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Regionalização e

Organização do
Espaço Mundial
Profª. Márcia da Silva
Profª. Tatiellen Cristina Prudentes

Indaial – 2022
2a Edição
Elaboração:
Profª. Márcia da Silva
Profª. Tatiellen Cristina Prudentes

Copyright © UNIASSELVI 2022

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

S586r

Silva, Márcia da

Regionalização e organização do espaço mundial. / Márcia da


Silva; Tatiellen Cristina Prudentes. – Indaial: UNIASSELVI, 2022.

235 p.; il.

ISBN 978-85-515-0542-7
ISBN Digital 978-85-515-0538-0

1. Regionalização. – Brasil I. Prudentes, Tatiellen Cristina. II.


Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 900

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático de Regionalização
e Organização do Espaço Mundial! Nesta disciplina, abordaremos conceitos
relacionados à região, à globalização, à regionalização, redes, articulações sociais
e a multidimensionalidades ou dimensões analíticas do espaço geográfico, pois,
na contemporaneidade, observa-se a configuração de uma nova (des)organização
espacial mundial de produção e de consumo, o que reflete na (des)ordem política,
social, ambiental e cultural. Dessa forma, é mais que necessária a contribuição da
Geografia para o entendimento das transformações do espaço geográfico.

Para o acadêmico de Geografia, o conhecimento desses espaços é essencial


para que tenha uma visão crítica da realidade, pois só assim será possível olhar o mundo
de forma consciente e responsável, podendo utilizar esse conhecimento como estratégia
geradora de melhorias em prol da sociedade. Ao elaborar esse material, procurou-se
problematizar diversas questões do mundo. O material didático foi elaborado de forma
que possibilite um estudo mais dinâmico, prazeroso e que o leve a compreender as
grandes problemáticas e desafios do mundo.

O material aqui apresentado foi planejado com a finalidade de colaborar para


a sua formação acadêmica, ajudando na compreensão acerca dos processos, das
evoluções e das transformações da regionalização e organização do espaço mundial.
Pensando nisso, discutiremos nesta disciplina sobre vários conceitos e categorias do
pensamento geográfico, que elucidaram o seu processo de ensino e aprendizagem.

Os conhecimentos aqui compartilhados são de extrema importância para a so-


ciedade atual, que vivencia o aprofundamento das relações sociais, culturais, econômi-
cas, políticas (entre diversas outras) no contexto da chamada globalização. Nas últimas
décadas, diversas transformações vêm ocorrendo na divisão e organização do espaço
mundial, como as relações comerciais entre os países, tendo, entre suas consequên-
cias, a redução das distâncias entre eles. Nesse contexto, vemos um processo que se
converte em uma noção de redução também das distâncias no espaço geográfico.

Para contemplar a ementa, optamos por distribuir o conteúdo em três unidades,


com cada unidade dividida em tópicos. A Unidade 1 apresenta uma discussão sobre o
conceito de região, marcado pela globalização, constituindo-se em uma regionalização.
A unidade compreende o processo de regionalização, suas abordagens e características,
aprofundando as suas divisões do espaço mundial e exemplificando-as. Trabalhamos
e entendemos a regionalização do espaço geográfico brasileiro, e, por fim, finalizamos
com as questões que vinculam geografia, modernidade e pós-modernidade, portanto, o
acadêmico vai entender as multidimensões do espaço geográfico atual.
Na Unidade 2, discutimos sobre a complexidade do estudo entre geografia e
organização do espaço geográfico e a globalização, exemplificando os seus processos
das transformações econômicas e suas dinâmicas de poder e a criação dos blocos
econômicos, que se articulam em redes e fluxos no espaço mundial, gerando impacto
nas relações e no mundo do trabalho.

A Unidade 3 traz uma abordagem sobre as múltiplas leituras da relação entre


territórios e redes, a exemplo das guerras irregulares e assimétricas, dos fluxos financeiros
globais e as novas modalidades de finanças, como as operações em criptomoedas e do
ciberterrorismo como uma das novas formas de terrorismo.

Esperamos que você encontre aqui elementos que contribuam para o


entendimento dessa realidade e que seja capaz de realizar a sua própria investigação
sobre as causas e consequências do aprofundamento da regionalização e a organização
do espaço mundial.

Bons estudos!

Profª. Márcia da Silva


Profª. Tatiellen Cristina Prudentes
GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos


os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
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também digital, em que você pode acompanhar os recursos
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deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

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apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
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Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

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Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
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da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
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preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - GEOGRAFIA E PÓS-MODERNIDADE – LEITURAS
DO ESPAÇO MULTIDIMENSIONAL............................................................................1

TÓPICO 1 - PRINCIPAIS CONCEITOS GEOGRÁFICOS PARA


COMPREENDER A REGIONALIZAÇÃO.................................................................... 3
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 3
2 A REGIÃO COMO CATEGORIA DE ANÁLISE DA GEOGRAFIA.............................. 3
3 REGIONALIZAÇÃO E ESCALAS: A QUESTÃO ESPAÇO/TEMPORAL .................. 9
4 OS DIFERENTES TIPOS DE ESPAÇO.................................................................. 12
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................... 16
AUTOATIVIDADE.....................................................................................................17

TÓPICO 2 - MÉTODO REGIONAL DE DIVISÃO E ORGANIZAÇÃO


DO ESPAÇO MUNDIAL: REGIONALIZAÇÃO.......................................................... 19
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 19
2 O CONCEITO DE REGIONALIZAÇÃO................................................................... 19
3 REGIONALIZAÇÃO COMO PROCESSO DE DIVISÃO DO ESPAÇO MUNDIAL.........22
4 PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS DOS ESTUDOS REGIONAIS .................28
RESUMO DO TÓPICO 2...........................................................................................30
AUTOATIVIDADE.................................................................................................... 31

TÓPICO 3 - A REGIONALIZAÇÃO DO BRASIL NO CONTEXTO MUNDIAL.............33


1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................33
2 AS REGIÕES GEOECONÔMICAS DE PEDRO PINCHAS GEIGER........................33
3 OS TRÊS BRASIS – ROBERTO LOBATO CORRÊA..............................................35
4 OS QUATRO BRASIS – MILTON SANTOS............................................................38
5 AS DIVISÕES REGIONAIS SEGUNDO O INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE)............................................................... 40
RESUMO DO TÓPICO 3...........................................................................................45
AUTOATIVIDADE....................................................................................................46

TÓPICO 4 - GEOGRAFIA, MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE......................49


1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................49
2 ANÁLISE GEOGRÁFICA DA MODERNIDADE À PÓS-MODERNIDADE...............49
3 O FINAL DO XIX E O INÍCIO DO SÉCULO XX COMO LIMIARES
DA MODERNIDADE................................................................................................. 51
4 A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX E A PÓS-MODERNIDADE...................... 57
5 DO ESPAÇO LISO AOS ESPAÇOS ESTRIADO E MULTIDIMENSIONAL..............66
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................... 76
RESUMO DO TÓPICO 4...........................................................................................86
AUTOATIVIDADE....................................................................................................87

REFERÊNCIAS........................................................................................................89
UNIDADE 2 — A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO
E A GLOBALIZAÇÃO...............................................................................................93

TÓPICO 1 — GLOBALIZAÇÃO (ASPECTOS TEÓRICOS E CONSTRUÇÃO


HISTÓRICA DO CONCEITO NO ÂMBITO GEOGRÁFICO).......................................95
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................95
2 A GLOBALIZAÇÃO COMO CONSTRUÇÃO E ANÁLISE DO ESPAÇO
GEOGRÁFICO.........................................................................................................95
RESUMO DO TÓPICO 1.........................................................................................108
AUTOATIVIDADE..................................................................................................109

TÓPICO 2 - A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL E OS BLOCOS


ECONÔMICOS........................................................................................................ 111
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 111
2 OS GRANDES POTENCIAIS ECONÔMICOS E O PAPEL
NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO ESPAÇO.......................................................... 111
3 MUNDO GLOBALIZADO E OS BLOCOS ECONÔMICOS .................................... 116
4 OS PRINCIPAIS BLOCOS ECONÔMICOS MUNDIAIS ....................................... 118
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................... 127
AUTOATIVIDADE..................................................................................................128

TÓPICO 3 - REFLEXÕES SOBRE AS REDES E FLUXOS


NO ESPAÇO MUNDIAL...........................................................................................131
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................131
2 REDES E FLUXO NO ESPAÇO GEOGRÁFICO ....................................................131
3 MODELOS DE REDES GEOGRÁFICAS NO ESPAÇO MUNDIAL ........................134
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................... 139
AUTOATIVIDADE..................................................................................................140

TÓPICO 4 - O TRABALHO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL....................143


1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................143
2 EMPREGABILIDADE E DESIGUALDADE DE RENDA
NO CENÁRIO MUNDIAL........................................................................................144
3 AS TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS E OS IMPACTOS
NO MUNDO DO TRABALHO..................................................................................150
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................. 155
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................... 162
AUTOATIVIDADE.................................................................................................. 163

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 165

UNIDADE 3 — POR ENTRE TERRITÓRIOS E REDES: MÚLTIPLAS LEITURAS.........169

TÓPICO 1 — “DOS NÓS ÀS LINHAS” NA REDE DE CONFLITOS MUNDIAIS:


DAS GUERRAS CONVENCIONAIS AOS CONFLITOS IRREGULARES
E ASSIMÉTRICOS..................................................................................................171
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................171
2 ASPECTOS CONCEITUAIS E CONFLITOS CONTEMPORÂNEOS
CONVENCIONAIS, IRREGULARES E ASSIMÉTRICOS.........................................171
3 CONFLITOS IRREGULARES E ASSIMÉTRICOS CONTEMPORÂNEOS:
CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E CONJUNTURAS ................................................. 178
3.1 CASO 1: AS GUERRILHAS COLOMBIANAS...................................................................178
3.2 CASO 2: HAMAS – ENTRE O TERRORISMO, GUERRILHA E AÇÃO
POLÍTICA E DE CONTROLE DA FAIXA DE GAZA....................................................... 182
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................... 187
AUTOATIVIDADE..................................................................................................188

TÓPICO 2 - OS FLUXOS FINANCEIROS GLOBAIS E A EMERGÊNCIA


DAS CRIPTOMOEDAS: POSSIBILIDADES E DESAFIOS......................................191
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................191
2 ENTRE TERRITÓRIOS E REDES: OS FLUXOS FINANCEIROS GLOBAIS...........191
3 OS FLUXOS FINANCEIROS E A EXPANSÃO/CONCENTRAÇÃO
GEOGRÁFICA GLOBAL DE OPERAÇÕES COM CRIPTOMOEDAS ....................... 196
RESUMO DO TÓPICO 2.........................................................................................201
AUTOATIVIDADE................................................................................................. 202

TÓPICO 3 - NOVAS FORMAS DE TERRORISMO: O CIBERTERRORISMO


E A ESCALA GLOBAL.......................................................................................... 205
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 205
2 A INTERNET E A CRESCENTE CONEXÃO EM ESCALA GLOBAL: O
CIBERESPAÇO COMO FERRAMENTA E ALVO PARA O CIBERTERRORISMO.......... 205
3 APONTAMENTOS SOBRE O CIBERTERRORISMO........................................... 209
4 O DEBATE SOBRE CIBERTERRORISMO NO BRASIL....................................... 215
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................. 219
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................ 228
AUTOATIVIDADE................................................................................................. 229

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 232
UNIDADE 1 -

GEOGRAFIA E PÓS-
MODERNIDADE –
LEITURAS DO ESPAÇO
MULTIDIMENSIONAL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• explicar as categorias de análise de região, regionalização e redes e articulações


sociais;
• identificar temas vinculados à reorganização do espaço mundial;
• entender os conceitos de região e organização espacial e as propostas
de regionalização do espaço brasileiro;
• compreender a vinculação e a complexidade do estudo entre Geografia e pós-
modernidade;
• assimilar os conceitos de espaço liso e espaço estriado, espaço complexo e espaço
multidimensional.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – PRINCIPAIS CONCEITOS GEOGRÁFICOS PARA COMPREENDER A


REGIONALIZAÇÃO
TÓPICO 2 – MÉTODO REGIONAL DE DIVISÃO E ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL:
REGIONALIZAÇÃO
TÓPICO 3 – A REGIONALIZAÇÃO DO BRASIL NO CONTEXTO MUNDIAL
TÓPICO 4 – GEOGRAFIA, MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

CHAMADA
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1
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UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
PRINCIPAIS CONCEITOS
GEOGRÁFICOS PARA COMPREENDER
A REGIONALIZAÇÃO

1 INTRODUÇÃO

Este tópico trará um dos conceitos fundamentais da ciência geográfica, a


região. É uma grande ferramenta de análise das transformações da natureza e do
homem, que, por vezes, é caracterizada como métodos: a regionalização e a análise
regional. Vamos demonstrar aqui, por meio da análise do conceito de região, a suma
importância da sua compreensão que ocorre da interação entre o homem e a natureza.

Desse modo, vamos dividir o tópico em três partes. Na primeira parte


abordaremos os fundamentos e conceitos de região, tendo como base as categorias de
análise da geografia, reforçando assim, o princípio normativo da prática pedagógica. Na
segunda parte será abordada a regionalização, método regional, com a reflexão sobre o
contexto do seu processo dentro de transformações da sociedade. Por fim, na terceira
parte, realizamos uma leitura das perspectivas contemporâneas dos estudos regionais,
das redes e suas articulações sociais.

Desejamos bons estudos!

2 A REGIÃO COMO CATEGORIA DE ANÁLISE DA


GEOGRAFIA
Qual é o conceito de região? “Região é um dos conceitos mais difundidos e
tradicionais da Geografia. Sua concepção remonta às origens do próprio pensamento
geográfico, através do contraponto entre leituras do espaço mais gerais, “sistemáticas”
e mais específicas, descritivas” (HAESBAERT, 2019, p. 117).

Para compreender o conceito de região, entendemos que região é um espaço


que foi dividido seguindo um critério específico para a compreensão de uma determina
área. É uma categoria espacial de análise da geografia, constitui-se a região como
entidade geográfica concreta, e a regionalização como um processo de diferenciação
de recorte do espaço, sendo estes coesos, articulados (HAESBAERT, 2010a).

3
Neste contexto, o conceito de região, em virtude do processo de globalização,
é marcado pela regionalidade, e, nesses termos, ganha grande importância a discussão
sobre as reconfigurações e desarticulações em um embate global versus o local.

A regionalidade, enquanto propriedade do "ser" regional


(especialmente em sua dimensão simbólica e vivida), enfrentam
hoje, num mundo globalizado, reconfigurações que atestam uma
crescente complexidade em termos do seu desenho espacial e
do entrecruzamento dos sujeitos e dimensões que as constroem.
A região, assim, deve ser vista muito mais dentro de um processo
mutável de desarticulações, em rede (num jogo nem sempre
coincidente entre coesões funcionais e coesões simbólicas), do
que nas formações zonais integradas e bem delimitadas com que
tradicionalmente era trabalhada (HAESBAERT, 2010, p. 2).

Verifica-se assim que o conceito de região é a parte de um todo, pois em um


mundo globalizado não existe uma região isolada, sendo sempre a região uma parte de
um espaço maior, compreendendo-se como a divisão do espaço em áreas menores.
Lembre aqui como exemplo a regionalização do seu bairro, do seu município, do seu
estado, como vemos na Figura 1. Podemos ver a identificação de regiões distintas que fo-
ram divididas em espaços menores, mas que trazem características e traços em comum.

FIGURA 1 – MAPA DA DELIMITAÇÃO DOS BAIRROS DE SÃO PAULO

FONTE: <http://www.mapas-sp.com/bairros.htm>. Acesso em: 18 out. 2021.

4
Nesta perspectiva, entendemos que o conceito de região não se abstém
como uma simples definição, mas um dos mais tradicionais conceitos da geografia.
Inicialmente, está ligado à concepção fundamental de diferenciação de áreas, mas,
que no decorrer do tempo perpassa por transformações conceituais e se insere em
correntes do pensamento geográfico.

Os conceitos de região e de organização espacial são básicos para se


compreender o caráter distinto da geografia no âmbito das ciências
sociais, indicando a via geográfica de conhecimento da sociedade,
quer dizer, das relações entre natureza e história. A discussão destes
termos, por outro lado, pressupõe que se tenha uma certa informação
da evolução do pensamento geográfico desde, pelo menos, o final
do século XIX, quando a geografia assume o caráter de disciplina
acadêmica, dotada de um processo de mudança de paradigmas que
se insere no bojo da história (CORRÊA, 2000, p. 12).

Para Gomes (2001), em sua análise histórica, há três grandes debates que
contribuem para as discussões geográficas no tema, permeando debates de noções de
região natural, de região geográfica e o peso à região natural, como região quantificada
e analítica, região como realidade autoevidente e como a possibilidade de mutação dos
critérios de definição do espaço.

É importante reconhecer que a própria origem etimológica do


termo região já traz a alusão a “recorte” ou delimitação. Segundo
o Dictionnaire Étimologique de la Langue Latine, “regio” designa
as linhas retas traçadas no céu pelos áugures [adivinhos romanos]
para aí delimitarem as partes; daí o sentido de “limites, fronteiras
‟e, em consequência, “porção delimitada, bairro, região ‟. Por outro
lado, ao mesmo tempo se refere a limite, área delimitada; devemos
lembrar que a raiz “reg” indicava também movimento (em linha reta)
(HAESBAERT, 2010, p. 24).

Os geógrafos passam, então, a adjetivar a noção de região como uma tentativa


de “diferenciá-la de seu uso pelo senso comum”. Nos últimos dois séculos surgiram os
conceitos de região natural, região geográfica, região homogênea etc. As discussões
que passam a ser travadas sobre eles acabaram provocando debates nos quais o
tema predominante passou a ser a natureza, o alcance e o estatuto do conhecimento
geográfico (GOMES, 2001).

Como procuramos apontar, todas essas mudanças quanto às novas discussões


partimos da realidade, e, nesta parte, vamos ver os principais conceitos de região
apresentada por Corrêa, bem como de região natural ao de região geográfica de Vidal de
La Blache, e por fim de região como classe de área (CORRÊA, 2000).

Temos, assim, a região natural: surge no final do século XIX, sendo impulsionada
pela expansão imperialista, com o determinismo ambiental suas principais correntes
de pensamento. A região natural é entendida como uma parte da superfície da Terra,

5
dimensionada segundo escalas territoriais diversificadas, e caracterizadas pela unifor-
midade resultante da combinação ou integração em área dos elementos da natureza:
o clima, a vegetação, o relevo, a geologia e outros adicionais que diferenciariam ainda
mais cada uma destas partes. Em outras palavras, uma região natural é um ecossistema
onde seus elementos se acham integrados e são interagentes (CORRÊA, 2000).

Com relação aos critérios de diferenciação, alguns poderão


responder que o elemento ou, se quisermos, a dimensão do espaço
geográfico mais relevante diz respeito aos aspectos naturais. Como
ocorria numa das primeiras concepções de região, a região natural,
elementos relativos à Geografia Física seriam os mais importantes
pela diferenciação do espaço geográfico. Interpretações como
aquelas do chamado determinismo ambiental defenderiam essa
leitura, na qual a própria ação humana estaria subordinada a ou seria
uma decorrência do meio físico-natural (HAESBAERT, 2019, p.118).

A figura a seguir apresenta uma classificação dos climas do Brasil:

FIGURA 2 – CLASSIFICAÇÃO DOS CLIMAS DO BRAISL

FONTE: <https://bit.ly/3hMgxWB>. Acesso em: 18 out. 2021.

6
Utilizando-se o conceito de região natural, temos um exemplo do mapa que
o IBGE confeccionou, classificando os tipos de climas zonais no Brasil. É sustentado
pelos preceitos de região natural e baseado no clima que o autor Delgado de Carvalho
apresenta o conceito de região natural ao Brasil em 1913. Para Gomes, (2001, p. 55), “o
conceito de região natural nasce, pois, desta ideia de que o ambiente tem um certo
domínio sobre a orientação do desenvolvimento da sociedade." A maior parte dessas
definições tinha um viés determinista ou "ambientalista".

Outros geógrafos fariam restrições a essa concepção mais


generalizante e racionalista em que um elemento, no caso, natural
(sobretudo o clima), acabava sempre por vencer. Numa primeira
flexibilização dessa ideia alguns propuseram que o elemento físico
que melhor definiria a região poderia variar conforme a área e a escala
(numa o clima, noutra o relevo, por exemplo). Foi o caso de Paul Vidal
de la Blache num de seus primeiros trabalhos. Mas foi ele também,
enquanto autor clássico que defendeu distintas concepções de
região, um dos proponentes de uma região que obrigatoriamente
vinculava o natural (o “meio”) e o cultural (o “homem”) (HAESBAERT,
2019, p.118).

Posteriormente, surge a questão do possibilismo e a região, que se atribuiu de


modo diferente à questão da região. Nesta visão, Corrêa (2000, p.14) salienta que:

O possibilismo considera de modo diferente a questão da região.


Não é a região natural, e sua influência sobre o homem, que domina
o temário dos geógrafos possibilistas. É, sem dúvida, uma região
humana vista na forma da geografia regional que se torna seu
próprio objeto. A região considerada é concebida como sendo, por
excelência, a região geográfica.

O possibilismo vai considerar a evolução das relações homem e a natureza,


reagindo ao determinismo ambiental, adaptando a uma ação modeladora, em que o
ser humano com sua cultura vai revelar uma paisagem e um gênero de vida, “ambos
próprios e peculiares a cada porção da superfície da Terra” (CORRÊA, 2000, p. 14).

A identificação da região como elemento de análise da geografia, surge ao final


do século XIX, com o grande pensador da geografia, Vidal de La Bache. Foi ele quem
considerou os princípios da Geografia Regional, remontando a relação homem-meio.

Nascia o período áureo da Geografia Regional – verdadeiro paradigma


da Geografia como um todo, com a região transformada quase num
personagem, uma “entidade viva”, um dado que caberia ao geógrafo
reconhecer, principalmente através da morfologia da paisagem
identificada em trabalho de campo. Daí a analogia entre região e
paisagem (morfológica) (HAESBAERT, 2019, p. 118).

Surgindo de forma ampla, La Blache expõe o conceito de “região geográfica”


para denominar essas parcelas da superfície terrestre que apresentam certa homoge-
neidade de características, derivadas da combinação entre elementos do meio natural
e da ação humana.

7
A região geográfica abrange uma paisagem e sua extensão territorial,
onde se entrelaçam de modo harmonioso componentes humanos
e natureza. A ideia de harmonia, de equilíbrio, evidente analogia
organicista que Vidal de Ia Blache adota, constitui o resultado de um
longo processo de evolução, de maturação da região, onde muitas
obras do homem fixaram-se, ao mesmo tempo com grande força de
permanência e incorporadas sem contradições ao quadro final da
ação humana sobre a natureza (CORRÊA, 2000, p. 12).

A partir dos pressupostos estabelecidos por este ramo da ciência geográfica,


aborda-se a região geográfica como uma entidade concreta, palpável, em estágio de
evolução. Nesta perspectiva, o geógrafo tem como objetivo reconhecê-la, descrevê-la
e explicá-la, deixando claros os seus limites e escalas da sua formação e evolução. O
autor, por meio de uma discussão histórica, entende que:

a região geográfica dos possibilistas não se diferenciava da região


natural. No processo de reconhecimento, descrição e explicação
dessa unidade concreta, o geógrafo evidenciava a individualidade
da região, sua personalidade, sua singularidade, aquela combinação
de fenômenos naturais e humanos que não se repetiria (CORRÊA,
2000, p. 14).

DICA
Para não esquecer sugerimos a leitura do trecho do artigo do Professor Dr. Rogério
Haesbaert (2019, p. 118):

“Para outros geógrafos e “cientistas regionais” (em geral economistas) o principal elemento
diferenciador/ identificador de regiões refere-se à dinâmica econômica – nascem assim
regiões como a região polarizada ou funcional urbana, comandada pelas diferentes funções
econômicas de cada centro urbano e a hierarquia estabelecida entre eles, especialmente
através do seu papel comercial e de prestação de serviços. Essa abordagem funcionalista
da região teve origem na região nodal de geógrafos como Halford Mackinder e o próprio
La Blache. Ela foi sofisticada nos anos 1930 por teorias como a do lugar central de Walter
Christaller. Em outras bases filosóficas, como a materialista dialética, encontramos a região
como produto da divisão espacial capitalista do trabalho ou das relações desiguais e
combinadas entre centros e (semi)periferias. A força dessas concepções faz com que a
disciplina que até hoje mais dialogou com a Geografia através do conceito
de região seja a Economia. Daí o fato de que muitas das abordagens mais
difundidas de região estejam focadas sobretudo na reprodução econômica,
enfatizando a articulação espacializada das práticas econômico funcionais.
Entre concepções mais recentes de região, poucas são aquelas que não
dão destaque aos processos econômicos. O conceito de cidade-região, por
exemplo, leva em conta o papel crescente das dinâmicas de urbanização
e de metropolização na conformação não apenas hierárquica, mas
também mais horizontalizada das relações econômicas. O aumento da
urbanização praticamente equivale, em muitos casos, a falar do próprio
urbano como região. Outra concepção é a da “região com buracos”, de
um grupo de geógrafos britânicos, entre os quais Doreen Massey, que
considera a dinâmica do capitalismo pós-fordista ou de acumulação
flexível e sua articulação espacialmente desigual, criando “buracos”,
diversas áreas excluídas das redes articuladoras dessa nova dinâmica”.

8
Por fim, temos o conceito de região como uma conceitualização de classe de
área, que evolui a partir da década de 1950. Os estudos regionais sofrem mudanças
consideráveis, a nova geografia é fundamentada no positivismo lógico e na dedução.
Assim, o conceito de região deixa de ser objeto concreto de análise e se transforma em
uma criação intelectual, dando destaque aos procedimentos espaciais, por meio das
teorias de localização e desenvolvimento regional.

3 REGIONALIZAÇÃO E ESCALAS: A QUESTÃO ESPAÇO/


TEMPORAL
Como exposto até aqui, a regionalização global se desenvolve em rede, e
atualmente o mundo é um espaço de encontros e conexões, ou seja, conectado e
interligado por meio de redes. Corrêa (2011) relata os inúmeros tipos de redes geográficas,
como: redes urbanas, redes de multinacionais, redes bancárias, redes digitais, redes
viárias, redes sociais, redes comerciais e dentre outras.

Por rede geográfica entendemos “um conjunto de localizações


geográficas interconectadas” entre si “por um certo número de
ligações”. Este conjunto pode ser constituído tanto por uma sede
de cooperativa de produtores rurais e as fazendas a ela associadas,
como pelas ligações materiais e imateriais que conectam a sede de
uma grande empresa, seu centro de pesquisa e desenvolvimento,
suas fabricas, depósitos e filiais de venda. Pode ser constituído pelas
agências de um banco e os fluxos de informações que circulam entre
elas, pela sede da Igreja Católica, as dioceses e paróquias, ou ainda
pela rede ferroviária de uma dada região. Há, em realidade, inúmeras
e variadas redes que recobrem, de modo visível ou não, a superfície
terrestre (CORRÊA, 2011, p. 107).

Algumas das dimensões de análise das redes geográficas são de múltiplas


diferenciações, e Corrêa (2012, p. 205) sugere três dimensões que são básicas e
independentes entre si: a organizacional, a temporal e a espacial.

As redes geográficas, como qualquer construção social, são


passíveis de análise segundo diferentes dimensões. Sugerimos
que três dimensões básicas e independentes entre si, cada uma
delas incluindo temas pertinentes para análises específicas, podem
descrever a complexidade da rede geográfica: envolvendo a estrutura
interna, o tempo e o espaço.

Assim distribuídos:

• Organizacional

9
No que tange à dimensão organizacional, sugeriu-se que se considerassem os
agentes sociais (Estado, empresas, instituições e grupos sociais), a origem (planejada
ou espontânea), a natureza dos fluxos (mercadorias, pessoas, informações), a
função (realização, suporte), a finalidade (dominação, acumulação, solidariedade), a
existência (real, virtual), a construção (material, imaterial), a formalização (formal,
informal) e a organicidade (hierárquica e complementaridade).

• Temporal

A dimensão temporal, por sua vez, envolveria o conhecimento da duração


(longa, curta), da velocidade dos fluxos (lenta, instantânea) e da frequência
(permanente, periódica, ocasional).

• Espacial

Abrangeria o conhecimento da escala (local, regional, nacional, global), da


forma espacial (solar, dendrítica, circuito, barreira) e das conexões (interna e externa).

É evidente que o autor propôs as dimensões de análise como uma proposição


de um estudo de uma rede geográfica, ou seja:

A sugestão constitui, em realidade, uma proposição para o estudo


de uma dada rede geográfica. Cada rede situa-se em cada um dos
quinze aspectos indicados, o que não significa, porém, que todos
eles devam ser considerados com a mesma intensidade. É a partir da
problemática construída sobre uma dada rede que serão selecionados
os aspectos a serem estudados. Assim, os agentes sociais podem
ser analisados vendo-se, para cada um, a função, a frequência dos
fluxos e a forma da rede. Ou, com base em outra problemática, é
possível estabelecer relações entre a origem da rede, sua finalidade,
a velocidade dos fluxos e a conexão (CORRÊA, 2012, p. 205).

Partindo desta perspectiva, as redes geográficas nos ajudam a compreender e


perceber a sociedade, o espaço contemporâneo em um mundo desigual e globalizado,
com grandes e profundas articulações sociais, econômicas, culturais, espaciais e
históricas. É determinante assim compreender a rede geográfica e a regionalização.

10
INTERESSANTE
SINAL VERDE – PODEMOS AVANÇAR
Na tentativa de apreender a época em que vivemos, recorremos a entender a Região como
ARTE-FATO, conceitualização realizada por Haesbaert (2010, p. 6-8).
“Podemos afirmar que a região caminhou, ao longo da história do pensamento geográfico,
mais ou menos como num pêndulo entre posições mais idiográficas ou valorizadoras das
diferenças e posições mais nomotéticas ou que enfatizavam as generalizações. É claro
que ela, enquanto conceito, foi majoritária sobretudo nos momentos mais idiográficos
ou voltados para a realidade empírica, numa valorização da região como “fato” (seja como
“fato” concreto, material, seja como “fato” simbólico, vivido), do que nos períodos em que
se afirmava uma Geografia Geral, voltada para a construção teórica, mais racionalista, onde
a região adquiriu um papel mais de “artifício” (analítico) do que de realidade efetivamente
construída e/ou vivida.
[...] Conforme vimos ao longo deste trabalho propomos aqui um caminho mais complexo,
para o entendimento da região não simplesmente como um “fato” (em sua existência efetiva)
nem como um mero “artifício” (enquanto recurso teórico, analítico) ou como instrumento
normativo, de ação (visando a intervenção política, via planejamento). Propomos então tratar
a região como um “artefato” (sempre com hífen), tomada na imbricação entre fato e artifício
e, de certo modo, também, enquanto ferramenta política. A região vista como arte-fato é
concebida no sentido de romper com a dualidade que muitos advogam entre posturas
mais estritamente realistas e idealistas, construto ao mesmo tempo de natureza ideal-
simbólica (seja no sentido de uma construção teórica, enquanto representação “analítica”
do espaço, seja de uma construção identitária a partir do espaço vivido) e material-funcional
(nas práticas econômico-políticas com que os grupos ou classes sociais constroem seu
espaço de forma desigual/diferenciada). “Arte-fato” também permite indicar que o regional
é abordado ao mesmo tempo como criação, autofazer-se (“arte”) e como construção já
produzida e articulada (“fato”). Assim, sintetizando, a partir da discussão da região como
arte-fato, nossa proposta se pauta em algumas questões fundamentais, notadamente:
• a região como produto-produtora das dinâmicas concomitantes de globalização e
fragmentação, em suas distintas combinações e intensidades, o que significa trabalhar a
extensão e a força das principais redes de coesão ou, como preferimos, de articulação
regional, o que implica identificar também, por outro lado, o nível de desarticulação e/ou
de fragmentação de espaços dentro do espaço regional em sentido mais amplo; • a região
construída através da atuação de diferentes sujeitos sociais (genericamente: o Estado, as
empresas, as instituições de poder não-estatais e os distintos grupos socioculturais e classes
econômico-políticas) em suas lógicas espaciais zonal e reticular, acrescentando-se
ainda a “i-lógica” dos aglomerados resultante principalmente de processos
de exclusão e/ou precarização socioespacial (HAESBAERT, 2004a e 2004b),
cuja consideração é hoje, cada vez mais, imprescindível. • a região como
produto-produtora dos processos de diferenciação espacial, tanto no
sentido das diferenças de grau (ou desigualdades) quanto das diferenças
de tipo ou de natureza (diferença em sentido estrito), tanto das
diferenças discretas quanto das diferenças contínuas (nos termos
de BERGSON, 1993, 2006). [...]”.

FONTE: Adaptado de HAESBAERT, R. Região, regionalização e


regionalidade: questões contemporâneas. Antares, n. 3 – jan. / jun.,
2010, p. 2-24. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.
php/4553781/mod_resource/content/1/3.haesbaert.pdf. Acesso em:
18 out. 2021.

11
NOTA
O conceito de Rede Geográfica: conjunto de localizações humanas
articuladas entre si por meio de vias e fluxos. Ou seja, ela constitui
caso particular de rede em geral, esta forma advém da topologia, que
tem grande importância para a Geografia, pois é parte fundamental da
espacialidade humana (CORRÊA, 2012).

4 OS DIFERENTES TIPOS DE ESPAÇO


Transformando-se de um conceito associado determinismo ambiental e do
possibilismo, para a versão fundamentada no positivismo lógico (CORRÊA, 2000). Com
o mundo cada vez mais globalizado, a região é definida como um

Conjunto de lugares onde as diferenças internas entre esses lugares


são menores que as existentes entre eles e qualquer elemento
de outro conjunto de lugares. As similaridades e diferenças entre
lugares são definidas através de uma mensuração na qual se utilizam
técnicas estatísticas descritivas como o desvio padrão, o coeficiente
de variação e a análise de agrupamento. Em outras palavras, é a
técnica estatística que permite revelar as regiões de uma dada
porção da superfície da Terra (CORRÊA, 2000, p. 14).

DICA
Determinismo: é a teoria caracterizada pelo pensamento de que o meio natural
determinava o homem, sendo o homem fruto direto do meio. Assim, o ser humano não
possui liberdade total de decidir e influenciar no que acontece ao seu redor. Possibilismo:
é a teoria de pensamento geográfico que tem como base que o ambiente natural é um
mero fornecedor de possibilidades para modificação humana; assim, o possibilismo discute
as relações homem-meio natural. Apresentando-nos um viés interpretativo diferente
daquele apresentado por Ratzel que entende a natureza, como fator determinante do
comportamento humano. O ser humano tem plena liberdade para utilizar a
natureza como quiser. Determinismo é o contrário do Possibilismo e vice-
versa. Determinismo diz que o meio influencia o homem e o Possibilismo diz
que o homem influencia o meio.

Para compreender melhor esses conceitos, indicamos que assista ao vídeo:


Determinismo e Possibilismo Geográfico na Compreensão da Sociedade,
com o professor Me. Thiago Hernandes, graduado em Geografia pela
Unesp, mestre em Geografia pela UEM e doutorando em História pela
Unesp.
O vídeo tem cerca de cinco minutos e se encontra disponível no link:
https://www.youtube.com/watch?v=ZjkO1tlS1-E .

12
Nesse sentido, o autor observa que região passa a ser um conceito de sistema
de regiões, que apreciava conhecimentos elaborados com princípios na classificação.

FIGURA 3 – CLASSIFICAÇÃO DOS TERMOS REGIONAIS E OS TERMOS CLASSIFICATÓRIOS

FONTE: Corrêa (2000, p. 19)

Passa a ter similaridade com as ciências naturais, e Corrêa (2000) apresenta esta
comparação entre os termos regionais e os termos classificatórios, que são utilizados
por vertentes diferentes. No que se refere à nova geografia, as regiões podem ser:

FIGURA 4 – ENFOQUES DE DIVISÃO REGIONAL

FONTE: Corrêa (2000, p. 18)

As regiões simples são aquelas originadas de um único critério ou variável; as


regiões complexas levam em conta muitos critérios ou variáveis. As regiões homogêneas
caracterizam-se pela inalterabilidade de critérios ou variáveis analisadas, levando ao
agrupamento de áreas; as regiões funcionais são definidas de acordo com os fluxos
de pessoas, mercadorias, informações, decisões e ideias. As regiões homogêneas e
funcionais são excludentes, mas podem ser simples ou complexas. O método empregado
para estabelecer as regiões pode ser a divisão lógica, na qual se procura diferenciações
entre os lugares, ou o agrupamento, que consiste na procura de regularidades.

13
O que ocorre é a criação de uma tipologia, as regiões, que são distinguidas pelos
seus atributos específicos, não havendo a necessidade de contiguidade espacial. O con-
ceito de organização espacial é apresentado pela nova geografia como padrão espacial
resultante de decisões locacionais, privilegiando as formas e os movimentos sobre a
superfície da Terra, ou seja, “o objeto da geografia é, portanto, a sociedade, e a geografia
viabiliza o seu estudo pela sua organização espacial. Em outras palavras, a geografia re-
presenta um modo particular de se estudar a sociedade” (CORRÊA, 2000, p. 28).

DICA
Indicamos, para a leitura mais aprofundada do tema, o livro “Regional-
Global: dilemas da região e da regionalização na geografia contemporânea”,
de Rogerio Haesbaert, que reúne elementos suficientes para apresentar
múltiplas vertentes sobre o conceito de Região. O autor relata a região
no âmbito da história do pensamento geográfico, dialogando com autores
fundamentais como Vidal de la Blache, Sauer e Hartshorne, mas também
com nomes mais recentes que vêm retrabalhando o conceito, tais como
Massey, Werlen e Thrift.

Referência da obra: HAESBAERT, R. Regional-Global: dilemas da região e


da regionalização na geografia contemporânea. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2010.

Como vemos nas indicações, a região é um conceito polissêmico, ou seja,


sob a perspectiva que o conceito região é constituída por idas e vindas, no decorrer
vão aparecendo e reaparecendo na história do pensamento geográfico, “mortes e
ressurreições” (HAESBAERT, 2019), de sua construção como categoria da geografia, são
como uma categoria de análise normativa, prática e pedagógica.

Assim, é preciso reconhecer a importância de seu uso ao mesmo


tempo como categoria da prática, amplamente difundida no âmbito
do senso comum, cotidiano; como categoria analítica, no circuito
acadêmico, e como categoria normativa, na esfera, por exemplo,
das políticas estatais de planejamento. Ao mesmo tempo que se
distinguem, essas perspectivas se cruzam, sendo indispensável, em
diversos momentos, estabelecer o diálogo entre elas. Dependendo da
corrente teórica, a região pode estar mais próxima do espaço vivido
onde se moldam as identidades regionais, por exemplo. Em outros,
quando se enfatiza uma visão mais pragmática, podemos ter forte
presença das “regiões-plano” ou “regiões-programa”, vinculadas ao
planejamento regional (HAESBAERT, 2019, p.).

Para Haesbaert (2019), a principal problemática do conceito Região em primeiro


lugar são as questões elementares da “diferenciação do espaço geográfico, permitindo
identificar suas partes ou singularidades através de diferenças de natureza ou tipo e
diferenças de grau (como as desigualdades)”.

14
Mesmo como categoria da prática, difundida pelo senso comum,
comumente região é tratada como sinônimo de porção do espaço
delimitada por algum critério ou dotada de alguma característica
própria, distintiva. Numa leitura bastante genérica, que alguns
preferem associar a processos mais amplos de regionalização, mais do
que a região propriamente dita, essa concepção é retomada no âmbito
acadêmico, ao serem discutidos os critérios e/ou as características
mais marcantes na diferenciação do espaço geográfico ou, se
quisermos, na definição de uma região (HAESBAERT, 2019, p.117).

De sua raiz etimológica “Regere”, temos sua dimensão política, e, entre outras,
regionalizar é uma forma de recortar, classificar, nomear e identificar um espaço.

Para muitos, trata-se ainda hoje de uma das questões geográficas


fundamentais: ao lado de outras ligadas à extensão/escala e à
localização/situação de um fenômeno, em que medida e com base
em que critérios o espaço geográfico pode ser diferenciado? Desse
modo, a regionalização como método intelectual para analisar o
espaço e nele encontrar partes, “recortes” (ou, como preferimos,
hoje, “articulações”) regionais, pode utilizar distintos caminhos,
dependendo dos critérios, do local e da extensão ou escala do espaço
geográfico pertinentes ao pesquisador (HAESBAERT, 2019, p. 118).

DICA
Para compreender melhor o conceito de Região e para colaborar com o
entendimento para os próximos tópicos, indicamos que assista ao vídeo:
Revendo questões regionais: de(s)colonização da região em Geografia,
com o Prof. Dr. Rogério Haesbaert, o vídeo é uma aula que o professor
foi convidado a participar na pandemia direcionado pelo PET Geografia
UFGD. O vídeo tem cerca de duas horas e se encontra disponível no
link: https://www.youtube.com/watch?v=lrMlgWE3WXQ&t=1642s.

15
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Conforme Haesbaert (2010), Região constitui-se uma categoria espacial de análise


da geografia, a Região como entidade geográfica concreta, e a Regionalização como
um processo de diferenciação de recorte do espaço, sendo estes coesos, articulados.

• O conceito de região é o espaço geográfico dividido, seguindo um critério específico


para a compreensão de uma determinada área, que se constituiu em uma categoria
espacial de análise da geografia. Sendo como uma categoria de análise, normativa,
prática e pedagógica.

• A região é um conceito polissêmico, constituído de idas e vindas, com mortes e


ressureições.

• A construção de região como categoria da geografia, são como uma categoria de


análise normativa, prática e pedagógica.

• A globalização realiza em seu processo a estruturação de uma regionalização em


várias escalas, que são: locais, estaduais, nacionais e internacionais.

• A regionalização global acontece em rede, pois atualmente o mundo é um espaço de


encontros e conexões, ou seja, conectado e interligado por meio de redes.

• Nos últimos dois séculos surgiram os conceitos de região natural, região geográfica,
região homogênea, e tiveram muitas discussões e debates sobre o conceito de região.

16
AUTOATIVIDADE

1 “Região é um dos conceitos mais difundidos e tradicionais da Geografia. Sua


concepção remonta às origens do próprio pensamento geográfico, através do
contraponto entre leituras do espaço mais gerais, “sistemáticas” e mais específicas,
descritivas (HAESBAERT, 2019, p.117)”. Sobre o conceito de região, analise as
sentenças a seguir:

I- Constitui-se uma categoria espacial de análise da geografia.


II- Pode ser entendida como uma área que foi dividida seguindo um critério específico
para a compreensão de uma determina área.
III- Algumas regiões surgem em classes de áreas, ou seja, derivadas da combinação
entre elementos do meio natural e da ação humana.
IV- As regiões naturais são aquelas que foram estabelecidas de acordo com critérios
como vegetação, clima e relevo, com um viés determinista ou ambientalista.
V- Essa categoria refere-se aos aspectos perceptíveis do espaço geográfico, isto é, a
forma como compreendemos o mundo a partir de nossos sentidos.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças II, IV e V estão corretas..
b) ( ) As sentenças I, III e V estão corretas.
c) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas.
e) ( ) Somente a sentença V está correta.

2 Para o autor Corrêa (2000), o termo região não apenas faz parte do linguajar do
homem comum, como também é dos mais tradicionais em geografia. Sendo assim,
considerando os conceitos de região apresentados por Corrêa (2000) sobre a Região
Natural, analise as sentenças a seguir:

I- Uma região natural é um ecossistema onde seus elementos acham-se integrados e


são interagentes.
II- A Região natural vai considerar a evolução das relações homem e a natureza,
reagindo ao determinismo ambiental, adaptando a uma ação modeladora.
III- A Região natural surge no final do século XIX, com o determinismo ambiental suas
principais correntes de pensamento.
IV- Tem a combinação ou integração em área dos elementos da natureza: o clima, a
vegetação, o relevo, a geologia e outros.

17
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
b) ( ) As sentenças I, III e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença I está correta.

3 Por meio da nova geografia relatada por Corrêa (2000), que se refere aos termos
da ampla possibilidade de aparecimento dos propósitos de divisão regional, há dois
enfoques que não se excluem mutuamente. Apresente e discorra sobre as regiões
simples, complexas, homogêneas e funcionais.

4 É uma categoria espacial de análise da geografia. Constitui-se como entidade


geográfica concreta, e a regionalização como um processo de diferenciação de
recorte do espaço, sendo estes coesos, articulados. A que categoria geográfica se
refere a definição?

a) ( ) Paisagem.
b) ( ) Lugar.
c) ( ) Espaço geográfico.
d) ( ) Região.

5 “Para outros geógrafos e “cientistas regionais” (em geral economistas) o principal


elemento diferenciador/ identificador de regiões refere-se à dinâmica econômica –
nascem assim regiões como a região polarizada ou funcional urbana, comandada pelas
diferentes funções econômicas de cada centro urbano e a hierarquia estabelecida
entre eles, especialmente através do seu papel comercial e de prestação de serviços
(HAESBAERT, 2019, p. 117).” Conforme o autor analisa as questões regionais no Brasil,
verificamos diferenças econômicas entre as regiões. Desta maneira, podemos afirmar
que há regiões que são mais industrializadas, enquanto outras são mais agrícolas.
Portanto, disserte sobre quais são as regiões mais industrializadas do Brasil.

18
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
MÉTODO REGIONAL DE DIVISÃO E
ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL:
REGIONALIZAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Iniciaremos a nossa reflexão ponderando que as leituras realizadas e traba-
lhadas nesta unidade passaram por desdobramentos ao longo do tempo, o que nos
possibilitou o aprofundamento em diferentes abordagens e discussões geográficas. O
método regional de divisão e de organização do espaço mundial, a regionalização, não
ficou somente na ciência geográfica, e sim expandiu-se por outras áreas de conheci-
mentos, e nos fez dialogar por meio de regionalizações dos espaços.

Desse modo, vamos dividir o tópico em três partes. Na primeira serão abordados
os fundamentos do conceito de regionalização, atrelado à globalização, que provoca
uma regionalização em várias escalas, uma regionalização geopolítica. Na segunda
parte será abordada a regionalização como processo de divisão do espaço mundial,
pois a realidade é dinâmica. Os processos de regionalização dos espaços também
acompanham essa dinâmica espacial, o que nos possibilita entender as diferentes
formas de regionalização.

Por fim, na terceira parte, vamos iniciar os assuntos referentes às perspectivas


contemporâneas dos estudos regionais, que contribuirá para visualizar futuramente nas
próximas unidades os tipos de regionalizações abordadas.

2 O CONCEITO DE REGIONALIZAÇÃO
É importante que façamos agora uma reflexão sobre o contexto do processo
de transformações da sociedade, que a partir dos séculos XX e XXI aceleram-se e
trazem grandes dificuldades para quem tem que refletir sobre as regionalizações e a
globalização.

A globalização, ao mesmo tempo em que tenta unificar espaço


geográfico, estimula novas diferenciações, dando margem a novas
formas de regionalizações e de transformações no meio geográfico,
gerando, em consequência, o surgimento de uma nova fase com
novas características (ANDRADE, 2001, p. 8).

19
Vemos a globalização em seu processo provocar uma estruturação de uma
regionalização em várias escalas, sendo elas, locais, estaduais, nacionais e internacionais,
se configurando não mais como na geografia tradicional, uma regionalização natural,
mas agora como uma regionalização geopolítica.

Como foi apresentado por Corrêa (2000, p. 22), “a aceitação do conceito está na
ideia de que a “superfície da terra é constituída por áreas diferentes entre si”, ou seja,
a região é um recorte espacial de um determinado espaço geográfico em que, existam
características homogêneas internas e características heterogêneas externas de outros
recortes do espaço geográfico, formando assim regiões que se diferenciam entre si.
Dessa forma, regionalizar é uma maneira de recortar, classificar, nomear e identificar
um espaço. A regionalização, é a ação de construir regiões. O conceito de região evoluiu
epistemologicamente com base nessas perspectivas filosóficas.

Regionalizar, no seu sentido mais amplo e relacionado a uma de suas


raízes etimológicas, enquanto “recortar” o espaço ou nele traçar li-
nhas, é uma ação ligada também ao sentido de orientar(-se) – como
na antiga concepção de “região” dos áugures (adivinhos) romanos
que, através de linhas ou “regiões” traçadas no céu pretendiam pre-
ver o destino de nossa vida aqui na Terra. Mas como “orientar-se”
através de nossas regionalizações num mundo que, para muitos,
encontra-se marcado mais pela desordem do que pela ordem, mais
pela precarização e vulnerabilidade do que pelo fortalecimento e es-
tabilidade de nossos vínculos territoriais? (HAESBAERTb, 2010, p. 4).

Para Gomes (2001, p. 72), as propostas de regionalização estão alicerçadas


numa reflexão política de base territorial, com controle e gestão de um território. A
regionalização não se define somente a essa divisão de áreas que se assemelham e
diversificam uma das outras, mas que “região, como foi dito anteriormente em sua
etimologia, significa domínio da relação entre um poder central e um espaço diversificado.
Há sempre uma proposição política, vista sob o ângulo regional”.

Um primeiro pressuposto é o de que “regionalizar” significa, de


saída, assumir a natureza do regional, hoje, ao mesmo tempo como
condicionado e condicionante em relação aos chamados processos
globalizadores – ou melhor, como seu constituinte indissociável – a
ponto de, muitas vezes, regionalização e globalização se tornarem
dinâmicas tão imbricadas e complementares que passam a ser, na
prática, indiscerníveis, muitos apelando para neologismos como
“glocalização” para entender a complexidade desses processos. Mas
a globalização, como bem sabemos, está longe de ser um consenso,
em primeiro lugar por não representar um processo uniforme e,
neste sentido, não ser propriamente “global”. Muitos pesquisadores
preferem mesmo utilizar o termo sempre no plural, “globalizações”,
distinguindo aí suas múltiplas dimensões, a enorme desigualdade
com que é produzida/difundida e seus diferentes sujeitos –
tanto no sentido daqueles que prioritariamente a promovem e a
desencadeiam, quanto daqueles que a ela, basicamente, encontram-
se subordinados (HAESBAERTb, 2010, p. 4).

20
Como relatado por Haesbaert (2010), elencar o processo globalizador é
elencar juntamente o processo regionalizador, ou seja, “em nome de uma lógica
individualista-contábil mundial, este movimento propõe de alguma maneira integrar
as mais distintas áreas do planeta, “regionalizando” sobretudo na forma que melhor
convém às suas estratégias geográficas de circulação, acumulação e dominação”
(HAESBAERT, 2010b, p. 4).

O autor ainda nos apresenta um contraponto a essa articulação, processos


contraditórios e/ou ambivalentes, bem como ele denominou de contra hegemônico,
contraglobalizadores/regionalizadores, e outra a globalização e regionalização.

Mas há sempre, é claro, articulado de forma contraditória e/


ou ambivalente, um processo que podemos denominar de
contra-hegemônico – ou, mais simplesmente, de destruição das
hegemonias (no sentido da hierarquia que elas implicam), tanto de
forma mais localizada quanto mais global, como nos movimentos
contraglobalizadores (que são também, concomitantemente,
contra regionalizadores), ou melhor, por uma outra globalização-
regionalização, capitaneada fundamentalmente pelos grupos ou
classes subalternos (HAESBAERT, 2010b, p. 4).

Nessa perspectiva, temos que uma fração de espaço diferenciada pelo seu
caráter individual e singular, seja natural, social, econômico ou político, observamos
que este processo contínuo e desigual de diferenciação de áreas pode ser denominado
regionalização.

IMPORTANTE
É relevante salientarmos que as questões referentes à regionalização,
o autor traz como um processo em constante rearticulação e de ser
regional. Com isso, entendemos que por várias décadas a definição
de região e as metodologias de regionalização vêm sendo revisados
em várias disciplinas do conhecimento, notadamente no âmbito da
ciência geográfica. Culminando em muitas propostas de regionalização,
mesmo que fossem sujeitas de crítica e ressalvas.

Nesse sentido, por exemplo, entre as divisões de denominação clássicas,


podemos citar a divisão em hemisférios (norte/sul e oriental/ocidental), em continentes
(América, Europa, África, Ásia e Oceania), além de destacar e descrever de maneira
sucinta, alguns processos de regionalização do espaço mundial, que contribuíram
para que o mundo se configurasse no quadro atual, pois vocês terão oportunidade de
visualizar futuramente nos tópicos específicos os tipos de regionalizações abordadas.

21
3 REGIONALIZAÇÃO COMO PROCESSO DE DIVISÃO
DO ESPAÇO MUNDIAL
Vamos pensar, ainda, que se as áreas apresentam semelhanças entre si, deve-
se uni-las, e desta maneira teremos uma região. Ainda assim, quais os critérios que as
unem e as regionalizam?

No âmbito dessa discussão, as características e as diferenças para regionalizar


os espaços foram pautadas em divisões que levaram em consideração aspectos
históricos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e outros. As regionalizações,
portanto, retratam o dinamismo dos processos produtivos pautados em diferentes
maneiras de apropriação de áreas, a partir do colonialismo, imperialismo, socialismo
e capitalismo que desenharam a composição regional em: Velho Mundo, Novo Mundo
e Novíssimo Mundo; países centrais e periféricos ou países capitalistas e socialistas;
países do primeiro, segundo e terceiro mundo; países desenvolvidos e subdesenvolvidos;
países do norte (ricos) e países do sul (pobres). Vamos pensar quais critérios e tipos de
regionalização já foram pensadas.

Compreende-se que cada proposta de regionalização é fundamentada por


finalidades e critérios, como exemplo, portanto, se a finalidade do estudo é realizar uma
análise das atividades econômicas dos países da América Latina, os critérios adotados
terão como referência os elementos e os tipos de atividades econômicas, como, volume
de produção, matéria-prima, indústrias, comércio, exportação, importação, entre outros
elementos. Outro exemplo que também podemos resgatar são as paisagens naturais
do estado do Amazonas, os critérios que serão adotados terão como referência os
elementos e fatores naturais, bem como clima, hidrografia, relevo, solo, vegetação.
Assim, para realizar a regionalização vai depender do foco e tema do estudo, com
critérios finalidades bem alinhadas.

As regionalizações mundiais podem ocorrer através de diversas formas, como


já relatado anteriormente. Seguem exemplos de formas e maneiras que podemos de-
limitar o espaço por meio das características elegidas, bem como as regionalizações
mundiais mais comuns e conhecidas é por continentes, paisagens naturais, cultura e
aspectos econômicos.

• Continentais

Abordam o critério da distribuição geográfica dos países pelos continentes


da Terra. Regionalizando o mundo desta forma, temos seis continentes: África, Ásia,
Europa, América, Oceania e Antártica.

22
FIGURA 5 – REGIONALIZAÇÃO POR CONTINENTES

FONTE: <https://www.estudopratico.com.br/continentes-quais-sao-e-paises/>. Acesso em: 18 out. 2021.

DICA
Para valorizar e aprender mais sobre mapas e continentes, acesse a página do IBGE,
ao Atlas Geográfico Escolar na internet! Você vai encontrar ilustrações animadas sobre
geografia e cartografia, e consulta a mapas do Brasil e do Mundo de uma forma fácil e
atraente, onde poderá levar o seu aluno a realizar pesquisas e buscas interativas.
IBGE traz até você o Atlas Geográfico Escolar em duas diferentes versões, revisadas e
atualizadas e que abordam vários aspectos da nossa realidade e de outras nações, tais
como: diversidade ambiental e cultural, características demográficas, espaço econômico,
urbanização, espaço de redes, regionalização, desigualdades socioeconômicas, estrutura
da população, recursos naturais, redes de transportes e indicadores econômicos,
ambientais e sociais. O Atlas traz também explicações sobre a formação
dos continentes, forma da terra, coordenadas geográficas, altitude, GPS,
projeções, escala, sensoriamento remoto, aerofotogrametria, convenções
cartográficas e mapeamento temático.
O Atlas do IBGE também contempla os parâmetros e Referências
Curriculares Nacionais (PCN) do MEC. Reunindo informações geográficas,
cartográficas e estatísticas, o Atlas oferece um conjunto de informações
imprescindíveis para o estudo e a análise das dimensões política,
ambiental e econômica do Brasil e de outros países. Apresenta-se em
duas versões: livro ou internet. Seguem os links de ambos para você
realizar a pesquisa:
Link do atlas escolar: https://atlasescolar.ibge.gov.br/mapas-atlas/
mapas-do-mundo/divisoes-politicas-e-regionais.html
Link do Livro: https://atlasescolar.ibge.gov.br/versoes-do-atlas/livro
Link do material da internet: https://atlasescolar.ibge.gov.br.

23
• Paisagens Naturais – BIOMAS

Abordam a regionalização da unidade geográfica com um tipo de vegetação


característica, ou seja, o bioma é uma grande extensão de terra que possui características
climáticas e de vegetação próximas.

FIGURA 6 – REGIONALIZAÇÃO POR BIOMAS

FONTE: <https://querobolsa.com.br/enem/biologia/ecossistema>. Acesso em: 18 out. 2021.

• Cultural

Regionaliza e cria regiões de acordo com a cultura da sociedade, em divisões


de idioma, hábitos, religiões, etnias, entre outras. Segue, na Figura 7, o exemplo de
refugiados em 2017 e do deslocamento por turismo no mundo em 2016.

24
FIGURA 7 – REFUGIADOS – 2017

FONTE: <https://atlasescolar.ibge.gov.br/mapas-atlas/mapas-do-mundo/estrutura-e-dinamica-da-popula-
cao.html>. Acesso em: 18 out. 2021.

25
FIGURA 8 – TURISMO – 2016

FONTE: <https://atlasescolar.ibge.gov.br/images/atlas/mapas_mundo/mundo_turismo.pdf>. Acesso em: 18


out. 2021.

• Aspectos econômicos

Abordam a classificação de ricos ou pobres; desenvolvidos ou subdesenvolvidos;


blocos econômicos, como os BRICs, os Tigres Asiáticos, a União Europeia; países ricos
ou pobres, dentre outras divisões. Podemos pensar os Blocos Econômicos como
um grande quebra-cabeça e nele está a regionalização atual dos diferentes arranjos
econômicos e políticos. Ou seja, os países se organizam em blocos para criar e proteger
mercados regionais e a concorrência da globalização das relações econômicas. A seguir,
vemos os Blocos Econômicos mapeados pelo IBGE (2020):

26
FIGURA 9 – BLOCOS ECONÔMICOS – 2018

FONTE: <https://atlasescolar.ibge.gov.br/images/atlas/mapas_mundo/mundo_blocos_economicos.pdf>.
Acesso em: 18 out. 2021.

Historicamente, no contexto mundial, os blocos são associações criadas


entre os países e que estabelecem relações entre eles. Surgem através da constante
concorrência das economias mundiais, com o objetivo de dinamizar e intensificar a
cooperação econômica no mundo globalizado, em que as barreiras do comércio são
reduzidas ou eliminadas. Com a participação nesse bloco, os países tendem a levar os
seus produtos e serviços para outros lugares com algumas vantagens, como: Zonas de
Livre Comércio, União Aduaneira, Mercado Comum e União Econômica e Monetária.

27
DICA
Para nos aprofundarmos mais do conceito de globalização, o livro do
geógrafo Milton Santos nos ajuda a refletir sobre o tema. Leia: SANTOS, M.
Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal,
19. ed., Rio de Janeiro: Record, 2010.
Para compreender a transformação e a regionalização político-
administrativa do capitalismo, indicamos para a leitura mais aprofundada
do tema, o livro: HARVEY, David. A transformação político-econômico do
capitalismo do final do século XX. In:_____. A Condição Pós-moderna: uma
pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Edições Loyola, 1992.

4 PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS DOS ESTUDOS


REGIONAIS
Como vimos no decorrer da leitura, os movimentos e perspectivas revelam
complexos processos sociais de múltiplas dimensões da região. De acordo com
Haesbaert (2010, p. 21), esses processos podem ser vistos por processos de articulação
e desarticulação regional:

Eles podem ser vistos dentro de um amplo continuum de construção


daquilo que propomos denominar de des-articulação regional
(sempre dentro de um movimento de mão dupla), desde aquelas
articulações dominadas por uma maior coesão simbólica, até aquelas
marcadas muito mais por uma coesão de ordem funcional. Não é
pelo fato de não termos uma forte consciência ou identidade regional
que a região, obrigatoriamente, deixará de existir, pois ela pode estar
sustentada pelos laços funcionais de um arranjo socioeconômico
que lhe dota de especificidade dentro das dinâmicas de diferenciação
geográfica em sentido mais amplo. A especificidade dessa articulação
(ou “combinação”) de elementos pode ou não se articular a uma
coesão também ao nível simbólico-cultural, identitário.

Conforme o autor, o mundo atualmente se configuraria como regiões zonas


e regiões redes com uma articulação espacial consistente, e relata que é colocada a
diferenciação de áreas e a articulação e desarticulação das redes

Propomos manter o termo região, em sentido mais estrito, para esses


espaços momento que resultam efetivamente em uma articulação
espacial consistente (ainda que mutável e “porosa”), complexa, seja
por coesões de dominância socioeconômica, política e/ou simbólico-
cultural. Nesse caso cabe sempre discutir a força espacial/regional,
ao mesmo tempo articuladora e desarticuladora, a partir dos sujeitos
(socioeconômicos e/ou culturais) e interesses políticos envolvidos.
Muitas vezes é para ou em relação a apenas algum(ns) grupo(s) que
a região efetivamente se constitui – e, nesse sentido, sem dúvida, o
que representa articulação para uns pode representar desarticulação

28
para outros. Uma das questões mais relevantes, hoje, pela força
crescente de sua evidência, é que articulações regionais do espaço
podem se manifestar não apenas na tradicional forma zonal,
geralmente contínua, mas também em redes, dentro de uma lógica
descontínua de articulação reticular (HAESBAERT, 2010, p. 21).

Portanto, isso é fundamental para entender as configurações regionais atuais,


pois inicia-se a intensificação da mobilidade e dos processos de exclusão social. Isso se
deve tanto à intensificação da mobilidade – especialmente das migrações – quanto dos
chamados processos de exclusão social (ou de precarização da inclusão. No primeiro
caso, da intensificação da mobilidade humana, podemos ter a formação de “redes
regionais” (HAESBAERT, 1997), onde elementos de regionalidade se reproduzem num
espaço mais fragmentado, enquanto no segundo podem surgir “regiões com buracos”
(ALLEN; MASSEY; COCHRANE, 1998), em que a articulação regional efetivamente só
alcança determinados grupos ou classes e, consequentemente, espaços, deixando
outros à margem do processo de coesão.

29
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O processo da globalização provoca a estruturação de uma regionalização,


delimitando o espaço geográfico em várias escalas: locais, estaduais, nacionais e
internacionais. Assim, não se configura mais como na geografia tradicional, uma
regionalização natural, mas agora como uma regionalização geopolítica.

• As regionalizações mundiais podem ocorrer através de diversas formas, bem como


por continentes, paisagens naturais, culturais e os aspectos geoeconômicos.

• O conceito de rede geográfica é o conjunto de localizações humanas articuladas


entre si por meio de vias e fluxos.

• O mundo é um espaço de encontros e conexões, ou seja, conectado e interligado por


meios de redes.

• As redes geográficas nos ajudam a compreender e perceber a sociedade, o espaço


contemporâneo em um mundo desigual e globalizado, com grandes e profundas
articulações sociais, econômicas, culturais, espaciais e históricas.

30
AUTOATIVIDADE
1 Um dos aspectos que caracterizam o processo de globalização é a formação de
blocos econômicos regionais, criados e mantidos com base em realidades e anseios
dos países membros. Os blocos são associações criadas entre os países e que
estabelecem relações entre eles. Com base nisso, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) A participação em algum bloco os países tendem-se a levar seus produtos e


serviços para outros lugares com algumas vantagens.
( ) Surgem através da constante concorrência das economias mundiais, com o objetivo
de dinamizar e intensificar a cooperação econômica no mundo globalizado, onde
as barreiras do comercio são reduzidas ou eliminadas.
( ) Os blocos econômicos questionam os caminhos percorridos pela economia global
dos tempos atuais, tendo por lema “uma outra globalização é possível”.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

2 Em 2020, o mundo foi surpreendido pela pandemia de COVID-19, que além de pa-
ralisar a vida e o sistema econômico dos países, também expôs a fragilidade do
sistema capitalista. Desde então, diversos campos da ciência, especialmente, a
biotecnologia, tem sido explorada em busca de respostas e soluções para que a
vida seja normaliza de forma imediata. Selecione ao menos três fatos que ocorre-
ram durante a pandemia que chamaram sua atenção. Pesquise matérias em sites,
jornais e veículos de comunicação confiáveis e disserte sobre os fatos e identifique
se o conceito de redes geográficas está presente.

3 No contexto mundial, os blocos são associações criadas entre os países e que


estabelecem relações entre eles. Surgem através da constante concorrência das
economias mundiais, com o objetivo de dinamizar e intensificar a cooperação
econômica no mundo globalizado, em que as barreiras do comércio são reduzidas
ou eliminadas. Sobre o exposto, comente acerca de um bloco econômico relatado no
Tópico 2.

31
4 “A regionalização caracterizada pela divisão entre Primeiro, Segundo e Terceiro
Mundo foi amplamente utilizada durante a Guerra Fria, período em que prevaleceu
a rivalidade entre duas superpotências. No começo da década de 1990, o termo
Segundo Mundo tornou-se obsoleto, pois deixou de ser representativo. Nesse
contexto, foram estabelecidas novas regionalizações com o objetivo de expressar
com maior exatidão a organização do espaço mundial contemporâneo”.

FONTE: BOLIGIAN, L.; ALVES, A. Geografia: espaço e vivência (Ensino Médio). São Paulo: Atual Editora, 2007
(volume único). p. 410 (Adaptação).

A partir do trecho, qual é a regionalização que não expressa com “maior exatidão a
organização do espaço mundial contemporâneo”?

a) ( ) Países ricos / países pobres (regionalização fundamentada no desenvolvimento


econômico e tecnológico).
b) ( ) Países centrais / países periféricos (regionalização fundamentada no papel
exercido no sistema capitalista).
c) ( ) Países desenvolvidos / países subdesenvolvidos (regionalização fundamentada
nas desigualdades socioeconômicas e nível de vida da população).
d) ( ) Países capitalistas / países socialistas (regionalização fundamentada na
realidade político-econômica global).

5 Entendemos que por várias décadas a definição de região e as metodologias


de regionalização vêm sendo revisados em várias disciplinas do conhecimento,
notadamente no âmbito da ciência geográfica, culminando em muitas propostas de
regionalização, mesmo que fossem sujeitas de crítica e ressalvas. Neste contexto,
qual divisão aborda a regionalização pela classificação da vegetação?

a) ( ) Continentes.
b) ( ) Paisagens naturais.
c) ( ) Cultura.
d) ( ) Aspectos econômicos.
e) ( ) Religiosos.

32
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
A REGIONALIZAÇÃO DO BRASIL NO
CONTEXTO MUNDIAL

1 INTRODUÇÃO

Como vimos, a definição de região e as metodologias de regionalização foram


por vezes desenvolvidas e revisadas na geografia por vários autores. Notadamente,
diversas propostas de regionalização foram elaboradas. Neste sentido, no Tópico 3
iremos trabalhar e entender a regionalização do espaço geográfico brasileiro.

O tópico que segue procura apresentar que o Brasil foi dividido de várias
formas ao longo de toda a sua história, com fundamentos como: o contexto histórico
e a geografia quantitativa, o processo histórico de formação do território brasileiro
e também alguns autores levam em conta as regiões com semelhanças históricas,
econômicas e culturais.

Este tópico é divido em quatro partes, a primeira engloba a regionalização


do espaço brasileiro a partir do geógrafo Pedro Pinchas Geiger, a segunda parte faz
recordar os Três Brasis do autor Roberto Lobato Corrêa, que atualizou a divisão regional
das três grandes regiões geoeconômicas do território brasileiro. A terceira parte irá
apresentar a proposta de regionalização elaborada por Milton Santos e Maria Laura
Silveira, em 2001. Por fim, surge, assim, a divisão regional do Brasil, em que se destacam
a divisão geoeconômica e a divisão político-administrativa (IBGE), conjunto de estados e
municípios em regiões, para desenvolver o conhecimento regional do país e a definição
de uma base territorial com levantamentos de dados estatísticos, e desenvolver o
conhecimento do território para a implantação de políticas públicas e a sua gestão,
utilizando os dados e atualizando até os dias atuais pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, como veremos posteriormente no texto.

2 AS REGIÕES GEOECONÔMICAS DE PEDRO PINCHAS


GEIGER
Primeiramente, vamos relatar as regionalizações do geógrafo Pedro Pinchas
Geiger, que em 1967 propôs uma divisão regional do país em três Regiões Geoeconômicas
ou Complexos Regionais, baseada nos processos históricos de formação do território
brasileiro, direcionado pelos efeitos da industrialização.

33
Na década de I960, a organização regional do Brasil é representada
fundamentalmente por três unidades maiores: o CENTRO-SUL, o
NORDESTE e a AMAZÓNIA. Esta organização resultada evolução
económica e social pela qual o país passa nos tempos atuais e de
diferenciações regionais estabelecidas ao longo de toda nossa
história (GEIGER, 1969, p. 36).

O autor buscou refletir a realidade do país que vivenciava e assim compreender


seus contrastes. Assim, na sua organização regional observou as relações sociais e
políticas associadas aos espaços em concordância com seus processos históricos,
culturais e principalmente econômicos. De acordo com Geiger (1969) são três as regiões
geoeconômicas: Amazônia, Centro-Sul e Nordeste.

FIGURA 10 – AS REGIÕES GEOECONÔMICAS DE PEDRO PINCHAS GEIGER – 1967

FONTE: <https://bit.ly/3tBHW2X>. Acesso em: 18 out. 2021.

A figura nos mostra que as regiões geoeconômicas propostas por Geiger,


não se limitam apenas às fronteiras entre os Estados, elas se entrelaçam através das
fronteiras. Significante característica, pois o autor não levou em conta os limites político-
administrativos dos estados nacionais, permitindo uma delimitação das regiões com

34
contornos mais precisos. Como exemplo, temos o sul do Mato Grosso, que se encontra
no Centro-Sul, enquanto o restante do território do Mato Grosso está localizado na
região geoeconômica da Amazônia. Portanto, essa regionalização ofereceu uma nova
maneira de entender a história da produção do espaço brasileiro.

Como podemos ver, essa proposta de divisão regional não delimita suas regiões
geoeconômicas por meio dos limites estaduais, levam-se em consideração as condições
naturais e humanas, como os aspectos econômicos, históricos e sociais referentes à
realidade do nosso país. Portanto, o critério utilizado por Geiger é o socioeconômico,
e não leva em conta os limites estaduais, pois, cada complexo regional tem suas
características próprias e relevantes em comum que ultrapassam as divisões político-
administrativas dos estados, que foram caracterizadas pelo IBGE.

Desenvolveu-se como uma proposta com um novo discurso com relação as


outras regionalizações que existiam nas décadas de 1960 e 1970, levando em conta
novos parâmetros que se davam em outros países também, como a homogeneidade de
elementos ou fatores do espaço, verificando qual o elemento ou critério mais dinâmico
e que interfere, tendo destaque na organização da vida regional e na evolução de outros
fenômenos geográficos.

Nesse sentido, esse processo de regionalização refletiu a nova realidade nacional


pós décadas de 1950 e 1960, ou seja, o Brasil saía de um modelo econômico agrário-
rural para o industrial-urbano, produzindo assim um novo processo de homogeneização e
novas relações produziam o espaço nacional, e escala nacional e mundial.

3 OS TRÊS BRASIS – ROBERTO LOBATO CORRÊA


Tal proposta analisada e desenvolvida por Geiger teve transformações e
modificações nas últimas décadas, as regiões se redefiniram na divisão territorial
do trabalho, das relações sociais e econômicas entre as diversas áreas do Brasil.
A sua análise foi fundamental para as próximas regionalizações sobre a realidade
nacional. Em seguida, outros autores atualizaram a divisão regional das três grandes
regiões geoeconômicas do território brasileiro e que foi realizada por Roberto
Lobato Corrêa, que discute a realidade destas regiões no final da década de 1980
e início dos anos 1990, que apresenta o espaço brasileiro em os Três Brasis, que reflete
sobre os processos sociais e econômicos que a partir da década de 1950 passam a atuar
sobre a organização espacial brasileira, e geraram uma nova regionalização e que se
caracterizaram em três grandes regiões (CORRÊA, 1989).

Para Corrêa (1989), os Três Brasis são a Região Amazônia, Região Centro-Sul e
Região Nordeste, como segue na figura a seguir:

35
FIGURA 11 – OS TRÊS BRASIS – ROBERTO LOBATO CORRÊA – 1989

FONTE: (SILVA, 2010, p. 11).

Para Corrêa (1989), as regiões são expressões de uma nova divisão territorial
do trabalho, que vem vinculada à dinâmica da acumulação capitalista internacional e
brasileira e os conflitos de classes.

A nova divisão territorial do trabalho desfaz e refaz a organização


espacial e a cada etapa a desigualdade socioespacial é refeita; a
regionalização é refeita, desfazendo antigas regiões que tiveram
existência sob outros processos e condições. Neste aspecto o Brasil
é um amplo laboratório de experiências já realizadas e a se realizarem,
isto e, de construção e reconstrução do território (CORRÊA, 1989, p. 9).

Esta compreensão da regionalização do território brasileiro diferencia os Três


Brasis entre as especializações produtivas, distintos modos e intensidades de circulação
e consumo, pela gestão das atividades, distintas organizações espaciais e níveis de
circulação interna, inter-regional e internacional, como vemos a seguir (CORRÊA, 2001):

✓ Região Amazônia: tem a presença ainda marcante dos elementos naturais, com apro-
priação indevida dos recursos naturais, como a terra, os recursos minerais e a madeira,
sendo considerada, então, a fronteira do capital na atualidade; considera a ocupação

36
humana escassa, concentrada em áreas do litoral e de certos rios, e ao mesmo tempo
apresenta forte processo de dizimação física e cultural de elementos humanos, como
o índio, e parte da população local, como os seringueiros, além de diferentes tipos de
conflitos sociais ligados, por exemplo, à terra; Região que recebe variadas correntes
migratórias oriundas, por exemplo, do Centro-Sul, através da chamada ‘modernização
dolorosa’ e excludente vivenciada nessa região, e do Nordeste, principalmente, a par-
tir dos graves problemas sociais do seu meio rural; Recebe investimentos pontuais de
capital e uma política de integração ao mercado do Centro-Sul, principalmente através
da construção de rodovias; Na economia predominam o extrativismo animal, vegetal
e mineral. Destacam-se, também, o polo petroquímico da Petrobras e a Zona Franca
de Manaus, que fabrica a maior parte dos produtos eletrônicos brasileiros.

✓ Região Nordeste: é caracterizada como subordinada economicamente ao Centro-


Sul, inclusive no que diz respeito ao controle externo de suas atividades mais
dinâmicas, e à incipiente articulação interna, visto que suas principais vias a ligam à
região Centro-Sul; O setor agropecuário tem perdido gradativamente seu destaque
em nível nacional; como exemplo está a menor importância no mercado nacional
de produtos como a cana-de-açúcar, o algodão e o cacau; Constitui região de
perda demográfica, em um primeiro momento para o Centro-Sul, e pós-1970 para
a Amazônia. Acentuam se, no entanto, mais recentemente, os fluxos migratórios
intrarregionais em direção às capitais estaduais; existem muitos contrastes sociais,
com baixos níveis de escolaridade e qualidade de vida, mas, ao mesmo tempo,
destaque de um pequeno e influente grupo de elevada renda; Menor variedade e
densidade das formas espaciais, e, por outro lado, destaque no plano político nacional
através da influência de grupos dominantes no poder.

✓ Região Centro-Sul: é a região política e economicamente mais dinâmica do


país, mais urbanizada do país, com os estados mais importantes e se destacando,
sendo São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, e que concentra os principais centros
de gestão econômica e política. Tem as sedes sociais das grandes corporações
privadas vinculadas à produção, distribuição e circulação, bem como a sede das
empresas estatais; Concentra a produção industrial do país, sendo as principais
áreas aquelas do entorno de São Paulo, Belo Horizonte, Joinville e Porto Alegre;
Com uma promissora megalópole entre São Paulo e Rio de Janeiro; Possui densa
rede de circulação, com a localização dos principais portos e aeroportos, bem como
uma ampla rede rodoferroviária e modernos meios de comunicação, Principal área
agropecuária do país, é também a mais afetada pela modernização da agricultura;
Principal área de mobilidade demográfica, intra e inter-regional; Área de grandes
contrastes sociais, com profundos desníveis de renda, de consumo e de qualidade
de vida; Sua população representa 70% da população nacional.

37
DICA
Vale a pena assistir aos vídeos em homenagem ao geógrafo Milton
Santos para compreender os trabalhos realizados por ele em defesa
da Geografia, em especial, da Geografia Humana. Acesse: https://www.
youtube.com/watch?v=Y51aSaBC614&gt e https://www.youtube.com/
watch?v=9jOmsQ-2sg8&gt.

Para complementar seus estudos, assista ao vídeo disponível no link a


seguir, que discorre sobre como Milton Santos, em 2001, interpretou o
Brasil em quatro Brasis. Partilhe com o tutor e colegas o que aprendeu
com o vídeo. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=JSa_pHOheeY.

ATENÇÃO
Vamos recordar o conceito de meio geográfico. Ele é fundamental para compreender a
regionalização. Milton Santos, em seus livros, aborda que o espaço geográfico é produto
e condição para a realização da vida social e contém elementos naturais (rios, planaltos,
montanhas etc.) e artificiais (objetos criados pelo homem). A história de nossa sociedade
sobre o planeta é a história do trabalho humano no processo contínuo de transformação
da natureza para conseguir atender as suas necessidades historicamente
dadas, criando, assim, um meio no qual a vida pode ser progressivamente
mais confortável. Neste processo, o homem produz objetos geográficos
por meio da constante criação de novas técnicas e com isso “tecnifica”
seu meio, afastando-o cada vez mais de suas condições naturais originais.
Os grandes períodos da história humana, de forma sucinta, seriam
marcados pela complexidade das técnicas incorporadas neste espaço. No
estágio atual de desenvolvimento, predomina o meio técnico-científico-
informacional, caracterizado pela grande presença de objetos técnico-
científicos e da informação no território. É a partir deste conceito que
Milton Santos aborda o território nacional (BOSCARIOL, 2017, p. 193).

4 OS QUATRO BRASIS – MILTON SANTOS


Seguimos, agora, com a proposta de regionalização elaborada por Milton
Santos e Maria Laura Silveira, em 2001. Os autores propõem a regionalização do Brasil
em “quatro brasis”, com o propósito de compreender os aspectos socioeconômicos
e o meio geográfico presente nas regiões. Apresentando o entendimento do meio
técnico-científico-informacional, ou seja, a informação e as finanças estão irradiadas de
maneira desiguais e distintas pelo território brasileiro. Para Santos e Silveira (2001), as
quatro regiões que denominaram “quatro brasis”, são a Região Amazônica, Região
Nordeste, Região Centro-Oeste, Região Concentrada (Sul-Sudeste).

38
FIGURA 12 – OS QUATRO BRASIS – MILTON SANTOS

FONTE: Santos (2001, p. 268).

Os Quatro Brasis compreendem uma proposta de divisão regional com critérios


e elementos por meio das heranças e a difusão diferencial do meio técnico-científico-
informacional, ao realizar o modelo de regionalização utilizaram critérios econômicos e
tecnológicos, que estão ligadas às áreas de financeiras, comercial, serviços, industrial e
da agropecuária, bem como:

O uso do território pode ser definido pela implantação de infraestru-


tura, para as quais estamos igualmente utilizando a denominação
sistemas de engenharia, mas também pelo dinamismo da economia
e da sociedade. São os movimentos da população, a distribuição da
agricultura, da indústria e dos serviços, o arcabouço normativo, in-
cluídas a legislação civil, fiscal e financeira, que, juntamente com o
alcance e a extensão da cidadania, configuram as funções do novo
espaço geográfico (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 21).

Tendo como base esses entendimentos, os autores realizam uma caracterização


do território com seus vínculos de dependência, independência, subordinação, controle
entre as várias regiões nacionais e para melhor entendimento da proposta, observe com
atenção a espacialização dessa proposta.

✓ Região Amazônica: é apresentada com baixas densidades técnicas e demográficas,


rarefação, tanto de população quanto de técnicas, sendo uma região de tempo lento,
com enclaves modernos (megaprojetos econômicos), em um meio pré-técnico,
vinculada a um sistema informacional que se configura externo a esta.
✓ Região Concentrada: é a região que concentra a maior população, as maiores
indústrias, os principais portos, aeroportos, shopping centers, supermercados, as
principais rodovias e infovias, as maiores cidades e universidades. Portanto, é a
região que reúne os principais meios técnico-científicos e informacionais do país,
concentrando e centralizando o controle do capitalismo nacional.

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✓ Região Nordeste: primeira região a ser povoada, como um espaço de rugosidades
ou marcas de herança do passado no espaço geográfico, oferecendo resistências à
difusão do meio técnico-científico informacional, apresenta uma agricultura pouco
mecanizada se comparada à Região Centro-Oeste e à região Concentrada.
✓ Região Centro-Oeste: apresenta uma agricultura globalizada, isto é, moderna,
mecanizada, produtiva e competitiva. de ocupação periférica e subordinada aos
interesses das firmas da região concentrada.

DICA
Para um melhor entendimento sobre o processo de análise de Milton
Santos e Maria Laura Silveira, sobre a divisão do país em “Quatro Brasis”,
leia o livro O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. A
obra relata as especificidades do território brasileiro, mas usam como
mediação o homem: o como, por quê, para quê e onde da interação dele
com o espaço geográfico.

5 AS DIVISÕES REGIONAIS SEGUNDO O INSTITUTO


BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE)
Por fim, chegamos às divisões realizadas pelo IBGE, em que atualmente o
Brasil é dividido em cinco regiões que englobam os estados das regiões Região Norte,
Região Nordeste, Região Centro-Oeste, Região Sudeste e Região Sul. A divisão regional
do Brasil é responsabilidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As
divisões regionais do Brasil, segundo o IBGE, adotaram várias divisões em 1940, 1960,
1968, 1976 e 1990. Contemplando os conceitos de Zonas Fisiográficas (década de 1940
e 1960), Microrregiões e Mesorregiões Homogêneas (1968 e 1976, respectivamente) e
Mesorregiões e Microrregiões Geográficas (1990). Além disso, diversos trabalhos e artigos
foram e são publicados na Revista Brasileira de Geografia tratando da regionalização do
país (IBGE, 2020).

Conforme o IBGE, as divisões regionais se estabeleceram em diversas escalas


de abrangência ao longo do tempo, conduzindo, em 1942, à agregação de Unidades
da Federação em Grandes Regiões definidas pelas características físicas do território
brasileiro e institucionalizadas com as denominações de: Região Norte, Região Meio-
Norte, Região Nordeste Ocidental, Região Nordeste Oriental, Região Leste Setentrional,
Região Leste Meridional, Região Sul e Região Centro-Oeste.

40
Nas décadas seguintes, 1950 e 1960, houve transformações ocorridas no es-
paço geográfico brasileiro, e portanto uma nova divisão em Macrorregiões foi elaborada
em 1970, introduzindo conceitos e métodos reveladores da importância crescente da
articulação econômica e da estrutura urbana na compreensão do processo de orga-
nização do espaço brasileiro, do que resultaram as seguintes denominações: Região
Norte, Região Nordeste, Região Sudeste, Região Sul e Região Centro-Oeste, que per-
manecem em vigor até o momento atual, conforme figura a seguir:

FIGURA 13 – MAPA POLÍTICO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

FONTE: <https://bit.ly/3Kt0SHV>. Acesso em: 24 jan. 2022.

41
A divisão regional constitui uma tarefa de caráter científico e, desse modo, está
sujeita às mudanças ocorridas no campo teórico-metodológico da Geografia, que afetam
o próprio conceito de região. Assim, as revisões periódicas dos diversos modelos de di-
visão regional adotados pelo IBGE foram estabelecidas com base em diferentes aborda-
gens conceituais, visando traduzir, ainda que de maneira sintética, a diversidade natural,
cultural, econômica, social e política coexistente no Território Nacional (IBGE, 2020).

Portanto, vemos que o IBGE adotou várias divisões regionais do Brasil, sendo
a última delas em 1990 resultante do papel de definir uma única divisão regional do
país, e o instituto é o órgão responsável por propor mudanças para o mesmo, quando
necessárias, sendo assim, realiza várias regionalizações apresentadas como um
conjunto de informações divulgadas em livros, artigos e também disponibilizadas
no portal do IBGE na internet, com o objetivo de oferecer aos órgãos das esferas
governamentais e privadas subsídios de planejamento e tomada de decisões e para
o conhecimento científico um aprofundamento de conhecimento geográfico territorial
acerca da complexa realidade espacial do Brasil.

INTERESSANTE
Você sabe como o IBGE considera o conceito de Região de influência?

O IBGE realiza a regionalização de influências das cidades, sendo uma pesquisa denominada
“Regiões de Influência das Cidades – REGIC”. Que define a hierarquia dos centros urbanos
brasileiros e delimita as regiões de influência a eles associados. É nessa pesquisa em que
se identificam, por exemplo, as metrópoles e capitais regionais brasileiras e qual o alcance
espacial da influência delas. Considerando que a região de influência de uma centralidade
é o território resultante de um processo de formações, compreendendo históricas, coesões
territoriais, culturais e identitárias, relacionadas as características naturais e sociais. Com
a nova e atualizada publicação da pesquisa Regiões de influência das cidades – 2018, o
IBGE traz o quadro de referência da rede urbana brasileira, com estudo que se constitui a
quinta versão dessa linha de pesquisa. O estabelecimento das hierarquias e dos vínculos
entre as Cidades, bem como a delimitação das áreas de influência, foram construídos
com base em pesquisa específica que mobilizou a Rede de Agências do IBGE para o
levantamento de dados primários com o uso de dispositivos móveis de coleta que facilitam
a crítica e a verificação do processo de pesquisa e agilizam a geração de
resultados. Além disso, a caracterização da rede urbana também contou
com o levantamento de registros administrativos úteis para a temática
sobre a qual a presente publicação se debruça. A pesquisa atual dá
continuidade aos trabalhos anteriores publicados em 1972, 1987, 2000
e 2008, mantendo e aprimorando os aportes teóricos e a metodologia,
especificamente em relação à última versão do trabalho. Além da
própria publicação, que contém a rede urbana e as análises setoriais
que auxiliam a melhor qualificação dos resultados, o IBGE também
disponibiliza, em seu portal na Internet, a base de dados levantada, útil
para estudos que enfoquem outros temas ou áreas em outras escalas
além da nacional. Além disso, considerando que o IBGE realiza essa
linha de pesquisa há cinco décadas, a presente publicação contribui
para a compreensão da evolução histórica do fenômeno urbano
no País. Espera-se que, como nas versões anteriores, este estudo

42
seja útil tanto para o planejamento da localização de investimentos e da implantação de
serviços públicos e privados, que levem em consideração as relações espaciais que afetam
o seu funcionamento, quanto como quadro de referência para pesquisas de avaliação das
condições de acesso da população aos bens e serviços que lhe são disponibilizados.
Segundo o IBGE, os objetivos do Regic são: hierarquizar os centros urbanos, delimitar as
regiões de influência associadas aos centros urbanos, compreender a articulação entre
as cidades e subsidiar o planejamento e as decisões quanto à localização das atividades
econômicas de produção e consumo, das atividades culturais, dos serviços públicos, entre
tantas outras possibilidades (IBGE, 2018), como vemos na figura:

REDE URBANA DO BRASIL – 2018

FONTE: IBGE (2018)

Para compreender melhor a regionalização de influências das cidades por meio dos
levantamentos do IBGE (2018), acesse o site do IBGE, na plataforma geográfica interativa
(PGI) e encontre diversos mapas para consulta, download e impressão, e na plataforma
interativa pode estar trabalhando com o aluno e desenvolvendo com eles os seus próprios
mapas.

FONTE: <https://www.ibge.gov.br/apps/regic/>. Acesso em: 18 nov. 2021.

43
Portanto, no Brasil, o conceito de região foi desenvolvido nos Departamentos
de Geografia e de Estudos Geográficos do IBGE, surgindo os estudos de tipologia e
divisão regional. Em 2018, como exemplo, o IBGE atualizou o quadro de referência da
rede urbana brasileira, chegando à quinta versão da pesquisa, que dá continuidade aos
trabalhos anteriores publicados em 1972, 1987, 2000 e 2008, com o aprimoramento dos
aportes teóricos e metodológicos, contribuindo ao entendimento da evolução histórica
do fenômeno urbano no país.

44
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O Brasil foi regionalizado de várias formas ao longo de toda a sua história.

• Na divisão do Brasil foi levado em conta o contexto histórico, a geografia quantitativa,


o processo histórico de formação do território brasileiro e as regiões com semelhanças
históricas, econômicas e culturais.

• O geógrafo Pedro Pinchas Geiger propôs uma divisão regional do país em três
Regiões Geoeconômicas ou Complexos Regionais, baseada nos processos históricos
de formação do território brasileiro.

• O Brasil é apresentado em “Quatro Brasis” pelo geografo Milton Santos, com o


propósito de compreender os aspectos socioeconômicos e o meio geográfico
presente nas regiões.

• As divisões das regiões do Brasil realizadas pelo IBGE adotaram várias divisões em
1940, 1960, 1968, 1976, 1990, que se desenvolvem até os dias atuais.

• O IBGE realiza a regionalização de influências das cidades, sendo uma das pesquisas
denominada “Regiões de Influência das Cidades – REGIC”, que define a hierarquia dos
centros urbanos brasileiros e delimita as regiões de influência a eles associados.

45
AUTOATIVIDADE

1 Os geógrafos Milton Santos e Maria Laura Silveira elaboraram em 2001 uma proposta
de divisão regional baseada na difusão diferencial dos meios técnicos-científicos-
informacionais e nas heranças do passado, resultando no que se chamou de quatro
Brasis. Sobre o exposto, assinale com V ou F conforme seja verdadeiro ou falso o
que se diz a seguir sobre a regionalização dos Quatro Brasis, realizada pelo geografo
Milton Santos:

( ) A Região Centro-Oeste é marcada pela ocupação periférica e subordinada, que


apresenta uma agricultura globalizada.
( ) A Região Nordeste é a primeira região a ser povoada, constituição do meio
mecanizado se deu de forma pontual e pouco densa.
( ) A Região Amazônica é apresentada com altas densidades técnicas e demográficas.
( ) É composta pela Região Concentrada, Região Amazônia, Região Nordeste, Região
Centro-Oeste, e Região Sul, sendo que os limites que separam os complexos
regionais não são os mesmos dos territórios dos estados.

a) ( ) V – V – F – F.
b) ( ) F – F – V – V.
c) ( ) F – V – V – F.
d) ( ) V – F – V – F.

2 O autor Roberto Lobato Corrêa (1989) realizou a discussão sobre a realidade das
regiões no final da década de 1980 e início dos anos 1990, e apresentou o espaço
brasileiro em os Três Brasis, que refletia sobre os processos sociais e econômicos que
a partir da década de 1950 passam a atuar sobre a organização espacial brasileira, e
geraram uma nova regionalização e que se caracterizaram em três grandes regiões.
Sendo assim, delimite, no mapa a seguir, cada um dos Três Complexos Regionais,
desenvolvida por Corrêa.

46
3 Para Santos e Silveira (2001), as quatro regiões que denominaram “quatro brasis”,
são a Região Amazônica, Região Nordeste, Região Centro-Oeste, Região Concen-
trada (Sul-Sudeste). Considerando essa regionalização, associe os itens, utilizando o
código a seguir:

I- Região Concentrada ( ) Região de ocupação recente, apresenta uma


II- Região Centro-Oeste agricultura moderna mecanizada e produtiva.
III- Região Amazônica ( ) Região com baixa densidade técnica e demográfica.
IV- Região Nordeste ( ) Região que concentra maior população, maior número
de indústrias, portos e aeroportos, rodovias e infovias,
maiores centros urbanos e universitários, entre outros.
( ) Região cuja agricultura apresenta uma mecaniza-
ção inferior à da região Centro-Oeste e à da região
Concentrada.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) II – III – I – IV.
b) ( ) I – II – IV – III.
c) ( ) IV – III – II – I.
d) ( ) III – II – I – IV.

47
4 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é uma instituição do Governo
Federal que reúne aspectos de ordem natural e humana para dividir o território
brasileiro em regiões. Assim, como o IBGE propõe a divisão regional do Brasil?
Justifique.

5 O IBGE realiza a regionalização de influências das cidades, sendo uma pesquisa


denominada “Regiões de Influência das Cidades – REGIC”. Qual o objetivo dessa
regionalização? Justifique.

48
UNIDADE 1 TÓPICO 4 -
GEOGRAFIA, MODERNIDADE E PÓS-
MODERNIDADE

1 INTRODUÇÃO

No Tópico 4, por meio de uma abordagem teórico-empírica, estudaremos


as questões que vinculam geografia, modernidade e pós-modernidade, tendo por
fundamento os conceitos de espaço liso e espaço estriado e espaço multidimensional,
além de conceitos-chave da Geografia contemporânea, como os derivados de
territorialização, desterritorialização e reterritorialização.

Além desta Introdução, o Tópico 4 está dividido em dois temas: a) Análise


geográfica da modernidade à pós-modernidade e b) Do espaço liso aos espaços estriado
e multidimensional.

Por fim, há um resumo dos principais temas discutidos deste Tópico 4 e um


exercício de autoatividade.

2 ANÁLISE GEOGRÁFICA DA MODERNIDADE À PÓS-


MODERNIDADE
Ao apresentar o conceito e os atributos de análise geográfica vinculados à pós-
modernidade, faz-se necessário explicar, como entrelaçamento filosófico-científico,
o que é a modernidade. Para isso, recorremos a Ribeiro (2008, p. 1), quando o autor
resenha essa relação até certo ponto indissociável.

Assim, nos séculos XV e XVI, a expansão marítimo-comercial euro-


peia, a Reforma protestante e a desagregação do feudalismo foram
elementos fundamentais no desenvolvimento de uma interpretação
racional, metódica e laica de mundo, configurando as linhas gerais do
que conhecemos por Modernidade. Igualmente, a partir da segunda
metade do século XX, o fim da II Guerra Mundial, a descolonização e o
advento da globalização foram condicionantes empíricos na eclosão
de abordagens de cunho desconstrucionista e irracionalista, refletindo
a emergência da Pós-Modernidade.

Esses processos fazem parte das várias maneiras de compreensão daquilo que
chamamos de realidade, decorrente das dinâmicas social, econômica, política, cultural
e territorial, que impelem o debate em torno do próprio conhecimento.

49
Dentre as possíveis mudanças de cunho empírico e teórico observadas
atualmente podemos determinar a do espaço geográfico, que traz como condicionante
significativa a constatação de que os lugares se tornaram mais próximos uns dos outros
e que, cada vez mais, elementos de várias partes do mundo podem se materializar no
cotidiano dos lugares, inclusive dos mais empobrecidos e desprivilegiados, como os dos
países periféricos.

Apesar de este processo ter se acelerado nas últimas décadas, não há dúvidas
de que este é um processo histórico e, por isso, há possibilidades de o abordar a partir de
determinados momentos-chave, comparando-os. Para falar de modernidade e de pós-
modernidade, os momentos mais marcantes, de forma geral, são os dois que seguem.

a) Virada do século XIX para o século XX: participação importante em sua interpretação
(mudanças escalares) realizada pelo geógrafo francês Paul Vidal de la Blache.
b) Final do século XX: autores de matizes diversas, como Anthony Giddens, Zygmunt Bau-
man e Paul Virilio ajudaram a explicar as mudanças escalares demonstrando que elas
podem inclusive se confundir, a ponto, mesmo, de alguns decretarem o fim do espaço.

FIGURA 14 – PINTURA DE PARIS NA BELLE ÉPOQUE (1900), REPRESENTANTE DO MODERNISMO

FONTE: <https://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/belle-epoque.htm>. Acesso em: 18 nov. 2021.

50
FIGURA 15 – ÓPERA DE SYDNEY (1973), REPRESENTANTE DO PÓS-MODERNISMO ARQUITETÔNICO

FONTE: <https://bit.ly/3CuTlWE>. Acesso em: 18 nov. 2021.

Na sequência, então, aprofundamos o debate sobre Modernidade e Pós-


Modernidade, a partir de suas temporalidades e de seus rebatimentos espaciais.

IMPORTANTE
Cabe a você, acadêmico, observar as diferenças e similitudes também a
partir de sua própria realidade e concepção de mundo.

3 O FINAL DO XIX E O INÍCIO DO SÉCULO XX COMO


LIMIARES DA MODERNIDADE
As profundas transformações ocorridas na organização social da Europa (com
início no século XVII) que configuravam “[...] a identificação do indivíduo com o local,
as influências das concepções individuais no coletivo [...] modificaram a concepção de
espaço e tempo, lançando sobre o mundo processos sociais diferenciados” (GOMES,
2007, p. 223).

51
Esses e outros acontecimentos ganharam velocidade assustadora durante o
século XX e, juntamente com a expansão capitalista, com o crescimento urbano e com
um competitivo poder de acumulação, moldaram uma sociedade de anseios, visões e
manifestações – artísticas, culturais, sociais e territoriais – ainda não vivenciadas até
então. De fato, essas transformações levaram a reflexões de que tudo era rápido demais
e, por essa e por outras razões elas seriam, também, transitórias (HARVEY, 1999).

Assim, a modernidade:

[...] apresentada como um período totalmente dominado pela ra-


cionalidade, constrói sua identidade [...] sob a forma de um duplo
caráter: de um lado o território da razão, das instituições do saber
metódico e normativo; do outro, diversas “contracorrentes”, contes-
tando o poder da razão, os modelos e métodos da ciência institucio-
nalizada e o espírito científico universalizante (GOMES, 2007, p. 26).

Gomes (2007) afirma, ainda, que existem três elementos fundamentais no


discurso moderno: o caráter de ruptura, a constante imposição do novo e a pretensão de
alcançar a totalidade, permitindo, por mais que alguns estudos apontem possibilidades
outras, que se configure um debate permanente entre o tradicional e o novo. Este, por
sua vez, acaba por se tornar tradicional e é, então, contraposto por um novo “novo”.

IMPORTANTE
Max Weber referiu-se ao Modernismo como o processo de
“desencantamento do mundo”, no qual o sujeito moderno
passou a despir-se de costumes e crenças baseados em tradições
aprendidas que se apoiavam nos pilares fixos das religiões.

Em termos histórico-filosóficos, o pensamento moderno teve início com as


reflexões e práticas desenvolvidas a partir do século XV, a começar pelo Renascimento,
estendendo-se até meados do século XX. De forma mais ampla, configura-se como
modernidade a ruptura com a tradição, um ideário ou visão de mundo empreendido
em diversos momentos ao longo da Idade Moderna e consolidado com a Revolução
Industrial (BAUMAN, 1999).

Ainda de acordo com Bauman (1999), é nesse contexto que o pensamento


tradicional, vinculado ao pensamento teológico e religioso, foi progressivamente sendo
abandonado. Não é possível afirmar, no entanto, que o tenha sido em toda e qualquer

52
parte do mundo, mas em contraposição a ele, sem dúvida, outras formas de viver, de ver
e de compreender a realidade foram sendo pensadas e criadas, colocando em dúvida
essas e outras concepções até então estabelecidas.

Para que o seu raciocínio seja lógico, neste momento do texto, apresentamos
uma linha do tempo para ajudá-lo na compreensão das passagens e/ou possíveis
rupturas no tempo histórico mundial.

FIGURA 16 – LINHA DO TEMPO

FONTE: <https://pt.slideshare.net/skarson60/linha-do-tempo-histria>. Acesso em: 18 nov. 2021.

A linha do tempo exposta permite observar os principais acontecimentos que


marcaram as mudanças de pensamento em cada período histórico. Como o próprio
nome indica, é apenas uma ilustração dos movimentos sociopolíticos, econômicos e
culturais mais representativos de cada um deles.

Assim, a Idade Antiga é estabelecida do fim da Pré-história (aparecimento da


escrita) até o século V d.C., com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476. A
Idade Média é demarcada do final da Antiguidade até o século XV, com a queda de
Constantinopla, em 1453. A Idade Moderna configura-se do final da Idade Média até o
fim do século XVIII, com a Revolução Francesa, em 1789. A Idade Contemporânea, por
sua vez, corresponde do fim da Idade Moderna até os dias atuais. Esses breves aspectos,
decorrentes do início e fim dos diversos tempos históricos, buscam apenas situá-lo na
proposta de compreensão da modernidade, que se afigura na Idade Contemporânea, na
passagem do século XX para o século XXI.

O contexto histórico de constituição do modernismo foi o período temporal que


separou a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
portanto, tempo configurado por conflitos e transformações econômicas, sociais e

53
político-culturais bastante profundas. Decorrente dessas transformações ou instigador
das mesmas pode-se citar o processo de industrialização e os avanços na técnica e
nas tecnologias que permitiram mudanças significativas, de cunho coletivo, a partir daí,
movidos também pelo ideal de progresso.

O modernismo foi, assim, um dos movimentos que mais impactaram as formas


como as pessoas pensam, pois congrega um conjunto de correntes culturais e artísticas
que se sobressaíram a outros tantos movimentos existentes na primeira metade do
século XX, ganhando notoriedade a partir de críticas a denominada cultura tradicional e,
segundo seus idealizadores, ultrapassada. Assim, fazia-se necessário encontrar novas
concepções de mundo e seus conceitos, que representassem, na prática e na teoria, a
ideia de moderno. Essas correntes procuravam a ruptura com os padrões, as normas,
não só nos modos de criar, mas também de viver e agir em sociedade.

Nesse contexto, a Europa de forma geral e a França de forma particular, foram


os primeiros a constituir a ideia de modernidade e de vida moderna, tanto culturalmente
quanto espacialmente, a exemplo da arquitetura moderna., cujo dinamismo envolvia a
simultaneidade entre destruição e reconstrução.

Apesar de suas diversas formas de configuração e expressão nas mais diferen-


tes partes do mundo, é possível identificar algumas características modernistas conside-
radas transversais, como a ruptura com a tradição, a postura experimentalista, a valori-
zação do cotidiano, a busca e/ou reconstrução da identidade, a inovação e a criatividade.

No Brasil, o modernismo constituiu-se por um movimento transformador da arte


e da cultura nacionais. A sua maior expressão ou o seu marco deu-se pela denominada
Semana de Arte Moderna, ocorrida em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal, em São
Paulo, com apresentação de várias modalidades artísticas, palestras, leituras, exposições
e recitais de música.

FIGURA 17 – COMPILAÇÃO DE OBRAS DE ARTE CONSIDERADAS MODERNISTAS NO BRASIL

FONTE: <https://bit.ly/3HWwOCX>. Acesso em: 18 nov. 2021.

54
FIGURA 18 – ARTISTAS E INTELECTUAIS BRASILEIROS NA PRIMEIRA SEMANA DE ARTE MODERNA, EM
SÃO PAULO: COMO MÁRIO DE ANDRADE (ESCRITOR), ARTICULADOR DO EVENTO

FONTE: <https://blog.grafittiartes.com.br/historia-da-semana-de-arte-moderna-de-1922/>. Acesso em: 18


nov. 2021.

INTERESSANTE
René Descartes foi uma das figuras mais proeminentes desse período.
Suas obras são vistas como fonte de inspiração e base de construção
da filosofia moderna. Em sua principal obra, Discurso do Método,
Descartes apresenta o que foi chamado de método cartesiano, o
ápice de sua filosofia, que estipulava o caminho a ser tomado para
a construção do conhecimento científico: a evidência, a análise, a
síntese e a enumeração.

Assim como a França, exemplificada anteriormente, outros países também


passaram por este processo, mais ou menos no mesmo tempo, ou seja, até a primeira
metade do século XX. Foi aí que a desordem inicial, provocada pelo abandono dos
princípios religiosos e outros, levou a uma das principais características da modernidade: a
busca pela ordem! É o que afirma Bauman (1999).

Além disso, os conflitos de ordem ideológica que sustentavam costumes e


as organizações sociais, em escalas local e global, ajudaram a marcar a divisão e a
segregação de classes, indivíduos e nações. Os Estados modernos, seus territórios e a
constituição de suas fronteiras, por exemplo, deram-se a partir dessa lógica de exclusão
e inclusão, como explica Bauman (1999).

55
A ciência geográfica, certamente, não poderia ficar imune a essas transforma-
ções e contradições. Os geógrafos francês e alemão, Paul Vidal de La Blache e Ale-
xander von Humboldt, respectivamente, são considerados os precursores das novas
concepções do pensamento geográfico a partir da modernidade.

DICA
Cabe destacar que a concepção da obra mais famosa e conhecida de
Alexander von Humboldt, o “Kosmos”, remete-se ao momento histórico-
científico iluminista e não aos efeitos da Modernidade. A obra sistematiza
as suas cosmografias entrelaçadas a métodos rigorosos e aos relatos de
suas viagens.

FONTE : HUMBOLDT, A. de. Cosmos: essai d’une description physique du


monde (traduction de M. H. Faye). Milan: Charles Turati, v. 3, 1851. 436p.

Assim, em termos de análise ou geográfica, cabe destacar, para a modernidade,


investimentos em amplas construções que demonstrassem grandeza e modernidade,
como ferrovias, estradas, túneis, pontes e outros que, importante, não modificavam
somente a natureza dos lugares, mas a dinâmica espacial como um todo e investimentos
na indústria. Estes, desenhavam uma outra apropriação e organização do território e suas
relações, como a busca de matérias-primas em outros países, mobilidade populacional,
dissolução de aldeias e vilas, surgimento de cidades, dinâmicas e incentivos ao consumo.

NOTA
A Geografia, assim, recolhe e examina as grandes questões que afligiam
a Europa da modernidade, cabendo-lhe [...] ensinar a leitura de mapas,
promover excursões de campo e, com efeito, fortalecer a identidade
nacional do cidadão francês. Nesse sentido, aos poucos a geografia
deixava de ser um catálogo toponímico e estatístico para assumir
posição estratégica nos projetos de desenvolvimento das nações e de
seus impérios. Seu objetivo consistia-se, entre outros, no mapeamento
dos recursos naturais, na análise da dinâmica da cidade e do urbano,
na observação e descrição da circulação de produtos, informações e
pessoas, na descrição da diversidade regional, na análise de conflitos
entre Estados territoriais, dentre outros (RIBEIRO, 2008).

56
Gomes (2007) contribui para a análise geográfica sobre a modernidade por
meio do estudo de seus dois polos epistemológicos, quais sejam, o de continuidade
ou de ruptura e o de racionalidade e contra racionalidade que, para o autor, mantêm o
movimento permanente da ciência e a renovação dos ritos do “novo”.

Nesse sentido, cabe questionar: o mundo moderno ainda se reinventa? Estamos


numa continuidade ou estamos num momento de ruptura?

4 A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX E A PÓS-


MODERNIDADE
A pós-modernidade, também denominada de pós-modernismo, pode ser definida
a partir das mudanças sociais, culturais, artísticas, filosóficas, científicas e estéticas que
surgiram após a Segunda Guerra Mundial, ou seja, as transformações marcantes nas
relações travadas entre as práticas capitalistas, as ciências, a arte e a realidade
socioeconômica e cultural.

Foi a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, assim, que as inovações tec-
nológicas, os investimentos financeiros e a indústria de massa se desenvolveram e
marcaram intensas e profundas alterações na sociedade e na forma pela qual os in-
divíduos passaram a encarar muitas de suas relações cotidianas, em especial, as de
consumo e cultura.

Enquanto limite temporal a pós-modernidade ainda não está claramente


definida, nem em seu início nem em seu fim, posto para muitos pesquisadores, a
exemplo de Friederich Jameson, ela ainda está em curso e corresponde à terceira etapa
do capitalismo.

Para Zygmunt Bauman e Boaventura de Sousa Santos, cientistas sociais,


e Eduard Soja e David Harvey, geógrafos, é possível apontar algumas das mais
marcantes características (gerais e específicas) que permitem identificar a
pós-modernidade. Essas características, no entanto, não são consensuais entre
os estudiosos da temática, mas, em geral, servem de base para as suas diversas
concepções, como aquelas apontadas a seguir:

• Ausência de regras e/ou valores muito rígidos

57
FIGURA 19 – TROCA DE BENS IMATERIAIS, INFORMAÇÃO E SERVIÇOS
MENTALIDADE RELATIVISTA

FONTE: <https://www.estudopratico.com.br/pos-modernismo/>. Acesso em: 18 nov. 2021.

• Individualismo

FIGURA 20 – INDIVIDUALISMO: O EU COMIGO MESMO

FONTE: <https://amzn.to/3tLfprO>. Acesso em: 18 nov. 2021.

58
• Pluralidade e diversidade

FIGURA 21 – PÓS-MODERNIDADE E DIVERSIDADE CULTURAL

FONTE: <https://boavista.ifrr.edu.br/noticias/21-de-maio-dia-mundial-da-diversidade-cultura>. Acesso em:


18 nov. 2021.

• Combinações de tendências, gostos e estilos

FIGURA 22 – ARQUITETURA PÓS-MODERNA

FONTE: <http://arquitetofala.blogspot.com/2011/12/arquitetura-pos-moderna.html>. Acesso em: 18 nov. 2021.

59
• Produção em série de cultura voltada para o consumo rápido

FIGURA 23 – INDÚSTRIA DE FILMES E A MULTIPLICAÇÃO DAS SALAS DE CINEMA

FONTE: <https://veja.abril.com.br/cultura/bilheterias-de-cinema-no-brasil-sofrem-queda-brutal-por-corona-
virus/>. Acesso em: 18 nov. 2021.

• Liberdade de expressão e pensamento

FIGURA 24 – THE FREEDOM OF EXPRESSION AND CIVIL DISCOURSE

FONTE: <https://uwm.edu/philosophy/freedom-of-expression-civil-discourse-series/>. Acesso em: 18


nov. 2021.

60
• Mistura entre realidade e imaginação – hiper-realismo

FIGURA 25 – MADISON SQUARE

FONTE: <https://bit.ly/3IYVR9W>. Acesso em: 18 nov. 2021.

• Disponibilização de grande quantidade de informações

FIGURA 26 – PÓS-MODERNIDADE E A GRANDE QUANTIDADE DE INFORMAÇÕES

FONTE: <https://encenasaudemental.com/noticias/caos-pos-modernidade-mal-estar-existencial-e-saude-
-psiquica-dos-jovens/>. Acesso em: 18 nov. 2021.

61
• Incertezas e vazios existenciais

FIGURA 27 – MELANCOLIA, ESCULTURA DE ALBERT GYORGY (GENEBRA)

FONTE: <https://ijep.com.br/artigos/show/o-jovem-adulto-reflexoes-sobre-o-vazio-existencial-e-a-plenitu-
de-da-vida>. Acesso em: 18 nov. 2021.

A Geografia ingressa mais intensamente no debate do pós-modernismo no final


dos anos 1980, no nível da reflexão epistemológica, com o texto de Michael Dear, sob
o título “O desafio pós-moderno: reconstruindo a geografia humana” (1988). O autor
convidava, naquele momento, os demais geógrafos a pensarem também a Geografia
como um desafio em resposta “ao desafio da pós-modernidade”.

Em termos mais específicos das práticas da ciência geográfica, partimos daquilo


que David Harvey, ao final dos anos 1990 (1999), denomina de “Condição Pós-Moderna”,
contribuindo para o estudo das espacialidades e consequências sociais “[...] vinculadas
à emergência de novas maneiras pelas quais experimentamos o tempo e o espaço”
(HARVEY, 1999, p. 7).

Em 1987, em outro clássico da Geografia, “Postmodernism and the politics of


social theory, environment and planing”, Derek Gregory discorre sobre o pós-modernismo
e as políticas da teoria social, do meio ambiente e dos diversos tipos de planejamento.

Com relação aos impactos da modernidade e da pós-modernidade na ciência


geográfica, Harvey (1999) aponta os elementos que ganham expressão espacial diante
das transformações político-econômicas os projetos urbanos, a passagem do fordismo

62
para a acumulação flexível, a compressão do tempo-espaço formando a condição pós-
moderna, dentre outros. A condição pós-moderna apontada por Harvey (1999) permite
observar e analisar, geograficamente, as formas sociais e materiais em suas experiências
do espaço e do tempo, bem como compreender as transformações pelas quais ambas
têm passado.

Neste sentido, a Geografia coloca-se como possibilidades de leituras das diversas


ordens no mundo, seja através da ciência, da sociedade ou pelas manifestações delas.

Em síntese, o que é a modernidade e a pós-modernidade? Como essas formas


de pensamento e de expressões da realidade podem ser expressas na Geografia? Como
a Geografia as interpreta? As respostas podem ser diversas, a depender da formulação
teórica, da análise do lugar de onde se fala, das possibilidades de transformação
econômica e social imputadas pelas formas espaciais, pelas formas de expressão
cultural e simbólica, bem como pelas ideologias.

Como desmembramentos e adjetivação do conceito de modernidade, é possível


trazer, ainda, outros conceitos, como o de hipermodernidade, que tem como idealizador
o filósofo Gilles Lipovetsky (2007, p. 20). Para este:

[...] a pós-modernidade possibilitou realizar aqueles ideais das Luzes


que a modernidade anunciara em termos meramente legalísticos,
sem ter-lhes dado força real. Só que (e trata-se aqui de um ponto
fundamental que ‘A era do vazio’ já assinalava) essa libertação em
face das tradições, esse acesso a uma “autonomia real” em relação
às grandes estruturas de sentido, não significa nem que desapareceu
todo o poder sobre os indivíduos, nem que se adentrou num mundo
ideal, sem conflito e sem dominação. Os mecanismos de controle
não sumiram; eles só se adaptaram, tornando-se menos reguladores,
abandonando a imposição em favor da comunicação (LIPOVETSKY,
2007, p. 20).

Para este autor, desde os anos 1980, entramos na era do “hiper”: uma
hipermodernidade, representação da terceira fase do capitalismo, caracterizada pelo
hiperconsumo, aquele que ocorre de forma emocional, pelo hipernarcisismo ou pelo
hiperindividualismo, com preocupação, antes de tudo, com a saúde e a segurança, e por
paradoxos ainda mais visíveis que os da pós-modernidade.

Assim, Lipovetsky (2007) argumenta que vivemos, há algum tempo, a


hipermodernidade, ou seja, aquela que invoca a importância do passado e a inquietação
com o futuro substitui a crença no progresso, abalando a certeza do presente que
caracteriza a pós-modernidade. Ainda para o autor, a hipermodernidade deu-se a
partir do momento em que a horizontalização dos laços sociais eclodidos a partir da
globalização permitiu o surgimento dessa que, segundo Lipovetsky (2007), é uma nova
era, ou seja, a modernidade elevada a sua máxima potência, a hipermodernidade.

63
Nessa lógica, os tempos hipermodernos caracterizam-se pela primazia do aqui-
agora, pela rápida expansão do consumo e da comunicação, pelo enfraquecimento das
normas e regras e, principalmente, pela individualização, que conforma a sociedade atual.

Na hipermodernidade há um sentimento de ultrapassagem dos limites, em que


as coisas caminham cada vez mais rapidamente porque os limites da tradição, como o
Estado, a religião, a família etc., se perderam. Instala-se uma cultura que se identifica
com o excesso: deve-se aproveitar tudo o que for possível, ingerir o máximo de álcool,
consumir o máximo de drogas, ir ao máximo de festas, ter milhões de amigos, inclusive
e principalmente virtuais. Ao mesmo tempo, no entanto, como contradição, a sociedade
hipermoderna valoriza princípios como a saúde, a prevenção, o equilíbrio, o retorno
da moral ou de religiões orientais. Logo, se de um lado há o excesso, de outro há a
recomposição de certa ordem no comportamento: eis uma das características mais
marcante da hipermodernidade.

Esse paradoxo pode ser tributado à existência de normas contraditórias. De um


lado, a hipermodernidade é a destruição de limites – é preciso ir sempre mais longe,
conquistar sem cessar novos territórios, a ciência persegue a inovação a todo custo, as
mídias se tornam cada vez mais radicais porque é preciso conquistar audiência –, mas
ao mesmo tempo existem normas – como o respeito aos direitos do homem, aos valores
éticos, a saúde, o amor – que não deixaram de existir e que continuam a orientar o
comportamento de grupos e indivíduos (FIGUEIREDO, 2015). A hipermodernidade, então,
fundamenta-se na combinação de lógicas contraditórias respaldadas em princípios
historicamente constituídos.

Ainda na sequência de derivações e adjetivações do conceito de modernidade,


Zygmunt Bauman (2001) cunhou o termo “modernidade líquida”, caracterizada por um
período em que as relações sociais, econômicas, de produção, amorosas, familiares
e até institucionais são frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos, pois estes,
diferentemente dos sólidos, não asseguram o espaço nem prendem o tempo.

Para Bauman (2001), a modernidade líquida está em igual existência com a


pós-modernidade, mas em outro nível em termos de concepções e de relações. Já a
modernidade, para o autor, é um momento de relações sólidas, ou seja, quando estas
eram fortemente assentadas e duradouras.

Como crítico da pós-modernidade, Bauman (2001) percebeu que o novo período


não era, como outros autores indicavam, uma ruptura com a modernidade, portanto, não
era algo que vinha após a modernidade, mas sim uma continuidade desta, apesar de
estabelecida de forma diferente. Por isso, Bauman (2001) nominou-a de “modernidade
líquida” em oposição à “modernidade sólida”.

Outro elemento importante apresentado pelo autor é que os impactos da


modernidade líquida, como a fluidez que é contínua, disforme, passou da condição do
coletivo para a condição do indivíduo. É por isso que Bauman (2001) utiliza o indivíduo

64
como obra mestra de suas análises, afirmando, também, que o que marca a modernidade
líquida são as sociedades de indivíduos, isto é, o processo intenso de individualização
que é diferente daquele de um século atrás.

Qual é o espaço produzido pela individualidade? Esse espaço, na modernidade


líquida, é o espaço virtual, que se desenvolveu no início do século XXI, pela urgência
de se estar em qualquer lugar ou em muitos lugares ao mesmo tempo ou no momento
que quiser, sem efetivamente estar enquanto materialidade. Para complementar esta
informação, nos fundamentamos em Levy (1996, p. 21), que afirma que quando [...] “uma
pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam, eles se tornam ‘não-
presentes’, se desterritorializam [...] mas, nem por isso, o virtual é imaginário”.

Assim, na medida em que os meios de comunicação congregam uma


diversidade cada vez maior de signos, que permitem uma interpretação diversa e
mutável, aumenta ainda mais a importância do virtual, admitindo o surgimento de uma
cultura da virtualidade real, a exemplo das redes sociais. Nelas, os laços são frágeis, e
o indivíduo pode se conectar ou desconectar muito rapidamente, muitas vezes, sem
implicar qualquer tipo de sentimento. Nesse espaço virtual, da modernidade líquida, a
priori, tudo é possível pelo princípio da liberdade individual.

A modernidade líquida, então, produz outro tipo de espaço desterritorializado, o


espaço virtual.

DICA
Confira o seguinte vídeo: https://bit.ly/3IWp7hj.

Por fim, para reforçar elementos do tema modernidade, pós-modernidade e


seus derivados (hipermodernidade e modernidade líquida), descritos e explicados aqui,
resumimos o período como aquele que trouxe muitas mudanças, rápidas e profundas,
de várias características, nas relações sociais, nas instituições, nas formas de Estado,
nas construções culturais e em várias outras configurações do mundo que se arquitetou
durante esse período.

65
5 DO ESPAÇO LISO AOS ESPAÇOS ESTRIADO E
MULTIDIMENSIONAL
Os conceitos de espaço liso e de espaço estriado foram criados pelos filósofos
Deleuze e Guattari (1997) como categorias de análises para pensar a produção de uma
determinada realidade social. Dentre os vários significados filosóficos deles, o que os
associa à leitura do espaço geográfico parte do princípio de que, ambos, dizem respeito à
condição de determinados territórios. O espaço liso ou nômade constitui-se, então, pela
formação de territórios marcados por fluxos e fluidos, sujeitos ao acaso, ao inesperado
e às forças e lutas de criação coletiva. O espaço estriado ou sedentário refere-se aos
estratos e forças instituídas pelos aparelhos de Estado.

Todavia, ainda, que aparentemente dicotômicos, a relação estabelecida entre


ambos não é de ordem maniqueísta. O espaço liso e o espaço estriado estabelecem
entre si uma relação de tensão permanente, implicando-se mutuamente. Ao espaço liso
cabem referências a conceitos que conduzem à ideia do inesperado, do desconhecido,
do inventivo, de fluxos, de linhas tênues e, enfim, de desterritorialização. Ao espaço
estriado associam-se os territórios demarcáveis, das identidades, da repetição e das
linhas mais sedimentadas. No entanto, como citado, um espaço faz-se necessário à
existência do outro (COSTA et al., 2013).

Tudo isso fez com que os conceitos de espaço liso e de espaço estriado se
colocassem de diversas formas: pelas oposições simples entre ambos; pelas diferenças
complexas; pelas misturas de fato, pelas passagens de um a outro e, ainda, “pelas razões
da mistura que de modo algum são simétricas, e que fazem com que ora se passe do
liso ao estriado, ora do estriado ao liso, graças a movimentos inteiramente diferentes”
(DELEUZE; GUATTARI, 1997).

Os autores afirmam, ainda, que para a constituição de espaços lisos e de


espaços estriados é preciso considerar alguns modelos, que seriam como que aspectos
variáveis dos dois espaços e de suas inter-relações. Assim, Deleuze e Guattari (1997)
indicam os modelos tecnológico, musical, marítimo, matemático, físico e estético. A
seguir, apresenta-se uma exposição abreviada de cada um destes modelos, não no
sentido de explicá-los a partir dos conhecimentos geográficos, mas para que você,
acadêmico, possa saber a importância deles e utilizá-los à medida que suas demandas
de vida acadêmica permitirem.d

66
Modelo Tecnológico

O tecido é o estriado por excelência: é formado por dois tipos de elementos


paralelos (linhas horizontais e verticais) que não possuem uma função: enquanto um
é fixo, o outro é móvel; enquanto uma linha fica estendida, a outra passa por cima e
por baixo para compor a trama. O espaço do tecido é um espaço delimitado, fechado,
ao menos de um lado: por mais que a trama possa prosseguir indefinidamente
em uma direção (digamos, comprimento), o ir-e-vir dos fios móveis compõe um
limite fixo (digamos, largura). Por fim, o tecido sempre tem um avesso e um direito,
mesmo que constituído pelo no final das linhas. Por outro lado, o feltro é o liso:
não há distinção entre os fios, nem entrecruzamento, mas apenas emaranhados
de fibras. Ele é infinito, aberto ou ilimitado; pode-se estender indefinidamente em
todas as direções. Não tem direito nem avesso nem centro. Não estabelece fixos
e móveis, mas variação contínua de fibras heterogêneas. Espaço liso não implica
homogeneidade (DELEUZE; GUATTARI, 1997.

Modelo Musical

A partir da teoria musical de Pierre Boulez, temos a ideia de um espaço


liso, onde se ocupa sem contar, com cortes irregulares e indeterminados e uma
distribuição intensiva/intervalar das frequências sonoras. Por outro lado, no espaço
estriados e conta para poder ocupar, a partir de um tipo de corte modulado e
padronizado, com intervalos fixos e distinção entre harmonia e melodia (DELEUZE;
GUATTARI, 1997).

Modelo Marítimo

É o modelo cuja discussão tem mais rendimento em relação com os mitos


tukano. Os dois tipos de espaço possuem pontos, linhas e superfícies; porém
o que muda é a forma como eles são tratados: o espaço estriado subordina as
linhas aos pontos, enquanto o liso faz o inverso. No espaço liso a linha funciona
como vetor/direção, e não como dimensão/distância. O espaço liso é ocupado por
acontecimentos, muito mais do que por coisas formadas e percebidas, é um espaço
de afetos mais do que de propriedades; espaço intensivo mais do que extensivo;
percepção feita de sintomas e avaliações mais do que de medidas e propriedades.
No espaço liso há corpos sem órgãos, no estriado há organismos e organização.
“Enquanto no espaço estriado as formas organizam uma matéria, no liso os materiais
assinalam forças ou lhes servem de sintomas”. A superfície em um espaço estriado “é
repartida” segundo espaços determinados, fechada, conforme cortes assinalados;
enquanto no liso ela “distribui-se” num espaço aberto, conforme frequências e ao
longo dos percursos (DELEUZE; GUATTARI, 1997).

67
Modelo Matemático

As distâncias de um espaço liso não são indivisíveis, porém, mudam de


natureza a cada vez que se dividem. O que povoa um espaço liso é uma multiplicidade
que muda de natureza ao dividir-se. Ele é amorfo e heterogêneo, em variação
contínua (DELEUZE; GUATTARI, 1997).

Modelo Físico

A estriagem constitui duas séries de paralelas que se entrecruzam


perpendicularmente: variáveis horizontais, fixas verticais. Quanto mais regular o
entrecruzamento, mais cerrada a estriagem, mais o espaço tende a homogeneidade,
que é a forma-limite do espaço estriado. Há ali verticais paralelas de gravidade
que formam um centro, ao mesmo tempo que horizontais paralelas de velocidade
tendem a uma periferia e a uma relação com o fora. O espaço liso é constituído pelo
ângulo mínimo que desvia da vertical, formando um turbilhão que desarranja as
paralelas verticais e horizontais, é o transversal (DELEUZE; GUATTARI, 1997).

Modelo Estético: a arte nômade

Várias noções, práticas e teóricas são apropriadas para definir uma arte
nômade e seus prolongamentos (bárbaros, góticos e modernos). Primeiramente,
trata-se de uma "visão aproximada", por oposição a visão distanciada; é também o
"espaço tátil", ou antes o "espaço háptico", por diferença ao espaço óptico. Háptico é
um termo melhor do que tátil, pois não opõe dois órgãos dos sentidos, porém deixa
supor que o próprio olho pode ter essa função que não é óptica O Liso nos parece
ao mesmo tempo o objeto por excelência de uma visão aproximada e o elemento de
um espaço háptico (que pode ser visual, auditivo, tanto quanto tátil). Ao contrário, o
Estriado remeteria a uma visão mais distante, e a um espaço mais óptico – mesmo
que o olho, por sua vez, não seja o único órgão a possuir essa capacidade. Ademais,
é sempre preciso corrigir por um coeficiente de transformação, onde as passagens
entre estriado e liso são a um só tempo necessárias e incertas e, por isso, tanto
mais perturbadoras. É a lei do quadro, ser feito de perto, ainda que seja visto de
longe, relativamente. A partir desse momento pode nascer a estriagem: o desenho,
os estratos, a terra, a "cabeçuda geometria", a "medida do mundo", as "camadas
geológicas", "tudo cai a prumo". Sob pena de que o estriado, por sua vez, desapareça
numa "catástrofe", em favor de um novo espaço liso, c de um outro espaço estriado
(DELEUZE; GUATTARI, 1997).

68
Estes modelos, apresentados por Deleuze e Guattari (1997), podem ser asso-
ciados a diversas áreas de conhecimento, inclusive à Geografia, pela leitura dos territó-
rios, como já apontado. Os autores foram os idealizadores do termo desterritorialização,
um dos mais trabalhados na Geografia brasileira e derivado do conceito de território/
territorialização, junto a seu par dialético, a reterritorialização, em especial por intermé-
dio de Rogerio Haesbaert, em suas várias obras.

[...] construímos um conceito de que gosto muito, o de desterrito-


rialização / como proponente dos espaços lisos. [...] precisamos às
vezes inventar uma palavra bárbara para dar conta de uma noção
com pretensão nova. A noção com pretensão nova é que não há
território sem um vetor de saída do território, e não há saída do terri-
tório, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um esfor-
ço para se reterritorializar em outra parte (SÃO PAULO, 2009, s.p.).

Os territórios e seus derivados, assim, explicitam uma Geografia preocupada


com as delimitações, os enraizamentos e as hierarquias territoriais, regionais e de
lugares, associados aos espaços estriados. Em contraposição, mas nunca em exclusão,
os espaços lisos ou nômades remetem-se a instituir a força do movimento, uma espécie
de Geografia dos espaços da mobilidade, da fluidez, da flexibilidade, mesclados por
entidades como os territórios-rede, as redes regionais, os lugares móveis de conexão
e/ou de passagem. Reconhece-se, assim, a multiplicidade das des(re)territorializações,
em especial contemporâneas, conforme buscam exemplificar as figuras na sequência.

FIGURA 28 – RUA, BUENOS AIRES, ARGENTINA (2006) ESPAÇO LISO

FONTE: NOGUEIRA (2013, p. 14)

69
FIGURA 29 – PAOLA DI BELLO, LA DISPARITION – MAPA SUBTERRÂNEO DO METRÔ DE PARIS (1994)

FONTE: NOGUEIRA (2013, p. 46)

É possível observar, nas figuras anteriormente que o cerne da reflexão


geográfica sobre o espaço se encontra na relação sociedade-natureza ou, como bem
demonstraram Deleuze e Guattari (1997), nas des(re)territorializações, resultantes de
metamorfoses concretas, dinâmicas e complexas, ou seja, numa relação que incorpora
tanto os fatores naturais (e como estes influenciam e condicionam a organização social
(o territorializar, o desterritorializar e o reterritorializar, num processo completo), como
os modos pelos quais as práticas humanas transformam a natureza (o territorializar e o
reterritorializar, num processo parcial), em variados níveis e escalas (SOUZA, 2013).

ATENÇÃO
Neste momento, pedimos a sua atenção, no sentido de observar como
esse processo acontece, retomando as duas figuras e o texto anterior. Por
fim, faz-se importante demonstrar, a partir de todo o processo exposto
no Tópico 4, vinculado aos conceitos de espaço e de território e de suas
derivações, que o espaço geográfico se revela e é multidimensional. O
que isso significa?

Vamos refletir.

70
Afirmar que o espaço geográfico é multidimensional significa dizer que este,
apesar de ser uma totalidade, como afirma Santos (1996), é constituído de diversas
dimensões ou partes, podendo ser elas materiais e imateriais, expressas em
objetividades e/ou em subjetividades (SOUZA, 2013).

Para facilitar a sua compreensão, então, apresentamos os aspectos que


compõem a multidimensionalidade do espaço ou as dimensões do espaço. Estas
devem ser pensadas, no entanto, como elementos de um todo espacial, divididos em
partes apenas para que você, discente, possa abstrair suas características de forma
mais direcionada.

FIGURA 30 – MULTIDIMENSIONALIDADES OU DIMENSÕES DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

FONTE: <https://www.revistas.usp.br/rdg/article/view/132516>. Acesso em: 18 nov. 2021.

A multidimensionalidade do espaço geográfico pode ser representada,


ainda, pelas interconexões, como é o caso da análise realizada por Milton Santos, em
toda a sua obra, para a concepção do termo meio técnico-científico-informacional, que
demonstra as vinculações e não somente as diferenças das dimensões do espaço.

71
FIGURA 31 – MULTIDIMENSIONALIDADES OU DIMENSÕES DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

FONTE: (COSTA, 2020, p. 14)

A figura foi produzida por Costa (2020) para demonstrar as múltiplas possibi-
lidades de constituição do espaço geográfico, a partir de suas diferentes (e comple-
mentares) dimensões. Trata-se da mesma análise observada nas figuras, com outro
formato. A seguir, detalhamos cada uma delas, contribuindo para sua compreensão,
discente, dos significados delas. Lembramos, mais uma vez, que é preciso observá-las
como um todo espacial, dividido em partes apenas para que você, discente, possa
abstrair suas características de forma mais direcionada.

A dimensão natural-ambiental envolve os elementos da natureza como: o


clima, a base geológica, as formas de relevo, as bacias hidrográficas, o ciclo da água,
a vegetação, os tipos de solo, a biodiversidade, a dinâmica presente nos processos
da natureza, a paisagem natural, a importância do meio ambiente para a qualidade
de vida da população, a necessidade de preservação da natureza; bem como os
problemas ambientais ligados ao uso social inadequado da natureza, ocasionado pela
ação antrópica (poluição do ar, poluição da água, uso inadequado do solo, erosão,
assoreamento, desmatamento, queimadas, desertificação, efeito estufa, ilhas de calor,
descarte irregular de lixo etc.) (COSTA, 2020).

A dimensão econômica aborda as formas de produção, circulação e consumo


da mercadoria, os modais de transporte, os setores da economia (primário, secundário,
terciário), o sistema financeiro internacional integrado em redes, as empresas
multinacionais e transnacionais e a sua influência no espaço geográfico mundial, os
blocos econômicos regionais (ex. Mercosul e União Europeia), o poder econômico exercido
pelos países centrais, as organizações internacionais e a sua influência econômica (ex.

72
Organização Mundial do Comércio – OMC, Organização das Nações Unidas – ONU), os
fluxos comerciais pelo mundo, as redes e os nós de poder e dominação econômica,
a Divisão Internacional do Trabalho – DIT, a globalização e as suas contradições, as
desigualdades na distribuição da renda e da riqueza em uma sociedade constituída
por classes sociais, a concentração de renda e seus efeitos perversos para a população
(especialmente para os que vivem em países periféricos) (COSTA, 2020).

A dimensão política diz respeito à apropriação e uso do território, as relações


de poder estabelecidas no uso do território, as contradições na gestão do território, as
disputas políticas pelo território, às diferentes formas de governos, as políticas públicas e
os seus objetivos/interesses, a democracia representativa, a participação da comunidade
na gestão democrática do território, as territorialidades, a desterritorialização e a
reterritorialização, a complexidade do espaço urbano e rural e a sua gestão, o conceito
de cidadania, o direito à cidade e a justiça social.

A dimensão social trata das questões inerentes à organização social da


população, as relações sociais estabelecidas entre as pessoas no espaço geográfico,
a divisão de classes produzida pelo modo de produção capitalista, a luta de classes no
interior do modo de produção capitalista, o trabalho social humano e a produção do
espaço, as contradições na produção do espaço, as limitações para a mobilidade social
(vertical), os conflitos sociais existentes no uso do território, as relações de gênero, o
respeito às diferenças e aos grupos minoritários, os direitos humanos e a sua efetivação
na vida cotidiana das pessoas (COSTA, 2020).

A dimensão cartográfica envolve a linguagem cartográfica, a localização


absoluta e relativa no espaço geográfico, a leitura e produção de mapas, as escalas
cartográficas, as coordenadas geográficas, os fusos horários, o geoprocessamento, o
uso de dados georreferenciados, o Sistema de Posicionamento Global (GPS), o Sistema
de Informação Geográfica (SIG) e o mapeamento do espaço virtual produzido pelo
avanço nas técnicas (COSTA, 2020).

A dimensão histórica aborda o tempo e a sua relação indissociável com


o espaço, os processos históricos e as transformações na paisagem ocorridas no
transcorrer do tempo, a luta de classes no tempo e no espaço, a ocupação social do
território e suas contradições, assim como as relações historicamente instituídas
(COSTA, 2020).

A dimensão cultural trata da diversidade étnica e cultural presente no espaço


geográfico, a paisagem cultural, as distintas formas de manifestações humanas, a
religiosidade, as crenças e costumes, as tradições (permanência e ruptura), a ética e
a moral presentes em cada comunidade/território, a produção artística, os símbolos
e os seus significados, a arte e sua relação social, o lugar e as suas representações
simbólicas, o lugar e as suas identidades culturais, a cultura global x a cultura local e a
resistência cultura estabelecida pelas comunidades tradicionais frente às imposições
da globalização (COSTA, 2020).

73
A dimensão demográfica aborda a dinâmica da população, as migrações e
os motivos dos fluxos migratórios (internos e externos), os tipos de mobilidade humana
no espaço geográfico, a mobilidade do consumo, o processo de transição demográfica,
as taxas de natalidade e mortalidade, a mortalidade infantil e sua relação com a saúde
pública, os desafios existentes com o envelhecimento da população, a xenofobia, a
problemática dos refugiados, as barreiras para a imigração, as questões de gênero,
os quilombolas, os grupos indígenas, o movimento LGBT e os direitos humanos da
população (COSTA, 2020).

A figura a seguir apresenta diversas possibilidades de você, discente, reconhe-


cer e analisar a multidimensionalidade ou as dimensões do espaço. Faça este exercício
intelectual e de reflexão e compartilhe com seus colegas de turma e com seu professor.
Vamos começar?

Para colaborar, seguem alguns tópicos que podem ajudá-lo a realizar esta tarefa!

Características das multidimensionalidades ou dimensões analíticas do


espaço geográfico:

✓ fundamento material para a reprodução da vida, mas também como um constructo


do imaginário social;
✓ produzido pelas ações da sociedade ao longo da história, mas também com retorno
a e sobre ela, interferindo nos seus mais variados níveis escalares;
✓ concebido como estratégia de dominação, mas vivido como apropriação coletiva;
✓ constituído de forma desigual e combinada, na atualidade do capitalismo, mas
que revela múltiplos desenvolvimentos e sustentabilidades geográficas existentes,
possíveis e aparentemente impossíveis.

FIGURA 32 – EXEMPLOS DA MULTIDIMENSIONALIDADE DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

FONTE: <https://bit.ly/3hQVTEO>. Acesso em: 18 nov. 2021.

74
Por fim, como perspectiva de resumir este momento de aprendizagem, pode-
se afirmar que as dimensões do espaço são resultantes da sobreposição e da inter-
relação do homem com a natureza, que nelas ganham novas possibilidades. São a
sobreposição e a inter-relação, sem dúvida, que devem ser identificadas e retomadas a
todo momento pelos geógrafos como você, como forma de releitura e de aprendizado.

75
LEITURA
COMPLEMENTAR
BRASIL: GLOBALIZAÇÃO E REGIONALIZAÇÃO

MANUEL CORREIA DE ANDRADE


Universidade Federal de Pernambuco
Fundação Joaquim Nabuco

Introdução

O processo de transformação da sociedade e da economia, na segunda


metade do século XX e certamente no século XXI, que ora se inicia, acelerou-se
consideravelmente, trazendo dificuldades sérias tanto para os que vivem atualmente
como para aqueles que têm, por profissão, a obrigação de refletir e procurar caminhos
para a sociedade. Atualmente, emprega-se com frequência palavras como globalização
e regionalização, expressões que têm grandes implicações geográficas e políticas.
Alguns autores, devido a sua formação filosófica ou interesses políticos e econômicos,
costumam analisar estes termos e a sua concretização, de forma estática, como se
o fenômeno da globalização tivesse ocorrido de forma súbita, em um determinado
momento, sem qualquer conexão com o passado. Daí a pregação do “fim da história”,
feita pelo nipo-americano Fukuyama (1989), como se a história pudesse ser interrompida
ou, pior ainda, ter um fim. Na verdade, a globalização é uma fase da evolução do sistema
capitalista, que suplantou o imperialismo e certamente será suplantada por outra fase,
ainda neste século XXI. Ela não extinguirá os Estados, mas atuará sobre a estrutura e as
relações com os outros Estados, de forma que em cada um deles as classes dirigentes
sigam as direções indicadas pelo processo mundial, procurando defender os interesses
dos grupos econômicos ou os interesses do povo. No extremo oposto ao processo de
globalização encontra-se o não menos importante processo de regionalização. aquele
ligado ao local, em unidades mais modestas em dimensões do que o Estado. A região
tem grande importância política e econômica, sabendo-se dos fatos que ocorreram nos
fins do século passado e continuam latentes no novo século, sobretudo em regiões
multiétnicas, como os Bálcãs e o Cáucaso e, em grande escala, na África.

Na verdade, as fronteiras políticas internacionais estão sendo ameaçadas e


muitas vezes esfaceladas, em função de conflitos regionais, as mais das vezes com
fundamentações étnicas. Para citar apenas um exemplo, é interessante observar-se
como a população albanesa não se conforma com o território, formalmente albanês,
e tenta unir ao mesmo os territórios de Kossovo, ocupados pela Sérvia; do noroeste
da Macedônia, país em que os albaneses constituíam 30% da população, formada
em sua maioria por eslavos, e do sul do Montenegro. Parece até que querem formar a

76
Grande Albânia, como os Sérvios pretendem transformar a Iugoslávia em uma Grande
Sérvia. Embora os problemas da globalização e da regionalização sejam eminentemente
geográficos, eles estão profundamente ligados a origens históricas e antropológicas.

A questão da globalização

A globalização ou mundialização, como preferem chamar os franceses, é fase


de um processo que se iniciou com o surgimento do modo de produção capitalista
que, a partir da Europa Ocidental, estendeu-se por toda a superfície da Terra. O
processo de territorialização do modo de produção capitalista pode ser analisado, de
forma esquemática, em três fases ou períodos: o do colonialismo, o do imperialismo e
o do globalismo. O colonialismo desenvolveu-se a partir do século XV, quando alguns
países europeus conseguiram a sua unificação política em tomo de monarquias
absolutas, fazendo desaparecer gradualmente o domínio do modo de produção feudal,
e privilegiaram as atividades comerciais com povos que viviam em outros continentes
ligados à Europa, como a África e a Ásia. No período medieval, as comunicações com
essas áreas, chamadas orientais, eram feitas, sobretudo, através de cidades italianas
que usavam a navegação no mar Mediterrâneo. e continuadas por navegadores árabes
no Mar Vermelho e no Oceano Índico, ou por grandes caravanas que chegavam até a
China e a Índia. O comércio direto com o Oriente e a eliminação da intermediação dos
árabes era o grande objetivo dos europeus. a fim de aumentarem os seus lucros e o
volume dos seus negócios.

O desenvolvimento das técnicas de navegação e a criação de barcos mais


velozes e seguros, além da existência de capitais, estimularam a abertura da Europa
ao mundo não europeu. Unida ao desenvolvimento tecnológico. a acumulação de
capitais, feita, sobretudo, nas cidades italianas e do mar do Norte, e as divulgações de
velhas crenças, serviram de base ao incentivo às navegações. Procurando legitimar as
atividades altamente rendosas e violentas – saques às cidades do Oriente foram urna
constante – achavam que era preciso contatar os povos cristãos que viviam cercados
e perseguidos por muçulmanos na África – o reino de Preste João, na atual Etiópia – e
na Índia as minorias nestorianas convertidas por São Tomé, no início da era cristã. Nesta
fase os europeus expandiram consideravelmente o mundo conhecido, fazendo acordos
comerciais com povos do Oriente e guerra aos árabes que dominavam o oceano Índico,
fundando entrepostos de comércio em pontos favoráveis aos contatos com os nativos.
Para isto, utilizaram a catequese com o fim de cristianizar os povos que consideravam
pagãos, possibilitando aos mesmos alcançar a salvação de suas almas. Nessas terras,
os europeus criaram formas diversas de exploração; nas áreas de clima temperado
fundaram colônias de povoamento, transferindo para elas colonos que se estabeleciam
com a intenção de lá permanecer, como ocorreu nos Estados Unidos e no Canadá.
Nas áreas de clima tropical e produtoras de mercadorias típicas do trópico, difíceis de
serem obtidas na Europa, criaram colônias de exploração (HARDY, 1933), estabelecendo
feitorias como as criadas na Índia, no Brasil, nas primeiras décadas da colonização, e
na costa africana. Na Índia, as feitorias exploraram, sobretudo, o rendoso comércio das

77
especiarias, na África, o comércio de negros escravos e, inicialmente, da malagueta
e do ouro, enquanto no Brasil se dedicaram, inicialmente, ao comércio da madeira de
tinta (AZEVEDO, 1947). No Brasil, eles evoluíram para a implantação da cultura da cana
de açúcar utilizando a força de trabalho indígena e depois a negra. O negro tornou-
se tão importante para a economia portuguesa, tanto na Europa como no Brasil, que
as relações entre o Brasil e a África se tornaram fundamentais à vida econômica e à
sociedade colonial (ALENCASTRO 2000). O Brasil tornou-se, após trezentos anos de
colonização, um país que é, ao mesmo tempo, europeu e africano, o que levou Gilberto
Freyre (1933) a admitir que o negro teria sido também um colonizador do país.

Segundo Caio Prado Júnior (1943), o sistema implantado no nosso território foi
tipicamente capitalista, voltado para a exploração de produtos agrícolas e em seguida
os minerais para o mercado europeu, baseado na grande propriedade da terra e na
exploração monocultora dos recursos aí existentes. Vê-se, no caso brasileiro, que já no
século XVI, começava-se a passar do colonialismo puro e simples para o imperialismo,
mas essa passagem de uma fase a outra foi lenta e não de forma abrupta e vertical,
com avanços e recuos, conforme o momento histórico favorável ou não à expansão
das forças do capital. Sabe-se que a evolução capitalista se dá com uma sucessão de
sucessos e de crises.

A expansão colonial permitiu que os colonizadores, que inicialmente se


instalavam em pontos estratégicos na costa, como o forte de São João da Mina, na
Guiné, e Luanda, na Angola, começassem a se dirigir para o interior, quase sempre
acompanhando o curso dos rios. No caso brasileiro, rios como o Amazonas, o Parnaíba,
o São Francisco e, até certo ponto, os formadores do rio da Prata, foram da maior
importância para a penetração quando alcançados no médio curso. Na América
Espanhola, os colonizadores se expandiram pelo rio da Prata e, como ocupassem a
costa ocidental, bastante montanhosa e sem rios caudalosos, tiveram que escalar a
serra Madre Oriental, no México, e os Andes, na América do Sul, à procura de metais
preciosos. Os franceses utilizaram em larga escala as vias fluviais, ao fundar suas
colônias americanas drenadas pelos rios São Lourenço e Mississipi.

Na África, os portugueses e espanhóis foram sendo afastados dos territórios


onde haviam fundado feitorias, e os ingleses e franceses foram subindo rios, como o
Nilo, o Senegal, o Níger, o Zaire e o Cuanza, vencendo corredeiras e cachoeiras, para
dominar e explorar a população que vivia no interior. Tribos que ao serem atacadas e
dominadas já estavam organizadas em reinos de certa expressão territorial, como o do
Mali, o do Congo, o de Monomotapa etc. A luta pela dominação do Egito, pelos ingleses,
foi muito longa e eles só conseguiram dominar completamente o país em 1882, quando
o Império turco, já decadente, era considerado o “homem doente da Europa”.

78
No Congo, os belgas chegaram na segunda metade do século XIX e estabe-
leceram o chamado Estado Livre, que era propriedade privada do rei Leopoldo II, até
1908, quando se tornou uma colônia da Bélgica. A disputa pela África, entre as nações
imperialistas da Europa, sobretudo entre a Inglaterra e a França, tornou-se tão acirrada
que foi necessária a realização do Congresso de Berlim, para determinar uma espécie
de partilha do continente, sem ouvir, naturalmente, os interesses dos povos africanos.

Feita a partilha, cada um consagrou a forma de exploração do território que lhes


coube de acordo com os próprios interesses, dividindo povos e nações sem levar em
conta as suas etnias e tradições. O nível de civilização e de estruturas mais ou menos
rígidas, variava de um para outro estado da região, fazendo com que uma oposição
maior ou menor ao colonizador fosse sentida. Assim, não foi fácil ao europeu controlar
e submeter os povos árabes e arabizados do Norte da África, devido não só ao espírito
de independência destes povos, como a sua cultura religiosa, islâmica, e às difíceis
condições naturais, com áreas desérticas e semidesérticas. No Norte da África, apenas
a Argélia e a Líbia foram transformadas em colônias, permanecendo o Egito, a Tunísia e
o Marrocos como protetorados, gozando de uma autonomia relativa. Na África do Sul,
onde, além da população majoritária, negra, havia fortes contingentes brancos de origem
holandesa, os “böers”, e ingleses. além de expressivas minorias hindus, eles gozaram de
um sistema menos forte de dominação britânica, logo se tornando um domínio, onde
os próprios brancos da colônia estabeleceram um sistema altamente discriminatório
contra a população negra, o chamado “apartheid”.

Na Ásia, o sistema colonialista foi imposto apenas parcialmente pelos


portugueses e espanhóis, mas foi tornado imperialista com a ação dos ingleses, que
construíram o chamado Império das Índias, com os franceses na Indochina e com os
holandeses na Indonésia. Alguns enclaves portugueses e franceses permaneceram
na Índia, mesmo após a independência política e subsistiram como sistemas mais ou
menos autônomos, como a Arábia Saudita, o Omã, o Irã, o Afeganistão, a Tailândia etc.
O caso do Japão foi diferente porque ele modernizou-se e tornou-se também um país
imperialista; a China, face a sua extensão territorial, a sua população e à sua cultura, foi
dominada em certos pontos com as “concessões territoriais” às potências ocidentais e
em seguida retaliadas pelo Japão, até a derrota dele na Segunda Guerra Mundial.

O imperialismo russo obedeceu a características próprias, porque foi feito em


terras contínuas, diferentemente do inglês, francês e holandês, e deu margem a um
estado multinacional em que os eslavos ortodoxos dominavam os povos muçulmanos
do Cáucaso e da Ásia Central e com grupos primitivos da região Ártica. Derrubado o
Império, os soviéticos conseguiram, em grande parte, manter o domínio territorial, com
a formação de uma confederação dominada pelos russos e que subsistiu até os fins do
século XX.

79
Na Oceania, os ingleses dominaram a Austrália e a Nova Zelândia, enquanto
muitas das ilhas habitadas por povos diversos, foram ocupadas por europeus, - ingleses,
franceses e alemães -, ou por japoneses e americanos, que nos fins do século XIX.
passaram a disputar espaços no Oceano Pacífico.

No início do século XX, via-se o mundo dividido entre os países imperialistas que
dominavam colônias e protetorados e controlavam países formalmente independentes.
destacavam-se entre os países imperialistas mais importantes, a Inglaterra e a França;
em imperialistas em expansão ― a Alemanha e a Itália -; em imperialistas em terras
contínuas a Rússia; em imperialistas médios a Bélgica e a Holanda; em imperialistas
em decadência a Espanha e Portugal; em países com forte vocação imperialista e em
expansão, os Estados Unidos e o Japão.

A Primeira Guerra Mundial eliminou a Alemanha do grande clube, e a Segunda


Guerra Mundial, ao se concluir, enfraqueceu as demais potências imperialistas,
fazendo com que o mundo ficasse dividido em duas áreas de influência: a americana
e a soviética. A primeira era de maior extensão, mais populosa e, sobretudo, mais
rica, e a segunda, que compreendia um terço do território emerso, era fortalecida por
um sistema de governo que condenava formalmente o capitalismo, mas, apesar de
oficialmente socialista fazia uma política de grande potência, fato que a enfraqueceu
devido a divergências surgidas com a China.

A disputa, chamada de “guerra fria”, deu a vitória aos Estados Unidos, com o
desmembramento da União Soviética e o abandono do socialismo real como forma de
governo, passando o primeiro a ser a grande potência mundial. Surgia, assim, o mundo
globalizado em que vivemos. Com a globalização, as grandes empresas multinacionais
passaram a fazer o controle da economia mundial, em função dos seus interesses
estabelecendo fusões e criando unidades financeiras gigantescas que não só controlam
a economia e o governo dos vários países, como se dedicam, sobretudo, à exploração
do capital financeiro.

Desse modo, enquanto no colonialismo dominou o capital comercial e no


imperialismo o industrial, no globalismo domina o capital financeiro, passando uma
série de atividades industriais dos países do Primeiro Mundo, aos que se chamam hoje,
formalmente, de países emergentes. Defende-se, porém, o comércio livre para a entrada
das mercadorias dos países do Primeiro Mundo naqueles emergentes e excluídos, mas
se mantêm tarifas protecionistas quando interessa aos países do Primeiro Mundo. A
transferência de estabelecimentos industriais para os países emergentes permite
a utilização de força de trabalho pior remunerada – daí a destruição dos sistemas
trabalhistas e de previdência social – e um menor investimento em defesa do meio
ambiente. O capitalismo, chegado ao máximo, não permite que haja preocupações com
o homem ou com a Terra, como planeta, desde que a destruição de um ou de outro
possa contribuir para o aumento dos lucros.

80
A política de globalização tem provocado a queda da oferta de empregos, a
queda no padrão de qualidade do ensino, a volta de endemias e epidemias, na qualidade
de vida e no sentimento da nacionalidade; destruindo os padrões morais existentes,
ela estimula a corrupção, sobretudo nas esferas que detêm o poder, e a ânsia do
enriquecimento rápido. Este é o mundo globalizado previsto por Karl Marx, no Manifesto
Comunista de 1848, onde o capitalismo encara a superfície da Terra como um todo a ser
explorado e dominado.

Ocorre, porém, que dentro deste espaço “americanizado”, pode-se distinguir


várias categorias territoriais, como: países ricos, formados pelos Estados Unidos e
Canadá, na América, a Europa Ocidental, Central e Setentrional, no Velho Mundo, e
o da Ásia Oriental, com o Japão. Não se pode saber onde se colocaria a Rússia, hoje
inteiramente desorganizada em vista da transição do socialismo de Estado para o
capitalismo mal dirigido. Uma segunda categoria seria formada pelos países chamados
emergentes, aqueles que têm uma expressiva exploração mineral e uma evoluída
indústria de transformação, caso do México, do Brasil, da Argentina, do Chile e, até certo
ponto, do Uruguai, na América: na África, da África do Sul; na Europa Mediterrânea e
alguns países da Europa de Leste, da China, da Austrália e Nova Zelândia e, finalmente,
dos Estados excluídos que se encontram abandonados, super explorados, ocupados
por companhias exploradoras de minérios e de produtos agrícolas, o que se observa
sobretudo na África e em numerosos países da América, da Ásia e da Oceania.

A globalização é feita em função de uma uniformização dos hábitos e costumes


nos vários países, mas ela encontra resistência de povos que desejam melhorar os seus
padrões de vida, desejam manter um mínimo de fidelidade a sua etnia e a sua cultura. Daí
a intensificação de movimentos étnicos nacionalistas e as lutas intensas que se travam
no Cáucaso, nos Bálcãs e na África: ocorre que entre os países ricos continua a haver
divergências que os vêm levando a formar conjuntos regionais – ALCA, MERCOSUL,
União Europeia etc. – que podem aspirar à liderança, a médio e longo prazos.

Também a concentração da riqueza e as facilidades de transportes e


comunicações vêm provocando migrações em massa dos países pobres para os países
ricos, como se pode observar nos Estados Unidos onde o percentual de antilhanos de
origem africana e de latino-americanos é cada vez mais elevado; na Alemanha, onde
há uma grande população turca, alimentando movimentos neonazistas; na Inglaterra,
com uma grande quantidade de imigrantes hindus; na França e na Espanha, com o
crescimento da população árabe, com fortes diferenças étnicas e religiosas. Teme-se até
uma muçulmanização da França, de vez que os árabes se reproduzem mais rapidamente
do que os franceses. O trabalhador que encontra dificuldade de sobrevivência em seu
país de origem tende a procurar trabalho nos países onde há maior oferta de empregos,
e, após algumas gerações, sente-se natural do país que acolheu os seus antepassados,
sem abdicar de suas origens.

81
Este fato pode provocar uma implosão social no país em que ele vive,
tornando-se uma espécie de germe de destruição ou de transformação do processo de
globalização. Isto porque, os modos de produção, como ensina Oskar Lange (1963), não
são estáticos e sempre o modo de produção dominante traz em si resíduos do modo
de produção anterior e, ao mesmo tempo, as sementes propícias ao surgimento de um
novo modo de produção.

Os processos de regionalização

Como acabamos de ver, o processo de globalização vem provocando a for-


mação de uma regionalização em escala mundial, com o surgimento de blocos de
países nos vários continentes. Não é aquela regionalização característica da geografia
tradicional, que teve tanta importância no início do século XX, baseada sobretudo nas
condições naturais, mas uma regionalização geopolítica. O mesmo ocorre em escala
continental e nacional.

No Brasil, poderíamos até falar em uma regionalização em escala continental, já


que o país tem dimensões de um continente e uma grande diversificação tanto em suas
condições naturais como nas humanas. Desde o período imperial foram numerosos os
estudiosos que procuraram distinguir regiões diversas no nosso país, falando-se sempre
em uma contraposição entre o Norte e o Sul.

A primeira divisão regional estabelecida oficialmente ocorreu em 1941, quando


o governo Vargas resolveu desenvolver uma política de organização territorial,
comandada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O geógrafo Fábio de
Macedo Soares Guimarães, dispondo, ainda, de pouco conhecimento do território
brasileiro (1941) e poucos recursos, fez a divisão em grandes regiões naturais,
seguindo a orientação de Ricchieri. admitindo a existência de cinco unidades: a
Amazônia ou região Norte, o Nordeste, compreendendo duas sub-regiões. a Oriental e
a Ocidental, o Leste, também dividido em duas porções, a Setentrional e a Meridional,
o Sul e o Centro-Oeste (ANDRADE, 1987). Logo ficou claro que a divisão proposta era
inadequada, de vez que era difícil colocar toda a Amazônia, cerca de mais de 50% do
território nacional, em uma única região, ou incluir o Maranhão no Nordeste, enquanto
Sergipe e Bahia não estavam bem situados no Leste e muito menos São Paulo no Sul.

As críticas levaram o IBGE a fazer uma reformulação, mantendo apenas as


regiões menos conhecidas – a Amazônia e o Centro-Oeste – passando o Nordeste a
absorver também Sergipe e Bahia e o Leste a ser substituído pelo Sudeste, compre-
endendo Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. O Sul ficou reduzido
apenas aos três estados meridionais. O dinamismo econômico levou o governo a criar
novas divisões regionais, sem eliminar a do IBGE, criando, em consequência da aplica-
ção da Constituição de 1946, uma Superintendência de Desenvolvimento Econômico
do Vale do Amazonas, compreendendo além dos estados considerados nortistas, as

82
porções setentrionais de Mato Grosso e Goiás, drenadas para o grande rio. No Nor-
deste, ao criar a SUDENE, estendeu a região até o norte de Minas Gerais. A criação
do Estado do Tocantins, em 1988, estabeleceu que ele passaria a pertencer à região
Norte, reduzindo o Centro-Oeste apenas aos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Goiás e o Distrito Federal.

As preocupações regionais levaram os geógrafos e administradores a formular


conceitos e estabelecer delimitações de regiões urbanas, de regiões agrárias, de
regiões extrativistas, de regiões homogêneas, de regiões funcionais urbanas, de regiões
polarizadas (ANDRADE, 1987), etc. Hoje, são mantidas as grandes regiões, mas elas estão
divididas em mesorregiões e estas em microrregiões; os critérios para classificação e
divisão regionais estão baseados muito mais em variáveis humanas do que em variáveis
físico-naturais. Reconhecendo-se que as regiões se transformam, vêm sendo feitas,
a cada dez anos, reformulações delas, coexistindo uma regionalização em escala
nacional, ao lado de regionalizações em escala estadual. Pernambuco, por exemplo,
está hoje dividido em 12 regiões de desenvolvimento, estabelecidas em função da ação
política do governo estadual.

A regionalização do território brasileiro vem sofrendo vários impactos, como o


da expansão do povoamento, o da criação de novas unidades político-administrativas e
a do relacionamento com o Mercosul e com os países vizinhos.

No primeiro caso, o crescimento do Centro-Oeste e da Amazônia vem


provocando o povoamento de áreas anteriormente subpovoadas e isoladas, criando
novos fluxos e ampliando a produção econômica, muitas vezes com o sacrifício das
populações locais – índios e posseiros – e com a destruição da floresta. A expansão do
povoamento é altamente predatória, podendo-se admitir que a destruição da floresta
pelas madeireiras, seguida da cultura da soja e da pecuária extensiva, provocam fortes
impactos sobre a população local e os imigrantes que chegam à área e modificam as
paisagens e as condições ecológicas.

Este avanço provocará a criação de novas unidades territoriais, como já ocorreu


em 1975, com o Mato Grosso do Sul, e em 1988, com o Tocantins e, tudo indica, ocorrerá
dentro em pouco com a criação dos estados do Araguaia ou Mato Grosso do Norte e o
do Tapajós e dos Territórios do Alto Rio Negro, do Solimões e do Juruá.

Isto, para não mencionarmos outras possíveis redivisões de novos estados e


territórios, em futuro próximo (ANDRADE, 1987). A criação de unidades administrativas
organizará o espaço em áreas que se mantinham em um certo isolamento e redefinirá
formas de uso do solo e direção de fluxos, provocando a definição de novas regiões. No
Norte, por exemplo, já é difícil manter-se uma unidade da região Amazônica, observando-
se a divisão dela em duas grandes regiões, a Amazônia Ocidental, liderada por Manaus, e
a da Amazônia Oriental, polarizada para Belém. E isto ocorre, sobretudo, com a perda da
importância do transporte fluvial, em vista do desenvolvimento das rodovias.

83
O impacto do Mercosul, sobretudo na região meridional, será muito grande, já
que grandes empresas transnacionais podem se instalar no Uruguai e expandir sua
influência na Argentina e no Brasil, criando problemas para os nacionais da área. Também
é possível que a produção de um país, pior localizado, ou que utiliza menos técnicas,
não tenha condições de competitividade com os países vizinhos. Como exemplo, temos
o caso do trigo da região Sul brasileira; será que ele tem condições de competitividade
com a produção do Pampa argentino? Qual será o impacto, no Sul do país, da formação
de um eixo de desenvolvimento São Paulo-Buenos Aires? E o que ocorrerá com regiões
tradicionalmente produtoras de açúcar, como o Noroeste da Argentina e o Nordeste
do Brasil, frente à concorrência de regiões melhor dotadas, como o Centro-Oeste e o
Sudeste brasileiros, onde numerosas usinas vêm sendo implantadas e outras ampliadas
(ANDRADE, 1994)? Até que ponto continuará a ocorrer a transferência de usinas das
áreas tradicionalmente produtoras para as áreas em expansão canavieira?

Há uma expansão do povoamento brasileiro em países Vizinhos, como ocorre


no Paraguai com os chamados brasiguaios e na Bolívia, onde Santa Cruz de la Sierra
está praticamente polarizada para São Paulo, apesar da grande distância entre as
duas cidades; observando-se ainda uma migração de empresários e de técnicos
brasileiros para países vizinhos mais pobres e de trabalhadores rurais, não qualificados
profissionalmente, destes países para o Brasil. Outro movimento de menor expressão
ocorre no norte da Bolívia, onde muitos dos seringueiros do departamento de Pando
são brasileiros que migraram de Rondônia e do Acre, expulsos pelo avanço das relações
capitalistas de produção no meio rural, que expropriam os chamados “homens da
floresta”. Também um intercâmbio de influência é observado no noroeste do país, onde
a cidade brasileira de Tabatinga está praticamente conturbada com a de Letícia, na
Colômbia. criando problemas sérios de convivência fronteiriça, devido à dinamização do
contrabando e do narcotráfico, comprometendo, muitas vezes, nações indígenas que
são nômades e não respeitam as fronteiras políticas. Fora isto, as relações internacionais
podem ser perturbadas em função da presença de guerrilha no território colombiano.

Nas fronteiras com a Venezuela. o Brasil avança à procura do Caribe. área


de disputa de domínio geopolítico do Brasil, do México e da própria Venezuela, como
nações de influência regional, e dos Estados Unidos como potência hegemônica, desde
os fins do século XIX, de onde os imperialistas europeus foram praticamente afastados,
passando os minipaíses do Caribe ao controle americano, mesmo quando participantes
da Comunidade Britânica de Nações. A vocação imperialista norte-americana foi
praticamente consagrada pela vitória sobre a Espanha, em 1898, quando anexaram
Porto Rico e estabeleceram um protetorado em Cuba, mantido até 1959, quando Fidel
Castro derrotou Fulgêncio Batista.

Pode-se admitir ainda uma série de tensões territoriais do Brasil com a Guiana
e o Suriname, em áreas praticamente despovoadas e, ao mesmo tempo, possíveis
confrontos com a França, na área fronteiriça do Amapá com a Guiana Francesa.

84
É bem verdade que na fase anterior à globalização já havia uma tendência a
alterações nas formações regionais, mas agora, com a evolução acelerada da tecnologia
e com a globalização do sistema de relações internacionais, o processo de transformação
regional pode e tende a acelerar-se, convocando os geógrafos e outros cientistas sociais
a maiores reflexões, a estudos mais detalhados.

A globalização, ao mesmo tempo em que tenta unificar o espaço geográfico,


estimula novas diferenciações, dando margem a novas formas de regionalizações e de
transformações no meio geográfico, gerando, em consequência, o surgimento de uma
nova fase com novas características.

FONTE: Adaptado de <https://periodicos.uff.br/geographia/article/view/13396>. Acesso em: 18 nov. 2021.

85
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os conceitos de modernidade e de pós-modernidade e suas derivações, como


hipermodernidade (Gilles Lipovetsky) e modernidade líquida (Zigmunt Bauman).

• O papel da geografia para a leitura de mundo na modernidade e na pós-modernidade,


bem como seus limites.

• Os conceitos de espaço liso e espaço estriado (Gilles Deleuze e Felix Guattari).

• Os conceitos de territorialização e de desterritorialização na relação com o espaço


liso e o espaço estriado.

• O conceito de espaço multidimensional ou de multidimensionalidade do espaço


(Gilles Deleuze e Felix Guattari, dentre outros).

• Exemplos para a análise dos conceitos supracitados.

86
AUTOATIVIDADE
1 “Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar”. Essa é uma das frases mais
famosas do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, falecido em janeiro de 2017, aos
91 anos. Com relação à passagem da modernidade à pós-modernidade, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) A compreendia como uma ruptura (acabou a modernidade e teve início a pós-


modernidade).
b) ( ) A compreendia como uma continuidade (a pós-modernidade é continuidade da
modernidade).
c) ( ) Não acreditava na existência nem da modernidade nem da pós-modernidade.
d) ( ) Era adepto aos argumentos de existência apenas da modernidade.
e) ( ) Era adepto aos argumentos de existência apenas da pós-modernidade.

2 Os processos de Modernidade e Pós-Modernidade fazem parte das várias maneiras


de compreensão daquilo que chamamos de realidade, decorrente das dinâmicas
social, econômica, política, cultural e territorial, que impelem o debate em torno do
próprio conhecimento. Ou seja, para falar de modernidade e de pós-modernidade, os
momentos mais marcantes, de forma geral, são:

a) ( ) Início do século XV com as grandes navegações na Europa e início do século XX


com a Revolução.
b) ( ) Início e fim da Guerra Fria.
c) ( ) Início e fim do Iluminismo.
d) ( ) Semana da Arte Moderna, no Brasil, e Revolução dos Cravos, em Portugal.
e) ( ) Virada do século XIX para o século XX e final do século XX.

3 A pós-modernidade, também denominada de pós-modernismo, pode ser definida a


partir das mudanças sociais, culturais, artísticas, filosóficas, científicas e estéticas que
surgiram após a Segunda Guerra Mundial, ou seja, as transformações marcantes nas
relações travadas entre as práticas capitalistas, as ciências, a arte e a realidade
socioeconômica e cultural. Cite e explique três características do pós-modernismo.

4 Como foi visto no Tópico 4, podemos compreender que o espaço geográfico


é multidimensional, ou seja, apesar de ser uma totalidade, é constituído de
diversas dimensões ou partes, podendo ser elas materiais e imateriais, expressas
em objetividades e/ou em subjetividades (SOUZA, 2013). Cite e explique três
características do espaço geográfico multidimensional.

87
5 Deleuze e Guattari (1997) pensaram os conceitos de espaço liso e de espaço estriado,
criados pelos filósofos como categorias de análises para pensar a produção de uma
determinada realidade social. Dentre os vários significados filosóficos deles, o que
os associa à leitura do espaço geográfico parte do princípio de que ambos dizem
respeito à condição de determinados territórios. Portanto, sobre de que constitui-se
o espaço liso ou nômade, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Dos estratos e forças instituídas pelos aparelhos de Estado;


b) ( ) De ordem maniqueísta;
c) ( ) Pela formação de territórios marcados por fluxos e fluidos;
d) ( ) Um espaço faz-se necessário à inexistência do outro;
e) ( ) Movimentos inteiramente diferentes.

88
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92
UNIDADE 2 —

A ORGANIZAÇÃO DO
ESPAÇO GEOGRÁFICO E A
GLOBALIZAÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a vinculação e a complexidade do estudo entre Geografia e organização


do espaço geográfico e a globalização;
• explicar os processos das transformações econômicas da globalização e suas
dinâmicas de poder e a criação dos Blocos Econômicos.
• analisar as redes e fluxos no espaço mundial nos processos socioespaciais
contemporâneos e suas articulações sociais.
• identificar temas vinculados às modificações no mercado de trabalho, na
empregabilidade e desigualdade de renda no cenário mundial as transformações
tecnológicas e os impactos no mundo do trabalho.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – GLOBALIZAÇÃO (ASPECTOS TEÓRICOS E CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO


CONCEITO NO ÂMBITO GEOGRÁFICO)
TÓPICO 2 – A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL E OS BLOCOS ECONÔMICOS
TÓPICO 3 – REFLEXÕES SOBRE AS REDES E FLUXOS NO ESPAÇO MUNDIAL
TÓPICO 4 – O TRABALHO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL

CHAMADA
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93
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A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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94
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
GLOBALIZAÇÃO (ASPECTOS TEÓRICOS E
CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO
NO ÂMBITO GEOGRÁFICO)

1 INTRODUÇÃO
Este tópico irá abordar os fundamentos da globalização como construção e
análise do espaço geográfico. Através das mudanças que se tem acerca dos conceitos
geográficos, temos que compreender como essas transformações se modificam
ao longo do tempo. Este tópico retrata as concepções acerca do espaço geográfico,
da breve história à margem do conceito, até suas novas concepções na sociedade
contemporânea, na forma de um novo espaço, ou seja, o ciberespaço.

Analisando a forma com que o conceito de espaço geográfico vem sofrendo


alterações de acordo com a corrente de pensamento geográfico que o categoriza, e a
forma que este se insere no mundo atual, se observa que ele, em tempos atuais, está
também associado a uma nova forma, inexiste materialmente, mas ainda assim tem
reflexos no mundo real. Nesse sentido, entende-se que a categoria espaço se subdivide
na sociedade contemporânea, dando lugar a novos conceitos, como o ciberespaço.

A finalidade está em discorrer sobre reflexões que possam subsidiar as


posteriores discussões sobre a evolução histórica do pensamento sobre a globalização
e a geografia, como categoria na análise geográfica, através da abordagem histórica
de alguns autores que participaram na própria evolução da ciência geográfica, como
as concepções de espaço abordadas por grandes pensadores, principalmente, na
geografia crítica, como no caso de Milton Santos, até a virtualização desse espaço, com
sua relação com o ciberespaço.

Desejamos bons estudos!

2 A GLOBALIZAÇÃO COMO CONSTRUÇÃO E ANÁLISE DO


ESPAÇO GEOGRÁFICO
"O espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo senão como metáfora.
Todos os lugares são mundiais, mas não há um espaço mundial. Quem se globaliza
mesmo são as pessoas" (SANTOS, 1994, p. 31).

95
Dentro do universo da globalização, as sociedades, ao longo do tempo, se
transformaram e estão particularmente mudando nas formas de organização espacial,
voltadas para os processos de produção, reprodução, transformação e apropriação do
ambiente construído, incluindo as infraestruturas e estruturas físicas, os serviços e
equipamentos urbanos e rurais, sua localização relativa ao território e às práticas sociais
aos quais se articulam e dos quais não podem ser separadas.

Primeiramente, quando o ser humano deixa de ser nômade e passa a ocupar o


território nas margens dos rios, inicia-se a modificação das estruturas naturais, sendo as
primeiras tentativas de adaptar a natureza aos interesses e contextos humanos. Nesta
dinâmica, o ser humano viveu em harmonia com o meio natural até meados do século
XV, quando surgem as relações comerciais promovidas por uma Divisão Internacional
do Trabalho, que exigiam um saque maior de recursos naturais.

Nesta estrutura do espaço geográfico contemporâneo, reflete-se um espaço


engendrado por uma ordem capitalista, que produzia não mais para subsistência,
mas para a acumulação de capitais, advindo do capitalismo comercial. Com isso, as
estruturas espaciais sofriam intensas modificações e as cidades eram os exemplos mais
genuínos das transformações naturais.

Tendo como ideia inicial as preposições de Immanuel Kant no século XVIII,


principalmente, como se davam as formas de percepção, em que, segundo Kant, nós
podemos perceber tudo que está enfocado em nossa realidade, ou seja, observamos
toda a realidade espacial das coisas que nos cercam, mas a categoria espaço é algo
que não pode ser visto através dessa percepção, é algo que permite essa percepção,
ou seja, na concepção de espaço de Kant, este está separado dos demais fenômenos
que ocorrem no campo do real, ou seja, da própria superfície da terra. Contudo, dentre
os avanços que Kant nos apresenta, podemos destacar as suas considerações para o
avanço dos estudos regionais, mas nessa visão ainda não temos a ideia de um espaço
constituído, que propõe significados ou possua uma estrutura própria.

Avançando na ideia da concepção do espaço, temos também as proposições


de La Blache e Ratzel, em que o pensador francês propunha que o meio era tido como
o local onde se coabitavam as diversidades, onde a geografia é a ciência dos lugares,
e a paisagem é abordada e relatada através de métodos descritivos e o espaço seria o
local onde se davam as relações entre o homem e o meio natural. Já o pensador alemão
se firma na definição do espaço através da própria política, onde em seus pensamentos
tem-se a definição do “espaço-vital”, ou seja, o homem deve conquistar espaços, a fim de
garantir sua própria sobrevivência, não apenas física, mas também baseada em política
e dominação de territórios, onde o domínio do espaço se torna elemento essencial na
própria história do homem.

96
Com a evolução do pensamento acerca do espaço, também podemos relatar a
ideia de Hartshorne (1978), onde o espaço aparece na forma de um conceito abstrato,
em que os fenômenos estão relacionados com a área e a definição dela está relacionada
somente aos fenômenos que tal área contém. Para Hartshorne, o espaço é absoluto e
independente onde se caracteriza um conjunto que tem existência em si.

Corrêa (2005) determina que o espaço para Hartshorne aparece apenas como
um receptáculo que contém coisas. Para Braga (2007), Hartshorne fornece 3 definições
para o objetivo da geografia com relação ao espaço geográfico: a geografia tem por
objetivo proporcionar a descrição e a interpretação, de maneira precisa, ordenada e
racional, do caráter variável da superfície da terra; a geografia é a disciplina que procura
descrever e interpretar caráter variável da terra, de lugar a lugar, como o mundo do
homem e a geografia é o estudo que busca proporcionar a descrição cientifica da terra
como o mundo do homem.

Além dessas definições, temos a contribuição de Max Sorre (2003, p. 137),


que buscou a relação entre a geografia humana e o espaço geográfico, onde o autor
concebe a geografia humana como “a descrição cientifica das paisagens humanas
e sua e sua distribuição pelo Globo”, onde ela é tida como a disciplina dos “espaços
terrestres”. Na concepção de Sorre, o espaço é como localização e extensão, podendo
ser representados por mapas. Seu conceito se difere da proposta de Hartshorne.

Outro autor que tem grande relevância nos estudos acerca do espaço geográfico
é Henri Lefebvre, o qual entende que o espaço possui quatro abordagens, sendo fruto
das relações sociais de produção, em todas as suas totalidades. Lefebvre (1976) ressalta
suas concepções de espaços denominadas: O espaço como forma pura; espaço como
produto da sociedade; espaço como instrumento político e ideológico e o espaço
socialmente produzido, apropriado e transformado pela sociedade.

Santos (1978) coloca o espaço como uma estrutura que é organizada pelo
homem, onde ele é organizado como as demais estruturas sociais, uma estrutura
subordinada e subordinante. Avançando nesse pensamento, Santos (1982) nos diz que
o espaço é fruto da acumulação desigual de tempos. Santos (1997) ainda nos dá uma
grande contribuição acerca do espaço, em que relata que o espaço como uma instância
da sociedade, ao mesmo título que a instância econômica e a instância cultural-
ideológica. Como instância, ele contém e é por ele contida. Nesse sentido, Santos (1997)
demonstra que a essência do espaço é puramente social.

Outra contribuição de Santos são nos estudos do meio técnico-científico-


informacional, que se iniciam na década de 1970, e hoje tem grande ligação com as
novas formas de espaço que foram retratados no decorrer deste artigo, onde o meio
técnico-cientifico-informacional é caracterizado pela aplicação da ciência à técnica,
por isto meio técnico científico; mas este meio e estas técnicas são impregnadas de
informação e transmitem, acumulam informação, por isto meio técnico-científico-
informacional (MAIA, 2010).

97
Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses
dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e
são incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio
técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização
(SANTOS, 1997, p. 191).

A partir desse breve histórico, se observa que o espaço geográfico vem mudando
de acordo com o período da história geográfica em que está inserido. Observando
esses aspectos, pode-se dizer que as ideias, principalmente de Lefebvre e Santos,
estão relacionadas com a evolução do meio técnico-científico-informacional. Podem
demonstrar como os estudos sobre o espaço vem tomando novos rumos e novas
concepções, até chegar ao seu ápice na sociedade contemporânea: a globalização.

Vamos pensar: a globalização é uma novidade?

Ainda que seja uma palavra nova, empregada para caracterizar um mundo
interligado, e a integração entre povos e territórios iniciou-se muito tempo atrás. As
sociedades estão em processo de transformação e globalização desde o início da
História, acelerado pela época dos descobrimentos, das Revoluções Industriais e
Tecnológicas e das Guerras, como vemos a seguir:

FIGURA 1 – IMAGEM DA PRÉ-HISTÓRIA

FONTE: <https://cleofas.com.br/as-sepulturas-na-pre-historia-eb/>. Acesso em: 11 nov. 2021.

98
As pesquisas de paleontologia têm permitido mais e mais reconstituir os
inícios do ser humano sobre a face da terra. A pré-história é o período que abrange as
atividades do homem anteriores ao aparecimento da escrita, isto é, anteriores há 8.000
a.C., aproximadamente. Compreende os períodos da Idade da Pedra, em que os homens
usavam exclusivamente armas e instrumentos de pedra, sem recurso ao bronze e ao
ferro. Nesse uso da pedra, há aperfeiçoamento paulatino, de modo que se distinguem. Na
Idade Paleolítica, os mais antigos instrumentos de pedra têm cerca de 2.500.000 anos.
O homem, então, criou balas, martelos, machados de pedra; descobriu a produção do
fogo; vivia da caça de animais e da coleta de frutas e raízes que encontrava. Morava em
cavernas, abrigos naturais ou ao ar livre. Trata-se da Idade Mesolítica; a Idade Neolítica.

FIGURA 2 – AS GRANDES NAVEGAÇÕES

FONTE: <https://incrivelhistoria.com.br/grandes-navegacoes-era-dos-descobrimentos/>. Acesso em: 11


nov. 2021.

O período das grandes navegações ou a era do Descobrimento, foi um período de


grandes descobertas de territórios, por grande parte dos navegadores europeus. Assim,
o sistema feudal sucumbiria, nascendo o mercantilismo (“embrião” do capitalismo),
que visava à acumulação de metais preciosos, como exemplo, o ouro e prata. Com o
pensamento de que para se criar uma nação poderosa e estruturada era necessário ter
produtos valiosos a oferecer, nada melhor que as especiarias do Oriente. Assim, surgiram
pactos coloniais, protecionismos, balanças comerciais para exportação e importação,
vigorando até o final do século XVIII, que passa a um mundo com o imperialismo do fim
do século XIX e início do século XX com a hegemonia da Inglaterra e dos Estados Unidos
até chegar aos processos de transnacionalização e globalização do final do século XX.

99
FIGURA 3 – REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS E TECNOLÓGICAS

FONTE: <https://c2ti.com.br/blog/o-que-e-a-quarta-revolucao-industrial-inovacao>. Acesso em: 11 nov. 2021.

Vários autores analisam que as revoluções industriais são períodos que são
transformados por mudanças nas relações de trabalho que surgem através das novas
tecnologias, relatando que a humanidade já passou por quatro grandes períodos, sendo
estes denominados de Revoluções Industriais e Tecnológicas. Como vimos na Figura 3,
as quatro revoluções marcaram um período específico e apresentaram diversos avanços
em setores distintos.

✓ 1° Revolução
Ocorre na Europa Ocidental e nos Estados Unidos entre os anos de 1760 – 1840.
Nela, as tecnologias de combustão e produção em massa surgiram entre a produção
artesanal que vigorou por séculos, dando a configuração do que conhecemos hoje
como produção industrial.
✓ 2° Revolução
Ocorreu entre os anos 1850 – 1945, envolvendo o desenvolvimento das indústrias
química, elétrica, petróleo e aço, além dos progressos nos meios de transporte e de
comunicação.
✓ 3° Revolução
Ocorreu após o fim da Segunda Guerra Mundial, entre os anos de 1950 – 2010. Essa
Revolução ficou marcada pela substituição gradual da mecânica analógica pela
digital, gerando, assim, a criação de microcomputadores e a internet.
✓ 4° Revolução
Atualmente estamos passando pela quarta revolução, que alguns autores denomi-
nam de Revolução 4.0, que se utiliza das tecnologias criadas nas revoluções anterio-
res para gerar conhecimento e produtividade. Trata-se de uma confluência de prati-
camente todas as tecnologias já existentes.

100
Santos (2008, p. 33) apresenta que a globalização tem sua origem por um longo
processo de evolução da tecnologia e de seu uso, com formas espaciais específicas. A
sua propagação ocorre através da historicidade do espaço, classificado por ele por três
períodos históricos, cada um marcado por uma grande revolução:

• O primeiro iniciado no fim no século XV é marcado pela revolução dos transportes


marítimos, quando o mundo começa a ser conhecido como um todo sob o comando
comercial de Espanha e Portugal.
• O segundo começa em meados do século XVIII, caracterizado pela revolução
industrial; e o terceiro marcado pela revolução tecnológica, o período atual, cujas
texturas se verificam após a Segunda Guerra Mundial.
• O período histórico atual, muito distinto dos que os precederam, tem como
fundamento marcante o tripé: técnica, ciência e informação. Por isso denominado
por Milton Santos de meio técnico-científico-informacional, conforme enunciado
anteriormente. Técnica universalizada relacionalmente e presente em cada lugar de
forma potencial. Vive-se um mundo em que a ciência é o motor do desenvolvimento,
onde o trabalho intelectual ganha importância primária e as informações em massa
se processam vertiginosamente.

Nesse sentido, Ribeiro (2002, p. 1995) corrobora para o fato:

A difusão do termo globalização ocorreu por meio da imprensa


financeira internacional, em meados da década de 1980. Depois
disso, muitos intelectuais dedicaram-se ao tema, associando-a à
difusão de novas tecnologias na área de comunicação, como satélites
artificiais, redes de fibra ótica que interligam pessoas por meio de
computadores, entre outras, que permitiram acelerar a circulação
de informações e de fluxos financeiros. Globalização passou a
ser sinônimo de aplicações financeiras e de investimentos pelo
mundo afora. Além disso, ela foi definida como um sistema cultural
que homogeneíza, que afirma o mesmo a partir da introdução de
identidades culturais diversas que se sobrepõem aos indivíduos. Por
fim, houve quem afirmasse estarmos diante de um cidadão global,
definido apenas como o que está inserido no universo do consumo, o
que destoa completamente da ideia de cidadania.

Evidenciando a perversidade e os conflitos existentes na globalização, Ribeiro


(2002) elenca a globalização baseada na política, segundo as categorias tempo e espaço,
como um sistema mundo, como um paradigma para a ação, refletindo nos Estados-
Nação e exigindo um protecionismo que, em tese, se contradiz com a demanda "livre e
global" apregoada pelos liberais de plantão.

A globalização é discutida, segundo as categorias tempo/espaço,


no âmbito do sistema-mundo, na pós-modernidade e à luz dos
conceitos de nação, mercado mundial e lugar. Tornada paradigma
para a ação, a globalização reflete nos Estados-nação. Porém,
ao olhar para o lugar, para onde as pessoas vivem seu cotidiano,
identifica-se o lado perverso e excludente da globalização, em
especial quando os lugares ficam nas áreas pobres do mundo.

101
Ao reafirmar o mesmo, a globalização econômica não consegue
impedir que aflorem os outros, resultando em conflitos que muitos
tentam dissimular como competitividade entre os Estados-nação
e/ou corporações internacionais, sejam financeiras ou voltadas à
produção. A globalização é fragmentação ao expressar no lugar
os particularismos étnicos, nacionais, religiosos e os excluídos dos
processos econômicos com objetivo de acumulação de riqueza ou
de fomentar o conflito (RIBEIRO, 2002, p. 2).

IMPORTANTE
Podemos entender a globalização como um processo em que os
fenômenos (economia, política, cultura, questão ambiental) passam a
ocorrer em uma escala global.

Os diferentes aspectos do processo de globalização são analisados por Santos


(2000, p. 80):

A globalização econômica e o neoliberalismo, a globalização social


e as desigualdades, a globalização política e o Estado-nação, a
globalização cultural ou cultura global, globalização hegemônica e
contra-hegemônica, os graus de intensidade da globalização além
de uma perspectiva do futuro da globalização. A ideia de globalização
evoca a noção de um mundo único, uma aldeia global, um mundo
sem fronteiras, de integração da economia mundial, de onde resultam
expressões como: cultura mundial, civilização mundial, governança
mundial, economia mundial, cidadania global.

Portanto, Santos (2000) destaca que as atividades hegemônicas do mundo


globalizado estão todas fundadas na técnica e na tecnociência. Como exemplo temos o
fato de que há cerca de 150 anos era usado o Código Morse como meio de comunicação,
que foi substituído pela tecnologia dos satélites, permitindo localizar qualquer pessoa,
usando um GPS, por exemplo.

FIGURA 4 – ILUSTRAÇÃO DO CÓDIGO MORSE

FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/geografia/codigo-morse.htm>. Acesso em: 11 nov. 2021.

102
NOTA
Desenvolvido em 1835, pelo pintor e inventor Samuel Finley Breese
Morse, o Código Morse é um sistema binário de representação à
distância de números, letras e sinais gráficos, utilizando-se de sons
curtos e longos, além de pontos e traços para transmitir mensagens.
Esse sistema é composto por todas as letras do alfabeto e todos os
números. Os caracteres são representados por uma combinação
específica de pontos e traços, conforme exposto na tabela. Para
formar as palavras, basta realizar a combinação correta de símbolos.
As mensagens são transmitidas por meio e intervalos de som (apito)
ou luz (lanterna), podendo ser captadas por diversos aparelhos, como,
por exemplo, o radiotelégrafo e o telégrafo. Esse meio de comunicação
foi muito utilizado por marinheiros durante o século XIX. O primeiro
registro de resgate marítimo depois de pedido de socorro utilizando o
Código Morse ocorreu em 1899, no Estreito de Dover.
FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/geografia/codigo-morse.htm>.
Acesso em: 11 nov. 2021.

FIGURA 5 – MODELO DE GPS

FONTE: Adaptado de <https://www.hardware.com.br/artigos/gps/>. Acesso em: 11 nov. 2021.

A globalização tem sua origem por um longo processo de evolução da


tecnologia (Figura 6) e de seu uso, com formas espaciais específicas, bem como
foi favorecida pelo casamento entre a ciência e a técnica, que é condicionado pelo
mercado: a ciência e a técnica passam a produzir aquilo que interessa ao mercado e
não a humanidade em geral.

103
FIGURA 6 – LINHA DO TEMPO DA EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA A PARTIR DOS ANOS 2000 ATÉ 2009

FONTE: <https://bit.ly/3Kw5HQZ>. Acesso em: 11 nov. 2021.

O mundo da técnica promoveu uma maior fluidez e rapidez nas relações sociais,
mas uma fluidez que não é para todos, e sim para os agentes que têm a possibilidade de
utilizá-la. A “compartimentação dos territórios ganham esse novo ingrediente [...], tudo
hoje está compartimentado; incluindo toda a superfície do planeta” (SANTOS, 2000, p.
84). É dessa forma que se potencializa a força das grandes empresas em detrimento de
outras, que são forçadas em suas formas “de ser e agir” a adaptar-se ao “epicentro” das
empresas hegemônicas. “Com a globalização, o uso das técnicas disponíveis permite
a instalação de um dinheiro fluido, relativamente invisível, praticamente abstrato”
(SANTOS, 2000, p. 100).

A partir da década de 1970, se tem uma nova forma de se aprimorar os meios de


produção, quando se começa a pensar numa forma de substituir as massas de trabalho
braçal por novas concepções “modernas” de se utilizar no processo produtivo. Tendo
esse enfoque, começa a surgir, nessa década, uma nova forma de revolução, que parte
através da indústria e da ciência, ponto que se pode chamar de início da revolução
digital, na forma mais primitiva, pois nessa década começa o desenvolvimento e
comercialização dos microcomputadores para as grandes empresas, a fim de acelerar
os processos econômicos e de produção.

FIGURA 7 – LINHA DO TEMPO DA EVOLUÇÃO DOS COMPUTADORES

FONTE: <https://www.todamateria.com.br/historia-e-evolucao-dos-computadores/>. Acesso em: 11 nov. 2021.

104
Então, a partir da década de 1980, os processos informatizados se fundem
com as telecomunicações, e o processo de informatização passa a ser explorado
como um novo recurso. Com as inovações tecnológicas ao longo da década de 1980
e o surgimento de novas interfaces gráficas para esses sistemas computacionais, os
processos informatizados começam a se tornar parte do cotidiano da sociedade, e,
utilizando da sua fusão com os processos midiáticos, esses começam a ter mais alcance
em todo o planeta.

Essa “digitalização” do mundo moderno, ou seja, no final do século XX, se


intensifica a partir dos anos 1990, quando começa uma ruptura de paradigmas. A própria
evolução tecnológica e a massificação dos sistemas digitais se tornam o início de uma
infraestrutura para o ciberespaço, em que um dos mais importantes processos que
contribuíram para essa infraestrutura foi a criação da internet e sua popularização através
de novas interfaces gráficas, atraindo cada vez mais a sociedade. Então, as diferentes
redes, que coexistiam nesse “novo mundo cibernético”, começam a se interligar, criando
uma nova corrente, de diferentes culturas, aspectos que não conseguimos prever, em
que predomina a velocidade da informação e novas relações espaciais começam a
tomar forma através de novas maneiras de comunicação, sociabilidade, organização e
também um novo mercado de produção e consumo.

Com isso, a evolução, através das décadas desses meios informacionais digi-
tais, o novo mundo cibernético começa a ter um reflexo na própria sociedade, que o
criou e o mantém, em que a mercadoria muda de forma, deixa de ser física e se torna
virtual, e a matéria-prima não vem mais da apropriação da natureza pela sociedade,
mas da própria sociedade, uma vez que a informação e o conhecimento se tornam
essa matéria, sintetizadas e objetivas em uma nova concepção do tempo/espaço, ou
seja, o ciberespaço.

FIGURA 8 – CIBERESPAÇO INTERCONECTADO

FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/geografia/o-que-e-globalizacao.htm>. Acesso em: 21 fev. 2022.

105
INTERESSANTE
CIBERESPAÇO: Termo que advém da ficção científica, criada por William
Gibson, em 1984 com a sua obra o Neuromante, onde o termo se
refere a um universo de redes digitais, o qual é tido como um campo
de batalha entre as multinacionais, gerando uma nova fronteira
econômica-cultural, em que predomina a velocidade da informação e
alguns podem entrar fisicamente neste espaço para viver aventuras dos
mais variados tipos. Observe que a ficção de Gibson, criada em 1984,
surge em um momento de ascensão dos sistemas digitais, mas não se
difere muito da própria realidade vivida pela sociedade contemporânea.

Devido à própria criação do ciberespaço estar correlacionada com a evolução da


sociedade, há de se pensar em uma nova forma de se explicar tais fenômenos e buscar
sua essência natural, principalmente no âmbito da geografia, ciência que sempre vem
acompanhando essas transformações da sociedade moderna.

Como o ciberespaço vem das transformações da sociedade através dos meios


digitais, pode-se dizer que o próprio conceito de espaço geográfico vem evoluindo,
pois, a partir dos estudos de Milton Santos, na década de 1990, já se apontava uma
necessidade de entender essa Geografia das redes, a fim de fundamentar uma crítica à
própria geografia crítica, tornando de suma importância os estudos do ciberespaço e da
internet na geografia contemporânea.

Todavia, o estudo do ciberespaço, segundo o olhar da geografia, constitui um


esforço recente que vem se expandindo e se consolidando rapidamente, impulsionado
principalmente pela necessidade de se estabelecer as bases conceituais que expliquem
e elucidem como essa estrutura de rede, através da internet, afeta e é influenciada
pela dinâmica territorial produzida com o crescimento de e-commerce e de atividades
eletrônicas (PIRES, 2009).

Então, a relação entre espaço geográfico e ciberespaço está na própria técnica,


conforme sugere Santos (2002, p. 29): “a própria ideia de meio geográfico é inseparável
da noção de técnica”. Milton Santos (2002, p. 29) entende as técnicas como “um
conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida,
produz e, ao mesmo tempo, cria espaço”. É, então, a técnica um intermediário entre o
homem e o meio, ou, até mesmo, entre o homem e suas relações sociais, uma vez que
a partir da evolução dessa técnica, se tem as ideias do ciberespaço em nossas relações
contemporâneas.

106
Nunes (2003), em sua conceituação do que seria o ciberespaço, diz que esse é
um espaço dinâmico de informações sígnias, que se entrelaçam de maneira recorrente,
remetendo-nos infinitamente para novas informações, dada sua natureza pluritextual.
Definição bem mais técnica e filosófica que adota o fator de descrição do ciberespaço,
dando-nos, em breves palavras, a sensação de que se trata de um espaço caracterizado
por redes informacionais (AZEVEDO, MONTEIRO, 2010).

Machado (2002, p. 1), em seus estudos, defende que o ciberespaço é um espaço


e não apenas um meio de comunicação:

Mais que em outras formas de comunicação, no ciberespaço


a expressão simbólica está temporalmente sempre presente:
mensagens, sons, imagens, informação, não há limites de tempo
e espaço para sua existência e a interação é sempre possível. Por
essas razões, o ciberespaço está mais para espaço que para meio.

A partir dessas novas formas de se ler o ciberespaço, observa-se que ele está
mais relacionado às concepções clássicas de espaço do que um novo meio, onde as
relações sociais que estão presentes em uma estrutura o legitimam como um novo
campo de estudos da geografia pós-moderna.

Partindo dessas abordagens desse grande tema de estudo, vemos que no


decorrer da história da sociedade, o espaço construído em cada instante atendia aos
interesses de uma nova classe social, totalmente adaptado às necessidades econômicas
e sociais da época. É interessante lembrar que o espaço geográfico em sua essência
é dinâmico e em processo de transformações, e se mostra diferente em cada época,
ou seja, analisando a forma com que o conceito de espaço geográfico vem sofrendo
alterações de acordo com a corrente de pensamento geográfico que o categoriza, e a
forma que este se insere no mundo atual, se observa que ele, em tempos atuais, está
também associado a uma nova forma, inexiste materialmente, mas ainda assim tem
reflexos no mundo real. Nesse sentido, entende-se que a categoria espaço se subdivide
na sociedade contemporânea, dando lugar a novos conceitos, como a globalização,
chegando ao conceito do ciberespaço.

107
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A globalização se transformou e particularmente mudou as formas de organização


espacial, voltadas para os processos de produção, reprodução, transformação e
apropriação do ambiente construído, incluindo as infraestruturas e estruturas físicas,
os serviços e equipamentos urbanos e rurais.

• O espaço vem tomando novos rumos e novas concepções, até chegar ao seu ápice
na sociedade contemporânea: a globalização.

• A globalização é um processo em que os fenômenos de economia, política, cultura,


questão ambiental, entre outros, passam a ocorrer em uma escala global.

• O mundo da técnica promoveu uma maior fluidez e rapidez nas relações sociais.

• A informação e o conhecimento se tornam uma mercadoria virtual, sintetizadas e


objetivas em uma nova concepção do tempo/espaço, ou seja, o ciberespaço.

• A categoria espaço se subdivide na sociedade contemporânea, dando lugar a novos


conceitos, como a globalização, chegando ao conceito do ciberespaço.

108
AUTOATIVIDADE
1 O processo de globalização, iniciado com as grandes navegações, atravessa os
séculos e apresenta-se hoje, em todo o mundo. Acerca da globalização, analise as
sentenças a seguir:

I- A ideia de globalização evoca a noção de um mundo único, uma aldeia global, um


mundo sem fronteiras, de integração da economia mundial.
II- O meio técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização.
III- A globalização econômica é o estágio supremo da internacionalização e o maior
destaque desse mais recente período é o extraordinário progresso das ciências e
das técnicas, a permitir que o mundo se torne socialmente mais justo e igualitário.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a sentença III está correta.
b) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II e III estão corretas.

2 As revoluções industriais são períodos que são transformados por mudanças nas
relações de trabalho, que surgem através das novas tecnologias, relatando que a
humanidade já passou por quatro grandes períodos, denominados de Revoluções
Industriais e Tecnológicas. Assim, diante das transformações ocorridas, analise as
sentenças a seguir:

I- Na primeira revolução industrial teve a expansão da mecanização, com a introdução


da máquina a vapor do carvão.
II- As transformações alcançadas pela terceira revolução industrial foi a produção
automatizada, com a substituição gradual da mecânica analógica pela digital.
III- A quarta revolução industrial é a integração de diferentes tecnologias como in-
teligência artificial, robótica, internet das coisas e computação em nuvem com
o objetivo de promover a digitalização das atividades industriais melhorando os
processos e aumentando a produtividade.
IV- A segunda revolução representou o aumento de indústrias e a inserção de novos
meios de produção, com base em petróleo e eletricidade.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a sentença IV está correta.
b) ( ) Somente a sentença I está correta.
c) ( ) Somente a sentença III está correta.
d) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas.

109
3 Observe a charge a seguir.

FONTE: VESENTINI, J. W. Geografia: o mundo em transição. São Paulo: Editora Ática, 2012. p.323.

A ilustração de Millôr Fernandes é uma crítica à ordem global atual. Além disso, ela faz
referência às fronteiras Norte e Sul se tornam metáforas frente à hegemonia capitalista
e a geopolítica contemporânea. Sobre a atual regionalização socioeconômica mundial,
Norte e Sul, correspondem, respectivamente, a qual classe de países?

a) ( ) Pobres e ricos.
b) ( ) Socialistas e capitalistas.
c) ( ) Desenvolvidos e subdesenvolvidos.
d) ( ) Situados acima da Linha do Equador e abaixo desse marco divisório.

4 Com o avanço das tecnologias informáticas de comunicação, observamos o


surgimento de novas formas de interação humana. A expansão de usos do
computador, o desenvolvimento formidável de interfaces "amigas" e a expansão
das redes (sobretudo da Internet) gerou uma superação das limitações impostas
pelo tempo e pelo espaço. Isso resultou em uma série de implicações no cotidiano
das pessoas, especialmente no que se refere às formas de comunicação humana
(MACHADO, 2002). Sendo assim, qual o significado do conceito Ciberespaço?

5 Como vimos no texto, com as inovações tecnológicas ao longo da década de 1980


e o surgimento de novas interfaces gráficas para esses sistemas computacionais,
os processos informatizados começam a se tornar parte do cotidiano da sociedade,
e utilizando da sua fusão com os processos midiáticos, esses começam a ter mais
alcance em todo o planeta. Por meio do que você viu no decorrer do tópico, disserte
sobre a digitalização do mundo moderno.

110
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL E
OS BLOCOS ECONÔMICOS

1 INTRODUÇÃO
Este tópico abordará a concepção da globalização representada pelo processo
de integração em escala mundial da economia de mercado, das relações, interações
humanas, relações econômicas, relações políticas e relações culturais entre as nações.
Por consequência, da velocidade do crescimento do processo crescente dos meios de
transporte e comunicação, como exemplo, temos as novas tecnologias de informação
e comunicação (TICs). Desta maneira, a globalização não é apenas um fenômeno de
natureza econômica, mas é também política, tecnológica, cultural. Trata-se de novos
territórios anexados ao sistema da globalização, se tornando um mercado global,
constituindo as nações em blocos econômicos.

Desse modo, vamos dividir o tópico em três partes: a primeira abordará as grandes
potências econômicas e o papel na organização mundial do espaço; a segunda parte
identificará o termo blocos econômicos do mundo globalizado e suas características; e,
por fim, na terceira parte, apresentaremos os principais blocos econômicos mundiais.

Ao final desta unidade, esperamos que você, acadêmico, possa compreender


melhor qual a relação das grandes potências econômicas com a organização mundial
do espaço, analisando como o poder é um processo complexo e profundo. Buscamos,
assim, destacar os principais blocos e seus objetivos, além de apontar novos caminhos
de leitura e pesquisa para compreensão do papel do Estado e seus atores/agentes.

2 OS GRANDES POTENCIAIS ECONÔMICOS E O PAPEL


NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO ESPAÇO
Por meio da globalização, o espaço geográfico se transforma e começa a criar
um mercado e sociedades globais, com uma grande aceleração na intensificação da
circulação de mercadorias e de pessoas, reduzindo as distâncias e mudando a percepção
de mundo. Passamos a viver um novo momento que abalou os modos de ser, de sentir,
de pensar (IANNI, 2007).

Nessa perspectiva, surgem diferentes definições para o processo de globaliza-


ção, como apresenta Ianni (2007, p. 15-16):

111
Há metáforas, bem como expressões descritivas e interpretativas
fundamentadas, que circulam combinadamente pela bibliografia
sobre a globalização: “economia-mundo”, “sistema-mundo”,
“shopping Center global”, “Disneylândia global”, “nova visão
internacional do trabalho”, “moeda global”, “cidade global”,
“capitalismo global”, “mundo sem fronteiras”, “tecnocosmo”, “planeta
terra”, ‘’desterritorialização”, “miniaturização”, “hegemonia global”, “fim
da geografia”, “fim da história” e outras mais. Em parte, cada uma
dessas e outras formulações abrem problemas específicos também
relevantes. Suscitam ângulos diversos de análise, priorizando
aspectos sociais, econômicos, políticos, geográficos, históricos,
políticos, demográficos, culturais, religiosos, linguísticos etc.

DICA
Indicamos para a leitura mais aprofundada do tema globalização
a revista DIGE – Direito Internacional e Globalização Econômica
(ISSN:2526-6284). Trata-se de uma publicação de acesso aberto
coordenada pelo Prof. Dr. Antônio Márcio da Cunha Guimarães,
Professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da PUC/SP.
A ideia principal é reunir estudos e trabalhos dos estudiosos sobre
o tema, participantes da PUC/SP, mas também e especialmente, de
outras universidades nacionais e estrangeiras, viabilizando assim a
difusão do conhecimento e a troca de informações acadêmicas entre
os diversos juristas do direito internacional.

FONTE: <https://revistas.pucsp.br/index.php/DIGE>. Acesso em: 21 fev. 2022.

Para compreender todo esse processo e suas definições, vamos entender


que os grandes agentes econômicos capitalistas da globalização são as empresas
multinacionais, também definidas como transnacionais, que realizam estudos dos
territórios para implementar suas sedes e indústrias, movimentando suas riquezas de
um país para outro, e onde chegam influenciam as economias locais e nacionais, desde
as suas leis, políticas e até suas culturas.

Dá-se a todo esse processo o nome de globalização, que antes de ser


um movimento que traga somente benefícios, acaba muitas vezes
se transformando na imposição de culturas, economias e políticas,
tudo de forma, muitas vezes, a tornar os pobres ainda mais pobres,
subjugados pela força dos mais poderosos, vendo-se na iminência
de perderem suas tradições e de sofrerem com as imposições
imperialistas (MACHADO; MATSUSHITA, 2019, p. 105).

Constituindo um poder local, nacional e internacional, são esses agentes que


se aliam ao Estado, e revelam muito mais poder, dinamizando toda a configuração dos
territórios. Nesse sentindo, Ianni (2001, p. 17-18) descreve que:

112
uma transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo além de
todas as fronteiras, subsumindo formal ou realmente todas as outras
formas de organização social e técnica do trabalho, da produção e
reprodução ampliada do capital. Toda a economia nacional, seja
qual for, torna-se província da economia global. O modo capitalista
de produção entra em uma época propriamente global, e não
apenas internacional ou multinacional. Assim, o mercado, as forças
produtivas, a nova divisão internacional do trabalho, a reprodução
ampliada do capital, desenvolvem se em escala mundial. Uma
globalização que progressiva e contraditoriamente, subsume real
ou formalmente outra e diversas formas de organização das forças
produtivas, envolvendo a produção material e espiritual.

Regularmente, as empresas multinacionais são administradas por uma sede que


controla todas as decisões, e se difunde por diversos espaços geográficos do mundo,
com o objetivo de maximizar os lucros através de redução dos custos de produção. Para
isso, buscam países nos quais a mão de obra é abundante e barata e cujos governos
ofereçam incentivos fiscais para seu estabelecimento. Segundo Ianni (2001, p. 19),
convém ressaltar:

A fábrica global instala-se além de toda e qualquer fronteira,


articulando capital, tecnologia, força de trabalho, divisão do trabalho
social e outras forças produtivas. Acompanhada pela publicidade,
a mídia impressa e eletrônica, a indústria cultural, misturadas em
jornais, revistas, livros, programas de rádio, emissões de televisão,
videoclipes, fax, redes de computadores e outros meios de
comunicação, informação e fabulação, dissolve fronteiras, agiliza os
mercados, generaliza o consumismo. Provoca a desterritorialização
e reterritorialização das coisas, gentes e ideias. Promove o
redimensionamento de espaços e tempos.

Portanto, a globalização é um meio, um fenômeno que diminuiu distâncias


entre nações e povos, mas não é um processo isolado, o que se globaliza enquanto
fenômeno é o capitalismo, um capitalismo globalizado, “impondo costumes acima de
tudo, com reflexos em toda uma realidade à sociedade hoje globalizada até no que
veste, no que lê, na forma como se comporta” (MACHADO, MATSUSHITA, 2019, p. 107).

A disseminação dessa cultura dominante, especialmente através


das tecnologias implantadas aos meios de comunicação –desde
o telégrafo e hoje com a internet, o rádio e a televisão -permite
que se criem modelos de comportamento e de consumo, tudo
a fornecer às Nações ricas meios de impor não só suas culturas
capitalistas neoliberais, mas seu poder global, sem, entretanto,
haver reciprocidade de ganhos às Nações menos empoderadas, que
acabam muitas vezes sofrendo os efeitos dessa mesma cultura. Isto
porque, se de um lado o capitalismo globalizado traz a tecnologia
avançada, por outro cria pobrezas e exclui o trabalho humano, efeitos
dessa mesma tecnologia, impondo uma nova ordem mundial de
dominação (MACHADO; MATSUSHITA, 2019, p. 107).

Vejamos a letra a seguir, para compreendermos mais sobre a sociedade


globalizada:

113
Música: Geração Coca-Cola
Legião Urbana/Compositores: Renato Junior Manfredini

Quando nascemos fomos programados


A receber o que vocês nos empurraram
Com os enlatados dos U.S.A., de nove as seis
Desde pequenos nós comemos lixo
Comercial e industrial
Mas agora chegou nossa vez
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês
Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola
Depois de vinte anos na escola
Não é difícil aprender
Todas as manhas do seu jogo sujo
Não é assim que tem que ser
Vamos fazer nosso dever de casa
E aí­então, vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis
Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola (4x)
Depois de vinte anos na escola
Não é difícil aprender
Todas as manhas do seu jogo sujo
Não é assim que tem que ser
Vamos fazer nosso dever de casa
E aí­então, vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis
Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola (4x)

FONTE: <https://www.letras.mus.br/legiao-urbana/45051/>. Acesso em: 11 nov. 2021.

Continue sua observação com a tirinha a seguir:

114
FIGURA 9 – QUESTIONAMENTO SOBRE A GLOBALIZAÇÃO

FONTE: <https://bit.ly/3J3ngay>. Acesso em: 11 nov. 2021.

NOTA
“Fast foods”: exemplos da difusão de costumes e hábitos das culturas ocidentais.
Os números de 2019 apontam que só no Brasil o mercado de fast food
movimentou em torno de R$ 84 bilhões. Esse segmento tem atingido um
crescimento elevado ano após ano no país, em comparação com outros
países, que já têm o setor bem desenvolvido. A seguir, estão listadas as
seis maiores empresas de fast food do mundo. Todas elas são empresas
estadunidenses.
McDonalds.
Subway.
Starbucks.
KFC.
Chipotle Mexican.
Pizza Hut.

FONTE: <https://bit.ly/35FxJLe>. Acesso em: 23 jan. 2022.

115
Tanto na música quanto na tirinha, fica evidente a existência de uma crítica social,
política e econômica. Além disso, elas demonstram o poder que a mídia exerce sobre
as pessoas, criando uma cultura de massa. As transformações econômicas mundiais
que ocorrem Pós-Segunda Guerra Mundial são fundamentais para entendermos
as dinâmicas de poder estabelecidas pelo grande capital e pelas grandes empresas
transnacionais e também a importância das crescentes instituições supranacionais,
que tem atuação neste jogo de interesses, tendo como exemplo o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Mundial, entre outros.

Nesse sentindo, Machado e Matsushita (2019, p. 118) nos revelam como surge a
guerra na busca do controle dos mercadores consumidores e assim criam-se os blocos
econômicos:

Com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os países


capitalistas iniciaram uma verdadeira guerra na busca do controle
dos mercadores consumidores. Esse foi o principal efeito do chamado
“mundo globalizado”, pois diante da limitação unitária, resolveram as
nações se unirem em blocos econômicos, inicialmente regionais,
com o objetivo de facilitar o alcance dos mercados, além da mútua
ajuda entre os membros. Assim, foram criados os chamados “blocos
econômicos”, tipo de acordo intergovernamental onde as barreiras do
comércio são reduzidas ou eliminadas.

3 MUNDO GLOBALIZADO E OS BLOCOS ECONÔMICOS


Assim, os blocos econômicos são associações realizadas por países em prol
do desenvolvimento social, político e econômico de seus membros. Essas alianças são
feitas principalmente para garantir ajuda mútua e desenvolver a economia de todos
os envolvidos. Várias são as vantagens para um país de se integrar a um bloco, como
a eliminação de tarifas e barreiras alfandegárias e a garantia de desenvolvimento do
comércio interno e externo. Por outro lado, algumas desvantagens emergem, como o
impedimento de algumas parcerias comerciais.

São associações criadas entre os países, com a finalidade do


estabelecimento de relações econômicas entre si e entre os demais
Estados-Nação, visando o crescimento das relações mútuas
econômicas, com a integração das relações de comércio. Começaram
a surgir após a Segunda Guerra Mundial, e foram viabilizados
em razão da tecnologia das comunicações e do transporte, que
diminuiu as distâncias e possibilitou a aproximação de Nações e
culturas diferentes, em busca de ajuda mútua, efeito da globalização
(MACHADO; MATSUSHITA, 2019, p. 118).

Conforme Machado e Matsushita (2019, p. 118-119) sintetizaram, a proliferação


dos blocos econômicos regionais se deu, especialmente, em razão dos seguintes fatores:

116
(i) é natural que países com políticas econômicas semelhantes
avancem para alianças comerciais, buscando o comércio
multilateral e aumento natural da competitividade; (ii) a conversão
dos Estados Unidos da América ao regionalismo; (iii) o desmonte
do Bloco do Leste, fazendo com que os países que giravam sobre
a extinta União Soviética procurassem celebrar acordos de livre
comércio; e (iv) o chamado “efeito dominó do regionalismo”, com
o desejo de adesão dos países que ficam de fora da criação ou do
aprofundamento dos blocos econômicos regionais. O acordo de
maior relevância foi estabelecido em 1947. Chamado, em inglês,
GATT – General Agreement on Tariffs and Trade – ou Acordo
Geral sobre Tarifas e Comércio, foi estabelecido em 1947, visando
promover ou reduzir barreiras comerciais, visando obter vantagens
mútuas. Os fundadores foram África do Sul, Austrália, Bélgica,
Brasil, Canadá, Ceilão, Chile, China, Cuba, Checoslováquia, Estados
Unidos, França, Holanda, Índia, Líbano, Luxemburgo, Nova Zelândia,
Noruega, Paquistão, Reino Unido, Rodésia do Sul e Síria. Esse acordo
vigeu até 14 de abril de 1994, quando foi estabelecida a Organização
Mundial do Comércio –OMC.

Os blocos econômicos têm como objetivo o desenvolvimento social, político e


econômico de seus membros, com alianças para garantir ajuda mútua e desenvolver
a economia de todos os envolvidos. Com isso, são muitos os autores que destacam
as vantagens e desvantagens de integrar um bloco. Tem-se várias vantagens, como
a eliminação de tarifas e barreiras alfandegárias e a garantia de desenvolvimento
do comércio interno e externo. Ademais algumas desvantagens emergem, como o
impedimento de algumas parcerias comerciais.

A partir desses objetivos, podemos observar as quatro classificações dos blocos


econômicos, como nos apresentam Machado e Matsushita (2019):

I- Áreas de livre comércio, onde há a isenção de taxas e impostos na comercialização


de produtos e serviços entre os países que formam o bloco.
II- União aduaneira, com a implementação de condutas de comércio com vistas a
alcançar países fora do bloco.
III- Mercado comum, com a integração da economia, possibilitando a passagem de
mercadorias e pessoas entre os países.
IV- União econômica e monetária, com a integração da economia e a criação de moeda
única para os países do bloco.

Os autores relatam que essas quatro classificações representam a fase de cons-


tituição dos blocos, e exemplificam dois casos, o primeiro é o que ocorreu na União Eu-
ropeia, antes designado Mercado Comum Europeu, todas as fases foram seguidas, até a
criação da moeda única – o euro. Em segundo lugar, o Mercosul, por exemplo, ainda está
no estágio da união aduaneira, não atingindo sequer a qualidade de mercado comum.

117
NOTA
Para fixar o conteúdo vamos relembrar os tipos de blocos econômicos existentes:
União aduaneira: consiste numa zona de livre comércio com uma Tarifa Externa
Comum (TEC), que é uma taxa que encarece os produtos de países que não são do bloco.
Exemplos: Mercado Comum do Sul (Mercosul).
Zona de livre comércio: consiste na facilitação comercial com a eliminação de tarifas e
barreiras alfandegárias, a fim de garantir o desenvolvimento econômico e comercial.
Exemplo: Nafta (Tratado de Livre Comércio das Américas) e CAN (Comunidade
Andina).
Mercado comum: é um bloco econômico com elevado padrão de integração,
no qual há livre comércio e livre circulação de pessoas, informações,
capitais e bens. Nesses blocos as fronteiras físicas praticamente inexistem.
Exemplos: Mercado Comum do Sul (Mercosul).
União política e monetária: é uma integração ampla no campo econômico,
com o desenvolvimento do comércio (importação e exportação) e
do campo político – com políticas comuns adotadas entre os países
–, além da criação e adoção de uma moeda única pelos membros.
Exemplo: União Europeia.
Zonas de preferência tarifária: tipo de integração em que são
adotadas vantagens tarifárias apenas a alguns produtos, para
torná-los mais baratos para países não participantes do bloco.
Exemplo: Aladi (Associação Latino-Americana de Integração).

O desenvolvimento em grande escala de integrações econômicas foi uma


via para o nível da globalização, que rompe barreiras e unifica os mercados. Surgem
no passar dos anos vários blocos econômicos, portanto, o surgimento dos blocos
econômicos no capitalismo moderno colocou os países no sistema de concorrência
global. Com isso, cada país integrante consegue participar da economia global. Em cada
continente, cada região do mundo, há associações nesse formato, e vamos relatar os
principais blocos econômicos, bem como a União Europeia, Nafta, entre outros.

4 OS PRINCIPAIS BLOCOS ECONÔMICOS MUNDIAIS


A União Europeia é formada por Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre,
Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia,
Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos (Holanda),
Polônia, Portugal, Reino Unido, República, Romênia e Suécia, que representam 20% do
PIB mundial. Foi criada em 1957 e tem como principal função promover a livre circulação
de pessoas e o desenvolvimento econômico entre os membros.

Uma das intenções da União Europeia foi colocar um fim às guerras


entre os países vizinhos, que se tornaram intensas na Segunda
Guerra Mundial. Dentre as características comuns nos blocos
econômicos estão a mútua ajuda para ser forte economicamente,

118
além de facilitar negócios entre os países integrantes. As políticas
da UE são voltadas para a livre circulação de pessoas, serviços, bens
e capital, bem como a legislação sobre assuntos relativos à justiça,
mantendo também as políticas relativas ao comércio (MACHADO;
MATSUSHITA, 2019, p. 122).

FIGURA 10 – BANDEIRA DA UNIÃO EUROPEIA – MAIOR BLOCO ECONÔMICO DO MUNDO

FONTE: <https://european-union.europa.eu/principles-countries-history/symbols/european-flag_pt>.
Acesso em: 11 nov. 2021.

O bloco da União Europeia é formado por sete instituições, que garantem sua
estrutura, conforme Machado e Matsushita (2019, p. 122) relatam:

São elas: o Parlamento Europeu, responsável pelo orçamento e pela


formação das leis, e é composto por 751 deputados eleitos a cada
cinco anos; Conselho da União Europeia, composto por ministros
dos governos de cada país-membro, com a função de coordenar
as políticas e aprovar as leis; Conselho Europeu, que estabelece as
prioridades políticas da União, e é formado pelos Chefes de Estado
e de Governo dos países-membros, que formulam a agenda política
do bloco; Comissão Europeia, que tem por função a defesa dos
interesses do bloco, e é formada por comissários de cada país-
membro; o Banco Central Europeu, que realiza a gestão do euro e
garante a estabilidade dos preços e coordena a política econômica,
e é formado pelo presidente e pelo vice-presidente e pelos
governadores dos bancos centrais da União; Tribunal de Justiça da
União Europeia, que garante a aplicação da lei comum aos países-
membro, e o Tribunal de Contas Europeu, órgão de controle externo
que administra os fundos do bloco.

Outro bloco econômico é o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do


Norte), que foi criado em 1994 e tem como objetivo central desenvolver o comércio entre
Estados Unidos da América, México e Canadá.

119
O NAFTA – North American Free Trade Agreement, ou Tratado Norte-
Americano de Livre Comércio – entrou em vigor em 1º de janeiro de
1994, mas sua ideia foi concebida através do Acordo de Liberalização
Econômica assinado pelos Estados Unidos e pelo Canadá em 1988.
Apresenta-se como um acordo de livre comércio entre os Estados
Unidos e o Canadá, a princípio, depois com a associação do México
em 1993. Tendo o Chile como associado, é um instrumento de
integração das economias, visando o comércio regional da América
do Norte, com a proteção dos direitos de propriedade intelectual
e a proteção do trabalhador e do meio ambiente (MACHADO;
MATSUSHITA, 2019, p. 125).

FIGURA 11 – LOGO DO NAFTA

FONTE: <https://bit.ly/3pPwG23>. Acesso em: 11 nov. 2021.

FIGURA 12 – PAÍSES MEMBROS DO NAFTA

FONTE: <https://bit.ly/3KBEqNc>. Acesso em: 11 nov. 2021.

Como vemos nas figuras, o bloco NAFTA, tem como objetivo o fim das barreiras
alfandegárias entre seus membros e a geração de oportunidades de investimentos, mas
com as leis internas de cada país permanecendo vigentes:

120
Tem como objetivos o livre acesso aos mercados com o estabeleci-
mento do fim das barreiras alfandegárias entre seus membros, di-
minuindo os custos comerciais e aumentando a exportação e com
isso maior competitividade, bem como a geração de oportunidades
de investimentos, com a garantia de direitos entre os três países
participantes do acordo. Ao contrário do que ocorre na União Euro-
peia, o NAFTA procura viabilizar o comércio do bloco sem a imposi-
ção de uma lei comum, e sem a criação de um órgão governamental
supranacional: as barreiras comerciais são diminuídas, mas as leis
internas permanecem vigentes, inclusive quanto a circulação de
pessoas entre os membros (MACHADO; MATSUSHITA, 2019, p. 125).

A Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) é formada pelos


países que produzem e vendem petróleo em nível global: Argélia, Angola, Equador, Irã,
Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria, Catar, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Venezuela,
com a sua criação na década de 1960.

FIGURA 13 – SÍMBOLO DA OPEP, REPRESENTANDO A SIGLA DO ORGANISMO EM INGLÊS (OPEC)

FONTE: <https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/opep.htm>. Acesso em: 15 out. 2021.

Apec é a Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico, e foi criada em 1989


e é formada por Austrália, Brunei, Canadá, Indonésia, Japão, Malásia, Nova Zelândia,
Filipinas, Cingapura, Coréia do Sul, Tailândia, EUA (1989); China, Hong Kong (China),
Taiwan (Formosa) (1991); México, Papua Nova Guiné (1993); Chile (1994); Peru, Federação
Russa, Vietnã (1998). Sendo assim, um bloco econômico que não foi motivado pela
proximidade geográfica, tendo como membros países de diversos continentes, todos
localizados no Círculo do Pacífico.

FIGURA 14 – LOGOMARCA DA APEC

FONTE: <https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/apec.htm>. Acesso em: 11 nov. 2021.

121
Tem como objetivo a promoção de uma área de desenvolvimento econômico e
comercial entre os membros. Hoje, a APEC representa metade do PIB e 40% do comércio
mundial, e foi formada para a livre troca de mercadorias até 2020.

A APEC é formada por potencias mundiais e também por um grupo


de países em fase de crescimento econômico, e isso é um dos
fatores que contribuem para os bons resultados do bloco. Os países
participam de mais da metade do PIB mundial e tendem acrescer,
pois o desenvolvimento deles está baseado, no conhecimento. Esse
crescimento se dá em áreas como informática e tecnologia, setores
que aceleram e elevam o crescimento econômico de países com
essas vertentes. A China apresenta a maior taxa de crescimento
entre os países membros, e, por isso, é considerado um líder no
crescimento do bloco como um todo. Isso se deve, de acordo com
especialistas, em razão da chamada “economia de conhecimento”,
pois quanto maior for o progresso científico e tecnológico maiores
serão os índices econômicos (MACHADO; MATSUSHITA, 2019, p. 125).

DICA
Você pode enriquecer sua leitura sobre o tema abordado com a leitura do site
do Mercosul, (https://www.mercosur.int/pt-br/), onde você encontrará todas as
suas decisões e documentos realizados, bem como seus temas, relacionamentos
internos, política comercial, cartilhas e entre outros documentos muito importantes
relacionados ao bloco, como vemos na figura a seguir:

FONTE: <https://www.mercosur.int/pt-br/>. Acesso em: 31 jan. 2022.

O Mercosul é o Mercado Comum do Sul, formado por países da América do Sul.


Atualmente, fazem parte os países: Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela.
Surgiu em 1991, e teve como principal função promover uma área de livre comércio,
desenvolvimento social e econômico entre os membros, além de permitir a livre
circulação de pessoas, mercadorias e bens de modo geral.

122
Bloco econômico surgido em 1991, foi criado por países da América
do Sul -Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Posteriormente,
outros ingressaram, sendo um deles a Venezuela, em 2012, e tem
como objetivo principal garantir a integração política, econômica e
social entre os países-membros. Atualmente, o bloco é formado por
cinco membros plenos, sendo eles a Argentina, o Brasil, o Uruguai,
o Paraguai e a Venezuela, estando esta última suspensa desde
dezembro de 2016 por não cumprir o compromisso de proteção
aos direitos humanos, e possui como associados o Chile, a Bolívia
(em processo de adesão desde 2015), a Colômbia, o Equador e o
Peru, tendo ainda como observadores Nova Zelândia e o México
(MACHADO; MATSUSHITA, 2019, p. 123).

FIGURA 15 – LOGOMARCA DO MERCOSUL

FONTE: <https://www.mercosur.int/pt-br/quem-somos/em-poucas-palavras/>. Acesso em: 11 nov. 2021.

O bloco tem quatro objetivos delimitados, que foram constituídos pelo Tratado
de Assunção para um mercado comum, que implica:

1. A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através,


entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à
circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente.
2. O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política
comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a
coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais.
3. A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes –
de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de
serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem –,
a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes.
4. O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas per-
tinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração (MERCOSUL, 2021).

123
NOTA
Protocolos complementares do Mercosul em Vigência:
(i) Protocolo de Las Leñas, assinado em 1992, criando a similitude entre decisões judiciais
sem a necessidade de homologação das sentenças, aprovado pelo Brasil em 1995 e
promulgado pelo Decreto nº 2.067, de 1996;
(ii) Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual, em
1994, aprovado no Brasil em 1995 e promulgado através do Decreto nº 2095, em 1996;
(iii) Protocolo de Integração Educativa e Reconhecimento de Certificados, Títulos e Estudos
de Nível Primário, Médio e Técnico, em 1994, promulgado no Brasil através do Decreto nº
2 726, em 1998;
(iv) Protocolo de Ouro Preto, em 1994, que estabeleceu uma estrutura institucional ao
Mercosul, dando personalidade jurídica de direito internacional ao bloco, promulgado no
Brasil em 1996 através do Decreto nº 1901;
(v) Protocolo de Medidas Cautelares, em 1994, promulgado no Brasil em 1998 através do
Decreto nº 2626;
(vi) Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais, em 1996, promulgado
pelo Brasil em 2000 através do Decreto nº 3468;
(vii) Protocolo de São Luis em Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes
de Trânsito entre os Estados Partes do Mercosul, em 1996, promulgado pelo Brasil em
2001 através do Decreto nº 3856;
(viii) Protocolo de Integração Educativa para a Formação de Recursos Humanos a Nível de
Pós-Graduação entre os Países Membros do Mercosul, em 1996, promulgado no Brasil
através do Decreto nº 2095;
(ix) Protocolo de Integração Cultural do Mercosul, em 1996, promulgado no Brasil através
do Decreto 3193;
(x) Protocolo de Integração Educacional para o Prosseguimento de Estudos de Pós-
Graduação nas Universidades dos Países Membros do Mercosul, em
1996, promulgado no Brasil por meio do Decreto nº 3194, em 1999;
(xi) Protocolo de Ushuaia, em 1998, promulgado no Brasil através do
Decreto nº 4210, em2002;
(xii) Protocolo de Olivos, em 2002, que aprimorou o Protocolo de Brasília,
de 1991,com a criação do Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do
Mercosul. Foi promulgado pelo Brasil através do Decreto4982, em
2004;
(xiii) Protocolo de Assunção sobre o Compromisso com a
Promoção e Proteção dos direitos Humanos no Mercosul, em 2005,
promulgado no Brasil por meio do Decreto nº 7225, em 2010;
(xiv) Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, em 2005,
promulgado no Brasil por meio do Decreto nº 6105, de 2007;
(xiv) Protocolo de Adesão da República Bolivariana de Venezuela
ao Mercosul, em 2006, promulgado no Brasil por meio do Decreto
3859, de 2012 (MACHADO; MATSUSHITA, 2019, p. 124).

Além, desses blocos econômicos podemos citar várias alianças que se


desenvolvem ao decorrer da história, que buscam o desenvolvimento social, político
e econômico de suas nações e regionalizações. Como exemplo, temos a ALCA – Área
de Livre Comércio das Américas –, os BRICS, ALIANÇA DO PACÍFICO (Pacific Alliance),
Caricom – O Mercado Comum e Comunidade do Caribe –, CEI – Comunidade dos estados

124
Independentes –, CAFTA-DR – Central American Free Trade Agreement – Dominican
Republic. O Congresso norte-americano aprovou o Cafta-DR (Acordo de Livre Comércio
da América Central e República Dominicana), Pacto Andino, Sadc –Comunidade da
África Meridional para o Desenvolvimento –, Unasul e a União Africana, entre outros.

Podemos observar as integrações econômicas como uma tentativa de um ou


mais país em reduzir suas barreiras comerciais, mostrando o jogo de poder exercido pe-
las nações, tentando garantir suas áreas de influências e interesses, buscando ter um
pensamento de ordenamento, movimento e consumo do território. O jogo de poder está
externamente e internamente nos blocos, que estão em busca de controlar os mercados
ou estabelecer parcerias com nações que despertem o interesse dos blocos econômicos.

IMPORTANTE
Para compreender sobre a globalização e seus efeitos adversos, leia a reportagem a
seguir, escrita por Manuel Cambeses Júnior, no Site “Monitor Mercantil”.
“O fenômeno da globalização é algo relativamente recente no acontecer mundial. Não
existe dúvida de que a alta tecnologia, as comunicações instantâneas e a imbricação da
economia em escala planetária conduzem a fazer do planeta uma unidade mais entrelaçada,
complexa e inter-relacionada. Também é fato significativo que tal acontecimento tem
efeitos em todas as áreas da vida social e, sensivelmente, na economia. É fora de dúvida
que a globalização em si mesma é um progresso do qual nenhum país poderá escapar
e algo irreversível. Porém, ao aceitarmos simplesmente essa constatação, não podemos
admitir, necessariamente, que todas as suas consequências devam projetar-se em uma
só direção, a qual, até agora, parece beneficiar basicamente a alguns países e prejudicar
a muitos outros. Na globalização, existem ganhadores e perdedores porque, entre os
países desenvolvidos, se está criando uma mentalidade em muitos sentidos excludente,
e que não interpreta todos os fatores que entram no tabuleiro desse intrincado jogo.
Tais fatos podem produzir desequilíbrios internacionais capazes de conduzir o mundo
a dificuldades maiores do que as que se conheceram durante o período da Guerra Fria.
É tremenda ingenuidade pensar que o final da Guerra Fria abriu as perspectivas de um
paraíso para a humanidade. Pelo contrário, estão sendo geradas intensas contradições
que poderão multiplicar os conflitos no alvorecer deste século e tornar mais difícil a
vida para grande parte do gênero humano. Por esse motivo, é necessário que os países
em desenvolvimento tenham claras as noções de interesse nacional. Em muitos casos
pode haver tendência a uma "globalização ingênua" e a um "internacionalismo-irmão".
Essa posição se alimenta na ideia de que existe uma espécie de progresso linear que,
automaticamente, produzirá benefícios pelo simples fato de inscrever-se no "clube da
globalização". Esquece-se, dessa maneira, que nesse clube existem membros de primeira
classe, vários de segunda, muitos da terceira e inúmeros outros na lista de espera. A
"globalização ingênua" pode conduzir-nos a erros fundamentais. O primeiro deles é o de
prescindir do interesse nacional e do papel que os Estados e os governos nacionais têm
que assumir para defender os interesses dos países que representam. É muito bom o
diálogo, as negociações, as aberturas de mercado e todos os demais benefícios que produz
o desenvolvimento tecnológico e comunicacional. Porém, dentro da complexa arquitetura
desse jogo, temos alguns interesses a defender, uma posição a assumir e uma atitude a
vigiar constantemente. Há alguns anos, li um livro que me intrigou profundamente. Está
escrito por um homem sobejamente conhecido no cenário internacional, Kenichi Ohmae,
cujo título é “The End of the Nation State”. É um livro inteligente, porém seus delineamentos
e conclusões poderiam nos levar a admitir postulados que conduziriam ao prejuízo dos

125
interesses dos povos e das nações menos desenvolvidas. Os argumentos são muito bons
para defender a posição dos países poderosos, porém inconsistentes para assumir a
tribuna dos menos aquinhoados. Um dos argumentos que agora se costuma alardear é
de que os Estados são apenas referências cartográficas dentro da estrutura geopolítica
do planeta. Isso, em termos técnicos e comunicacionais, pode ser considerado correto.
Porém, a realidade humana é outra. Os Estados estão formados por seres humanos que
deveriam estar representados e encarnados por eles, mas sabemos que, muitas vezes, não
é assim que as coisas ocorrem. Entretanto, é importante enfatizar essa dimensão histórica
do Estado nacional: um elo entre as pessoas e a ordem política. Existe uma tecnocracia
apátrida que voa sobre as fronteiras e possui fórmulas sintéticas e paradigmáticas para
todas as realidades nacionais. Grande parte da crise financeira de hoje, que acomete os
Estados Unidos e vários países da Europa, se deve a que as tecnocracias, particularmente
aquelas que influem nas instituições econômicas e financeiras internacionais, não
possuem pensamento histórico das realidades que manejam. Administram fórmulas,
abstrações e jogam com os números e os deslocamentos financeiros sem ter em conta
que a base de toda essa circulação financeira internacional está apoiada em complexas
comunidades nacionais que têm seu direito a viver, suas expectativas ante o mundo, uma
cultura e uma história que defender e preservar e uma lógica aspiração à dignidade e à
reciprocidade. Com a crise estadunidense, ficou bem evidenciado que os mecanismos
financeiros não se autorregulam, como ingenuamente alguns vinham pretendendo; que
neles intervêm fatores psicológicos e políticos e que, ao final das contas, os árbitros não
podem ser os interesses internacionais e sim os povos que elegem os seus governantes.
Outro efeito da globalização ingenuamente aceito é o que supõe que o fato de proclamar
a "adesão ao clube" pressupõe, automaticamente, a conquista do bem-estar. Para
globalizar-se, é necessário desenvolver certas capacidades nacionais, a formação de
recursos humanos, as infraestruturas básicas, a instantaneidade nas comunicações e todo
um sistema cultural que lhe apoie e proporcione sustentação aos efeitos da globalização.
Para criar competição e competência, é imprescindível preparar as pessoas, administrar
inteligentemente a formação do capital humano e dar-lhe mística, entusiasmo e estímulo
para que entenda que a riqueza se alicerça, fundamentalmente, na capacidade das
pessoas. Para ser competitivo, é preciso ser capaz e, para atingir a capacidade, é necessário
preparar-se e assumir o objetivo fundamental da educação, em bases totalmente distintas
das que prevalecem na atualidade. Porém, também existem requisitos políticos para a
globalização. O primeiro de todos é que os governos têm que ser representativos da
vontade da sociedade. Isto supõe controle efetivo, por parte da opinião pública e do eleitor,
do que fazem os governos, e um contrato social claramente definido para que aqueles
que aspiram a falar em nome das unidades nacionais que entram no jogo global, possam
ser, realmente, legítimos representantes dos povos. A globalização
ingênua esquece a maior parte desses componentes. É necessária
a [eventual] privatização de alguns segmentos parasitários do setor
público, mas isso tem que estar orientado a que as iniciativas
e os negócios que se empreendam em nome dos países e das
nações beneficiem o interesse geral e não determinados setores
excludentes. A conclusão é que a globalização sem a democracia
não funcionará com eficácia, e para que haja bons governos
tem que existir mecanismos de responsabilidade política
ante o eleitorado e ante o povo que esses governos
representam. Isso quer dizer que a liberdade e a
amplitude dos mercados estão somente garantidas pela
liberdade e dignidade democrática dos povos”.

FONTE: <https://monitormercantil.com.br/globalizauuo-e-
efeitos-adversos/>. Acesso em: 11 nov. 2021.

126
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Através da Globalização se transforma o espaço geográfico e começa a criar um


mercado e sociedades globais.

• Os grandes agentes econômicos capitalistas da globalização são as empresas


multinacionais, também definidas como transnacionais.

• Os blocos econômicos são associações realizadas por países em prol do desenvolvi-


mento social, político e econômico de seus membros.

• As áreas de livre comércio é onde há a isenção de taxas e impostos na comercialização


de produtos e serviços entre os países que formam o bloco.

• A união aduaneira tem como objetivo a implementação de condutas de comércio


com vistas a alcançar países fora do bloco.

• O mercado comum vem com a integração da economia, possibilitando a passagem


de mercadorias e pessoas entre os países.

• A união econômica e monetária é a integração da economia e a criação de moeda


única para os países do bloco.

• Temo que a globalização em si mesma é um progresso do qual nenhum país poderá


escapar e algo irreversível.

• No processo da globalização, existem ganhadores e perdedores porque, entre os paí-


ses desenvolvidos, se está criando uma mentalidade em muitos sentidos excludente.

127
AUTOATIVIDADE
1 No processo de globalização, países de grande parte do mundo se organizaram em
grupos, formando blocos econômicos com o objetivo de protegerem suas economias.
Sobre a globalização nesse contexto histórico, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) As políticas da União Europeia são voltadas para a livre circulação de pessoas,


serviços, bens e capital, bem como a legislação sobre assuntos relativos à justiça,
mantendo também as políticas relativas ao comércio.
( ) O Mercosul é o Mercado Comum do Sul, formado por países da América do Sul,
atualmente estão os países: a Argentina, o Brasil, o Uruguai, o Paraguai e a
Venezuela.
( ) O bloco NAFTA procura viabilizar o comércio do bloco com a imposição de uma lei
comum, e sem a criação de um órgão governamental supranacional: as barreiras
comerciais não são diminuídas.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

2 Com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os países capitalistas


iniciaram uma verdadeira guerra na busca do controle dos mercadores consumidores.
Esse foi o principal efeito do chamado “mundo globalizado”, pois diante da limitação
unitária, resolveram as nações se unirem em blocos econômicos, inicialmente
regionais, com o objetivo de facilitar o alcance dos mercados, além da mútua ajuda
entre os membros (MACHADO; MATSUSHITA, 2019, p. 125). Com relação aos blocos
econômicos, analise as sentenças a seguir:

I- Na zona de livre comércio, os acordos comerciais visam à redução ou eliminação de


tarifas e barreiras alfandegárias, a fim de garantir o desenvolvimento econômico e
comercial.
II- Na união aduaneira, além de reduzir ou eliminar as tarifas aduaneiras entre
os membros do bloco, os países parceiros estabelecem as mesmas tarifas de
exportação e importação para o comércio internacional fora do bloco.
III- O Mercosul é um exemplo de mercado comum que, além de eliminar as tarifas
aduaneiras internas, permite também a livre circulação de pessoas, investimentos e
todos os tipos de serviços entre os países membros.
IV- Estados Unidos da América, Canadá e México formam o NAFTA; já a ALCA engloba
todos os países da América.

128
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
b) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.

3 Sabe-se que os blocos econômicos têm como objetivo o desenvolvimento social,


político e econômico de seus membros, com alianças para garantir ajuda mútua e
desenvolver a economia de todos os envolvidos, são integrados por nações de várias
partes do planeta. Qual das organizações a seguir não é considerada um Bloco
econômico, e sim um agrupamento econômico?

a) ( ) MERCOSUL.
b) ( ) União Europeia.
c) ( ) OPEP.
d) ( ) BRICS.
e) ( ) APEC.

4 A eliminação de taxas alfandegárias, a regulamentação para importações, a per-


missão para a livre circulação de bens, mercadorias e pessoas, além da adoção de
moeda única, são tipos de acordos que são celebrados entre os blocos econômicos.
Portanto, como podemos entender a união econômica e monetária? Justifique sua
resposta.

5 Na globalização, existem ganhadores e perdedores, pois, entre os países desenvol-


vidos, está se criando uma mentalidade em muitos sentidos excludente, e que não
interpreta todos os fatores que entram no tabuleiro desse intrincado jogo. Cite e
explique sobre a tendência a uma "globalização ingênua".

129
130
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
REFLEXÕES SOBRE AS REDES E FLUXOS
NO ESPAÇO MUNDIAL

1 INTRODUÇÃO

As redes geográficas são redes sociais espacializadas. São sociais em virtude de


serem construções humanas, elaboradas no âmbito de relações sociais de toda ordem,
envolvendo poder e cooperação, além daquelas de outras esferas da vida. As redes so-
ciais são historicamente contextualizadas, portanto, mutáveis, das quais são exemplos
a rede de parentesco, englobando os membros de uma grande família, ou a de um grupo
de pessoas que se organiza em torno de um interesse comum (CORRÊA, 2012).

Nos tópicos anteriores, estudamos as diferentes perspectivas de abordagens


sobre a globalização, e com isso, daremos prosseguimento as análises sobre as redes e
fluxos no espaço mundial nos processos socioespaciais contemporâneos.

Portanto, o Tópico 3 está dividido em duas partes, iniciando com a primeira


parte sobre as redes e fluxos no espaço geográfico globalizado e finalizando com a
exemplificação de alguns modelos de redes geográficas existentes no espaço mundial.

2 REDES E FLUXO NO ESPAÇO GEOGRÁFICO


Com as grandes transformações ocorridas na organização do espaço entre
os últimos séculos, temos as inovações tecnológicas, a ciência e a informação como
propulsoras de significativas mudanças nas relações sociais, políticas, econômicas,
culturais e ambientais, que possibilitaram intervenções no território e na organização
do espaço mundial atual, reestruturando o local e o global, através das redes e fluxos.

No âmbito da Geografia tais transformações exigiram um esforço


ampliado na medida em que os efeitos da globalização provocaram
mudanças significativas nos lugares, que passaram a contar, cada
vez mais intensamente, com a influência de determinantes exógenos
portadores de novas lógicas territoriais que tendem a alterar
significativamente os conteúdos das identidades culturais locais.
Todas essas transformações foram possibilitadas por intermédio das
redes, através das quais fluxos de todas as naturezas circulam; fluxos
materiais e imateriais geralmente relacionados àquelas inovações
técnico informacionais. Atualmente as redes são indispensáveis
à análise e explicação do espaço geográfico, instrumento analítico
através do qual as relações mundo-lugar adquirem maior
inteligibilidade (TRINDADE, 2009, p. 12).

131
Para entender as redes e fluxos, devemos entender o espaço, que pode ser lido
via conceito de território. Logo, no que concerne à concepção de território, aponta-se
que esta categoria é apreendida como um espaço definido por e a partir de relações
de poder, que têm origem nas apropriações e usos dos substratos físicos espaciais,
mas que se materializam nas relações sociais presentes nessa espacialidade, desde sua
gênese a sua gestão (SOUZA, 1995).

O conceito de território é amplo, para os geógrafos é um dos conceitos


fundamentais, onde “há uma dimensão da realização da vida em sociedade que
nomeamos de território [...] território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência,
das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida” (SANTOS, 2002, p. 10).

Andrade (2004, p. 19) destaca algumas considerações sobre o território, vincu-


lando a questão do território à análise de espaço e tempo, a partir da superposição de
estruturas de escalas diferentes. Atribuindo o território nas ciências naturais e sociais:

Em ciências sociais, a expressão território vem sendo muito utilizada


desde o século passado, por geógrafos, como Frederico Ratzel,
preocupado com o papel desempenhado pelo Estado no controle
do território, e também por Elisée Reclus que procurava estabelecer
as relações entre classes sociais e espaço ocupado e dominado.
Os especialistas em Teoria do Estado costumam afirmar que o
Estado se caracteriza por três elementos essenciais: o território,
o povo e o governo, ao passo que a nação é caracterizada pela
coexistência do território e do povo, mesmo inexistindo governo, e
consequentemente, o Estado.

Contudo, “o conceito de território deve estar sempre ligado à ideia de poder,


não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando muito ligado à ideia de
domínio e de gestão de determinada área” (ANDRADE, 2004, p. 19).

Raffestin (1993, p. 7-8) nos esclarece, o território poderia ser nada mais que:

[...] o produto dos atores sociais. São esses atores que produzem
o território, partindo da realidade inicial dada, que é o espaço. Há,
portanto, um "processo" do território, quando se manifestam todas
as espécies de relações de poder, que se traduzem por malhas, redes
e centralidades cuja permanência é variável, mas que constituem
invariáveis na qualidade de categorias obrigatórias. O território é
também um produto "consumido", ou, se preferirmos, um produto
vivenciado por aqueles mesmos personagens que, sem haverem
participado de sua elaboração, o utilizam como meio. É então todo
o problema da territorialidade que intervém permitindo verificar o
caráter simétrico ou dissimétrico das relações de poder.

Conforme exposto, o território é o produto dos atores sociais e um produto


consumido, um espaço vivenciado, são eles que produzem o território, partindo da
realidade inicial dada, que é o espaço. Evidenciando que o poder é conceito-chave para

132
o estudo do território, agora compreendido não só como capacidade do Estado, mas
também exercido por atores que emergem da população. O espaço geográfico atua
como substrato, ou seja, pré-existente ao território, como podemos observar a seguir:

É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território.


O território se forma a partir do espaço, é resultado de uma ação
conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa)
em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou
abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator "territorializa"
o espaço. Lefebvre mostra muito bem como é o mecanismo para
passar do espaço ao território: "A produção de um espaço, o território
nacional, espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas
redes, circuitos e fluxos que aí se instalam: rodovias, canais, estradas
de ferro, circuitos comerciais e bancários, autoestradas e rotas aéreas
etc.". O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou
um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência,
revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a "prisão original",
o território é a prisão que os homens constroem para si (RAFFESTIN,
1993, p. 143).

DICA
Acione seus professores, colegas e acesse leituras sobre o tema para
aprofundar seus argumentos sobre o tema.

Em vista disso, o território é onde as pessoas estão e onde as relações entre


esses indivíduos ocorrem, se configurando, interagindo e criando uma diferenciação
funcional, contribuindo para o ordenamento do território. Raffestin (1993, p. 150-151)
nos esclarece:

Os indivíduos ou os grupos ocupam pontos no espaço e se distribuem


de acordo com modelos que podem ser aleatórios, regulares ou
concentrados. São, em parte, respostas possíveis ao fator distância
e ao seu complemento, a acessibilidade. Sendo que a distância pode
ser apreendida em termos espaciais (distância física ou geográfica),
temporais, psicológicos ou econômicos. A distância se refere à
interação entre os diferentes locais. Pode ser uma interação política,
econômica, social e cultural que resulta de jogos de oferta e de
procura, que provém dos indivíduos e/ou dos grupos. Isso conduz
a sistemas de malhas, de nós e redes que se imprimem no espaço
e que constituem, de algum modo, o território. Não somente se
realiza uma diferenciação funcional, mas ainda uma diferenciação
comandada pelo princípio hierárquico, que contribui para ordenar o
território segundo a importância dada pelos indivíduos e/ou grupos
às suas diversas ações.

133
Nessa linha, Trindade (2009, p. 13) aponta como um aspecto importante sobre as
transformações ocorridas no mundo nas últimas décadas, o espaço geográfico assume
diferentes feições complexas, como a técnica, ciência e informação.

A globalização alterou as relações políticas, econômicas e culturais


entre os territórios; redes informacionais conectam fluxos, lugares
e pessoas, instantaneamente; [...] Nesse contexto de aceleração
contemporânea os lugares recebem cada vez mais influências de
outras culturas, numa relação em que simultaneamente ganham e
perdem conteúdos. A articulação necessária entre mundo e lugar,
globalidade e localidade, tende a reforçar valores e comportamentos
globais em detrimento de valores identitários territorialmente
construídos pelos grupos sociais ao longo do tempo (TRINDADE,
2009, p. 13).

Nessa perspectiva, é importante considerar que:

Neste contexto diferentes autores desenvolveram discussões que


continuam estimulantes e necessárias à compreensão do mundo
a partir de então, entre os quais se destacam as interpretações
acerca da compressão espaço-tempo (HARVEY, 1992), da aceleração
contemporânea (SANTOS, 1994) e da sociedade em rede (CASTELLS,
1999); (TRINDADE, 2009, p. 13).

Compreendendo que a história dos espaços é realizada da efetivação das


possibilidades que o mundo oferece, ou seja, a efetivação de um conjunto de ações,
que por sua vez tornam-se materializadas no território. Deste modo, mesmo que o
território seja habitado por distintas ações e objetos, ele é configurado por um conjunto
de agentes que modificam e modelam seu espaço. Para os autores analisados, as redes
se constituem de instantaneidade e simultaneidade.

As redes geográficas tornaram-se mais numerosas e cerradas a


partir da segunda metade do século XIX. O desenvolvimento do
capitalismo industrial necessitou e gerou novas demandas que
suscitaram novos meios pelos quais as redes geográficas tornaram-
se mais densas e eficientes, superando progressivamente o espaço
pelo tempo. Instantaneidade e simultaneidade, que nos dias atuais
caracterizam parte do funcionamento das redes geográficas, são o
capítulo atual de uma história que não se concluiu (CORRÊA, 2012,
p. 203).

3 MODELOS DE REDES GEOGRÁFICAS NO ESPAÇO


MUNDIAL
O autor Corrêa (2012, p. 204-205) nos apresenta alguns modelos de redes
geográficas existentes no espaço mundial:

1. Rede ferroviária

134
É constituída por uma malha de trilhos que recobre uma dada área. Ao longo
dos trilhos existem pequenas paradas nas quais nem todos os trens param, estações
com paradas obrigatórias, porém breves, estações maiores, com paradas mais longas,
segundo o movimento de passageiros, estações-entroncamento, onde cruzam-se
duas ou mais linhas férreas, e que apresentam intenso movimento de passageiros
e mercadorias, e uma estação-terminal, que abriga a sede ou gerência regional da
empresa. Se este tipo de rede geográfica se tornou inexpressiva em muitos países,
como no Brasil, sua existência, no entanto, é muito significativa na Europa.

FIGURA 16 – REDE FERROVIÁRIA MUNDIAL

FONTE: <https://massa.ind.br/transporte-ferroviario-no-mundo/>. Acesso em: 11 nov. 2021.

2. Bacia leiteira

Uma bacia leiteira constitui outro exemplo de rede geográfica. O foco da rede
é, em geral, um centro metropolitano, local de consumo final e de redistribuição de
derivados do leite para a sua hinterlândia. A rede tem como pontos iniciais as fazendas
produtoras do leite que é encaminhado regularmente para as usinas de pasteurização,
numerosas e localizadas, via de regra, em pequenos centros. Algumas, em menor
número, encontram-se em cidades maiores, onde se processam o empacotamento do
leite e a produção de seus inúmeros derivados, como cremes, iogurtes, leite em pó etc.
Esses produtos são encaminhados à metrópole e aos centros maiores. Outras unidades
são vinculadas à rede e diversos técnicos prestam assistência aos produtores. Esta rede,
por sua vez, vincula-se a outras, de produção de embalagens e de bens intermediários,
bem como às redes bancárias. A bacia leiteira da Nestlé é um excelente exemplo de rede
geográfica de expressão nacional (e global).

135
INTERESSANTE
KitKat tem um histórico de melhoria da sustentabilidade de sua cadeia de fornecimento
que remonta a mais de uma década. Em 2009, a Nestlé lançou o Nestlé Cocoa Plan, que
procura melhorar a vida nas fazendas e a qualidade dos grãos de cacau. Em 2016, a KitKat
se tornou a primeira marca de chocolates global a utilizar 100% de cacau com certificado
de sustentabilidade e rastreável, fornecido através do programa. De acordo com o Plano,
a Nestlé plantou mais de 15 milhões de árvores de cacau e investiu 300 milhões de francos
suíços na sustentabilidade do cacau.
Nestlé Cocoa Plan é o programa de sustentabilidade para a cadeia do cacau. No Brasil,
através de parceiros implementadores, atua diretamente com mais de mil produtores
participantes, nos estados da Bahia, Espírito Santo e Pará. A rastreabilidade passa
por um constante processo de evolução dentro do programa Nestlé Cocoa Plan, que
tem o objetivo de garantir a produção responsável, combinando o desenvolvimento
sustentável na cadeia produtiva do cacau, com ênfase na produtividade e rentabilidade
das lavouras, o atendimento a critérios de qualidade e a conformidade social e ambiental
dos fornecedores. Podem participar produtores, cooperativas e parceiros agrícolas, que
recebem treinamentos em boas práticas agrícolas e recomendações para adequar as
suas propriedades dentro dos parâmetros estabelecidos pelo programa.
Atualmente, são 1100 propriedades rurais participantes, que estão
sendo geomonitoradas com o objetivo confirmar as boas práticas
realizadas pelos produtores. Para se adequarem ao programa, os
participantes recebem visitas anuais de agrônomos, que verificam
o atendimento aos critérios e fornecem orientações sobre como se
adaptarem para atender a esses quesitos e estimular boas práticas
agrícolas. Por meio de parceiros implementadores, a Nestlé adquire
o cacau com certificação Nestlé Cocoa Plan, e que tem como
sustentação uma metodologia pautada por um código de conduta
e reforçada por meio de inspeções com equipe própria e auditoria
independente.

FONTE: <https://corporativo.nestle.com.br/regeneracao/kitkat-
tem-cacau-sustentavel>. Acesso em: 11 nov. 2021.

3. Redes bancárias, de partidos políticos e dos diversos órgãos do Estado

As redes bancárias de partidos políticos e dos diversos órgãos do Estado


(ministério, delegacia regional, unidade local) constituem mais alguns tipos de redes
geográficas, assim como as grandes corporações e os blocos econômicos. Ressaltaremos
aqui a mais significativa das redes geográficas, a rede urbana, definida pelo conjunto de
centros urbanos articulados entre si. Considerada como uma síntese, senão de todas,
de muitas e muitas redes geográficas cujos nós e fluxos específicos iniciam-se, finalizam
ou passam pelas cidades – redes ferroviárias, de uma bacia leiteira, das dioceses, dos
bancos, dos partidos políticos, dos órgãos públicos e das grandes corporações – a rede
urbana pode, assim, ser vista como a rede-síntese das demais redes geográficas, sendo
ela própria uma rede geográfica.

136
O debate pode ser empreendido por meio que a muito a se estudar sobre as
redes geográficas em escala mundial e, sendo um tema interessante de investigação,
que nos faz refletir sobre os processos, funções, nós e refuncionalização.

As múltiplas redes geográficas entrelaçadas recobrem toda a


superfície terrestre. Das milhares delas, algumas são nitidamente
de âmbito global, com centros e interações em dezenas de países,
tendo Londres, Nova York e Tóquio como seus epicentros. Existem
redes, contudo, que ao menos no plano formal, não apresentam uma
dimensão global, situando-se em escala nacional ou regional. Mas
apenas no plano formal, porque, em diversos graus, interconectam-
se, originando uma única rede multifacetada, que sugere a metáfora
do caleidoscópio (CORRÊA, 2012, p. 207).

Partindo dos exemplos apresentados, devemos reconhecer e compreender que


as redes dispõem de um papel no ordenamento do espaço geográfico, constituindo
relações hierárquicas no cerne das próprias redes, se apresentando de várias formas
e tamanhos, ou seja, algumas redes com mais fluxos e fixos que as outras. Assim, se
estabelecem como um elo entre as diferentes partes do espaço geográfico que integram
o sistema mundial em tempos de globalização, que se desenvolvem e entrelaçam o
transporte e a difusão das técnicas, da ciência, das informações e conhecimentos.

A globalização alterou as relações políticas, econômicas e culturais


entre os territórios; redes informacionais conectam fluxos, lugares e
pessoas, instantaneamente; as paisagens são vendidas nos cartões
postais e nas campanhas de city-marketing; satélites, GPS, aero-
fotogrametria e os recursos da informática auxiliam o geógrafo no
momento de cartografar o espaço. Os recursos estão disponíveis,
mas não podem ser utilizados por todos. O espaço tornou-se fluido,
o tempo sofreu compressão. Mas nem todos são fluidos. Se o mundo
nesse início do século XXI é marcado pela fluidez, pela velocidade,
são muitos os lugares e regiões que ainda são lentos e que não con-
seguem atender às exigências desse tempo (TRINDADE, 2009, p. 15).

DICA
Para complementar seu aprendizado, faça a leitura do artigo intitulado: Um vírus com DNA
da globalização: o espectro da perversidade, do autor Denis Castilho, que traz uma análise
da pandemia do Covid-19 e as redes, que apresenta a figura a seguir, com a sobreposição
de dois mapas, o primeiro disponibilizado pelo Flightradar24, site que rastreia o transporte
aéreo mundial, e o segundo pela plataforma da Universidade Johns Hopkins, que atualiza
em tempo real o número de casos confirmados de Covid-19, revelando a geografia do
novo coronavírus.

137
FLUXO AÉREO MUNDIAL (DEZ. 2019) E CASOS CONFIRMADOS DE COVID-19 (MAR. 2020)

FONTE: <https://journals.openedition.org/espacoeconomia/10332>. Acesso em: 11 nov.


2021.

É impressionante como essa geografia se confunde com os principais


fluxos da economia mundial. Não é exagero, portanto, reiterar a
metáfora de que se trata de um vírus urbano, das redes – aquele
que, apesar de não se constituir biologicamente como adenovírus,
é tributário da modernização contemporânea e, por isso, carrega
figurativamente o DNA da globalização. É por isso que em seu gene
há uma perversidade que antecede sua própria natureza epidêmica.
Compreendê-la demanda considerar especialmente o tipo de
sociedade que gestou o vírus, mas que se revela profundamente
incapaz de enfrentá-lo.

FONTE: <http://journals.openedition.org/espacoeconomia/10332>.
Acesso em: 31 jan. 2022.

138
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os efeitos da globalização provocaram mudanças significativas nos lugares,


possibilitadas por intermédio das redes.

• Através das redes, fluxos de todas as naturezas circulam; fluxos materiais e imateriais,
geralmente relacionados àquelas inovações técnico-informacionais.

• As redes bancárias, de partidos políticos e dos diversos órgãos do Estado, constituem


mais alguns tipos de redes geográficas, assim como as grandes corporações e os
blocos econômicos.

• O espaço geográfico assume diferentes feições complexas, como a técnica, ciência e


informação.

• As múltiplas redes geográficas entrelaçadas recobrem toda a superfície terrestre. Das


milhares delas, algumas são nitidamente de âmbito global, com centros e interações
em dezenas de países.

• Redes informacionais conectam fluxos, lugares e pessoas, instantaneamente.

139
AUTOATIVIDADE
1 No âmbito da Geografia, algumas transformações exigiram um esforço ampliado
na medida em que os efeitos da globalização provocaram mudanças significativas
nos lugares, que passaram a contar, cada vez mais intensamente, com a influência
de determinantes exógenos portadores de novas lógicas territoriais que tendem a
alterar significativamente os conteúdos das identidades culturais locais. Todas essas
transformações foram possibilitadas por intermédio das redes, através das quais
fluxos de todas as naturezas circulam; fluxos materiais e imateriais geralmente
relacionados àquelas inovações técnico informacionais. Atualmente, as redes são
indispensáveis à análise e explicação do espaço geográfico, instrumento analítico
através do qual as relações mundo-lugar adquirem maior inteligibilidade (TRINDADE,
2009, p. 12). A globalização provocou profundas mudanças nos sistemas globais.
Sobre o exposto, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A globalização alterou as relações políticas, econômicas e culturais entre


os territórios; redes informacionais conectam fluxos, lugares e pessoas,
instantaneamente.
b) ( ) A instantaneidade e simultaneidade, que nos dias atuais caracterizam parte do
funcionamento das redes geográficas, são o capítulo atual de uma história que
se concluiu na última década.
c) ( ) O espaço geográfico assume diferentes feições complexas, como a técnica,
ciência e informação, reestruturando somente o local.
d) ( ) A compreensão das redes e fluxos, deve-se inicialmente entender o lugar, que
pode ser lido via conceito de território.

2 A globalização é um processo contínuo de integração, em especial, da econômica


mundial. Para isso, é necessária a disponibilidade de ferramentas que permitem a
organização das redes e dos fluxos entre as diferentes regiões do mundo. Desse
modo, sobre onde está aparada a globalização, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Comprometimento com o desenvolvimento sustentável das nações.


b) ( ) Processo industrial altamente concentrado nos países emergentes.
c) ( ) Emprego de técnicas tradicionais de produção, como o fordismo.
d) ( ) Protecionismo econômico praticado pelos países desenvolvidos.
e) ( ) Desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação.

3 Com relação aos modelos de redes geográficas existentes no espaço mundial, o


processo de globalização provoca uma homogeneização da produção e do consumo
em nível global, porém esse processo não é uniforme em todo o planeta. Desse modo,
sobre o que resultou a globalização, assinale a alternativa CORRETA:

140
a) ( ) Melhoria da qualidade de vida das populações periféricas.
b) ( ) Acentuação da desigualdade social entre diferentes regiões.
c) ( ) Utilização de mão de obra com baixa qualificação profissional.
d) ( ) Diminuição dos impactos ambientais gerados no globo.

4 A superfície da Terra é recoberta por inúmeras redes geográficas. Os povos nômades,


sem localização fixa permanente, construíram suas próprias redes geográficas,
constituídas por itinerários percorridos periodicamente e por paradas provisórias,
junto a um poço de água, por exemplo. Há fixos e fluxos que refletem e condicionam a
vida nômade. Os itinerários simbólicos, com geossímbolos associados a uma crença
religiosa e santuários ou paradas para descanso, compõem outras redes geográficas,
existentes nos mais diferentes contextos culturais (COREIA, 2009). A partir da
formação das redes geográficas na contemporaneidade, conforme indicado pelo
trecho, exemplifique alguns tipos de redes existentes no mundo contemporâneo.

5 A globalização alterou as relações políticas, econômicas e culturais entre os territórios;


redes informacionais conectam fluxos, lugares e pessoas, instantaneamente; as
paisagens são vendidas nos cartões postais e nas campanhas de city-marketing;
satélites, GPS, aerofotogrametria e os recursos da informática auxiliam o geógrafo
no momento de cartografar o espaço (TRINDADE, 2009, p. 15). Considerando que os
recursos estão disponíveis, mas não podem ser utilizados por todos, disserte sobre.

141
142
UNIDADE 2 TÓPICO 4 -
O TRABALHO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO
MUNDIAL

1 INTRODUÇÃO

Quanto à divisão do trabalho atual, as características que interessam mais de


perto ao nosso enfoque, são, em primeiro lugar, o fato de que, talvez pela primeira vez
na história do homem, há uma completa superposição dos diversos níveis da divisão do
trabalho. Desse modo, as divisões do trabalho internacional, nacional e local se imbricam
de maneira necessária. Isso redefine, de um lado, a própria divisão do trabalho e, de outro
lado, redefine o espaço em todos os seus níveis de organização ou, para guardarmos a
velha denominação, em todas as suas escalas. Desse modo, a dimensão escalar poderia
ser rediscutida como instrumento de trabalho em geografia. Em segundo lugar, é também
a primeira vez em que a divisão do trabalho é fruto de uma organização deliberada,
não sendo deixada ao sabor das combinações ocasionais, ainda que predeterminadas.
Hoje, uma organização precede e preside a estruturação do trabalho, a partir do nível
mundial, ditando as formas de vida das sociedades as mais diversas, e pretendendo
mesmo impor as modalidades com as quais os diversos povos realizam o seu estatuto
nacional. As formas de intervenção atual dos grandes organismos internacionais na vida
íntima de cada país são um exemplo.

Esse ditame organizacional, externo a cada nação, e que impõe, dentro de cada
país, novas formas de convivência, termina por redefinir, redimensionar e reorganizar tudo,
até mesmo o espaço. Isso, porém, não significa que haja uma submissão automática dos
diversos níveis inferiores de organização aos respectivos níveis superiores. É, também,
novo na organização territorial o fato de que, graças à universalização de tantos tipos de
troca, os níveis inferiores de organização passem a ter um papel relevante na redefinição
dos níveis superiores, da nação ao universo. Em terceiro lugar, ressalta-se o papel das
diversas formas de circulação nessa reorganização da divisão internacional do trabalho,
sobretudo no que toca à reorganização espacial. A circulação já não se define como
antes, apenas pelos transportes e pelas comunicações. Já que um novo sistema se
levanta e ganha um papel reitor nas relações sociais, isto é, o subsistema da regulação,
sem o qual já não se podem entender os fenómenos espaciais (SANTOS, 1994).

Neste tópico, por meio de uma abordagem teórico-empírica, estudaremos as


questões que vinculam a geografia e o trabalho na produção do espaço mundial, tendo
por fundamento que no âmbito da geografia, temos as diferentes ocupações do espaço
geográfico e a sociedade se diferencia através de sua cultura, política, religião, economia
e seus modos de vida.

143
Cada sociedade desenvolveu sua forma de trabalho e produção por meio do seu
desenvolvimento cultural e as condições naturais oferecidas pela sua natureza e terri-
tório. Portanto, as atividades de comércio foram potencializadas com as necessidades
de matéria-prima, mão de obra e do mercado consumidor.

Além desta Introdução, o Tópico 4 está dividido em dois temas: a empregabili-


dade e desigualdade de renda no cenário mundial; e o as transformações tecnológicas
e os impactos no mundo do trabalho.

2 EMPREGABILIDADE E DESIGUALDADE DE RENDA NO


CENÁRIO MUNDIAL
Estamos vivendo uma questão atual que é discutida por várias linhas de estudos
e com grandes debates e discussões, denominada como globalização, desenvolvida por
um processo de uma tendência cultural homogeneizante através dos meios e técnicas,
condicionadas por atores políticos globais.

Verifique a tirinha a seguir:

FIGURA 17 – CHARGE SOBRE A GLOBALIZAÇÃO E A DESIGUALDADE SOCIAL

FONTE: <https://bit.ly/3MFuaoG>. Acesso em: 11 nov. 2021.

Como vemos e analisamos na figura, as pessoas que representam a classe baixa


são desmoralizadas pelas suas aparências, sendo convidadas a entrar pela entrada de
serviço. A globalização é um processo do modelo econômico capitalista, constituído
pela mundialização do espaço geográfico desenvolvida pela interligação econômica,
política, social e cultural. Ademais, todo esse processo vai ocorrer em escalas e redes
diferentes e apresenta consequências distintas no espaço geográfico, se diferenciando
em populações ricas e pobres, beneficiando as nações mais ricas, sendo essas capazes
de expandir seu mercado consumidor em grandes empresas transnacionais.

144
É necessário entender que todo o processo da globalização é composto por
diversas estruturas que estão interligadas de modo dinâmico. Assim, as transnacionais,
como exemplo, são as corporações industriais, comerciais e de prestação de serviços,
que iram atuar em distintos territórios dispersos pelo mundo, ultrapassando os limites
territoriais dos países de origem das empresas. Vejamos algumas empresas que
possuem grandes influências mundiais, sendo que as mais consumidas no mundo são
controladas pelas mesmas empresas.

FIGURA 18 – MARCAS MAIS CONSUMIDAS NO MUNDO

FONTE: <https://bit.ly/3t0EGPN>. Acesso em: 11 nov. 2021.

O avanço da globalização e das tecnologias crescentes apresentam marcas e


produtos no mercado globalizado que são assimilados pela sociedade independente
de classe social, lugar, raça, religião e cultura. São as novas relações do espaço e
tempo, a globalização atravessa as fronteiras, integrando e conectando comunidades
e organizações. No entanto, por outro lado, a velocidade da globalização, das novas
tecnologias e das transformações do mercado engendram um novo trabalhador.

Quanto ao espaço, ele também se adapta à nova era. Atualizar-se é


sinônimo de adotar os componentes que fazem de uma determinada
fração do território o locus de atividades de produção e de troca
de alto nível e por isso consideradas mundiais. Esses lugares são
espaços hegemónicos, onde se instalam as forças que regulam a
ação em outros lugares (SANTOS, 1994, p. 13).

Hoje, os territórios que apresentam as novas tecnologias e têm a velocidade das


transformações no mercado de trabalho preconizam que o indivíduo tenha que aprender
e tentar a lidar com situações totalmente novas e que são de fundamental importância
para a realização dos seus sonhos para o futuro como ser humano e como trabalhador

145
que constrói a si mesmo e toda sua realidade. Os resultados destas transformações
trazidas pela globalização têm caráter ainda mais devastador para os trabalhadores com
menor grau de escolaridade e instrução ou que estão à margem do mercado formal de
trabalho. Veja a figura a seguir:

FIGURA 19 – REPORTAGEM SOBRE A DESIGUALDADE SOCIAL

FONTE: <https://bit.ly/3pVrEkz>. Acesso em: 11 nov. 2021.

Nos últimos dez anos, a desigualdade transformou-se em um dos desafios


mais complexos e desconcertantes da economia mundial.

Desigualdade de oportunidades . Desigualdade entre gerações . Desigualdade


entre mulheres e homens. E, é claro, desigualdade de renda e de riqueza . Todas essas
facetas da desigualdade estão presentes em nossas sociedades e, infelizmente,
estão aumentando em muitos países.

A boa notícia é que dispomos dos meios para enfrentar esses problemas,
desde que tenhamos a vontade de fazê-lo. A implementação de reformas é
um processo politicamente difícil, mas os ganhos em termos de crescimento e
produtividade valem o esforço.

146
Políticas de combate à desigualdade

Combater a desigualdade exige uma abordagem nova. Primeiro, é preciso


repensar as políticas fiscais e a tributação progressiva .

A tributação progressiva é um componente essencial de uma política


fiscal eficaz. Nossos estudos mostram que é possível elevar as alíquotas tributárias
marginais no topo da distribuição de renda sem sacrificar o crescimento econômico.

O uso de ferramentas digitais na cobrança de impostos também pode ser


um dos elementos de uma estratégia global para reforçar a receita interna. Reduzir
a corrupção pode tanto melhorar a arrecadação como aumentar a confiança no
governo. E, mais importante, tais estratégias podem gerar os recursos necessários
para investir na ampliação das oportunidades para as pessoas e comunidades que
estão ficando para trás.

A adoção de uma perspectiva de gênero na preparação do orçamento,


conhecida como gender budgeting , é outra ferramenta fiscal valiosa na luta para
reduzir a desigualdade. Embora muitos países reconheçam a necessidade de
igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, os governos poderiam usar
essa ferramenta para estruturar os gastos e a tributação de modo a dar novo ímpeto
à igualdade de gênero, ampliando a participação das mulheres na força de trabalho
e, dessa forma, impulsionando o crescimento e a estabilidade.

Segundo, as políticas de gastos sociais são cada vez mais importantes para
combater a desigualdade. Quando bem aplicadas, conseguem cumprir um papel
fundamental na mitigação da desigualdade de renda e de seus efeitos nocivos
sobre a igualdade de oportunidades e a coesão social.

A educação, por exemplo, prepara os jovens para se tornarem adultos


produtivos que contribuirão para a sociedade. A saúde salva vidas e também pode
melhorar a qualidade de vida. Os programas de previdência social ajudam a preservar
a dignidade dos idosos.

A capacidade de aumentar os gastos sociais também é essencial para


cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Um novo estudo do
FMI mostra que a elevação necessária varia bastante entre os países.

Por exemplo: em áreas básicas como saúde, educação e infraestrutura


prioritária, estimamos que as economias de mercados emergentes teriam que
elevar os gastos a cada ano até chegar a cerca de 4 pontos percentuais do PIB em
2030, enquanto a média dos países em desenvolvimento de baixa renda teria de
despender o equivalente a 15 pontos percentuais do PIB.

147
Terceiro, reformar a estrutura da economia poderia apoiar os esforços para
combater a desigualdade ao reduzir os custos do ajuste, minimizar as disparidades
regionais e preparar os trabalhadores para ocupar um número crescente de
empregos verdes.

Políticas ativas para o mercado de trabalho – como a assistência na


procura de emprego, os programas de capacitação e, em alguns casos, o salário-
desemprego – podem melhorar a qualificação dos trabalhadores e encurtar os
períodos de desocupação.

Facilitar a mobilidade dos trabalhadores entre empresas, setores e regiões


minimiza os custos de ajuste e promove uma recolocação rápida. Políticas de
habitação, crédito e infraestrutura podem ser úteis nesse sentido.

Políticas e investimentos direcionados a determinadas áreas geográficas


podem complementar as transferências sociais já existentes.

Como o FMI apoia os países na redução da desigualdade

Ao longo da última década, o combate à desigualdade passou a figurar


como um dos elementos do trabalho do FMI nas áreas de supervisão, concessão
de crédito, estudos e desenvolvimento de capacidades, uma tendência que será
mantida na próxima década.

Uma pedra angular de nossa abordagem às questões de inclusão econômica


é nossa estratégia para os gastos sociais .

Nosso envolvimento com os países parte da premissa de que os gastos


sociais precisam ser adequados, mas também eficientes e financiados de forma
sustentável. Não são apenas critérios. São princípios que norteiam nossa assessoria
em políticas.

Por exemplo, se os gastos sociais forem insuficientes para alcançar os ODS


ou para proteger uma parcela significativa das famílias pobres e vulneráveis, então
é preciso aumentá-los.

De maneira análoga, com a evolução demográfica, as questões de


sustentabilidade fiscal passarão para o primeiro plano da discussão sobre gastos
sociais, abarcando os gastos com saúde e previdência.

O mais importante é que mitigar os efeitos adversos do ajuste sobre os


pobres e vulneráveis passou a ser, e continuará sendo, um objetivo fundamental.

148
A implementação na prática

Exemplos recentes de nosso envolvimento com os países na área de gastos


sociais oferecem lições valiosas:

Durante a implementação do programa apoiado pelo FMI, o Egito mais do que


dobrou a cobertura das transferências de renda, beneficiando 2,3 milhões de famílias.

Em Gana, ajudamos a criar espaço no orçamento para um aumento dos


gastos com o ensino público – para que o país possa alcançar seu objetivo de
universalização do ensino médio.

Assessoramos o Japão na formulação de opções para uma reforma da


previdência, uma medida indispensável diante do envelhecimento da sua população.

Sabemos perfeitamente que mais um relatório bonito na estante não


beneficia ninguém. Por isso, estamos empenhados em garantir que nossa estratégia
para os gastos sociais esteja plenamente integrada a todas as nossas atividades, para
que possamos adaptar melhor nossa assessoria às preferências e circunstâncias
específicas de cada país.

Colaboração com os parceiros

Seja no combate à desigualdade, seja na assessoria sobre os gastos sociais,


estamos conscientes de que não conseguiremos fazer tudo sozinhos.

Vislumbramos uma parceria entre organismos internacionais, acadêmicos,


autoridades nacionais, sociedade civil e setor privado, trabalhando juntos para me-
lhorar as políticas de gastos sociais e lançar as bases para o cumprimento dos ODS.

Por exemplo, reuni-me recentemente com os ministros do Trabalho do


G-7, cuja ampla experiência em questões sociais e laborais pode enriquecer nossa
assessoria em políticas. E nós do FMI podemos ajudar a destacar essas questões
no contexto mais amplo do diálogo de política econômica sobre estabilidade e
crescimento.

Além disso, organismos internacionais como o Banco Mundial e a Organi-


zação Internacional do Trabalho têm um conhecimento inestimável em matéria de
gastos sociais.

E a sociedade civil, o meio acadêmico, os centros de estudo e os sindicatos


também oferecem perspectivas únicas, que enriquecem nossas opiniões, ajudam-
nos a resistir ao pensamento de grupo e permitem-nos apreciar melhor aspectos
nacionais específicos.

149
Naturalmente, em se tratando de gastos sociais, não existe uma solução que
se aplique a todos os casos. Os países têm preferências distintas, enfrentam desafios
variados e aspiram a coisas diferentes. Contudo, se trabalharmos juntos, é mais pro-
vável que façamos as perguntas certas e, assim, encontremos as respostas certas.

FONTE: <https://www.imf.org/pt/News/Articles/2020/01/07/blog-reduce-inequality-to-create-oppor-
tunity>. Acesso em: 11 nov. 2021.

Nesse contexto, a pandemia acaba provocando uma aceleração nos processos de


desigualdade e desemprego, e transforma as relações de trabalho, consequentemente,
o impacto no mercado de trabalho foi imediato.

FIGURA 20 – A PANDEMIA E A POBREZA

FONTE: <https://bit.ly/3KDagsz>. Acesso em: 11 nov. 2021.

3 AS TRANSFORMAÇÕES TECNOLÓGICAS E OS
IMPACTOS NO MUNDO DO TRABALHO
As transformações tecnológicas ocorridas nas últimas décadas, especialmente
nos campos da informática e das telecomunicações, provocaram mudanças nas formas
de produzir e consumir, sendo assim, vivemos em um mundo onde as relações entre a
sociedade e o espaço são medidas, cada vez mais, pela tecnologia da informação.

150
FIGURA 21 – AS DIFERENTES EXPANSÕES TECNOLÓGICAS

FONTE: <https://bit.ly/368UYx5>. Acesso em: 11 nov. 2021.

Um mundo no qual as possibilidades de acesso à informação embora enormes,


são restritas a uma parte da humanidade.

A instantaneidade da informação globalizada aproxima os lugares,


torna possível uma tomada de conhecimento imediata de aconteci-
mentos simultâneos e cria entre lugares e acontecimentos uma re-
lação unitária na escala do mundo. E, como já não é possível medir a
mais-valia, esta, tornada mundial pelo viés da produção e unificada por
intermédio do sistema bancário, constitui o motor primeiro (SANTOS,
1994, p. 24).

FIGURA 22 – GLOBALIZAÇÃO E O CAPITALISMO

FONTE: <https://bit.ly/3KBl4Ys>. Acesso em: 11 nov. 2021.

Então devemos pensar como mudar essa realidade globalizada? Segundo o


geógrafo e escritor Milton Santos, vivemos um segundo momento da globalização, que
é a fragmentação dos territórios.

151
É aí que se situa a base da mundialização de todos os indivíduos e
de todos os lugares. O mundo oferece as possibilidades: e o lugar
oferece as ocasiões. Não se trata aqui de um "exército de reserva" de
lugares, senão da produção raciocinada de um espaço, no qual cada
fração do território é chamada a revestir características específicas
em função dos atores hegemónicos, cuja eficácia depende doravante
de uma produtividade espacial, fruto de um ordenamento intencional
e específico (SANTOS, 1994, p. 24).

Milton Santos (1994) vai discutir que o processo global constitui o estágio
supremo da internacionalização, uma nova fase na história humana ou conjunto de novas
possibilidades concretas que modificam equilíbrios preexistentes e procuram impor sua
lei. Nesse sentido, relata que a globalização se exprime por meio de funcionalização, e
reflete no espaço geográfico. Salienta que, historicamente, tentou-se unificar o mundo
e não unir. Atualmente constrói-se um mundo baseado num sistema de relações
hierárquicas e para a perpetuação de um subsistema de dominação sobre outros
subsistemas, beneficiando poucos. Destaca a busca pela dominação e competição
no mercado mundial, com atores mundiais, instituições supranacionais, organizações
internacionais, universidades mundiais e igrejas dissolventes.

DICA
Através das discussões geradas pelo questionamento, para compreender melhor esses
conhecimentos adquiridos, indicamos que assista aos documentários do professor
geógrafo Milton Santos:

Durante o documentário, Santos se refere com frequência ao termo “globalitarismo”,


termo utilizado por ele para expressar o totalitarismo que as nações hegemônicas
impõem sobre as camadas populares, seja no âmbito econômico ou social. Segundo o
geógrafo, estamos vivendo um segundo momento da globalização, em que se apresenta
uma fragmentação dos territórios.

Vídeo 1: Globalização Milton Santos, o mundo global visto do lado de


cá. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=-UUB5DW_mnM.
Acesso em: 3 nov. 2021.

Sinopse: Um documentário com a participação do geógrafo Milton


Santos, produzido pelo cineasta Silvio Tendler, discute os problemas
da globalização sob as perspectivas das periferias. Procura explicar, ou
até mesmo elucidar, essa tal globalização de que tanto ouvimos falar.
Duração: 1 h, 29 min e 24 seg.

Vídeo 2: Por uma outra globalização, Milton Santos. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=sdSwEezXrAk. Acesso em: 3 nov. 2021.

152
Sinopse: O vídeo traz uma importante visão diferenciada de globalização, como
perversidade e como abandono social, em nome da reprodução do capital. No filme,
Milton Santos ressalta as três faces da globalização: A primeira seria o mundo tal como
nos fazem vê-lo: a globalização como fábula; a segunda seria o mundo tal como ele é: a
globalização como perversidade; e a terceira, o mundo tal como ele pode ser: uma outra
globalização. Duração: 55 min e 15 seg.

Segundo Santos (1994), existem três etapas do meio geográfico. Primeiramente,


existiu o meio natural, no qual não havia expressivas transformações humanas.
Existiam técnicas simples, como a agricultura e a domesticação de animais, mas estas
eram entrelaçadas simbioticamente à natureza, os sistemas técnicos eram locais e
desprovidos de objetos técnicos. Em segunda etapa é o meio técnico, que é posterior
à invenção e ao uso das máquinas, sendo caracterizado pelo espaço mecanizado,
composto de objetos culturais e técnicos. Ademais, o espaço era tanto natural, quanto
artificial, e o fenômeno técnico era geograficamente limitado às nações desenvolvidas.
Na terceira etapa, por fim, o meio técnico-científico informacional, iniciado após a
Segunda Guerra Mundial e consolidado no decênio de 1970. Nesta etapa, o mercado
global une-se à técnica, ciência e informação, entendidas como as bases do espaço e da
produção. Nos tempos correntes, os objetos, bem como as ações, são técnico-científico
informacionais, havendo uma indissociabilidade entre estes três aspectos. Além disso, é
válido sublinhar que os objetos técnicos conferem materialidade ao território.

De um ponto específico, cresceu a generalização e a universalização de objetos,


com aumento da produtividade e a redução do espaço produtivo. Com a grande
importância dos capitais fixos e circulantes e com o passar do tempo, os objetos se
tornam mais fixos ao solo e mais dependentes de outros objetos. “Há cada vez mais
regiões que são apenas regiões do fazer, e, cada vez menos, regiões do mandar, regiões
do reger. Aquelas que são regiões do fazer são cada vez mais regiões do fazer para os
outros” (SANTOS, 1994, p. 114). Contemporaneamente, as empresas com as melhores
técnicas e informações irão se posicionar em localizações privilegiadas, ou seja, otimizam
a produção e tendem a vencer a concorrência. O conhecimento possui papel primordial
no período atual e a crescente especialização acentua a divisão do trabalho. “Os objetos
obedecem a quem tem o poder de comandá-los. Não é por acaso que a raiz da palavra
‘cibernética’ é a mesma da palavra ‘governador’” (SANTOS, 1994, p. 116).

Hoje os territórios apresentam, conforme expõe Santos (1994), a Guerra dos


Lugares, uma competição entre os lugares para a atração de empresas e investimentos.
Atualmente, a informação comanda a Divisão Internacional do Trabalho, bem como
determinam as decisões e a funcionalidade do setor financeiro, ou seja, a divisão territorial
do trabalho cria uma hierarquia dos lugares e distribui a totalidade dos recursos, cada
novo momento histórico modifica a divisão do trabalho (SANTOS, 1994).

153
Ao pensar o uso do território, pelo cenário do meio técnico-científico informa-
cional e da pós-modernidade, as redes se tornam absolutas, surgindo com intencio-
nalidades específicas, sendo fundamentais para a configuração da economia mundial.
Nelas, a circulação e os fluxos são mais importantes que a produção. Portanto, as redes
técnicas atuais necessitam de fluidez. Neste intento, são criados fixos para facilitação
dos fluxos. As redes são tanto globais, quanto locais. Assim, elas propiciam a ação do
global sobre o local e vice-versa. Na atual divisão territorial do trabalho, privilegiam al-
guns atores, conferindo-lhes poder. Elas possuem expressivo valor, pois superam os
obstáculos físicos, integrando diferentes espaços. São importantes ao atual estágio do
capitalismo, visto que a produção carece de circulação (SANTOS, 1994).

Atualmente, não é mais possível pensar o conceito de espaço sem considerar o


processo de globalização e o período técnico-científico-informacional e suas nuances
permeando entre as escalas: o nível planetário; o nível nacional e o nível regional e local.
A unicidade da técnica, a convergência dos momentos, a cognoscibilidade do planeta e
o motor único (mais-valia globalizada) resultam em uma globalização perversa, porém é
possível outro uso político com novas formas de ações e valores (SANTOS, 1994). Certo
é que os efeitos provocados por essas mudanças, como os desempregos, precarização
do trabalho, serão o conteúdo do redirecionamento das políticas públicas de emprego.

154
LEITURA
COMPLEMENTAR
MEIO TÉCNICO-CIENTÍFICO-INFORMACIONAL E AS CENTRAIS DE
ABASTECIMENTO DE ALIMENTOS NO BRASIL

Larissa Oliveira Dionísio


Antonio Nivaldo Hespanhol

Resumo: O advento do meio técnico-científico-informacional se deu após a Segunda Guerra


Mundial e é caracterizado pela utilização de modernas tecnologias. No Brasil, o meio técnico-
científico-informacional se efetivou somente na década de 1970 e teve grande influência no
processo produtivo. As centrais de abastecimento foram criadas pelo Governo Federal, no mesmo
período, e estão mais concentradas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. De tal modo, o objetivo
deste artigo é abordar a articulação das centrais de abastecimento com o meio técnico-científico
informacional, destacando as regiões Sul e Sudeste, tendo em vista que nestas duas regiões as
inovações e a modernização da agricultura foram mais expressivas. Para elaboração do artigo foi
realizado levantamento bibliográfico sobre o meio técnico-científico-informacional, as centrais
de abastecimento e a modernização da agricultura, bem como o levantamento de dados e
informações nas publicações da ABRACEN, CONAB e CEAGESP.

Palavras-chave: CEASA. Abastecimento. Meio técnico-científico-informacional.

Introdução

Este trabalho aborda as centrais de abastecimento de alimentos nas suas


articulações com o meio técnico-científico-informacional, com ênfase nas regiões Sul e
Sudeste, tendo em vista que as inovações e a modernização da agricultura foram mais
expressivas nestas duas regiões e as centrais de abastecimento possuem presença
mais pronunciada nessas regiões.

O surgimento do meio técnico-científico informacional se deu após a Segunda


Guerra Mundial, mas só foi estabelecido no decorrer dos anos 1970, quando ganhou
expressividade o processo de informatização do território. O meio técnico-científico-
informacional foi responsável por conectar as atividades agrícolas com o conhecimento
científico no Brasil, resultando nas novas localizações das indústrias, expansão
agroindustrial, modernização dos transportes e no estabelecimento da agricultura
científica globalizada. O advento das centrais de abastecimento no Brasil se deu na
década de 1970, por meio da iniciativa do Governo Federal. A sua função era regular os
preços, bem como fazer a conexão entre o produtor primário e o consumidor final.

155
Para o desenvolvimento do trabalho foi utilizada a concepção de meio técnico
científico-informacional, desenvolvida por Milton Santos a partir dos anos 1980.

O texto está estruturado em duas seções, além da introdução e das


considerações finais. A primeira trata do advento do meio técnico-científico-
informacional bem como das inovações derivadas deste e do processo de
modernização da agricultura. Na segunda seção analisa-se o surgimento das centrais
de abastecimento, sua relação com a agricultura científica globalizada, derivada do
meio técnico-científico-informacional, e os fatores que explicam a maior concentração
das centrais de abastecimento nas regiões Sul e Sudeste do país.

Para o desenvolvimento da pesquisa foram adotados os seguintes procedi-


mentos metodológicos: levantamento bibliográfico sobre meio técnico-científico-
-informacional, modernização da agricultura, produção regional do Sul e Sudeste
brasileiro e centrais de abastecimento. Levantamento de dados em publicações da
Associação Brasileira de Centrais de Abastecimento (ABRACEN), da Companhia Na-
cional de Abastecimento (CONAB) e da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais
de São Paulo (CEAGESP).

1 Meio técnico-científico-informacional, inovações e modernização da


agricultura

De acordo com Santos (1994), o espaço é constituído por fluxos de níveis


variados, vastos e com distintas orientações. Há fluxos hegemônicos e hegemonizados,
isto é, fluxos mais rápidos, com maior eficiência, e fluxos vagarosos. O espaço global,
segundo o autor, é estabelecido por fluxos e objetos. “A escala dos fluxos materiais
e imateriais é tanto mais elevada quanto seus objetos dão prova de maior inovação”
(SANTOS, 1994, p. 26).

Santos (1985) salienta as conquistas árabes na história dos países


subdesenvolvidos, contudo, tal influência foi limitada em razão da rusticidade do
transporte, o que induziu a estruturação virtual das colônias, onde as cidades eram
instrumentos que faziam a conexão entre as nações conquistadoras e seus espaços
conquistados. Logo, o comércio se apoiou no excedente da produção agrícola. O período
que o autor denomina de período do comércio em grande escala (final do século XV
até 1620 aproximadamente) é marcado pela substituição da agricultura como elemento
fundamental do sistema pelo aumento da capacidade de transporte, resultando na
ampliação do comércio que, deste modo, estimula a manufatura de forma volumosa, “o
comércio se torna motor da agricultura” (SANTOS, 1985, p. 25).

No período manufatureiro (1620-1750), segundo Santos (1985), as cidades,


agora enriquecidas, passam a concentrar suas atividades na manufatura. O terceiro
período, nomeado de período da Revolução Industrial (1750-1870) é marcado por
grandes transformações, já que a industrialização proporcionou grande aumento da

156
produtividade. O quarto período, denominado de industrial (1870-1945), é marcado
pelo surgimento de novas tecnologias e é formado por uma nova organização, já que
corresponde à segunda revolução industrial, onde nele ocorre a dissolução entre
consumo e produção.

O abandono das áreas rurais em países europeus não acarretou problemas


de abastecimento, mesmo com o aumento crescente da população urbana, já que
era possível fazer importações de alimentos de lugares longínquos, no entanto estas
importações decorreram da criação de subsistemas políticos constituídos através das
colônias. Desta forma os países dominantes, através de impérios coloniais, tinham
domínio sobre os preços do subsistema que controlavam, gerando consequências na
economia, se beneficiando de oscilações na conjuntura, ou seja.

Se o cultivo da cana-de-açúcar ou tabaco na América nascera da


necessidade do comércio, durante o primeiro período, o cultivo do
trigo e a criação de gado na Argentina, Uruguai, Sul do Brasil, Austrália
e Nova Zelândia foram respostas às necessidades da indústria.
Esta resposta, que é o tema dominante do período, dá à indústria
uma certa autonomia em comparação com os outros elementos
do sistema. A demanda de tecnologia precede ou acompanha a
respectiva oferta; há uma espécie de confusão ou coexistência
entre as atividades de produção e a de inovação. Esta situação é
contemporânea da concentração da produção em poucos países,
como consequência do pacto colonial. O desenvolvimento do próprio
pacto é uma consequência da diferença de nível tecnológico entre os
países situados no centro do sistema econômico mundial, isto é, os
países da Europa Ocidental que o controlavam (SANTOS, 1985, p. 26).

Segundo Fernandes (1973), a maioria das nações latino-americanas experen-


ciou, durante aproximadamente três séculos, o sistema básico de colonização o qual era
constituído através de requisitos econômicos, políticos e culturais do “antigo sistema
colonial”, ou seja, os colonizadores se subordinavam ao poder das Coroas de Portugal e
Espanha, da qual apenas os colonizadores poderiam participar das estruturas de poder.

O autor ainda salienta que o capitalismo que se consolidou na América Latina,


derivado da luta armada pela independência política e emancipação nacional, irrompeu
no antigo sistema colonial, reproduzindo seu dinamismo organizacional. Denominado de
capitalismo dependente, este não ocorreu concomitantemente à criação de estruturas
econômicas, políticas e sociais, fazendo o ritmo de sua evolução ser lenta e oscilante,
ainda que sua forma de apropriação e expropriação seja intrínseca ao capitalismo
moderno, isto é, referentes à organização da produção e circulação de mercadorias, há
um elemento peculiar e típico a se considerar nesta forma do capitalismo: a acumulação
de capital regularizada para propiciar a ampliação conjunta de núcleos hegemônicos
externos e internos, em outros termos, o excedente econômico era repartido com
agentes que atuavam em economias centrais.

157
O quinto período, intitulado de período tecnológico, “é o período da grande
indústria e do capitalismo das grandes corporações” (SANTOS, 1985, p. 27), sua
demarcação se dá através da tecnologia, que está acima de todos os outros elementos
que constituem o sistema.

Com o desenvolvimento das comunicações e dos transportes as inovações


passaram a não ser mais dependentes dos centros existentes, ainda que tais centros
recebessem as inovações. A inovação é determinante para o crescimento económico e
desenvolvimento das regiões e cidades nas economias avançadas.

[...] a inovação reflete a capacidade de criar valor econômico através


da introdução de novos produtos no mercado, novos processos
de produção, mudanças organizativas e práticas essenciais para a
vantagem competitiva das empresas, indústrias e regiões (VALE,
2012, p. 18).

A agropecuária brasileira, até os anos 1950, era arcaica, com elevado nível de
concentração da propriedade da terra, aspecto que se estende até os dias atuais; outra
característica era o forte vínculo com a economia agrário-exportadora e baixa eficiência
na produção dos alimentos necessários ao abastecimento interno. A produção para o
mercado interno passou a se tornar mais significativa somente depois da grande crise
de 1929 e as inovações nos sistemas de produção da agropecuária nacional passaram
a ser introduzidas em algumas áreas das regiões Sul e Sudeste do país a partir dos
anos 1950, tornando-se expressivas no decorrer dos 1960 e 1970, com o forte estímulo
oficial para que o pacote tecnológico da chamada “revolução verde” fosse incorporado,
internalizando-se, assim, o chamado Complexo Agroindustrial (CAI).

Até o início dos anos 1960, as crises alimentares eram recorrentes, problema que
se agravou nos anos 1950 com a intensificação dos processos de industrialização e ur-
banização. Pelo menos três grandes crises de abastecimento levaram o Estado brasileiro
a adotar medidas visando à reestruturação: as crises alimentares de 1910, 1937 e 1962.

De acordo com Queiroz (2014), a primeira crise de abastecimento se deu em


1910, em razão da dificuldade de circulação, pois havia restrições ao transportar pro-
dutos alimentícios para grandes centros urbanos brasileiros. Como medida para supe-
ração, houve a intervenção do Estado, resultando no surgimento do Comissariado de
Alimentação Pública no ano de 1918, transformado em 1920 na Superintendência de
Abastecimento. Ainda foi adotada a política de preços mínimos; a concessão de isenção
fiscal para alguns produtos, como: arroz, leite, milho e charque; a organização de coope-
rativas, bem como de feiras livres para que os produtores pudessem vender diretamen-
te seus produtos; além da constituição da Delegacia Executiva da Produção Nacional.

Queiroz (2014) salienta que a segunda crise do abastecimento alimentar se


deu na década de 1930, sendo consequência da crise econômica de 1929, que afetou
vários segmentos em escala global. Conforme Linhares e Silva (1979), a ingerência do

158
governo federal em 1937, com o advento da Comissão Reguladora de Tabelamento, que
investigava os mercados alimentícios, analisando preços, limitando lucros de atacadistas
e varejistas e fiscalizando qualidade e quantidade da produção fornecida.

Serra (2013) salienta que a crise econômica dos anos 1930 teve grande im-
pacto no comércio mundial, levando a seu aniquilamento, bem como o declínio da
oligarquia agrária brasileira, já que o café, principal produto brasileiro de exportação,
ficou sem mercado.

De acordo com Queiroz (2014), no período de guerra (1939-1945), foi instituído o


Serviço Técnico de Alimentação Social e a Comissão de Financiamento da Produção; em
1945, houve a criação da Comissão Nacional de Alimentação e a Comissão Nacional de
Preços. E, em 1947, houve o advento do Serviço Nacional de Alimentação.

A crise internacional só foi superada na década de 1950, quando foi estabele-


cido um novo modelo econômico no país, moldando a sua economia aos ditames do
mercado externo. Foi instituído o modelo de substituição de importações, caracteri-
zado pela “[...] busca e acumulação de capital internacional; incentivo a uma política
de desenvolvimento do Complexo Agroindustrial (CAI), com a participação de capitais
nacionais e internacionais” (SERRA, 2013, p. 17).

No período entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o começo dos anos 1970,
conforme Hespanhol (2010), ocorreu a redução da entrada de investimentos privados
no país, em razão do impacto econômico negativo gerado pela primeira crise do petróleo
ocorrida em 1973. Portanto, a intervenção do Estado foi imprescindível para países
subdesenvolvidos, de modo que seu objetivo não era oferecer serviços públicos básicos
para a população, mas sim favorecer o processo de expansão econômica. Contudo, a
partir de 1973 houve o esgotamento do ciclo expansivo da economia, o que culminou,
no contexto global, no enfraquecimento da ação dos Estados nacionais e na ampliação
do liberalismo econômico, tanto em países desenvolvidos como nos subdesenvolvidos.

A terceira crise alimentar se instalou em 1962, em razão das dificuldades de


circulação, ou seja, havia uma dificuldade de os produtos chegarem aos consumidores,
conforme ressalta Queiroz (2014), esta crise foi intensificada pela crise do Petróleo
que teve impacto global em 1973. Conforme Linhares e Silva (1979), a terceira crise
de abastecimento resultou na criação das centrais de abastecimento brasileiras no
decorrer dos anos 1970, que se deu com o surgimento da Companhia Brasileira de
Alimentos (COBAL), da Companhia Brasileira de Armazenamento (CIBRAZEM) e da
Superintendência Nacional de Abastecimento (SUNAB).

Conforme Santos (1985), o denominado período técnico é marcado por um


grande desenvolvimento da tecnologia para aplicação no processo produtivo e pela
ampliação do trabalho intelectual, bem como pela expansão do capital em escala
mundial. Desta maneira, a circulação se tornou central e relevante e a ciência ou o
conhecimento passou a constituir uma força produtiva.

159
O advento do meio técnico-científico-informacional se deu após a Segunda
Guerra Mundial, na medida em que possibilitou o processo de integração do território.
Contudo, como Santos (2005) evidência, o período técnico-científico-informacional
só foi estabelecido na década de 1970, marcado pelo advento da ciência e técnica
nos processos de remodelação do território, desta forma as produções hegemônicas
tinham necessidade de um novo meio geográfico para sua consecução. Desta maneira,
“a informação, em todas as suas formas, é o motor fundamental do processo social e o
território é, também, equipado para facilitar a circulação” (SANTOS, 2005, p. 38).

Santos (2005) salienta que esse meio técnico-científico informacional foi


responsável pela informatização do território, mediante investimentos maciços
em infraestrutura. Lima e Simões (2010) ressaltam que, no caso do Brasil, o Estado
foi fundamental para o processo de desenvolvimento econômico, ao passo que as
atividades desenvolvidas entre 1950 e 1980 tiveram uma intervenção estatal fortíssima.

No Brasil, segundo Santos (2005), alguns fatores devem ser evidenciados no


período entre 1950 e 1980, o primeiro diz respeito ao desenvolvimento da configuração
territorial. Seu desenvolvimento se deu através dos sistemas de telecomunicações e
transportes, bem como da produção de energia. O segundo fator a ser considerado é o
aprimoramento da produção material, no caso brasileiro se tratou da produção agrícola
e industrial, que sofreu com a mudança na estrutura de sua circulação e distribuição.

Hespanhol (2010) salienta que a descentralização orçamentária decorrente da


Constituição Federal, promulgada em 1988, atrelada a crise econômica dos anos 1980
e ao neoliberalismo, culminaram no desmantelamento do arranjo de planejamento do
Estado brasileiro, visto que “os órgãos de planejamento regional foram extintos e os
recursos humanos a eles vinculados foram desvalorizados e realocados na máquina
administrativa federal” (HESPANHOL, 2010, p. 313).

De acordo com Santos (2005), neste período a informação se amplia, ganhando


nova profundidade, ou seja, a informação é instantânea e os objetos são dotados de
conteúdo informacional, já o espaço se torna fluído em razão dessa integração do
território, fazendo com que fatores de produção, como mercadorias, trabalho, produtos
e capital, desenvolvam mobilidade. ]

Conforme Santos (2000), a produção agrícola passou a receber influências


de leis que regem aspectos da produção econômica, ou seja, tendo à agricultura a
necessidade de técnicas, informação e ciência. Isso culminou no surgimento das
indústrias alimentares que, conforme Gazolla (2018), irão induzir o consumidor a
consumir produtos processados, uma vez que gozam de poder econômico e de políticas
e estratégias de marketing.

160
A função das centrais de abastecimento, segundo a CEAGESP (2019),
é proporcionar uma infraestrutura para que as agroindústrias, atacadistas,
cooperativas, exportadores, importadores, produtores rurais e varejistas possam
desenvolver suas atividades com serviços qualificados, eficiência e segurança. A
CEAGESP possui a maior rede pública de armazéns e silos que são utilizados para o
depósito e conservação de produtos agrícolas, além de graneleiros, isto é, locais que
armazenam mercadorias a granel.

Santos e Silveira (2004) destacam que o meio técnico-científico-informacional


inseriu os círculos de cooperação em uma escala geográfica de ação mais vasta, em
um grau de complexidade mais amplo, os fluxos se tornaram seletivos e intensos, já a
circulação passou a regular a produção, e os fluxos se tornaram seletivos com maior
grau de intensidade. Os circuitos espaciais de produção e os círculos de cooperação
facilitam a compreensão da hierarquia dos lugares entre escalas regionais até mundiais.
Castillo e Frederico (2010) destacam que tanto a noção dos circuitos espaciais de
produção quanto dos círculos de cooperação proporcionaram o entendimento da
interdependência dos espaços produtivos, o que propiciou a análise da unicidade e
circularidade do movimento, à vista disso promovendo a distinção e compreensão das
fases de produção.

Posto isso, é possível aferir que as centrais de abastecimento são agentes


fundamentais do circuito espacial de produção hortifrutigranjeira no abastecimento
brasileiro, no entanto por estipularem uma quantidade mínima a ser comercializada
em suas dependências, desconsiderando que a produção hortifrutícola possui
sazonalidade, criando demanda de ampliação da vida útil dos produtos hortifrutícolas
e, por conseguinte, impondo a padronização e durabilidade, resultando em descartes
despropositados, em razão de abastecerem mercados, atacados, redes de varejo, dentre
outros estabelecimentos.

FONTE: DIONISIO, L. O. HESPANHOL, A. N. Meio técnico-científico-informacional e as centrais de


abastecimento de alimentos no Brasil. Formação (On-line), v.27, n.52, 2020, p.7-24. Disponível em:
https://revista.fct.unesp.br/index.php/formacao/article/view/7454/5932. Acesso em: 31 jan. 2022.

161
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Na atualidade há uma completa superposição dos diversos níveis da divisão do


trabalho.

• O trabalho na produção do espaço mundial é desenvolvido por um processo de uma


tendência cultural homogeneizante através dos meios e técnicas, condicionadas
por atores políticos globais.

• Todo o processo da globalização é composto por diversas estruturas que estão


interligadas de modo dinâmico.

• A desigualdade transformou-se em um dos desafios mais complexos e


desconcertantes da economia mundial.

• Vivemos em um mundo baseado num sistema de relações hierárquicas e para


a perpetuação de um subsistema de dominação sobre outros subsistemas,
beneficiando poucos.

162
AUTOATIVIDADE
1 A globalização é marcada pelo desenvolvimento do chamado período técnico-
científico-informacional, marcado pelo incremento da técnica no desenvolvimento
das atividades produtivas. Assim, as principais indústrias desse período estão
relacionadas ao desenvolvimento tecnológico, como as de informática. Sobre o
exposto, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A velocidade da globalização, das novas tecnologias e das transformações do


mercado engendram um novo trabalhador.
( ) A tecnologia é apontada como um dos principais fatores responsáveis pela
consolidação da globalização no século XX.
( ) No mundo globalizado, os trabalhadores perderam espaço para as máquinas
devido à necessidade de produzir-se mais e de forma mais eficiente a um custo
mais baixo.
( ) A globalização é um processo econômico, mas também sociocultural.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – V – F.
b) ( ) F – V – F – V.
c) ( ) F – F – V – V.
d) ( ) V – V – V – V.

2 Segundo Santos (1994), a globalização é, de certa forma, o ápice do processo de


internacionalização do mundo capitalista e, para entendê-la, há de se considerar dois
elementos fundamentais. Sobre o exposto, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O estado das técnicas e o estado da política, necessários ao entendimento de


qualquer fase da história.
b) ( ) A economia e a ciência aplicada à produção material.
c) ( ) A velocidade da mudança tecnológica e a informação em tempo real.
d) ( ) A escassez, enquanto fenômeno econômico, e o estado da técnica, enquanto
conhecimento.
e) ( ) A redefinição do conceito de espaço geográfico e do conceito de fronteiras.

3 Conforme o geógrafo Milton Santos retrata, o meio geográfico teve três etapas.
Inicialmente, era o meio natural, no qual não havia expressivas transformações
humanas. Já o meio técnico, é posterior à invenção e ao uso das máquinas. Por fim,
chega-se ao meio técnico-científico informacional, iniciado após a Segunda Guerra
Mundial e consolidado no decênio de 1970. Exemplifique as três etapas do meio
geográfico.

163
4 O conceito de meio técnico-científico-informacional é um dos grandes legados do
pensamento do geógrafo Milton Santos. Pode ser considerado a cara geográfica
da globalização, pois os espaços territoriais atendem aos interesses dos atores
hegemônicos da economia, da cultura e da política, ou seja, atendem à lógica global.
Sobre a lógica global, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A desvinculação do espaço e dos processos históricos na leitura do modo de


produção capitalista.
b) ( ) O período que se inicia a partir da revolução industrial com a profunda
transformação no modo de produção.
c) ( ) A independência da técnica e das pesquisas científicas nos processos produtivos
capitalistas.
d) ( ) O papel dos comércios informais no desenvolvimento dos países de economias
emergentes, em especial a do Brasil.
e) ( ) A incorporação da ciência e da técnica e o aprofundamento do papel da
comunicação nos sistemas produtivos.

5 Condicionados pelo avanço da globalização e das tecnologias crescentes, atualmen-


te apresenta várias marcas e produtos no mercado globalizado que são assimilados
pela sociedade independente de classe social, lugar, raça, religião e cultura. Faça
uma pesquisa e cite marcas, empresas e produtos que você conhece e estão em seu
local de vivência e tem uma abrangência global.

164
REFERÊNCIAS
ANDRADE, M. C. de. 1922 – a questão do território no Brasil. 2. ed. São Paulo:
Hucitee, 2004.

AZEVEDO, H. L.; MONTEIRO, H. P. F. O ciberespaço em uma reflexão


geográfica. Vértices, Campos dos Goytacazes/RJ, v. 12, n. 3, p. 139-147, set./dez.
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geografica/4848107/. Acesso em: 31 jan. 2022.

BRAGA, R. M. O espaço geográfico: um esforço de definição. São Paulo: Geousp, 2007.

CASTILHO, D. Um vírus com DNA da globalização: o espectro da perversidade. Espaço


e Economia [on-line], 2020. Disponível em: http://journals.openedition.org/
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CAMBESES, M. J. Globalização e efeitos adversos. 2013. Disponível em: https://


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CORRÊA, R. L. O espaço geográfico: algumas considerações. In: SANTOS, M. (Org.).


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Cidades, v. 9, n. 16, 2012, p. 200-220. Disponível em: https://revista.fct.unesp.br/index.
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em: 31 jan. 2022.

167
168
UNIDADE 3 —

POR ENTRE TERRITÓRIOS E


REDES: MÚLTIPLAS LEITURAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender os conceitos de território e de redes como interligados, numa condição


de territórios-rede, conforme apontado por Rogério Haesbaert, e estes em suas
múltiplas leituras;
• abordar elementos que permitiram a passagem dos conflitos armados de guerras
convencionais a guerras irregulares e assimétricas e a transição hegemônica destes;
• discutir os fluxos financeiros globais e a produção antagônica da realidade: novas
modalidades de finanças, como as operações em criptomoedas (expansão/
concentração geográfica) e as desigualdades socioterritoriais;
• entender ciberterrorismo como uma das novas formas de terrorismo, cuja
característica principal é o uso do ciberespaço como ferramenta e alvo de suas ações.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – "DOS NÓS ÀS LINHAS" NA REDE DE CONFLITOS MUNDIAIS: DAS GUERRAS


CONVENCIONAIS AOS CONFLITOS IRREGULARES E ASSIMÉTRICOS
TÓPICO 2 – OS FLUXOS FINANCEIROS GLOBAIS E A EMERGÊNCIA DAS CRIPTOMOEDAS:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
TÓPICO 3 – NOVAS FORMAS DE TERRORISMO: O CIBERTERRORISMO E A ESCALA
GLOBAL

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

169
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

Acesse o
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170
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
“DOS NÓS ÀS LINHAS" NA REDE DE
CONFLITOS MUNDIAIS: DAS GUERRAS
CONVENCIONAIS AOS CONFLITOS
IRREGULARES E ASSIMÉTRICOS

1 INTRODUÇÃO
Este tópico será dividido em duas partes. Inicialmente serão discutidos os
significados e as características dos conflitos à luz de diferentes exemplos. No segundo
momento, discutiremos alguns casos mais profundamente, dialogando com autores as
características dos conflitos, bem como seus rebatimentos sociais, políticos, econômicos
e territoriais. Após esses textos, faremos o resumo e direcionaremos nossos esforços a
alguns exercícios e atividades correlatas à temática discutida.

2 ASPECTOS CONCEITUAIS E CONFLITOS


CONTEMPORÂNEOS CONVENCIONAIS,
IRREGULARES E ASSIMÉTRICOS
De início, nos debruçaremos sobre o significado e as características de cada um
desses tipos de conflito, situando-os e diferenciando-os histórica (e temporalmente).

Guerras convencionais são aquelas que, de maneira geral, envolvem atores


estatais definidos, com exércitos regulares e mobilizados, ainda que possivelmente
distintos e assimétricos (REIS, 2017). Clausewitz (2005) é um dos principais teóricos a
sistematizar as características, conceitos, desafios e nuances dos conflitos e/ou guerras
convencionais. Os objetivos que sustentam (ou justificam) tais guerras são vários, dentre
eles: políticos, territoriais e econômicos.

Nesse sentido, ressaltamos que condições assimétricas também estão


presentes em conflitos convencionais. Afinal, as condições materiais e, portanto, bélicas
dos Estados são diferentes. Todavia, os conflitos denominados como não regulares e
assimétricos trazem significados, contextos e problemáticas específicas que merecem
explicação detalhada:

171
[...] o que queremos significar com conflitos não convencionais,
irregulares ou assimétricos? Estes termos são usados neste texto
para referir dimensões diversas de uma mesma realidade funda-
mental: conflitos armados intraestatais, mesmo que eventualmen-
te internacionalizados, entre forças regulares e forças irregulares,
grupos armados não profissionais e não estatais. Conflitos nos
quais estes grupos de insurgentes recorrem necessariamente a
táticas não convencionais de terrorismo e guerrilha para combater
com a máxima eficácia possível as forças de segurança e as forças
armadas de um Estado, tendo em conta a assimetria de meios que
à partida favorece estas últimas em confrontos de tipo convencio-
nal (CARDOSO, 2017, p. 12).

Segundo Cardoso (2017), os conflitos irregulares e assimétricos não configu-


ram uma novidade, mas apresentam-se como hegemônicos no século XXI, ao menos
por enquanto. O autor relembra dois casos emblemáticos do potencial desse tipo de
conflito na ordem geopolítica global, ainda no século XX: (I) o atentado terrorista orga-
nizado por separatistas sérvios em junho de 1914, que culminou na morte de Francisco
Ferdinando, herdeiro do império Austro-Húngaro, e consequentemente na 1° Guerra
Mundial, bem como (II) a retirada forçada das tropas soviéticas do Afeganistão devido
ao intenso e prolongado conflito com as guerrilhas afegãs, dentre elas o Talibã, que foi
um marco importante na derrocada do regime soviético.

Importante ressaltar o papel da Guerra Fria no fomento aos conflitos não


convencionais e assimétricos, afinal, o impasse nuclear e as estratégias de dissuasão de
grandes guerras que envolvessem frontalmente as duas potências do período (Estados
Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) encorajaram a proliferação
de conflitos armados de tipo não convencional com ou sem o patrocínio das ditas
superpotências (CARDOSO, 2017).

NOTA
O filme O senhor das armas (2005) apresenta a trajetória do traficante
de armas Yuri Orlov, que ficou milionário ao se aproveitar da desordem
das antigas Repúblicas Soviéticas com o fim da Guerra Fria e da própria
URSS. O filme também demonstra como aquele contexto contribuiu no
fomento a conflitos irregulares e assimétricos.

Vemos então o retorno aos conflitos culturais e a consequente diminuição do


embate entre Estados. As guerras irregulares ou não convencionais são hegemônicas
nos atuais conflitos mundiais, caracterizadas como guerras entre Estados e entes não
estatais como grupos terroristas, segmentos políticos radicalizados ou guerrilhas, tais
como: Al-Qaeda, a Hamas, o Hezbollah e as FARC (DOURADO; LEITE; NOBRE, 2020).

172
Ressaltamos que há o debate acadêmico e político a respeito do conceito de terrorismo
e no enquadramento de grupos como tal, resultando em dualidades sobre determina-
dos grupos, como o Hamas, considerado terrorista por alguns países, enquanto para
outros não é.

DICA
Relembre as origens da 1° Guerra Mundial e o papel das guerrilhas afegãs
na retirada das tropas soviéticas do país no final da década de 1980.
Acesse:
https://bit.ly/3tQwCjO.
https://bit.ly/3KvPon8.

Já no século XXI, entre os exemplos recentes desta tendência de hegemonia


de conflitos irregulares ou não convencionais, figura o caso do Iraque. Após rápida
vitória militar “convencional” na invasão estadunidense ao país em 2003, o conflito
transformou-se em uma prolongada campanha de contrainsurreição. Guardadas as
diferenças, também podemos verificar tais características na presença dos Estados
Unidos no Afeganistão, cuja retirada em 2021 resultou no retorno quase que imediato
do Talibã ao poder no país.

IMPORTANTE
A formação do Talibã é um dos desdobramentos do período da Guerra
Fria, marcada pela bipolaridade entre Estados Unidos (capitalista) e União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a constante preocupação
com a possível eclosão de um conflito bélico nuclear entre essas duas
potências. O Talibã se consolidou ao final da invasão soviética no
Afeganistão. Composto majoritariamente por estudantes que defendiam
uma rígida interpretação do Alcorão, instrumento principal, na visão do
grupo, para o governo do país. Devemos lembrar que o Talibã foi um
dos grupos que recebeu ajuda militar estadunidense, afinal, os Estados
Unidos atuavam geopolíticamente para impedir, limitar e/ou enfraquecer
as áreas de influência soviética.

FONTE: <https://bit.ly/3Cxa1g4>. Acesso em: 1 fev. 2022.

173
FIGURA 1 – VEÍCULOS DO EXÉRCITO ESTADUNIDENSE NO IRAQUE

FONTE: <https://bit.ly/3I784bc>. Acesso em: 23 dez. 2021.

FIGURA 2 – SOLDADOS DO TALIBÃ, GRUPO QUE TOMOU O PODER NO AFEGANISTÃO APÓS A RETIRADA
DAS TROPAS ESTADUNIDENSES

FONTE: <https://bit.ly/366iCtY>. Acesso em: 23 dez. 2021.

Diferente das guerras convencionais, nas quais se objetivam vitórias rápidas


possivelmente materializadas pelas diferenças de poder bélico entre os Estados, nos
conflitos irregulares ou assimétricos a intenção é exaurir o inimigo e desgastá-lo física
e psicologicamente. O objetivo central é a imobilização operacional do adversário, algo
fundamental para a vitória na guerra (LEAL, 2011).

174
Nesses tipos de conflito não existem frentes de combate e o poder de fogo
é menos relevante que a mobilidade. Não há necessidade real de ocupar, controlar e
manter um determinado território. Nas palavras de Leal (2011), o espaço é “contaminado”
e essa contaminação exige a presença do adversário, nesse sentido, outros elementos
não militares tornam-se importantes, como o caráter político dos movimentos, grupos
paramilitares ou guerrilhas:

Ter o apoio popular se torna vantajoso, por exemplo, em um conflito


cujo objetivo é derrubar um governo, grupos irregulares (que não
possuem capacidade militar igual às do Estado) tendem a utilizar
táticas irregulares. Além disso, a sua principal necessidade é
conquistar o apoio popular nacional e internacional, fazendo com que
a vontade do Estado de manter o conflito cesse. Isso faz com que
esse tipo de conflito transcorra no campo psicológico, podendo tanto
causar o terror psicológico ou a luta pela conquista dos “corações
e mentes”. [...] o movimento da conquista da população dá-se por
dois processos diferentes, um direto e outro indireto. Os métodos
definidos como diretos englobam a execução de campanhas
de operações psicológicas apoiadas no emprego de técnicas
tradicionais de subversão e propaganda ideológica, na utilização
de mídia clandestina, práticas assistencialistas e na execução de
operações militares que causam perturbação psicológica. Já no meio
indireto, observa-se o uso de mecanismos geradores de violência,
por meio de ataques seletivos contra grupos sociais e colaboradores
dos inimigos (DOURADO; LEITE; NOBRE, 2020, p. 46-47).

Para os autores citados, a temporalidade ou durabilidade do conflito configura


elemento fundamental nos conflitos irregulares. Não há duração determinada, média ou
esperada para esse tipo de conflito, que inclusive pode caracterizar-se por períodos de
inatividade de guerrilhas envolvidas ou por períodos de cessar fogo.

A relação dos conflitos irregulares com o tempo está diretamente associada ao


apoio popular, afinal, guerras muito longas carecem de boas justificativas. O caso da
retirada do exército estadunidense do Vietnã é emblemático, pois ocorreu após a perda
de apoio popular nos Estados Unidos devido ao prolongamento do conflito pelos grupos
guerrilheiros vietnamitas (DOURADO; LEITE; NOBRE, 2020).

Com objetivo de síntese, o Quadro 1 apresenta algumas diferenças entre os


tipos de conflitos que buscamos explicar a luz da literatura e dos exemplos, sendo eles
contemporâneos ou não:

175
QUADRO 1 – CARACTERÍSTICAS DOS CONFLITOS CONVENCIONAIS E IRREGULARES

Convencional Irrelugares

Guerra
Guerrilha Terrorismo
Convencional

Médias (Esquadras,
Grandes (Exércitos, Pequenas (Geralmente
Unidades Pelotões, Companhia,
Divisões, Corpos) 10 pessoas)
Batalhões)

Granadas, armas
Gama completa de assalto, carros-
de equipamentos Geralmente armas bombas, bombas
Armas e
militares (aéreo, de infantaria, mas por controle
táticas
blindados, artilharia também de Artilharia remoto, sequestros,
etc.) assassinatos, tomada
de reféns etc.

Militares, polícia
Unidades militares,
e segmentos Símbolos do Estado,
infraestruturas
Alvos administrativos do opositores políticos ou
industriais e de
Estado, bem como público em geral
transporte
opositores políticos

Controle do
Sim Sim Não
território

FONTE: Adaptado de Leal (2011)

Leal (2011) aponta que as guerrilhas são adaptadas a situações particulares


e possuem suas peculiarides e nuances (objetivos, estratégias/táticas, poderio bélico
etc). A complexidade das operações de guerrilha e contraguerrilha exigem saberes,
líderes experientes e a capacidade de operação de forma independente, considerando
os diferentes níveis de comando. Para o autor, o apoio popular também é fundamental
para o fortalecimento e/ou sustentação desses grupos.

Entre os conflitos assimétricos, destaca-se a atuação de grupos considerados


terroristas. Existem diferentes ataques orquestrados por estes grupos ao longo da
história, mas sem dúvidas o de 11 de setembro de 2001, de autoria da Al Quaeda, liderada
naquele momento por Osama Bin Laden, figura entre os mais importantes, pois redefiniu
a geopolítica global no início do século XXI, sobretudo as ações políticas, econômicas e
militares dos Estados Unidos, como citamos anteriormente ao nos referirmos a Iraque
e Afeganistão.

176
FIGURA 3 – ATENTADO AO WORD TRADE CENTER, EM 11 DE SETEMBRO DE 2001

FONTE: <https://bit.ly/3Cxa1g4>. Acesso em: 1 fev. 2021.

Como observamos no Quadro 1, grupos terroristas não possuem localização


geográfica estrita, nem possuem como propósito o controle de áreas territoriais a priori.
As disputas são em outro terreno, sobretudo político e ideológico. Essas características
dificultam o combate a esses grupos através de práticas aplicadas a conflitos
convencionais, assim, têm ganhado relevância estudos e investimentos em aparatos
tecnológicos e informacionais como ferramentas centrais no combate ao terrorismo.

DICA
O filme Snowden – Herói ou traidor apresenta o caso do ex-funcionário
terceirizado da Agência de Segurança dos Estados Unidos, Edward
Snowden, responsável pela divulgação a jornalistas de uma série
de documentos sigilosos que comprovavam atos de espionagem
praticados pelo governo norte-americano contra cidadãos comuns e
lideranças internacionais. Os argumentos em defesa da legalidade da
captação dos dados realizada pela agência e que trouxeram o debate
a respeito de espionagem voltaram-se à chamada Guerra ao Terror e a
necessidade de antecipar ataques terroristas.

É importante que você tenha percebido que os conflitos brevemente citados


nesse tópico não são isolados. Conflitos irregulares e assimétricos podem ou não
estar geograficamente delimitados, ainda que não possuam frentes de batalha, dada
suas características, mas demostramos que os contextos históricos e os interesses
geopolíticos das potências globais são determinantes para a eclosão desses conflitos e
pela forma como se desenvolvem.

177
Assim, observar e analisar criticamente as diferentes regionalizações do mundo,
considerando áreas de influência dos países centrais ou hegemônicos (econômica e
militarmente) são elementos fundamentais na compreensão desses conflitos e nas
consequências socioespaciais deles, como é o caso dos movimentos migratórios e de
refugiados, tema que ocupa protagonismo no cenário internacional há vários anos.

Concluímos, então, que esses conflitos constituem elementos integrantes


da dinâmica do espaço geográfico, acarretando, inclusive, outras espacialidades e
territorialidades no decorrer deles ou a partir de seu desfecho.

3 CONFLITOS IRREGULARES E ASSIMÉTRICOS


CONTEMPORÂNEOS: CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS
E CONJUNTURAS

3.1 CASO 1: AS GUERRILHAS COLOMBIANAS


Dois movimentos revolucionários importantes surgiram na Colômbia dentro do
contexto de Guerra Fria, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o
Exército de Libertação Nacional (ELN). A primeira surgiu a partir de um levante camponês
em 1964 e se transformou em uma organização de inspiração marxista-leninista, cujo
propósito principal seria a reforma agrária; enquanto, o segundo também emergiu em
1964, inspirado na revolução cubana e na Teologia da Libertação (corrente cristã latino-
americana voltada, entre outros temas, à defesa dos pobres e da reforma agrária).

Ambos os movimentos (também caracterizados como guerrilhas) têm influência


em setores urbanos, estudantis, sindicais e estão presentes em diferentes partes do
território, como podemos verificar na Figura 5:

FIGURA 4 – FARC E ELN NA COLÔMBIA

FONTE: <https://istoe.com.br/eln-e-farc-as-duas-faces-da-guerrilha-na-colombia/>. Acesso em: 1 fev. 2022.

178
Todavia, o momento político e as ações militares dessas guerrilhas são distintos.
Enquanto houve avanços no acordo de paz entre governo colombiano e as FARC, os
conflitos com o ELN seguem. Vejamos síntese da notícia a seguir:

Acordo de paz da Colômbia com as Farc completa 5 anos. O que


mudou?

Em 24 de novembro de 2016, o ex-presidente colombiano Juan Manuel


Santos assinava um histórico acordo de paz com as Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia). Meses depois, o feito renderia também a Santos o
prestigiado prêmio Nobel da Paz, pelo fim de uma guerra civil de meio século entre
o governo colombiano e a guerrilha.

Fruto de quatro anos de negociações em Havana, Cuba, o acordo de 2016


ainda é considerado um marco na história recente da Colômbia, ao mesmo tempo
em que trouxe uma série de decepções desde então.

Os feitos e desafios pós-acordo são lembrados nesta quarta-feira, 24,


aniversário oficial da assinatura. Dentre os eventos que marcarão a data, autoridades
como o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, estão em
território colombiano nesta semana para reuniões com políticos, vítimas das Farc
e ex-membros da guerrilha, e para observar o andamento da implementação das
promessas do acordo.

Nesta terça-feira, 23, Guterres visitou uma das regiões de atuação das Farc,
se encontrou com o presidente colombiano, Iván Duque (radicalmente contra o
acordo implementado pelo antecessor), e com o último líder da guerrilha, Rodrigo
Londoño "Timochenko". No geral, observadores internacionais apontam frentes
positivas como o fim do conflito armado após mais de 50 anos e o reestabelecimento
de parte dos guerrilheiros à sociedade.

Cumprindo um dos pontos do acordo, parte dos membros remanescentes


das Farc viraram um partido legalizado sob a condição de deixar para trás os
episódios de violência – a legenda mudou de nome no ano passado, passando a se
chamar Comunes. Também nesta semana, o governo dos EUA anunciou que está
avaliando retirar o grupo da lista de terroristas do país.

Em 2017, as Farc entregaram suas armas e, em 2019, elegeram seu primeiro


prefeito. Apesar disso, não houve anistia irrestrita, e vários membros tanto das
Farc quanto do Estado colombiano têm tido de comparecer à Justiça para prestar
esclarecimentos por crimes passados cometidos na guerra.

179
Ausência do Estado

Mas a data de hoje também deixa latente os desafios que ainda restam,
sobretudo no direito à segurança da população rural colombiana. Em muitos lugares
antes controlados pelas Farc, a retirada da guerrilha não foi suficiente para que o
governo colombiano se fizesse presente nas regiões.

"O vácuo de poder deixado pela desmobilização das Farc levou a disputas
territoriais entre grupos armados novos e existentes", diz a Acnur, agência de
refugiados da ONU, na descrição sobre os resultados do acordo. A Colômbia segue
como um dos países do mundo com mais refugiados internos. Todos os meses,
dezenas de civis e líderes comunitários ainda são mortos, feridos ou vítimas de
sequestro devido à violência na Colômbia.

Um dos desafios é uma melhor distribuição de terras para plantio em regiões


rurais e apoio estatal para pequenos agricultores, pontos que eram presentes
no acordo de modo a garantir que a economia de locais antes controlados pela
guerrilha funcione sem atividades ilegais, como o fornecimento de cocaína. Com
as promessas de ampliar o desenvolvimento das regiões afetadas não cumpridas,
muitos ex-guerrilheiros também voltaram a pegar em armas, e o novo partido dos
ex-Farc está longe de ser uma unanimidade.

FONTE: <https://exame.com/mundo/acordo-colombia-farc-cinco-anos/>. Acesso em: 1º fev. 2022.

NOTA
Após a leitura da notícia, reflita sobre a relação entre o contexto histórico
da década de 1960 e o surgimento de guerrilhas revolucionárias na
Colômbia. Em seguida, pesquise sobre movimentos semelhantes em
outros países da América do Sul, inclusive no Brasil.

Considerando o contexto político de conversações de paz que culminaram no


acordo de paz em 2016, notamos que os dados apresentados na Figura 6 demonstram
queda importante no número de ataques terroristas na Colômbia, atingindo seu nível
mais baixo em 2021:

180
FIGURA 5 – ATAQUES TERRORISTAS NA COLÔMBIA (2003-2021)

FONTE: <https://www.blog.cerac.org.co/reporte-del-conflicto-con-el-eln-13>. Acesso em: 21 fev. 2022.

Ainda em atividade, os eventos e/ou conflitos com a participação direta do ELN


tem causado mortes nos últimos anos, considerando seus integrantes, civis e forças
policiais (Figura 7):

FIGURA 6 – MORTES DE CIVIS, FORÇA PÚBLICA E DE MEMBROS DO ELN EM ATAQUES COM PARTICIPAÇÃO
DIRETA DA GUERRILHA

FONTE: <https://www.blog.cerac.org.co/reporte-del-conflicto-con-el-eln-13>. Acesso em: 21 fev. 2022.

IMPORTANTE
Conflitos dessa natureza trazem impactos econômicos e sociais
importantes. A insegurança econômica oriunda da insegurança pública
traz prejuízos econômicos ao país, mas os conflitos também causam
reflexos na questão migratória e no número de deslocamentos internos
no país, bem como impacta no número de refugiados, outra categoria
geográfica de deslocamento espacial.

181
DICA
Sugerimos a leitura de: PINHEIRO, M. R. dos S. FARC – EP: meio século
de insurgência na Colômbia. Que paz é possível? Dissertação de
Mestrado, Universidade Federal Fluminense, 2015. Disponível em:
https://bit.ly/3KGya6N.

DICA
Para finalizarmos as considerações a respeito de um dos conflitos
irregulares mais duradouros do mundo, na Colômbia, assista à
reportagem elaborada pelo Intercept Brasil, a respeito do acordo
de paz citado nesse tópico e a posição atual das FARC e do ELN.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NQalEJknOEM.

3.2 CASO 2: HAMAS – ENTRE O TERRORISMO, GUERRILHA E


AÇÃO POLÍTICA E DE CONTROLE DA FAIXA DE GAZA
O Hamas é um dos principais grupos envolvidos em conflitos no período
contemporâneo, com atuação focada na faixa de Gaza, umas das principais regiões
de disputa no mundo. Para entender a origem do grupo, suas estratégias de ação
e comunicação, bem como as pautas defendidas, é necessário retomar seus
conhecimentos a respeito do conflito entre árabes e judeus antes, durante e depois
(incluindo atualmente) da criação do Estado de Israel. Para isso, assistam a GIO DICA a
seguir, retome e informe-se sobre a temática antes de avançar no tópico.

DICA
Sugerimos as três partes de uma reportagem da BBC sobre o tema:
Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=t7LVfD8Rd5g.
Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=qpoNFyGdz5M.
Parte 3: https://www.youtube.com/watch?v=-z9Z0jw4WFk.

182
Considerado, atualmente, o maior grupo islâmico na Palestina, o Hamas
(Movimento de Resistência Islâmica) foi fundado em 1987 e luta contra a existência
do Estado de Israel, criado após a Segunda Guerra Mundial para abrigar os judeus
perseguidos, oriundo de um movimento global conhecido como sionismo, que defendia
a criação de um Estado Judeu na palestina.

Após anos de controle político do território palestino pelo Fatah (Movimento


de Libertação Nacional da Palestina), desgastados politicamente pelos fracassos nas
negociações de paz e pelos dramas econômicos e sociais dos territórios árabes na
palestina, o Hamas passou a controlar o parlamento, tornando-se a liderança política da
Faixa de Gaza a partir de 2006:

Em janeiro de 2006, o Hamas – ou Movimento de Resistência


Islâmica – obteve êxito ao participar e vencer as eleições no
Conselho Legislativo Palestino da Autoridade Palestina, tanto na
Cisjordânia como na Faixa de Gaza, surpreendendo a comunidade
internacional. Seu triunfo parecia ser inevitável, levando-se em conta
o insucesso em findar a ocupação israelense na Palestina, o que
provocou duas consequências: aumento da frustração e radicalismo
em segmentos da sociedade palestina. Vale salientar também que tal
vitória proporcionou três resultados: trouxe popularidade ao Hamas;
impactou os palestinos que vivem em Israel, nos Estados Unidos
da América, na Europa e nos países árabes; e fragilizou o Fatah
(em árabe, haraka al-tahrir al-uatani al-filastini) – ou Movimento
de Libertação Nacional da Palestina – o qual vinha governando os
territórios palestinos por mais de 40 anos (CHAMMA, 2016, p.45).

Ainda que suas ações políticas e militares estejam limitadas ao território


palestino, o Hamas não pode ser colocado como um movimento local, o que implica
novamente a provocação que fizemos ao falarmos sobre redes de conflitos mundiais,
não isolando os conflitos irregulares e assimétricos de suas relações internacionais.

De acordo com Kramer (2007, p. 61), a palavra “glocal” – destinada a


explicar a combinação de global com local, e utilizada para caracterizar
empresas, movimentos e organizações – “pode ser usada para definir
o movimento Hamas, visto que retira a sua força motriz tanto da
luta palestina como da ascensão global de movimentos islâmicos”.
O Hamas também nutre afinidades com grupos e pessoas, fora da
arena palestina, e procura transformar a ordem mundial existente
desde a sua fundação (CHAMMA, 2016, p. 47-48).

De acordo com a autora, o Hamas possui um braço armado (Figura 8) e outro


político, sendo o primeiro hegemônico sobre o segundo. Vale ressaltar que o chamado
braço político possui dentre suas atividades a filantropia e ações sociais junto às famílias
da Faixa de Gaza e Cisjordânia, o que traz ao Hamas significativo apoio popular. Junto
ao necessário financiamento para as ações armadas do movimento, essas conexões
nos remetem ao conceito de rede, nesse caso, de apoio político, econômico, logístico,
humanitário, entre outros.

183
FIGURA 7 – BRAÇO MILITAR DO HAMAS

FONTE: <https://www.politize.com.br/hamas-conflito-palestina-israel/>. Acesso em: 1 fev. 2022.

TERRORISMO OU RESISTÊNCIA?

O Hamas é mais um exemplo de como a classificação terrorista é uma


questão de perspectiva. Enquanto países como Estados Unidos, Canadá e Japão
consideram o grupo uma organização terrorista pela sua recusa em renunciar à
violência e reconhecer o Estado de Israel, nações como Qatar e Turquia enxergam o
Hamas como um movimento legítimo de resistência. A União Europeia classificou o
grupo como terrorista em 2003, após um ataque à Jerusalém que resultou na morte
de centenas de civis israelenses.

FONTE: <https://www.politize.com.br/hamas-conflito-palestina-israel/>. Acesso em: 1º fev. 2022.

No âmbito da política externa do Hamas, alguns relacionamentos merecem


destaque:

O Qatar aparece como um dos principais financiadores do Hamas,


pois forneceu US$ 400 milhões, em 2012, e concedeu abrigo
à Meshaal desde que este deixou a Síria. O país também apoia a
Irmandade Muçulmana, o que causou diversas divergências com
outros países, principalmente com o Egito. A Turquia também
vem demonstrando simpatia para com o movimento. Recep Tayyip
Erdogan, presidente turco, tem feito críticas ferozes com relação
à ação militar de Israel na Faixa de Gaza, chegando a compará-lo
com a Alemanha nazista. O Hamas também vem demonstrando
esforço para se reaproximar do Irã e do Hezbollah, com os quais

184
passou por alguns momentos difíceis, devido à sua recusa em apoiar
o governo Assad na guerra civil da Síria. Houve indícios de uma
reaproximação com a Jordânia, a qual pretende retornar ao cenário
político palestino mediando uma reconciliação entre as facções rivais
palestinas (CHAMMA, 2016, p.46-47, grifo nosso).

A seguir, podemos observar os territórios palestinos e israelenses (Figura 9).


É importante destacar que mesmo se tratando de territórios palestinos, a presença
militar hegemônica é a de Israel, o que inclusive dificulta as negociações de paz
e, consequentemente, a criação de um Estado Palestino, tal como era o objetivo da
Organização das Nações Unidas ao final da Segunda Guerra Mundial.

FIGURA 8 – ISRAEL, CISJORDÂNIA E FAIXA DE GAZA

FONTE: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57114157>. Acesso em: 21 fev. 2022.

DICA
Para compreender a situação atual de ocupação e de disputa por
território que envolve palestinos e israelenses, assista ao documentário
“Um mundo de muros”, da Folha de São Paulo. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=3Pf9_bmFxBk&t=404s.

185
Ao longo do texto, apontamos algumas características que colocam o Hamas
como organização central em um dos principais conflitos irregulares no mundo. As
diferentes justificativas para o conflito, seu caráter étnico, cultural, político, religioso
e territorial, se equiparam a outros conflitos dessa natureza espalhados por diversas
regiões do planeta. A discrepância entre o poder bélico nos conflitos irregulares (Figura
9) é um dos fatores que os torna assimétricos.

O conceito de terrorismo e, consequentemente, a definição de terrorista, ainda


que não estritamente definidos, nos remetem a ações radicalizadas e violentas com
base em justificativas e objetivos diversos, considerando os contextos locais, regionais
ou internacionais nos quais estão envolvidos. Desse modo, podemos encontrar grupos
terroristas com objetivos distintos, mas com de ação comuns.

Mesmo que o domínio territorial não seja uma premissa de movimentos


terroristas, o controle de porções do espaço geográfico e de recursos naturais de
viabilidade econômica podem auxiliar na estruturação e financiamento de grupos
terroristas. Mercadorias como pedras preciosas, petróleo, drogas, entre outros, podem
ser comercializadas com a finalidade de equipar militarmente o grupo.

FIGURA 9 – MÍSSEIS ISRAELENSES (ESQUERDA) LANÇADOS PARA INTERCEPTAREM MÍSSEIS LANÇADOS


PELO HAMAS

FONTE: <https://glo.bo/3I6WdKl>. Acesso em: 1 fev. 2021.

186
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As características das guerras convencionais, conflitos irregulares e assimétricos.

• O papel do contexto histórico como elemento fundamental na compreensão da


origem de conflitos irregulares e assimétricos, bem como de sua hegemonia no
período da Guerra Fria e também no século XXI.

• O papel exercido pelo terrorismo como parte e também fomentador da continuidade


dos conflitos assimétricos no mundo. Além disso, tornou-se elemento de justificativa
para novas formas de combate por parte do Estado a esses grupos, especialmente
aquelas de caráter informacional (captação de dados, espionagem etc.).

• Os exemplos das FARC e ELN na Colômbia, bem como do Hamas na Palestina, como
movimentos envolvidos em dois dos principais conflitos irregulares do mundo.

187
AUTOATIVIDADE
1 A imagem a seguir apresenta o chamado “Domo de Ferro” de Israel, a estrutura militar
que intercepta mísseis inimigos para que não atinjam território israelense. Após
observá-la, reflita e escreva sobre o que ocorre quando é Israel lança mísseis nos
territórios palestinos.

FONTE: <https://glo.bo/3I6WdKl>. Acesso em: 1 fev. 2022.

2 Observe a tirinha a seguir e reflita sobre a seguinte indagação: existe relação entre
ação de guerrilhas e biomas que possuem como característica a densidade da
vegetação?

Em sua resposta, estabeleça relações com as guerrilhas colombianas que discutimos


neste tópico.

FONTE: <https://bit.ly/3CJeoEY>. Acesso em: 21 fev. 2022.

188
3 Diferente das guerras convencionais, nas quais se objetivam vitórias rápidas
possivelmente materializadas pelas diferenças de poder bélico entre os Estados, nos
conflitos irregulares ou assimétricos a intenção é exaurir o inimigo e desgastá-lo física
e psicologicamente. O objetivo central é a imobilização operacional do adversário,
algo fundamental para a vitória na guerra (LEAL, 2011). Nesses tipos de conflito não
existem frentes de combate e o poder de fogo é menos relevante que a mobilidade.
Não há necessidade real de ocupar, controlar e manter um determinado território.

Com base no entendimento sobre as características dos conflitos irregulares e


assimétricos em curso atualmente, pesquise sobre quais estão em curso atualmente,
em seguida, escolha um deles para realizar este exercício.

Após escolher o conflito que lhe interessou, preencha o que se pede a seguir:

Conflito escolhido:
País:
Ano de início:

Atores
envolvidos

Motivações
dos atores não
estatais

Recursos em
disputa

Há terceiros
atores? Quais?

Impactos
econômicos,
sociais e
políticos

189
4 Existem diferentes grupos terroristas em atuação no mundo, que exercem suas
atividades em regiões também distintas. Sobre qual deles assumiu o ataque de 11 de
setembro, nos Estados Unidos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Al-Qaeda.
b) ( ) Estado Islâmico.
c) ( ) Boko Haram.
d) ( ) ETA (Pátria Basca e Liberdade).

5 Leia o trecho a seguir:

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Exército de Libertação


Nacional (ELN) surgiram no mesmo período. A primeira a partir de um levante camponês,
transformando-se em uma organização de inspiração marxista-leninista, cujo propósito
principal seria a reforma agrária; enquanto o ELN foi inspirado na revolução cubana e na
Teologia da Libertação. Considerando o contexto histórico do surgimento das FARC e do
ELN, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Surge na década de 1950, após o final da Segunda Guerra mundial, no qual havia
o anseio de movimentos populares em superar as desigualdades sociais e os
prejuízos causados pelo conflito.
b) ( ) Surge na década de 1960, no contexto de Guerra Fria e de conflito ideológico
entre capitalismo e socialismo, mas também ligado a revoluções em curso no
mundo, sobretudo a cubana.
c) ( ) Surge na década de 1980, no contexto de crise fiscal dos Estados nacionais, cuja
consequência foi o declínio dos indicadores de qualidade de vida, bem como a
queda do poder de compra das famílias, culminando em cenários de insatisfação
que alimentaram grupos guerrilheiros.
d) ( ) Surge na década de 1990, no momento de hegemonia do capitalismo global com
a derrocada da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

190
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
OS FLUXOS FINANCEIROS GLOBAIS E
A EMERGÊNCIA DAS CRIPTOMOEDAS:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, por meio de uma abordagem teórico-empírica, estudaremos
questões que permeiam o termo fluxos financeiros globais, como as redes e a relação
entre estas e os territórios, bem como, em particularidade, as possibilidades e os desafios
decorrentes das operações com criptomoedas. Delas, buscamos demonstrar, também,
a expansão e a concentração geográfica global, pensando no tema ainda como em
desbravamento, pelos recentes estudos e busca de aprofundamento em curso.

Por fim, cabe destacar que os exemplos são de eventos reais, mas que se
transformam a todo momento, pois os próprios fluxos são dinâmicos e muitas vezes
incertos, já que apresentam intensos movimentos.

2 ENTRE TERRITÓRIOS E REDES: OS FLUXOS


FINANCEIROS GLOBAIS
O espaço geográfico é formado e delimitado por vários conceitos de análises,
como as de lugar, paisagem, ambiente, território, redes etc. Em termos de fluxos,
constrói-se e articula-se a partir dessas últimas, visto serem formadas por um conjunto
de linhas conectadas por meio dos pontos e/ou fixos, os nós dos territórios. As redes
são formadas, também, por variados tipos e subtipos, com níveis de abrangência e
necessidades de conexões diferentes uns dos outros.

Apontamos como exemplos, no sentido de contribuir para a identificação delas,


as redes de transportes, as redes técnicas, as redes digitais, as redes urbanas, as redes
sociais, as redes financeiras, dentre outras. Portanto, ao estudarmos as redes, estamos
abordando um conceito amplo, mas ao mesmo tempo específico quando apropriado
como conceito, ou seja, quando identificado a partir dos diferentes fluxos da realidade.

Assim, as redes geográficas relacionam-se a um conjunto de locais da superfície


terrestre (territórios) interligados entre si por conexões que podem ser materiais e
imateriais, além de envolver fluxos de informações, pessoas, mercadorias, financeiros,
conhecimentos e outros.

191
Para a compreensão das redes como elementos que, apesar de serem forma-
das por linhas, reais ou imaginárias, possuem pontos fixos nos territórios, cabe conver-
sarmos um pouco sobre as transformações pelas quais as técnicas e as tecnologias
passaram, já que são exatamente os investimentos em ciência de ponta, ao longo do
tempo histórico, que permitiram o avanço – diga-se, a aceleração – das conexões em
redes ou seus fluxos.

Foram as transformações propiciadas e resultantes do meio técnico-científico


que promoveram o uso, cada vez maior, no decorrer do século XX, dos diferentes tipos
de redes e de suas vinculações a determinados territórios (SILVA, 2005). Desse modo,
diferentes realidades, sejam grandes ou pequenas cidades ou continentes distantes,
passaram a ter a oportunidade de se interligarem e, com isso, possibilitar o fluxo de
pessoas, mercadorias e recursos em velocidade cada vez mais acelerada. Para que isso
aconteça, no entanto, faz-se necessária a relação entre o homem e a natureza ou o
homem e o meio, por meio da técnica, em um processo chamado por Milton Santos de
mecanização do território:

É por demais sabido que a principal forma de relação entre o homem


e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio, é dada pela técnica.
As técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com
os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria
espaço. Essa forma de ver a técnica não é, todavia, completamente
explorada (SANTOS, 1996, p. 29).

A partir do avanço das informações, em complementaridade à consolidação


do meio técnico-científico, outro fundamento permitiu a presença de fluxos em redes
instantâneas, além de outros avanços, qual seja, o que Santos (1996) denominou de
meio técnico-científico-informacional.

O que sempre se criou a partir da fusão [do meio geográfico e do meio


técnico] é um meio geográfico, um meio que viveu milênios como
meio natural ou pré-técnico, um meio ao qual se chamou de meio
técnico ou maquínico durante dois a três séculos, e que hoje estamos
propondo considerar como meio técnico-científico-informacional
(SANTOS, 1996, p. 41).

Nessa nova modalidade de ampliação das conexões, posterior à mecanização


do território, inseriu-se o meio informacional, possibilitando a troca de informações em
quase instantaneidade. Por isso é “[...] que estamos considerando o espaço geográfico
do mundo atual como um meio técnico-científico-informacional” (SANTOS, 1996, p.
240), que permite ainda estar presente em diferentes lugares ao mesmo tempo, mesmo
que virtualmente.

Com relação aos fluxos como conjunto de movimentos decorrentes do pro-


cesso de globalização, ou seja, da interconexão entre as diferentes partes do mundo
que permite a circulação – nem sempre livre – de elementos econômicos, informa-
ções e pessoas, estes podem ser considerados como a materialização da globalização
no espaço geográfico, embora desigual e hierárquica.
192
FIGURA 10 – THE EXPANDING NETWORK OF GLOBAL FLOWS

FONTE: <https://bit.ly/368WfUH>. Acesso em: 1 fev. 2022.

Já os fluxos econômico-financeiros podem ser definidos como o deslocamento


de capitais, empresas, mercadorias, finanças e investimentos nas mais diferentes esca-
las globais, decorrentes dos avanços proporcionados no âmbito dos meios de transporte
e comunicação e, consequentemente, da informação. No estágio capitalista da globali-
zação está a financeirização, ou seja, os intensos fluxos de capitais nos mercados finan-
ceiros, em bolsas de valores, fundos de investimentos, derivativos, criptomoedas etc.

Assim, não há dúvidas de que os principais fluxos que acontecem no âmbito


atual do capitalismo financeiro são os de capitais, como os “capitais especulativos”
(títulos, juros de dívidas públicas e privadas, ações e outros) e as criptomoedas. Isso não
seria um problema se a ausência de investimentos na produção não levasse a prejuízos
em termos das economias nacionais e internacional.

Diversos autores afirmam que tanto a crise financeira internacional dos anos
de 2007 e 2008, impulsionada pela globalização em seu estágio técnico-científico-
informacional, quanto à desregulamentação financeira, conduziram à instabilidade do
valor das moedas em escala planetária, gerando um grande movimento de insegurança
econômica.

Os fluxos globais, em seus diversos sentidos, têm sido um fio condutor comum
no crescimento econômico há séculos, desde os dias da Rota da Seda, passando
pelos períodos mercantilista e colonial e pela Revolução Industrial. Mais recentemente,
no entanto, o movimento de bens, serviços, finanças e pessoas atingiu níveis antes
inimagináveis. Os fluxos globais estão criando novos graus de conexão entre as
economias – e desempenhando um papel cada vez maior na determinação do destino
de nações, empresas e indivíduos.

193
NOTA
As tecnologias digitais permitem que até mesmo a menor empresa
ou empreendedor solo sejam uma “micromultinacional”, vendendo
e adquirindo produtos, serviços e ideias além das fronteiras. Os
indivíduos podem trabalhar remotamente por meio de plataformas
on-line, criando um fluxo virtual de pessoas. As plataformas de
microfinanças permitem que empreendedores e inovadores sociais
levantem dinheiro globalmente em quantias cada vez menores.

FONTE: <https://mck.co/3hYEdan>. Acesso em: 1 fev. 2022.

No interior desse processo e intensificado pelo meio técnico-científico e


informacional, os fluxos financeiros têm se destacado justamente pela sua disseminação
em todo o planeta e pela consequente demanda por inovações tecnológicas,
especialmente as digitais e comunicacionais, que também ganharam relevância e
intensidade com a pandemia de COVID-19.

Quando falamos em fluxos globais, de toda e quaisquer natureza, estamos nos


reportando, geograficamente, ao processo de globalização. Segundo Chesnais (1996), o
sistema financeiro é o campo mais avançado da mundialização. Esta é a terminologia
utilizada por alguns autores para designar a globalização. De maneira mais rigorosa,
refere-se à globalização financeira ou, em outras palavras, “[...] a integração dos
mercados [...] como consequência das políticas de liberalização e do desenvolvimento
das novas tecnologias da informação e da comunicação; é também a intensificação dos
fluxos de investimento e de capital na escala planetária” (BENKO, 1996, p. 45).

Neste sentido, como afirmam Tyson e Lund (2016), a globalização está entrando
em uma nova era, definida não apenas por fluxos transfronteiriços de bens, pessoas e
capitais, mas também, e cada vez mais, por fluxos de dados e informações. As autoras
afirmam, ainda, que a globalização digital atua diretamente em pontos muito fortes e em
constante aperfeiçoamento, ou seja, a tecnologia e a inovação.

Esses fluxos, ainda de acordo com Tyson e Lund (2016), estão desproporcional-
mente concentrados entre um pequeno conjunto de países, incluindo Estados Unidos,
Reino Unido, Alemanha e Cingapura. A China é a única economia emergente a figurar
entre as dez primeiras do índice.

Apesar desses dados, os fluxos digitais oferecem, também aos países em


desenvolvimento, novas maneiras de engajar-se na economia digital do mundo
globalizado, não mais em razão de seu potencial produtivo especificamente, mas
a partir de seus fluxos financeiros. Assim, as empresas sediadas em países em
desenvolvimento podem superar as restrições do mercado nacional e se conectar com
clientes, fornecedores, financiadores e outros em todo o mundo (TYSON; LUND, 2016).

194
Apesar das informações apresentadas por Tyson e Lund (2016), as autoras,
em artigo de 2017, são enfáticas em afirmar que, mesmo o processo de globalização
colocando os países em desenvolvimento, conforme dados apresentados, em certo
equilíbrio nos fluxos comerciais e financeiros mundiais, sendo, inclusive, responsável por
certa redução dos índices de desigualdade entre os países, ela, por outro lado, agravou
a desigualdade de renda no interior deles.

De 1998 a 2008, a classe média nas economias avançadas não experimentou


crescimento de renda algum, enquanto a renda aumentou quase 70% para aqueles
no topo da distribuição de renda global. Os maiores ganhadores nos Estados
Unidos, responsáveis por metade do 1% do mundo, colheram uma parcela significativa
dos benefícios da globalização, em especial como resultado de fluxos do comércio
mundial e financeiros. Mais recentemente, estes dados são ainda mais expressivos.

FIGURA 11 – A CONCENTRAÇÃO EXTREMA DE CAPITAL: DESIGUALDADE DE RIQUEZA NO MUNDO (2021)

FONTE: <https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/novo-mapa-da-desigualdade-global/>. Acesso


em: 1 fev. 2022.

No gráfico, é possível extrair informações que corroboram com as consequ-


ências do processo de globalização em sua fase digital, comercial e financeirizada na
produção de desigualdades mundiais. Observa-se, assim, que na Europa, os 10% mais
ricos possuem 58% da riqueza total, contra 38% dos 40% intermediários e 4% dos 50%
mais pobres. Já na América Latina, os 10% mais ricos possuem 77% da riqueza total,
contra 22% para os 40% intermediários e 1% para os 50% mais pobres.

Como finalização desse momento explicativo sobre os fluxos globais estabele-


cidos pelas conexões em redes, vale a pena refletir, avaliar e escrever suas impressões
daí decorrentes a partir da seguinte afirmação:

195
Os 10% mais ricos capturam 78% da riqueza mundial. Restam, à metade da
população, 2%. Distorções devastam sociedades e planetas. Há alternativas: impostos
redistributivos e políticas sociais potentes, pois a desigualdade é uma escolha política,
não uma inevitabilidade.

3 OS FLUXOS FINANCEIROS E A EXPANSÃO/


CONCENTRAÇÃO GEOGRÁFICA GLOBAL DE
OPERAÇÕES COM CRIPTOMOEDAS
Paralelamente à crise de 2008, surgiram outros movimentos de ordens diversas,
como geopolíticos, culturais e sociais, que aceleraram o aprofundamento científico e
empírico da inovação tecnológica, em especial da denominada cadeia de blocos ou
blockchain: a bitcoin ou Banco de Títulos CBLC (BTC). Criado em 2008 por Satoshi
Nakamoto e em funcionamento desde 2009, a BTC é uma criptomoeda concebida como
uma forma criptografada de dinheiro capaz de subverter ou transgredir a regulamentação
jurídica de Estados e agentes financeiros globais territorializados.

Em termos mais amplos e de vinculação ao mercado financeiro, criptomoedas


são:

[...] uma espécie de criptoativo [...] com o objetivo de se tornarem


uma alternativa às moedas tradicionais (por isso também são
chamadas de moedas digitais ou moedas virtuais). Não há nenhum
tipo de "lastro" oficial para as criptomoedas - ou seja, elas não são
relacionadas ao papel moeda, como o dólar, o euro ou o real, e nem a
nenhum outro tipo de ativo, como o ouro. Por serem independentes
e digitais, as criptomoedas são registradas de forma descentralizada,
com operações realizadas e armazenadas sem barreiras geográficas.
Usuários de diferentes países conseguem transacionar livremente
esses ativos. Como não há nenhum banco central responsável pela
emissão ou controle de criptoativos, elas não estão sujeitas a nenhum
tipo de regulação oficial. Toda a estrutura de transações é baseada em
uma rede de computadores independente de instituições estatais. O
criptoativo mais conhecido é a bitcoin, mas existem hoje cerca de
5.000 deles (EXAME INVEST, 2021, s.p.).

Como explica o próprio criador (NAKAMOTO, 2008), o sistema de bitcoin é um


sistema de pagamento eletrônico baseado em garantia de criptografia, o que permite
quaisquer duas partes dispostas a transacionar, diretamente, fazê-lo sem uma outra
parte ou intermediário. Ainda segundo o autor, a BTC foi desenvolvida a partir de
uma rede de computadores descentralizada, configurada por pontos de articulação
interconectados, via Peer-to-Peer (P2P), ou seja, a partir de redes de fluxos validadas
por algoritmos. O sistema é formado, então, por redes de computadores independentes,
isto é, cada um deles funciona tanto como cliente quanto como servidor, permitindo
compartilhamentos de serviços e dados sem a necessidade de um servidor central.

196
Esse tipo de arquitetura de rede, de acordo com Henrique (2018), tem auferido
destaque pelo compartilhamento de arquivos, mas também é utilizada em outras
áreas como universidades, pesquisas científicas e telecomunicações, por exemplo. Os
registros dos dados transacionados na rede P2P são operados em uma cadeia e blocos
de algoritmos, que realiza o processamento dos dados por meio de criptografia.

Agner (s.d., p. 5) conceitua as bitcoins como:

[...] a união de tecnologias e abstrações que possibilitam que o


consenso entre atores não necessariamente conhecidos possa ser
alcançado de forma descentralizada sem que a confiança tenha
que ser depositada em um ponto de controle central ou que a
segurança rede esteja sujeita à um único ponto de falha. Estas
tecnologias em conjunto formam as bases para a existência de
uma moeda digital descentralizada e para qualquer outro caso de
uso que possamos abstrair para um modelo baseado em consenso
– como contratos – de forma independente de autoridades centrais
como bancos ou governos.

Agner (s.d., p. 5) complementa, ainda, que “[...] o mesmo termo “Bitcoin” com “B”
maiúsculo é comumente utilizado para designar a tecnologia como um todo, a rede P2P
Bitcoin ou o protocolo Bitcoin enquanto bitcoin(s) com “b” minúsculo é utilizado para
designar a unidade de conta usada na rede”.

No mais, bitcoins são moedas digitais descentralizadas, ou seja, que não são
controladas por órgãos ou países em específico, sendo criadas em uma rede blockchain,
ou seja, uma rede que é a responsável por armazenar com segurança os mais diversos
tipos de informações, a exemplo das transações financeiras, dos registros e dos dados
de pessoas que participam dessas transações.

O valor nominal da bitcoin é determinado pelo mercado, uma vez que é a


modalidade de pagamento mais segura, sobretudo pela sua característica de ser um
dinheiro de materialização digital, entretanto, não é emitido pelo governo. Neste sentido,
preleciona Ulrich (2014, p. 15).

[…] Bitcoin é uma forma de dinheiro, assim como o real, o dólar ou


o euro, com a diferença de ser puramente digital e não ser emitido
por nenhum governo. O seu valor é determinado livremente pelos
indivíduos no mercado. Para transações online, é a forma ideal de
pagamento, pois é rápido, barato e seguro […]. Com o Bitcoin você
pode transferir fundos de A para B em qualquer parte do mundo sem
jamais precisar confiar em um terceiro para essa simples tarefa. É
uma tecnologia realmente inovadora.

As criptomoedas geradas no blockchain, assim, possuem um valor que, em


alguns casos, pode ser convertido para outras moedas, como o dólar ou real, e, por isso,
elas podem ser utilizadas como moeda de troca para compra de produtos e consumo de
serviços. O ponto contra esse tipo de uso, no entanto, é a volatilidade.

197
A BTC é a mais importante inovação financeira do século XXI, sendo possível
verificar o crescimento de seu uso em várias atividades, tendo seu valor total
correspondendo 0,025% do produto interno bruto (PIB) global ou cerca de 80 trilhões
de dólares, de acordo com Schwab (2016, p. 157).

Em atualização aos dados expostos, mas para a economia dos EUA, que em
julho de 2021, no dia 24, “[...] o volume total de transferências com bitcoin ultrapassou
US$ 15,8 trilhões. Como resultado, o volume agora apresenta 70% do Produto Interno
Bruto (PIB) [...], que é de aproximadamente US$ 22 trilhões” (LIVECOINS, 2022, s.p.).

Por que o volume de transações com bitcoin está ultrapassando o PIB dos EUA,
questionou o texto do site exposto. Há muitas possibilidades, mas a mais significativa,
neste momento, é o fato de que este ativo alternativo de investimento também é
visto como uma alternativa ao dólar americano e a todo o sistema econômico, além
do interesse institucional. A criptomoeda tem sido aceita amplamente no sistema
financeiro, além de empresas como Amazon, Facebook, Twitter, Reddit e outras agora
estão também se utilizando das criptomoedas.

A partir de informações fornecidas pela CoinMap, pode-se verificar que, em


fevereiro de 2021, a distribuição geográfica de locais com operações e serviços que
utilizam moedas virtuais no mundo (Figura 12), tem ocorrido de forma concentrada,
inclusive em cidades do Brasil e da América Latina, mas também nos EUA, na Europa
e países asiáticos. Esta é uma realidade que, na Geografia, demonstra a hierarquia dos
lugares centrais vinculada, historicamente, à concentração de serviços e atividades
financeiras complexas de cunho mundial.

FIGURA 12 – CONCENTRAÇÃO GEOGRÁFICA DE OPERAÇÕES COM MOEDAS VIRTUAIS (22/2/2021)

FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/3JoeJiA>. Acesso em: 1 fev. 2022.

198
O exemplo apresentado é de um momento específico da circulação e do fluxo
mundial de moedas para BTC, que podem ser acompanhados, em tempo real, por meio
do FiatLeak. Para você conhecer mais sobre a Geografia da circulação, da concentração
e da distribuição dos fluxos financeiros globais, via criptomoedas, acesse o link: https://
fiatleak.com/btc. A seguir, um print da página em tempo real, feito por nós, como
exemplo para você!

FIGURA 13 – FIATLEAK, EM PRINT DIRETO (30/12/2021)

FONTE: <https://fiatleak.com/btc>. Acesso em: 1 fev. 2022.

No Brasil, embora ainda não haja uma legislação que normatize as transações
em criptomoedas, muitas pessoas e empresas já as utilizam. No Congresso Nacional,
tramita o Projeto de Lei nº 2303/2015, que objetiva a regulamentação das transações
em criptomoedas, conforme o preambulo que se colaciona:

“Dispõe sobre a inclusão das moedas virtuais e programas de milhagem aéreas


na definição de ‘arranjos de pagamento’ sob a supervisão do Banco Central” (BRASIL,
2015). Isso foi aprovado, na Câmara dos Deputados, em 29 de setembro de 2021 e seguiu
para o Senado, em continuidade ao trâmite.

Como forma de estabelecer possibilidades e desafios com relação aos fluxos


financeiros a partir do uso de moedas virtuais, apresentamos, na sequência, algumas
características, destas, no sentido de perspectivas, visto o ainda insuficiente número
de estudos qualificados sobre o tema mesmo sendo transfronteiriças ou “sem escala”
definidas. A Geografia também carece se debruçar sobre, no sentido apontado por nós
neste texto, ou seja, como observação e avaliação de seus fluxos globais.

De acordo com a Revista Exame Invest (2021), existem cinco principais


características que distinguem as criptomoedas das moedas convencionais:

199
• são completamente virtuais, não dá para pegar uma criptomoeda na mão.
• não precisam de um banco central ou do Estado para ser regulamentadas.
• as oscilações de preço ocorrem de acordo com a própria economia e não por
interferência estatal.
• possuem livre circulação, sem barreiras geográficas.
• garantia de anonimato das transações, sem nenhum tipo de informação pessoal para
a utilização.
• custo zero de transação em virtude da não cobrança de qualquer tipo de taxa ou imposto.

Você, como geógrafo, entende que estes elementos se vinculam mais a


possibilidades ou a desafios para os fluxos globais em criptomoedas?

200
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As questões que permeiam os fluxos financeiros globais, como as redes e a relação


entre estas e os territórios.

• As possibilidades e os desafios decorrentes das operações com criptomoedas.

• A expansão e a concentração geográfica global do uso das criptomoedas, por meio


de exemplos da espacialização (mapas).

• No tocante às criptomoedas, a temática sobre fluxos financeiros ainda é recente nos


debates científicos e ainda está sendo desbravado e aprofundado.

201
AUTOATIVIDADE
1 Em uma definição abrangente, podemos entender as redes geográficas como um
conjunto de locais da superfície terrestre conectados ou interligados entre si. Essas
conexões podem ser materiais, digitais e culturais, além de envolver o fluxo de
informações, mercadorias, conhecimentos financeiros, valores culturais e morais,
entre outros. Por meio dessa definição e do texto estudado neste livro, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) As redes são formadas por linhas, reais ou imaginárias, mas não precisam de
elos no território para se disseminarem.
b) ( ) Apesar de serem formadas por linhas, reais ou imaginárias, as redes possuem
pontos fixos nos territórios.
c) ( ) As redes não são formadas por linhas, nem reais nem imaginárias, e por isso não
possuem pontos fixos nos territórios.
d) ( ) As redes não são formadas por linhas reais, somente por linhas imaginárias, e
por isso não possuem pontos fixos nos territórios.

2 Globalização são as transformações de ordem econômica mundial que provocam a


integração dos mercados. São também evidentes as implicações políticas, culturais,
científicas, tecnológicas, sociais e, evidentemente, econômicas. Nesse sentido, defina
fluxos econômico-financeiros utilizando-se do texto do Tópico 2 ou acessando este
link como exemplo: https://bit.ly/361hLLg.

3 O Bitcoin (BTC) teve uma valorização de 837%, em dólar, em um período de 12 meses,


de acordo com dados da corretora Coinbase. No dia 20 de março de 2020, enquanto
o mundo sofria as primeiras consequências da disseminação do novo coronavírus, o
criptoativo estava cotado a US$ 6.198,78. Um ano depois, em 19 de março de 2021,
a moeda bateu US$ 58.126,10. De acordo com as definições a seguir, assinale a
alternativa CORRETA que melhor corresponde ao conceito atual de criptomoedas:

a) ( ) Uma espécie de criptoativo com o objetivo de se tornar uma alternativa às


moedas tradicionais, com lastro definido oficialmente por cada emissor.
b) ( ) Uma espécie de criptoativo com o objetivo de se tornar uma alternativa às
moedas tradicionais, com lastro definido oficialmente por cada governo.
c) ( ) Uma espécie de criptoativo com o objetivo de se tornar uma alternativa às
moedas tradicionais, com lastro definido oficialmente por cada vendedor, no
momento de transação.
d) ( ) Uma espécie de criptoativo com o objetivo de se tornarem uma alternativa às
moedas tradicionais sem lastro oficial.

202
4 O ano de 2021 foi de altos e baixos para as criptomoedas. Em geral, porém, ele termina
com um quadro mais positivo para esse grupo de ativos, que surfou em uma tendência
de crescimento e expansão iniciada com a pandemia. Ao mesmo tempo, conforme
essa expansão ocorreu, mais países ao redor do mundo passaram a implementar
medidas legais para o setor. Com relação à regulamentação das criptomoedas, no
Brasil, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Não há uma legislação que normatize as transações em criptomoedas. No


entanto, tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 2303/2015, que
objetiva a regulamentação das transações em moedas virtuais.
b) ( ) Não há uma legislação que normatize as transações em criptomoedas nem
qualquer Projeto de Lei que objetive a regulamentação das transações em
moedas virtuais.
c) ( ) As transações em criptomoedas estão regulamentadas no Brasil desde 2015.
d) ( ) As transações em criptomoedas estão regulamentadas no Brasil desde 2015,
com a aprovação, naquele ano, do Projeto de Lei nº 2303/2015.

5 O endereço Bitcoin é semelhante ao endereço físico ou a um e-mail. É a única


informação que você precisa fornecer a alguém para pagá-lo com Bitcoin. Uma
importante diferença, no entanto, é que cada endereço deve ser usado para uma
simples transação. Explique, resumidamente, a diferença entre Bitcoin (com B
maiúsculo) e bitcoin (com b minúsculo), bastante utilizado no mercado financeiro.

203
204
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
NOVAS FORMAS DE TERRORISMO: O
CIBERTERRORISMO E A ESCALA GLOBAL

1 INTRODUÇÃO

Nosso objetivo, através deste tópico, é debater o conceito de ciberterrorismo


como uma das novas formas de terrorismo, cuja característica principal é o uso do
ciberespaço como ferramenta e alvo de suas ações. Dada a carência de pesquisas a
esse respeito no Brasil, tendo em vista que o ciberterrorismo não detém centralidade
nas discussões políticas e acadêmicas em nosso país, faremos uso principalmente
de bibliografia internacional, tendo em vista que essa problemática é protagonista
em países e/ou regiões do mundo denominadas centrais ou desenvolvidas, caso dos
Estados Unidos e da Europa, por exemplo.

Este tópico será dividido em três partes. Inicialmente, faremos breves


considerações sobre o surgimento da internet e da crescente conexão global
proporcionada por ela, ampliando o ciberespaço e tornando-o também espaço
para o terrorismo global; em seguida, discutiremos o conceito de ciberterrorismo,
diferenciando-o de outros tipos de crimes praticados no ciberespaço; e, por fim, iremos
apresentar e discutir as iniciativas de debate sobre ciberterrorismo no Brasil e como elas
se relacionam com o que vem sendo praticado e discutido no mundo.

2 A INTERNET E A CRESCENTE CONEXÃO EM ESCALA


GLOBAL: O CIBERESPAÇO COMO FERRAMENTA E ALVO
PARA O CIBERTERRORISMO
O surgimento da internet e dos novos sistemas de informação e comunicação
ocasionaram mudanças significativas na sociedade, sejam elas nas relações comerciais,
econômicas, sociais e até mesmo políticas. Gamón (2017) aponta que historicamente
podemos nos referir ao surgimento da internet no final da década de 1960, entendendo-a
como um conjunto descentralizado de redes de comunicação interconectadas que
compõem uma rede de alcance mundial.

O crescimento exponencial de usuários, bem como das possibilidades, vanta-


gens e facilidades oferecidas no ciberespaço trouxeram a problemática dos compor-
tamentos e/ou ações criminosas praticadas com base em ferramentas existentes nas
redes. Para se ter uma ideia, em 1993 havia apenas 14 milhões de usuários (GAMÓN,
2017), enquanto em janeiro de 2021 estima-se que havia 4,66 bilhões de usuários,

205
número que pode ter aumentado significativamente devido ao contexto de pandemia
da Covid-19 que, de certa forma, transformou serviços presenciais em remotos momen-
taneamente e, em alguns casos, permanentemente:

Atualmente, todos os cidadãos e as sociedades que os constituem


dependem quase totalmente de sistemas informatizados para
todos os processos económicos e sociais, também intimamente
relacionados. Esse crescimento rápido e acelerado das tecnologias
da informação abriu espaços para o crime, colocando uma arma de
grande calibre nas mãos de criminosos e terroristas (GAMÓN, 2017, p.
81, tradução nossa).

A vulnerabilidade da legislação (Figura 14), e também do próprio ciberespaço


propiciaram terreno fértil para crimes cibernéticos, que têm crescido e alcançado
protagonismo em discussões a respeito de segurança doméstica, internacional e,
consequentemente, a produção de legislação sobre crimes virtuais e ciberterrorismo,
bem como a criação de agências ou direcionamento de investimentos estatais voltados
à segurança das redes (GAMÓN, 2017):

FIGURA 14 – SITUAÇÃO DA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS NO MUNDO

FONTE: <https://bit.ly/3i8FHis>. Acesso em: 1º fev. 2022.

Como podemos observar na Figura 14, boa parte do mundo não oferece grau
de adequação e/ou segurança de dados pessoais, fator que, de certa forma, estimula
ou facilita a atividades criminosas em ambientes virtuais, entre elas o ciberterrorismo.

206
É importante destacar que mesmo países dotados de ferramentas de segurança e
legislações avançadas são vítimas de ataques cibernéticos, seja através de crimes
pontuais (relativos a pessoas físicas ou jurídicas) ou mesmo de ciberterrorismo, conceito
que discutiremos no tópico a seguir.

DICA
O documentário “The great hack”, na tradução, “Privacidade hackeada”,
narra o escândalo sobre informações pessoais hackeadas que envolveu
a empresa de consultoria Cambridge Analytica e o Facebook. Através
da luta judicial de um professor a respeito do direito à propriedade de
seus dados, há a problematização do fato de que informações pessoais
de mais de 240 milhões de pessoas foram utilizadas na criação de
perfis políticos (ou tendências políticas na sociedade) com intuito de
influenciar nas eleições dos Estados Unidos em 2016.

As Figuras 15 e 16 apresentam ciberataques recentes à Alemanha e Reino


Unido, países com agências e legislações mais avançadas que o Brasil quando o
assunto é o ciberterrorismo, enquanto a Figura 17 mostra a espacialização dos ataques
em escala global, situando-a, considerando a fonte da notícia, a outro ciberataque,
dessa vez na Espanha.

FIGURA 15 – CIBERATAQUE À ALEMANHA

FONTE: <https://glo.bo/3u2rPMc>. Acesso em: 1 fev. 2022.

207
FIGURA 16 – CIBERATAQUE PARALISA 16 HOSPITAIS NO REINO UNIDO

FONTE: <https://bit.ly/3I9KNFJ>. Acesso em: 1 fev. 2022.

FIGURA 17 – CIBERATAQUES SE ESPALHAM NA ESCALA GLOBAL

FONTE: <https://bit.ly/3q3rkQR>. Acesso em: 1 fev. 2022.

O vírus (conhecido como malware) que atacou na manhã desta sexta-feira


os equipamentos da Telefónica, em Madri, já chegou a várias dezenas de países. Do
tipo ransomware, ele promove o sequestro de dados e cobra um resgate para liberar
o sistema, tendo infectado várias empresas e instituições na Espanha, Taiwan,
Rússia, Portugal, Ucrânia, Turquia e Reino Unido — neste último, o vírus causou
um colapso no Serviço Nacional de Saúde —, segundo informações divulgadas
pelas empresas especializadas em cibersegurança s21sec e Check-point. Costin

208
Raiu, diretor global do grupo de pesquisadores e análises do Kaspersky Lab, uma
empresa de segurança em informática, afirmou em um tuite que foram registrados
mais de 45.000 ataques em 74 países. Até o momento, esses ataques não atingiram
infraestruturas consideradas críticas.

FONTE: <https://bit.ly/3q3rkQR>. Acesso em: 1 fev. 2022.

3 APONTAMENTOS SOBRE O CIBERTERRORISMO


A discussão a respeito do conceito de ciberterrorismo é ampla, o que torna
impraticável a definição estrita dele. Assim, é importante diferenciarmos o ciberterrorismo
de outras formas de crime ou ataques no ciberespaço, bem como destacarmos como
alguns autores buscam definir e/ou compreender esse conceito. Em primeiro lugar,
Gamón (2017) destaca os tipos de crimes “comuns” que caracterizam cibercrimes ou
crimes cibernéticos:

Entre os crimes classificados como crimes cibernéticos encontramos:


fraude, furto, chantagem, falsificação e desvio de fundos públicos.
Com as últimas alterações legislativas, foram introduzidos outros
crimes que utilizam tecnologias da informação e comunicação, como
o assédio eletrônico contra a liberdade das pessoas, a descoberta e
divulgação da privacidade, a interferência ilegal de informações ou
dados, os crimes contra a propriedade intelectual e os abusos com
fins sexuais através da Internet ou outro meio de telecomunicação
para menores (GAMÓN, 2017, p. 82, tradução nossa).

O ciberterrorismo, por outro lado, é a convergência entre ciberespaço e terrorismo.


Refere-se aos ataques e/ou tentativas de ataque contra computadores, redes e as
informações neles armazenadas. São feitos para intimidar ou coagir governos e/ou seus
componentes em busca de objetivos políticos ou sociais. Para que seja considerado
terrorismo cibernético, o ataque deve resultar em violência contra indivíduos ou suas
propriedades, bem como causar danos suficientes para gerar medo (TALIHÄRM, 2010).

Ataques que levam à morte, lesões corporais, explosões ou perdas econômicas


severas também são exemplos de ciberterrorismo. Ataques a infraestruturas
fundamentais podem configurar atos de ciberterrorismo, a depender de seu impacto.
Para Talihärm (2010), os ataques a serviços não essenciais, causadores de “incômodos”
ou prejuízos menores não seriam considerados ciberterrorismo.

209
DICA
Leia e ouça a considerações do Prof. Dr. Luli Radfahrer sobre as
ameaças de ciberataques a estruturas fundamentais da sociedade.
Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/ciberterrorismo-mal-
da-era-moderna-na-analise-de-radfahrer/.

Denning (2007) caracteriza o ciberterrorismo como conceito que abrange os


ataques causadores de fortes danos ou ameaças significativas realizadas por atores
não estatais contra sistemas de informação, cujo objetivo final é intimidar ou coagir
governos e sociedades em prol dos objetivos políticos e sociais do grupo responsável
pelo ataque. Para o autor, o ciberespaço torna-se meio de condução para atos terroristas
voltados a destruição (física, a depender do tipo de ataque, ou de propriedade digital e
informacional).

Conway (2002) chama a atenção para a separação entre o uso terrorista da


internet e o ciberterrorismo. O primeiro referente ao uso das redes para propaganda,
arrecadação de fundos ou recrutamento, por exemplo, enquanto o segundo se refere
a ataques cibernéticos caracterizados pela sua motivação política e caráter violento.
Tombul e Akdogan (2016) seguem a mesma lógica e destacam que ataques terroristas
no ciberespaço devem incluir elementos de atividades terroristas, como a violência e
danos em grande escala “justificados” e motivados politicamente.

Outra diferenciação necessária é relativa ao hackativismo, termo que une


as palavras hacker e ativismo para explicar as ações de indivíduos ou grupos que
promovem ou resistem a mudanças políticas e sociais através de protestos não
violentos, mas legalmente questionáveis ou, quando não, criminosos de fato (SINGER;
FRIEDMAN, 2014).

Os hackativistas usam o domínio que possuem de sistemas e redes on-line


para chamarem a atenção para assunto ou pauta política. Operam por meio de ataques
a sites corporativos ou governamentais, por exemplo, bem como roubos e publicações
de informações privadas na internet. A seguir, na Figura 18, vemos um exemplo desse
tipo de ação recentemente no Brasil.

210
FIGURA 18 – IFOOD É INVADIDO POR MEMBRO DE EMPRESA PARCEIRA DA PLATAFORMA

FONTE: <https://bit.ly/3q43O6p>. Acesso em: 1 fev. 2022.

Os fenômenos do hacktivismo e do ciberterrorismo, portanto, se aproximam pela


questão de as ações de espionagem e/ou invasão de sistema serem dirigidas por atores
não estatais com motivações políticas. Entretanto, ambos possuem uma diferença
fundamental: hacktivistas invadem sistemas, mas possuem narrativas desprovidas
de terror, querem destaque a uma determinada pauta, uma espécie de protesto, não
objetivam assassinatos ou consequências de larga escala ou inviabilidade ou sabotagem
de serviços essenciais, como é o caso do ciberterrorismo (SINGER; FRIEDMAN, 2014).

Retornando ao ciberterrorismo, organizamos o Quadro 2 com intuito de


esclarecermos os métodos e o funcionamento, de maneira geral, de ciberataques:

211
QUADRO 2 – O FUNCIONAMENTO DOS CIBERATAQUES

MÉTODOS UTILIZADOS EM
PASSO A PASSO DE UM CIBERATAQUE
CIBERATAQUES

Botnets: Redes de sistemas que têm o


objetivo de controlar remotamente os apa-
relhos e distribuir programas maliciosos.
1. Pesquisa – Compilar e analisar a
informação que existe sobre o alvo, para
Engenharia social: Técnica que tenta
identificar vulnerabilidades e decidir
enganar as vítimas para que elas com-
quem serão as vítimas.
partilhem informações confidenciais. O
phishing – na qual a vítima é levada a en-
2. Transporte – Chegar ao ponto fraco da
trar em sites que parecem autênticos, mas
rede informática que se quer penetrar.
não o são – é um dos tipos mais usados.
Pode-se usar métodos como:

Ataque de negação de serviço (DDoS,


• Replicar um site que a vítima usa com
na sigla em inglês): Ocorre quando um
frequência.
site é "derrubado", e os usuários não
• Entrar na rede da organização.
conseguem acessá-lo.
• Enviar um e-mail com um link para
um site malicioso ou com um arquivo
Ameaça persistente avançada (APT,
anexo infectado com algum vírus.
na sigla em inglês): Ocorre quando o
• Conectar em um computador da rede
organizador do ataque entra no sistema
um pendrive com códigos maliciosos.
operacional de uma empresa que tenha
informações valiosas e permanece ali,
3. Entrada – Explorar essa vulnerabilidade
sem ser detectado, por um longo tempo. O
para obter acesso não autorizado. Para
objetivo é roubar informação, e não danifi-
conseguir isso, é preciso modificar o
car a rede da organização. Muitas vezes, a
funcionamento do sistema, penetrar
entrada ocorre através dos computadores
nas contas dentro da rede e conseguir
de funcionários mais baixos da empresa,
o controle do computador, celular ou o
mas que estão conectados à rede.
tablet do usuário.

Ataque man-in-the-middle (homem


4. Ataque – Realizar atividades dentro do
do meio, em tradução livre): Ocorre
sistema para conseguir o que o hacker quer.
quando um hacker intercepta a
comunicação entre duas partes, sem que
elas percebam.

FONTE: Adaptado de <https://bbc.in/37vgmx6>. Acesso em: 1 fev. 2022.

212
Outro ponto deve ser salientado: o envolvimento do Estado em ciberataques,
o que nos leva também a um impasse teórico, tendo em vista que o ciberterrorismo
é entendido a partir de ações terroristas protagonizadas por agentes não estatais no
ciberespaço. Entretanto, para Alcântara:

[...] os Estados são pragmáticos quanto aos seus interesses. Além


disso, como a atribuição e a consequente responsabilização dos
Estados, sob a jurisdição da atual legislação internacional, são
dificultadas pelo anonimato que o ciberespaço proporciona, eles
podem desempenhar um papel indireto no desenvolvimento de
grupos ciberterroristas (ALCÂNTARA, 2018, p. 75).

Assim, órgãos de inteligência ou espionagem estatais podem estar envolvi-


dos em ciberataques com objetivos militares, econômicos, geopolíticos, entre outros
(Figura 19):

FIGURA 19 – ENVOLVIMENTO DE ESTADOS EM CIBERATAQUES

FONTE: <https://glo.bo/3KIt4qB>. Acesso em: 1 fev. 2022.

NOTA
“Qualquer Estado que tenha órgãos de inteligência bem estabelecidos
– com conhecimento e com uma missão – tem a possibilidade e a
capacidade de realizar ciberataques", afirma Don Smith. Os países
que realizavam atividades de inteligência e espionagem nas décadas
passadas continuam fazendo-o, mas agora através da internet. É até
mais fácil e mais barato.
FONTE: <https://bbc.in/37vgmx6>. Acesso em: 1 fev. 2022.

No que se refere à espionagem como forma de insegurança governamental


e pessoal dos indivíduos em exercício governamental, podemos mencionar o caso do
Brasil, quando o WikiLeaks divulgou o nome das autoridades brasileiras espionadas
(através de grampos, e-mails, entre outros) pela NSA (Agência Nacional de Segurança),
dos Estados Unidos.

213
Entre os membros do então governo da ex-presidente Dilma Rousseff, também
grampeada (o número de telefone via satélite vinculado ao avião presidencial estava
na lista da NSA), estavam o ex-chefe da Casa Civil Antonio Palocci; o ex-ministro
do Planejamento, Nelson Barbosa; o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional, general José Elito Siqueira, responsável pela segurança da presidente da
República; e o ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Alberto Figueiredo.

Em recente sessão no Senado Federal, cujo tema foi “Terrorismo e ameaças


cibernéticas no século XXI: os inimigos sem rosto”, tal evento foi recordado:

O professor Gills Vilar, da Universidade Federal de Rondônia (Unir), apontou


que, principalmente depois do atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro de
2001, grupos não estatais passaram a usar recursos tecnológicos como um novo
caminho para o terrorismo. Segundo Vilar, o uso das redes sociais, em que “todos
falam com todos”, permitem a disseminação das ideologias terroristas. Ele lembrou
que já houve casos de autoridades brasileiras espionadas pelo governo dos Estados
Unidos, destacou que um terrorista cibernético é capaz de comprometer vários
serviços governamentais e defendeu o fortalecimento dos órgãos de inteligência
do Brasil.

FONTE: <https://bit.ly/3q0Z29K>. Acesso em: 1 fev. 2022.

No entanto, assim como alguns Estados podem praticar ou fomentar ataques


cibernéticos, considerando a heterogeneidade do poder entre eles, podem, por outro
lado, cooperar no combate aos mesmos através de iniciativas ou acordos coletivos
que compartilham experiências e expertise em segurança de dados, combate a
ciberataques, investigação de grupos ciberterroristas, entre outras ações. O texto a
seguir retrata esforços de alguns países nesse tipo de cooperação:

Estados Unidos e Uruguai unem esforços contra crimes cibernéticos

Entre as principais ameaças para 2022 estão o ciberterrorismo, a


ciberchantagem, o cibersequestro, o vazamento de dados e o roubo de carteiras
eletrônicas e criptomoedas, informa o relatório Previsões de Segurança 2022, da
empresa de segurança cibernética DigiCert.

Nos dias 1º e 2 de dezembro de 2021, especialistas das câmaras uruguaias de


Tecnologia de Informação e Economia Digital e as embaixadas do Canadá, Estados
Unidos, Reino Unido e União Europeia no Uruguai compartilharam inteligência
e experiências em cibersegurança com entidades governamentais e privadas
uruguaias, através do seminário digital O futuro está aqui: Oportunidades e Desafios
de Cibersegurança, informou a Embaixada dos EUA em um comunicado.

214
Os participantes revisaram sistemas cibernéticos para implementar
segurança em cidades, infraestruturas cruciais, vigilância pública, respeitando a
privacidade e as liberdades civis, bem como métodos de detecção e reação diante
de ameaças e ataques.

“Os Estados Unidos podem auxiliar melhor se ajudarem seus aliados


e parceiros da América Latina e do Caribe a desenvolver suas capacidades
cibernéticas”, disse Alex Crowther, professor da Universidade Internacional da
Flórida, à ONG norte-americana Atlantic Council, depois que a Microsoft informou,
no dia 6 de dezembro, que um grupo de piratas de informática chineses denominado
NICKEL dirige ataques a grandes áreas do setor público e privado na América Latina.

“As perdas econômicas globais devido aos crimes cibernéticos ultrapassa-


ram US$ 1 trilhão em 2020 e continuam aumentando. Estima-se que custariam às
nações mais de US$ 5 trilhões em 2021”, explicou a Embaixada dos EUA.

FONTE: <https://defesa.com.br/estados-unidos-e-uruguai-unem-esforcos-contra-crimes-
ciberneticos/>. Acesso em: 1 fev. 2022.

Concluímos, portanto, que o debate a respeito do conceito de ciberterrorismo


é amplo e segue em aberto, sendo necessários que os diferentes países do mundo
busquem esforços cooperativos no combate as redes de ciberterrorismo e à segurança
digital sem que ocorram prejuízos às liberdades e garantias fundamentais oferecidas
pela democracia, isto é, em nome da cibersegurança não devemos caminhar para um
Estado de vigilância ou Estado terrorista, como alertam Wykes e Harcus (2010).

NOTA
A obra explora o surgimento do conflito cibernético como a principal
estratégia na competição e sabotagem entre nações. A produção
conta com entrevistas exclusivas com políticos, oficiais militares e de
inteligência e oferece uma visão ampla sobre esses novos pontos de
vulnerabilidade durante as eleições presidenciais.

4 O DEBATE SOBRE CIBERTERRORISMO NO BRASIL


Lasmar (2015) reconhece que o Brasil não está ameaçado atualmente por
nenhum grupo terrorista internacional. Todavia, salienta que a mídia e os demais
observadores do tema limitam-se aos ataques e não a outros elementos que auxiliam

215
na reprodução ou sustentação desses grupos, tais como: captação de membros,
propaganda, divulgação, busca por recursos etc. Para o autor, relatos, operações e
investigações realizadas pela Polícia Federal (PF) nas últimas décadas demonstram que
existem atividades atreladas ao terrorismo internacional sendo desenvolvidas no Brasil:

É importante relembrarmos, ainda, que o terrorismo religioso não


é a única possibilidade de ocorrência de atividade terrorista no
Brasil. Existem, por exemplo, registros de casos de crimes raciais
violentos em estados como São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul
por indivíduos e grupos como Carecas do Subúrbio, Carecas do ABC
e White Power que podem estar relacionados ao uso de material com
conteúdo terrorista. Da mesma forma, a adoção de táticas e técnicas
terroristas por grupos narcotraficantes tem sido outra preocupação
das autoridades. Lembramos ainda que as longas e porosas fronteiras
brasileiras, somadas a uma capacidade de vigilância e controle
insuficientes, podem levar a infiltrações de grupos que se utilizam
da violência política, tais como as FARCS em território nacional
(LASMAR, 2015, p. 53).

Ainda sob o olhar de Lasmar (2015), há a ressalva a respeito da ausência de


instituições e/ou organismos de Estado que façam o diálogo, intermédio ou síntese das
diversas ações esparsas ou isoladas realizadas de maneira coadjuvante pelos órgãos já
existentes, seja por meio de secretarias ou segmentos ditos especiais no interior deles.

Nesse sentido, são mencionados pelo autor, no âmbito federal (como parte da
Polícia Federal) a Diretoria de Polícia Judiciária, a Divisão Antiterrorismo, a Coordenação
Geral de Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras, a Coordenação Geral de Ordem
Pública e Social, a Coordenação Geral de Combate ao Crime Organizado e Inquéritos
Especiais e a Coordenação Geral do Comando de Operações Táticas (LASMAR, 2015).

O autor também menciona a existência de órgãos subsidiárias às polícias


estaduais em Unidades Federativas brasileiras, bem como o papel do COAF (Conselho
de Controle de Atividades Financeiras) no combate a um importante braço do terrorismo
internacional e, consequentemente, do ciberterrorismo: o financiamento das ações
desses grupos:

[...] o COAF atua na detecção e combate ao financiamento ao


terrorismo através de ações de inteligência financeira. [...] também
realiza a verificação para o congelamento de fundos ou bens
ligados a terroristas ou organizações terroristas constantes na
lista emitida pelo Conselho de Segurança da ONU consoante suas
resoluções n. 1267 e 1373, muito embora não tenha encontrado
nenhum bem relacionado a essa lista até o presente momento
(LASMAR, 2015, p. 54).

216
DICA
Como sugestão, indicamos os dois vídeos a seguir. O primeiro do
Exército Brasileiro e outro do Ministério da Defesa. Ambos apresentam
esforços de órgãos de Estado no combate a ciberataques, considerando
a segurança cibernética como elemento integrante da segurança
nacional. Disponíveis em:
https://www.youtube.com/watch?v=yd37sX8U3Gg e
https://www.youtube.com/watch?v=FqJidxCKpA0.

Para o autor, falta também a construção de legislação mais robusta a respeito


do tema, ainda que isso implique discussões acaloradas e cuidados necessários que
garantam o ambiente democrático:

É compreensível, portanto, o receio brasileiro em se adotar uma


legislação sobre o assunto, bem como o temor de que grupos de
movimentos sociais legítimos venham a ser taxados de grupos
terroristas. Também não podemos nos esquecer que esse é um
assunto espinhoso que leva ao limite a tensa e tênue divisória
existente entre o dever do Estado de proteger seus cidadãos
e seu dever de garantir os direitos e garantias fundamentais
de seus indivíduos. Não há dúvidas de que qualquer legislação de
prevenção e combate ao terrorismo é complexa, possui um alto custo
social e institucional de implementação e, certamente, levantará
oposição (LASMAR, 2015, p. 55-56, grifo nosso).

Nessa mesma linha temos Alcântara (2015), que aponta a necessidade de


legislação interna que tipifique o que é terrorismo para o Brasil. Esta autora, inclusive,
destaca outros elementos importantes para a realidade nacional, entre eles: construção
de uma cultural de segurança contra o terrorismo, em suas ações virtuais ou não;
assegurar a capilaridade das comunicações eletrônicas internas e externas ao território
nacional; e, por fim, fortalecer as instituições responsáveis pelas ações antiterroristas
(ALCÂNTARA, 2015).

A evento exemplificado na Figura 17 mostra a existência de discussões re-


centes no Congresso Nacional a respeito de segurança cibernético e ciberterrorismo.
Estiveram presentes neste debate embaixadores, deputados federais, senadores e
especialistas, em especial aqueles envolvidos em comissões ou órgãos de Estado vol-
tados a área de relações internacionais.

217
FIGURA 20 – FOTOGRAFIA DA AUDIÊCNIA PÚBLICA INTITULADA “TERRORISMO E AMEAÇAS CIBERNÉTI-
CAS NO SÉCULO XXI: OS INIMIGOS SEM ROSTO”.

FONTE: <https://bit.ly/3q0Z29K>. Acesso em: 1 fev. 2022.

O coordenador-geral de Defesa da Secretaria de Assuntos Estratégicos da


Presidência da República, Marcus Vinícius Reis, apontou que a tecnologia permite uma
maior descentralização das células terroristas – trazendo mais dificuldade no combate
ao terror. Segundo Reis (2017), até a questão da soberania precisa ser repensada, em
função da ausência de limites do tráfego das informações terroristas. Ele admitiu que
“é impossível prever todos os ataques”, mas defendeu a ampliação dos setores de
inteligência do governo, ao apontar que a inteligência é essencial na luta contra o terror,
principalmente na prevenção de atos terroristas (SENADO, 2017).

218
LEITURA
COMPLEMENTAR
A GEOGRAFIA DA MOEDA NA ERA DIGITAL

Luiza Peruffo
André Cunha
Andrés Ferrari

O Banco Central do Brasil (BCB) faz parte do crescente número de autoridades


monetárias que estuda a possibilidade de emitir uma moeda digital – e que até
agora foi posta em prática somente pelo Banco Popular da China. De acordo com os
estudos recentes do Banco Internacional de Compensações (Bank for International
Settlements – BIS), as iniciativas neste sentido avançaram significativamente depois
que o Facebook anunciou a criação da Libra e com o advento da Pandemia do Covid-19.

Na última sexta-feira, foi anunciada a criação de um Grupo de Trabalho


Interdepartamental (GTI) que irá estudar as tecnicalidades da emissão de uma moeda
digital pelo BCB. Ainda que o GTI seja oficialmente de “natureza consultiva”, a coordenação
do grupo pelo Departamento de Tecnologia da Informação sugere que a decisão em si
já foi tomada. Essa especulação também se fundamenta nas transformações recentes
do sistema monetário e financeiro internacional (SMFI), que tem experimentado uma
proliferação de moedas digitais e o surgimento de um criptomercado.

O interesse dos bancos centrais pelas moedas digitais é uma resposta às


inovações financeiras advindas dos agentes privados e de transformações mais amplas
da sociedade em curso especialmente na última década. À exceção da China, por
enquanto as demais moedas digitais são todas emitidas por agentes privados, e têm se
multiplicado desde que o bitcoin abriu o caminho para pagamentos descentralizados
usando tecnologia blockchain. O apelo das moedas digitais está na possibilidade de fazer
transações sem intermediários financeiros. É como se alguém pudesse entregar uma
mala de dinheiro (agora digital) no país A estando no país B. Transações que envolvem
entregas de malas de dinheiro normalmente são aquelas que os agentes envolvidos não
desejam o conhecimento do governo. De acordo com um estudo recente do Parlamento
Europeu, essas transações “suspeitas” corresponderiam por cerca de metade das
transações anuais com bitcoins. Mas a facilitação de atividades ilícitas não explica todo
o sucesso das moedas digitais.

Diferentemente de inovações financeiras anteriores, a moeda digital de fato


revoluciona a arquitetura dos meios de pagamentos ao criar o conceito de token digital.
Na era da revolução tecnológica, uma série de novidades tem mudado o relacionamento

219
da sociedade com o sistema financeiro para fazer e receber pagamentos. Aplicativos
de celular que permitem transações instantâneas e sistemas mais seguros de acesso
utilizando a tecnologia digital, por exemplo, melhoram a experiência do usuário, mas
não desafiam a lógica do banco de debitar quem paga e creditar quem recebe. Em
contraste, a moeda digital altera o padrão que impõe a necessidade do encontro físico
das contrapartes para executar pagamentos com moeda token, o que representa uma
mudança fundamental na arquitetura dos meios de pagamentos como conhecemos
até agora.

Esta transformação parece ser mais um passo na integração dos mercados


financeiros, e cria o contexto para um potencial acirramento na concorrência que
caracteriza as relações monetárias e financeiras nos planos doméstico e internacional.
Enquanto os Estados têm a prerrogativa (ao menos em tese) de exigir o curso forçado
de sua moeda no ambiente doméstico, no âmbito internacional a inexistência de uma
autoridade monetária supranacional significa que as moedas, e crescentemente outros
ativos financeiros, concorrem entre si para executar as funções de unidade de conta,
meio de troca e reserva de valor para agentes públicos e privados. Na medida em
que as relações monetárias possuem um elemento importante de externalidades em
rede, onde o comportamento de um agente influencia o comportamento dos demais,
a concentração das operações em um número relativamente pequeno de moedas é
quase que um corolário natural do ambiente de concorrência. Vale dizer, tanto sob o
ponto de vista público quanto privado, faz sentido a escolha individual de utilizar os
mesmos meios de pagamento que seus principais parceiros econômicos. Se todos
aceitam dólares, escolho operar em dólares e, portanto, pago e recebo nesta moeda.
Nesta perspectiva operacional e prática, é perfeitamente racional eleger algumas
moedas nacionais (ou supranacionais) para operar em transações internacionais.

Por trás da racionalidade dos agentes econômicos, a guerra política corre solta,
já que a moeda é um instrumento de poder de quem a emite. Emitir o instrumento
que se torna o “elo entre os agentes econômicos” cria o incentivo para que eles
tenham interesse em preservar a sua existência. Essa noção foi traduzida no conceito
de entrapment (“armadilha”) proposto por Jonathan Kirshner em seu livro Currency
and Coercion (1995) para analisar como questões sistêmicas funcionam para explicar
as estruturas de incentivos materiais dos agentes. Por exemplo, conforme os países
acumulam reservas internacionais, eles acabam adquirindo interesse na estabilidade e
no valor desta moeda, criando certa afinidade entre seus interesses e os interesses do
país emissor.

Nesse sentido, a moeda gera uma relação de dependência com o emissor,


pois ao aceitar uma moeda como forma de pagamento eu aceito algo que, em si, não
tem valor. O papel pintado pelo BCB ou o registro das bitcoins na tela do computador
não servem para nada a menos que alguém as aceite em troca de bens ou serviços.
No meio do deserto é melhor ter um galão d’água do que moedas de ouro. Ter ouro
só faz sentido no momento em que você encontra alguém com um galão d’água que

220
aceite o seu ouro em troca da água que você precisa para não morrer de sede. A moeda,
portanto, depende do outro. Ela é uma construção social. Assim, ainda que faça sentido
concentrar os pagamentos internacionais em algumas poucas moedas, é importante
perceber que as preferências dos agentes econômicos não surgem por acaso, e que
existe uma disputa permanente para ser aquele que emite a moeda que é aceita por
todos, ou por uma grande maioria dos agentes.

O surgimento da moeda digital e a vanguarda chinesa entre seus pares oferece


um pano de fundo inédito para analisarmos as relações entre moeda e poder no SMFI
porque ela cria um novo ponto de tensão na disputa internacional pelo poder monetário.
Vale dizer, a internacionalização monetária é largamente um fenômeno que ocorre no
mercado, refletindo as preferências dos diversos agentes. No entanto, como as moedas
são emitidas por estados, o poder derivado da internacionalização normalmente é
manifestado nas relações interestatais. É sobre estas tensões entre estados e mercados
no âmbito monetário que nos debruçamos a seguir para depois especular sobre o
potencial disruptivo da moeda digital da China na hierarquia do SMFI, liderado de longe
pelo dólar desde o pós-guerra.

Moeda e poder do Estado

A cada momento, apenas algumas moedas nacionais desempenham um papel


internacional. As moedas que se destacam no uso internacional são emitidas pelos
estados mais poderosos, como colocado por Robert Mundell, “grandes potências têm
grandes moedas”. A experiência histórica sugere que existe alguma conexão entre
moeda e poder do estado, mas não é óbvio como isso ocorre: ser uma grande potência
é o que torna a moeda competitiva ou ter uma moeda competitiva é o que torna um
estado uma grande potência? O nexo de causalidade aponta para as duas direções.

De um lado, ser uma grande potência torna uma moeda competitiva. Saindo
como os grandes vencedores da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se
encontraram na posição de consolidar a sua moeda formalmente no topo da hierarquia
monetária. Vale dizer, a posição que o dólar assumiu no SMFI foi uma decisão política
com base no poder assimétrico desfrutado pelos Estados Unidos no pós-Guerra. No
arranjo de Bretton Woods, que vigorou até o início da década de 1970, o dólar era a
enésima moeda: todas as moedas eram fixas com relação ao dólar e apenas o dólar
era fixo em ouro. Na prática, isso significava que, enquanto os Estados Unidos podiam
perseguir seus objetivos domésticos sem serem constrangidos pelo ajuste externo,
todos os demais tinham que subordinar seus objetivos domésticos ao ajuste externo
para manter a paridade com o dólar, que era a base do arranjo internacional. O então
ministro da economia de Charles de Gaulle, Valéry Giscard d’Estaing, definiu essa
liberdade macroeconômica dos Estados Unidos como um “privilégio exorbitante”.

221
De outro lado, emitir uma moeda internacionalmente competitiva também
serve para aumentar o poder do estado. Os Estados Unidos já haviam ultrapassado
a Grã-Bretanha em termos de tamanho econômico absoluto nos anos 1870, já eram
a principal potência comercial em termos de valor de comércio exterior em 1913 e os
maiores credores internacionais ao final da Primeira Guerra Mundial. Ou seja, apesar
de a decisão política de um arranjo internacional formal em torno do dólar ter sido
feita apenas nos anos 1940, o dólar virou a moeda líder de reserva internacional em
meados dos anos 1920, ainda que a libra tenha retomado a liderança por um breve
período depois de 1931. O arranjo de Bretton Woods veio para coroar (e reforçar) uma
dominância que já ocorria na prática.

A frustração dos franceses era (e ainda é) compartilhada por diversos países, e


muitos acreditavam que os Estados Unidos perderiam essa vantagem quando o resto do
mundo não fosse obrigado a manter a paridade com o dólar. Contrariando a expectativa
de muitos “declinacionistas”, o domínio e o privilégio exorbitante dos Estados Unidos
aumentaram desde o fim do Sistema Bretton Woods, mesmo com o relativo declínio
econômico da economia americana. O privilégio exorbitante pode ser entendido como
a facilidade unilateral que os Estados Unidos têm de poder pagar com dólares suas
dívidas internacionais. Isto significa que o dólar não é um meio imparcial de trocas
internacionais, na medida em que representa a emissão de crédito para um Estado.
Uma das maiores consequências de ser o hegemon do SMFI é a habilidade de emitir
títulos que são altamente demandados pelo resto do mundo.

Isso sugere que a relação entre moeda e poder do Estado é mútua. Uma moeda
é tanto causa quanto fonte de poder de um Estado. O ponto de partida para entender a
importância de emitir uma moeda competitiva nas relações monetárias internacionais
está no balanço de pagamentos. As relações de comércio e investimento provocam
fluxos monetários que resultam em superávits ou déficits para os países. As economias
estão todas ligadas pelos seus balanços de pagamentos: o déficit de uma é o superávit de
outra. O risco de um desequilíbrio insustentável no balanço de pagamentos representa
uma ameaça permanente para a independência de política econômica. Imagine se o
governo brasileiro pudesse simplesmente ter emitido dívida em reais ou moeda para
pagar seus credores internacionais nos anos 1980 e ter evitado a crise da dívida externa,
a exemplo do que o governo Estados Unidos pode fazer justamente porque sua moeda
e os ativos denominados nela são aceitos mundo afora. Ou, como colocou o economista
francês Jacques Rueff nos anos 1970, a possibilidade de ter “déficits sem lágrimas”.

Ainda que poucos duvidem que emitir uma moeda de uso internacional
influencia o poder de um estado, entender exatamente através de quais canais isso
ocorre não é uma tarefa fácil. O primeiro passo é perceber (i) que as moedas não “são”
internacionais, elas “estão” internacionais; e (ii) que os usos internacionais da moeda
(unidade de conta, meio de troca e reserva de valor nos níveis público e privado), ainda
que estejam todos inter-relacionados, diferem em relação ao quanto eles adicionam
para o privilégio exorbitante dos Estados. Destrinchar como cada um destes usos

222
contribui para a internacionalização das moedas e para o poder do Estado emissor é
o próximo passo para entender como a moeda digital da China pode contribuir para
catalisar possíveis transformações no SMFI.

O papel dos agentes privados na determinação da hierarquia monetária

Os agentes privados têm um papel fundamental na determinação de quais


moedas ocuparão o topo da hierarquia monetária. Se a ideia de um poder baseado na
internacionalização da moeda nacional significa ter a capacidade de não fazer o ajuste
externo enquanto outros o fazem, como sugere Benjamin J. Cohen em sua influente
obra, então o passo inicial para entender a fonte daquele poder é olhar para os papéis
internacionais que as moedas podem assumir. A simples demanda internacional
por uma moeda nos diz muito pouco sobre o seu papel enquanto moeda no cenário
internacional. Ora, os agentes podem demandar a moeda brasileira – ou títulos nela
denominados – simplesmente porque o diferencial de juros do Real em relação às
outras moedas oferece um bom retorno financeiro. Mas isso é uma demanda do Real
enquanto ativo financeiro, não enquanto moeda. A demanda de uma moeda enquanto
moeda deve ser analisada a partir daquilo que define o que é uma moeda, ou seja, da
sua capacidade de funcionar como unidade de conta, meio de troca e reserva de valor
no âmbito internacional.

A matriz proposta por Cohen nos anos 1970, e que replicamos a seguir, é
utilizada até hoje para analisar o uso internacional das moedas. Essa matriz combina
as três funções da moeda com dois níveis de análise, privado e oficial (público). No
nível privado, as moedas podem ser demandadas para denominar e liquidar contratos,
para o comércio de divisas e para investimento. No nível do estado, uma moeda pode
ser demandada para funcionar como âncora de outras moedas (o dólar como âncora
cambial na primeira fase do Plano Real, por exemplo), como moeda de intervenção (ou
seja, a moeda que o Banco Central usa para balizar os movimentos da taxa de câmbio)
e para compor as reservas internacionais de um país.

Os papéis de uma moeda internacional

Funções da Moeda

Nível de análise Unidade de conta Meio de troca Reserva de valor

Comércio de divisas,
Denominação de
Privado liquidação de trocas Investimento
contratos
comerciais

Reservas
Oficial Âncora Intervenção
internacionais

223
FONTE: Adaptado de COHEN, B. J. Currency and State Power, em Finnemore e Goldstein (Ed.) Back
to Basics: State Power in a Contemporary World. New York: Oxford University Press, 2013, p. 165.

Todos os seis papéis internacionais que uma moeda pode assumir apresentam
algum benefício econômico para o emissor, mas os benefícios políticos são mais
concentrados em determinadas funções. Vale dizer, o benefício político significa que
a demanda da moeda para determinada função aumenta a capacidade de o estado
emissor postergar ou dividir o custo do ajuste do balanço de pagamentos com o resto
do mundo. Isso vai acontecer quando o uso internacional da moeda em determinada
resultar em um acúmulo da moeda internacional para além de suas fronteiras que
permita o país emissor financiar seus déficits externos.

No nível privado, a internacionalização de uma moeda tanto na função de


unidade de conta quanto na função meio de troca gera benefícios de menores custos
de transação para os residentes e empresas locais. Os residentes têm a vantagem de
o resto do mundo aceitar a sua moeda quando vão viajar, por exemplo, enquanto as
empresas podem operar no exterior sem se expor ao risco cambial. Provavelmente o
setor mais beneficiado nesse sentido é o setor bancário, que pode emprestar para além
de suas fronteiras se assim a legislação dos países devedores permitir. No entanto, o
benefício político é menos claro nestas duas funções, pois não necessariamente relaxa
o constrangimento tradicional do balanço de pagamentos. Diferentemente das funções
de unidade de conta e meio de troca, a demanda de uma moeda para a função de reserva
de valor no nível privado, ou seja, as moedas que se destacam nos mercados financeiros,
geram um ganho político para seus emissores na medida em que os estrangeiros retêm
a moeda nacional. Voltaremos a este ponto mais adiante para analisar como a moeda
digital da China se encaixa aqui.

No nível oficial, as funções de unidade de conta e meio de troca também


não apresentam um claro benefício político. Emitir uma moeda que funciona como
âncora cambial para os demais pode aumentar a reputação de um país, por exemplo,
mas pouco ajuda para aumentar sua flexibilidade macroeconômica. Pelo contrário, se
outros países usam sua moeda como âncora, o emissor pode ter dificuldade de utilizar
o câmbio enquanto política macroeconômica. Uma lógica semelhante de benefícios
políticos ambíguos se apresenta para a questão da intervenção cambial. No caso da
função de reserva de valor, os efeitos do papel das reservas internacionais lembram
muito os do papel do investimento. Na medida em que o resto do mundo escolhe reter
a moeda nacional, isso equivale a um empréstimo subsidiado do resto do mundo para
o estado emissor.

Ainda que seja útil analisar separadamente os efeitos que cada possível uso
internacional de uma moeda traz para seu emissor, é importante perceber também que
os seis papéis estão, em maior ou menor grau, inter-relacionados. Uma moeda que se
sobressai em um determinado uso cria uma vantagem para se sobressair nas demais.
O dólar hoje domina em todas estas áreas, e isso faz parte do processo de inércia e
retroalimentação que caracteriza o uso internacional das moedas. O ponto desse

224
exercício de tentar distinguir o efeito de cada papel da moeda para o poder do Estado
é tentarmos entender por onde as transformações do SMFI iniciam; qual é o calcanhar
de Aquiles da moeda-líder que as concorrentes podem explorar para galgar posições na
concorrência internacional.

Mesmo que o papel de reserva de valor gere um benefício político maior para
o estado emissor do que o papel de investimento, Cohen sugere que é este último é o
que dá início ao processo de internacionalização de uma moeda. Ele argumenta que
o papel das reservas internacionais é mais poderoso do que o papel do investimento
porque o segundo está dividido entre mais atores que o primeiro (isto é, existem mais
agentes privados do que agentes públicos) e, portanto, é mais difícil efetivar o potencial
de influência que decorre do ganho inicial de autonomia. Além disso, o fato de que
mais moedas concorrem na função de investimento do que na função de reservas
internacionais também significa que o papel de reserva internacional é mais poderoso
do que o do investimento.

No entanto, o papel do investimento é essencial para uma moeda emergir como


moeda de reserva internacional. Enquanto nem todas as moedas utilizadas para inves-
timento são moedas de reserva internacional, todas as moedas de reserva internacional
são também moedas de investimento. Primeiro vem o papel do investimento e, depois,
o de reserva internacional. O elo causal, argumenta Cohen, é o papel do comércio (uni-
dade de conta e meio de troca no nível privado), que determina qual entre diversas
moedas utilizadas para investimento vai emergir como reserva internacional também.

A dominância combinada nestas três esferas – mercados financeiros, comércio


e reservas internacionais – é o que produz o privilégio exorbitante. No mercado
financeiro e nas reservas internacionais, o poder do estado emissor aumenta porque
aumenta a autonomia de política econômica tornando mais fácil postergar ou dividir o
custo do ajuste do balanço de pagamentos. O papel no comércio é importante porque
influencia as preferências dos bancos centrais para acumular reservas. A demanda
do setor privado pelas moedas nacionais para usos internacionais tem, portanto, um
papel fundamental em todos os níveis, pois influencia as preferências dos governos: a
moeda que vai funcionar como âncora cambial ou aquela que vai balizar as intervenções
cambiais normalmente é aquela em que o comércio é denominado e liquidado, e isso
também vai balizar a composição das reservas internacionais.

O advento das moedas digitais criou um espaço que antes não existia nas
relações do SMFI. Para forçar o exemplo, daria para comparar em algum nível com o
surgimento de aplicativos de transporte como a Uber. Ainda que alguns usuários
do transporte público e do táxi tenham migrado para a Uber e outros aplicativos de
transporte, na prática se criou um novo mercado de usuários – que tinham seus próprios
carros, andavam a pé ou de bicicleta – e que tem revolucionado o setor de transportes
como um todo. É possível especularmos que as moedas digitais estão criando as bases
para uma revolução semelhante nas relações monetárias e financeiras internacionais.

225
Se isso for verdade, a China saiu na frente para influenciar as preferências dos agentes
privados que, eventualmente, poderia se transferir para os agentes públicos e concretizar
mudanças mais amplas na arquitetura do SMFI centrado no dólar.

A disputa pelo privilégio exorbitante na era digital

O pioneirismo da China em lançar a primeira moeda digital estatal não é por


acaso. O governo chinês acumula motivos de economia política doméstica e internacional
para servir de cobaia ao experimento da moeda digital estatal. Domesticamente, os
pagamentos utilizando aplicativos de grandes empresas de tecnologia como Alipay e
WeChat representam 16% do PIB da China, contra menos de 1% nos Estados Unidos e
no Reino Unido. Ou seja, o custo para o governo chinês ficar de fora desse segmento
é muito maior do que em outros países. Isso se soma à centralização que caracteriza
o Estado chinês e à oportunidade que os meios de pagamentos digitais representam
para um maior controle de suas políticas públicas, com implicações explícitas para
sua estratégia mais ampla de posicionamento na ordem internacional. As empresas
chinesas estão disputando, e por vezes liderando, a fronteira tecnológica em áreas
como 5G, comércio eletrônico e produção de equipamentos de telecomunicações. Se
posicionar enquanto a primeira moeda digital pública nesses segmentos antes que
outros o façam – e possivelmente garantir a liderança no que promete ser o futuro da
economia global – parece valer os riscos e as incertezas para quem tem ambições de
desbancar a liderança do dólar como principal moeda de reserva internacional.

Se Cohen está correto, a mudança será liderada pelas preferências dos agentes
privados, que então moldarão as preferências dos governos. Mesmo assim, parece que
o governo também tem um papel importante, especialmente no início, de moldar as
preferências dos agentes, especialmente aqueles governos com condições de operar
como importantes credores do SMFI. Por exemplo, imagine uma empresa que recebe
financiamento do governo chinês para fazer uma obra no exterior. Imagine que o governo
chinês passe a ofertar o financiamento em iuane digital, e também exija o pagamento na
mesma moeda. Imagine que essa empresa vai poder pagar suas empresas fornecedoras,
que também têm dívidas com o governo chinês, e que seus funcionários também vão
aceitar receber seus salários em iuane digital, pois eles agora pagam seus impostos em
iuane digital, além é claro das compras online que também aceitam iuane digital como
forma de pagamento. Tudo isso se articula para criar uma rede de agentes que aceitam
o iuane digital, na China e para além de suas fronteiras.

Aqui voltamos a um ponto já explorado em artigos anteriores, em que enfati-


zamos que o ponto essencial não é a forma da moeda, sobre ela ser digital ou não. É
sobre ser a moeda digital da China, que tem o conteúdo, o lastro da economia chinesa
e que, além disso, está entrando em um setor que o dólar ainda não está. Se estamos
falando de um mundo que vai evoluir cada vez mais para pagamentos digitais, onde
as empresas e os agentes econômicos estão interessados em operar desta forma, e
a China ocupa um lugar que os Estados Unidos não têm como ocupar, ela está tendo
a vantagem do primeiro movimento. Um eventual dólar digital vai ter o trabalho de
desbancar a moeda chinesa.
226
É claro que isso tudo são especulações sobre as possibilidades de um futuro
ainda não realizado e, para além das incertezas dos custos e benefícios da moeda digital
que os bancos centrais do mundo estudam e que a China vai experimentar na prática, a
China também enfrentará as desvantagens de sua posição atual na hierarquia monetária.
O acesso limitado que os estrangeiros têm ao mercado de capitais chinês, para citar
apenas um exemplo, é um limite que desafia a internacionalização da moeda chinesa,
seja ela física ou digital. Esse é um ponto que o governo chinês está tendo que lidar e
que o dólar sai na frente pelo simples fato de já ser a moeda mais amplamente aceita.

A pergunta que não sabemos responder ainda é: o quanto o dólar se prejudica


por não existir em formato digital? Isso é, o quanto os agentes econômicos vão valorizar
a moeda digital em relação às alternativas do token físico e da moeda baseada no
intermediário financeiro, que já existe em formato digital. Tentando novamente fazer
um paralelo forçado com outras inovações recentes, a Netflix desbancou a Blockbuster
porque agregou muito valor para o usuário, que não precisa buscar e devolver o filme
na locadora, que não tem multa por atraso (ou por não rebobinar a fita cassete, para
aqueles que viveram a era pré-DVD) e que pode cancelar a qualquer hora sem grandes
burocracias (a exemplo de concorrentes anteriores como a TV a cabo). Para além
da questão mais ampla e, até agora relativamente intangível, do que vai significar a
possibilidade de operar sem intermediários financeiros, como será que a moeda digital
vai revolucionar os meios de pagamentos? A moeda digital é diferente do pagamento
via aplicativo, da moeda digital registrada nos bancos e das notas físicas; ela vai ter
benefícios que só vão ser descobertos conforme seu uso for disseminado. Os benefícios
da criptografia, por exemplo, só foram descobertos depois que a inovação foi feita.
Um smartphone parecia ser um celular requintado, mas acabou permitindo a criação de
aplicativos que revolucionaram a indústria de transportes.

Enquanto todos estão avaliando que custos e benefícios são estes, a China
está na vanguarda desta nova revolução. Mesmo assim, parece que tanto aqueles que
estão estudando as moedas digitais estatais, quanto o único ator que a está colocando
em prática, estão corretos. O cálculo geopolítico que justifica o risco econômico e
potencial instabilidade financeira provavelmente é verdadeiro somente para o caso
da China, ainda que os Estados Unidos pareçam estar descansando demasiadamente
sobre seus louros.

É nesse contexto mais geral e complexo que os demais bancos centrais,


dentre eles o do Brasil, deverão avançar no processo de constituição de suas moedas
digitais estatais. Os contornos dessa nova dinâmica ainda são incertos. Ainda assim,
os fundamentos econômicos e políticos das moedas seguem no horizonte. Com isso, a
eventual emergência de um “e-Real” não tornará, como que por um passe de mágica, a
moeda brasileira um instrumento de qualidade superior. Ficar para trás no movimento
retomada da primazia estatal no mundo das finanças digitais também não o faria.

FONTE: Adaptado de <https://www.ufrgs.br/fce/a-geografia-da-moeda-na-era-digital/>. Acesso em: 1


fev. 2022.

227
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O contexto de surgimento da internet, sua expansão e a consequente conexão


do mundo em escala global, bem como a utilização desse ciberespaço para fins
terroristas.

• Exemplos de ciberataques em diferentes países do mundo e destacamos que


sobretudo os países centrais (ou desenvolvidos) sofrem com esses ataques, ainda
que países emergentes e os considerados subdesenvolvidos também apareçam.

• Apesar do debate a respeito do conceito de ciberterrorismo estar em evidência nos


países dito desenvolvidos, não há uma definição estrita do mesmo, ainda assim,
buscamos, através de autores nacionais e internacionais, diferenciar o conceito de
ciberterrorismo de outras formas de crimes cibernéticos.

• O ciberterrorismo possui características e estratégias específicas. A maioria dos auto-


res partem do pressuposto de que grupos ciberterroristas são compostos por agentes
não estatais, mas há também aqueles que pensam o Estado como possível indutor ou
fomentador de ciberataques ou de vigilância com objetivos geopolíticos variados.

228
AUTOATIVIDADE
1 A BBC entrevistou Marco De Mello, CEO da empresa de segurança cibernética PSafe
em fevereiro de 2021. Leia um dos trechos da entrevista a seguir:

BBC News Brasil – O Brasil está mais vulnerável, então, do que outros países em
termos de vulnerabilidade de privacidade de dados?
De Mello – Acredito que sim, mas o que eu estou dizendo aqui é que, além da
probabilidade, a detecção, a capacidade da empresa de saber que foi invadida, a média
do Brasil é de 46 dias (entre o vazamento e a detecção). Nos Estados Unidos, são é de 24
a 48 horas. E já é ruim. Teria que ser segundos. Então esse tempo do momento em que
a invasão acontece ao momento em que a pessoa percebe e reporta é de 46 dias. Isso
está indicando que as empresas e órgãos públicos precisam encarar essa pandemia de
ciberataques por inteligência artificial com total seriedade e urgência.
Nós que trabalhamos com segurança somos vistos como profetas do apocalipse.
Não estou dizendo que o mundo está acabando. Estou aqui para dizer que essa
pandemia digital de ciberataques é real, está acontecendo, e esses megavazamentos
são consequência disso, são sintomas disso. E eles vão continuar a acontecer até que
as defesas das empresas e órgãos públicos se equiparem à sofisticação dos ataques,
porque hoje não é o caso.

FONTE: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56048010>. Acesso em: 1 fev. 2022.

O entrevistado aponta o grave problema de tempo entre a percepção do vazamento, sua


detecção e o reporte disso às autoridades no Brasil. Para ele, a detecção do vazamento
deveria ser em segundos. Segundo ele, como isso seria possível?

a) ( ) Com a modernização da legislação brasileira a respeito de crimes cibernéticos.


b) ( ) Com a criação de secretarias especiais ou órgãos de Estado para o atendimento.
c) ( ) Com o uso de inteligência artificial e de tecnologias que se equiparem àquelas
usadas nos ataques.
d) ( ) Com o controle por parte do Estado de todos os dados individuais e empresariais
dos países.

2 O ciberterrorismo apresenta desafios em diferentes aspectos: aos Estados nacionais


e organismos internacionais, na intenção de combatê-lo, e aos pesquisadores e
teóricos de forma geral, no sentido de conceituá-lo e caracterizá-lo, considerando
as complexidades espaciais, ideológicas, ações etc. Apesar de a bibliografia
trabalhada ao longo do tópico não convergir em uma definição estrita do conceito de
ciberterrorismo, assinale a alternativa CORRETA sobre os elementos que, de maneira
geral, caracterizam esse conceito:

229
a) ( ) Utilização da tecnologia como arma ou alvo, caráter destrutivo a propriedade
(digital ou de infraestruturas) e motivação política.
b) ( ) Destruição de infraestruturas fundamentais da sociedade, motivação religiosa e
uso da tecnologia como ferramenta para realização dos atos.
c) ( ) Roubo e/ou vazamento de dados com objetivos políticos e de terror, uso do
ciberespaço como ferramenta e objeto para o ato terrorista, restrito a elementos
virtuais e não físicos (estruturais).
d) ( ) Danos em larga escala e com importantes impactos econômicos e sociais,
considerando estruturas e elementos digitais, como dados pessoais,
institucionais e empresariais, sempre com justificativas político-partidárias.

3 Produza um texto síntese a respeito das diferentes formas de uso do ciberespaço por
grupos terroristas e ciberterroristas. Sugerimos a leitura de duas notícias a respeito
do grupo terrorista Estado Islâmico, mas você pode pesquisar outros para agregar
aos seus conhecimentos:

Link 1: https://glo.bo/3tjUehP.
Link 2: https://bbc.in/360w2YF.

4 A charge a seguir abre uma série de possibilidades para reflexão a respeito do


ciberterrorismo. Após observá-la, escreva sobre as características e os riscos do
ciberterrorismo representados na charge.

FONTE: <https://bit.ly/3i515oH>. Acesso em: 21 fev. 2022.

230
5 Ao longo do tópico, vimos que Lasmar (2015) ressaltou a importância de o Brasil
construir uma legislação que ampare a luta contra o terrorismo internacional. A
charge a seguir mostra uma das preocupações do autor a respeito dos cuidados
necessários na elaboração desse conjunto de leis. Aponte qual é e explique-a.

FONTE: <https://bit.ly/3J66yaJ>. Acesso em: 21 fev. 2022.

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