a partir dos anos 1920, junto com outros médicos,
apoiou-se na visão de que todo sintoma patológico decorria de uma fun-
ção menos evoluída que se encontrava “dormindo” e era rapidamente
“desinibida” pela função neurológica ou psiquiátrica mais evoluída.111
Outra importante influência em Marty foi o neurologista inglês John
Hughlings Jackson (1835-1911), discípulo de Herbert Spencer, ao falar
de regressão em face do retorno às funções psíquicas menos evoluídas.
Na tese de Marty, Blanquer destaca o capítulo III, intitulado “No-
tion de rejet oral dans l’échelle animale” (Noção de rejeição oral na escala
animal). Nele, Marty evidencia como “O vômito ganha, dentro da evo-
lução, uma importância quantitativa enorme a partir do ser humano…
a amplitude do vômito no homem provém de excitações novas, inexis-
tentes no animal…”, e concluiu que “as excitações novas que aparecem

111 Id. ibid.

44
Dóris Lieth Nunes Peçanha

bruscamente no estado humano da evolução estão em relação estreita


com as aquisições evolutivas da espécie humana”.112 Lembramos uma
curiosidade, a psicóloga clínica Lia Ades, filha do grande psicoetologista
brasileiro César Ades, dedica-se à clínica dos transtornos de alimentação.
Assim, mesmo no campo profissional, tomando a linha evolucionista,
parece haver mais pontos em comum entre pai e filha do que eles mes-
mos supunham.
Após essas curiosidades e sincronias, vamos à teoria psicossomá-
tica. Os psicossomaticistas entendem que cada ser vivo segue o princí-
pio evolucionista. A lei de Haeckel, evocada por Freud, concretiza-se na
teoria psicossomática sob a forma de uma organização hierárquica das
funções somáticas e psíquicas. Essa hierarquia vai de baixo para cima, do
mais biológico ao mais mentalizado. Além de uma hierarquia, trata-se
de um processo ligado à ontogênese, em que o desenvolvimento se dá a
partir do mosaico primordial.113 Esta imagem evoca a justaposição das
funções vitais do embrião, bem como a ausência de uma coordenação
dessas funções entre si. Uma grande parte da capacidade de associação e
de hierarquização funcionais do bebê é intercedida pela função materna.
Progressivamente, a criança tomará para si esses poderes de organiza-
ção, efetuando-a de forma cada vez mais ampla e ordenada. Para que se
constitua esse movimento essencial de organização evolutiva, é necessá-
rio que os elementos funcionais constitutivos de uma associação em vias
de formação se encontrem no espaço e no tempo adequado. “Quando,
sob a influência de traumatismos, passados ou atuais, esses elementos
diversos de um nível evolutivo dado não se encontram instalados no
momento desejado, a nova organização funcional é prejudicada. Ocor-
re, portanto, um movimento contraevolutivo de desorganização”.114 Em
geral, a regressão é reorganizadora, pois serve de ponto de partida para
uma reedição do movimento inicial, ou seja, uma tentativa de constru-
ção. Vemos, assim, que as sequelas decorrentes de um traumatismo no
desenvolvimento representam zonas de fixação que organizam as defesas:

112 Marty (1948, p. 59-60, tradução nossa).


113 Id. (1976, 1993).
114 Id. (1993, p. 23).

45
A criança com asma e sua família

psíquicas, em face de adequado funcionamento mental, ou somáticas,


quando esse nível de elaboração não se constitui de forma eficaz.
Essa linha de raciocínio evolutivo supõe a existência de organi-
zações anteriores a um nível de desenvolvimento considerado, impli-
cando na continuidade entre ontogênese e filogênese. Os fenômenos de
fixação-regressão, constituintes desse princípio evolutivo, ocupam lugar
de destaque na concepção psicossomática. Desse modo, o processo de
somatização é compreendido como uma desorganização regressiva ou
contraevolutiva, isto é, como uma desorganização.
Enfim, a adaptação de um indivíduo à vida, ou seu equilíbrio psi-
cossomático, depende da mobilização de três domínios essenciais: o do
aparelho somático, de essência arcaica, que, sem perder sua flexibilidade
adaptativa biológica e funcional, encontra-se pouco disposto a mudanças
em sua sistemática; o do aparelho mental, que leva mais tempo para se
desenvolver e é o último a ser adquirido; e o dos comportamentos que
acompanham o desenvolvimento humano, estando mais ou menos rela-
cionados ou submetidos à ordem mental. Quando o aparelho psíquico e
os sistemas de comportamento mostram-se incapazes para responder a
uma determinada situação, o aparelho somático assume o comando.115
Dessa forma, vimos como P. Marty, evolucionista e psicanalista, foi capaz
de expandir, no âmbito da patologia somática, as teorias da regressão
freudiana e jacksoniana.

2.2.2 Psicogênese das doenças somáticas?

Para os psicossomaticistas, não somente as neuroses e psicoses


ligam-se a fatos psíquicos, mas o funcionamento mental também de-
sempenha um papel importante nas somatizações ou em certas enfer-
midades físicas. De forma um tanto diferente, o pressuposto psicogênico
fertilizou as pesquisas da Escola de Chicago, constituindo a Medicina
Psicossomática que se desenvolveu em torno do nome de Franz Alexan-
der nas décadas de 1930 e 1940 nos EUA.

115 Id. ibid.

46
Dóris Lieth Nunes Peçanha

O enfoque psicossomático, de base evolucionista e psicanalítica,


coloca-se contrariamente às formulações psicogênicas desenvolvidas em
Chicago por Alexander (1891-1964). Esse autor116 realizou os primeiros
estudos psicossomáticos, de forma sistemática, nos Estados Unidos, e
isso a pedido de companhias de seguro de vida. Se, de fato o trabalho
foi realizado sob encomenda, isso talvez possa explicar o viés psicoge-
nético dos trabalhos de Alexander se os compararmos, por exemplo, aos
trabalhos de Dejours,117 que contextualizam os problemas de saúde, por
exemplo, nas organizações contemporâneas.118 Contudo, se a Escola de
Chicago não conseguiu provar a causalidade entre determinadas síndro-
mes psicossomáticas e conflitos específicos, ela levantou a questão da
ligação estrutural entre doença física e organização psíquica, o que a Es-
cola de Paris refinou com a noção de funcionamento mental.
Alexander119 seguiu um modelo causa-efeito que tende a consi-
derar a doença psicossomática como produto, por exemplo, de relações
não gratificantes ocorridas precocemente entre mãe e filho, gerando
angústia e agressividade. Nessa perspectiva psicogenética, as atitudes
afetivas decorrentes da relação primordial suscitariam uma tensão crô-
nica que alteraria o funcionamento fisiológico, possibilitando o desen-
volvimento de enfermidades. Por sua vez, o IPSO vem reafirmando o
postulado de Marty,120 de que a evolução de um ser humano não é sim-
ples, nem linear, e, dessa forma, procura abordar a complexidade desse
indivíduo por meio de uma apreensão global de seu funcionamento.121
Nessa perspectiva, uma relação disfuncional entre mãe e filho não seria
suficiente para produzir uma doença neste último, mas a compreensão
dessa doença serviria para esclarecer os meios que a criança dispõe para
regular seu equilíbrio em face de situações geradoras de excitações ex-
ternas ou internas, conscientes ou inconscientes.
Segundo Kamieniecki, Alexander pretendeu ultrapassar o dualismo
ao considerar que os fatores emocionais influenciavam todos os processos

116 Alexander (1934, [1952] 1989).


117 Dejours (2009).
118 Dejours e Gernet (2012).
119 Alexander (1934, [1952] 1989).
120 Marty (1976).
121 Id. (1991, 1993).

47
A criança com asma e sua família

fisiológicos. Assim, para cada situação emocional existiria “uma síndro-


me de modificações corporais, isto é, de reações psicossomáticas”.122 Con-
tudo, ao considerar o fenômeno psíquico como um aspecto subjetivo de
alguns processos fisiológicos, seu modelo psicogenético (baseado ainda
na conversão histérica de Freud) permaneceu dualista, não conseguindo
dar uma explicação para a articulação entre o psíquico e o somático, tare-
fa pretendida pelos psicossomaticistas de Paris. Estes formularam a noção
psicogênica das doenças somáticas pelo conceito de somatização, ao qual
se opõe o processo de mentalização, que será descrito posteriormente.
Contudo, para Dejours a questão da psicogênese das doenças so-
máticas é irrelevante, o que importa é o desenvolvimento de uma teoria
do corpo para efetivamente ajudar esses pacientes. Além disso, esse au-
tor, apoiando-se em casos clínicos, postula que a doença física pode de-
sencadear uma série de problemas psíquicos como a depressão essencial,
e que a doença também pode servir como uma abertura para o desenvol-
vimento de processos de subjetivação.123

Causalidade endógena

Analisando o pressuposto de causalidade endógena, Dejours124 re-


feriu que, no desencadeamento de uma patologia somática, o “terreno”
joga um papel relevante, ou ainda, entre terreno e evento ou trauma, o
primeiro, de caráter psíquico, apresenta para os psicossomaticistas maior
importância na manifestação da doença.
Portanto, a teoria psicossomática colocou em destaque a questão
do valor do traumatismo para desencadear uma desorganização somá-
tica. De acordo com Debray, essa teoria corrige as posições simplistas e
lineares do traumatismo como fator causal da doença somática. “Assim
como a expressão somática, a presença de lutos ou traumas na infância e
na adolescência não tem valor em si mesmo, mas dependem da qualidade

122 Kamieniecki (1994, p. 49).


123 Gernet e Dejours (2006), Dejours e Gernet (2012).
124 Dejours (1995).

48
Dóris Lieth Nunes Peçanha

do trabalho psíquico feito posteriormente, em função do desenvolvimen-


to psicossomático geral do sujeito”.125
Segundo Marty,126 os traumatismos são oriundos de uma excitação
excessiva que a organização psicossomática não conseguiu enfrentar. De-
finem-se pela quantidade de desorganização que produzem, e não pela
qualidade do acontecimento ou da situação que os engendra.
Exemplificamos essa questão com pesquisas referentes ao estudo
psicossomático de crianças com asma, tema desta obra. Szwec127 indi-
cou a existência de uma hipersensibilidade aos traumas e aos conflitos.
Em muitas crianças, o autor encontrou entrave da vida mental, sendo
que a crise surgia como resposta a uma situação conflitiva. Em outros
casos, a capacidade de simbolização permanecia adequada e a crise as-
sumia um lugar mais lateral dentro do sistema de defesa da criança. A
observação de diferentes tipos de organizações psíquicas nos sujeitos em
estudo levou esse psicossomaticista a concluir pela inexistência de uni-
formidade estrutural entre os mesmos, fato esse apoiado pelos achados
de Peçanha.128 Entretanto, Szwec assinalou a existência de características
particulares nesses grupos, tais como modalidades relacionais e identifi-
catórias específicas. As primeiras referem-se à evitação de conflitos, e as
segundas à tendência da criança com asma a se confundir com objetos
ou pessoas. Esses aspectos remetem à noção de “alergia essencial” desen-
volvida por Marty.129
Na busca da causalidade endógena, persistia a esperança de desco­
brir estruturas psicossomáticas que relacionassem regularmente certos
sistemas psíquicos e certas afecções físicas determinadas. Expectativa
frustrada, o tipo psicológico dito alérgico foi o único a responder du-
rante certo tempo a essa esperança. Hoje, no entanto, as observações clí-
nicas indicam que é pequeno o número de indivíduos que se ajustam a
essa categorização, quer entre os somatizadores, quer na população geral,
conforme nos disse R. Debray em comunicação pessoal.

125 Debray (1996, p. 176).


126 Marty (1993).
127 Szwec (1993).
128 Peçanha (1997).
129 Marty (1958, 1993).

49
A criança com asma e sua família

A “relação objetal alérgica”130 reagrupava em um quadro clínico as


particularidades psíquicas de sujeitos portadores de afecções alérgicas.
Reservas devem ser feitas à palavra alérgico, uma vez que as caracterís-
ticas descritas de apreensão identificatória e projetiva do objeto também
podiam ser encontradas em indivíduos sem as referidas manifestações
somáticas. Explicando, o sistema relacional dito alérgico concerne a uma
extrema facilidade de contato, em que o objeto ou pessoa estranha é tra-
tado como íntimo ou conhecido. Sugere a existência de uma fixação a
uma fase pré-objetal de indiferenciação primária, ou, em outros casos, de
retorno regressivo parcial a essa fase evolutiva.
Predomina no IPSO a ideia exposta de que as características do fun-
cionamento psíquico podem contribuir para o aparecimento de transtor-
nos funcionais e/ou de doenças somáticas, sem, contudo, determiná-los.

2.2.3 Princípio da predição?

O conceito de somatização adquiriu um status epistemológico pelo


princípio estrutural. E, ainda, a estrutura mental teria um valor preditivo
sobre os fatos somáticos e psicopatológicos. Esse princípio concretizou-
-se pelo estabelecimento de uma Classificação Psicossomática, na qual
certas organizações mentais (neuroses de comportamento) seriam parti-
cularmente vulneráveis às somatizações, enquanto outras (psiconeuroses
mentais) estariam mais protegidas. Dejours131 critica essa posição ado-
tada por Marty, qual seja, a de submeter a psicossomática e a análise do
funcionamento psíquico à ordem epistemológica das ciências da nature-
za. Acompanhando o pensamento atual do IPSO, observamos que esse
princípio de previsibilidade, expresso em pesquisa empírica amplamente
divulgada,132 perde sua força. Debray133 costumava reiterar que nenhuma
estrutura protege contra a doença física. Excetuando esse aspecto predi-
tivo, a Classificação Psicossomática encontra ampla acolhida e utilização
entre os psicossomaticistas, no âmbito da clínica e da pesquisa. Segundo

130 Id. (1958).


131 Dejours (1995).
132 Jasmin, Lê, Marty e Herzberg (1990).
133 Debray (1996).

50
Dóris Lieth Nunes Peçanha

esses analistas, tal sistema classificatório permite um detalhamento mais


preciso de quadros psicopatológicos até então ignorados, pois pacientes
somatizadores não costumam buscar ajuda psíquica, mas, sim, o hospital
ou consultórios médicos para aliviar seus sintomas orgânicos. Além do
que, o referido sistema, pautado pela compreensão do equilíbrio psicos-
somático, apreende de forma mais global, profunda e dinâmica a “estru-
tura fundamental da personalidade”, as “particularidades habituais” e as
“características atuais” do indivíduo em questão.134
Expomos, a seguir, achados clínicos traduzidos em conceitos que
marcam a história do desenvolvimento da psicossomática no IPSO.

2.2.4 Conceitos fundamentais em psicossomática

Para Marty,135 o mérito dos psicossomaticistas franceses foi prosse-


guir investigações fora dos caminhos usuais, na hipótese de um funcio-
namento atípico do aparelho psíquico dos pacientes somáticos que seria
diferente da construção e do funcionamento do aparelho psíquico dos
neuróticos mentais proposto por Freud. Surgiram, assim, novos conceitos
nosográficos, como Pensamento operatório,136 Depressão essencial137 e De-
sorganização progressiva.138

2.2.4.1 Pensamento operatório

Historicamente, foi pela descrição do pensamento operatório que


a teoria psicossomática obteve sua maior divulgação. Nos Estados Uni-
dos, as características operatórias de muitos pacientes somatizadores
foram agrupadas sob o termo alexitimia,139 a fim de designar: a inabili-
dade para identificar sentimentos e comunicá-los através da linguagem

134 Marty (1993, p. 38).


135 Id. ibid.
136 Marty e M’Uzan (1962).
137 Marty (1966).
138 Id. (1967).
139 Nemiah e Sifneos (1970), Sifneos (1991).

51
A criança com asma e sua família

verbal; a pobreza de sonhos e de fantasias; e a tendência dessas pessoas


para descrever exaustivamente detalhes relacionados a um episódio par-
ticular que lhes despertara emoções.
Rosine Debray reiterava, em aulas e textos, que os trabalhos de
Marty eram frequentemente reduzidos ao “pensamento operatório”. Tal
reducionismo interpretativo fornece uma concepção simplista dos indi-
víduos chamados psicossomáticos. Estes sofreriam de carência de fanta-
sia, teriam uma vida limitada ao factual e estariam sujeitos à desorga-
nização somática. Segundo Debray, “fazer da teoria psicossomática de
P. Marty uma teoria do déficit é uma injustiça à riqueza de pensamento
desse autor (…). O modelo teórico-clínico que ele propõe é complexo,
em conformidade, portanto, ao polimorfismo dos quadros aos quais é
confrontada a variedade da clínica humana”.140 A descoberta de caracte-
rísticas operatórias levou Marty141 a aprofundar o conceito de mentaliza-
ção que permite avaliar a qualidade do pensamento e que foi contraposto
ao conceito de somatização.

2.2.4.2 Mentalização

No âmbito da economia psíquica, Marty142 distinguiu três setores


de resolução das tensões: a via orgânica, a ação e o pensamento. Este últi-
mo teria um valor funcional para manter um tipo de equilíbrio que, não se
opondo à doença ou outros sintomas, torna a tarefa de viver menos difícil.
Os psicossomaticistas vêm reafirmado a importância das ope-
rações simbólicas pelas quais a organização psíquica assegura a regu-
lação das energias, e cujas falhas podem ser apreciadas durante o cur-
so de diferentes estados patológicos que evidenciam irregularidades,
bloqueios e insuficiências da mentalização. Assim, em oposição a esta
última, se constituiria o princípio das somatizações.
A regulação da economia psicossomática diz respeito também ao
ambiente, sobretudo quando se trata de crianças. Mais que a sintomato-

140 Debray (1996, p. 26)


141 Marty (1991).
142 Id. ibid.

52
Dóris Lieth Nunes Peçanha

logia, são as características dos pais que devem reter a atenção do tera-
peuta, pois a preocupação deve ser de observar se existe para a criança
um espaço para pensar. Vale registar que, além dessa contribuição de
Debray, outros autores do IPSO, como Donabédian, Kreisler e Szwec,
vêm acrescentando nova compreensão quanto ao comportamento e à
psicodinâmica infantil. Por economia psicossomática Debray143 enten-
de todas as regulações que envolvem: o corpo em nível somático, do
humor e da motricidade (postura, sistema de atividades); o caráter e o
comportamento; a expressão psíquica ou mental, apreendida segundo
o duplo modelo proposto pela metapsicologia freudiana com referência
à primeira tópica (inconsciente, pré-consciente, consciente) e à segun-
da tópica (id, ego, superego). Essas premissas possibilitam compreen-
der que a mentalização é uma noção complexa que se refere a algumas
características fundamentais do sistema pré-consciente,144 permitindo
apreciar três de suas qualidades fundamentais: a) a consistência do con-
junto das representações; b) a fluidez das ligações entre as representa-
ções; e c) a permanência de seu funcionamento. Face ao caráter abstrato
dessa definição, Debray sugere que a mentalização é a capacidade de
tolerar, de negociar e de elaborar a angústia intrapsíquica, a depressão
e os conflitos intrapsíquicos e interpessoais, sendo variável em cada in-
divíduo e segundo os diferentes momentos de sua vida. O interesse dos
psicossomaticistas por essa capacidade humana reside na constatação
de que o “trabalho psíquico protege o corpo contra um eventual movi-
mento de desorganização somática”,145 sendo ainda “um fator de reorga-
nização quando a somatização é efetivamente vivida”.146
A mentalização não diz respeito a uma noção simples e unívo-
ca, mas inclui a dimensão do desenvolvimento temporal da atividade
de pensar. Tal dimensão temporal – do desenvolvimento da vida e dos
diferentes modos de funcionamento psíquico no tempo – é colocada
em primeiro plano pela psicossomática pelo conceito-chave de “irregu-
laridade do funcionamento psíquico”. Distinta da descontinuidade psí-
quica descrita por Freud, ela aparece em certos sujeitos que apresentam

143 Debray (2008).


144 Marty (1991).
145 Debray (1996, p. 35).
146 Id. ibid., p. 181.

53
A criança com asma e sua família

a coexistência de um modo de pensar heterogêneo, oscilante entre: a


capacidade de simbolizar, de expressar a fantasia, de fazer associações,
ou seja, “bem mentalizado, traduzindo uma permeabilidade satisfató-
ria entre as instâncias psíquicas”147; e um funcionamento próximo da
vida operatória, descritivo, preso ao factual, ao presente, sugerindo uma
“perda brusca do valor funcional do pré-consciente”.148
Dessa forma, a Classificação Psicossomática, também conheci-
da como grade Marty/IPSO, desenvolvida entre 1987 e 1989,149 propôs
uma apreciação da organização psíquica em função das características
de mentalização, integrando e ampliando a compreensão dos diferentes
funcionamentos psíquicos. Essa classificação foi testada150 num estudo
com 323 pacientes do IPSO, de ambos os sexos e idades entre 16 e 80
anos, no período de 1978 a 1985. Segundo os autores, ela permitiu avaliar
com precisão o estado de cada paciente, compará-los entre si, bem como
avaliar sua evolução durante o tratamento.

2.2.4.3 Depressão essencial

Os pesquisadores do Instituto de Psicossomática de Paris têm


observado que o pensamento operatório, em geral, vem acompanha-
do pela depressão essencial, a qual se caracteriza por uma diminuição
da vitalidade do indivíduo sem contrapartida do ponto de vista econô-
mico. Em 1968, Marty falava de uma baixa do tônus objetal libidinal e
narcísico no enquadre da relação paciente/terapeuta, em que o paciente
não fazia demandas, nem expressava qualquer tipo de emoção.151 Esse
autor, contrariamente à maioria dos psicanalistas, desenvolveu a hipó-
tese de que os transtornos somáticos eram destituídos de significado
simbólico e eram consequentes a episódios transitórios ou duradouros
de depressão essencial. Esta se instalaria quando os eventos traumáti-
cos desorganizam as funções psíquicas por extrapolar sua capacidade

147 Id. ibid., p. 28.


148 Id. ibid., p. 28.
149 Marty e Stora (1994).
150 Id. ibid.
151 Marty (1995).

54
Dóris Lieth Nunes Peçanha

de elaboração. O excesso de excitação pode prejudicar tanto as funções


situadas na linha mental como as funções biológicas.152 A depressão es-
sencial, diferentemente da depressão clássica descrita em psiquiatria ou
em psicanálise, constituiria, desse modo, um estado assintomático de
queda do tônus de vida, que afetaria, de forma eletiva, as regulações bio-
lógicas. Debray reafirmava em suas consultas, seminários e escritos que
a expressão somática acompanha o desenvolvimento da vida humana.
Portanto, somos indivíduos psicossomáticos por natureza e nenhuma
pessoa, por melhor que sejam as suas características mentais, está ao
abrigo de um eventual movimento de desorganização somática conse-
cutivo a um episódio de depressão essencial. “Sem dúvida – é aí que se
encontra a referência a uma teoria do déficit –, certos sujeitos parecem
mais predispostos à depressão essencial do que outros”.153

2.2.4.4 Desorganização progressiva

A depressão essencial e o pensamento operatório constituem dois


aspectos do mesmo fenômeno de desorganização do aparelho psíquico, no
qual a vida onírica e a fantasmática ficam limitadas pela fragilidade libi-
dinal. Marty154 substituiu o termo pensamento operatório por vida opera-
tória quando percebeu que a questão desorganizante envolvia muito mais
do que o mental. O movimento desorganizador podia também englobar o
caráter e o comportamento, indicando a perda das expressões instintivas
correspondentes. Nesse caso, havia um desaparecimento tanto da hierar-
quia funcional como das funções associadas. Logo, o autor percebeu que
o termo eclipse convinha melhor que o termo desaparição, pois em certas
condições as organizações que tinham partido podiam ressurgir.
Em contraste com a regressão psicossomática, descrita anterior-
mente, limitada no tempo e rica de um potencial reorganizador, Mar-
ty155 apresentou o conceito de desorganização progressiva, caracterizado
como um movimento patológico, contínuo e frequentemente definitivo.

152 Id. (1980).


153 Debray (1996, p. 27).
154 Marty (1976).
155 Id. (1966).

55
A criança com asma e sua família

Este se inicia por uma fase de depressão essencial, que indica a fragilidade
do instinto de vida (termo preferido por Marty pelo seu caráter evolu-
cionista), seguindo-se de uma desorganização do aparelho mental evi-
denciada pelo pensamento operatório.156 “Nenhum patamar regressivo
de densidade suficiente cessa essa desorganização, o que lhe confere um
aspecto progressivo (…). Sobrevêm enfim as desorganizações de funções
somáticas cada vez mais arcaicas no plano evolutivo, cada vez mais fun-
damentais no plano vital. O processo pode, deste modo, se desenvolver
até a destruição dos equilíbrios primários da vida individual”.157
Examinar a psicossomática, que se interessa pela compreensão da
economia ou do dinamismo de forças psíquicas e orgânicas, remete ne-
cessariamente à teoria de Pierre Marty. Esta vem sendo concebida como
o primeiro corpus teórico que definiu uma ordem psicossomática.158 A
obra daquele autor, A investigação psicossomática, de 1963, em colabora-
ção com M’Uzan e David, continha, em potencial, o referencial clínico
da atualidade. Ela destacava a importância da investigação para que se
pudesse estudar melhor uma série de funcionamentos psíquicos até en-
tão desconhecidos do campo analítico. Adotando o fio condutor das pes-
quisas freudianas, a psicossomática se pôs à procura de um saber adap-
tado ao seu objeto e, assim, delimitou posteriormente suas diferenças
em relação à psicanálise.159 Em trabalhos recentes, a questão da mentali-
zação, conjuntamente com a noção de causalidade circular e integrada,
reunindo assim os dois planos da expressão do psíquico e do somático,
continua a ocupar um lugar de destaque para esses pensadores.160
Contudo, a despeito dos progressos feitos pela psicossomática no
campo da pesquisa, da teoria e do tratamento de pacientes com proble-
mas orgânicos, permanecem muitas indagações incitando a pesquisa e
a discussão entre os investigadores. Constitui exemplo dessa inquieta-
ção um número exclusivo da Revue Française de Psychosomatique, de
2009, colocando a psicossomática em questão, bem como convite feito
a Dejours para se pronunciar em relação à psicossomática. Dessa inter-

156 Id. (1976).


157 Id. (1993, p. 20).
158 Kamieniecki (1994).
159 Smadja (1995), Szwec (1998).
160 Smadja (2008).

56
Dóris Lieth Nunes Peçanha

rogação, resultou o artigo denominado “A psicossomática, entre crença e


argumentação”.161 A leitura desse artigo permite compreender a distinção
entre a posição dejourniana no que se refere aos fenômenos psicosso-
máticos e aquela desenvolvida pelos psicanalistas do IPSO Pierre Marty.
Simplificando, Dejours, contrariamente a seus colegas, confere um pa-
pel de destaque à sexualidade e aos fenômenos transferenciais na relação
analista – paciente, mesmo no caso de pacientes com somatizações.

2.3 Compreensão sistêmica e famílias

Lembramos que as assertivas iniciais desta obra referiam-se à


multidimensionalidade da asma em crianças e à mudança paradigmáti-
ca nas ciências contemporâneas que visam à inteligibilidade de fenôme-
nos complexos, como o que se colocou em questão. Assim, a pesquisa
atual necessita um novo modelo que considere o contexto, que restaure
a complexidade natural dos seres vivos, apreendendo o objeto de estu-
do em sua totalidade, em seu dinamismo organizado, em suas inter-
-relações com outros objetos, ou seja, necessitamos um modelo (eco)
sistêmico,162 e daí a importância da teoria sistêmica (TS) no estudo de
famílias. Apresentaremos aspectos relevantes da TS e sua contribuição
ao estudo de famílias.
Salientamos que muitas são as abordagens e técnicas inspiradas
nesse enfoque teórico, como a hipnose ericksoniana, a análise transacio-
nal, a gestalt terapia, a PNL (programação neurolinguística), como mui-
tas são as terapias de família, com formas distintas de conceituação e de
tratamento de famílias, mas decorrentes da TS. Entre as terapias de famí-
lias, destacam-se: o modelo estratégico (a partir dos expoentes de Palo
Alto); o modelo experiencial (a partir de Carl Whitaker); o modelo estru-
tural de Salvador Minuchin; o modelo trigeracional do italiano Maurizio
Andolfi (escola de Roma); a escola de Milão, representada por Mara Sel-
vini Palazzoli Selvini, Boscolo, Giuliana Prata e Cecchin, que foram muito
influenciados pela obra de G. Bateson. Falaremos deste último autor e de

161 Gernet e Dejours (2006).


162 Seywert (1990).

57
A criança com asma e sua família

sua escola de Palo Alto, pois aí se funda a Teoria Familiar Sistêmica (TFS).
A TFS surgiu nos Estados Unidos na década de 1950, favorecida pelo ce-
nário intelectual do pós-guerra que levou muitos profissionais e cientistas
de diversas áreas a deixar a Europa. Entre eles, estão importantes psicana-
listas que formaram a base da TFS.

2.3.1 Da Teoria dos Sistemas (TS) à Teoria Familiar


Sistêmica (TFS)

Neste item, apresentaremos aspectos relevantes da teoria sistêmica


(TS) e sua contribuição ao estudo de famílias, constituindo a Teoria Fa-
miliar Sistêmica (TFS).
A abordagem sistêmica desenvolveu-se progressivamente desde o
início do século XX, com importantes contribuições dos Estados Unidos
da América, mas a partir de pensadores europeus que imigraram para esse
país. As ciências matemáticas e lógicas com Whitehead e Russel, a física
com a Teoria da Relatividade de Einstein e a Teoria do “Quantum” cons-
tituíram as sementes desse enfoque, que atingiu sua elaboração mais co-
nhecida, no ocidente, pela Teoria Geral dos Sistemas.163 Karl Ludwig von
Bertalanffy (1901-1972) foi um notável biólogo austríaco que desenvolveu
a maior parte do seu trabalho científico nos Estados Unidos. Gradativa-
mente, a perspectiva dos sistemas relacionou-se à cibernética (do grego
kybernetes, condutor), com relevantes contribuições da teoria da comu-
nicação até constituir aquilo que hoje se conhece como “sistêmico”. Expli-
cando, a cibernética é uma teoria dos sistemas baseada na comunicação,
ou seja, na transferência de informação entre o sistema e o meio e dentro
do sistema, incluindo a importante noção “de controle (retroação) da fun-
ção dos sistemas com respeito ao ambiente”.164
Nos primeiros desenvolvimentos da cibernética, atualmen-
te conhecida como Cibernética de Primeira Ordem, temos as noções
clássicas de circularidade, informação, regulação, entre outras. Esses
conceitos abriram espaço para outros, como desordem, complexidade

163 Bertalanffy ([1968] 1977).


164 Id. ibid., p. 41.

58
Dóris Lieth Nunes Peçanha

e coerência, desenvolvidos principalmente pelo biólogo chileno Hum-


berto Maturana, pelo físico austríaco Heinz Von Foerster e pelo físico-
-químico russo Ilya Prigogine. Tal passagem da Cibernética de Primei-
ra Ordem para outra, denominada de Cibernética de Segunda Ordem,
representa uma mudança paradigmática nas ciências como um todo,
pois simplicidade, estabilidade e objetividade deram lugar aos concei-
tos de complexidade, instabilidade e intersubjetividade.165 Em outra
obra,166 tratamos das contribuições de Ilya Prigogine, destacamos, ago-
ra, no contexto da Cibernética de Segunda Ordem, a teoria da Auto-
poiesis (self-production) dos chilenos Humberto Maturana e Francisco
G. Varela167 por suas implicações na ciência contemporânea. A unidade
autoprodutiva (autopoiesis) é o que distingue os seres vivos de não vivos,
sendo que organismo e meio desencadeiam reciprocamente mudanças
estruturais. Além disso, a experiência cognitiva do observador é intrín-
seca à sua estrutura biológica, ficando questionada a objetividade no co-
nhecimento. Dessa forma, observar é apenas um modo de viver o mesmo
campo experiencial para o qual se buscam explicações, e toda reflexão
produz um mundo.
Importa lembrar que Alexander Bogdanov, médico, filósofo e eco-
nomista russo, desenvolveu uma teoria sistêmica de grande complexi-
dade, vinte e três anos antes de Bertalanffy, assunto tratado em outra
obra.168 O pensamento original de Bogdanov, que visava formular uma
“ciência universal da organização”, foi publicado no livro Tectologia, em
russo, de 1912 a 1917, havendo uma edição em alemão. Na Tectologia
(ou ciência das estruturas) encontramos a ideia de que os sistemas vivos
são abertos, bem como formulações que mais tarde compuseram os prin-
cípios fundamentais da cibernética.
Na segunda metade do século XX, o pensamento sistêmico co-
meçou a adentrar no domínio da Psicologia. O principal responsável
pela aproximação entre a Teoria Geral dos Sistemas, a Cibernética e as
Ciências Humanas foi o antropólogo, biólogo, filósofo e um dos princi-
pais pensadores do século XX Gregory Bateson (1904-1980), homem de

165 Esteves de Vasconcellos (2008).


166 Peçanha e Santos (2011).
167 Maturana e Varela (1980).
168 Peçanha e Santos (2011).

59
A criança com asma e sua família

muitos lugares e saberes, que veio a ser o grande mentor da Teoria Fa-
miliar Sistêmica (TFS). Nasceu na Inglaterra e era filho do biólogo inglês
William Bateson, que cunhou o termo genético. Servindo-se de desco-
bertas da antropologia, cibernética e ecologia, Bateson elaborou princí-
pios simples e relevantes, inaugurando uma epistemologia biológica ao
afirmar que toda vida mental está ligada a um corpo físico. Sua visão
de mundo responde aos problemas da atualidade ao mostrar que nosso
olhar sobre as coisas é uma distorção mantida pela linguagem e que uma
visão correta deve considerar a interpretação dos sujeitos e se fundar nas
relações dinâmicas que fazem a beleza da natureza (1991/1996). Denun-
ciou o caráter “substancialista” das teorias psiquiátricas, retomando a
expressão de Alfred Korzybski (fundador da semântica geral) de que o
mapa não é o território.169
Bateson começou a se interessar pelo fenômeno da comunicação
no início da década de 1930, quando constatou, mediante observações
dos Iatmul, na Nova-Guiné, que a maneira como os indivíduos se com-
portavam dependia das reações dos que os cercavam. No final da década
de 1940, Bateson chegou a São Francisco e, em 1952, obteve financia-
mento para a pesquisa “O estudo do papel dos paradoxos da abstração na
comunicação”. Para realizá-la, no hospital dos veteranos de guerra (Ve-
terans Administration Hospital), Bateson reuniu uma equipe de jovens
pesquisadores formada pelo engenheiro químico John Weakland (1919-
1995), o estudante de comunicação Jay Haley (1923-2007), o psiquiatra
William Fry e, posteriormente, convidou o médico psiquiatra e psicana-
lista Donald (Don) De Avila Jackson (1920-1968), a partir de sua apre-
sentação sobre “homeostase” no funcionamento familiar, nesse hospital,
em 1954. Nesse trabalho, a família foi definida como um sistema home-
ostático, ou seja, como uma unidade que mantém seu equilíbrio interno
graças aos mecanismos de autorregulação para os quais contribuem tan-
to os indivíduos saudáveis como aqueles que apresentam enfermidades.
Mais tarde, a publicação da pesquisa liderada por Bateson acabou
se constituindo num notável estudo sobre a esquizofrenia. Houve um
prolongamento da mesma, notadamente com o estudo dos paradoxos
na comunicação, e a consequente fundação do Mental Research Institute

169 Picard e Marc (2013).

60
Dóris Lieth Nunes Peçanha

(MRI), em Palo Alto, por D. Jackson em 1959. Dessa forma, Palo Alto,
na Califórnia, passou a abrigar dois grupos: um de pesquisa e o outro
de tratamento de famílias. A pesquisa da comunicação, dirigida por Ba-
teson, identificou o “duplo vínculo”, padrão comunicacional de famílias
com membro esquizofrênico, caracterizado por mensagem contraditória
em que o receptor fica incapacitado de se metacomunicar, não havendo
comunicação sobre a comunicação. Por esse trabalho, Bateson recebeu o
prêmio Frieda Fromm-Reichmann, que é concedido no âmbito dos estu-
dos sobre esquizofrenia. Nos anos que se seguiram, Bateson e sua esposa
Margaret Mead tornaram-se pioneiros no uso da fotografia em estudos
de campo antropológico.
Posteriormente, a Escola de Palo Alto passou por uma crise im-
portante, caracterizada pela perda de três membros fundadores. Isso in-
cluiu a morte prematura de D. Jackson e mudança de pesquisadores para
outros locais, formando novos centros de tratamento familiar. Foi assim
que, a partir de uma mesma fonte comum, surgiram as variações da TFS,
notadamente da terapia de família sistêmica, como a Terapia Estratégica,
a Estrutural, entre outras. Dessa forma, muitos terapeutas de família pas-
saram a utilizar a TS (teoria sistêmica) como fundamento de sua prática,
em diferentes países, embora a terapia familiar já estivesse no contexto da
época, notadamente na Europa.
Após esse passeio pela história da sistêmica, voltemos à TS.
Esta permite conceitualizar e integrar fenômenos diversos como sis-
tema biológico (organismo, sistema neuroendócrino), sistema psíqui-
co (consciência, esquemas afetivos e cognitivos), sistema social (fa-
mília, relação psicólogo-cliente, instituição psiquiátrica) etc. A busca
por princípios universais aplicáveis aos sistemas em geral resultou em
três propriedades que estariam presentes particularmente nos sistemas
abertos: totalidade, relação e equifinalidade. Dessa forma, um sistema
caracteriza-se essencialmente pela interdependência dinâmica de seus
elementos. Ele é considerado em seu todo, não sendo redutível à soma
de suas partes. Quanto às finalidades, importam não apenas aquelas
que são oficiais, por exemplo, visar o bem-estar das crianças, mas tam-
bém as finalidades individuais de cada membro do sistema familiar que
podem ser diferentes entre si e mesmo incompatíveis com a finalidade
do sistema família. Disfunções e sintomas podem aparecer quando as

61
A criança com asma e sua família

finalidades do sistema e as finalidades individuais não apresentam um


grau mínimo de compatibilidade.170 A introdução dos princípios refe-
ridos opera um deslocamento do conteúdo para a estrutura do sistema,
como veremos a seguir.
Paul Watzlawick (Áustria, 1921-EUA, 2007), doutor em filosofia,
terapeuta, pesquisador, escritor e orador talentoso, com formação analí-
tica no Instituto Jung, foi um dos fundadores do Mental Research Insti-
tute de Palo Alto e um dos principais nomes da Teoria da Comunicação.
Postulou que esta apresenta dois aspectos: conteúdo e relação, e que é
impossível não comunicar por meio de dois modos, digital e analógi-
co.171 Além disso, as trocas comunicacionais são simétricas (baseadas na
igualdade) ou complementares (baseadas na diferença). Explicando, es-
ses autores mostraram que a disfunção em um sistema encontra-se não
no conteúdo (informação transmitida), mas na relação (mensagem ana-
lógica indicativa de como o emissor se define e como define o receptor),
ou na confusão entre dois níveis: o conteúdo tomado como comunicação
e a relação como metacomunicação. Profissionais de relações humanas
facilmente se afogam em conteúdos que lhes são depositados, não per-
cebendo os processos interativos disfuncionais dentro de um sistema. A
proposta sistêmica é colocar, entre parênteses, o conteúdo e pôr em evi-
dência o processo disfuncional a fim de obter mudanças. Esse “reenqua-
dramento” constitui uma leitura sistêmica do problema que restitui na
interação o que geralmente era atribuído aos indivíduos. Não se trata de
uma nova verdade, mas, sim, de uma construção colaborativa entre tera-
peuta e paciente ou cliente. Diversas são as formas de reenquadramento,
e o que torna essa estratégia tão efetiva é que não podemos voltar facil-
mente à armadilha de fazer sempre mais uma mesma coisa (por exemplo,
dizer cada vez mais “não” a um comportamento indesejável da criança,
fixando-o) e à angústia da antiga visão da realidade (por exemplo, falta
de confiança na criança). Valorizamos particularmente a metáfora por
sua natureza analógica, que situa a intervenção em outro nível (aspecto
afetivo, lúdico) que não o da racionalidade, favorecendo mudanças efeti-
vas. O reenquadramento pela metáfora é construído pelo terapeuta numa

170 Ausloos (1990).


171 Watzlawick, Beavin e Jackson (1967).

62
Dóris Lieth Nunes Peçanha

situação particular, permitindo-lhe condensar, ampliar, dramatizar um


aspecto da interação, das regras e das funções do sistema.
Por fim, resta salientar que, na TS, embora o conteúdo tenha sido
preterido em favor da relação; entendemos que um bom conhecimento
do conteúdo, na área a ser trabalhada, é determinante para o êxito de uma
abordagem sistêmica. Exemplos: uma intervenção sistêmica numa classe
escolar será mais exitosa se associada ao conhecimento pedagógico e do
conteúdo ministrado pelo professor; para tratar do sistema familiar com
uma criança com asma, precisamos conhecer o conteúdo, ou seja, a enfer-
midade asmática, o desenvolvimento e a psicossomática infantil, a estru-
tura e a dinâmica do grupo familiar. Dominando esses conteúdos, podere-
mos melhor trabalhar as relações, construindo ações pertinentes.

2.3.2 Teoria sistêmica e estudo de famílias


psicossomáticas

Expusemos postulados teóricos sistêmicos que necessitam ser


operacionalizados na concretude do fenômeno em estudo, no caso a fa-
mília. Então, definimos o sistema familiar como

unidade não redutível à soma das particula-


ridades de seus membros, em interação com
outros sistemas do ambiente e com os mem-
bros que ela contém; hierarquizada em suas
dimensões nucleares, estendidas e sociais;
orientada, de maneira mais ou menos explícita
ou implícita, para objetivos próprios; funcio-
nando como entidade relativamente autônoma
e operacional com suas regras, papéis e pa-
drões relacionais; evoluindo no tempo e num
contexto biológico e sócio-histórico; manten-
do uma identidade coerente e um equilíbrio
dinâmico.172

172 Seywert (1990, p. 13).

63
A criança com asma e sua família

Relacionando esse conceito de família com a questão da saúde,


a definição de “família doente”, que permeou grande parte dos estudos,
torna-se inaceitável, não somente do ponto de vista clínico por sua cono-
tação culpabilizante, mas também, epistemologicamente, por seu caráter
biomédico marcante. No domínio do comportamento, parece não existir
nada que seja essencialmente patológico, mas simplesmente aspectos in-
desejáveis em relação a parâmetros precisos que devem ser identificados
com discernimento crítico e precisão.173 Em consequência, os autores sis-
têmicos propuseram o termo “disfuncional” porque este leva a discutir os
critérios de apreciação da disfuncionalidade.
Para caracterizar o grau de saúde de um sistema familiar, diversos
conceitos foram desenvolvidos, destacando-se, entre eles, a questão da
individuação que trata da autodefinição de uma pessoa em relação às
demais. Boszormenyi-Nagy e Framo174 salientaram a singularidade irre-
dutível da pessoa em relação com os outros, e, assim, a individuação re-
fere-se a um processo de integração coerente da personalidade. Para ava-
liar o grau de individuação de diferentes membros da família, Seywert175
considerou a capacidade de expressão clara dos pensamentos, de assumir
responsabilidade por seus atos e de respeitar as “diferenças” dos outros.
Heusden e Eerenbeemt176 postularam a integração entre desenvolvimen-
to individual e perspectiva sistêmica, salientando que a adaptação ao
contexto social requer que a pessoa sinta-se, ao mesmo tempo, separada
e interdependente. Os termos individuação e diferenciação tendem a ser
usados como sinônimos, mas M. Bowen177 fez distinções entre os mes-
mos. Assim, o segundo diz respeito ao processo no qual a individualidade
(força vital) e a intimidade familiar (estar juntos ou coesos) passam por
uma coconstrução dentro do sistema relacional. Mediante esse termo, o
autor deixou mais clara a questão da interdependência entre o aspecto
individual e relacional no sistema familiar. Interessante observar o im-
pacto da biografia na obra do autor, assim Murray Bowen, que muito se

173 Selvini (1987).


174 Boszormenyi-Nagy e Framo (1980).
175 Seywert (1990).
176 Heusden e Eerenbeemt (1994).
177 Bowen (1972, 1984).

64
Dóris Lieth Nunes Peçanha

dedicou aos estudos sobre a “diferenciação de si”, tinha exatamente esse


problema em sua família.
Na concepção sistêmica da família, o termo fronteira surgiu como
uma metáfora espacial para indicar a exigência de autonomia recíproca
entre os membros da família, mas reconhecendo a interdependência na
mesma linha de raciocínio exposta anteriormente.178 Portanto, a flexibi-
lidade de fronteiras no sistema familiar deveria permitir trocas também
flexíveis entre os subsistemas, garantindo a autonomia individual e a in-
terdependência grupal.
Os estudos sistêmicos permitiram ultrapassar o modelo linear no
qual as doenças eram vistas como contidas dentro da própria pessoa, am-
pliando o foco para as disfunções do sistema familiar como um todo.
Minuchin, Rosman e Baker179 salientaram que certos tipos de organiza-
ção familiar estavam relacionados à manifestação de transtornos psicos-
somáticos. Mudanças nos padrões de interação familiar implicavam em
alívio dos sintomas psicossomáticos. Assim, os sintomas passaram a ser
apreciados como disfunções no sistema familiar, expressas pelo paciente
identificado, ou seja, aquele que recebe o rótulo de doente. Ultimamente,
o termo sintoma vem sendo substituído pela palavra mais ampla, deno-
minada “ressonância”,180 pois esta destaca o caráter sutil das interações
que põem em vibração experiências passadas e presentes e que, por sua
vez, constituem uma “junção de singularidades”.
No trabalho sobre famílias psicossomáticas, Minuchin e Fish-
man salientaram quatro características de funcionamento: 1) Emara-
181

nhamento ou intrusão – sistema caracterizado por alto grau de envolvi-


mento recíproco entre os membros; tendência a invadir os sentimentos,
pensamentos e comunicações dos outros; confusão de funções e papéis;
autonomia individual quase inexistente e frágeis limites entre as gera-
ções e entre os indivíduos; 2) Superproteção – alto nível de preocupação
e interesse recíproco; 3) Rigidez – resistência à mudança e relações po-
bres com o mundo exterior; 4) Evitação do conflito – baixa tolerância a
situações que comportem desacordos entre os membros; a família tende

178 Onnis (1989).


179 Minuchin, Rosman e Baker (1978).
180 Elkaïm (1989).
181 Minuchin e Fishman (1990).

65
A criança com asma e sua família

a fugir ou não perceber outros problemas, exceto a doença. O primeiro


autor referido é o psiquiatra argentino Salvador Minuchin,182 que de-
senvolveu importantes conceitos que fundamentam a terapia familiar
estrutural, como a noção de estrutura, regras, subsistemas e fronteiras.
A noção de estrutura familiar inclui composição e hierarquia dentro da
família e é determinada por fronteiras emocionais que mantêm os mem-
bros da família próximos, constituindo um padrão de aglutinação, ou
distantes, formando um padrão de dispersão. Os subsistemas podem ser
formados por geração, sexo, interesses ou pela função de seus membros.
As fronteiras de um subsistema têm a função de proteger a diferenciação
do sistema e, portanto, devem ser nítidas. Sua definição é dada pelas
regras que indicam quem participa de um determinado subsistema e co-
mo.183 Desse modo, cabe ao terapeuta familiar fortalecer as fronteiras
difusas e suavizar as rígidas.
Num enfoque sistêmico, a saúde ou a enfermidade deixam de per-
tencer a indivíduos isolados, passando a caracterizar um grupo num cer-
to contexto.184 Esse autor referiu que o elevado grau de tensão entre duas
pessoas, num sistema familiar, poderia contribuir para a ocorrência de
triangulação, ou seja, uma terceira pessoa seria incluída a fim de restabe-
lecer o equilíbrio perdido. Em geral, esse terceiro elemento tendia a ser a
pessoa que apresentava maior fusão com o referido sistema.
O estilo comunicacional na família constitui outro fator impor-
tante para a formação dos triângulos acima referidos, além de ser uma
variável essencial para a caracterização de uma determinada família.
Assim, quando o referido estilo caracterizava-se pela incongruência,
confusão e emoção inadequada, principalmente entre os cônjuges, as
mensagens recíprocas tomavam facilmente um canal de comunicação
indireta que passava pela criança triangulada e seu sintoma. Ou os pais
faziam uma aliança para desviar para a criança doente suas tensões (me-
canismo de desviação) ou uma aliança se estabelecia entre um dos pais e
a referida criança (mecanismo de coalizão). “Em todos os casos, o efeito
do jogo dos triângulos era sempre o mesmo: permitir aos cônjuges evi-

182 Minuchin (1982).


183 Id. ibid.
184 Bowen (1984).

66
Dóris Lieth Nunes Peçanha

tar a definição de suas relações”.185 Já Olson, Russell e Sprenkle,186 funda-


mentados na TFS, apresentaram um modelo circumplexo de interação
visando à compreensão do funcionamento familiar. Esse modelo, bas-
tante citado, é baseado em três dimensões principais: coesão, adaptabi-
lidade e comunicação. Esta é denominada como tal na escala que apre-
sentaremos posteriormente, tratamos a coesão como um fator dentro da
dimensão integração familiar, sendo que a adaptabilidade informa sobre
o funcionamento da família nas várias dimensões propostas.
A estrutura triangular, formada por pais e criança com doença
crônica, constitui uma das variáveis que repercute sobre os outros filhos,
sob a forma de risco para desajustes emocionais e sociais. As indicações
da literatura foram no sentido de que os irmãos sem doença orgânica
tendiam a apresentar baixa autoestima, isolamento social e ressentimen-
to contra o envolvimento paterno com a criança doente, além de assumi-
rem muitas responsabilidades em relação a esta. Nas famílias disfuncio-
nais, autores apoiaram, especificamente, o último postulado assinalando
que a liderança muitas vezes era atribuída, de forma mascarada, a uma
criança que era compelida, durante um longo período, a assumir fun-
ções bem acima de suas competências. Nesses casos, Minuchin187 falou
de criança paternal, enquanto Boszormenyi-Nagy e Spark188 elaboraram
o conceito de parentificação para designar aquela criança chamada a fun-
cionar como pai de seus próprios pais, ou como pai de um membro da
frateria. Nesses casos, a disfunção ou mesmo os sintomas apresentados
pela criança paternal têm uma função protetora para o sistema familiar
no sentido de uma lealdade.189 Não por acaso, Boszormenyi-Nagy, que
muito trabalhou sobre “lealdades”, pertencia a uma família de advogados.
Fazendo jus ao enfoque sistêmico, todos os conceitos definidos
para caracterizar a disfuncionalidade nas famílias que possuem um
membro com doença psicossomática encontram-se inter-relacionados.
Assim, outra característica que, como as demais já citadas, encontrou

185 Onnis (1989, p. 65-66).


186 Olson, Russell e Sprenkle ([1983] 2011).
187 Minuchin (1982).
188 Boszormenyi-Nagy e Spark (1973).
189 Id. ibid.

67
A criança com asma e sua família

destaque nos trabalhos de Onnis,190 particularmente em famílias com


criança portadora de asma, foi a evitação da agressividade. Nesses ca-
sos, os desacordos entre os membros tendiam a serem vividos como
uma ameaça à unidade familiar, levando a atitudes repressivas frente a
qualquer expressão de agressividade ou à completa negação da mesma.
Segundo o autor, esse temor à desagregação da família traduzia tam-
bém o medo de definir as relações entre seus membros, particularmen-
te as relações conjugais. Assim, “a doença da criança era adotada para
justificar a colocação entre parênteses de qualquer outro problema, em
particular as dificuldades dos cônjuges para ter momentos e espaços
privados de intimidade”.191
Os aspectos teóricos discutidos explicitaram que os sintomas psi-
cossomáticos da criança asmática, entre outras modalidades expressivas,
possuíam uma importante função de evitação de conflitos familiares, com
sérios prejuízos no processo de individuação de cada membro do sistema.
Concluindo, os aportes da teoria sistêmica possibilitaram com-
preender o quanto determinado sintoma psicossomático, como a asma
em uma criança, pode se enraizar profundamente na estrutura e na di-
nâmica familiar, possuindo uma importante função de manutenção do
equilíbrio desse sistema, embora com altos custos para a saúde de cada
membro e do grupo como um todo.

190 Onnis (1989), Onnis et al. (1993).


191 Onnis (1989, p. 66).

68
3. Como entender crianças e
famílias

Este capítulo trata do estudo de casos, dos critérios de participação


na pesquisa, dos meios e procedimentos para obtermos um maior co-
nhecimento quanto ao desenvolvimento da criança com asma e o papel
da família na coconstrução desse processo multifatorial de enfermidade
do ponto de vista dos fatores emocionais.
O estudo de caso vem sendo tradicionalmente conhecido como
uma profunda investigação individual ou grupal de um determinado su-
jeito. Mas, além de focalizar o comportamento do indivíduo ou de um
grupo como um todo para fins de elaboração diagnóstica, trata-se, sobre-
tudo, de um enfoque metodológico para investigações. A despeito de seu
reconhecido valor heurístico e de seu papel central no desenvolvimento
da psicologia clínica, Kazdin192 referiu que essa abordagem é usualmente
considerada inadequada para fundamentar esquemas válidos de inferên-
cias científicas porque as ameaças à validade interna não podem ser evi-
tadas como acontece na experimentação.
Segundo esse autor, as derivações de inferências, seja nos estudos
de caso, nos quase experimentos ou nos experimentos, são questão de
excluir as hipóteses rivais que poderiam influir nos resultados. Nos es-
tudos de caso, por definição, elas tendem a estar presentes. Entretanto, é
possível incluir aspectos que ajudem a minimizá-las, a fim de que esses
procedimentos sejam uma fonte de informação cientificamente útil.
Os estudos de caso têm sido definidos de maneira imprecisa e
heterogênea para incluir toda uma variedade de demonstrações não

192 Kazdin (1993).


A criança com asma e sua família

controladas. Contudo, eles podem variar conforme sejam conduzidos e


relatados. Essas diferenciações entre os mesmos têm importantes impli-
cações para derivar conclusões não ambíguas.193
A fim de atender o critério de validade interna, utilizamos um de-
lineamento de grupos contrastantes. Mesmo assim, como os sujeitos não
foram randomicamente designados para o grupo experimental e para o
grupo controle, a validade interna poderia ser questionada. Para contor-
nar esse problema, seguindo as indicações desse autor, os indivíduos fo-
ram tomados como membros de “grupos categóricos”, isto é, aqueles que
partilhavam alguns atributos que os colocassem dentro de uma catego-
ria identificável, por exemplo, pertencer ao sexo masculino ou feminino,
ser filho mais velho ou mais novo. Com base no delineamento de grupos
contrastantes e categóricos, selecionamos os sujeitos de forma a excluir
hipóteses rivais e recorremos ao emparelhamento mediante pares indivi-
duais. Na obra clássica de Johnson e Solso, essa técnica tem sido “bastante
poderosa para eliminar qualquer viés devido às características do sujeito
quando o experimentador sabe que variáveis do sujeito estão altamente
relacionadas com a tarefa experimental e se ele pode obter medidas nessas
variáveis”.194 Utilizamos a técnica de estudo de caso emparelhado como
procedimento de coleta e interpretação dos dados, aconselhável para es-
tudo limitado de sujeitos, como no presente estudo. Na busca pelo rigor
científico numa pesquisa de pequena amostra, estabelecemos o grupo
experimental e o controle, emparelhados. Adotamos um delineamento
qualitativo, por meio do estudo da fala dos sujeitos, e quantitativo, pela
utilização da estatística descritiva e de testes de significância, quando ne-
cessário, na comparação entre os grupos experimental e controle.

3.1 As crianças e suas famílias

Desenvolvemos um trabalho de pesquisa empírica em que par-


ticiparam 20 crianças e suas respectivas famílias, distribuídas em dois
grupos que denominamos de grupo experimental (crianças com asma)

193 Id. ibid.


194 Johnson e Solso (1975, p. 76).

70
Dóris Lieth Nunes Peçanha

e grupo controle (crianças sem problemas de saúde). O diagnóstico de


asma, dado pelo médico da criança, foi categorizado por esta pesquisado-
ra como leve no momento do estudo, considerando as características da
crise, tipo de atendimento necessário e número anual das mesmas. A es-
colha das crianças do grupo experimental atendeu aos seguintes critérios:

• Idade: 7 a 8 anos;
• Possuírem pelo menos um(a) irmão(ã);
• Alunos do 1o grau escolar, sem reprovação;
• Diagnosticados como portadores do quadro asmático;
• Desenvolvimento psicológico, mental e físico saudáveis,
sem interferência de outras doenças ou sequelas significa-
tivas no seu processo evolutivo;
• Moradia permanente com a família biológica, na cidade
sede da pesquisa;
• Escolaridade das mães (2o ou 3o grau).

As condições descritas visaram eliminar variáveis intervenientes


como aquelas relativas a amostras constituídas por sujeitos de mesmo
sexo, com variações importantes na faixa etária e ainda aquelas que di-
zem respeito à influência de fatores cognitivos e emocionais importan-
tes, como a experiência de uma reprovação escolar, presença de irmão(s)
com problemas físicos ou mentais, separações de um ou de ambos os
pais e separação entre o casal de genitores. Portanto, a constituição de
critérios para a seleção do grupo experimental objetivou o melhor co-
nhecimento dos psicodinamismos individuais e familiares associados à
asma, evitando-se o seu mascaramento por outras variáveis.
No que se refere ao grupo controle, foi composto de crianças
com desenvolvimento psicológico, mental e físico saudável, a fim de
que pudéssemos conhecer o processo de desenvolvimento de infantes
sem problemas de saúde e compará-lo com as crianças asmáticas. Para
que os dois grupos fossem o mais homogêneo possível, utilizamos os
mesmos critérios de seleção, com exceção da asma no grupo controle.
Essas crianças atenderam à exigência de não terem história prévia des-
sa enfermidade, nem de qualquer outra doença de caráter alérgico, o
que poderia levantar hipóteses rivais na interpretação dos resultados,

71
A criança com asma e sua família

ameaçando a validade interna da pesquisa. Enfim, elas satisfizeram às


necessidades de emparelhamento em relação ao primeiro grupo no que
tange a idade, sexo, escolaridade e lugar na constelação familiar, variá-
veis estas utilizadas em estudos análogos.195 O nível de escolaridade das
mães (2o ou 3o grau) foi outro aspecto selecionado para fins de igualar os
grupos. Isto se justifica também pela necessidade de se obter um grupo
semelhante aos dos demais estudos revisados. Por outro lado, mães com
escolaridade inferior ao 2o grau geralmente pertencem aos níveis socio-
econômicos mais baixos, em que a carência de recursos econômicos da
família pode prejudicar a saúde e a educação dos filhos, representando
uma variável importante que pode incidir sobremaneira nos quadros
clínicos da asma pediátrica.
Os grupos mostraram-se muito semelhantes nas variáveis demo-
gráficas selecionadas que diziam respeito às crianças: idade (M = 92,10
meses, D.P. (6,90), grupo com asma; M = 97,60 meses, D.P. (6,46), grupo
sem asma; F (3,35), p = 0.08, n.s.); sexo (80% meninos e 20% meninas),
escolaridade (90% na primeira série e 10% na segunda série); posição na
constelação familiar (50% filho mais velho e 50% filho mais novo).
Sendo a faixa de idade muito estreita, dos 7 anos aos 8 anos e 11
meses e dada a grande dificuldade de parear conjuntamente os indiví-
duos por outras variáveis relevantes, tanto da própria criança como da
família, optamos por certa flexibilidade em relação ao emparelhamento
etário. O mesmo ocorreu no que diz respeito à escolaridade. Neste as-
pecto, utilizamos o emparelhamento por classes escolares, uma de 1a a 2a
série e a outra de 3a série, sendo que apenas uma criança no grupo expe-
rimental e uma no grupo controle atingiram este último nível e tinham
a idade de 8 anos e 11 meses e 8 anos e 3 meses, respectivamente. Exem-
plificamos essa questão com o caso “3a” de 7 anos e 3 meses, 1a série,
emparelhado com o caso “3b” de 8 anos e 6 meses, 2a série. Ambos eram
caçulas, tendo uma irmã mais velha com a mesma diferença de idade. Os
progenitores desses dois meninos tinham a mesma escolaridade, idade
em torno de 40 anos e exerciam o mesmo tipo de trabalho. Priorizamos
o emparelhamento pelas variáveis que indicavam a homogeneidade no
contexto sociofamiliar, mesmo porque o fato de estar na 1a ou na 2a sé-

195 Queiroz (1960).

72
Dóris Lieth Nunes Peçanha

rie não pareceu relevante, uma vez que as transformações no sistema


escolar suavizaram a entrada no 1o grau. Na realidade, as crianças vêm
iniciando sua alfabetização já na pré-escola. Além disso, os estudos sobre
desenvolvimento infantil indicam que crianças de 7 e 8 anos vivenciam
situações e problemas semelhantes, tendo as mesmas tarefas a resolver.
Nenhuma criança no grupo com asma ocupou a posição designa-
da como “do meio” na constelação familiar. Em consequência, o empare-
lhamento com as outras crianças foi feito em termos de filho “mais velho”
ou filho “mais novo”. Notamos ainda que apenas um casal no grupo de
crianças com asma possuía três filhos. Esse mesmo número de crianças
fez parte da composição de três famílias no grupo controle. Da mesma
forma, testamos também essa diferença no número de filhos em cada
família mediante análise de variância (F = 1,20; p = 0,28), que se mostrou
igualmente não significativa.
Igualmente, os dois grupos estudados foram similares na variável
ocupação materna. Neste aspecto, interessou-nos particularmente saber
se a mãe desenvolvia um trabalho fora do lar, pois o fato de a mesma
optar por permanecer em casa, junto de seu(sua) filho(a), tem sido uma
variável considerada nos estudos sobre a criança com asma.196 Nesta
pesquisa, encontramos um mesmo percentual de mães desenvolvendo
atividades profissionais (80%), porém apenas no grupo sem problemas
de saúde houve mães que exerciam uma atividade remunerada (20%)
no próprio lar.
Apesar da homogeneidade entre os grupos, houve sugestões de
diferenças entre os mesmos, pois os pais, no grupo das crianças com
asma, apresentaram idades um pouco inferiores aos pais das crianças
sem asma. Assim, para testar a significância dessas diferenças, subme-
temos os referidos dados à análise de variância: tanto a idade das mães
(F = 1,03; p = 0,32) como a dos pais (F = 2,71; p = 0,11) não foram esta-
tisticamente significantes.
Em síntese, os grupos foram homogêneos entre si. Porém, o exa-
me dos dados brutos permitiu visualizar que a escolaridade das mães de
crianças com asma foi um pouco menor do que a escolaridade das outras
mães. O mesmo ocorreu em relação ao grau de escolaridade dos pais

196 Rockenbach-Peçanha (1993).

73
A criança com asma e sua família

e das próprias crianças. Grande parte das crianças com asma estava na
primeira série, enquanto as crianças do grupo controle estavam, em sua
maioria, na segunda série. O menor número de filhos também ocorreu
no grupo experimental, e as idades dos sujeitos foi igualmente menor.
Essas variações, apesar de não significativas, foram consideradas na aná-
lise clínica dos dados.

Caracterização da asma nas crianças

Passamos a apresentar dados específicos concernentes à asma


pediátrica a fim de caracterizar o grupo de crianças portadoras dessa
enfermidade em aspectos da prevalência, gênese e gravidade do qua-
dro asmático.
As crianças com asma foram em maior número do sexo masculi-
no, confirmando um dado epidemiológico bastante conhecido. O sexo
das crianças foi uma variável controlada apenas para fins de emparelha-
mento com o grupo controle. Isto significa que todas as crianças com
asma que preenchiam os critérios da pesquisa e que aceitaram partici-
par deste estudo, independentemente do sexo, passaram a constituir o
grupo experimental.
Um número importante de crianças com asma apresentou antece-
dentes diretos com a mesma enfermidade (60%), sendo a mãe (40%) ou o
pai (20%) portadores da doença. Nos demais casos (40%), havia parentes
asmáticos. Isto confirma o aspecto genético entre os múltiplos fatores
que caracterizam a asma. Contudo, uma vulnerabilidade genotípica não
resulta necessariamente na expressão fenotípica, pois são necessários,
entre outros fatores, aqueles de ordem emocional.197 Entre eles, destaca-
mos a qualidade da interação mãe-criança.198
O início das crises ocorreu principalmente nos dois primeiros anos
de vida dos participantes estudados (60%) e na idade entre 3 e 4 anos (40%).
Os fatores associados às crises foram: entrada na creche (30%) e mudança
na estrutura familiar (50%), sendo que um dos casos apresentou a conjun-

197 Mrazek et al. (1991), Mrazek (2004).


198 Peçanha (1993), Peçanha e Piccinini (1994).

74
Dóris Lieth Nunes Peçanha

ção desses dois fatores, caracterizados pelo ingresso na creche e nascimen-


to de um irmão. Nos demais casos (20%) não havia uma relação explícita
entre mudança, sentida pela criança como privação emocional, e desenca-
deamento de crise. Tais achados confirmam os dados da literatura, como
a tendência de maior incidência de asma nos primeiros anos de vida e a
dificuldade dessas crianças para enfrentar situações novas.199
Buscando melhor conhecimento do quadro asmático, investiga-
mos o número anual de crises durante a primeira infância, uma vez que,
durante o ano de realização deste estudo, as crianças apresentaram me-
nos de cinco crises. Essa baixa frequência de crises, ao lado de outras
características descritas pelos pais, como raras hospitalizações e o fácil
manejo da doença no próprio lar, permitiu caracterizar o grupo, como já
foi referido, portador de asma leve no momento de realização do traba-
lho. Entretanto, na primeira infância, metade dessas crianças apresentou
asma grave e a outra metade dividiu-se entre portadores de asma mode-
rada e leve. Essa melhoria no quadro asmático quando da entrada na ida-
de escolar há muito vem sendo referida pelos estudos epidemiológicos.
A tendência geral à remissão dos sintomas asmáticos em crianças
em idade escolar constituiu um incentivo para pesquisar variáveis rela-
tivas aos distúrbios de comportamento, ao contexto psicoeducativo e às
inter-relações do grupo familiar nos casos de persistência da asma, como
veremos posteriormente.

3.2 Meios compreensivos

A abordagem metodológica centralizou-se, portanto, na técnica


de estudo de casos emparelhados. Os meios compreensivos ou instru-
mentos de pesquisa encontram-se a seguir.

199 Rockenbach-Peçanha (1993).

75
A criança com asma e sua família

3.2.1 Entrevista com os pais

Utilizamos uma entrevista semiestruturada com base em nossa


experiência clínica e resultados prévios.200 Ela foi organizada em torno
de grandes temas: gênese e evolução do quadro asmático (grupo com
asma); distúrbios de comportamento; contexto psicoeducativo – limi-
tes e concessões; e inter-relações no grupo familiar. Além de facilitar o
“rapport”, a cooperação da família ao longo do trabalho e de fornecer
dados sociodemográficos dos sujeitos, a entrevista (roteiro apresentado
a seguir) permitiu conhecer a história do quadro asmático, os padrões de
interação e características do desenvolvimento recíproco entre criança e
família, visando o alcance do objetivo da pesquisa.
Os procedimentos que utilizamos para a realização da entrevista
foram de natureza semidirigida. Assim, houve flexibilidade no seu empre-
go em função das características pessoais dos entrevistados e da empatia
entre eles e a entrevistadora. Iniciamos as perguntas por aquelas de maior
motivação para os pais e mais fáceis de serem respondidas, deixando para
o final da conversa as mais difíceis e delicadas.
Inicialmente fizemos um “rapport” com os pais para deixá-los à
vontade na exposição de ideias, de maneira confiante, espontânea e co-
laboradora. Para facilitar esse processo, foram explicados os benefícios
que poderiam advir desse tipo de entrevista, como a realização de um
estudo psicológico da criança com asma, recomendações pertinentes a
cada caso e extensão dos benefícios do estudo a outras crianças e famí-
lias, respeitando as normas éticas do sigilo relativamente à identidade
dos participantes.
O roteiro em questão serviu também de orientação para as entre-
vistas feitas com os pais de crianças sem asma, com os devidos ajustes,
especialmente exclusão do item referente à gênese e evolução do qua-
dro asmático.

1. Dados pessoais
a) Criança
Nome, idade, sexo, escolaridade, localização na constelação familiar.

200 Rockenbach-Peçanha (1993), Queiroz (1960).

76
Dóris Lieth Nunes Peçanha

b) Família
Nome, idade, ocupação, nível de instrução dos pais.
Número, idade, sexo dos filhos.
Outras pessoas que moram com a família e grau de parentesco, se
houver.
Tipo de moradia, bairro e cidade.

2. Gênese e evolução do quadro asmático


a) Antecedentes familiares
Familiares diretos (pais, tios, irmãos e avós) portadores de asma
e sintomas associados, como rinite alérgica e dermatite (eczema, urticá-
ria). Grau de parentesco com a criança, em caso positivo.
b) Desenvolvimento do quadro asmático na criança
Aparecimento da primeira crise, idade da criança, características
dos sintomas e o impacto ocasionado na criança, na família, e providências.
Relação com acontecimentos importantes na vida da criança e da
família: desmame, ingresso na creche, na pré-escola e na escola, castigos,
participação em festas infantis, em aniversários e Natal; início do traba-
lho da mãe fora do lar, nascimento de irmão, doença ou falecimento de
familiares, mudanças de residência, viagens, conflito entre os pais.
c) Evolução posterior
Crises: características, frequência, idade, impacto na criança, nos
familiares, e providências; hospitalizações ou tratamento ambulatorial;
mudanças no comportamento da criança e dos pais.
Relações: mudanças climáticas e períodos do dia, doenças, além
dos acontecimentos citados na letra b).

3. Distúrbios do comportamento
a) Alimentação
Náuseas, inapetência, dependência, descumprimento de horários,
superalimentação, lentidão, omissão de boas maneiras (comer com as
mãos, sujar-se, derrubar alimento). Recusa e seletividade de alimentos.
Idade da criança, periodicidade e atitude dos familiares.
b) Sono
Interrupções, inadequação do sono ao período habitual (horários
de sesta, noite); sono agitado, com ranger de dentes, gritos, prantos, falas,

77
A criança com asma e sua família

pesadelos; dificuldade para adormecer ou se levantar; rituais para dor-


mir (luz acesa, sucção dos dedos, manipulação de roupas); sonolência ou
sono demasiado. Época, periodicidade e conduta dos pais.
c) Eliminação
Enurese noturna e diurna; encoprese noturna e diurna; omissão
de conduta socializada (urinar ou defecar em lugares impróprios, falta de
hábitos higiênicos); dificuldade na aceitação do treino. Época, periodici-
dade e conduta dos pais.
d) Linguagem
Atraso no início da fala; linguagem infantilizada; mutismo eleti-
vo; fala incompreensível; gagueira; dislalia. Época de ocorrência e atitude
dos pais.
e) Medo
Pessoas (familiares, estranhos, médicos etc.); animais; escuro; soli-
dão; ruídos estranhos; figuras imaginárias; fenômenos da natureza; mor-
te; doenças; cirurgias; situações novas e estranhas etc. Época de ocorrên-
cia, frequência e atitude dos pais.
f) Ansiedade
Crises de birra, pranto frequente com ou sem lágrimas; perturba-
ção no ritmo da respiração; rubores; transpiração sem causa física; ins-
tabilidade; irritabilidade; dependência. Época de ocorrência, frequência
e atitude dos pais.
g) Sexual
Manipulação frequente dos genitais; preocupações; exibicionismo;
fantasias (gravidez, nascimento). Época, frequência e atitude dos pais.
h) Pré-escolar e escolar
Rejeição às aulas; assistência irregular; baixo rendimento (repro-
vação, notas abaixo da média); ansiedade e resistência na realização das
atividades escolares; fobia escolar; baixa participação em atividades ex-
tracurriculares (jogos, excursões, festas).
i) Relacionamentos
Desobediência, ciúme, teimosia, negativismo, agressividade, iso-
lamento, falta de defesa pessoal, mentira e fantasias, escapadas, fugas e
pequenos furtos. Época de ocorrência, frequência e atitude dos pais.
j) Manipulação e tiques

78
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Sucção diurna do polegar; uso diurno de chupeta; uso de chupeta


para dormir. Sucção de roupa, manipulação de cabelo.

4. Contexto psicoeducativo
a) Limites educativos
Restrições quanto às variações térmicas (andar descalço, tomar
sol, sair em dias de chuva, evitar vento e sereno); ao vestuário (roupas
leves e abertas); à alimentação (chocolates, gelados, refrigerantes); às ati-
vidades recreativas (jogos ao ar livre, distante dos pais, corridas e brin-
cadeiras agitadas); às exigências escolares e ao cumprimento da rotina.
b) Concessões educativas
Concessões quanto ao cumprimento da rotina (deitar ou levantar
mais tarde que as demais crianças, dormir no quarto dos pais, alimentar-
-se basicamente do que gosta); presentes (mais brinquedos e roupas do
que as demais crianças; ausência de castigos (ao não cumprimento dis-
ciplinar, à rotina)).
c) Atitude dos pais frente à asma da criança (ou outra doença crônica
no grupo de crianças sem asma); comentários, sentimentos de piedade,
manifestação intensa de carinho.

5. Inter-relações do grupo familiar


a) Inter-relação do casal
Tempo disponível para os dois; impacto dos cuidados com a(s)
criança(s) na vida do casal; concordâncias e divergências quanto à edu-
cação dos filhos.
b) Inter-relação dos pais com a criança
Expectativas em relação à criança, sua aceitação durante o período
gestacional.
c) Inter-relação dos pais e demais filhos
Qualidade do relacionamento entre os pais e os demais filhos.
d) Inter-relação criança e irmãos
Qualidade do relacionamento entre a criança e seus irmãos e vice-
-versa.
e) Atividades sociais
Participação da família em outros ambientes sociais (parques, clu-
be, ginásio de esportes, restaurantes, cinema, visita a amigos ou parentes).

79
A criança com asma e sua família

f) Influências intergeracionais
Participação e influência de elementos da família estendida (avós,
tios, primos); identificação da criança com outros membros da família ou
membros de outras gerações portadores de asma ou doenças importantes.

6. Observações: anotar dados sobre o comportamento dos pais, como


ansiedade, bloqueios, evasão de temas, silêncios, sentimentos de culpa,
colaboração, espontaneidade etc.

3.2.2 Desenho em Cores da Família (DCF)

A técnica em questão foi concebida por Maggi201 como um apri-


moramento da técnica projetiva gráfica “Desenho da família”,202 visando
o estudo da representação feita pela criança em relação a sua família. As-
sim, o DCF pode traduzir as experiências infantis vividas nesse contexto,
fossem elas reais ou fantasiadas, constituindo um elemento enriquece-
dor na compreensão da percepção infantil. Este instrumento conjuga
padronização às características de economia e simplicidade do material.
Além disso, o uso de lápis colorido funciona como um estímulo moti-
vador para a criança se engajar na tarefa, sendo importante perguntar
à criança sobre suas preferências em termos de cores. A associação en-
tre escolha de cores e afetos foi confirmada num estudo conduzido por
Burkitt, Barrett e Davis.203
Observamos maior padronização na aplicação do DCF204 quando
comparado a outros testes de desenho da família,205 motivando a opção
pelo mesmo. O material utilizado no DCF foi o seguinte:

• Folha de papel sulfite branco, tamanho ofício (31,5 cm x


22,0 cm);

201 Maggi (1970).


202 Corman (1979).
203 Burkitt, Barrett e Davis (2003).
204 Maggi (1970).
205 Jourdan-Ionescu e Lachance (1997).

80
Dóris Lieth Nunes Peçanha

• Dez lápis de cor, bem apontados, colocados da esquerda


para a direita na seguinte ordem: branco no 001; vermelho
no 021; laranja no 009; amarelo no 007; marrom no 077; verde
no 070; azul no 043; violeta no 034; cinza no 097; preto no 099
(os números referem-se aos lápis da marca Johann Faber®,
conforme propostos por Maggi;206 em caso de não disponi-
bilidade, recomendamos o uso de cores primárias, evitando
tons muito claros ou muito escuros);
• Um apontador;
• Um lápis preto no 2;
• Uma borracha branca ou incolor;
• Um cronômetro para estimar o tempo de reação da criança
e o tempo total que ela despendeu para realizar a técnica.

Seguem algumas sugestões para facilitar o uso do DCF. É acon-


selhável que o pesquisador disponha de outro estoque de lápis, idêntico
ao acima indicado, para eventual substituição, no caso de necessidade.
Sugerimos ainda que o psicólogo e a criança fiquem sentados do mesmo
lado da mesa na qual está disposto o material, pois, assim, a criança tende
a se sentir menos observada.
Estabelecido um relacionamento de confiança com a criança, da-
mos a seguinte instrução: “Faça o desenho colorido de uma família como
você quiser, o melhor que você puder, com estes lápis que estão aqui”. Tal
instrução de caráter aberto207 leva em conta a evidência clínica de que
estímulos diretos tendem a bloquear a livre expressão do sujeito. Além
disso, um estudo de Morval, citado por Jourdan-Ionescu e Lachance,208
indica que crianças com menos de oito anos tendem a desenhar sua pró-
pria família, sendo, portanto, desnecessário explicitá-lo.
Se a criança perguntar se precisa desenhar sua própria família, res-
ponda: “Faça como você quiser”, evitando mencionar o “desenho de sua
família”. Se a criança tiver dificuldades, incentive-a na execução da tarefa.
No caso em que ela prefira desenhar algo diferente, deixe-a utilizar-se

206 Maggi (1970).


207 Corman (1979), Maggi (1970).
208 Jourdan-Ionescu e Lachance (1997).

81
A criança com asma e sua família

livremente dos lápis. Mas depois que desenhou e/ou pintou o desejado,
diga: “Muito bem, espero que esteja satisfeito(a) com seu desenho; por
favor, faça agora o desenho de uma família colorida”, fornecendo-lhe
uma nova folha em branco e guardando a produção espontânea. Aliás, a
produção gráfica espontânea, na experiência desta autora, pode consti-
tuir um excelente meio de abordagem e conhecimento inicial da criança.
A partir dos dados obtidos no DCF, analisamos a percepção da
criança sobre a interação dos membros de seu lar no que concerne aos
seguintes aspectos: comunicação, normas, papéis, liderança, conflitos,
agressividade, afeição, individuação, integração, assim como foram exa-
minadas as mudanças que a criança desejaria introduzir ou não no sis-
tema familiar. O interesse por este meio compreensivo residiu em ser
uma técnica projetiva centralizada na família, contexto privilegiado deste
estudo, acrescido de sua potencialidade para estudos sistêmicos sobre o
tema, sendo que este último aspecto constitui a contribuição inovadora
desta pesquisa. A seguir, apresentamos o Protocolo de Observação (1)
e o Questionário (2), ou inquérito feito à criança. Ambos os protocolos
foram adaptados para os fins desta pesquisa. Desenvolvemos ainda um
terceiro protocolo de Avaliação Sistêmica do Desenho em Cores da Fa-
mília (3), que foi concebido especialmente para este estudo, integrando
as contribuições de muitos autores, em especial de Campos e Kolck.209 O
interesse deste último protocolo reside na possibilidade comparativa das
mesmas dimensões familiares estudadas tanto por meio do DCF quanto
da EFE. Destacamos entre essas dimensões: comunicação, normas, pa-
péis, conflitos, agressividade e integração. O tipo de resposta dado ao
questionário é fundamental para a pontuação da dimensão em estudo,
sendo que o aspecto gráfico serve de suporte, corroborando ou não a
verbalização da criança. Utilizamos variáveis dicotômicas, sempre que
possível, a fim de facilitar a análise e fornecer um quadro geral dos re-
sultados dos grupos, sendo que aspectos mais sutis, ou seja, graduações
entre a presença de problemas e a ausência dos mesmos em uma variável,
foram contemplados na análise individual de cada caso.

209 Campos (1977), Kolck (1984).

82
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Desenho em Cores da Família (DCF)

1) Protocolo de observação
Iniciais:     Idade:     D.N.:     Sexo:
Escolaridade:          Data de aplicação:
Pai: (um nome)          Mãe: (um nome)
Genetograma com idades:
--------------------------------------------------------------------------------
FIG. CRIANÇA PAI MÃE IRMÃO IR. IR. OUTROS
--------------------------------------------------------------------------------
TRI*
--------------------------------------------------------------------------------
TRT*
--------------------------------------------------------------------------------
ORDEM
--------------------------------------------------------------------------------
R/C*
--------------------------------------------------------------------------------
(* TRI = tempo de reação inicial; TRT = tempo de reação total; R/C = retoca,
complementa o desenho).
Observações: falante, insegura, cooperativa, inibida, espontânea, outros.

2) Questionário
Após a criança realizar o desenho mediante instruções como esta
(“Faça o desenho colorido de uma família, como você quiser, o melhor
que você puder, com estes lápis que estão aqui”), ela será convidada a
responder as questões a seguir:

1. Conte alguma coisa sobre essa família (mostrando o desenho realiza-


do). Onde eles estão? Como eles são?
2. Quem são eles nesta família? (Apontando para cada figura desenhada,
da esquerda para a direita, sucessivamente. Se for identificada a criança
testada, no desenho, esta passará a ser denominada “Figura Ego”.).
3. Está faltando alguém nesta família? Se a resposta for sim, pergunte:
quem?

83
A criança com asma e sua família

4. Tem alguém demais nesta família? Se a resposta for sim, pergunte: quem?
5. Como eles se dão?
6. O que eles estão fazendo agora? (apontando para toda a família).
7. Eles têm horários para comer, estudar, brincar ou dormir?
8. Qual deles você gosta mais? (Se a figura escolhida for identificada com
o próprio sujeito, será denominada “Figura Ego”.). Por quê?
9. Se a criança não tiver se incluído no desenho da família, pergunte: Se
você estivesse nesta família, quem seria você? (Figura Ego).
10. Qual a parte do corpo desta figura que foi mais difícil desenhar?
(apontando para a Figura Ego).
11. O que os outros pensam dele(a)? (apontando para a Figura Ego). Por
quê?
12. Os irmãos (se tiver desenhado) gostam dela?
13. Se ele(a) (apontando para a Figura Ego) tivesse alguma coisa impor-
tante para dizer, para quem contaria?
14. De qual deles(as) você gosta menos? Por quê?
15. De quem este papai gosta mais? (indicando a figura correspondente).
16. De quem ele gosta menos?
17. De quem esta mamãe gosta mais? (indicando a figura correspondente).
18. De quem ela gosta menos?
19. O que este papai faz quando uma das crianças faz tudo certinho?
20. O que este papai faz quando uma das crianças faz alguma coisa errada?
21. O que esta mamãe faz quando uma das crianças faz tudo certinho?
22. O que esta mamãe faz quando uma das crianças faz alguma coisa
errada?
23. Quando o papai e a mamãe estão em casa e as crianças querem sair
para brincar, para quem elas pedem?
24. Quando esta família quer passear, como eles decidem aonde ir e
quem escolhe o lugar?
25. Se nem todos concordarem nessa ou em outras coisas, o que eles fa-
zem para resolver a questão?
26. Diga o que você mais gostaria de mudar nesta família.

3) Protocolo de Avaliação Sistêmica do Desenho da Família (ASDF)


As dimensões propostas para avaliação dos dados obtidos no DCF
objetivam integrar os critérios comparativos deste teste com aqueles

84
Dóris Lieth Nunes Peçanha

apresentados no protocolo de avaliação da Entrevista Familiar Estrutura-


da (EFE). O tipo de resposta dada ao questionário do DCF é fundamen-
tal para a pontuação de cada variável, sendo que o aspecto gráfico serve
de suporte, corroborando ou não a verbalização da criança.

1. Comunicação (13a, 14a questões e, secundariamente, 1a, 5a e 6a)


1. Inadequada
Desenho: distanciamento entre as figuras, incluindo a colocação da
fig. E em relação às demais. Posição das figuras: de costas. Figuras cerca-
das ou separadas por qualquer elemento (árvore, brinquedo, animal etc.).
Questionário: a resposta a uma das questões acima indicadas reve-
la agitação, brigas, isolamento, rivalidade.
2. Sem problemas: Os indicadores acima não aparecem.

2. Normas (7a, 19a, 20a, 21a, 22a, 23a e 24a questões)


1. Autoritárias
Desenho: figura desenhada em primeiro lugar, bem diferenciada
ou maior que as demais, associada à resposta que indique a imposição de
suas normas sobre os demais.
Questionário: a resposta a uma das questões acima indicadas reve-
la imposição ou prevalência da vontade reguladora de um dos pais.
2. Omissas: por exemplo, um dos pais não gratifica ou não castiga quando
necessário.
3. Sem problemas: os indicadores acima não aparecem.

3. Papéis (6a, 15a, 16a, 17a, 18a e 23a)


1. Indiferenciados
Desenho: igualdade no tamanho das figuras; vestimentas indife-
renciadas em função das figuras desenhadas.
Questionário: a resposta a uma das questões indicadas revela im-
precisão dos sistemas conjugal, parental, fraterno ou filial (por exemplo:
“O pai gosta mais da mãe mas a mãe gosta mais de mim”); ausência de
limites claros (por exemplo: 23a questão, quando os pais estão em casa a
criança “pede prá vizinha” para sair).
2. Sem problemas: os indicadores acima não aparecem.

85
A criança com asma e sua família

4. Liderança (23a e 24a questões)


Desenho: uma das figuras, especificada a seguir, é desenhada em
tamanho maior que as demais. Colocação no papel: posição central ou
figura acima das demais; ordem da figura ao desenhar (1a)
Questionário: a resposta a uma das questões acima indica a fi-
gura de:
1. Mãe
2. Pai
3. Pai e mãe
4. Outros
5. Criança

5. Conflitos (2a, 5a, 15a, 17a, e 24a e, secundariamente, na 10a, 11a, 13a e 25a)
1. Presentes e sem busca de solução
Desenho: omissão de figuras essenciais na família ou da figura ego.
Omissões ou rasuras de partes essenciais do corpo ou do rosto da figura
ego. Vários ensaios. “Autolocalização”. Borrões. T. R. prolongado. Colo-
cação estranha da(s) figura(s) (por exemplo, separadas em diferentes filas
e divididas por linha).
Questionário: a resposta a uma das questões acima indica que os
conflitos não são resolvidos (por exemplo: 24a questão – “Não sei, não
fazem nada” ou “ficam em casa” quando há divergência quanto ao lugar
escolhido para passear).
2. Sem problemas no enfrentamento dos conflitos.

6. Agressividade (5a, 20a e 22a)


1. Destrutiva
Desenho: rabiscos, rasuras ou correções usando borracha em de-
terminadas figuras. Pressão intensa e inadequada nos traçados. Rasgar o
papel que utiliza.
Questionário: a resposta a uma das questões anteriores indica des-
trutividade (por exemplo: 20a questão – “O pai arranca a folha do caderno”).
2. Sem problemas na expressão da agressividade.

7. Afeição
a) Figura preferida (8a questão)

86
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Desenho: mãos dadas. Figura(s) colorida(s) da cor de preferência


do sujeito. Figura(s) decorada(s) ou efetuada(s) com cuidado.
Questionário: a resposta à 8a questão indica:
1. Criança
2. Mãe
3. Pai
4. Irmãos
5. Todos
6. Outros

b) Figura rejeitada pelo sistema familiar – pais e/ou irmãos (11a, 12a,
16a e 18a questão)
Desenho: figura(s) colorida(s) em cor rejeitada. Figura(s) pobre(s)
ou efetuada(s) com descuido.
1. Criança
2. Irmão(s)
3. Pai
4. Mãe
5. Múltiplas rejeições
6. Sem rejeições
7. Outros

8. Individuação (1a, 2a, 24a e 25a)


1. Dificultada: por exemplo, aparece a família em bloco, sem distinção
entre as pessoas.
2. Presente
Desenho: figura E desenhada e/ou identificada pelo nome ou
como membro da família. Figuras essenciais desenhadas e identificadas.
Semelhanças ou diferenças no estilo e forma das figuras desenhadas.
Questionário: a resposta a uma das questões acima indica a pre-
sença dos diferentes membros da família como entidades independentes.
Existe aceitação e respeito a essas diferenças.

9. Integração (1a, 3a, 4a, 5a, 6a, 19a e 21a)


1. Não gratificante

87
A criança com asma e sua família

Desenho: localização das figuras da família de forma desintegrada


(distanciadas), pintadas na cor rejeitada pela criança, rasuradas, mal de-
senhadas. Localização da figura ego (distanciada do grupo familiar) com
deformações.
Questionário: a resposta a uma das questões acima indica descon-
forto de um ou mais membros. Por exemplo: (5a) “Os irmãos brigam mui-
to”; (19a e 21a) “Os pais não elogiam a criança” e/ou “dão muito castigo”.
2. Sem problemas.

10. Dificuldade para desenhar a figura ego (10a questão)


1. Cabeça
2. Tronco
3. Membros
4. Corpo inteiro
5. Sem dificuldade
6. Sem resposta

11. Mudança introduzida na família (26a questão)


1. Nos pais. Por exemplo: “Que o pai fosse mais bonzinho”
2. No(s) irmão(s). Por exemplo: “Que eles não brigassem tanto”
3. Na estrutura/dinâmica familiar. Por exemplo: “Gostaria de
ter outro irmão”
4. Nenhuma mudança
5. Na própria criança
6. Sem resposta

Em síntese, o protocolo ASDF é uma contribuição na linha de tec-


nologias para o cuidado em saúde mental. As ferramentas de pesquisa de
caráter clínico-projetivo, como o Desenho da Família, foram, em geral,
produzidas em outros países e fundamentam-se em análises qualitativas
decorrentes do referencial teórico psicodinâmico. O Desenho da Famí-
lia é uma técnica muito utilizada devido ao baixo custo operacional e
à popularidade dos desenhos em todas as culturas. Porém sua validade
é questionada pelo fato de se basear numa apreciação subjetiva, haven-
do carência de padronização tanto na aplicação quanto na avaliação. O
protocolo apresentado propõe, pela primeira vez, segundo revisão da

88
Dóris Lieth Nunes Peçanha

literatura, um sistema de avaliação com as seguintes vantagens: (1) pa-


droniza a aplicação e a avaliação do teste; (2) integra as características
manifestadas da produção do respondente àquelas que aparecem de
forma velada (projetiva) e, ainda, ao aspecto gráfico; (3) quantifica os
dados obtidos; (4) permite a comparabilidade dos achados e sua valida-
ção; e (5) integra as bases psicodinâmicas do teste à avaliação sistêmica,
como convém ao estudo de problemas que se inserem num grupo fami-
lial. Assim, o protocolo ASDF atinge, de forma original, o objetivo de
integrar num mesmo protocolo de avaliação aspectos do desenho con-
siderados importantes na literatura, como projetivos (psicodinamismos
que aparecem no desenho), gráficos (qualidade do desenho) e discur-
sivos (falas) em dimensões de análise quantificáveis e estudadas siste-
micamente. Ressaltamos que as dimensões comunicação familial, nor-
mas, papéis, conflitos e agressividade encontraram-se relacionadas em
estudo sobre a validade desse instrumento.210 Participaram do mesmo
25 crianças (sadias e asmáticas), havendo correlação significativa entre a
ASDF e duas medidas independentes (observação da família e percepção
dos pais) nas dimensões em estudo [.60 (p < .01) e .72 (p < .001)]. Esses
resultados apoiaram a validade desse sistema de avaliação.
No que diz respeito à fundamentação teórica, a importância da
abordagem sistêmica no estudo da família vem sendo atestada pela lite-
ratura recente. A característica sistêmica é mais um aspecto original do
protocolo ASDF, respondendo às necessidades de pesquisa e intervenção.
Assim, a presente contribuição fomentará seu uso científico na clínica e em
pesquisas em que é importante conhecer a percepção da criança sobre a di-
nâmica familiar. Por fim, salientamos o interesse de profissionais e pesqui-
sadores pelo teste devido às suas características de praticidade e economia.

3.2.3 Entrevista Familiar Estruturada (EFE)

A EFE está composta de seis tarefas, algumas de tipo “role-play”,


destinadas ao grupo familiar como um todo, para fins de diagnóstico
das inter-relações entre seus membros. Nessa entrevista com a família,

210 Peçanha e Lacharité (2007).

89
A criança com asma e sua família

que em geral tem duração de 40 minutos, seguimos as normas descritas


por Féres-Carneiro,211 que incluíram a presença de um observador em
posição diametralmente oposta à do entrevistador. Garantimos a priori
um bom rapport com as famílias, a fim de que elas pudessem se sentir à
vontade e livres para responder à sua maneira as tarefas da EFE, que são
as seguintes:

Tarefa 1: “Vamos imaginar que vocês teriam de se mudar da casa


onde moram no prazo máximo de um mês. Gostaria que vocês planejas-
sem agora, em conjunto, como seria a mudança”.212
Tarefa 2: “Quando você está fazendo uma coisa qualquer, mas fica
difícil terminar essa tarefa sozinho, o que você faz?”.213
Tarefa 3: “Diga de que coisas você mais gosta em você”.214
Tarefa 4: “Como é um dia de feriado na família?”.215
Tarefa 5: “Imagine que você está em sua casa, discutindo com uma
pessoa qualquer de sua família, e alguém bate na porta. Quando você vai
atender, a pessoa com quem você estava discutindo lhe dá um empurrão.
O que você faz?”.216
Tarefa 6: “Cada um de vocês vai escolher uma ou várias pessoas da
família, pode ser qualquer pessoa, e vai fazer alguma coisa para mostrar
a essa pessoa que gosta dela, sem dizer nenhuma palavra”.217

A EFE foi empregada na presente pesquisa porque se baseia na


teoria sistêmica – um dos focos deste trabalho, permitindo a análise das
relações que se estabelecem entre os membros de um dado núcleo fami-
liar. Além disso, adequa-se a diferentes idades e níveis de escolaridade.
Essa entrevista possibilita uma compreensão global da estrutura e do
funcionamento familiar a partir da avaliação em nove dimensões: co-
municação, normas, papéis, liderança, conflitos, agressividade, afeição,
individuação e integração. Neste trabalho foram utilizadas as normas de

211 Féres-Carneiro (1983).


212 Id. ibid., p. 33.
213 Id. ibid., p. 34.
214 Id. ibid., p. 34.
215 Id. ibid., p. 34.
216 Id. ibid., p. 35.
217 Id. ibid., p. 35.

90
Dóris Lieth Nunes Peçanha

aplicação e avaliação desse instrumento elaboradas por Féres-Carnei-


ro218 mais os protocolos desenvolvidos por nós: (1) Critérios para Ava-
liação Sistêmica do Funcionamento Familiar; (2) Escala de Avaliação
Sistêmica do Funcionamento Familiar (ASFF) organizado em categorias
opostas e graduadas em um contínuo (Tipo Likert); e (3) Resultados da
escala de ASFF por Tarefa da EFE. A finalidade deste último protocolo
foi proporcionar uma visão geral das dimensões e seus fatores em fun-
ção das tarefas da entrevista.
Todas as variáveis exploradas no DCF foram também analisadas
pela EFE, sendo, nesta entrevista, objetivadas pela observação in loco da
família, incluindo a própria criança selecionada para o grupo em estudo.

1. Critérios para avaliação sistêmica do funcionamento familiar


Comunicação: interação verbal, entre os membros da família, que obje-
tiva transmitir informações.

1. Incongruente – mensagens conflitantes ou que se contradi-


zem.
2. Confusa – frases incompletas, estilo obscuro, mudanças de
assunto sem se completar o sentido, linguagem pouco ex-
plícita ou enunciada em tom de voz muito baixo.
3. Com direção inadequada – mensagens dirigidas a um re-
ceptor que não constitui o alvo pretendido pelo emissor;
mensagens comunicadas ao grupo de forma impessoal ou
em discursos gerais. Por exemplo, quando um membro do
grupo responde pelo outro, sendo que a pergunta tinha sido
dirigida a este último.
4. Com emoção inadequada – mensagens sem conteúdo emo-
tivo ou com intensa carga afetiva, desproporcional ao con-
teúdo da tarefa ou sem conexão com o contexto. Por exem-
plo, muita timidez, ansiedade ou verbalizações de grande
mal-estar durante a entrevista e sem justificativa plausível.

Normas: interações que regulam o comportamento da família.

218 Id. ibid.

91
A criança com asma e sua família

5. Implícitas – expressão pouco clara.


6. Incoerentes – ordens e ações que se contradizem perante
um mesmo tema, tarefa ou situação.
7. Rígidas – normas que permanecem inalteráveis.
8. Autocráticas ou permissivas – imposição de normas por
um ou poucos membros da família, sem a participação dos
demais. (Ou) Normas quase ausentes ou pouco reguladoras
do comportamento grupal.

Papéis: Funções de cada membro a partir das posições que ocupam nos
subsistemas conjugal, parental, fraterno e filial.

9. Indefinidos – imprecisão da função de cada membro no


grupo familiar. Por exemplo, troca de papéis, a criança co-
loca-se no lugar do pai, não ficando explícita uma divisão
de tarefas ou especificação de funções entre os membros da
família.
10. Indiferenciados – subsistemas conjugal, parental e fraterno
sem limites claros. Por exemplo, ausência de interações en-
tre o casal, enquanto cônjuges.
11. Rígidos – persistência na função, independentemente da
mudança de situação ou de um subsistema para outro.
12. Inadequados – falta de correspondência entre o papel e a
função que cada membro exerce na família.

Liderança: influência exercida por um membro da família sobre os demais.

13. Indiferenciada – pouca manifestação ou influência de um


membro sobre os demais. Por exemplo, mesma influência
ou igualdade de comando bidirecional entre pais e filhos, ou
seja, a influência não corresponde às funções exercidas no
sistema.
14. Autocrática – diretividade ou comando de um ou poucos
membros da família sobre os demais, que são coagidos a
obedecer.

92
Dóris Lieth Nunes Peçanha

15. Permissiva – condução quase inexistente, cada membro age


à sua maneira, independentemente da situação.
16. Inadequada – influência utilizada por um ou mais mem-
bros para desviar o grupo de sua tarefa ou atividade. Por
exemplo, um dos membros pouco participa, retardando ou
dificultando as tomadas de decisões do restante da família;
desvios de assunto ou envolvimento com outra atividade
que não ajudam na realização do projeto em questão, consi-
derando-se a idade do sujeito.

Conflitos: divergências entre dois ou mais membros da família quanto a


atitudes, sentimentos, desejos, opiniões e outras ações grupais.

17. Encobertos – presença implícita, com expressão pouco cla-


ra. Por exemplo, criança tímida que pouco se manifesta em
situações de divergência. Exemplo: Tarefa 2. Pai: “Fazer o
quê? Tem que ajudar!”.
18. Desvalorizados – diferenças e discordâncias vistas como
ameaças, desestimulando o desenvolvimento do grupo.
19. Sem busca de solução – existência de poucos recursos para
resolver os conflitos e/ou escassez de estratégias para buscar
solucioná-los.
20. Sem direção adequada – deslocados para outro(s) membro(s)
do grupo ou para outras situações.

Agressividade: sentimentos de raiva e/ou de comportamentos hostis de


um ou mais membros da família para outro(s).

21. Encoberta – sentimentos agressivos não expressos aberta-


mente. Exemplo: T5. Dificuldade para verbalizar uma de-
cisão, mantendo-se em silêncio ou expressando ansiedade
por meio de expressões como: “E agora? Que difícil! Não
consigo imaginar como eu reagiria”.
22. Destrutiva – comportamentos agressivos que impedem ou
dificultam a interação familiar ou, ainda, que eliminam a pos-
sibilidade de soluções para a situação que está provocando a

93
A criança com asma e sua família

raiva ou a hostilidade. Exemplo: T5. Pai: “Se me empurrou,


vai para o outro quarto e fica lá”.
23. Inadequada – agressividade dirigida a outro membro ou si-
tuação que não constituem o alvo pretendido. Exemplo: T5.
Pai: “Que se cuidasse o primeiro que aparecesse em meu
caminho…”.
24. Recusada – comportamentos agressivos ativamente rejei-
tados por serem avaliados como negativos. Exemplo: T5.
Mãe: “Na nossa família isso não acontece (empurrão), não
consigo imaginar uma situação dessas”.

Afeição: comportamento verbal ou não verbal manifestado por meio de


palavras, gestos ou contatos físicos carinhosos para expressar amor, acei-
tação ou gratificação que os membros da família sentem no contato uns
com os outros.

25. Encoberta – existência de afeto, mas pouco expresso por


meio de palavras, atitudes carinhosas ou toque físico.
26. Recusada – afeto ativamente rejeitado.
27. Inadequada – toques de carinho não acompanhados de
mensagem com o mesmo teor afetivo ou vice-versa.
28. Artificial – falta de espontaneidade na manifestação afetiva
que se apresenta como forçada. Exemplo: demora para rea-
lizar a T6, fazendo-a por obrigação.

Individuação: o comportamento de cada membro em relação ao outro


evidencia que ele é alguém separado e único, cuja individualidade é pre-
servada pelos demais membros da família.

29. Sem identidade pessoal – falta de reconhecimento ou de


aceitação das diferenças entre os membros da família.
30. Sem respeito às divergências – discordâncias entre os mem-
bros não são respeitadas, havendo pressão para a homoge-
neidade de interesses e opiniões.
31. Desvalorizada – rejeição do valor dos comportamentos
próprios de cada membro em relação aos demais.

94
Dóris Lieth Nunes Peçanha

32. Dificultada – limites frágeis entre os membros do grupo e


falta de reconhecimento das características individuais de
cada um.

Integração: funcionamento da família de forma inter-relacionada entre


seus membros e como um todo coeso, capaz de atuar em conjunto na
solução de seus problemas, evidenciando uma identidade grupal.

33. Sem identidade grupal – grupo familiar não se concebe


como tal ou como uma família em particular.
34. Sem coesão – grupo familiar sem objetivos comuns e sem in-
ter-relação efetiva entre os membros. Por exemplo, crianças
que pouco participam das tarefas propostas ou, efetivamente,
ausentes durante a entrevista.
35. Com baixa autoestima – falta de amor, de valorização ou de
autovalorização nos membros da família. Por exemplo, pais
não valorizam os filhos.
36. Não gratificante – trocas relacionais não são vivenciadas
como agradáveis e construtivas.

95
A criança com asma e sua família

2. Escala de Avaliação Sistêmica do Funcionamento Familiar (ASFF)


Comunicação 1 2 3 4 5
1. Incongruente --- --- --- --- --- Congruente
2. Confusa --- --- --- --- --- Clara
3. Com direção inadequada --- --- --- --- --- Com direção adequada
4. Com emoção inadequada --- --- --- --- --- Com emoção adequada
Normas 1 2 3 4 5
5. Implícitas --- --- --- --- --- Explícitas
6. Incoerentes --- --- --- --- --- Coerentes
7. Rígidas --- --- --- --- --- Flexíveis
8. Autocráticas ou permissivas --- --- --- --- --- Democráticas
Papéis 1 2 3 4 5
9. Indefinidos --- --- --- --- --- Definidos
10. Indiferenciados --- --- --- --- --- Diferenciados
11. Rígidos --- --- --- --- --- Flexíveis
12. Inadequados --- --- --- --- --- Adequados
Liderança 1 2 3 4 5
13. Indiferenciada --- --- --- --- --- Diferenciada
14. Autocrática --- --- --- --- --- Democrática
15. Permissiva --- --- --- --- --- Situacional
16. Inadequada --- --- --- --- --- Adequada
Conflitos 1 2 3 4 5
17. Encobertos --- --- --- --- --- Expressos
18. Desvalorizados --- --- --- --- --- Valorizados
19. Sem busca de solução --- --- --- --- --- Com busca de solução
20. Sem direção adequada --- --- --- --- --- Com direção adequada
Agressividade 1 2 3 4 5
21. Encoberta --- --- --- --- --- Expressa
22. Destrutiva --- --- --- --- --- Construtiva
23. Inadequada --- --- --- --- --- Adequada
24. Recusada --- --- --- --- --- Aceita
Afeição 1 2 3 4 5
25. Encoberta --- --- --- --- --- Expressa
26. Recusada --- --- --- --- --- Aceita
27. Inadequada --- --- --- --- --- Adequada
28. Artificial --- --- --- --- --- Espontânea
Individuação 1 2 3 4 5
29. Sem identidade pessoal --- --- --- --- --- Com identidade pessoal
30. Sem respeito às divergências --- --- --- --- --- Com respeito às divergências
31. Desvalorizada --- --- --- --- --- Valorizada
32. Dificultada --- --- --- --- --- Facilitada
Integração 1 2 3 4 5
33. Sem identidade grupal --- --- --- --- --- Com identidade grupal
34. Sem coesão --- --- --- --- --- Com coesão
35. Com autoestima baixa --- --- --- --- --- Com autoestima alta
36. Não gratificante --- --- --- --- --- Gratificante

96
Dóris Lieth Nunes Peçanha

3. Resultados da Escala ASFF


Tarefas da EFE
Dimensões e fatores TOTAL MÉDIA
1 2 3 4 5 6
Comunicação
1. Incongruente
2. Confusa
3. Com direção inadequada
4. Com emoção inadequada
Normas
5. Implícitas
6. Incoerentes
7. Rígidas
8. Autocráticas ou permissivas
Papéis
9. Indefinidos
10. Indiferenciados
11. Rígidos
12. Inadequados
Liderança
13. Indiferenciada
14. Autocrática
15. Permissiva
16. Inadequada
Conflitos
17. Encobertos
18. Desvalorizados
19. Sem busca de solução
20. Sem direção adequada
Agressividade
21. Encoberta
22. Destrutiva
23. Inadequada
24. Recusada
Afeição
25. Encoberta
26. Recusada
27. Inadequada

97
A criança com asma e sua família

Continuação…
Tarefas da EFE
Dimensões e fatores TOTAL MÉDIA
1 2 3 4 5 6
28. Artificial
Individuação
29. Sem identidade pessoal
30. Sem respeito às divergências
31. Desvalorizada
32. Dificultada
Integração
33. Sem identidade grupal
34. Sem coesão
35. Com autoestima baixa
36. Não gratificante
Nota: as colunas em cor clara indicam as tarefas selecionadas para cada dimensão.

3.2.4 Teste das Fábulas (TF)

O Teste das Fábulas é uma adaptação da técnica criada por Düss.219


Segundo Cunha e Nunes,220 o instrumento concebido por elas apresen-
ta vantagens sobre o original, pois permite uma exploração diagnóstica
mais ampla, detectando a presença de conflitos situacionais, evolutivos
e daqueles pertencentes à estrutura e à dinâmica familiar. Além disso, a
apresentação simultânea de estímulos verbais e pictóricos proposta pelas
autoras favorece a projeção da criança em relação a necessidades, dese-
jos, fantasias e outros aspectos importantes de sua vivência em relação ao
contexto familiar.221
Louise Düss222 centralizou a análise das fábulas sobre o exame de
conflitos inconscientes e de “complexos” clássicos da psicologia freudia-
na. Posteriormente, diversos autores utilizaram-se das fábulas com dife-

219 Düss (1950).


220 Cunha e Nunes (1993).
221 Cunha e Oliveira (1996), Cunha e Werlang (1995), Cunha, Werlang, Oliveira, Nunes, Porto Ale-
gre, Heineck e Silveira (1989).
222 Düss (1950).

98
Dóris Lieth Nunes Peçanha

rentes objetivos e abordagens teóricas que são explicitados por Cunha e


Cunha e Nunes.223 Fine224 investigou as relações interpessoais de crianças
com asma, focalizando a dependência, a hostilidade, a identificação, a
rivalidade fraterna, a reação das crianças à rejeição paternal, os comple-
xos de castração e de Édipo, os medos e os desejos. Ducros225 estudou
300 sujeitos para mostrar que as respostas às fábulas variavam de acordo
com a qualidade do ambiente familiar. Tardivo226 examinou-as através da
construção de categorias decorrentes das falas dos sujeitos e inspiradas na
teoria kleiniana. Cunha e Nunes227 sugerem ainda o enfoque ericksoniano
para uma melhor compreensão do desenvolvimento infantil, indicando
que o Teste das Fábulas pode ser examinado sob diferentes enquadres
teóricos. Essa abertura permitiu que se começasse a analisá-las, consi-
derando também as contribuições da teoria psicossomática. Neste senti-
do, atentamos para a maneira como as crianças enfrentavam os conflitos
(Critérios de avaliação do Teste das Fábulas), principalmente aqueles de-
correntes de situações triangulares, e o tipo de defesa consequente:228 psí-
quica, com a elaboração mental dos mesmos; ou somática, evidenciada,
no Teste das Fábulas, mediante indicadores de autoagressão dirigida ao
corpo (ferimentos, acidentes, doenças).
Além das vantagens citadas, o referido teste vem sendo aprimo-
rado como instrumento de pesquisa que permite, ainda, o uso de uma
metodologia quantitativa,229 examinando variáveis tais como idade, sexo
e fatores socioculturais nas respostas.230
O emprego das fábulas e também do DCF ficou justificado porque
estes se adaptam à idade do grupo de crianças, permitem o entendimen-
to de seus psicodinamismos, da forma como percebem a si mesmas, as
vivências e inter-relações na família. Além disso, ambos fortalecem os
resultados da pesquisa na medida em que oferecem estímulos diferentes
para objetivos semelhantes.

223 Cunha e Werlang (1995), Cunha e Nunes (1993).


224 Fine (1948).
225 Ducros (1959).
226 Tardivo (1992).
227 Cunha e Nunes (1993).
228 Debray (1996), Szwec (1993).
229 Cunha e Nunes (1993), Cunha e Werlang (1995).
230 Serafini, Ávila e Bandeira (2005).

99
A criança com asma e sua família

Critérios de avaliação do Teste das Fábulas

Seguiram-se os critérios propostos em análises qualitativas que


tomam as verbalizações dos sujeitos como elemento fundamental para a
análise dos dados. A partir do exame de todas as respostas das crianças e
considerando a literatura existente sobre o teste e sobre a clínica infantil,
foram obtidas as categorias expostas a seguir. Entre elas, destacam-se,
para os objetivos da pesquisa psicossomática, os indicadores de soma-
tização, que evidenciam a utilização do corpo pelas crianças com asma
como uma forma de expressão e de defesa contra a ansiedade. A sistema-
tização das categorias, sempre que possível, seguiu critérios evolutivos,
ou seja, primeiro aparecem aquelas que se referem a conteúdos mais ar-
caicos, figurando depois as categorias que indicavam maior estruturação
do ego infantil.231

Fábula 1 – Passarinho
Na fábula 1, a maioria dos autores classifica a resposta da crian-
ça em termos de dependência ou independência.232 Essas autoras pro-
põem a análise do processo de separação-individuação, evidenciando,
no seu sistema de categorização de respostas, conceitos de passivo e ativo
(também nas fábulas 2, 3 e 6) quanto ao tipo de ação, e de solução in-
dependente, entre outras, no exame do enredo da fábula do Passarinho.
Contudo, a situação de perigo apresentada e a necessidade do filhote, que
já sabe voar, ou seja, ele é capaz de fazer alguma coisa para reduzir essa
tensão, alude diretamente à noção de apego desenvolvido por Bowlby.233
Portanto, ao invés de usar termos carregados de diversos sentidos, inclu-
sive negativos, como os de dependência e passividade, as respostas foram
analisadas em função do apego, mantendo-se o termo independência
para as ações em que os sujeitos mostravam-se capazes de cuidar de si
mesmos e que não explicitavam uma figura de apego. A categoria “apego”
predominou sobre a “independência”. Por exemplo, houve respostas em
que as crianças relatavam um enredo indicativo de sua capacidade para

231 Freud, A. (1971), Klein (1996).


232 Cunha e Nunes (1993).
233 Bowlby (1993).

100
Dóris Lieth Nunes Peçanha

resolver por si sós o problema proposto, mas, ao final, elas verbalizavam


que iriam se aproximar de uma das figuras paternais; foram, portanto,
avaliadas quanto à direção de seu apego.

Fábula 2 – Aniversário
Os autores, em geral, concebem como pressuposto psicodinâmico
a ser avaliado, na fábula 2, variáveis relativas à “cena primária”. Evita-se
esse termo por se entender, apoiando Cunha e Nunes,234 que esta fábula
suscita uma reação mais ampla frente à relação afetivo-sexual dos pais,
servindo para esclarecer os vínculos com as figuras parentais.235 As res-
postas das crianças à pesquisa conduziram ao estabelecimento de cate-
gorias que, no seu conteúdo, assemelham-se às de Tardivo.236 Porém, as
respostas mais arcaicas examinadas por essa autora sob a rubrica “reação
de agressividade e hostilidade diante da cena primária” e subdividida em
dois itens são aqui propostas numa única categoria que inclui ainda os
sentimentos de desgosto e inveja frente à relação dos pais.237 Portanto, as
categorias obtidas situam-se numa continuidade com referência ao papel
estruturante da relação dos pais sobre o psiquismo infantil,238 indo desde
a sua ausência, passando por reações arcaicas, até a aceitação mais realis-
ta da presença do casal.

Fábula 3 – Cordeirinho
Com base nas respostas obtidas, entende-se que a fábula 3 possi-
bilita o exame da reação da criança à figura materna ou fraterna, numa
situação de rivalidade com esta última. Em relação às verbalizações que
indicam aceitação da situação proposta pela fábula, a resposta “vai comer
capim” é considerada normal por Düss e Peixoto239 e popular por Cunha
e Nunes.240 Entretanto, estas autoras chamam a atenção para o fato de que
essa resposta pode estar atendendo simplesmente às expectativas sociais
e não ser um indicador de desenvolvimento afetivo adequado à idade,

234 Cunha e Nunes (1993).


235 Cunha e Oliveira (1996).
236 Tardivo (1992).
237 Klein (1996).
238 Debray (1996).
239 Düss (1950, 1986), Peixoto (1957 apud Cunha; Nunes, 1993).
240 Cunha e Nunes (1993).

101
A criança com asma e sua família

fazendo-se necessária sua análise cuidadosa por meio do inquérito. “Se


a crise confiança versus desconfiança não foi resolvida adequadamente,
a opção simbólica de comer capim, imposta pelo superego ou por seus
precursores, não é uma alternativa de crescimento”.241 O estudo das ver-
balizações das crianças que estudamos apontou para a relevância dessa
diferenciação na resposta, seguindo os conteúdos que a acompanhavam.
Sendo assim, incluiu-se a categoria Conformismo para os casos em que
“comer capim” ocorria em consequência de um ato de imposição ou esta-
va associado a sentimentos de exclusão. Neste último caso, classificou-se
a resposta apenas na categoria conformismo.

Fábula 4 – Enterro
As respostas dos sujeitos à fábula 4, como em outros estudos,
conduziram à categorização em termos da pessoa escolhida242 e da cau-
sa de sua morte.243 Esta última autora, entretanto, apresenta categorias
interpretativas. Por exemplo, “relação com a figura paterna – desejos
destrutivos”.244 Evita-se esse caráter buscando-se a apreensão do conteú-
do tal como expresso pelos sujeitos individualmente, aproximando-se das
formulações de Cunha e Nunes.245 Portanto, considerando-se as caracte-
rísticas desta fábula, que solicita uma resposta concreta, mantém-se como
categoria o que foi dito pela criança.
Devido à grande variabilidade de respostas à fábula 4, aceitou-se
a sugestão de Ducros,246 no sentido de se investigar “por que” a pessoa
morreu. Verificou-se, assim, se a verbalização podia ser incluída nas “res-
postas normais” propostas por Düss.247

Fábula 5 – Medo
Em relação à fábula 5, Düss248 salienta a necessidade de se distin-
guir entre medos normais e neuróticos. No último caso, as respostas da

241 Id. ibid., p. 124.


242 Cunha e Nunes (1993), Tardivo (1992).
243 Tardivo (1992).
244 Id. ibid., p. 321.
245 Cunha e Nunes (1993).
246 Ducros (1959).
247 Düss (1950, 1986).
248 Id. ibid.

102
Dóris Lieth Nunes Peçanha

criança referem-se à autopunição, às ideias de morte ou a realização sim-


bólica de um desejo. Tomando-se essas assertivas e as respostas dos sujei-
tos, obteve-se como primeira categoria os indicadores de autodestruição
que se situam desse lado patológico referido pela autora. Na revisão da
literatura sobre o assunto, Cunha e Nunes249 indicam que os objetos de
medo variam com a idade e têm sido estudados em relação a sua liga-
ção com a realidade ou com o imaginário e o simbólico. Os estudos de
Mussen, Conger, Kagan e Huston250 apontam que os temores de objetos
reais vão diminuindo com o aumento da idade da criança, enquanto os
medos imaginários são gradativamente incrementados. Essa distinção
parece importante à luz de outros estudos,251 principalmente daqueles
sobre o desenvolvimento psicossomático252 infantil que sugerem uma
pobreza de fantasia em muitos indivíduos acometidos de doenças crô-
nicas, razão pela qual se utilizou de categorias que contemplam tais dife-
renciações. Contudo, os esquemas de surgimento dos medos que seguem
critérios evolutivos mostram-se ainda insuficientes, carecendo de defi-
nições claras e partilhadas entre os diferentes autores. Atentou-se para
a qualidade da resposta a fim de discernir, conforme sugerem Cunha e
Nunes,253 quando o objeto de medo se justificava em termos de realidade
e a resposta não envolvia projeção, ou quando um temor de caráter real
revelava-se no inquérito com um sentido altamente simbólico. Quanto
ao medo de figuras paternais (presente no grupo experimental), que tan-
to pode ser real como simbólico, preferiu-se mantê-lo numa categoria
específica dada a sua importância diagnóstica.

Fábula 6 – Elefante
Na fábula 6, a maioria dos autores analisa o complexo de castra-
ção ou a ansiedade de castração.255 As últimas autoras propõem o exa-
254

me das “reações frente a experiências fálicas, centradas na sexualidade ou

249 Cunha e Nunes (1993).


250 Mussen, Conger, Kagan e Huston (2001).
251 Tardivo (1992).
252 Debray (1996), Szwec (1993).
253 Cunha e Nunes (1993).
254 Düss, Fine, Bernstein, Peixoto (apud Cunha; Nunes, 1993; Tardivo, 1992).
255 Moose (apud Cunha; Nunes, 1993).

103
A criança com asma e sua família

no personagem”.256 Discorrendo sobre o assunto, acrescentam que “ainda


que a F6 possa suscitar respostas associadas simbolicamente à ansiedade
de castração […] parece abranger um contexto mais amplo de conteúdos
relacionados, de forma mais geral, com o desenvolvimento da personali-
dade e, de forma mais restrita, com o da sexualidade”.257 As verbalizações
das crianças estudadas relevaram essa questão mais geral ligada à forma-
ção da identidade pela experiência de sucessivas mudanças, vivenciadas­
de forma negativa como perdas ou autoagressões; ou positivamente,
como experiência de crescimento e independência. Portanto, foram es-
tabelecidas categorias que permitiram avaliar a reação da criança frente
à mudança.

Fábula 7 – Objeto fabricado


A fábula 7 foi proposta para avaliar aspectos relativos ao “comple-
xo anal”258 como o caráter possessivo, obsessivo e obstinado. Segundo
Cunha e Nunes,259 essa fábula permite examinar variáveis psicodinâmi-
cas referentes à “conformidade social, ambivalência ou possessividade”.260
Encontrou-se uma variação qualitativa de respostas que levaram ao es-
tabelecimento de categorias que vão desde a negação da figura materna
e de suas exigências até aquelas que indicam uma socialização adequada
da criança, ou seja, quando as renúncias são feitas com base no amor ao
objeto,261 no caso, a mãe.
A resposta popular “vai dar para a mamãe” nos diferentes sexos e
grupo etários indica conformidade às expectativas sociais.262 Entretanto,
essas autoras perguntam: “Mas como saber se houve mudança na função,
com obtenção de autonomia secundária (…)?”.263 Ou seja, como um com-
portamento (por exemplo, controle esfincteriano) que em sua origem tem
uma função defensiva, fazendo compromissos entre tendências altamente

256 Cunha e Nunes (1993, p. 26).


257 Id. ibid., p. 154.
258 Düss (1986).
259 Cunha e Nunes (1993).
260 Id. ibid., p. 26.
261 Freud, A. (1971).
262 Cunha e Nunes (1993).
263 Id. ibid., p. 161.

104
Dóris Lieth Nunes Peçanha

conflitivas, de “reter” e “soltar”,264 muda de função, tornando-se agradável


em si mesmo ao garantir a manutenção autônoma de hábitos de higiene,
de ordem e de adaptação à família. Lembra-se que essa temática anal está
subjacente na formulação da fábula pela autora. As categorias estabeleci-
das tentam responder mais explicitamente a questão de saber se a resposta
mencionada acima, considerada adaptada,265 liga-se a sua função origina-
riamente defensiva (categorias 2, 3 e 4), destacando-se o que se chama de
conformismo social (categoria 4), ou se responde a obtenção de “autono-
mia secundária”,266 que se entende como socialização da criança efetuada
pelo predomínio das relações de amor no contexto familiar (categoria 5).
Esta última categoria só foi assinalada como tal na presença de caracte-
rísticas de afeto positivo, de espontaneidade e de prazer no ato de dar.
Ao contrário dos estudos fundamentados na psicanálise freudiana – que
tendem a se deter na análise da possessividade, da destrutividade, enfim,
no caráter, no máximo, de conformidade social baseado na repressão do
desejo –, valorizou-se também a espontaneidade humana e a experiência
do prazer compartilhado. Segundo Pagès,267 a sociabilidade envolve ne-
cessariamente essas questões.
Estudos sobre a personalidade, com base em clássicos como S.
Freud, M. Klein, A. Freud, E. Erickson, C. Rogers, e na perspectiva psi-
canalítica humanista de M. Pagès, levam à conclusão de que a referida
fábula possibilita o exame das bases da socialização.

Fábula 8 – Passeio
A maioria dos autores utiliza essa fábula para investigar questões
ligadas ao “complexo de Édipo”, sendo que Cunha e Nunes268 preferem o
termo “conflito edípico” porque este designa vários conflitos caracterís-
ticos do referido complexo. A fábula 8 é, segundo Cunha e Oliveira,269
muito importante para o esclarecimento sobre vínculos com as figuras
parentais, de nível edípico ou pré-edípico. Apoiando o trabalho dessas

264 Düss (1950, 1986).


265 Cunha e Nunes (1993).
266 Blanck e Blanck (1994).
267 Pagès (1991).
268 Cunha e Nunes (1993).
269 Cunha e Oliveira (1996).

105
A criança com asma e sua família

autoras, atentou-se para o fato de a estrutura triangular, configurada nes-


sa fábula, ser ou não percebida pela criança como uma situação edípica.
Encontraram-se respostas que não indicavam uma situação edípica, ou
porque a criança evidenciava um relacionamento dual pré-edípico (ca-
tegoria 1), ou porque manifestava resolução desse conflito (categoria 5).
Entre as duas, registrou-se uma continuidade de reações que foram de
um polo caracterizado por ansiedades predominantemente paranoides a
ansiedades de tipo depressivo.270

Fábula 9 – Notícia
Entre os principais estudiosos das fábulas, observa-se unanimida-
de quanto ao fato de a fábula 9 servir para a investigação de desejos, sen-
do que vários deles propõem-na também para examinar medos. Cunha
e Nunes271 salientam seu sentido catártico, tendo em vista a mobilização
emocional que as três fábulas anteriores podem suscitar. Considerando-
-se a variedade de respostas dadas neste trabalho, optou-se por agrupá-
-las em função da natureza da “notícia”. Destacaram-se, inicialmente, as
situações em que a criança sentia-se tão ansiosa com a fábula que sua
reação ofuscava ou impedia que ela precisasse a natureza dessa notícia.

Fábula 10 – Sonho mau


A fábula 10, do sonho mau, mantém-se adequada, na perspec-
tiva de Düss e de outros autores272 para fornecer subsídios capazes de
confirmar hipóteses prévias, ou seja, ela serve de controle das fábulas
anteriores. “Além de oferecer e completar o sentido dinâmico de seus
conteúdos”,273 colocada ao final de um material projetivo, tem ainda um
efeito catártico. As categorias propostas foram muito semelhante às da
fábula 5, apoiando autores que as analisam de forma comparativa, pois
mobilizam psicodinamismos referentes a medos e desejos274 ou ligados à
hétero ou autoagressão.275

270 Tardivo (1992).


271 Cunha e Nunes (1993).
272 Cunha e Oliveira (1996).
273 Cunha e Nunes (1993, p. 189).
274 Fine (1948), Cunha e Nunes (1993), Tardivo (1992).
275 Cunha e Nunes (1993).

106
Dóris Lieth Nunes Peçanha

3.3 Ajuste das técnicas à realidade dos


sujeitos

A estrutura da entrevista com os pais, o Desenho em Cores da


Família, a Entrevista Familiar Estruturada e o Teste das Fábulas foram
inicialmente utilizados num grupo piloto formado por quatro crianças,
de ambos os sexos, sendo duas com asma e as outras sadias, e suas famí-
lias, a fim de verificarmos a pertinência dessas técnicas à pesquisa. De
posse dos resultados, realizamos os ajustes necessários, descritos a seguir.
Depreendemos das entrevistas com os pais, no grupo piloto, que
os condicionantes psicofísicos e os limites educativos relativos à motri-
cidade, ao uso do espaço e ao vestuário não se constituíam num fator
de diferenciação entre os grupos. Assim, em relação ao contexto psico-
educativo, examinamos as concessões feitas pelos pais à criança, como
dormir na cama do casal e, sem motivo aparente, presenteá-la com muita
frequência. Quanto aos limites, restringimo-nos ao exame de práticas es-
tritamente educativas, ou seja, aquelas que objetivavam, mediante o dis-
curso ou a punição física, a adoção pela criança dos costumes, das regras
ou normas de conduta sociais.
Em relação ao DCF, foi excessivo e, portanto, cansativo o número
de questões apresentadas à criança por Maggi.276 Fizemos adaptações de
acordo com os fins da pesquisa, mantendo um número de 26 perguntas.
No que concerne à análise dos dados provenientes da EFE, redu-
zimos as 12 categorias propostas por Féres-Carneiro277 para 9, mas sem
prejuízos ao conteúdo avaliado. Propusemos as categorias “Individua-
ção” e “Integração”, também os conceitos expressos por aquela autora
nas categorias “Interação conjugal” e “Autoestima”. Excluímos a última
categoria “Interação familiar facilitadora da saúde emocional”, que visa,
segundo Féres-Carneiro, englobar todas as outras focalizadas pelo ins-
trumento, por entender que tal apreciação seria objetivada pela média
total. A fim de maior homogeneização dos dados obtidos, seguindo
sugestão do estatístico que nos assessorou, propusemos uma mesma
quantidade de variáveis (4) para cada categoria e reduzimos a escala de

276 Maggi (1970).


277 Féres-Carneiro (1983).

107
A criança com asma e sua família

avaliação de 7 pontos para 5. Isso facilitou sobremaneira a avaliação das


entrevistas, bem como o tratamento estatístico dos dados. Desenvolve-
mos protocolos de avaliação e, para alcançar o rigor conceitual dese-
jável, formulamos uma definição de cada categoria e de cada variável
componente. Dois avaliadores foram treinados durante 16 horas para
a utilização desses protocolos. Após esse treinamento, uma amostra de
20% dos sujeitos foi selecionada, aleatoriamente, para estabelecermos a
fidedignidade entre os avaliadores. A concordância entre os mesmos na
EFE foi de 87%. Esse nível de fidedignidade foi julgado satisfatório, e só
então procedemos ao levantamento das demais entrevistas familiares.
Relativamente ao Teste das Fábulas, seguimos, inicialmente, a
metodologia proposta por Cunha e Nunes,278 tanto na aplicação do teste
quanto na análise dos dados. Porém, a apuração desses resultados, mui-
to longa, incluindo para cada fábula diversos itens (ação, enredo, desfe-
cho, fantasias, estado emocional e defesas, entre outros), dificultava uma
apreciação mais sintética e objetiva para os fins de pesquisa. Além dis-
so, essa forma de analisar os dados não contemplava suficientemente os
psicodinamismos presentes na ocorrência de desorganização somática
dos sujeitos, conforme crítica feita por Debray quando apresentamos este
trabalho em seminário de pesquisa na Universidade Paris V.279 Seguindo
as sugestões dessa orientadora, optamos pela análise de conteúdo, pro-
cedendo à esta análise por meio dos seguintes passos: 1) descrição das
respostas dadas ao teste; 2) demarcação de unidades de sentido que con-
sideraram os psicodinamismos mobilizados em cada fábula; e 3) gera-
ção de categorias. Examinamos todas as verbalizações dos sujeitos numa
determinada fábula, gerando uma estrutura de categorias. Fizemos isso
para todas as fábulas, obtendo categorias específicas para cada uma delas.
Tanto os dados provenientes do Teste das Fábulas como aqueles
obtidos por meio da Entrevista com os pais e do Desenho em Cores da
Família foram submetidos à apreciação de um juiz que desconhecia a
identidade e condição de saúde dos sujeitos. Eventuais discordâncias na
codificação foram dirimidas mediante discussão e consenso.

278 Cunha e Nunes (1993).


279 Peçanha (1996).

108
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Depois dos ajustes descritos, o procedimento da pesquisa ficou as-


sim estabelecido. Apresentamo-nos aos pais na qualidade de psicóloga e
pesquisadora, efetuando um estudo psicológico sobre o desenvolvimento
de crianças com idade de 7 a 8 anos, e que, em consequência, ficávamos
à disposição para discutir os resultados e para ajudá-los em questões de
seu interesse, observadas no estudo. Este atendeu às disposições éticas
da pesquisa com seres humanos, tendo os pais assinado um termo de
consentimento livre e esclarecido em relação à pesquisa. Explicamos a
necessidade de dois encontros, gravados em áudio e realizados na resi-
dência da própria família, e que cada um compreenderia dois tempos:
um primeiro momento de entrevista com os pais ou com todo o grupo
familiar (EFE), respeitando a disponibilidade da família, e, na sequência
dos mesmos, um teste com a criança. Essas atividades foram propostas
na seguinte ordem:

1. Entrevista com os pais;


2. Desenho em Cores da Família;
3. Entrevista Familiar Estruturada;
4. Teste das Fábulas.

Para algumas pessoas, em função da organização do tempo fami-


liar, começamos pela EFE, mas, sempre, as avaliações das crianças foram
feitas num segundo momento quando elas já estavam familiarizadas com
a pesquisadora. O intervalo entre cada encontro foi de uma a três semanas.
A análise do método deste trabalho indicou que os procedimentos
empregados para caracterizar o estudo de casos, para a seleção dos gru-
pos (experimental e controle), bem como a escolha das técnicas psicoló-
gicas, com ajustes que consideraram a natureza do problema investigado,
os cuidados tomados na sua aplicação, na coleta e na categorização dos
dados, atenderam as exigências de rigor científico necessário em pesqui-
sa. Sendo assim, muitas das dificuldades reportadas quanto à validade do
estudo de casos foram limitadas ou evitadas no presente trabalho, permi-
tindo derivar conclusões válidas em relação aos grupos estudados.

109
4. Com a palavra, crianças e
famílias

Nesta unidade, apresentamos os resultados dos grupos, experi-


mental e controle, nas diferentes técnicas de pesquisa utilizadas para o
estudo de caso. Iniciamos com a apresentação de dados sobre o desen-
volvimento das crianças e de seu contexto familiar obtidos na entrevista
com os pais. Seguem-se os resultados do DCF, da EFE e do TF. Poste-
riormente, apresentamos o estudo de casos emparelhados, ou seja, cada
criança e sua família do grupo experimental foram discutidas a partir
dos resultados obtidos nos meios referidos, de forma comparativa com
aqueles provenientes de seu par no grupo controle. Ao final, descrevemos
um caso típico ou modelo, seguido de uma síntese geral dos resultados.

4.1 Pais

Primeiramente, apresentamos dados concernentes à asma pediá-


trica a fim de caracterizar o grupo de crianças portadoras dessa enfermi-
dade em certos aspectos da gênese e da gravidade do quadro asmático.
Depois, analisamos a qualidade e a frequência dos distúrbios de com-
portamento nos grupos experimental e controle. Examinamos ainda os
dados provenientes do contexto psicoeducativo dessas crianças, especifi-
camente os limites e concessões dadas pelos pais, e, por último, as inter-
-relações presentes no grupo familiar.
A criança com asma e sua família

a) Dados relativos ao quadro asmático


As crianças com asma foram em maior número do sexo masculi-
no (80% do grupo experimental), confirmando um dado epidemiológi-
co bastante conhecido. O sexo das crianças foi uma variável controlada
apenas para fins de emparelhamento com o grupo controle. Isto significa
que todas as crianças com asma que preenchiam os critérios da pesqui-
sa e que aceitaram participar deste estudo, independentemente do sexo,
passaram a constituir o grupo experimental.
A Tabela 1 apresenta alguns dados indicativos da gênese e da gra-
vidade da asma no grupo experimental. Como se pode observar, um nú-
mero importante de crianças com asma apresentou antecedentes diretos
com a mesma enfermidade (60%), particularmente a mãe (40%). Isto
parece confirmar o aspecto genético entre os múltiplos fatores que ca-
racterizam a asma. Contudo, uma vulnerabilidade genotípica não resul-
ta necessariamente na expressão fenotípica, havendo necessidade, entre
outros fatores, daqueles de ordem emocional.280 Entre eles, destacamos a
qualidade da interação mãe-criança.281
O início das crises ocorreu principalmente nos dois primeiros anos
de vida das crianças estudadas. Os fatores associados às crises foram: en-
trada na creche e mudança na estrutura familiar, como o nascimento de
um novo irmão. Ambos achados confirmam os dados da literatura, como
a tendência geral de maior incidência de asma nos primeiros anos de
vida e a dificuldade dessas crianças para enfrentar situações novas.282
A fim de se ter uma ideia do quadro asmático, procuramos co-
nhecer o número anual de crises durante a primeira infância, uma vez
que, durante o ano de realização desse estudo, as crianças apresentaram
menos de cinco crises. Essa baixa frequência de crises, ao lado de outras
características descritas pelos pais, como raras hospitalizações e o fácil
manejo da doença, no próprio lar, permitiu caracterizar o grupo, como já
foi referido, portador de asma leve no momento da realização do traba-
lho. Entretanto, na primeira infância, metade dessas crianças apresentou
asma grave e a outra metade dividiu-se entre portadores de asma mode-

280 Mrazek, Klinnert, Mrazek e Macey (1991), Klinnert et al. (2001), Klinnert, Kaugars, Strand e
Silveira (2008), Mrazek (2004).
281 Madrid (2006), Peçanha (1993), Peçanha e Piccinini (1994), Peçanha (1996).
282 Rockenbach-Peçanha (1993).

112
Dóris Lieth Nunes Peçanha

rada e leve. Essa melhoria no quadro asmático quando da entrada na ida-


de escolar há muito vem sendo referida pelos estudos epidemiológicos.

Tabela 1 Dados relativos ao quadro asmático (grupo experimental = 10).


Variáveis Categorias No %
Mãe 4 40%
Antecedentes familiares Pai 2 20%
Parentes 4 40%
0 a 2 anos 6 60%
Época da 1a crise
3 a 4 anos 4 40%
Ingresso na creche 2 20%
Mudança na estrutura familiar 4 40%
Fator associado
Creche + mudança 1 10%
Sem associação 3 30%
Menos de 5 2 20%
Número anual de crises
De 5 a 10 3 30%
na 1a infância
Mais de 10 5 50%

A tendência geral à remissão dos sintomas asmáticos em escolares


foi um incentivo para pesquisar certas variáveis relativas aos distúrbios de
comportamento (Figura 1), ao contexto psicoeducativo (Tabela 2) e às in-
ter-relações do grupo familiar (Tabela 3) nos casos de persistência da asma,
comparando-os com um grupo controle. Diferenças importantes entre os
mesmos, vistas a seguir, indicando disfunções no primeiro grupo, parecem
estar associadas à manutenção da asma entre as crianças estudadas.

b) Dados relativos aos distúrbios de comportamento


Os distúrbios de comportamento são caracterizados como episó-
dios efêmeros na vida da criança e tendem a variar conforme seu grau
de maturidade. Quando adequadamente manejados, são facilmente su-
perados. Caso contrário, podem transformar-se em alterações do desen-
volvimento, bloqueando a adaptação da criança em diversas áreas. Para
classificá-los, utilizamos o critério referente aos elementos da rotina da
criança e do seu relacionamento com os demais. Determinadas crianças
apresentaram vários distúrbios, sendo colocada a frequência bruta de
ocorrência dos mesmos para cada grupo.
Ocorreram diferentes sintomas em nove áreas do comportamento
infantil, sendo excluído o aspecto da sexualidade porque, segundo os

113
A criança com asma e sua família

pais, nenhuma criança evidenciava problema nessa área. Entendemos


que o tema levantou a questão cultural do tabu relativamente ao mesmo,
daí a dificuldade de os pais relatarem qualquer observação ou preocupa-
ção quanto ao assunto. Contudo, no geral, observamos que as crianças
com asma apresentaram maior número de sintomas quando compara-
das com as do grupo controle.
Na área dos distúrbios de alimentação, as crianças asmáticas apre-
sentaram, em quase sua totalidade, diversos sintomas, salientamos a
ocorrência de náuseas e vômitos, enquanto as crianças sem asma apre-
sentaram somente seletividade (40%). Essa variável foi a segunda, depois
da ansiedade, no sentido de diferenciar os grupos experimental e con-
trole. Em relação ao sono, chamou atenção a presença de pesadelos entre
as crianças com asma, sendo que as não portadoras dessa enfermidade,
como se espera na faixa etária estudada, não apresentaram o referido sin-
toma. Quanto aos distúrbios na eliminação, observamos problemas de
enurese no grupo de asmáticos. Mas, conforme as expectativas relativas
ao desenvolvimento infantil para essa idade, as crianças sem asma não
apresentaram tal distúrbio. Na área da linguagem, encontramos a pre-
sença de fala infantilizada no grupo experimental, o que foi compreen-
dido como associado às dificuldades paternas para colocar limites nessas
crianças e, portanto, para estimulá-las a funcionar de forma mais autôno-
ma. Em relação aos medos, os grupos foram bastante semelhantes, con-
tudo, ao se examinar as especificidades dessa variável, temos que o medo
de médico, como era de se esperar, figurou apenas entre as crianças com
asma. O medo de estranhos, representado na fala das crianças por pes-
soa desconhecida, ladrão ou bêbado, foi expresso por duas crianças com
asma, ao passo que cinco, no outro grupo, manifestaram esse tipo de te-
mor. Tal resposta também é compatível com a aquisição da diferenciação
no desenvolvimento infantil.283
A ansiedade em portadores de asma é um fator muito conhecido,
dispensando mais comentários o fato de todas as crianças desse grupo
apresentarem mais de um sintoma nessa categoria, sendo que a maioria
evidenciou excitabilidade (90%). Entre os distúrbios de comportamento,
esta variável foi a que mais diferenciou os dois grupos, o que pode ser

283 Kreisler, Fain e Soulé (1974), Szwec (1993).

114
Dóris Lieth Nunes Peçanha

visto na Figura 1, apresentada posteriormente. A birra esteve presente


entre as crianças com asma (50%), mas nenhuma criança sem essa en-
fermidade apresentou tal comportamento. Isto corrobora a tendência já
esboçada de comportamentos mais imaturos entre as primeiras, em con-
sonância com fatores psicoeducacionais pouco estimuladores do desen-
volvimento infantil.
Embora constasse como critério seletivo das crianças participan-
tes deste estudo a ausência de problemas escolares, como a reprovação
(numa tentativa de controlar variáveis intervenientes no estudo), o exa-
me das entrevistas revelou certos distúrbios, na visão dos pais. Estes se
mostraram descontentes com o rendimento total da criança (1 caso) ou
com seu desempenho em determinados aspectos da aprendizagem, en-
quanto não houve esse tipo de queixa no grupo controle. Ainda, nessa
área, salientamos a existência de problemas de adaptação (70%) à esco-
la entre as crianças com asma, comparativamente com as crianças sem
asma (30%). Tal dificuldade de inserção num novo ambiente, conjugada
ao desencadeamento da asma na criança (20% dos casos – Tabela 1),
reafirma achados anteriores.284
No tocante à qualidade dos relacionamentos, destacamos a pouca
expressão de afetos por parte das crianças do grupo experimental (40%)
quando comparadas com as crianças do grupo controle. Estas, ao con-
trário das primeiras, mostravam-se em geral carinhosas e não evidencia-
vam dificuldade para expressar seus sentimentos. Como pode ser visto
na Figura 1, a seguir, existe uma diferença importante entre os grupos no
tocante à presença de distúrbios de relacionamento (100% das crianças
com asma em relação a 60% das crianças sem asma). Quanto à manipu-
lação, constatamos que metade das crianças com asma continuava a uti-
lizar a sucção de dedo ou de chupeta, enquanto apenas a manipulação de
parte do corpo, como enrolar os cabelos, esteve presente entre as crianças
sem asma (20%). Tiques não foram observados em nenhum dos grupos.
A Figura 1 mostra a distribuição das crianças nos grupos em fun-
ção das áreas em que se manifestaram, ou não, os distúrbios de compor-
tamento. É notável a diferença entre o número de crianças com asma que
apresentaram um ou mais sintomas quando comparadas com as crianças

284 Rockenbach-Peçanha (1993).

115
A criança com asma e sua família

do grupo controle. A frequência superior de distúrbios entre as primei-


ras manteve-se em todas as áreas estudadas. Por ordem de importância,
destacamos as maiores diferenças em ansiedade, alimentação, relaciona-
mento e área escolar.

100% Crianças com asma


Crianças sem asma
90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
Aliment. Sono Enurese Linguag. Medos Ansied. Escolar. Manip. Relac.

Figura 1 Percentuais de crianças, em cada grupo, em função da presença de


distúrbios de comportamento (N = 20; experimental = 10; controle = 10).

c) Dados relativos ao contexto psicoeducativo


Como pode ser visto na Tabela 2, os pais das crianças com asma
apresentaram dificuldade para oferecer limites a essas crianças, sendo
que muitos deles (40%) demonstraram insegurança ou simplesmente não
conseguiam exercer sua autoridade. Em outros casos (40%), os limites
eram dados somente pela mãe, uma vez que o pai mostrava-se permissi-
vo. Poucos foram os casais (20%), em conjunto, que apresentaram limites
à criança; em contraposição, essa atitude foi mantida por todos os pais no
grupo de crianças sem asma. Corroborando esse dado, observamos que
as crianças asmáticas (40%) não seguiam uma rotina diária, enquanto
apenas uma criança no grupo controle não cumpria horários. Estudos
contemporâneos, notadamente em presença da asma,285 vêm focalizando
a importância de rotinas para a saúde da criança e do sistema familiar.

285 Peterson-Sweeney, Halterman, Conn e Yoos (2010).

116
Dóris Lieth Nunes Peçanha

A falta de firmeza paterna na colocação de limites esteve acom-


panhada de concessões como a permissão para dormir na cama do ca-
sal (70% dos casos). Lembramos aqui a não intervenção daquilo que,
em psicossomática psicanalítica, é considerado como um organizador
do desenvolvimento infantil, ou seja, a “censura do amante”.286 Por outro
lado, poucos pais de crianças sem asma (30%) permitiram, ocasional-
mente, que a criança partilhasse do leito conjugal, caracterizando uma
correlação perfeitamente inversa. Em relação a esta variável, notamos
outro contraste importante quanto ao hábito de presentear a criança. Os
pais das crianças do grupo experimental tendiam a fazê-lo com muita
frequência (60%), enquanto apenas um casal de pais, no grupo controle,
dava presentes a seu(sua) filho(a) fora de datas comemorativas.
Esses resultados foram complementares, ou seja, a insegurança na
colocação de limites facilitou as concessões inadequadas. Salientamos a
permissão para a criança dormir na cama do casal, o que viola o prin-
cípio da realidade de que pais e filhos constituem sistemas separados,
embora inter-relacionados.287

Tabela 2 Dados relativos ao contexto psicoeducativo (N = 20; experimental =


10; controle = 10).
Experimental Controle
Variáveis Categorias
No % No %
Pai e mãe 2 20% 10 100%
Responsável Mãe 4 40% – –
Limites Sem limites 4 40% – –
Sim 6 60% 9 90%
Rotina
Não 4 40% 1 10%
Dormir Sim 7 70% 3 30%
com os pais Não 3 30% 7 70%
Concessões
Em datas comemorativas 4 40% 9 90%
Presentes
Várias ocasiões 6 60% 1 10%

286 Braunschweig e Fain (1975).


287 Id. ibid., Onnis (1989), Onnis et al. (1994).

117
A criança com asma e sua família

d) Dados relativos ao grupo familiar


A Tabela 3 expõe aspectos relevantes da dinâmica familiar, como
o fato de os pais das crianças asmáticas não encontrarem tempo para a
vivência do relacionamento conjugal (90%) sem a participação dos fi-
lhos, enquanto essa conduta foi quase ausente (10%) entre os casais do
grupo controle. Tal fato apoia a tendência já evidenciada de dificulda-
des na consolidação dos subsistemas conjugal e filial. Observamos ainda
que alguns pais de crianças do grupo experimental preferiram a criança
portadora de enfermidade (40%), mas os outros pais não fizeram distin-
ções entre seus filhos. Quanto ao relacionamento da criança selecionada
para este estudo com seu(s) irmão(s), temos que, novamente, no primei-
ro grupo predominaram as dificuldades (90% dos casos) interpessoais,
particularmente as brigas, em comparação com o grupo controle (50%).
Com respeito às atividades sociais da família, contrariamente ao estudo
anterior288 da autora, quase não houve diferença entre os grupos. O cos-
tume de sair, visitar familiares ou realizar passeios recreativos presente
nas famílias que tinham uma criança com asma, nesta pesquisa, talvez
possa, mais uma vez, ser explicado pelas boas características climáticas
na cidade sede da pesquisa. Acrescentamos a isso o fato de ela estar si-
tuada no interior do Estado, onde a relação do núcleo familiar com a fa-
mília mais ampla e com outros sistemas tende a acorrer mais facilmente,
quando comparada à condição de cidade capital onde se realizou a pes-
quisa anterior.289 Por último, salientamos o predomínio de divergências
importantes entre o pai e a mãe das crianças com asma com respeito às
normas educativas dirigidas aos filhos (70%) quando confrontadas com
a conduta dos pais das crianças do grupo controle (20%). Isto sugere a
existência de conflitos no primeiro grupo.

288 Rockenbach-Peçanha (1993).


289 Id. ibid.

118
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Tabela 3 Distribuição de frequências de inter-relações no grupo familiar (N =


20; experimental = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Variáveis Categorias
No
% No %
1. Sim 1 10% 9 90%
Tempo para o casal
2. Não 9 90% 1 10%
1. Mãe 1 10% – –
Preferência pela criança 2. Pai 3 30% – –
3. Sem preferência 6 60% 10 100%
1. Possessividade 1 10% 1 10%
2. Brigas 6 60% 3 30%
Inter-relação criança e irmãos
3. Preocupação 2 20% 1 10%
4. Sem problemas 1 10% 5 50%
1. Sim 9 90% 10 100%
Atividades sociais da família
2. Não 1 10% – –
1. Sim 7 70% 2 20%
Divergências nas normas educativas
2. Não 3 30% 8 80%

4.2 Crianças no desenho (DCF)

Com referência aos aspectos do desenvolvimento das crianças e


de suas famílias, obtidos no DCF, a Figura 2 exibe a percepção da crian-
ça acerca de fatores relevantes da dinâmica familiar. Notamos um pre-
domínio de distúrbios nas famílias pertencentes ao grupo de crianças
com asma que se situaram, em ordem decrescente de importância, nos
aspectos relativos a normas, agressividade e papéis. A seguir, em mesmo
nível de diferença em relação ao grupo controle, vieram os problemas de
comunicação e a dificuldade para oportunizar a individuação aos inte-
grantes da família. Por fim, temos os dados relativos à integração e aos
conflitos que apresentaram a menor diferença entre os grupos.

119
A criança com asma e sua família

100% Crianças com asma


80% Crianças sem asma

60%

40%

20%

0%
Comunic. Normas Papéis Conflitos Agressiv. Individua. Integra.

Figura 2 Percentagem de distúrbios em áreas do sistema familiar, indicada pela


criança por meio do DCF (N = 20; experimental = 10; controle = 10).

Em relação às normas, uma maior exploração dessa variável reve-


lou que elas ocorriam de forma autoritária (50%) ou eram omissas (30%)
nas famílias de crianças com asma. Nas outras famílias estudadas, apenas
uma evidenciou normas omissas.
A liderança no grupo familiar foi examinada em função de quem
a exercia. Assim, nas famílias de crianças com asma, a figura com maior
influência foi a mãe (40%), contrariamente ao grupo controle cuja lide-
rança coube ao pai (60%). Isso sugere o papel estruturante da presença da
figura paterna, neste último grupo, o que foi colocado na hipótese clínica
da censura do amante.290 Outros detalhes podem ser vistos na Tabela 4.

Tabela 4 Distribuição do exercício da liderança entre os grupos (N = 20; expe-


rimental = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Categorias
No % No %
1. Mãe 4 40% 1 10%
2. Pai 2 20% 6 60%
3. Pai e mãe 3 30% 3 30%
4. Outros 1 10% 0 0%

Em relação à afeição expressa pela criança, observamos que as pes-


soas da família não foram igualmente investidas de afeto pelo grupo com
asma, ao contrário de várias crianças sem asma (40%), que escolheram
todos os membros de sua família como preferidos. Outro fato que chama

290 Braunschweig e Fain (1975).

120
Dóris Lieth Nunes Peçanha

atenção foi a escolha do pai como figura preferida pela metade das crian-
ças com asma. A Tabela 5 mostra o detalhamento dessa variável.

Tabela 5 Distribuição das crianças, em cada grupo, em função da afeição (N =


20; experimental = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Categorias
No
% N o
%
1. Criança 1 10% 1 10%
2. Mãe 3 30% 2 20%
3. Pai 5 50% 1 10%
4. Irmãos 1 10% 2 20%
5. Todos – – 4 40%

A Tabela 6 explicita o desempenho dos grupos quanto à figura


da família que foi rejeitada. Notamos que as crianças com asma (30%)
indicaram a presença de rejeição entre vários membros da família em
contraposição às outras, sem a referida síndrome, que não manifestaram
esse dado. Além disso, a rejeição por um membro da família ocorreu na
totalidade do grupo experimental, enquanto a frequência dessa variável
foi baixa (30%) no grupo controle.

Tabela 6 Distribuição das crianças, em cada grupo, em função da figura rejeita-


da (N = 20; experimental = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Categorias
No
% N o
%
1. Criança 2 20% 1 10%
2. Irmão(s) 3 30% 1 10%
3. Pai 1 10% 0 0%
4. Mãe 1 10% 1 10%
5. Múltiplas rejeições 3 30% 0 0%
6. Sem rejeições 0 0% 7 70%

Em relação à criança, exploramos também suas dificuldades para


realizar o desenho da figura ego (Tabela 7), ou seja, do elemento do
grupo com o qual ela se mostrava mais identificada. Assim, as crianças

121
A criança com asma e sua família

com asma (40%) indicaram que o tronco foi a parte do corpo mais difícil
de executar, o que pareceu coerente com o sofrimento produzido pela
asma nessa região do corpo. Já no grupo controle, tal dificuldade foi
localizada na cabeça. Esse resultado também é muito coerente com o
sofrimento psíquico que, segundo Gernet e Dejours,291 pode ser conse-
quente à doença, não estando em sua gênese. Interessante o fato de que
a parte do corpo mais difícil para as crianças sem problemas de saúde
foi a cabeça. Estaria isso associado ao maior trabalho psíquico (pensar)
nessas crianças, seguindo o postulado da Escola de Paris?

Tabela 7 Distribuição das crianças, em cada grupo, em função da dificuldade


para desenhar a figura ego (N = 20; experimental = 10; controle = 10).
Com asma Sem asma
Categorias
No
% No %
1. Cabeça 2 20% 6 60%
2. Tronco 4 40% 1 10%
3. Membros 2 20% 1 10%
4. Corpo inteiro 1 10% 1 10%
5. Sem dificuldade 1 10% 1 10%

Averiguamos ainda se a criança desejava introduzir alguma mu-


dança em sua família. A Tabela 8 explicita os resultados, assinalando
que algumas crianças com asma (20%) prefeririam alterar (mudar) as
características dos seus próprios pais, enquanto essa intenção não este-
ve presente no grupo de crianças sem asma. Estas prefeririam mudar
as características fraternas (30%) e da própria estrutura familiar (30%),
acrescentando-lhe mais um irmão. No geral, várias crianças asmáticas
(60%) não propuseram mudanças na sua família, comparativamente a
um número menor (40%) no grupo controle. Chamamos atenção para
a já relatada questão ansiogênica no lidar com mudanças de parte de
crianças com asma. Isso poderia ser colocado como hipótese para ex-
plicar o fato de que, mesmo havendo problemas na dinâmica familiar,

291 Gernet e Dejours (2006).

122
Dóris Lieth Nunes Peçanha

tais crianças prefiram manter a homeostase conseguida, provavelmente à


custa do próprio sintoma somático.

Tabela 8 Distribuição das crianças, em cada grupo, em função da intenção de


introduzir mudança em sua família (N = 20; experimental = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Categorias
No
% N o
%
1. Nos pais 2 20% 0 0%
2. No(s) irmão(s) 0 0% 3 30%
3. Na estrutura familiar 2 20% 3 30%
4. Nenhuma mudança 6 60% 4 40%

Em síntese, há fortes indicadores de que as crianças com asma


perceberam muitas disfunções em seu contexto familiar, contrariamente
às crianças do grupo controle. Na seção sobre a família, as variáveis re-
lacionadas à estrutura e ao funcionamento do grupo familiar serão exa-
minadas sob a ótica da Entrevista Familiar Estruturada, instrumento de
observação das transações existentes no “aqui e agora” desses grupos.

4.3 Crianças nas estórias (TF)

Examinaremos, a seguir, os resultados obtidos em cada fábula do


Teste das Fábulas, sendo a fala dos sujeitos o elemento básico da análise.
Em relação ao conteúdo das respostas dadas pelas crianças, na
“Fábula do Passarinho” – F1 (Tabela 9) destacamos a presença de indi-
cadores de somatização (30%) no grupo de crianças com asma e a ine-
xistência dos mesmos no grupo controle. O apego à figura materna ob-
teve a mesma frequência em ambos os grupos, porém entre as crianças
com asma essa resposta esteve associada à somatização. O apego ao pai
predominou entre as crianças sem asma (40%), corroborando o papel
da hipótese já mencionada sobre a censura do amante.292 Já no grupo
com asma, o apego ao pai apareceu apenas em um caso (10%). Houve
pouca diferença entre elas no que tange ao apego, ao mesmo tempo, às

292 Braunschweig e Fain (1975).

123
A criança com asma e sua família

duas figuras paternais (30% e 20%). Em relação ao comportamento de


independência da criança, contrariamente às sugestões tradicionais da
literatura,293 não houve diferenças entre os grupos.

Tabela 9 Distribuição das respostas dos grupos à fábula 1 (N = 20; experimental


= 10; controle = 10).
Experimental Controle
Fábula 1 – Passarinho
No
% N o
%
1. Somatização 3 30% 0 0%
2. Apego à mãe 1 10% 1 10%
3. Apego ao pai 1 10% 4 40%
4. Apego a ambos 3 30% 2 20%
5. Independência 3 30% 3 30%
Total 10 100% 10 100%

Nas respostas à fábula 2, “Fábula do Aniversário de Casamento”


(Tabela 10), novamente os indicadores de somatização estiveram pre-
sentes apenas entre as crianças com asma (20%). Notamos, ainda, que
tais respostas foram acompanhadas de hostilidade em relação à situação
proposta. O sentimento de estar excluído da díade paternal apareceu em
baixa frequência no grupo de crianças com asma (10%), comparativa-
mente ao grupo controle (50%), corroborando mais uma vez a hipótese
dos psicossomaticistas Braunschweig e Fain. Os casos clínicos indicaram
ainda grande dificuldade das crianças com asma para lidar com a percep-
ção de união entre os pais (50%), enquanto todas as crianças sem asma
conseguiram responder ao estímulo proposto, expressando sentimentos
de hostilidade, de exclusão ou de aceitação positiva da relação entre os
pais e de seu papel filial. Isso caracterizou, de uma maneira ou outra,
a vivência da censura do amante.294 Nenhuma resposta das crianças, no
grupo experimental, indicou a aceitação do casal conjugal, antes referida.

293 Alexander ([1952] 1989).


294 Braunschweig e Fain (1975).

124
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Tabela 10 Distribuição das respostas dos grupos à fábula 2 (N = 20; experimen-


tal = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Fábula 2 – Aniversário de casamento
N o
% N o
%
1. Dificuldade com a fábula 5 50% 0 0%
2. Hostilidade 2 20% 2 20%
3. Somatização + hostilidade 2 20% 0 0%
4. Exclusão 1 10% 5 50%
5. Aceitação 0 0% 3 30%
Total 10 100% 10 100%

Na fábula 3, “Fábula do Cordeirinho” (Tabela 11), observamos


pouca variabilidade de respostas no que tange ao sentimento de estar
excluído da nova relação entre uma figura materna e a filial recém-che-
gada (40% das crianças em ambos os grupos), como também ao tipo
de reação onipotente (10%) e ao conformismo frente a essa realidade
(20% e 10% entre as crianças com asma e sem asma, respectivamente).
Porém, mais uma vez, os indicadores de somatização e de aceitação da
situação apresentada pela Fábula aparecem como variáveis diferencia-
doras entre os grupos. Os primeiros estiveram presentes apenas entre
as crianças asmáticas e associados ao sentimento de exclusão (10%) e
de reação onipotente (10%), totalizando 20% de somatização no grupo
experimental. Quanto à aceitação da nova situação, temos uma baixa
frequência dessa variável no grupo de crianças com asma (10%), em
contraposição ao outro grupo (40%), que parecia trabalhar melhor psi-
quicamente com a situação de desmame e de rivalidade fraterna subja-
cente ao estímulo apresentado.

Tabela 11 Distribuição das respostas dos grupos à fábula 3 (N = 20; experimen-


tal = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Fábula 3 – Cordeirinho
N o
% N o
%
1. Exclusão 4 40% 4 40%
2. Onipotência 1 10% 1 10%
3. Somatização + 1 ou 2 2 20% 0 0%

125
A criança com asma e sua família

Tabela 11 Continuação…
Experimental Controle
Fábula 3 – Cordeirinho
No % No %
4. Conformismo 2 20% 1 10%
5. Aceitação 10 10% 4 40%
Total 10 100% 10 100%

A Tabela 12 apresenta as respostas dos grupos em relação à pessoa


falecida, na situação apresentada pela Fábula 4. Um número importante
de crianças com asma (40%) indicou o “pai” como sendo a pessoa que
havia morrido. A resposta “mãe” obteve frequência, igualmente baixa,
em ambos os grupos. As respostas “avô” e “avó” predominaram entre as
crianças sem asma, quando comparadas ao grupo experimental.

Tabela 12 Distribuição das respostas dos grupos à fábula 4 quanto à pessoa que
morreu (N = 20; experimental = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Fábula 4 – Enterro Pessoa escolhida
N o
% No
%
1. Pai 4 40% – –
2. Mãe 1 10% 1 10%
3. Avô 1 10% 3 30%
4. Avó 0 0% 2 20%
5. Pessoa estranha 4 40% 4 40%
Total 10 100% 10 100%

A Tabela 13 apresenta a causa da morte da pessoa referida pela


criança.

Tabela 13 Distribuição das respostas dos grupos à fábula 4 quanto à causa da


morte (N = 20; experimental = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Fábula 4 – Enterro Causa da morte
No % No %
1. Doença 3 30% 3 30%
2. Velhice 1 10% 5 50%
3. Provocada por outros 2 20% 1 10%

126
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Tabela 13 Continuação…
Experimental Controle
Fábula 4 – Enterro Causa da morte
No % No %
4. Sem resposta 4 40% 1 10%
Total 10 100% 10 100%

Observamos que menos da metade das crianças com asma indicou


como causa da morte doença ou velhice (40%), enquanto a maioria das
sem asma (80%) apresentou essa resposta, que é considerada “normal” por
Düss.295 Analisando mais detalhadamente essa verbalização, temos que o
motivo “doença” apareceu com a mesma frequência entre os dois grupos
(30%) e que a “velhice” como causa da morte foi referida por um pequeno
número de crianças com asma (10%). Várias crianças com asma (40%)
não indicaram um motivo para o enterro proposto pela fábula, enquanto
essa omissão de resposta pouco ocorreu entre as crianças sem asma (10%).
Ao observar a Tabela 14, relativa aos dados da fábulas 5, notamos
que os grupos foram praticamente iguais em relação aos medos de obje-
tos externos, porém o temor aos objetos ligados ao imaginário das crian-
ças apareceu com menor frequência entre as crianças com asma. Nesse
grupo, é notória a presença de medos, reais ou fantásticos, associados a
conteúdo autodestrutivo, que esteve ausente no grupo controle.

Tabela 14 Distribuição das respostas dos grupos à fábula 5 (N = 20; experimen-


tal = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Fábula 5 – Medo
No % No %
1. Objetos reais ameaçadores 5 50% 6 60%
2. Objetos fantásticos 2 20% 4 40%
3. Medo associado à autodestruição* 3 30% – –
4. Total 10 100% 10 100%
* Uma resposta referia-se a objeto externo; a outra, a objeto fantástico e uma terceira ao medo de
destruição proveniente das ações dos próprios pais.

295 Düss (1950, 1986).

127
A criança com asma e sua família

Os resultados dados pelos grupos à fábulas 6, “Fábula do Elefante”,


constam na Tabela 15. Como se pode observar, esta fábula mobilizou a
ansiedade no grupo experimental, predominantemente. Além disso, ne-
nhum elemento desse grupo percebeu a mudança proposta pela historie-
ta como positiva, comparativamente com as crianças sem asma (40%).
Ainda que com baixa frequência, chama atenção a presença de conteúdo
autoagressivo entre as primeiras.

Tabela 15 Distribuição das respostas dos grupos à fábula 6 (N = 20; experimen-


tal = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Fábula 6 – Elefante
No
% No
%
1. Ansiedade 5 50% 3 30%
2a. Mudança negativa 4 40% 3 30%
2b. Associada à autoagressão 1 10% – –
3. Mudança positiva – – 4 40%
4. Total 10 100% 10 100%

Na fábula 7, “Fábula do Objeto Fabricado” (Tabela 16), as catego-


rias que indicam negação da figura materna (1 e 2c) totalizam um per-
centual digno de nota, entre as crianças com asma (20%), haja vista sua
importância em termos psicodinâmicos e sua ausência no grupo contro-
le. Quanto à ambivalência e à possessividade, os grupos pouco diferem
entre si, mas novamente eles se distinguem na expressão do afeto (30% e
60%, respectivamente).

Tabela 16 Distribuição das respostas dos grupos à fábula 7 (N = 20; experimen-


tal = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Fábula 7 – Objeto fabricado
N o
% N o
%
1. Negação da figura materna 1 10% – –
2a. Possessividade 1 10% 1 10%
2b. Possessividade + conformismo 2 20% 2 20%
2c. Possessividade + negação da figura materna 1 10% – –
3. Ambivalência 2 20% 1 10%

128
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Tabela 16 Continuação…
Experimental Controle
Fábula 7 – Objeto fabricado
No % No %
4. Doação por afeto 3 30% 6 60%
5. Total 10 100% 10 100%

Os resultados da fábula 8, “Fábula do Passeio” (Tabela 17), cor-


roboram aqueles obtidos na fábula 3, ou seja, novamente aparece, no
grupo experimental, a dificuldade para lidar de forma positiva com a
situação triádica. Somando os percentuais das categorias que indicam
a aceitação da tríade (5a, 5b e 5c), incluindo aí a percepção do par con-
jugal, temos um baixo percentual no grupo experimental (10%), com-
parativamente ao grupo controle (70%). Notamos ainda que resposta
mais arcaica,296 como a percepção da figura paternal de sexo oposto
como invejosa (2a e 2b), predomina entre as crianças com asma (50%)
quando comparadas às outras crianças estudadas (10%).

Tabela 17 Distribuição das respostas dos grupos à fábula 8 (N = 20; experimen-


tal = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Fábula 8 – Passeio
No % No %
1. Negação da tríade 1 10% 1 10%
2a. Rival invejoso 2 20% 1 10%
2b. Rival invejoso e criança perseguida 3 30% – –
3. Criança perseguida 1 10% – –
4. Criança triste 2 20% 1 10%
5a. Tríade + desfecho positivo – – 1 10%
5b. Tríade + desfecho positivo + criança triste 1 10% 5 50%
5c. Tríade + desfecho positivo + criança perseguida – – 1 10%
6. Total 10 100% 10 100%

Em relação à fábula 9, “Fábula da Notícia”, os dois grupos foram


distintos em todas as categorias apresentadas (Tabela 18). Destacamos o

296 Klein (1996).

129
A criança com asma e sua família

pequeno número de crianças com asma que associaram a notícia propos-


ta pela fábula a fatos agradáveis, e, ainda, temos a presença de conteúdos
relativos à doença ou à morte. Estes últimos, bem como dificuldades para
responder à fábula, não estiveram presentes no grupo controle.

Tabela 18 Distribuição das respostas dos grupos à fábula 9 (N = 20; experimen-


tal = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Fábula 9 – Notícia
No % No %
1. Dificuldade com a fábula 2 20% – –
2. Fatos desagradáveis associados à doença ou
2 20% – –
morte
3. Normas ou imposição da realidade 2 20% 4 40%
4. Fatos agradáveis 4 40% 6 60%
6. Total 10 100% 10 100%

Na fábula 10, “Fábula do Sonho Mau” (Tabela 19), somando os


percentuais relativos ao sonho com o conteúdo associado à autodestrui-
ção, temos o dobro de crianças com asma que figuraram nessa categoria
em relação ao grupo controle (40% x 20%). Proporção inversa encontra-
-se no sonho ligado à circunstância da realidade interna (20% x 40%).

Tabela 19 Distribuição das respostas dos grupos à fábula 10 (N = 20; experi-


mental = 10; controle = 10).
Experimental Controle
Fábula 10 – Sonho mau
No % No %
1. Recusa da fábula 1 10% 1 10%
2a. Associado à autodestruição e impotência 1 10% – –
2b. Autodestruição/impotência ligadas à realidade
3 30% – –
interna
2c. Autodestruição/impotência ligadas à realidade
– – 2 20%
externa
3. Circunstância da realidade externa 3 30% 3 30%
4. Circunstância da realidade interna 2 20% 4 40%
5. Total 10 100% 10 100%

130
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Em geral, notamos que os resultados obtidos em fábulas que ava-


liam psicodinamismos, que de uma forma ou de outra relacionam-se
entre si, são bastante semelhantes. Por exemplo, a fábula 10 (Tabela 19)
propõe que a criança fale sobre um sonho mau, e isso remete à questão
dos medos (fábula 5). Temos, em ambas as fábulas, pouca diferenciação
entre os grupos quanto à mobilização de dados provenientes da realida-
de externa ou interna da criança. Além disso, tanto a fábula 5 quanto a
fábula 10 assinalam a distribuição de conteúdos associados à autodes-
truição em proporções quase idênticas entre as crianças com asma e a
sua ausência, nas duas fábulas, no grupo controle. Os fatores relacionados
de autoagressão e, ainda, a dificuldade para vivenciar mudanças de forma
positiva são evidenciados predominantemente pelas crianças com asma
na fábula 6. Apoiando esse dado, variáveis relativas à somatização também
só apareceram no grupo experimental, nas fábulas 1, 2 e 3. Essas variáveis,
por sua vez, são reforçadas na fábula 9, quando apenas essas crianças refe-
riram notícia associada à doença ou à morte. Na fábula 1, o apego ao pai
surge com baixa frequência entre as crianças com asma, sendo a figura
paterna a que recebe a mais alta indicação como pessoa morta na fábula
4. Parece que se associa a essa exclusão da figura paterna a dificuldade
dessas crianças para lidar com mudanças na fábula 6 e com as situações
triangulares sugeridas pelas respostas dadas à fábula 2, à fábula 3 e à fá-
bula 8. Como já foi verificado nos resultados apresentados nessas fábulas,
o grupo experimental em geral se diferenciou do grupo controle de for-
ma consistente e num sentido oposto a este último.

4.4 A família (EFE)

A fim de avaliar a significância das diferenças entre as médias ob-


tidas pelos dois grupos nas nove variáveis da EFE, testamos inicialmente
a normalidade dos dados em cada variável. Os gráficos normais proba-
bilísticos produziram uma reta que indica a normalidade da distribuição
dos resultados em cada variável para cada grupo. A seguir, o teste de nor-
malidade indica um valor de p > 0.05 em todas as variáveis, assinalando
que ambos os grupos são estatisticamente normais.

131
A criança com asma e sua família

Satisfeita a exigência de normalidade dos dados, utilizamos dois ti-


pos de teste “t” para avaliar a significância das diferenças entre os grupos.
Primeiro, considerando variâncias iguais, o valor de p foi inferior a 0.05
nas nove variáveis estudadas, ou seja, as médias dos grupos foram signi-
ficantemente diferentes. Segundo, utilizamos o teste “t” com variâncias
diferentes, tendo assim um exame mais poderoso dos dados. Igualmente,
a diferença entre os grupos foi visível pelo p < 0.05 em todas as variáveis,
com 95% de confiabilidade. Além disso, o valor de p obtido nas nove
variáveis, em cada teste, foi quase igual.
A Tabela 20 expõe as análises em que se utiliza o teste “t” com
variâncias diferentes. Salientamos o peso da “individuação” (p < 0.0003)
como variável que mais se destacou na diferenciação entre os grupos
no exame com variâncias iguais. Esse dado confirma as evidências da
literatura,297 no sentido de que as famílias com um membro portador de
asma tendem a dificultar o processo de separação-individuação, não ape-
nas da criança com asma, mas do grupo familiar como um todo. No pre-
sente estudo, as evidências foram principalmente no sentido de os pais
falarem pela criança, negarem seus sentimentos e mensagens desde que
estes ferissem a ideia defendida de união e harmonia familiar. A evitação
de conflitos e, em certos casos, a negação da agressividade desempenha-
ram um papel importante para a manutenção do mito da coesão familiar,
em detrimento da individuação dos membros do grupo. Foi exemplar a
referência de uma mãe de criança com asma, ao dizer: “Não consigo ima-
ginar uma situação de briga, entre nós isso nunca acontece”, o que foi logo
confirmado pelos demais membros do grupo. Frase semelhante foi citada
por Onnis298 a respeito de um tratamento familiar que incluía uma crian-
ça com asma. A seguir, destacamos a questão da “liderança”, que muitas
vezes era exercida pela criança asmática. Quando situada na figura dos
pais, caracterizava-se por um estilo autoritário ou omisso.
Maior aprofundamento na discussão dessas variáveis pode ser en-
contrado em artigos desta autora, desenvolvidos em parceria com colega
de pesquisa no Brasil e no Canadá.299 O último trabalho, publicado na

297 Onnis (1989), Onnis et al. (1994), Seywert (1990).


298 Onnis (1989).
299 Peçanha (2008), Peçanha e Pérez-Ramos (1999), Peçanha, Pérez-Ramos e Lacharité (2003), Peça-
nha e Lacharité (2007), Peçanha e Mercier (2009).

132
Dóris Lieth Nunes Peçanha

França, expõe a opção e resultados obtidos com o modelo aqui relatado


para avaliar e tratar famílias num Centro de Saúde em Sherbrooke, no
Canadá, filiado à Universidade de Sherbrooke. Esses pesquisadores fo-
ram treinados no método por esta autora, o que conferiu maior habilita-
ção e fidedignidade para avaliar as diferentes dimensões do instrumento.
O alinhamento desse método com práticas comunitárias que promovem
cidadania encontra-se em Peçanha.300
As famílias com uma criança asmática caracterizaram-se por co-
municações que tendiam a ser contraditórias ou obscuras, com mani-
festações de intolerância frente às divergências, bem como expressão de
sentimentos agressivos que apareciam frequentemente de forma des-
trutiva ou encoberta. As normas, em geral, eram impostas ou pouco
claras, os subsistemas apareciam sem limites precisos, com disfunções
no exercício da liderança entre os membros da família, que se mostra-
vam propensos a demonstrações artificiais de afeto. No conjunto, as
transações tendiam a ser vivenciadas como pouco gratificantes, con-
tribuindo para a falta de reconhecimento e valorização das diferenças
individuais.

Tabela 20 Variáveis da EFE, nos grupos, em função da média, desvio padrão,


valor de “t” e nível de significância para cada variável (N = 20; experimental =
10; controle = 10).
Grupo Variável G.L. Média D.P. T P
Experimental Comunicação 13 3.744 0.790 –3.41 0.004
Controle 4.705 0.412
Experimental Normas 13 3.978 0.791 –2.55 0.024
Controle 4.688 0.387
Experimental Papéis 11 3.928 0.714 –3.65 0.003
Controle 4.801 0.252
Experimental Liderança 10 3.553 0.826 –4.38 0.001
Controle 4.752 0.262
Experimental Conflitos 09 3.576 0.930 –3.97 0.003
Controle 4.766 0.181

300 Peçanha (2008).

133
A criança com asma e sua família

Tabela 20 Continuação…
Grupo Variável G.L. Média D.P. T P
Experimental Agressividade 10 3.550 0.963 –3.71 0.004
Controle 4.725 0.275
Experimental Afeição 10 3.665 0.854 –4.27 0.001
Controle 4.863 0.239
Experimental Individuação 09 3.33 1.02 –4.49 0.001
Controle 4.803 0.204
Experimental Integração 10 3.577 0.948 –3.77 0.003
Controle 4.752 0.274

Em síntese, na presente pesquisa, as famílias com um integrante


portador de asma comportaram-se de forma significativamente diferente
daquelas cujos filhos não apresentavam asma.

4.5 Vinte estudos psicológicos

Construímos um relato integrado que confrontou e discutiu seme-


lhanças e diferenças entre cada par de casos, assim considerados, pelas
variáveis de emparelhamento entre os mesmos. Iniciamos com os dados
obtidos na entrevista com os pais, salientando aspectos da história de vida
dessas crianças e de suas famílias, bem como os distúrbios de comporta-
mento daquelas. A seguir, as inter-relações foram destacadas a partir de
seu aparecimento nas diferentes técnicas (entrevista com pais, DCF, EFE),
enquanto a dimensão intrapsíquica dessas crianças foi revelada, sobretudo,
pelo Teste das Fábulas, considerado também à luz dos demais resultados.
Objetivando uma maior exemplificação da técnica utilizada e de
seus resultados, os dois primeiros estudos psicológicos (1a e 1b; 2a e 2b)
foram apresentados com mais detalhes (os demais descritos de forma
mais sucinta), acrescidos do relato de um Caso Modelo ou típico.

1) Estudo psicológico de 1a, designado “A”, sexo masculino, 7 anos e


1 mês, primogênito, e de 1b, designado “L”, sexo masculino, 8 anos e 2
meses, primogênito.

134
Dóris Lieth Nunes Peçanha

“A” foi desmamado por imposição da mãe aos 8 meses, enquanto


“L” deixou o seio espontaneamente aos 6 meses. Também aos 8 meses, “A”
foi para a creche – dificuldades de adaptação, primeiras crises de asma,
retornou ao lar, onde a avó resolveu forçá-lo a tirar as fraldas (8 meses).
Aos 3 anos, em outra escola, adoeceu novamente e “não sarou mais” (sic).
Por outro lado, “L”, sem problemas de adaptação, “alfabetizou-se espon-
taneamente aos 5 anos” (sic). Na área dos distúrbios de comportamento,
“A” apresenta superalimentação, náuseas, dificuldade para adormecer,
birra, rivalidade com a irmã, “não gosta de carinho” (sic) e destrutividade
em relação a seus brinquedos. Mostra-se extrovertido e de fácil contato
social, embora ansioso. Ao contrário, “L” não apresenta sintomas nessa
área. Também se apresenta extrovertido, mas só depois que conhece as
pessoas, “a princípio é um pouco retraído” (sic). Ambos têm a influência
da avó materna, sentida como repressora no primeiro caso e como figura
amorosa, no segundo.
“A” vive num contexto que se caracteriza pela insegurança dos
pais, ausência de limites seguros, crianças muito presenteadas e senti-
mentos de culpa em relação a sua doença. O casal não se considera apto
para educar os filhos, queixa-se de haver recebido uma educação muito
repressiva, não querem repetir o “modelo”, mas não sabem como agir. Ao
final da EFE, o pai diz: “Ainda somos os mesmos e fizemos como os nos-
sos pais” (sic). Nessa técnica, a liderança das crianças é visível. Apesar do
desejo de colaborar com o trabalho, os pais mostram-se pouco à vontade
e a filha menor, agitada. A comunicação processa-se com dificuldades. As
disfunções no sistema familiar são claramente percebidas por “A”, que in-
dica, no DCF, indiferenciação de papéis, conflitos sem solução, múltiplas
rejeições na área afetiva da família e individuação dificultada. As figuras
desenhadas por “A” são pobres, rostos vazios, ausência de diferenciações
mesmo entre os sexos. Ao contrário, “L”, desenha sua família com mais
detalhes, entretanto a diferenciação da mãe, como mulher, aparece sutil-
mente nos cabelos um pouco mais longos. O afeto circula entre todos os
membros da família, mas a liderança é notoriamente da mãe. Tal proemi-
nência tem implicações na figura do casal pouco destacada na percepção
de L. Os pais dão aos filhos liberdade para agir, mas também colocam
limites. Na EFE, observamos espontaneidade e respeito pela maneira de
ser de cada um. A comunicação é clara e bem direcionada.

135
A criança com asma e sua família

Em termos intrapsíquicos, o Teste das Fábulas assinala que, embora


“A” manifeste, a princípio, independência e “L” apego aos pais, o primeiro
revela a fantasia de ser aniquilado e indicadores de somatização que estão
ausentes na segunda criança (fábula 1). A socialização, no primeiro caso,
ocorre por imposição, e, no segundo, aparece como resultado de relações
positivas de afeto (fábula 7). A ansiedade frente a mudanças surge igual-
mente nos dois casos (fábula 6). O sentimento de ser excluído da relação
com a mãe (fábula 3) é vivenciado por ambos, sendo que “A” recorre à
somatização e “L” à defesa onipotente. O desgosto pela relação do casal
também está presente (fábula 2), mas para “A” é acrescido de inveja e pre-
domina o sentimento de ser perseguido (fábula 8), enquanto “L” mani-
festa tristeza pelo desejo de ter querido separar os pais. “A” indica o pai
como figura morta (fábula 4), enquanto “L” dá uma resposta popular. Em
relação a medo, a diferenciação está na ansiedade intensa de “A” com au-
torreferência (fábula 5) e contaminação (fábula 10). Sendo estas lâminas
catárticas, tais choques adquirem ainda maior significação de ansiedade.

Síntese
As dificuldades de desenvolvimento de “A” são marcantes, sobre-
tudo na adaptação a situações novas, o que contribuiu para a manifesta-
ção da asma. A ansiedade aparece muito elevada, sendo que o mundo ex-
terior é percebido de forma ameaçadora. Tais sentimentos são reforçados
pela insegurança dos pais e a oscilação entre superproteção e repressão.
Por sua vez, “A”, com suas crises, atitudes de birra, rivalidade e destru-
tividade, também reforça os comportamentos disfuncionais da família,
tendo-se, assim, um círculo de transações disfuncionais. A atmosfera
familiar caracteriza-se pela ansiedade, pouca espontaneidade e falta de
diferenciação entre os sistemas conjugal e filial.
Por outro lado, “L” apresenta um desenvolvimento saudável, sem
sintomas manifestos na área comportamental. A família cumpre adequa-
damente seus papéis e existe uma atmosfera positiva de afeto e tolerância
que facilita a individuação de seus membros. Os conflitos vividos pela
situação edípica são adequadamente manejados, a riqueza de contatos
com a realidade exterior e a fácil expressão do afeto aparecem como cata-
lisadores eficientes da ansiedade, que se manifesta em níveis compatíveis
com seu estágio de desenvolvimento.

136
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Em síntese, em termos intrapsíquicos, vários fenômenos ocorrem


igualmente, porém há uma qualidade e quantidade diferenciadora en-
tre os casos. Por outro lado, as transações na dinâmica familiar ocorrem
diferentemente, influenciando reciprocamente o desenvolvimento das
crianças e de suas famílias. Notamos ainda que “A” é mais jovem do que
“L”, o que, em parte, pode explicar as diferenças evolutivas entre ambos.
Some-se a isso o fato de que o primeiro menino tem apenas uma irmã e o
segundo, dois irmãos, o que também contribui para a diluição de ansie-
dades, neste último caso.

2) Estudo psicológico de 2a, designada “B”, sexo feminino, 8 anos, caçu-


la; e de 2b, designada “R”, sexo feminino, 7 anos e 4 meses, caçula.
“B” provém de uma gravidez indesejada, na hora do parto ce-
sariano a mãe começou a se “bater” (sic), enquanto “R” foi desejada e
nasceu de parto normal. A primeira mamou até os 7 meses, entrou na
creche e não se adaptou. Em torno de 1 ano, asma. Aos 3 anos de “B”,
a família mudou-se e a doença tornou-se “crônica” (sic). Depois que se
adaptou ao novo local, teve melhoras. Resistência para ir à escola, che-
gou a deixar de frequentá-la durante um ano quando tinha 5 anos de
idade. Enferma, dorme com a mãe; como o pai trabalha à noite, a mãe
incentiva os filhos a dormirem com ela. Por outro lado, “R” não apresen-
tou problemas de adaptação a novos locais, exceto aos 6 anos, quando
os pais mudaram para o exterior. Teve febre e pesadelos. Face às ideias
fixas de “R” quanto à presença de bruxas, os pais resolveram admitir
sua existência, inclusive a de um “spray antibruxas” (sic), o que defini-
tivamente tranquilizou a menina. Em ambas famílias há liberdade para
com os filhos, mas também limites, sendo que no caso de “B” a mãe se
diz “severa” (sic), e a filha confirma essa percepção. O pai dá muita li-
berdade, mas quando “bravo, corta tudo” (sic). Já a mãe de “R” é sentida
como bondosa e, sobretudo, alegre, o pai um pouco mais distante, mas
também “legal” (sic). Quanto aos distúrbios na área comportamental,
ambas alimentam-se pouco; “B” continua com problemas no sono (di-
ficuldade para adormecer e rituais) e tem medo de dentista, enquan-
to “R” superou suas dificuldades. “Ultimamente andava intrigada com
morte”, a mãe explicou versão católica e espírita, “R” “gostou mais dos
espíritas e acalmou-se” (sic). Na área da linguagem, ambas demoraram

137
A criança com asma e sua família

a adquiri-la. Também as duas são percebidas como ansiosas, principal-


mente quando algum evento importante se aproxima, chegando a terem
febre. No caso de “B”, há crises de asma nas datas de seu aniversário,
ficando “nervosa e incontrolável” (sic) (fábula 9 – notícia de aniversá-
rio com fenômenos específicos – contaminação e autorreferência). São
percebidas como tímidas, “B” retrai-se das atividades sociais, enquan-
to “R” participa ativamente e “dramatiza” muito em suas brincadeiras
(sic). São carinhosas, sendo que a primeira tende ao ciúme e rivalidade
com os irmãos, enquanto a segunda tem uma relação muito afetiva com
sua irmã, é “colaboradora” e “está aprendendo a se colocar no lugar do
outro” (sic). Quanto à sexualidade, “B” limita-se a fazer perguntas, “R”,
além disso, manipula-se muito. No DCF, ambas retratam a família com
desenhos bem trabalhados e diferenciados, entretanto “B” separa o ca-
sal e coloca-se ao lado do pai, enquanto “R” une os pais e lhes dá traços
fisionômicos evidentes de alegria. Nos demais aspectos, percebem uma
família harmoniosa. Na EFE, a primeira família tende a desvalorizar e
encobrir conflitos e a expressão da agressividade, sendo que os proble-
mas inclinam-se a ficarem sem solução. Os papéis aparecem de forma
indiferenciada, as divergências entre os membros são muitas vezes des-
respeitadas e a individuação surge desvalorizada e dificultada. Contudo,
aparece um clima afetivo, com trocas também gratificantes, e, em geral,
a comunicação se processa adequadamente. No contexto familiar de “R”,
predomina a funcionalidade em todas as áreas avaliadas, enfim, um cli-
ma de harmonia, de espontaneidade afetiva e de alegria.
A menina com asma, no TF, inclina-se a não perceber relações
triangulares, a figura do casal é negada (fábula 2 e fábula 8). Traduz ainda
o sentimento de ser perseguida pela mãe e nega sua figura na fábula 7. Por
sua vez, “R” desgosta-se com a união dos pais (“Ela poderia estar achando
chata (a festa), só faziam companhia o homem e a mulher” – fábula 2),
mas percebe claramente o sistema paternal e conjugal (fábula 8). Os indi-
cadores de somatização são notórios em “B”, com referências a ferimentos
e morte, o que não aparece nas respostas de “R”. A ansiedade aparece acen-
tuada no primeiro caso, e de forma mais leve no segundo. Na fábula 4, esta
última demora para responder, mas o faz de acordo com as expectativas
para a sua idade, enquanto “B” fornece uma verbalização muito simbólica:
“(…) homem maltratado que não come direito. Ele ficava mexendo com

138
Dóris Lieth Nunes Peçanha

uma faca (P), ele tinha que trabalhar como escravo, então ele ficava des-
cascando batatas com as facas… cortou a veia, vazou muito sangue e ele
morreu”. Frente às mudanças, sua reação é de muita ansiedade (“Ela se as-
sustou… saiu gritando que o elefantinho dela tinha crescido demais…” –
fábula 6), enquanto “R” sofre com as mesmas, mas consegue enfrentá-las,
direcionando-se à elaboração dos conflitos edípicos e à sua individuação
como elemento do sexo feminino (“Cresceu e pode ter crescido cabelinho
nele e ele pode ter três filhinhos (P), triste” – fábula 6).

Síntese
No primeiro caso, a asma reeditada a cada aniversário parece ser
uma forma de revivenciar o trauma do nascimento, feito sob os protestos
da mãe. A primeira crise ocorreu em torno de um ano, seguindo-se a um
período de dificuldades para experienciar mudanças, embora a mãe não
faça relações entre doença e emoções. A mudança de residência é ainda
mais catastrófica para a saúde da criança. No segundo caso, experiên-
cia semelhante também causa problemas de saúde, mas transitórios. A
sensibilidade dos pais para ajudar esta criança é notória, como também
a disponibilidade desta para funcionar de forma afetiva e cooperadora.
Ambos os contextos caracterizam-se por transações que também ocor-
rem de forma afetiva, com comunicações claras, porém, na primeira fa-
mília, os subsistemas conjugal e filial são mal diferenciados, e os pais têm
dificuldade para cumprir adequadamente seus papéis. A segunda família
caracteriza-se pela funcionalidade de todo o sistema, com fronteiras ge-
racionais bem precisas. A relação entre a frateria, no primeiro caso, é de
rivalidade; no segundo, de afeto e de colaboração. Os conflitos encober-
tos fazem parte da dinâmica familiar de “B”, talvez isso tenha colaborado
para sua escassa expressão de problemas no DCF. Porém, no TF, em que
o controle das respostas torna-se mais difícil, a emergência da ansiedade
e as dificuldades com as figuras paternais ficam evidentes, revelando um
funcionamento egoico aquém de sua idade, caracterizado pela negação
de relações triangulares, pela dificuldade de socialização e pelo retorno
da agressão contra o próprio corpo. No segundo caso, a ansiedade en-
controu certa expressão somática e comportamental na primeira infân-
cia, mas as relações positivas com a família e com seus pares, bem como
a riqueza de sua vida imaginativa, conduziram-na à superação dessas

139
A criança com asma e sua família

dificuldades e a um desenvolvimento pertinente às expectativas para a


sua faixa etária.
Enfim, as variáveis demográficas (idade da criança, número de fi-
lhos) ocorrem de forma inversa aos dois primeiros casos discutidos (1a e
1b), favorecendo um maior desenvolvimento da criança com asma, po-
rém a qualidade das transações que ocorrem no contexto familiar parece
jogar um papel decisivo, e, assim, a criança mais nova e com menor es-
colaridade apresenta um desenvolvimento muito superior ao da primei-
ra. Entretanto, é preciso atentar para a maior escolaridade dos pais da
menina sem asma, o que poderia também contribuir para esse resultado
mais positivo.

3) Estudo psicológico de 3a, designado “C”, sexo masculino, 7 anos e 3


meses, caçula; e de 3b, designado “P”, sexo masculino, 8 anos e 8 meses,
caçula.
No final da gestação de “C”, sua mãe perdeu um cunhado. Logo do
nascimento do menino, mãe e filho ficaram separados por 4 dias. Ama-
mentação até os 3 meses. “P” nasceu de parto normal e foi amamentado
até os 9 meses. “C” chupou o dedo desde recém-nascido, e, durante dois
anos, uma única chupeta. Continuou usando um bichinho e uma fralda
no ombro até os 4 ou 5 anos de idade. “P” nunca usou chupeta, nem
se serviu de outros objetos calmantes. Aos 3 anos e meio, “C” viveu a
primeira crise de asma (grave até os 5 anos) durante as férias da famí-
lia. Nessa época, tinha muito medo de escuro, pesadelos e dormia com
os pais em dias alternados. Logo depois, a babá, que até então cuidava
dele, deixou a família, a mãe sentiu muito sua falta, mas nada observou
em “C”. Quanto aos distúrbios de comportamento, apresenta: seletivida-
de alimentar; dificuldade para adormecer; medo de escuro, de doença
e de animais, enquanto “P” apresenta medo da morte, mas a “enfrenta”,
acreditando que quem morre transforma-se em “estrelinha que pode ser
vista no céu” (sic). Na escola, ambos apresentam bom rendimento. No
relacionamento interpessoal, “C” mostra-se tímido e pouco afetivo; os
pais consideram-lhe “maduro”, gosta de “aconselhar, ajudando sua pro-
fessora” (sic); rivalidade e brigas com a irmã. Ao contrário, “P” mostra-se
social, ativo (“moleque, não abre o portão, pula o muro da casa” – sic) e
afetivo; carinhoso e atencioso com sua irmã e vice-versa. Quando contra-

140
Dóris Lieth Nunes Peçanha

riado, “C” fala alto, transpira, empalidece e “dá lições de moral” (sic), “P”
fica irritado, mas escuta os conselhos dos pais.
No contexto familiar de “C”, os limites são dados pela mãe; ele é
o preferido pelo pai, que o superprotege. No caso de “P”, os limites são
dados pelos pais. As divergências do casal quanto às práticas educativas
existem nas duas famílias. Na primeira, dizem respeito à permissividade
do pai e sua grande ansiedade pela asma de “C”. No caso de “P”, a mãe
critica a atitude paterna tolerante com eventuais episódios explosivos,
sendo que ela, às vezes, adota um estilo autoritário. No DCF, “C” percebe
sua família como disfuncional em todos os aspectos avaliados, ao passo
que o segundo menino evidencia um clima de harmonia e os membros
são percebidos como reciprocamente amorosos, com destaque para a
relação do casal. Na EFE, a família de “C” mostrou-se inibida na comu-
nicação e na manifestação de afeto; os filhos, tímidos, eram chamados a
falar pelos pais, a coalizão pai-filho foi notória e confirmada nos demais
instrumentos. Todas as atividades sociais são feitas em conjunto, sendo
“inconcebível” (sic), para o pai, momentos só para ele.
No Teste das Fábulas, “C” foi lacônico, lento, apresentou vários
indicadores de somatização e dificuldade para lidar com uma terceira
figura na relação (fábula 2 – choque). A morte apareceu como elemento
muito ansiogênico (fábula 4 – choque, pai indicado como morto; fábula
6 – elefante doente; fábula 9, notícia de doença do pai. Afetivamente,
expressou voracidade (fábula 3), sentimentos de perseguição (fábula 5,
acrescida de autorreferência, e fábula 10) e ambivalência (fábula 7). Por
outro lado, “P” apresentou respostas condizentes com sua idade, popu-
lares em sua maioria; ansiedade enfrentada adequadamente (fábula 6),
afetividade (fábula 7), aceitação de relações triangulares (fábula 3, fábula
8), embora com culpa edípica. Talvez por isso, tempo de reação longo na
fábula 2 e resposta que evidencia o trabalho psíquico como defesa frente
à ansiedade: “Ah, porque ela queria pensar e todo mundo estava falando,
ela vai no fundo do quintal, ela ficou lá, pensando o que ela queria pensar
(…) (P) Ah! Ai, meu Deus, e agora, não sei”.

Síntese
As dificuldades de desenvolvimento de “C” parecem iniciar-se, logo
ao nascer, com a separação da mãe, que, por sua vez, vivia um processo

141
A criança com asma e sua família

de luto. Tímido, sugere ter escolhido a via somática, voltando contra si


mesmo seus afetos negativos e ansiedades, enquanto “P” manifesta um
relacionamento aberto e rico em trocas com o ambiente familiar e social,
enfrentando adequadamente as tarefas evolutivas. Frente à ansiedade, este
utiliza defesas psíquicas, recorrendo ao uso do “pensar”. Por outro lado,
“C” apresenta uma “falsa maturidade” pois seu ego funciona de forma bas-
tante infantil, forçando uma adaptação à realidade. Apresenta vários dis-
túrbios de comportamento, salientando-se o medo da morte. Destaca-se o
relacionamento entre pai e filho que tende a ser de tipo simbiótico e carre-
gado de ansiedade. Tal situação foi expressa por “C” no Teste das Fábulas.
A relação entre “P” e seu pai também é forte, mas, nesse caso, a ausência
de ansiedade patológica e a solidez do sistema conjugal contribuem para a
saúde desse menino e do grupo familiar. As disfunções na família de “C”
são evidentes em todas as áreas, havendo indefinições de papéis, normas
omissas, emaranhamentos entre os membros do sistema, com prejuízos
na individuação de todos. Na família de “P”, as trocas relacionais são gra-
tificantes, espontâneas e afetivas; liderança democrática, sendo que a mãe,
às vezes, tende ao autoritarismo na educação dos filhos. Com exceção dos
eventos estressantes na vida de “C”, as duas famílias foram muito seme-
lhantes em todos os dados demográficos.

4) Estudo psicológico de 4a, designada “F”, sexo feminino, 8 anos, primo-


gênita; e de 4b, designada “P”, sexo feminino, 8 anos e 6 meses, primogênita.
Com 1 ano e 6 meses, foi constatada a primeira crise de asma de
“F”, precedida de muitas gripes. A mãe sente-se culpada pela doença da
filha, “levava direto ao hospital, em vez de fazer sempre o acompanha-
mento pediátrico” (sic). Asma grave até os 7 anos. “P” sempre teve boa
saúde, mas ambas famílias têm dificuldade para lidar com doenças, e,
nessas circunstâncias, permitem que a criança durma na cama dos pais.
Na família de “F”, a ansiedade é tanta que todos passam a recusar a ali-
mentação. Quando do nascimento da irmã, “F” voltou a defecar nas fral-
das, enquanto “P” pediu para que a mãe as tirasse. “F” resiste a seguir
rotinas, e os pais são inseguros na colocação de limites. A mãe oscila
entre superproteção e punição, o pai prefere a filha menor. Na família de
“P” não há preferências, os limites são firmes e dados pelos pais. Quanto
aos distúrbios de comportamento, “F” come pouco, apresenta náuseas e

142
Dóris Lieth Nunes Peçanha

vômitos; por duas vezes, tentou pôr fogo na toalha da mesa; dificuldade
para adormecer e rituais; fala infantilizada, medo “somente de bêbado na
rua” (sic). Ambas são consideradas ansiosas frente às frustrações, sendo
que “F” faz birra e “P” chora. Na escola, “F” apresenta resistência para
assistir às aulas, fraco rendimento e dependência da mãe para cumprir
as tarefas, enquanto “P” tem bom aproveitamento escolar. O sono de “P”
é, às vezes, perturbado por sonhos maus, tem ainda medo de trovão e
cachorro. O relacionamento de “F” com a irmã caracteriza-se por ciúme
e rivalidade, no caso de “P”, além das brigas, existe proteção mútua.
No DCF, as figuras de “F” são extremamente pequenas, na borda
inferior do papel, e ela se coloca entre os pais; já as de “P” são bem dese-
nhadas, sugerem coesão familiar e identificação positiva com si mesma.
A primeira família apresenta disfunções importantes: liderança autori-
tária centralizada na mãe; pai omisso (não compareceu a nenhuma en-
trevista), rejeita “F” e superprotege a filha menor. Ambas são tímidas,
principalmente “F”. No caso de “P”, os papéis estão mais bem definidos,
os pais assumem a educação dos filhos sem preferência entre eles. Afe-
to positivo e sistema conjugal bem diferenciado. Divergências toleradas;
crianças, incentivadas à independência, expressam-se de forma espon-
tânea e segura, enquanto na família de “F” predomina o desrespeito à
individualidade.
Na dimensão intrapsíquica, “F” apresenta níveis muito elevados
de ansiedade que chegam a prejudicar a logicidade de seu pensamento,
expressa confusão e ambivalência (fábula 2). As defesas falham, o recurso
é o corpo ou a morte (fábula 1 – choque, TR: 23’’, “ele vai cair e morrer”).
Figuras paternas sentidas como perseguidoras (fábula 5 – TR: 1’, “De lobo
mau e… de monstro, a mãe chega, ele se assusta e fica com medo. (P):
Porque talvez… a mãe dele bate. O pai dele vem, ele fez xixi na cama, ele
fica com medo e o pai dele bate”). A mãe impõe muitas restrições (fábula
9), contudo há espaço para afeto (fábula 7) e apoio (fábula 10). Negação
da relação dos pais (fábula 2, choque, contaminação), com indefinição de
seus papéis (fábula 8). Apego ao pai, mas a rejeição deste intensifica seus
conflitos (fábula 4 – o pai morre, pneumonia), que são deslocados para a
escola (fábula 10, contaminação da fábula 5 e fábula 9).
Por outro lado, nas fábulas de “P”, os medos se confirmam (fábula
5 – choque). Na área afetiva, ambivalente (fábula 7) com a mãe, busca a

143
A criança com asma e sua família

satisfação dos próprios desejos. Várias respostas populares, porém sua so-
ciabilidade, em parte, baseia-se na aceitação da realidade (fábula 8), e, em
parte, trata-se de conformismo às normas (fábula 3), sentindo-se ansiosa
em função da pressão de seus impulsos egocêntricos (fábula 2). Contudo,
o teste teve para ela seu efeito catártico: “Ufa, só foi um sonho” (fábula 10).

Síntese
Ambas famílias não apresentam eventos particulares em seu ci-
clo vital, contudo a estrutura e a dinâmica de cada uma se encarregou
de dificultar (“F”) ou de proteger o desenvolvimento de suas crianças
(“P”). No caso com asma, as práticas educativas maternas oscilam entre
superproteção e punição severa, enquanto o pai rejeita a menina. Na fa-
mília de “P”, papéis e normas definidos; o afeto circula entre todos com
clara definição das relações conjugais e filiais. “F” apresenta baixa au-
toestima, timidez excessiva e dependência da figura materna, enquanto
“P” mostra-se segura e independente. As dificuldades escolares de “F”
associam-se à problemática familiar, bem como sua rivalidade com a
irmã. “F” apresenta vários distúrbios de comportamento, incrementando
as transações disfuncionais na família, enquanto os de “P” dizem respeito
a ansiedade e medos, que são, em geral, adequadamente manejados pelos
pais. No primeiro caso, há diversos indicadores de patologia no funcio-
namento, enquanto “P” encontra-se em fase de resolução de conflitos no
desenvolvimento (egocentrismo, baixa tolerância a certas frustrações),
mas sua conduta é, em geral, bem adaptada à realidade. Enfim, tem-se
uma família que dificulta sobremaneira a individuação da criança com
asma, vivendo um círculo de transações negativamente reforçadoras,
ao passo que a outra se caracteriza pela funcionalidade do sistema, com
consequências positivas na promoção da saúde entre seus elementos.

5) Estudo psicológico de 5a, designado “F”, sexo masculino, 7 anos e 6


meses, caçula; e de 5b, designado “Y”, masculino, 8 anos e 2 meses, caçula.
A vida dessas crianças e de suas famílias vem transcorrendo sem
particularidades significativas, exceto o seguinte evento no primeiro caso:
aos 2 anos de “F”, a mãe ausentou-se para cuidar de um parente doente. O
menino reagiu a esta separação com crise de asma, que continuou grave
por toda a primeira infância. Nesse período, hipervigilância materna em

144
Dóris Lieth Nunes Peçanha

relação a “F”. O pai critica a preocupação excessiva da mãe, sua posição é


mais tranquila e passiva. A mãe, preocupação por “F” “aprender a ler, for-
cei a princípio” (sic). Na área de distúrbios de comportamento, “F” apre-
senta náuseas, vômitos, rituais para dormir, linguagem infantilizada em
reciprocidade à linguagem utilizada pelos pais, medo de animais e doença,
“nervoso” (sic), principalmente quando algum evento se aproxima. Quan-
to a “Y”, alimentação seletiva, medo de animais e bêbados e ciúme da irmã
(excluída no DCF). Sono agitado, a mãe permite que “Y” durma com ela
na ausência do pai. No inter-relacionamento, ambos preferem o pai, sendo
que “Y” tem ciúme da irmã. Além disso, “Y” tem amigos, “é companheiro,
líder, criativo, caprichoso, ótimo na escola” (sic), mas, em grupo, apresenta
certa dificuldade devido à baixa tolerância à frustração.
As duas famílias apresentam limites a seus filhos e os descrevem
positivamente. Liderança autoritária exercida pela mãe, no primeiro caso,
e por ambos, no segundo. Na família de “F”, normas tendem à rigidez, en-
quanto na família de “Y”, às vezes, são omissas. Na EFE, as crianças dessas
famílias pouco se expressam verbalmente, mas as disfunções comunica-
ção (sentido obscuro, frases incompletas), normas (rígidas), conflitos (en-
cobertos), liderança (autoritária), integração (dificultada), agressividade
(encoberta – “nunca aconteceu discussão” – sic) e membros com baixa
autoestima predominam no caso de “F”. Salienta-se, ainda, dificuldade
com mudança – “nunca aconteceu” (sic, EFE – tarefa 1). Na família de
“Y”, os conflitos também aparecem um pouco encobertos (sem solução
no DCF) e a comunicação, às vezes, confusa. A primeira família dificulta
a individuação de seus membros ao não permitir certas manifestações de
diferenças e ao falar em nome dos outros. O sistema conjugal é percebido
pelos dois meninos, com fragilidade em seus papéis (DCF).
Na dimensão intrapsíquica (no Teste das Fábulas), “F” apresenta
vários indicadores de somatização que apoiam recurso à asma em situa-
ções ansiogênicas (fábula 2 – “foi tomar ar”) e o medo da morte (fábula
4 – choque, “carro atropelou… criança morreu”; fábula 10 – acidente
com o carro da criança”). O teste de “F” sugere mudanças vivenciadas
de forma negativa (fábula 6) ou conformista (fábula 3), relação triádica
descrita com sentimentos de perseguição (fábula 8 – choque). O relacio-
namento com a mãe tende à ambivalência, enquanto, no caso de “Y”, ela
aparece como figura de apoio (fábula 8). O protocolo de “Y” apresenta

145
A criança com asma e sua família

sentimentos de castração (fábula 6), confirma autoritarismo dos pais


(fábula 2) e percebe a relação triádica com sentimentos de perseguição
provenientes do pai.

Síntese
Ambos casos apresentam grandes semelhanças tanto ao nível das
crianças quanto do contexto familiar. Os dois meninos encontram-se en-
volvidos com tarefas evolutivas ligadas à situação edípica, entretanto “Y”
apresenta um melhor encaminhamento das mesmas mediante o vínculo
mais positivo com a mãe e a melhor percepção de situações triádicas.
A problemática edípica, ainda não superada pelos dois meninos, parece
interagir, de forma recíproca, com certa fragilidade no sistema conjugal,
que incrementa a ansiedade dessas crianças – dificuldade com mudanças,
no caso da criança com asma, e sentimentos de castração e de persegui-
ção, experimentados por “Y”. Esses aspectos fazem parte da dinâmica das
transações recíprocas criança x família. Assim, a dificuldade com mu-
dança de “F” reforça-se, numa circularidade de processo interativo, com
as resistências e ansiedades da família para mudar. Da mesma forma, os
sentimentos persecutórios de “Y” são reforçados pela liderança autoritá-
ria da família e pela omissão nas normas, que permitem, por exemplo,
que ele durma com sua mãe. Seus distúrbios de sono coincidem com essa
permissão. Contudo, a diferença nos contextos familiares parece residir
no número e intensidade de disfunções presentes naquele que inclui a
criança com asma, destacando-se conflitos e agressividade encobertos,
com prejuízos na individuação de “F”. Em relação às crianças, ambas
vivenciam situações ansiogênicas, porém “F”, frente às mudanças, ten-
de à somatização por meio da asma; além disso, seu contexto familiar,
que nega a agressividade, reforça a ação de voltá-la contra ele mesmo.
Em contraste com essa utilização do corpo como método para enfren-
tar a ansiedade, “Y” recorre a defesas mais mentalizadas (projeção) em
que a ação de pensar aparece claramente “pensa muito, pensa que não
consegue fazer uma pipa” (fábula 5). Os distúrbios de comportamento
surgem como indicadores de manifestação de sofrimento emocional, no
primeiro caso, enquanto, no segundo, a conduta serve, principalmente,
para efetivar transações positivas com o ambiente, com enriquecimento
da personalidade (criatividade, aprendizagem, amizade).

146
Dóris Lieth Nunes Peçanha

6) Estudo psicológico de 6a, designado “M” (Caso Modelo), sexo mas-


culino, 7 anos e 2 meses, primogênito; e de 6b, designado “B”, masculino,
8 anos, primogênito.
Desde os primeiros meses do nascimento de “M”, a mãe se preo-
cupou com a alimentação da criança, tendendo sempre a achá-la insufi-
ciente. Segundo o pai, “M” ingere alimentos em excesso. Por outro lado,
a mãe de “B” demonstra tranquilidade quanto a esse aspecto, julgando
que seu filho se alimenta de forma adequada. Contudo, ambos utilizaram
mamadeira até os 7 anos. Quanto à doença, “M” teve sua primeira crise
de asma aos 11 meses, na época em que deixou o quarto dos pais. “B”, aos
7 anos, permaneceu dois dias internado, “início de meningite, mas não
aconteceu nada ”(sic). Na área do comportamento, notamos que enquan-
to a criança com asma não apresenta distúrbios no sono, nem medos, seu
par, no grupo controle, manifesta sono agitado e medo de insetos. Se-
gundo a mãe de “B”, isso se deve a sua influência, pois ela se diz medrosa.
Contudo, no primeiro caso, salienta-se ansiedade e dificuldade nas rela-
ções interpessoais. Os dois meninos têm facilidade de expressão verbal.
Os pais de “B” observam que este se preocupa com os outros membros da
família, mostrando-se particularmente zeloso com o vestuário da irmã
(observa se sua saia não é muito curta) e da mãe: “Pai, olha a roupa que
a mãe está saindo” (sic). Em relação às atividades escolares, os dois ne-
cessitam de certa supervisão materna para cumprir as tarefas. Em outros
aspectos, os pais de “M” mostram-se preocupados com a independência
do menino, enquanto os de “B” sentem-se satisfeitos com esse comporta-
mento em seu filho e com o fato de ele ser muito estimado pelos amigos.
No contexto familiar, “M” não recebe limites de seu pai, sendo que
a mãe tende a fazê-lo de forma severa. Na família de “B”, a mãe julga
exercer maior autoridade, porém o pai tem uma participação ativa na
educação das crianças. Sua liderança é expressa por “B” no DCF. Nesta
última família, as discordâncias referem-se principalmente à existência
de religião diferente entre os pais, mas estes costumam conversar, procu-
rando soluções para suas divergências. Os pais de “B” evitam dar muitos
presentes aos filhos e procuram ser justos com eles. Quando as crianças
brigam, os pais repreendem ambas e depois “conversam, em separado,
com quem tem menos razão” (sic), mas geralmente “B” “resolve, sozinho,
os problemas com sua irmã” (sic). No DCF, “B” expressa a percepção de

147
A criança com asma e sua família

uma família com membros diferenciados, onde o afeto circula entre to-
dos. Cada integrante é desenhado com lápis de diferente cor, sendo que
ele não utiliza o preto, cor rejeitada. No caso de “M”, as brigas não são
aceitas, o pai prefere e superprotege esse menino, enquanto sua irmã liga-
-se à mãe. No DCF, os integrantes dessa família são pouco diferenciados
entre si e as rejeições ficam expressas. Os pais de “M” não dispõem de
tempo para si mesmos, enquanto os de “B” manifestam uma relação forte
entre o casal, percebida e aceita pelos filhos, que, por exemplo, costumam
perguntar: “Vocês não vão ao baile?” (sic).
Na EFE, a família de “M” evidencia disfuncionalidade, salientan-
do-se evitação de conflitos, coalizões, negação da agressividade, subsis-
temas indiferenciados e individuação dificultada entre seus membros.
Na família de “B”, ocorre certa dificuldade na comunicação materna, na
primeira tarefa, expressa por meio de frase inconclusa. Em determinado
momento, o pai fala pelo filho, mas, em geral, predomina a escuta e o in-
centivo para que cada pessoa se expresse a seu modo. “B” também ajuda
sua irmã a falar de forma mais precisa, o que é bem aceito por ela. As
inter-relações no grupo surgem de forma gratificante, com afeto espon-
taneamente expresso, e as normas são claras.
Na dimensão intrapsíquica, salienta-se a dificuldade de “M” para
viver novas etapas do desenvolvimento, sendo que a primeira crise de
asma foi desencadeada, em parte, por uma situação de mudança. Revela
imaturidade nas relações interpessoais, exemplificada, entre outros as-
pectos, por resposta narcisista no Teste das Fábulas (fábula 7) e tendência
a estabelecer relações duais. Sua dificuldade para viver situações novas,
em especial aquelas que envolvem uma terceira pessoa, encontram reci-
procidade na estrutura e na dinâmica familiar, que tende a se fechar em
si mesma. “M” apresenta indicadores de somatização e grande ansiedade,
sobretudo no Teste das Fábulas, procurando negar que a entrevistadora
fosse uma pessoa estranha para ele. Há evidências de desejar maior auto-
afirmação, enfrentando, nesse terreno, a oposição paterna. Contudo, “M”
não explicita no DCF nenhum desejo de mudança em sua família. Quan-
to a “B”, no grupo controle, mostra-se tranquilo, cooperativo e apresenta
um nível evolutivo compatível com sua idade, embora, por vezes, sua
sociabilidade seja decorrente das imposições sociais, evidenciando, em
nível mais profundo, no Fábulas, sentimento de perda da situação pri-

148
Dóris Lieth Nunes Peçanha

vilegiada inicial junto à mãe (fábula 3 – “a mãe falou para ele ir comer
capim, ele tem que ir comer, não é? (P) Ah, muito mal, porque ele gosta
de tomar o leite que ele queria”). Apesar de suas respostas adaptativas,
os sentimentos depressivos também aparecem na fábula 6 (“Ah, eu acho
que ele [elefantinho] ficou muito deprimido porque não tinha ninguém
para ficar com ele”).

Síntese
A constelação familiar é praticamente a mesma nos dois casos,
sendo que cada menino apresenta a mesma diferença de idade em re-
lação à irmã. Além disso, suas mães têm idêntico grau de escolaridade e
profissão. Contudo, as diferenças são marcantes na dinâmica dessas fa-
mílias. No caso da criança com asma, encontram-se muitas disfunções,
particularmente a negação de conflitos, da agressividade e a pressão para
manter a família fechada em si mesma, sendo que a doença de “M” pare-
ce servir para manter o difícil equilíbrio familiar. Por outro lado, a famí-
lia de “B” também viveu situação de doença com esse menino, porém o
fez sem excessiva ansiedade, costumando promover o desenvolvimento e
a individuação de seus membros. É possível, no entanto, que essa hospi-
talização ainda recente colabore para os sentimentos de solidão expres-
sos por “B” no Fábulas. Em geral, destaca-se a imaturidade de “M” e o
elevado nível de ansiedade, recorrendo a muitas defesas, além daquelas
expressas pela via somática. “B”, ao contrário, mostra-se tranquilo, sua
adaptação social é muito boa, apesar de manter por longo tempo uma
satisfação regressiva, como o uso da mamadeira. Há fortes indicadores
de se encontrar na situação edípica, identificado com o pai, mas manifes-
tando ciúme da mãe e da irmã. Esses aspectos não são expressos por “M”,
que ainda está envolvido com relações do tipo simbiótico, encontrando
reciprocidade na dinâmica de sua família, que se inclina a coalizões en-
tre seus membros com subsistemas mal diferenciados. O menor grau de
desenvolvimento da criança com asma também pode ser explicado, em
parte, por ser um ano mais novo e apresentar escolaridade menor do que
seu par no grupo controle.

7) Estudo psicológico de 7a, designado “R”, sexo masculino, 8 anos e 1


mês, primogênito; e de 7b, designado “G”, masculino, 7 anos, primogênito.

149
A criança com asma e sua família

A mãe de “R” apresentou problemas aos 8 meses de gestação, per-


manecendo 2 meses em repouso, o pai ficou muito “nervoso” (sic). Não
foi amamentado, enquanto seu par, no grupo controle, o foi durante 2
anos. No contexto familiar deste último, houve internação hospitalar
(cirurgia da mãe; hospitalização de “G” por febre), mas os pais sempre
passaram “tranquilidade” (sic) para a criança. Quanto a “R”, a primeira
crise de asma foi aos 3 anos, coincidindo com o nascimento do irmão
e seu ingresso na creche. Distúrbios do comportamento: seletividade e
náuseas; rituais e pesadelos; enurese recentemente superada; medo de es-
curo, de médico, em especial de dentista; ansiedade expressa por meio de
birra, excitabilidade e choro fácil; na escola, fraco rendimento na 1a série;
relacionamento – desobediência e preocupação excessiva com o irmão.
Por outro lado, “G” apresentou voz nasalada quando o irmão nasceu,
logo superada com a intervenção da mãe: “você tem tudo perfeito e pode
falar bem” (sic). Mostra-se “calmo, compreensivo; com o irmão, amigo e
atencioso” (sic). No comportamento, destacam-se medos: estranhos, es-
curo e de doença; alimentação seletiva e necessidade de luz para dormir.
Os pais da criança com asma não oferecem limites a seus filhos
e presenteiam-lhes frequentemente. “R” costuma dormir com seus pais.
Quanto a “G”, seus pais têm liderança e apresentam normas coerentes.
No DCF, o primeiro não evidenciou disfunções importantes no contex-
to familiar, sugerindo uso da repressão, uma vez que elas são evidentes
nos demais instrumentos. Quanto a “G”, desenhou “uma família feliz”
(sic), em que a funcionalidade de todo sistema é bem expressa. A EFE
confirmou as normas permissivas e os papéis indefinidos, detectados na
entrevista com os pais de “R”. Além disso, salienta-se comunicação, por
vezes, confusa; liderança permissiva nos pais e autocrática nas crianças;
normas, as poucas que existem, são rígidas; conflitos encobertos (T5 –
“nunca aconteceu” discussão); agressividade encoberta ou inadequada;
pouca coesão e, particularmente, membros com pouca identidade pes-
soal, subsistemas emaranhados (o pai chama a esposa de supermãe; casal
sem espaço pessoal, todos se beijam na boca, “os três homens da minha
vida”, sic). Enfim, individuação dificultada (a mãe desvaloriza as expres-
sões das crianças, refere-se a eles com frases confusas e pronomes fre-
quentes: “esse aqui”, “aquele ali”, os filhos seguem o mesmo padrão de uso
de pronomes para dirigir-se aos pais, quando não o fazem com direção

150
Dóris Lieth Nunes Peçanha

inadequada (sic)). Note-se que “R” falou algumas vezes sobre já ter co-
nhecido a entrevistadora, fato inverídico. Por outro lado, a família de “G”
mostrou-se funcional em todos os aspectos, salientando-se papéis defi-
nidos, liderança democrática, afeição expressa de forma adequada; em
síntese, individuação e saúde mental promovidas entre seus membros.
No Teste das Fábulas, ambos apresentam várias respostas seme-
lhantes, entretanto sempre houve acréscimos que as diferenciavam, indi-
cando imaturidade em “R” (fábula 2, sentimento de exclusão, “R” acres-
centa tema oral; fábula 3 – “comer capim”, acrescenta “mãe tem leite, não
quer dar” (sic); fábula 9 – notícia de gravidez, “R” choque, ansiedade
intensa, “mãe esconde a notícia”, sic); enredos adaptativos, identifica-
ção com o pai e superação dos conflitos edípicos em “G”. “R” mostra-
-se, ainda, ambivalente com mudança e crescimento pessoal por temer o
abandono materno (fábula 6). Seu protocolo destaca-se pela intensidade
dos indicadores de ansiedade, predomínio de choque, confusão e am-
bivalência na expressão dos sentimentos, tentativas inúteis de censurá-
-los, tentativas de controlar a entrevistadora e a aplicação da testagem,
hiperatividade e hiperatenção a detalhes do teste, questionando-os. Já
em “G”, tem-se atitude calma e cooperadora, percepção e bom manejo
de situações triangulares, fortes recursos egoicos, mecanismos de defesa
eficientes: deslocamento (fábula 6), projeção e reparação (fabula 8).

Síntese
Ambas famílias experimentaram problema de doença, porém a
primeira mantém padrões de relacionamento ansioso, superproteção
aos filhos e ausência de limites, enquanto a segunda enfrenta de forma
positiva a ansiedade, inserindo adequadamente sua prole na vida real.
Os dois meninos sofreram com a chegada de um irmão, “R” vivenciou
o fato como abandono materno (fábula 2) e reagiu adoecendo – asma.
“G” apresentou leve regressão, logo superada com a ajuda do ambien-
te familiar. Hoje, o primeiro compensa sua agressividade ao irmão com
preocupação excessiva em relação a este; o segundo manifesta real acei-
tação (fábula 3) e afeto pelo irmão. Os dois apresentam medos, em “R”
associam-se à ansiedade generalizada, em “G” à vivência com doença que
ocorreu no período pré-escolar, juntamente com distúrbios no sono. Os
conflitos de “R” ligam-se à etapa oral do desenvolvimento, com fortes

151
A criança com asma e sua família

sentimentos de privação do afeto materno. Seguem-se dificuldades com


situações novas (asma), dada a falta de confiança básica e frágil percep-
ção de relações triádicas. Seus distúrbios comportamentais encontram
reciprocidade na disfuncionalidade familiar, que se caracteriza pela in-
definição de papéis e individuação dificultada. “G” sofreu eventos estres-
santes similares, porém as relações afetivas e a adequada estruturação de
seu ambiente familiar permitiram-lhe não só superá-las, como também
orientar seu desenvolvimento de forma positiva, evidenciando uma so-
ciabilidade que se baseia solidamente nessas trocas genuínas. Apesar de
a criança com asma ter mais idade do que a de seu par, seu desenvolvi-
mento psicossocial encontra-se muito aquém comparativamente a esse.

8) Estudo psicológico de 8a, designado “I”, sexo masculino, 7 anos e 5


meses, primogênito; e de 8b, designado “V”, masculino, 8 anos e 2 meses,
primogênito.
A mãe mostrou-se muito defensiva na entrevista, referiu asma na
infância. A primeira crise de “I” foi aos 2 anos, e os pais nada associam
à doença. Entretanto, na história de vida, consta o nascimento do irmão
nessa época. Ingresso na creche com um ano e meio. Quanto aos dis-
túrbios de comportamento, apresenta: seletividade ao comer e superali-
mentação; teve dificuldade para deixar o quarto dos pais, o que fez aos
3 anos; não apresenta medos; considerado “nervoso como o pai” (sic),
apresenta excitabilidade e fica bravo diante de frustrações; não aprecia
carinhos e expressa cuidados e preocupação excessiva com o irmão. Por
outro lado, a mãe de “V” mostrou-se muito cooperadora e tranquila. Re-
lata que seu filho sentiu o nascimento dos irmãos, em relação à chegada
da primeira, apresentou enurese e, quando nasceu o segundo irmão, ga-
gueira por 3 meses. Na área comportamental, apresenta medo de ladrão;
apesar do ciúme, relaciona-se bem com os irmãos. DCF com figuras bem
diferenciadas, mas a irmã excluída do desenho. “V” é descrito como “ati-
vo, sincero, comunicativo, rápido, persistente nos objetivos, com ótimo
desempenho escolar” (sic).
Ambas famílias apresentam limites aos seus filhos, sendo que “I”
costuma ser muito presenteado. Seus pais ultimamente não dispõem de
tempo para si mesmos. Liderança paterna (DCF; EFE) tende a ser autori-
tária. “I” expressa afeição pelo pai e rejeição à mãe (DCF). Na EFE, a mãe

152
Dóris Lieth Nunes Peçanha

se mostra incapaz de falar sobre mudança, sua atitude defensiva persistiu,


sendo que o pai mostrava-se mais colaborador. Quanto ao sistema fami-
liar, destacam-se conflitos e afetividade encobertos, contudo seus mem-
bros tendem a ser valorizados. Os papéis apresentam-se definidos na rela-
ção pais-filhos, porém o sistema conjugal não aparece suficientemente di-
ferenciado. Na família da criança sem asma, tem-se harmonia, afetividade
e espontaneidade, sendo notável o respeito às manifestações das diferenças
individuais. A qualidade dessas transações expressa-se no DCF de ambas
crianças, assim o primeiro exclui-se do desenho e refere que os outros se
preocupam com coisas erradas que ele possa estar fazendo, enquanto o
segundo se autovaloriza e desenha “uma família legal e rica” (sic).
No Teste das Fábulas, ambos trabalham com relações triádicas,
porém as respostas adaptativas predominam em “V”. Tem-se, ainda, que
a criança com asma apresenta dificuldade com a relação fraterna, não
aceitando a perda da situação de dependência da mãe (fábula 3 – “(…)
tem que dar o leite, senão os dois vão morrer de fome”, sic), recorrendo a
defesas primitivas como a onipotência. Salienta-se sua preocupação com
morte (fábula 3; fábula 4 – morte do pai; fábula 5 – morte dos pais).
Quanto às mudanças, ambos as vivenciam como negativas (fábula 6);
enquanto o primeiro (“I”) fica ansioso com as imposições da realidade, o
segundo encontra satisfações no cotidiano (fábula 9). O medo de ladrão
é confirmado no protocolo de “V” (fábula 5), mas a última lâmina cum-
pre sua função catártica “a família fica feliz” (sic).

Síntese
Ambas crianças apresentam um desenvolvimento geral adequado
à sua idade. Contudo, a criança com asma encontra-se num nível evolu-
tivo um pouco inferior ao de seu par no grupo controle, suas respostas
tendem a ser menos adaptativas. Além disso, seus mecanismos de defesas
frente à ansiedade mostram-se menos efetivos (fábula 5. “I”: – ladrão
mata pai e mãe. /“V”: – criança fica quietinha para ladrão não perceber),
a preocupação com a morte é recorrente, não conseguindo deslocá-la
para fora do núcleo familiar (“I” fábula 4 – pai. /“V” – bisavô) e a frus-
tração oral (fábula 2) aparece compensada na superalimentação. Tais as-
pectos psicodinâmicos em “I” indicam a potencialidade para a utilização
do corpo como forma de defesa. Além disso, mudanças tendem a ser

153
A criança com asma e sua família

vivenciadas como negativas por “I” e sua asma coincide com o nasci-
mento do irmão. A superproteção ao mesmo pode ser uma forma de
compensar sua agressividade. Contudo, trata-se de hipóteses psicodinâ-
micas, pois a escassez de dados fornecidos pela mãe impede assertivas
mais pontuais. A mesma funciona com a utilização de muita repressão,
o que poderia estar colaborando para que a criança com asma expresse
seus conflitos através do corpo e tenda a rejeitar manifestações de afeto.
Essas dificuldades de “I” encontram-se em relação recíproca com cer-
ta artificialidade e resistência da família para expressar afeição entre
seus membros, bem como para trabalhar com conflitos. Tem-se, ainda,
liderança autoritária do pai e certa indiferenciação nos papéis fami-
liares. Quanto a seu par (“V”), destaca-se igualmente dificuldade para
aceitar o nascimento dos irmãos, com expressão através da conduta, e,
atualmente, o medo de perder o afeto dos pais é simbolizado na figura
do ladrão. Porém, a funcionalidade do sistema familiar transmite-lhe a
tranquilidade de que seus problemas podem ser, e vêm sendo, supera-
dos. Assim, em geral, o mesmo mostra-se bem adaptado ao ambiente
familiar e social, vivenciando relações enriquecedoras para o seu pro-
cesso de individuação.

9) Estudo psicológico de 9a, designado “R”, sexo masculino, 8 anos e 9


meses, caçula; e de 9b, designado “D”, masculino, 8 anos e 6 meses, caçula.
“R” provém de gravidez planejada, sem problemas, parto normal,
nunca foi amamentado. “D”, seu par no grupo controle, provém de gra-
videz não planejada, mas aceita pelos pais. Parto igualmente normal,
porém “D” foi amamentado até os 8 meses. Não teve problemas, nem
cólicas de bebê, nunca sugou dedos, nem chupeta. Por outro lado, a mãe
de “R” notou que, desde o nascimento, a criança apresentava dificuldade
respiratória: primeiro, foi diagnosticada sinusite, e, aos 4 anos, asma. A
mãe também apresenta a mesma doença. “R” deixou de usar chupeta aos
6 anos e nessa época apresentou fala infantilizada. No comportamento
destaca-se seletividade alimentar; “nervoso” (sic), altera a respiração; di-
ficuldade de adaptação inicial à escola por não querer se separar da mãe
e, mais tarde, do irmão; no relacionamento, em geral, é dócil, tímido e
pouco social, às vezes faz birra para obter o que deseja. No subsistema
fraternal ocorrem brigas e ciúmes que, frequentemente, partem do irmão

154
Dóris Lieth Nunes Peçanha

em direção a “R”. Quando menores, os dois irmãos dormiam na cama


com os pais, atualmente, às vezes, “R” solicita que a mãe deite-se com ele.
Quanto a “D”, seus pais não expressam nenhuma queixa, relatam apenas
que ele costuma dormir com uma luz acesa; o relacionamento com o
irmão é de amizade e cooperação, quando “D” se zanga é porque gostaria
de continuar a brincar contra a vontade daquele. Esses dois irmãos têm
excelente desempenho escolar.
No contexto familiar da criança com asma, existem normas coe-
rentes e a mãe demonstra sensibilidade para atender às necessidades das
crianças, o que também ocorre na família de “D”. Na primeira, a maior
dificuldade reside nas sérias divergências entre o casal quanto à educação
dos filhos. O pai tende a ser muito autoritário e rígido, razão pela qual
“R” se distancia dele. Em nenhum momento o pai aceitou participar deste
estudo, e, segundo a mãe, condenou sua participação. O sistema conjugal
aparece muito frágil (confirmado no DCF, EFE e TF). Situação oposta
se verifica no núcleo familiar da criança sem asma, onde os pais partici-
pam ativamente da educação das crianças, sem divergências importantes
entre eles, e o subsistema conjugal aparece bem constituído, sendo, des-
sa forma, percebido por “D” (DCF com figuras bem diferenciadas, afeto
entre o casal verbalizado). Na EFE, as diferenças entre os dois grupos são
marcantes, apontando a disfuncionalidade do primeiro: incongruência
na comunicação, papéis e liderança inadequada, conflitos e agressivida-
de encobertos, afeição inadequada (o irmão faz um gesto como se fosse
bater na mãe, o que é imitado por “R”), falta de integração entre os mem-
bros e processo de individuação dificultado.
No Fábulas, “R” apresenta um protocolo com altos níveis de an-
siedade – conteúdos não adaptativos, choques e contaminações, o que
não ocorre com “D”. Têm-se ainda fantasias de abandono pelas figu-
ras paternas, conformismo (fábula 2), narcisismo (fábula 7) e intensa
agressividade dirigida ao pai, incrementando sentimentos de perse-
guição por parte deste. A sociabilidade, quando aparece em “R”, faz-
-se à custa da repressão, enquanto no caso de “D” é consequente de
uma autonomia baseada em trocas gratificantes (“R” “vai comer capim
porque a mãe mandou”/“D” “porque ele já sabe e acha gostoso”). Em
decorrência da intensidade dos conflitos nas primeiras etapas do de-
senvolvimento, a criança com asma, “R”, pouco trabalha com situações

155
A criança com asma e sua família

triangulares. Assim, na fábula 2, a figura da mãe não é citada e, na


fábula 8, o medo da ira do pai está mais associado à rejeição do que
a conteúdo edípico, enquanto “D” evidencia a superação da situação
proposta pela reparação (fábula 8 – “Depois ele vai convidar o pai para
sair”). Em “R”, a preocupação com a morte é recorrente (fábula 5 “(…)
uma pessoa morta (…)”; fábula 9 “(…) o pai morreu (…)”; fábula 10
“(…) que o pai dele morreu, que a mãe dele foi sequestrada (…)”). Ao
final do teste, “R” confirma essa ansiedade por meio do relato de um
sonho repetitivo em que um trem está prestes a atropelá-lo; quando
isso vai acontecer, ele acorda.

Síntese
Apesar de terem praticamente a mesma idade, escolaridade e
constelação familiar, a criança com asma se encontra num nível evolu-
tivo muito inferior ao de seu par no grupo controle. Além disso, sua an-
siedade é muito grande e seus mecanismos de defesa mostram-se pouco
efetivos frente a ela. Face às ameaças fantasiadas de desintegração cor-
poral (morte), a asma parece constituir-se numa defesa capaz de manter
certa integração entre o corpo e o psíquico. Por outro lado, a criança
sem problema de saúde apresenta um processo ótimo de desenvolvimen-
to, com superação positiva de todas as etapas vivenciadas até então. As
transações criança x família caracterizam-se pela reciprocidade de senti-
mentos: no primeiro caso, salienta-se a rejeição mútua entre pai e filho e
a rivalidade entre irmãos; no segundo, o afeto e cuidado recíprocos entre
todos os membros da família, sendo que a individualidade de cada um é
respeitada e incentivada.

10) Estudo psicológico de 10a, designado “L”, sexo masculino, 7 anos e 1


mês, caçula; e de 10b, designado “C”, masculino, 8 anos e 4 meses, caçula.
Os dois meninos provêm de gravidez aceita, mas não planejada.
Gestação sem problemas. A criança com asma, “L”, nunca foi amamenta-
da. Aos 4 meses, iniciou creche, chorava muito devido ao grande apego
aos pais “mas tinha que ficar” (sic). Na mesma época, houve a introdução
de alimentos sólidos, igualmente rejeitados, porém a mãe forçou a comer.
Aos 3 anos, primeira crise de asma. Mamadeira até os 5 anos. Na área do
comportamento, destaca-se: “L” ainda chupa dedo e coça a orelha para

156
Dóris Lieth Nunes Peçanha

dormir; enurese sistemática à noite; fala infantilizada; ciúme da irmã e


medo de estranhos; seu par no grupo controle, “C”, apresenta medo de
extraterrestres. “C” iniciou-se na creche aos 3 anos, também apresen-
tou choro; a mãe lhe ajudou “a enfrentar o mundo” (sic), preparando-o e
adiando sua inserção na pré-escola para o ano seguinte. Aos 4 anos, ex-
celente adaptação. Quanto ao relacionamento interpessoal, “L” apresenta
muito ciúme, inclusive dos pais, e timidez com estranhos, enquanto “C”
se mostra, às vezes, desobediente, mas muito carinhoso (dá flores para a
mãe) e amigo de toda a família. O primeiro revela dependência dos pais
(confirmada na EFE – “L” repete a fala dos pais/“C” expressa suas ideias
com segurança), ao contrário da criança sem problemas de saúde, que,
por exemplo, prepara pequenas refeições para si mesma.
No contexto familiar, ambas recebem limites e são presenteadas
em datas especiais. No DCF da criança com asma, observa-se que os cas-
tigos paternos são muito frequentes, mas as condutas de estímulo ao bom
comportamento, ausentes. Os dois meninos recebem muita ajuda, “L” da
avó, que o superprotege, e “C” dos irmãos maiores.
Na EFE da família de “L” destacam-se comunicação confusa, vi-
sando sobretudo encobrir conflitos. Estes aparecem sem busca de solução
(T5 – pai: “Isso [discussão] é difícil de acontecer”; a mãe, ansiosa, mexe
nas unhas e enfatiza que tudo é normal entre eles); sistema conjugal pou-
co diferenciado; papéis indefinidos; agressividade encoberta no casal e
expressa nas crianças; afeição artificial (T6 – as crianças excluíram a mãe
nas manifestações de afeto); a individuação aparece dificultada, existe
pressão para que os membros se manifestem de forma homogênea, a mãe
tende a falar pelos outros e “L”, a copiar suas respostas. Na integração fa-
miliar, observamos que existe coesão, mas a autoestima entre os membros
tende a ser baixa. Por outro lado, a família da criança sem asma mostrou-
-se funcional em todos os aspectos avaliados, destacando-se um clima de
harmonia, de afetividade, de espontaneidade e de valorização das expres-
sões particulares de cada um de seus membros. Esses achados foram con-
firmados pela percepção das famílias expressa no DCF dessas crianças.
Na dimensão intrapsíquica desses meninos, destacam-se, no TF,
indicadores de somatização, no caso de “L” (fábula 2: “(…) não gostou
do que tinha no bolo (…) ficou com dor de barriga”), e morte (fábula 4:
“mãe, câncer muito forte”; fábula 10 – “um fantasma e monstro ia pegar

157
A criança com asma e sua família

ele e matar”), sendo que esse tipo de resposta não aparece no protocolo
de “C”. Na criança com asma predomina o narcisismo e a imaturidade
nas relações interpessoais (fábula 3 – “não dá leite para nenhum”; fábula
7 – “o menino ganha de aniversário”, com consequente dificuldade para
crescer e vivenciar processos de mudança em sua personalidade (fábula
6 – “assustado com a tromba comprida”)). Associa-se a isso a dificuldade
para trabalhar com situações triangulares (fábula 8 – pai, bravo, castiga;
mãe, não referida). Situação contrária aparece em “C”, cujas respostas são
predominantemente adaptativas. Esta criança evidencia boa resolução
da problemática edípica mediante mecanismos de reparação (fábula 8:
“(…) vai explicar para o pai, daí o pai dele entende, daí eles vão almoçar
juntos”; fábula 2 “ele foi brincar um pouco com um amigo dele e depois
convidou para ir na festa dos pais dele”) e satisfação com mudanças no
curso de seu desenvolvimento (“ele cresceu (…) achou muito bom por-
que agora ele já sabe se cuidar”).

Síntese
O encobrimento de conflitos na família da criança com asma (por
exemplo, nenhuma associação com o surgimento das crises) dificulta
uma apreensão psicodinâmica de sua personalidade. Entretanto, seus
distúrbios de comportamento evidenciam padrões imaturos de funcio-
namento quando comparada com a criança sem problemas de saúde. Os
dois meninos tiveram dificuldade para se inserir num contexto social
mais amplo (creche), o primeiro foi forçado a fazê-lo, enquanto o segun-
do, respeitado em suas necessidades, foi preparado para esse momento.
A partir daí, segue-se uma trajetória de pseudoadaptação em “L”, enquan-
to a sociabilidade de “C” se processa em bases genuínas de transações
reciprocamente afetivas com o ambiente familiar. A criança com asma
parece manter seu equilíbrio graças à utilização de sintomas (sucção
do polegar, enurese, fala infantilizada) e defesas regressivas, podendo
levantar-se a hipótese de que a asma sirva ao objetivo de gratificar suas
necessidades de dependência infantil. Seus distúrbios não se constituem
em motivo de queixa, parecendo que as transações imaturas de “L” com
seus pais encontram reciprocidade naquelas que estes dirigem à criança.
Neste sentido, há evidências de que a asma de “L” também seja útil à
necessidade familiar de encobrir conflitos. Assim, os papéis indiferen-

158
Dóris Lieth Nunes Peçanha

ciados, os conflitos e a fragilidade do sistema conjugal não se constituem


em alvo de atenção, pois esta é desviada para a doença de “L”. Os dois
meninos são caçulas experienciando a superproteção de pessoas mais
velhas, da família extensa no primeiro caso (avó) e da família nuclear
(irmãos) no segundo, entretanto as transações promotoras do desenvol-
vimento que os pais da criança sem asma estabelecem com ela parecem
neutralizar os aspectos negativos dessa situação, o que não ocorre no
caso da criança do grupo experimental.

4.6 Manoel e sua família: um caso típico

Estudo psicológico de 6a, designado Manoel (M), sexo masculino,


7 anos e 2 meses.

a) Entrevista com os pais


Observações: apesar de chegarmos à residência da família no horário
combinado para a entrevista, a casa encontrava-se fechada e cercada por
um muro alto. Não havia campainha e batemos palmas por cerca de 5
minutos até sermos atendidos pelo pai de M, que se encontrava ao lado
do filho. A seguir, vieram a mãe e a menina. A casa era bonita e tudo
parecia na mais perfeita ordem. A mãe apresentou-se de forma artificial,
excessivamente maquiada e com muitas joias. Esforçou-se para mostrar
que não havia problema algum na família. O pai tendia a ser mais espon-
tâneo e cooperador. Inicialmente, houve tentativa de negar que a criança
(M) tivesse qualquer problema, inclusive a asma.
Sujeito: M, 1a série, vive com seus pais e uma irmã de 4 anos. Estatura
adequada à idade, mas um pouco obeso.
Antecedentes familiares alérgicos: o pai era asmático quando “pequeno”
(sic) e a mãe sofre de rinite alérgica.
Síntese do desenvolvimento, distúrbios de comportamento, contexto psi-
coeducativo e inter-relações familiares:
Gravidez não desejada e sem problemas, exceto a insegurança da
mãe pela responsabilidade futura. Parto cesáreo, aleitamento materno
até os 3 meses de idade. Nessa época, a mãe introduziu uma mamadeira
reforçada com frutas, aveia e vitaminas a fim de suprir, segundo ela, a

159
A criança com asma e sua família

grande necessidade de alimento que a criança apresentava. Esse tipo de


alimentação foi mantido pela mãe até os 7 anos. Durante o primeiro ano
de vida, M dormia no quarto de seus pais, e assim que começou a andar
foi levado para o seu próprio. Nessa época, aos 11 meses, teve sua primei-
ra crise de asma. Sucederam-se muitas outras, “fortes” (sic) e mensais, até
M atingir 6 anos, e provocadas, segundo os pais, pelas mudanças climáti-
cas. Com essa idade, o menino começou a nadar, e as crises tornaram-se
mais leves e esporádicas. Os pais não contam a ninguém que a criança
tem asma, mas ficam muito preocupados com a doença. Durante o pe-
ríodo de crises, ficam muito próximos e atentos à criança. Não dormem
a noite toda, e o pai fica “cobrando” (sic) de sua mulher se ela deu a M a
medicação necessária.
Quando M tinha 3 anos, sua mãe engravidou e ele foi levado para
o maternal, porque ela não queria que o menino “presenciasse o tempo
todo” (sic), a sua gravidez. Durante o período de adaptação à escola, só a
mãe podia levá-lo, pois ele não aceitava se separar do pai no momento de
adentrar no estabelecimento.
M não apresenta medos, a mãe refere que costumava caminhar
com ele pela casa escura para ele “se encontrar e não sentir medos” (sic).
A mãe se descreve como uma pessoa completamente dedicada aos
filhos. Nunca deixou que outra pessoa se ocupasse deles porque isso lhe
dava a sensação de perdê-los. Aos 5 anos de M, a mãe começou a traba-
lhar com o marido no escritório deste durante o período em que a crian-
ça se encontrava na escola.
Com respeito à educação do menino, o pai prefere conversar com
ele, enquanto a mãe fica irada com suas desobediências e tem a vontade
imediata de batê-lo. Entretanto, ela não admite brigas entre as crianças
e diz que o diálogo é a melhor solução. O pai critica a superalimentação
que a mãe dá às crianças, dizendo que no caso de M é necessário cortar-
-lhe o alimento em razão de sua insaciabilidade (bulimia). A criança
tem o hábito de se sujar enquanto come. Durante as crises de asma,
apresenta náuseas.
Os pais acham que M é muito ansioso quando quer alguma coisa.
Para obter o que deseja, faz birra, fica bravo e insiste muito, principal-
mente com o pai, que não sabe lhe dizer “não”. Este se diz culpado dessa
situação porque ele o protege e faz tudo o que M deseja. Refere também

160
Dóris Lieth Nunes Peçanha

uma grande afinidade com o filho. A mãe diz que seu marido e M “estão
sempre colados”, por esse motivo a menina fica sempre a seu lado, “por-
que não tem outra opção” (sic).
Na escola, M conversa durante as aulas, por essa razão ele se enga-
na quando copia as lições. A mãe verifica todos os dias suas tarefas e faz
com que ele realize todos os deveres escolares. Ele não pratica esporte,
nem gosta de brincadeiras agitadas, preferindo jogos eletrônicos.
Os pais descrevem o filho como inteligente, ativo e independente,
mas referem “medo de sua independência” (sic). Contudo, o pai diz que
sua mulher é muito dependente e não quer que M se pareça com ela.
M tem ciúme do pai e quer sempre estar “colado” (sic) ao lado dele. Ele
“adora” deitar-se na cama dos pais, no meio do casal, e às vezes passa
a noite com eles. Isso não ocorre com maior frequência porque a mãe
impede tal situação, desaprovando-a. As atividades sociais da família são
sempre feitas em conjunto. Os pais insistem que são muito unidos e que
não existem atitudes agressivas entre eles.

b) Desenho em Cores da Família (DCF)


A criança (M) desenhou a família em fila, com pouca diferencia-
ção entre as pessoas. O comprimento dos cabelos serviu para determinar
os sexos. Além das respostas às questões do DCF, M falou muito enquan-
to desenhava. A seguir, resumimos os comentários principais:

• “Eles são todos muito legais. Eu gosto muito de todos, al-


guns, mais ou menos. Mais ou menos não quer dizer que eu
não gosto, quer dizer que eu gosto um pouquinho menos,
entendeu?”.
• Desenhou um conjunto de 21 pessoas, em 1o lugar o pai, em
14o lugar a irmã, porque ele a havia esquecido. Desenhou a
si mesmo por último e comentou: “Eu me desenho porque
ninguém nunca me esquece” (sic). Disse ainda que a parte
mais difícil de desenhar foi a perna de seu tio G, porque ele
é muito grande.
• “As pessoas que estão na linha de cima não podem ver as
outras, somente as pessoas que pertencem à mesma família
podem ser ver.”

161
A criança com asma e sua família

• Ele disse que pintou de laranja as pessoas que amava mais, e


de marrom e verde as que ele amava menos. A cor rejeitada
era o preto, “é horrível, ridículo, é a cor que minha mãe gos-
ta” (sic).
• M comentou também que a família estava indo a um res-
taurante que se chamava Panela de Barro. Geralmente era a
mãe que decidia sobre o lugar aonde eles iriam. “Para tudo,
é a mãe que decide” (sic).
• M falou que se tratava de uma família muito harmoniosa,
que “os primos se dão bem, mas que os adultos não mui-
to bem” (sic). Quando perguntado sobre a pessoa que ele
ama mais, primeiro diz que ama todo mundo, depois refere
que é o pai porque ele é paciente, “não me bate, nem me dá
castigo” (sic). A mãe é a pessoa que ele menos aprecia por-
que “ela me belisca e me bate mesmo quando eu não faço
nada de mais” (sic). Comenta que a mãe pune severamente,
batendo-lhe com um cinto e tirando-lhe as coisas das quais
ele mais gosta.

Chama atenção a presença de três pernas em certos desenhos do


sexo masculino. Outro detalhe a assinalar é a escritura de seu nome, ris-
cada por cima e sombreada com lápis preto, representando a figura de
uma cruz ou de um túmulo. M nada comentou sobre esses dados.

c) Entrevista Familiar Estruturada (EFE)


1) Identificação: família formada pelos pais e um casal de filhos, sendo
M o primogênito.
2) Pontuação obtida
Tarefas
Categorias Total Média
1 2 3 4 5 6
Comunicação
1. Incongruente 2 3 5 2,5
2. Confusa 2 2 4 2
3. Com direção inadequada 3 4 7 3,5
4. Com emoção inadequada 2 3 5 2,5

162
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Continuação…
Tarefas
Categorias Total Média
1 2 3 4 5 6
Normas
5. Implícitas 2 4 6 3
6. Incoerentes 2 4 6 3
7. Rígidas 3 2 5 2,5
8. Autocráticas ou permissivas 2 2 4 2
Papéis
9. Indefinidos 2 4 6 3
10. Indiferenciados 2 2 4 2
11. Rígidos 1 2 3 1,5
12. Inadequados 2 4 6 3
Liderança
13. Indiferenciada 2 4 6 3
14. Autocrática 2 2 4 2
15. Permissiva 2 4 6 3
16. Inadequada 3 3 6 3
Conflitos
17. Encobertos 1 1 2 1
18. Desvalorizados 1 2 3 1,5
19. Sem busca de solução 2 2 4 2
20. Sem direção adequada 3 4 7 3,5
Agressividade
21. Encoberta 2 2 4 2
22. Destrutiva 3 2 6 3
23. Inadequada 4 4 8 4
24. Recusada 4 2 6 3
Afeição
25. Encoberta 3 2 6 3
26. Recusada 2 2 4 2
27. Inadequada 4 2 6 3
28. Artificial 4 3 7 3,5
Individuação
29. Sem identidade pessoal 2 1 3 1,5
30. Sem respeito às divergências 3 1 4 2

163
A criança com asma e sua família

Continuação…
Tarefas
Categorias Total Média
1 2 3 4 5 6
31. Desvalorizada 2 1 3 1,5
32. Dificultada 2 1 3 1,5
Integração
33. Sem identidade grupal 2 4 6 3
34. Sem coesão 1 4 5 2,5
35. Com autoestima baixa 2 4 6 3
36. Não gratificante 2 4 6 3

3) Síntese das respostas à EFE


Resumo das tarefas (T) e respostas da família. (P = pai; M = mãe; C
= criança com asma, designado M no estudo de caso; F = filha).
T1 – A família é convidada a planejar uma mudança de residência,
no período de um mês.
Imediatamente P sorri, exclamando que sua mulher “vai morrer
de infarto”. M – “eu sou muito apegada, dá um trabalho imenso (ver-
balizado com muita emoção) colocar tudo no lugar novamente”. C diz
que seu pai vai ficar irritado. Os dois discutem, P. tenta provar que não
se irrita. C busca responder, mas suas frases são entrecortadas, sentido
confuso e, enfim, expressa sua contrariedade com a frase “até parece”
(ironia). É interrompido pela mãe, que volta a discorrer sobre os efeitos
catastróficos da mudança. P diz que adora mudança. F mantém-se de ca-
beça baixa, agarrada à mãe. Todos dizem que ela é tímida. M dirigindo-se
a F: “deixa eu falar prá você (explica-lhe a questão)”. F convida sua mãe
para mudar, ao que esta responde: “estamos tentando mudar de casa”. P:
“adoro mudança, é muito prático, gostoso, divertido, nenhum problema”.
T2 – Cada um é convidado a responder o que faz quando fica di-
fícil terminar uma tarefa.
P e M solicitam que C responda. Após refletir, verbaliza que pede
ajuda para um amigo. P argumenta seriamente para que C mude sua res-
posta e reconheça que é ele (P) que o ajuda sempre. M diz que a resposta
de C “está totalmente fora da verdade”. C gagueja “é, é, ô, ô, ô, quando
a gente não tá, ninguém tá”. M interrompe dizendo que é ao pai que ele
recorre, “sempre foi assim”. C volta a gaguejar, lapsos de linguagem “ô, ô,

164
Dóris Lieth Nunes Peçanha

ahn, ahn, eu tento eu, daí eu peço para alguém tentar, aí que eu peço prá
ele, se ninguém conseguir, eu peço”. P solicita resposta de F, que abaixa
a cabeça e sorri. P: “eu sei o que ela ia dizer”. F aponta para M, “você”. M
refere que P chamaria a ele mesmo. P faz longo discurso confirmando
que ele resolve o problema de todos, “sou a cordinha da descarga, mas eu
gosto de ser ativo”. P retoma o fato de C não referi-lo: “eu estranho muito
a resposta”. M relata que ultimamente C anda ligado a esse amigo. P pare-
ce concordar mediante frase confusa, sem completar o sentido.
T3 – Cada membro é solicitado a dizer o que mais gosta em si
mesmo.
P discursa sobre o quanto se preocupa com as pessoas e “nunca
comigo”. M concorda. Quanto a si, refere sua paciência. C interrompe,
“a paciência dela é do tamanho de uma formiga”. P lhe pergunta: “quem
então é paciente?”. C aponta para ele, P demonstra satisfação. M explica-
-se muito e diz que não se trata da paciência de educar, mas de analisar as
pessoas e tirar conclusões. F baixa a cabeça. P e M falam por ela, dizendo
que ela não tem consciência do que se trata. Novamente, P diz que sabe
a resposta da filha.
T4 – Perguntamos como é um dia de feriado na família.
De imediato, C relata visitas aos avós e primos. Quando os pais são
interrogados sobre como é um feriado para eles, M diz que C resumiu
tudo. Nesse instante, C começa a soluçar, as atenções de P e M convergem
para ele, que é levado para tomar água. A questão é retomada com o ca-
sal, que evidencia dificuldade para falar de atividades próprias. Enfim, M
diz que não conseguem sair sem as crianças, segue-se longo discurso dos
pais sobre a união da família e de quanto gostam de estar todos juntos.
P diz que não gosta de dar trabalho para os outros. M encerra a questão
dizendo: “é principalmente porque a gente gosta de estar todos juntos”.
T5 – Questão dirigida a cada um dos integrantes do grupo: – Su-
pondo que qualquer um de vocês está discutindo com outro membro
da família, alguém bate à porta, e quando aquele se dirige para atender,
recebe um empurrão da pessoa com quem discutia. O que você faria?
P surpreende-se com a situação apresentada “é estranho… um em-
purrão”. C: “entre nós, nunca vai acontecer isso”. P justifica as atitudes de
C, “leva tudo no peito, correria, mas é sem querer. Não é por querer que
você bate na sua irmã, não é filho?”. M interrompe rapidamente: “Não

165
A criança com asma e sua família

é um empurrão maldoso, não, eu os educo para não serem agressivos”.


Gagueja: “Quando ela despenca a bater nele (…), eu não admito isso”. P
atenua o fato, insiste para que C demonstre como faz com a irmã, suge-
rindo um gesto muito leve com a mão. P conclui que “é uma forma de
ele intimidar, mas não acho que isso seja bater”. F, interrogada, diz que
contaria para sua mãe. P fala que é elétrico e reagiria. M menciona sua
passividade, que se espantaria e não faria nada.
T6 – Cada pessoa é solicitada a demonstrar seu afeto por outro
membro da família, a seu critério, e sem palavras.
P explica sua afinidade com o filho e acha que a mesma existe en-
tre sua mulher e a menina. M dirige um olhar de reprovação para P. Este
beija a boca de C e chama-lhe de “companheirão”. M estimula resposta
de F, que a abraça. P discursa sobre seu casamento, harmonia e perfeito
entendimento entre o casal. M beija o rosto do marido que diz: “não en-
costa muito senão vem outro aí”. C abraça o pai, que lhe dá palmadinhas
nas nádegas.

d) Teste das Fábulas (transcrição das respostas de M às fábulas)


F1 – “Agora eu tenho que completar? Já sei. O filhote, já que ele sabe voar
um pouco, ele voava uns minutos, né, voava um pouco, e depois ele… ele
voava até o galho mais próximo, daí ele pousava ali, para os pais ouvirem
e virem buscar ele. (P) Daí, eles vão ter que procurar mais… hum… pa-
lha, para fazer outro ninho, para depois eles poderem dormir, mas então
eles vão pegar uma árvore hum…, assim… O vento não vem de lá? Então
que tenha do lado uma barragem grande do tamanho dela, com uma pa-
rede de ferro que impeça o vento de balançar essa árvore… Ou por uma
árvore que não balança.”
F2 – “Por quê? Ela achou a festa… achou sem graça a festa, então ela foi
sentar num lugar que ela pudesse fazer… podia ahn… que ela pudesse
fazer… podia ahn, ficar sozinha ali, já que não tem nada pra fazer, né? Se
ele tá achando chato, então, eu [grifo nosso] ficaria ali fazendo alguma
coisa, né, querendo encontrar alguma coisa para fazer, fazendo o tempo
todo da festa. (P) Sem graça? Ah, hum… ele não queria bolo, estava en­
joado. Ele não estava, entendeu? E não queria brincar, não queria nada!
Ele queria uma festa só de criança, de brincar, então ele foi passar o dia
todo no quintal. Acabou essa daqui.”

166
Dóris Lieth Nunes Peçanha

F3 – “Ah, ele vai… assim… hum…, ah, ele vai comer capim, capim dos
bosques, porque mesmo ele sabendo comer capim, ele ainda não é adulto
que nem a mãe para comer aquele capim, aquele da fazenda, que pega
barata, essas coisas… Então ele vai para uma montanha, assim, que lá não
tem formiga, essas coisas… Elas não conseguem, se elas fizerem no alto
do morro para descer, elas escorregam tudo, e não dá para voltar, certo?
(P) Ah, se sente… assim, sozinho, sem aquele leitinho gostoso. Assim.”
F4 – “Ah… é Ayrton Senna. Pelo menos isso é uma verdade. (P) Eu sei.
O Ayrton Senna… ainda uma verdade, ainda eu gostei desse verso, então
eu acho que é isso mesmo. É, é uma verdade, ele morreu mesmo. (P) O
Ayrton Senna… Eu não sei o nome da mulher dele, vamos inventar um
nome? Zilda e… ele vai dar um filho tá? Sérgio, certo? (P) Ficou chatea-
da… assim… sem ter aquele carinho que o pai tinha, isso.”
F5 – “Ah… formiga. Uma formiga; aquela que saiu por ali [observação:
não havia formiga]. Pronto; uma formiga. (P) Ah, ela estava descalça,
então a formiga pica, dói muito, né, tem que passar álcool, dói, né?… e é
pior do que injeção, muito pior. Às vezes, chega até a inflamar o pé; pode
estourar uma veia, se a veia tiver perto; isso. (P) Se sente… ah… tem que
correr rápido para procurar o chinelo, procura o sapato, só isso. Ela tem
que… fica muito assustada, então ela sai correndo.”
F6 – “Ele cresceu muito, ele estava achando muito diferente. (P) As-
sim, normal, mas muda que ele ficou assustado… de um dia para o
outro, ele foi… do tamanho de, entendeu? É, dois dias de viagem e
pronto. (P) Ele cuida desse elefante, ele continua gostando do mesmo
jeito que ele gostava quando ele era pequenininho. Ah, mas tem uma
coisa: o elefante não pode ter crescido muito porque tem uns elefantes
que eles não crescem mais do que isso aqui, olha! Esse elefantinho aqui
é da mesma cara que eu conheço… Só.”
F7 – “Pega os materiais e faz outro, igual, do mesmo jeito e dá para a mãe.
(P) Ah, normal, é mesma coisa, é o mesmo. O que muda? Nada. Ele só fez
outro, prá ele não ter que dar esse e fazer outro para ele. (P) Porque esse é
o primeiro. O primeiro fica para ele, o segundo para a mãe.”
F8 – “Porque ele… assim… a mãe esqueceu de avisar ele, o filho também
não avisou, não deixaram bilhete, nada. Então ele ficou bravo, né, que
às vezes ele queria fazer algum compromisso que precisava deles, então

167
A criança com asma e sua família

ficou bravo. Tá bravo, isso. (P) Ah… termina assim: ele fica longe do pai,
o pai vai para um lugar e ele vai para outro.”
F9 – “Daqui um mês será seu aniversário, nós precisamos comprar as coi-
sas antes que o seu aniversário chegue. Precisamos comprar hoje senão
não vai dar tempo, amanhã a mamãe está cheia de compromisso. (P) Óti-
mo, pelo menos ela pode passear um pouquinho voltando da escola.”
F10 – “Ah, que ela tinha virado um cascão, e ela estava no país das tornei-
ras, então ela ficava correndo daqui para lá, porque é o país das torneiras,
só tem água. Ele tinha que correr das torneiras porque o cascão não gosta
de água. Ela sonhou por um período muito grande. Então ela acordou es-
pantada. (P) Viu que ele virou cascão, essas coisas. Ele se sentiu assim…
tem que viver num mundo onde ela tem que ficar correndo para não cair
água nela.”

d) Síntese do caso
Trata-se de uma família que procurou dar a ideia de que tudo esta-
va bem, havendo vigilância e pressão para que todos confirmassem essa
harmonia. As discordâncias de M eram feitas com dificuldade (gaguei-
ra, confundia os pronomes – ele e nós em vez de eu, não completava o
sentido das frases). Sua tentativa de investir afeto numa relação externa
à família (amigo) não era aceita, sobretudo pelo pai, que forçava a ma-
nutenção de um vínculo simbiótico com o mesmo. A irmã mostrava-
-se tímida e sempre que solicitada protegia-se, procurando esconder-se
atrás da mãe. Os demais falavam por ela e o pai mostrava-se onisciente
de seu pensamento. Mesmo assim, ela expressava alguma coisa de for-
ma quase monossilábica. Era a única do grupo a aceitar a hipótese de
uma mudança (EFE) sem a mobilização excessiva de defesas manifesta-
das pelos demais. A tarefa relacionada à agressividade, seguida da tarefa
sobre a mudança (EFE), foi a que mais mobilizou a família. As reações
agressivas eram ativamente negadas por pai, mãe e filho. Entretanto, esse
sentimento forçava sua expressão pela referência (quase involuntária)
às brigas entre as crianças. Novas defesas eram mobilizadas (as brigas
minimizadas, justificadas), sobretudo a racionalização, mas acabavam se
mostrando pouco eficientes. O vínculo entre o casal aparecia fragilizado,
mediado em especial pela presença do filho. A asma deste parecia servir
à manutenção do equilíbrio da família. Por exemplo, os pais evitavam fa-

168
Dóris Lieth Nunes Peçanha

lar de seu inter-relacionamento, e quando a entrevistadora insistiu sobre


isso M começou a ter soluços, e a atenção dos pais voltou-se para ele. Ou
seja, quando havia um excesso de excitações, a atenção dos pais dirigia-se
para a asma de M, neutralizando conflitos que forçavam sua emergência.
Compreendemos que a fragilidade do vínculo entre os pais, com
coalizões entre pai e filho, mãe e filha, a pressão para manter a família
fechada em si mesma, a dificuldade para lidar com conflitos, para aceitar
sentimentos agressivos e para aceitar a expressão própria de cada criança
dificultava o processo de individuação de seus membros e, no caso de M,
o desenvolvimento de sua identidade masculina. Esses dados foram con-
firmados por todas as técnicas utilizadas. A asma, nesse contexto, parecia
servir à manutenção da coesão familiar, e para M funcionava como uma
defesa eficiente face à ansiedade mobilizada, sobretudo em situações de
separações reais ou fantasiadas (a primeira crise coincidiu com a mudan-
ça do quarto dos pais, embora eles não tenham percebido tal relação). A
percepção que M demonstrou de sua família (em fila), no DCF, indicou
a pouca diferenciação de seus membros, com rejeições afetivas que ten-
diam a ser negadas ou racionalizadas. Seu nome estava associado à cruz,
talvez ao sofrimento. As trocas ocorriam em torno da oralidade (a família
indo ao restaurante; crianças superalimentadas). No TF, M confirmou
suas dificuldades, detectadas na entrevista com os pais, para vivenciar
novas etapas do desenvolvimento: desmame, chegada da irmã (fábula
3 – “se sente assim, sozinho, sem aquele leitinho gostoso”), mudanças
(fábula 6 – assusta-se com as mudanças do elefante, “mas ele não poderá
crescer muito”), socialização (fábula 7 – narcisista – não conseguiu dar o
objeto para a mãe). Tendia a estabelecer relações duais, com dificuldade
de triangulação (fábula 2 – frente à união dos pais “adoece, fica chateado,
sem fazer nada”). Assim, o sistema conjugal tendia a ser negado ou viven-
ciado de forma persecutória (fábula 8) como elemento que o afastava do
pai – figura de apego. Contudo, M esforçava-se para se autoafirmar, suas
respostas eram em geral ativas e o fortalecimento de seu eu parecia estar
associado à diminuição das crises. Para tanto, contava com a utilização de
muitas defesas, sobretudo a projeção e a racionalização. Houve indícios
de grande ansiedade (choques e autorreferência no TF), e a utilização de
defesas somáticas ficou bem expressa nesse teste.

169
A criança com asma e sua família

Em síntese, os psicodinamismos interacionais entre essa criança


com asma e sua família foram: negação da agressividade e de conflitos;
estabelecimento de relações duais, especificamente, de coalizões entre
figura paternal e filial; ansiedade frente às mudanças; e entraves à dife-
renciação dos membros, com prejuízos particulares no processo de indi-
viduação de todos os seus membros.

4.7 Síntese dos resultados gerais

Os resultados obtidos nos diferentes instrumentos de pesquisa e


enfoques metodológicos, análise estatística e clínica apoiaram-se mutua-
mente no sentido de confirmar a presença de maior número de distúrbios
no grupo experimental. Em relação a essas crianças, eles foram concernen-
tes à área do comportamento, particularmente indicadores de ansiedade,
de problemas de alimentação e de relacionamento. Notamos ainda que
as referidas crianças apresentaram sua primeira crise de asma associada a
algum tipo de mudança em suas vidas, especialmente entrada na creche
ou chegada de um irmão. Muitos desses dados, provenientes da entrevista
com os pais, foram confirmados pelo Teste das Fábulas. Neste, essas crian-
ças apresentaram dificuldades para lidar positivamente com situações de
mudança, indicadores de ansiedade e de somatização. No que tange aos
relacionamentos, predominou a dificuldade para interagir em situações
triádicas. Analisando as transações existentes na família, vimos que essas
disfunções manifestadas pelas crianças encontravam suporte no contexto
psicoeducativo, caracterizado pela dificuldade de colocar limites e organi-
zar a rotina infantil, bem como na fragilidade do subsistema conjugal, que
adotava mecanismos defensivos de desviação de conflitos e de coalização
com a criança portadora de asma. Entendemos que se tratava de transações
recíprocas, pois apesar de o contexto oferecer entraves ao desenvolvimen-
to e à individuação das crianças com asma, estas não desejavam, em sua
maioria, introduzir mudanças em seu ambiente familiar, como atestou ex-
plicitamente o DCF, apoiado pelos relatos dos pais e, ainda, pela dificuldade
dessas crianças em trabalhar com mudanças no Teste das Fábulas.
No concernente às inter-relações familiares, a análise estatística
dos resultados provenientes da EFE confirmou as diferenças marcantes

170
Dóris Lieth Nunes Peçanha

entre os dois grupos já visualizadas pelo DCF. Essa diferenciação diz


respeito a todas as variáveis estudadas, porém ambos testes apontaram
a questão da individuação como um fator relevante na discriminação
entre os grupos. Relacionando este dado, proveniente da família, com
aqueles provenientes da criança, temos, mais uma vez, a confirmação do
achado em termos transacionais, ou seja, as crianças com asma eviden-
ciaram dificuldade para autoafirmação frente às demandas da realidade,
fato atestado pelo Teste das Fábulas, preferindo, em situações conflitivas,
a negação do estímulo ou retornar a agressão ao próprio eu, mediante
indicadores de somatização. Nas entrevistas com os pais, encontramos
referência de que as crianças tendiam a resistir às alterações de conduta
que implicavam a diferenciação dos sistemas filial e conjugal, por exem-
plo, continuando a dormir com os pais. Entretanto, apesar de suas di-
ficuldades para se diferenciarem e construírem seu próprio eu, houve
indicadores (fábula 1) de que elas eram tão capazes de se mostrarem in-
dependentes quanto as crianças sem asma.

171
5. Discussão e sugestões

A discussão dos resultados, seguindo as linhas de raciocínio


expostas na revisão teórica, partiu dos dados provenientes da criança
para, gradativamente, apresentar aqueles relativos ao contexto fami-
liar, confrontando-os com referências sobre o assunto disponíveis na
literatura. Adotamos esse método expositivo para facilitar a posterior
apreensão da reciprocidade dos dinamismos transacionais presentes
entre as crianças e suas famílias, interpretados com base nas teorias
psicossomática e sistêmica.
Os resultados expostos confirmaram os achados divulgados pelos
estudos epidemiológicos, no sentido de que as crises de asma tendem
a diminuir com o aumento da idade da criança e que a variável sexo
tem pouca influência nas características dos sintomas, embora a referida
enfermidade venha predominando no sexo masculino. Contudo, estu-
dos sobre fatores que possam contribuir para a manutenção das crises
em escolares, ainda que elas tendam a ser menos frequentes e intensas
comparativamente àquelas apresentadas no período pré-escolar, são
raros e, em geral, seguem um enfoque unidirecional do problema. A
contribuição deste trabalho residiu no estudo aprofundado dos fatores
psíquicos na gênese e na manutenção da asma entre escolares, dentro de
um modelo transacional de reciprocidade de desenvolvimento entre a
criança e a família.
Entre os aspectos psíquicos mencionados na literatura, salientamos
a vulnerabilidade da criança com asma para apresentar problemas nas áre-
as do comportamento social e emocional, que foram destacados na apre-
sentação dos dados deste estudo relativamente ao grupo experimental.
A criança com asma e sua família

Estes também confirmaram achados de Eiser,301 no sentido de que crian-


ças com asma, de menos idade, tendem a apresentar problemas na área
escolar, entretanto, ao atingirem uma idade maior, tendem a problemas na
área social. Em nossa pesquisa, o estudo do desenvolvimento dessas crian-
ças indicou, inicialmente, problemas de adaptação à creche ou à escola
e, posteriormente, entre 7 e 8 anos, problemas de relacionamento social
(100% grupo experimental x 60% grupo controle). Salientamos ainda o
predomínio de ansiedade entre as crianças com asma (100% x 30% grupo
controle), apoiando muitos relatos de estudos.
A inexistência de diferenças entre as crianças, nos dois grupos, no
que diz respeito às características de independência, e a presença de in-
dicadores de somatização apenas entre as crianças com asma sugeriram
a debilidade das tipologizações de personalidade apresentadas por Ale-
xander.302 Assim, no Teste das Fábulas, a primeira proposta que, entre as
demais estórias, faz apelo a uma maior regressão diante de uma situação
conflitiva sugestiva de abandono303 assinalou a utilização do corpo pelas
crianças com asma como forma de expressão e de defesa contra a ansie-
dade, embora essas crianças, em tais situações, também fossem capazes
de ação independente.
A diferenciação entre os indivíduos, que efetivamente permitiu
compreendê-los, ocorreu em níveis mais profundos, tais como o tipo de
defesa mobilizada em situações de conflito. Embora toda pessoa, em um
momento ou outro, possa recorrer à somatização, as crianças com asma
tendiam a utilizar o corpo como estratégia defensiva frente à ansiedade,
mais frequentemente do que aquelas sem problemas de saúde.
De acordo com a teoria psicossomática, a defesa por meio do cor-
po está associada a deficiências, passageiras ou não, do processo de sim-
bolização, ou seja, da capacidade de utilizar defesas do tipo psíquico. A
baixa frequência de apego ao pai, no grupo experimental, pareceu cor-
roborar a utilização desse tipo de defesa. Explicando, a boa capacidade
de mentalização associa-se à constituição positiva e oportuna de relações
triangulares cuja presença da figura paterna desempenha um papel im-

301 Eiser (1990).


302 Alexander ([1952] 1989)
303 Cunha e Nunes (1993).

174
Dóris Lieth Nunes Peçanha

portante como elemento capaz de efetuar a separação entre mãe e filho,


possibilitando a este a experiência da ausência materna, da presença de
outra pessoa e, por conseguinte, do desenvolvimento da simbolização
e da individualização. Houve fortes indicadores da não constituição de
boas relações triangulares no conjunto das respostas dadas pelos sujeitos
com asma no Teste das Fábulas.
Afora os problemas apresentados pelas crianças, e sem entrar no
mérito da questão causal, existem muitas evidências de que a cronicidade
de uma doença na família afeta todo o seu sistema funcional. Neste senti-
do, encontramos disfunções importantes no subsistema fraternal que, em
geral, não vêm recebendo a devida atenção dos especialistas,304 as quais
se caracterizaram por ciúmes e brigas intensas, corroborando os achados
de Eiser.305 Em outros casos, a rivalidade e a ambivalência da criança com
asma em relação ao irmão era encoberta por atitudes de superproteção e
cuidados excessivos em relação a este. Além disso, a timidez esteve mui-
to presente entre os irmãos da criança com enfermidade crônica, que
tendiam a assumir uma posição periférica na estrutura familiar, pois fi-
cavam fora das coalizões entre um dos pais e o filho com enfermidade.306
Contrariamente, a cooperação e o afeto positivo predominaram entre os
irmãos pertencentes ao grupo sem problemas de saúde, bem como se
constatou maior equilíbrio na circulação dos afetos entre os membros
da família. Estes não apresentavam preferências nem coalizões entre si.
Consideramos relevantes as dificuldades dos pais, no grupo expe-
rimental, para vivenciar a relação conjugal, ou seja, eles não encontravam
tempo para si mesmos e, mais do que isso, faziam com que a criança
funcionasse de forma “triangulada”307 aos mesmos. Explicando, ela era
introduzida na relação entre o casal, frequentemente dormia entre os dois
ou funcionava como par de um dos pais, afastando o outro e os demais
irmãos dessa transação dual. Temos aí a coalizão, anteriormente referida,
e que vem sendo apontada pelos autores como um elemento importante

304 Minuchin e Nichols (1995).


305 Eiser (1990).
306 Bowen (1984), Onnis (1989).
307 Bowen (1984).

175
A criança com asma e sua família

nas famílias com um membro portador de doença psicossomática.308 A


referida disfuncionalidade está representada, graficamente (Figura 3), na
figura da esquerda, e o sistema familiar saudável à direita. Este último evi-
dencia a presença dos dois subsistemas – conjugal e filial; a comunicação
flui entre pai, mãe e filhos, sendo que nenhuma criança fôra deslocada
para atender às necessidades do casal paternal.

MÃE PAI MÃE


PAI

CRIANÇA

FRATERIA

Figura 3 Representação dos sistemas familiares dos grupos experimental e con-


trole.

Entendemos que as demais disfunções presentes nas famílias com


uma criança asmática se associavam ao tipo de estrutura e dinâmica fa-
miliar desse grupo, tais como normas permissivas, que possibilitavam à
criança invadir o espaço do casal; liderança inadequada, em geral, cen-
tralizada na mãe, mas havendo casos em que a criança ditava autorita-
riamente as normas que lhe convinham; e indiferenciação entre papéis
de pais e filhos, que passavam a funcionar de forma emaranhada,309 com
graves prejuízos na individuação de seus membros. Como consequência,
a integração do grupo familiar tendia a ser não gratificante, com queixas
dos membros excluídos, incrementando a baixa autoestima dos mesmos.

308 Minuchin e Fishman (1990), Minuchin e Nichols (1995), Onnis (1989), Onnis et al. (1994),
Seywert (1990).
309 Minuchin e Fishman (1990), Molinari, Taverna, Gasca e Constantino (1994).

176
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Além de os pais não assumirem seu papel no subsistema conjugal,


observamos que a asma da criança funcionava como elemento importan-
te para desviar a atenção deles de seus próprios conflitos, dirigindo-a para
a doença do filho (“mecanismo de desviação”310). A evitação de conflitos
vem sendo destacada na literatura sobre essas famílias,311 sendo que o
presente trabalho apoiou esse dado, bem como o referente à agressivida-
de que permanecia, geralmente, encoberta ou ativamente recusada.
Embora o processo de comunicação tenha sido avaliado mediante
uma categoria específica na EFE, observamos que ele perpassava todos
os fatores estudados. A importância assumida pelo estilo comunicacio-
nal corrobora outros estudos desta autora.312 Na pesquisa em questão,
constatamos que as famílias das crianças com asma tendiam a utilizar
mensagens com direção inadequada, visando encobrir conflitos, ou eram
portadoras de grande emocionalidade, despertada, em especial, pelas
manifestações individuais que não se conformavam ao mito de unida-
de e harmonia familiar que essas famílias se empenhavam em ostentar.
No mesmo sentido de oferecer uma imagem coesa da família, a comu-
nicação era utilizada de forma invasiva, expressando um conhecimento
onisciente dos pensamentos e sentimentos do outro, achados estes que
apoiam os estudos de Minuchin e Fishman, Onnis e Onnis et al.313
Por meio da comunicação, que visava, sobretudo, encobrir conflitos
e agressividade, observamos transações repressivas da individualidade da
criança com asma. Esta, por sua vez, tendia a se conformar ao papel que
lhe era dado pelos pais e, assim, desenvolvia, reciprocamente, mecanismos
de defesa repressivos em relação aos próprios sentimentos e pensamentos.
O papel da repressão em pacientes somatizadores, contrariamente ao re-
calque típico do funcionamento mental dito neurótico, vem sendo estu-
dado pelos autores da Escola de Paris, confirmando a importância desse
achado. Esse estilo repressivo foi detectado nas entrevistas (o afeto pouco
expresso somente apareceu nas crianças com asma, em 40% delas) e, so-
bretudo, nas questões dirigidas a elas quando realizavam o DCF. Contudo,
a percepção acerca da família e de si mesmas revelava-se nos testes, talvez

310 Onnis (1989).


311 Minuchin e Fishman (1990), Onnis (1989), Onnis et al. (1994).
312 Peçanha (1997).
313 Minuchin e Fishman (1990), Onnis (1989), Onnis et al. (1994).

177
A criança com asma e sua família

porque os efeitos da repressão foram considerados, seguindo as indica-


ções de Fritz, Spirito e Yeung,314 concernentes aos estudos clínicos com
essa população.
Ainda em relação à dinâmica familiar, salientamos a dificuldade
apresentada por várias famílias do grupo experimental para responder
a primeira tarefa da EFE, relativa ao planejamento de uma mudança de
residência. Essa atividade despertava grande ansiedade, chegando a pa-
ralisar a capacidade operativa de vários membros do grupo. O referido
fato, conjugado a certos problemas de interação com o ambiente externo,
sugeriu a rigidez desses sistemas, detalhada por Minuchin e Fishman315 e
apoiada por estudos posteriores relativos às famílias que possuíam uma
criança com asma.316
De forma recíproca, dificuldades com situações novas ficaram evi-
dentes por meio da história de vida das crianças com asma e de suas res-
postas ao Teste das Fábulas. A ansiedade frente à mudança, quer ocorres-
se na estrutura familiar, quer no contexto (entrada na creche ou escola),
associava-se ao desencadeamento da primeira crise de asma (80% dos
casos, segundo o estudo clínico), em conformidade com achados anterio-
res desta autora.317 Esse fato remete às sequelas no processo de separação-
-individuação dessas crianças,318 havendo, mais uma vez, relações recí-
procas entre suas resistências para enfrentar o novo e as características de
superproteção do contexto familiar, que não ofereciam limites adequa-
dos nem incentivavam o desenvolvimento da criança como ser separado,
com possibilidades de contato enriquecedor com o ambiente externo.
A hipersensibilidade das crianças com asma às situações confli-
tivas, como aquelas despertadas por uma mudança em suas vidas, cor-
roborou os achados de Szwec.319 Porém, salientamos aqui sua relação
recíproca com a evitação de conflitos no ambiente familiar. A tendên-
cia dessas crianças, segundo aquele autor, era confundir-se com objetos
ou pessoas, mantendo um relacionamento simbiótico com os mesmos.

314 Fritz, Spirito e Yeung (1994).


315 Minuchin e Fishman (1990).
316 Gustafsson, Kjellman e Bjorksten (2002), Onnis (1989), Onnis et al. (1994).
317 Peçanha e Piccinini (1994), Rockenbach-Peçanha (1993).
318 Onnis et al. (1994), Peçanha e Piccinini (1994).
319 Szwec (1993, 1998).

178
Dóris Lieth Nunes Peçanha

No contexto desta pesquisa, o papel periférico desempenhado pelo


pai no sistema familiar, em especial quanto ao exercício da liderança
e das relações afetivamente frágeis estabelecidas com seus filhos, deu
sustentação a esses achados. Similarmente ao trabalho de Bovensiepen,
Oesterreich, Wilhem e Arndt,320 vários pais no grupo experimental de-
sempenharam um papel muito maternal, evitavam conflitos e forçavam
a harmonia, dificultando a percepção de diferenças e o convívio com o
“novo” por parte da criança. Ou seja, o papel paterno surgia como um
duplo das funções maternas, reforçando o aspecto simbiótico dessa re-
lação.321 Um sistema assim constituído encontrou sua reciprocidade no
desenvolvimento das crianças com asma que apresentaram dificuldades
para vivenciar situações triangulares,322 sugerindo, em termos psicodi-
nâmicos, níveis de funcionamento egoico aquém daqueles apresentados
pelas crianças do grupo controle.
Depois da análise dos resultados em temos de grupo, salientamos
que os estudos de caso clínico forneceram a dimensão profunda e singu-
lar de cada criança e de sua família. O detalhamento dinâmico dos casos
emparelhados impede qualquer generalização quanto ao impacto de si-
tuações estressantes na vida das crianças e de suas famílias, bem como
impossibilita assertivas quanto à estrutura de personalidade dos indiví-
duos com asma, indo ao encontro de postulados significativos da teoria
psicossomática.323 O que estava em jogo, principalmente, era a capacidade
das crianças e de suas famílias para lidar positivamente com situações
conflitivas ou traumáticas, o que implicava na aceitação da manifestação
da individualidade de cada um no reconhecimento de seus sentimentos
e na ajuda para pensá-las. Lembrando Debray,324 o que importa é que os
pais possibilitem aos seus filhos um espaço para pensar, fato claramente
indicado pela fala das crianças sem asma.
A dificuldade para expressar fenômenos que ocorrem de forma
sistêmica foi assinalada por Seywert,325 sobretudo porque uma mudança

320 Bovensiepen, Oesterreich, Wilhem e Arndt (1980).


321 Peçanha (1996)
322 Peçanha e Pérez-Ramos (1997).
323 Debray (1996).
324 Id. ibid.
325 Seywert (1990).

179
A criança com asma e sua família

paradigmática demanda um tempo de consolidação, e é no decorrer des-


se processo que a linguagem aperfeiçoa a realidade a que se refere. Ini-
ciamos discorrendo sobre as dificuldades das crianças com asma, passa-
mos aos aspectos relativos ao seu contexto familiar e depois mostramos,
pela discussão de algumas de suas características, a inter-relação desses
dois elementos estudados. Entretanto, importa deixar claro que criança
e família são dois polos de um mesmo processo que ocorre de forma
dinâmica e interatuante, não havendo lugar, num estudo transacional e
sistêmico, para termos como culpados e vítimas, ou doença mental dos
indivíduos ou da família. Buscamos a compreensão das transações recí-
procas existentes entre cada criança e seu grupo familiar. Nesse ato de
escuta dos diferentes sujeitos, observamos o papel ativo desempenha-
do tanto pelas crianças como por suas famílias. Contudo, no grupo com
uma criança asmática, as transações desenvolviam-se em círculos (utili-
zando uma metáfora espacial) que tendiam a se perpetuar rigidamente,
enquanto nas famílias sem problemas de saúde entre seus membros a
imagem que temos é a de uma espiral. Nestas havia um “feedback” evo-
lutivo, envolvendo o equilíbrio entre conservação e mudança, fazendo
com que os círculos se abrissem, formando desenhos espiralados. Enfim,
nas últimas, a dimensão temporal ocorria com maior funcionalidade, ou
seja, a história familiar incorporava o passado ao presente, projetando
o futuro de forma criativa em busca do bem-estar entre seus membros.
Julgamos que a abordagem integrada dos casos pela teoria psicos-
somática e pelo enfoque sistêmico atendeu às necessidades atuais de uma
pesquisa que considere a importância dos aspectos individuais e intera-
cionais presentes no estudo da criança com asma e de sua família. Neste
sentido, Nichols,326 em obra que critica os excessos do enfoque sistêmico,
sob o título sugestivo de “Encontrando a família e perdendo o self ”, pro-
pôs uma visão mais unificada da família, aquela que incorpore as forças
provenientes do indivíduo, bem como as interacionais. Para responder a
esse problema de subestimação da importância da pessoa, que vem ca-
racterizando muitos dos trabalhos na área, o autor sugeriu a retomada
da teoria psicodinâmica. Entendemos que entre os enfoques psicodinâ-
micos, a teoria psicossomática revelou suas vantagens por integrar uma

326 Nichols (1992).

180
Dóris Lieth Nunes Peçanha

compreensão do ser humano, considerado em suas dimensões corporal,


psíquica e em relação ativa com seu ambiente.
A análise da literatura sobre o tema, bem como os resultados da
pesquisa de campo, evidenciou a reciprocidade de desenvolvimento en-
tre a criança com asma e sua família. Atingimos, assim, o objetivo geral
da investigação, sendo que os demais objetivos estão diretamente relacio-
nados com as conclusões obtidas, elencadas a seguir.

1. Verificamos que o processo evolutivo das crianças com asma


apresentava prejuízos quando comparado com aquele apre-
sentado pelas crianças sem problema de saúde. Essas defi-
ciências referiram-se, sobretudo, à maior imaturidade das
crianças do grupo experimental, que apresentavam distúr-
bios na área do comportamento, com características mais
regressivas e predomínio de indicadores de ansiedade. Tais
características do processo evolutivo dessas crianças encon-
travam-se relacionadas com as da estrutura e dinâmica de
seu núcleo familiar. Explicando, a estrutura dessas famílias
tendia a apresentar coalizões entre seus membros, dificul-
tando a aquisição de uma identidade própria a cada criança.
Nesse contexto estrutural, a ansiedade dos pais ficava evi-
dente, expressando-se por condutas superprotetoras, ocasio-
nalmente de rejeição, e que não ofereciam limites adequados
ao desenvolvimento de seus filhos.
2. Os padrões básicos na estrutura das famílias que possuíam
uma criança com asma inclinavam-se a ser duais, encon-
trando reciprocidade na estrutura egoica das crianças que
apresentavam dificuldade para interagir em situações triá-
dicas. As implicações funcionais dessa estrutura foram ex-
plicitadas por meio da dinâmica transacional entre família
e criança com asma, caracterizada reciprocamente pela evi-
tação de conflito, dificuldade para lidar positivamente com
sentimentos ou atitudes agressivas, sentidos muitas vezes
como ameaça à união e estabilidade familiar.
3. Observamos que os psicodinamismos transacionais das
crianças com asma com seu contexto familiar tendiam a

181
A criança com asma e sua família

perpetuar os padrões apresentados anteriormente, refor-


çando as atitudes de superproteção paterna e de fragilidade
de limites entre os subsistemas conjugal e filial, com refle-
xos importantes na vida dos irmãos, que viviam um senti-
mento de exclusão. Assim, se estabeleciam na frateria inter-
-relações de rivalidade e brigas, ou, então, a competição era
ocultada pela criança com asma por uma atitude de zelo
excessivo em relação aos irmãos.
4. Constatamos ainda a interdependência do quadro asmá-
tico com o processo de desenvolvimento da criança e com
as características de seu contexto familiar. A primeira
crise de asma associou-se, na maioria dos casos, à difi-
culdade da criança para enfrentar a ansiedade e o con-
flito decorrentes de uma nova situação que colocava em
jogo sua capacidade de vivenciar situações triádicas, por
exemplo, a entrada na creche ou o nascimento de um ir-
mão. Assim, a doença emergia como um sistema de defesa
do equilíbrio psicossomático da criança. A manutenção
da enfermidade mostrava-se interdependente do contex-
to familiar, que igualmente evitava mudanças por senti-
-las como ameaçadoras ao equilíbrio do sistema familiar.
Além disso, a asma tinha uma função importante de evi-
tação de conflitos, em especial entre os cônjuges, que, nos
momentos de tensão, dirigiam toda atenção para a enfer-
midade da criança.
5. Deduzimos que o delineamento metodológico de estudos de
casos emparelhados, tanto para a coleta como para o exame
dos resultados, comprova sua eficácia em pesquisa clínica
que se utiliza de um número limitado de sujeitos, pois permi-
te um maior controle das variáveis concernentes aos próprios
indivíduos e maior precisão nas conclusões pertinentes.
6. Ressaltamos que os resultados obtidos mostraram diferen-
ças significativas no confronto entre os grupos por meio das
diferentes técnicas, sendo que as crianças do grupo expe-
rimental apresentavam asma leve no momento do estudo,
quando a referida diferenciação vem ocorrendo, geralmen-

182
Dóris Lieth Nunes Peçanha

te, em pesquisas que incluem crianças portadoras de asma


grave. Além disso, os dados deste trabalho provêm de um
estudo com indivíduos numa estreita faixa etária e com
controle de variáveis relativas ao tema investigado, o que
reforça a validade dos achados.
7. Concluímos que a pesquisa em questão contribui para preen-
cher importantes lacunas nas investigações científicas sobre o
tema. São elas: a) os trabalhos disponíveis geralmente focali-
zam a criança com asma e sua família em abordagem unidi-
recional, quando as teorias mais recentes e a prática clínica
indicam a reciprocidade entre esses dois aspectos; e b) as re-
feridas investigações examinam grupos de crianças com ida-
de muito variada, em geral dos 8 aos 15 anos, o que implica
na presença de variáveis intervenientes relativas às diferentes
fases evolutivas. Ambos os aspectos foram considerados para
a derivação das inferências científicas deste estudo.

Expostas as conclusões, consideramos que os objetivos formula-


dos quanto ao estudo dos sujeitos deste trabalho – tendo por método o
estudo de caso clínico e como fundamentação as teorias psicossomática
e sistêmica – foram atingidos, havendo possibilidade de transferir ideias,
conceitos e procedimentos para a elaboração de novas pesquisas no cam-
po. Além disso, o desenvolvimento desta pesquisa possibilita a formula-
ção das seguintes recomendações:

• Prosseguir trabalhos neste campo de estudo, testando o méto-


do e a aplicabilidade dos instrumentos utilizados, bem como
de sua fundamentação teórica em outros grupos de crianças
com asma e de crianças com outras doenças crônicas.
• Desenvolver estudos longitudinais, visando maior com-
preensão dos mecanismos psicológicos atuantes na manu-
tenção da asma.
• Elaborar estratégias de intervenção no contexto familiar
com base nos resultados apresentados. Ou seja, com foco
na diferenciação dos subsistemas conjugal, paternal e filial,

183
A criança com asma e sua família

objetivando, em especial, o fortalecimento do primeiro no


sistema familiar.
• Oferecer aos pais programas educativos que proporcionem
maior compreensão dos psicodinamismos presentes no de-
senvolvimento infantil e no contexto familiar. Com base
nos achados desta pesquisa, recomendamos enfatizar as
diferentes maneiras de cada criança enfrentar tarefas e con-
flitos evolutivos e a interdependência da sua conduta com
as características da estrutura e da dinâmica de sua família,
particularmente o grau de individuação possibilitado pelo
sistema familiar.

184
6. Novos inícios integrativos

Sob esse título, fica um convite para continuar o debate por cami-
nhos ainda inexplorados relativamente às teorias que fundamentam esta
obra. Na busca da compreensão do ser humano, não existem conclusões
definitivas, mas uma abertura para pensar a complexidade e desenvolver
uma “ciência com consciência”.327
Do ponto de vista das teorias que fundamentam esta obra, psicos-
somática e sistêmica, suas contribuições são consideráveis e requerem
ainda muito estudo. A Escola iniciada por P. Marty (psicossomática) con-
tinua em desenvolvimento. A iniciativa do colega A. Blanquer328 consti-
tui uma busca para compreender a “sensibilidade daquele autor relativa-
mente ao evolucionismo, um dos dois pilares da ‘revolução’ psicossomá-
tica, sendo o segundo a psicanálise”. Salientamos que as possibilidades
de diálogo epistemológico entre psicossomática e sistêmica constituem
todo um trabalho a ser realizado. De nossa parte, apresentamos uma pes-
quisa clínica que integra tais abordagens, mas a dialética epistemológica
entre essas perspectivas que incluem a evolução em seus pressupostos
resta como possibilidade investigativa a ser aprofundada.
Acreditamos que a inter e a transdisciplinaridade constituirão a
marca do conhecimento deste século, ultrapassando definitivamente o pa-
radigma cartesiano. Dessa forma, haverá lugar para um maior diálogo en-
tre evolucionismo e psicossomática e entre esta e a perspectiva sistêmica.

327 Morin (2005).


328 Blanquer (2014).
A criança com asma e sua família

Bateson estudou o papel da mudança somática na evolução e Maturana


apresentou uma nova concepção do evolucionismo.
Interessante que os pais das teorias em questão, Marty e Bate-
son, foram grandes observadores de animais, e que Bateson abandonou
Palo Alto (que seguia o rumo da intervenção com famílias), retornando
à Europa, no final da carreira, para se dedicar ao estudo dos golfinhos.
Provavelmente, nessa sensibilidade relativamente aos animais, repousava
a base empática para compreender humanos e sistemas. Ambos aceita-
ram de forma categórica a união entre corpo e espírito. Marty estudou
os processos evolutivos, biológicos e mentais no interior do organismo
humano, e Bateson os estendeu até chegar a uma “tautologia ecológica”,
indo da antropologia à psiquiatria, passando pela zoologia e as ciências
da comunicação.
No caminho da conjugação de múltiplos saberes, Bateson utilizou,
ao longo de suas pesquisas, a observação e a experimentação etológicas
em espaços até então considerados pela ciência como marginais: o jogo
animal, a criatividade cultural, o humor, a loucura. Bateson consolidou
a ciência da forma e da relação em contraposição aos anteriores para-
digmas da ciência da matéria e da substância. Assim, a teoria sistêmica
inclui a reflexão analógica, a abordagem de sistemas abertos, em que as
inter-relações, para a maioria de seus autores, prevalecem sobre os ele-
mentos constitutivos. Já a psicanálise acentua o conteúdo (transferência)
na lógica do inconsciente, e, certamente, grande parte de seus integrantes
achará impossível integrar essas abordagens ou derivadas daquela como
a psicossomática desenvolvida por Marty e colegas. Será? É certo que há
diferenças conceptuais de base entre as abordagens psicanalítica e sis-
têmica. Por exemplo, Bateson criticou o princípio “econômico” da psi-
canálise com base no segundo princípio da termodinâmica, a entropia,
opondo ao determinismo freudiano a noção de “criatividade”, mas sabe-
mos que teorias são sistemas em evolução e adaptação crescente, e assim
surgiu a Psicossomática, que também questiona os princípios freudianos
ao tratar de pacientes (somatizantes) não incluídos nas grandes classi-
ficações mentais tradicionais (neurose e psicose). Dessa forma, muitos
psicossomaticistas renunciaram ao conteúdo, a interpretação do senti-
do, para se concentrar no nível econômico e aí também discordaram de

186
Dóris Lieth Nunes Peçanha

Freud ao formular o “princípio da equivalência energética”.329 O primeiro


autor, ao falar de uma “cadeia analógica” que expressa as múltiplas ativi-
dades relacionais do sujeito, destacou que a integração da energia se dis-
sipa progressivamente em muitos desses pacientes. Assim, por exemplo,
um transtorno muscular ou visceral pode substituir a relação com uma
pessoa significativa do ambiente.330 Encontramos aqui as mesmas pala-
vras de Bateson, “analogia”, “perda de energia”, “relações” em sua aborda-
gem da entropia, cujas semelhanças com o pensamento psicossomático
econômico necessitam ser exploradas. Por outro lado, outro autor, C. De-
jours, egresso dessa mesma corrente psicossomática, mantém-se fiel ao
conteúdo (transferência e busca do sentido), mas clama por uma teoria
do corpo aproximando-se, nesse aspecto, dos fundamentos biológicos da
teoria sistêmica. Em nosso entender, nessa direção adaptativa da evolu-
ção das teorias, os psicanalistas, notadamente europeus, vêm incluindo
conceitos sistêmicos em suas práticas, e alguns estudos contemporâneos
no âmbito das organizações de trabalho também seguem o caminho in-
tegrativo entre psicanálise e a TFS, da qual nos ocupamos neste livro.
Como referiu Donaldson, na introdução à obra de Bateson, este
nos propõe “uma dança de integração. A dança de uma tautologia ecoló-
gica evolutiva”.331 Portanto, acreditamos que a ciência dos seres vivos, no
futuro, incluindo evidentemente a psicologia, buscará a saúde, a ética, a
estética e o sagrado do ponto de vista da globalidade do funcionamento
do organismo no seu ambiente. Concordamos com Bateson, que a uni-
dade última é de ordem estética e a perda dessa “unidade sagrada” consti-
tui um dos grandes erros epistemológicos dos últimos séculos. Seguindo
seus passos, a natureza da beleza e do sagrado remete à integração psi-
cossomática consciente e inconsciente. A base experiencial permite o co-
nhecimento encarnado (em oposição ao conhecimento sobre), a empatia
com outros seres, com processos biológicos e ecológicos, e, finalmente,
a integração de muitas partes e níveis do espírito. Nosso conhecimento,
como disse Bateson, é apenas uma parte de um conhecimento mais vasto
que liga a biosfera e toda a criação.

329 Marty, M’Uzan e David (1963b).


330 Id. ibid., p. 13.
331 Bateson (1996, p. 21).

187
A criança com asma e sua família

Por fim, o conceito de evolução na perspectiva de sistemas cons-


tituirá, em nosso entender, um conceito-chave para o pensamento com-
plexo do século XXI. Fica lançada a provocação intelectual, esperando
uma obra que recomece a integração das teorias psicossomática e sistê-
mica, conforme os princípios da circularidade do conhecimento no es-
tudo dos sistemas abertos, na espiral da vida ou na “dança de integração”.

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Este livro foi impresso em março de 2015 pela Gráfica Compacta em São Carlos/SP.

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