Você está na página 1de 242

ARTEs

CÊNICAs

Prof.ª Melize Deblandina Zanoni

Indaial – 2022
2a Edição
Elaboração:
Prof.ª Melize Deblandina Zanoni

Copyright © UNIASSELVI 2022

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

Z33a
Impresso por:

Zanoni, Melize Deblandina

Artes cênicas. / Melize Deblandina Zanoni – Indaial: UNIASSELVI,

2022. 197 p.; il.

ISBN 978-65-5663-811-9
ISBN Digital 978-65-5663-812-6

1. Representação teatral. - Brasil. II. Centro Universitário


Leonardo
da Vinci.
APRESENTAÇÃO
Olá, caro acadêmico! Apresentamos o Livro Didático de Artes Cênicas. O
objetivo principal desta disciplina é proporcionar conhecimentos relacionados à
área das Artes Cênicas, em uma trajetória que vai desde o Teatro-Educação até a
dramaturgia contemporânea. As temáticas não foram apresentadas de forma
cronológica nem em ordem de importância, mas de forma a proporcionar um
conhecimento básico dos processos educacionais no campo das artes cênicas e de
sua produção como obra de arte, para que você se sinta apto a buscar mais
conhecimentos sobre as temáticas, conversar sobre elas e experienciar melhor essa
arte tão importante.

Na Unidade 1, veremos a inserção das Artes no currículo escolar e, por


consequência, a inserção do Teatro na sala de aula, as diferenças entre Teatro-
Educação, Teatro pedagógico e pedagogia do ator. Além disto, estudaremos alguns
procedimentos metodológicos do ensino do teatro na escola e fora dela, como os jogos
dramáticos, os jogos teatrais, o Drama, o espectador participativo e alguns dos
principais teatrólogos que revolucionaram o teatro no século XX.

Em seguida, na Unidade 2, estudaremos o principal elemento das Artes


Cênicas: o corpo, sua relação com o espaço e com a voz, além das relações entre
teatro e música e entre teatro e as diferentes configurações do espaço cênico ao
longo do tempo.

Por fim, na Unidade 3, aprenderemos sobre o teatro e sua visualidade


(elementos cenográficos e iluminação), sobre as relações das artes cênicas com o
texto dramatúrgico e sobre a dramaturgia contemporânea.

Como você pode ver, as artes cênicas são tão antigas quanto o ser humano e,
por isso, possuem uma longa história e inúmeras metodologias que demandam muito
tempo de estudo. Esta disciplina tem um caráter introdutório e um conteúdo
básico, cabendo a você aprofundar as temáticas, buscar mais conhecimento sobre
estas e outras temáticas das Artes Cênicas não apresentadas neste livro didático.

Esperamos que a partir desta leitura e das atividades propostas, você consiga
ter um norte para buscar novos conhecimentos e para aplicar o que você já aprendeu,
além de apreciar as artes cênicas com um olhar mais ampliado pelo conhecimento das
suas estruturas.

Seja bem-vindo ao mundo do teatro e boa

leitura! Profª Melize Deblandina Zanoni


GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que
você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas
informações durante o estudo do livro. Ela trará
informações adicionais e outras fontes de conhecimento
que complementam o assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a


todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da
disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem
com um novo visual – com um formato mais prático, que
cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma
jornada também digital, em que você pode acompanhar os
recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes
ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a
estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço
da página – o que também contribui para diminuir a
extração de árvores para produção de folhas de papel, por
exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, o
ENADE
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento.
Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas m
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensad
Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.
Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!
SUMÁRIO
UNIDADE 1 - TEATRO-EDUCAÇÃO: DISCURSOS E PRÁTICAS EDUCATIVAS.......................1

TÓPICO 1 - TEATRO-PEDAGOGIA E PEDAGOGIA DO TEATRO.................................................3


1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................................3
2 TEATRO E CURRÍCULO.................................................................................................................4
3 O ENSINO DO TEATRO NA ESCOLA...........................................................................................6
4 TEATRO COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO......................................................................10
5 PEDAGOGIA DO TEATRO............................................................................................................12
RESUMO DO TÓPICO 1..........................................................................................................................15
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 16

TÓPICO 2 - O JOGO E O LUGAR DO ESPECTADOR..................................................................19


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................ 19
2 O JOGO DRAMÁTICO..................................................................................................................20
3 O JOGO TEATRAL.......................................................................................................................22
4 O ESPECTADOR PARTICIPATIVO......................................................................................23
4.1 O TEATRO DO OPRIMIDO DE AUGUSTO BOAL...............................................24
4.2 O JOGO DE APRENDIZAGEM DE BERTOLT BRECHT........................................27
5 O DRAMA COMO RECURSO METODOLÓGICO........................................................................32
RESUMO DO TÓPICO 2.................................................................................................................. 38
AUTOATIVIDADE....................................................................................................................39

TÓPICO 3 - A PEDAGOGIA DO ATOR NO SÉCULO XX........................................................41


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................ 41
2 O MÉTODO STANISLAVSKI................................................................................................42
3 GROTOWSKI E O TEATRO POBRE............................................................................................45
4 EUGENIO BARBA E A ANTROPOLOGIA DO TEATRO............................................................50
5 ANTONIN ARTAUD E O TEATRO DA PESTE...........................................................................53
LEITURA COMPLEMENTAR...................................................................................................58
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................64
AUTOATIVIDADE....................................................................................................................65

REFERÊNCIAS.........................................................................................................................69

UNIDADE 2 - ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DAS ARTES CÊNICAS: CORPO, VOZ,


SOM E ESPAÇO
..................................................................................................................................................
73

TÓPICO 1 — O CORPO E A VOZ NAS ARTES CÊNICAS.....................................................75


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................ 75
2 CORPO EM CENA: RELAÇÃO CORPO-VOZ.......................................................................76
2.1VOZ FALADA E VOZ CANTADA.................................................................79
3 ARTES DA PRESENÇA: O CORPO NO CENTRO DA AÇÃO.............................................80
3.1 SISTEMA LABAN E ARTES DO CORPO....................................................................................81
3.2 DANÇA-TEATRO..............................................................................................................84
3.3 TEATRO FÍSICO..............................................................................................................................87
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................90
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 91
TÓPICO 2 - O SOM E A MÚSICA NO TEATRO..............................................................93
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................93
2 TRILHA SONORA E SONOPLASTIA...................................................................................94
3 MUSICAIS........................................................................................................................ 97
4 ÓPERA................................................................................................................................100
RESUMO DO TÓPICO 2.......................................................................................................104
AUTOATIVIDADE...........................................................................................................................105

TÓPICO 3 - O ESPAÇO CÊNICO.........................................................................................107


1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 107
2 ESPAÇO E LINGUAGEM: O LUGAR DA REPRESENTAÇÃO AO LONGO DO TEMPO........108
2.1 ESPAÇO GREGO...................................................................................................................... 109
2.2 ESPAÇO ROMANO.........................................................................................................................111
2.3 ESPAÇO MEDIEVAL.......................................................................................................................117
2.4 ESPAÇO NA COMMEDIA DELL’ARTE.............................................................119
2.5 ESPAÇO RENASCENTISTA............................................................................................................121
2.6 ESPAÇO ELIZABETANO.........................................................................................................123
2.7 PALCO ITALIANO.............................................................................. 126
2.8 ADOLPHE APPIA E EDWARD GORDON CRAIG..............................................127
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................130
RESUMO DO TÓPICO 3.......................................................................................................136
AUTOATIVIDADE...........................................................................................................................137

REFERÊNCIAS.......................................................................................................................140

UNIDADE 3 - ESPAÇO, LUZ E TEXTO...............................................................................143

TÓPICO 1 — ESPAÇO CÊNICO E ILUMINAÇÃO TEATRAL......................................................145


1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 145
2 TEATRO E ARTES VISUAIS..............................................................................................146
2.1 CENOGRAFIA........................................................................................147
2.2 DIFERENTES CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS NO TEATRO CONTEMPORÂNEO..................149
3 LUZ CÊNICA.......................................................................................................................152
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................155
AUTOATIVIDADE...........................................................................................................................156

TÓPICO 2 - DRAMATURGIA...............................................................................................159
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 159
2 A DRAMATURGIA AO LONGO DO TEMPO.....................................................................160
2.1 O LUGAR DO TEXTO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA.........................................160
2.2 O LUGAR DO TEXTO NA ÉPOCA MEDIEVAL, NO RENASCIMENTO E NO BARROCO....165
2.3 O LUGAR DO TEXTO NO TEATRO DOS SÉCULOS XVIII E XIX..................................................170
2.4 O LUGAR DO TEXTO NO REALISMO E NO NATURALISMO.................................173
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................175
AUTOATIVIDADE.......................................................................................................................... 176

TÓPICO 3 - DRAMATURGIA CONTEMPORÂNEA......................................................................179


1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 179
2 O LUGAR DO TEXTO NO SÉCULO XX....................................................................................179
2.1VANGUARDAS EUROPEIAS...............................................................180
2.2 VANGUARDAS NORTE-AMERICANAS........................................................185
3 LUGAR DA DRAMATURGIA NO TEATRO PÓS-DRAMÁTICO E NA PERFORMANCE. .186
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................189
RESUMO DO TÓPICO 3.......................................................................................................192
AUTOATIVIDADE........................................................................................................................... 193

REFERÊNCIAS.......................................................................................................................196
UNIDADE 1
-

TEATRO-EDUCAÇÃO:
DISCURSOS E
PRÁTICAS
EDUCATIVAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a diferença entre teatro como instrumento pedagógico e pedagogia


do teatro;

• distinguir os conceitos básicos das principais metodologias do ensino do teatro;

• assimilar os principais elementos que compõem as artes cênicas;

• identificar os principais diretores-pedagogos do teatro do século XX.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – TEATRO-PEDAGOGIA E PEDAGOGIA DO TEATRO


TÓPICO 2 – O JOGO E O LUGAR DO ESPECTADOR
TÓPICO 3 – A PEDAGOGIA DO ATOR NO SÉCULO XX
1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!

Acesse o
QR Code abaixo:
UNIDADE 1 TÓPICO 1-
TEATRO-PEDAGOGIA E PEDAGOGIA
DO TEATRO

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no Tópico 1, abordaremos o ensino das artes, tema debatido
desde a Antiguidade Clássica, na qual grandes filósofos, como Aristóteles, já falavam
sobre o tema. Apesar disso, apenas no século XIX a expressão Arte-educação passa
a ser utilizada em documentos e textos sobre a temática. No entanto, foi no século
XX que a Arte-educação passou a ser estudada e debatida com maior ênfase. Como
veremos, no Brasil, a arte foi reconhecida como área do conhecimento no currículo
escolar apenas na década de 1990.

Com a Lei nº 9.394, de 1996, que eleva as atividades artísticas ao patamar de


área do conhecimento no currículo escolar, veio a necessidade de se discutir o teatro
no currículo e no contexto escolar brasileiro.

Nesse tópico, estudaremos o teatro como componente curricular, suas


aplicações como instrumento pedagógico e algumas das propostas metodológicas para
o ensino do teatro. Estudaremos também as diferenciações entre Teatro-Educação,
Teatro Pedagógico e Pedagogia do Teatro. Os três termos são utilizados de formas
diferentes, causando certa dificuldade de entendimento.

Quando se trata de Teatro na escola, os termos Teatro pedagógico e Teatro-


educação são utilizados como se tivessem o mesmo direcionamento. Por esse motivo,
é importante entendermos que existem várias possibilidades para se trabalhar o teatro
no ambiente escolar.

O termo teatro pedagógico refere-se, geralmente, ao teatro utilizado como


ferramenta pedagógica na sala de aula, com o objetivo de fixar conhecimentos,
incentivar a pesquisa, auxiliar na aprendizagem de conteúdos diversos em diferentes
disciplinas.

Já o teatro-educação é um termo mais amplo, que envolve fins socioculturais


e artísticos e pode ser oferecido dentro da disciplina de artes ou como atividade
extracurricular. Além disso, a pedagogia do teatro parece estar mais relacionada ao
ensino do teatro com fins artísticos e profissionalizantes, para a formação de artistas
de teatro, apesar de o termo ser utilizado por alguns autores como sinônimo de teatro-
educação.

A seguir, veremos a inserção da arte no currículo escolar, o que abriu


possibilidades para se trabalhar na escola os conteúdos relacionados ao teatro.
3
2 TEATRO E CURRÍCULO
A arte foi reconhecida como área de conhecimento no currículo escolar, a
partir da publicação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) nº 9394/96, possibilitando a
inserção do teatro no ambiente escolar como linguagem artística, constando nos PCN
(Parâmetros Curriculares Nacionais), como sugestão de conteúdo a ser ensinado na
disciplina de Arte. A seguir, podemos ver o trecho apresentado na lei: “[...] o ensino da
arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação
básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (BRASIL, 1996, p.
16).

Nos PCN-Artes estão presentes quatro linguagens artísticas para a formação


educacional (artes visuais, dança, teatro e música), mas na LDB – Lei nº 9.394/96,
consta que é da escola o direito de eleger uma das linguagens para a inserção no
currículo escolar. Em 2011, a música foi a única incluída como linguagem obrigatória.

Hoje, como podemos ver nas escolas, a disciplina Arte ainda contempla
linguagens variadas, focando mais especificamente, as Artes Visuais, tanto
teoricamente, quanto na prática. Apesar disso, as outras linguagens estão ganhando
espaço no ambiente escolar. Alguns municípios brasileiros, no ensino público
municipal, adotam o oferecimento das quatro linguagens artísticas, ensinadas
separadamente. Assim também acontece em algumas escolas de ensino privado no
Brasil. Estas linguagens são ministradas por docentes com formação específica e o
aluno tem a possibilidade de escolher a linguagem com que mais se identifica para
aprofundar-se na disciplina Arte. Apesar dessa possibilidade, a maior parte das escolas
públicas e privadas oferece uma disciplina de Arte, cujo professor ensina um pouco de
cada linguagem, focando mais profundamente na sua área de formação e nos
conteúdos obrigatórios.

IMPORTANTE
É importante entendermos que a disciplina Arte era denominada Educação Artística e que a LDB de 1961, qu

Após alguns anos, o governo federal criou cursos para a preparação dos professores de Educação Artís

4
Na década de 1980, o movimento pela Arte-Educação no Brasil foi bastante
consistente e nomes como o da Professora Dra. Ana Mae Barbosa foram muito
importantes para a consolidação da Arte-Educação como área do conhecimento. O
termo arte-educador denomina uma categoria de profissionais da educação
licenciados em Arte e que empreenderam uma luta política em busca da inserção das
artes no currículo escolar.

Apenas na década de 1990 é que as licenciaturas plenas e os cursos


superiores de Educação Artística, acrescidos de habilitações específicas, realmente se
consolidaram. Na mesma década surgiram vários cursos superiores das linguagens
específicas (Artes Cênicas, Dança, Música e Artes Visuais). No entanto, mesmo com
a extinção da polivalência nos cursos superiores de Artes, isto é, a formação de
professores que ensinariam todas as linguagens artísticas, o currículo escolar seguiu
com uma estrutura polivalente. Por esse motivo, ainda é necessário o forte debate em
torno desta temática, para que no futuro a disciplina esteja mais adequada às áreas
de formação docente e para que se possibilite ao aluno uma melhor experiência e um
melhor aprendizado na disciplina.

Como vimos anteriormente, os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais)


mencionam as linguagens artísticas no currículo e salientam as ações de produzir,
apreciar e contextualizar a arte para gerar experiências cognitivas e educação
estética. Apesar dos avanços, a pequena participação dos professores na produção
dos PCN fez com que surgissem questionamentos quanto às decisões que sugeriam
a fundamentação do planejamento curricular a partir de temáticas e projetos.
Esta decisão, segundo alguns críticos, acabou relegando os conteúdos a segundo
plano. Apesar disso, os PCN-Arte demonstram um avanço nas conquistas dos
professores de arte no Brasil, e, por isso, é fundamental que estes se fortaleçam
como classe e que as conquistas sigam acontecendo. Para isso, é de suma importância
ampliar as discussões e resoluções práticas que o documento propõe para o
desenvolvimento do Teatro na sala de aula tanto como prática pedagógica quanto
como instrumento didático.

IMPORTANTE
Cada modalidade artística envolve o estímulo de percepções sensoriais específicas e a utilização de
para o desenvolvimento humano como um todo: atenção, organização, percepção, memorização,

5
Como podemos perceber, o teatro é uma linguagem voltada para os trabalhos
em grupo, que empenha pessoas em funções ou objetivos coletivos e tem no cerne de
seu processo, o planejamento grupal, a divisão de tarefas, a troca de ideias. Além
disto, exercita a atitude analítica e a tomada de decisões.

Para a inserção do teatro como linguagem obrigatória no currículo escolar,


ainda temos um longo caminho pela frente, pois o currículo deve ser pensado a partir
da realidade educacional, considerando a escola como um todo, pois “de nada adianta
a instalação de cursos superiores de arte dramática se essa dimensão não se fizer
presente em todos os níveis do processo educativo” (CHAVES, 1979 apud
REVERBEL, 1979, p. 9).

Por todos os motivos apresentados, ao elaborar o currículo, é importante que


haja uma articulação das informações coletadas e analisadas anteriormente
(estudo da realidade, análise de referenciais curriculares, discussões atuais da área
específica, formação de docentes) de forma que os encaminhamentos sejam voltados
à realidade da área, pois repensar o currículo e a prática docente é uma das formas
de promover mudanças na educação.

A seguir, veremos os pressupostos metodológicos que devem nortear o ensino


do teatro na escola.

3 O ENSINO DO TEATRO NA ESCOLA

FIGURA 1 – TEATRO NA ESCOLA, 2016

FONTE: < https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/premio-braskem-de-teatro-sarauzinho-da-calu-


estreia-versao-digital/ >. Acesso em: 13 jul. 2021.

6
Não somente no teatro, mas em qualquer área do conhecimento, os
pressupostos metodológicos devem proporcionar o conhecimento dentro de uma
estrutura teórico- prática. Por desconhecimento desses pressupostos, alguns
professores ainda reproduzem práticas pedagógicas, no que diz respeito ao ensino do
teatro, ligadas aos modelos da Escola Tradicional ou Nova.

NOTA
A Escola Tradicional ou Escola Nova são modelos educacionais que se desenvolveram no século X

No entanto, é importante ressaltar que foi a partir do movimento da Escola


Nova que o Teatro na educação adquiriu importância pedagógica e uma função
epistemológica, como um movimento importante para a história do teatro na
educação.

Já a abordagem progressista, ao contrário da Escola Nova, que relegava as


dimensões sociais, cognitivas, estéticas e históricas das artes, lança o olhar para todo
o meio social e todo o contexto em que o aluno está inserido. É uma educação que
visa ao desenvolvimento de uma consciência.

Paulo Freire (1921-1997), o maior representante da Escola Progressista,


enfatizou a importância de propagar a consciência do papel do educador e da relação
entre professor e aluno, já que ambos são agentes e sujeitos do ato educacional.

Seja qual for a abordagem metodológica, é necessário oferecer um


instrumental significativo para que o sujeito pense e aja de forma crítica em
sociedade, que tenha possibilidades de questionar, interferir e modificar o complexo
meio em que está inserido.

Lev Vygotsky (1896-1934), psicólogo russo, importante pensador da educação,


afirmava que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre nas interações sociais
e na relação com o meio em que vivem. São as relações com o outro e com o mundo
que impulsionam o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional da criança. É por
meio das interações que a criança recebe os estímulos que constroem o seu
desenvolvimento integral. Como nos aponta Vygotsky (1989), é por essa interação
7
social que a criança acessa os modos de pensar e agir em seu meio.

8
As diferentes linguagens, pensamentos, costumes, tradições e formas de
expressar as emoções são propagados pela cultura, assim como a elaboração de
signos que nos diferenciam dos animais e de outras culturas. A linguagem é um desses
sistemas de signos historicamente construídos e é a partir da aquisição desta que
mudamos de patamar qualitativo em termos de pensamento. É por meio da linguagem
que complexificamos o pensamento e até a expressão das emoções. Todas essas
estruturas são compartilhadas e disseminadas de geração em geração.

A partir disso, podemos ver que o comportamento e o conhecimento são,


primeiramente, externos ao sujeito, para depois, se tornarem internos. “Não se
consegue nem sequer definir onde terminam as influências do meio e começam as
influências do próprio corpo” (VYGOTSKY, 2004, p. 71). Dessa forma, a escola tem
papel fundamental na aprendizagem e no desenvolvimento humano e, a função do
professor, é a de mediador e organizador do meio, provocando sempre o interesse no
aprender. Para Vygotsky, o aprendizado cria a Zona de Desenvolvimento Proximal,
despertando vários processos internos. Muitos desses processos acontecem somente
quando a criança interage em seu meio. Quando a criança cria novas capacidades por
meio da aprendizagem, cria-se uma nova Zona de Desenvolvimento Proximal e esta é
sempre superior à anterior.

Vygotsky foi um pensador apaixonado por arte e participou de grupos de


discussão sobre teatro. Escreveu sobre a importância da arte e da apreciação estética,
conhecimento adquirido em suas experiências com a arte. A expressão artística,
segundo Vygotsky, é uma necessidade intrínseca ao ser humano. Para ele, as
atividades artísticas propiciam que os sujeitos conheçam melhor aos outros e a si
mesmo, refletindo sobre as próprias atitudes e as possibilidades de mudança no meio
social. No desenvolvimento psicológico da criança, as experiências emocionais desta
em relação ao meio social são fundamentais, pois se tornam determinantes do tipo
de influência que o meio ou as situações terão sobre ela. Assim, acontece um
processo dialético entre meio e criança na percepção e compreensão da realidade.

Por ser o teatro uma linguagem artística que privilegia a interação social, o
uso da linguagem, o desenvolvimento da imaginação e da criatividade, podemos dizer
que o teatro propicia experiências que podem ampliar a Zona de Desenvolvimento
Proximal. O teatro ainda utiliza as linguagens oral e gestual de forma singular.

A imaginação está também relacionada à qualidade e multiplicidade das


experiências vividas pelo sujeito, porque são estas que oferecem o material para
a criatividade. A experiência não necessariamente é própria, mas vivenciar e ouvir
histórias de acontecimentos vivenciados por outras pessoas, descrições de lugares e
coisas vistos por outros, são também material que enriquecem a criação e, como
vimos, o teatro oferece essas experiências. Segundo Vygotsky (2001, p. 308), “o
sentimento é inicialmente individual, e através da obra de arte torna-se social ou
generaliza-se. [...] a arte é uma espécie de sentimento social”.

9
Dentre as linguagens artísticas, o teatro oferece possibilidades de interação,
uso da palavra e expressão afetiva de forma intensa. Todas as artes, assim como o
teatro, mobilizam aspectos afetivos, motores, cognitivos e sociais dos sujeitos.
Além das aprendizagens envolvidas na prática e na fruição das artes e o
desenvolvimento das múltiplas inteligências do ser humano, “como qualquer vivência
intensa, a vivência estética cria uma atitude muito sensível para os atos posteriores e,
evidentemente, nunca passa sem deixar vestígios para o nosso comportamento”
(VYGOTSKY, 2004, p. 342).

Como vimos, o sujeito compreende desde cedo o significado das emoções e


quando e como ele as sente. O ator, por sua vez, constrói matrizes comportamentais
de acordo com as situações e experiências vividas por outros e os corporifica na
atuação.

O ensino das artes visuais tem como premissa, ensinar possibilidades para o
desvelamento das imagens. No teatro, o desvelamento se dá na imagem em
movimento, o qual conjuga diversas plataformas significativas (voz, corpo, ação).
Tanto atuantes quanto o público aprendem a organizar as informações e os
significados destas plataformas dentro do espetáculo teatral. Quanto mais os atores e
o público desenvolverem estes saberes, melhor será a comunicação entre si e melhor
será a experiência. Por isto, o ensino do teatro também é formador de público. Ator e
público aprendem mutuamente sobre a realidade e nessa relação dialética, agregam
conhecimento e experiência ao outro. Japiassu (1998, p. 9) afirma: “A qualidade das
interações intersubjetivas, culturalmente mediadas, interferem decisivamente no
processo de constituição dos sujeitos”.

Jean Piaget e outros pensadores demonstraram que, antes que o raciocínio


ocorra como uma atividade interna, ele é elaborado em grupo, na ação de ouvir os
pontos de vista de cada um. Esse debate faz com que cada criança comece a perceber
e a analisar seus próprios pensamentos, além de se colocar no lugar do outro, um
processo próprio do ser adulto. “Piaget demonstrou que a cooperação fornece a base
para o desenvolvimento do julgamento moral pela criança” (VYGOTSKY, 1989, p. 101).
Colocar-se no lugar do outro é um processo empático, necessário ao ser humano.

NOTA
Jean William Fritz Piaget (1896-1980) foi um grande pensador do desenvolvimento humano, portanto, é

1
O prazer que o teatro proporciona aos jovens é um misto de brincar, jogar,
relacionar-se com o outro, construir sua personalidade por meio de outras
experiências, expressar-se, pensar e agir criativamente.

Como podemos ver, o teatro-educação tem grande potencial de motivar toda


uma comunidade, pois além de promover a ampliação cultural dos envolvidos e seu
aperfeiçoamento pessoal, estimula a troca de experiências, os processos coletivos em
busca de soluções para situações-problema, a tolerância no relacionamento e o
espírito colaborativo, elementos fundamentais em uma comunidade escolar. Inserido na
escola, o teatro também pode ser um poderoso instrumento educativo. A seguir,
veremos como o teatro pode ser utilizado como instrumento pedagógico.

4 TEATRO COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO


Como o teatro na escola centra-se na formação comportamental e na
interação do sujeito com o outro, investe-se mais no processo do que no resultado.
Diferentemente do teatro profissional, o teatro na escola está voltado para a
educação do sujeito, para o desenvolvimento das diversas habilidades dos
estudantes que, por sua vez, não se encontram sob a direção de um diretor de
teatro, mas de um professor-mediador de processos interativos. Na construção do
olhar estético, a criança experimenta o mundo com um sentimento novo, crítico e
imprescindível para sua evolução.

No teatro-educação acentua-se o processo de criação e, além de desenvolver


diversas inteligências, aprofunda-se no desenvolvimento da inteligência
intrapessoal e interpessoal. Esses tipos de inteligência encontram um
desenvolvimento propício no teatro em função do caráter interativo deste.

O teatro pedagógico ou o teatro como instrumento pedagógico, não possui


um objetivo artístico ou de ensinar os processos de construção artística, mas é uma
ferramenta poderosa para auxiliar na compreensão de conteúdos das mais diversas
disciplinas, incentivar a investigação e a pesquisa e, principalmente, proporcionar a
vivência prática de situações diversas.

O teatro-educação também caminha em outra direção em relação


ao teatro-pedagógico, que consiste numa forma de instrumento ou
ferramenta pedagógica na educação. Mas o teatro-educação vai
além dessa abordagem contextualista ou instrumental que difere
da perspectiva essencialista ou estética que defende a presença do
teatro em situações de aprendizagens seja na escola ou em outros
espaços educacionais (SANTIAGO, 2004, p. 6).

O teatro-pedagógico também pode trabalhar a formação humana dos


estudantes, pois o teatro, ao trabalhar com as múltiplas inteligências, fomenta
diversas habilidades que podem contribuir com todas as disciplinas do currículo,
podendo ser instrumento e estímulo importante na construção do conhecimento.

11
Trabalhar com atividades teatrais mobiliza capacidades e habilidades para a
vida da criança, não somente na escola, mas também fora dela. Dessa forma, o teatro
promove um desenvolvimento gradativo nas áreas cognitivas e afetivas do ser humano.

Como aponta Libâneo (1994), cabe à escola e aos educadores trabalharem


a formação de cidadãos críticos e ativos na sociedade, não pensando apenas o
conteúdo pelo conteúdo, mas no que e como esses conteúdos irão agregar na
formação dos estudantes, nas habilidades, competências e objetivos que cada
disciplina desenvolve. É possível, por meio do teatro, aprender conteúdos de diversas
disciplinas escolares de uma maneira atraente e instigadora.

ESTUDOS FUTUROS
No próximo tópico, veremos diferentes metodologias que podem ser utilizadas tanto como instru

Como podemos ver, o teatro, no uso das linguagens orais e gestuais nas
representações, na mobilização da imaginação e da criatividade, na realização em
determinado tempo e espaço é um universo de interação social e de manifestação da
cultura, podendo cumprir diferentes objetivos.

Olga Reverbel (1979) defende a função educativa do teatro e a instrução


por meio da diversão. O teatro, para Reverbel, é a arte de apresentar e manipular os
problemas humanos. Para a autora, a importância da diversão no teatro-educação se
dá porque imitar a realidade na brincadeira multiplica e aprofunda as descobertas.
Este ato é um dos primeiros realizados pelo ser humano, totalmente necessário no
processo de consolidação da personalidade e do imaginário infantil. A seguir, veremos
a Pedagogia do Teatro e a formação do ator, cujos processos passaram por muitas
transformações e descobertas no século XX.

1
5 PEDAGOGIA DO TEATRO

FIGURA 2 – “STANISLAVSKI EM 1902, NA PEÇA THE LOWER DEPTHS”, 2019

FONTE: <https://www.actorhub.co.uk/252/stanislavsky-and-his-acting-system>. Acesso em: 2 jun. 2021.

Uma das principais realizações do teatro no século XX foi a afirmação da


necessidade de espaços de desenvolvimento e sistematização de pedagogias para
a formação do artista de teatro. Com as vanguardas artísticas e com a valorização
do trabalho do ator como artista criador, atenção que antes era apenas voltada ao
dramaturgo e ao encenador ou ao diretor teatral, veio a necessidade de um artista de
teatro mais antenado com o seu tempo e com as novas possibilidades de se pensar
a arte teatral. Este caráter de investigação e de criação de novas possibilidades é
uma característica do trabalho dos estúdios, grupos, núcleos e laboratórios teatrais
surgidos na transição entre o século XIX e o século XX.

A pedagogia teatral é a estruturação de metodologias para a transmissão do


conhecimento teatral. Ela deu espaço para a renovação do fazer teatral, por meio de
um processo criativo de pesquisa prática, que estabeleceu novos paradigmas para a
atividade criativa do ator.

Formaram-se núcleos, nos quais se desenvolveram experimentos e


pesquisas que influenciaram os processos artísticos do teatro. Podemos elencar aqui
alguns dos mais importantes: o Estúdio do Teatro de Arte de Moscou, a École du Vieux
Colombier, o Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski e o Odin Teatret de Eugenio
Barba (os dois últimos veremos mais a frente), bem como outros tantos estúdios e
escolas formados em diversos países ao longo do século XX.

13
A pedagogia teatral anterior era baseada em procedimentos externos e,
muitas vezes, resultava em uma representação convencional e mecânica de estados,
sentimentos e de imagens.

Constantin Stanislavski (1863-1938), fundador do Teatro de Arte de Moscou,


em suas investigações, já havia compreendido que quaisquer que fossem as ações
voltadas à uma transformação da atuação cênica, dependiam da transformação da
pedagogia teatral e da estruturação de uma metodologia diferenciada para a formação
de atores.

As experimentações foram desenvolvidas com a colaboração de outros


artistas de 1909 a 1922. Os mais importantes colaboradores de Stanislavski foram
Leopold Sulerjítski e Evguiêni Vakhtângov. Os procedimentos do “sistema” proposto
por Stanislavski vão desde a organização do espaço da cena até a concepção estética
do espetáculo.

[...] apaixonada procura, frenética e insatisfeita, pela verdade em


situação pedagógica realizada nos estúdios do TAM [Teatro de Arte
de Moscou] funda uma cultura teatral que será extremamente
significativa na fundação das escolas de teatro posteriores
(CRUCIANI, 1995 apud BARBA; SAVARESE, 1995, p. 27).

O surgimento dos estúdios de pesquisa teatral também marca o surgimento


da figura do diretor teatral-pedagogo, que não se limita a dirigir e orientar o espetáculo,
mas que passa a ser um pesquisador da pedagogia do teatro e de propostas estéticas
em colaboração com os integrantes de seu grupo. Stanislavski participou do início
dessa nova abordagem do trabalho do diretor, marcando para sempre o ensino do
teatro.

ESTUDOS FUTUROS
Nos escritos de Stanislavski é possível observar que a atenção de suas inquietações vai distancian

Um dos pilares do pensamento teatral de Stanislavski e dos pedagogos do


teatro do século XX é o de que o saber do ator é adquirido de modo ativo, através
da experimentação e do trabalho sobre si mesmo. O trabalho do ator passa a ser um
trabalho de treinamento permanente, não somente um trabalho que acontecia
1
durante os ensaios do espetáculo.

15
Os estúdios, grupos e laboratórios teatrais foram fundamentais para o
surgimento de uma nova dimensão do trabalho do ator que revolucionou também a
maneira de se pensar o fazer teatral, expandindo as fronteiras do trabalho do ator e
do diretor-pedagogo.

Nessa perspectiva podemos considerar a pedagogia do ator como um elemento


central da cultura teatral do século XX.

ESTUDOS FUTUROS
Neste primeiro tópico, vimos os termos comumente utilizados para definir o ensino do teatro e passamos
desenvolvidas tanto com alunos iniciantes, quanto com alunos que já possuem alguma experiência na

1
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A arte foi reconhecida como área de conhecimento no currículo escolar a partir da


publicação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) nº 9394/96, possibilitando a inserção
do teatro no ambiente escolar como linguagem artística, constando nos PCN
(Parâmetros Curriculares Nacionais), como sugestão de conteúdo a ser ensinado na
disciplina Arte.

• Existem várias possibilidades para trabalhar o teatro no ambiente escolar. O termo


teatro pedagógico refere-se geralmente ao teatro utilizado como ferramenta
pedagógica na sala de aula, com o objetivo de fixar conhecimentos, incentivar a
pesquisa, auxiliar na aprendizagem de conteúdos diversos em diferentes disciplinas.
Já o teatro-educação possui fins socioculturais e artísticos e pode ser oferecido
dentro da disciplina de Artes ou como atividade extracurricular.

• Uma das principais realizações do teatro no século XX foi a afirmação da


necessidade de espaços de desenvolvimento e sistematização de pedagogias para a
formação do artista de teatro.

• Um dos primeiros teatrólogos a repensar a Pedagogia do Teatro no século XX foi


o russo Constantin Stanislavski, que no início do século empreendeu inúmeras
pesquisas práticas em seu Teatro-laboratório em Moscou.

17
AUTOATIVIDADE
1 Uma das principais realizações do teatro no século XX foram os espaços de
desenvolvimento e sistematização de pedagogias para a formação do artista de
teatro. Com a valorização do trabalho do ator como artista criador, veio a
necessidade de um artista de teatro apto para a criação de novas possibilidades
na cena e que desenvolvesse um treinamento constante com “...ênfase ao
desenvolvimento de suas qualidades, não somente físicas, mas também
intelectuais e morais, tendo por objetivo dotá-lo de uma ‘poética’ nova” (FÉRAL,
2003, p. 51). Sobre a pedagogia do ator no século XX, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) A pedagogia teatral é a estruturação de metodologias para a transmissão do


conhecimento teatral.
b) ( ) A pedagogia teatral deu espaço para a renovação do fazer teatral, por meio de
um processo totalmente teórico, que estabeleceu novos paradigmas para a
atividade criativa do ator.
c) ( ) Os pedagogos do teatro do século XX, assim como Stanislavski, afirmavam que o
saber do ator é adquirido de modo passivo, por meio da observação.
d) ( ) O treinamento do ator passa a ser um treinamento provisório, que acontecia
durante os ensaios do espetáculo.

2 Reverbel (1997) afirma que o “ensino do teatro é fundamental, pois, através dos
jogos de imitação e criação, a criança é estimulada a descobrir gradualmente a si
própria, ao outro e ao mundo que a rodeia. Sobre o principal objetivo do ensino do
teatro no contexto escolar, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Valorizar o resultado final e as apresentações artísticas.


b) ( ) Proporcionar a experiência estética e humana com foco no processo de criação.
c) ( ) Estimular o ensino profissional de atores.
e) ( ) Capacitar críticos de teatro.

3 Considerando que os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) mencionam as


linguagens artísticas no currículo e salientam as ações de produzir, apreciar e
contextualizar a arte para gerar experiências cognitivas e educação estética,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As linguagens artísticas oferecidas na disciplina Arte são as artes cênicas, a


dança, o cinema e a música, mas a mais ensinada na escola é o cinema.
b) ( ) O teatro, as artes visuais, a dança e a música são as linguagens artísticas
presentes no currículo escolar, sendo que a música é a única linguagem
obrigatória no currículo desde 2011.

1
c) ( ) As Artes Visuais, o Artesanato, a Dança e o Teatro estão presentes nas salas de
aula do ensino fundamental, sendo a Dança e as Artes Visuais as linguagens
obrigatórias, pela LDB nº 9394/96.
d) ( ) As Artes Visuais, o Cinema, A Dança e a Música são as linguagens artísticas
ensinadas na escola, sendo a Dança a linguagem artística mais presente nos
conteúdos ministrados na disciplina de Arte.

4 A escola tem papel fundamental na aprendizagem e no desenvolvimento humano e


a função do professor é a de mediador, provocando o interesse no aprender.
Segundo Vygotsky (1984, p. 101), “o aprendizado, adequadamente organizado
resulta em desenvolvimento”. Para ele, o aprendizado criaria a Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP), despertando vários processos internos. Muitos
desses processos operam somente quando a criança interage com pessoas em seu
meio. Na sua opinião, de que forma o teatro pode contribuir na formação de novas
Zonas de Desenvolvimento Proximal? Justifique sua resposta.

5 Para Stanislavski, o trabalho do ator era fundamental para a constituição do


espetáculo e a formação deste deve ter caráter contínuo. Sobre a linguagem da
encenação teatral de Stanislavski e sobre a sua concepção do trabalho do ator,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Os procedimentos do Sistema proposto por Stanislavski vão desde a organização


do espaço da cena até a concepção estética do espetáculo.
b) ( ) O principal objetivo do Sistema era fazer com que o ator não se sobressaísse ao
trabalho do diretor.
c) ( ) A intenção de Stanislavski era a de reforçar o trabalho do ator, como um trabalho
de criação passiva.
d) ( ) O trabalho de Stanislavski enfatizava a total liberdade do ator na criação perante
o texto , podendo o ator até ignorá-lo, criando uma releitura da dramaturgia de
forma completamente autônoma.

19
2
UNIDADE 1 TÓPICO 2-
O JOGO E O LUGAR DO ESPECTADOR

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no Tópico 2, nós veremos o jogo dramático, procedimento
inerente ao universo infantil e fundamental para o desenvolvimento integral do ser
humano.

Para que a criança compreenda que os jogos de faz de conta, realizados no


seu dia a dia, podem transformar-se em uma linguagem artística denominada teatro,
com regras e convenções, é necessário que o professor/mediador compreenda
primeiramente os processos pelos quais a criança desenvolve brincando a sua
capacidade imaginativa, para posteriormente estudar as possibilidades de inserir a
linguagem do teatro como experiência estética e artística.

Posteriormente, estudaremos o jogo teatral, importante recurso


metodológico, que pode auxiliar tanto no ensino de outras disciplinas, quanto no
ensino do teatro.

Qualquer atividade, para ser nomeada de jogo, necessita apresentar


elementos específicos, que fazem parte da sua estrutura. Todo jogo possui espaço,
tempo, regras e objetivo. Da mesma forma, o jogo teatral deve ser compreendido na
sua totalidade e implicações, pois sua ação dramática acontece em um tempo
específico, em um local definido e suas regras e objetivos devem estar claros.

Veremos também sobre o Teatro Didático de Bertolt Brecht (1898-1956),


um dos maiores dramaturgos e diretores teatrais do século XX, e sobre o trabalho
do brasileiro Augusto Boal (1931-2009), que ficou conhecido em todo o mundo por
seu Teatro do Oprimido. Ambos, guardadas as diferenças de linguagem estética,
trabalharam para que o público vivenciasse a obra teatral de maneira que este não
se identificasse hipnoticamente com ela, mas que mantivesse uma postura crítica e
analítica da obra. O público, ao contrário de receber passivamente as informações,
agia ativamente na construção da obra artística e na aquisição de conhecimento
necessária para transformação de seu próprio meio social, transformando o espectador
em um espectador participativo.

Nesse tópico, nós estudaremos ainda o Drama, um recurso metodológico


originado na Inglaterra, no qual o professor-mediador assume um personagem
que conduz a atividade, recurso difundido no Brasil a partir da década de 1980,
pela professora doutora Beatriz Ângela Cabral.

21
2 O JOGO DRAMÁTICO
Peter Slade (1912-2004), pesquisador inglês, pioneiro nos estudos do teatro
para crianças, em O jogo dramático infantil (1978), apresenta diversas atividades
práticas, denominadas por ele como jogos dramáticos infantis.

Fundamentado na psicologia da primeira metade do século XX, Slade propunha


o teatro como um veículo para o autoconhecimento e a liberação de repressões
inconscientes. Esta forma de jogo, para o autor, não deveria ter a apresentação e a
relação palco-plateia como finalidade, mas a busca da personalidade e da identidade.

O jogo dramático é inerente ao mundo infantil. É por meio do jogo que a


criança se vincula ao mundo real. Para a criança, não existe uma diferença clara entre
o mundo real e o mundo ficcional. “O jogo dramático infantil é uma forma de arte por
direito próprio; não é uma atividade inventada por alguém, mas sim o comportamento
real dos seres humanos” (SLADE, 1978, p. 17).

Courtney (2001) enfatiza que o jogo é um procedimento de aprendizagem


importante, pois oportuniza o encontro dos problemas humanos com as suas
resoluções possíveis. O jogo pode ser aplicado em todas as áreas e disciplinas com sua
força motriz de criar significados e de permitir com que a criança experimente os
acontecimentos e, por meio da repetição, ganhe o domínio sobre eles.

Courtney ainda aponta a relação direta entre o jogo dramático e o processo


criativo, importante para o desenvolvimento da imaginação do indivíduo. Desde
a infância, brincamos e fingimos ser outra pessoa, atividade essencial para o
desenvolvimento da imaginação, pois esta é essencialmente dramática. A educação
dramática, para Courtney (2001) deve estar no centro de qualquer forma educativa
que objetive o desenvolvimento das características humanas.

No jogo dramático a imersão completa no jogo e a sinceridade se tornam as


principais características. A criança se envolve completamente e se deixa envolver na
ação de ver ou de assumir um papel e a sinceridade se dá na crença total no
procedimento da representação, seja no jogo projetado, em que a criança joga
usando sua mente ou no jogo pessoal, no qual a criança representa a situação.

O jogo pessoal se desenvolve à medida que as crianças atingem


maior controle sobre o próprio corpo e mestria sobre os objetos
com os quais brincam. Para as crianças, seu próprio tipo de drama
significa toda a ação da vida e isso é a sua melhor e mais natural
maneira de desenvolver movimentos e linguagem falada. A
qualidade que elas desenvolvem nesse tipo de jogo é a
sinceridade. É uma qualidade profunda de caráter e se destaca já
nos anos mais precoces (SLADE, 1978, p. 27).

2
Esse jogo ajuda no desenvolvimento das linguagens gestuais e orais, exercendo
influência importante na construção do ser, principalmente em seu comportamento
social e na sua capacidade de se adaptar ao meio em que vive. “A oportunidade de
jogar, portanto, significa ganho e desenvolvimento. A falta de jogo pode significar
uma parte de si mesmo permanentemente perdida” (SLADE, 1978, p. 20).

O jogo proporciona, além do conhecimento de si mesmo, a adaptação ao


mundo e às relações interpessoais. A criança se descobre, primeiramente, por meio da
interação com objetos e, posteriormente, com personagens, quando ela assume
diferentes papéis no jogo social dramatizado, e na relação com o outro.

O papel dos adultos, nesse processo do jogo dramático, é o de mediar, de


encorajar para a entrada no jogo e a permanência nele, de organizar o espaço e,
desta forma, impulsionar a improvisação das suas histórias imaginárias.

Respeitar as criações do grupo, não significa que o adulto mediador não possa
intervir e sugerir outro rumo ou inserir outros elementos, quando isto se fizer
necessário. “O importante é que se mantenha sempre a tensão necessária entre
liberdade de criação e interferência crítica do coordenador do processo, numa relação
em que os dois polos são fundamentais” (DESGRANGES, 2010, p. 98).

Deixar a criança à vontade e livre para experimentar a ação dramática é


importante, mas quando necessário, pode-se orientar no sentido de acrescentar à
cena elementos pontuais, sem impor ou forçar situações que podem deixar a criança
inibida, desanimada ou que possam atrapalhar o seu processo natural.

Dessa forma, consegue-se tornar o jogo dramático infantil uma atividade viva,
reflexiva, em que as crianças possam ser também criadoras e não somente jogadoras.

Cabe ao coordenador guiar esta análise, especialmente em fases


iniciais, até que o grupo perceba com clareza o que importa na
avaliação dos jogos. Isso para que o processo esteja voltado
tanto para o pensamento crítico acerca da vida social, que é uma
característica marcante e relevante do Jogo Dramático, quanto
para o apuro linguístico dos participantes (DESGRANGES, 2010, p.
108).

O professor/coordenador/mediador além de intervir quando necessário no


jogo, também deve iniciar debates reflexivos para a avaliação conjunta, levantando
pontos importantes para o grupo aprender a refletir sobre os jogos.

Por meio da liberação da criatividade promovida pelos jogos e dramatizações,


o teatro colabora para a humanização do indivíduo, promovendo a reflexão sobre os
sentimentos e ações vividos.

23
A seguir, iremos abordar os jogos teatrais, procedimentos com regras
claras, realizados por meio de improvisação, nos quais os jogadores buscam a
solução de problemas utilizando a atuação e, por meio destes, os procedimentos
teatrais também podem ser aprendidos.

3 O JOGO TEATRAL

FIGURA 3 – O JOGO, 2012

FONTE: <http://eraumavezuem.blogspot.com/2012/09/ribeiro2004-considera-que-o-teatro.html>.
Acesso em: 1 maio 2021.

Diferentemente dos jogos dramáticos, que vimos no subtópico anterior, os


jogos teatrais possuem regras claras explicitadas pelo professor/mediador, com
objetivos e resoluções a serem cumpridos pelos jogadores. Pode haver a convenção
entre atuantes e público e delimitação da área de representação, pois o jogo teatral
também pode ser utilizado com o objetivo de ensinar sobre o processo de atuação e
de funcionamento da obra teatral.

Os jogos teatrais são procedimentos lúdicos com regras explícitas.


[...] No jogo dramático entre sujeitos (faz-de-conta) todos são
“fazedores” da situação imaginária, todos são atores. Nos jogos
teatrais o grupo de sujeitos que joga pode-se dividir em “times”
que alternam nas funções de “atores” e “público”. [...] Na
ontogênese o jogo dramático (faz-de-conta) antecede o jogo
teatral” (JAPIASSU, 1998, p. 3).

Quando falamos em jogos teatrais, é impossível não mencionar uma das


maiores estudiosas do assunto, a norte-americana Viola Spolin (1906-1994) e de seu
sistema de atuação com jogos teatrais. Spolin apresenta uma metodologia de
resolução de problemas com perguntas (ONDE, QUEM e O QUÊ), o foco de cada jogo,
o ponto de
2
concentração, instruções claras e a importância da avaliação (reflexão, debate) após
cada jogo realizado. É um método que utiliza a improvisação de cenas, a
caracterização de objetos e/ou lugares, por meio de ações, podendo se utilizar ou
não, de texto falado.

Viola Spolin, segundo Koudela (1984), desenvolveu seu sistema, a partir do


trabalho de muitos anos realizado junto a grupos de teatro improvisacional, e dos
processos de criação coletiva, consequência de seus workshops. Na década de 1960,
impulsionada por uma época em que a necessidade de inovação do teatro era latente,
a autora entendeu que seu trabalho era fruto de imersões e intensos experimentos dos
principais elementos do teatro e do processo criativo e expressivo do ator.

A autora foi traduzida no Brasil por Ingrid Koudela, ampliando os materiais


e pesquisas acerca dos jogos teatrais. A ampliação do universo artístico e cultural
também é um dos resultados dos jogos, que possibilitam a reflexão, a capacidade de
apreciação estética e a consciência das próprias competências e habilidades.

Na escola, o professor de arte ou de teatro, ao elaborar seu planejamento,


deve pensar não apenas o fazer teatral em sala de aula, mas também considerar os
temas transversais, a elaboração de práticas críticas, reflexivas e emancipatórias, pois
a formação de plateia e o incentivo à continuidade artística do aluno são
consequências que podem acontecer, mas não devem ser o objetivo principal. Os
jogos teatrais são muito utilizados também na formação de artistas de teatro e é
perceptível que uma grande parte dos materiais disponíveis no mercado, relacionados
ao ensino de teatro, giram em torno do trabalho com jogos teatrais.

É de extrema importância que se leve em consideração a idade dos alunos,


para que os jogos possam desenvolver as capacidades cognitivas e sociais de cada
faixa etária e que, no processo de aprendizagem, o aluno desenvolva todas as
habilidades e competências das quais necessita.

A seguir, veremos o espectador participativo, um dos elementos importantes


que revolucionaram a pedagogia do teatro no século XX.

4 O ESPECTADOR PARTICIPATIVO
Quando falamos do espectador participativo e do teatro como forma de
questionamento, de ação e reflexão crítica, de educação política, não podemos deixar
de falar das propostas metodológicas do Teatro Didático do alemão Bertold Brecht e
do Teatro do Oprimido de Augusto Boal, diretor teatral brasileiro, autor, teórico ligado à
concepção da educação de Paulo Freire e maior representante do teatro participativo
no Brasil.

25
Bertolt Brecht foi um diretor teatral, dramaturgo e teórico alemão que
revolucionou a pedagogia do teatro, quando considerou que o público deveria tomar
um posicionamento crítico, “distanciado” em relação ao espetáculo. Diferentemente do
teatro realista, no qual o público identifica-se quase hipnoticamente com o
acontecimento cênico, o que o impede de pensar e analisar de forma crítica, a
proposta dramática do alemão Bertolt Brecht deriva da filosofia marxista e apresenta
uma solução para a atitude passiva do espectador, a fim de distanciá-lo do
embotamento das emoções e fazê-lo refletir na busca por resoluções concretas para
os problemas sociais.

Já o Teatro do Oprimido de Augusto Boal, que surge da necessidade de reação


às relações ditatoriais presentes na América Latina, na década de 1960, promove uma
desativação do papel do espectador como mero observador e o instiga não somente a
refletir, mas a agir em busca da solução juntamente com os atuantes.

NOTA
o socialista inglês e francês (socialismo utópico) e da economia Inglesa do século XIX. O marxismo,

4.1 O TEATRO DO OPRIMIDO DE AUGUSTO BOAL

FIGURA 4 – MURRO EM PONTA DE FACA, 2019

FONTE: <http://augustoboal.com.br/category/pecas/>. Acesso em: 2 jun. 2021.


2
O livro de Paulo Freire, Pedagogia do oprimido (1968), é um dos seus
trabalhos mais conhecidos mundialmente. Freire sintetiza nele seus pensamentos
sobre as relações de dominação na sociedade nas quais opressores e oprimidos estão
colocados em campos opostos na luta de classes. O pensamento marxista perpassa
o sentido de sua obra e é um instrumento para refletirmos sobre o ser humano, as
relações sociais, as lutas de classe, a liberdade de expressão e a longa desumanização
do sujeito camuflada no processo de exploração. "Dentro desta visão inautêntica de si
e do mundo os oprimidos se sentem como se fossem uma quase “coisa" possuída
pelo opressor" (FREIRE, 1987, p. 50).

Paulo Freire foi um filósofo e educador brasileiro reconhecido em todo


mundo por sua contribuição a pedagogia mundial. Patrono da Educação no Brasil
influenciou o movimento chamado Pedagogia Crítica. Para Freire (1987), o oprimido
deve ser conscientizado dessa realidade, para evitar a alienação e a desumanização.
No contexto do ensino do teatro, percebemos que o Teatro do Oprimido possui uma
potencialidade pedagógica que possibilita ao professor desenvolver uma prática
problematizadora e ao estudante a não se ver como um cidadão passivo, mas como
um cidadão ativo que pode contribuir na transformação do contexto social no qual
está inserido. “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 1987, p. 78).

Assim como Paulo Freire, Augusto Boal também ficou conhecido


internacionalmente pela busca da conscientização das relações oprimido/opressor,
mas por meio da pedagogia teatral. Augusto Boal buscou nas propostas de Paulo
Freire, as premissas para a criação e o desenvolvimento do seu Teatro do Oprimido.
Na proposta do teatro político, Augusto Boal estrutura seu teatro a partir de técnicas
que objetivam aproximar o teatro das massas, instigar o pensamento crítico para a
transformação social, democratizar a linguagem artística e a participação efetiva do
público no acontecimento teatral, inclusive, modificando o curso das cenas. O Teatro
do Oprimido “[...] em todas as suas formas, busca sempre a transformação da
sociedade no sentido da libertação dos oprimidos” (BOAL, 2013, p. 18).

No livro O teatro do oprimido e outras poéticas políticas, 1991, Boal simboliza


seu método teatral com a imagem de uma árvore, por representar possibilidade de
transformação constante. A “Ética da Solidariedade”, para Boal, encontra-se na raiz
desta árvore. Os princípios da Ética alimentam o tronco e as folhas. Já “a capacidade
de perceber o mundo através de todas as artes e não apenas do teatro” (BOAL, 2013
p. 15), está no tronco, na base. Os jogos, que estimulam os processos estéticos por
meio da criatividade e da imaginação, com regras definidas, se encontram também no
tronco. Boal reuniu os jogos no livro Jogos para atores e não atores, 2008. “[...] os
jogos ajudam a desmecanização do corpo e da mente alienados às tarefas repetitivas
do dia a dia [...]. Os jogos facilitam e obrigam a essa desmecanização sendo, como
são, diálogos sensoriais onde, dentro da disciplina necessária, exigem a criatividade
que é a sua essência” (BOAL, 2013, p. 16).

27
As seis técnicas que estruturam o teatro do oprimido se ramificam na copa
da árvore simbólica. São elas: o Teatro Invisível, o Teatro Legislativo, o Teatro Fórum,
o Teatro Imagem, o Teatro Jornal e o Arco-Íris do Desejo.

Segundo Boal (2013), no Teatro Invisível, são realizadas cenas teatrais, de


protesto, sem que o público identifique como ficção. O público acredita que o
protesto está ocorrendo na realidade. Iniciado por Boal na Argentina, em seu exílio de
1971 a 1973, a técnica acontece em local público e permite que os atuantes não sejam
identificados como atores, nem o ato de protesto como ato ficcional.

Diferentemente, o Teatro Legislativo simula uma sessão da Assembleia


Legislativa em que são entregues propostas de leis para os parlamentares. Essa
técnica teve seu início quando Boal foi vereador da cidade do Rio de Janeiro, em
1993. A ideia do Teatro Legislativo é transformar em leis as necessidades da
comunidade na qual ele está sendo apresentado.

Já o Teatro Fórum permite que o espectador se torne participante do


espetáculo, alterando o seu roteiro original. As sessões do Fórum são conduzidas por
um ator “curinga” que instiga ações concretas e passíveis de desenvolvimento,
representando uma realidade opressiva. O espectador recebe a liberdade de modificar
a história, intervindo quando achar necessário.

No Teatro Imagem trabalham-se formas de comunicação e expressão não


verbais por meio de ações corporais. Este objetiva exprimir ações sem o uso da
linguagem falada, utilizando o corpo como plataforma expressiva e modelando-o
conforme a necessidade.

Iniciado nos anos 1960, o Teatro Jornal, muito utilizado no Núcleo do Teatro
Arena, Núcleo em que Boal esteve à frente, tinha como objetivo, driblar e denunciar a
opressão imposta às artes pelo regime militar.

Na técnica Arco-Íris do Desejo, as situações de opressão introjetadas e


assimiladas tornam teatrais essas experiências, que estão mais voltadas para uma
experiência de cunho pessoal, mas que se conecta com todas as outras técnicas.

Todas as técnicas desenvolvidas por Boal possuem um caráter democrático,


permitindo a reflexão sobre os problemas sociais. O público assume o lugar dos atores,
tornando-se “spect-atores” (BOAL, 2013). Um teatro que pretende ser
revolucionário, político, reflexivo, instrumento de luta, quebrando paradigmas que
condicionam o espectador à passividade.

Na proposta de Boal (2013), a própria realidade é encenada pela plateia. A


estética do Teatro do Oprimido baseia-se em levar os sujeitos oprimidos a uma tomada
de consciência das opressões sofridas, para que estes possam reunir ferramentas para
caminharem em busca da emancipação.

2
Boal (2013) concebe o teatro como instrumento de luta e emancipação social,
fazendo do teatro um recurso metodológico para que os participantes exercitem
uma postura crítica, reflexiva, autônoma e politizada. Instiga a tomada de posição e
a ação efetiva.

Como vimos anteriormente, o ensino do teatro por si só propicia experiências


estéticas em que o estudante possa ser sujeito de sua própria aprendizagem,
conhecendo desde seu corpo e suas potencialidades expressivas até seu contexto
social.

O Teatro do Oprimido é uma atividade artístico-pedagógica que exercita a


prática dialógica com diferentes campos do saber e instiga a reflexão sobre o contexto
social e político, contribuindo com a dimensão transformadora da educação, como
alternativa para professores, estudantes e comunidade.

A seguir, veremos o teatro de Brecht e o seu caráter didático. Boal foi


completamente influenciado pelo teatro político, democrático e reflexivo de Brecht.

4.2 O JOGO DE APRENDIZAGEM DE BERTOLT BRECHT

FIGURA 5 – BERTOLT BRECHT, EM 1941, ORIENTANDO A ATRIZ EM MÃE CORAGEM E SEUS FILHOS, 2017

FONTE: <https://www.correiodeatibaia.com.br/opiniao/em-terra-de-brecht-ninguem-usa-oculos/>.
Acesso em: 2 jun. 2021.

29
Bertolt Brecht, dramaturgo, escritor, teatrólogo e diretor teatral viveu em um
contexto na Alemanha na transição entre o século XIX até a primeira metade do século
XX, em que a Alemanha possuía uma oligarquia financeira conquistada por meio de
uma concentração do capital industrial e bancário, formando grandes monopólios. A
classe operária passava por momentos difíceis e de tempos em tempos protagonizava
manifestações de revolta contra o regime burguês. Por este motivo, toda a obra de
Brecht é marcada pela luta contra o capitalismo e o imperialismo e pela profunda
reflexão sobre a divisão da sociedade em classes.

Nenhum outro escritor e teatrólogo foi tão representativo de sua época


quanto Brecht. Uma época tumultuosa e de protesto foi refletida em suas obras, que
apontam sempre para os problemas fundamentais da luta pela emancipação social.

Marxista, Bertolt Brecht acreditava na dimensão formativa e social do teatro.


Ele nomearia suas peças como “peças de aprendizagem”, pois buscava em suas obras
a conciliação entre a experiência artística e a ação para a transformação da
sociedade.

Os sujeitos desse processo de aprendizagem seriam os próprios atores, além


do público, mas todos os envolvidos deveriam pensar de forma histórica e dialética,
dentro do seu próprio contexto. O texto era tratado como um modelo de ações, um
roteiro que poderia ser alterado, para melhor transmitir o que se deseja.

O teatro seria, para Brecht (1978), a possibilidade de uma aprendizagem


prazerosa e não hierárquica, não restrita a uma faixa etária, na qual aprendizes não
estão abaixo dos que têm algo a dizer, pois, segundo Brecht, a busca pelo
conhecimento nunca se encerra.

A prática pedagógica de suas peças era fundamentada por meio de perguntas


e respostas, interrogatórios, julgamentos e repetição. Na peça A exceção e a regra
(1930/1938), demonstra como nas sociedades divididas por classes, o direito é
utilizado pelas classes dominantes como forma de dominação.

Estranhem o que não for estranho. Tomem por inexplicável o


habitual. Sintam-se perplexos ante o cotidiano [...]
Façam sempre perguntas. Caso seja necessário
Comecem por aquilo que é mais comum [...]
Para que nada seja considerado imutável. Nada, absolutamente
nada. Nunca digam: isso é natural!

BRECHT (1990, p. 129)

3
DICA
cht: um jogo de aprendizagem (1991), oferece uma aprofundada pesquisa sobre as peças didáticas de Brecht.

As obras de Brecht exprimem uma revolta contra a arrogância dos detentores


do poder e possuem a finalidade de alcançar as massas oprimidas e mostrar-lhes que o
teatro é uma ação social voltada a empoderar o público com sua capacidade, seu
direito, sua responsabilidade e seu dever de transformar o meio em que vive. Por este
motivo, Brecht acreditou em uma nova pedagogia do ator, para que este pudesse ter
meios diretos de chegar ao público. Não somente na forma de representar, mas seu
teatro era literalmente levado para onde o público estava. Brecht, junto a outros
artistas, passaram a levar cenas, textos, canções e poemas para os bares, restaurantes
e outros lugares onde o teatro era impensável.

Brecht ocupa-se da arte de maneira consciente e proposital. Trabalhou


sempre no esforço para a desalienação do homem por meio do teatro. Essa posição faz
Brecht optar por um teatro narrativo, crítico e político.

Alguns estudiosos separam a extensa obra de Brecht em três fases: As “peças


da juventude”, Baal (1918/1923), Tambores na noite (1918-20/1922), O casamento do
pequeno burguês (1919/1926), O mendigo ou o cachorro morto (1919), Lux in Tenebris
(1919), entre outras. Estas apresentam um lado anárquico e cínico também presente
em seus primeiros poemas e canções. Segundo Frederic Ewen (1991), o horror de
Brecht ao sentimentalismo o leva ao deboche e ao desafio à moral burguesa. São
textos produzidos em um cenário de fome, miséria e desespero.

A segunda é uma fase tida como preparatória, intermediária, que reúne textos
de teatro didático ou de aprendizagem, foi considerada por alguns um projeto
inacabado, ou abandonado nos anos 1930, no qual Brecht aderiu aos princípios
marxistas, que o levam a designar seu teatro épico de teatro dialético. Nesta fase,
além de fragmentos reunidos sob o título de Teoria da peça didática, há uma
pequena, mas expressiva produção: apesar do caráter didático de todas as obras do
autor, as peças classificadas como “peças didáticas” geralmente, são: Baden-Baden
(1929), O voo sobre o oceano – peça didática radiofônica (1928/1929), Aquele que diz
sim e aquele que diz não – óperas escolares (1929/1930), A exceção e a regra
(1930/1938), A medida (1930), Os horácios e os curiácios – peça escolar (1934) e os
fragmentos Decadência do egoísta Johann Fatzer e O malvado Baal, o associal.

31
A terceira fase é relacionada às obras de Brecht que se tornaram “clássicas”
e que apresentam musicais, como: A vida de Galileu (1937-9/1943), Mãe coragem
(1938-39/1941), O círculo de giz caucasiano (1943-45/1948), A alma boa de Setsuan
(1939-42/1943).

A qualidade estética das obras de Brecht está sempre aliada ao objetivo


social. Uma das características mais importantes é o processo de documentação e
depoimento de uma sociedade e de seus problemas sociais, a fim de que o espectador
pense sobre eles de forma crítica. Tanto o seu teatro épico quanto o seu teatro
didático são narrativos e descritivos e, por meio de um processo dialético, Brecht
apresenta a diversão crítica.

É dessa forma que surgem as peças didáticas de Brecht, com a finalidade de


fazer com que seus participantes fossem ativos e reflexivos. Ingrid Koudela escreve
que “Brecht sente a necessidade de produzir arte distante da indústria cultural [...].
Através desse tipo de peça, Brecht propõe a superação da separação entre atores e
espectadores, através do Funktionswechsel (mudança de função) do teatro (1996, p.
13).

As peças didáticas trabalham com dois principais instrumentos: o gestus social


e o estranhamento ou distanciamento.

Gerd Bornheim escreve que “a finalidade dessa técnica do efeito de


distanciamento consistia em emprestar ao espectador uma atitude crítica, de
investigação relativamente aos acontecimentos que deveriam ser apresentados. Para
isso os meios eram os artísticos” (BORNHEIM, 1992, p. 155). Brecht acreditava que os
acontecimentos comuns deveriam ser olhados de uma forma não familiar, mas com
estranhamento, com “distância”. “Eu compreendo (isto é, penso que compreendo,
porque o tomo como coisa certa). Não compreendo (parece estranho!). Compreendo
de maneira nova. Tornei não familiar o familiar para conhecê-lo verdadeiramente.
Efetuei uma transição de ‘O quê’ para o ‘como’” (EWEN, 1991, p. 244). Esse é o cerne
de um processo dialético, pois o compreensível torna-se um conhecimento crítico.

Nesse processo, o Gestus social torna-se o sumo do processo, a seiva.

O ator leva seu ouvinte conforme a classe a que este pertence, a


justificar ou a repudiar tais condições. [...] Por “gesto social” deve-se
entender a expressão mímica e conceitual das relações sociais que
se verificam entre os homens de uma determinada época (BRECHT,
2005, p. 109).

O personagem se torna símbolo das relações sociais de uma determinada


época. Não é qualquer gesto que seria sublinhado, mas aqueles que se
articulariam com os grupos sociais que o personagem representa.

3
A construção de uma representação teatral alicerçada no conceito de
distanciamento objetiva a clareza do caráter social e da possibilidade de mudança
daquilo que vemos. Essa visão marcou profundamente a história da dramaturgia e do
teatro mundial.

Inventar um ator que pelo seu desempenho incite o espectador


a questionar-se. Questionar-se sobre o comportamento dos
personagens; sobre as ações que estes empreendem ou se recusam
a empreender; sobre as relações de força que subjazem às relações
sociais etc. Um ator que saiba evitar a hipnose do espectador,
lembrando-lhe - através dos processos de distanciamento - que o
palco não é a imagem de um mundo subitamente tornado
inofensivo, que o espetáculo não imita a realidade, mas permite
enxergá-la (ROUBINE, 1998, p. 181).

O teatro épico de Bertolt Brecht estaria centrado na dimensão pedagógica do


teatro, tanto em relação à democratização da produção teatral, quanto em afirmar ao
espectador a possibilidade reflexiva e autoral do seu ato, posicionando o espectador
como sujeito protagonista na transformação do próprio contexto social. Essas
propostas foram formuladas por Brecht na primeira metade do século XX e, como
vimos, em um contexto histórico-social distinto, mas os experimentos deste encenador
alemão e suas reflexões permanecem atuais e necessárias.

DICA
A obra de Brecht é vasta e complexa, assim como seus conceitos e procedimentos. Por esse motivo

A seguir, veremos um recurso pedagógico teatral que nasceu nos países anglo-
saxões e que hoje é utilizado em vários países do mundo, principalmente no contexto
escolar: o Drama.

33
5 O DRAMA COMO RECURSO METODOLÓGICO

FIGURA 6 – DRAMA, 2019

FONTE: < https://classful.com/experiential-learning-education/>. Acesso em: 11 jun. 2021.

O Drama é uma metodologia teatral de ensino originada na Inglaterra por meio


de trabalhos da atriz e professora Dorothy Heathcote (1926-2011). O drama foi
difundido no Brasil a partir da década de 1980 pela professora e pesquisadora Beatriz
Ângela Cabral da Universidade do Estado de Santa Catarina.

ESTUDOS FUTUROS
Você poderá ler um artigo da professora Beatriz Ângela Cabral no final
desta unidade.

O Drama, nos anos de 1970, “passou a ser reconhecido como uma forma de
arte e praticado em países como Austrália, Inglaterra, Canadá, alguns países do norte
europeu e nos Estados Unidos”, como pontua O’Toole (1992, p. 4).

3
Nessa metodologia, os participantes entram em uma situação ficcional
sugerida pelo condutor/mediador do processo, agem como seres ficcionais ou
personagens e a partir dos estímulos (textos, objetos, imagens, entre outros),
constroem uma narrativa.

[...] a atividade dramática está centrada na interação com contexto


e circunstâncias diversas, em que os participantes assumem papéis
e vivem personagens como se fizessem parte daquele contexto
naquelas circunstâncias. Para o participante isto significa ‘assumir
o controle da situação’, ser o responsável pelos fatos ocorridos.
Envolvimento emocional e responsabilidade pelo desenvolvimento
da atividade são características essenciais do Drama – o aluno é o
autor de sua criação (CABRAL, 2006, p. 33).

Diferentemente do jogo de faz de conta, que é uma atividade naturalmente


presente na vida da criança, o Drama, como recurso metodológico e prática teatral
apropria-se do espaço ficcional mediante a inserção do conhecimento que ocorre com
o envolvimento dos participantes em situações dramáticas. O Drama é a encenação de
um ambiente ficcional como se os participantes estivessem realmente nestas
situações, fazendo com que precisem lidar com questões do mundo real e com que
reflitam sobre a experiência.

Os processos de Drama podem ter os mais distintos objetivos, questões e


temas e podem transitar pelos conteúdos curriculares, por meio de experiências e
estruturas da linguagem teatral.

Inclusive, pode-se desenvolver projetos de Drama em processos de ensaios de


espetáculos teatrais, para a formação de profissionais do teatro, utilizando um texto
teatral ou pretextos para a apropriação e/ou criação do texto dramatúrgico original,
bem como podem ser aplicados em situações de sala de aula em qualquer disciplina.
Bowell e Heap (2013, p. 1) afirmam que “[...] todas essas formas de experiência dramática
compartilham os mesmos elementos comuns ao teatro: foco, metáfora, tensão,
símbolo, contraste, papéis, tempo, espaço [...]”.

A essência do Drama é a experiência de estar em outro tempo/espaço,


vivenciando diferentes personagens dentro de um contexto ficcional, mas não voltado
ao público, sim ao processo.

O Drama possui algumas convenções sistematizadas, com regras claras, assim


como os jogos teatrais, mas o orientador do processo, diferentemente do jogo teatral,
geralmente assume um personagem/condutor. Além disto, o Drama possui algumas
convenções que devem ser estabelecidas de forma clara para que a experiência possa
se desenvolver com melhor aproveitamento. São elas:

Contexto ficcional: é importante observar o contexto do grupo para entender


como este interage com a temática, dialogando com a realidade dos participantes e
ampliando as percepções deles, para que o processo de drama seja mais significativo.

35
É

3
importante conhecer “[...] suas idades, gêneros, experiências, a situação social da
saúde do grupo, a cultura, o caráter da escola, o espaço onde o Drama está
acontecendo, as demandas curriculares e assim por diante” (BOWELL; HEAP, 2013, p.
23).

Essa ação permite encontrar focos de interesse que possam inspirar a criação
de contextos dramáticos. Cada processo de Drama é singular, já que tem como
foco gerador os interesses e necessidades do grupo.

O pré-texto: Cecily O’Neill se refere ao pré-texto como “[...] a fonte ou impulso


para o processo de Drama [...] a razão para o trabalho [...] um texto que existe antes
do evento” (O’NEILL, 1995, p. 15). Indica a utilização de contos populares, lendas,
fábulas como pretextos por apresentarem sugestão de papéis e situações. O pré-texto
é uma referência (textual, visual, musical, histórica, artística, entre outras), que inspira
e apoia o desenvolvimento do processo para que não haja fugas da coerência
dramática.

Os episódios: como afirma Desgranges (2006, p. 125), “não se pode pensar


em Drama sem pensar em processo”. O drama se desenvolve a partir de um acúmulo
de experimentações diferenciadas, do enfrentamento de situações que levam a
descobertas e a novos desafios em torno de um tema, compondo uma narrativa. Nesse
sentido, a construção da narrativa, pelos participantes, está estruturada a partir da
ideia de processo. O professor ou condutor do processo cria o contexto ficcional, a
partir de um pretexto, e utiliza-se de diferentes estratégias para levar o grupo a
vivenciar situações dramáticas e improvisar como se os participantes estivessem em
tais situações, sendo eles próprios ou experimentando papéis. As proposições
seguintes dependerão, em grande parte, das respostas dos sujeitos às atividades
realizadas. O condutor apropriar-se-á das vozes dos jogadores, de suas ações e
opiniões, para lançar outra proposição, reforçando a tensão dramática, quando
necessário, estabelecendo parcerias e confrontos entre os participantes ou com os
materiais apresentados.

Diferentemente de propostas tradicionais de trabalho com a linguagem


teatral, em geral pautadas na montagem de espetáculos, o Drama propõe a
experimentação contínua, a investigação dramática, a exploração do material. Cada
nova proposição, situação criada ou atividade realizada, é considerada um episódio do
Drama. Podemos pensar os episódios como unidades cênicas que compõem o processo.

Observando as palavras de Desgranges (2006, p. 126), “[...] os episódios são os


fragmentos e/ou eventos que compõem a estrutura narrativa. O processo desenvolve-
se através de episódios que vão pouco a pouco construindo a narrativa teatral”. Nesse
sentido, os membros do grupo experimentam as propostas à medida que as constroem
com a sua intervenção. A inserção de um novo elemento ou nova situação (tarefa,
desafio, atividade) é um novo episódio do drama. A duração do episódio vai depender
da proposta realizada. Se o professor tem como objetivo desenvolver um processo de

37
drama em uma sessão (um encontro) ele pode dividir esse processo em cinco ou seis

3
episódios ao longo desse período. Todas as etapas contribuem com o aprofundamento
de uma mesma questão investigada em um mesmo episódio, cabendo ao condutor
escolher as estratégias que levem as crianças a perceberem a questão sobre
ângulos distintos. Uma nova questão ou novo problema origina um novo episódio.

A vivência de papéis: vivenciar papéis é uma atividade natural para as


crianças e dentro de um processo de Drama, elas são incentivadas a assumir
papeis coletivamente. No Drama essa vivência é um elemento fundamental para a
imersão no ambiente ficcional. A vivência de papéis é realizada tanto pelos
participantes quanto pelo professor (como professor-personagem) e percebem ao
longo do processo como suas ações têm influência na continuidade dos
acontecimentos.

Ao vestir o papel, o professor utiliza a linguagem teatral para se comunicar


com a criança e contribui com a construção do ato ficcional. Ao tomarem o professor
como referência, as crianças se sentem tentadas a experimentar papéis mais
elaborados, utilizando-se de recursos como figurinos, objetos, construção corporal
e vocal diferenciada. O professor/personagem pode criar situações desafiadoras e
utilizar-se de materiais textuais, de objetos, de estímulos distintos para estimular a
imaginação das crianças. Ao criar contextos ficcionais o professor/personagem
pode possibilitar não somente o conhecimento de diferentes disciplinas, mas também
a construção do conhecimento relacionado a linguagem teatral, por meio da
exploração dramática.

DICA
SUGESTÕES DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1

Onde com ajuda


Primeiramente, os alunos devem desenhar uma planta baixa que contenha objetos de cena
do Onde (lugar definido previamente).
Este jogo foi proposto por Viola Spolin no livro: Spolin, V. Improvisação para o teatro. São
Paulo: Perspectiva, 2010.

“Dois jogadores Estabelecem Onde, Quem e O Quê. Os jogadores realizam a cena


estabelecendo contato com os objetos do ambiente, auxiliando um ao outro a
solucionar o problema.
PONTO DE CONCENTRAÇÃO: ajudar um ao outro a estabelecer contato com todos os
objetos que estão no Onde, enquanto interpretam o Quem e o Quê.
AVALIAÇÃO – Eles estabeleceram contato com os objetos por meio de Quem eles eram e do
O que estavam fazendo, ou apenas ao acaso, simplesmente para "tocar os objetos"?

39
PONTO DE OBSERVAÇÃO

1. Recomende aos jogadores para usarem muitos detalhes ao desenharem suas plantas-
baixas (por exemplo: portas, janelas, tapetes). O O quê deve ser mantido na forma
simplificada, sem qualquer tensão entre os atores (por exemplo: arrumando o cabelo
no cabeleireiro, assistindo à TV etc.).
2. Os jogadores devem levar suas plantas-baixas para o palco para consulta. Outra
planta- baixa deve ser desenhada no quadro-negro, para a plateia, [se houverem
outros jogadores assistindo]. Se não houver quadro-negro, deve ser fornecida uma
planta- baixa especial (sem indicações de relacionamento e O quê) para a plateia.
3. O exercício termina no momento em que ambos os atores tiverem estabelecido contato
com tudo o que há no Onde. Às vezes, é necessário anunciar: "Um minuto!" para
terminar o exercício, embora ele geralmente termine por si mesmo”.

ATIVIDADE 2

Exercício do Teatro do Oprimido, de Augusto


Boal, descrito no livro: BOAL, A. Jogos para
atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006. Uma mesa, seis cadeiras
colocadas lado a lado
com a mesa e, em cima da mesa, uma garrafa.
Os participantes são convidados para, um de
cada vez, arranjar os objetos de maneira que
uma das cadeiras ganhe uma posição superior,
mais forte de maior evidência ou maior poder,
em relação às outras, à mesa e à garrafa. Todos os
objetos podem ser movidos e colocados uns sobre
os outros, ou ao lado, ou em qualquer lugar,
porém, nenhum pode ser movido para fora do
espaço. O grupo trabalhará, sem interrupção, um
grande número de variações nas estruturas
possíveis, tentando verificar como
uma estrutura espacial contém pontos fortes e
fracos: trata-se sempre de uma estrutura de poder.
Em qualquer lugar que estejamos, vivemos
sempre em estruturas espaciais de poder.
Quando vamos ao banco, se entramos na fila do
caixa, temos muito pouco poder; se nos
sentamos à mesa com o gerente, cresce o nosso
poder; se o gerente, ainda
por cima, tem uma sala reservada, nosso poder será
ainda maior: fomos recebidos pelo chefe. Estruturas
espaciais de poder existem em toda parte: na
sala de aula, na igreja e até dentro de casa.
Onde fica
o lugar do pai – perto da geladeira ou perto da
televisão ou na cabeceira da mesa? E o da mãe? –
perto da porta da cozinha? E o de cada filho?
Muitas vezes, as crianças brigam para conquistar
tal ou qual lugar à mesa: estão lutando pelo
poder, não pelo lugar, porque a comida é a
mesma... Depois de cada organização do espaço
cada um deve dizer
por que sente que esta ou outra é mais forte,
mais poderosa: claro que não é preciso chegar

4
a um acordo – a pluralidade de sentimentos e
opiniões é que se torna estimulante e criativa.
Escolhe-se depois uma estrutura determinada,
que pode ser uma das que foram criadas ou
outra qualquer,

41
como, por exemplo, uma cadeira atrás da mesa diante de dois pares de cadeiras e mais uma no
que o segundo arrebatou. Depois, sempre que alguém conquista esse poder, permanece em cen
se aproveitá-lo ou não. (BOAL, 2006, p. 217).

4
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A criança se descobre, primeiramente, por meio da interação com objetos e,


posteriormente, com personagens, quando ela assume diferentes papéis no jogo
social dramatizado, e na relação com o outro.

• Os jogos teatrais possuem regras claras explicitadas pelo professor/mediador, com


objetivos e resoluções a serem cumpridos pelos jogadores, que é um método que
utiliza a improvisação de cenas, a caracterização de objetos e/ou lugares, por meio
de ações, podendo se utilizar ou não, de texto falado.

• Na proposta de Boal, a própria realidade é encenada pela plateia. A estética do


Teatro do Oprimido baseia-se em levar os sujeitos oprimidos a uma tomada de
consciência das opressões sofridas, para que estes possam reunir ferramentas para
caminharem em busca da emancipação, pois Boal, influenciado por encenadores
como Bertolt Brecht e por educadores como Paulo Freire, concebe o teatro como
instrumento de luta e emancipação social.

• A característica mais importante da obra de Brecht é o processo de documentação


e depoimento de uma sociedade e de seus problemas sociais, a fim de que o
espectador pense sobre eles de forma crítica. Tanto o seu teatro épico quanto o seu
teatro didático são narrativos e descritivos e, por meio de um processo dialético,
Brecht apresenta a diversão crítica.

• A essência do Drama é a experiência de estar em outro tempo/espaço, vivenciando


diferentes personagens dentro de um contexto ficcional, mas não voltado ao
público, sim ao processo. O Drama possui algumas convenções sistematizadas, com
regras claras, assim como os jogos teatrais, mas o orientador do processo,
diferentemente do jogo teatral, assume um personagem/condutor.

43
AUTOATIVIDADE
1 “O jogo dramático infantil é uma forma de arte por direito próprio; não é uma atividade
inventada por alguém, mas sim o comportamento real dos seres humanos” (SLADE,
1978, p. 17). A respeito do jogo dramático, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) É um procedimento inerente ao universo infantil.


b) ( ) É um procedimento exclusivamente artístico.
c) ( ) É um procedimento imaginativo, mas não agido.
d) ( ) É um procedimento utilizado apenas por professores e profissionais da educação.

2 No Teatro Invisível são realizadas cenas teatrais de protesto, sem que o público
identifique como ficção. O público acredita que o protesto está acontecendo e
a técnica se desenvolve em local público, permitindo que os atuantes não
sejam identificados como atores. A ficção se mistura com a realidade e imprime
uma visão crítica do momento presente. Por quem esse tipo de teatro foi
desenvolvido?

a) ( ) Viola Spolin.
b) ( ) Augusto Boal.
c) ( ) Bertolt Brecht.
d) ( ) Peter Slade.

3 Ao vestir o papel, o professor utiliza a linguagem teatral para se comunicar com


a criança e contribui com a construção do ato ficcional. Ao tomarem o professor
como referência, as crianças se sentem tentadas a experimentar papéis mais
elaborados, utilizando-se de vários recursos. O professor/personagem pode criar
situações desafiadoras e utilizar-se de materiais textuais, de objetos, de estímulos
distintos para estimular a imaginação das crianças. Como é chamada essa
metodologia em que o professor/mediador participa assumindo um personagem?

a) ( ) Jogo dramático.
b) ( ) Drama.
c) ( ) Teatro do oprimido.
d) ( ) Teatro didático.

4 O teatro épico de Bertolt Brecht estava centrado na dimensão pedagógica do


teatro, tanto em relação à democratização da produção teatral, quanto em afirmar
ao espectador o dever de se posicionar e agir diante dos problemas sociais,
colocando o espectador como sujeito ativo na transformação do próprio contexto
social. Disserte sobre a relação ator-público no teatro didático proposto por Bertolt
Brecht.

4
5 No livro Improvisação para o Teatro, Editora Perspectiva, 2008, páginas 226-227,
Viola Spolin demonstra a sua visão pedagógica sobre o ensino do teatro por meio do
jogo teatral, apresentando diversos exercícios práticos desenvolvidos ao longo
de seus anos em sala de aula. Spolin defende que as instruções feitas aos
estudantes devem ser concretas e não subjetivas. O estudante deve ter claro em
mente as instruções e o objetivo do jogo. Sobre a pedagogia de Viola Spolin,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Os jogos teatrais são atividades não interativas, realizadas somente com a


presença de espectadores.
b) ( ) A proposta de Spolin permaneceu no âmbito teórico, não gerando atividades de
cunho prático.
c) ( ) O jogo teatral de Spolin não deve ser utilizado em processos de construção
de espetáculos com fins estéticos e artísticos.
d) ( ) O objetivo do jogo teatral e da improvisação teatral é o mesmo, pois ambos
dependem das interações cênicas entre os participantes, imbuídos na resolução
de um problema.

45
UNIDADE 1 TÓPICO 3-
A PEDAGOGIA DO ATOR NO SÉCULO XX

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no Tópico 3, veremos a Pedagogia do Teatro, um dos
maiores acontecimentos do teatro do século XX. Preconizada por Stanislavski, a
Pedagogia do Teatro foi totalmente reformulada no início do século para atender às
perspectivas de um novo teatro, que consequentemente necessitava de um novo
ator e de uma nova pedagogia.

Stanislavski, por meio de estudos práticos em seu teatro-laboratório,


desenvolveu seu "Sistema", um método de formação de atores utilizado em todo o
mundo e traduzido em várias línguas.

A ação é o foco central do Sistema de Stanislavski, uma pedagogia conduzida


por objetivos e atividades, cujo elemento instigador são as circunstâncias presentes
no roteiro ou na dramaturgia.

Neste tópico também estudaremos Jerzy Grotowski (1933-1999) e Eugenio


Barba (1936), dois grandes diretores teatrais, teatrólogos, e pedagogos do teatro que
construíram metodologias próprias de preparação de atores, bem como quebraram
alguns paradigmas presentes na linguagem teatral.

Para Grotowski (1971), a principal preocupação do teatro deve ser a relação com
a plateia, não com os objetos materiais (cenários, figurinos etc.). Estes, Grotowski reduz
ao essencial para que a obra aconteça, pois esses elementos materiais seriam apenas
muletas para deixar o ator dependente. Eliminar tudo o que é desnecessário para que
os atores pudessem encontrar o essencial em si e na relação com o outro, era o
objetivo de Grotowski e de seu “Teatro Pobre”.

Por fim, veremos Antonin Artaud (1896-1948) um dos maiores teóricos e


pensadores do teatro e da pedagogia do teatro no século XX, que trouxe importantes
problematizações para a área e grandes reflexões sobre o trabalho do ator.

Ler Artaud é ser impactado profundamente por uma obra intensa, visceral
e questionadora. Artaud não via a arte como entretenimento, mas como a única
possibilidade de se ter uma experiência única e transformadora. Suas propostas
dramáticas são descrições incríveis de obras de arte únicas e completamente
inovadoras.

4
Após o Tópico 3, ao final da unidade, você poderá ler um artigo da professora
Beatriz Ângela Cabral, uma das maiores estudiosas do Drama e quem difundiu no Brasil
esse procedimento pedagógico teatral.

2 O MÉTODO STANISLAVSKI
Constantin Stanislavski (1853-1938) fundou em 1897, juntamente com outros
colaboradores, o Teatro de Arte de Moscou. Depois de dedicar-se à direção teatral de
peças de grandes autores russos, como Anton Tchekov (1860-1904) e Maksim Gorky
(1868-1936) e de ter trabalhado com o projetista teatral britânico Edward Gordon Craig
e o encenador Vsevolod Meyerhold, os quais veremos mais adiante, dedicou-se a
formação de atores e diretores teatrais durante muitos anos, até o seu falecimento em
1938.

Stanislavski deixou um dos métodos de formação de atores mais utilizados


do mundo, posteriormente traduzido e publicado em várias línguas. Seu método está
presente nos livros escritos entre 1925 e 1938: A minha vida na arte, A preparação
do ator, O trabalho de um ator sobre si mesmo, A construção de uma personagem,
Criar um papel. Esse conjunto de escritos forma o seu “sistema”, cuja metodologia
envolve o estudo das ações físicas, do realismo psicológico e do mecanismo das
emoções autênticas.

No teatro de Stanislavski, “a relação da plateia com a peça encenada é a da


não- aproximação” (FERNANDES, 2006, p. 6). De acordo com o autor, esta relação é
utilizada no Teatro Realista/Naturalista de Stanislavski, que também pode ser
denominado de Teatro Psicológico. No Teatro Realista, o objetivo é representar a
realidade e, assim, todos os elementos devem estar evidentes para a plateia. No Teatro
Psicológico, “a plateia deve identificar-se com a peça, mas jamais deverá tomar parte
dela” (FERNANDES, 2006, p. 6). A plateia não interage com a peça, como no teatro de
espectador participativo, como vimos no tópico anterior, apenas deve assistir a ela
passivamente. Qualquer manifestação do público deve ser ignorada, como se houvesse
uma parede entre atores e público. Ainda conforme Fernandes (2006), no Teatro
Realista, a convenção utilizada para o posicionamento dos atores e do público é o
“palco italiano”, no qual a peça é encenada em um nível superior ao da plateia de
frente para ela. Esta é a posição da maior parte dos espaços teatrais ocidentais. O
cenário no teatro realista deve ser disposto exatamente com os elementos descritos
pelo autor no texto teatral. Estas encenações realistas foram questionadas pelos
encenadores que revolucionaram as artes cênicas no século
XX. A “quebra da quarta parede”, isto é, a interação com o público ou a consideração
deste foi perseguida por encenadores como Brecht, que instigavam uma comunicação
direta com a plateia, para que esta fosse retirada do seu local de passividade e
pudesse se sentir parte do processo, como vimos anteriormente.

47
Stanislavski pregava o conhecimento da técnica para a liberdade na atuação, o
conhecimento profundo de si mesmo e o total domínio dos objetivos do personagem
e da cena. Os principais elementos trabalhados no “Sistema” são: o relaxamento para
a eliminação das tensões desnecessárias e a fluência dos movimentos corporais e
vocais, a observação ativa e a concentração nos objetivos (o círculo de atenção), a
ênfase nos detalhes, o foco na situação e a ação psicofísica, cuja ação leva a emoção
e não o contrário. O ator deveria encontrar por meio da técnica motivos internos que
justificassem a intenção e a motivação da personagem. Stanislavski revolucionou a
pedagogia do teatro, lançando importância para um trabalho contínuo de treinamento
e desenvolvimento do ator, que antes era voltado apenas para a criação de um
espetáculo.

O objetivo de Stanislavski era o de reconstruir a forma de representar, na


qual os atores seriam criadores de personalidades autênticas. Procurou, assim como
vários encenadores que revolucionaram o teatro no século XX, destacar o processo de
representação e das ações psicofísicas dos atores, atribuindo a eles um protagonismo
no teatro que antes era do texto teatral.

Na peça, enfatizou os elementos que sublinhassem as relações entre as


personagens e fez de seu grupo um laboratório de pesquisa de interpretações
inovadoras e críveis. Foi neste clima de pesquisa laboratorial que Stanislavski começou
a projetar o Sistema, um projeto pesquisado e sustentado por atividades sistemáticas
e coerentes, com uma encenação naturalista, centrada na figura do ator. O ator
deveria sentir aquilo que a personagem sentia desde que esses sentimentos fossem
concretizados por meio da ação, estimulando a criação para ativar o
subconsciente através de técnicas de recriação das causas psicológicas do
comportamento da personagem, dando-lhe materialização. Esse é o papel do “e
se”, que envolve a imaginação de circunstâncias e situações “como se” fosse a
personagem, prevendo as consequências de cada comportamento dele, no qual as
perguntas “O quê”, “Por quê?” e “Como?” são norteadoras da cena.

As situações, ou as “circunstâncias propostas” são apresentadas pelo


dramaturgo no texto ou sugeridas pelo encenador, mas devem ser materializadas pelo
ator. Os “círculos de atenção”, com foco nos objetivos da cena, reuniam técnicas de
meditação inspiradas na ioga e a atenção aos detalhes ajudavam a concentração.

A ação é o elemento central da pedagogia de Stanislavski, conduzida


sempre por objetivos e tarefas instigadas por problemas ou circunstâncias presentes
no roteiro ou na dramaturgia. Tudo isso desembocava em um “superobjetivo”, aquilo
que move a personagem até mesmo em suas pequenas ações. A improvisação nas
salas de ensaio, por meio dos conflitos presentes no enredo da peça, instigava a
revelação do personagem no corpo e nas ações do ator.

4
O “Método das Ações Físicas” foi um termo cunhado após a morte de
Stanislavski, mas foi perceptível em todo o seu trabalho, que procurou transformar a
análise passiva da representação em análise ativa por parte do ator, resultante da
experiência do personagem.

A ação cênica é o movimento da alma para o corpo, do centro para


a periferia, do interno para o externo, da coisa que o ator sente
para asua forma física. A ação exterior em cena, quando não é
inspirada, justificada, convocada pela atividade interior, só poderá
entreter os olhos e os ouvidos. Não penetrará no coração, não terá
importância para a vida de um espírito humano em um papel
(STANISLAVSKI, 1995, p. 63).

O ambiente de trabalho era rígido e intenso, mas incentivava a liberdade para


as descobertas interiores do ator.

Após a morte de Stanislavski, o seu sistema foi disseminado por alguns


colaboradores que trabalharam em seus estúdios e que ministraram aulas
principalmente nos Estados Unidos. Professores de outras nacionalidades também
fizeram este trabalho, como Stella Adler, que fez parte do Group Theatre (fundado
em Nova Iorque na década de 1930), Lee Strasberg, que influenciou atores de cinema
como Al Pacino, Marlon Brando, Marilyn Monroe, James Dean.

Constantin Stanislavski foi um dos principais nomes na formação de uma nova


pedagogia do ator, no teatro, na ópera e no cinema, mesmo que diferentes
interpretações errôneas de suas obras e de traduções destas tenham prejudicado o
entendimento do seu Sistema .

O teatro conheceu um novo fôlego no século XX, século de inúmeras inovações


artísticas e manifestações de vanguarda, berço de grandes diretores-pedagogos,
alguns dos quais veremos a seguir.

49
3 GROTOWSKI E O TEATRO POBRE

FIGURA 7 – O PRÍNCIPE CONSTANTE

FONTE: <https://www.josemariamarco.com/tag/literatura/>. Acesso em: 2 jun. 2021.

Jerzy Grotowski se forma em interpretação na escola técnica de teatro de


Kracóvia em 1955 e muda-se para Moscou para estudar direção no Instituto
Lunacharsky de Artes Teatrais, permanecendo no país até 1956, onde aprendeu os
ensinamentos de grandes teatrólogos russos como Stanislavski (que vimos
anteriormente), Yevgeny Vakhtangov (1833-1922), Vsevolod Meyerhold (1874-1940),
que veremos na próxima unidade, e Alexander Jakowlewitsch Tairow (1885-1950),
retornando a Polônia, onde se forma em direção teatral em 1960. Também estudou
profundamente os ensinamentos de Bertolt Brecht (visto no tópico anterior), entre
outros encenadores que revolucionaram o teatro e a pedagogia do teatro, além de
estudar profundamente o teatro oriental. Grotowski criou seu teatro-laboratório para
desenvolver uma técnica mais apropriada para o que almejava como teatro.

Com o crescimento das artes audiovisuais (televisão e cinema), Grotowski


acreditava que o teatro deveria ser uma arte completamente diferenciada, uma
experiência única para o espectador, a ponto de quebrar a “quarta parede” e a se
comunicar diretamente com este. Propõe, ao contrário de Stanislavski, um teatro
pobre, no sentido de recursos materiais na cena. Peças não realistas, quase sem
objetos cênicos e cenários. Buscou a eliminação de tudo que é supérfluo ou que
possa se sobressair a relação ator – plateia. Para ele, a arte do teatro era a arte do
encontro entre esses dois elementos essenciais: ator e público.

5
Segundo Grotowski (1992), o cerne do teatro é a relação com a plateia, não
com os objetos materiais (cenários, figurinos etc.). Estes seriam apenas muletas para
deixar o ator dependente. Para ele era importante eliminar tudo o que é
desnecessário, deixando os atores vulneráveis e sem qualquer artifício que pudessem
ajudá-los, para que eles pudessem encontrar o essencial em si e na relação com o
outro e com o público. Seus espetáculos eram representados em um espaço pequeno
pintado de preto e com os atores utilizando roupas simples e neutras, muitas vezes
conjuntos pretos, sem uma área delimitada que separasse atores de público. Em
alguns espetáculos o público se sentava entre os atores, confundindo-se com eles.

[...] pode existir o teatro sem atores? Não conheço nenhum


exemplo disso. Pode o teatro existir sem uma plateia? Pelo menos
um espectador é necessário para que se faça uma representação.
Assim, ficamos com o ator e o espectador. Podemos então definir o
teatro como o que ocorre entre o espectador e o ator. Todas as
outras coisas são suplementares (GROTOWSKI, 1992, p. 28).

O processo de ensaio levava os atores, por meio de atividades, ao pleno


controle de seus corpos. Grotowski (1992) acreditava que o trabalho do ator deveria
ser de total entrega, objetivando eliminar as resistências físicas que atrapalham os
processos psíquicos e levando a um total desnudamento da dimensão mais íntima do
ser humano. A partir dessa definição, o ator seria “arquetípico”, ultrapassando
qualquer estereótipo, saindo da zona de conforto e instigando o público a sair
também.

NOTA
Arquétipo é um conceito da psicologia que representa padrões comportamentais, relacionados à um pe

Grotowski desejava induzir os atores a liberarem seus próprios bloqueios por


meio de um autoconhecimento profundo, reconstruindo a totalidade da personalidade
física e psíquica.

No teatro pobre, o ator deve compor uma máscara orgânica, através


dos seus músculos faciais; depois, a personagem usará a mesma
expressão, através da peça inteira. Enquanto todo o corpo se move
de acordo com as circunstâncias, a máscara permanece estática,
numa expressão de desespero, sofrimento e indiferença. O ator
multiplica-se numa espécie de ser híbrido, representando o seu
papel polifonicamente. As diferentes partes do seu corpo dão livre
curso aos diferentes reflexos, que são muitas vezes contraditórios,
enquanto a língua nega não apenas a voz, mas também os gestos e
a mímica (GROTOWSKI, 1987, p. 59).
51
O treinamento em seu teatro-laboratório não seguia uma sequência de
exercícios sistematizados, sendo que cada ator deveria encontrar o melhor caminho
para chegar aos princípios básicos. Seguindo a premissa da cena e do espaço, em que
nada que seja dispensável ou supérfluo deva estar aos olhos do público, o ator deveria
encontrar as ações sempre justificadas e essenciais, motivadas por ações e relações.
Os atores utilizavam técnicas diversas como biomecânica, ioga, técnicas de
respiração, atividades de comunhão entre corpo e mente e exercícios para
desbloqueios. A voz era muito importante para Grotowski, que defendia que o ator
deveria explorar ao máximo seus ressonadores e sua capacidade articulatória, com a
finalidade de exteriorizar e materializar também pela voz as motivações interiores e o
psiquismo das personagens. O treinamento levava o ator à exaustão física e mental,
momento em que Grotowski acreditava acontecerem as melhores descobertas.

Não pretendemos ensinar ao ator uma série de habilidades ou


um repertório de truques. Nosso método não é dedutivo, não se
baseia em uma coleção de habilidades, tudo está concentrado no
amadurecimento do ator, que é expresso por uma tensão levada
ao extremo, por um completo despojamento, pelo desnudamento
do que há de mais íntimo, tudo isso sem o menor traço de egoísmo
ou de autossatisfação. O ator faz uma total doação de si mesmo
(GROTOWSKI 1987, p. 14).

Logo adiante, Grotowski (1987, p. 14-15) complementa:

Não educamos um ator, em nosso teatro, ensinando-lhe alguma


coisa: tentamos eliminar a resistência do seu organismo a este
processo psíquico. O resultado é a eliminação do lapso de tempo
entre impulso interior e reação exterior. De modo que o impulso se
torna já uma reação exterior. Impulso e ação são concomitantes:
o corpo se desvanece, queima, e o espectador assiste a uma série
de impulsos visíveis. Nosso caminho é uma via negativa, não uma
coleção de técnicas, e sim erradicação de bloqueios.

Grotowski acreditava que o texto deveria ser considerado apenas como um


norte para a encenação, podendo o diretor transformá-lo em outra obra de arte. Esta
visão é uma característica do teatro de vanguarda, aqueles movimentos que
tiveram a quebra de paradigmas como objetivo, e do pensamento de vários
encenadores do século XX. Em 1958, Grotowski mudou-se para Opole, onde assumiu a
direção do Teatro das 13 fileiras, no qual organizou um conjunto de atores e
colaboradores que o ajudaram na elaboração e desenvolvimento das suas premissas
artísticas.

Entre as muitas peças encenadas, a Akropolis de Stanislaw Wyspianski (1962)


foi a primeira obra completa que incorporava a sua formulação de “Teatro Pobre” e a
que o lançou internacionalmente. Os atores representavam prisioneiros de um campo
de concentração enquanto construíam a estrutura de um crematório circundando a
plateia.

5
Em 1964, com a estreia de A trágica história de Doutor Faustus, adaptação do
autor elizabetano Christopher Marlowe (1564-1593), utilizou poucos objetos na cena,
além de orientar os atores a representarem diferentes objetos, imprimindo diferentes
camadas semânticas, simbólicas, em suas obras.

Em 1965, ele levou sua companhia para Wrocław com o nome de Teatr
Laboratorium (Teatro Laboratório), fugindo também da censura imposta ao teatro
na época.

Sua primeira grande encenação, O príncipe Constante (1967), foi considerada


uma das mais importantes obras teatrais do século XX, a qual relata em seu livro Em
busca de um teatro pobre, 1971. Ryzsard Cieslak (1937-1990), seu mais importante
colaborador, fez o príncipe, interpretação considerada o melhor exemplo de técnica
de interpretação Grotowskiana.

Em 1969 aconteceu a última produção profissional de Grotowski como diretor.


Em Apocalypsis Cum Figuris, utilizou novamente textos da bíblia, sendo esta produção
reconhecida como um dos principais exemplos do que Grotowski almejava com o seu
Teatro Pobre. Durante o processo de ensaios, que teve a duração de três anos (longos
processos de pesquisa), Grotowski começa a abandonar as convenções do teatro
tradicional e passa a se concentrar em um caminho mais espiritual de investigação do
teatro como processo ritualístico e de autoconhecimento, “fase parateatral”, saindo
do contexto da obra de arte e utilizando a arte como veículo para a evolução pessoal
e espiritual.

Yan Michalski, crítico de teatro brasileiro, escreveu a apresentação da


tradução brasileira da terceira edição do livro Em busca de um teatro pobre e nela
descreveu a passagem do diretor polonês pelo país em 1974. Michalski comenta
que, em todas as conversas naquela época, Grotowski afirmou que pessoalmente não
estava mais interessado em teatro como obra de arte e que em seu novo livro Dia
santo, não tratava mais de teatro, mas de encontros em busca de uma forma de
contato não verbal, que desenvolvesse as capacidades espirituais e meditativas.
Apesar disso, o próprio Michalski salientou a importância do livro pelas colocações
pedagógicas teórico-práticas para a formação do ator.

Segundo o autor Marco de Marinis, 1988, pode-se definir pelo menos quatro
fases ao longo dos anos no trabalho de Grotowski:

Resumidamente, a fase 1, período entre 1957 e 1961, pode ser descrita como
a fase do “Teatro de representação”, quando foi criado o Teatro das 13 fileiras e
quando Grotowski ainda era aluno da Escola Superior de Arte da Cracóvia. Esta fase
inclui os trabalhos de direção teatral nas peças: Las Sillas, 1957, de Ionesco, Tio Vânia,
de Checov, em 1958, Fausto, de Goethe, em 1960. Dirige também as primeiras peças
produzidas em Opole, com o seu novo Grupo: Orfeu, segundo Cocteau (1959); Caim,
segundo Byron

53
(1960); Mistério Bufo, segundo Maiakowski (1960); Sakuntala, segundo Kalidasa
(1960); Os antepassados, segundo Mickievicz (1961). Ao citar os autores das obras,
Grotowski os precedem com a palavra segundo, o que denotaria apenas um ponto de
vista por parte do autor, para sublinhar sua autonomia em relação à obra literária em
que se inspirou, se posicionando também como um “autor” da obra.

Na segunda fase, entre 1962 e 1969, é o momento de grande aceitação


internacional, graças a alguns espetáculos, nos quais a poética do Teatro Pobre e a
experimentação das técnicas do ator chegaram ao seu apogeu: Kordian, segundo
Slowacki (1962); Akropolis, segundo Wyspianski (1962); A trágica história do Dr.
Fausto, segundo Marlowe (1963); Estudo sobre Hamlet, segundo Shakesperare e
Wyspianski (1964); O Príncipe Constante, segundo Caldéron e Slowaski (1965);
Apocalypsis cum Figuris, vários autores (1968-1969).

Na fase entre 1970 a 1979, a terceira, depois de uma longa estadia na Índia,
Grotowski anuncia que não voltará a preparar novos espetáculos, interrompendo a
atividade teatral. Passa então a investigar o “encontro” entre indivíduos. Estas
atividades receberam o nome de “parateatrais” e se desenvolveram durante toda a
década de 1970, especialmente entre 1975 e 1979.

Na quarta fase, pós-década de 1970, o Teatro Laboratório, fundado por


Grotowski, entra em crise e se encerra em 1984. Essa fase foi denominada por
Grotowski como “O Teatro das Fontes”, no qual buscou recuperar dentro de uma outra
perspectiva seus interesses antropológicos e histórico-religiosos adquiridos em várias
viagens ao Oriente.

Grotowski faleceu em 1999 e ainda é uma forte referência no trabalho de


diversas companhias de teatro experimental. Grotowski revolucionou o teatro e é
considerado um dos grandes nomes do teatro de vanguarda do século XX.

A seguir, estudaremos o italiano Eugenio Barba (fundador e diretor do Odin


Teatret da Dinamarca e idealizador do teatro antropológico), que foi aprendiz de
Grotowski e editor do seu livro Em busca de um teatro pobre (1968). Eugenio Barba foi
fundamental para a divulgação do trabalho de Grotowski.

5
4 EUGENIO BARBA E A ANTROPOLOGIA DO TEATRO

FIGURA 8 – EUGENIO BARBA DIRIGINDO, 2015

FONTE: <http://celula-diariodopesquisador.blogspot.com/2015/10/antropologia-teatral-e-pre.html>.
Acesso em: 2 jun. 2021.

Eugenio Barba nasceu em outubro de 1936 na Itália. É autor, diretor de teatro,


pesquisador, fundador e diretor do Odin Teatret da Dinamarca, para onde se mudou. É
também fundador e diretor do Theatrum mundi Ensemble e criador da ISTA
(International School of Theatre Anthropology), um centro de intercâmbio de técnicas
teatrais e investigações no campo da antropologia teatral, conceito criado por Barba,
que reúne sociólogos, antropólogos e teatrólogos de várias tradições teatrais e de
vários lugares do mundo.

Barba forma-se em 1954 na Escola Militar Nunziatella de Nápoles, já sabendo,


no entanto, que não seguiria a carreira militar como seu pai. Viajou por vários lugares
do mundo e se fixou na Noruega onde foi soldador e marinheiro. Em 1961, viaja para
Varsóvia, na Polônia, onde ingressa na Escola Estatal de Teatro, para estudar direção
teatral. Conhece Jerzy Grotowski, diretor que vimos anteriormente, a quem considera
como mestre e com quem trabalha por três anos no Teatro das treze fileiras.

Em 1963, conhece o Kathakali, o tradicional teatro indiano, que irá influenciar


seu pensamento e suas obras teatrais. Quando tenta retornar a Polônia, é proibido de
entrar, por ser considerado persona non grata pelo governo. Decide então retornar
a Oslo na Noruega, onde entra em contato com alguns jovens reprovados pela Escola
de Teatro de Oslo, e juntamente com eles, funda o Odin Teatret em 1964.

55
Todos os integrantes do grupo trabalhavam durante o dia para garantir o seu
sustento e ensaiavam durante as noites. Dos doze atores, restaram apenas quatro.
Após um ano de trabalho, estreiam Ornitofilene, do norueguês Jens Bjurneboe. Com
dificuldades de sustentar-se, o grupo entra em um momento crítico, quando acontece
um convite para se mudarem para Holstebro, Dinamarca, em 1966. Em 1971, o Nordisk
Teaterlaboratorium, criado por Barba e seus atores, foi reconhecido pelo Ministério
da Cultura Dinamarquês como uma escola experimental de teatro, permitindo-lhes
expandir as pesquisas e as atividades pedagógicas, transformando o teatro laboratório
de Barba em um dos mais influentes do teatro contemporâneo.

Barba, ao criar a ISTA (Escola Internacional de Antropologia), buscava


possibilitar a troca entre diferentes tradições, reunindo mestres do teatro oriental e
do teatro ocidental, objetivando encontrar um substrato em comum na arte do ator
de diferentes lugares “a pré-expressividade”. Seria a pré-expressividade que permitiria
o diálogo entre diferentes culturas.

É por meio da antropologia teatral, do comportamento cênico pré-expressivo,


que Barba vai encontrar essa presença física com princípios diferentes dos princípios
do corpo cotidiano. As técnicas extracotidianas põem em forma o corpo, tornando-o
artístico/artificial, porém crível” (BARBA, 2012, p. 30).

A técnica, para Barba, era o rompimento com os automatismos do cotidiano,


a utilização dos mecanismos do corpo-mente de forma extracotidiana. A presença do
ator, dessa forma, por meio do seu bios-cênico conseguirá manter a atenção do
público mesmo antes de transmitir qualquer mensagem.

As técnicas cotidianas do corpo são geralmente estruturadas pelo princípio do


esforço mínimo, já as técnicas extracotidianas, buscam o máximo de energia mesmo
que o movimento seja mínimo. Com os exercícios de treinamento, o ator coloca à
prova a sua capacidade de alcançar uma condição de presença total, a mesma
condição que terá que reencontrar no momento criativo na improvisação do
espetáculo (BARBA, 2012, p. 290).

Por meio de princípios que produzem tensões físicas pré-expressivas, o


ator chega a uma qualidade extracotidiana. Uma energia que torna o corpo teatral
“crível”. Barba vai encontrar princípios comuns que estruturam este estado pré-
expressivo do ator e que estão no corpo de artistas de diferentes lugares, épocas,
tradições e culturas.

Podemos elencar alguns elementos principais nas investigações de Barba sobre


o trabalho do ator:

Equilíbrio precário – um equilíbrio permanentemente instável que gera


tensões físicas e vai exigir um esforço físico maior.

5
Dilatação – Eugênio Barba diz que o corpo do ator deve ser “dilatado”.

O corpo dilatado é um corpo quente, mas não no sentido emocional


ou sentimental. Sentimentos e emoções são apenas uma
consequência tanto para o ator como para o espectador. O corpo
dilatado é acima de tudo um corpo incandescente, no sentido
científico do termo: as partículas que compõem o comportamento
cotidiano foram excitadas e produzem mais energia; sofreram um
incremento de movimento. Separam-se mais, atraem-se e opõem-
se com mais força num espaço mais amplo ou reduzido (BARBA;
SAVARESE, 1995, p. 54).

Energia – No oriente vamos encontrar vários termos que designam energia e


que Barba nos dá como exemplos: a palavra Koshi, no Japão, define a presença do
ator em cena e refere-se a uma parte específica do corpo humano: ao caminhar, os
atores bloqueiam o quadril, evitando que ele siga os movimentos das pernas. Em Bali,
o termo usado para descrever a presença do ator, é Bayu, que significa “vento”,
“respiração” e que se refere à distribuição correta da energia. Barba nos diz que
energia não é esse ímpeto externo, esse excesso de atividade muscular e nervosa.

Durante o treinamento, o ator ou atriz pode modelar, misturar,


explodir e controlar suas energias, deixá-las ir e jogar com elas,
como algo incandescente que, não obstante, é controlado. Com
precisão fria. Usando os exercícios de treinamento, o ator testa a
habilidade para adquirir uma condição de presença total, uma
condição que terá de encontrar novamente no momento criativo da
improvisação e da representação (BARBA; SAVARESE, 1995, p. 246).

Oposição – onde cada ação é iniciada na direção oposta à qual se dirige. A


oposição entre uma força que empurra a ação e outra que a retém.

Corpo decidido – “Sats” é a palavra usada por Eugênio Barba para designar
esta qualidade corporal: momento no qual o corpo está pronto para agir, o instante
que precede a ação, quando toda a energia já está presente, mas suspensa, e
compromete o corpo inteiro do ator.

Eugênio Barba foi extremamente influenciado pelas pesquisas de Stanislawski


e Grotowski, não somente por seus “métodos”, “sistemas” e “técnicas”, mas pela
busca inquietante de toda uma vida para tornar o ato da representação, da ação
cênica, uma experiência única, não somente para o espectador, mas para o próprio
ator, para que este alcançasse a unidade em cada ação que realiza, em cada palavra
que pronuncia. Para que o ato de representar fosse uma obra de arte total.

Essa obra de arte total também foi perseguida por Antonin Artaud, um dos
influenciadores do pensamento de Eugenio Barba e teatrólogo que veremos a seguir.

57
5 ANTONIN ARTAUD E O TEATRO DA PESTE

FIGURA 9 – ARTAUD NO FILME A PAIXÃO DE JOANA DARC, 1928, POR CARL THEODOR DREYER – 2021

FONTE: <http://www.recencinema.it/recensioni/la-passione-di-giovanna-darco/>. Acesso em: 2 jun. 2021.

Antonin Artaud nasceu em Marselha em 1896 e faleceu em Paris, em 1948. Foi


escritor compulsivo, ator e diretor de teatro francês. Propunha, assim como os outros
teatrólogos que vimos anteriormente, um corpo liberto de seus automatismos
cotidianos e reorganizado por princípios físicos e mentais que permitissem ao ator
criar não uma cópia do real, mas uma experiência de vida única tanto para ele quanto
para o público.

Artaud propunha um novo ator para um novo teatro, que tivesse uma
linguagem própria de gestos e sons, que mais do que ser visto e ouvido, fosse sentido
por todo o corpo do espectador. Esse “novo corpo” para o ator, seria um “corpo sem
órgãos”, um corpo desfeito para ser refeito e estimulado o tempo todo. “Quando
tiverem conseguido um Corpo sem Órgãos, então o terão libertado dos seus
automatismos e devolvido sua verdadeira liberdade. Então poderão ensiná-lo a dançar
às avessas como no delírio dos bailes populares e esse avesso será seu verdadeiro
lugar” (ARTAUD, 1983, p. 161-162).

Trata-se, para Artaud, de um corpo que abarca mitos e delírios, que significa
um duplo da crueldade, da peste, como potência de vida avassaladora. Um espectro
nunca acabado, que se destrói e se reconstrói por meio da identificação cruel com seu
corpo pleno.

A palavra crueldade deve ser considerada num sentido amplo e


não no sentido material [...] que geralmente lhe é atribuído. E com
isso reivindico o direito de romper o sentido usual da linguagem, de
romper de vez a armadura [...] voltar enfim às origens etimológicas
da língua que, através dos conceitos abstratos, evocam sempre uma
noção concreta (ARTAUD, 2006, p. 118).

5
Cruel para Artaud, é um teatro repleto de vida, de potência, um teatro visceral.
Por esse motivo, Artaud cria o Teatro da Crueldade.

Atribui-se erroneamente à palavra crueldade um sentido de rigor


sangrento, de busca gratuita e desinteressada do mal físico. [...] De
fato, a crueldade não é sinônimo de sangue derramado, de carne
martirizada, de inimigo crucificado. Essa identificação da crueldade
com os suplícios é um aspecto muito pequeno da questão (ARTAUD,
2006, p. 118).

Logo adiante, Artaud complementa:

No fogo de vida, no apetite de vida, no impulso irracional para a


vida há uma espécie de maldade inicial: o desejo de Eros é uma
crueldade, pois passa por cima das contingências. [...] Uma peça
em que não houvesse essa vontade, esse apetite de vida cego,
capaz de passar por cima de tudo, visível em cada gesto e em cada
ato, e do lado transcendente da ação, seria uma peça inútil e
fracassada (ARTAUD, 2006, p. 119-120).

O teatro como rito é o lugar onde a reformulação do corpo do ator do Teatro


da Crueldade acontece. Um corpo ritual é um corpo totalmente entregue. Ator e
público em um comprometimento no poder da ação; não como representação, mas
como experiência. Assim, fazer parte desse ritual é vivenciá-lo em sua profundidade.

Para Artaud, interessam as microssensações, a consciência em cada pequeno


gesto e a abdicação da certeza. Tornar o homem de novo consciente de seu corpo, de
sua mente, de seu lugar, através do ritual mágico do teatro.

Quebrar os hábitos já cristalizados, as muletas, o automatismo que sempre


empobrece as sensações, é um dos caminhos. Um jogo entre a instabilidade e a
organização, um contato profundo com a própria verdade.

O corpo do ator, assim como o do espectador, seria um templo onde


acontecem as experiências vitais, sagradas.

Artaud, assim como Eugenio Barba, teatrólogo que vimos anteriormente,


se interessou por rituais primitivos, povos de diferentes culturas, buscando uma
expressividade única. Escreveu ensaios sobre o ritual do cacto mexicano peyote entre
os índios Tarahumara (Les Tarahumaras), quando em 1936 foi ao México para reunir
informações e experiências para encenar A conquista do México, mas a viagem
transforma-se em uma experiência que lhe ajudou a construir sua nova visão da arte e
do mundo.

É no México que Artaud encontrou uma cultura viva, que lhe permitiu
perceber que não há civilização nem cultura válidas sem a ideia de um mito que
vivifica os organismos, confrontando-os constantemente com símbolos universais.

59
O Tarahumara é aquele que abriga o coração, a seiva de sua época, que
possui uma percepção mais apurada da vida, um visionário. Quando realiza a sua arte
representa as angústias de sua época, interferindo neste mundo e transformando-
o através da magia, da comunicação constante entre o interior e o exterior, a ação
e o pensamento, o corpo e o espírito.

Artaud é contra essa cultura direcionada apenas às pessoas consideradas


cultas, pois uma civilização que não comunica a todos, perdeu a sua ligação com
a profundidade da existência. O teatro para Artaud, a arte, deve carregar a seiva
de todo um povo, de toda uma cultura, transformando-se em sentido universal, para
ser vivenciado e compreendido pelos sentidos em qualquer lugar do mundo. É no
teatro que Artaud busca a recuperação dessa verdadeira cultura. Artaud escolheu o
discurso do subterrâneo e do reprimido, cujo potencial subversivo é latente.

O Teatro da Crueldade é um teatro da não representação e da não


subserviência ao texto dramatúrgico. É um teatro que fala aos sentidos e não à mente
repleta de filtros morais. O ator deve se expor, se desnudar da máscara que todos
carregamos diariamente. Nesse processo, ele destrói “falsas verdades” moralizantes.
“Isso significa que, em vez de voltar a textos considerados como definitivos e sagrados,
importa antes de tudo romper a sujeição do teatro ao texto e reencontrar a noção de
uma espécie de linguagem única, a meio caminho entre o gesto e o pensamento”
(ARTAUD, 2006, p. 101).

Artaud viveu para a formulação de um conceito de teatro, diferentemente de


outros teatrólogos, que pensaram mais em um método. É impossível ler Artaud e não
ser atravessado, impactado pela sua obra tão visceral e orgânica, pois Artaud não via
a arte como entretenimento. Isso o irritava de certa maneira. Ele acreditava apenas
em uma arte inovadora, que colocasse o espectador em uma experiência tão única
quanto inexplicável. Suas propostas dramáticas estão em um caminho entre o teatro,
a performance e outras artes da presença. O teatro, para Artaud, propõe a vivência de
uma experiência, e não de regras fixas, porque, segundo ele, tudo o que atinge uma
forma fixada, já não é mais uma experiência. A não sistematização de seu pensamento
em um método, já era uma metodologia para Artaud, mas são as reflexões sobre o
corpo do ator que trouxeram uma luz revolucionária para a pedagogia do teatro.

Artaud, apesar de ter sido um artista de muitas facetas, pois seu trabalho
ainda inclui ensaios, roteiros de cinema, pintura, literatura, peças de teatro, inclusive
uma ópera, e aparições em filmes, não foi um realizador. Artaud foi um problematizador
das questões teatrais, que instigou artistas de diversas áreas a “saírem da caixa”. A
refletirem sobre a arte de maneira diversa, não como uma mera cópia da realidade ou
como geradora de prazeres fugazes. A arte para Artaud, ao contrário, deveria chocar,
incomodar, tirar da “zona de conforto”.

6
Antonin Artaud dedicou seu corpo e sua mente a um fazer teatral repleto
de liberdade, um teatro ritual que extraía o indivíduo das “muletas”, que chocava e
proporcionava um desejo de viver. O corpo do ator deveria transmitir todas as suas
emoções e comunicá-las de maneira precisa ao público. Segundo Artaud, todo
trabalho de expressão, mesmo os detalhes mais sutis, pode ser treinado e expressado
pelo corpo precisamente, como uma partitura física. A produção literária de Artaud
foi vastíssima, na qual ele organizou e expôs seus pensamentos através de cartas,
peças, estudos e manifestos.

No Manifesto de protesto contra o abandono da posição revolucionária (1936),


ele descreve o movimento surrealista como uma possibilidade de libertação da vida,
um estímulo no qual pedras ou qualquer objeto inanimado se tornam vivos e originam
um mundo concreto. Seria uma tradução imagética próxima do que Artaud buscava em
seu teatro. “Nesta nova linguagem, os gestos têm o valor das palavras, as atitudes
têm um sentido simbólico profundo, são capturadas em estado de hieróglifos, e o
espetáculo todo, em vez de ter em vista o efeito e o charme, será para o espírito um
meio de reconhecimento, de vertigem e de revelação” (ARTAUD, 2004, p. 83).

Em 1935, Artaud conclui o Teatro e seu duplo, um dos livros mais


significativos da área. Na obra, ele posiciona o corpo do ator como lugar primordial do
teatro e critica o teatro “digestivo”, aquele digerido facilmente, e rejeita a supremacia
da palavra.

Em 1937, Antonin Artaud, por seu comportamento impulsivo e diferente, é


tido como louco. Foi internado em vários manicômios franceses onde o submeteram a
tratamentos de eletrochoque que destruíram seu corpo e sua mente. Retorna a Paris
em 1946, onde dois anos depois é encontrado morto em seu quarto no hospício do
bairro de Ivry-sur-Seine.

Artaud era um verdadeiro homem de teatro e foi um marco para a estética


teatral contemporânea.

DICA
SUGESTÕES DE ATIVIDADES

ATIVIDADE 1

Stanislavski descreve que as “circunstâncias dadas” são apresentadas pelo dramaturgo


no texto ou sugeridas pelo encenador, mas que estas devem ser materializadas pelo ator.

[...] a fábula da peça, seus fatos, acontecimentos, época,


tempo e lugar da ação, condições de vida, o entendimento
da peça por nós, atores e diretor, nossos acréscimos, mise-
en-scènes, a montagem, cenário e figurinos do artista,
adereços, luz e som etc.: tudo o que é proposto para que os
atores levem em conta na criação (STANISLAVSKI, 2015, p.

61
295).

6
Uma proposta de exercício que pode ser utilizada com diferentes faixas etárias, com
diferentes níveis de complexidade, é a seguinte:
Exercício – Descrever um número específico de características de um personagem. Pode
ser um personagem de livro, filme, peça de teatro ou um personagem criado pelo próprio
aluno. Em seguida, escolher no máximo três características descritas (físicas, psicológicas,
comportamentais etc.) para materializar em ações que possam ser percebidas pelo
espectador. Caso a turma seja iniciante e ainda tenha dificuldades para se expor, todos os
alunos podem executar o exercício ao mesmo tempo.
Exemplo de características que podem ser fisicalizadas: Decidido, ágil, hostil...

ATIVIDADE 2

Explorando as caixas de ressonância:

Jerzy Grotowski propunha um treinamento vocal para


atores em que a relação entre voz, corpo e imaginação era
explícita. A abordagem do trabalho vocal grotowskiano é
totalmente física e imaginativa.

Na realidade, há um número
quase infinito de caixas de
ressonância, dependendo do
controle que o ator exerce
sobre seu instrumental físico
[...]. A possibilidade mais
frutífera está no uso de todo
o corpo
como caixa de ressonância. lsto
é obtido pelo uso simultâneo
da ressonância do peito e da
cabeça (GROTOWSKI, 1971,
106-107).

Uma atividade bastante utilizada por Grotowski era a


exploração das possibilidades das caixas de ressonância do
corpo, que pode ser utilizada com alunos de diferentes
idades. Exercício: em pé ou deitado, o aluno procura sentir
por meio do tato a vibração das suas caixas de
ressonância, com as mãos apoiadas em diferentes regiões
do corpo, emitindo sons variados. As consoantes M, S, BR,
RR, TR, emitidas de forma contínua, causam vibrações mais
acentuadas. O aluno pode explorar as caixas de ressonância
da cabeça, tórax e abdômen, orientado pelo professor-
condutor. Posteriormente, pode-se caminhar projetando a
voz para diferentes pontos da sala, observando a sua
qualidade sonora e vibratória.

63
LEITURA
COMPLEMENTAR
O EQUILÍBRIO ENTRE O FAZER E O APRECIAR NO PROCESSO DE
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO EM ARTES

Beatriz Ângela Vieira Cabral

A escolha das denominações fazer e apreciar para chamar a atenção para os


papéis do criador e do observador não foi casual. Fazer acentua o aspecto concreto do
ato criador, o uso e a manipulação dos meios (palavras, sons, imagens, movimentos);
refere-se à experimentação de formas que explicitem e expressem as ideias e as
percepções do aluno. Apreciar vai além da observação, implica considerar estética e,
no caso da educação em artes, artisticamente, um objeto ou texto artístico. A
apreciação está baseada nos valores e atitudes do observador e na sua compreensão
do contexto cultural no qual o trabalho foi produzido.

Ao considerar o fazer e o apreciar como os dois polos da construção do


conhecimento em artes, enfatiza-se o ato físico da criação e seu equilíbrio com a
investigação histórica e filosófica da respectiva área do conhecimento.

Muito se tem falado sobre a fundamental importância de uma abordagem


teórico-prática na formação do professor, a qual lhe permita visualizar as ações e as
implicações pedagógicas do que se propõe com este binômio fazer-apreciar.

Fazer arte requer o envolvimento do aluno com a exploração de suas próprias


ideias desde sua concepção inicial até a realização de uma forma a ser apresentada ou
compartilhada com a plateia, seja esta a própria classe ou espectadores externos.

Apreciar arte requer informações sobre as características e as qualidades de


trabalhos do mesmo género, e a capacidade de descrever sua resposta a eles através
de linguagem apropriada. Envolve diferenciar e identificar critérios, julgamentos e
práticas culturais diversas.

O melhor exemplo, talvez o único, que temos de difusão de uma abordagem


teórico-prática voltada ao fazer e ao apreciar artes, é o Projeto Arte na Escola. A área
de dança tem uma proposta semelhante na Inglaterra (LINDA ROLFE, 1997), porém no
que se refere à utilização de vídeos como meio de divulgação e informação é evidente
que as artes visuais são as que melhor se beneficiam. Com o 'Arte na Escola',
entretanto, temos observado que o fazer, ao se concentrar na releitura da obra em
estudo, corre o risco de estimular um exercício predominantemente centrado na
reprodução do modelo

6
observado. Em uma recente exposição de trabalhos de alunos em Santa Catarina, a
impressão que se teve é que a mostra se referia a uma coletânea de desenhos de
observação/modelo. A reprodução ou cópia, em si, não seria inadequada como parte
de um processo de criação, desde que ela não fosse a única experiência artística do
aluno nesta etapa de seu desenvolvimento. Aqui, como em todas as demais práticas
e/ou métodos, o acerto fica por conta do bom senso e da disponibilidade do professor.

Em teatro, o equilíbrio entre fazer e apreciar fica prejudicado devido à


dificuldade
de acesso aos espetáculos, somado às limitações impostas pelo uso do vídeo.

Quantas crianças terão a oportunidade de fazer teatro ao deixar a escola?


Todas, entretanto, serão espectadoras constantes, principalmente do drama
televisivo, sob suas diversas formas.

Uma das consequências da televisão é que as crianças já chegam à escola com


uma alta e sofisticada compreensão de seu vocabulário e convenções. Elas podem ler
imagens visuais e trilhas sonoras com rapidez e sutileza. Qualquer pessoa com menos
de trinta anos já adquiriu um 'olho cinemático' – está acostumada a observar
rápidas sucessões de imagens, entende close-ups e flashbacks – uma compreensão
e um vocabulário inexistentes há 50 anos. As mesmas pessoas se mostram
estranhas ao entender teatro, pois convenções aparentemente similares na realidade
tem significados diferentes nos filmes, na TV e no palco.

É comum encontrar professores de Teatro comentando a tendência das


crianças em transformar suas improvisações em simulações de shows populares e
novelas – isto revela a necessidade de as crianças operarem com convenções que lhes
são familiares.

Se o fazer Teatro pode tornar as crianças familiarizadas com a construção do


respectivo texto artístico, desenvolvendo a capacidade de expressão nestas áreas, o
ver Teatro pode torná-las familiarizadas com sua leitura, desenvolvendo a habilidade
para a apreciação.

Todos conhecem as situações em que alunos são encorajados a responder a um


texto dramático como se este fosse apenas literatura animada – o objetivo é
interpretar o texto. No outro extremo, também conhecem a alternativa da livre
expressão, que privilegia as improvisações e usam texto (quando o fazem) apenas
como estímulo.

Ambas as práticas são necessárias. Entretanto o ensino do teatro deve ir além


da observação de um estímulo ou de um texto (embora isto seja necessário) ou do
compartilhar de significações pessoais (também necessário). Ampliar as possibilidades
de interpretação (como ator e espectador) exige a experiência de espetáculos com
abordagens e culturas diversas, pois cada vez mais seremos defrontados com
linguagens complexas de gestualidade e discursos de outros contextos sociais e
65
culturais.

6
Para falar em processo de construção do conhecimento é necessário considerar
o fator percepção e como o avanço de novas tecnologias nos coloca o desafio de
promover não só a leitura de criações artísticas de outras culturas, mas também a
necessidade de interações com métodos e processos de criação de origem diversa.

Sendo a percepção mediada por conteúdos culturais, percebe-se o mundo


muito mais como se crê e quer que ele seja do que como informam os diferentes
estímulos que chegam aos sentidos. Assim, é através de experiências de investigação
intercultural que se poderá abrir portas para a interpretação e/ou penetração
cultural. "Através destes encontros (interculturais), eu mudo, eu cresço, e meu
trabalho adquire significância e validade. Eu aprendo a colocar o que eu sei em um
diferente contexto" (Baker, 1996:254).

O intercâmbio hoje pode acontecer através de interações em um mesmo


espaço e tempo (oficinas, produções em parceria) ou através de projetos que
permitam experiências concomitantes em locais diversos, com intercâmbio dos
resultados obtidos através do vídeo ou internet.

Este diálogo, entre grupos e/ou culturas diferentes, além de desafiar ações e
princípios geralmente não questionados, pode abrir novas formas de ver e
compreender. O desafio para o professor já está posto com a crescente globalização
(mesmo para aqueles que questionam esta ideia) à medida que o crescimento do
número de usuários de novas tecnologias se dá em uma velocidade que ainda nos é
difícil perceber e impossível acompanhar.

Tenho tido a oportunidade de observar grupos de adolescentes (14 a 16 anos)


jogando 'Última Online', um RPG (role-play game) usado através da internet, e MUD
(Multi User Dimension), uma interação lúdica através de textos improvisados e escritos
online. Ambos envolvem um grande número de participantes, de vários países. Na
versão observada, o contexto criado é medieval e, apesar das dificuldades com a
tradução, os adolescentes passam intermináveis horas nesta atividade, que inclui
construção de mapas, estratégias de ação, projetos em parceria e pesquisa de
vocabulário e citações. Não são jogos de ação. As fontes de pesquisa mais usadas são
as homepages sobre Shakespeare, Dante, Cervantes etc. De uma delas reproduzo a
citação: "Eu trouxe você aqui através do intelecto e da arte, de agora em diante deixe
o prazer ser seu guia" Dante, Purgatório, 27:130-131.

O que o relato acima tem a ver com a reflexão sobre o currículo? Qual sua
relação com a construção do conhecimento em artes e, mais especificamente, com
'fazer e apreciar'?

Será que nos perguntamos seriamente por que a internet consegue manter
o envolvimento da criança horas consecutivas com textos de Shakespeare e Dante,
enquanto nós, professores, com as vantagens de interações, materiais e sons, ao vivo,

67
achamos difícil manter sua atenção durante 50 minutos? Para responder a esta
pergunta não podemos deixar de refletir sobre a quantidade e a qualidade das
informações a que os usuários têm acesso através da internet, incluindo-se aqui os
jogos.

A realidade virtual tem sido usualmente transformada em bode expiatório


para todas as 'mazelas' decorrentes do envolvimento da criança com o computador
e seu desinteresse pela escola. Uma narrativa comovente, diz Janet Murray, pode ser
vivenciada como uma realidade virtual porque nossos cérebros estão preparados para
sintonizar com histórias com uma intensidade capaz de apagar o mundo em volta. Este
poder da narrativa levou Platão a considerar os poetas como uma ameaça à república,
contemporâneos de Cervantes a temer a 'leitura silenciosa', escritores do início do
século XX a investirem contra o cinema.

Este velho desejo de viver uma fantasia despertada pelo mundo da ficção é
atualmente intensificado pelo meio eletrônico, imersivo e participatório, cujos
detalhes enciclopédicos e espaços de navegação permitem que viajemos por locações
que há muito desejamos visitar. A experiência de ser transportado a um local
simulado, com tamanha precisão, é prazerosa em si, independentemente do conteúdo
de sua fantasia. A esta experiência chamamos 'imersão', uma metáfora derivada da
experiência física de submergir na água e ficar envolvido por uma realidade
completamente diferente (Murray, 1997:97-99).

Quanto mais elaborado o ambiente de imersão, mais ativa é a participação.


Quando aquilo que se faz dentro dele apresenta resultados tangíveis, o participante
experiencia a segunda característica do prazer nos ambientes eletrônicos – a sensação
de ser agente. Ser agente corresponde à satisfação de realizar ações significantes e
poder observar os resultados de nossas decisões e escolhas. Dificilmente podemos
esperar ser agentes ou sermos convidados a participar em um ambiente de narração.
Quando isto acontece em alguma manifestação artística da atualidade (teatro,
performances, murais, instalações), nossa participação está circunscrita de forma a
limitar nosso potencial como agentes – o diálogo com a audiência é mantido por um
roteiro que garanta um nível mínimo de participação e padrões de relacionamento
apropriados às respostas de uma multidão distanciada (incorporação de cantos,
danças e festas populares).

No meio eletrônico, ao contrário, a possibilidade de escolha é praticamente


ilimitada, surge a possibilidade de uma participação enciclopédica. A atual cultura
construtivista dos jogos participativos eletrônicos foi construída por uma comunidade
académica que se deliciou com 20 anos de acesso consistente aos computadores. Este
fato é em si uma previsão das tendências futuras de uma ampla camada da população
que está iniciando online aos 7 anos de idade.

6
O terceiro prazer dos ambientes digitais, segundo a autora, é o prazer da
transformação. O computador oferece inúmeras maneiras de alterar a forma e sugerir
processos, mesmo quando está apenas expondo informação. Esta força transformadora
torna-se particular- mente sedutora nos ambientes narrativos. Pode-se entender esta
nova forma narrativa através da metáfora do caleidoscópio. Como salientou Marshall
McLuhan, os meios de comunicação, no século XX, apresentam uma estrutura mosaica
em vez de linear. Jornais são compostos por muitas histórias chamando nossa atenção
em uma mesma página, filmes são compostos por um mosaico de tomadas individuais,
televisão é um mosaico através do controle remoto. Informações com esta forma de
mosaico acabaram por criar padrões de pensamento em forma de mosaico – estamos
acostumados a observar um jornal sem nos surpreender com este fato, porque
aprendemos a receber informações múltiplas com uma simples tomada instantânea.
Similarmente, anos como espectadores de cinema nos permitem associar suas imagens
descontínuas a um padrão mais amplo de continuidade. Fazemos isto porque sabemos
como leras convenções destes meios.

O computador apresenta o mosaico espacial da primeira página de um jornal,


o mosaico temporal do filme, e o mosaico participativo de um controle remoto. Mas, o
mais importante é que ele nos oferece novas formas de dominar esta fragmentação -
ferramentas para buscar e rotular os fragmentos a fim de relacioná-los e preservar a
sua história, de maneira a poder reconstituí-los (MURRAY, p. 154-157).

Os princípios de 'ser agente' e 'transformar' são centrais às linguagens


artísticas. Em Dança e Teatro Educação o aluno é criador e ator, ele faz e apresenta.
Mais ainda, ele o faz e/ou transforma através do próprio corpo. Esta seria uma
condição privilegiada para a imersão.

O que torna este envolvimento tão excepcional no ensino das artes? Eu diria
que são a quantidade e a qualidade das informações à disposição do aluno, ou seja, a
matéria prima para nutrir a imaginação da criança.

Para que o fazer seja consistente e significativo, o ler e o apreciar


também precisam ser. Segundo a concepção construtivista
dos processos cognitivo, social e afetivo, a percepção pode ser
estimulada e desenvolvida com a ampliação do repertório do
indivíduo, contribuindo assim para a construção de novos modos de
olhar (CARRETERO, 1997:11).

O desafio, para aquele professor com dificuldades em manter o interesse de


suas diversas turmas (geralmente formadas por crianças com diferentes faixas
etárias), pode estar em repensar sua prática de modo a identificar e incorporar
material adequado à ampliação do repertório do aluno, tanto no que se refere à área
temática a ser trabalhada quanto aos elementos da forma artística experienciada. Se
a quantidade e a qualidade do material introduzido ao aluno forem adequadas, o
papel do professor poderá ser o de mediador na investigação e interações dos alunos.

69
Face a este novo perfil do aluno, que alternativas metodológicas possui o
professor? Sabemos não poder competir com o computador; não o queremos e não
seria esta uma solução para compensá-lo das horas sentado frente ao teclado. Não
podemos, entretanto, evitar que isto aconteça nem negar o potencial da
aprendizagem adquirida com os meios eletrônicos.

É dentro desta perspectiva que o teatro ocupa um papel fundamental. Numa


das experiências mais gratificantes que tivemos com Drama Educação recentemente,
as crianças (8 a 9 anos de idade) representaram o papel de pesquisadores das antigas
práticas de curandeiras açorianas e do poder curativo e místico das plantas locais.
Foram envolvidas em cerimoniais de celebração das plantas, percorreram trilhas e
realizaram rituais com danças, lenços coloridos, ramos de plantas, velas, senhas de
acesso ao local do cerimonial e, principalmente, farto material com antigas receitas
sobre o uso e os costumes referentes a uma grande variedade de plantas. Este
material estava em um 'velho baú' com documentos antigos, fotos amareladas pelo
tempo e objetos significativos ao contexto da ficção. O cerimonial das plantas foi
marcante para todos os participantes. Naquele momento e naquele contexto mostrou
ser uma possibilidade a ser contraposta aos meios eletrônicos. É necessário salientar,
porém, que segundo a avaliação das crianças, a melhor parte da atividade foi o velho
baú, entregue por uma 'velha curandeira', seus pergaminhos, fragmentos de receitas,
de um diário de uma feiticeira do século passado, receitas e curiosidades sobre as
plantas que puderam reconhecer em seu cotidiano. Ou seja, a qualidade e a
quantidade do material introduzido pelos professores.

FONTE: CABRAL, B. Â. V. O equilíbrio entre o fazer e o apreciar no processo de construção do


conhecimento em artes. Revista entreideias: educação, cultura e sociedade, 2000. Disponível em:
https://periodicos. ufba.br/index.php/entreideias/article/view/2938/2102. Acesso em: 2 jun. 2021.

7
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os principais elementos que se modificam no teatro a partir do século XX são: a


autonomia do teatro sobre a matriz literária, o protagonismo do ator e sua
expressão física, o contato com o espectador.

• Os principais elementos trabalhados no “sistema” de Stanislavski são: o


relaxamento para a eliminação das tensões desnecessárias e a fluência dos
movimentos corporais e vocais, a observação ativa e a concentração nos objetivos
(o círculo de atenção), a ênfase nos detalhes e o foco na situação, a ação
psicofísica, cuja ação leva a emoção e não o contrário.

• O processo de ensaio de Grotowski levava os atores por meio de atividades ao


pleno controle de seus corpos. Grotowski acreditava que o trabalho do ator deveria
ser de total entrega, objetivando eliminar as resistências físicas que atrapalham os
processos psíquicos e levando a um total desnudamento da dimensão mais íntima do
ser humano.

• É por meio da antropologia teatral, do comportamento cênico pré-expressivo, que


Eugenio Barba vai encontrar a presença física com princípios diferentes dos
princípios do corpo cotidiano.

• O corpo do ator, para Antonin Artaud, deveria traduzir as emoções de forma precisa
e concreta ao público. Segundo Artaud, todo trabalho de expressão, mesmo o mais
sutil, pode ser treinado e expressado pelo corpo precisamente, como em uma
partitura física.

71
AUTOATIVIDADE
1 Constantin Stanislavski (1863-1938) compreendeu em suas pesquisas que quaisquer
fossem as ações voltadas a uma transformação da atuação cênica, dependiam da
estruturação de uma metodologia diferenciada para a formação de atores. Sobre o
teatro de Stanislavski, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Os seus escritos sobre teatro foram distanciando-se dos elementos de


constituição do espetáculo e passaram a focar nos elementos do trabalho
do ator e na formação deste.
b) ( ) Suas atenções estavam voltadas para a formação do dramaturgo teatral.
c) ( ) Sua visão sobre o trabalho de atuação era a de que o ator deveria ser um sujeito
passivo no processo de criação do personagem.
d) ( ) O espectador, no teatro de Stanislavski, era participativo e o ator deveria
comunicar-se com ele de forma direta. Esta forma de comunicação era
chamada de “quarta parede”.

2 Jerzy Grotowski propõe, ao contrário de outros diretores, um “teatro pobre”, no


sentido de recursos materiais no palco. “O Teatro Rico baseia-se em uma
cleptomania artística, tomando de outras disciplinas, construindo espetáculos
híbridos, conglomerados sem espinha dorsal ou integridade, embora apresentados
como trabalho artístico orgânico. [...] Eu proponho a pobreza no teatro”
(GROTOWSKI,1987, p. 17). A importância era dada à relação ator-plateia e tudo o que
poderia ser supérfluo para a cena era retirado do palco. Sobre o teatro de
Grotowski, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O ator de Grotowski trabalhava sobre os aspectos da representação apenas


durante o processo de ensaios.
b) ( ) O treinamento de atores de Grotowski levava o ator à exaustão física, momento
em que Grotowski acreditava acontecer as melhores descobertas.
c) ( ) A “quarta parede”, divisão imaginária entre público e atores era fundamental para
Grotowski, que acreditava que o público deveria contemplar o espetáculo, sem
proximidade com a cena.
d) ( ) O treinamento do ator de Grotowski era totalmente sistematizado e o ator
deveria executar os exercícios sempre da mesma forma, sem espaço para
criações individuais.

3 Eugenio Barba nasceu na Itália e se tornou autor, diretor de teatro, pesquisador,


fundador e diretor do Odin Teatret da Dinamarca, para onde se mudou. É também
fundador e diretor do Theatrum Mundi Ensemble e criador da ISTA (International
School of Theatre Anthropology), um centro de intercâmbio de técnicas teatrais
e investigações no campo da antropologia teatral, conceito criado por Barba, que
reúne sociólogos, antropólogos e teatrólogos de várias tradições teatrais e de vários
lugares do mundo. Sobre o teatro de Eugenio Barba, assinale a alternativa CORRETA:
7
a) ( ) A técnica, para Barba, era o rompimento com os automatismos do cotidiano, a
utilização dos mecanismos do corpo-mente de forma extracotidiana.
b) ( ) O espetáculo, segundo Eugenio Barba, deve ser realista e verossímil ao
cotidiano do espectador.
c) ( ) O treinamento do ator para Barba deveria ser individual e sem interação com
outras culturas, para que o ator desenvolvesse uma gestualidade própria.
d) ( ) As obras de Eugênio Barba não interagem com o espectador, já que Barba
prefere o ambiente fechado e tradicional, no qual o público permanece
distante dos atores e em relação passiva com o espetáculo.

4 A carta ao ator D foi escrita por Eugênio Barba a um dos seus atores em 1967. É
publicada frequentemente em livros e revistas, para ilustrar a visão teatral de seu
autor e sua atitude para com um “novo ator”. Foi publicada pela primeira vez no
livro Synspunkter om Kunst – Pontos de vista sobre a arte, Copenhaque,1968. Após
a leitura da carta, disserte sobre os principais elementos relativos ao trabalho do
ator, considerados por Barba em suas críticas direcionadas ao ator D.

“Frequentemente me surpreende a ausência de seriedade em seu trabalho. Não é


devido à falta de concentração ou de boa vontade. É a expressão de duas atitudes.
Antes de tudo, tem-se a impressão de que suas ações não são ditadas por uma
convicção interior ou por uma necessidade que deixa sua marca no exercício, na
improvisação, na cena que você executa. Você pode estar concentrado no seu
trabalho, não estar se poupando, seus gestos podem, tecnicamente, ser precisos e, no
entanto, suas ações continuam sendo vazias. Não acredito no que você está fazendo.
O seu corpo só diz uma coisa: obedeço a uma ordem dada de fora. Seus nervos, seu
cérebro, sua coluna, não estão comprometidos, e, com uma atitude epidérmica, quer
me fazer crer que cada ação é vital para você. Você mesmo não percebe a
importância do que quer fazer partícipe os espectadores.
Então, como pode esperar que o espectador fique preso por suas ações?
Como você poderia, assim, afirmar e fazer compreender que o teatro é o lugar onde
as convenções e os obstáculos sociais devem desaparecer, para deixar lugar a uma
comunicação sincera e absoluta? Você neste lugar representa a coletividade, com as
humilhações que passou, com seu cinismo que é autodefesa, e seu otimismo, que é a
própria irresponsabilidade, com seu sentimento de culpa e sua necessidade de amar, a
saudade do paraíso perdido, escondido no passado, na infância, no calor de um ser
que lhe fazia esquecer a angústia.
Todas as pessoas presentes nesta sala ficariam sacudidas se você efetuasse, durante
a representação, um retorno a estas fontes, a este terreno comum da experiência
individual, a esta pátria que se esconde. Este é o laço que o une aos outros, o tesouro
sepultado no mais profundo do nosso ser, jamais descoberto, porque é nosso conforto,
porque dói ao tocá-lo.
A segunda tendência que vejo em você é o temor de levar em consideração a
seriedade deste trabalho: sente uma espécie de necessidade de rir, de distrair-se, de
comentar humoristicamente o que você e seus companheiros fazem. É como se
quisesse fugir da

73
responsabilidade que sente, inerente a sua profissão, e que consiste em estabelecer
uma relação e em assumir a responsabilidade do que revela. Você tem medo da
seriedade deste trabalho, da consciência de estar no limite do que é permitido. Tem
medo de que tudo aquilo que faz seja sinônimo de fanatismo, de aborrecimento, de
isolamento profissional. Porém, num mundo em que os homens que nos rodeiam já
não acreditam em mais nada ou pretendem acreditar para ficarem tranquilos, aquele
que se afunda em si mesmo para enfrentar a sua condição, a sua falta de certezas, a
sua necessidade de vida espiritual, é tomado por um fanático e por um ingênuo. Num
mundo, cuja norma é o enganar, aquele que procura “sua” verdade é tomado por
hipócrita.
Deve aceitar que tudo no que você acredita, no que você dá liberdade e forma no seu
trabalho, pertence à vida e merece respeito e proteção. Suas ações, na presença da
coletividade dos espectadores, devem estar carregadas da mesma força que a chama
oculta no tenaz incandescente, ou na voz da sarça ardente. Somente então, suas
ações poderão continuar a viver no espírito e na memória do espectador, poderão
fermentar consequências imprevisíveis.
Enquanto Dullin jazia em seu leito de morte, seu rosto se retorcia assumindo as
máscaras dos grandes papéis que viveu: Smerdiakov, Volpone, Ricardo III. Não era só o
homem Dullin que morria, mas também o ator e todas as etapas de sua vida.
Se lhe pergunto por que escolheu ser ator, me responderá: para expressar-me e
realizar-me. Mas que significa realizar-se? Quem se realiza? O gerente Hansen que vive
uma existência respeitável, sem inquietudes, nunca atormentado por estas perguntas
que ficam sem respostas? Ou o romântico Gauguim que, depois de romper com as
normas sociais, terminou sua existência na miséria e nas privações de uma pobre
aldeia polinésia, Noa-Noa, onde acreditava ter encontrado a liberdade perdida? Numa
época em que a fé religiosa é considerada como neurose, nos falta a medida para
julgar o êxito ou o fracasso de nossa vida.
Sejam quais forem as motivações pessoais que o trouxeram ao teatro, agora que você
exerce esta profissão, você deve encontrar um sentido que vá além de sua pessoa, que
o confronte socialmente com os outros.
Somente nas catacumbas pode-se preparar uma vida nova. Esse é o lugar de
quem, em nossa época, procura um compromisso espiritual se arriscando com as
eternas perguntas sem respostas. Isto pressupõe coragem: a maioria das pessoas
não tem necessidade de nós. Seu trabalho é uma forma de meditação sobre si
mesmo, sobre sua condição humana numa sociedade e sobre os acontecimentos de
nosso tempo que tocam o mais profundo de si mesmo.
Cada representação neste teatro precário, que se choca contra o pragmatismo
cotidiano, pode ser a última. E você deve considerá-la como tal, como sua
possibilidade de reencontrar-se, dirigindo aos outros a prestação de contas de
seus atos, seu testamento.
Se o fato de ser ator significa tudo isto para você, então surgirá um outro teatro; uma
outra tradição, uma outra técnica. Uma nova relação se estabelecerá entre você e os
espectadores que à noite vêm vê-lo, porque necessitam de você”.

7
5 Artaud, apesar de ter sido um artista de muitas facetas, não foi um realizador.
Artaud foi um problematizador das questões teatrais e instigou artistas de diversas
áreas a pensarem a arte de forma diferente. A arte, para Artaud, deveria chocar,
incomodar, tirar o espectador da “zona de conforto”. Disserte sobre as principais
características do Teatro da Crueldade.

75
REFERÊNCIAS
ARTAUD, A. Escritos de Antonin Artaud. Tradução seleção e notas Cláudio Willer.
Porto Alegre: L&PM, 1983.

ARTAUD, A. Linguagem e vida. São Paulo: Perspectiva, 2004.

ARTAUD, A. O teatro e seu duplo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

BARBA, E.; SAVARESE, N. A arte secreta do ator: Dicionário de Antropologia Teatral.


Campinas: Editora da Unicamp, 1995.

BARBA, E.; SAVARESE, N. A arte secreta do ator: Dicionário de Antropologia Teatral.


Tradução de Patrícia Furtado de Mendonça. São Paulo: É Realizações, 2012.

BARBA, E. A canoa de papel – Tratado de antropologia teatral. Tradução de


Patrícia Alves Braga. 3. ed. Brasília: Teatro Caleidoscópios & Editora Dulcina, 2012.

BOAL, A. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

BOAL, A. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

BOAL, A. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

BORNHEIM, G. Brecht: a estética do teatro. Rio de Janeiro: Graal. 1992.

BOWELL, P; HEAP, B. Planning process drama: enriching teaching and learning.


Londres: Routledge Taylkor & Francis Group, 2013.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais Arte. Ensino Fundamental.


Brasília: Ministério da Educação, 1997.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e


bases da educação nacional. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/ lei/1996/lei-9394-20-dezembro-1996-
362578-publicacaooriginal-1-pl.html.Acesso em: 24 mar. 2021.

BRASIL. Lei nº 5.692, de 11, de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o
ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em:
https://www2.camara. leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-
357752-publicacaooriginal-1- pl.html. Acesso em: 24 mar. 2021.

7
BRECHT, B. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.

BRECHT, B. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

BRECHT, B. A exceção e a regra. Vol. V. Teatro completo. 12 volumes. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1995.

BRECHT, B. A exceção e a regra. In: Teatro completo (12 vols). Vol IV. Rio de Janeiro:
Paz e Terra: 129-160. 1990.

CABRAL, B. Drama como método de ensino. São Paulo: Hucitec, 2006.

CABRAL, J. F. G. O teatro da crueldade de Antonin Artaud: a dimensão política


na vida. XXVII Simpósio Nacional de História: conhecimento histórico e diálogo social,
2013. Disponível em:
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364429619_
ARQUIVO_OTEATRODACRUELDADEDEANTONINARTAUDPUC1.pdf. Acesso em: 8 set. 2021.

COURTNEY, R. Jogo, teatro e pensamento. As bases intelectuais do teatro na


educação. São Paulo: Perspectiva, 2001.

DESGRANGES, F. A pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. São Paulo:


Hucitec, 2006.

DESGRANGES, F. A pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. 2. ed. São Paulo:


Hucitec, 2010.

EWEN, F. Brecht: sua vida, sua arte, seu tempo. São Paulo: Globo, 1991.

FÉRAL, J. Você disse “training”? O teatro transcende. Trad. e notas: José Ronaldo
Faleiro. Blumenau: n. 11, p. 49-58, 2003.

FERNANDES, J. A enunciação na encenação teatral. Estudos Semióticos,


Número 2, São Paulo, 2006. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/esse/article/ view/49164/53248. Acesso em: 26 maio
2021.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GROTOWSKI, J. Em busca de um teatro pobre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

GROTOWSKI, J.; FLASZEN, L. O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-


1969. São Paulo: Perspectiva, SESC; Pontedera: Fondazione Pontedera Teatro, 1987.

GROTOWSKI, J. Em busca de um teatro pobre. 4. ed. Rio de Janeiro:

77
Civilização Brasileira, 1992.

7
JAPIASSU, R. Jogos teatrais na escola pública. Revista Faculdade de Educação, v.
24, n. 2, São Paulo, jul./dez., 1998.

KOUDELA, I. Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva, 1984.

KOUDELA, I. Brecht: um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva, 1991.

KOUDELA, I. Texto e jogo. São Paulo: Ed. Perspectiva,1996.

LIBÂNEO, J. Didática. São Paulo – SP: Cortez Editora, 1994.

MARINIS, M. de. El nuevo teatro, 1947-1970. Barcelona: Paidós, 1988.

O’NEILL, C. Drama worlds: a framework for process drama. Portsmouth, Heinemann,

1995. O’TOOLE. J. The process of drama: negotiating art and meaning. Londres:

Routledge, 1992. PASQUALINI, J. C. A perspectiva histórico-dialética do

desenvolvimento infantil.
Psicologia em Estudo, Maringá, vol. 14, n.1, 2009.

REVERBEL, O. O teatro na sala de aula. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,

1979. REVERBEL, O. Um caminho do teatro na escola. São Paulo: Scipione,

1997.

ROSENFELD, A. Brecht. In: Teatro moderno. São Paulo: Perspectiva, 1985.

ROUBINE, J. J. A linguagem da encenação teatral. Trad. Yan Michalski. 2. ed. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

SANTIAGO, A. Teatro-educação e ludicidade: novas perspectivas em educação.


Revista cientifica/ Revista da Faced, n. 8, 2004.

SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. São Paulo: Summus, 1978.

SPOLIN, V. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2010.

STANISLAVSKI, C. A criação de um papel. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.

STANISLAVSKI, C. A preparação do ator. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira,


29ª edição, 2012.

79
STANISLAVSKI, C. A construção da personagem. Rio de Janeiro.
Civilização Brasileira, 29. ed., 2012.

8
STANISLAVSKI, C. Abordagem à criação do papel, descoberta de si mesmo no papel e o
papel em si mesmo. In: VÁSSINA, E; LABAKI, A. Stanislávski: vida, obra e sistema. RJ:
Funarte, 2015.

VYGOTSKY, L. S. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

VYGOTSKY, L. S. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

VYGOTSKY, L. S. Interação entre aprendizado e desenvolvimento. In: VYGOTSKY, L. S. A


formação Social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

81
UNIDADE 2
-

ELEMENTOS
CONSTITUTIVOS DAS ARTES
CÊNICAS: CORPO,
VOZ, SOM E ESPAÇO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender as relações estabelecidas entre a voz, a música e o corpo nas Artes Cênicas;

• distinguir os conceitos básicos do Sistema de Análise do Movimento, de Rudolf Laban;

• saber os principais elementos que compõem a Dança-Teatro, uma das linguagens


artísticas criadas no século XX;

• identificar os princípios do Teatro Físico, manifestação artística contemporânea,


nascida na Inglaterra, nos anos 1970

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O CORPO E A VOZ NAS ARTES


CÊNICAS TÓPICO 2 – O SOM E A MÚSICA NO
TEATRO TÓPICO 3 – O ESPAÇO CÊNICO

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que fa

8
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

Acesse o
QR Code abaixo:

83
UNIDADE 2 TÓPICO 1—
O CORPO E A VOZ NAS ARTES CÊNICAS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no Tópico 1, abordaremos o corpo do ator, principal
elemento da cena teatral a partir do século XX, e a relação deste com a voz. Como
vimos nos tópicos anteriores, o trabalho criativo do ator, e a utilização dos
instrumentos de trabalho, como o corpo e a voz, ficaram no centro da cena a partir da
transição do século XIX para o século XX, centralidade que, anteriormente, era
ocupada pelo texto dramatúrgico, ou pelo trabalho do diretor/encenador teatral.
Dessa forma, foi preciso capacitar o ator para que ele assumisse o lugar de
centralidade criadora, fazendo-o conhecer, profundamente, os próprios instrumentos
e as relações com os outros elementos do espetáculo.

Para que as habilidades do ator fossem desenvolvidas, de maneira a suprir


as necessidades da cena contemporânea e das quebras de paradigmas das cenas
vanguardistas, foi necessário modificar a transmissão de conhecimentos do trabalho
desse ator, além de aprofundar as pesquisas que envolviam a temática e transformar,
em treinamento permanente, o que antes era desenvolvido apenas nos ensaios

Diversos estudiosos e teórico-práticos das Artes Cênicas contribuíram para


revolucionar a pedagogia teatral e o trabalho desse “novo” ator, que necessitava de
um corpo pronto, sempre, para receber as diferentes linguagens das artes do corpo
e da cena. Dentre eles, estudaremos, nesta unidade, as pesquisas de Rudolf Laban,
que, provindo da dança, destacou-se nos estudos do movimento, sendo um dos
pesquisadores mais utilizados, até hoje, nas diversas manifestações artísticas da cena.

O Sistema Laban/Bartenieff de Análise do Movimento é um sistema


desenvolvido a partir das pesquisas práticas de Rudolf Laban (1879-1958) –
bailarino, professor de dança, coreógrafo e pesquisador – e de Irmgard Bartenieff
(1900-1981) – aluna de Laban, que deu continuidade aos estudos dele,
desenvolvendo os Fundamentos Corporais Bartenieff e as reflexões acerca da
funcionalidade do movimento e da utilização deste com objetivos pontuais, de forma
precisa e potente.

Veremos, também, a Dança-Teatro e o Teatro Físico, duas expressões


artísticas híbridas que misturam várias linguagens, mas que possuem, como
características principais, o corpo evidenciado e o movimento/ação como elemento
principal da cena.

Ao fim da unidade, será possível ler o artigo O Espaço Teatral, o Corpo e a


Memória, de Evelyn Furquim Werneck Lima (Unirio) e de Solange Pimentel Caldeira

7
(UFV), publicado na revista O Percevejo Online.

76
A seguir, estudaremos a relação corpo-voz, fundamental no trabalho do ator.
A voz do ator é um prolongamento do seu corpo, instrumento de trabalho e veículo
de expressão direta. Por essa razão, o ator necessita de saúde vocal, treinamento e
conhecimento da técnica.

Bons estudos!

2 CORPO EM CENA: RELAÇÃO CORPO-VOZ

FIGURA 1 – CORPO-VOZ - 2015

FONTE: <http://oteatromerepresenta.blogspot.com>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A partir do século XX, a voz passou a ser um dos elementos centrais


trabalhados nos processos de preparação de atores e de construção do espetáculo. Isso
se deve ao fato de que a complexidade criativa dos espetáculos, após as
transformações ocorridas nessa época, tenha solicitado mais do aparelho fonador do
atuante.

A pluralidade de personagens e de linguagens cênicas aumentou a necessidade


de uma forte plasticidade vocal, pois a utilização da voz, no exercício cênico, abrange
potência, projeção, mudanças de timbre, volume, tornando-se necessários os estudos
da fisiologia do aparelho fonador, das técnicas para a voz falada, e, muitas vezes, para
a voz cantada. A voz artística deve transmitir, não apenas, aspectos ligados à
linguagem cotidiana, mas também, às linguagens extracotidianas, exigidos em
diferentes linguagens teatrais não realistas .

O ator precisou aprofundar os estudos do personagem, incluindo estados


emotivos, psicológicos, imagéticos, e não somente executá-los em ações físicas, mas,
também, em ações vocais. Além disso, essas ações vocais devem ser projetadas de
forma ampla, a fim de atingir grandes espaços, muitas vezes, sem acústica

7
apropriada, como o espaço externo.

78
O espaço é um dado muito importante, pois geralmente, o ator não possui
mecanismos externos de projeção, como o microfone. O único recurso, na maior parte
das vezes, é a própria voz do ator.

O conhecimento de técnicas vocais, nas Artes Cênicas, também faz com


que a projeção ampla e o volume alto não gerem sobrecarga e problemas de
alterações do aparelho fonador.

No século XX, quebraram-se muitos paradigmas da relação corpo-voz, com as


pesquisas práticas empreendidas pelos diretores teatrais, pelos pedagogos do teatro e
pelos teatrólogos. Para Patrice Pavis (2005, p. 12):

A análise da voz impõe um conhecimento aprofundado do aparelho


vocal, que compreende: o aparelho respiratório, a laringe, as
cavidades de ressonância. Cada um desses três componentes
pode ser objeto de uma descrição fisiológica muito precisa, mas a
análise das vozes dos atores se interessa, antes, pelos efeitos
específicos produzidos por cada órgão.

As características multifacetadas do teatro contemporâneo, no qual o texto


dramatúrgico não é mais o foco principal, e, até mesmo, muitas vezes, inexistente,
fizeram com que a pedagogia teatral tivesse que acompanhar esse caminho,
modificando, completamente, o treinamento e a formação do ator.

ESTUDOS FUTUROS
No teatro pós-dramático, o qual veremos na última unidade, valorizam- se, também, os aspectos

Como vimos na unidade anterior, a partir de pesquisas acerca da linguagem


teatral, Artaud aponta a necessidade de uma linguagem que satisfaz a todos os
sentidos. Para Artaud, quando a palavra é proferida, a materialidade da voz suscita
qualidades sonoras, estabelecendo outras camadas de significação, outras plataformas
semânticas, que se relacionam, não somente, ao conteúdo verbal, mas, também, aos
aspectos não verbais, percebidos pelos sentidos. As características físicas do som,
como intensidade e duração, aspectos que podem ser mensurados por aparelhos,
relacionam-se a aspectos sensoriais.

7
Artaud almejava devolver a potência, o apetite de vida que transborda o
significado das palavras. A função das palavras e da enunciação, para Artaud, é uma
ocupação, quase física, da voz e de todos os aspectos não formais da fala nos espaços
da cena e da criação. A gestualidade e os sons compõem uma outra camada
dramatúrgica do “texto” teatral. No texto, enquanto tessitura, como afirma Eugenio
Barba, em sua antropologia teatral,

[...] é preciso admitir que a palavra se ossificou, que as palavras,


todas as palavras, congelaram-se, enfurnaram-se em seu
significado, numa terminologia esquemática e restrita. Para o
teatro, tal como é praticado aqui, uma palavra escrita vale tanto
quanto a mesma palavra pronunciada. O que leva alguns amantes do
teatro a dizerem que uma peça lida proporciona alegrias mais
precisas, mais fortes do que a mesma peça representada. Tudo que
diz respeito à enunciação particular de uma palavra, à vibração que
ela pode difundir no espaço, escapa-lhes, assim como tudo o que,
por isso, é capaz de acrescentar ao pensamento (ARTAUD, 2006, p.
138-139).

Como vimos nos tópicos anteriores, a importância, dada ao corpo do ator, no


século XX, fez com que a voz, também, fosse considerada um aspecto a ser
fisicalizado, causando uma relação mais estreita entre corpo e voz. Podemos
perceber que os diretores-pedagogos do século XX já não acreditavam ser suficiente
dizer bem o texto, mas esperavam que o ator fosse capaz de usar a própria voz para
dar voz às palavras do autor, ou para criar diferentes significações, mesmo que essas
criações não estivessem presentes no texto.

Para a maioria dos diretores-pedagogos que vimos, a voz é o resultado dos


impulsos físicos, mentais, emocionais do personagem. Nasce do corpo do personagem,
e a emissão não é algo externo ao corpo, como, muitas vezes, a voz foi tratada
em períodos anteriores.

Para cada situação, e para a interpretação pela voz, pode-se tentar


encontrar a ressonância apropriada. Isso se aplica ao treinamento,
mas não ao preparo do papel. Os exercícios e o trabalho criativo
não devem se misturar. O meio, o espírito da época, a mentalidade,
tudo pode constituir sério obstáculo para a formação de uma boa
voz. O erro mais elementar, e que necessita da mais urgente
correção, é a supertensão da voz, unicamente, porque as pessoas se
esquecem de falar com o corpo (GROTOWSKI apud ALEIXO, 2004, p.
23).

Grotowski, nas pesquisas e nos trabalhos dele, percebeu a necessidade de uma


sistematização de procedimentos específicos para a voz no teatro, e alguns desses
procedimentos estão no livro Em Busca de um Teatro Pobre (1968 – primeira
publicação).

Os desafios relativos à técnica e à expressão vocal são muitos, assim, por sua
vez, abrangem o ensino da técnica vocal na formação do ator.

80
Ainda são poucos os estudos a respeito da voz no teatro, e, muitas vezes, as
escolas de formação de atores relegam a voz a um segundo plano, mas, nos últimos
anos, tem acontecido uma mudança gradativa para a valorização do treinamento
vocal, voltado à atores nos cursos de formação e nos processos criativos.

A seguir, veremos alguns aspectos da voz falada e da voz cantada no trabalho


do ator.

2.1 VOZ FALADA E VOZ CANTADA


Uma voz bonita e uma boa dicção não são os únicos aspectos importantes
da voz falada. O ator contemporâneo traz, com a complexidade da linguagem
teatral, uma amplificação das próprias potencialidades. Os elementos considerados
“óbvios”, relacionados a uma boa fala, como respiração, dicção e projeção, no teatro
contemporâneo, estão abaixo do elemento principal: a consciência da dimensão
comunicativa da palavra, e, até mesmo, dos aspectos não verbais da comunicação
oral.

O trabalho de pesquisa vocal se tornou prioritário a partir do século XX, mas,


principalmente, um trabalho acerca da voz fisicalizada, da voz tornada ação. Com a
valorização do trabalho do ator, como artista-criador, enfatizou-se a busca de uma
investigação das possibilidades vocais dele, trazendo a interdisciplinaridade do ensino
da voz.

A promoção da saúde vocal, muitas vezes, trabalhada por fonoaudiólogos,


aliou-se ao desenvolvimento das potencialidades vocais do ator, por intermédio de
profissionais do canto e da técnica vocal, para que o ator esteja, vocalmente,
preparado para palcos e locais de trabalho de diferentes tamanhos e acústicas, para
um número grande ou pequeno de público, e, muitas vezes, para a necessidade de
cantar, mesmo que o espetáculo não seja um espetáculo de teatro musical.

Tentar corrigir, ou melhorar a voz do ator, é menos importante do que


impulsioná-lo a explorar a própria voz, fazendo-o descobrir novas maneiras de utilizá-
la. O canto pode ser um dos caminhos para essas descobertas.

O resultado principal do meu trabalho foi que adquiri, na linguagem


falada, a mesma linha ininterrupta de som que eu tinha
desenvolvido no canto, e sem a qual não pode existir uma
verdadeira arte da palavra [...]. Eu aprendera, por minha própria
prática, que essa linha ininterrupta só aparece quando as vogais e
as consoantes, espontaneamente, vibram tal como fazem no canto
(STANISLAVSKI, 2009, p. 154).

Uma boa dinâmica vocal se baseia em uma relação intrínseca entre o corpo
e a voz. A imagem vocal-corporal é impulsionada pelo desenvolvimento da acuidade
auditiva e da expressão corporal.

8
A voz é uma resposta a uma ação corporal, sem que haja esforço inadequado à
fonação, sobrecarregando-a.

A palavra transmite um sentimento, mas é o acréscimo da linguagem vocal que


amplifica a riqueza de significados do texto.

O ator, além de tudo, deve possuir o hábito de exercitar a voz, aquecendo-a,


da mesma forma como aquece o corpo antes do trabalho, para preservar a saúde
vocal e melhorar o desempenho do aparelho fonador. Ainda, deve “desaquecê-la”
após o trabalho, para evitar a “fadiga vocal”.

Como vimos, a importância da técnica vocal, para o ator, é explícita, pois


a aquisição de conhecimentos pertinentes à voz artística é imprescindível para o
aprimoramento e para o desenvolvimento da performance teatral.

A seguir, estudaremos as artes da presença, as quais posicionam o corpo


do ator no centro da linguagem e da expressão.

3 ARTES DA PRESENÇA: O CORPO NO CENTRO DA AÇÃO

FIGURA 2 – MOVIMENTO E IMAGEM CORPORAL - 2013

FONTE: <https://movimentoeimagemcorporal.wordpress.com>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A partir do século XX, o corpo se tornou o elemento unificador das artes,


suscitando outras percepções por meio de novas formas expressivas, como a dança
contemporânea, a performance, a Dança-Teatro e o Teatro Físico. A corporeidade
e a ação se tornaram o centro das relações entre as Artes Cênicas e as Artes
Visuais, além de potencializar a presença física do espectador como elemento
importante do processo criativo, transformando-o em participante do espetáculo.
Além disso, as

82
ideologias libertárias da segunda metade do século lançaram forças para a relação
corpo e discurso político, contribuindo para a imagem de um corpo expressivo, com
muito potencial significativo. As Artes Cênicas, Visuais e Audiovisuais se hibridizaram
e a fisicalidade e o corpo tornaram-se catalizadores das artes da presença. A seguir,
estudaremos o Sistema Laban e a contribuição deste para as artes do corpo, como a
dança e o teatro .

3.1 SISTEMA LABAN E ARTES DO CORPO


O Sistema Laban/Bartenieff de Análise do Movimento é um sistema
desenvolvido a partir das pesquisas práticas de Rudolf Laban (1879-1958) –
bailarino, professor de dança, coreógrafo e um dos maiores teóricos do movimento
humano – e de Irmgard Bartenieff (1900-1981), aluna de Laban, que deu continuidade
aos estudos dele. Bartenieff desenvolveu os Fundamentos Corporais Bartenieff. Esses
fundamentos foram criados por Bartenieff, a partir do trabalho dela em parceria com
Laban, no qual utilizou os conceitos labanianos para pensar na harmonização do corpo
em movimento.

Estudiosos do Sistema Laban somaram o sobrenome Bartenieff, dando origem


ao Laban/Bartenieff Movement Analysis, devido à importância de Bartenieff para
a continuação do trabalho de Laban, e por ter fundado o Laban/Bartenieff
Institute Movement Studies - Nova York. A análise do movimento de Laban/Bartenieff
possibilita criar, descrever, registrar e analisar o movimento humano por meio dos
elementos expressivos e funcionais, em um processo de aprendizagem que abarca
o fazer, o pensar e o sentir.

O Laban/Bartenieff Institute of Movement Studies (Nova York) divulga o


sistema, dividido em quatro categorias, Corpo, Esforço, Forma e Espaço, para melhor
exprimir, didática e metodologicamente, a aplicação deste. “São categorias inter-
relacionadas, que se informam, mútua e continuamente, provocando mudanças no
movimento humano” (MIRANDA, 2008, p. 17).

Nas Artes Cênicas e na educação, as pesquisas de Laban foram estudadas


e disseminadas mundialmente. Laban foi influenciado por artes de diferentes partes
do mundo, como as “[...] artes marciais do Oriente, as formas e as danças africanas e
indígenas que inspiravam o expressionismo do início do século, as danças folclóricas, e
o cotidiano de muitas localidades [...]” (FERNANDES, 2006, p. 27).

Contrapondo os movimentos repetitivos da era industrial e das aulas de dança


da época, Laban se preocupou em pesquisar maneiras de possibilitar, ao corpo,
explorar a gestualidade de forma diversa. Laban acreditava na dissolução de
dicotomias, como corpo/mente e texto/movimento, e de padrões de corpo adequados
à dança.

8
Hoje, o Sistema Laban é compreendido como “[...] uma série de
desenvolvimentos realizados, até o momento, por profissionais das mais variadas
localidades, atualizados e divulgados em congressos e publicações periódicas”
(FERNANDES, 2006, p. 27).

Apesar de haver uma sistematização das teorias dele, o Sistema de Laban


não foi formalizado com o intuito de se tornar um modelo limitador, mas de
possibilitar que cada um descubra uma relação do sistema com o próprio contexto, e o
domine, atualizando-o, caso seja necessário, às próprias necessidades e objetivos.

Bartenieff, frequentemente associada à Educação Somática, pesquisava um


conceito de movimento mais consciente e de um ensino com foco no aprendiz.

O sistema torna o movimento mais consciente, fazendo-nos perceber como


ele acontece, o peso do corpo, a iniciação do impulso desembocado no movimento,
aguçando a atenção e a análise crítica.

O estudo do Sistema Laban possui duas ramificações para uma melhor


organização: a Labanotação (Labanotation) e a Labanálise (Labanalysis), ou Análise
Laban de Movimento. Com a Labanotação, faz-se o registro do movimento, o “[...]
registro exato de uma coreografia, deixando os aspectos qualitativos para a
interpretação de cada dançarino, ou conforme a intenção do diretor da reconstrução”
(FERNANDES, 2006, p. 35). Já a Labanálise, ou Análise Laban de Movimento, inclui os
Fundamentos Corporais Bartenieff, e enfatiza a qualidade do movimento.

Como cita Fernandes (2006), existem os centros específicos de formação.


Enquanto a Labanotação é desenvolvida pelo Dance Notation Bureau (Nova York e
Ohio), a Labanálise, ou LMA, é desenvolvida pelo Laban/Bartenieff Institute of
Movement Studies (Nova York). Há, também, uma terceira vertente, mais
desenvolvida no Centro Laban de Londres, denominada de Laban Movement Studies, e
Choreological Studies, o que não inclui os Fundamentos Corporais Bartenieff.

Fernandes (2006, p. 28) cita vários pesquisadores de Laban no Brasil: “[...]


Adalberto da Palma, Alba Vieira, Analívia Cordeiro, Cláudio Lacerda, Denise Telles,
Lícia Morais, Maria Mommensohn, Mônica Serra, dentre tantos outros”.

O Sistema Laban/Bartenieff chegou com atraso no Brasil. O livro Domínio do


Movimento, publicado em 1950, na Inglaterra, foi publicado no Brasil em 1978. Com
maior atraso, outro livro, a obra Dança Educativa Moderna, foi publicada no Brasil em
1990 , sendo que a primeira publicação do livro, na Inglaterra, foi feita em 1948.

Apesar de ser mais conhecida no âmbito da dança, a obra de Laban tem muita
influência nas artes dramáticas, pois Laban vê o teatro como uma “arte do
movimento”, que trabalha com uma estrutura rítmica, dinâmica, sensível e espacial
do movimento. Laban posiciona a mímica como um meio de representação simbólica.

84
Acredita que, na

8
vida, nem sempre observamos as origens e o valor de todos os nossos movimentos,
necessitando da arte dramática e das artes do movimento para contemplar e
compreender as relações entre os eventos externos, as ações funcionais, o
pensamento e o sentimento.

Segundo Laban, a ação e o movimento funcional dão ênfase a elementos


objetivos da consciência artística. O caráter inteligível da ação é o caráter funcional.
Quando se age de forma consciente, compreende-se a dinâmica entre os lados interno
e externo do ser humano, e entre os motivos e as circunstâncias da ação.

Esse conceito de Interno e Externo, no Sistema Laban/Bartenieff, refere-se à


dinâmica entre o universo interno do ser humano (sensações, imagens, sentimentos,
corpo, experiências etc.) e o externo (espaço, relações com outras pessoas, objetos,
acontecimentos etc.). O universo interno é expressado no mundo externo, e retorna
modificado, para alterar as nossas experiências interiores . Os meios externo e interno
se transformam, mútua e continuamente, de forma dialética. O espaço corpóreo, na
cena, é, sempre, situacional, e não posicional, ou, somente, espacial, pois depende
da situação e das possibilidades.

As dinâmicas contraditórias entre os mundos interno e externo do ser geram


riqueza na ação dramática, resultado desse “conflito” interior. O ator, o bailarino, ou
o mímico, segundo Laban, deve saber trabalhar com a qualidade do esforço, a
forma e a quantidade de energia liberada para que possa variar a composição e a
ordem dos elementos constituintes do movimento, criando novas “partituras”,
sequências e combinações expressivas desse esforço.

Os movimentos intencional e funcional do ator se estabelecem nas relações


entre o próprio corpo, os corpos dos outros atores e do público, os objetos de cena,
o espaço e os outros elementos não palpáveis, como a música, a luz. Os estudos do
movimento, empreendidos por Laban, são potência operativa, o que acontece na
dialética entre o espaço interno do corpo e o espaço externo do mundo, produzindo
uma ação funcional e intencional, ação imprescindível para as Artes Cênicas.

A seguir, estudaremos um tipo de arte do corpo que mistura linguagens


artísticas, como a dança e o teatro, e que foi nomeado por Laban, tido como o
criador da Dança-Teatro.

86
3.2 DANÇA-TEATRO

FIGURA 3 – DANÇA-TEATRO – 2017

FONTE: <http://www.3margem.com.br/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O termo Dança-Teatro parte de uma categorização realizada por Rudolf von


Laban, nos anos 30, que a descrevia como uma arte independente. Foi assimilada e
difundida pelos seguidores alemães deste, Mary Wigman (1886-1973) e Kurt Joss (1901-
1979), que deram continuidade a essas pesquisas multilinguagens, fazendo com que a
Alemanha se tornasse o principal centro dessa estética específica.

A Dança-Teatro foi reformulada por Pina Bausch (1940-2009), discípula de Kurt


Joss, também vista como uma das criadoras desse gênero, tornando-se a principal
referência mundial contemporânea da Dança-Teatro. Pina Bausch ficou conhecida no
mundo todo por seu processo criativo único e por seu resultado estético singular.

O nome da companhia de Laban era Tanzbühne Laban, que influenciou o


Tanztheater, de Pina Bausch. Para Joss, mestre de Bausch, a dança é teatro na sua essência.

Laban utilizou os termos Dança-Teatro, e “dança de palco”, em alemão,


tanzbühne, para definir a união dos elementos movimento, música e palavra falada,
sendo que os experimentos de Laban buscavam múltiplas linguagens, como a ópera, o
vaudeville, o musical e o teatro, como forma de intensificação da expressividade.

8
NOTA
. Atraía muito público para as casas de shows entre os anos de 1800 a 1930, nos Estados Unidos e no Canadá.

Muito mais do que a união entre a dança e o teatro, a Dança-Teatro é uma


expressão artística híbrida que soma linguagens artísticas múltiplas e cria uma
estética própria. Mistura características de diversas artes do corpo, como o teatro, a
dança contemporânea e a performance, mas, ao mesmo tempo, é diferente de todas
elas. Dilui a fronteira entre as linguagens artísticas que abraça, sendo difícil
identificar quando começa uma e termina a outra.

As manifestações artísticas híbridas, que misturam vários tipos de linguagens


artísticas, devido à necessidade contemporânea de superar conceitos e
paradigmas estanques, geraram novas possibilidades, inter-relações, categorizações e
terminologias. A partir do século XX, uma das terminologias criadas foi a da Dança-
Teatro.

A Dança-Teatro incorpora, por vezes, a fala, unindo algumas palavras


aos movimentos, além de agregar artistas, com formações múltiplas, e relações
interlinguagens, linguagem autobiográfica, elementos da performance, trabalho com
paradoxos e oposições, apontando, sempre, para a multiplicidade do artista. O ator-
bailarino necessita ter total domínio dos movimentos e precisão gestual, além de
estar, corporalmente, disponível a mais linguagens artísticas.

O trabalho de Pina Bausch, com a Dança-Teatro, teve início na companhia


alemã Wuppertal Tanztheater, que passou para a direção de Bausch em 1973. Pina
ressignificou, por meio do próprio trabalho, o que se entende, hoje, por Dança-Teatro,
a partir da construção de novos meios expressivos.

No trabalho de Bausch, a existência humana foi objeto de pesquisa, como


afirma Cypriano (2005). Bausch colocava a atenção não somente na forma através da
qual as pessoas se moviam, mas no que as movia. A forma de utilização do corpo, na
dança de Bausch, não foi instantaneamente aceita, já que fugia dos padrões que
legitimavam um trabalho artístico como dança.

88
Pina Bausch utilizava um processo de busca pelo “eu” mais profundo do
intérprete, o qual se traduz no corpo e no movimento, e que vai ao encontro de uma
tendência contemporânea que borra as fronteiras do real e do ficcional. As Artes
Cênicas contemporâneas, a partir da primeira metade do século XX, foram ficando
cada vez mais voltadas a processos criativos que utilizam o real, a vivência, as
memórias e a biografia dos intérpretes.

Bausch utilizava as memórias dos bailarinos como estímulo criativo para


compor cenas e para estimular as ações físicas, fonte inesgotável para a obra artística
. “É a vida, o que sucede em nossa volta, que, inevitavelmente, constitui uma
influência. É isso, não diria que sou influenciada por fatores artísticos propriamente
ditos. Tento falar da vida. O que me interessa é a humanidade, as relações entre os
seres humanos” (CYPRIANO, 2005, p. 24).

Segundo Fernandes (1999, p. 3), nas obras de Pina, “dança e teatro são
trazidos, ao palco, como linguagens verbal e corporal, mas não como uma totalidade
de corpo-mente ou forma-conteúdo. A natureza linguística de ambos é explorada
como, intrinsecamente, fragmentada”. A fragmentação é um dos elementos mais
evidentes nas obras de Bausch. Sua coreografia é composta por improvisos de palco,
filtrados e formatados. As montagens são baseadas nas histórias pessoais dos atores-
bailarinos, mas, nas inúmeras repetições no palco, suscita uma despersonalização,
gerando significados que remetem ao universal.

Para Cypriano (2005), as obras de Bausch tratam de questões existenciais dos


seres humanos, como amor, ódio, medo, solidão, amizade, companheirismo, violência,
alegria, lembranças e memórias de infância, sonhos e frases nunca ditas.

Outro elemento marcante do trabalho de Bausch é a repetição, utilizada com


o intuito de construir novos significados e desconstruir gestualidades técnicas e
sociais já convencionadas. A despersonalização, por meio da repetição das ações,
causa um distanciamento natural do significado já estabelecido, buscando a
ressignificação. Para Fernandes (2000, p. 42), “por meio de extensiva repetição,
as cenas pessoais são, gradualmente, moldadas em uma forma estética, dissociada da
personalidade do dançarino”. Para a autora, um gesto, feito pela primeira vez, pode
ser visto como uma expressão espontânea, mas a repetição faz com que se torne um
elemento estético.

Ainda, segundo Fernandes (2000), Bausch trabalha com gestos técnicos e


cotidianos. Muitas vezes, o gesto técnico é repetido para ganhar uma significação
social, e, o cotidiano, pode se tornar abstrato, sem funções sociais estabelecidas.

Os espetáculos de Pina Bausch são, visualmente, impactantes, gerando


imagens cinematográficas. Os espaços cênicos são trocados com frequência, e as cores
e os objetos cênicos são trabalhados a ponto de gerar um forte impacto visual. Bausch

8
utiliza muitos elementos orgânicos, como plantas, flores, água e terra. A técnica
de colagem de ações também é recorrente no trabalho de Bausch, a partir da qual
cenas ou sequências de movimentos são recortadas, alternadas e repetidas, como
em um processo de montagem no cinema.

Na construção de significados, Bausch utiliza com frequência, a desconstrução


de gênero, quando, nas representações das figuras da mulher e do homem, subverte a
compreensão comum do que é homem/mulher. Em Cravos (1983), Pina Bausch mostra,
em cena, homens vestindo roupas femininas incômodas .

O trabalho de Pina Bausch é, essencialmente, um trabalho de ressignificação


não só da cena, mas da forma de trabalhar com a Dança-Teatro. Os atores-bailarinos
são instigados, constantemente, a explorar os mundos interiores e as próprias
verdades.

Segundo Fernandes (2002), a Dança-Teatro contemporânea alemã trabalha


com a fragmentação das linguagens da dança e do teatro, abarcando diferentes tipos
de arte. Coreógrafos de diversos lugares do mundo utilizam o termo Dança-Teatro
para nomear manifestações artísticas que estão fora das convenções estabelecidas
como dança e como teatro. A Dança-Teatro utiliza uma dramaturgia calcada nos
contrastes, nas oposições, na repetição, na fragmentação, na modificação dos padrões
de movimento.

A seguir, analisaremos o Teatro Físico, denominação que também surgiu no


século XX, para designar um tipo de teatro cuja fisicalidade exacerbada ultrapassou os
limites do que se conhecia como teatro.

3.3 TEATRO FÍSICO

FIGURA 4 – TEATRO FÍSICO - 2017

90
FONTE: <http://www.cenahum.com.br>. Acesso em: 24 abr. 2021.

9
Como vimos anteriormente, o corpo do ator se tornou, a partir do final do
século XIX, cada vez mais importante na criação da cena. O texto criado pelas ações
do ator passou a ser o ponto de partida da criação, e não mais o texto dramatúrgico.
Uma das manifestações artísticas, iniciada na Inglaterra, na década de 1970,
denomina-se de Teatro Físico (Physical Theatre), e se caracteriza, na sua origem, por
uma mistura entre teatro, dança, circo, mímica e outras artes performativas.

O nome pode parecer estranho, a princípio, pelo fato de todo teatro ser físico,
mas o Teatro Físico quer enfatizar, ainda mais, a presença corpórea, a dimensão
material. “A produção eclética, reunida pelo conceito teatro físico, é identificada como a
tensão que se apresenta no duplo legado do nome que a caracteriza: uma ação sobre
a fisicalidade, gerando uma certa disposição do corpo, em função de uma teatralidade
específica” (ROMANO, 2005, p. 16).

A fisicalidade evidente, na construção da cena, leva o corpo a ultrapassar os


próprios limites expressivos, intensificando a criação física. O corpo, no Teatro Físico,
é construído por meio de treinamento constante e de experimentação a longo prazo.
No caso do Teatro Físico, muitas vezes, há texto de palavras, e, quando há a presença
do texto dramatúrgico, ambos, corpo e palavra, ficam lado a lado, nenhum abaixo ou
acima do nível de importância.

O Teatro Físico deixa a fusão de linguagens evidente, pois a criação utiliza a


experimentação corporal e se alimenta de elementos da dança, do teatro, do circo, da
música, da pantomima, da tecnologia e do audiovisual. Experimenta, culturalmente,
o corpo, e, de forma cênica e com fins artísticos, causa uma total dilatação das
potencialidades físicas, da disponibilidade para o jogo, da energia extra cotidiana,
mesmo quando acessa elementos do cotidiano. O intérprete do Teatro Físico “busca
ampliar as possibilidades criativas da atuação por analogias. Sua atuação não se coloca
no nível da linguagem, mas na atualidade do ícone, recusando o gesto imitativo
convencional para buscar o gesto original, orgânico” (ROMANO, 2008, p. 201).

NOTA
o a síntese entre a palvra falada e a fisicalidade, sendo que o ponto de partida para a concepção do

92
Além disso, o teatro físico tem, como centro da ação, um ator-criador
que não assume um personagem específico, mas permanece entre a ficção e a
realidade, assumindo a própria persona, mesmo que a criação abarque elementos,
convencionalmente, utilizados no fazer teatral, como direção, cenografia, figurino, texto
dramatúrgico, e, até mesmo, o esboço de um personagem.

O teatro corporal põe em xeque a forma como o homem vê a si mesmo na


contemporaneidade. Segundo Romano, o corpo, “no teatro físico, não é abstrato, mas
um corpo histórico que investiga a fisicalidade do real, um dos caminhos de
autenticidade que tem inspirado o teatro contemporâneo ocidental” (ROMANO, 2008,
p. 236).

Essa arte, apesar de ser reconhecida como espaço de resistência a uma


representação do cotidiano, não esconde as influências do corpo cotidiano e parte
delas para criar e recriar significados. No Teatro Físico, especificamente, a
comunicação não se constrói pela representação, pois não utiliza personagens, nem se
apoia na verossimilhança (proximidade com a realidade), mas o processo
comunicativo, no Teatro Físico, recorre a uma intensa significação metafórica. A
dialética, neste tipo de teatro, constitui-se por meio do reconhecimento das
metáforas corporais .

Mais adiante, estudaremos as relações entre dois elementos imprescindíveis


nas artes da presença: o corpo cênico e a música.

9
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O trabalho de pesquisa vocal se tornou prioritário a partir do século XX, mas,


principalmente, a partir de um trabalho sobre a voz fisicalizada, tornada ação, com
a valorização do trabalho do ator como artista-criador, enfatizou-se a busca de uma
investigação das possibilidades vocais desse ator, trazendo a interdisciplinaridade
do ensino da voz.

• O artista-pesquisador Rudolf Laban, contrapondo os movimentos repetitivos da era


industrial e das aulas de dança da época, preocupou-se em pesquisar maneiras
de possibilitar, ao corpo, explorar a gestualidade de forma diversa, pois Laban
acreditava na dissolução de dicotomias, como corpo/mente e texto/movimento, e
de padrões de corpo adequados à dança.

• A Dança-Teatro é uma expressão artística híbrida que soma linguagens artísticas


múltiplas e cria uma estética própria, misturando características de diversas artes
do corpo, como o teatro, a dança contemporânea e a performance, mas, ao mesmo
tempo, é diferente de todas elas.

• O Teatro Físico (Physical Theatre) nasceu na Inglaterra, e se caracteriza como uma


mistura entre teatro, dança, circo e mímica. Possui esse nome para enfatizar a
dimensão física, a presença corpórea, a materialidade e a posição central da ação
física na criação do espetáculo.

94
AUTOATIVIDADE
1 A pluralidade de personagens e de linguagens cênicas aumentou a necessidade
de uma forte plasticidade vocal, tornando-se necessário, para o ator, o estudo da
fisiologia do aparelho fonador, de técnicas para a voz falada, e, muitas vezes, para
a voz cantada. A respeito da utilização da voz do ator, é CORRETO afirmar:

a) ( ) A utilização da voz, no exercício cênico, abrange vários elementos, como


potência, projeção, mudanças de timbre, volume e ritmo.
b) ( ) As ações físicas são mais importantes no palco do que a voz, por esse motivo, o
ator deve se preocupar mais com o corpo.
c) ( ) A voz falada não é utilizada com tanta potência quanto no canto, por isso, não

necessidade de aquecer a voz antes de entrar em cena, ou desaquecê-la ao terminar.
d) ( ) Nos últimos anos, tem se falado pouco da importância da relação corpo-voz. A
preocupação está mais voltada para as relações estabelecidas pelos atores com
outros elementos do espetáculo, dentre eles, o público.

2 Hoje, o Sistema Laban é compreendido como “[...] uma série de desenvolvimentos


realizados, até o momento, por profissionais das mais variadas localidades,
atualizados e divulgados em congressos e publicações periódicas” (FERNANDES,
2006, p. 27). A respeito do Sistema de Laban, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) É um sistema fechado, que não permite alterações ou atualizações, devido à


possibilidade de torná-lo impreciso.
b) ( ) É um sistema criado com o objetivo principal de tornar perfeita a estética do
movimento.
c) ( ) É um sistema criado pela pesquisadora do movimento, e bailarina alemã, Pina
Bausch.
d) ( ) É um sistema que torna o movimento mais consciente, enfatizando a percepção
da origem, o funcionamento, a funcionalidade e a intenção, aguçando a
atenção e a análise crítica.

3 Posterior a Rudolf Laban e aos discípulos dele, Mary Wigman e Kurt Joss, a bailarina
e coreógrafa alemã Pina Bausch ficou reconhecida, no mundo todo, pelos
espetáculos impactantes e, profundamente, elaborados, por meio de uma
linguagem cênica que mistura dança, teatro e performance, denominada de:

a) ( ) Psicodrama.
b) ( ) Teatro Físico.
c) ( ) Dança-Teatro.
d) ( ) Performance.

9
4 A Dança-Teatro, de Pina Bausch, ficou conhecida, em todo o mundo, pela
singularidade e pela beleza. Seus espetáculos híbridos, que misturam dança, teatro
e performance, cujo bailarino-intérprete transita entre as linguagens, apresentam
dois elementos principais que caracterizam toda a obra de Bausch, e que estão
presentes, também, no processo criativo. A respeito desses elementos, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Os giros e os saltos ininterruptos.


b) ( ) A repetição e a fragmentação.
c) ( ) O excesso dos movimentos lentos e das variações rítmicas.
d) ( ) A predominância dos planos baixos e dos rolamentos.

5 “A produção eclética, reunida pelo conceito de Teatro Físico, é identificada como


a tensão que se apresenta no duplo legado do nome que a caracteriza: uma ação
sobre a fisicalidade, gerando uma certa disposição do corpo, em função de uma
teatralidade específica” (ROMANO, 2005, p. 16). A respeito do Teatro Físico, assinale
a alternativa CORRETA:

a) ( ) Esse tipo de teatro retira o corpo do centro da cena e passa a focar na relação
ator-texto dramático.
b) ( ) Essa arte, apesar de ser denominada de Teatro Físico, está mais focada nos
aspectos não materiais e subjetivos da encenação contemporânea.
c) ( ) Esse tipo de manifestação artística surgiu no final do século XX, e não possui
nenhuma correspondência com outras expressões artísticas ao longo da
história, caracterizando-se por elementos inéditos na arte teatral.
d) ( ) Essa linguagem teatral, apesar de ser reconhecida como espaço de resistência
a uma representação tradicional do cotidiano, não esconde as influências do
corpo cotidiano e parte delas para a criação cênica.

96
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
O SOM E A MÚSICA NO TEATRO

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no Tópico 2, estudaremos a trilha sonora, elemento
importante das Artes Cênicas e, ainda, pouco explorado em pesquisas e em livros. A
trilha sonora é um termo emprestado do cinema, mas, nas Artes Cênicas, o termo
abarca especificidades bem distintas do audiovisual.

Abordaremos o Teatro Musical, gênero que atrai grande público no Brasil,


reconhecido como um dos maiores produtores desse seguimento. O Brasil está em
terceiro lugar no número de produções, empregando centenas de pessoas, desde
artistas e equipe técnica até envolvidos, indiretamente, nessa cadeia produtiva. O
início dos grandes musicais no Brasil foi difícil, já que foi necessário um tempo
para que os profissionais se especializassem nesse tipo de teatro e para que os
patrocinadores passassem a se interessar por esses espetáculos de grande porte e de
altos custos, até então, incomuns no país. Hoje, o Brasil se consolida, cada vez mais,
nesse tipo de arte, e já é possível encontrar inúmeras escolas especializadas
espalhadas por todo o país.

Neste tópico, também estudaremos a ópera, outro gênero dramático-musical


que se diferencia dos outros, tendo, a música, protagonismo. A ópera nasceu no
século XVII, na Itália, país que foi responsável pela disseminação desse gênero, tido
como rebuscado e elitista, mas que, na realidade, aproxima-se das histórias
populares.

No Brasil, tivemos grandes compositores de ópera, como Carlos Gomes,


que escreveu obras reconhecidas em vários lugares do mundo. Além da Itália, poucos
países consolidaram esse gênero e o fizeram crescer, como a França e a Alemanha,
que conquistaram prestígio nesse tipo de espetáculo. De qualquer forma, grandes
trabalhos operísticos já foram concebidos e apresentados no nosso país, mas a
frequência com que isso acontece não é tão significativa em comparação a outros
gêneros de espetáculos. Assim, a seguir, analisaremos o som nas Artes Cênicas, as
características e os principais elementos trabalhados na concepção sonora de um
espetáculo.

Boa leitura!

9
2 TRILHA SONORA E SONOPLASTIA
A nomenclatura trilha sonora diz respeito à sonoridade no teatro, assim, a
função, no espetáculo, é essencial. O termo foi emprestado do cinema, e os signos
sonoros que compõem a sonoridade de um espetáculo são muito amplos. Vão desde os
ruídos até as músicas, incluindo, também, os sons, as falas, e os cantos proferidos
pelo ator.

A musicalidade, na cena, vai além da música, pois abarca a apropriação de


conceitos que posicionam o espetáculo como uma composição, também, sonora e
musical.

O profissional que faz a concepção de trilha sonora é um criador que não


trabalha sozinho, pois a figura do diretor é imprescindível para nortear a pesquisa
sonora, sendo, este, o definidor das diretrizes da linguagem que o espetáculo terá.

Existem poucos registros bibliográficos que envolvem a trilha sonora teatral, e


são escassas as pesquisas que tratam da relação entre a trilha sonora e a cena no
teatro. Geralmente, os textos que falam do assunto não são, especificamente, sobre
a sonoridade e a trilha sonora na encenação, mas sobre o espetáculo como um todo,
mensionando a temática rapidamente. Jean-Jacques Roubine (1939-1990), teórico
teatral francês, menciona o movimento naturalista no teatro, como o pioneiro a
estudar a sonoridade na cena teatral. “Se a tradicional música de cena, habituada a
manter um clima, era um artifício do qual era preciso se livrar, a sonoplastia, ao
contrário, era capaz de intervir para reforçar a ilusão visual” (ROUBINE, 2003, p. 154).

Muitos teóricos definem a trilha sonora como as músicas presentes em uma


encenação, e, a sonoplastia, como os outros sons e ruídos presentes na cena.

Existe uma imprecisão do termo trilha sonora no teatro, e, a partir da


tentativa de conceituá-lo, propõe-se, hoje, uma maior abertura ao entendimento do
termo, pois todos os signos sonoros fazem parte da trilha sonora.

Parte-se do pressuposto de que todo o som produzido em cena faz parte da


trilha sonora de um espetáculo teatral, entendendo, por trilha sonora, no teatro, os
sons intencionais produzidos pelos criadores (diretores, atores, compositores,
músicos).

No teatro, deve-se levar em consideração a reverberação do som no


espaço no qual o espetáculo será apresentado, assim como a quantidade de
espectadores e o posicionamento deles, pois esses fatores modificam a estrutura
física do local. O formato do espaço, também influi na propagação da onda sonora,
sendo que algumas construções colaboram com ela, como é o caso do teatro “à
italiana”, que possui um planejamento arquitetônico para uma melhor propagação do
som.

98
Dependendo do tipo de teatro e do espaço, como o Teatro de Rua, que é
realizado em espaços públicos, ao ar livre, a trilha sonora, também, deve abarcar sons
involuntários, como os ruídos póprios da cidade, ou, até mesmo, os voluntários, que
partem do público, que está liberado a interagir, pois esse tipo de teatro necessita da
interação.

O diretor russo Constantin Stanislavski, que vimos na unidade anterior, afirmava


que “o texto de um papel ou uma peça é uma melodia, uma ópera ou uma sinfonia [...]
quando um ator, de voz bem trabalhada e magnífica técnica vocal, diz as palavras de seu
papel, sou completamente transportado por sua suprema arte” (STANISLAVSKI, 2004, p.
128).

Para Jerzy Grotowski, o principal elemento do teatro é a relação ator-plateia:

Todas as outras coisas são suplementares – talvez, necessárias,


mas, ainda assim, suplementares. Não foi por coincidência que
nosso Teatro-Laboratório se desenvolveu a partir de um teatro rico
em recursos – nos quais as artes plásticas, a iluminação e a música
eram, constantemente, usadas – para o teatro ascético, sendo que
nos tornamos, nos últimos anos, um teatro ascético, no qual os
atores são tudo o que existe. Todos os outros elementos visuais
são construídos através do corpo do ator, e, os efeitos musicais e
acústicos, através da voz dele (GROTOWSKI, 1987, p. 18).

Essa relação, que pressupõe ação e reação, produz sonoridade entre as


pessoas envolvidas, incluindo a ligação delas com o espaço. Grotowski acreditava que,
“durante os ensaios, o ator deve estar ciente das possibilidades acústicas da sala na
qual vai representar, a fim de descobrir os efeitos (ecos, ressonâncias etc.) que
podem ser usados, incorporando-os à estrutura do papel” (GROTOWSKI, 1987, p. 122).

Já Vsevolod Meyerhold, o qual veremos na próxima unidade, aprimorou a


utilização do som como ambientação sonora, pois, “diante da impossibilidade de se
esconder o som, de tornar o som invisível em uma situação audiovisual, como no
teatro, Meyerhold enfatiza a manipulação das propriedades do som e dos materiais
sonoros em cena” (MOTA, 2010, p. 3). Meyerhold utilizava a música como um
norteador rítmico nas montagens teatrais dele, e, muitas vezes, apenas, nos ensaios,
de forma que os atores treinavam o ritmo da cena com uma música de fundo, e
deveriam manter o ritmo desta quando a canção fosse desligada.

O dramaturgo alemão Bertold Brecht, visto, também, na unidade anterior,


“interage com uma dramaturgia musical desde o início” (MOTA, 2010, p. 4). Brecht fez
parcerias com grandes compositores, como Kurt Weill, em 1927, produzindo um
trabalho musical diferenciado, narrando ou comentando a cena por meio de canções.
Ainda, fez uso da música com diversas finalidades, como a de quebrar a ilusão da ação
cênica, produzindo um distanciamento crítico ou uma linguagem poética.

9
Para o teórico teatral e dramaturgo alemão Hans-Thies Lehmann, texto, voz e
ruído criam um “paisagem sonora”. Sobre Bob Wilson (1941), encenador norte-
americano contemporâneo, Lehmann escreve:

A “paisagem sonora” pós-dramática de Wilson não constitui


realidade alguma, mas produz um espaço de associações na
consciência do espectador. A “cena auditiva”, em torno da imagem
teatral, abre referências “intertextuais” em todas as direções, ou
complementa o material cênico com temas sonoros musicais ou
ruídos “concretos”. Nesse contexto, é esclarecedora a declaração
feita por Wilson, de que seu ideal de teatro é uma junção de
cinema mudo e peça radiofônica (LEHMANN, 2007, p. 255).

Essa paisagem sonora, retratada por Lehman, tem sentido diferente do


realismo cênico tradicional de Stanislavski, e das versões naturalistas de paisagens
sonoras nas encenações do dramaturgo Anton Tchekhov, que intensificava a
proximidade com a realidade, com sonoridades de fundo (ruído de grilos, sapos,
pássaros, vento...). Diferentemente, o teatro pós-dramatico, realizado a partir do
século XX, utiliza a paisagem sonora como mais uma plataforma significativa.

O criador da trilha sonora deve criar as músicas e os efeitos sonoros do


espetáculo, supervisionar ou realizar a composição das músicas originais, estar
presente na gravação das canções e dos sons, escolher a configuração dos
equipamentos de som que serão utilizados, observar a montagem desses
equipamentos e orientar os manipuladores.

Se a trilha sonora for original, isto é, composta para o espetáculo, o


compositor das sonoridades deve estar presente no processo de criação da obra
teatral, e receber as orientações precisas do diretor, além de ter espaço e liberdade
de criação. Ele é o responsável pela criação do projeto sonoro e pela execução
técnica. Existem dois tipos de processo de trabalho quando se trata da sonoridade da
cena: o processo realizado por encomenda de músicas para o teatro (no qual o
compositor cria a partir de orientações do diretor, sem estar presente nos ensaios) e o
processo no qual o compositor atua como integrante do processo, participando desde
o início, presencialmente.

A trilha sonora pode ser gravada ou pode ser executada por músicos ao vivo,
opção que depende da linguagem do espetáculo e do que o diretor pretende para a
cena. Ao vivo, é possível ser feita pelo próprio compositor, pelos atores (que podem
cantar, tocar ou ambos) ou por outros músicos.

Como vimos, a trilha sonora é um dos principais elementos de um espetáculo


teatral, pois ela, muitas vezes, determina a ambientação cênica.

A seguir, conheceremos os musicais, um tipo de espetáculo com uma trilha


sonora complexa, já que é permeado por muitas músicas, e os atores as
executam. Ainda, por realizarem danças e movimentos ao mesmo tempo, necessitam

10
de preparação vocal específica.

1
3 MUSICAIS

FIGURA 5 – O MUSICAL – 2017

FONTE: <https://www.backstagemusical.com.br/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O teatro musical é um gênero teatral, cuja narrativa é constituída por músicas


cantadas pelos atores-cantores, diálogos falados e músicas coreografadas, uma junção
de teatro, dança e música. Nasceu ou descendeu da união de várias linguagens e
estilos teatrais, como opereta, vaudeville, melodrama, menestréis e os gêneros de
cabaré, todos mais leves em relação à temática e às composições musicais.

Nos EUA, que levaram a fama de criadores dos musicais, o gênero surgiu
por acaso. Segundo David Ewen (1907-1985), no livro A História do Musical Americano
(1961), a população de Charleston, na Carolina do Sul, em 1735, reúne-se para
assistir a um espetáculo de teatro musicado, apresentado por um grupo de artistas. A
apresentação da ópera inglesa “Flora” não era o teatro musical, tal qual o
conhecemos atualmente, mas teria sido, segundo Ewen, o início do teatro musical
americano, com a união de música e de texto falado em um mesmo espetáculo,
herdando um tipo de obra que unia cantigas populares e poemas de amor.

Os americanos importavam várias produções inglesas e francesas que


influenciaram o teatro nos EUA. No início do século XIX, trazido através do teatro
popular inglês, surge, no país, o gênero melodrama (de origem francesa), que se
tornou o gênero dramático-musical mais importante dos Estados Unidos na época.
A partir da união do melodrama com uma companhia de ballet francesa, em Nova
Iorque, nasceu o espetáculo, com o enredo de Charles M. Barras, The Black Crook.
Alguns historiadores afirmam que o nascimento do teatro musical americano
aconteceu em 1866, com a estreia do The Black Crook. Possuía uma combinação de
canções populares e números de dança executados pelos próprios atores. “Diversos
renascimentos tiveram que ocorrer antes que a personalidade e a fisionomia desse
gênero teatral pudessem ser cristalizadas” (EWEN, 1961, p. 12).

10
Ao contrário de hoje, que tudo o que acontece no espetáculo está relacionado
à história a ser contada, naquela época, os números musicais do espetáculo e a letra
das músicas não ajudavam na compreensão do enredo. “O fato de a peça não fazer
muito sentido não aborreceu ninguém. O que importava era a surpreendente sucessão
de prodígios cênicos” (EWEN, 1961, p. 11).

Após o sucesso desses espetáculos, os teatros americanos ficaram repletos de


óperas cômicas inglesas e de operetas europeias (na transição do século XIX para o
século XX). As óperas cômicas se diferenciavam das operetas por uma enfatizar a
sátira e o absurdo, e, a outra, o romance e o sentimentalismo. As operetas ficaram no
passado a partir da década de 1920. Nesse momento, a comédia musical começa a
ficar mais parecida com a que conhecemos atualmente, e, no fim da década e no
início da década de 1930, o país, que estava em grande depressão econômica, com a
queda da bolsa (1929), viu uma década de crescimento artístico extraordinário, apesar da
crise.

Nesse momento, o teatro musical e o cinema disputavam o coração do


público, já que o cinema passou a criar grandes musicais. Agora, todos os elementos
do musical passam a corroborar com a história e a fazer parte, ativamente, da ação
dramática.

Os musicais da década de 50 foram um grande sucesso de bilheteria na


Broadway, e, a partir de 1959, surge uma nova geração de diretores, de
atores/cantores/bailarinos, coreógrafos, que foram ficando, cada vez mais,
especializados nessa linguagem.

Em 1967, ocorre a estreia do musical Hair, na Off-Broadway, onde ficam os


teatros menores, que apresentam produções de custo reduzido, mas, devido ao
sucesso, foi convidado a se apresentar na Broadway, o que, por vezes, acontece com
as produções.

A década de 1970 foi dos coreógrafos/diretores, com uma presença marcante


das danças no musical. Já a década de 80 foi a época dos musicais grandiosos e de
alto custo. Nos anos 90, o compositor Jonathan Larson, conhecido pelo musical Rent,
aborda assuntos polêmicos, como homossexualidade, drogas e AIDS, com um elenco
mais jovem do que se estava acostumado, e com músicas inspiradas pelo rock.

Na entrada do século XXI, nos anos 2000, a Broadway traz uma nova
tendência, chamada de Jukeboox Musical. Os musicais traziam, como mote, a escolha
de músicas de sucesso, como em uma caixa musical, apresentando uma coleção de
músicas reconhecidas. Nos últimos anos, os musicais da Broadway alternam uma
programação de antigos musicais remontados (conforme as novas tecnologias) e de
novos, cada vez mais elaborados, mais caros e mais grandiosos.

O teatro musical é reconhecido como um entretenimento tipicamente

1
americano e a Broadway é o maior mercado de musicais do mundo, exportando para
vários países, inclusive, para o Brasil.

10
O nosso país, por incrível que possa parecer, é um dos maiores produtores
mundiais de teatro musical, sendo, os maiores centros, EUA e Inglaterra.

O teatro musical faz parte da cultura brasileira desde o século XIX, com o
Teatro de Revista, que utilizava sátiras de costumes da época em uma mistura de
musical e comédia. Era a união de esquetes teatrais (peças curtas ou cenas)
alternadas com números musicais, diferentemente dos espetáculos musicais que
conhecemos hoje.

Já na década de 1920, começamos a receber a influência dos musicais norte-


americanos, com a influência do jazz.

O formato de musical que conhecemos hoje, propagado pela Broadway, chega


ao Brasil na década de 1960, com My Fair Lady, com Bibi Ferreira e Paulo Autran no
elenco, envolvendo 150 profissionais.

A influência norte-americana, por meio do cinema e dos musicais, inicia, no


Brasil, em 1929. O teatro musical, no nosso país, passou pelos musicais “engajados”
politicamente, muitos deles, compostos por Chico Buarque, como Roda Viva (1968),
Calabar (1973), Gota d’Água (1975) e Ópera do Malandro (1978).

A censura dificultou as produções desses espetáculos, e a saída foi apostar,


cada vez mais, nas obras americanas voltadas, na sua maioria, apenas, para o
entretenimento. Nesse momento, três musicais estrearam no Brasil: Hair (1969), Jesus
Cristo Superstar (1972) e Godspell (1974). Na década de 1980, muitas adaptações de
musicais da Broadway foram realizadas: A Chorus Line (1983), Cabaret (1989), e Hello
Gershwin (1991). Como era de se esperar, encontraram muitas dificuldades, como a
falta de elenco qualificado, já que os artistas brasileiros não estavam preparados para
essa linguagem, e a falta de dinheiro, pois os valores das Leis de Incentivo e os
patrocínios eram baixos, além de a maioria dos espaços cênicos dos teatros
brasileiros não comportar montagens de grande porte.

Claudio Botelho, em 2001, marca um divisor de águas para o teatro musical


brasileiro, com o musical Les Misérables, uma produção brasileira relacionada ao
padrão da Broadway, com custo de 3,5 milhões de dólares, realizado pela empresa de
entretenimento CIE do Brasil, com nome atual de Time 4 Fun. O palco giratório e uma
equipe de 150 pessoas, era algo inédito no teatro nacional (MARTINS, 2004). Em 11
meses, o espetáculo teve 350 mil espectadores.

Após Les Misérables, seguiu-se o musical A Bela e a Fera (2002), com um


orçamento de oito milhões de dólares, e um público de 600 mil pessoas em 19 meses.
Em 2005, o musical mais visto no país, com 900 mil espectadores, foi O Fantasma
da Ópera, com orçamento de R$26 milhões. Dessa forma, o Brasil entrou na rota
das superproduções e precisou formar um mercado técnico e artístico para
contemplar esses espetáculos. Hoje, encontramos inúmeras escolas de teatro musical

1
no Brasil.

10
Nos últimos anos, tem crescido o número de musicais que retrata grandes
intérpretes da música brasileira, como: Tim Maia, Elis Regina, Cassia Eller, Wilson Simonal,
Rita Lee, Cazuza, Luiz Gonzaga.

O que há hoje são musicais genuinamente brasileiros, e público que tem


se identificado com esse gênero teatral, que mescla a dança, a música, o canto e
a representação em uma mesma obra, de forma dinâmica e criativa, com grandes
efeitos visuais.

A seguir, veremos mais um gênero dramático-musical que encanta pela


grandiosidade expressiva e pelo casamento de mais de uma linguagem artística: a
ópera.

4 ÓPERA

FIGURA 6 – O FANTASMA DA ÓPERA - BROADWAY - 2018

FONTE: <https://esquinamusical.com.br>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Parte das tradições das músicas clássicas europeia e ocidental, a ópera é um


gênero de teatro musical, ou dramático-musical, no qual a ação cênica é cantada com
acompanhamento de instrumentos musicais. As apresentações são feitas em grandes
teatros, que possuem fosso de orquestra, pois essas obras são acompanhadas por uma
orquestra ou por um grupo musical.

As óperas surgiram no começo do século XVII, na Itália, e, até hoje, são


apresentadas em latim ou em italiano. Têm, nas suas origens, as tragédias gregas e os
cantos carnavalescos italianos do século XIV.

1
Patrice Pavis (2005, p. 268) escreveu que,

[...] usando de todos os recursos do teatro, com, além do mais, o


prestígio da voz e da música, a ópera representa o teatro por
excelência, e este se compraz em ressaltar a convenção e a
teatralidade daquela. Arte, naturalmente, excessiva, baseada em
feitos vocais, valorizada pelo pathos da música e pelo prestígio da
cena, a ópera [...] traz a sistematicidade de uma encenação e a
atuação empenhada, virtuosística e total dos atores. É pelo jogo
físico dos atores que não são mais, apenas, cantores, e, sim,
virtuoses e atletas afetivos. [...] O teatro veio renovar a encenação
de ópera outrora estática, sem imaginação, e, exclusivamente,
escrava da música.

A ópera chegou ao Brasil por volta de 1730, com a colonização portuguesa,


que foi muito influenciada pela ópera italiana. Mesmo com o intenso consumo de
ópera em Portugal, esta não consolidou uma importância social que alcançaria em
outros países da Europa. As raras tentativas de se criar um repertório em língua
portuguesa foram, na maioria das vezes, traduções de libretos italianos.

O repertório operístico italiano determinou o consumo da ópera no Brasil e


influenciou manifestações musicais, como a música sacra e a música instrumental,
que foram perpassadas pelas melodias, elementos rítmicos, melódicos, textuais e
estruturais da ópera italiana, além de que muitas peças foram compostas a partir
de temas operísticos.

Existem registros da produção de um compositor italiano radicado no Brasil,


chamado de Joseph Fachinetti, entre os séculos XVIII e XIX. Naquele momento, o
romantismo musical brasileiro objetivava a criação de uma ópera nacional, o que,
naquela época, significaria o caminho para uma cultura musical brasileira
amadurecida.

A ópera foi muito consumida no Brasil, mas não alcançou um desenvolvimento


que pudesse configurar uma tradição.

A inexistência de uma tradição operística no Brasil se deve aos seguintes


fatores: a herança portuguesa, pois a ópera nunca teve uma tradição local; o fato de
os idiomas italiano, francês e alemão se tornarem, oficialmente, idiomas tradicionais
da ópera; a facilidade de entrada que as companhias europeias sempre tiveram no
país; e a ausência de autores libretistas.

NOTA
O libreto é um roteiro, ou um texto, a partir do qual as óperas são escritas.

10
Um texto teatral, para ser cantado, tem particularidades próprias, e não
tínhamos autores para essa especialidade dramatúrgica.

Como a ópera é a encenação com forte exigência vocal, muitos dos artistas de
ópera são cantores, e não atores, por isso, necessitam de longa preparação para
encenar.

Para a interpretação de uma obra cantada, o cantor precisa transmitir,


não somente, a letra da música, o lado literário, para que o público possa
compreender, mas necessita transmitir os aspectos não verbais e os estados
emocionais dos personagens.

A ópera, tradicionalmente, sempre teve uma aproximação com o público, por


meio da linguagem e da representação. A preocupação constante dos profissionais da
ópera, em sua maioria, foi a de popularizá-la, pois, durante muito tempo, foi vista como
uma manifestação cultural elitista.

Preocupação fundamental dos artistas, justamente, era de se


expressar de forma acessível, visando derrubar barreiras entre
os intelectuais e o público em geral, o que, em outras épocas, se
vira afastado de manifestações literárias muito sofisticadas. Nesse
sentido, nenhum outro gênero artístico foi mais eficiente do que a
ópera. [...] A ópera desempenha papel de capital importância, pois
espelha, de forma muito eloquente, as aspirações e ideais de um
povo, e, mais do que isso, a consciência de pertencer a uma mesma
comunidade (COELHO, 2002, s.p.).

Quais são as diferenças entre a ópera e o musical (gênero que vimos


anteriormente), já que ambos são gêneros dramático-musicais? As óperas são, em
sua maioria, cantadas do início ao fim, e os musicais apresentam diálogos intercalados
com canções. Existem algumas exceções à regra, como é o caso da ópera Carmen
(Bizet) e A Flauta Mágica (Mozart), pois ambas possuem alguns diálogos falados.
Em contrapartida, existem alguns musicais, como Os Miseráveis (Claude-Michel
Schönberg e Victor Hugo), que são, inteiramente, cantados. As canções da ópera são
líricas, e os atores não dançam, como no musical. Quando há coreografias na
ópera, estas são dançadas por um balé à parte.

NOTA
Alguns compositores brasileiros escreveram óperas, contando as nossas próprias histórias. Il Guarany,

1
A seguir, faremos um passeio pelos diferentes tipos de espaços teatrais ao
longo dos séculos. Dentre eles, veremos o palco à italiana, o tipo de espaço mais
conhecido, e, no qual, as óperas são apresentadas.

11
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A nomenclatura trilha sonora diz respeito à sonoridade no teatro, e a função dela,


no espetáculo, é essencial. A musicalidade, na cena, vai além da música, pois
abarca a apropriação de conceitos que posicionam o espetáculo como uma
composição, também, sonora e musical, pois os signos sonoros que compõem a
sonoridade de um espetáculo são muito amplos. Vão desde os ruídos até as músicas,
incluindo os sons, as falas e os cantos proferidos pelo ator .

• O teatro musical é um gênero teatral cuja narrativa é constituída por músicas


cantadas pelos atores-cantores, diálogos falados e músicas cantadas e
coreografadas, uma junção de teatro, dança e música.

• A ópera é um gênero de teatro musical, ou dramático-musical, no qual a ação


cênica é cantada com o acompanhamento de instrumentos musicais. As
apresentações são feitas em grandes teatros, que possuem fosso de orquestra,
pois essas obras são acompanhadas por uma orquestra, ou por um grupo
musical. A ópera surgiu no começo do século XVII, na Itália, por isso, até hoje, são
apresentadas em latim ou em italiano.

1
AUTOATIVIDADE
1 A trilha sonora é um dos elementos importantes das Artes Cênicas. Ela funciona de
forma diferente, dependendo do gênero e da linguagem do espetáculo, e é
necessário que haja um profissional especializado para concebê-la. A respeito da
trilha sonora no espetáculo, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O sonoplasta, o compositor, o cantor, o ator e o técnico de som são profissionais


que podem estar envolvidos, diretamente, na contrução da trilha sonora.
b) ( ) O compositor é, sempre, o intérprete das canções da trilha sonora de um
espetáculo.
c) ( ) O trabalho de concepção de trilha sonora é independente do processo criativo de
construção do espetáculo.
d) ( ) Os sons e os ruídos de um espetáculo não são considerados parte integrante da
trilha sonora.

2 A ópera e o teatro musical são dois exemplos de espetáculos dramático-musicais.


Apesar de compartilharem características, outras, também, os diferenciam, como o
tipo de música cantada pelos atores. A respeito das características do teatro
musical e da ópera, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A ópera e o teatro musical são permeados por canções eruditas, mas é na ópera,
que a música é executada ao vivo .
b) ( ) Os atores, no teatro musical e na ópera, não dançam. As coreografias são
executadas por um balé à parte.
c) ( ) No teatro musical, salvo algumas exceções, as canções são alternadas com
diálogos falados. Já a ópera, em sua maioria, é constituída por uma sequência
de músicas.
d) ( ) A dramaturgia (roteiro) da ópera e do teatro musical é chamada de libreto.

3 Na década de 1980, muitas adaptações de musicais da Broadway foram realizadas


no Brasil. Dentre elas, os espetáculos A Chorus Line (1983), Cabaret (1989) e Hello
Gershwin (1991). Os produtores encontraram alguns entraves para realizar esses
espetáculos, com equipe nacional. A respeito das razões que agravaram essas
dificuldades, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Concorrência entre patrocinadores e escassez de dramaturgos especializados


em musicais.
b) ( ) Poucas Leis de Incentivo e patrocínios, além da falta de elenco especializado
para esse tipo de espetáculo.
c) ( ) Pouco público e espaços de cena muito amplos.
d) ( ) Falta de equipe técnica e teatros que não comportavam grandes produções.

11
4 A ópera é um gênero dramático-musical que não poderia ser realizado com a
ausência de alguns elementos fundamentais. Assinale a alternativa CORRETA,
que englobe esses elementos:

a) ( ) Orquestra e atores-cantores.
b) ( ) Bailarinos e cantores.
c) ( ) Orquestra e bailarinos.
d) ( ) Bailarinos e diretor musical.

5 Alguns compositores brasileiros criaram óperas nacionais, contando as nossas


próprias histórias. Carlos Gomes (1836-1896) escreveu uma das mais famosas,
dentre as óperas brasileiras. Inspirada na obra de José de Alencar, a ópera ficou
conhecida, também, em alguns países da Europa. Assinale a alternativa CORRETA,
que menciona o nome dessa obra:

a) ( ) Il Grarany.
b) ( ) Pedro Malazarte.
c) ( ) O Fantasma da Ópera.
d) ( ) Iracema.

1
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
O ESPAÇO CÊNICO

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no Tópico 3, veremos um dos mais importantes elementos
das Artes Cênicas: o espaço. Ao olharmos para o espaço teatral ao longo dos séculos,
podemos identificar diversas disposições e nomenclaturas, mas é impossível dissociar o
espaço da ação cênica do momento histórico.

Compreender o espaço-tempo no teatro é perceber que os elementos cênicos,


arquitetônicos e sociais são inseparáveis. Tudo está interligado: espaço, história,
tempo e representação. O espaço real e o espaço ficcional andam lado a lado na
construção do espetáculo. Estes compreendem o local do público, pois, sem este, o
teatro não pode existir, além do lugar da encenação, no qual estão os atores, os
cantores, os músicos, os bailarinos e tudo o que engloba a encenação de um
espetáculo cênico e que deve ser visto pelo espectador. É o lugar onde o fenômeno
das Artes Cênicas acontece.

O espaço teatral pode ter uma arquitetura elaborada, como o espaço do


teatro grego; pode ser um palco improvisado de madeira, como os utilizados na Idade
Média; ou, apenas, delimitado pelas pessoas que participam da encenação (atores e
público), em algumas manifestações teatrais que ocorrem na rua desde a Antiguidade.
As questões sociais e culturais de um povo e de uma época são determinantes para a
configuração do espaço teatral, para a relação com o público e a relação deste com a
encenação, como estudaremos a partir de agora.

Veremos, ainda, que o corpo do ator determina o espaço ficcional, medindo-o,


e acrescentando-o volume, profundidade e movimento, com os gestos e as ações.
As ações corporais e a exploração da espacialidade gestual permitem que a
imaginação do público crie diversas leituras do espaço cênico.

A seguir, passaremos pelas concepções do espaço teatral desde a


antiguidade greco-romana até o início do século XX.

Bons estudos!

11
2 ESPAÇO E LINGUAGEM: O LUGAR DA REPRESENTAÇÃO
AO LONGO DO TEMPO
Como afirmava Grotowski, os dois elementos imprescindíveis para o
acontecimento teatral são os atores e o público. Com esses elementos, o teatro pode
acontecer em qualquer momento e lugar, mas não se pode negar que um espaço de
cena construído para esses fins, e dotado de recursos técnicos, apropriados a
diferentes tipos de encenação, agrega possibilidades e desdobramentos à cena,
capazes de construir camadas significativas e criativas, e somar, ao conjunto, ou
inspirar a construção de novos caminhos.

É interessante observar que, ao longo da história da humanidade, o espaço


cênico foi sofrendo modificações, ao passo que foi absorvendo os acontecimentos
sociais da época, as novas conquistas técnicas e as necessidades do momento
histórico.

O teatro grego foi, sem dúvida, uma das manifestações mais importantes para
a sociedade grega e para o desenvolvimento da cultura na Grécia antiga. A cultura e
as artes gregas influenciaram outros povos na antiguidade, como os romanos, e
continuam influenciando e inspirando o teatro no mundo. A seguir, estudaremos o
espaço teatral grego com toda a técnica, impressionante para a época, além da
arquitetura, arte extremamente desenvolvida na Grécia antiga.

NOTA
O termo teatro vem do grego théatron, que significa “local de onde se
vê”, ou “lugar para ver”, termo que se referia ao lugar da plateia.

1
2.1 ESPAÇO GREGO

FIGURA 7 – TEATRO DE DIONÍSIO, EM DELFOS - 2014

FONTE: <www.greciantiga.org>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O teatro era muito importante na Grécia, e, na época clássica, diversos


teatros foram construídos. O florescimento e o explendor do teatro grego se deram
em Atenas, entre 550 e 220 a.C., espalhando-se por toda a Grécia e por toda a área
de influência grega.

As primeiras apresentações teatrais gregas aconteciam na Ágora, espaço


público no qual as pessoas se reuniam e no qual se podia comprar diversos produtos
nas feiras e assistir a diversos tipos de apresentações. Era um espaço de
compartilhamento, onde as apresentações musicais, declamatórias e teatrais
aconteciam em instalações provisórias de madeira. Mais adiante, entre os séculos V e
IV a.C., iniciaram as construções dos edifícios de pedra, alguns com capacidade para
quatorze mil pessoas, como o Teatro de Epidauro, a 130 quilômetros de Atenas.

A arquitetura dos teatros possuía uma forma semicircular, chamada de


semiarena. As construções eram ao ar livre, e aproveitavam a paisagem natural das
montanhas e o declive das encostas para apoiar as arquibancadas, que comportavam
centenas de espectadores. Além da arquitetura, essa paisagem natural contribuía para
a projeção do som, produzindo uma ótima acústica.

As mudanças arquitetônicas dos espaços destinados às


encenações teatrais, especialmente, no que se refere aos palcos
e às plateias, que tiveram início com as encenações de tragédias
e de comédias gregas, continuam se desenvolvendo e se
modificando até hoje (CAJAIBA, 2010, p. 178).

11
O espaço cênico grego compreendia, principalmente:

• O Théatron (que deu origem à palavra teatro), ou seja, a plateia, ou o “lugar de


onde se vê”, e onde ficava a arquibancada concêntrica, chamada de koílon. Era
uma arquibancada feita com madeira, que, posteriormente, passou a ser construída
de pedra.
• A Orchestra (que deu origem à palavra orquestra), um círculo no centro do espaço,
onde o coro cantava e dançava. Era um plano circular de terra batida, acessado por
corredores laterais, os parodos.
• A Skené (que deu origem à palavra cena), uma construção posicionada em frente
ao théatron, utilizada, inicialmente, para guardar o material de cena e para a
troca de figurinos dos atores, mas, depois, passou a ter uma parede que funcionava
como cenário, representando a fachada exterior de onde a ação transcorria.
• O Proskenion (que deu origem à palavra proscênio, que nomeia a parte da frente do
palco), uma passarela na qual os atores representavam, o que seria o palco hoje.

FIGURA 8 – EDIFÍCIO TEATRAL GREGO - 2015

FONTE: <https://vitruvius.com.br/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

No centro da Orchestra, colocava-se um altar, o thymele, em honra ao deus


Dioniso, ou correspondente romano Baco, deus do vinho, da vegetação e do teatro,
pois o teatro grego nasceu dos festivais religiosos em homenagem a Dioniso .

1
A cenografia, nesses teatros, era reduzida às unidades de ação, de lugar e de
tempo da tragédia grega. “Os cenários se constituíam em fachadas de palácios, de
templos e de tendas de campanha” (MAGALDI, 1986, p. 37).

As apresentações eram realizadas durante o dia, aproveitando a luz natural. A


relação entre manifestação artística e natureza circundante era fundamental e
interferia na concepção do espetáculo.

O teatro grego foi o maior influenciador do teatro romano, inclusive, da arquitetura


deste, o que veremos a seguir.

2.2 ESPAÇO ROMANO

FIGURA 9 – TEATRO ROMANO DE MÉRIDA - ESPANHA - S/D

FONTE: <http://esculturasymonumentos.com/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Apesar da forte influência grega, para os romanos, o teatro tinha uma


forte correspondência com a diversão, enquanto, na Grécia, o teatro estava em um
patamar sagrado. Como na Grécia, antes da construção dos teatros de pedra, as
apresentações romanas aconteciam em instalações provisórias de madeira, que
eram desmontadas logo após o espetáculo. A partir de 55 a 52 a.C., aconteceram as
primeiras construções fixas em Roma.

O Teatro Romano de Mérida, na cidade de Mérida, figura anterior, fica na


Espanha, e é um dos mais conservados monumentos históricos da arquitetura clássica
romana. Foi construído há mais de dois mil anos, a mando do imperador romano
Octavio Augusto, em 16 a.C.

11
As arquibancadas podiam alojar centenas de espectadores, e os políticos
aproveitavam para fazer propaganda de si mesmos e transmitir os valores do
Império Romano.

A estrutura dos teatros romanos era muito semelhante à do teatro grego. As


arquibancadas de alguns teatros eram construídas no declive das montanhas, assim
como no Teatro de Mérida, feitas sobre a ladeira de San Albín, que facilitava a inclinação,
possuindo um diâmetro de, aproximadamente, 95 metros, e assentos de pedra que
eram revestidos de granito.

O teatro romano é semicircular como os teatros gregos , e, no caso do Teatro


de Mérida, 13 portas dão acesso ao seu interior. Os assentos estavam divididos em 13
zonas, de acordo com a classe social dos espectadores. O primeiro teatro de pedra foi
o Teatro de Pompeia, construído em 55 a.C.

Coube, a Pompeu, o mérito de construir o primeiro edifício teatral


romano de grande porte, cuja arquitetura foi inspirada no teatro de
Mitilene, situado na Ilha de Lesbos. O segundo edifício destinado às
representações foi o Balbo, de menor porte, sendo, o terceiro, o de
Martelo, construção iniciada por Júlio César, cabendo, a Augusto, a
conclusão (LEÃO, 2014, p. 82).

Diferentemente do teatro grego, no qual existia apenas um edifício para vários


gêneros de espetáculos, o teatro romano possui dois tipos de edificações: o teatro
para as apresentações teatrais, e o Odeon, um teatro um pouco menor, para os
espetáculos líricos, as leituras dramáticas e as declamações com acompanhamento
musical.

Os melhores lugares estavam reservados aos senadores, aos soldados e aos


membros mais abastados da sociedade romana. A área intermediária, aos cidadãos
romanos nascidos livres, e, o setor mais inferior, aos escravos libertados, escravos e
serviçais. A parte mais atrás era destinada às mulheres, como no teatro grego, e era
chamada de porticus.

A orquestra, na qual ficava o coro, tinha 30 metros de diâmetro, e era


revestida de mármore. O coro, assim como no teatro grego, era o centro e o foco do
espetáculo. As autoridades, como senadores, magistrados, sacerdotes reservavam
lugares especiais para assistirem aos espetáculos. Eles acessavam a arquibancada por
um corredor privativo.

Perto da orchestra, os romanos posicionavam altares, nos quais eram


venerados, não deuses, mas os imperadores, como Augusto. A Skené media mais de 60
metros de largura, e o Proskenium era feito com pisos sustentados por colunas
imponentes de, aproximadamente, 90 metros de altura.

1
Os atores saíam de trás da Skené e entravam no Proskenium, por meio de três
portas, sendo que, pela porta do meio, a central, chamada de “valva regia”, entravam os
atores principais, e os outros adentravam na cena pelas portas laterais, chamadas de
“valva hospitalarium”.

Nas adjacências do Teatro de Mérida, está construído o Anfiteatro de Mérida,


realizado posteriormente. O imperador Augusto foi quem organizou o projeto.
Diferente do Teatro, o Anfiteatro é uma arena completa e oval, construída com os
mesmos materiais do teatro.

Uma das principais diferenças desses espaços romanos, para os espaços


gregos, era que esses espaços agregados eram destinados a espetáculos muito
populares na sociedade romana: as lutas de gladiadores. Essas lutas, que eram
chamadas de “jogos”, duravam todo o dia, despertando muita exaltação e furor na
plateia. Além das lutas de gladiadores, muitos lutavam com tigres e animais
selvagens de grande porte. Nesses lugares, ainda, eram representados mitos da
cultura greco-romana e batalhas de todos os tipos. Ao redor da arena, havia, sempre,
uma comunidade de vendedores, os quais vendiam comida, roupas ou previam o
futuro.

FIGURA 10 – ANFITEATRO DE MÉRIDA - 2015

FONTE: <https://www.publico.pt/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Debaixo da arena, ficavam as jaulas dos animais e os materiais de combate.


As autoridades ficavam nas tribunas, enquanto o público comum ficava em um local
separado. Dezesseis portas davam acesso à arena, e algumas redes separavam os jogos
do público, para que os animais não invadissem a plateia.

12
FIGURA 11 – GLADIADORES LUTANDO COM ANIMAIS - 2018

FONTE: <https://www.apaixonadosporhistoria.com.br/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Pela porta Pompae, entravam, no recinto, os gladiadores, que chegavam do


cortejo pela cidade antes do jogo, e, pela porta Triunfalis, saíam os gladiadores que
triunfavam em combate.

Alguns imperadores promoviam jogos que duravam mais de cem dias, e


matavam mais de dez mil animais. Os valores gastos eram colossais, e patrocinados
por políticos.

O Coliseu é um outro anfiteatro romano e está localizado em Roma, na Itália.


Também, construído em formato oval, com areia e pedra. Foi realizado sob o
comando do imperador Vespasiano, no século I, ano 72 d.C., e concluído em 80 d.C.,
pelo sucessor, o imperador Tito.

1
FIGURA 12 – FACHADA FRONTAL DO COLISEU - 2021

FONTE: <https://www.hipercultura.com/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

As arquibancadas do Coliseu podiam abrigar entre 50 a 80 mil pessoas por


espetáculo, uma obra de arquitetura avançada para a época. Os espetáculos tinham,
como público, cerca de 65 mil espectadores . Foi projetado para os “jogos” –
espetáculos de caças de animais silvestres, combate de gladiadores, encenações nas
quais matavam escravos ou criminosos condenados, além das batalhas navais.

FIGURA 13 – BARCOS NO COLISEU - 2018

FONTE: <https://www.apaixonadosporhistoria.com.br/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

12
FIGURA 14 – AS ARQUIBANCADAS DO COLISEU - 2021

FONTE: <https://www.hipercultura.com/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Os espetáculos eram uma tática chamada de “Pão e Circo”, utilizada no


Antigo Império Romano, para entreter o povo e distraí-lo das injustiças e dos
problemas sociais. Nos intervalos, eram distribuídos comidas, moedas e cereais.
Assim, o povo continuava fiel ao Império, sem questionamentos.

O Coliseu é uma construção muito complexa, com um sistema de


“encanamentos” para os espetáculos aquáticos, nos quais grandes barcos, muitas
vezes, cheios de pessoas e de animais, navegavam, encenando grandes batalhas. Ficou
em funcionamento até o século VI, mas os jogos/espetáculos, nos quais se executavam
pessoas, foram proibidos em 404 d.C. Os animais selvagens continuaram sendo
executados durante todo o período de funcionamento do Coliseu.

1
2.3 ESPAÇO MEDIEVAL

FIGURA 15 – TEATRO MEDIEVAL - 2020

FONTE: <http://entreverocultural.curitibanos.ufsc.br/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

No início da época medieval, por volta do século VI, a Igreja passa a proibir as
apresentações profanas, ou que não estavam ligadas aos temas religiosos. Courtney
(1980) relata que apresentações teatrais eram proibidas, e quem acolhesse atores
sofria sérias punições. Mesmo assim, o teatro era muito popular, e acontecia,
essencialmente, dentro das igrejas. Os roteiros eram, em sua maioria, baseados na
Bíblia, e os espetáculos eram representações realizadas nas festas do ano litúrgico e
antes e após as missas, em um longo tablado.

Como os textos em latim eram acessíveis, somente, ao clero, a Igreja Católica


começou a pensar no teatro como uma forma de transmitir temas religiosos e de falar
de questões morais, dos pecados capitais, das histórias do velho testamento e das
tentações do diabo.

As peças, com o passar do tempo, começaram a ser mais elaboradas, e a exigir


mais espaço, passando a ser representadas nas praças públicas, em frente às igrejas.

Os cenários eram simultâneos e fixos, e eram os espectadores que se moviam,


ao longo do tablado, para acompanhar as cenas. As apresentações começaram a
ser realizadas ao ar livre, com duração de vários dias. Passaram a ser representadas, a
partir de então, as encenações dos milagres da vida dos santos, dos mistérios da
fé e das moralidades, estas últimas, com objetivos didáticos. Segundo Vasconcellos
(1987), os milagres e os mistérios eram os dois tipos de dramas religiosos apresentados
dentro das igrejas ou nos arredores delas.

12
Os milagres contavam a biografia dos santos, ou uma história que apresentava
uma intervenção divina para a resolução do problema. Os mistérios datam do início do
século XV, e se caracterizam por cenas realizadas em espaços separados, pequenos
palcos ou “mansions”, que ocupavam todo o espaço interior das igrejas, de acordo com
a ambientação pretendida. Duravam de seis a vinte e cinco dias, e eram apresentados
próximos às datas religiosas festivas, como Natal, Páscoa ou Pentecostes, com centenas
de atores.

Não existia uma unidade de tempo, e a peça contava a história de séculos em


poucos minutos. As apresentações aconteciam simultaneamente, e, muitas vezes,
utilizavam-se terrenos circulares, como na Inglaterra, chamados de “teatro dos
milagres”. Eram anfiteatros de terra em espaço aberto, no qual as pessoas circulavam
pelas tendas para ver as cenas separadamente.

O Pageant consistia em uma espécie de “mansion” ambulante, montada sobre


carroções, apresentando uma única cena sem fala, pois não dava para ouvir com a
estrutura em movimento. Os Pageants foram evoluindo com o tempo e seguiram
existindo após o período medieval, durante todo o Renascimento. “Na cena inglesa,
destacam-se os carros de seis rodas e dois andares, denominados de pageants,
profusamente, decorados, e sendo encontrados durante a Renascença” (LEÃO, 2014, p.
111).

O desenho das roupas ajudava no reconhecimento dos personagens. Deus era,


sempre, representado por um longo casaco branco e com o rosto tingido de dourado.
Dentro dos cenários, a porta simbolizava a cidade, e uma pequena elevação
representava uma montanha. Uma boca de dragão, posta à esquerda do palco,
simbolizava o inferno, e uma elevação à direita era a representação do paraíso.

A parte de baixo do carro era fechada, gerando espaço para trocas de


figurinos e depósito de objetos cênicos. Com o tempo, os Pageants começaram a se
especializar em determinadas cenas e a se deslocar para outros lugares, como
praças e ruas. Os atores passaram a viver nesses carroções, apresentando-se em
troca de comida e de mantimentos. Encenavam as “moralidades” de temas variados,
dando origem aos grupos, ou a trupes ambulantes. Alguns deles passaram a ser
convocados para apresentações no interior dos castelos, durante as festas, os jantares
e os banquetes da corte.

As Moralidades eram alegorias satíricas e educativas. Eram, geralmente,


longas, maçantes e de difícil compreensão. As farsas, precursoras da comédia de
costumes, eram baseadas em fábulas populares, e apresentadas para divertir o
público entre os Mistérios.

Surge, também, um terceiro tipo de drama: as Farsas. Estas eram


apresentações profanas, cômicas e sem sentido religioso, que ganharam o espaço
das praças e das ruas das cidades.

1
As apresentações teatrais foram se tornando, cada vez mais, emancipadas
da liturgia da Igreja, passando a representar vícios e virtudes, como orgulho, piedade,
fúria, avareza, esperança e os traços da personalidade humana. “O teatro medieval
pós- Igreja é uma curiosa mistura: baseado no credo cristão, contém elementos de
mimo não religioso, assim como danças e costumes pagãos” (COURTNEY, 1980, p. 184-
185).

A variedade de formas de palcos e de apresentações, nos interiores de igrejas,


nos castelos, em carroções populares, ou na rua, mostrava grande flexibilidade e
criatividade. Muitos autores veem a época medieval como a “Idade das Trevas” nas
artes, mas essa afirmação é contraposta por outros, que veem a Idade Média como
um período de grande criatividade e efervecência cultural, principalmente, dos
gêneros artísticos populares.

No século XVI, enfraquece a unidade religiosa na Europa, e o teatro retoma


a função como meio de expressão da sociedade e se reestrutura como linguagem
relacionada ao cotidiano e à realidade do povo. A partir desse momento, o teatro
medieval se torna uma das mais ricas experiências teatrais, e passa a influenciar o
teatro elisabetano, da Inglaterra dos séculos XVI e XVII.

Sem dúvida, o teatro medieval contribuiu muito para o enriquecimento das


artes cênicas e das principais estruturas delas. O cenário, os figurinos, os espaços
teatrais passaram a ter mais importância na concepção dos espetáculos.

Alguns grupos populares começaram a se organizar, improvisando palcos


em carroças e se deslocando pela cidade e por vilarejos próximos, o que, mais tarde,
dará origem aos grupos de Commedia Dell’Arte, os quais veremos a seguir.

2.4 ESPAÇO NA COMMEDIA DELL’ARTE

FIGURA 16 – COMMEDIA DELL’ARTE - 2014

FONTE: <http://cidadedasartes.rio.rj.gov.br/>. Acesso em: 24 abr. 2021.


12
A Commedia Dell'Arte aparece, na Itália, na transição entre a Idade Média
e o Renascimento, e permanece até o século XVIII. Totalmente popular, liberta dos
academicismos, tem origem nas manifestações de rua e nas apresentações que
aconteciam nas feiras e mercados italianos, e enfatiza o resgate do caráter jocoso, da
pantomima, da vulgaridade das comédias do Império Romano.

A fisicalidade evidente e a gestualidade expressiva, impulsionada pelo uso de


máscaras, faziam com o que os atores desenvolvessem habilidades corporais, e os
recursos são utilizados em treinamentos de atores até os dias de hoje. Os espaços
de cena eram pequenas plataformas elevadas, palcos de madeira separados dos
bastidores, por cortinas. Devido às viagens constantes, os próprios carroções utilizados
para os deslocamentos viravam palco, quando os atores ambulantes paravam nos
vilarejos para se apresentar em troca de comida, de outros mantimentos e de
materiais.

Segundo Vasconcellos (1987), as peças tinham um roteiro fixo (canovaccio),


que girava em torno de um personagem. Os tipos fixos da Commedia Dell’Arte eram o
Pantaleão, o Criado, o Doutor, o Capitão, a Colombina, a Noiva, a Ama, o Pai da
Noiva, o Herói e o Arlequim. A Commedia era improvisada a partir desses personagens
fixos, cujos atores os desenvolviam e os representavam, geralmente, durante toda a
vida.

Muitos roteiros giravam em torno de noivos ou de enamorados que lutavam


para se casar diante de muitas adversidades, brigas de família e outros problemas.

Pela forma improvisada, cômica, espontânea e rica em detalhes,


conquistou também os círculos eruditos e muitos grupos de comediantes passaram
a fazer “releituras” de textos clássicos. Dessa forma, as companhias teatrais mais
reconhecidas saíram das ruas e começaram a se apresentar em teatros e em cortes.
Muitas, inclusive, passaram a morar nos castelos.

A Commedia Dell’Arte, no entanto, não gerou uma forma específica de arquitetura


teatral, mas influenciou novas formas de dramaturgia, mais centradas no trabalho do
ator e na fisicalidade deste.

De qualquer forma, impulsionou novas formas cenográficas, especialmente, os


painéis pintados em perpectiva, além da exploração espacial, partindo da relação do
corpo do ator com o espaço circundante. A movimentação do ator, pelo espaço, torna-
se menos engessada e imóvel, como nas manifestações teatrais anteriores. Os espaços
ambulantes de carroças, adaptadas para virar palco, que têm início na Idade Média,
atingem o auge com a Commedia, tornando-se, cada vez mais, elaboradas e
funcionais, pois serviam como moradia, transporte e palco para os commediantes.

1
DICA
A Viagem do Capitão Tornado é um filme de 1990, dirigido pelo italiano Ettore Scola, uma adaptação d
O filme de Scola é uma bela e sensível homenagem ao teatro, além de uma incrível ilustração desse gêne
de uma trupe de comediantes que segue viagem pela Europa, ele nos
mostra o dia a dia e o trabalho desses artistas, como se relacionam e como os personagens que

2.5 ESPAÇO RENASCENTISTA

FIGURA 17 – TEATRO RENASCENTISTA - 2016

FONTE: <https://literaturauniversalweb.wordpress.com/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A partir do final do século XV, o Renascimento surge na Europa, marcado por


uma explosão de criações artísticas inspiradas na Antiguidade Clássica greco-romana.
A pesquisa científica e o humanismo estavam em alta, estimulados pelo racionalismo e
pela valorização do conhecimento, reação ao período anterior, de forte influência
religiosa.

No Renascimento, o teatro se afasta gradativamente das manifestações


populares e com a experiência participativa e vívida do teatro medieval profano,
quando resgata os textos clássicos e a postura da Antiguidade Clássica. O teatro se
tornou mais elitista e erudito, voltado à razão e ao rebuscamento.
12
O teatro, como o mais público elemento da cidade medieval, foi
absorvido e, radicalmente, alterado pelo desenvolvimento, primeiro
na Itália, e, depois, em todos os lugares da Renascença, e na corte
barroca. O palácio substituiu a catedral como centro da cidade, e o
príncipe se tornou o foco da orientação social (CARLSON, 1997, p.
15).

O teatro renascentista europeu utilizava modelos arquitetônicos greco-


romanos, mas, também, apresentava meminiscências das próprias tradições
medievais. A linguagem das encenações era mais acadêmica e erudita, e, as
temáticas, baseadas em mitos e em histórias da Antiguidade Clássica. Ainda na
Idade Média, enquanto aconteciam os espetáculos religiosos nas igrejas, e, os
gêneros populares, nas praças e nas ruas, outros tipos de apresentações já começavam
a ser desenvolvidas na sociedade erudita e na corte.

O Teatro Olímpico, em Vicenza, projetado por Andrea Palladio, e concluído


por Vincenzo Scamozzi, em 1585, é o primeiro edifício teatral do Renascimento, além
de ser o primeiro teatro coberto do Ocidente. Inspirado no teatro romano, foi
construído no interior de uma fortaleza medieval. A disposição dos assentos, em
arquibancadas semicirculares, como os teatros gregos e romanos, soma-se às paredes
de cenários permanentes, com falsas perspectivas, imitando as paredes das Skenés. O
Teatro Olímpico incentivou a construção de inúmeros edifícios semelhantes ao redor
do mundo.

O palco é delimitado por uma fachada com esculturas que representam


os membros da Academia Olímpica, que patrocinou a obra, repleta de arcos e de
elementos clássicos.

Diferente do modelo greco-romano, devido à forma retangular do terreno e à


orchestra disposta em um nível mais baixo do que o palco, possui um forro da
cobertura pintado com um céu azul, uma referência à Antiguidade Clássica, na qual os
teatros ficavam a céu aberto.

Os elementos estéticos e ornamentais ocultavam uma série de mecanismos de


movimentação e de efeitos cênicos, característica de uma época voltada às invenções
e às maquinarias.

O surgimento da perspectiva foi impactante no mundo artístico, e influenciou a


representação cênica e as composições arquitetônicas dos edifícios teatrais.

Quando os primeiros teatros permanentes da Renascença


foram construídos, eles seguiram as orientações arquitetônicas
estabelecidas por essas primeiras locações temporárias. No início
de 1518, Raphael desenhou um neoantigo teatro (nunca construído),
baseado, fortemente, em Vitrúvio, para a corte, na Villa Madonna, em
Roma (CARLSON, 1997, p. 42).

1
Seguindo o princípio da verossimilhança, presente na Poética Clássica, de
Aristóteles, os arquitetos, os pintores e os cenógrafos passam a se aproximar, cada vez
mais da realidade, tendo, como aliada, a perspectiva, que causava um efeito ilusionista.

[...] Para isso contribui a recente invenção da perspectiva, que vem


para revolucionar os critérios do cenário construído, permitindo
criar ilusões de profundidade, volume e magnificência arquitetônica
com o desenho, a pintura e o sombreamento realizados numa
superfície plana; sem falar das facilidades que espontaneamente se
criam para mudança rápida de um cenário par outro (RATTO, 1999, p.
73).

O público deveria estar de frente para o palco, e afastado da encenação, para


que não atrapalhasse a identificação com a realidade. O ponto de vista do espectador
era calculado, obedecendo a um ângulo fixo, que se abria, progressivamente, com o
afastamento. Segundo Ratto (1999), existiria um ponto de visibilidade perfeita na plateia,
chamado de “ponto de vista do príncipe”, e, quanto mais longe, menor a condição
financeira do espectador, e pior era a vista do espetáculo.

Diferentemente do teatro elisabetano, que veremos a seguir, a forma


arquitetônica gerada no teatro renascentista de sala permanecia atrelada ao modelo
frontalista de palco, que deu origem ao palco italiano, nome dado ao tipo de palco
que conhecemos na maioria dos teatros. Esse modelo de palco diminui a interação
com o público, muito evidente nos gêneros populares.

2.6 ESPAÇO ELIZABETANO

FIGURA 18 – O PALCO ELIZABETANO - 2021

FONTE: <https://www.historiahoy.com.ar/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

13
O teatro elisabetano surgiu durante o reinado da rainha Elisabeth I (1558 -
1603), em Londres. O teatro era extremamente popular na Inglaterra e em
Londres. Nessa época, existiam mais de dezesseis espaços teatrais em
funcionamento.

As apresentações nas ruas, nas praças, nos mercados eram muito frequentes.
Com o tempo, as trupes de teatro que viajavam pelo país e se alojavam em tavernas,
começaram a negociar, com os donos destas, para se apresentar nesses espaços, e, em
1574, a cidade de Londres começou a regularizá-los, para que recebessem,
oficialmente, essas atividades. O palco, segundo Raimundo Leão (2014, p. 160),

era montado nas hospedarias quando da realização da


representação, para, em seguida, tornar-se uma construção
destinada ao espetáculo, sendo, o primeiro, fundado em 1578,
denominado de O Teatro. Logo após, construíram-se outras casas,
os chamados teatros públicos, como A Cortina, O Globo, O Touro,
A Rosa, O Cisne e Touro Vermelho, em sua maioria, situados na
parte sul de Londres.

Algumas companhias mais célebres começaram a pedir autorização da


Rainha para edificar teatros permanentes fora das cidades, ficando, assim, distantes
das restrições das autoridades locais e do puritanismo. Alguns espaços teatrais foram
adaptados a partir de ringues de touros, ursos e galos.

As lutas de animais eram uma das formas de entretenimento da época.


Construídos, exclusivamente, para esse fim, possuíam uma forma de arena circular,
que podiam ser cobertas e eram de terra batida.

Posteriormente, essas arenas foram envoltas por edificações em madeira,


construídas com três pavimentos destinados à plateia, que assistia aos espetáculos em
pé. O palco, em alguns desses espaços, também, apresentava até três níveis, para que
várias cenas pudessem ser realizadas simultaneamente.

A diferença desses espaços para os teatros que vimos anteriormente é que


estes não eram projetados por arquitetos. Eram construções simples, construídas com
métodos de carpintaria. Algumas partes eram pintadas, imitando o mármore, como
substituição ao material caro, e a prioridade era aproveitar os espaços para que,
neles, coubesse mais público, já que tinham grande aceitação popular.

A maior parte desses espaços teatrais possuía três galerias, pátio central, um
palco elevado, que avançava com o proscênio para a plateia, e uma casa de cena,
na qual eram movimentados os cenários.

O teatro elisabetano mais famoso, inaugurado pela Rainha Elizabeth II, em


1599, com as estruturas restantes da demolição do primeiro teatro inglês (The
Theatre, erguido, em 1576, pelo ator James Carbage), foi o Globe, que teve, como um
dos sócios, o ilustre dramaturgo Willian Shakespeare, que o transformou em arena

1
para a apresentação das próprias peças. O Globe foi fechado em 1642, após a vitória
dos puritanos na Guerra Civil

13
Inglesa (1642-1649), e foi reconstruído pelo arquiteto Theo Crosby, em 1996, após
uma intensa pesquisa. Foram acrescentadas escadas de acesso para o público e saídas
de emergência, atendendo, assim, a exigências de segurança e de acessibilidade dos
dias de hoje. A intenção era adicionar funcionalidade ao resgate histórico, para que o
teatro pudesse funcionar.

Devido ao puritanismo crescente na Inglaterra, os teatros públicos


elisabetanos foram fechados em 1642, ficando, as atividades teatrais, confinadas nos
espaços privados de alguns nobres, o que modificou com a restauração da monarquia,
quando os teatros foram reabertos.

O teatro elisabetano apareceu, também, na Espanha, onde teve grande


significado nacional, no chamado Século de Ouro. Destacaram-se dramaturgos, como
Miguel de Cervantes (1547-1616) e Calderón de La Barca (1600-1681), e os lugares
onde eram representadas as obras destes autores eram construções rudimentares e
muito simples, como na Inglaterra.

Inicialmente, os grupos teatrais espanhóis trabalhavam de forma itinerante, e


eram influenciados pela Commedia Dell´Arte e pela arte de rua, apresentando-se nas
praças e nos mercados públicos.

Com a grande aceitação da atividade teatral na época, cujos entretenimentos


eram escassos, os grupos teatrais acabaram se apropriando de espaços que se
formavam entre as casas, chamados de corrales, nos quais construíam um palco no
fundo.

Com o prestígio popular, esses espaços começaram a adquirir um caráter


permanente. Construído de alvenaria, com sanitários e bilheteria, anexo ao palco e
plateia de três pavimentos, O Corral del Príncipe, por se localizar na chamada Rua do
Príncipe, em Madrid, foi um exemplo de teatro permanente, e ficou aberto de 1583 a
1744.

A plateia seguia uma hierarquia: os balcões e os camarotes laterais eram


destinados aos ricos e nobres. Os compartimentos gradeados, da parte térrea das
casas, aos grandes proprietários, e, até mesmo, ao rei, que assistia ao espetáculo sem
ser visto. Já as arquibancadas, à classe média, e, o pátio central, ao povo, que ficava
de pé, e era dividido entre homens e mulheres, sendo que estas ficavam em uma
plataforma um pouco mais elevada e mais afastada.

O público era difícil, barulhento, descontrolado e muito entusiasmado,


prontos a lançar frutas podres no palco.

Em 1600, o Barroco iniciou em Roma, e se espalhou por toda a Europa.


Diferente do estilo renascentista, que adotava formas harmônicas, o Barroco foi
marcado pelas formas opulentas, pelos contrastes, pelos opostos.

1
Na arquitetura dos espaços cênicos, apresentava muitos efeitos decorativos,
detalhes e colunas retorcidas, esculturas, intensos contrastes de luz e de sombra, e
pinturas realistas com efeitos ilusionistas.

Nessa época, aconteciam, na Europa (principalmente, na Itália),


apresentações para a corte, as quais misturavam teatro, dança e música, e que
acabaram evoluindo para o que conhecemos, hoje, como ópera.

2.7 PALCO ITALIANO

FIGURA 19 – TEATRO ALLA SCALA - MILÃO - 2020

FONTE: <https://www.ecoo.com.br/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

Os teatros que eram, antes, em sua maioria, construídos e administrados por


companhias teatrais, passaram a ser destinados às apresentações de ópera, como
teatros públicos. No século XVIII, as primeiras Casas de Ópera surgem na França e em
outros lugares da Europa. Eram caracterizadas por um palco frontal, como se utiliza
na maior parte dos teatros ainda hoje, denominado de palco à italiana, ou palco italiano.

A arquitetura cênica se caracterizava por um palco retangular, fechado por


três paredes (laterais e fundo), o que é denominado de caixa cênica. A frente aberta,
chamada de “boca de cena”, era fechada por uma cortina que se abria para o início
do espetáculo. Entre o público e o palco, em um nível abaixo deste, localizava-se o
fosso da orquestra, uma área cercada por um peitoril no mesmo nível da plateia, mas
que não se destinava ao coro, como no teatro clássico greco-romano, mas aos músicos.

13
A mecânica cênica, aos poucos, foi ganhando mais dinamicidade, e os
bastidores, os antecessores das varas de fixação de cenografia e de iluminação eram
presos por roldanas que deslizavam por trilhos no palco, seguros por contrapesos fora
da área de cena. As bambolinas, pequenas cortinas acima da boca de cena,
escondiam, do público, a maquinaria, para garantir a ilusão cênica.

A partir de 1789, como já vimos, a ópera, tipo de espetáculo que une música e
teatro, surgida na Itália, adquire, cada vez mais, notoriedade. Com o avanço tecnológico,
os cenários e a iluminação passaram a ser movimentados por meio de varas,
agora, com movimentos verticais. Hoje em dia, alguns teatros possuem essa
movimentação automatizada e controlada por um computador. A caixa cênica,
então, recebe o complemento do urdimento, uma espécie de grade para a fixação de
estruturas, como o cenário.

O Teatro Alla Scala foi inaugurado em 1778, em Milão, figura anterior, e foi
projetado por Giuseppe Piermarini. Com palco à italiana, a plateia, em forma de
ferradura, possui seis andares de camarotes e de balcões, com capacidade para quase
2000 pessoas. A arquitetura enfatizava o estereótipo do teatro burguês, e a plateia,
em U, garantia que não fossem vistos, apenas, os espetáculos artísticos, mas o
espetáculo da vida real, no qual a burguesia, com seus lindos trajes e binóculos, era
vista pelas classes inferiores, que ficavam na plateia do térreo.

Um porão foi construído abaixo do palco, para que performances cênicas


pudessem ser feitas com o uso de elevadores, os quais suspendiam atores e objetos.

A arquitetura do teatro italiano e as convenções de palco tomaram uma forma


cada vez mais elaborada, e, ainda hoje, permanecem sendo o tipo de espaço mais
utilizado na arquitetura teatral no mundo. A seguir, veremos sobre Adolphe Appia
(1862- 1928) e Edward Gordon Craig (1872-1966), dois grandes nomes que
influenciaram muito os pensamentos em relação ao espaço teatral no século XX.

2.8 ADOLPHE APPIA E EDWARD GORDON CRAIG

No século XIX, já se delineava uma rejeição ao teatro denominado de


naturalista, movimento que veremos na próxima unidade, e cujas convenções se
aproximavam, fielmente, da realidade. Ao mesmo tempo, os movimentos artísticos de
outras áreas, como as Artes Visuais, influenciavam as Artes Cênicas. O advento da luz
elétrica havia impactado, para sempre, a relação com o espaço cênico e com a
iluminação cênica, antes, realizada de forma rudimentar, com tochas e velas.

A corrente simbolista começou a criar forma, estabelecendo uma outra forma


de pensamento que se abria para as camadas simbólicas, ao contrário de retratar a
realidade como em uma fotografia do cotidiano.

1
O espaço cênico sofreu modificações muito importantes, como a eliminação
de painéis pintados com paisagens, e a criação de jogos de luz para volumes e
sombras, alterando a noção espaço/tempo no palco, e dando profundidade à imagens
planas.

Todos os movimentos posteriores se estruturaram em relação ao Naturalismo,


extinguindo o cenário de telão pintado e eliminando a interpretação declamatória.
Nesse movimento, destacam-se as contribuições de Adolphe Appia e de Edward
Gordon Craig, que, a partir do início do século XX, abriram novas possibilidades para o
desenvolvimento das ideias do movimento da Bauhaus.

NOTA
A Bauhaus foi uma escola de arte vanguardista fundada em 1919, pelo arquiteto alemão Walter Gropius, com

O teatro contemporâneo recebeu reformulações propostas por Appia, a partir


das experiências realizadas desde o final do século XIX, com trabalhos de arquitetura
cênica e de propostas de iluminação. Os estudos que englobavam o espaço e o tempo
são, até hoje, muito atuais. Em 1920, Appia falava da comunhão entre as unidades de
Espaço e de Tempo por meio do movimento, habilidade atribuída aos encenadores,
que poderiam trabalhar, infinitamente, com as variações dessas unidades.

Para Appia, o principal elemento do teatro era o ator, e nenhum outro


elemento deveria atrapalhar o desempenho dele, mas ressaltá-lo. Utiliza a
iluminação para ser capaz de projetar sombras, construir espaços por meio de ilusões
de volume, de tamanho, arredondando ou evidenciando os ângulos, distanciamento e
formas. As concepções espaciais criam formas cúbicas, tablados, rampas e
plataformas.

A cena é um espaço vazio, mais ou menos iluminado, e de


dimensões arbitrárias [...]. É a oposição do corpo, que anima as
formas do espaço. O espaço vivo é a vitória das formas corporais
[...]. O corpo, sozinho, no espaço ilimitado, mede esse espaço com
seus gestos e suas evoluções, ou, mais claramente, apropria-se,
portanto, de uma porção de espaço, limitando-a e a condicionando.
Sem ele, o espaço volta a ser infinito, e não poderá ser dominado
(APPIA apud MARTINS, 2004, p. 31).

13
Já Edward Gordon Craig, arquiteto e cenógrafo, acreditava que o cenário era
o elemento mais impactante do teatro. Utilizava telas móveis e luz para recriar o
espaço, inovando, e com efeitos surpreendentes. Como teórico, formulou conceitos
acerca das principais questões relacionadas à cena.

Resgatou o universo de formas animadas e de máscaras, e pensou em


possibilidades expressivas, como a de substituir os atores pelas, assim chamadas,
Supermarionetes, o que desencadearia uma nova abordagem de pensamento cênico,
cujos desdobramentos ecoam até os dias de hoje. Muito do interesse, ao longo do
século XX, demonstrado por pensadores fundamentais da historia teatral, como Bertolt
Brecht, Vsevolod Meyerhold, Antonin Artaud, Jerzy Grotowski, Tadeusz Kantor (1915-
1990) e Eugenio Barba, no redimensionamento do trabalho do ator em cena, das
características e das possibilidades, também, deve-se ao impacto desencadeado pelo
pensamento desafiador de Craig.

Eu a chamo de quinta cena, pois atende aos requisitos impostos


pelo espírito moderno – o espírito da mudança incessante: os
cenários que nós viemos usando para as peças, por séculos, eram,
apenas, os velhos cenários estáticos, feitos para serem trocados.
Isso é uma coisa bem diferente de uma cena que tem uma natureza
mutante (CRAIG, 1923 apud RAMOS, 2014, p. 75).

Craig propunha o quinto palco, ou o novo espaço. Os quatro espaços teatrais


anteriores a Craig são os espaços cênicos que vimos anteriormente: o anfiteatro grego,
o espaço medieval, os tablados da Commedia Dell’Arte e o palco italiano.

Essa proposta de Craig passava, do palco estático, para um palco cinético, em


movimento. A iluminação passou a receber um tratamento inédito para a época, com
uma projeção vertical sobre o palco, além da iluminação das luzes dos bastidores e da
ribalta, trazendo grande inovação.

Essa rápida incursão pelas propostas espaciais do início do século XX


desemboca nas inúmeras inovações que trouxe a cena contemporânea. A seguir, você
poderá ler um artigo que trata das interfaces entre o espaço teatral, o corpo e a
memória, no que diz respeito ao circo, à performance e à dança, escrito pelas autoras
Evelyn Furquim Werneck Lima (Unirio) e Solange Pimentel Caldeira (UFV).

Na próxima unidade, veremos os principais movimentos das Artes Cênicas a


partir do século XX, momento de grandes mudanças e propostas que culminaram no
teatro contemporâneo.

1
LEITURA
COMPLEMENTAR
O ESPAÇO TEATRAL, O CORPO E A MEMÓRIA

Evelyn Furquim Werneck Lima


Solange Pimentel Caldeira

O historiador Giulio Carlo Argan ressalta que a arte dramática e contrastada


de Michelangelo se distancia da serenidade da obra de Piero della Francesca.
Acrescenta que, para Michelangelo, não existe um espaço estabelecido, estável, pois
as figuras “se contorcem e se debatem, tensionam-se para “buscar” um espaço”. O
platonismo de Michelangelo não é fé no céu das ideias eternas, “mas busca
desesperada de qualidade ideal diante de dolorida experiência de vida” (ARGAN, 1999,
p. 313). Enquanto Leonardo da Vinci busca a imanência absoluta, ou a dissolução do
sujeito no objeto, Michelangelo se orienta para uma transcendência absoluta, para a
dissolução do objeto no sujeito, da natureza na infinitude da alma humana (ARGAN,
1999, p. 315).

Na Grécia, berço da cultura ocidental, a discussão sobre o corpo remetia às


questões da dualidade corpo e alma: “a alma e o corpo são partes distintas de uma só
natureza humana. Cada uma dessas partes possui as suas excelências”1 (JAEGER, 1979,
p. 496). A filosofia socrática compreendeu que a alma e o corpo estão unidos no
homem. Embora Sócrates não afirmasse que a alma fosse separável do corpo, a alma
teria o papel de fortalecer o corpo, e, o corpo, de refletir a respeito da sua própria
existência. Sócrates apresentava o corpo como um obstáculo ao conhecimento, por ser
local de afecções e de doenças, de paixões e de ilusões, de tudo que nos suscita
desequilíbrio e conflito, mas acreditava que a filosofia poderia purificá-lo.

Aceitando os conceitos de Sócrates, Platão sustenta que o corpo é o cárcere


da alma. Com o Mito da Caverna 1, o filósofo estabelece que a caverna seria o mundo
sensível, interior, que existe dentro de nós, já o exterior da caverna significa o mundo
real, o mundo das ideias. O homem feito de corpo e de alma pertence,
simultaneamente, a esses dois mundos, mas a alma, escravizada no corpo, não
possuiria mais a dimensão divina anterior, quando em sua primeira morada, no meio
das essências puras (PLATÃO, 1965, p. 253 a 256). Essa união entre alma e corpo foi
identificada, por Platão, como sendo o ser vivo e mortal, sustentando que a alma só
se separa do corpo depois da morte, quando, então, retorna ao mundo das essências.
Discípulo de Platão, Aristóteles descarta qualquer dualismo metafísico da alma e do
corpo, pois afirma que “a alma é uma forma substancial de todo organismo vivo e é
inseparável do corpo” (JAEGER, 1979,
p. 23). Trazendo a discussão para tempos mais recentes, o olhar de Nietzsche se volta
para o corpo e para os excessos multiformes dele, próprios da existência humana. A
filosofia nietzschiana se opõe ao “exercício da morte”, pregado por Platão, para propor o
13
“exercício da vida”.

1
Um dos mais conceituados filósofos do século XX, Maurice Merleau-Ponty,
dedica uma grande parte do seu livro, Fenomenologia da Percepção, ao esforço de
compreender, fenomenologicamente, o corpo (MERLEAU-PONTY, 1994: 1a parte).
O filósofo inicia as conceituações, considerando que o corpo nos permite centrar nossa
existência, mas, também, impede-nos de centrá-la em sua totalidade. Nessa visão
dialética, o corpo é, ao mesmo tempo, o “centro” e o “não centro” da existência humana,
ponto de chegada e de saída. Merleau-Ponty se refere ao corpo como “um objeto que
não me deixa” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 133). Esse objeto seria capaz de
observar, inspecionar e manejar objetos exteriores a ele, mas seria preciso dispor de
um “segundo corpo”, para que pudéssemos observar o nosso próprio: “Ele tenta se
tocar tocando, ele esboça ‘um tipo de reflexão’, e bastaria isso para distingui-lo dos
objetos” (MERLEAU- PONTY, 1994, p. 137). Considerando a espacialidade do corpo,
Merleau-Ponty faz várias afirmações: “o seu contorno é uma fronteira que as relações
de espaço ordinárias não transpõem; o corpo está no mundo, e, suas partes,
envolvidas umas nas outras. Quando o corpo está em movimento, vê-se melhor como
ele habita o espaço e o tempo, porque
o movimento não se submete a eles; o corpo habita o espaço e o tempo” (MERLEAU-
PONTY, 1994, p. 133).

Oskar Schlemmer, cenógrafo e professor da Bauhaus, acredita que, do ponto


de vista do material cênico, o ator tem a vantagem do imediato e da independência.
Ele é o “seu próprio material, com seu corpo, sua voz, seu gesto e seu movimento”
(SCHLEMMER apud LIMA, 1999, p. 53). O cenógrafo defende uma cena na qual o
homem é transformado em função do espaço abstrato. As leis do espaço cúbico são a
reserva invisível das linhas de relações planialtimétricas e estereométricas. Essa
matemática corresponde àquela inerente ao corpo humano. Ele cria o equilíbrio pelos
movimentos que, em sua essência, são mecânicos e condicionados pela inteligência. É
a geometria dos exercícios do corpo, da rítmica, da ginástica (LIMA, 1999, p. 54).

Em uma visão mais contemporânea, Jean-François Lyotard afirma que “o


corpo pode ser considerado como o hardware do complexo dispositivo técnico que
é o pensamento” (LYOTARD, 1989, p. 21). Segundo as ideias de Lyotard, o software
humano, no caso da linguagem, não pode existir sem que haja um hardware, ou seja,
o corpo. Para ele, seria conveniente tomar o corpo como exemplo na produção e
na programação das inteligências artificiais, já que o hard/soft humano é muito
complexo e heterogêneo. O pensamento humano não raciocina em termos da lógica
binária, mas, sim, por configurações intuitivas e hipotéticas. Aceita dados
imprecisos e ambíguos, e, por isso, talvez, o fracasso de algumas “máquinas”
criadas para reproduzi-lo: elas funcionam em lógica binária, por unidades de
informação (os bits), segundo um código ou uma linguagem estabelecida. Para
Lyotard:

O que torna inseparáveis o pensamento e o corpo é muito,


simplesmente, o fato deste último ser o indispensável hardware do
primeiro; a sua condição material de existência é que cada um
deles é análogo ao outro no seu relacionamento com o respectivo

14
ambiente (sensível, simbólico), sendo, o próprio relacionamento em
si, do tipo analógico, nos dois casos (LYOTARD, 1989, p. 24).

1
O Espaço Teatral e o Corpo

O teatro não se propõe a ocupar, apenas, o espaço físico, real, cotidiano,


concreto, mas se propõe a extrapolá-lo, e, mesmo fazendo uso do espaço real, tem
a intenção de criar um espaço onde simbolismos possam ser revelados. Os diretores,
quando criam os espaços da cena, produzem sentidos, construídos a partir de uma
experiência e de uma determinada ótica. Os sentidos que os artistas criam, por meio
do espaço, nas obras deles, reportam-se às experiências espaciais já vividas ou
almejadas2. Essas experiências são elaboradas novamente, constituindo um baú de
memórias e de desejos do artista, como investigou Gaston Bachelard (1994).

O teatro, a dança, o cinema e o circo, dentre outras artes, desenvolvem-se no


tempo e no espaço. O cenógrafo Adolphe Appia, em texto de 1920, defendia que, “do
ponto de vista estético, temos o movimento corporal. Nele, realizamos e simbolizamos
o movimento cósmico. Todo outro movimento é mecânico, e não pertence à vida
estética” (APPIA, 1958, p. 6). Para Appia, o palco cênico não deveria conter
elementos que dispersassem a atenção, da plateia, da figura do ator, cujo corpo não é
considerado, apenas, um reflexo de realidade, mas, sim, a própria realidade (LIMA, 1999,
p. 49).

Para Patrice Pavis,a aliança de um tempo e de um espaço constitui o


que Mikail Bakthin, na literatura, chama de cronotopo, que vem a ser a unidade na
qual os índices espaciais e temporais formam um todo inteligível e concreto. Aplicados
ao teatro, a ação e o corpo do ator se concebem como o amalgama de um espaço e de
uma temporalidade: o corpo não está, apenas, no espaço, ele é feito de espaço e feito
de tempo.

Esse espaço-tempo é concreto (espaço teatral e tempo da representação)


e abstrato (lugar funcional e temporalidade imaginária). A ação que resulta é ora
física, ora imaginária. O espaço-tempo-ação é percebido como um mundo concreto
e como um mundo possível imaginário. Freud considera que o inconsciente coordena
espaço, tempo e corpo. Para ele, no inconsciente, o tempo se transforma em espaço,
e, o espaço, em unidade corporal. Durante essa transformação, o corpo funciona como
esquema de representação e forma a mediação entre tempo e espaço.

A experiência espacial, no teatro e fora dele, dispõe das duas possibilidades


seguintes, entre as quais todas as teorias do espaço podem oscilar:

1) Concebe-se o espaço como um espaço vazio que se deve preencher.


2) Considera-se o espaço como invisível, ilimitado e ligado aos utilizadores, a partir
de coordenadas, de deslocamentos, da trajetória, como uma substância não a ser
preenchida, mas a ser estendida.

14
A essas duas concepções antitéticas do espaço, correspondem duas
maneiras diferentes de descrevê-lo: o espaço objetivo externo e o espaço gestual.
Pavis considera o espaço objetivo externo como o espaço visível, frontal, muitas
vezes, preenchível e descritivo, onde ele distingue duas categorias:

• o lugar teatral, ou seja, o prédio e a arquitetura, a inscrição na cidade, mas, também,


o local previsto para a representação (PAVIS, 2003, p. 141), ou, ainda;
• o espaço cênico: lugar no qual evoluem os atores e o pessoal técnico: a área
de representação propriamente dita e os prolongamentos para coxia, plateia e todo
o prédio teatral.

As formas de lugar teatral foram se modificando, de acordo com cada


cultura e cada temporalidade. Na linguagem dos espetáculos, as relações
espaciais criadas surgiram a partir da organização do espaço cênico, mais
especificamente, do desenvolvimento da arquitetura da casa de espetáculos. Na
Grécia clássica, as artes cênicas demandaram o anfiteatro grego. No palco
principal, apenas os protagonistas ocupavam essa faixa entre o palco e o público,
e tinham, como função, representar os comentários e as reações do povo perante
os nobres e os deuses. Havia, assim, uma grande interatividade entre os artistas e o
público. Durante a Idade Média, o teatro profano era perseguido pelo Cristianismo,
havendo permissão da Igreja, apenas, para realizar os “Mistérios” no adro ou no
interior do edifício religioso. Ainda, no medievo, os atores ocuparam as praças, sobre
tablados, ou palcos em carroças, não possuindo um espaço específico para apresentar
os espetáculos.

Peter Brook lembra que o teatro elizabetano era “um buliçoso mercado [...],
o balcão era aquele nível superior [...], e a galeria superior era uma lembrança de que
a ordem do mundo é mantida por deuses, deusas, reis e rainhas” (BROOK, 2000, p.
24). Entretanto, naquele espaço teatral, todas as classes sociais estavam
representadas, e os espectadores que ficavam em pé (groundlings) podiam, até,
tocar, fisicamente, nos atores.

Desde a proposta do Teatro Olímpico de Vicenza (séc. XVI), a partir da qual o


corpo do ator ficava próximo à plateia, até a adoção do longínquo e frontal palco italiano,
cujo ápice é o La Scala de Milão, pouco a pouco, o corpo dos atores se distanciava
para criar espaços de ilusão (LIMA; CARDOSO, 2006). O palco italiano foi planejado,
exatamente, para propiciar um ambiente de ilusão e de magia, com a caixa cênica
separada da plateia.

Em obra de referência sobre a arquitetura do espetáculo no Ocidente,


afirmamos que o palco italiano, adotado em todo o mundo ocidental, devido à
exportação do gosto pelo espetáculo lírico, foi o modelo que se reproduziu por mais
de 150 anos, o que gerou um fenômeno de longa duração na história do espetáculo3.
Visando ampliar as dimensões reais do palco, desde o Renascimento, os cenógrafos
criaram vários recursos, usando grandes cenários, pintados em perspectiva, com a

1
finalidade de criar um efeito de

14
profundidade ilusória. A perspectiva introduzida por Brunelleschi transformou o
mundo, e as dissecações de cadáveres permitiram traduzir, nas tintas dos afrescos e
nas telas, um corpo humano cada vez mais bem representado, como se estivesse em
uma caixa cênica. O teatro das praças públicas passa a ser abrigado no palco da
ilusão. Entretanto, esse espaço perspectivado, que distanciava o corpo do ator da
audiência, transformar- se-ia pelas vanguardas do século XX.

As revoluções cênicas do século XX incluem Gordon Craig, cenógrafo e


arquiteto que estabeleceu, nos anos 1920, um “quinto palco”, para substituir os
quatro tipos de espaços teatrais: (i) o anfiteatro grego, (ii) o espaço medieval, (iii) os
tablados da Commedia Dell´Arte e (iv) o palco italiano. Essa proposta do quinto palco
representava a substituição de um palco estático por um cinético, e, para cada tipo de
encenação, um tipo especial de lugar cênico. A iluminação recebeu um tratamento
inédito até então. Craig fez projetar a luz, verticalmente, sobre o palco, e frontalmente,
por meio de projetores colocados no fundo da sala. A luz dos bastidores e da ribalta foi
abolida, a partir de uma proposta inovadora e vanguardista (ROUBINE, 1994). Nesse
sentido, o teatro e a dança teriam, como objetivo, absorver essas novas tecnologias
para transcendê-las, problematizando, assim, as tecnologias de comunicação da
cultura contemporânea. As definições das Artes Cênicas se alteram, conforme o
contexto histórico que as envolve.

Com as performances e os happenings, nos anos 1970, o teatro e a dança


utilizaram espaços não tradicionais, e romperam limites, em concordância com
uma época que aproximava arte e vida, e que questionava as relações de poder e
o lugar das coisas. Brigava-se com o autoritarismo, invadindo os espaços
“formais”, como os próprios museus, praças públicas.

Pavis, também, identifica o espaço gestual, que interessa a esse ensaio, como
o espaço criado pela presença, pela posição cênica e pelos deslocamentos dos
atores: espaço emitido e traçado pelo ator, induzido pela corporeidade dele, espaço
evolutivo suscetível de se estender ou de se retrair. Veremos as seguintes
manifestações desse espaço gestual (PAVIS, 2003, p. 142). A experiência cinestésica
do ator é sensível em sua percepção do movimento, do esquema temporal, do eixo
gravitacional, do tempo-ritmo. Dados que só pertencem ao ator, mas que ele
transmite ao espectador. A subpartitura, na qual o ator se apoia, fornece um percurso
e um trajeto que se inscrevem no espaço, e esse espaço se inscreve neles. O espaço
centrífugo do ator se constitui do corpo para o mundo externo. O corpo se encontra
prolongado pela dinâmica do movimento. O corpo do ator, em situação de
representação, tende a expressar, o mais fortemente possível, as atitudes, as escolhas,
a presença dele. O espaço ergonômico, os ambientes de trabalho e de vida
compreendem as dimensões proxêmica (relação entre as pessoas), háptica (maneira
de tocar os outros e a si mesmo) e cinestésica (movimento do próprio corpo).

1
Notas
1
As virtudes morais constituem as excelências da alma, no mesmo sentido em que a
saúde, a força e a beleza são as virtudes do corpo. As excelências físicas e as virtudes
espirituais não são mais do que a “simetria das partes”. Cf. Werner Jaeger. Paidéia.
São Paulo: Martins Fontes, 1979, p. 496.

FONTE: LIMA, E. F. W.; CALDEIRA, S. P. O corpo entre memória e espaço teatral. 2011. Disponível em:
http://www.seer.unirio.br/opercevejoonline/article/view/1362/1130. Acesso em: 24 abr. 2021.

14
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A arquitetura dos teatros gregos possuía uma forma semicircular, e as construções


eram ao ar livre, aproveitando a paisagem natural das montanhas, pois essa
paisagem contribuía para a projeção do som, produzindo uma ótima acústica.

• O teatro romano possuía dois tipos de edificações: o teatro para as


apresentações teatrais e o Odeon, um teatro um pouco menor, para os espetáculos
líricos, leituras dramáticas e declamações com acompanhamento musical, sendo
que alguns teatros, ainda, possuíam um anfiteatro nas adjacências, utilizado para
os “jogos” de gladiadores e de animais.

• O teatro medieval contribuiu muito para o enriquecimento das Artes Cênicas e das
principais estruturas delas, pois o cenário, os figurinos, os espaços teatrais
passaram a ter mais importância na concepção dos espetáculos, e alguns grupos
populares começaram a se organizar, improvisando palcos em carroças e se
deslocando pela cidade e pelos vilarejos próximos, o que, mais tarde, deu origem
aos grupos de Commedia Dell’Arte.

• O teatro elizabetano possuía construções simples, feitas com métodos de


carpintaria, e a maior parte desses espaços teatrais agregava três galerias, um
pátio central e um palco elevado, que avançava, com o proscênio, para a plateia.

• No século XVIII, as primeiras Casas de Ópera surgem na França e em outros lugares


da Europa, tendo, como característica, um palco frontal, como se utiliza na maior
parte dos teatros ainda hoje, denominado de palco à italiana, ou palco italiano.

• Muito do interesse demonstrado por pensadores, fundamentais na história do


teatro, em relação ao redimensionamento do trabalho do ator, a partir do século
XX, às características e às possibilidades, também, deve-se ao impacto
desencadeado pelo pensamento desafiador de Appia e de Craig.

1
AUTOATIVIDADE
1 Ao longo da história da humanidade, o espaço cênico foi sofrendo modificações
e absorvendo os acontecimentos sociais da época, as novas conquistas técnicas
e as necessidades do momento. O teatro da Grécia antiga, sem dúvida, influenciou
o teatro de outros lugares do mundo, e segue influenciando e inspirando até hoje.
A respeito do espaço teatral grego, na Antiguidade Clássica, classifique as
sentenças em V, para as verdadeiras, e F, para as falsas:

a) ( ) A área de cena possuía uma configuração frontal, cercada por três paredes, o
que influenciou a formatação espacial do teatro romano, posteriormente,
chamado de Teatro “à italiana”, ou teatro italiano.
b) ( ) Próximo ao espaço central, destinado ao coro, era posicionado o thymele,
pequeno altar em honra ao deus Dionisio.
c) ( ) A orchestra, área destinada ao coro, era um espaço na lateral da área de
cena, próximo à plateia. O posicionamento era estratégico, e focava a atenção
do público, apenas, nos atores, que utilizam o corredor em frente à skené, o
proschenion, termo que deu origem à palavra proscênio.
d) ( ) Os atores trocavam de roupa atrás da Skené, espécie de parede que, com o
passar do tempo, passou a ser uma fachada, utilizada como ambientação
cenográfica.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) V – V – F – F.
b) ( ) F – F – F – V.
c) ( ) V – V – V – F.
d) ( ) F – V – F – V.

2 O espaço teatral romano foi completamente influenciado pelos espaços teatrais


gregos, mas podemos identificar algumas características que os diferenciam. A
respeito dessas diferenças, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O posicionamento do coro, no teatro romano, não era centralizado, e a área de


cena era frontalizada, e não em semicírculo, como no teatro grego.
b) ( ) Nos altares romanos, próximos ao coro, eram venerados os Imperadores, ao
invés dos deuses. Além disso, os teatros romanos possuíam teatros menores
em espaços anexos, chamados de Odeon, ou arenas para os “jogos” com
animais e gladiadores.
c) ( ) O teatro romano não possuía o proschenion, como os teatros gregos, além de a
plateia ficar posicionada no nível da cena.
d) ( ) O teatro grego possuía tamanho maior, podendo receber centenas de espectadores.
Além disso, tinha uma cobertura móvel para os dias de mau tempo.

14
3 No início da época medieval, por volta do século VI, a Igreja passa a proibir as
apresentações profanas, ou que não estavam ligadas aos temas religiosos. Courtney
(1980) relata que apresentações teatrais eram proibidas e quem acolhesse atores
sofreria sérias punições. Mesmo assim, o teatro era muito popular, e acontecia,
essencialmente, dentro das igrejas, ou no pátio destas, antes e após as missas,
sendo encenado em um longo tablado. A respeito dos espaços cênicos medievais,
analise as sentenças a seguir:

I- Os Milagres contavam a biografia dos santos ou uma história que apresentava uma
intervenção divina para a resolução do problema. Os Mistérios datam do início do
século XV, e se caracterizam por cenas realizadas em espaços separados, pequenos
palcos, ou “mansions”, que ocupavam todo o espaço interior das igrejas, de
acordo com a ambientação pretendida.
II- O Pageant consistia em uma espécie de “mansion” ambulante, montada sobre
carroções, apresentando uma única cena sem fala, pois não dava para ouvir com a
estrutura em movimento.
III- As Moralidades eram alegorias satíricas e educativas. Eram, geralmente, longas,
maçantes e de difícil compreensão. As farsas, precursoras da comédia de
costumes, eram baseadas em fábulas populares e apresentadas para divertir o
público entre os Mistérios.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças I, II, e III estão corretas.

4 O período que abarca os teatros medieval, renascentista e elisabetano contribuiu


muito para o enriquecimento das Artes Cênicas e das principais estruturas delas,
como a espacial. O cenário, os figurinos, os elementos cênicos passaram a ter mais
importância na concepção dos espetáculos, e os aspectos do trabalho físico do
ator passaram a receber mais atenção. A respeito do teatro desses dois momentos
específicos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Surgiram novas formas cenográficas, especialmente, os painéis pintados em


perpectiva, além da exploração espacial, partindo da relação do corpo do ator
com o espaço circundante. Os espaços ambulantes de carroças, adaptadas para
virar palco, com início na Idade Média, atingem o seu auge com a Commedia,
tornando-se, cada vez mais, elaborados e funcionais, pois serviam como
moradia, transporte e palco para os commediantes.
b) ( ) A perspectiva foi um elemento muito importante para as artes visuais, mas não
representou um impacto na representação espacial dos espetáculos, nem nas
construções arquitetônicas dos edifícios teatrais renascentistas.

1
c) ( ) Surgido sob o reinado da rainha Elisabeth I, o teatro elisabetano deu origem a
um espaço teatral projetado para a corte, por isso, os edifícios foram
projetados por grandes arquitetos da época, dando origem a espaços
rebuscados
d) ( ) No teatro elisabetano, os membros da corte e os senhores mais abastados
ficavam nos balcões aéreos, cuja visibilidade do espetáculo era melhor, devido
à altura.

5 O teatro contemporâneo recebeu reformulações propostas por Appia e por Craig, a


partir das experiências deles, realizadas desde o final do século XIX, com trabalhos
de arquitetura cênica e de propostas de iluminação. A respeito desses pensadores
do espaço cênico e de suas concepções, classifique as sentenças com V, para as
verdadeiras, e F, para as falsas:

( ) Appia utiliza a iluminação para ser capaz de projetar sombras, construir espaços
por meio de ilusões de volume e de tamanho, arredondando ou evidenciando os
ângulos, distanciamento e formas. As concepções espaciais criam formas cúbicas,
tablados, rampas e plataformas.
( ) Edward Gordon Craig, arquiteto e cenógrafo, acreditava que o cenário era o
elemento mais impactante do teatro, e utilizava telas móveis e luz para recriar o
espaço.
( ) Craig elaborou a teoria do super-ator, que deveria ter um corpo preparado
para responder, imediamente, às sugestões emotivas do texto dramatúrgico. Esse
super-ator deveria se relacionar com o espaço, de forma a se deixar afetar por
ele nas criações.
( ) Appia e Craig se voltaram mais para as relações espaciais promovidas pelo ator.
Assim, as influências não foram tão significativas nas concepções da luz sobre o
espaço cênico.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) F – F – V – V.
b) ( ) F – F – F – V.
c) ( ) V – V – F – F.
d) ( ) V – V – F – V.

15
REFERÊNCIAS
ALEIXO, F. Corporeidade da voz: estudo da vocalidade poética I, Fernando Manoel
Aleixo. Campinas: [s.n.], 2004.

ARTAUD, A. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

CAJAIBA, C. Disposição palco-plateia ao longo da história: lugar e papel do


espectador. In: NAVAS, C.; ISAACSSO, M.; FERNANDES, S. Ensaios em cena. 1. ed.
Salvador: ABRACE, 2010.

CARLSON, M. Teorias do teatro. São Paulo: UNESP, 1997.

COELHO, L. M. A ópera romântica italiana. São Paulo: Perspectiva,2002.

COURTNEY, R. Jogo, teatro e pensamento. São Paulo: Perspectiva, 1980.

CYPRIANO, F. Pina Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

EWEN, D. A história do musical americano. Rio de Janeiro: Lidador, 1961.

FERNANDES, C. Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição


e transformação. São Paulo: Annablume, 2007.

FERNANDES, C. O corpo em movimento: o sistema Laban/Bartenieff na formação e


pesquisa em Artes Cênicas. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2006.

FERNANDES, C. Técnica e tradição: o Sistema Laban/Bartenieff no aprendizado da


dança clássica indiana. São Paulo: Annablume, 2002.

FERNANDES, C. Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e


transformação. São Paulo: Hucitec, 2000.

FERNANDES, C. A dança-teatro de Pina Bausch: redançando a história corporal. O


Percevejo Online, v. 7, n. 7, p. 1, 1999.

GROTOWSKI, J. Em busca de um teatro pobre. Rio de Janeiro: Editora


Civilização Brasileira, 1987.

GROTOWSKI, J. Em busca de um teatro pobre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

1
LABAN, R. Domínio do movimento. 5. ed. Edição organizada por Lisa Ullmann
[tradução: Anna Maria Barros De Vecchi e Maria Sílvia Mourão Netto]. São
Paulo: Summus, 1978.

LEÃO, R. História do teatro: oito aulas da Antiguidade ao Romantismo. Salvador:


Edufba, 2014.

LEHMANN, H. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

LOUIS, L. A comunicação do corpo na mímica e no teatro físico. São Paulo: PUC,

2005. MAGALDI, S. Iniciação ao teatro. São Paulo: Ática, 1986.


MARTINS, M. B. Encenação em jogo: experimento e aprendizagem e criação do
teatro. São Paulo: Hucitec, 2004.

MIRANDA, R. Corpo-espaço: aspectos de uma geofilosofia do corpo em movimento.


Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008.

MOTA, M. Da ópera Studio de C. Stanislavski aos musicais de Brecht: por uma


nova historiografia do teatro. São Paulo: VI Congresso da ABRACE, 2010.

PAVIS, P. A análise dos espetáculos. São Paulo: Perspectiva, 2005.

RAMOS, L. F. O indizível e as obras imaginárias de Klein e Craig. ARJ – Art


Research Journal/Revista de Pesquisa em Artes, v. 1, n. 1, p. 35-47, 2014.

RATTO, G. Antitratado de cenografia: variações sobre o mesmo tema. São Paulo:


Senac 1999.

ROMANO, L. O teatro do corpo manifesto: teatro físico. São Paulo: Perspectiva,

2008. ROMANO, L. O teatro do corpo manifesto: teatro físico. São Paulo:

Perspectiva, 2005. ROUBINE, J. Introdução às grandes teorias do teatro. Rio

de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2003.

STANISLAVSKI, C. A construção da personagem. Tradução Pontes de Paula Lima [da


tradução norte-americana Building a Character]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2009.

STANISLAVSKI, C. A construção da personagem. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 2004.

15
VASCONCELLOS, L. P. Dicionário de teatro. Porto Alegre: L&PM, 1987.

1
15
UNIDADE 3
-

ESPAÇO, LUZ E TEXTO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender as relações estabelecidas entre espaço cênico e cenografia;

• saber a respeito da evolução da iluminação teatral e da relação dela com a cenografia


e com os outros elementos do espetáculo;

• identificar o lugar do texto teatral e a importância dele nos principais movimentos


teatrais ao longo do tempo;

• entender as principais mudanças relacionadas à dramaturgia na contemporaneidade.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – ESPAÇO CÊNICO E ILUMINAÇÃO TEATRAL


TÓPICO 2 – DRAMATURGIA
TÓPICO 3 – DRAMATURGIA CONTEMPORÂNEA

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que fa

1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

Acesse o
QR Code abaixo:
UNIDADE 3 TÓPICO 1—
ESPAÇO CÊNICO E ILUMINAÇÃO TEATRAL

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no Tópico 1, abordaremos dois elementos que são
indissociáveis na construção do espetáculo, e que são de extrema importância para a
constituição das dimensões estética e artística dele: o espaço cênico e a iluminação.

O espaço cênico é o espaço onde a ação cênica acontece. O conceito de


espaço cênico se ampliou, principalmente, a partir do século XX, quando a ação
cênica passou a acontecer com mais frequência, não somente, nos espaços teatrais à
italiana (no palco fechado com três paredes e abertura frontal), mas em espaços
alternativos, sejam eles fechados (salas, prédios, galpões, veículos...) ou abertos
(ruas, passarelas, praças, terraços...), e, até mesmo, nos últimos anos, em um espaço
virtual.

O espaço cênico compreende um outro elemento importante para o teatro:


a cenografia. É ela que estabelece, para o público, a ambientação do espetáculo, e,
algumas vezes, o tipo de gênero teatral, de linguagem (realista, simbólica etc.) e,
até, a ambientação temporal (época em que se passa o espetáculo). Muitas vezes,
principalmente, no teatro contemporâneo, o próprio espaço cênico já compõe a
cenografia do espetáculo, dependendo da proposta artística a ser seguida.

Um outro elemento importante das artes cênicas é a iluminação. Esta ajuda a


compor a cenografia, e, em alguns casos, pode ser a própria cenografia, delimitando a
espacialidade e lhe dando identidade visual.

A luz é um elemento que possui a capacidade, não somente, de melhorar a


visibilidade, mas de realçar as formas cenográficas e arquitetônicas, valorizando o
contorno e lhe atribuindo volume. No espaço cênico, a luz é capaz de modificar um
objeto, de criar diferentes efeitos e atmosferas, e, até mesmo, de gerar emoções.

Somente nos últimos séculos, o teatro deixou de utilizar, exclusivamente, a


luz do dia para a iluminação, sendo, comumente, realizado em um ambiente fechado,
com iluminação artificial. Velas, tochas, lâmpadas a óleo e a gás foram utilizadas
como fontes de iluminação, permitindo gerar efeitos simples, mas, a partir do
momento em que a eletricidade chegou, a iluminação cênica pode ser estudada com
precisão, controlada e utilizada como um elemento artístico com poder de criação.

A iluminação, hoje, é um elemento capaz de criar dramaturgia, de contar uma


história, de significar, e de, realmente, agregar à composição da obra. A seguir, veremos
os elementos que compõem a visualidade do espetáculo e as contribuições para o
conjunto da obra cênica.

14
2 TEATRO E ARTES VISUAIS

FIGURA 1 – ARTES VISUAIS NAS ARTES CÊNICAS - 2017

FONTE: <https://conectedance.com.br/evento/abril-para-dancar/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

As artes cênicas, naturalmente, constituem uma convergência de linguagens,


pois estas são compostas por elementos plásticos, nos quais as artes visuais estão,
sempre, presentes. A união de elementos, como figurinos, adereços, sonoplastia,
trilha sonora executada ao vivo, coreografias, cenografia, iluminação, e, no teatro
contemporâneo, projeções, transmissões de vídeo (muitas vezes, ao vivo), holografias,
e efeitos especiais provindos da linguagem cinematográfica, fazem com que o teatro
seja a linguagem que abarca todas as outras, pois, mesmo que esses elementos não
estejam todos, sempre, no mesmo espetáculo, alguns deles estão presentes com
muita frequência.

Além das ações que acontecem na cena, a visualidade, no teatro, envolve


o espaço cênico, a cenografia, a iluminação, os figurinos, os adereços. Os
profissionais responsáveis pelas concepções devem estar alinhados com o diretor no
que diz respeito às diretrizes do espetáculo, e ter uma noção profunda de formas,
cores, combinações, movimento, além de todo o conhecimento técnico da área em
que atuam. Assim, esses elementos técnicos do espetáculo estão muito próximos das
artes visuais, constituindo, também, objetos artísticos. Cada profissional empreende
uma pesquisa profunda acerca dos aspectos envolvidos no espetáculo, e desenvolve um
projeto para, depois, executá-lo.

Na obra cênica, tudo deve se encaixar como em uma engrenagem, para


que todos os elementos estejam de acordo com a linguagem escolhida e para que
todas as diretrizes estabelecidas gerem um resultado final que una estética e
funcionalidade.
14
A performance, gênero dramático, originalmente, híbrido, transita entre as
manifestações artísticas das artes cênicas e das artes visuais.

ESTUDOS FUTUROS
No último tópico, estudaremos mais a respeito da performance. Termo provindo do inglês, esse g
performance é conceitual, restrita a pouco público, podendo, este, inclusive, não estar presente a
força durante as décadas de 1960 e de 1970.

A seguir, veremos um dos elementos que compõe significado e ambientação no


espetáculo: a cenografia.

2.1 CENOGRAFIA

FIGURA 2 – CENOGRAFIA - 2016

FONTE: <https://www.mercurynews.com/2012/05/30/review-mary-poppins-at-the-san-jose-center-for-
the-performing-arts/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

14
A cenografia é anterior à Grécia antiga, assim como o teatro, pois nascem com
a humanidade e as capacidades de comunicar e de criar ambientações para contar
histórias ou guardar memórias, mas a palavra cenografia, e a utilização desta como
elemento constituinte do espetáculo, originam-se na Grécia antiga, como vimos na
segunda unidade. O termo cenografia deriva, assim como a palavra cena, da palavra
grega skené, que dava nome aos painéis que escondiam as trocas de figurinos. A junção
das palavras Skené (cena) e graphein (desenhar, escrever) deu origem à palavra
skenographia (desenho, pintura) da cena. Com o passar do tempo, as skenés
começaram a ser pintadas ou transformadas em um cenário para a ambientação do
lugar onde o espetáculo se passava.

Patrice Pavis (2003) conceitua a cenografia como uma escritura no espaço


tridimensional, pois o cenógrafo é, também, um artista visual, que cria, projeta, pesquisa,
orienta a confecção de cenários para os espetáculos.

A cenografia ajuda a compor a ambientação simbólica e o clima do


espetáculo, transportando o espectador para o lugar pretendido. Esta, assim como a
iluminação e o figurino, também cria dramaturgia e ajuda a construir a história a ser
contada. Por esse motivo, o cenógrafo deve conversar com todos os outros
profissionais envolvidos na criação do espetáculo, que são orientados, também, pelo
diretor, para que o conjunto da obra final seja coerente com o que é pretendido e
com a linguagem estabelecida para a obra. “Cenografia, hoje, é um ato criativo aliado ao
conhecimento de teorias e de técnicas específicas [...], em outras palavras, criar e
projetar um cenário significam fazer cenografia” (MANTOVANI, 1989, p. 12).

Podemos dizer que um espetáculo sem cenário possui cenografia? Sim! Neste
caso, a cenografia escolhida é a própria configuração espacial na qual está inserido.
Pode envolver a rua de uma cidade, uma sala fechada, uma praça. Os atores terão que
se comunicar com o espaço da mesma forma, e ele, também, criará sentido.

O cenário não se reduz, apenas, a uma fachada decorada ou a um painel


pintado, além de ser um elemento fundamental para criar sentido e promover efeitos
ilusórios. Todas as artes da ação necessitam do cenário, assim como o cinema, o
teatro, a dança, e, muitas vezes, as artes visuais, com performances e instalações. A
cenografia atribui, além dos mais diversos significados à obra, as qualidades de espaço
e de tempo, assim como os atuantes, dos quais depende a realização do
acontecimento da arte, atribuem qualidade teatral à cenografia, com a presença da
ação. Assim,

a cenografia configura o espaço e o tempo dos quais depende a


realização do acontecimento teatral ao mesmo tempo em que a
presença humana, na intenção da encenação, atribui a qualidade
teatral ao espaço e ao tempo. [...] Cenografia é a arte que transcende
ao tempo e ao espaço ao definir as circunstâncias do encontro entre
os homens, que colabora para a especificidade do acontecimento
teatral (COHEN, 2011, p. 39).

A funcionalidade da cenografia faz com que os objetos da cena, ou qualquer


elemento do cenário, não estejam presentes sem utilização, assim como atribui
14
destaque às ações e facilita a movimentação dos atuantes e a relação entre eles.

14
O cenógrafo deve estudar o espaço cênico no qual o cenário será inserido.
Para isso, pode utilizar as plantas baixas do espaço, fazer uma maquete para analisar
a tridimensionalidade da obra, assistir aos ensaios para compreender a movimentação
dos atores e as ações deles, além de compreender os objetivos do diretor.

NOTA
de Noiva, de Nelson Rodrigues, que estreou em 1943, marcando o surgimento do teatro brasileiro moderno.

sucesso.

2.2 DIFERENTES CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS


NO TEATRO CONTEMPORÂNEO
FIGURA 3 – ESPETÁCULO BR 3 NO RIO TIETÊ - 2009

FONTE: <https://www.terra.com.br/istoegente/346/pda/br3.htm>. Acesso em: 24 abr. 2021.

15
No século XX, as configurações do espaço cênico foram sendo desconstruídas,
assim como o saber cenográfico, com as tradicionais formulações dele. As cenografias
e as organizações espaciais do espetáculo passaram a ser pensadas como uma forma
de quebrar a linearidade do espaço/tempo cronológico e literal, dando vazão às
explorações de espaços que, antes, eram vistos como não teatrais.

Os espetáculos de teatro passaram a ser pensados para espaços alternativos,


como salas sem divisão de palco/plateia, sacadas de apartamentos, espaços públicos
históricos, como museus e bibliotecas. Performances passaram a surpreender os
passantes no meio das ruas, em vitrines, em passarelas, em caminhões, em ônibus, em
uma infinidade de espaços nunca, antes, explorados. A figura anterior é do espetáculo
BR 3, realizado em 2006, pela companhia Teatro da Vertigem, de São Paulo, com
direção de Antônio Araújo, grupo conhecido por montagens teatrais em espaços
alternativos. Além desse espetáculo realizado no rio Tietê, em São Paulo, o grupo já
encenou montagens em igreja, hospital, presídio, espaços abertos e em outros lugares
não tradicionais.

Com o advento das novas tecnologias computacionais, o teatro contemporâneo


trouxe um novo saber cenográfico, voltado à utilização de tecnologias digitais e ao
espaço virtual. “Acontecimento que não deve ser entendido como destruição desse
saber cenográfico tradicional, mas, perda de seu caráter hegemônico, pois ele
continua coexistindo com as novas tecnologias” (MAGNAVITA, 2007, p. 105).

A pandemia da COVID-19 evidenciou a utilização desses recursos, que


passaram a ser fundamentais para levar as artes da presença ao espectador, que não
podia frequentar as salas de espetáculos. Os artistas se viram obrigados a repensar as
próprias obras, e o mundo do espetáculo passou a ser pensado para o ambiente
virtual.

A multiplicidade de recursos técnicos proporcionados pelas novas


tecnologias, particularmente, daqueles da desvinculação da relação
figura/fundo, vem promovendo sobreposições de imagens e figuras,
eliminação ou multiplicação (clonagem) delas, permitindo, assim,
esvaziar espaços, eliminar ou adicionar elementos, criando
multidões virtuais de pessoas e de animais, cidades e cenários
siderais, planetários (MAGNAVITA, 2007, p. 105).

Esses recursos tecnológicos ampliam as possibilidades criativas e o


desenvolvimento da cenografia contemporânea, com cenários virtuais, imagens
holográficas, tecnologias com efeitos especiais em 3D etc.

A possibilidade da utilização da internet foi um grande marco para as novas


concepções e inovações cenográficas, permitindo a concretização de imagens que,
antes, faziam parte, apenas, da imaginação.

Esses novos meios tecnológicos ampliaram, ainda mais, as criações abertas


e fragmentadas das artes cênicas contemporâneas, que possuem, como premissa

15
originária, alterar os conceitos de tempo e de espaço.

15
Nas últimas décadas, as novas tecnologias rompem as fronteiras entre o
presencial e o virtual, criando novas possibilidades de compor “realidades” e inúmeros
caminhos para a reformulação da cenografia e do trabalho do cenógrafo.

O ciberespaço, conceito muito recente e complexo,

destrincha-se num ambiente artificial de requisições


computacionais, que são detectadas pelas redes de comunicação e
informação. Assim, são abolidas as regularidades competentes de
um sistema unívoco para a telepresença e sua interconectividade
compartilharem do encantamento virtual (GARCIA, 2008, p. 87).

A internet é o ambiente do ciberespaço, e o hipertexto é um elemento,


sempre, presente nesse espaço.

NOTA
O hipertexto é um termo que se remete a outro texto que abarca conjuntos de informações, como pala

Portanto, a cenografia e o espaço cênico, onde o espetáculo acontece, fazem


parte da visualidade e da estética cênica, e impactam na compreensão da
dramaturgia, criando com ela, ao mesmo tempo em que devem, assim como todos os
elementos do espetáculo, garantir a liberdade do senso crítico-interpretativo do
espectador.

A seguir, veremos um elemento cênico que é indissociável da cenografia,


sendo que a utilização dele compõe com ela, valorizando aspectos desta, e, até
mesmo, criando, por meio dela, ambientação cênica: a luz.

15
3 LUZ CÊNICA

FIGURA 4 – ILUMINAÇÃO - 2018

FONTE: <https://www.ufrgs.br/design-cenografico/normativas/luz-cenica/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A iluminação cênica é diversa da iluminação cotidiana, pois apresenta


possibilidades de promover alterações no espaço, recortar ambientes, modificar
formas, mudar as cores. Pode-se, por meio da iluminação teatral, contar histórias,
reforçar simbologias, construir cenários com a luz (como na figura anterior),
enfatizar objetos e pessoas. Segundo Patrice Pavis (1999, p. 201), “o termo
iluminação vem sendo substituído, cada vez mais, na prática atual, pelo termo luz,
provavelmente, para indicar que o trabalho da iluminação não é iluminar um espaço
escuro, mas, sim, criar a partir da luz”.

O cenógrafo suíço Adolphe Appia, visto anteriormente, propôs, de maneira


inovadora, a iluminação como o principal elemento de criação da ambientação cênica.
As ideias dele foram levadas à frente pelo diretor Gordon Craig, expostas no livro A
Arte do Teatro, de 1905.

Da Idade Média até o século XVIII, as lâmpadas a óleo e as velas de cera ou de


sebo eram utilizadas para clarear o ambiente, mas não tinham efeito direcionador da
luz, pois esta era difusa.

A iluminação artificial, também, foi sendo utilizada no teatro, diferentemente


do teatro grego e romano antigos, nos quais se utilizava a luz do dia. A luz artificial,
no teatro, evoluiu da utilização de velas e de candelabros para as luminárias a óleo,
mas, com a invenção das luminárias a gás, a luz teatral se tornou um pouco mais
eficiente.

15
No final do século XVIII, a invenção da lâmpada de Argand, trouxe evoluções à
iluminação artificial, mas, no século XIX, um objeto, incandescente, sólido, que
poderia ser melhor direcionado, substituiu as chamas.

As lâmpadas a gás e as elétricas incandescentes foram as grandes invenções


do século XIX, sendo que a elétrica incandescente, criada por Thomas Edison, com
filamento de carbono, começou a ser utilizada a partir de 1879.

As primeiras luzes elétricas, no teatro, foram feitas a partir da ribalta, das


gambiarras e das luzes laterais. As possibilidades de criação se ampliaram, e os
iluminadores passaram a criar de forma artística. Além disso, os incêndios, que
destruíram muitos teatros, diminuíram sobremaneira.

NOTA
es da luz elétrica, posicionavam-se velas e candelabros com esse fim. Hoje, a ribalta se encontra em desuso.

Aperfeiçoadas até hoje, as lâmpadas de descarga elétrica surgiram na segunda


década do século XX, e em vários formatos, sendo produzidas em escala comercial.

Os artistas tentavam resolver as questões de visibilidade, principal


preocupação relativa à iluminação artificial, mas as fontes luminosas, ainda, eram
muito precárias. A luz era instável, pouco eficiente e sem direcionamento efetivo.
Foram aparecendo diferentes ideias para contornar os problemas, como a de utilizar
vidros côncavos cheios de líquidos de diferentes cores, para a transformação das
luzes, e começaram a estar presentes os objetos de superfície refletora, como
espelhos, para refletirem a luz.

Reduzir a iluminação da plateia e intensificar a luz no palco eram grandes


preocupações. Quando essas técnicas foram consolidadas, passaram a causar um
efeito hipnótico, direcionando o olhar do público para o palco, com a elevação deste a
um outro patamar, o da ficção.

A partir do século XX, a luz começou a ser controlada com fins estéticos
e emocionais, pois esta possui as finalidades de impactar pelo efeito visual e de
criar o clima adequado para as emoções sugeridas pelo espetáculo. Passou

15
a “modelar, modular, esculpir um espaço nu e vazio, dar-lhe vida, fazer dele aquele
espaço do sonho e da poesia, ao qual aspiravam os expoentes da representação
simbolista” (ROUBINE, 1982, p. 22).

A luz e outros elementos técnicos do espetáculo passaram a ser vistos


como elementos criadores e relacionais, os quais, na comunicação e nas relações
criadas com os atores e com os outros elementos do espetáculo, também,
produzem um tipo de dramaturgia visual, auxiliando na criação da tessitura do
espetáculo.

A luz, porém, não é um recurso de fora que é chamado para a cena só com
o objetivo de torná-la visível, embelezá-la, recortá-la, acrescentar-lhe

uma nova cor ou mudar sua configuração visual. Como a iluminação


trabalha com a luz e luz é o que reflete das superfícies, por
conseguinte, não se pode pensar em luz como algo que se dá a
conhecer por si mesmo, mas, sim, através da relação com uma
outra coisa, no caso, a superfície que ela ilumina (CAMARGO, 2006,
p. 22).

Com o objetivo de tornar a iluminação cênica mais estética e funcional,


muitos aparelhos com lâmpadas especiais e lentes diversas surgiram, e, com isso, as
lentes de abertura de foco; as regulagens de posição fixas ou móveis; e os suportes
para filtros coloridos, como as “gelatinas”, uma espécie de plástico colorido encaixado
na “máscara” do refletor.

Nos dias de hoje, temos vários equipamentos refletores que tornaram o


direcionamento mais preciso, assim, pode-se detalhar cenários e objetos, além de
iluminar de vários ângulos, valorizando as diferentes dimensões

Nas últimas décadas, surgiram vários tipos de refletores, como o Fresnel, os


utilizados com lâmpadas Par, os canhões seguidores (para longas distâncias), e os
projetores elipsoidais, para recortes específicos da luz, que permitem inúmeras
formas de criação. Com o Rack, é possível fazer o controle da potência da luz, e as
Mesas Mixer armazenam a programação, podendo ter sistemas e número de canais
distintos.

Por meio dessas invenções, a iluminação foi ganhando, cada vez mais, um
patamar artístico, somando-se à criação do espetáculo e auxiliando à dramaturgia,
elemento que veremos no próximo tópico.

15
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As ações que acontecem na cena, o espaço cênico, a cenografia, a iluminação,


os figurinos e os adereços são elementos que compõem a visualidade das artes
cênicas.

• A cenografia ajuda a compor a ambientação simbólica e o clima do espetáculo,


transportando o espectador para o lugar pretendido. Esta, assim como a iluminação
e o figurino, também, cria dramaturgia e ajuda a construir a história a ser contada.

• No século XX, as configurações do espaço cênico foram sendo desconstruídas, assim


como o saber cenográfico e as normas tradicionais. As cenografias e as organizações
espaciais do espetáculo passaram a ser pensadas como uma forma de quebrar a
linearidade do espaço/tempo cronológico, dando vazão às explorações de espaços
que, antes, eram vistos como não teatrais.

• A iluminação cênica é diversa da iluminação cotidiana, pois apresenta


possibilidades de promover alterações no espaço, recortar ambientes, modificar
formas, mudar cores. Pode-se, por meio da iluminação teatral, contar histórias,
além de reforçar simbologias, construir cenários com a luz, e enfatizar objetos e
pessoas.

15
AUTOATIVIDADE
1 O cenário de um espetáculo, de um filme, de um comercial, ou, até mesmo, de
uma exposição de artes visuais, é a conjunção de vários elementos que podem
determinar a atmosfera, a linguagem artística, o espaço-tempo, a partir dos quais a
dramaturgia possa se manifestar, com as intenções de tirar o espectador do
ambiente real dele e de transportá-lo para o ambiente ficcional. A respeito da
cenografia de um espetáculo, é CORRETO afirmar:

a) ( ) Um espaço cênico não pode constituir a própria cenografia de um espetáculo.


b) ( ) O cenógrafo é o profissional responsável pela criação dos figurinos, dos adereços
e dos cenários de uma obra cênica ou audiovisual.
c) ( ) O cenógrafo é um profissional responsável pela criação do cenário, com
liberdade de criação, mas deve estar alinhado com a criação do espetáculo
proposta pelo diretor, com a linguagem artística a ser utilizada e com os outros
elementos.
d) ( ) A cenografia é um elemento que reproduz as indicações do autor do texto ou do
roteiro. Portanto, o cenário não auxilia na criação do todo da obra cênica.

2 A iluminação e a cenografia são elementos indissociáveis na criação da obra cênica.


Uma valoriza a outra e agrega à composição. Acerca dessa relação, é CORRETO
afirmar:

a) ( ) Na Grécia Antiga, a iluminação artificial era tão pesquisada e desenvolvida quanto


a arquitetura teatral.
b) ( ) A iluminação cênica é diversa da iluminação cotidiana, pois apresenta
possibilidades de promover alterações no espaço, recortar ambientes,
modificar formas e mudar cores.
c) ( ) A iluminação cênica pode contribuir com a criação de diferentes planos espaciais,
mas não altera a percepção visual do espaço.
d) ( ) Reduzir a iluminação do palco e intensificar a luz da plateia, para evidenciar
a presença do público, sempre, foram grandes preocupações. Quando
essas técnicas foram consolidadas, passaram a causar um efeito hipnótico,
impulsionando a ficção.

3 A partir do século XX, as tendências são diversas no que diz respeito às concepções
do espaço cênico e da cenografia, pois acompanham a diversidade estética dos
diretores e as inovações artísticas deles, dissolvendo fronteiras entre o real e o
imaginário, além de ampliar os limites do teatro tradicional e ganhar novos espaços
não convencionais. Um desses profissionais que ficou conhecido pelo trabalho
diferenciado na criação cenográfica, a partir da década de 1980, foi:

15
a) ( ) Nelson Rodrigues.
b) ( ) Plínio Marcos.
c) ( ) Daniela Thomas.
d) ( ) Maria Clara Machado.

4 O cenógrafo suíço Adolphe Appia propôs uma visão inovadora acerca da iluminação
cênica, posicionando-a como principal elemento de criação da ambientação cênica.
O diretor Gordon Craig, igualmente inovador, levou adiante as ideias de Appia,
expostas no livro A Arte do Teatro, de 1905. A respeito do desenvolvimento da
iluminação, analise as sentenças a seguir:

I- No final do século XVIII, a invenção da lâmpada de Argand, trouxe grandes


evoluções à iluminação artificial, mas, no século XIX, um objeto incandescente
sólido, que poderia ser melhor direcionado, substituiu as chamas.
II- Com o objetivo de tornar a iluminação cênica mais estética e funcional, muitos
aparelhos com lâmpadas especiais e lentes diversas surgiram, e, com isso, as
lentes de abertura de foco, as regulagens de posição fixas ou móveis, e os suportes
para filtros coloridos.
III- Os artistas, ao longo do tempo, tentaram resolver as questões de visibilidade da
cena com os recursos disponíveis nas épocas deles. Nesse quesito, o advento da
luz elétrica tornou a cena mais visível, mas diminuiu a eficiência do
direcionamento da luz, o que era mais preciso a partir da iluminação realizada
com a luz de chamas, como velas e candelabros, posicionados na ribalta.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.

5 Nas últimas décadas, as novas tecnologias romperam as fronteiras entre o


presencial e o , criando novas possibilidades de compor “realidades” e inúmeros
caminhos para a reformulação da cenografia e do trabalho do cenógrafo. O advento
da internet criou um novo espaço cênico a explorar: o . Assinale a
alternativa CORRETA, a qual menciona as duas palavras que completam os espaços
vazios do enunciado, respectivamente:

a) ( ) Virtual e ciberespaço.
b) ( ) Lúdico e presencial.
c) ( ) Real e imaginário.
d) ( ) Ficcional e sensorial.

15
6 A primeira encenação de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, estreou em
dezembro de 1943, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com o grupo Os
Comediantes. Com direção do polonês Z. Ziembinski, a cenografia de Tomás
Santa Rosa foi realizada de forma inovadora, contemplando três planos dramáticos
estabelecidos pela dramaturgia. O texto, a encenação e as inovações dos
elementos visuais levaram alguns estudiosos a considerarem o espetáculo como
fundador do Teatro Brasileiro Moderno. Assim, explane as funções da cenografia em
um espetáculo teatral.

7 Na mesma encenação de Vestido de Noiva (1943), de Nelson Rodrigues,


foram utilizados, aproximadamente, duzentos movimentos de luz, os quais
acompanhavam as intensidades dramáticas, um procedimento inédito no teatro
brasileiro. Então, disserte a respeito das relações entre a iluminação e a cenografia
em um espetáculo teatral.

16
UNIDADE 3 TÓPICO 2-
DRAMATURGIA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no Tópico 2, estudaremos a Dramaturgia, palavra originada
dos termos gregos drama (ação, feito) e dran (fazer, realizar), mais os termos ergos
(trabalhador, engendrador) e ergon (trabalho). Por esse motivo, a palavra dramaturgia
denomina os textos escritos para representarem a ação, e o dramaturgo é aquele que
escreve os textos dramatúrgicos.

A arte cênica é a arte da ação, e, por mais que o texto falado possa não ser
utilizado em alguns espetáculos, a arte cênica necessita de um roteiro que norteie as
ações do espetáculo. Neste tópico, estudaremos o lugar do texto literário
(dramatúrgico ou dramático) nos principais movimentos das artes cênicas ao longo do
tempo. Esse “lugar” determina mudanças significativas que reverberam na criação
cênica como um todo. A importância dada ao texto em cada época, a linguagem e a
dinâmica interferem, substancialmente, nos outros elementos criativos do espetáculo.

Neste tópico, veremos as mudanças dramatúrgicas ocorridas a partir do século


XX, pois, mesmo que o teatro tenha, como parâmetro, ou ponto de partida, um texto
literário, na contemporaneidade, tomou outros caminhos, como forma de explorar
linguagens comunicativas e de questionar a unidade dramatúrgica com início, meio e
fim, dando origem a outras possibilidades de criação do texto dramático.

Como vimos, outras manifestações artísticas surgiram dessas novas


experiências, como o Teatro Físico, que pode, ou não, apresentar um texto falado,
mas que, geralmente, possui uma dramaturgia que parte da ação, e não de um texto
literário prévio. Assim como a construção coletiva, o texto que parte da ação é uma
das constituições dramatúrgicas utilizadas no teatro contemporâneo.

De qualquer forma, o dramaturgo é aquele que escreve o texto teatral, apesar


de todos os outros elementos do espetáculo, também, criarem dramaturgia (no
sentido de tessitura - termo utilizado pelo criador da antropologia teatral, Eugenio
Barba), pois, hoje, reconhece-se que todos os elementos do teatro são
responsáveis pela criação final, sendo, o espetáculo, a união entre texto literário e
texto espetacular (todos os componentes criativos do espetáculo).

A partir de agora, veremos, ainda, o teatro pós-dramático, cuja criação


dramatúrgica subverte as convenções formais relativas ao texto teatral.

16
2 A DRAMATURGIA AO LONGO DO TEMPO
A história do teatro é indissociável da história da dramaturgia, da dimensão
literária. O texto dramático é um gênero literário de extrema importância artística, pois é
testemunho de uma época, memória de um povo, sendo que sobrevive aos séculos,
não somente, como escritura de palavras, mas como escritura da ação, da cultura.

Apesar de o conceito de estrutura dramática estar, sempre, associado ao


teatro, ele passou a ser utilizado no cinema e na televisão, pois, mesmo que as
linguagens artísticas sejam diferentes, compartilham das mesmas bases narrativas
e princípios estruturais.

A dramaturgia, escrita e estruturada formalmente, teve início na Grécia, e foi


tratada na Poética de Aristóteles, uma obra que trata da teoria dramática, e que foi
escrita por volta de 335 a.C. Analisando a tragédia, o filósofo definiu uma relação
entre personagem, diálogo e ação. Apresentou as próprias ideias de estruturação do
texto e analisou as reações do espectador. Essa estrutura, definida por Aristóteles, é
tomada, como base, até hoje, sendo definidos, os textos que se encaixam nessa
estrutura apresentada por ele, como teatro aristotélico.

A seguir, veremos a importância do texto dramático na Antiguidade Clássica.

2.1 O LUGAR DO TEXTO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA

FIGURA 5 – TEATRO GREGO - 2004

FONTE: <http://teatro-tudosobreteatro403yahoo.blogspot.com/2010/05/o-primeiro-ator-da-grecia-
antiga-tespis.html>. Acesso em: 24 abr. 2021.

16
Como visto anteriormente, o teatro grego teve início no século VI a.C., em
Atenas, onde passou a ocupar uma posição muito importante na sociedade. Por
consequência, o incentivo à escrita dramatúrgica era muito intenso, gerando,
inclusive, inúmeros concursos do gênero.

Os textos teatrais eram muito importantes para o teatro grego, e havia uma
forte interdependência entre dramaturgia e outros elementos do espetáculo, desde a
música até a ambientação cênica, assim como um grande envolvimento do público
com os textos, consumidos, com frequência, nos festivais competitivos, os quais
revelaram os grandes autores trágicos.

O número restrito de personagens; o fato de os homens representarem


papéis masculinos e femininos; e a enorme distância espacial entre atores e público,
em espaços com centenas de espectadores, fizeram com que os elementos cênicos
de caracterização e de ambientação, como máscaras, figurinos, cenários, vozes e
gestualidade, tornassem-se, extremamente, importantes para a concretização do
texto teatral. Na figura anterior, inclusive, podemos ver um ator grego segurando
uma máscara, elemento imprescindível no teatro da Grécia antiga, pois, devido à
distância, as expressões faciais do ator não podiam ser visualizadas. As máscaras
tinham um tamanho grande e expressividade forte, o que identificava as emoções
suscitadas pelos personagens.

Quando o ator passou a trocar de figurino durante os espetáculos, as peças


passaram a ser divididas em episódios com intervalos, os quais, mais tarde, foram
preenchidos por interlúdios musicais.

Os principais dramaturgos que ganharam notoriedade foram Ésquilo (525 a.C.


- 456 a.C.), que inovou a tragédia, acrescentando um segundo personagem;
Sófocles (496 a.C - 406 a.C.), que acrescentou um terceiro personagem e a ideia da
ambientação cênica por meio de cenários pintados; e Eurípides (484 a.C - 407 a.C.),
conhecido por diálogos inteligentes e por retratar as inquietações femininas.

As peças eram reproduzidas para serem amplamente estudadas, até


mesmo na educação das crianças.

A tragédia grega possuía, em sua maioria, enredo inspirado nos mitos


gregos, que, frequentemente, faziam parte da religiosidade desse povo. As
temáticas giravam em torno dos direitos morais e dos dilemas trágicos da vida do
herói, principal elemento da tragédia, cuja retórica era exemplar e persuasiva. O
texto proferido pelo herói era o centro da atenção do público. Para Aristóteles,

a tragédia é a imitação de uma ação de caráter elevado,


completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e
com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas
partes [do drama], imitação que se efetua não por narrativa,
mas mediante atores, e que, suscitando o “terror e a piedade,
tem, por efeito, a purificação dessas emoções” (ARISTÓTELES,
2011, p. 205).

16
Geralmente, no início da peça, apresentava-se o herói trágico como um
homem jovem, forte e no ápice da prosperidade e do sucesso. Ele tenta equilibrar as
próprias virtudes e os defeitos durante todo o tempo. Um exemplo de herói é o
personagem Édipo, da tragédia de Sófocles.

De forma brusca, o herói se depara com a inevitabilidade do próprio destino, e


se vê vitimado por um acontecimento trágico que o arremessa a um mundo obscuro.
Por meio das inúmeras qualidades dele, consegue reagir e agir diante dos próprios
sofrimentos, demonstrando o nobre caráter, a maneira digna através da qual suporta a
derrocada e com a qual se mantém forte e focado em seus desígnios.

A coexistência dos dois polos é a essência do trágico. Os opostos, como lucidez


e confusão mental, inocência e culpabilidade, medo e coragem, andam juntos. Assim,
como o herói comete crimes hediondos e sente o peso da culpa pelo incesto e pelo
parricídio cometidos, também, é inocente, por não saber que o homem que matou era
seu pai e que a mulher pela qual se apaixonou era sua mãe, concretizando o papel de
vítima diante de um destino inevitável. O herói, atingido por uma maldição ancestral,
não pode fugir do que atingirá, inclusive, os seus descendentes.

O herói entra em contato com forças que não pode alterar, descobrindo a
impotência dele diante do que já está traçado. A tragédia é caracterizada pela
pequenez do ser diante do destino e dos deuses. O público, quando percebe que o
herói cometeu erros involuntários, apieda-se dele. Esse artifício da tragédia

deixa mais espaço para a tessitura de elementos, essencialmente,


trágicos na trama, sugerindo intervenção da fatalidade, do
destino, das maldições, portanto, do imprevisto, do imerecido, do
incompreensível. Isso explica porque parecem “mais trágicas” as
tragédias nas quais padecem não os culpados, mas aqueles que se
tornam culpados pelo destino (GIMENES, 2009, p. 43).

As primeiras tragédias tinham, apenas, um personagem/ator que


personificava os deuses. Posteriormente, o personagem principal passou a dialogar
com o líder do coro, que continha até quinze pessoas, as quais cantavam e dançavam.
Os atores homens representavam os personagens masculinos e femininos, pois as
mulheres eram impedidas de participar de apresentações teatrais. O coro representa,
na tragédia, a voz da sabedoria popular, e “assume um ponto de vista privilegiado
e, totalmente, excepcional, que não é concebido, normalmente, aos humanos. A
partir desse ângulo, ele vê, por um momento — num “piscar de olho” –, que o
entendimento humano não seria capaz de conceber” (ROSENFIELD, 2000, p. 109).

O coro, analisando e criticando os personagens, exerce o papel de


intermediário, um “eco da sabedoria popular, traço-de-união entre público e atores”
(BRANDÃO, 1992, p. 51).

16
Aristóteles (1987, p. 218) escreve, no capítulo XVIII, da Poética, que “o coro,
também, deve ser considerado como um dos atores; deve fazer parte do todo e da ação”.

NOTA
Aristóteles, filósofo grego do período clássico da Grécia antiga, foi aluno de Platão e professor de Alexa
nos dias de hoje. É uma teoria muito consistente, a qual envolve a tragédia e o teatro gregos, a es

Aristóteles descreve em sua Poética, a configuração ideal da dramaturgia da


tragédia grega, que, quando realizada, produziria a catarse, a purificação das
emoções dos espectadores. O espectador produziria os sentimentos de compaixão
em relação ao herói e de temor em relação ao próprio futuro, repensando na
trajetória e nas ações dele por meio do sofrimento. A tragédia seria um remédio para
a alma, auxiliando na expurgação das dores e dos sofrimentos do espectador,
causando a sensação de alívio ao fim de cada experiência. A expurgação gera a
libertação e a purificação, o que seria a catarse (katharsis), termo que significa alívio,
prazer.

A catarse é, então, conforme Aristóteles, o efeito da realização do


drama, efeito este que vai do horror e piedade à purificação. A
catarse, como horror ou piedade, pressupõe que o sujeito da
recepção da obra seja acometido por esses sentimentos resultantes
do efeito produzido pela encenação, ou seja, o espectador coletivo
sofre o efeito trágico, sentindo piedade e horror do herói
desafortunado (GIMENES, 2009, p. 39).

Os principais autores e tragédias são :

• Eurípedes: Medéia (431 a.C.); Electra (420 a.C.); Héracles (416 a.C.); Ifigênia (414 a.C.);
As Bacantes (405 a.C.).
• Sófocles: Ajax (443 a.C.); Antígona (442 a.C.); Édipo Rei (427 a.C.); Édipo em
Colona (401 a.C.).
• Ésquilo: Os Persas (472 a.C.); Sete Contra Tebas (467 a.C.); As Suplicantes (463 a.C.);
Trilogia Agamêmnon; Coéforas e Eumênides (458 a.C.).

Os concursos de dramaturgia, também, inspiraram a criação dos textos

16
cômicos, utilizados para entreter a plateia.

16
Ao contrário da tragédia grega, as peças cômicas, do mesmo período,
ridicularizavam a mitologia e os membros da alta sociedade ateniense.

A exploração cômica das questões sexuais e das funções corporais era


levada ao extremo na dramaturgia cômica. Pinturas de vasos e esculturas da
época, do comediógrafo Aristófanes (450 a.C. - 387 a.C.), retratam atores cômicos
usando máscaras grotescas e calças com falos gigantes.

A parte central da comédia antiga ateniense, na segunda metade do


século V a.C., tem a ver, também, com o desempenho individual, e
é composta pelo agôn e pela parábase. Via de regra, as comédias
possuíam um herói cômico lutando contra algo a ser derrotado. O
agôn era o debate travado entre essas duas opiniões contrárias,
sendo que uma deveria sair vencedora, tal como em outros aspectos
da vida cotidiana, entre os atenienses do período democrático, que
prezavam por um espírito de competição (CORDEIRO, 2015, p. 25).

No século IV a.C., a “Nova Comédia” teve, como autor principal, Menandro (343
a.C. - 291 a.C.), que reformulou a dramaturgia cômica, pois sofreu restrições oficiais,
diminuindo a obscenidade e tornando a comédia mais tranquila e rebuscada. As
temáticas giravam em torno das questões familiares, do amor, das relações sociais. A
dramaturgia era focada na vida da elite grega, tratando de histórias despolitizadas
e desmitologizadas ao contrário da tragédia.

Apesar das inovações, as comédias possuíam uma estrutura principal. Os


diálogos entre o ator e o coro apresentavam, essencialmente, função didática, e se
relacionavam aos discursos públicos e aos debates realizados na assembleia.

Principais autores e peças cômicas:

• Menandro: O Misantropo (318 a.C.).


• Aristófanes: As Nuvens (423 a.C.); As Vespas (422 a.C.); Lisístrata (411 a.C.).

A comédia e a tragédia eram muito populares na Grécia, e influenciaram os


teatros helenístico e romano.

Nas terras de domínio romano, as peças gregas foram traduzidas para o latim.
Muitas tragédias da época romana antiga se perderam, restando completas algumas de
Sêneca, as quais, também, influenciaram o teatro renascentista inglês.

A pantomima, gênero burlesco que se inspirou nas temáticas da tragédia


grega, tomou a cena com o mimo, que possuía estética grotesca.

A “Nova Comédia” grega influenciou os autores romanos, como Plauto (254


a.C.? -184 a.C.?) e Terêncio, Publius Terentius Afer (185 a.C. - 159 a.C.). De forma
paralela à comédia, tradições persistiam, como as peças phlyax (farsas acrobáticas) e
atelanas,

16
populares no século III a.C., na Roma antiga, cujos personagens-tipo se parecem com
os da Commedia Dell'Arte, manifestação teatral posterior, apesar de a influência não
ser comprovada historicamente.

O texto teatral deveria ser uma ocasião para o ator romano


apresentar toda a sua técnica, pois, de outra forma, o público
abandonaria a apresentação para assistir a outros espetáculos. [...]
“Compreendemos que Plauto adaptou, ao seu público, as suas
peças, utilizando as possibilidades cômicas do teatro de
improvisação, já presentes em Roma, porque, de outra forma,
certamente, as suas peças não teriam obtido o sucesso que tiveram,
não somente em sua época, mas, também, em períodos
posteriores” (VOGTSPIRA, 1998,
p. 114). As comédias de Plauto são, portanto, uma síntese de duas
tradições teatrais, fundamentalmente, diferentes: a grega e a
itálica (FERREIRA, 2012, p. 31).

As lutas mortais, dos gladiadores com animais selvagens, e o gosto dos


espectadores pelas mortes públicas e cruéis de condenados, diminuíram o
interesse por textos teatrais.

Quando o Império Romano entrou em decadência e se dividiu, a parte


ocidental foi invadida por povos germânicos, que proibiram o teatro, restando,
apenas, algumas dramatizações cristãs. Textos teatrais, originários da igreja oriental
bizantina, em Constantinopla (que veio a ser Istambul), foram perdidos com a invasão
turca.

Como podemos ver, peças criadas séculos antes de Cristo continuam a inspirar
o público contemporâneo, reforçando o caráter atemporal, por tratar de temas
universais. A seguir, estudaremos o texto dramatúrgico na Idade Média e no
Renascimento.

2.2 O LUGAR DO TEXTO NA ÉPOCA MEDIEVAL, NO


RENASCIMENTO E NO BARROCO
FIGURA 6 – IDADE MÉDIA - 2019

16
FONTE: <https://culturalarte.com/la-edad-media/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

16
A época medieval, ou Idade Média, inicia com a queda do Império Romano
do Ocidente (476 d.C.), e se encerra com a tomada da capital do Império Bizantino
(Constantinopla), pelos turcos-otomanos (1453). A dramaturgia romana permaneceu
acessível, devido à língua oficial continuar sendo o latim. A dramaturgia clássica
continuou sendo o parâmetro de estrutura dramatúrgica, mas as manifestações
populares ganharam força, e, o mimo, apesar das proibições, manteve-se forte,
perpassando o mundo clássico. Os artistas ambulantes, os atores de feira, os
acrobatas, os menestréis, as tradições folclóricas e as festas pagãs se tornaram
populares e se espalharam por toda a Europa, ganhando, o teatro improvisacional,
importância semelhante ao teatro literário, cujo ponto de partida era o texto
dramatúrgico.

As liturgias da Páscoa, da Paixão e do Natal ganharam textos dramatizados a


partir do século XIII. Como vimos no primeiro tópico, esses dramas litúrgicos,
inicialmente, eram limitados ao interior das igrejas (como na figura anterior, com o
público ao redor do palco, uma plataforma elevada), inspirando a criação de
dramaturgias religiosas que, posteriormente, saíram delas para os pátios e ruas. Para
tornar os textos mais compreensíveis, as línguas vernáculas (idioma próprio de cada
país) passaram a ser adotadas, e uma parte dos textos cantados virou diálogos.

O teatro da Idade Média é tão colorido, variado e cheio de vida e


contrastes quanto os séculos que o acompanham. Dialoga com
Deus e o diabo, apoia o seu paraíso sobre quatro singelos pilares,
e move todo o universo com um simples molinete. Carrega a
herança da Antiguidade na bagagem, como viático; tem o mimo
como companheiro; e traz, nos pés, um rebrilho do ouro bizantino.
Provocou e ignorou as proibições da igreja e atingiu seu esplendor
sob os arcos abobados dessa mesma Igreja (BERTHOLD, 2005, p.
185).

Os Autos Sacramentais (subgênero da literatura dramática surgido na Espanha,


no século XII), chamados de Mistérios na Inglaterra e na França, possuíam textos
dramatúrgicos em língua vernácula. A partir do momento em que as
dramatizações saíram do interior e das proximidades das igrejas, interlúdios cômicos,
pequenas farsas passaram a ser apresentadas nos intervalos. As peças eram
apresentadas nas praças públicas, com inúmeros atores. Os espetáculos duravam
dias.

[...] Uma vez que a dramaturgia conquistara um tema rematado nas


narrativas bíblicas e se tornara flexível, ainda, compreensível para
aqueles que não conheciam o latim, dela, podiam se encarregar
laboriosas classes médias das cidades. Ademais, as representações
transcenderam os limites físicos das catedrais e tiveram de ser
encenados no adro; finalmente, foram transferidas para as ruas e
praças públicas. Mais uma vez, como na Grécia, o drama deixou a
Igreja (GASSNER, 1974, p. 162).

17
Como já visto, no século XV, três gêneros principais de dramaturgia se
desenvolveram: as Moralidades, com temáticas religiosas e sociais, com personagens
alegóricos representando a humanidade, a morte, o bem, o mal, dentre outros; os
Milagres, que narravam a vida dos santos; e os Mistérios, que eram voltados à
educação moral e versavam a respeito da história da religião, dos dogmas, dos
pecados capitais e dos valores éticos, decadentes na estrutura feudal.

A obra atribuída a Fernando de Rojas (1465-1541), La Celestina, ou Comedia


de Calisto y Melibea (1499), é um dos textos mais importantes dessa época, e exerceu
forte influência na dramaturgia europeia. Esse texto apresentava elementos
humanistas e marcou a comédia clássica.

Gil Vicente (1465-1536), autor português do século XVI, escreveu Autos


repletos de elementos medievais, mas com um prenúncio de elementos da
dramaturgia renascentista.

Como vimos, após a invasão germânica, e a queda do Império Romano,


a revalorização das ciências e das artes trouxe a imitação dos modelos clássicos
greco-romanos.

O humanismo passou a centralizar o homem, fazendo com que, até a


Igreja, sofresse reformulações para se adaptar às ideias humanistas, o que gerou um
grande desenvolvimento da arte profana.

A redescoberta das dramaturgias grega e romana difundiu os textos que


influenciaram a dramaturgia da época. Ludovico Ariosto (1474-1533), poeta épico
italiano, foi influenciado pela comédia clássica.

A influência da tragédia grega, na tragédia italiana, representada pela obra de


Sêneca (Lucius Annaeus Seneca - 4 a.C. - 65 d.C.), não durou tanto, em comparação
à influência das comédias clássicas, representadas pelas comédias eruditas dos
autores Plauto e Terêncio, dirigidas à aristocracia. A obra mais importante, produzida
por meio dessa influência, foi Mandrágora (1524), de Nicolau Maquiavel (1469-1527).

Angelo Beolco (1502-1542), nascido em Pádua, com o nome artístico


Ruzzante, organizou uma das primeiras companhias profissionais do século XVI. Os
personagens-tipo, de Ruzzante, são considerados os precursores dos tipos
fixos (máscaras, ou zanni - Arlequim, Polichinelo, Colombina etc.) da Commedia
Dell'Arte (gênero teatral italiano, com diálogos improvisados, e que tem, como
norte, um roteiro de ações, chamado de Canovaccio).

Os atores passaram a atingir um alto nível de virtuosismo, e impulsionaram


o surgimento de inúmeros grupos profissionais. A Commedia Dell'Arte adentrou nos
palácios, e muitos deles adotaram grupos fixos. A Commedia fez sucesso, também,
fora da Itália, sobretudo, na França (século XVII), influenciando a dramaturgia de

17
Jean-

17
Baptiste Poquelin, conhecido como Molière (1622-1673), e de Shakespeare. Mais
adiante, as comédias de costumes, de Carlo Goldoni (1707-1793), na Itália, e os
personagens de Pierre Marivaux (1688-1763), na França. A dramaturgia e os
procedimentos da Commedia influenciam o teatro, como um todo, até os dias de hoje.

No Século de Ouro espanhol, século XVI, muitos atores profissionais se


estabeleceram em países da Europa, como Espanha e Inglaterra, como Lope de Rueda
(1510-1565), dramaturgo e escritor.

Como vimos anteriormente, os corrales (quintais) espanhóis eram espaços


entre as casas, nos quais eram encenados espetáculos para todas as classes sociais.

Enquanto o público do maneirismo era composto por aristocratas


e uma classe média, o público do barroco vê a entrada do vulgo
nos tablados e ‘corrales’, já que este, agora, compunha a massa
manufatureira e começava a frequentar as apresentações dos
muitos grupos de teatro que se espalharam na Europa e, inclusive,
na Nova Espanha (México). Contudo, os principais dramaturgos,
situando-me no governo de Felipe III, estavam a serviço dos
interesses da Coroa, mas, também, tentavam agradar um
espectador que, mesmo sem linhagem, podia pagar pelas
apresentações de suas obras e lotava os espetáculos,
principalmente, nas festas religiosas, como as festas de Corpus
Christi. Podemos afirmar que as festas religiosas tiveram grande
importância para a manutenção dos gêneros artísticos, como o
teatro, a dança e a música (SANTOS, 2015, p. 12).

Os empresários dos espetáculos foram, também, os primeiros autores desse


gênero. O teatro comercial deles dava oportunidade para a utilização repetitiva de
cenas que entravam no gosto do público e para o plágio. Eram comuns as apropriações
de textos de outros autores, sem autorização.

Dessa duplicidade do dramaturgo, ou seja, servir à Coroa e divertir


o vulgo, estabelece-se um conflito interior: apesar de terem uma
base artística clássica, deviam se adaptar aos gostos da classe não
culta, mas que mantinha, economicamente, o teatro atuante. Logo,
as peças teatrais contemplavam esses estamentos, não só porque
o teatro vinha de uma estrutura palaciana, mas, também, porque
dependia do arcabouço financeiro do novo público, o qual pedia um
teatro de entretenimento (SANTOS, 2015, p. 12).

Os dramaturgos mais importantes do Século de Ouro foram Lope de Vega


(1562- 1635), que escreveu mais de mil e quinhentos textos, e Calderón de la Barca
(1600-1681), que escreveu o drama A Vida é Sonho (1635), um dos textos mais
conhecidos dele. Além das tragédias e das comédias, escreveram zarzuelas, um gênero
espanhol de teatro musical.

Surgiu, também, na época, o entremez, correspondente aos intermezzi


italianos (peças curtas e cômicas apresentadas entre os atos das tragédias), como O
Retábulo das Maravilhas, de Miguel de Cervantes (1547-1616), o mais importante

17
autor espanhol desse gênero.

17
Na Espanha, Lope de Vega era indiferente às normas clássicas, e foi criticado
por Cervantes, defensor do classicismo. Vega se justificou em Arte Nuevo de Hacer
Comedias en Este Tiempo (1609), livro no qual afirma conhecer as regras, mas ignorá-
las propositalmente, para não comprometer a própria liberdade de criação.

Tirso de Molina (1583-1648) se destacou com o seu Don Juan, em El Burlador


de
Sevilla y Convidado de Piedra (1630), marcando, para sempre, o teatro moderno.

A Inglaterra protestante não se deixou atingir pelos textos neoclássicos italianos,


já que esta era avessa à tradição latina e apegada às tradições nacionais.

O teatro inglês elisabetano, que vimos anteriormente, com sua configuração


espacial diferenciada, adaptou o drama religioso medieval a temas profanos, e deu
início ao teatro moderno inglês.

A Reforma impulsionou a criação de interlúdios cômicos, os quais


satirizavam os textos dramatúrgicos católicos, originados dos Milagres e das
Moralidades, causando manifestações e tumultos. Dessa forma, os dramaturgos eram
censurados com frequência, e os locais de apresentações passaram a ser liberados,
apenas, com licenças oficiais.

O fato é que, sem os recursos visuais, o teatro elisabetano se baseava,


essencialmente, no poder da palavra enunciada. A melodia do discurso se adequava
a uma época, extremamente, sonora: a música permeava a rotina, estava presente
nos espetáculos e era uma das aptidões do teatro elisabetano. A poesia, gênero mais
desenvolvido do renascimento inglês, apoiava-se na exploração da melodia das
palavras. O teatro elisabetano, cujos textos eram, em grande parte, em verso,
evidenciava a importância da palavra, de tal forma que não se dizia “vou assistir a
uma peça”, e, sim, “vou ouvir uma peça”.

Como visto anteriormente, os primeiros teatros cobertos ingleses surgiram


na segunda metade do século XVI, e revelaram grandes dramaturgos, como
Christopher Marlowe (1564-1593), e, mais adiante, Shakespeare, considerado o maior
dramaturgo da dramaturgia mundial. Dentre os textos dele, estão comédias e
tragédias, fruto de uma época na qual a escrita dramatúrgica era incentivada.

Os teatros ingleses foram fechados pelos puritanos em 1642, e reabertos em


1660, com a restauração da monarquia, encontrando um público de elite conquistado
pelo teatro clássico francês. A respeito de Shakespeare, Bárbara Heliodora escreve:

Shakespeare foi (também) um autor popular (Bem Jonson o


considerava, até mesmo, um autor de concessões), que escreveu
para um público eclético, sem dúvida, uma das razões da perene
popularidade dele ao longo dos séculos e pelo mundo. Jamais
hermético, Shakespeare escrevia para o palco e para o público dele,
trabalhando com uma dramaturgia que, a todo momento, tem a

17
consciência da presença da plateia, e que, com frequência, dirige-
se a ela (HELIODORA, 1998, p. 20).

17
A dramaturgia moderna e atemporal de Shakespeare perpassa o tempo e
permanece influenciando o teatro em todo o mundo.

Os textos das peças eram escritos, em sua maioria, por homens que
eram chamados de cavalheiros, em virtude dos diplomas deles, de
Oxford ou Cambridge. [...] Uma companhia precisava de quinze ou
vinte peças novas por ano, o que impunha uma enorme demanda
sobre os escritores e sobre todo o cabedal de histórias e enredos
disponíveis na história e na literatura. Peças inovadoras e
estimulantes ajudavam a encher as galerias, para o desespero dos
adversários do teatro. A procura era tremenda por escritores
competentes, como os Gênios Universitários (University, Wits),
dentre os quais se incluíam homens, como Nashe, Greene, Peele,
Lodge e Thomas Watson (HONAN, 1998, p. 150-151).

A dramaturgia francesa foi considerada tardia em relação às dramaturgias


barrocas da comédia espanhola, da Commedia Dell'Arte e do teatro elisabetano. No
século XVII, influenciada pelo ideal clássico, a dramaturgia francesa mantinha um
conjunto de regras que determinava a construção do texto das obras de Molière, Jean
Racine (1639- 1699) e Pierre Corneille (1606-1684). Molière, inspirado na Commedia
Dell'Arte e em Terêncio, criou a comédia de costumes e de caracteres, com
personagens-tipo. Racine e Corneille escreveram tragédias psicológicas.

Os jesuítas (padres que pertenciam à Companhia de Jesus, ligados à Igreja


Católica) criaram uma versão do drama religioso, e o desenvolveram entre os séculos
XVI e XVIII, como meio catequético e didático nas colônias, dentre elas, o Brasil. O
teatro brasileiro, e de muitos países da América Latina, teve origem com o Teatro
Jesuítico.

2.3 O LUGAR DO TEXTO NO TEATRO DOS SÉCULOS XVIII E XIX

FIGURA 7 – ÓPERA - 2016

17
FONTE: <https://www.artranked.com/topic/Theatre>. Acesso em: 24 abr. 2021.

17
Na figura anterior, vemos a obra de Giovanni Paolo Pannini, um óleo sobre
tela de 1747 (Museu do Louvre - Paris), que retrata o público aguardando o início
de uma ópera no período barroco, marcado pelo requinte e pelo rebuscamento.
Alinhada com a literatura clássica, a ópera francesa estava em alta entre os séculos
XVII e XVIII. Jean Baptiste Lully (1632-1687), compositor favorito de Luís XIV (1638-
1715), reformulou a ópera, estabelecendo as características que tornariam as
óperas francesas desse período concorrentes das óperas italianas.

O teatro era, notadamente, trágico, e a ópera, também, poderia


ser trágica, mas o que ela tinha de original era a representação da
tragédia através da música, forjando, para si, elementos propostos
para outra arte, como para a arte dramática. Em conformidade com
a tragédia clássica, os recitativos da ópera eram comparados com a
declamação e os diálogos da tragédia. Para eles, eram destinados os
mais significativos elementos trágicos e as cenas da ação dramática,
amplificados pela música, exigindo-se, assim, da ópera, uma
configuração teatral, como a da tragédia (LOPES, 2015, p. 27).

Em 1730, apareceram as primeiras reações ao Classicismo, provindas da


classe média. Nesse contexto, desenvolveu-se o movimento pré-romântico alemão
(1773-1784), do qual fizeram parte Johann Wolfgang von Göethe (1749-1832) e
Friedrich Schiller (1759-1805). Fausto, de Göethe, de 1808, é uma das maiores obras
da dramaturgia universal. As traduções das dramaturgias de Shakespeare foram
tomando a Alemanha, assim como outros países da Europa.

Dá-se início ao movimento conhecido como Sturm und Drang, extraído


do título de uma dramaturgia de Friedrich Maximilian von Klinger (1752-1831), que
significa “Tempestade e Ímpeto”, o que expressa a carga violenta desse
movimento que se exprimiu, principalmente, no teatro. Esse movimento pré-
romântico, surgido na Alemanha, ultrapassou as regras formais e se voltou para a
sensibilidade artística. Contra as convenções, os stürmer proclamavam a liberdade
no amor e na política, e tinham uma forte inclinação nacionalista. Segundo Guinsburg
(2005, p. 78), “o Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto) é um Pré-Romantismo
rebelado contra o classicismo francês e desperto aos valores germânios”.

O reformulador do teatro alemão foi o pensador e dramaturgo Gotthold


Ephraim Lessing (1729-1781), que estudou a catarse em Aristóteles e que acreditava
que o público deveria se identificar com os personagens, experimentando a compaixão
e o terror. Dessa forma, para Lessing, a cena não deveria tratar da corte e dos reis,
mas da sociedade burguesa, daquela que assistia às peças. Acreditava no teatro grego
como exemplo de dramaturgia, assim como na dramaturgia shakespeareana.

A decadência do teatro clássico francês se estabeleceu, apenas, após os textos


clássicos de François-Marie Arouet (1694-1778), mais conhecido como Voltaire, de
Marivaux, e de Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais (1732-1799).

17
Denis Diderot (1713-1784) despontou como o teórico do "drama burguês", um
gênero teatral realista, que retratava a vida social burguesa.

O romantismo alemão se originou com August Wilhelm von Schlegel (1767-


1845), considerado um dos mais importantes filósofos da linguagem da primeira
fase do romantismo alemão, e conhecido pelas traduções de Shakespeare, Calderón
de la Barca e Lope de Vega, e seu irmão mais novo, Karl Wilhelm Friedrich von
Schlegel (1772-1829), que participou da primeira fase do Romantismo na literatura
alemã e foi pioneiro da linguística comparada. Juntos, publicaram um ensaio,
chamado de Charakteristiken (1801).

Também, nesse período, uma das fases mais profícuas do pensamento alemão,
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), filósofo, um dos representantes do idealismo
alemão, publica a obra Fenomenologia do Espírito (1807), que é tida como um marco
da filosofia mundial. As ideias de Hegel influenciaram, mais tarde, o marxismo, que
determinou as diretrizes do teatro político de Bertolt Brecht e de Erwin Piscator, e
influenciou Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900, filósofo, filólogo e crítico
cultural) e seu livro , O Nascimento da Tragédia pelo Espírito da Música (1872), no
qual afirmou que a tragédia nasce da tensão permanente entre a razão e os elementos
emocionais, instintivos e irracionais do homem. Escreveu críticas à religião, à moral, à
cultura e à ciência, demonstrando o próprio gosto pela metáfora, pela ironia e pelos
aforismos. Ainda, deixou muitas contribuições à análise do drama.

No século XIX, Victor Hugo (1802-1885), a partir de 1820, paralelamente, a


Alessandro Manzoni (1785-1873), na Itália, inaugurou o drama romântico, que se
estabeleceu por um curto período, quando retorna o domínio da dramaturgia clássica
no teatro francês. Apesar disso, alguns dramaturgos, como Alexandre Dumas (1802-
1870), que escreveu os livros Os Três Mosqueteiros (1844) e O Conde de Monte Cristo
(1844), seguiram com os ideais românticos. Victor Hugo se afirmou como um dos
principais representantes do romantismo, defendendo a liberdade do autor e
reforçando o valor do grotesco na arte e a coexistência dos elementos trágicos e
cômicos na obra de arte. O romantismo alemão, no entanto, não foi tão profícuo, em
termos de obras dramáticas, como o pré-romantismo.

Já no final do século XIX, os movimentos voltados à descrição da realidade


começam a tomar força na Europa, o que veremos a seguir.

18
2.4 O LUGAR DO TEXTO NO REALISMO E NO NATURALISMO

FIGURA 8 – VIEILLE RENOMMÉE - 1906 - ANDRÉ ANTOINE - S/D

FONTE: <http://expositions.bnf.fr/rouge/grand/50.htm>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O realismo francês se originou com a obra literária A Dama das Camélias


(1848), de Alexandre Dumas filho (1824-1895), e com as de Gustave Flaubert (1821-
1880), principalmente, Madame Bovary (1856), e de Honoré de Balzac (1799-1850),
escritores notáveis pela profundidade das análises psicológicas e pelo senso de
realidade.

Na Rússia, Nikolai Gogol (1809-1852), e, no teatro norueguês, Henrik Ibsen


(1828- 1906), conhecido em toda a Europa, foram grandes representantes da
dramaturgia realista. Na Inglaterra, William Archer (1856-1924), dramaturgo e crítico de
teatro escocês, introduziu Henrik Ibsen, considerado um dos fundadores do teatro
realista moderno. Foi, também, poeta e diretor teatral, considerado o “pai do drama
em prosa”, e um dos criadores do modernismo no teatro.

Bernard Shaw (1856-1950), dramaturgo e jornalista irlandês, via a arte como


um meio educativo e de propagação política e ideológica. Em A Quintessência do
Ibsenismo (1891), posiciona Ibsen acima de Shakespeare.

Na contramão do Romantismo, surge o movimento realista na


literatura e nas artes, o qual busca, de fato, reproduzir a realidade
(quase fotograficamente) e expor as engrenagens das conjunturas
sociais, culturais e filosóficas inseridas. O Realismo é descendente
do drama social experimentado por Émile Augier e Alexandre Dumas
Filho, que têm, como principal obra, a Dama das Camélias. O drama
social, porém, tem objetivo didático, moralizante, assim como o
Realismo possui, frequentemente, caráter de denúncia social.
Surge, então, o movimento naturalista (MAGALHÃES, 2015, p. 5).

18
O realismo sobreviveu com Ibsen e Bernard Shaw, e, após 1945, com as obras
dos filósofos e dramaturgos franceses Albert Camus (1913-1960) e Jean-Paul Sartre
(1905- 1980), e as chamadas “peças de tese”, que defendiam pontos de vista. O teatro
realista se desenvolveu, principalmente, nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Em 1866, George II, duque de Saxe-Meiningen (1826-1914), assumiu,


pessoalmente, a direção da própria companhia oficial de teatro, e, entre 1874 e 1890,
viajou com ela por toda a Europa, difundindo a centralização da companhia teatral na
figura do diretor, ou encenador. O teatro moderno foi um teatro baseado na figura do
diretor, situação que se modifica no século XX.

O romance Thérèse Raquin (1873), do francês Émile Zola (1840-1902),


inaugura a literatura naturalista, que propunha uma "análise científica da vida" e a
representação literal dos fatos. A escola naturalista abarca as obras do sueco August
Strindberg (1849- 1912) e do autor e encenador francês André Antoine (1858-1943). Na
figura anterior, vemos um registro da peça Vieille Renommée, 1906, de André Antoine,
com um cenário, extremamente detalhista e próximo do real.

Alguns dos teatros independentes, os quais surgiram no naturalismo,


tornaram- se, posteriormente, núcleos do teatro experimental, como o Teatro de Arte
de Moscou (1898-1913), de Konstantin Stanislavski, que montou as peças de Anton
Tchekhov (1860- 1904). Na Rússia, Liev Tolstói (1828-1910) Tchekhov e Máximo Gorki
(1868-1936) ficaram conhecidos por liderar a evolução da dramaturgia, independente
do ibsenismo.

O Naturalismo radicaliza a tentativa de reprodução fotográfica


da realidade no palco. Enquanto o Realismo recorre a signos
arbitrários, facilmente, assimilados pela plateia, o Naturalismo
opta por colocar objetos reais em cena e propõe uma abordagem
mais “científica” da realidade. Influenciado pelas ideias de Émile
Zola e pelas palestras de Hippolyte Taine, André Antoine fundou
seu Théâtre Libre em 1887, e passou a experimentar o Naturalismo
(RABELO; MAGALHÃES, 2019, p. 5).

O realismo do final do século XIX teve continuidade no início do século XX, e


as grandes inovações em todas as áreas do teatro, que se deram a partir do século
XX, foram resultado das reações contra o Realismo, o Naturalismo e as concepções do
mundo linear e burguesa representadas.

A seguir, veremos as principais transformações dramatúrgicas


contemporâneas, ocorridas devido aos movimentos que ousaram romper com as
correntes realistas e naturalistas do teatro.

18
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os textos teatrais eram muito importantes para o teatro grego, e havia uma forte
interdependência entre a dramaturgia e os outros elementos do espetáculo, desde
a música até a ambientação cênica, incluindo um grande envolvimento do público
com a dramaturgia, consumida, com frequência, nos festivais competitivos, os
quais revelaram os grandes autores trágicos.

• Ao contrário da tragédia grega, as dramaturgias cômicas do mesmo período


ridicularizavam a mitologia e os membros da alta sociedade ateniense.

• A “Nova Comédia” grega influenciou os autores romanos, como Plauto e Terêncio.

• Na época medieval, a dramaturgia clássica continuou sendo um parâmetro de


estrutura dramatúrgica, mas as manifestações populares ganharam força e se
espalharam por toda a Europa, alcançando o teatro de cunho improvisacional, uma
importância semelhante ao teatro literário, cujo ponto de partida era o texto
dramatúrgico.

• Os dramaturgos mais importantes do Século de Ouro foram Lope de Vega, que


escreveu mais de mil e quinhentos textos, e Calderón de la Barca. Surgiu, também,
na época, o entremez, correspondente aos intermezzi italianos, com Miguel de
Cervantes, o mais importante autor espanhol desse gênero.

• O teatro inglês elisabetano adaptou o drama religioso medieval a temas profanos, e


iniciou o teatro moderno inglês, quando surgiram Chistopher Marlowe e William
Shakespeare.

• Em 1730, apareceram as primeiras reações ao Classicismo, provindas da classe


média, desenvolvendo-se o movimento pré-romântico alemão, do qual fizeram
parte Göethe e Schiller.

• O realismo, do final do século XIX, teve continuidade no início do século XX, e as


grandes inovações em todas as áreas do teatro se deram pelas reações contra o
realismo, o naturalismo e a concepção de mundo que eles representavam.

18
AUTOATIVIDADE
1 A tragédia grega possuía, em sua maioria, o enredo inspirado nos mitos gregos,
os quais, frequentemente, faziam parte da religiosidade desse povo. As temáticas
giravam em torno dos direitos morais e dos dilemas trágicos da vida do herói,
principal elemento da tragédia, cuja retórica era exemplar e persuasiva.
descreve, no livro Poética, a configuração ideal da dramaturgia da tragédia grega,
que, quando realizada, produziria a , purificação das emoções dos
espectadores. A respeito das palavras relacionadas à tragédia grega, que
completam as lacunas anteriores, respectivamente, é CORRETO afirmar:

a) ( ) Sófocles e skené.
b) ( ) Eurípedes e cenografia.
c) ( ) Aristóteles e catarse.
d) ( ) Ésquilo e dramaturgia.

2 Na época medieval, a dramaturgia romana permaneceu acessível, devido à


língua oficial ser o latim. A dramaturgia clássica continuou sendo o parâmetro de
estrutura dramatúrgica, mas as manifestações populares ganharam força, e o
mimo, apesar das proibições, manteve-se forte, perpassando o mundo clássico.
Tratando-se das denominações dos três principais tipos de espetáculo da Idade
Média, ligados à religiosidade, é CORRETO afirmar:

a) ( ) Mistérios, Moralidades e Milagres.


b) ( ) Atelanas, Comédia Nova e Moralidades.
c) ( ) Epopeias, Tragédias e Mistérios.
d) ( ) Moralidades, Mistérios e Mimo.

3 O teatro inglês elisabetano adaptou o drama religioso medieval a temas profanos e


iniciou o teatro moderno inglês. Os primeiros teatros ingleses surgiram na segunda
metade do século XVI, e grandes dramaturgos, incentivados por essa época de
início dos primeiros teatros cobertos ingleses, ficaram conhecidos em todo o
mundo. Um desses dramaturgos é reconhecido em todo o mundo, e os textos dele
são os mais utilizados em montagens teatrais. Qual é o nome dele?

a) ( ) Miguel de Cervantes.
b) ( ) Harold Pinter.
c) ( ) Willian Shakespeare.
d) ( ) Thomas Norton.

18
4 O Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), nascido na Alemanha, foi um
movimento literário, com muita expressão no teatro, “um Pré-Romantismo
rebelado contra o Classicismo francês e desperto aos valores germânicos”
(GUINSBURG, 2005, p. 78). Com relação ao Sturm und Drang, analise as
sentenças a seguir:

I- As características principais são a volta do natural e a revolta contra as normas e


as convenções.
II- Os Stürmer proclamavam a liberdade absoluta no amor e na política, e tinham uma
forte inclinação nacionalista.
III- Fausto, de Göethe, de 1808, é uma das maiores obras da dramaturgia universal, e foi
escrita durante o movimento Sturm und Drang.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.

5 O Realismo e o Naturalismo são movimentos literários que surgiram na Europa, em


meados do século XIX. O marco inicial do Realismo foi a publicação da obra
Madame Bovary (1857), de Gustave Flaubert. Já o Naturalismo teve início em 1867,
quando foi publicado o romance Thérèse Raquin, de Émile Zola. A respeito desses
movimentos, assinale V para as alternativas verdadeiras e F para as alternativas
falsas:

( ) Na contramão do Romantismo, surge o movimento realista na literatura e nas


artes, que busca reproduzir a realidade e expor as engrenagens das conjunturas
sociais, culturais e filosóficas.
( ) Enquanto o Realismo recorre a signos facilmente assimilados pela plateia, o
Naturalismo opta por colocar objetos reais em cena, e propõe uma abordagem
mais “científica” da realidade.
( ) O Realismo do final do século XIX teve continuidade no início do século XX, e as
grandes inovações que se deram em todas as áreas do teatro, após esse período,
foram resultado das reações contra o Realismo, o Naturalismo e suas concepções
de mundo.
( ) Alexandre Dumas e Henrik Ibsen são autores do movimento realista.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) V, V, F, F.
b) ( ) F, F, V, V.
c) ( ) F, F, F, F.
d) ( ) V, V, V, V.

18
6 A dramaturgia, escrita e estruturada formalmente, teve início na Grécia, e foi tratada
na Poética, de Aristóteles, uma obra que aborda a teoria dramática, e que foi
escrita por volta de 335 a.C. Analisando a tragédia, o filósofo definiu uma relação
entre personagem, diálogo e ação. Apresentou as ideias dele de estruturação do
texto e analisou as reações do espectador. Assim, mencione os principais elementos
da tragédia.

7 No século XV, três gêneros principais da dramaturgia, ligados à religiosidade,


desenvolveram-se. Quais foram esses gêneros? Cite as principais características
desses gêneros dramáticos medievais.

18
UNIDADE 3 TÓPICO 3-
DRAMATURGIA CONTEMPORÂNEA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no Tópico 3, estudaremos o teatro contemporâneo e os
grandes movimentos de vanguarda que ousaram romper com as manifestações
artísticas de reprodução literal da realidade e com as estruturas do teatro tradicional.

Os fatores que, também, determinaram as grandes transformações das artes


no século XX, foram a crise da burguesia capitalista e a invenção das artes audiovisuais
(cinema e televisão), que impulsionaram a reinvenção das artes da presença, para que
estas pudessem, de certa forma, competir com esses outros entretenimentos.

No teatro, as transformações foram inúmeras, como a escolha de espaços


cênicos não tradicionais, e, principalmente, na segunda metade do século, a
substituição das centralidades do texto e do autor pela criação do ator como elemento
principal. As propostas de criação coletiva e a busca por um novo relacionamento com
o espectador foram e continuam sendo características marcantes do teatro
contemporâneo.

Neste tópico, conheceremos algumas manifestações teatrais de vanguarda,


movimentos, teatrólogos e companhias teatrais que trouxeram inovações,
principalmente, dramatúrgicas, na Europa e nas Américas.

Por fim, analisaremos o teatro pós-dramático, que abarca inúmeras


transformações no que diz respeito ao tratamento da dramaturgia nos nossos tempos.

Após o Tópico 3, no fim da unidade, você poderá ler um artigo de Elen de Medeiros,
intitulado Fissuras do Real: Desvios da Mimese na Dramaturgia Brasileira Contemporânea.

2 O LUGAR DO TEXTO NO SÉCULO XX


A partir do século XX, o processo criativo relacionado à dramaturgia também
sofreu mudanças. As alterações nas unidades de tempo e de lugar, a quebra da
“quarta parede”, a dissolução da linha de separação entre ilusão e realidade, a
valorização do trabalho criativo do ator/performer, a liberdade de tratamento do
texto dramatúrgico, ou, até mesmo, a ausência deste, por vezes, compõem a linha
divisória entre o teatro dramático e o teatro pós-dramático. As possibilidades de se
trabalhar com a dramaturgia, hoje, ultrapassam a necessidade do texto dramático e
suscitam as recepções produtiva e crítica do espectador e a voz expressiva do
ator/performer. O teatro pós-dramático traz uma relação interativa, uma

18
multiplicidade de vozes nas manifestações cênicas, e altera

18
o lugar de importância dos elementos que constituem o espetáculo, processos
iniciados pelos movimentos de vanguarda nas Artes Cênicas. As características
fragmentárias do teatro pós-dramático alteraram, completamente, o tratamento da
escritura cênica e de tudo que abarca os aspectos textuais, redefinindo os papéis do
diretor e do dramaturgo, que não mais apresentam uma dependência recíproca ou
um posicionamento de centralidade em relação à criação. Assim, a seguir,
observaremos as vanguardas europeias, movimentos de cunhos artístico e cultural
que deflagraram rupturas com a arte desenvolvida no século XIX e que modificaram
conceitos importantes para a criação de uma estética que abrangesse os novos
desafios da sociedade contemporânea.

2.1 VANGUARDAS EUROPEIAS

FIGURA 9 – O TEATRO DE MEYERHOLD - 2017

FONTE: <https://birdmenmagazine.com/2021/02/02/mejerchold-teatro-politico-rivoluzione/>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

Já no século XX, Appia, cenógrafo suíço, visto anteriormente, defendeu a


superioridade da encenação sobre o texto dramatúrgico, o que ia ao encontro da
supremacia do diretor teatral na primeira metade do século.

O teatro político, voltado às classes operárias, consolida-se na Alemanha a


partir de 1900, quando Max Reinhardt (1873-1943), austríaco, produtor e diretor de
teatro, durante sua estada na Alemanha, mantém o Realismo, sem pretender ser uma
cópia fiel e fotográfica da realidade, utilizando-o, apenas, para a expressão dos
sentimentos. Reinhardt levou as suas obras para perto do povo, em muitos lugares,
como praças, ruas e fábricas, atitude recorrente de muitos diretores da época, que
defendiam que o teatro e a arte deveriam estar onde o povo estava.

18
O futurismo foi iniciado na Itália, por Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944),
escritor, poeta, jornalista e ativista político italiano, cujo manifesto foi publicado no
jornal parisiense Le Figaro, em 20 de fevereiro de 1909, movimento que abarcou a
maior parte das correntes não realistas das artes, inclusive, o teatro, como o
Dadaísmo, o Surrealismo, o Construtivismo, o Teatro do Absurdo e as manifestações
performáticas presentes após 1960. Os temas abordados por esse movimento eram
voltados à loucura, à contestação do sentimentalismo, à valorização da ação, ao
homem como máquina, aos aparatos industriais, à ruptura com a tradição e com o
passado, à rejeição ao moralismo, à revolução. Tudo isso incentivou a ruptura com as
regras tradicionais das artes, e os atores passaram a estabelecer novas formas de
contato com o público, interagindo ou se misturando, com ele, no mesmo espaço. As
dramaturgias rompiam com as regras clássicas estabelecidas, e as unidades de tempo
e de ação foram questionadas e apresentadas de formas diversas.

Na década de 1910, o movimento expressionista perpassou todas as


artes, permanecendo até o período entre as guerras, e distorcendo as formas e as
aparências reais.

No teatro, figuraram Friedrich Carl Georg Kaiser (1878-1945), dramaturgo alemão,


conhecido pelas inovações textuais e pela crítica social, e posteriormente, Ernst
Toller (1893-1939), dramaturgo, político e revolucionário alemão, que foi combatente
na Primeira Guerra Mundial, o que o levou a um posicionamento pacifista, mas afeito
à revolução socialista e ao ativismo político.

O Expressionismo, no teatro, também foi evidenciado pela metalinguagem da


dramaturgia de Luigi Pirandello (1867-1936), dramaturgo e romancista italiano. Com
seu humor inteligente, renovou a dramaturgia com textos, como Seis personagens à
procura de um autor (1921), peça que se passa durante um ensaio de teatro.

Erwin Piscator (1893-1966), dramaturgo e diretor teatral alemão, criador do


teatro documentário, com Bertolt Brecht, dramaturgo e diretor, visto anteriormente,
foi um dos nomes do teatro épico, que trabalha com os contextos social e político do
teatro. Piscator, na década de 1920, objetivava falar com o inconsciente do público,
traumatizado pela primeira grande guerra e pela miséria, por meio do choque e do
incentivo à luta.

Na Rússia, contrastando com o trabalho de Stanislavski, sistematizador de uma


nova pedagogia do teatro, destacou-se Vsevolod Meyerhold, com suas proposições
contrárias ao Naturalismo.

O Construtivismo de Meyerhold e o seu teatro de vanguarda, apoiado pelo


governo de Lenin (1870-1924), foi censurado por Josef Stalin (1878-1953) a partir de
1932, que entendia a arte como forma didática dos ideais comunistas.

19
NOTA
ico e
O dramaturgo de vanguarda revoluciona pelas formas de pensar, de escrever e de conceber o teatro.

O teatro tido como de vanguarda iniciou na Rússia na primeira metade do


século XX. Com o final da primeira guerra, passam a concretizar artisticamente as
ideias futuristas que não acreditavam na arte separada da vida e objetivavam
expressar a nova realidade e os novos ideais soviéticos.

Os russos sempre tiveram uma forte ligação com o teatro, e, na companhia


teatral de Meyerhold, com o afastamento do Realismo, estabeleceram-se
pesquisas práticas que desembocaram em diversas inovações teatrais relativas ao
corpo do ator e ao espaço, que acabaram influenciando, também, a dramaturgia da
época.

A utilização que Meyerhold fazia de textos literários, invertendo estruturas


temporais e rítmicas, trouxe um novo olhar. Inicia-se, também, uma preparação física
intensa dos atores, cujo método foi denominado, por Meyerhold, de biomecânica.
Além disso, Meyerhold recorrerá ao simbolismo e às manifestações teatrais populares
(o teatro de feira, o music-hall e a pantomina), em busca de retomar a teatralidade
perdida com a imitação literal da realidade. Com alguns cenógrafos colaboradores,
criou cenários que remetem a grandes máquinas, engrenagens, andaimes e
plataformas, como podemos ver na figura anterior. O corpo do ator, o virtuosismo e a
fisicalidade tomam o centro da cena, reorientando o tratamento da realidade cênica.

O teatro épico de Brecht, autor alemão que se tornou marxista e que se


radicou em Berlim oriental, no final da década de 1940, alterou, de forma irreversível,
a história do espetáculo teatral e da dramaturgia.

19
FIGURA 10 – MÃE CORAGEM E SEUS FILHOS (1949) - BRECHT - S/D

FONTE: <https://www.akg-images.com/CS.aspx?VP3=SearchResult&VBID=2UMESQJIMH4QTC>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

Na Alemanha, Brecht, uma das principais figuras do teatro do século XX,


produziu, também, uma obra crítica fundamental. A concepção de seu realismo
socialista não pretende hipnotizar ou convencer o público, mas, ao contrário,
fomentar a discussão, por meio de um teatro épico e narrativo, preservando o
distanciamento crítico do espectador. É importante, também, a obra de Piscator e
Walter Benjamin (1892-1940), esse último, filósofo, autor de algumas das mais
expressivas análises da obra de Brecht.

Com o Teatro e seu Duplo (1938 – primeira publicação), Artaud, teatrólogo


francês, fundamenta o Teatro da Crueldade dele em oposição ao Realismo e ao
racionalismo burguês, visando a uma dramaturgia da experiência e da visceralidade.

As proposições únicas e subversivas de Artaud, expressas no livro O teatro e


seu Duplo (1938), denunciaram a decadência do humanismo e pretendiam inverter a
lógica convencional. Os elementos principais da sua concepção de teatro, o qual ele
chamou de "teatro da crueldade", foram a noção de duplo e a própria crueldade.

A herança de Artaud se perpetuou em diretores, como Maurice Béjart (1927-


2007) e o britânico Peter Brook (1925), este último, ainda, na ativa, um diretor teatral de
vanguarda, que inova a cada espetáculo; em dramaturgos, como Jean Genet (1910-
1986) e Jean Cocteau (1889-1963), que renovaram a dramaturgia na França; e em
grupos, como o americano Living Theater (fundado em 1947), o qual veremos mais
adiante, e o Teatro Laboratório, do polonês Jerzy Grotowski, visto na primeira
unidade.

Despontaram, também, os dramaturgos Eugène Ionesco (1909-1994), Samuel


Beckett (1906-1989), Arthur Adamov (1908-1970) e Jean Genet, que retrataram, de
forma profunda, na dramaturgia, a solidão do ser humano e a insignificância dele,
19
dando corpo ao movimento que, na Inglaterra, passa a ser conhecido como Teatro do

19
Absurdo. A peça Ubu Rei (1888), de Alfred Jarry (1873-1907), dramaturgo simbolista
francês, foi considerada a precursora desse movimento. O Teatro do Absurdo começou
a se desenvolver a partir da década de 1950 e do pessimismo pós-guerra. Dentre os
predecessores dele, estão Franz Kafka (1883-1924) e Albert Camus (1913-1960), que
apresentavam, nas próprias obras, a desolação da existência humana.

As dramaturgias do Teatro do Absurdo se caracterizam pela inércia das ações


e por personagens risíveis e dignos de pena. Os dramaturgos utilizavam o discurso
imprevisto e a linguagem, muitas vezes, simbólica, sem o objetivo do entendimento, o
que gera a solidão da incomunicabilidade. As temáticas voltadas ao mundo absurdo no
qual vivemos, a eterna espera de algo que nos tire dessa condição, a não
convencionalidade das situações, e a recusa da história cronológica eram recorrentes.
O Teatro do Absurdo rompeu com os enredos psicológicos e destruiu o sentido da
lógica do texto.

FIGURA 11 – ESPERANDO GODOT - BECKET - 2014

FONTE: <http://www.escritaglobal.com.br/2014/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A dramaturgia que inaugurou o Teatro do Absurdo foi A Cantora Careca, de


Eugène Ionesco, cuja estreia aconteceu em 1950. Esperando Godot, um dos textos
mais conhecidos de Samuel Beckett, estreou em 1953.

Diante dos questionamentos dos princípios que regiam o teatro ocidental, o


russo Artur Adamov, o britânico Harold Pinter (1930-2008) e o francês Jean Genet,
além de Beckett e Ionesco, pretendiam criar o denominado "grau zero" do teatro, uma
espécie de dramaturgia antiliterária, que desnudaria o ser humano com frieza e
mostraria as fraquezas dele, além das convenções intelectuais, racionais e
linguísticas, deixando uma herança transformadora ao teatro moderno.
19
O dramaturgo brasileiro José Joaquim de Campos Leão, conhecido como
Qorpo Santo (1829-1883), autor de comédias escritas, em sua maior parte, em 1866,
é considerado, por alguns críticos, como um precursor do Teatro do Absurdo. Em seus
textos humoristicamente críticos, o nonsense é levado às últimas consequências. As
peças de Qorpo-Santo, esquecidas por um século, foram encenadas pelo Teatro de
Cultura de Porto Alegre, em 1966, que apresentou três delas, e levadas ao Rio de
Janeiro, para o V Festival Nacional de Teatro de Estudantes, em 1968.

2.2 VANGUARDAS NORTE-AMERICANAS

FIGURA 12 – LIVING THEATRE - EUA, 2021

FONTE: <https://marracomunica.com.br/galeria-marra/teatro-espacos-culturais/teatro-cult-crowne/>.
Acesso em: 24 abr. 2021.

Nos Estados Unidos, principalmente, na segunda metade do século XX, e após


os anos 1960, surgiram muitas companhias teatrais experimentais voltadas ao ativismo
pela paz. Dentre elas, duas companhias se destacaram e ficaram conhecidas em
todo o mundo: Living Theater e Bread & Puppet Theater. Atuantes e independentes,
encontram-se na ativa há mais de 50 anos, realizando uma arte crítica e contestadora
contra a arte comercial, as estéticas hegemônicas e elitistas. As apresentações delas
falam da guerra, da violência, do capitalismo e do consumo desenfreado.

O happening e o Living Theatre, os dois fenômenos mais importantes e


inovadores do panorama teatral estadunidense entre o final da década de 1950 e o
começo de 1960, têm pouco, ou nada a ver, com o teatro precedente e
contemporâneo: como já foi assinalado, sua base deve ser encontrada na
transformação, de um lado, do ambiente dos artistas visuais de Nova York, e, de
outro, relacionada com os poetas e escritores da beat generation.

19
O Living Theater é uma companhia de teatro experimental fundada pela atriz
e diretora Judith Malina e seu marido Julian Beck (figura anterior), na cidade de Nova
York, ainda em 1947. A companhia se tornou mais conhecida durante os anos 1960, e
o ativismo político, sua principal característica, demonstrou ficar mais radical. O
grupo se destacou na luta contra a participação dos EUA na Guerra do Vietnã. No
teatro, o Living Theather defende a eliminação da separação entre palco e plateia,
incentivando o público a participar das apresentações dos espetáculos. A companhia
foi uma das mais importantes e influentes do século XX.

O Bread & Puppet Theater é, também, uma companhia fundada na cidade de


Nova York, no início dos anos sessenta, com participação ativa nos movimentos contra
a Guerra do Vietnã. A trajetória artística do grupo se confunde com o ativismo político
dele. A companhia trabalha com o teatro de formas animadas, e utiliza, nos
espetáculos, bonecos gigantes, feitos de papel maché. As temáticas se aproximam
dos temas utilizados pelo Living Theater, com um discurso voltado à contestação da
sociedade de consumo e da supremacia do dinheiro. Os espetáculos Circo de
Ressurreição Doméstica (1998) e O Mundo de Pernas para o Ar (2004) tiveram
grande sucesso e atingiram milhares de pessoas.

3 O LUGAR DA DRAMATURGIA NO TEATRO


PÓS-DRAMÁTICO E NA PERFORMANCE

FIGURA 13 – TEATRO PÓS-DRAMÁTICO - 2017

FONTE: <http://textodramatico.com/2017/09/01/work-in-progress/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

O alemão Hans-Thies Lehmann (1944) publicou, em 1999, a obra Teatro


Pós- Dramático, na qual faz uma análise das modificações dramatúrgicas após os
movimentos de vanguarda, os quais aconteceram no século XX.

19
Lehmann escreve a respeito da rejeição do teatro burguês, realizado até
então, e analisa as novas formas teatrais e as relações diferenciadas que se
estabelecem entre a cena e a dramaturgia, devido à necessidade urgente de
estabelecer outras formas de diálogo com o público. Sublinha que essa
necessidade, também, decorre da necessidade de encontrar novas formas de
comunicação para concorrer com os meios de comunicação de massa e com as novas
mídias eletrônicas. Para Lehmann (2007, p. 33), o teatro pós-dramático “se vê
impelido a operar para além do drama, em um tempo após a configuração do
paradigma do drama no teatro. Ele não quer dizer negação abstrata, mero desvio do
olhar em relação à tradição do drama”. Apesar disso, Lehmann (2007) salienta que,
justamente, a partir da segunda metade do século XX, as novas tecnologias, também,
proporcionaram, ao teatro, a construção de possibilidades. O hibridismo é uma
característica da nova cena, agregando outras artes, como as audiovisuais, as
plásticas, o circo, dentre outras.

A utilização de variadas formas de expressão artística suscita, também, novas


formas de percepção do público. A característica principal de uma obra teatral pós-
dramática é a redefinição dos papéis da dramaturgia e de elementos, como a
cenografia e a direção teatral. A presença do texto, de forma fragmentada, e com
alterações nas unidades de tempo e de espaço, é muito frequente.

Lehmann, quando cria a teoria a respeito do teatro pós-dramático, inclui,


nessa vertente, muitos diretores e grupos de vanguarda, europeus e americanos, como
Meyerhold, Grotowski, Peter Brook, Antonin Artaud e Living Theater. De qualquer forma,
Lehman os posiciona como líderes das vanguardas teatrais do século XX, pois, no
teatro contemporâneo, a forma pós-dramática principal é a performance.

A performance, termo provindo do inglês, é um gênero híbrido, cênico e visual


que nasceu no século XX, no período da primeira guerra, quando ocorreu o
Manifesto Dadaísta. Nesse manifesto, o conservadorismo na arte era rejeitado,
valorizando o absurdo, os aspectos subjetivos, os comportamentos irracionais e a
intuição. A performance é conceitual, restrita a pouco público, podendo este,
inclusive, não estar presente ao vivo, pois pode ser transmitida por vídeo, ser gravada
ou fotografada. Essa manifestação artística, também, é realizada nas artes visuais, e
ganhou força durante as décadas de 1960 e 1970. “A performance se colocaria no
limite das artes plásticas e das artes cênicas, sendo uma linguagem híbrida que guarda
características das primeiras, enquanto origem, e das segundas, enquanto finalidade”
(COHEN, 2011, p. 30).

Na performance, não há atores que representam no sentido tradicional, mas


presenças. Artistas que agem desempenhando ações, cada qual a seu modo. Para
Feral (2009, p. 206), a presença é “[...] um investimento de si mesmo pelo artista.
[...] Uma presença, fortemente, afirmada, que pode ir até uma situação de risco real,
e que implica um gosto pelo risco [...]”.

19
Na maioria das vezes, os artistas plásticos, ou artistas teatrais, são os
criadores e os atuantes das performances, e utilizam o próprio corpo como meio de
expressão. Por esse motivo, há uma preocupação com a potencialidade da presença do
atuante, com o movimento e a gestualidade dele. A linguagem é muito simbólica, e
não parte da palavra, mesmo que esta esteja presente, ou em argumentos lógicos.
Cabe, ao performer, agir conforme as circunstâncias, considerando o momento
presente, a variação do público e do espaço.

Os precursores da performance foram o norte-americano Allan Kaprow (1927-


2006) e o francês Jacques Lebel (1936). Marina Abramović é uma artista performática
sérvia, nascida em 1946, que iniciou a carreira no início da década de 1970. É uma das
performers mais conhecidas do mundo e se mantém em atividade até hoje. A artista
se considera a “avó da arte da performance", e criadora da body art, que utiliza o
corpo como veículo ou suporte. O trabalho dela explora as relações com a plateia, os
limites do próprio corpo-mente, as identidades de gênero e a liberdade.

FIGURA 14 – MARINA ABRAMOVIĆ - 2010 - 2021

FONTE: <https://www.culturagenial.com/marina-abramovic-obras/>. Acesso em: 24 abr. 2021.

A multiplicação de novas tendências, no decorrer do século XXI, tornou difícil


a classificação de todas as vertentes da dramaturgia contemporânea, que se
recombinam, se desconstroem e se reformulam de forma contínua.

A seguir, você poderá ver algumas tendências contemporâneas da dramaturgia


brasileira, no artigo da autora Elen de Medeiros, intitulado de Fissuras do Real:
Desvios da Mimese na Dramaturgia Brasileira Contemporânea.

19
LEITURA
COMPLEMENTAR
FISSURAS DO REAL: DESVIOS DA MIMESE NA DRAMATURGIA BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA*

Elen de Medeiros

Mimese teatral e a realidade em cena

Conceito controverso entre vários estudiosos do termo, a mimese teatral


é, aqui, entendida como representação de uma suposta realidade em cena,
valendo-se da construção verossímil dos elementos teatrais, a exemplo do que
promoveram a dramaturgia e o palco realistas, que se mantiveram como
paradigmas de construção dramatúrgica por diversos períodos históricos. Auerbach
(2002, p. 499), assim, definiu em Mimesis: “a interpretação da realidade através da
representação literária ou “imitação””. Considerou que há, na história literária
ocidental, vários modos de interpretação dos acontecimentos humanos. Se havia,
entre os antigos, a regra clássica da diferenciação em níveis (elevado ou baixo), o
realismo moderno rompe com esses preceitos e insere, em uma forma literária séria, a
realidade cotidiana que só poderia ter lugar na forma de representação baixa ou
média. Afora essas duas maneiras, Auerbach, ainda, aventa uma terceira possibilidade
estilística, a qual ele chama de realismo medieval, para o qual a doutrina dos níveis,
também, não possuía validade.

No que diz respeito, especificamente, à teoria do teatro, a partir da qual o


conceito de mimese será fundamento de grande parte da crítica e de avaliação das
obras, o pensamento aristotélico é determinante para o que será tomado como molde:
o mythos é a mimese da práxis. Nesse sentido, para Aristóteles, a “mimesis diz
respeito à representação dos homens, e, sobretudo, àquela [a representação] de suas
ações” (PAVIS, 1999, p. 242).

Durante um período específico da história do teatro, mais particularmente, a


partir dos escritos de Diderot, manteve-se, como paradigma, apenas, rompido, aquilo
que foi a encruzilhada naturalista-simbolista (SARRAZAC, 2012). Essa representação
era pautada pela construção de uma cena verossímil, na qual as realidades cênica e
dramatúrgica se assemelhavam à realidade social: “É preciso mostrar a coisa como ela
aconteceu: com isso, o espetáculo não ficará, senão, mais verdadeiro, mais instigante
e mais belo” (DIDEROT apud ROUBINE, 2003, p. 70). Usada com o intuito de apresentar
virtudes ao público burguês dela, a mimese se mantém até o final do século XIX como
um parâmetro de beleza e de harmonia artísticas da obra, quando, então, a arte, no
Ocidente, passa por uma crise da representação.

19
Esse paradigma, que alicerçou o pensamento do teatro realista francês,
encontra ecos na produção dramatúrgica brasileira na segunda metade do século XIX,
particularmente, com José de Alencar, que entende a peça teatral como um
“daguerreótipo moral” em acordo com as normas morais do pensamento burguês
nascente. Detendo-se, mais precisamente, à construção do texto de teatro, vemos
que a estrutura dramática foi um dos maiores e principais elementos do teatro
nacional, e do qual nossos autores, raramente, distanciaram-se, ou seja, as bases do
drama convencional, embora questionadas em alguns períodos da história do teatro
nacional, pouco foram apagadas na formulação dramatúrgica, mesmo se tomarmos,
como referência, autores-chave da compreensão da nossa modernidade teatral, como
Nelson Rodrigues, Jorge Andrade, Dias Gomes, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo
Vianna Filho e Ariano Suassuna. Os fundamentos primordiais do drama, a exemplo do
diálogo e da verossimilhança, sempre, estiveram na base da poética dos nossos
dramaturgos, seja para poder alcançar o público de forma efetiva (Jorge Andrade,
Guarnieri e Vianinha), seja para a subversão e o uso da ironia (tal como em Nelson
Rodrigues). Isso nos leva a pensar que, de alguma forma, a nossa dramaturgia não se
distanciou, efetivamente, da construção mimética da cena, mesmo que possamos
reconhecer movimentos de ruptura.

Transfigurações do Real1

É, aparentemente, mais uma família normal, com seus problemas e relações


cotidianas, composta pela Mãe, pelo Pai e os filhos: Joaquim, Samuel, Júnior – que
vive no exterior –, Graziele e Pequeno. A cena transcorre na sala de estar de uma casa
de família, na qual se nota, de um lado, “uma porta de entrada, onde se vê quem
chega e quem sai. E a outra leva para os fundos da casa” (PASSÔ, 2012, p. 13). Ainda,
de forma aparente, vivem mais um dia comum: eles têm problemas com os vizinhos,
que fazem muito barulho no andar de cima. Joaquim é sonâmbulo, Samuel deve
encarar seu primeiro dia de trabalho, Pequeno tem asma e Júnior liga do exterior para
falar da saudade dele, da vontade de comer arroz com pequi.

A Mãe cuida de tudo, alheia aos detalhes, e eles vivem em sua superficialidade
cotidiana.

“Tem um hipopótamo dentro dessa casa”.

A fala curta, rápida e precisa de Pequeno, a respeito da surreal presença de


um hipopótamo no espaço privado da casa de família, rompe com algo em Amores
Surdos.2 Em uma primeira camada, irrompe uma estrutura simbólica, desviante do
real, por meio da transfiguração. Aparentemente, a peça assume uma convenção
realista que, apenas, na artificialidade dela, pode ser aceita como tal. O espaço da
casa, eminentemente, o lugar primordial das peças burguesas, é o local da ação; do

mesmo modo, podemos


1
Termo retirado da orelha do livro de Grace Passô (2012), utilizado por Kil Abreu, e que traduz a nossa
percepção dos recursos dos quais lança mão a autora.
20
2
A peça, estreada em 2006, em Curitiba, teve seu texto finalizado, apenas, em 2009.

20
reconhecer a constituição familiar como estruturante para as narrativas do drama
convencional. É essa a primeira ruptura que a fala de Pequeno provoca, na medida
em que se desdobram, a partir de então, cargas simbólicas de forma assumida, dando
vazão a uma forma de representação subjacente, marcada, sobretudo, pelo irreal, ou
surreal, que é a presença do hipopótamo. Com esse simples desvio do caráter
simbólico, a família e a casa assumem outras características, funções e conotações.

É, então, essa, a segunda camada que se rompe com a frase de Pequeno.


Rompe-se, entre eles, o, aparentemente, convencional, o jogo formal das relações
frias do cotidiano, o distanciamento marcado pelas situações, violentamente, surdas
do dia a dia. Quando, diante da presença do estranho, Joaquim ameaça matá-lo (o
que significa voltar à ordem anterior), a Mãe se porta “digna, surpreendentemente
forte”, e impede qualquer gesto: “O GRANDE BICHO VAI CONTINUAR AQUI, NESSA
CASA, DENTRO DE NÓS. DENTRO DE NÓS. NINGUÉM VAI MATÁ-LO. TEM COISAS QUE
FORAM FEITAS PARA SE VIVER COM ELAS”3 (PASSÔ, 2012, p. 63).

“Tem coisas que foram feitas para se viver com elas”, e não importa o
quão ameaçadoras sejam e o quão estranhas pareçam. É, justamente, pelo desvio
do real, pela marca do estranhamento que a peça vai se projetar para além do espaço
privado e para além dos limites da sala de estar da casa. Diante desse jogo
provocativo, é possível estabelecer as relações entre o espaço do íntimo e o mundo
exterior, entre os medos particulares e as representações do outro. É aí que tudo se
rompe nessa dramaturgia.

O íntimo se define como o mais interior e o mais essencial de um


ser ou de uma coisa, por assim dizer, o interior do interior. O íntimo
difere do secreto no sentido de que ele não se destina a ser
ocultado, mas, ao contrário, destina-se a ser voltado para o
exterior, extravasado, oferecido ao olhar e à penetração do
outro que nós escolhemos. A dupla dimensão do íntimo atesta,
aliás, a sua disposição de se oferecer em espetáculo (em condições,
é verdade, restritivas): por um lado, relação com o mais profundo
de si mesmo, e, por outro, ligação estreita de si com o outro
(SARRAZAC, 2013, p. 21).

Nesse sentido, aquela aparente cena realista se quebra diante do leitor, na


medida em que as pautas colocadas pela dramaturgia não estão circunscritas ao
modelo convencional de representação da realidade, ou seja, à mimese teatral como,
largamente, encarada. Antes, carregam, em si, as complexidades do que há para além
das quatro paredes do universo privado.

FONTE: <https://www.researchgate.net/publication/330563020_Fissuras_do_real_desvios_da_mimese_
na_dramaturgia_brasileira_contemporanea>. Acesso em: 24 abr. 2021.

3
A caixa-alta é da própria dramaturgia.

20
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O dramaturgo de vanguarda revoluciona pelas próprias formas de pensar, de


escrever e de conceber o teatro.

• Nos Estados Unidos, principalmente, na segunda metade do século XX, e após os


anos 1960, surgiram muitas companhias teatrais experimentais voltadas ao ativismo
pela paz. Dentre elas, duas delas se destacaram e ficaram conhecidas em todo o
mundo: Living Theater e Bread & Puppet Theater.

• A característica principal de uma obra teatral pós-dramática é a redefinição dos


papéis da dramaturgia e de elementos, como da cenografia e da direção teatral. A
presença do texto, de forma fragmentada, e com alterações nas unidades de tempo
e de espaço, é muito frequente.

• A performance é uma modalidade artística do teatro pós-dramático, que integra as


artes visuais, o teatro, e, em algumas situações, também, a música, a poesia e o
vídeo. Muitas vezes, os artistas plásticos, ou os cênicos, são os criadores e os
executantes da performance, e utilizam o próprio corpo como meio de expressão.

20
AUTOATIVIDADE
1 A peça Ubu Rei (1888), de Alfred Jarry (1873-1907), dramaturgo simbolista francês,
foi considerada a precursora do , que começou a se desenvolver
a partir da década de 1950 e do pessimismo pós-guerra. Dentre os predecessores,
estão Franz Kafka (1883-1924) e Albert Camus (1913-1960), que apresentavam, nas
próprias obras, a desolação da existência humana. Um dos maiores representantes
foi o irlandês . Assinale a alternativa CORRETA, que
apresenta os nomes que complementam as frases:

a) ( ) Teatro Naturalista e Anton Tchekhov.


b) ( ) Teatro do Absurdo e Samuel Beckett.
c) ( ) Teatro Construtivista e Vsevolod Meyerhold.
d) ( ) Teatro Simbolista e Maurice Maeterlinck.

2 Um dramaturgo brasileiro é considerado, por alguns teóricos, como o precursor


do Teatro do Absurdo. Os textos críticos dele, repletos de humor e de nonsense,
foram encenados, principalmente, na década de 1960. Esses textos foram escritos
quase um século antes, em 1866. Assinale a alternativa CORRETA, que contém o
nome do autor:

a) ( ) Qorpo-Santo (José Joaquim de Campos Leão).


b) ( ) José de Alencar.
c) ( ) Plínio Marcos.
d) ( ) Nelson Rodrigues.

3 Na década de 1910, o movimento expressionista perpassou todas as artes,


permanecendo até o período entre guerras e distorcendo as formas e as aparências
reais. O expressionismo, no teatro, também, foi evidenciado pela metalinguagem
dos textos dramatúrgicos de , dramaturgo e
romancista italiano. Com o humor inteligente dele, renovou a dramaturgia com
textos, como Seis Personagens à Procura de um Autor (1921), peça que se passa
durante um ensaio de teatro. Assinale a alternativa CORRETA, que contém o nome
do autor:

a) ( ) Samuel Bechett.
b) ( ) Bertolt Brecht.
c) ( ) Luigi Pirandello.
d) ( ) Dante Alighieri.

20
4 O teatro contemporâneo é marcado por inúmeros movimentos de vanguarda,
que rompem com as manifestações artísticas de reprodução literal da realidade e
com as estruturas do teatro tradicional. A respeito desses movimentos, analise as
afirmações a seguir:

I- O teatro, tido como de vanguarda, iniciou na Rússia, na primeira metade do século


XX. Com o fim da primeira guerra, passam a se concretizar, artisticamente, as
ideias futuristas que não acreditavam na arte separada da vida, e que objetivavam
expressar a nova realidade e os novos ideais soviéticos, tendo, como um dos
nomes, Vsevolod Meyerhold.
II- Na Alemanha, Brecht, uma das principais figuras do teatro do século XX, produziu,
também, uma obra crítica fundamental. A concepção de realismo socialista dele
não pretende hipnotizar ou convencer o público, mas, ao contrário, fomentar a
discussão, por meio de um teatro épico e narrativo, preservando o distanciamento
crítico do espectador.
III- A partir dos anos 60, principalmente, nos Estados Unidos, foram criadas
companhias teatrais calcadas nos valores tradicionais da arte. O propósito delas
era manter as convenções do teatro naturalista, dentre as quais, destacaram-se as
companhias Living Theater e Bread & Puppet Theater.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.

5 Em 1999, o alemão Hans-Thies Lehmann publicou a obra Teatro Pós-Dramático,


na qual faz uma análise dos movimentos de vanguarda do século XX. Com
relação ao teatro pós-dramático, analise as sentenças a seguir:

( ) A partir da segunda metade do século XX, o aparecimento de novas tecnologias


em cena possibilitou a construção de novas formas teatrais, envolvendo a cena e
a dramaturgia.
( ) O uso de variadas formas de expressão artística tem, como objetivo, modificar
a percepção do público. Uma das modalidades artísticas que utiliza isso é a
performance.
( ) Em uma montagem pós-dramática, a presença do texto é fundamental, pois, no
teatro pós-dramático, o texto dramatúrgico volta a ser o centro da cena.
( ) Há, no teatro pós-dramático, uma preocupação especial com o movimento e o
gesto, que são decodificados a fim de dar vida a um discurso simbólico, isto é,
que não se baseia na palavra.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) V, V, F, V.
b) ( ) V, F, V, V.
c) ( ) F, F, F, F.

20
d) ( ) V, V, V, V.

20
6 No século XX, diversas manifestações teatrais de vanguarda trouxeram inovações,
principalmente, dramatúrgicas. Assim, discorra a respeito dos principais
movimentos de vanguarda que aconteceram na Europa, em contestação aos
movimentos realistas e burgueses.

7 O alemão Hans-Thies Lehmann (1944) publicou, em 1999, a obra Teatro Pós-


Dramático, na qual faz uma análise das modificações dramatúrgicas após os
movimentos de vanguarda que aconteceram no século XX. Quais são as
principais características do Teatro Pós-Dramático?

20
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Edipro, 2011.

ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Souza. São Paulo: Nova Cultural,

1987. BERTHOLD, M. História mundial do teatro. São Paulo: Editora Perspectiva,

2005.

BRANDÃO, J. S. Teatro grego: origem e evolução. São Paulo: Ars Poetica, 1992.

CAMARGO, R. A. Luz e cena: processos de comunicação coevolutivos. São Paulo:


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.

COHEN, R. Performance como linguagem. São Paulo: Editora Perspectiva, 2011.

CORDEIRO, L. H. B. O desenvolvimento da comédia antiga no sistema democrático


ateniense no séc. V a. C. Revista Dia-Logos, Rio de Janeiro, n. 9, 2015.

FERAL, J. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. Tradução


de Ligia Borges. Quebec: Universidade do Quebec, 2009.

FERREIRA, C. B. F. Reconstrução de uma cortesã na Roma Antiga nas peças


de Plauto. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2012.

GARCIA, W. Comunicação, tecnologia e subjetividade: apontamentos estratégicos.


2008. Disponível em: https://periodicos.uninove.br/remark/article/view/11718. Acesso
em: 24 abr. 2021.

GASSNER, J. Mestres do teatro I. Tradução por Alberto Guzic e J. Guinsburg.


São Paulo: Editora Perspectiva, 1974.

GIMENES, T. R. P. O trágico em Édipo Rei e Lavoura Arcaica: uma leitura


contrastiva. Maringá: Universidade Estatual de Maringá, 2009.

GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 2005.

HELIODORA, B. Falando de Shakespeare. São Paulo: Perspectiva, 1998.

HONAN, P. Shakespeare: uma vida. Tradução de Sonia Moreira. São Paulo: Cia.
das Letras, 1998.

20
LEHMANN, H. Teatro pós-dramático. Tradução Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac
Naify, 2007.

20
LOPES, R. França entre os séculos XVII e XVIII. São Paulo: Editora UNESP;
Cultura Acadêmica, 2015.

MAGALHÃES, Y. A. A conflitante relação entre teatro e realidade. Blumenau:


FURB, 2015.

MAGNAVITA, P. R. Arquitertura, cinema, tecnologia e cenografia virtual. Revista


de Arquitetura e Urbanismo, v. 10, p. 104-107, 2007.

MANTOVANI, A. Cenografia. São Paulo: Ática, 1989.


PAVIS, P. Análise dos espectáculos. São Paulo: Perspectiva, 2003.

PAVIS, P. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

RABELO, A.; MAGALHÃES, Y. Do teatro realista ao teatro do real. Revista Sala Preta,
v. 19, n. 2, 2019.

ROSENFIELD, Kathrin Holzermaur. Antígona – de Sófocles a Hölderlin: por


uma filosofia trágica da literatura. Porto Alegre: L&PM, 2000.

ROUBINE, J. J. Introdução às grandes teorias do teatro. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

ROUBINE, J. J. A linguagem da encenação teatral. Rio deJaneiro: Zahar, 1982.

SANTOS, M. A. S. A apropriação dos mitos em La serrana de la vera e em El mejor


mozo de espana: o resgate da memória e a restauração da imagem de poder.
Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2015.

SÓFOCLES. A trilogia tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona. Tradução de


Mário da Gama Kury. 10. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002.

21

Você também pode gostar