Você está na página 1de 219

Língua

Portuguesa:
Sintaxe –
da Frase ao Texto

Profa. Letícia Emília Krieck


Prof. Vitor Hochsprung

Indaial – 2022
2a Edição
Elaboração:
Prof . Letícia Emília Krieck
a

Prof. Vitor Hochsprung

Copyright © UNIASSELVI 2022

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI.


Núcleo de Educação a Distância. KRIECK, Letícia Emília.

Língua Portuguesa: Sintaxe — da Frase ao Texto. Letícia Emília Krieck; Vitor


Hochsprung. Indaial - SC: UNIASSELVI, 2022.

209 p.

ISBN 978-85-515-0584-7
ISBN Digital 978-85-515-0585-4

“Graduação - EaD”.
1. Língua Portuguesa 2. Sintaxe 3. Brasil

CDD 469.5
Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Acadêmico, desejamos as boas-vindas ao Livro Didático de c. Este livro foi
elaborado com muita dedicação para que você aproveite esta disciplina ao máximo!
Durante o seu decurso, estudaremos o fascinante mundo da sintaxe do português
brasileiro (PB), aprimorando a sua consciência sintática e buscando torná-lo apto a
aplicar essa área em seu contexto de atuação profissional dentro da área de Letras.

Na Unidade 1, trataremos dos passos iniciais ao estudo da Sintaxe. Nessa etapa,


você estudará o funcionamento de abordagens da ciência da linguagem, a linguística,
que o direcionará, especificamente, à Sintaxe. Esmiuçaremos perspectivas de análise
existentes nessa área e trataremos, de modo especial, de uma delas, o Gerativismo,
modelo que será adotado neste livro. Também compete a essa unidade a abordagem das
noções básicas de Sintaxe, que são imprescindíveis para nossa caminhada! A partir desse
estudo, trataremos, ainda, da ambiguidade estrutural, que é muito cara a essa área.

Em seguida, na Unidade 2, compreenderemos as noções de argumento e ad-


junto, que são de suma importância para os conteúdos a serem abordados até o fim
do livro. Então, trataremos de outros conceitos primordiais, como sujeito, predicado,
objetos, complementos, predicativos. Nessa unidade, ainda versaremos sobre a transi-
tividade verbal e as seleções sintáticas. Tudo isso sob a perspectiva gerativa!

Por fim, na Unidade 3, utilizaremos os estudos das unidades anteriores para


tratar do fenômeno do encaixamento, bem como a pontuação e a noção de caso. Ainda,
caberá a essa unidade a abordagem de alguns fenômenos específicos do PB.

Os conteúdos abordados ao longo da disciplina são continuamente retomados


em seções dedicadas exclusivamente a sua aplicação em sala de aula. Esse recurso se
destina, sobretudo, ao profissional de Letras que atua ou pretende atuar como professor
de Língua Portuguesa na educação básica, como um meio auxiliar para contribuir para
a abordagem da disciplina.

Finalmente, destacamos que esta disciplina possui conteúdos cumulativos.


Entenda esse fato como uma escada: para subir um degrau, você sempre dependerá
dos outros que já subiu. Aqui, você utilizará as noções estudadas nas etapas anteriores
às próximas. Por isso, é fundamental que os conteúdos sejam sempre compreendidos
claramente. Conte com seus professores e tutores para isso!

Bons estudos!

Prof a. Letícia Emília Krieck


Prof. Vitor Hochsprung
GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos


os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.
QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você –
e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR
Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite
que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois,
é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.

ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que


preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 — PRIMEIROS PASSOS NO ESTUDO DA SINTAXE................................1

TÓPICO 1 — O ESTUDO DA SINTAXE....................................................................... 3


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 3
2 A LINGUÍSTICA...................................................................................................... 3
2.1 O FAZER CIENTÍFICO............................................................................................................ 4
2.1.1 A ciência da linguagem na educação básica.........................................................7
3 SINTAXE ................................................................................................................ 9
4 PERSPECTIVAS DE ANÁLISE SINTÁTICA...........................................................11
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................... 16
AUTOATIVIDADE.....................................................................................................17

TÓPICO 2 — A SINTAXE GERATIVA....................................................................... 19


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 19
2 CONTEXTUALIZAÇÃO E PRESSUPOSTOS........................................................20
3 O GERATIVISMO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA.................................28
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................... 31
AUTOATIVIDADE....................................................................................................32

TÓPICO 3 — NOÇÕES BÁSICAS.............................................................................35


1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................35
2 AS UNIDADES SINTÁTICAS................................................................................35
3 O SINTAGMA....................................................................................................... 40
3.1 COMO IDENTIFICAR UM SINTAGMA?..............................................................................44
3.2 A ABORDAGEM DA NOÇÃO DE SINTAGMA NA EDUCAÇÃO BÁSICA...................... 47
RESUMO DO TÓPICO 3...........................................................................................49
AUTOATIVIDADE....................................................................................................50

TÓPICO 4 — AMBIGUIDADE ESTRUTURAL...........................................................53


1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................53
2 UMA SENTENÇA, MAIS DE UM SENTIDO...........................................................54
3 TESTES DE CONSTITUÊNCIA.............................................................................56
3.1 TOPICALIZAÇÃO.................................................................................................................. 56
3.2 CLIVAGEM.............................................................................................................................57
3.3 PRONOMINALIZAÇÃO........................................................................................................57
3.4 INTERROGAÇÃO................................................................................................................. 59
4 AMBIGUIDADE NA ESCOLA................................................................................60
LEITURA COMPLEMENTAR...................................................................................62
RESUMO DO TÓPICO 4...........................................................................................68
AUTOATIVIDADE....................................................................................................69

REFERÊNCIAS.........................................................................................................71
UNIDADE 2 — ELEMENTOS SINTÁTICOS.............................................................. 73

TÓPICO 1 — ARGUMENTOS E ADJUNTOS............................................................. 75


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 75
2 COMPREENDENDO A ARGUMENTAÇÃO E A ADJUNÇÃO................................. 75
3 CLASSIFICAÇÃO DOS VERBOS QUANTO À SELEÇÃO DE ARGUMENTOS.......80
4 OS ADJUNTOS E A AMBIGUIDADE SINTÁTICA.................................................82
5 ARGUMENTOS E ADJUNTOS NA ESCOLA........................................................ 84
RESUMO DO TÓPICO 1...........................................................................................86
AUTOATIVIDADE....................................................................................................87

TÓPICO 2 — FUNÇÕES SINTÁTICAS......................................................................89


1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................89
2 SUJEITO E PREDICADO......................................................................................89
2.1 TIPOS DE SUJEITO............................................................................................................. 92
2.2 POSIÇÕES DE SUJEITO.....................................................................................................97
2.3 TIPOS DE PREDICADO...................................................................................................... 99
3 OBJETOS...........................................................................................................100
4 PREDICATIVOS.................................................................................................103
5 COMPLEMENTO NOMINAL, ADJUNTO ADNOMINAL E ADJUNTO
ADVERBIAL.......................................................................................................105
6 FUNÇÕES SINTÁTICAS NA ESCOLA................................................................109
LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................................. 111
RESUMO DO TÓPICO 2..........................................................................................117
AUTOATIVIDADE.................................................................................................. 118

TÓPICO 3 — TRANSITIVIDADE VERBAL.............................................................. 121


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 121
2 VERBOS TRANSITIVOS..................................................................................... 121
2.1 VERBOS TRANSITIVOS DIRETOS....................................................................................122
2.2 VERBOS TRANSITIVOS INDIRETOS...............................................................................123
2.3 VERBOS BITRANSITIVOS (OU VERBOS TRANSITIVOS DIRETOS E INDIRETOS)...... 124
3 VERBOS INTRANSITIVOS................................................................................. 126
4 TRANSITIVIDADE VERBAL NA ESCOLA.......................................................... 129
RESUMO DO TÓPICO 3.........................................................................................130
AUTOATIVIDADE...................................................................................................131

TÓPICO 4 — SELEÇÃO CATEGORIAL E SEMÂNTICA.......................................... 133


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 133
2 PRIMEIRAS REFLEXÕES................................................................................... 133
3 SELEÇÃO CATEGORIAL.................................................................................... 135
4 SELEÇÃO SEMÂNTICA..................................................................................... 137
5 AS SELEÇÕES CATEGORIAL E SEMÂNTICA NA ESCOLA............................... 141
RESUMO DO TÓPICO 4.........................................................................................143
AUTOATIVIDADE..................................................................................................144

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 147
UNIDADE 3 — RELAÇÕES SINTÁTICAS............................................................... 149

TÓPICO 1 — ENCAIXAMENTO...............................................................................151
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................151
2 ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS............................................... 152
3 SENTENÇAS COMPLEXAS E RELATIVAS........................................................ 165
4 ENCAIXAMENTO NA ESCOLA........................................................................... 169
RESUMO DO TÓPICO 1..........................................................................................171
AUTOATIVIDADE.................................................................................................. 172

TÓPICO 2 — TEORIA DO CASO............................................................................. 175


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 175
2 BREVES ESCLARECIMENTOS SOBRE O CASO............................................... 175
3 CASO MORFOLÓGICO E CASO ABSTRATO...................................................... 176
4 A MARCAÇÃO DE CASO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO.................................. 179
LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................................182
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................... 187
AUTOATIVIDADE..................................................................................................188

TÓPICO 3 — A SINTAXE DA VÍRGULA...................................................................191


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................191
2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O EMPREGO DA PONTUAÇÃO................ 192
3 ASPECTOS SINTÁTICOS DO USO DA VÍRGULA............................................... 194
3.1 MOVIMENTO....................................................................................................................... 194
3.2 APOSTOS E VOCATIVOS..................................................................................................197
3.3 TERMOS DE MESMA FUNÇÃO...................................................................................... 199
3.4 ELIPSE VERBAL................................................................................................................ 201
3.5 SUJEITOS DISTINTOS.....................................................................................................202
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................ 204
AUTOATIVIDADE................................................................................................. 205

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 209
UNIDADE 1 —

PRIMEIROS PASSOS NO
ESTUDO DA SINTAXE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer a Linguística e a Sintaxe como campos de estudos científicos sobre língua


e gramática;

• entender detalhadamente os pressupostos gerativistas, a fim de compreender como


essa escola teórica estuda as línguas naturais;

• aprofundar-se nas noções de sintagma, frase, oração e período, que são fundamentais
para o estudo da Sintaxe;

• perceber, descrever e analisar o fenômeno da ambiguidade estrutural, identificando


e reconhecendo quando seu uso implica algum propósito e quando ela deve ser
evitada.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O ESTUDO DA SINTAXE

TÓPICO 2 – A SINTAXE GERATIVA

TÓPICO 3 – NOÇÕES BÁSICAS

TÓPICO 4 – AMBIGUIDADE ESTRUTURAL

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!

Acesse o
QR Code abaixo:

2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 —
O ESTUDO DA SINTAXE

1 INTRODUÇÃO
Se você parar para pensar nos seus tempos de escola, muito provavelmente
vai lembrar das aulas de Língua Portuguesa. Pelo fato de você estar em um curso de
Letras hoje, imaginamos que sejam lembranças boas, que provavelmente influenciaram
você em suas escolhas profissionais. O ensino de Língua Portuguesa engloba leitura,
interpretação e produção de textos. Além disso, é nessas aulas que aprendemos algumas
regras que fazem parte da nossa gramática. Como você já deve desconfiar, essa última
parte será mais presente neste material, uma vez que vamos falar de Sintaxe, ou seja,
da estrutura linguística do PB.

Contudo, é claro que a sua graduação em Letras não é um espelho das aulas da
escola, tampouco uma revisão de conteúdo. Pelo contrário, aqui, nós iremos estudar a
Sintaxe de forma mais aprofundada do que se vê nas escolas. A relação com a escola
existe, é claro, uma vez que, na sua turma, estão sendo formados docentes que irão
trabalhar no chão da sala de aula. Ademais, a visão que adotamos está centrada, ainda,
nas seguintes reflexões: de que forma a Sintaxe é útil ao profissional de Letras, de modo
geral? Como a Sintaxe deve ser estudada por alguém que dará aulas? Mais do que isso,
como será possível relacionar o aprendizado do curso com a profissão docente?

Ao longo do material, estudaremos diversas formas. O nosso primeiro tópico é


sobre a Sintaxe, o trabalho de um sintaticista e a ciência da linguagem. Neste primeiro
momento, entenderemos mais a respeito da disciplina e dos estudiosos que trabalham
com ela. Recomendamos que faça um estudo atento do material e considere as
recomendações de textos. O primeiro passo para ser um bom profissional de Letras é
entender que nunca deixaremos de estudar!

2 A LINGUÍSTICA
Se você esbarrasse em algum colega no corredor e ele percebesse que você está
segurando um livro de Sintaxe e lhe perguntasse o que você estuda nessa disciplina,
em uma resposta rápida, você poderia dizer que a Sintaxe é o estudo das estruturas de
uma língua. Entretanto, para o estudo dessa disciplina no curso de Letras, essa resposta
deve ser mais aprofundada. É preciso, inclusive, pensar em perguntas que antecedem
a essa. Precisamos, enquanto estudiosos da linguagem, entender como a Sintaxe está
presente nos estudos linguísticos, como trabalha um sintaticista, em que a análise
sintática pode ajudar no dia a dia do profissional de Letras, entre outras coisas. Visto
isso, neste tópico inicial, trataremos de apresentar considerações sobre a Linguística, a
ciência na qual os estudos da linguagem se enquadram.

3
2.1 O FAZER CIENTÍFICO
É bastante comum as pessoas associarem a palavra ciência às ciências
naturais, como Física, Biologia e Química, por exemplo. Do mesmo modo, é comum que
o primeiro pensamento sobre um cientista seja uma pessoa de jaleco trabalhando em
um laboratório, misturando elementos ou observando alguma coisa no microscópio.
Se irmos um pouco além, talvez algumas pessoas pensem em artefatos tecnológicos
ou Astronomia. Também é comum pensar em ciência relacionando-a com a saúde e,
desse modo, cientistas seriam aqueles que descobrem vacinas ou cura para doenças.
Não é nosso objetivo dissertar sobre isso aqui e muito menos conflitar com a opinião
de que essas áreas são ciências e que essas pessoas são cientistas. É claro que são!
O ponto em que queremos chegar é: raramente as pessoas pensam na Linguística
com seu status científico. Para muitos, os linguistas são aqueles que dominam várias
línguas ou que sabem tudo sobre a gramática normativa. Sabemos que a Linguística é
uma ciência muito mais complexa que isso, afinal, segue uma metodologia tão rigorosa
quanto as ciências que não geram dúvidas sobre o seu caráter científico. Antes de nos
aprofundarmos nos estudos sintáticos, vamos entender como os estudos linguísticos –
ou, pelo menos, parte deles – são desenvolvidos.

NOTA
A seguir, mostraremos um pouco das reflexões que os
professores Carlos Mioto, Maria Cristina Figueiredo
Silva e Ruth Lopes fazem logo nas primeiras páginas
do livro “Novo Manual de Sintaxe”. Este é um material
complementar bastante interessante para acompanhar
seus estudos nesta disciplina!

Mioto, Figueiredo Silva e Lopes (2018) aproveitam que a Física não apresenta
dúvidas sobre o seu caráter científico e partem dela para mostrar que a Linguística
também é uma ciência. Para isso, comparam um físico com um linguista, mostrando
processos metodológicos semelhantes nessas duas ciências. Aqui, vamos nos basear
(não só, mas em partes) no texto dos autores para explicar esse processo.

A primeira coisa da qual um físico, um linguista e qualquer outro pesquisador


precisam é de um objeto de estudo, ou seja, alguma coisa para estudar. Entretanto,
essa “alguma coisa” precisa ser delimitada. Veja: por mais que a Física estude os
fenômenos do mundo natural, um físico não pode se ocupar de estudar todos eles. Seria
muita coisa! Além disso, mesmo que ele escolha um único fenômeno, haverá aspectos
envolvidos nesse fenômeno que poderão tranquilamente ser descartados da pesquisa.
Tomamos como exemplo um físico que estuda os raios. Para ele, pouco vai importar se
os raios causam espanto na sua tia.

4
De forma parecida, um linguista não pode se ocupar de estudar todos os
fenômenos da linguagem humana e, a depender da sua vertente teórica, poderá descartar
algumas coisas que estão relacionadas ao seu objeto de estudo. Para exemplificar,
vamos aproveitar que estamos na disciplina de Sintaxe e pensar em um sintaticista. Se
a preocupação dele é estudar a estrutura da sentença “por que estamos ouvindo esse
rapaz falar?”, pouco vai importar se a pergunta foi feita em um contexto em que alguém
realmente gostaria de saber o motivo de estarem ouvindo a fala de um homem, ou se a
pergunta foi feita em tom de deboche, como se a fala de um homem fosse ruim. Dessa
forma, podemos considerar que o primeiro passo do cientista é delimitar seu objeto
de estudo.

ESTUDOS FUTUROS
Isso não quer dizer que a sintaxe nunca vai se importar com
sentenças que podem ser interpretadas de forma diferente. Pelo
contrário: quando a ambiguidade é causada por alguma questão
estrutural, então, sim, veremos que é uma preocupação dos
estudos sintáticos. Estudaremos a ambiguidade estrutural
ainda nesta primeira unidade.

É verdade que esse objeto pode surgir da curiosidade do pesquisador que,


a partir da observação, faz a sua escolha. Contudo, após delimitar o seu objeto, é
preciso que volte a observar, dessa vez, de forma atenta, cuidadosa, objetiva e
imparcial. Vamos continuar imaginando o mesmo físico que procura analisar os raios.
Não é recomendado que quem faça isso seja um cientista que tem medo de raios. Isso
certamente influenciaria negativamente a sua pesquisa. Ainda, ele não poderia deixar
que crenças do senso comum ou advindas de outras ideias não científicas interfiram
nas suas análises. Por exemplo: não achamos que o nosso físico faria conclusões muito
eficientes se partisse do pressuposto de que raios são mandados por Zeus.

O linguista estudioso da Sintaxe, como exemplificamos aqui, também deve ser


imparcial em suas observações. Se ele se preocupa em estudar as estruturas de uma
língua, não pode ignorar nenhuma sentença. Embora a gramática tradicional (doravante
GT) se preocupe em fazer prescrições sobre a língua, um sintaticista não pode se basear
nela e ignorar sentenças como “João trouxe uma lasanha para mim comer” somente
pelo fato de a GT não aceitar que um pronome oblíquo (“mim”) anteceda um verbo no
infinitivo (“comer”). Pelo contrário: se essa sentença é produzida pelos falantes e com-
preendida, então ela existe e sua estrutura pode ser analisada pelo cientista da lingua-
gem que se preocupa com esse tipo de dado.

As observações dos fenômenos (tanto para o físico quanto para o linguista),


contudo, são só o começo do fazer científico. Apenas observar não é o suficiente. A
partir das observações, devem surgir questionamentos. O físico, por exemplo, pode

5
se perguntar de onde vêm os raios, por que ocorrem de tal forma e não de outra, por
que são como são, entre outras questões. O linguista também não pode se basear
somente em observações. É preciso se indagar com questões que o façam refletir sobre
o funcionamento do sistema linguístico, através de comparações entre sentenças que
podem ou não existir, para que essas mostrem a origem dos dados, princípios comuns
entre eles e outras coisas que sejam interessantes para o estudo.

Os questionamentos baseados nas observações, após bastante estudo, fazem


com que os cientistas cheguem às suas primeiras hipóteses. Imaginemos: o físico,
após muitas observações e indagações, começou a perceber certo padrão na formação
dos raios. Dessa forma, formulará uma generalização sobre a origem desse fenômeno.
De igual modo, o linguista, após analisar diversas estruturas sintáticas do PB, passa a
fazer predições acerca dessa língua, identificando padrões no sistema linguístico.

Contudo, é preciso entender que uma hipótese é diferente de um fato. O que


faz a hipótese ser uma hipótese é justamente ela não ter o caráter de certeza absoluta.
Hipóteses são refutáveis. Para concretizar uma hipótese como verdadeira, o cientista
deve testá-la. O teste pode ser feito através de uma pesquisa bastante elaborada,
através de mais observações e de muitas outras formas.

ESTUDOS FUTUROS
No Tópico 2 desta unidade, nós discutiremos alguns testes comuns
que podem ser feitos por sintaticistas, como julgamentos de
aceitabilidade, no qual o pesquisador busca identificar quais
estruturas são produzidas e compreendidas por falantes a partir
da intuição destes sobre as sentenças.

Posteriormente, os fenômenos/objetos de estudo passam a ser analisados.


Após a análise dos resultados, em caso de confirmação da hipótese, temos, então,
evidências científicas de que a hipótese seja verdadeira. Caso os resultados apresentem
alguma incoerência na formulação feita anteriormente, a hipótese deve ser reformulada
a partir de novas evidências.

Paralelamente ou depois do procedimento analítico, os resultados são descritos


com todas as informações apuradas pelos cientistas. Essa descrição deve ser ancorada
em uma metalinguagem muito rigorosa para garantir que as formulações sejam
interpretadas de forma única e certeira. Se um modelo teórico apresenta conceitos que
podem ser entendidos de maneira x e de maneira y, ele se torna inconsistente.

Em resumo, vimos que os estudos linguísticos vão muito além do que


conhecemos a partir da GT. A ciência linguística funciona a partir de uma metodologia de
pesquisa bastante rigorosa, que deve ser compreendida e valorizada como toda ciência. De

6
acordo com Bizzocchi (2021), a Linguística foi a primeira, entre as humanidades, a adotar
essa metodologia científica em seus estudos, no século XVIII. Depois, as humanidades
“pegaram emprestada” essa prática e concretizaram seus status de ciências.

2.1.1 A ciência da linguagem na educação básica


Caso seja do seu interesse ser docente na área de Língua Portuguesa,
imaginamos que muito do que você estuda está relacionado à sala de aula. Esse
também é um dos focos do nosso material: tentar estabelecer uma relação firme entre
a teoria e a prática pedagógica. Por conta disso, você verá, no decorrer dos tópicos,
algumas seções dedicadas ao trabalho do professor de Língua Portuguesa, sobretudo
na vertente da gramática da língua.

É possível que você veja esse tipo de abordagem não somente no nosso material,
mas também no decorrer do seu curso (principalmente nas disciplinas voltadas ao currículo,
à didática e à educação). Entretanto, consideramos pertinente fazer um alerta para este
primeiro momento em nosso material: é muito importante estabelecer relações com a sala
de aula, mas, como você trabalhará com turmas bastante diferentes no decorrer da sua
vida, práticas que podem dar muito certo em algumas turmas podem não funcionar em
outras. Toda sugestão é posta aqui como ponto de reflexão, mas ao colocar em prática,
é importante que você, enquanto profissional, conheça seus alunos, seu ambiente de
trabalho, suas condições de tempo e organização e tudo o que envolve a sua aula (muito
mais que o conteúdo). Isso fará com que você consiga adaptar as sugestões que receber
neste e em outros materiais para a sua realidade e de seus alunos.

Dessa forma, dada uma primeira contextualização sobre a ciência da linguagem,


propomos uma reflexão: este é um conhecimento que adquirimos na escola? Não temos
respostas concretas para essa pergunta, porque cada leitor deste material certamente
viveu experiências diferentes no período escolar. Mas aqui vamos descrever algumas
possibilidades e benefícios de você, como futuro professor, trabalhar com esses
conhecimentos em sala de aula.

• Diversidade linguística: entender a língua como um objeto científico da Linguística


pode ser positivo para passar aos seus alunos como a língua é variável. Isso pode
fazer com que eles aprimorem noções culturais e históricas do país e, ainda, evitar
que pratiquem preconceito linguístico (você estudará esse assunto na disciplina de
Sociolinguística).
• Metodologia científica: se você trabalhar com a metodologia científica dentro da
sala de aula, fazendo com que os alunos analisem a gramática de modo parecido
como fazem linguistas (é claro, com toda adequação didática que devemos
fazer, considerando os diferentes públicos), eles entenderão como a(s) ciência(s)
funciona(m). Ademais, entenderão o que contribui para a capacidade analítica, além
de serem estimulados à interpretação textual, à criatividade, ao desenvolvimento do
pensamento crítico e muito mais!

7
DICA
Se você se interessar mais pelas possibilidades de
trabalhar a metodologia científica em sala de aula,
recomendamos o livro “Gramáticas na escola”, de
Roberta Pires de Oliveira e Sandra Quarezemin,
que sugerem que os professores trabalhem com a
gramática a partir da construção de conhecimento
e descobertas linguísticas.

• O conhecimento da língua é implícito: estudaremos mais sobre isso no Tópico 2,


mas já podemos pensar: nossos alunos já chegam à sala de aula falando português
(com uma possível exceção, como acontece com alunos estrangeiros, alunos de
comunidades linguísticas em situação minoritária – é o caso de surdos, indígenas,
descendentes de imigrantes – ou, ainda, há casos de alunos que possuem alguma
deficiência neurológica). Podemos aproveitar esse fácil acesso que eles têm ao produto
científico da Linguística (a língua) para trabalhar com vários aspectos da linguagem.
• Leitura e escrita: uma reflexão mais científica da língua, certamente, também pode
contribuir com os níveis de leitura, interpretação e produção de texto. Inclusive, na
leitura complementar desta unidade, que mostra como os conhecimentos linguísticos
podem evitar (ou facilitar!) a escrita de sentenças ambíguas, você encontrará um
bom exemplo de como uma abordagem científica no estudo da língua pode contribuir
com os níveis de leitura e escrita.

INTERESSANTE
Para além dessas dicas, você também pode procurar por
páginas de divulgação científica no Instagram. Algumas delas
são: @vitorlinguistica, @linguaciencia, @planetadalinguistica,
@gramatimemes, @profe.luana, e outras.

Feita essa breve contextualização dos estudos linguísticos e uma reflexão de


algumas formas para podermos aplicá-los na escola, enfim, voltamos à pergunta feita
pelo colega que esbarrou com você e viu seu livro: o que é Sintaxe? Já apresentamos,
de maneira bastante introdutória (pois nosso objetivo é falar sobre isso durante todo
o material e aprofundar no decorrer das unidades) a Sintaxe dentro da ciência da
linguagem. No próximo subtópico, vamos centralizar mais nossos olhares para essa
disciplina do curso de Letras.

8
3 SINTAXE
Como descrevemos no subtópico anterior, a Linguística é uma área bastante
grande e não é recomendado (e diríamos: nem possível) que uma pessoa se ocupe de
estudar toda a linguagem. Por conta disso, o estudo da Linguística é dividido em áreas e
subáreas. Há, claro, momentos em que ela conversa com outras grandes áreas, como é
o caso de estudos que envolvem Sociolinguística, Psicolinguística, Linguística Aplicada,
Análise do Discurso, entre outras. Contudo, há o chamado “núcleo duro” da Linguística,
que diz respeito às disciplinas preocupadas com a descrição e análise das línguas
naturais, sobretudo em termos gramaticais, como Fonética e Fonologia, Morfologia,
Sintaxe e Semântica.

Visto isso, é possível que, de maneira geral, atribuamos objetos de estudo


a cada cientista, a depender de sua área de interesse. A pessoa que trabalha com
Fonética e/ou Fonologia estará disposta a estudar, descrever e analisar as unidades
sonoras das línguas naturais. A pessoa dedicada aos estudos da Morfologia, por sua vez,
estará preocupada com os elementos que podem aparecer no processo de formação de
um item lexical. O sintaticista, como vimos um pouco anteriormente e veremos mais a
seguir, preocupa-se com o modo como as palavras se combinam numa sentença. Por
último, o semanticista vai observar a relação de sentido e significados dos elementos
linguísticos. Há, também, estudos voltados à Pragmática, ao léxico de um modo geral
e muito mais assuntos espalhados pela Linguística. Não é nosso foco, contudo, traçar
essa linha conteudista da ciência que estudamos.

Deter-nos-emos atentamente à Sintaxe, disciplina que, grosso modo, estuda


como organizamos e combinamos as palavras para formar os enunciados que produzimos
por meio da língua. “Grosso modo”, porque essa noção requer especialização: ao longo
dos estudos desta disciplina, aprenderemos que existem níveis intermediários que
devem ser levados em consideração ao averiguarmos como palavras são articuladas até
formarem sentenças. Assim, de forma básica, o sintaticista é o profissional que estuda
os processos de combinação de palavras para formarem os enunciados da língua, além
dos fenômenos inerentes a tal combinação. Porém, por ora, não se preocupe! Essa
noção será retomada no decurso de nossos estudos.

Quando nós fazemos o uso da língua, seja de forma oral ou escrita, utilizamos
as palavras para organizar o que temos a dizer. As sequências são estruturadas e
organizadas de acordo com regras básicas.

Por exemplo: não é comum você falar com uma amiga e ela comentar:

1) Preparou minha a bolo mãe cenoura um de.

9
O que se espera de um falante nativo de PB é que se produza a ideia da sentença
anterior da seguinte forma:

2) A minha mãe preparou um bolo de cenoura.

A sentença em (1) não é produzida e nem compreendida no PB. Isso significa que,
em nenhum contexto iríamos proferi-la e, ao entrar em contato com ela, provavelmente
estranharíamos. Talvez até pudéssemos acompanhar o sentido dela por conta do campo
semântico das palavras, mas estruturalmente falando não é uma sentença aceitável na
nossa língua.

O processo para que a sentença em (1) se torne gramatical como em (2) pode
ser explicado pela Sintaxe. Primeiro, é preciso entender que nas línguas, os elementos
sempre se organizam de forma relativamente rígida. Por exemplo, no PB, nós aceitamos
ordens como: determinante/artigo antecedendo nome/substantivo, como [a minha
mãe] e [um bolo de cenoura], mas não aceitamos sequências como *[minha mãe a] ou
*[bolo de cenoura um]. Além disso, os elementos devem se combinar entre si, para que
a ideia seja colocada através de uma sentença aceitável. É por isso que uma sentença
como *“A minha mãe um bolo de cenoura preparou” continua agramatical. Perceba que
a organização das sentenças nunca é dada de forma aleatória, pois precisamos seguir
algumas regras.

O principal objetivo da pesquisa em Sintaxe é desvendar, analisar e compreender


as regras que controlam as formações de frases nas línguas humanas. As propriedades
sintáticas de uma língua são muitas e o seu estudo acaba sendo bastante complexo.
Muitas vezes, inclusive, é comum que as preocupações da Sintaxe sejam observadas
em interface com outras áreas dos estudos linguísticos. Por exemplo: a concordância
é um fenômeno a ser observado tanto sob a ótica da sintaxe quanto sob a ótica da
morfologia.

A preocupação do sintaticista está concentrada na estrutura das sentenças.


Sob a ótica científica, o sintaticista vai observar sentenças que são produzidas e também
as que não são produzidas para explicar os fenômenos sintáticos. No Tópico 3, intitulado
“Sintaxe Gerativa”, nós vamos conversar brevemente sobre como isso é feito dentro
do gerativismo. Todavia, é claro que essa não é a única escola da Sintaxe. Há outras
perspectivas de análise, sobre as quais nos debruçaremos a seguir.

10
DICA
Além do “Novo Manual de Sintaxe” (MIOTO; FIGUEIREDO
SILVA; LOPES, 2018), uma boa leitura complementar é o
livro “Para conhecer Sintaxe”, de Eduardo Kenedy e
Gabriel de Ávila Othero. Muito do que falamos aqui é
baseado nessa obra também!

4 PERSPECTIVAS DE ANÁLISE SINTÁTICA


Os estudos em Sintaxe têm avançado muito nas últimas décadas. Desde que a
Linguística se entende como ciência, várias perspectivas surgem para dar conta desse
objeto tão grandioso que é a linguagem humana. Essas perspectivas se diferenciam
pelas maneiras de trabalho, análise, intenções e enfoques teóricos. Neste subtópico,
nossa função não é apresentar detalhadamente cada perspectiva de análise sintática,
mas de mostrar brevemente algumas delas.

É bastante provável que a perspectiva de análise que você mais tenha tido
contato até então seja a abordagem tradicional ou normativa. Afinal, ela é a mais
trabalhada em ambientes escolares, inclusive nos materiais didáticos. Contudo, ela não
é a única. A seguir, veremos outras perspectivas de análise sintática.

DICA
Um bom material para entender mais sobre as
diversas perspectivas de análise sintática é o livro
“Sintaxe, sintaxes: uma introdução”, de Eduardo
Kenedy e Gabriel de Ávila Othero, publicado pela
Editora Contexto.

Antes de falarmos sobre as abordagens, é preciso que façamos alguns


esclarecimentos sobre concepções que estudiosos da linguagem adotam para o termo
“gramática”. Não existe só uma forma de pensar nesse conceito. Embora seja bastante
comum associá-lo à maneira como se estuda a língua em muitas escolas no país, há
pontos de vista que não vão pelo mesmo caminho.

11
A ideia mais comum – essa de muitas escolas – que se diz a respeito de
gramática, é que ela é um conjunto de regras que precisamos seguir ao usar a língua
portuguesa para fazer o uso de forma “correta”. Essa visão é denominada gramática
normativa ou gramática tradicional e, como falamos, a preocupação desse tipo de
gramática é prescrever – ou seja: “legislar” sobre – o uso da língua.

Também é válido refletir que esse tipo de concepção, ao longo da história,


apresenta um caráter bastante elitista. No começo dos estudos da linguagem, o domínio
da gramática normativa era acessível somente a pessoas com maior prestígio social.
Isso é refletido socialmente até hoje, pensando que o que essa perspectiva gramatical
acolhe como certo são as construções realizadas por uma camada privilegiada da
sociedade. Acima de tudo, a gramática normativa é oriunda de uma questão de poder.

NOTA
Por se tratar de um material de Sintaxe,
não é o nosso foco abordar essas questões
aqui. Contudo, caso queira saber mais, re-
comendamos a leitura de materiais de So-
ciolinguística. Bons livros são “Para conhe-
cer Sociolinguística” (de Izete Lehmkuhl
Coelho, Edair Maria Görski, Christiane
Maria de Souza e Guilherme Henrique
May) e “Para conhecer Norma Linguística”
(de Carlos Alberto Faraco e Ana Maria
Zilles), da Editora Contexto.

Outras duas concepções que nos deparamos são as concepções da gramática


descritiva e da gramática internalizada.

A descritiva, fazendo jus ao seu nome, busca descrever os usos linguísticos.


Diferencia-se da visão normativa por não ter a intenção de ditar regras de bom uso,
mas sim de descrever o que de fato acontece ou não acontece na língua. Pensemos,
por exemplo, em construções como “eu amo ele a ponto de abraçar ele toda hora”. Essa
é uma sentença comum no PB, portanto, a gramática descritiva se preocuparia em
falar sobre as regras que tornam essa sentença possível. Para a gramática normativa,
contudo, essa sentença apresenta erros. O pronome “ele” que aparece como objeto
dos verbos “amar” e “abraçar” não deveria aparecer dessa forma, porque é um pronome
pessoal de caso reto. A gramática normativa exigiria que a sentença fosse corrigida para
“eu o amo a ponto de abraçá-lo toda hora”.

12
A gramática internalizada, outra concepção, também faz jus ao próprio nome
quando pensamos que ela é uma concepção voltada aos aspectos internos do ser
humano. Para Ilari e Possenti (1985, p. 1), esse tipo de gramática compõe o “conjunto de
regras que o falante domina”. Esse domínio é tácito, ou seja, o falante não sabe que o
tem. Pense, por exemplo, em uma criança em fase de aquisição de linguagem: é muito
difícil que os pais reservem um dia para ensiná-la formalmente a como conjugar os
verbos, mas é algo que ela acaba fazendo sem precisar de instrução. Você mesmo que
já adquiriu a língua, se é falante nativo de PB, não precisou aprender como conjugar os
verbos para falar. Você nem pensa nessas questões gramaticais. É automático!

A sintaxe tradicional-normativa, como o nome indica, segue a primeira


concepção que vimos: a concepção normativa. Podemos entender que essa abordagem
sintática não se ocupa da totalidade dos usos linguísticos, mas de uma seleção deles,
que é considerada “correta”.

NOTA
Optamos para usar termos como “correto(a)”, “certo(a)”, “errado(a)”,
“erro” etc. entre aspas, porque entendemos língua de uma forma
científica e, como dito logo no início deste tópico, não é prática da
ciência fazer juízo de valor sobre os dados.

Essa é provavelmente a abordagem sintática que você já conhecia antes de


entrar para o curso de Letras. É bastante comum que ela seja abordada na escola em
assuntos como: regência, funções sintáticas, tipos de orações e frases, e pontuação.
Não significa que esses temas não são estudados pelas outras abordagens sintáticas,
mas a visão tradicional-normativa é diferente. As sentenças em (3), por exemplo, seriam
analisadas como erro por conta de a estrutura não seguir as prescrições.

3) a. Maria assistiu o filme.


b. Eu conheço o amigo que você viajou com ele.
c. João, gosta muito de livros de romance.

A sentença em (3a) apresenta um desvio – em termos normativos – de regência


(a GT exige que, quando assistimos, no sentido de ver, assistimos a alguma coisa). A
sentença em (3b) é “corrigida” pela GT como “eu conheço o amigo com quem você
viajou”. Em (3c), a pontuação é o que implica o erro. Há uma regra que sugere não
separar com uma vírgula o sujeito e o predicado da sentença. Acontece, contudo, que
muitos professores relacionam pontuação à pausa, o que faz com que muitas pessoas
escrevam do modo como está nessa sentença por conta do fenômeno de topicalização
do PB – falaremos sobre isso mais adiante.

13
Outra perspectiva de análise é a abordagem funcionalista. Como o próprio nome
já indica, é uma abordagem que se preocupa com a função das estruturas linguísticas. O
funcionalismo é uma abordagem baseada no uso, então, sua preocupação, ao contrário
da visão normativa-tradicional, não é prescrever o que é “certo” ou “errado” nas línguas
naturais.

Ao estudar Sintaxe, um funcionalista defenderá que as estruturas e fenômenos


desse componente gramatical estarão relacionados aos diferentes valores e intenções
comunicativas. Kenedy e Othero (2018) listam algumas características dessa abordagem:
entre elas, entender que a linguagem é uma competência comunicativa e, a partir de
então, delimitar o que os falantes comunicam, ou seja, os tipos de informação que são
codificadas, e também como o fazemos, ou seja, como a mensagem pode ser codificada
em fonemas, morfemas, sintagmas, orações, frases e discursos. Outra característica
dessa vertente é a ideia de que a competência gramatical é pautada na competência
comunicativa. Isso quer dizer que, para funcionalistas, o que motiva a gramática de uma
língua são as funções importantes para a comunicação.

Também é possível estudar Sintaxe por meio de uma abordagem experimental.


Esta, contudo, não pode ser considerada uma teoria sintática. Ela é, em vez disso,
um método de análise. É muito comum, na Linguística brasileira e em outros países,
que pesquisadores adotem metodologias experimentais para seus estudos. Os
experimentos em sintaxe possibilitam, como afirmam Kenedy e Othero (2018, p. 151),
a “formulação e testagem empírica de previsões comportamentais”. Ou seja: é possível
testar a veracidade de predições de produção ou compreensão – no campo sintático –
dos falantes de uma determinada língua.

Exemplificando, brevemente, um estudo em Sintaxe Experimental, precisamos,


primeiramente, delimitar alguns itens (você pode comparar essa parte com a nossa
discussão em 2.1). Toda pesquisa de Sintaxe que utilize método experimental deve
delimitar um objeto linguístico (fenômeno sintático) para ser analisado de modo
comportamental, isto é, pelo registro do tempo de reação, pelo julgamento de
gramaticalidade, pelo índice de acertos em uma tarefa, entre outras atividades que
sejam registráveis de maneira objetiva. A análise dos resultados geralmente é feita a
partir de recursos envolvendo estatística.

NOTA
Como falamos, nosso objetivo aqui não é detalhar profundamente
cada abordagem, mas, sim, direcionar seus olhos para uma perspectiva
plural. Porém, se você se interessar pela abordagem experimental,
recomendamos que procure por estudos que relacionem a Sintaxe com
a Psicolinguística. Um grande pesquisador no Brasil que é referência
para essa área é o Prof. Dr. Marcus Maia.

14
Por fim, dedicaremos nossas próximas reflexões aos pressupostos teóricos
da abordagem formalista. É a partir dos estudos da escola gerativa – logo, ela será
apresentada – que guiaremos os estudos sintáticos nesta disciplina. Para um breve
resumo, podemos entender que a abordagem formalista procura entender e descrever
o lado formal da linguagem. É importante ter em mente que, ao dizer “formal”, não
nos referimos ao contrário de “informal”, assumindo que a abordagem se alinha aos
pressupostos normativos. O gerativismo e a abordagem formalista também procuram
entender o que, de fato, ocorre na língua, sem pensar em certo e errado. A abordagem
leva esse nome por conta da maneira como descreve suas análises: por meio de fórmulas
e demais técnicas de formalização, visando à descrição mais objetiva possível.

Já nos próximos tópicos e, consequentemente, nas próximas unidades, vamos


nos debruçar de forma mais profunda sobre essa perspectiva.

15
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• A Sintaxe estuda a estrutura das línguas naturais e está inserida em uma área maior
chamada Linguística, a ciência que se propõe a descrever, analisar, compreender e
estudar a linguagem humana e as línguas do mundo.

• A Linguística utiliza, entre outras, de uma metodologia científica para estudar as


línguas. Essa metodologia consiste em observar um objeto, questioná-lo, elaborar
hipóteses que possivelmente respondem aos questionamentos, testar essas
hipóteses e, em caso de serem verdadeiras, concluir o estudo.

• A Linguística pode ter espaço na Educação Básica através de vários recursos e


ferramentas da sua ciência.

• Embora a Sintaxe Tradicional seja bastante conhecida, ela não é a única maneira de
estudar as estruturas das línguas naturais.

16
AUTOATIVIDADE
1 No início do Tópico 1, ilustramos a Linguística como uma ciência tão rígida quanto as
outras, problematizando, assim, a desvalorização desta ciência por parte do senso
comum. Uma das características da Linguística que colabora com o seu caráter
científico é o trabalho com a metodologia científica. Sobre esse tema, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) O linguista delimita seu objeto de estudo, observa-o com atenção, questiona


algumas ocorrências sobre ele, elabora algumas hipóteses e faz testes para
analisá-lo.
b) ( ) O linguista, ao observar seu objeto de estudo, deve categorizar quais construções
são corretas e quais são incorretas. Assim, trabalha apenas com as corretas,
visando ao desenvolvimento intelectual da sociedade.
c) ( ) Ao elaborar uma hipótese, o linguista deve pensar que ela é diferente de um fato.
O fato não é uma verdade absoluta, enquanto a hipótese, sim.
d) ( ) Um linguista, para ter credibilidade, deve se ocupar de todo estudo envolvendo a
linguagem humana.

2 Sabemos que a Linguística se divide em várias áreas de concentração. No campo


gramatical, nos deparamos com Fonética, Fonologia, Morfologia, Sintaxe e
Semântica. Além disso, a Linguística conversa com outras ciências em áreas, como
Sociolinguística e Psicolinguística. Ainda, há proposta de estudos dentro do campo do
discurso, da conversa, entre outras áreas. Fazendo um recorte ao campo gramatical,
é possível afirmar que, à área da Sintaxe competem vários aspectos. Sobre esses
aspectos, analise as sentenças a seguir:

I- Estuda a maneira como combinamos os elementos da sentença. A preocupação


dessa área é com a estrutura frasal.
II- Preocupa-se com a formação das palavras de uma língua. As palavras, dessa forma,
são a unidade máxima do estudo sintático.
III- Divide-se em várias perspectivas de análise. Entre elas, abordagem tradicional e
abordagem formalista/gerativa.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença I está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II e III estão corretas.

17
3 A Sintaxe é uma área de estudo dentro da Linguística que estuda as estruturas e
construções das sentenças. Assim como a Linguística por si, a Sintaxe também
apresenta subdivisões. Há várias perspectivas de análise. No material, mencionamos
algumas delas. De acordo com a leitura do material, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) A perspectiva de análise funcionalista, como o próprio nome diz, se preocupa com


a função das formas sintáticas.
( ) A Sintaxe Formalista recebe esse nome porque está preocupada com sentenças
produzidas em contextos mais formais de uso, como palestras, fóruns e textos
jornalísticos.
( ) A perspectiva normativa-tradicional considera algumas construções como erros,
mesmo que elas sejam usadas pelos falantes de português.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 O estudo de gramática pode ser feito de várias formas. Nesta unidade, algumas
concepções foram abordadas: a normativa, a descritiva e a internalizada. Disserte
sobre essas concepções, relacionando-as com as perspectivas de análise sintática.

5 Uma das possibilidades da carreira de um profissional de Letras é trabalhar na sala de


aula. Como os conteúdos do Tópico 1 podem ser relacionado com o trabalho docente?

18
UNIDADE 1 TÓPICO 2 —
A SINTAXE GERATIVA

1 INTRODUÇÃO
Talvez, em sua caminhada no curso até este momento, você já tenha ouvido falar
do Gerativismo. Essa é uma abordagem que, merecidamente, vem recebendo destaque
nas últimas décadas dentro da Linguística e que guia grande parte das pesquisas que
vêm se dedicando a entender como se dá o funcionamento das línguas naturais. Assim,
independentemente de qual é ou será a sua linha de atuação dentro da área de Letras,
é fundamental que você esteja familiarizado com essa influente linha de análise, pela
imensa contribuição que trouxe e traz para a ciência linguística, de modo geral.

É possível que você esteja se perguntando por que um tópico inteiro está
sendo dedicado para tratar do Gerativismo, frente às outras perspectivas apresentadas
anteriormente. Essa exclusividade é dada em função do fato de que, embora a gramática
gerativa se constitua um terreno fértil em todos os níveis de análise formal das línguas,
é na Sintaxe que ela se aplica primordialmente. Dito de outro modo, o seu “coração”
está no objetivo de entender de que modo as sentenças das línguas naturais são
estruturadas e quais são as implicações dessa estruturação para a maneira como nos
comunicamos e nos expressamos. Pela sua notável relevância aos estudos em Sintaxe
em âmbito mundial, nesta disciplina, essa abordagem será tomada como central às
discussões que faremos adiante.

Mas o que, afinal de contas, é o Gerativismo? Para um início de conversa,


podemos entendê-lo como uma teoria linguística concebida pelo linguista estadunidense
Noam Chomsky a partir da publicação de Syntactic Structures (“Estruturas Sintáticas”),
em 1957. No entanto, para compreendermos amplamente o que defende essa teoria
e o motivo pelo qual ela é a perspectiva que guia esta disciplina, faz-se necessária
uma abordagem cuidadosa de seus pormenores. Este tópico se dedica a trazer essa
abordagem, desenvolvendo a contextualização histórica dessa teoria, as suas muitas
implicações para a análise linguística e a sua importância substancial para o modo
como entendemos, ensinamos e trabalhamos com a língua atualmente.

Para fazê-lo, nosso percurso iniciará pela descrição de como os estudos


linguísticos vinham sendo feitos até meados dos anos 1950, por meio da linha
estruturalista e behaviorista. Em seguida, contrastaremos a abordagem gerativa frente
a essas perspectivas, caracterizando os princípios do Gerativismo e abordando suas
noções básicas. Também caracterizaremos noções importantes para nossos estudos
nesta disciplina, como a de regra e a de gramaticalidade. Por fim, trataremos dos
benefícios e de como abordar tal perspectiva no âmbito escolar, nas aulas de Língua
Portuguesa.

19
2 CONTEXTUALIZAÇÃO E PRESSUPOSTOS
Até os anos 1950, década em que as primeiras ideias gerativistas foram
lançadas, os estudos linguísticos eram guiados, sobretudo, pela base epistemológica
do Estruturalismo, de fundação póstuma de Ferdinand de Saussure. De modo muito
básico, essa corrente teórica, que se deteve principalmente nos sons e no significado das
palavras, defendia que o estudo da língua deveria ser aproximado de ciências humanas
como a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia. Era defesa dos estruturalistas que
as línguas naturais não deveriam ser comparáveis, devendo cada uma ser estudada
isoladamente; ainda, que cada língua era constituída por um conjunto finito de
construções, como uma espécie de lista de sentenças prontas para serem usadas
quando da necessidade de cada uma.

ATENÇÃO
Neste livro, estamos abordando o termo “língua natural” no sentido de
Kenedy (2013, p. 12):

Uma língua natural – como o português,


o xavante, o alemão ou qualquer outra
dentre as mais de seis mil línguas existentes
hoje no mundo – é aquela que emergiu
de maneira espontânea e não deliberada
no curso da história humana. Opostas
às línguas naturais, figuram as línguas
artificiais. Uma língua artificial – como o
esperanto e aquelas criadas em obras de
ficção ou em códigos de computador –
são conscientemente inventadas por uma
pessoa ou por um grupo de indivíduos.

Também é importante salientar que, embora o termo “língua” seja


o mais utilizado nos estudos linguísticos contemporâneos, estamos
considerando-o como equivalente a “idioma”.

Alguns desdobramentos da vertente estruturalista se alinharam com o Beha-


viorismo (que vem do termo inglês behavior, o qual traduzimos como “comportamento”),
que sustenta que os comportamentos humanos, em sua forma geral, funcionam como
uma resposta a um estímulo. Seguindo tal concepção, os estudiosos da linguagem afi-
liados a tal teoria encaravam a estruturação das línguas naturais ao mesmo modo: as
pessoas aprendem e utilizam a língua porque reagem a estímulos. Dito de outro modo,
esses pesquisadores acreditavam, por exemplo, que uma criança em fase de aquisição
de linguagem aprende a falar tão somente por repetir o que as pessoas à sua volta que
já adquiriram a língua dizem.

20
No entanto, o Behaviorismo se mostrava insuficiente para explicar algumas
situações de uso da língua que apareciam muito comumente no dia a dia. Uma dessas
situações é o caso muito corriqueiro de produzirmos e interpretarmos sentenças
inéditas, isto é, que nunca ouvimos anteriormente. Se a língua fosse, de fato, um mero
sistema de repetição de estímulos prévios, nós deveríamos elaborar e interpretar apenas
exatamente o que já escutamos alguma vez. Mas será que isso se verifica na prática?
Pense se você já leu ou escutou alguma sentença como (4), a seguir:

4) Uma cabrita colorida escalou as montanhas mais altas do planeta na ensolarada


tarde de 14 de junho de 1992.

Imaginamos que você provavelmente nunca tenha ouvido algo igual a (4), não
é mesmo? Contudo, mesmo sem tê-lo feito, você consegue interpretar e compreender
perfeitamente o que essa sentença significa. Assim, podemos entender que essa
hipótese estruturalista, definitivamente, não parece se verificar na prática. Outra
questão não contemplada pelos estudos linguísticos, até então, se refere ao fato de que
sujeitos acometidos por lesões cerebrais graves em áreas específicas do cérebro – em
decorrência de derrames, acidentes ou outras questões patológicas – podem perder
a capacidade plena de se comunicarem utilizando a língua ou, até mesmo, quando,
ainda em fase de aquisição da linguagem, serem impossibilitados de desenvolver essa
capacidade plena. O Behaviorismo, por si só, não podia explicar tal fenômeno.

Assim, mesmo que as abordagens de cunho estruturalista tivessem trazido


contribuições valiosas para o estudo científico da linguagem, elas ainda se mostravam,
sob certos aspectos, um tanto simplistas e insuficientes para tratar de algumas questões
que envolviam os fatos da língua. Foi o que o então estudante Noam Chomsky, na
década de 1950, passou a pontuar: para ele, a ciência linguística não deveria se pautar
em aspectos comportamentais, tampouco em ciências humanas, para entender como
as pessoas produzem e compreendem sentenças. Em Syntactic Structures (CHOMSKY,
1957), publicação resultante de cinco anos de pesquisa de Doutorado, Chomsky
enunciou que a ciência linguística tem a função de explicar o que a mente humana
faz quando elabora sentenças. Para ele, essa área deveria se voltar a compreender os
aspectos de natureza biológica que determinam a formação dos enunciados – assim,
a área da Linguística que busca tais compreensões teria, segundo o autor, uma relação
muito mais forte com a Biologia e com outras ciências naturais do que com algumas
ciências humanas. É essa obra que inaugura a perspectiva gerativa de análise da língua –
o Gerativismo, termo que será esclarecido mais adiante.

Para Chomsky, todo ser humano é dotado de uma faculdade da linguagem.


Esse termo, fundamental para os nossos estudos, prediz que todos nós nascemos com
um componente genético que porta a língua e, portanto, temos uma predisposição para
aprendê-la. Dito de outro modo, é como se a nossa natureza biológica determinasse que
todos nós estamos “programados” para adquirir alguma língua. Além disso, é entendido
que toda criança, antes de aprender a sua língua materna, parte de um mesmo estágio

21
inicial, independentemente de qual é o meio em que ela está crescendo. À medida
que essa criança é exposta aos estímulos linguísticos do ambiente (ou seja, à língua
materna), esse componente vai sendo modificado, adaptando-se ao meio ao qual está
sendo exposta.

Para entendermos melhor como funciona essa teoria, pensemos em dois bebês
que nasceram no mesmo dia e crescerão no país de nascimento: um, no Brasil, e o
outro, na China. A teoria chomskyana prediz que, antes de iniciar a fase de aquisição
da linguagem (em torno dos 18 meses de idade), o componente genético cerebral
responsável por portar a língua é idêntico nos dois bebês, por mais que já estejam
expostos a ambientes socioculturais e linguísticos bastante distintos. Porém, ao término
do período de aquisição (mais ou menos, aos seis anos de idade), esse componente será
completamente diferente nas duas crianças, já que cada um foi moldado conforme os
estímulos linguísticos específicos da região em que essas crianças cresceram.

Chomsky define que esse “estágio inicial” do componente genético responsável


pela língua, homogêneo para todas as crianças e do qual elas partem para adquirir a
língua materna, corresponde a uma classe rígida e limitada de princípios. Por outro
lado, as mudanças desse componente, assimiladas ao longo do período de aquisição,
são definidas como parâmetros. Com a Teoria de Princípios e Parâmetros, muito
importante para os estudos em gramática gerativa, Chomsky define que todas as
línguas possuem os mesmos princípios linguísticos, mas os parâmetros divergem entre
cada uma delas. Juntos, princípios e parâmetros formam a Gramática Universal,
uma descrição abrangente das regras que explicitam como funciona a comunicação
humana. Compete aos linguistas a descrição dessas regras, ou seja, o objetivo desses
profissionais é caracterizar quais são os princípios, comuns a todas as línguas, e os
parâmetros, que tornam uma língua diferente de outra.

Até este ponto, já podemos compreender que o Gerativismo é substancialmente


diferente da perspectiva de análise da língua majoritariamente adotada pela Linguística
até então. Como observamos, uma dessas diferenças se situa no fato de que, enquanto o
Estruturalismo definia que cada língua deveria ser “colocada em uma caixa”, tendo de
ser analisada separadamente de outra, a gramática gerativa entende que as línguas
podem, sim, ser aproximadas, porque partem dos mesmos princípios. Além disso, a
análise individualizada dos parâmetros de cada língua mostrará que uma língua A pode
compartilhar de uma mesma regra com uma língua B, mas que essa regra pode não,
necessariamente, valer para uma língua C.

O conceito de “regra” pode estar abstrato para você neste momento. Essa
confusão é natural, porque é comum que, quando estamos falando de gramática,
associemos “regra” ao sentido normativo do termo. A gramática normativa normalmente
aceitará perfeitamente sentenças como (5a) e (5b), mas dificilmente terá esse julgamento
para uma sentença como (5c):

22
5) a. Nós tomamos refrigerante somente aos fins de semana.
b. A gente toma refrigerante somente aos fins de semana.
c. Nós toma refrigerante somente aos fins de semana.

O problema da gramática normativa com sentenças como (5c) é que a


concordância em número e pessoal do pronome “nós” não está de acordo com a flexão
do verbo “tomar”. Essa abordagem normalmente tratará uma sentença como (5c) como
errada, incorreta, porque não está adequada às regras estabelecidas pelos gramáticos
normativistas. Também há algumas menções (não necessariamente associadas à
tradição normativa) a construções como essa serem “feias”, um estereótipo pejorativo
e discriminatório – que, na Linguística, é entendido como uma forma de preconceito
linguístico.

Diferentemente, a gramática gerativa não concebe o termo “regra” desse


modo. Nessa perspectiva, entendemos que todas as línguas são formadas por regras
internalizadas aplicadas sucessivamente, e essas regras formam a nossa gramática
internalizada. Parece complicado, não é?! Por isso, vamos compreender essa definição
em etapas. Em primeiro lugar, uma regra é uma especificação descritiva de algum
princípio ou de algum parâmetro existente na(s) língua(s). Em segundo lugar, saber que,
no sentido gerativo do termo, uma regra é sempre internalizada tem o sentido de que
nós não temos consciência de que sabemos essas regras; o domínio e a aplicação de
tais envolvem processos inconscientes e automáticos. Isso significa dizer que, quando
formulamos alguma sentença, existem vários processos gramaticais envolvidos nessa
produção (isto é, várias regras sendo aplicadas), embora não necessariamente saibamos
quais são, tampouco que estamos utilizando-os naquele momento. O conjunto do
grande número de regras que colecionamos em nossa mente subconscientemente
compõe a nossa gramática internalizada.

Por último, o Gerativismo entende que essas regras internalizadas são aplicadas
sucessivamente, isto é, continuamente. Isso porque, para formularmos uma sentença que
faça sentido para o receptor e para compreendermos uma sentença emitida por alguém,
devemos ter domínio internalizado das regras da língua em que esses enunciados estão
sendo produzidos. Esse domínio permitirá com que apliquemos essas regras quantas
vezes forem necessárias. E é, justamente, por isto que a gramática gerativa possui esse
nome: pois, a partir da compreensão (ainda que inconsciente) de um número limitado de
regras, somos capazes de gerar um número ilimitado de sentenças. Percebemos, neste
momento, mais um contraste dessa perspectiva em comparação ao Estruturalismo,
pois, como abordamos anteriormente, para essa vertente, a língua seria formada por
um número determinado de sentenças, como se dispuséssemos de modelos prontos
para serem utilizados – o que não se verifica para a perspectiva gerativa.

23
Vejamos de modo mais prático como essa aplicação dessas regras internalizadas
acontece em nossa mente. Para começarmos, leia as sentenças em (6), a seguir:

6) a. Os professores consideram esses alunos inteligentes. PB


b. Teachers consider these students to be smart. Inglês
c. Los maestros consideran estos estudiantes inteligentes. Espanhol

Se você não entender inglês ou espanhol, não se preocupe! As três sentenças


possuem significado equivalente. O objeto que queremos analisar nessas sentenças
é a concordância em número dos substantivos (em negrito – “alunos”, “students”
e “estudiantes”) com os adjetivos que fazem referência a eles (sublinhados –
respectivamente, “inteligentes”, “smart” e “inteligentes”). Perceba que, enquanto a
concordância é realizada em PB e em espanhol por meio da desinência “-s”, que marca
plural, isso não acontece no inglês. Nessa língua, não há qualquer marca de concordância
de número: o adjetivo permanece invariável, independentemente do número singular
ou plural do substantivo. Assim, para esse objeto em análise, o parâmetro para o inglês
é parecido com “Não é realizada concordância em número do adjetivo em relação ao
substantivo a que se refere”; para o PB e o espanhol, por outro lado, o parâmetro é algo
como “É realizada concordância em número do adjetivo em relação ao substantivo a
que se refere”.

Agora, repare em como, no PB, a não aplicação dessa regra fará com que a
sentença em (7) não seja interpretada com a mesma naturalidade, se em comparação
a (6a):

7) Os professores consideram esses alunos inteligente.

A estranheza com a qual encaramos a sentença em (7) acontece porque o


emissor da sentença não aplicou a regra paramétrica (ou seja, que reflete um parâmetro
do PB) supradescrita. Neste ponto, é interessante retomarmos a noção de que as
regras, sob a perspectiva gerativa, são internalizadas. Perceba que, para formularmos
sentenças como (6a), não pensamos que devemos estabelecer a concordância em
número entre o adjetivo e o substantivo: isso simplesmente acontece! Esse processo é
realizado automaticamente, pois é intuitivo e inconsciente.

Do mesmo modo, nós aplicamos esse tipo de concordância dessa forma,


provavelmente, desde antes de ingressarmos na escola. Perceba que, mesmo que, em
certo momento, algum professor tivesse abordado esse tema em sala de aula durante
o período escolar, ele fez um trabalho apenas descritivo, pois esse é um conhecimento
que nossa gramática internalizada possui desde certa etapa de nosso processo de
aquisição da língua. Isso significa que as regras gramaticais, sob a perspectiva gerativa,
não dependem de um ensino formal, mas de um aprendizado que obtemos naturalmente
nos primeiros anos de nossa vida.

24
A esta altura, já podemos desconfiar do fato de que o Gerativismo possui
critérios de avaliação de enunciados diferentes de outras perspectivas teóricas. De fato,
essa vertente não julga as sentenças por meio de rótulos tais quais “certo” vs. “errado”,
“correto” vs. “incorreto”, “bonito” vs. “feio”. De outro modo, o julgamento perpassa questões
como: eu, falante da língua X, compreendo o que está sendo dito nessa mesma língua?
Esse enunciado é natural para mim? Por exemplo, a sentença em (7), para nós, falantes
de PB, não possui a mesma naturalidade do que aquela em (6a).

Mas como podemos avaliar se julgamos uma determinada sentença bem-


formada ou não? Para nos inserirmos nessa questão, abordaremos um dos principais
critérios para avaliar a formação das sentenças: a gramaticalidade. Basicamente, a
gramaticalidade avaliará se determinada construção pertence a certa língua (cf. MIOTO;
FIGUEIREDO SILVA; LOPES, 2007) ou não. Por esse critério, se um enunciado tiver
boa formação, será avaliado como gramatical; por outro lado, um enunciado que tiver
má-formação será agramatical. Nas pesquisas em Linguística, os índices expostos na
Figura 1 são utilizados para avaliar os enunciados linguísticos quando da sua não plena
gramaticalidade. Os símbolos normalmente são postos à esquerda das sentenças, para
indicar o julgamento atribuído a ela. Como exposto na figura, os pontos de interrogação
(“?”) indicam haver dúvidas quanto à gramaticalidade da sentença: quando simples,
esse ponto indicará leve estranheza; quando duplos, indicarão alta estranheza. Por sua
vez, o asterisco (“*”) compreende certeza quanto à má-formação do enunciado.

FIGURA 1 – ÍNDICES DE MÁ-FORMAÇÃO DOS ENUNCIADOS

? ?? *
Enunciado um pouco Enunciado muito Enunciado agramatical:
estranho: tenho estranho: tenho muitas eu não produzo, não
dúvidas sobre a sua dúvidas sobre a sua entendo e considero esse
gramaticalidade. gramaticalidade. enunciado malformado.

FONTE: Os autores (2022)

Para compreendermos como esses conceitos acontecem na prática, vamos


analisar outro objeto, sobre o qual se pode aplicar uma regra paramétrica: a ordem dos
sintagmas nominais – por ora, não se preocupe com essa definição; ela será esclarecida
mais adiante, ainda nesta unidade. Leia as sentenças em (8), a seguir, prestando atenção
sobretudo no conteúdo entre colchetes:

8) a. [As belas praias] encantam os turistas.


b. [As praias belas] encantam os turistas.
c. [Belas praias as] encantam os turistas.
d. [Praias belas as] encantam os turistas.

25
Acreditamos que todo falante de PB concordará conosco se dissermos que não
há problema algum quanto à gramaticalidade de (8a) e (8b) – ambas são sentenças bem
formadas! Por outro lado, nossa gramática internalizada não aceita formações como (8c)
e (8d); parece haver um parâmetro em nossa mente que esteja determinando que, numa
situação natural, não devamos colocar o artigo (“as”) após o substantivo (“praias”) ou o
adjetivo (“belas”). Portanto, qualquer formação que não respeite essa regra produzirá
agramaticalidade. Podemos adaptar as sentenças em (8) inserindo nosso julgamento
de gramaticalidade:

9) a. [As belas praias] encantam os turistas.


b. [As praias belas] encantam os turistas.
c. * [Belas praias as] encantam os turistas.
d. * [Praias belas as] encantam os turistas.

NOTA
Além do conceito de gramaticalidade, o Gerativismo trabalha com a noção de aceitabili-
dade. Essa noção está presente em menor medida neste livro, mas pode ser importante
para você, caso queira ir além nos estudos gerativistas. A aceitabilidade envolve conceitos
extrassintáticos, ou seja, envolve áreas da gramática além da Sintaxe. Para compreender-
mos como se dá a sua aplicação, observamos a sentença a seguir, enunciada por Chomsky
(1957) e muito popular entre os sintaticistas gerativistas:

1) Ideias incolores verdes dormem furiosamente.

Essa sentença pode soar um tanto estranha aos nossos ouvidos. Porém, podemos notar
que, sintaticamente falando, ela é bem formada. Ou seja, ela é gramatical, pois todas as
relações sintáticas demandadas estão sendo cumpridas satisfatoriamente (mais além,
entenderemos melhor a noção de relações sintáticas). Então, por que ela nos soa estranha?
O nosso problema com ela pode perpassar questões como: ideias não podem dormir;
nada que é incolor pode ser, ao mesmo tempo, verde, nem vice-versa; ideias não podem
atuar de maneira furiosa; e é difícil imaginarmos que alguém possa dormir furiosamente.
Percebemos que tais problemas são restrições de ordem semântica, ou seja, que
concernem ao sentido das expressões envolvidas. Quando a sentença mostra esse tipo
de problema, não envolveremos mais o julgamento quanto à sua gramaticalidade, mas,
sim, quanto à sua aceitabilidade; diremos, então, que uma sentença como (1) é inaceitável.
Assim, a aceitabilidade é um índice que mostra problemas não sintáticos dos enunciados,
mas que envolvem outras questões gramaticais ou de outras ordens linguísticas.
É importante, ainda, levarmos em consideração que, para avaliar uma sentença como
aceitável ou inaceitável, devemos nos deter apenas na linguagem denotativa, isto é,
dicionarizada. Afirmar isso implica defendermos que nosso julgamento de aceitabilidade
excluirá contextos de linguagem figurada, poética, conotativa. Para exemplificarmos, leia o
excerto a seguir, extraído do conto Missa do Galo, de Machado de Assis:
“Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene,
enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me
às aventuras”.

Disponível em: <http://www.biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://www.biblio.com.br/


conteudo/machadodeassis/missadogalo.htm>. Acesso em: 13 dez. 2021.

26
Atente-se à oração destacada em negrito. Se levarmos em conta
a linguagem figurada e o contexto em que esse fragmento está
inserido, saberemos que “a casa dormia” tem o sentido de que
todas as pessoas da casa estavam dormindo; possivelmente,
ainda, que o ambiente estava silencioso, sem movimentações. No
entanto, deixando o sentido conotativo de lado e considerando
apenas o conteúdo dicionarizado da oração, perceberemos que
não faz sentido que uma casa durma. Isso porque uma casa,
sendo um ser não animado, não tem a necessidade de dormir e
nem pode fazê-lo. Ou seja, existem restrições de ordem semântica
(isto é, que levam em conta o sentido dessa expressão) para a
aceitabilidade dessa oração. Por isso, diremos que, sob o ponto de
vista gerativista, essa oração será gramatical, porém, inaceitável.

Nesse sentido, faz parte do trabalho do sintaticista gerativista desvendar quais


são as regras subjacentes em nosso componente mental responsável pela linguagem.
Em outras palavras, em acordo com o que já estudamos, esse estudioso fará o papel de
descrever os princípios e parâmetros (por consequência, trabalhará com a constituição
da Gramática Universal) das línguas naturais do mundo. Nas palavras de Kenedy (2015,
p. 14-15), o objetivo desse pesquisador

é descrever quais são as regras de uma língua que geram estruturas


sintáticas gramaticais e, ao mesmo tempo, impedem a geração de
estruturas agramaticais. Ao longo dos anos de amadurecimento da
Sintaxe Gerativa, os sintaticistas vêm analisando inúmeras línguas
e, como era de se esperar, têm descoberto que certas regras
computacionais aplicam-se a um dado conjunto de línguas, mas não
a todas as línguas naturais. [...] Por outro lado, os gerativistas também
vêm descobrindo que muitos fenômenos sintáticos realizam-se
uniformemente entre as línguas.

Novamente, é importante reiterar que o conhecimento necessário para avaliar


sentenças como aquelas em (8) não é aprendido na escola – ele parte do conhecimento
linguístico internalizado dos falantes de PB. Se questionarmos uma criança que ainda
não frequenta a escola, mas que já está ao fim do seu período de aquisição, sobre a
compreensão desses enunciados, ela certamente nos trará a mesma avaliação. Neste
momento, então, podemos nos questionar: como o Gerativismo pode ser trazido à
escola? Quais são os benefícios dessa abordagem para as aulas de Língua Portuguesa
da educação básica? O próximo subtópico se debruçará sobre essas questões, buscando
relacionar os conhecimentos que estudamos até este ponto às aulas da disciplina.

27
3 O GERATIVISMO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
É um tanto quanto comum ouvirmos os brasileiros dizerem coisas como estas,
sobre as aulas de Língua Portuguesa da escola: “português é muito difícil!”, “eu não
sei nada de português!”, “estudar gramática é muito chato, né?!” e “eu nunca entendi
aquelas regrinhas de português!”. Existem várias hipóteses sobre os motivos pelos
quais as pessoas possuem essa espécie de senso comum sobre as aulas da disciplina;
aqui, defenderemos que ele se deve, em grande parte, ao fato de o ensino de Língua
Portuguesa ser dado, muitas vezes, de uma maneira que desconsidera a necessidade
de uma conexão palpável com a vida real do estudante. Ao longo deste livro, daremos
indicações de como o professor pode abordar as noções sintáticas em sala de aula.
Por ora, nesta etapa, sugeriremos de que modo o enfoque de noções gerativistas pode
auxiliar o trabalho do professor e o aprendizado dos alunos, tornando as aulas de Língua
Portuguesa mais atraentes e coerentes com as realidades linguísticas da turma.

Normalmente, quando falamos dos aspectos sintáticos das línguas naturais,


mencionamos muitas funções sintáticas: sujeito, objeto, complemento, adjunto...
Vários são os conceitos que estudaremos ao longo desta disciplina e que, se não
forem devidamente abordados com os alunos, podem dar a sensação de que não são
importantes ou são muito artificiais, existindo somente dentro das paredes da sala de
aula. Mas como tornar esse ensino contextualizado, de modo que faça sentido para
quem está aprendendo? O Gerativismo pode nos mostrar alguns caminhos.

Como vínhamos abordando até o momento nesta unidade, a perspectiva


gerativa entende que nós, seres humanos, temos uma predisposição natural para o
desenvolvimento da língua. Também já sabemos que não formamos sentenças sem
que haja, subjacentemente a esse processo, regras que são internalizadas; isso significa
dizer que os nossos enunciados não são elaborados de qualquer forma – se fossem,
seria impossível entendermos uns aos outros! –, mas existem parâmetros que guiam as
nossas produções linguísticas. Assim, estudar Sintaxe na escola não deixa de ser um
aprendizado descritivo de como funciona a organização da língua em nossa mente. É
muito interessante que você, professor em formação, deixe seus futuros alunos a par
disso, para que o aprendizado das noções sintáticas seja fundamentado, e o ensino
faça mais sentido para eles. Você pode provocá-los, questionando-os: “a sua mente
subconsciente já sabe quais são essas funções e essas regras, mas não tem como te
contar. Vamos descobri-las, então?!” Não se esqueça de deixar claro aos estudantes
que esse conhecimento é internalizado, o que torna a aplicação das regras, quando da
formulação de sentenças, automática, sem que passem por nossa mente pensamentos
como “agora, vou aplicar a regra x para formar essa sentença!”

28
Também é importante esclarecermos que os nomes dados às várias funções
sintáticas e aos outros conceitos que permeiam a área da Sintaxe são, basicamente,
rótulos, utilizados para organizar o conhecimento que os linguistas adquirem sobre as
línguas. Notemos que o mesmo procedimento é utilizado em todas as áreas da ciência;
por exemplo, na Meteorologia, os cientistas que se dedicaram a estudar as nuvens
dividiram-nas em vários tipos, todos com características específicas. Cada um desses
vários tipos recebeu um nome exclusivo que diferenciasse uma categoria de nuvem
de outra: cirrus, cirrocumulus, nimbostratus, cumulonimbus etc. Na Sintaxe, veremos
que as palavras ou agrupamentos de palavras também são classificadas pela função
que desempenham nos enunciados das línguas, bem como os verbos, de acordo com a
seleção de seus termos. Embora, na sala de aula, a Sintaxe do PB seja o foco, você pode
deixar claro aos estudantes que as classificações a serem estudadas podem valer para
todas as línguas naturais do mundo.

A Sintaxe é uma das áreas da gramática que melhor permite que sejam feitas
relações com o conhecimento internalizado do aluno, o que permite que as aulas
favoreçam uma abordagem mais dinâmica, em detrimento de concepções meramente
prescritivistas. Isso significa que, no lugar de os alunos simplesmente memorizarem os
conceitos, eles podem pensar sobre tais termos e como se aplicam na língua que falam
no cotidiano. Para explorar o saber subjacente dos estudantes, você pode, inclusive,
apresentar-lhes os conceitos de gramaticalidade e agramaticalidade, solicitando que
julguem enunciados apresentados por você. O professor também pode relacionar os
resultados alcançados pelos alunos aos conceitos a serem ensinados, quando isso for
possível.

Um dos principais mitos que rodeiam a matéria de Língua Portuguesa, que


brevemente mencionamos no início desta seção, é de que as pessoas que, por algum
motivo, não possuem bom desempenho na disciplina não sabem nada de português.
Na verdade, como já discutimos, todo falante que sabe se comunicar em uma língua
sabe muito sobre ela, mesmo que não conscientemente! Cabe ao professor considerar
que quem é fluente em português tem domínio de um número altíssimo de regras sobre
essa língua, embora essas regras sejam internalizadas, conforme o que já sabemos.

Sob esse ponto de vista, o trabalho do professor de Língua Portuguesa se


assemelha àquele dos professores de outras disciplinas, que também levam em conta,
de alguma forma, o conhecimento que o aluno já possui. Por exemplo, um professor de
Geografia, ao ministrar conteúdos relacionados ao clima, considera, como pressuposto,
que a turma saiba o que é calor, frio, vento, chuva, nuvens, sol e tantos outros conceitos
relacionados. Reparemos que esse profissional aproveita essas noções e habilidades
que os alunos já possuem – e que não foram adquiridos em contexto de educação
formal, mas em suas vivências cotidianas desde a infância –, para desenvolver, a partir
deles, conhecimentos mais aprofundados dentro de sua área de atuação.

29
É este, justamente, o ponto de partida ao trabalho do professor de Língua
Portuguesa que trabalha sob a perspectiva gerativa: ter em mente que o aluno falante
(materno ou não) de português sabe muito sobre essa língua. Esse profissional deve
deixar claro aos alunos que eles possuem um conhecimento gramatical complexo a
respeito dessa língua, mesmo que não necessariamente dominem as noções sintáticas
formais. É papel do professor, ainda, enfatizar que jamais se deve confundir essas regras
internalizadas com prescrições normativistas, que foram definidas por gramáticos e
não necessariamente refletem a língua que falamos cotidianamente, nos mais variados
contextos de fala. Sabendo disso, é muito mais provável que esses estudantes vejam
mais sentido em aprender e discutir, durante as aulas, a Sintaxe de sua língua, já
que enxergarão a relação da disciplina com a sua vida e com o conhecimento que já
possuem. Dessa forma, aumenta, também, a chance de os alunos se envolverem nas
aulas, não mais considerando-as chatas, entediantes ou difíceis – o que, por sua vez,
facilita o trabalho do professor e, sobretudo, o aprendizado desses estudantes.

30
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• A faculdade da linguagem prediz que todos nós nascemos com um componente


genético que porta a língua e, portanto, temos uma predisposição para aprendê-la.

• A gramaticalidade julga se determinada construção pode ser produzida em um


contexto natural de uso de certa língua.

• Compete à abordagem gerativista desvendar quais são as regras subjacentes em


nosso componente mental responsável pela linguagem.

• A Gramática Universal corresponde a uma descrição abrangente das regras que


explicitam como funciona a comunicação humana.

31
AUTOATIVIDADE
1 Fundada por Noam Chomsky a partir da publicação de Estruturas Sintáticas, em
1957, a teoria gerativa é perspectiva que guia grande parte das pesquisas em Sintaxe
atualmente. O Gerativismo pode se mostrar muito produtivo, ainda, para o trabalho
do professor na disciplina de Língua Portuguesa. Sobre as contribuições dessa
perspectiva ao domínio da sala de aula na educação básica, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A abordagem de noções gerativistas pode ser instrumento para um ensino de


Sintaxe de maneira mais contextualizada e atraente para os estudantes.
( ) O Gerativismo se mostra um método favorável ao ensino de noções sintáticas, uma
vez que trabalha de modo a estimular e tornar mais produtiva a memorização de
conceitos.
( ) Dentre as contribuições que a abordagem gerativista pode trazer à educação
básica, pode-se citar o fato de os estudantes perceberem que a língua que utilizam
no cotidiano é dotada de regras, mesmo que não tenham consciência de tais.
( ) O enfoque da noção de gramaticalidade pode ser produtivo aos alunos à medida
que, por meio dela, pode-se alcançar a conclusão de que existem parâmetros em
nossa mente que guiam o modo como estruturamos frases e orações.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – V – F – V.
b) ( ) V – F – F – F.
c) ( ) V – F – V – V.
d) ( ) F – V – V – F.

2 Embora trabalhem com bases bastante distintas, o Estruturalismo e o Gerativismo são


duas teorias de importância substancial para definir a Linguística enquanto ciência
e para a constituição de seus métodos e procedimentos. A respeito das diferenças
entre essas duas vertentes teóricas, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Estruturalismo.
II- Gerativismo.

( ) Concebe que a língua seja produto de um número limitado de regras, que podem
ser aplicadas para formulação de um número ilimitado de sentenças.
( ) Concebe que a língua seja formada por um número limitado de sentenças, prontas
para serem utilizadas quando da necessidade de cada uma.

32
( ) Prediz que os aspectos que caracterizam uma língua não podem ser comparados com
aqueles que definem outra língua, devendo cada uma ser analisada separadamente.
( ) Prediz que as línguas devem ser comparadas, já que podem se comportar de ma-
neira semelhante em certos aspectos, bem como de modo divergente em outros.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I – II – II – I.
b) ( ) II – I – I – II.
c) ( ) I – II – I – II.
d) ( ) II – I – II – I.

3 Princípios e parâmetros são dois conceitos de suma relevância para a teoria


gerativa. Juntos, eles compõem a Teoria de Princípios e Parâmetros, que guia em
grande medida as pesquisas em Sintaxe atualmente. Sobre esses dois termos e as
implicações dessa teoria, analise as sentenças a seguir:

I- Os princípios das línguas são constituídos por regras que são comuns a todas as
línguas e que estão presentes uniformemente na mente de qualquer ser humano
no estágio anterior ao início da aquisição da linguagem.
II- Os parâmetros das línguas são formados por regras que caracterizam cada língua,
especificamente, e podem ou não divergir entre uma e outra. São definidos pelo
ambiente linguístico em que a criança nasceu e formam o componente linguístico
mental a partir do primeiro mês de idade.
III- A Gramática Universal é formada por um conjunto de regras que definem pormeno-
rizadamente a organização gramatical de todas as línguas do mundo, restringindo-
-se, portanto, à definição dos parâmetros das línguas.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a sentença I está correta.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) Somente a sentença III está correta.
d) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.

4 Vimos que um falante tem capacidade de julgar sentenças. Leia atentamente os


enunciados a seguir e, utilizando os conceitos de aceitabilidade e gramaticalidade
(vistos no tópico acima), responda como cada enunciado pode ser devidamente
avaliado? Justifique como você fez essa escolha:

(1) Hoje, eu comprei um bolo chocolate de.


(2) Hoje, eu comprei um bolo de chocolate.
(3) As portas comeram todas as maçãs aqui de casa.
(4) As crianças comeram todas as maçãs aqui de casa.

Utilizando os conceitos de aceitabilidade e gramaticalidade, como cada enunciado pode


ser devidamente avaliado? Justifique como você fez essa escolha.

33
5 Vimos que há várias formas de analisar a língua. Entre elas, a perspectiva tradicional e
a perspectiva gerativa. Antes de responder à questão, leia atentamente os dois pares
de sentenças a seguir:

(1) Ei, você, levante agora dessa cama, por favor!


(1’) Ei, você, levanta agora dessa cama, por favor!
(2) Tu chegas atrasado ao trabalho todos os dias?
(2’) Tu chega atrasado no trabalho todos os dias?

A partir de cada uma das quatro sentenças, faça uma reflexão sobre os critérios de
avaliação em acordo com a gramática normativa e a gramática gerativa, procurando
contrastar ambas as perspectivas teóricas.

34
UNIDADE 1 TÓPICO 3 —
NOÇÕES BÁSICAS

1 INTRODUÇÃO
Até este ponto, pelo estudo atento deste livro didático, já colecionamos
alguns conhecimentos acerca do vasto campo de estudo da Sintaxe, que permitem
que avancemos em nossos estudos. Entre as informações mais importantes que
compreendemos, está o fato de que essa área se ocupa de estudar de que maneira
palavras se combinam para formar sentenças na língua. Essa é uma noção fundamental
sobre o campo que estamos estudando e que, pela relevância que possui, demanda
especialização. Neste tópico, trataremos de aprofundar esse conceito, abordando
definições primordiais para o estudo da Sintaxe e que nos acompanharão ao longo de
toda a disciplina.

Em primeiro plano, serão apresentados os conceitos de frase (ou sentença),


diferenciando-os das noções de enunciado, oração e período, que também serão
esmiuçados. Este tópico versa, ainda, sobre a definição de sintagma, uma das
principais dentro da área da Sintaxe. Além de conhecermos, pormenorizadamente, as
particularidades desse conceito, compreenderemos a importância de o profissional de
Letras e, sobretudo, o professor de Língua Portuguesa dominá-lo em seu cotidiano
de trabalho. Ainda, aprenderemos alguns métodos de identificação de sintagmas na
sentença, que nos auxiliarão em nossa caminhada pela vasta amplitude da Sintaxe. Por
fim, discutiremos as vantagens e alguns métodos de abordagem desse conceito nas
aulas de Língua Portuguesa do ensino fundamental e médio.

2 AS UNIDADES SINTÁTICAS
Você já deve ter percebido que alguns termos são utilizados com bastante
frequência nesta disciplina: enunciado, frase, sentença, oração. De fato, todos estes
são conceitos muito comuns na área que estamos estudando. Isso se deve ao fato de
que, ao se debruçar sobre o processo de estruturação das sentenças, a Sintaxe lida
com unidades mentais abstratas, no sentido gerativista do termo. Como já estudamos,
considerar tais unidades desse modo implica admitirmos que (i) nossa mente organiza
as palavras seguindo regras estabelecidas por Princípios e Parâmetros; e (ii) esse
ordenamento acontece de uma maneira impalpável, sem que nos demos conta de tal
processo.

35
Contudo, podemos nos dar conta de que o uso de qualquer língua natural, em
suas diversas finalidades – comunicação, expressão, interação etc., – acontece por meio
de unidades que tenham nexo e sentido completo. Isso implica afirmar devidamente que
nada do que proferirmos em uma situação discursiva natural será ausente de sentido:
um contexto comunicativo ou expressivo no qual utilizamos a língua nunca é arbitrário,
destituído de significação. A partir dessa lógica, assumiremos que utilizamos a língua por
meio de enunciados. Vamos definir esse termo precisamente: um enunciado é a menor
unidade do discurso, de estrutura e dimensão variável, que expressa e/ou transmite
uma proposição de sentido completo, inserida em determinado contexto discursivo.

A concepção de Bechara (2015, p. 422-423), que adotamos neste Livro,


especifica algumas noções importantes sobre os enunciados da língua em contexto
comunicativo:

• são mensagens completas e de acordo com a situação em que se acham falante e


ouvinte;
• são unidades sequenciais delimitadas por um silêncio precedente a ele e uma pausa
final;
• são proferidos com um contorno melódico particular.

Destacamos alguns exemplos de enunciados expostos pelo autor:

• “Os homens desejam a paz”.


• “Chove muito no verão”.
• “Sim”.
• “Vou.”
• “Que você achou da festa?”
• “Que calor!”
• “Depressa!”
• “Relampeja.”

Bastante correlato ao enunciado é o conceito de frase ou sentença, que


consiste em uma palavra ou um conjunto delas que transmite sentido completo. As frases
são delimitadas pelo início ou fim de um turno de fala e, na língua escrita, por estes sinais
de pontuação: ponto final (“.”), ponto de interrogação (“?”) e ponto de exclamação (“!”).
Por esse critério, em específico, notamos que se torna muito mais fácil reconhecermos
uma frase na língua escrita, enquanto por suas características prosódicas – ou seja,
que levam em conta características fonológicas como pausa, entonação, ritmo etc. –,
o enunciado é mais naturalmente identificável na oralidade. Assim, dentro dos estudos
linguísticos, cada um desses termos é mais frequentemente utilizado dentro destes
escopos: enunciados no meio oral, e frases ou sentenças no meio escrito.

Vamos analisar esses conceitos por meio do pequeno diálogo em (10), entre a
secretária de um consultório médico e um paciente:

36
10) Secretária: — Boa tarde! Posso confirmar sua consulta para amanhã às 10 horas?
Paciente: — Não, vou ter que cancelar! Tive uma emergência de última hora. Você
tem horários para o fim da tarde?
Secretária: — Sim, tenho alguns horários: às 17h e às 18h.

Por encontrar-se escrito, podemos facilmente identificar as sentenças do diálogo


em (10). Primeiramente, existem três turnos de fala: o primeiro e o terceiro, que são
executados pela secretária, e o segundo, realizado pelo paciente. Internamente a tais,
sinais de pontuação tornam claro o reconhecimento das frases da conversa: seguindo
os três turnos de fala, temos, respectivamente, duas, três e uma frase, totalizando seis
frases nesse excerto.

Imaginemos, agora, que você não leu, mas escutou o diálogo em (10). Muito
provavelmente, você acompanharia o desenrolar da conversa sem pensar em como
ela seria pontuada se fosse escrita. Contudo, prestando uma atenção um pouco maior,
seria possível identificar que o diálogo certamente foi proferido utilizando de recursos
prosódicos de pausa e ritmo, que servem também como estratégias inconscientes
dos sujeitos envolvidos no discurso para demarcar as unidades da fala compostas de
sentido, ou seja, os enunciados. Vamos analisar como isso acontece no diálogo em (10),
conforme (11):

11) Secretária: — [E1] Boa tarde! [E2] Posso confirmar sua consulta para amanhã às 10
horas?
Paciente: — [E3] Não, [E4] vou ter que cancelar! [E5] Tive uma emergência de última
hora. [E6] Você tem horários para o fim da tarde?
Secretária: — [E7] Sim, [E8] tenho alguns horários: [E9] às 17h e às 18h.

Vamos entender cada etapa da separação em (11), que considerou nove


enunciados: para além de cada frase, que necessariamente constitui pelo menos
um enunciado, algumas sentenças apresentam mais de um. Essa separação se dá
em função do fato de que cada um desses fragmentos constitui um sentido
completo, mesmo que dependa de determinado contexto. No caso específico desse
diálogo, os enunciados poderiam ser proferidos separadamente sem haver perda do
sentido original, mesmo que isso implicasse que a conversa tomasse rumos diferentes
daqueles descritos em (10). Assim, como acontece em [E1], [E2] e [E5], um enunciado
pode corresponder a exatamente uma frase; contudo, essa não é uma necessidade,
já que podemos ter frases compostas por vários enunciados.

A análise que fizemos em (10-11) pode sugerir que os enunciados são facilmente
identificáveis se considerarmos os sinais de pontuação que se fazem presentes em uma
situação escrita. De fato, esses sinais podem fornecer indicações sobre os enunciados.
Porém, essa não é uma necessidade: primeiramente, porque a pontuação utilizada em
um texto oral transcrito nem sempre é fixa; e, sobretudo, porque a adição de alguns
sinais de pontuação não necessariamente isola o sentido de uma palavra ou de um
grupo delas. Observe as sentenças em (12):

37
12) a. “Contudo, ainda fazia sol.”
b. “O Natal é, sem a menor sombra de dúvidas, o dia mais feliz do ano.”

Repare que, em ambas as sentenças, as expressões “contudo” e “sem a menor


sombra de dúvidas”, destacadas por vírgulas, dificilmente podem ser dissociadas do
restante do conjunto, já que o seu emprego está estritamente vinculado ao sentido
do restante da frase. Elas, portanto, não possuem significação própria, o que as
impede de serem categorizadas como enunciados. Assim, em (12), as duas sentenças
correspondem, exatamente, a dois enunciados.

Internamente à estrutura frasal, também podemos ter uma ou mais orações


– conceito primordial para a Sintaxe! Uma oração é toda sequência formada por tão
somente um verbo ou locução verbal. Para a existência de uma oração, os termos que
“orbitam” o verbo devem satisfazer as suas necessidades predicativas. Não se preocupe,
neste momento, com esse conceito, pois ele será retomado adiante neste Livro. Por
enquanto, vale entendermos apenas que somente sequências gramaticais, no sentido
gerativo do termo, e que forneçam o sentido completo ao enunciado, podem ser orações.
Dessa forma, se desconsiderados quaisquer possíveis contextos, uma sentença como
(13), apesar de conter um verbo, não é uma oração, pois é agramatical. Diferentemente,
em (14) e (15), temos frases formadas por uma oração, uma vez que existem nestas,
respectivamente, um verbo e uma locução verbal, e a sentença é bem-formada:

13) * A Joana comprou.

14) A Joana comprou uma casa.

15) A Joana foi comprar uma casa.

Muito comuns no PB são sentenças que possuem mais de uma oração, por
disporem de mais de um verbo não auxiliar em sua formação. É importante lembrar
que esses casos não incorporam a situação de locuções verbais: nessas situações,
especificamente, há um verbo exercendo uma função de auxiliar, compondo uma
espécie de “unidade” com o verbo principal; assim, ambas as formas fazem parte de
somente uma oração. Exemplares desses casos são apresentados em (16-17).

16) Com 20 anos, o João já [tinha feito] muita besteira.

17) Você [pode sair] a qualquer hora.

Nas outras situações, poderemos assumir devidamente que as sentenças com


mais de um verbo possuem mais de uma oração, como as amostras em (18-20):

38
18) Acordar todos os dias às 6 horas da manhã faz a Bruna feliz.

19) Carlos não gosta de cozinhar, apenas de apreciar os resultados.

20) A melhor época para plantar maçã é entre julho e setembro.

Entendendo os conceitos de sentença e oração, estamos habilitados a


compreender o que são períodos. Esse termo consiste, simplesmente, em sentenças
que contêm pelo menos uma oração. Assim, conseguimos concluir que todo período
é, de forma obrigatória, uma sentença, mas nem toda sentença é um período – pois,
como estudamos, uma frase não precisa dispor de um verbo para se constituir como
tal. Na tradição gramatical, existem dois tipos de período: o período simples e o período
composto. Vamos conhecer separadamente cada um deles:

• Período simples: constituído por somente uma oração.

Exemplos:

21) O filho da Cláudia é muito inteligente!

22) Onde o Lauro mora?

23) Primeiro, vêm as obrigações; depois, o lazer.

• Período composto: constituído por duas ou mais orações.

Exemplos:

24) Quero tirar o carro da garagem.

25) O Lauro mora na rua em que a Paula trabalha.

26) A criança ficou doente depois de pegar frio e andar na chuva.

Neste momento, a partir do conhecimento das noções de frase ou sentença,


enunciado, oração e período, é possível notar um aspecto comum entre elas: o fato
de que todos esses conceitos – que são tão importantes para a análise sintática – são
unidades de sentido completo. Isso quer dizer que a Sintaxe Gerativa, via de regra,
se aplicará sobre unidades passíveis de produção na língua; em caso de sentenças
agramaticais ou inaceitáveis, essa área se dedicará a explicar por que nosso aparato
cognitivo não produz tais sentenças.

39
3 O SINTAGMA
A palavra “sintagma” já apareceu algumas poucas vezes até este ponto. Por
mais que não tivéssemos nos concentrado, de fato, em sua definição, a menção a esse
termo ocorreu por um motivo muito simples: não há como falar de Sintaxe sem falar
de sintagma. De súbito, é possível que essa afirmação tenha lhe causado espanto, não
é?! Isso acontece porque, infelizmente, o sintagma não possui, nas escolas, materiais
didáticos e internet, o prestígio do qual é digno. Nesta seção, abordaremos esse termo
básico e fundamental para os estudos de Sintaxe, entendendo como podemos identificar
um sintagma e por que esse termo deve se fazer presente no trabalho do professor em
sala de aula.

Cada nível de análise linguística formal possui um objeto como centro, em torno
do qual as análises orbitam: o fone é objeto da Fonética; o fonema, da Fonologia; o
morfema, da Morfologia; o sema, de algumas vertentes da Semântica. Acompanhando
essa lógica, o sintagma – que também é chamado de “constituinte” – é o objeto central
da Sintaxe. Os estudos dos sintaticistas envolvem, também, compreender como
palavras se combinam para formar sintagmas e como sintagmas se combinam para
formar orações.

Mas, afinal, qual a relevância de sabermos o que é um sintagma? Quando


tratamos das relações sintáticas – tema que fará parte, sobretudo, da Unidade 2 deste
Livro –, não será, necessariamente, uma palavra que exercerá determinada função
na sentença: diferentemente, trata-se de um sintagma que possui esse papel. Para
entender melhor essa relação, considere as sentenças em (27-31). Adiantaremos que,
nessas frases, todos os elementos que estão unidos internamente a um mesmo par
de colchetes são um só sintagma e representam a mesma função na sentença – que,
como ficará claro adiante neste livro, é a função de sujeito. Observe:

27) [João] saiu para correr.

28) [O homem] saiu para correr.

29) [O homem grisalho] saiu para correr.

30) [O homem grisalho que é primo daquela mulher] saiu para correr.

31) [O homem grisalho que é primo daquela mulher que trabalha na escola] saiu
para correr.

Assim como a sequência de (27) a (31) mostrou um aumento progressivo na


extensão do sintagma-sujeito da sentença, poderíamos continuar essa extensão
indefinidamente sem que essa sequência deixasse de compor um mesmo sintagma.
Nesse caso, vale a nota para o fato de que, em geral, os falantes de qualquer língua

40
natural tendem a não preferir sintagmas muito grandes, pois a nossa mente possui
uma limitação relacionada à memória: quanto maior o sintagma, maior, também, será a
chance de perdermos o foco central da mensagem a ser emitida, o que pode atrapalhar
o processo de comunicação. Isto é: há uma limitação extralinguística (ou seja, que não
compete mais à Sintaxe, mas a outro domínio) para que eles ocorram em situações
naturais de uso da língua. Na prática, esse critério acarreta no fato de que sintagmas
gigantescos podem existir sem que sejam agramaticais, apesar de restritos na língua
pela limitação da memória dos seres humanos. Observe:

32) [O homem grisalho que é primo daquela mulher que trabalha na escola que
fica na cidade que apareceu no jornal que passa depois da novela que tem um
ator espanhol que é famoso por gravar vídeos que são bastante polêmicos]
tem um paletó bonito.

Apesar de a sentença em (32) ser gramatical, ela jamais seria produzida em uma
situação natural de fala, pois, ao final do sintagma, o ouvinte já teria perdido de vista
o seu início, não conseguindo relacioná-lo a “saiu para correr”. De qualquer forma, os
exemplos de (27) a (32) permitem que alcancemos uma inferência importante sobre os
sintagmas:

• Os sintagmas não são definidos pela sua extensão: podem ser compostos por
uma ou muitas palavras.

Agora, vamos supor que, à sentença em (33), foi agregado outro sintagma à
esquerda:

33) [Na segunda-feira], [o homem grisalho] saiu para correr.

O que faz o sintagma mais à esquerda não pertencer ao sintagma-sujeito da


oração [o homem grisalho]? Possivelmente, este é o critério mais importante sobre
qualquer sintagma: o fato de que cada um possui um único termo que funciona como
núcleo. Se uma oração possuir dois sintagmas, teremos dois núcleos distintos; se tiver
três sintagmas, teremos três núcleos; e assim por diante. O núcleo pode ser entendido
como o “rei do sintagma”: todos os demais termos que o acompanham fazem isso
porque o núcleo permite e rege essa relação. Eis, então, mais um aspecto importante a
ser considerado a respeito dos sintagmas:

• Os sintagmas são organizados em torno de um núcleo.

Retomemos a sentença (33). Nessa, o sintagma mais à esquerda tem a


preposição “em” (fundida ao artigo “a”) como o seu núcleo; por sua vez, o sintagma-
sujeito é organizado em torno do núcleo “homem”, que coordena todas as relações
estabelecidas com os outros termos do sintagma. Este é, justamente, o motivo pelo
qual uma oração como (32) é gramatical – todos os demais termos estão sintaticamente

41
subordinados ao núcleo “homem”. Sabendo disso, é possível refinarmos a observação
feita quanto à limitação de memória, que torna uma formação como essa impraticável
na língua: essa restrição acontece porque as últimas expressões do sintagma seriam
pronunciadas muito posteriormente ao seu núcleo, fazendo com que o receptor da
mensagem perca de vista esse item central.

Por ser o item que domina o sintagma, o núcleo definirá a qual categoria o
sintagma pertence. Dentro dos estudos de Sintaxe, existem dois grandes grupos de
categorias: núcleos lexicais e núcleos funcionais. Os núcleos lexicais, primeiramente,
são aqueles que envolvem palavras, itens concretos e que podem ser verbalizados. Já
os núcleos funcionais incorporam itens cuja função é tão somente gramatical, abstrata,
e nem sempre envolve algum componente verbalizado, ou seja, uma ou mais palavras.

Como este é um material de introdução à Sintaxe, trabalharemos, neste


momento, apenas com os núcleos lexicais. Consideramos que são cinco as possíveis
classificações dos sintagmas lexicais: sintagma nominal (SN); sintagma verbal (SV);
sintagma preposicional (SP); sintagma adjetival (SA); e sintagma adverbial (SAdv). Então,
podemos inferir mais uma informação importante:

• A categoria do sintagma é definida pela classificação do seu termo-núcleo.

Vamos tratar de cada grande grupo isoladamente:

• Sintagma nominal (SN): possui um substantivo ou pronome pessoal (que também


podem ser chamados de “nome”) como núcleo do sintagma.

Exemplos:

34) [A didática do professor] agradou [os alunos].

35) [A ciência] pode ser divertida.

36) [A gente] vai sair mais cedo hoje.

37) [A encomenda que eu pedi no sábado para você] chegou.

Sintagma verbal (SV): possui um verbo como núcleo do sintagma. É o caso


de orações que exercem alguma função sintática dentro da sentença, com o verbo
flexionado, infinitivo, no gerúndio ou no particípio.

Exemplos:

38) [Tomar chá de goiabeira] é o melhor remédio para dor de barriga.

39) Eu saí [correndo] de susto!

42
Sintagma preposicional (SP): possui uma preposição como núcleo do sintagma.
Normalmente, essa preposição é, linearmente, o primeiro termo do sintagma.

Exemplos:

40) As atas foram entregues assinadas [para a prefeita].

41) Ninguém gosta [de conversa] na hora de ler.

Sintagma adjetival (SA): possui um adjetivo como núcleo do sintagma. É muito


comum que esse adjetivo esteja sozinho ou acompanhado de advérbios (por exemplo,
“muito”, “pouco”, “demais” e “somente”).

Exemplos:

42) Eu te considero [inteligentíssima].

43) O dia de hoje foi [quente demais].

Sintagma adverbial (SAdv): possui um advérbio como núcleo do sintagma. Esse


advérbio é, frequentemente, o único elemento do sintagma.

Exemplos:

44) A Marta trabalha [duro].

45) Eu [dificilmente] comeria uma barata.

NOTA
Sobre a classificação dos sintagmas, cabem duas ressalvas. A primeira é relacionada
aos SAdvs. A literatura de base gerativa comumente considera esse grupo de
sintagmas como sintagmas funcionais, e não lexicais. Existe uma série de motivos que
sustentam esse fato, os quais competem a uma abordagem mais profunda da Sintaxe,
que não nos interessa neste Livro. Como este é um guia introdutório sobre a Sintaxe,
que visa a construir uma base ao raciocínio sintático no futuro profissional de Letras,
essa categoria é tratada como lexical.
A segunda ressalva concerne à nomenclatura utilizada. A literatura
de base gerativa opta, como convenção mundialmente adotada, por
utilizar os rótulos dos sintagmas em acordo com a língua inglesa e
de forma abreviada. Por isso, é muito comum que sejam utilizadas as
siglas NP (noun phrase), VP (verbal phrase), PP (prepositional phrase), AP
(adjectival phrase) e AdvP (adverbial phrase), respectivamente, para SN,
SV, SP, SA e SAdv. De qualquer forma, a correspondência dessas siglas
é a mesma em relação à abordada neste Livro.

43
3.1 COMO IDENTIFICAR UM SINTAGMA?
Apesar de já sabermos o que é um sintagma, a importância dessa noção para a
Sintaxe e quais os grandes grupos dentro dos quais podemos classificar os constituintes
lexicais, pode remanescer, ainda, uma dúvida: como é possível identificar os sintagmas
dentro de uma oração qualquer? Este subtópico indica alguns direcionamentos para
essa questão, abordando, neste momento, dois métodos para o reconhecimento dos
constituintes, com base em Tescari Neto (2017). Neste momento, vale a nota para o
fato de que o Tópico 4 desta unidade, que abordará a ambiguidade sintática, trará mais
métodos além dos apresentados nesta etapa, que também podem ser utilizados para
apontar quais são os constituintes de uma oração.

Para começar, vamos entender o método da coordenação. Esse método parte


da importante generalização de que todos os sintagmas podem ser coordenados com
outros sintagmas de igual categoria. Para testar esse recurso, utilizemos a conjunção “e”
para coordenar o primeiro constituinte nominal da sentença em (46) a outro constituinte
nominal arbitrário:

46) [A didática do professor] e [a sua animação] agradaram os alunos.

A partir de (46), podemos perceber que o sintagma coordenado a [A didática do


professor] também é nominal, por possuir um substantivo como núcleo. Esse mesmo
procedimento também pode ser aplicado ao segundo constituinte nominal dessa
sentença. Vejamos:

47) A didática do professor agradou [os alunos] e [os pais].

Da mesma forma que se aplica aos SNs, esse método se estende a outras
categorias de constituintes. Vamos analisar como o recurso se aplica a outros exemplos
que trouxemos nesta seção:

48) [Tomar chá de goiabeira] e [repousar] são os melhores remédios para dor de
barriga.

49) As atas foram entregues assinadas [para a prefeita] e [para seus assessores].

50) Eu te considero [inteligentíssima] e [carismática].

51) A Marta trabalha [duro] e [devidamente].

Deixaremos como exercício que você identifique os sintagmas das outras


sentenças que trouxemos como exemplos!

44
Utilizando o método da coordenação, é muito possível que cheguemos à
conclusão de que podemos coordenar elementos dentro de um mesmo sintagma.
Como exemplo, retomemos o SN inicial da sentença em (52) para analisar quais as
possibilidades de coordenação internamente a ele:

52) a. [Tomar [[chá de goiabeira] e [muita água]]] é o melhor remédio para a dor de
barriga.

b. [Tomar chá [[de goiabeira] e [de camomila]]] é o melhor remédio para a dor de
barriga.

c. [Tomar chá de [[goiabeira] e [camomila]]] é o melhor remédio para a dor de


barriga.

Podemos, então, nos perguntar: por que existem tantas possibilidades de


coordenação entre os itens desse SN? A questão envolvida neste caso é que podem
existir sintagmas internos ao constituinte maior – nesse caso, o SV [tomar um chá de
goiabeira]. Atentando-se a esse fato, percebemos que, nos três exemplos de coordenação
suprarreferidos, os sintagmas acompanham um item distinto: [chá de goiabeira] e
[muita água] são SNs que acompanham “tomar”; [de goiabeira] e [de camomila] são SPs
que acompanham “chá”; e [goiabeira] e [camomila] são SNs que acompanham “chá de”.
Já que a coordenação é possível nessas quatro situações, consideraremos que esse
sintagma possui quatro níveis. Observe:

• Nível primário: [tomar chá de goiabeira]


• Nível secundário: [chá de goiabeira]
• Nível terciário: [de goiabeira]
• Nível quartenário: [goiabeira]

As relações sintáticas internas a um sintagma de maior extensão, como


acontece no SV [tomar chá de goiabeira], serão retomadas na Unidade 2. Nesta unidade,
deste ponto em diante, trabalharemos tão somente com os constituintes em seu nível
primário. Mesmo assim, é importante alertar para o fato de que, para descobrir qual é o
sintagma pelo teste da coordenação, deve-se coordená-lo a um sintagma de mesmo
grupo (SN, SV, SP, SA ou SAdv) e nível; caso contrário, podemos cair em erros!

Existe uma outra informação importante sobre os sintagmas (nesse caso,


em seu nível mais amplo), que Tescari Neto (2017) denomina de teste da proibição
da inserção: em hipótese alguma, os constituintes podem ser quebrados por outros
sintagmas. Vamos utilizar um sintagma de termo único, como [devidamente] (de uma
sentença como (53)), para testar essa afirmação em alguns sintagmas que citamos
como exemplo. Utilizaremos o sinal de agramaticalidade para as sequências que são
muito estranhas ou não passíveis de produção em uma situação natural de uso da língua.

45
53) * As atas foram entregues assinadas [para devidamente a prefeita].

54) * As atas foram entregues assinadas [para a devidamente prefeita].

Por que (53-54) são inusuais na língua? Porque um advérbio como [devidamente]
não pode quebrar o sintagma [para a prefeita]; já que não pode se referir ao termo
“prefeita” – tal qual a maior parte dos advérbios, que não modificam substantivos
(BECHARA, 2015). Vejamos, por outro lado, o resultado dessa mesma sentença com
esse advérbio em posições que não rompem os sintagmas:

55) As atas foram entregues assinadas [devidamente] [para a prefeita].

56) As atas foram entregues assinadas [para a prefeita] [devidamente].

Como é previsível, a boa-formação de (55-56) se deve ao fato de que o SAdv


não rompe o SP [para a prefeita], mantendo-se a gramaticalidade e o sentido original
da oração.

Há uma ressalva a ser feita em relação a esse teste: ele pode não se adequar
satisfatoriamente para a identificação de SVs. Analisemos, novamente, (52), agora com
a intervenção de [devidamente]:

57) [Tomar devidamente chá de goiabeira] é o melhor remédio para dor de barriga.

58) * [Tomar chá devidamente de goiabeira] é o melhor remédio para dor de barriga.

59) * [Tomar chá de devidamente goiabeira] é o melhor remédio para dor de barriga.

Conforme as nossas previsões, (58-59) são sequências que se tornam


malformadas em função da inserção do SAdv [devidamente]. Contudo, a mesma
situação não se verifica em (57). Então, por que essa sentença é gramatical, se há um
sintagma rompendo outro? O que se verifica nesse caso é que o advérbio “devidamente”
se refere a “tomar”, o verbo desse SV. Dessa forma, a boa formação da sentença é
mantida. Repare que, quando a forma adverbial interfere no constituinte secundário
[chá de goiabeira], a sentença se torna sistematicamente agramatical. Portanto, deve-
se ficar atento a esse teste quando da identificação de SVs.

No caso de serem utilizados advérbios para o teste da proibição da inserção,


outro cuidado a ser tomado é quanto a advérbios que também podem ser utilizados para
se referir a substantivos, como “ainda”, “sempre”, “já”, “assim”, “então” etc. Observemos
que esse tipo de advérbio pode quebrar SNs com facilidade, sem tornar a sentença
agramatical:

46
60) As atas foram entregues assinadas [para a então prefeita].

Excetuando-se os pontos de atenção informados, os métodos tanto da


coordenação quanto da proibição da inserção mostram excelentes resultados para
identificar os sintagmas de uma sentença. Agora, nossa dica é que você teste a separação
de constituintes primários de sentenças simples a partir desses dois recursos! Deixamos
algumas sentenças a seguir, para você praticar:

61) Os professores esperam os melhores resultados de seus alunos.

62) Ontem à noite, aconteceu um tornado na América do Norte.

63) Quero uma festa temática este ano.

64) A água é um recurso essencial para a vida.

65) A Maria esperou a Luísa por uma hora.

3.2 A ABORDAGEM DA NOÇÃO DE SINTAGMA NA


EDUCAÇÃO BÁSICA
Apesar de muito se falar em Sintaxe durante o ensino fundamental e médio,
sabemos que ainda são restritas as abordagens que tratam da noção de sintagma (ou
constituinte). Plausivelmente, essa é uma lacuna que se deve ao próprio decurso de
formação do professor de Língua Portuguesa, de modo geral, durante o ensino superior,
seja na graduação, nos cursos de formação continuada ou, mesmo, na pós-graduação.
Por esse motivo é que reiteramos neste livro didático: para além de o profissional de
Letras em formação dominar esse conceito, é muito importante que o professor de
Língua Portuguesa o ensine e exercite com os estudantes.

Primeiramente, quais são os benefícios envolvidos na abordagem dessa noção?


Elencamos alguns deles:

• A aprendizagem das noções de Sintaxe é facilitada. É um problema comum


dos estudantes, quando aprendem Sintaxe, o fato de não saberem quantos termos
participam de determinada função na oração. Ao lidar com sintagmas que são
formados por mais de uma palavra, por exemplo, os alunos costumam apontar que
apenas o substantivo que participa desse sintagma dispõe da função correspondente.
Uma abordagem que considere a noção de constituência proporcionará que esse
estudante reconheça o sintagma inteiro como dotado daquela função. Uma segunda
confusão bastante frequente é em relação a sintagmas adjacentes que possuem
funções sintáticas distintas: alguns estudantes, por não saberem distinguir um
constituinte de outro, acabam por classificar ambos como dotados da mesma função

47
na sentença. Quando os sujeitos conseguem isolar os constituintes, a classificação
de tais quanto às funções que desempenham é significativamente otimizada, o que
acarreta em aproveitamento melhor desses sujeitos nas aulas de Sintaxe.
• O trabalho do professor também se torna mais otimizado. Já que o aprendizado
da turma é facilitado e os estudantes adquirem mais autonomia, o professor pode
explorar mais a fundo as noções de Sintaxe e/ou fazer relações com outros conteúdos.
• A noção de sintagma é um conhecimento internalizado de todas as pessoas
que utilizam alguma língua natural. Algumas pesquisas, como a de Silva (2009),
reportam para o fato de que, com muita frequência, a fronteira de um sintagma com
outro, na fala, é representada por pausas, o que indica que este é um conhecimento
que nossa gramática internalizada, no sentido gerativo do termo, possui. A mesma
situação se aplica às categorias lexicais: embora não tenhamos noção clara disso,
nossa mente é capaz de reconhecer e saber quando utilizar o sintagma de cada
categoria. Conforme estudamos no Tópico 2, existem muitas vantagens de os
estudantes “descobrirem” como a língua funciona internamente às suas mentes.
• O entendimento do conceito de sintagma facilita o aprendizado de outros
conteúdos. Como abordaremos na Unidade 3 deste livro didático, a compreensão
de o que é um constituinte muito nos auxilia na colocação de pontuação quando da
escrita de textos diversos. Caso os estudantes se apropriem da noção de sintagma,
é muito provável que, após aprenderem a aplicá-la à pontuação, eles façam boas
escolhas na hora de pontuar os seus textos.

Sabendo da importância de abordar a noção de constituência em sala de aula,


como podemos realizá-la? É sempre importante que o professor faça conexões entre
esse assunto e a vida real do aluno, aproveitando-se da noção de gramaticalidade, por
exemplo. Para iniciar a discussão, o docente pode apresentar sentenças como (43-46),
em que termos situados em certas posições da sentença influenciam em sua formação.
Os caminhos fornecidos pelo professor e a sua condução permitirá que a turma conclua
que a nossa mente possui um conhecimento internalizado acerca do que sejam
sintagmas, embora não saibamos disso conscientemente. Também é indispensável que
os estudantes tenham consciência de que essa noção é fundamental para os próximos
passos dentro do estudo da Sintaxe.

Outro instrumento muito favorável para o professor discutir a noção de


constituência com a turma é a ambiguidade sintática, tema que será abordado no
Tópico 4, a seguir.

48
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• Um enunciado é a menor unidade do discurso, que expressa e/ou transmite uma


proposição de sentido completo, inserida em determinado contexto discursivo.

• Uma frase ou sentença consiste em uma palavra ou um conjunto delas que transmite
sentido completo, podendo ser delimitadas na língua escrita por ponto final, ponto de
interrogação ou ponto de exclamação.

• Uma oração é toda sequência formada por tão somente um verbo ou locução verbal.

• Um período é uma sentença que contém pelo menos uma oração.

• Um sintagma ou constituinte é o objeto principal da Sintaxe, sendo definido e


categorizado em função do seu núcleo.

• Os métodos da coordenação e da proibição da inserção podem ser utilizados para


identificar sintagmas.

• A abordagem da noção de sintagma ou constituinte para alunos de ensino


fundamental ou médio otimiza o aprendizado de Sintaxe.

49
AUTOATIVIDADE
1 A noção de sintagma é muito importante para a análise sintática. No tópico acima,
vimos que os sintagmas se categorizam de acordo com o núcleo. Sendo assim,
considere as sentenças a seguir e responda às questões abaixo:

(1) Felizmente, a menina loira gosta de viajar.


(2) O delegado considerou absurda aquela situação.

Sobre a respectiva separação de sintagmas primários dessas sentenças e a classificação


de tais constituintes, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) As duas sentenças têm, juntas, um total de dois SAs.


( ) Entre todos os seus sintagmas primários, a sentença (1) possui um SAdv e um SV.
( ) A sentença (2) não possui SPs.
( ) As duas sentenças têm, juntas, um total de três SNs.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – F – V – V.
b) ( ) V – V – F – F.
c) ( ) V – F – V – F.
d) ( ) F – V – F – V.

2 Embora disponham de significações distintas, as unidades sintáticas possuem um


ponto em comum: o fato de apresentarem sentido completo, mesmo que esse
sentido dependa do contexto em que se inserem. A respeito dos conceitos referentes
a tais unidades, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Sentença.
II- Oração.
III- Período.
IV- Enunciado.

( ) Apresenta uma dupla subdivisão e depende estritamente de duas outras unidades


para sua constituição.
( ) É mais facilmente identificável na língua falada.
( ) É mais facilmente reconhecível na língua escrita, pela separação por meio de sinais
de pontuação específicos.
( ) Caracteriza-se tão somente por apresentar uma determinada classe morfológica
internamente à frase.

50
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) I – III – II – IV.
b) ( ) II – I – IV – III.
c) ( ) III – IV – I – II.
d) ( ) IV – II – III – I.

3 Você foi introduzido(a) à noção de sintagmas durante a leitura do tópico acima.


Considere as sentenças abaixo e as afirmações para responder à questão:

(1) O meu hobby preferido é cozinhar.


(2) Ele acompanhou a celebração natalina comovido.
(3) O jogo de futebol passa às sete horas na televisão.
(4) Ela tem medo de filmes de terror.

Sobre a divisão em sintagmas de tais frases, analise as sentenças a seguir:

I- A sentença (1) possui, da esquerda para a direita, respectivamente, um SN e um SV.


II- Na sentença (2), a sequência “a celebração natalina comovido” é formada,
respectivamente, por um SN e dois SAs.
III- Na sentença (3), temos somente dois SPs.
IV- Na sentença (4), temos somente um SN.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças II e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças I e III estão corretas.

4 Para responder à questão abaixo, primeiramente, leia o fragmento a seguir, da Porvir,


uma plataforma de conteúdos e mobilização sobre inovações educacionais do Brasil:

“A maior presença de mulheres nas áreas ligadas ao STEM [sigla em inglês para ciências,
tecnologia, engenharia e matemática] começou a ganhar força nos anos 1990, pela
constatação de que havia necessidade de maior diversidade na força de trabalho nas
áreas associadas à ciência, engenharias e tecnologia. Em paralelo, faltava mão de obra
qualificada nessas áreas, independentemente do gênero, e assim surgiram programas e
treinamentos específicos para jovens, expõe Claudia Bauzer”.

FONTE: <https://porvir.org/lugar-de-mulheres-e-na-
educacao-cientifica-e-onde-mais-elas- quiserem/>.
Acesso em: 8 mar. 2022.

Quantas sentenças, orações, períodos simples e períodos compostos existem no texto


acima excerto? Identifique quais são eles.

51
5 Considere estas sentenças:

(1) Os surfistas gostam intensamente das praias.


(2) Plantei um limoeiro no jardim ontem.

A partir do método da coordenação, identifique e classifique os sintagmas das duas


sentenças.

52
UNIDADE 1 TÓPICO 4 —
AMBIGUIDADE ESTRUTURAL

1 INTRODUÇÃO
Você certamente já ouviu ou até produziu enunciados que tenham mais de um
sentido, isto é, sejam ambíguos. Às vezes, a ambiguidade está no campo da palavra:
“banco” pode ser o lugar que se senta em uma praça ou o lugar em que você deposita
ou saca dinheiro; a ambiguidade pode ser sonora: “uma mão na cabeça” e “um mamão
na cabeça” são bem semelhantes; a ambiguidade pode ser estrutural: “Maria viu o
assalto da loja” pode implicar em duas interpretações. Aqui neste tópico, interessa-nos
o terceiro tipo de ambiguidade, que tudo tem a ver com Sintaxe.

Às vezes, a ambiguidade é um recurso linguístico utilizado propositalmente.


É o caso de piadas, memes ou até manchetes de notícias desesperadas por cliques.
Contudo, na maioria dos casos, ela deve ser um recurso evitado. Pense, por exemplo,
em um contrato de prestação de serviços ou em uma bula de remédio. Se apresentarem
ambiguidades de qualquer natureza, podem acabar gerando um grande problema. É por
conta disso que, neste tópico, também vamos introduzir alguns testes de constituência,
que são maneiras de identificar e desfazer a ambiguidade estrutural.

Para isso, você vai perceber que a noção de sintagma, trabalhada no tópico
anterior, é de extrema importância. Embora, muitas vezes, o contexto tire a ambiguidade
de sentenças, é preciso saber como lidar com elas, principalmente quando aparecem
escritas. Um profissional de Letras, independentemente da área que escolher seguir
(docência, revisão textual, tradução, entre outras), precisa dominar esses recursos.

GIO
Veja essas sentenças:

66) João foi à loja de chinelos.


67) O bêbado bateu na velha de bengala.
68) Carla subiu na rampa de bicicleta.

Reflita! Elas são ambíguas, certo? Tente explicar a


ambiguidade dessas sentenças.

53
2 UMA SENTENÇA, MAIS DE UM SENTIDO
Anteriormente, vimos que a Sintaxe não se organiza de forma linear, mas, sim, de
forma hierárquica. Isso quer dizer que os elementos dentro das sentenças se combinam
em sintagmas para se juntarem com outros sintagmas e, assim, formar as sentenças.
Um bom exemplo dessa organização hierárquica pode ser visto em sentenças que,
devido à sua estrutura, podem ter mais de uma interpretação possível. Quando isso
acontece, é por conta de diferentes possibilidades para combinação de sintagmas.

Vejamos a sentença em (69)

69) Letícia viu o incêndio do prédio.

Essa sentença pode ter dois sentidos: podemos interpretar que um prédio
pegou fogo e Letícia observou essa cena (de qualquer lugar), ou que houve um incêndio
na cidade que foi observado por Letícia enquanto ela estava em um prédio.

Em termos de organização, teríamos os sintagmas se combinando de duas


possíveis formas. Uma delas é ilustrada acima da sentença e a outra, abaixo.

Para chegar a essas representações, temos que pensar, primeiramente, na


combinação de sintagmas ilustrados acima. Na parte de cima da ilustração, temos o
sentido de que o prédio estava pegando fogo, e Letícia, de algum outro lugar, observou
a cena. Para isso, começamos de trás para frente a combinação e organização
dos sintagmas. O primeiro passo foi juntar do com prédio, formando [do prédio];
posteriormente, esse sintagma foi acrescido à palavra incêndio, formando, assim,
[incêndio do prédio]; adicionando o, temos [o incêndio do prédio], que foi juntado com
o verbo da sentença viu, formando [viu o incêndio do prédio]; finalmente, o SV [viu o
incêndio do prédio] se junta com o sujeito Letícia para formar a sentença completa

54
Letícia viu o incêndio do prédio. Essa foi a maneira que combinamos os elementos da
frase. Além disso, um ponto muito importante de ser observado na ilustração acima é
o indicador de constituinte em [o incêndio do prédio], que indica que essa sequência é
tida como um único sintagma e, por isso, deve ser interpretada de maneira conjunta,
sendo o prédio o local do incêndio em questão.

Interpretação diferente acontece na representação na parte inferior da imagem,


em que há dois indicadores de constituintes. O processo de combinação é semelhante,
mas caminha por outro lado em alguns pontos. Também começamos com a junção
de do com prédio, mas não juntamos [do prédio] com incêndio. Nesse caso, juntamos
incêndio com o para alocá-lo junto ao verbo viu, formando [viu o incêndio]. Sendo dois
sintagmas distintos, agora sim juntamos [[viu o incêndio] [do prédio]], entendendo que
prédio é o local em que o sujeito da sentença [Letícia] estava enquanto o incêndio
ocorria em outro lugar.

De forma simples, observamos em frases e textos escritos a sentença em sua


ordem linear, mas a organização e combinação dessa estrutura não respeita a linearidade
e, sim, a hierarquia da formação de sintagmas. Uma sentença, mesmo que seja vista na
ordem linear, pode ter mais de um sentido por conta das possibilidades de combinação
de sintagmas. Para um breve exercício, tente formular a ligação das frases abaixo:

70) Maria recebeu uma foto de Floripa.


71) O bêbado bateu na velha de bengala.
72) João achou o aluno inteligente.

Veremos, com base nos testes de constituência apresentados a partir do


subtópico a seguir, que as noções vistas nos Tópicos 2 e 3, sobre a perspectiva gerativista
e a noção de sintagma, são bastante importantes para analisar sentenças ambíguas. É
bastante mais fácil explicar a ambiguidade de sentenças a partir da perspectiva de que
a estrutura das sentenças é hierárquica e não linear, por exemplo.

NOTA
É mais fácil identificar a ambiguidade em textos escritos, porque,
na fala, há todo um contexto que auxilia na interpretação desejada
da sentença, além de questões prosódicas, como ritmo, pausas,
entoação etc.

55
3 TESTES DE CONSTITUÊNCIA
A ambiguidade é um recurso muito interessante de análise. Veremos, adiante,
que há contextos em que ela deve ser evitada e contextos que ela é, inclusive,
recomendada. Por conta disso, não é bacana assumir o discurso de que a ambiguidade
é algo proibido. Porém, pelo menos por algumas páginas, vamos assumir a roupagem da
ambiguidade como algo negativo. Imagine que você está redigindo um texto que deve
ser bastante objetivo e claro, isto é, não deve dar margem para duplas interpretações.
Saber analisar as sentenças é fundamental!

Uma das formas de desfazer a ambiguidade é parafrasear a sentença, somando


ou diminuindo elementos. Se recorrermos novamente à sentença em (69), “Letícia viu o
incêndio do prédio”, podemos tentar parafraseá-la de maneira parecida com (73a) e (73b).

73) a. Letícia viu o prédio pegando fogo.


b. Letícia estava no prédio vendo o incêndio (da casa).

Além disso, há algumas estratégias para que a ambiguidade seja, primeira-


mente, identificada e, com isso, desfeita. Essas estratégias também são úteis para o
desenvolvimento da noção de sintagma, que é muito importante para o professor de
Língua Portuguesa. Afinal, para aplicá-las, é preciso que se identifique como os sintag-
mas estão sendo combinados. São elas: topicalização, clivagem, pronominalização e
interrogação.

3.1 TOPICALIZAÇÃO
A topicalização consiste na movimentação de um sintagma para o início da
sentença. Precisamos ter uma noção importante: um sintagma não pode ser quebrado
na hora do movimento, então entender como o sintagma foi combinado é de extrema
importância para realização dos testes.

Para formar, a partir da topicalização, os sentidos parafraseados em (73a) e


(73b) da sentença “Letícia viu o incêndio do prédio”, precisamos entender que, em (73a),
o sintagma [incêndio do prédio] é um só, e, em (73b), os sintagmas são [[o incêndio] [do
prédio]]. Assim, para passar o primeiro sentido, temos que mover [o incêndio do prédio]
sem separá-lo, formando:

74) O incêndio do prédio, Letícia viu _.

Já o sentido em (73b), por ser fruto da combinação de dois sintagmas diferentes


em [[o incêndio] [do prédio]], pode apresentar essas duas partes separadas, como:

75) O incêndio, Letícia viu _ do prédio.


76) Do prédio, Letícia viu o incêndio _.

56
Repare que, nessas construções topicalizadas, não há espaço para dupla
interpretação. Uma vez que os sintagmas são movidos de acordo com sua combinação,
a ambiguidade é desfeita. Uma prática parecida de movimentação é feita no teste de
clivagem.

3.2 CLIVAGEM
Sentenças clivadas possuem uma fórmula típica, sendo formadas a partir da
construção verbo ser + [sintagma] + que + [resto da sentença]. Da mesma forma
que a topicalização, também movimentamos um sintagma e, ao movimentá-lo, não
podemos quebrá-lo. Sendo assim, as versões parafraseadas em (73a) e (73b) ficariam
da seguinte forma:

77) a. Foi o incêndio do prédio que Letícia viu.


b. Foi o incêndio que Letícia viu do prédio.

NOTA
Ainda, poderíamos formar, para a segunda interpretação,
outra possibilidade:

78) Foi do prédio que Letícia viu o incêndio.

Entretanto, ela ainda pode passar, embora de forma mais restrita, a sensação
de ambiguidade. É importante nos depararmos com esse tipo de situação para enfatizar
que nem toda sentença vai passar em qualquer teste. Às vezes, é preciso recorrer a dois
ou mais testes para tirar a ambiguidade da sentença.

Como esclarecem Mioto e Quarezemin (2012, p. 20),

o teste da clivagem nos revela a estrutura dos constituintes que


queremos analisar. Isso é possível porque o movimento sintático
é uma operação que se aplica apenas a constituintes inteiros. Se
conseguimos separar uma sequência de palavras pela clivagem,
devemos concluir que o que conseguimos separar é um constituinte
só; se não, a sequência inteira formará um único constituinte.

3.3 PRONOMINALIZAÇÃO
Outro teste muito utilizado para desfazer a ambiguidade e/ou identificar
sintagmas é a pronominalização, que consiste, basicamente, em substituir um sintagma
por um pronome. Nessa questão, podemos problematizar a maneira que muitos livros

57
didáticos escolares e gramáticas tradicionais definem os pronomes pessoais, porque
muitas atribuem a eles a função de substituir um substantivo. Bom, se isso fosse verdade,
a transformação da frase (79) em (79’) seria gramatical, mas não é o que acontece.

79) A irmã do Pedro foi buscar o filho na escola.


79’) *A ela do Pedro foi buscar o filho na escola.

Um pronome pode, sim, ser caracterizado como uma palavra que substitui
outra(s), contudo, é importante que essa(s) palavra(s) seja(m) um sintagma inteiro.
Portanto, no exemplo acima, o pronome pessoal de caso reto de terceira pessoa, ela,
deve substituir o sintagma [a irmã do Pedro] por completo, não apenas o substantivo
que é o núcleo do sintagma.

Dito isso, podemos pensar em uma das sentenças ambíguas vistas acima,
repetida em (80):

80) O bêbado bateu na velha de bengala.

Nessa sentença, bengala pode configurar tanto como o instrumento da


velha quanto como o instrumento de agressão usado pelo bêbado, dependendo da
combinação de sintagmas.

Na interpretação que é ilustrada pela parte de cima da figura, a bengala é um


instrumento usado pela velha. Combinamos os sintagmas da seguinte forma: de trás
para frente, formamos [de bengala] e juntamos com [velha], tendo, dessa forma, [velha
de bengala], sintagma que foi acrescido à preposição na. Agora, então, temos [na velha
de bengala], que se junta ao verbo, formando o SV [bateu na velha de bengala], que,
para formar a sentença completa, junta-se ao sujeito [o bêbado].

Na segunda interpretação, ilustrada pela parte inferior da figura, a bengala é


o instrumento de agressão usado pelo bêbado. Para combinar os sintagmas, nessa
interpretação, primeiro, juntamos [de bengala], mas não juntamos com [na velha],

58
porque esse, antes, se junta ao verbo, formando [bateu na velha]. Então, [de bengala]
entra como instrumento do verbo “bater”. Temos [[bateu na velha] [de bengala]], que
se junta ao sujeito, formando a sentença inicial O bêbado bateu na velha de bengala.
Vale ressaltar: se a estrutura fosse linear e não hierárquica, não identificaríamos a
ambiguidade.

Para desfazer o sentido ambíguo a partir do teste de pronominalização, vamos


substituir SINTAGMAS por PRONOMES. Assim, podemos parafrasear a sentença acima
com (81a) e (81b).

81) a. O bêbado bateu nela.


b. O bêbado bateu nela de bengala.

O duplo sentido não é mais possível nas sentenças acima, porque, na


primeira, deixamos claro que [velha de bengala] é um sintagma só, sendo “bengala”
obrigatoriamente um instrumento da velha. Em (81b), a separação dos sintagmas deixa
claro que bengala não é um instrumento usado pela velha, mas, sim, complemento do
verbo bater.

A noção de sintagma, portanto, mais uma vez se faz importante, inclusive, para
que o professor, em sala de aula, desmistifique certas definições tradicionais.

3.4 INTERROGAÇÃO
A noção de sintagma também é levada em conta em outro teste de constituência,
a interrogação. Como o próprio nome sugere, o teste consiste em fazer perguntas que
devem ser respondidas com o sintagma correspondente. Voltamos à primeira sentença
que analisamos nesta seção de ambiguidade estrutural, Letícia viu o incêndio do prédio,
para aplicar o teste.

O que Letícia viu?


1. O incêndio
2. O incêndio do prédio

Na primeira resposta, o sintagma quebrado leva a entender que o incêndio não


necessariamente aconteceu no prédio, diferentemente da segunda resposta, que indica
que foi o prédio que pegou fogo.

A segunda resposta não apresenta ambiguidade. A primeira, contudo, ainda


pode apresentar traços de duplo sentido, não desfazendo por completo a ambiguidade
da sentença. Contudo, não deixa de ser um bom exercício para identificar sintagmas e
trabalhar essa noção com os alunos. Ainda, relembramos que, muitas vezes, desfazer a
ambiguidade pode exigir mais de um teste de constituência.

59
4 AMBIGUIDADE NA ESCOLA
A ambiguidade é um recurso muito importante para ser trabalhado na escola.
Como você verá na leitura complementar desta unidade, o reconhecimento de sintagmas
e domínio sobre eles pode ser muito útil para desfazer a ambiguidade de textos. Logo, é
algo a ser trabalhado ao desenvolver habilidades de produção textual dos alunos.

Contudo, em certos gêneros textuais, o recurso da ambiguidade não deve
ser evitado, mas, sim, utilizado a fim de produzir efeitos de humor ou até despertar
curiosidade. Pense, por exemplo, na seguinte piada:

Pessoa 1: Fiquei com vontade de beijar seu irmão de novo ontem.


Pessoa 2: O quê? Você já beijou meu irmão?
Pessoa 1: Não, mas já tive vontade.

O humor acontece justamente por conta de uma sentença ambígua. Se a


pessoa 1 não produzisse a sentença como ela produziu, não haveria efeito de humor e,
portanto, não seria uma piada. O gênero textual exige elementos que causem graça e
a ambiguidade pode ser um deles. A mesma coisa pode ser vista em memes, que são
bastante comuns na internet e, portanto, na vida de muitos alunos.

Muitos memes só são engraçados pois se concentram em algum tipo de


ambiguidade, como é o caso do meme a seguir:

FIGURA 1 – MEME COM AMBIGUIDADE

FONTE: <https://infoenem.com.br/ambiguidade-o-que-voce-quis-dizer-isto-ou-aquilo/>.
Acesso em: 22 mar. 2022.

60
Para produzir ou mesmo entender um meme como esse, é preciso que o aluno
tenha noções a respeito de ambiguidade. Essa noção não é necessariamente estudada.
O falante, por si só, já sabe identificar. Se não fosse a sentença ambígua, o cachorro não
daria uma resposta como a que deu. Então, vale a reflexão: será que, em casos como
esse, vale a pena olhar para a ambiguidade apenas com o desejo de desfazê-la? Ou será
que podemos pensar nela como um fenômeno linguístico e aproveitar as noções que o
aluno/falante já tem para uma análise mais rica?

Ainda no campo do humor, podemos pensar no contexto de um aluno
comentando sobre alguma notícia ambígua na intenção de ser engraçado. Imagine a
seguinte manchete: “Funcionário deixa empresa após 30 anos”. Para causar uma quebra
de expectativa, o aluno poderia comentar: “caramba! Mas ele tinha sido sequestrado?”
ou “nossa, mas não saía nem para comer?”. Para isso, o aluno precisa entender o que é
uma sentença ambígua, precisa identificar qual elemento está causando a ambiguidade
e, ainda, precisa comentar com base na interpretação que não é desejada para soar
engraçado.

Não estamos pressupondo que o professor deva incentivar que os alunos


produzam sentenças ambíguas. É claro que em contextos que exigem um uso de
linguagem mais formal e objetivo, ela é um recurso a ser evitado. Nossa provocação é
para que se pense na ambiguidade como um fenômeno, como já mencionamos, a ser
analisado sintática e criticamente. Para evitar ou usar propositalmente, o aluno precisará
conhecer o fenômeno, identificá-lo e dominar para seus objetivos.

DICA
Para ver mais sobre análise sintática crítica, assista à palestra
dos professores Aquiles Tescari Neto (UNICAMP) e Marina Garcia
Martins no canal do Laboratório Linguística na Escola (Lalesc –
UFSC): https://www.youtube.com/watch?v=zFqYBWmfyYg.

61
LEITURA
COMPLEMENTAR
DA IMPORTÂNCIA DOS TESTES DE CONSTITUÊNCIA NA FORMAÇÃO DOCENTE E
NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Aquiles Tescari Neto

Seção 5 do texto “Constituência sintática, ambiguidade estrutural e aula de português:


o lugar da teoria gramatical no ensino e na formação do professor” publicado pela
Working Papers Linguística em 2017, conforme referência.

Os testes de constituência aqui mencionados têm muito a contribuir, na escola,


com a produção de textos pelos alunos. Vimos uma série de ocorrências ambíguas que,
se aparecerem em determinados gêneros textuais da escrita, seriam verdadeiros “ruídos
à comunicação”. Pensemos no caso de uma bula de remédio, um manual de instrução
de eletrodoméstico, um edital de concurso etc. – a que Azeredo (2007) denomina
de “caminhos de mão única” (justamente por serem gêneros com uma “vocação”
a apresentarem apenas um único sentido, já pelo “perigo” que várias interpretações
poderiam gerar, por razões de ordem prática). A ambiguidade não é bem-vinda nesse
tipo de gênero textual, uma vez que fará os sentidos “flutuarem”. Deste modo, os testes
de constituência são uma ferramenta interessante de que o professor, o corretor de
textos e o aluno/escritor/produtor de textos podem se valer como alternativas para
construir suas frases de outra forma e sem ambiguidade (ver nota 7 no texto original).
Pensemos no caso do exemplo (4), já visto, retirado de uma reportagem de jornal:

(4) O repórter Netto Maravilha conversou com o esposo da vítima

Esse tipo de ambiguidade é frequente em noticiários. Provavelmente, a


velocidade com que as reportagens são produzidas e disponibilizadas na internet,
algumas das vezes sem revisão (ou com uma revisão feita “para inglês ver”), somada
a um despreparo dos revisores – o que justifica a necessidade da discussão deste
tópico na formação do graduando em Letras, Linguística, Jornalismo/Comunicação e
áreas afins –, seja a causa de nos depararmos, com certa frequência, com esse tipo de
ambiguidade nos noticiários.

Certamente, a ambiguidade dessa ocorrência teria sido desfeita se o revisor do


texto sugerisse à equipe do jornal uma outra estrutura sintática para (4), recorrendo, por
exemplo, à estrutura de um dos testes de constituência apresentados. Assim, para a
leitura mais óbvia, possivelmente aquela que o jornalista quis transmitir com (4), em que

62
o repórter teria conversado com um homem, casado com a vítima do acidente, a melhor
opção seria o teste apresentado em 4.5 (ver texto original), através da inserção de um
adjunto adverbial de assunto: a julgar pelo princípio do “Um traço um núcleo”, combinado
com algum outro princípio gramatical como o da “distribuição complementar”, uma frase
parece poder ter apenas um constituinte com a função sintática de adjunto adverbial de
assunto. Nesse caso, recorrendo ao teste 4.5 (a (proibição da) inserção), bastaria inserir
um adjunto adverbial de assunto que a ambiguidade de (4) estaria eliminada:

(16) O repórter Netto Maravilha conversou com o esposo da vítima sobre o acidente.

Repare que, em (16), a inserção do adjunto adverbial de assunto sobre o acidente


elimina a ambiguidade de da vítima que, agora, não pode ser mais adjunto adverbial de
assunto. Assim, (16) elimina a leitura em que o esposo seria, no caso, marido do repórter.
A única leitura plausível para (16) seria aquela em que o repórter teria conversado com
um homem casado com a vítima do acidente, sobre o acidente.

Para a leitura menos óbvia, mas plausivelmente possível – a julgar pela estrutura
–, haveria mais opções aqui. Se se quisesse dizer que o repórter teria conversado com
seu próprio marido a respeito da vítima, várias seriam as opções:

(i) movimento (17a) e/ou clivagem (17b):

(17) a. Da vítima, o repórter Netto Maravilha conversou com o esposo.


b. Foi da vítima que o repórter Netto Maravilha conversou com o esposo.

Repare que em (17a,b) apenas a leitura em que da vítima é adjunto adverbial de


assunto é possível. Fica excluída a intepretação de da vítima como adjunto adnominal de
esposo. Repare também que há uma diferença entre as opções (17a) e (17b), no sentido
de que essa última é muito mais marcada do que a primeira, que também já é um pouco
marcada, por envolver movimento à esquerda. A manipulação das estruturas sintáticas
para propósitos comunicativos e efeitos discursivos nos textos que produzimos é
produto da nossa competência de falantes nativos. É uma propriedade da sintaxe das
línguas e, portanto, das frases. Um programa de didática da língua compromissado, ao
eleger o texto como unidade de ensino – e, consequentemente, as teorias que mais se
alinham a esse propósito (p.ex., as enunciativo-dialógicas) –, não pode jamais se furtar
a reconhecer a importância de uma análise da estrutura da frase, haja vista o fato
óbvio de os textos serem constituídos de frases das quais derivarão diferentes efeitos
de sentido, também a depender das opções estruturais que fizermos.

(ii) a (proibição da) inserção: inserir um constituinte, por exemplo um advérbio de


tempo, também ajuda a perceber que da vítima seria um constituinte (adverbial de
assunto, mas não um adjunto adnominal de esposo):

(18) O repórter Netto Maravilha conversou com o esposo ontem da vítima.

63
Cumpre observar que, relativamente a (17a,b), (18) é praticamente “neutra”, uma
vez que reflete a ordem não-marcada, bem próxima à ordem canônica do português,
tão somente com o acréscimo do adjunto adverbial de tempo, ontem. Repare que a
manipulação da estrutura das frases serve a propósitos comunicativos. É tarefa do
bom professor chamar a atenção de seus alunos para essas propriedades da sintaxe
da frase que estão a servir também no nível macrotextual. Reitera-se novamente o
compromisso de uma didática “engajada” e inteligente: jamais (tal programa) poderá
excluir de sua agenda uma análise das propriedades estruturais da frase, uma vez que
tais propriedades são responsáveis por efeitos de sentido detectáveis já no nível da
frase e com reflexos óbvios no texto como um todo.

Os testes apresentados nessas duas últimas seções têm, então, para muito além
de sua função no interior da teoria sintática – auxiliando o estudioso a identificar o que
a sintaxe reconhecerá como constituinte em dada sentença, estando, aquele grupo
de palavras, disponível a determinadas operações –, uma função muito importante na
organização dos nossos textos, ajudando-nos não só a reconhecer excertos ambíguos
como também a desfazer as ambiguidades (estruturais) (ver nota 7 no texto original). Um
ótimo exemplo de frase estruturalmente ambígua – bem conhecido de qualquer estudante
de Letras que foi introduzido a alguma teoria sintática – é o apresentado em (19):

(19) O policial bateu no estudante com o cassetete.

Com o cassetete pode se referir aqui tanto a um instrumento utilizado pelo


policial para bater no estudante – numa sorte de adjunto adverbial de instrumento –,
como a um instrumento que estava na posse do estudante agredido pelo policial – cuja
função sintática seria a de adjunto adnominal. Podemos desfazer essa ambiguidade,
deixando, portanto, mais claro o nosso texto, valendo-nos das estruturas dos testes
de constituência. Deste modo, para a interpretação segundo a qual com o cassetete
seria um instrumento utilizado pelo policial para agredir o estudante, podemos utilizar
os seguintes testes para desambiguar (19):

(i) teste do movimento (19a) ou da clivagem (19b):

(19) a. Com o cassetete, o policial bateu no estudante.


b. Foi com o cassetete que o policial bateu no estudante.

(ii) teste da inserção:

(19) c. O policial bateu no estudante ontem à noite com o cassetete.

Repare que, em (19c), com o cassetete não poderia formar constituinte com no
estudante. A única leitura possível em (19c) seria aquela em que com o cassetete seria
adjunto adverbial de instrumento: foi com o cassetete que o policial bateu no estudante.

64
Assim, pelo menos três testes (clivagem, movimento e inserção de adjuntos) nos
ajudariam a isolar a leitura em que com o cassetete seria apenas adjunto adverbial de
instrumento em (19). Naturalmente, se tais frases devem aparecer em um texto escrito,
haverá diferenças sensíveis no tocante aos efeitos discursivos que cada uma delas
deverá carrear. (19c), não obstante a inserção do adjunto ontem à noite, apresenta uma
ordem mais neutra, possivelmente pela ausência de movimentos sintáticos à periferia
esquerda. O uso de (19c), contudo, já pela inserção do adjunto, faz a sentença ganhar
em termos de estatuto informacional: há um adjunto temporal, não presente nas outras
duas sentenças. (19a) pode ser utilizada se o produtor do texto quiser, de alguma forma,
enfatizar o instrumento utilizado pelo policial. O mesmo efeito é percebido em (19b).
A diferença entre essas duas estratégias, contudo, tem a ver com o fato de a clivada
(ilustrada em (19b)) ser uma estratégia muito marcada em português. Não é à toa que
vemos com muita frequência os revisores de texto sugerirem: Deixem a clivada apenas
para os momentos em que se quer uma atenção redobrada do leitor. As clivadas, qual
“holofotes”, chamam muito a atenção para o excerto que introduzem. Novamente, esses
efeitos de sentido no texto são decorrência de escolhas operadas no nível da frase.
Discordo, portanto, frontalmente de discursos que propõem – muitas das vezes por uma
desconsideração do pluralismo teórico constitutivo do “objeto” língua – uma eliminação
por completo, ou mesmo uma redução a um papel subsidiário, de uma análise sintática
do nível da frase na educação básica, atitude com a qual muitas vezes, infelizmente, nos
deparamos nos discursos dos educadores. 60 anos de sucesso da Gramática Gerativa –
sucesso esse devido, sobretudo, às escolhas metodológicas feitas por Noam Chomsky,
com o desenvolvimento do método negativo, baseado no julgamento de frases (PIRES
DE OLIVEIRA, 2010) – deveriam servir pelo menos para sugerir uma reflexão da parte dos
educadores, dos linguistas, dos linguistas aplicados, dos estudiosos envolvidos com os
programas de avaliação do ensino, dos envolvidos com os programas educacionais do
Ministério da Educação: a démarche própria de teorias formais não teria a acrescentar
no ensino de língua e na formação dos docentes? É justamente um convite a essa
reflexão que fazemos neste artigo, trazendo à discussão a questão da constituência
sintática e sua importância na construção não só das frases, como também dos textos.

Retornando a (19), faz-se necessário ainda algum comentário sobre a leitura em


que com o cassetete formaria constituinte com no estudante, numa sorte de adjunto
adnominal de posse (“no estudante que estava de posse de um cassetete”). O teste da
proforma nos ajudaria a isolar essa leitura (19d):

(19) d. O policial bateu nele (nele = no estudante com o cassetete)

Repare que, embora tenhamos desambiguado (19), em proveito da interpretação


em que no estudante com o cassetete formaria um constituinte, a sentença em (19d)
nos faz “perder” em termos informacionais: se inserida num texto, (19d) necessariamente
estará relacionada a uma outra frase, de modo que permita recuperar o referente da
expressão anafórica nele.

65
Os outros testes poderiam ser utilizados, desde que manipulássemos a estrutura
um pouquinho, necessariamente inserindo elementos que permitiriam uma leitura
contrastiva e isolariam, assim, a interpretação que queremos. Um exemplo seria o teste
do movimento (19e) ou o da clivagem (19f), combinados com focalização contrastiva:

(19) e. No estudante com o cassete, o policial bateu (não no estudante de mochila)


f. Foi no estudante com o cassetete que o policial bateu (não no de mochila)

Apenas a leitura em que com o cassetete é adjunto de posse é permitida para


(19e,f). A leitura em que com o cassetete é adjunto adverbial de instrumento não está
mais disponível.

Chegando ao fim dessa seção, o leitor – seja ele professor de português, revisor
de texto, estudante de Letras ou mesmo o produtor de textos escritos reais (isto é,
“qualquer um que queira escrever com clareza”) – vai muito provavelmente concordar
comigo em que os testes de constituência, para além de sua função no interior da teoria
sintática, são recursos úteis na elaboração dos nossos textos: são úteis não apenas
para desambiguarmos frases como também para obtermos determinados efeitos
discursivos: utilizar uma clivagem no momento certo do texto, i.e., não com recorrência,
pode chamar a atenção para aquele excerto do texto em particular que se quer destacar,
uma vez que a clivagem é uma estratégia muito marcada de focalização.

A reflexão feita até aqui tem importância significativa não apenas para o
professor como também para o licenciado (ou bacharel) em Letras que trabalhará como
revisor de textos. Na verdade, tem importância para todos aqueles que se dedicam às
atividades da escrita: a não ser que se queira (por exemplo, na poesia e em determinados
gêneros de propaganda), a ambiguidade é um ruído na comunicação. Sendo assim, em
gêneros tipologicamente mais alinhados ao que Azeredo (2007) chama de “caminhos
de mão única” (ver início da seção), a ambiguidade não é bem-vinda. Os testes de
constituência são muito úteis nesse sentido aos professores de língua materna, aos
revisores de texto e a todo aquele que quer “escrever bem”, não só por potencialmente
desfazerem ambiguidades como também pelo fato de a escolha de uma determinada
estrutura (típica de um dado teste de constituência) servir a propósitos comunicativos
bem específicos (compare, a esse propósito, (2a) e (2b), repetidos a seguir, com (2c),
abaixo: (2a) é percebida como sendo uma forma menos marcada (comparada a (2b) e
(2c)). Entre essas duas últimas, há também uma certa hierarquização, no sentido de
que (2c) é muito mais marcada do que (2b). Obviamente, isso tem consequência na
construção dos nossos textos. Os testes de constituência, portanto, não só podem como
também devem ser trabalhados e sistematizados em nossas aulas de prática de análise
linguística, como também nas aulas de produção de textos. Trabalhar harmoniosamente
a prática de análise linguística com a leitura e a produção de textos (orais e escritos) é,
aliás, a orientação dos documentos oficiais relativamente a essas práticas trabalhadas
na escola (SANTOS et al., 2013).

66
(2) a. João beijou Maria na bochecha na lagoa do Taquaral no dia 1 de abril.
b. No dia 1 de abril, João beijou Maria na bochecha na lagoa do Taquaral.
c. Foi no dia 1 de abril que João beijou Maria na bochecha na lagoa do Taquaral.

Tendo explicado a natureza dos constituintes sintáticos, podemos agora refletir


sobre como a ambiguidade – e a constituência sintática – podem ser trabalhadas nas
aulas de prática de análise linguística na escola como também na formação e atualização
de professores de língua materna (naturalmente aí com discussões mais aprofundadas
acerca da estrutura e da noção mesma de constituinte). Muito mais do que oferecer
uma sequência didática pronta – o que não faria sentido algum aqui, considerando os
materiais disponíveis e considerando também que o professor é pesquisador de sua
própria prática (BORTONI-RICARDO, 2008) –, a seção seguinte tem por objetivo sugerir
alternativas metodológicas interessantes, que encontram sua base na metodologia
formal de análise sintática, que podem ser aproveitadas na aula de língua portuguesa
(uma vez feitas as adaptações necessárias). Tais escolhas, muito mais do que permitirem
vislumbrar propriedades formais das línguas naturais – o que por si só já justifica sua
abordagem no ensino (não é interessante privar o aluno de um conhecimento sobre
o que lhe permite juntar palavras em constituintes, constituintes em frases e frases
em textos) –, têm implicação imediata nos processos de construção dos textos, o
que necessariamente aponta para a necessidade de um programa de reorganização
das práticas pedagógicas na educação básica e na própria formação dos professores
de língua.

FONTE: TESCARI NETO, A. Constituência sintática, ambiguidade estrutural e aula de português: o lugar da
teoria gramatical no ensino e na formação do professor. Working Papers em Linguística, v. 18, n. 2, p.
129-152, 2017.

67
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:

• Às vezes, a estrutura de uma sentença pode causar efeito ambíguo, fazendo com
que ela tenha mais de uma possível interpretação.

• A ambiguidade, além de um fenômeno a ser evitado em contextos específicos mais


objetivos ou formais, é também um excelente recurso de análise sintática.

• Para efeitos de humor, por exemplo, a ambiguidade pode ser melhor do que a ausência
desse fenômeno.

• Em contextos mais formais, a ambiguidade pode ser desfeita a partir da aplicação de


alguns testes de análise sintática.

68
AUTOATIVIDADE
1 No Tópico 4, estudamos a ambiguidade estrutural. Em resumo, esse fenômeno ocorre
quando, devido à estrutura, uma sentença tem mais de um significado. Com base
na leitura do Tópico 4, que trata sobre ambiguidade estrutural, assinale a alternativa
CORRETA a respeito da sentença “Pedro foi na loja de tênis”.

a) ( ) Não é uma sentença ambígua.


b) ( ) É ambígua, porque não sabemos se [loja de tênis] é um ponto físico ou um portal
na internet.
c) ( ) É agramatical, porque a preposição “na” não deve ser usada neste contexto.
d) ( ) É ambígua, porque [de tênis] pode indicar o produto que a loja vende ou o que
Pedro estava usando nos pés, a depender da organização da sentença.

2 Embora seja recorrente, a ambiguidade é um recurso que deve ser evitado em


textos de caráter objetivo e formal. Para identificar a ambiguidade estrutural, é muito
importante que se tenha noção de constituintes, porque os testes de constituintes
são boas alternativas para desfazer a ambiguidade estrutural. Sobre esses testes,
analise as sentenças a seguir:

I- A realização de um teste é suficiente para desfazer a ambiguidade.


II- Ao substituir o sintagma por um pronome, estou aplicando o teste de pronominalização.
III- Tanto o teste de topicalização quanto o teste de clivagem são testes que envolvem
movimento de sintagma.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Como falantes, nós temos noções de ambiguidade sem mesmo precisar estudá-
la. Contudo, identificar uma ambiguidade nem sempre é uma tarefa simples. Sobre
sentenças possivelmente ambíguas, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Ambígua.
II- Não ambígua.

69
( ) João viu a menina de óculos escuros.
( ) Flávio gosta de suco de maçã.
( ) O policial acompanhou o assalto da viatura.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I – II – II.
b) ( ) I – II – I.
c) ( ) II – I – II.
d) ( ) II – II – I.

4 No exercício anterior, você teve de marcar sentenças ambíguas. Selecione a(s)


sentença(s) ambígua(s) da que você selecionou e explique o porquê de ser(em)
sentença(s) com mais de uma interpretação. Para isso, utilize as noções de sintagma
e testes de constituência.

5 Uma das possibilidades de trabalho com a ambiguidade na escola é apresentar


aos alunos como desfazê-la, uma vez que não é um fenômeno recomendado em
situações específicas que precisam de mais objetividade e exigem maior formalidade.
As sentenças a seguir são ambíguas. Aplique os testes sintáticos da topicalização
(movimento), interrogação (pergunta-resposta) e clivagem (foi...que) para desfazer a
ambiguidade estrutural destas sentenças.

a) Marta lavou as roupas que encontrou no tanque.


b) O professor presenteou os alunos com notas altas.
c) O juiz julgou a ré culpada.

70
REFERÊNCIAS
BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 38. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2015.

BIZZOCCHI, A. O universo da linguagem: sobre a língua e as línguas. São Paulo:


Contexto, 2021.

CHOMSKY, N. Syntactic structures. Berlin: Mouton de Gruyter, 1957.

COELHO, I. L.; GORSKI, E.; SOUZA, C. M. N.; MAY, G. H. Para conhecer


sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2015.

FARACO, C. A.; ZILLES, A. M. Para conhecer norma linguística. São Paulo: Contexto,
2017.

ILARI, R.; POSSENTI, S. Português e ensino de gramática. Projeto Ipê. São Paulo:
UNICAMP, 1985.

KENEDY, E. Curso básico de linguística gerativa. São Paulo: Contexto, 2013.

KENEDY, E. Sintaxe gerativa. In: OTHERO, G.; KENEDY, E. (Orgs.). Sintaxe, sintaxes:
uma introdução. São Paulo: Contexto, 2015.

KENEDY, E.; OTHERO, G. A. Para conhecer sintaxe. São Paulo: Contexto, 2018.

MIOTO, C; FIGUEIREDO SILVA, M. C; LOPES, R. Novo Manual de Sintaxe. São Paulo:


Contexto, 2007.

MIOTO, C; FIGUEIREDO SILVA, M. C; LOPES, R. E. V. Novo manual de sintaxe. São


Paulo: Contexto, 2018.

MIOTO, C.; QUAREZEMIN, S. Sintaxe do português. 2. ed. Florianópolis: LLV/CCE/


UFSC, 2012.

SILVA, C. G. de C. O papel das fronteiras de sintagma fonológico na restrição do


processamento sintático e na delimitação das categorias lexicais. Dissertação
(Mestrado em Linguística) – Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2009.

TESCARI NETO, A. Constituência sintática, ambiguidade estrutural e aula de português:


o lugar da teoria gramatical no ensino e na formação do professor. Working Papers
em Linguística, v. 18, n. 2, 2017.

71
72
UNIDADE 2 —

ELEMENTOS SINTÁTICOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• diferenciar sintagmas argumentos de sintagmas adjuntos;

• identificar as principais funções sintáticas, a fim de desenvolver habilidade de análise;

• refletir sobre o comportamento dos verbos nas sentenças;

• diferenciar a seleção categorial da seleção semântica.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – ARGUMENTOS E ADJUNTOS

TÓPICO 2 – FUNÇÕES SINTÁTICAS

TÓPICO 3 – TRANSITIVIDADE VERBAL

TÓPICO 4 – SELEÇÃO CATEGORIAL E SEMÂNTICA

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

73
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

Acesse o
QR Code abaixo:

74
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
ARGUMENTOS E ADJUNTOS

1 INTRODUÇÃO
De acordo com nosso percurso de estudos desde a Unidade 1, a Sintaxe é uma
área complexa, que busca compreender, de um modo muito geral, como as palavras
constituem os sintagmas e de que forma os sintagmas formam orações e sentenças.
É justamente este o motivo pelo qual a noção de sintagma (ou constituinte) é tão cara
a esta disciplina! Seguindo nosso aprendizado, esta é a etapa destinada a entender
que, embora todos os sintagmas partilhem de uma série de características comuns –
conforme estudamos anteriormente –, não podemos sempre colocá-los “na mesma
caixinha”, já que eles desempenham papéis distintos internamente à oração.

O que explica essa distinção entre constituintes são as noções sintáticas de


argumentação (ou complementação) e adjunção. Antes de tudo, é importante que
ambos os conceitos sejam compreendidos sob a ótica da Sintaxe – estando separados,
portanto, de seus respectivos significados dicionarizados, que utilizamos sem que
estejamos nos referindo a análises linguísticas. Este tópico tratará, especificamente,
dessas duas definições e dos motivos pelos quais elas são tão importantes a nossos
estudos e, por consequência, ao profissional de Letras.

Para seguir essa finalidade, este tópico é dividido em quatro partes. Primeira-
mente, entenderemos os conceitos e as diferenças entre argumentos e adjuntos. Em
seguida, estudaremos de que forma os verbos são divididos quanto aos argumentos
que selecionam. Relacionaremos, então, o tema deste tópico à ambiguidade estrutural,
que abordamos na Unidade 1. Por fim, trataremos dos argumentos e adjuntos no con-
texto da educação básica, entendendo quais as vantagens de abordar esses conceitos
e como o professor de Língua Portuguesa pode fazê-lo. Vamos lá?!

2 COMPREENDENDO A ARGUMENTAÇÃO E A ADJUNÇÃO


Para iniciarmos nossa reflexão, pedimos para que você avalie, quanto à
gramaticalidade, as sentenças a seguir. Para essa avaliação, não considere qualquer
contexto por trás – ou seja, suponha que você está em um lugar qualquer e uma pessoa
que você não conhece o abordou e pronunciou cada sentença como uma informação
totalmente nova para você.

(1) O Pedro dormiu demais.

(2) O Pedro conserta carros.

75
Acreditamos que, para você, as sentenças sejam ambas gramaticais, correto?
Inclusive, é muito provável que você já tenha ouvido frases iguais ou muito parecidas ao
longo da sua vida, já que estas são informações corriqueiras. Agora, vamos considerar
ambas as sentenças e retirar o sintagma final de cada uma. A partir dessa remoção,
avalie a gramaticalidade novamente, considerando o mesmo contexto:

(3) O Pedro dormiu.

(4) O Pedro conserta.

Pensamos que a formação resultante em (3) continua sendo gramatical para


você, certo? No entanto, não parece ser esse o caso de (4), se desconsiderado qualquer
contexto por trás. Nesse caso, nosso questionamento, ao ter contato com essa sentença,
provavelmente, será: “conserta o quê?!” Repare que essa informação está ausente, e
esse fato provoca má-formação sentencial se considerarmos a sentença isolada, sem
o apoio de qualquer outra situação. Só podemos avaliar uma formação tal qual (4) como
gramatical e aceitável se levarmos em conta que esse sintagma faltante está saliente
no contexto de fala, como ocorre a seguir:

(5) — Você conhece alguém que conserta carros?


— O Pedro conserta.

Como não estamos considerando tais contextos inerentes, (4) não pode ser
uma formação bem-formada. Neste momento, vamos fazer outro teste: a adição de
sintagmas às posições finais da sentença. Faremos esse teste nas sentenças em (1-4):

(6) O Pedro dormiu demais [ontem] [na casa do amigo].

(7) O Pedro conserta carros [há 10 anos] [em São Paulo].

(8) O Pedro dormiu [ontem] [na casa do amigo].

(9) O Pedro conserta [há 10 anos] [em São Paulo].

Pela leitura atenta de (6-9), é possível notarmos que (6-8) são formações que
não manifestam qualquer problema quanto à gramaticalidade. No entanto, a mesma
situação não se aplica a (9): seguindo o mesmo resultado de (4), essa sentença continua
sendo estranha a nós, desconsiderado qualquer contexto prévio. Assim, podemos
concluir devidamente que a adição dos sintagmas em (6-9) não causa qualquer
interferência na gramaticalidade dessas frases, uma vez que o nosso julgamento se
mantém para tais sentenças, se em comparação a (1-4). Esse fato pode nos conduzir a
um questionamento em especial: por que a retirada do constituinte final em (1) não altera
a boa-formação dessa sentença, ao passo que, em (2), a omissão do sintagma torna a
frase agramatical? O que, afinal, entra em jogo para diferenciar ambas as ocorrências?

76
O ponto a ser considerado, nesse caso, é que os sintagmas nunca são inseridos
nas construções linguísticas por um mero acaso: nas línguas naturais, ou os constituintes
são obrigatórios, ou são aceitáveis nas formações. Naturalmente, a violação dessa
regra sempre causará algum tipo de má-formação sentencial. Esta é, basicamente, a
diferenciação entre argumentos e adjuntos, noções essas importantíssimas para o
estudo da Sintaxe, nas quais nos deteremos neste momento.

Em primeiro lugar, vamos considerar os componentes que são obrigatórios


na formação das orações: os argumentos. Nas línguas, existem elementos que
demandam a presença de outros itens para garantir a boa-formação da sentença. A
partir deste momento, chamaremos esses elementos de predicadores e tais itens
de complementos. No PB, os exemplos mais representativos de predicadores são os
verbos, uma vez que a maior parte dos verbos dessa língua exige complementos.

IMPORTANTE
Tradicionalmente, é comum associar o termo complemento/
complementação aos objetos diretos e indiretos (que veremos
mais adiante). Contudo, é importante que, aqui, não façamos
essa restrição. Complementos podem assumir funções sintáticas
diferentes, como sujeito e objeto. Essa noção será abordada,
gradativamente, ao longo da Unidade 2.

Para entendermos essa questão, vamos considerar o verbo “limpar”, de uma


sentença como (10). De imediato, afirmaremos que esse verbo demanda a existência
de dois sintagmas argumentos. Por que isso acontece? Porque, se deixarmos de inserir
qualquer um deles, a sentença resultante é agramatical – desconsiderado, naturalmente,
qualquer contexto subjacente –, conforme (11-12):

(10) O João limpou o quarto.

(11)* Limpou o quarto.

(12)* O João limpou.

Assim, concluímos afirmando que o predicador “limpar” necessariamente


seleciona dois argumentos (ou complementos). De uma forma mais simplificada,
podemos dizer que esse predicador “abre” duas lacunas, que devem ser preenchidas
para que a oração seja bem-formada. Essa relação é ilustrada em (13):

(13) ____ limpar ____

77
Assim como os verbos, existem outras classes morfológicas que podem atuar
como elementos predicadores, demandando argumentos. É o caso, por exemplo,
de alguns substantivos abstratos, como “atraso”, que solicita um complemento
preposicionado. Reparemos que, caso esse complemento seja suprimido, a sentença
nos é estranha (por isso, marcamos ‘??’) ou, até mesmo, agramatical (que, como vimos, é
sinalizado com *). Assim, por meio de (15), podemos compreender que esse substantivo
seleciona um complemento, como representa (16).

(14) */?? Não estou contente com o atraso.

(15) Não estou contente com o atraso do ônibus.

(16) atraso ____

É importante afirmar que a quantidade de complementos demandados pelo


predicador é, exatamente, a que deve ser preenchida. Essa quantidade não pode ser
violada nem para menos, como apontamos em (11), (12), (14) e (17), nem para mais.
No caso do predicador verbal “limpar”, por exemplo, a adição de um possível terceiro
sintagma obrigatório também acarretará agramaticalidade, uma vez que não haverá
“espaço” para alocar, nas lacunas abertas pelo verbo, todos os sintagmas envolvidos na
formação:

(17)* [O João] [o Zeca] limpou [o quarto].

ESTUDOS FUTUROS
Adiante, na Unidade 3, estudaremos que essa impossibilidade
também pode ser observada à luz da Teoria do Caso.

A essa altura, já somos capazes de solucionar o problema colocado no início


deste subtópico. Vamos recuperá-lo: por que podemos retirar com sucesso o sintagma
final de uma sentença como “O Pedro dormiu demais”, mas não de uma formação como
“O Pedro conserta carros”? Nesse caso, o segredo é considerarmos ambos os verbos: o
predicador verbal “dormir” seleciona um número de argumentos distintos, se em relação
ao predicador “consertar”. O primeiro verbo (dormiu) exige somente um sintagma como
complemento (com função de sujeito), enquanto o último (o verbo “conserta”) demanda
dois (um com função de sujeito e o outro com função de objeto verbal). No decorrer da
Unidade, exploraremos a noção de funções sintáticas. O sintagma [carros] é essencial
para a formação de uma sentença como (2), assim como [O Pedro]. Por sua vez, o verbo
“dormir” tem sua necessidade argumental satisfeita tão somente com o sintagma [O
Pedro].

78
Mas, então, por que o sintagma [demais] pode estar presente em uma formação
como (1)? Esse fato pode ser explicado se considerarmos que alguns elementos não são
obrigatórios, mas tão somente aceitáveis nas formações linguísticas. Esses elementos
são os adjuntos. Não podemos dizer que os adjuntos são informações irrelevantes ou
desnecessárias. Diferentemente, esses itens trazem alguma informação que, embora
sintaticamente facultativa – já que sua ausência não implica agramaticalidade –,
desempenha algum papel importante no conteúdo informacional do enunciado.

Retomando a reflexão que introduziu este subtópico, podemos inferir que


[ontem], [na casa do amigo], [há 10 anos] e [em São Paulo] são adjuntos, uma vez que,
embora estejam cumprindo certa função importante nas frases em que se inserem, não
são imprescindíveis para a formação sentencial, do ponto de vista da Sintaxe. Assim,
pela análise dessas sentenças, concluímos que não importa o número de sintagmas
adicionados à estrutura da oração: caso as necessidades argumentais do verbo não
sejam satisfeitas, a sentença será invariavelmente agramatical.

Podemos representar a diferença entre argumentos e adjuntos por meio de


uma analogia simples: o que vestimos para sair de casa. Algumas peças que vestimos
são essenciais, como as roupas e os sapatos, que cobrem nosso corpo e nos protegem
do sol, frio, vento, atrito com o chão etc., sendo, portanto, imprescindíveis. Essas peças
podem ser comparadas aos argumentos, que também são fundamentais – porém, para
a estrutura da frase! Por outro lado, outros elementos que utilizamos – ainda que sejam,
cada qual por seu motivo, também importantes – não são fundamentais, como relógios,
anéis, colares, pulseiras etc. Esses elementos podem ser comparados aos adjuntos, que
não são indispensáveis, mas desempenham algum papel relevante.

Tal qual acontece com os predicadores verbais, que aceitam adjuntos – nesse
caso, sintagmas adjuntos –, outras classes também o fazem. É a situação, primeiramente,
dos substantivos. Por exemplo, um substantivo como “livro” é autossuficiente, podendo
ocorrer sozinho dentro do sintagma nominal, mas aceita adjuntos satisfatoriamente:

(18) A Débora lê [livros].

(19) A Débora lê [livros de Machado de Assis].

Do mesmo modo, adjetivos também aceitam adjuntos – e, inclusive, isso


acontece com altíssima frequência! Leia os exemplos a seguir, com o adjetivo “inteligente”.
Podemos constatar que ele não exige, mas admite elementos que o especifiquem:

(20) A Helena é [inteligente].

(21) A Helena é [inteligente demais].

79
Em síntese, argumentos ou complementos são itens selecionados por
elementos predicadores e obrigatórios para a boa-formação da sentença. Por outro
lado, adjuntos são entidades acessórias, sendo passíveis de aceitação pelos elementos
predicadores e opcionais na formação do enunciado. Considerando, especialmente, a
noção de complementação, o subtópico a seguir versará mais profundamente a respeito
da classificação dos verbos quanto à seleção de argumentos.

3 CLASSIFICAÇÃO DOS VERBOS QUANTO À SELEÇÃO DE


ARGUMENTOS
Conforme estudamos até este momento, a relação de complementação é
abundante no PB, não apenas, mas especialmente em relação aos verbos. Isso significa
que existem verbos – que são, aliás, a grande maioria nessa língua – que não podem
compor, satisfatoriamente, uma sentença sem que haja sintagmas associados a eles,
preenchendo as “lacunas” abertas por tais. Até agora, analisamos os verbos “dormir”,
“consertar” e “limpar”, que demandam, respectivamente, um, dois e dois argumentos
para sua efetivação em uma sentença. Contudo, este não é o caso de todos os verbos
do PB, tema sobre o qual este subtópico versa, abordando a classificação dos verbos
quanto aos constituintes que seleciona.

Em primeiro lugar, chamamos a atenção para o fato de que alguns verbos não
selecionam qualquer argumento. É o caso de verbos que se referem a fenômenos da
natureza. Observe que esses verbos aceitam, mas não dependem de sintagmas para
que existam; assim, esses sintagmas não fazem o papel de argumentos desse verbo,
mas de adjuntos:

(22) Chove.

(23) Chove [muito] [na Amazônia].

(24) Está chovendo.

(25) Está chovendo [muito] [na Amazônia].

São exemplos de verbos que não selecionam argumentos: “esquentar” e “esfriar”


(referindo-se ao tempo), “nevar”, “ventar”, “gear”, “anoitecer” e “amanhecer”.

Existem, também, verbos que selecionam um argumento – como o verbo “dormir”,


que estudamos anteriormente. Esse grupo é chamado de verbos monoargumentais.
Nesse caso, há um aspecto importante a ser considerado: o fato de que há dois tipos
de verbos monoargumentais. O primeiro tipo é formado por verbos que podem ter seu
argumento apenas anteposto a ele; o segundo, por sua vez, é constituído por verbos que
não possuem tanta rigidez quanto a essa posição. Por ora, não nos cabe a classificação

80
e diferenciação entre esses dois tipos, que serão abordadas adiante, ainda nesta unidade.
De qualquer forma, as sentenças a seguir são exemplos da ocorrência de tais verbos e
do comportamento de seus complementos:

(26) [O cachorro] latiu.

(27) [A encomenda] chegou.

(28) Chegou [a encomenda].

São exemplos de verbos monoargumentais: “parar”, “voltar”, “cair”, “chorar”,


“casar”, “sofrer” e “correr”.

Ainda, temos os verbos que selecionam dois complementos, a exemplo de


“consertar” e “limpar”, que analisamos anteriormente. Estes são os verbos biargumen-
tais. Embora esta não seja uma regra, geralmente, no PB, um argumento é posicionado
em posição anterior ao verbo, e o outro, em posição posterior. Analisemos exemplos de
tais verbos inseridos em sentenças:

(29) [A Ana] comprou [um relógio].

(30) [A família] espera [por um milagre].

(31) [O Sérgio] planta [macieiras].

Além dos verbos suprarreferidos, são exemplos de formas biargumentais:


“rasgar”, “escrever”, “fazer”, “cair”, “apagar”, “pintar” e “mexer”.

Por fim, temos os chamados verbos triargumentais, isto é, que selecionam


três argumentos. É necessário um cuidado especial em relação a tais formas, já que
o complemento preposicionado pode ser confundido com um adjunto. Contudo, é
importante ressaltar que, no caso desses verbos, esse sintagma é selecionado pelo seu
predicador. Vamos observar essa configuração por meio do verbo “levar”: pela análise de
(35-37), é perceptível que a ausência do SP provoca estranheza ou, até mesmo, a plena
agramaticalidade do enunciado – como se ele estivesse incompleto!

(32) [O Marco] levou [uns doces] [pro trabalho].

(33) [O Marco] levou [uns doces] [pros colegas].

(34) */?? [O Marco] levou [uns doces].

São exemplos de verbos triargumentais: “entregar”, “enviar” e “dar”.

81
O estudo da classificação dos verbos quanto aos argumentos que selecionam
nos conduz a uma lição importante, válida para a análise de qualquer predicador e de
seus complementos. Quando queremos diagnosticar se determinado termo seleciona
argumentos e, se sim, quantos são eles, devemos levar em conta que a nossa intuição
linguística é o melhor instrumento do qual podemos fazer uso! Portanto, é sempre válido
fazermos testes, inserindo e removendo sintagmas ou outros elementos e observando
como o (possível) predicador se comporta. Caso a remoção de uma expressão provo-
que má-formação, é muito provável que esse elemento esteja sendo selecionado pelo
predicador, como seu argumento; diferentemente, se essa ausência não influenciar a
gramaticalidade da sentença, o elemento em questão pode funcionar como um adjun-
to. Essa é uma boa maneira, inclusive, de abordar gramática na escola a partir de uma
atividade científica de testagem e análise sintática.

O subtópico a seguir relacionará os nossos conhecimentos adquiridos acerca


dos argumentos e dos adjuntos à ambiguidade sintática, tema que estudamos na
Unidade 1.

4 OS ADJUNTOS E A AMBIGUIDADE SINTÁTICA


Na Unidade 1, trabalhamos o interessantíssimo fenômeno da ambiguidade
sintática. Nessa etapa, entendemos que uma mesma sequência de palavras pode dispor
de mais de um sentido simplesmente pelo fato de que possui mais de uma possibilidade
de divisão de sintagmas. Vamos retomar esse assunto buscando a ambiguidade desta
sentença:

(35) A Fernanda chamou o tio de Pedro.

Em que se fundamenta, afinal, a ambiguidade da frase em questão? No fato de


que existem, pelo menos, dois sentidos possíveis para ela: (i) que a Fernanda chamou
– isto é, contatou, possivelmente, pelo nome – o tio do Pedro; e (ii) que a Fernanda
denominou o tio (provavelmente, o tio dela) pelo nome “Pedro”. Como sabemos, essa
ambiguidade deve ser entendida como sintática, uma vez que ela é provocada por
duas configurações distintas de sintagmas da sequência “o tio de Pedro”. Desafiamos
você a aplicar pelo menos um teste de constituência para identificar quais são essas
divisões. Chegaremos, por meio desses testes, a esta dupla possibilidade de divisão,
respectivamente aos sentidos (i) e (ii):

(36) A Fernanda chamou [o tio de Pedro].

(37) A Fernanda chamou [o tio] [de Pedro].

Até agora, essa matéria não é uma novidade para nós. Contudo, o avançar de
nossos estudos já permite que aprofundemos nossa compreensão sobre a ambiguidade
sintática, alcançando novas reflexões, relacionadas especialmente à noção de adjunção.

82
Primeiramente, é importante salientar que a ambiguidade de (38) é somente
possível porque o predicador verbal “chamar” aceita que ela se efetue. Em segundo lugar,
podemos notar que, nesse caso, ambas as divisões de sintagmas a partir da sequência
“o tio de Pedro” possuem expressões adjuntas. Contudo, os elementos aos quais essas
expressões estão ligadas são diferentes – e este é o “coração” da ambiguidade neste
caso! Em (39), a sequência em questão compõe somente um sintagma, de modo que
a expressão “de Pedro” esteja adjunta a “o tio”. Juntas, ambas as expressões formam o
sintagma nominal [o tio de Pedro], que é um dos dois complementos do verbo “chamar”.
Repare que “de Pedro” é, necessariamente, um adjunto, já que “o tio” não depende da
sua existência para que ocorra na sentença:

(38) A Fernanda chamou [o tio].

Diferentemente, pelo sentido (ii) desta sentença ambígua, representado pela


divisão de sintagmas em (40), [o tio] e [de Pedro] são dois sintagmas independentes
entre si. Ambos estão ligados ao verbo “chamar”, mas há uma diferença entre eles:
enquanto [o tio] é um argumento do verbo – ou seja, selecionado por ele e sem o qual
a sentença não alcançaria a boa-formação –, [de Pedro] é um adjunto, já que ele não
necessariamente precisa fazer parte do enunciado para que o seu sentido se faça
completo, como pode ser constatado em (41).

Assim, pode-se dizer que a ambiguidade de uma sentença como (38) acontece
porque há expressões adjuntas a distintos elementos: em (39), a “o tio”; e, em (40), a
“chamou”. Esse fato refina o motivo pelo qual esse fenômeno, nesse caso, deve ser
entendido como sintático, já que, apesar de termos uma mesma sequência de palavras,
as relações entre elas são construídas diferentemente, a depender do sentido do
verbo: relacionado a “denominar” ou a “contatar". Nesse caso, especificamente, é essa
polissemia que permite que a ambiguidade seja realizada.

NOTA
Indicamos que, como um exercício, você retome as sentenças
ambíguas apresentadas no Tópico 4 da Unidade 1 e analise-as,
seguindo o procedimento que realizamos neste tópico. Procure
separar os constituintes das sequências ambíguas em relação
a todas as suas interpretações possíveis e entender quais
são as relações entre adjuntos ou argumentos que revelam a
ambiguidade da sentença.

A seguir, no próximo subtópico, estudaremos de que forma as noções de


argumentação e complementação podem fazer parte das aulas de Língua Portuguesa,
tornando as aulas de Sintaxe ainda mais ricas e próximas à realidade dos estudantes.

83
5 ARGUMENTOS E ADJUNTOS NA ESCOLA
Como pudemos perceber ao longo do estudo deste tópico, a noção de adjunção
e argumentação é extremamente corriqueira no uso da língua em nosso dia a dia.
Além disso, aprendemos que nossa consciência linguística é capaz de reconhecer
os complementos e adjuntos a partir de predicadores, embora dificilmente tenhamos
consciência sobre este fato. Prova disso é que, para testar se determinado termo é uma
expressão predicadora que exige argumentos ou somente aceita adjuntos, podemos
utilizar tão somente nossa intuição linguística como instrumento, sem depender de
nenhum outro recurso.

Nas aulas de Língua Portuguesa na escola, pode ser muito vantajoso deixar
claro aos estudantes que eles são dotados de tal consciência em função da capacidade
inata para a linguagem, exclusiva dos seres humanos. O professor pode mostrar que
as noções de argumentação e adjunção fazem parte de nossa competência linguística
sem que isso alguma vez nos fosse ensinado em nossas casas ou na escola.

A abordagem pormenorizada e atenta de ambos os conceitos em questão, além


de ser uma simples “descrição” do que nossa mente faz usualmente enquanto utilizamos
a língua, é muito importante para que os alunos distingam as relações sintáticas que são
essenciais para a boa-formação dos enunciados (a complementação), diferentemente
daquelas que são opcionais, mas detêm importância no contexto em que são proferidas
(a adjunção). Estimular a habilidade de distinguir ambas as relações é fundamental para
que os estudantes tenham um aproveitamento satisfatório das próximas etapas de
estudos de Sintaxe, que envolvem as nomenclaturas relacionadas às noções sintáticas
intrassentenciais.

INTERESSANTE
Para realizar esse trabalho, o professor pode expor, aos estudantes,
frases que contenham predicadores que solicitem argumentos, mas
não incluir os argumentos – exatamente como fizemos no início
deste tópico. Por exemplo, em vez de apresentar uma frase como
“O carro bateu no poste”, você pode apresentar “O carro bateu” e,
em seguida, questionar os alunos sobre a gramaticalidade dessa
frase frente à primeira. Em seguida, aplique o mesmo processo
com adjuntos. Dessa forma, eles poderão ficar entusiasmados com
os questionamentos e os desafios propostos, envolvendo-se mais
facilmente com esse conteúdo.

84
Um exemplo a essa situação pode ser mencionado neste momento, embora
fique mais claro a partir dos próximos tópicos, que se debruçarão sobre tais temas. Um
problema muito comum dos estudantes que aprendem sobre a Sintaxe de sua língua
é a diferença entre complementos nominais e adjuntos adnominais. Por ora, nesta
etapa, não nos cabe a diferenciação de ambos os termos, mas é significativo mencionar
que essa distinção é baseada tão somente em um deles estar sendo selecionado
pelo substantivo, como um argumento (ou seja, que é decisivo para a boa-formação
do enunciado), e outro somente ser aceito por ele, como um adjunto (isto é, que é
sintaticamente facultativo).

Conforme exposto ao longo deste tópico, as relações de complementação e


adjunção não se restringem aos substantivos, e, para cada grupo de predicadores, existem
nomenclaturas diferentes associadas. Assim, é bastante profícuo que os alunos, antes
de terem contato com tais terminologias, compreendam e saibam reconhecer se uma
expressão ou sintagma funciona como um adjunto ou complemento de determinado
termo. Portanto, a abordagem de tais noções pode facilitar – e muito! – a caminhada dos
estudantes pela Sintaxe e o reconhecimento de sua própria competência linguística,
que é inata.

85
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• Argumentos (ou complementos) são as expressões ou sintagmas selecionados por


um predicador, sendo fundamentais para a boa-formação do enunciado.

• Adjuntos são as expressões ou sintagmas aceitos por um predicador, que são


importantes para a boa-formação do enunciado, mas não fundamentais.

• Argumentos e adjuntos são relações intrassentenciais dominadas pela competência


linguística de todos os falantes de alguma língua natural.

• A ambiguidade sintática pode ser compreendida, também, à luz das relações de


adjunção internas a um sintagma ou entre sintagmas.

• A abordagem das noções de complementação e adjunção nas aulas de Língua


Portuguesa na escola é muito importante para o reconhecimento e descrição da
competência linguística dos falantes e para a caminhada dos estudantes pelos
conteúdos relacionados à Sintaxe.

86
AUTOATIVIDADE
1 As noções de argumentação e adjunção correspondem, basicamente, a uma
descrição de uma habilidade mental inerente, da qual todos os falantes de alguma
língua natural dispõem. No caso dos predicadores verbais, especificamente, pode-se
compreender que há um grupo específico que é capaz de selecionar três argumentos,
os verbos triargumentais. Uma cautela a ser tomada quanto a esse grupo é a facilidade
de confundi-lo com estruturas compostas por um verbo biargumental e um sintagma
preposicionado que se encontra em adjunção, e não em complementação ao verbo.
Nesse sentido, sobre a única sentença que apresenta um constituinte preposicionado
que funciona como argumento do predicador verbal, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Receita Federal prorroga prazo de entrega da Declaração do Imposto de Renda


para 31 de maio.
b) ( ) Palmeiras aplica novo plano de atividades para manter o condicionamento físico
de jogadores.
c) ( ) Conselho Tutelar vai encaminhar caso de irmãos de criança que caiu de prédio
para o Ministério Público.
d) ( ) Presidente de multinacional recebe convite para bancada de empreendedores
do país.

2 Considere estas frases:

(1) Centros de educação infantil de Barrinhos liberam crianças mais cedo por causa de
alagamento.
(2) Após negociações com Mariana Campos, autoridades da educação encerram greve
em instituições escolares.
(3) Inscrições de processo seletivo para profissionais da Educação iniciam hoje.

Sobre a estrutura de argumentação e adjunção dessas frases, analise as sentenças a


seguir:

I- As frases (1) e (3) possuem, cada uma, exatamente dois sintagmas que funcionam
como argumentos do predicado verbal.
II- As frases (1) e (2) possuem, cada uma, exatamente dois sintagmas que funcionam
como adjuntos do predicado verbal.
III- A frase (3) possui exatamente um sintagma que funciona como complemento do
predicado verbal.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) Somente a sentença I está correta.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

87
3 Uma constatação importante sobre argumentos e adjuntos diz respeito ao fato de que
a sua compreensão torna as sentenças com ambiguidade sintática mais facilmente
explicáveis. A partir dessa asserção, classifique V para as sentenças verdadeiras e F
para as falsas:

( ) Na sentença ambígua “Fernanda deixou a filha loira”, o sentido que se refere a


Fernanda ter abandonado a filha que era loira acontece pela adjunção do adjetivo
“loira” ao verbo “deixou”.
( ) Na sentença ambígua “Fernanda deixou a filha loira”, o sentido que se refere a
Fernanda ter tornado a filha loira acontece pela adjunção do adjetivo “loira” ao verbo
“deixou”.
( ) Na sentença ambígua “Eu quero esse vestido azul”, o sentido que se refere a eu
querer o vestido que é azul acontece pela adjunção do adjetivo “azul” ao substantivo
“vestido”.
( ) Na sentença ambígua “Eu quero esse vestido azul”, o sentido que se refere a eu
querer que o vestido se torne azul acontece pela adjunção do adjetivo “azul” ao
substantivo “vestido”.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – V – V – F.
b) ( ) V – F – F – V.
c) ( ) F – V – F – V.
d) ( ) V – F – V – F.

4 Considere estas frases:

(1) O Paulo chegou em casa com um cachorrinho.


(2) Os agricultores colheram as frutas verdes.
(3) A Vitória cresceu rapidamente.
(4) Os alunos cursarão Letras no próximo semestre.

Separe os sintagmas dessas frases e classifique-os como argumentos ou adjuntos


do predicador verbal. Caso haja alguma frase sintaticamente ambígua, explique a
ambiguidade e apresente a separação e classificação para todos os sentidos existentes.

5 Suponha que um colega seu, professor de Língua Portuguesa, venha se queixar


com você que seus alunos do Ensino Médio possuem dificuldade em entender
alguns conceitos de Sintaxe, especialmente aqueles paralelos, como as noções
de complemento nominal e adjunto adnominal. Quando ele lhe pede sugestões de
maneiras de facilitar a aprendizagem dos estudantes, você imediatamente sugere a
abordagem das noções de argumentação e adjunção. Muito interessado, o professor
pergunta por que, afinal, esse conteúdo pode facilitar a aprendizagem dos conceitos
de Sintaxe. Discorra sobre, pelo menos, dois argumentos que você pode utilizar para
responder a seu colega.

88
UNIDADE 2 TÓPICO 2 —
FUNÇÕES SINTÁTICAS

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, antes de abordarmos o assunto deste tópico, as funções sintáticas,
vamos fazer um exercício de relembrar as aulas de educação física na escola. É bastante
provável que, em determinado momento, seu(sua) professor(a) sugerira uma divisão da
turma para formação de times. Suponhamos que o esporte da vez seja o basquete.
É preciso que cada time tenha cinco jogadores e que cada um assuma uma posição:
dois pivôs, dois alas e um amador. Geralmente, alguém é selecionado para fazer essas
escolhas. A analogia que queremos apresentar é: numa sentença, assim como num jogo
de basquete escolar, um elemento seleciona os outros e cada um recebe uma função. É
sobre isso que falaremos neste Tópico 2.

Apresentaremos, no decorrer da nossa discussão, as funções de sujeito e


predicado, os objetos, os predicativos, os complementos e os adjuntos. São temas que
você provavelmente já conhece, mas, neste material, tentaremos abordar de uma forma
que instigue seus olhares para uma reflexão crítica e, principalmente, investigativa.

Além disso, assim como fizemos na primeira unidade e no Tópico 1, vamos


buscar relacionar o conteúdo trabalhado aqui com o ensino de gramática, uma vez que
esses conhecimentos são também bastante trabalhados na Educação Básica.

2 SUJEITO E PREDICADO
Em termos gerais, sujeito e predicado são elementos bastante discutidos. Para
início de conversa, podemos pensar nas definições tradicionais, que dizem que sujeito é
quem concorda com o verbo da sentença e que é o elemento sobre o qual o predicado
atua. O predicado, por sua vez, pode ser entendido, por enquanto, como a declaração
que se faz sobre o sujeito, geralmente guiada por um verbo. Por exemplo, em (39), te-
mos uma frase em que [João] é o sujeito e [faz exercícios físicos] é o predicado.

(39) João faz exercícios físicos.

Contudo, desde o início deste material, assumimos uma postura investigativa


e veremos que essas noções, embora muito importantes e, de fato, muitas vezes,
coerentes, podem não abarcar todas as construções do PB.

89
IMPORTANTE
E também não é este o objetivo das gramáticas tradicionais ou
livros didáticos escolares! Quem descreve e investiga a língua
são os linguistas. Esses materiais mais normativos adotam outro
olhar sobre a língua. Como profissionais de Letras, nosso dever
é entender que há diversas visões sobre língua e linguagem, que
variam em seus objetivos, perspectivas, entre outros aspectos.
Neste material, contudo, queremos ir além do que é discutido em
materiais tradicionais, a fim de fazer jus à sua formação acadêmica.

No Tópico 1 desta Unidade 2, entendemos que os verbos são tipos de


predicadores, e a maioria deles, pelo menos no PB, selecionam argumentos, isto é,
elementos obrigatórios para a boa-formação de uma sentença. Para entender melhor,
é preciso, novamente, que a noção de sintagma seja considerada, porque esses
argumentos estão ligados ao SV. Assim, quando temos a frase em (40), podemos dizer
que [maçã] é um sintagma nominal que está ligado ao verbo [comer], que precisa de
dois argumentos.

(40) O Igor comeu maçã ontem.

Além do verbo e do objeto direto, temos dois elementos: [O Igor] e [ontem].


Contudo, isso não basta para dizermos que ambos são argumentos, porque apenas
um deles assume rótulo de “necessário para boa formação”. Como vimos anteriormente,
argumentos são obrigatórios, enquanto os adjuntos são facultativos. Na frase acima, [O
Igor] é um elemento obrigatório (preciso de alguém comendo a maçã para que a frase
seja gramatical); e [ontem], por sua vez, é um acessório.

Em (40), [O Igor] assume a função de sujeito. É sobre essa função sintática que
nos deteremos neste primeiro momento. Inicialmente, vamos problematizar algumas
noções tradicionais, mas, ao longo do texto, traremos conceitos já conhecidos desde
a sua fase escolar, como sujeito simples, sujeito composto, sujeito desinencial e uma
breve discussão sobre a posição desse elemento na oração.

Discutir sujeito no PB é algo um pouco mais difícil do que parece. Embora


muitos materiais tentem fazê-lo em uma página, definindo em duas ou três linhas e
dando alguns exemplos, há muitas questões a se levantar a respeito deste termo. São
comuns definições como: “o sujeito é quem concorda com o verbo” ou “o sujeito é o
agente da ação verbal”. São visões que, até certo ponto, cumprem seu papel de definir
o sujeito. Basta olharmos para frases como em (41), em que o elemento que concorda
com o verbo e o elemento agente da ação verbal são o mesmo.

90
(41) a. Eu comprei arroz no mercado.
b. Meu cachorro rasgou a caixa de papelão.
c. João Vitor escreveu uma carta de amor.

Nesses casos, [eu], [meu cachorro] e [João Vitor] assumem função de sujeito
ao concordarem com o verbo e serem agentes das ações verbais. Contudo, alguns
exemplos tornam essas definições um tanto rasas. Pensemos, por exemplo, em frases
em que a concordância não é acionada, fenômeno muito comum no PB:

(42) Eles não compra nada que eu quero.

O verbo [comprar] conjugado como está não é a forma tradicional de


concordância com a terceira pessoa do plural, mas não há restrição alguma à ideia de
que [Eles] é o elemento que assume a posição sintática de sujeito. Então isso quer dizer
que a definição que trata o sujeito como agente tem uma força maior do que a definição
que relaciona sujeito com concordância? Não necessariamente. Vejamos os exemplos
em (43) para perceber o oposto das sentenças anteriores: sujeitos que concordam com
o verbo, mas não são agentivos.

(43) a. João cortou o cabelo no barbeiro.


b. O bolo está cheirando muito bem.

Nesses casos, temos, em (43a), a interpretação que João não foi o responsável
por cortar os próprios cabelos. É claro que isso pode acontecer, mas o sintagma [no
barbeiro] deixa essa interpretação em segundo plano. Em (43b), o verbo [cheirar] não
seleciona um argumento como [o bolo] para ser agente. No mínimo, o agente dessa
ação deve ser um ser que tenha capacidade de cheirar coisas. Contudo, não há dúvidas:
[João] e [O bolo] são, respectivamente, os sujeitos das sentenças (43a) e (43b).

Ainda, é possível que as noções de concordância e agentividade sejam


colocadas em choque em algumas sentenças. Veremos isso ao fim deste tópico, ao
problematizar o sujeito no PB.

Outra definição bastante comum aplicada ao sujeito é um caráter informativo


de sujeito como o ser de quem se fala algo. Em todas as frases citadas como exemplos
neste tópico, essa definição se sustentaria, mas também podemos apresentar
contraexemplos. Imagine, por exemplo, as sentenças em (44):

(44) a. O João, eu não vejo desde que ele foi pra capital.
b. Repolho, eu até como, mas prefiro beterraba.

91
O sujeito dessas sentenças, aplicando definições de concordância e agentividade,
são [eu] nas duas sentenças. Contudo, não podemos dizer que [eu] é o ser de quem
se fala algo, porque essas são sentenças em que um elemento aparece topicalizado e,
consequentemente, é o assunto da frase. Nos casos acima, [o João] e [repolho] são os
seres sobre os quais se fala algo, mas não são os sujeitos das sentenças. Outro mito que
essas frases quebram é aquele que diz que o sujeito é sempre o elemento "em posição
inicial" na frase.

Então quer dizer que é errado definir o sujeito como: (i) quem concorda com
o verbo; (ii) o agente da oração; e (iii) o ser sobre o qual se faz uma afirmação? Não
consideramos que “errado” seja a palavra mais adequada, porque são definições que
muitas vezes são felizes cumprindo seu papel. Todavia, como vimos, são definições
bastante passíveis de problematizações e questionamentos. Em vez de “erradas”,
preferimos, então, usar “simplistas”.

Como profissional de Letras, seja como professor ou outra ramificação do


mercado de trabalho, é preciso que você se atente para as definições com olhar crítico e
postura reflexiva, a ponto de questionar, buscar exemplos e contraexemplos e repensar
a língua e a linguagem. Não assumimos uma postura bélica contra a GT tradicional. É
importante esclarecer que ela é bastante importante para o trabalho com produções
textuais na escola, para o trabalho do revisor de texto e para muitas outras vertentes.
Contudo, acreditamos que uma visão mais reflexiva tenha tanto direito a espaço quanto
a visão tradicional. É essa postura que assumiremos a seguir: trataremos de algumas
questões de sujeito e predicado atreladas ao tradicionalismo, mas adicionaremos
questões para pensar e repensar a respeito desses elementos sob uma ótica mais
crítica e reflexiva.

A seguir, veremos que o sujeito pode se manifestar de maneira simples ou


composta, ou ainda não se manifestar em uma sentença.

2.1 TIPOS DE SUJEITO


Mais uma vez, a noção de sintagma se faz importante para a compreensão da
análise sintática. Como vimos na Unidade 1, especificamente no Tópico 3, todo sintagma
tem um núcleo. O núcleo é a parte mais importante de um sintagma. Tanto é que a
categorização do sintagma se dá a partir da classe que o seu núcleo se enquadra. Um
sintagma é verbal se o seu núcleo for um verbo, o sintagma é adverbial se o núcleo for
um advérbio, e assim por diante. Aqui, interessa-nos os sintagmas nominais e os nomes
como núcleos.

92
O que determina se um sujeito é simples ou composto é a quantidade de núcleos
que ele apresenta. Se apresenta apenas um núcleo, é um sujeito simples. Se apresenta
mais de um núcleo, é um sujeito composto. Veja os exemplos abaixo.

(45) a. O prefeito prometeu reformar as escolas da cidade.


b. Os vereadores discutiram a lei municipal na câmara.
c. O prefeito e os vereadores entraram em um acordo.

As frases (45a) e (45b) têm apenas um núcleo no sintagma caracterizado como


sujeito. Respectivamente, [o prefeito] em (45a) e [os vereadores] em (45b). Note que,
mesmo sendo plural, (45b) não é considerada uma sentença de sujeito composto, porque
não é o número (singular ou plural) que determina isso. É a quantidade de núcleos!

Por outro lado, perceba que (45c) apresenta dois núcleos: prefeito e vereadores.
Agora, sim, portanto, temos um sujeito composto, porque é uma sentença em que o
sujeito é formado por dois núcleos. Essa noção pode ajudar a problematizar muitas
noções assumidas por materiais didáticos tradicionais. Então, é importante que o
professor de língua portuguesa entenda como se posicionar e como questioná-las.

O sujeito desinencial, igualmente chamado por muitas gramáticas e materiais


didáticos de “sujeito oculto”, também é uma possibilidade no PB. Embora alguns
materiais iniciem a abordagem de sujeito classificando-o como “termo essencial na
oração”, páginas depois, há uma espécie de contradição, ao dizer que nem sempre o
sujeito está aparente.

Ao contrário, o sujeito pode ser reconhecido de outra forma: pela desinência do


verbo. É como se nós não pudéssemos vê-lo, mas conseguíssemos reconhecê-lo pela
pista dada na conjugação verbal. As sentenças em (46-47) são exemplos disso:

(46) Valorizamos muito o trabalho dos professores.


(47) Entendi toda a matéria de sintaxe com a explicação da professora.

A conjugação verbal típica de primeira pessoa do plural em (46) nos faz entender
que o sujeito é “nós”, isto é, um grupo de pessoas que necessariamente inclui a pessoa
que falou a frase (por exemplo: a diretora de uma escola falando em nome da equipe
administrativa). De mesmo modo, em (47), a conjugação do verbo “entender” na primeira
pessoa do singular não deixa dúvidas de que o sujeito da frase é a pessoa que a produz.

Entretanto, não podemos fechar os olhos e ignorar a evolução da nossa língua.


O paradigma flexional do PB falado é muito mais reduzido do que idealiza a GT, como
mostra o quadro a seguir:

93
QUADRO 1 – CONJUGAÇÃO DO VERBO GOSTAR

Conjugação do verbo “gostar”

Pessoa GT PB falado
Primeira pessoa singular Eu gosto Eu gosto
Segunda pessoa singular Tu gostas Tu gosta(s) | Você gosta
Terceira pessoa singular Ele/ela gosta Ele/ela gosta
Primeira pessoa plural Nós gostamos Nós gosta(mos) | A gente gosta
Segunda pessoa plural Vós gostais Vocês gosta(m)
Terceira pessoa plural Eles/elas gostam Eles/elas gosta(m)

FONTE: Os autores (2022)

NOTA
Em momento algum, sugerimos que o profissional de Letras
entre em sala de aula, ignore o paradigma normativo e passe
a exigir que o aluno produza textos com o paradigma atual. Já
mencionamos aqui que reconhecemos a importância da GT, mas
nossa sugestão é que ela não seja a única gramática trabalhada
em sala de aula.

Como podemos observar, no paradigma do PB falado atualmente, muito


mais restrito que o idealizado pela GT e usado na língua escrita formal, não é tão fácil
identificar o sujeito somente pela desinência do verbo, uma vez que a única que assume
uma forma distinta é a primeira pessoa singular (eu), com terminação -o (no caso de
verbos regulares terminados em -ar no presente do indicativo).

Se as formas assumirem a estrutura da norma padrão, como é uma possibilidade


apontada na terceira coluna, a identificação é mais fácil, mas se virmos isoladamente
(i.e., sem contexto) uma sentença como (48), não conseguiremos identificar, pelo verbo,
o sujeito da oração.

(48) Gosta mais de gramática ou de literatura?

Dessa forma, a recomendação é que, ao ensinar o sujeito oculto, o profissional


de Letras apresente aos alunos a visão da norma padrão, mas os faça refletir sobre as
limitações que o PB atual apresenta. Para além da sala de aula, um revisor de texto
também precisa estar por dentro dessas situações, já que, a depender da plataforma
e do contexto, o texto revisado pode exigir o preenchimento do sujeito. Em resumo,
dominar a regra vai muito além de conhecê-la sob a ótica da gramática tradicional.

94
O sujeito oculto muito se confunde, nos estudos de Língua Portuguesa, com
o sujeito indeterminado. São categorizações diferentes para este elemento. Vamos
analisar as duas sentenças a seguir:

(49) Roubaram a minha moto no estacionamento da farmácia.


(50) Vive-se bem em Santa Catarina, apesar do frio do inverno.

Os verbos [roubar] e [viver] estão conjugados conforme a norma padrão, mas


não identificamos o sujeito por meio dessa pista. Nem o contexto e nem a forma verbal
nos permitem reconhecer o sujeito dessas sentenças, porque são sentenças de sujeito
indeterminado.

De igual modo ao sujeito oculto, elas também não apresentam um sujeito
visível. A diferença é que, nessa situação, o sujeito não pode ser nem reconhecido. De
acordo com a GT, esse tipo de sujeito geralmente é acompanhado de verbos flexionados
na terceira pessoa do plural, ou de verbos flexionados na terceira pessoa do singular,
acompanhados da partícula -se, como visto nos exemplos acima.

Estudos linguísticos recentes, contudo, mostram-nos algo bastante


interessante: às vezes, principalmente no PB falado, nós colocamos um sujeito em
sentenças indeterminadas, mas ele é bem particular. Veja bem: a sentença, em seu
contexto, continua sendo indeterminada, mas há um elemento concordando com o
verbo e assumindo a posição de sujeito. Esse elemento, contudo, é sem referência, ou
seja, embora ele esteja na frase, eu ainda não consigo identificá-lo.

Quarezemin e Fuchsberger (2020) apontam, como exemplos dessa situação,


sujeitos como “a gente”, “tu/você”, “o cara”, “o pessoal”, entre outros, como mostramos
nas sentenças a seguir, paráfrases da sentença em (50) vista anteriormente. Nessas
sentenças, os elementos em destaque não têm uma referência específica. São
impessoais.

(51) A gente vive bem em Santa Catarina, apesar do frio do inverno.


(52) Tu/você vive bem em Santa Catarina, apesar do frio do inverno.
(53) O cara vive bem em Santa Catarina, apesar do frio do inverno.
(54) O pessoal vive bem em Santa Catarina, apesar do frio do inverno.

Sentenças como essas também nos fazem refletir sobre a análise sintática.
Entender o sujeito indeterminado é muito mais do que identificar uma fórmula (o verbo
está ‘assim’ ou ‘assado’). Mais do que isso, é preciso entender em qual contexto a frase
se insere para que ela se caracterize como determinada ou não.

Assim como falamos ao abordar o sujeito oculto, a GT facilmente se contradiz


ao rotular o sujeito como termo essencial da oração e levantar essas possibilidades de
ocultar ou indeterminar este elemento. Também é possível apontar contradição quando
há orações sem sujeito, nomeadas exatamente desse jeito por modelos tradicionais.

95
As orações sem sujeito são aquelas em que os verbos são impessoais, como
os verbos que indicam fenômenos da natureza, vistos no tópico anterior, os verbos que
indicam tempo decorrido e, também, os verbos existenciais.

As frases a seguir mostram exemplos de orações sem sujeito:

(55) Neva na serra catarinense às vezes.


(56) Faz quatro anos que estudo Letras.
(57) Há muita gente na piscina.

Embora a GT reconheça somente essas orações como sentenças de sujeito


inexistente, novamente, não podemos ignorar as movimentações que a nossa língua
vem apresentando. Veja as possíveis transformações em duas delas:

(58) Neva na serra catarinense às vezes.


(59) Na serra catarinense, neva às vezes.
(60) A serra catarinense neva às vezes.

(61) Há muita gente na piscina.


(62) Tem muita gente na piscina.
(63) Na piscina, tem/há muita gente.
(64) A piscina tem/*há muita gente.

No primeiro grupo de sentenças, com o verbo meteorológico que indica o


fenômeno natural de nevar, ocorre que o lugar onde a neve acontece vai para a posição
na frente do verbo e concorda com ele, assumindo a posição de sujeito. Já no segundo
grupo, há outra problematização para a GT: o uso do verbo ‘ter’ existencial. Embora
a norma recomende o uso do verbo ‘haver’ para essas questões, é comum ver o ‘ter’
assumindo esse papel e também aceitando um elemento como sujeito (o que não
ocorre com ‘haver’).

Repetimos: não queremos propor uma briga contra a GT. Nossa ideia não é bélica.
Reconhecemos sua importância, mas acreditamos que a pluralidade de abordagens
possa ser muito útil, pensando que os objetivos do ensino de língua portuguesa nas
escolas ultrapassam o ensino de produções textuais.

INTERESSANTE
Você reparou que há uma tendência de preenchimento da posição de
sujeito? Sentenças com o sujeito oculto passam a apresentar dificuldades
devido ao paradigma flexional reduzido, sentenças indeterminadas
apresentam sujeitos sem referência, e orações sem sujeitos, mesmo
com verbos impessoais, podem apresentar elementos na posição pré-
verbal. Pensar sobre esses aspectos é muito intrigante!

96
A posição pré-verbal, contudo, não é a única a ser assumida pelo sujeito.
No subtópico a seguir, ampliaremos nossa discussão e falaremos sobre as possíveis
posições que um sujeito pode assumir.

2.2 POSIÇÕES DE SUJEITO


Embora a ordem canônica e mais natural das sentenças no PB seja sujeito-
verbo-complemento/adjunto, há possibilidades de flexibilizar a estrutura das frases.
Essas possibilidades são, inclusive, reconhecidas por materiais tradicionais, como
gramáticas normativas e livros didáticos escolares. A regra postulada por esses materiais
é que, desde que a concordância com o verbo seja respeitada, um sujeito pode aparecer
na ordem direta e na ordem inversa. Uma outra possibilidade é que o sujeito apareça
no interior do predicado, devido às possibilidades de movimentação.

A ordem direta é a canônica, que já comentamos. Para falar sobre a posição do


sujeito, vamos trabalhar em cima da sentença em (65), que aparece na ordem canônica:

(65) Os alunos de Letras estudavam atentamente.

A ordem inversa, como sugere o próprio nome, se dá com a inversão do sujeito


e do predicado, como vemos na sentença a seguir:

(66) Estudavam atentamente os alunos de Letras.

Aqui, faz-se muito importante ter conhecimento sobre análise sintática, porque
temos de reconhecer a ambiguidade da sentença acima. O termo em destaque [os
alunos de Letras], embora identificado como sujeito nessa nossa abordagem, poderia
estar ocupando o papel de objeto do verbo estudar (falaremos de objetos mais
adiante). É claro que o contexto em que essa frase for colada provavelmente tiraria
sua ambiguidade, mas, isoladamente, ela pode ser interpretada como uma sentença de
sujeito oculto, a ser ocupado, por exemplo, por [as pesquisadoras]. Em sala de aula, o
profissional de Letras pode apontar para essas questões. No campo da revisão textual,
o profissional de Letras deve identificar se a escolha dessa ordem inversa pode afetar o
discurso. A análise sintática se faz presente nas mais variadas possibilidades do nosso
mercado profissional.

Para manter nosso foco, consideramos a interpretação de (66), em que o
sintagma [Os alunos de Letras] é o sujeito. A conjugação do verbo na terceira pessoa do
plural se mantém para continuar concordando com o sujeito em si.

97
ESTUDOS FUTUROS
No Tópico 3, veremos que o caráter do verbo também pode influenciar
na posição do sujeito e, inclusive, flexibilizar sua concordância. Aqui, não
vamos nos aprofundar nesse tema justamente para poder tratar dele
com mais detalhes adiante.

A concordância também se mantém em (67), em que o verbo aparece no interior


do predicado, que também é uma possibilidade reconhecida pelos materiais tradicionais.

(67) Atentamente, os alunos de Letras estudavam.

Perceba, nessas últimas frases, que o que é caracterizado como sujeito é todo
o sintagma, não apenas o seu núcleo. Ou seja, se fôssemos perguntados sobre qual é
o elemento que exerce a função sintática de sujeito na sentença acima, só estaríamos
certos se a resposta fosse “os alunos de Letras”. Responder algo como “alunos” ou “os
alunos” não é adequado. Lembre-se, de acordo com o que estudamos na Unidade 1,
de que, já que um sujeito se trata de um sintagma inteiro, podemos ter sujeitos com
apenas uma palavra ou sujeitos muito longos, com uma infinidade delas! Veja mais
exemplos dessa ocasião a seguir, em que os sujeitos (sintagmas que exercem essa
função) aparecem em destaque:

(68) A piscina que construíram na minha casa no ano passado é enorme.


(69) A casa da mãe da amiga da Joana pegou fogo.
(70) O amigo do meu filho mais novo gosta muito de Homem-Aranha.

Ainda na mesma relação de sintagmas que ocupam essa função, podemos


pensar que não são somente os sintagmas nominais que são capazes de exercer esse
papel. Há casos em que sintagmas verbais assumem posição de sujeito. Por exemplo:

(71) Chutar a bola de vôlei deixa o professor de Educação Física furioso.


(72) Cortar macarrão no meio deveria ser crime!

Como mencionado anteriormente neste material, o verbo flexionado é o


“coração” da oração. É como se os demais elementos orbitassem em torno dele. Visto
isso, pode ser produtivo analisar as sentenças tomando essa concepção inicial e se
perguntando qual é a relação de determinados elementos com o verbo flexionado.
Assim, é possível identificar certas funções sintáticas. Se nos basearmos na sentença
em (70), podemos perguntar: quem gosta muito de Homem-Aranha? Como resposta,
obteremos [o amigo do meu filho mais novo], o que nos faz atribuir a função sintática
de sujeito a este sintagma. De mesmo modo, podemos pegar a sentença em (72) e

98
perguntar: o que deveria ser crime? A resposta nos dá a informação de que o sintagma
[cortar macarrão no meio] é o sujeito. Esse tipo de macete pode ser bem produtivo, mas
é importante tomar cuidado, principalmente quando tratamos de sentenças que não
seguem normas de concordância ou que o sujeito não atua como agente. Ele é um bom
princípio de análise, mas não o único. Um bom profissional de Letras reconhece esta e
outras técnicas de análise sintática para usá-las a seu favor, seja no ambiente escolar
ou em outros locais de trabalho.

INTERESSANTE
Muitos estudos acadêmicos sobre o sujeito argumentam que o PB é
uma língua bem interessante para estudar essa função sintática e até
a posição. Você pode procurar por estudos de Sandra Quarezemin,
Juanito Avelar, Charlotte Galves, Mary Kato, Maria Eugênia Duarte e
outros pesquisadores. Não abordaremos com muita profundidade
aqui, tendo em vista que este é um material didático.

A seguir, veremos outro elemento importante na análise sintática: o predicado.


É importante mencionar que, por fins didáticos, separamos essas funções, mas você
perceberá, ao longo de sua carreira, que, além de terem seus sentidos separadamente,
também se complementam entre si. Para uma boa análise sintática, é importante que
suas noções abranjam todas as funções e nuances dos elementos.

2.3 TIPOS DE PREDICADO


Ao nos depararmos com uma oração, podemos identificar, por meio das
informações mencionadas anteriormente, o sujeito dela. Tudo que não for sujeito, em
uma oração, pode ser rotulado como predicado. Veja, por exemplo, as sentenças a
seguir, em que o predicado aparece em destaque:

(73) A seleção brasileira levantou a taça da Copa do Mundo.


(74) A seleção brasileira estava alegre com o título.
(75) A seleção brasileira levantou alegre a taça da Copa do Mundo.

Há três tipos de predicado: predicado verbal, predicado nominal e predicado


verbo-nominal. Neste subtópico, nossa intenção é apresentar cada um deles.

O predicado verbal, como o nome sugere, é aquele que tem como núcleo um
verbo de ação. Nas sentenças acima, encaixa-se melhor a sentença (73), em que o
verbo levantar (de ação) é o núcleo do sintagma [levantou a taça da Copa do Mundo].

99
O predicado nominal tem como núcleo um nome (um predicativo do sujeito,
como veremos ainda neste tópico). A sentença (74), por exemplo, é um desses casos,
porque [alegre] está fazendo papel de núcleo do predicado, sendo conectado ao sujeito
por meio de um verbo de ligação.

Quando eu tenho dois núcleos, um verbal e um nominal, o predicado é


caracterizado como verbo-nominal. É o caso da sentença em (75), em que levantou
(um verbo de ação) e alegre (um predicativo do sujeito) assumem papéis de núcleos
do predicado.

3 OBJETOS
No Tópico 1 desta unidade, vimos a diferença entre complementos/argumentos e
adjuntos. Também entendemos a importância que a noção de sintagma assume nessas
ocasiões. Acima, vimos o sujeito da oração, agora, veremos outra função sintática: o
objeto, que também gira em torno do verbo, o que enaltece mais uma vez a importância
dessas noções na análise sintática. Veja as sentenças a seguir:

(76) Pedro [analisou um clássico literário] por diversão.


(77) As filhas do Cleber [gostam de futebol].
(78) Joana [entregou um presente ao Lucas].

Os elementos em destaque estão internos ao sintagma verbal e não são


somente acessórios. Veja que, sem eles, as frases seriam agramaticais:

(79) *Pedro [analisou _] por diversão.


(80) *As filhas do Cleber [gostam _].
(81) *Joana [entregou _ _].

É por conta dessa “obrigatoriedade” (as aspas serão logo entendidas) que
eles são argumentos e não adjuntos. Se ouvíssemos ou lêssemos, isoladamente, as
sentenças acima, nos perguntaríamos: analisou o quê? Gostam de quê? Entregou o
que e para quem? Os verbos precisam de seus complementos, quando os demandam!
A essa altura, portanto, já está bem clara a forte relação entre os verbos e os objetos.
Detalharemos mais os verbos no Tópico 3, mas consideramos justo antecipar um pouco
do conteúdo para continuarmos a discutir os objetos.

Perceba que as perguntas que faríamos, ditas no parágrafo anterior, apresentam


elementos diferentes: o verbo analisar, que é transitivo direto, faz a gente perguntar
“o quê?” Não é necessária preposição alguma, diferentemente da pergunta que
fazemos para o verbo gostar, “de quê?”, pois este é transitivo indireto. O verbo entregar
é bitransitivo, ou seja, duas perguntas precisam ser feitas: uma não exige preposição (‘o
quê?’) e a outra sim (‘para quem?’). As respostas (objetos) acompanham essa lógica das
perguntas, de serem ou não antecedidas por preposições.

100
Os objetos que não exigem preposição e são ligados diretamente ao verbo são
os objetos diretos. Os que exigem uma preposição e são ligados indiretamente ao verbo
são os objetos indiretos. Então, voltando aos nossos exemplos, temos:

(82) Pedro [analisou um clássico literário] por diversão. (um clássico literário = objeto
direto)
(83) As filhas do Cleber [gostam de futebol]. (de futebol = objeto indireto)
(84) Joana [entregou um presente ao Lucas]. (um presente = objeto direto; ao Lucas
= objeto indireto).

Nem sempre os objetos são termos obrigatórios. Há verbos que não exigem
nenhum tipo de objeto, como, por exemplo, engordar, nascer, crescer, telefonar e
outros. Como dissemos, os verbos serão mais abordados no Tópico 3. Por ora, vamos
nos deter aos verbos transitivos, ou seja, os que exigem objeto, e nos debruçar sobre
esses elementos exigidos.

Começamos pelos objetos diretos: tradicionalmente, eles podem ser


representados por substantivos, pronomes substantivos, pronomes oblíquos átonos e
até mesmo orações (que a nomenclatura rotula “orações subordinadas substantivas
objetivas diretas”). Nos exemplos a seguir, mostramos sentenças que passam
tranquilamente por essa definição normativa:

(85) Jaqueline fechou a porta. (substantivo)


(86) Faça isto com todo cuidado do mundo. (pronome substantivo)
(87) Eu a amo como nunca amei ninguém. (pronome oblíquo átono)
(88) Ele sabe que seu cachorro gosta de carinho. (oração subordinada substantiva
objetiva direta)

Um tipo de objeto direto que podemos acrescentar - agora com olhar mais
descritivo e não normativo - são os pronomes pessoais de caso reto (eu, tu, você, ele,
ela, nós, a gente, vocês, eles, elas). Ainda que a GT recomende que não sejam usados
em contextos formais (i.e., substituídos por pronomes oblíquos átonos), não podemos
ignorar que, no PB cotidiano, é muito comum ouvir sentenças como (89-91), que são
quase improdutivas na versão padronizada:

(89) Eu vi ela saindo de casa. (Eu a vi saindo de casa)


(90) Maria convidou a gente para uma festa. (Maria nos convidou para uma festa)
(91) Fazia muito tempo que eu não encontrava vocês na universidade. (Fazia muito
tempo que eu não os encontrava na universidade)

Há, ainda, casos de objeto direto preposicionado. Embora estar acompanhado


de uma preposição seja característica típica do objeto indireto, há possibilidade de
ela seguir verbos transitivos diretos. A escolha, entretanto, é facultativa, e seu uso é
decorrente de questões estilísticas, para vários objetivos: ênfase, objetividade, entre
outros. Alguns exemplos são:

101
(92) Na igreja, o lema é amar (a) Deus sobre todas as coisas.
(93) Minha mãe não odeia (a) ninguém.

Essas construções preposicionadas são reconhecidas pela gramática tradicional,


mas, como mencionado, como uma característica facultativa. Essa situação é diferente
dos objetos indiretos, que obrigam a presença de uma preposição, tal como:

(94) Eu viajei a/pra Florianópolis nas férias.


(94)’ *Eu viajei Florianópolis nas férias.

A norma padrão reconhece que a posição de objeto indireto pode ser preenchida
por um substantivo, pelas formas pronominais oblíquas e por orações subordinadas
substantivas objetivas indiretas. A seguir, compartilhamos exemplos que seguem essas
representações e, portanto, não teriam problemas de serem usados em contextos mais
formais:

(95) Pedro e André obedeceram aos pais e guardaram os brinquedos. (substantivo)


(96) Pedro e André obedeceram-lhes e guardaram os brinquedos. (pronome oblíquo)
(97) Os pais pediram para que Pedro e André guardassem os brinquedos. (oração
subordinada substantiva objetiva indireta)

INTERESSANTE
Um fenômeno que gera bastante debate (e polêmica), quando a pauta é a língua, está
relacionado a uma característica do objeto indireto. Como mencionamos, esse elemento
pode ser preenchido por um pronome de forma oblíqua. Um desses casos é o pronome
de primeira pessoa, “mim”, ou o pronome de segunda pessoa, “ti”. Veja as seguintes frases:

(1) Eu entreguei todas as cópias dos documentos para ti ontem.


(2) Minha vó deu um presente de natal para mim.

Essa é a forma que as normas recomendam, mas muito se vê o preenchimento com


pronomes pessoais do caso reto, sobretudo em contextos menos privilegiados socialmente.

(3) Eu entreguei todas as cópias dos documentos pra tu ontem.


(4) Minha vó deu um presente de natal para eu.

Além disso, há também registros de casos em que o pronome oblíquo é utilizado em


situações em que a norma recomenda o uso do pronome pessoal reto, como:

(5) Eu entreguei todas as cópias dos documentos para ti catalogar ontem.


(6) Minha vó deu um presente de natal para mim usar no verão.

A partir da Sintaxe, podemos explicar essas ocorrências por meio da


marcação excepcional de caso, assunto que veremos na nossa última
unidade do livro. Há possibilidade, também, de estudar esse fenômeno sob
a ótica da Sociolinguística, legitimando seu uso no PB falado.

102
4 PREDICATIVOS
Outro elemento importante para a análise sintática foi apresentado no item
“Tipos de predicado”: o predicativo. Na ocasião, falamos apenas do predicativo do
sujeito, mas há dois tipos de predicativo a serem analisados: o predicativo do sujeito e
o predicativo do objeto. Os próprios nomes são bastante sugestivos, mas é importante
entender que identificar um predicativo é de extrema importância para compreender de
qual tipo de predicado estamos falando.

IMPORTANTE
Para o andamento deste subtópico, faz-se necessária a noção
de verbos de ligação. Diferentemente dos verbos transitivos e
intransitivos (que veremos mais adiante), os verbos de ligação não
expressam uma ação que é feita ou sofrida. Eles são copulativos
e ligam o sujeito ao seu predicativo, como veremos. Os principais
verbos de ligação  são: ser, estar, permanecer, ficar, tornar-se,
andar, parecer, virar, continuar, viver.

O predicativo é um termo do predicado que caracteriza, geralmente, por meio


de um verbo de ligação, o sujeito ou o objeto de uma oração. Veja a tirinha a seguir:

FIGURA 1 – TIRINHA DE “CALVIN” PARA A NOÇÃO DE PREDICATIVOS

FONTE: Watterson (2007, s.p.)

Na tirinha, algumas palavras aparecem caracterizando outras. “Horrível” e


“comida vegetariana” caracterizam o pronome isto, ao passo que “vegetariano” e
“sobremesariano” caracterizam o pronome de primeira pessoa, eu, que faz referência
ao Calvin, personagem principal da tirinha. Nesse caso, os verbos “parecer” e “ser”
relacionam as características com o sujeito. Veremos, neste subtópico, que, nem sempre,
será um verbo de ligação que indicará o predicativo. Veremos, a seguir, mais exemplos
de predicativo, a começar pelo predicativo do sujeito.

103
(98) Eu fiquei emocionado com o discurso do professor.
(99) Os meninos da rua de baixo estavam barulhentos.

Nesses casos, “emocionado” e “barulhentos” são características do sujeito


que são apresentadas por meio de dois verbos de ligação: ficar e estar. Portanto, são
predicativos do sujeito. Contudo, um predicativo do sujeito pode aparecer também em
casos quando não temos verbos de ligação:

(100) A mãe falou as coisas convicta.


(101) Os professores chegaram furiosos na aula.

“Convicta” caracteriza a mãe, e “furiosos” caracteriza os professores. Uma vez


que “a mãe” e “os professores” são os sujeitos dessas sentenças, essas características
são predicativos do sujeito, mas, dessa vez, não estão dadas por meio de um verbo de
ligação. “Falar” é um verbo transitivo direto, e “chegar” é um verbo intransitivo. Veremos
mais sobre transitividade verbal ainda nesta unidade.

DICA
A relação que se faz com os verbos de ligação, contudo, é importante em
casos em que a frase gere algum tipo de confusão. Ela pode ser útil para
um teste de substituição para identificar os predicativos. Poderíamos
tranquilamente dizer: a mãe ESTAVA convicta; os professores ESTAVAM
furiosos. Isso pode ajudar a categorizar os elementos das sentenças.

O predicativo do objeto, por sua vez, caracteriza o objeto da oração. Nas


sentenças abaixo, “fantástico” e “madura” não são características do sujeito da oração,
mas, sim, do objeto.

(102) Eu achei o jogo fantástico.


(103) O agricultor colheu a fruta madura.

DICA
O predicativo do objeto não faz parte do objeto em si. Perceba
que é possível substituir o objeto por um pronome e, assim, o
predicativo fica separado.

(1) Eu achei-o/achei ele fantástico.


(2) O agricultor colheu-a madura.

104
NOTA
Além disso, muitas são sentenças com potencial ambíguo, como
vimos na Unidade 1. Por conta disso, faz-se importantíssimo ter a
noção de predicativo separada da noção de adjunto adnominal, o
que veremos a seguir.

5 COMPLEMENTO NOMINAL, ADJUNTO ADNOMINAL E


ADJUNTO ADVERBIAL
No Tópico 1 desta unidade, mencionamos que há uma dúvida muito comum entre
os alunos de Língua Portuguesa: a diferença entre adjunto adnominal e complemento
nominal. Considerando a importância das noções a respeito dessas funções sintáticas,
resolvemos dedicar um breve subtópico a elas, abraçando, dada a circunstância, a
perspectiva tradicional, que não se diferencia muito do nosso ponto de vista – pelo
menos, em um primeiro momento. É importante ter em mente que, enquanto a noção
de sujeitos, objetos e predicativos se refere às orações, esses dois conceitos estão
relacionados ao domínio interno ao constituinte nominal.

O adjunto adnominal se refere ao núcleo do sintagma. Portanto, é importante


que a noção de sintagma se faça presente neste momento também. Esse tipo de
elemento pode ser um adjetivo, especificador do substantivo, como, por exemplo, em: a
menina; aquela menina; muitas meninas; duas meninas. A importância é entender que
ele se refere ao núcleo, que, geralmente, é formado por um substantivo concreto ou
abstrato. Você verá alguns exemplos adiante.

NOTA
Perceba que os estudos gramaticais, por mais que tenham suas
singularidades, conversam bastante entre si. Anteriormente,
vimos que a Morfologia também implica nas questões sintáticas.

IMPORTANTE
Sobre os adjuntos, é interessante que retomemos: todas essas palavras
são importantes, mas não essenciais para constituência do sintagma. Daí a
diferença com os "complementos" nominais, que, por serem "complementos"
(argumentos), são essenciais, sintaticamente falando.

105
Em sentenças como a sequência em (104), os termos destacados assumem
função de adjunto adnominal, uma vez que se referem ao núcleo do sintagma.

(104) a. [Os professores ocupados] chegaram atrasados.


b. [A pergunta do aluno] foi desafiadora.
c. Terminei [o meu segundo texto].

Um complemento nominal, por sua vez, completa o sentido de um substantivo


abstrato (105a), adjetivo (105b) ou advérbio (105c) e sempre aparece preposicionado.
Veja as sentenças abaixo:

(105) a. Eu fiz a leitura do texto.


b. Fico feliz com sua atitude.
c. Minha casa fica longe da faculdade.

A dúvida das pessoas geralmente está atrelada ao elemento que o adjunto


adnominal e o complemento nominal podem acompanhar em comum: o substantivo
abstrato, porque saber a classe não é suficiente para classificar o elemento posterior.
Nesse caso, é importante entender que o adjunto adnominal tem a função de se referir
ao núcleo, enquanto o complemento nominal, fazendo jus ao rótulo, complementa o
sentido do nome. Além disso, o adjunto adnominal será caracterizado quando o termo
for agente, isto é, praticar a ação. O complemento nominal, do contrário, é composto por
elementos que sofrem a ação.

Nas sentenças a seguir, pode-se entender essa relação:

(106) A compra do João foi entregue.


(107) A compra da casa deu certo.

Veja os elementos que se relacionam com o substantivo abstrato [compra]. Ao


indicar posse, a primeira frase tem “do João” como um referente ao núcleo “compra” e
indica que João exerceu a ação de comprar, logo, é um adjunto adnominal. Em (107),
entretanto, “da casa” complementa o sentido do substantivo abstrato, indicando que a
casa é “sofredora” da ação.

IMPORTANTE
Tão importante quanto olhar para a diferença de adjunto adnominal e complemento
nominal é diferenciar adjunto adnominal do já mencionado predicativo, pensando, nesse
caso, em adjetivos. Podemos fazer isso através da análise de sentenças ambíguas:

(1) O juiz julgou a ré culpada.

106
“Culpada” é o adjetivo que é a essência da ambiguidade, porque ele pode
ser tanto um predicativo quanto um adjunto adnominal. A diferença é que
o adjunto adnominal pertence ao sintagma, então, quando assume essa
função, o sentido é: havia uma ré culpada e o juiz a julgou. O predicativo
não pertence ao sintagma, como discutimos anteriormente. Então, se
assumida a função de predicativo, o sentido da sentença seria: havia uma
ré e o juiz a julgou como culpada.

Além dos adjuntos adnominais, há também os adjuntos adverbiais. Esses, ao


contrário dos adnominais, não se referenciam aos nomes, mas, sim, aos verbos, adjetivos e
advérbios. Você deve lembrar da classificação de “advérbio” na análise morfológica. Os
adjuntos adverbiais são termos acessórios nas sentenças, mas isso não significa que
não sejam importantes. Podemos tirá-los sem causar efeito na gramaticalidade, mas a
presença de um adjunto adverbial pode implicar sentidos e intenções, representando
modo, tempo, lugar, finalidade, intensidade, causa, companhia, assunto, concessão,
conformidade, instrumento, negação, dúvida, matéria, meio etc.

O profissional de Letras, independentemente da área de atuação, deve saber
reconhecer os adjuntos adverbiais por meio de estratégias ricas de análise sintática.
É preciso, em primeiro lugar, reconhecer a qual elemento o adjunto adverbial está se
referindo e, posteriormente, indicar como ele implica no sentido da oração. A seguir,
veremos os principais tipos de adjuntos adverbiais:

• Adjunto adverbial de modo: fornecem ideia de modo/maneira


Exemplos: Infelizmente, a festa não foi legal.
Fomos rapidamente ao shopping.
Ele escreve bem!

• Adjunto adverbial de tempo: fornecem ideia temporal


Exemplos: Semana passada, caminhamos juntos.
A visita ainda não foi embora.
Joana costuma viajar no verão.

• Adjunto adverbial de lugar: fornecem ideia de lugar/espaço


Exemplos: Comemos uma pizza na casa do Paulo.
A farmácia fica aqui pertinho.

• Adjunto adverbial de finalidade: fornecem ideia de objetivo/finalidade


Exemplos: Estudei para o trabalho final.
Meu pai faz de tudo por minha mãe.

107
• Adjunto adverbial de intensidade: fornecem ideia de lugar/espaço
Exemplos: Minha filha gosta muito de arroz e feijão
A aula foi boa demais!

• Adjunto adverbial de causa: fornecem ideia de motivo/razão


Exemplos: Com a chuva, não consegui ir à Universidade.
Pedro se queimou por causa do sol.

• Adjunto adverbial de companhia: fornecem ideia de acompanhamento


Exemplos: Viajou com os amigos.
Trabalhamos na companhia dos estagiários.

• Adjunto adverbial de assunto: fornecem ideia de tema


Exemplos: Conversamos sobre a elaboração do documento.
O livro fala a respeito de uma viagem dos sonhos.
Minha mãe e eu falamos da atitude da minha tia.

• Adjunto adverbial de concessão: fornecem ideia de concessão


Exemplos: Apesar da chuva, fui à aula
Eu não vou à festa mesmo que ele implore pela minha presença.

• Adjunto adverbial de instrumento: fornecem indicação de instrumento


Exemplos: Aos 6 anos, Esther já comia de garfo.
Eu preenchi todo o documento a lápis, então tive de preencher outro.

• Adjunto adverbial de negação: fornecem ideia de recusa


Exemplos: Eu jamais faria isso!
Nós não somos da mesma turma de espanhol.

• Adjunto adverbial de afirmação: fornecem ideia de confirmação


Exemplos: Certamente passaremos nossas férias na praia.
Sim, nós vamos ao restaurante hoje.

• Adjunto adverbial de dúvida: fornecem ideia de suspeita/receio


Exemplos: Quem sabe eu comece a fazer alemão.
Talvez eu possa te ajudar nessa tarefa.
Provavelmente farei uma boa faxina no domingo.

• Adjunto adverbial de matéria: fornecem ideia de material de fabricação


Exemplos: Pedro mora numa casa de madeira.
Bolo bom é bolo feito com massa caseira.

108
• Adjunto adverbial de meio: fornecem ideia de meio utilizado
Exemplos: Acho que dá de ir ao terminal a pé, né?
Meu computador veio pelo correio.

ESTUDOS FUTUROS
Além dos adjuntos, há, também, outros termos acessórios na oração,
como ‘vocativos’ e ‘apostos’. Todavia, daremos mais atenção para
eles na Unidade 3, quando falaremos de pontuação, pois estão bem
relacionados com essa temática.

Noções como essa podem – e muito – contribuir para a fase escolar. Dito isso, o
próximo subtópico procura reunir as ideias discutidas aqui, pensando na Educação Básica.

6 FUNÇÕES SINTÁTICAS NA ESCOLA


A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2019), documento
importante para direcionar os assuntos a serem trabalhados na educação básica, prevê
o trabalho com funções sintáticas principalmente no eixo de análise linguística, um dos
pilares de Língua Portuguesa no documento. O trabalho com esse item é mencionado
com o objetivo de conhecimento (saber o que são e para que servem) e de correlação
com as classes de palavras, na tentativa de um trabalho morfossintático.

Na nossa perspectiva, temos que o professor pode ir além do trabalho de


reconhecimento, identificação e correlação. O trabalho com funções sintáticas pode
contribuir à adoção da metodologia científica nas aulas de gramática e para a produção e
interpretação de textos. Assim como de costume, não vamos sugerir uma “receita” para
trabalhar funções sintáticas. Nesses subtópicos voltados à Educação Básica, a intenção
é mais reflexiva. Desse modo, dissertaremos sobre como pensamos em possibilidades
para as funções sintáticas adentrarem no espaço escolar.

Como defendemos desde o início da Unidade 1, a Linguística assume um caráter


científico ao adotar em seus estudos uma metodologia que observa dados, elabora
hipóteses sobre eles, testa essas hipóteses e, a partir de então, analisa as ocorrências.
Algumas práticas do método científico podem ser adaptadas para o ambiente escolar.
Pense, por exemplo, em uma atividade em que os alunos são convidados a coletar dados
em que o sujeito e o verbo não concordam, ou dados em que há ambiguidade por conta
do predicativo e adjunto adnominal. Esses dados podem ser trabalhados por meio de
uma metodologia científica, e a noção sobre funções sintáticas se torna fundamental.

109
Além disso, compreender essas funções pode ser importante para produção e
interpretação textual. Um aluno que tem noção a respeito das funções sintáticas pode
ser mais feliz ao produzir um texto, uma vez que compreendê-las e entender como elas
funcionam pode ser bastante útil para evitar ambiguidades, compreender a organização
da frase e, com base nisso, pontuar seu texto, entre outras implicações. As funções
sintáticas contribuem também para uma leitura qualificada, uma vez que entender e saber
analisar as sentenças pode direcionar melhor a interpretação desejada pelos autores.

Por último, resta-nos dizer que o trabalho com funções sintáticas pode ser fun-
damental na avaliação de consciência sintática dos estudantes. A consciência sintática
é o conhecimento explícito que as pessoas têm a respeito de elementos que se rela-
cionam com a estrutura de uma língua. É fundamental que o professor saiba nivelar a
consciência sintática de seus alunos para compreender como trabalhar. Esses testes
podem ser observados em textos como o de Capovilla, Capovilla e Toledo Soares (2004),
que consta como leitura complementar desta unidade.

110
LEITURA
COMPLEMENTAR
CONSCIÊNCIA SINTÁTICA NO ENSINO FUNDAMENTAL: CORRELAÇÕES COM
CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA, VOCABULÁRIO, LEITURA E ESCRITA

Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla


Fernando César Capovilla
Joceli Vergínia Toledo Soares

Segundo Maluf (2003), leitura é uma atividade complexa que requer a


habilidade metalinguística de refletir sobre a linguagem, tomando-a como objeto de
conhecimento. Para Tunmer, Herriman e Nesdale (1988), consciência metalinguística
é a habilidade de desempenhar operações mentais sobre o que é produzido pelos
processos de compreensão de sentenças. Há diferenças importantes entre tal habilidade
metalinguística e as linguísticas, como a discriminação fonêmica (Kolinsky, no prelo).
Para Gombert (2003), habilidades lingüísticas são não-conscientes e não-intencionais,
e sua aprendizagem é natural, ao passo que as metalinguísticas são conscientes e
intencionais, e sua aprendizagem requer instruções explícitas.

Habilidades precursoras das metalinguísticas podem ser observadas em


crianças já a partir dos dois anos de idade (Gombert, 2003), como em autocorreções
durante a fala de crianças com dois ou três anos de idade. Tais precursoras ainda não
são habilidades metalinguísticas, mas epi lingüísticas, pois não estão sob controle
intencional da criança. Ou seja, enquanto o comportamento metalinguístico está sob
controle consciente, o epi linguístico ainda não está.

Para Gombert (2003), apesar desses precursores da metalinguagem estarem


presentes tão cedo no desenvolvimento infantil, a análise da estrutura formal da
linguagem que caracteriza a metalinguagem, embora passível de realização na
oralidade, é rara em tal contexto, tendo seu desenvolvimento especialmente acelerado
durante a aquisição da linguagem escrita. A metalinguagem pode ser subdividida na
habilidade metafonológica de refletir sobre a estrutura fonológica da linguagem oral, e
na habilidade metassintática de refletir sobre a estrutura sintática (i.e., morfológica e
gramatical) da linguagem oral. Segundo Demont (1997), a metafonologia e a metassintaxe
são especialmente importantes para a competência de leitura.

[...]
Conforme sumariado em Gombert (2003), enquanto a relação entre metafo-
nologia e linguagem escrita está bem documentada, estudos sobre a relação entre
metassintaxe e linguagem escrita ainda são incipientes. Metassintaxe pode ser defi-

111
nida como a habilidade de refletir sobre a estrutura sintática (i.e., morfológica e gra-
matical) da linguagem (Guimarães, 2002; Tunmer, 1990) e estudos como o de Tsang e
Stokes (2001) têm sugerido que as dificuldades metassintáticas podem estar envolvidas
em problemas de aquisição da leitura.

[...]
A consciência sintática é importante para a aquisição da linguagem escrita por
diversas razões, como o fato de que a consciência sintática permite ao leitor ler palavras
que ele não consegue decodificar, em razão da dificuldade pessoal em decodificar ou
de dificuldades na própria palavra (irregularidades grafofonêmicas). Quando o leitor se
depara com textos contendo palavras que não podem ser decodificadas facilmente,
sua consciência sintática lhe permite recorrer às pistas sintáticas do texto para
conseguir apreender o seu significado. Corroborando tal hipótese, Rego e Bryant (1993)
demonstraram correlação positiva entre o desempenho em consciência sintática e o
posterior desempenho na leitura de palavras com dificuldades ortográficas, ou seja, que
não podem ser lidas corretamente com o uso exclusivo da decodificação.

Outra razão da relevância da consciência sintática para a leitura e a escrita


consiste na importância do uso de pistas gramaticais para a compreensão de frases e
textos (Bowey, 1986). Ou seja, além de contribuir para o reconhecimento de palavras,
a reflexão sobre a sintaxe é essencial para a extração do significado do texto, uma vez
que tal significado depende não somente da soma dos significados dos elementos
lexicais individuais, mas também da forma pela qual tais elementos se articulam, o que é
evidenciado por índices gramaticais como a ordem dos elementos na frase, a presença
de palavras de função (e.g., preposições e artigos), a presença de morfemas gramaticais
e a pontuação.

A consciência sintática tem sido tradicionalmente avaliada por tarefas orais


como as de julgar frases (i.e., após ouvir frases corretas ou com incorreções morfêmicas,
como em “O menina está dormindo.”, ou incorreções de ordem, como em “Sapo o comeu
o inseto.”, dizer se estão ou não corretas do ponto de vista gramatical), corrigir frases
(após ouvir frases com incorreções gramaticais, retificar essas incorreções, falando
a frase corretamente), completar palavras em frases (adicionar terminações corretas
em palavras de frases ou textos, como em “Eu comprei um ordi, João comprou dois
or__.”), replicar erros (ao ouvir duas frases, uma incorreta e uma correta, repetir o erro
da incorreta na correta; ex.: a partir de “Nós pegou os livros.” e de “Nós gostamos do
filme.”, dizer “Nós gostou do filme.”) (Gombert, 2003; Tsang & Stokes, 2001) e categorizar
palavras (ao ouvir palavras, classificá-las como substantivos, verbos ou adjetivos) (Rego
& Buarque, 1997). Demont (1997) usou uma variação da tarefa de correção de frases, a
correção de frases assemânticas e agramaticais. Essa tarefa apresentava oralmente
à criança frases com incorreções tanto semânticas quanto gramaticais, e a criança
devia corrigir apenas o erro gramatical, ignorando o semântico. Por exemplo, após ouvir
a frase “Cinderela é uma moça feio”, a criança devia vertê-la para “Cinderela é uma
moça feia”. Essa prova tem a vantagem de avaliar a consciência sintática e verificar

112
sua independência do conteúdo semântico, ou seja, avaliar se a criança é capaz de
corrigir gramaticalmente a frase, mesmo que seu conteúdo permaneça inadequado. O
desempenho nesta tarefa foi um preditor eficaz da leitura, sendo as correlações obtidas
fortemente positivas (Demont, 1997).

De fato, diversos estudos sugerem que a consciência metalinguística geral,


incluindo tanto a metafonológica quanto a metassintática, está correlacionada positiva
e significativamente com o desempenho em leitura e em escrita (e.g., Gombert, 2003;
Nation & Snowling, 2000; Rego & Buarque, 1997; Tunmer e colaboradores, 1988). Além
disso, também há evidências de correlação positiva significativa entre metafonologia
e metassintaxe (e.g., Demont, 1997). Isso mostra a importância de desenvolver
instrumentos de avaliação das habilidades metalinguísticas, e de conduzir estudos para
analisar as relações entre consciência sintática, consciência fonológica e linguagem
escrita. Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo apresentar a Prova de
Consciência Sintática e dados preliminares de sua validação, investigando as relações
entre consciência sintática, consciência fonológica, leitura e escrita em crianças de
1ª a 4ª séries do ensino fundamental, buscando evidências de correlações entre tais
habilidades, tendo controlado o efeito da inteligência verbal.

Método

Participantes
Participaram 204 crianças, sendo 57 da 1a série, 47 da 2a, 50 da 3a e 50 da 4a
série do ensino fundamental de escola particular do bairro de Capão Redondo, em São
Paulo, SP. Havia 104 meninos e 100 meninas, com idades variando de 6 anos e 4 meses
a 10 anos e 6 meses

Instrumentos
Prova de Consciência Fonológica por Figuras (PCFF). A Prova de Consciência
Fonológica por Figuras PCFF (Capovilla & Capovilla, 2004) avalia a habilidade da criança
de manipular os sons da fala. Baseia-se na Prova de Consciência Fonológica Oral
(Capovilla & Capovilla, 2003) e é composta por nove subtestes, cada qual com dois itens
de treino e cinco de teste. Cada item tem cinco desenhos, dentre os quais a criança deve
escolher o que corresponde à palavra falada pelo aplicador. O subtestes são: 1) Rima:
assinalar a figura cujo nome termina do mesmo modo como a palavra falada pelo aplicador;
2) Aliteração: assinalar a figura cujo nome começa como a palavra falada; 3) Adição Silábica:
assinalar a figura cujo nome corresponde ao acréscimo de uma sílaba a uma palavra
falada (ex.: PATO + SA no começo = SAPATO); 4) Adição Fonêmica: assinalar a figura cujo
nome corresponde ao acréscimo de um fonema à palavra falada (ex.: ALA + /S/ no começo
= SALA); 5) Subtração Silábica: assinalar a figura cujo nome corresponde à remoção de
uma sílaba de palavra falada (ex.: BOCA – /B/ = OCA); 6) Subtração Fonêmica: assinalar a
figura cujo nome corresponde à remoção de um fonema de palavra falada (ex.: MACACO –
MA = CACO); 7) Transposição Silábica: assinalar a figura cujo nome corresponde à inversão
da ordem das sílabas da palavra falada (ex.: LOBO – BOLO); 8) Transposição Fonêmica:

113
assinalar a figura cujo nome corresponde à inversão da ordem dos fonemas da palavra
falada (ex.: ÍRIS – SIRI); 9) Trocadilho: assinalar a figura cujo nome corresponde à inversão
da ordem dos fonemas inicias de duas palavras (ex.: CULAR PORDA – PULAR CORDA).

O escore máximo na PCFF é de 45 acertos, com cinco acertos por subteste.


Segundo Capovilla, Gütschow e Capovilla (2003), a fidedignidade da PCFF, em avaliação
teste e reteste após 12 meses, obteve bom índice, com Pearson r = 0,69, p = 0,000. Como
sumariado nesse mesmo estudo, a validade da PCFF foi estabelecida preliminarmente
em diversos experimentos, com evidência de que o escore na PCFF é função direta da
série e da idade desde a Pré-escola até a 2a série, e as crianças que pontuam na faixa
igual ou abaixo de 1 desvio padrão abaixo da média em leitura, conforme avaliada pelo
Tecolesi, apresentam rebaixamento significativo do escore total na PCFF e em cada um
dos subtestes.

Prova de Consciência Sintática (PCS). A Prova de Consciência Sintática – PCS


(Capovilla & Capovilla, no prelo) é baseada nas provas de Demont (1997), Nation e
Snowling (2000), Rego e Buarque (1997) e Tsang e Stokes (2001). Contém 4 subtestes:
1) Julgamento Gramatical: a criança deve julgar a gramaticalidade de 20 frases, sendo
metade gramaticais e metade agramaticais. Dentre as agramaticais, há frases com
anomalias morfêmicas e com inversões de ordem; 2) Correção Gramatical: corrigir frases
gramaticalmente incorretas, sendo metade com anomalias morfêmicas e metade com
inversões de ordem; 3) Correção Gramatical de Frases Agramaticais e Assemânticas:
diante de frases com incorreções tanto semânticas quanto gramaticais, corrigir o erro
gramatical sem alterar o erro semântico; 4) Categorização de Palavras: a criança deve
categorizar palavras, dizendo se uma determinada palavra é substantivo, verbo ou
adjetivo (cf. Rego & Buarque, 1997). A PCS completa, com as instruções, itens de treino
e de teste, encontra-se no Anexo 1. O escore total corresponde à soma dos acertos
em cada subteste, até o máximo possível de 55 acertos. Como neste estudo a PCS foi
aplicada pela primeira vez, ainda não há dados sobre sua fidedignidade ou validade.

Teste de Competência de Leitura Silenciosa (Tecolesi). O Teste de Competência


de Leitura Silenciosa – Tecolesi (Capovilla & Capovilla, 2004) avalia a competência de
leitura silenciosa. Possui oito tentativas de treino e 70 de teste, cada qual com um par
composto de uma figura e um item escrito. A tarefa consiste em circundar os pares
corretos e cruzar os incorretos. Há sete tipos de pares ordenados aleatoriamente,
com dez itens de cada tipo: 1) Palavras corretas regulares, como FADA sob figura de
fada; 2) Palavras corretas irregulares, como TÁXI sob figura de táxi; 3) Palavras com
incorreção semântica, como TREM sob figura de ônibus; 4) Pseudopalavras com trocas
visuais, como CAEBÇA sob figura de cabeça; 5) Pseudopalavras com trocas fonológicas,
CANCURU sob figura de canguru; 6) Pseudopalavras homófonas, PÁÇARU sob figura
de pássaro; 7) Pseudopalavras estranhas, como RASSUNO sob figura de mão. Os pares
figura–escrita compostos de palavras corretas devem ser aceitos; aqueles compostos

114
de pseudopalavras ou palavras com incorreção semântica devem ser rejeitados. Como
explicado em Capovilla e Capovilla (2004), o padrão de erros nos sete tipos de pares
revela as estratégias de leitura funcionais e as disfuncionais.

O escore máximo é de 70 acertos. Segundo Capovilla, Gütschow e Capovilla


(2003), a fidedignidade do Tecolesi, em avaliação teste e reteste após 12 meses, obteve
índice Pearson r = 0,50, p = 0,000. Como sumariado nesse estudo, a validade do Tecolesi
em mapear o processamento de leitura em crianças foi estabelecida preliminarmente
em diversos estudos, com evidência de que o teste é capaz de discriminar entre séries
sucessivas da pré-escola à 3a série, e as crianças que pontuam na faixa igual ou
abaixo de 1 desvio padrão abaixo da média no Tecolesi apresentam maior dificuldade
em discriminar fonemas, menor velocidade de processamento fonológico e menor
capacidade de memória de trabalho fonológica, consciência fonológica, vocabulário,
ditado e desenho de memória.

Subteste de Escrita sob Ditado do Internacional Dyslexia Test (IDT). O


Internacional Dyslexia Test IDT (Capovilla, Smythe, Capovilla & Everatt, 2001) é composto
de vários subtestes e avalia diferentes habilidades cognitivas. Neste estudo o subteste
de Escrita sob Ditado foi aplicado em situação coletiva, em que o examinador ditava 30
palavras e 10 não-palavras para a criança escrever. O escore máximo é de 40 acertos.
Segundo Capovilla, Gütschow e Capovilla (2003), esse subteste tem boa fidedignidade,
com índice Pearson r = 0,78 e p = 0,000 em avaliação teste e reteste após 12 meses, e
boa validade, estabelecida preliminarmente em diversos estudos, em que o escore de
Escrita sob Ditado foi função direta da idade e do nível escolar entre pré-escola a 3a
série, estando positiva e significativamente correlacionado com os escores em leitura
no Tecolesi.

Teste de Vocabulário de Figuras USP (Tvfusp). O Teste de Vocabulário por Figuras


USP – Tvfusp (Capovilla, Viggiano e colaboradores, 2004) avalia o vocabulário receptivo
auditivo, isto é, a habilidade de compreender palavras faladas. Apresenta 139 pranchas
de teste, ordenadas por dificuldade crescente, cada qual com cinco desenhos. A tarefa
consiste em selecionar, dentre as figuras alternativas, aquela que melhor corresponde à
palavra falada pelo examinador. O escore máximo é de 139 acertos. Conforme sumariado
em Capovilla, Gütschow e Capovilla (2003), a validade concorrente do Tvfusp foi
estabelecida preliminarmente por comparação com o Teste de Vocabulário por Figuras
Peabody – Versão Brasileira (Dunn, Dunn, Capovilla & Capovilla, 2004)

Procedimento
As 204 crianças foram avaliadas em todos os cinco instrumentos descritos
durante o período escolar regular. A PCS foi aplicada individualmente em salas reservadas
da escola e os demais instrumentos foram aplicados na própria sala de aula, mantendo
um intervalo de uma semana entre cada aplicação.

[...]

115
Discussão

Os presentes resultados corroboram evidências bibliográficas sobre a correlação


entre leitura, escrita, consciência sintática e consciência fonológica (e.g., Demont &
Gombert, 1996; Gombert, 2003; Maluf & Barrera, 1997; Rego & Buarque, 1997). Para
Demont (1997), a correlação entre as habilidades metalinguísticas (i.e., consciências
sintática e fonológica) sugere a existência de um fator comum ou mesmo tipo de
competência. No estudo de Demont (1997), os desempenhos em metassintaxe e em
metafonologia, avaliados na pré-escola, compuseram um fator que explicou 40,1% da
variância em um teste de leitura aplicado 10 meses depois, 34,5% da variância 20 meses
depois, e 30,2% da variância 27 meses depois.

A correlação entre habilidades metalinguísticas, leitura e escrita também


corroborou a bibliografia (Bowey, 1994; Gombert, 2003). Conforme evidenciado em outros
estudos (e.g., Demont, 1997; Demont & Gombert, 1996; Gaux & Gombert, 1999; Tunmer,
1990), tal correlação constitui uma relação causal recíproca. Ou seja, as habilidades
metassintáticas e metafonológicas mais precoces e menos refinadas predizem o sucesso
ulterior na aquisição da linguagem escrita, assim como a introdução a um sistema
de escrita alfabético promove o desenvolvimento de habilidades metafonológicas e
metassintáticas complexas.

Finalmente, o estudo possibilitou uma validação preliminar da Prova de


Consciência Sintática, por meio das evidências de efeito de série escolar sobre o
escore total e em cada subteste da PCS e de correlações positivas significativas entre
os desempenhos na PCS e em testes de leitura, escrita e consciência fonológica. Em
estudos futuros a PCS será normatizada para permitir aprimorar a compreensão de
dificuldades de aquisição de leitura e escrita.

FONTE: CAPOVILLA, A. G. S.; CAPOVILLA, F. C.; SOARES, J. V. T. Consciência sintática no ensino fundamental:
correlações com consciência fonológica, vocabulário, leitura e escrita. Psico-USF (Impresso), São Paulo, v.
9, n.1, p. 39-47, 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pusf/a/7T957tqxYc9x4LjmTN4cqqK/?lang=
pt. Acesso em: 26 maio 2022.

116
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• Sobre as funções sintáticas mais importantes para análise de estruturas linguísticas,


como sujeito, objeto, predicativos, complementos e adjuntos.

• Que, ainda que a GT seja uma ferramenta bastante usada, a análise de funções
sintáticas pode problematizar vários pontos.

• Que as funções sintáticas são ferramentas importantes para o trabalho com metodo-
logia científica e também para a produção e interpretação textual.

117
AUTOATIVIDADE
1 No tópico acima, exploramos as funções sintáticas. Entre elas, a função sintática de
sujeito. Vimos que o sujeito pode ser composto por uma ou mais palavras, porque o
que assume essa função não é o núcleo, mas o sintagma completo. Dessa forma,
grife os sujeitos das sentenças a seguir.

a) João Pedro comeu uma maçã após o almoço.


b) A construção do prédio da esquina está demorando a acontecer.
c) O livro de Sintaxe que o Pedro comprou veio com defeito.
d) Comprar nessa loja me estressa!
e) A vassoura que eu usei para limpar a casa foi feita com uma madeira especial.
f) As pessoas gostam do time da cidade.
g) Maria parou de seguir Pedro nas redes sociais.

2 Outra função sintática que exploramos foi a função sintática de objeto. Vimos o objeto
direto e o objeto indireto. Com base no que você aprendeu, leia as sentenças a seguir
e assinale a alternativa que melhor define a sequência.

I- Os objetos são necessariamente todas as palavras que aparecem à direita do verbo


da sentença.
II- A classificação de um objeto como direto ou indireto não depende da palavra que
assume o núcleo do sintagma, mas, sim, com a natureza do verbo da sentença.
III- O objeto indireto tem esse nome, porque precisa estar ligado ao verbo por meio de
uma outra palavra, que pode ser uma preposição ou um adjetivo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Os sujeitos e objetos, como vimos acima, podem ter “predicativos”. Identifique os


predicativos nas sentenças a seguir e informe se pertencem ao sujeito ou ao objeto.

a) O professor ficou orgulhoso de seus alunos.


b) Eu achei o jogo movimentado.
c) Minha mãe apanhou uma laranja madura.
d) João defendeu sua tese convicto.

118
4 Ao tratar de adjuntos adnominais e complementos, vimos que essas noções podem
ser usadas para compreender ambiguidade de sentenças. Assim, disserte sobre a
ambiguidade da sentença “O professor achou o menino inteligente”. Use as noções
vistas no Tópico acima.

5 Existem muitas estratégias de usar as funções sintáticas na escola. Algumas foram


mencionadas aqui. De forma resumida, apresente como esse conteúdo pode ajudar
na produção e interpretação textual na sala de aula.

119
120
UNIDADE 2 TÓPICO 3 —
TRANSITIVIDADE VERBAL

1 INTRODUÇÃO
Desde o início do livro, principalmente nas partes em que tratamos de noções
gerais sobre a Sintaxe e sua metalinguagem, vimos que os verbos são importantíssimos
para a análise sintática. Conforme estudamos desde o início, uma oração existe porque,
nela, há um verbo; é esse verbo que seleciona argumentos e, a partir dele, as funções
sintáticas são atribuídas. Tanto é que, embora estejamos dedicando um tópico aos
verbos somente agora, não fomos capazes de guiar algumas discussões anteriores
sem mencionar a sua funcionalidade. Foi o caso de classificarmos ele como o “coração”
de determinadas construções na Unidade 1 e, também, o fato de mencionarmos a
concordância que ele assume com o sujeito em muitas sentenças no tópico anterior.
Neste tópico, todavia, vamos explorar mais a natureza desse elemento tão importante.

Falaremos sobre transitividade verbal. Já sabemos que muitos verbos exigem


complementação, mas essa complementação não pode ser feita de maneira aleatória.
Primeiro, porque há verbos que exigem mais complementos que outros. Em segundo
lugar, por que alguns verbos permitem que um objeto seja ligado a ele diretamente;
outros, se ligam ao verbo por meio de uma preposição. É por isso que, antes de explorar
os verbos, abordamos conceitos de objeto direto e objeto indireto. Esses conceitos serão
fundamentais para nossa discussão. Ainda, há verbos que não exigem complementação
e, dessa forma, também têm sua classificação.

Como de costume, tentaremos mostrar aqui uma visão mais aberta do que é
feito em materiais tradicionais. Há propostas curiosas para discussão da transitividade
verbal nos estudos linguísticos, e é, no mínimo, interessante que acadêmicos de Letras
tomem conhecimento delas. Da mesma forma, considerando que muitos dos nossos
leitores caminharão para a licenciatura, ao fim da nossa discussão, refletiremos sobre
possibilidades para trabalhar os verbos em sala de aula.

2 VERBOS TRANSITIVOS
Imagine que você está em um parque em uma tarde de domingo e alguém venha
até você. Na ocasião, a pessoa olha para você e pergunta somente: “você sabe?”. Muito
provavelmente, você estranharia essa construção e acharia que ela está incompleta,
e, então, devolveria outra pergunta: “sei o quê?” O que acontece é que o verbo “saber”
exige complementação. Não é um verbo que se usa sozinho! Quem sabe, sabe (de) algo.

121
IMPORTANTE
É claro que, se a pessoa contextualizar antes, o verbo “saber”
poderia ser usado sozinho, como: “Eu gostaria de saber onde
fica a farmácia. Você sabe?” Contudo, como estamos analisando
no decorrer de todo este material, as construções aqui são
desprovidas de toda essa contextualização prévia, justamente
porque nosso foco é a análise da estrutura em si.

Esses verbos que exigem complemento são chamados de verbos transitivos, e


eles podem exigir complementação de vários tipos: pode ser um objeto direto, pode ser
um objeto indireto e pode ser, inclusive, uma exigência dupla.

2.1 VERBOS TRANSITIVOS DIRETOS


Os verbos transitivos diretos são aqueles que exigem um complemento que
pode ser diretamente ligado ao verbo, ou seja, um objeto direto. Vejamos as seguintes
sentenças:

(108) No café da manhã, Pedro fez um sanduíche.


(109) Pedro viu Maria no shopping.
(110) João ama Carlos.

Repare que os verbos [fazer], [ver] e [amar] solicitam que, para que uma sentença
faça sentido, é preciso que tenha pelo menos um complemento além do sujeito. Faça
o teste: tente pensar nas sentenças acima sem os elementos sublinhados. Elas não
fazem muito sentido fora de contexto, certo?

Ademais, é interessante reparar na natureza de outros elementos sintáticos,


capazes de completar os sentidos dos verbos, adjetivos, advérbios, toda a oração,
nas frases. Estamos falando, aqui, dos adjuntos adverbiais. Além dos objetos, nas
sentenças (108) e (109), temos respectivamente [No café da manhã] e [no shopping].
Esses elementos não comprometem o sentido da sentença. Se você os tirar das
estruturas acima, verá que as frases continuarão fazendo sentido, isto é, ainda serão
gramaticais. Já discutimos isso no primeiro tópico desta unidade. Ao contrário, os
elementos sublinhados, como mencionamos, são necessários para a gramaticalidade
das sentenças.

Os elementos [um sanduíche], [Maria], [Carlos], nas sentenças (108-110), são


objetos diretos, porque estão ligados aos verbos sem nenhuma preposição, ou seja,
diretamente. Tente fazer uma pausa na leitura agora para pensar em outros verbos

122
que tenham essa mesma característica. Ao começar a pensar em verbos, você vai
perceber que nem todos vão assumir essas características. Alguns não vão exigir esse
complemento direto, e outros, ainda que exijam a complementação, o farão por meio
de uma preposição (sendo um complemento indireto). Esses são os verbos transitivos
indiretos, que descreveremos a partir de agora.

2.2 VERBOS TRANSITIVOS INDIRETOS


Da mesma forma que os transitivos diretos, os verbos transitivos indiretos
também exigem uma complementação para garantir a boa formação das sentenças.
Veja, por exemplo, as sentenças a seguir:

(111) *João referiu.


(112) *A professora lembrou.
(113) *A Maria torce.

O asterisco na frente das sentenças, como sabemos, indica sua agramaticalidade,


ou seja, é uma sentença estranha e não usual no PB. A agramaticalidade das
sentenças se dá justamente pela natureza dos verbos [referir], [lembrar], [torcer]. São
verbos que exigem uma complementação, mas repare, nas sentenças abaixo, que a
complementação direta não basta para assegurar sentenças gramaticais.

(114) *João se referiu seu pai.


(115) *A professora lembrou a tarefa.
(116) *A Maria torce o Palmeiras.

Mais do que uma simples complementação, esses verbos exigem complemen-


tação juntamente com uma preposição dentro do sintagma, formando o objeto indireto.
O objeto indireto, portanto, forma-se com a preposição justamente para se ligar ao ver-
bo. É por conta disso que chamamos de verbos transitivos indiretos. A ligação verbo-
-objeto não é feita diretamente.

(117) João se referiu ao seu pai.


(118) A professora lembrou da tarefa.
(119) A Maria torce para o Palmeiras.

Agora, sim, com o acréscimo dos complementos e das preposições, podemos


dizer que as sentenças acima são gramaticais. Estamos reforçando aqui a noção de
gramaticalidade e agramaticalidade para refletirmos sobre alguns verbos transitivos
indiretos. É comum que muitas gramáticas tradicionais apresentem listas dos verbos
que são classificados desta forma. Entre eles, temos: assistir, responder, obedecer e
outros. Veja as sentenças a seguir:

123
(120) Eu assisti ao filme da Marvel na estreia.
(121) Eu respondi ao questionário de pesquisa.
(122) As crianças devem obedecer aos pais.

Nas estruturas acima, os verbos estão ligados aos objetos por meio de uma
preposição, seguindo a regra dos verbos transitivos indiretos, mas perceba que, no PB
falado, o corte dessas preposições não torna a frase estranha ou agramatical.

(123) Eu assisti o filme da Marvel na estreia.


(124) Eu respondi o questionário de pesquisa.
(125) As crianças devem obedecer os pais.

Como defendemos várias vezes, ao contrastar regras normativas com dados


de fala, não temos objetivo bélico de dizer que as regras são ruins ou que os falantes
não respeitam as “leis da língua”. Nosso objetivo, aqui neste livro, é também reflexivo.
Sabemos que há situações (como é o caso de uma produção textual formal) em que as
regras normativas devem ser respeitadas, mas cotidianamente não é algo obrigatório.
Ninguém é punido por não seguir as regras tradicionais de transitividade em uma
conversa informal entre amigos.

Ainda, não é possível ignorar as sentenças que não seguem as regras. Já


vimos que a Linguística, ciência que estuda a linguagem, não faz isso. O profissional de
Letras, como estudioso da(s) língua(s), deve ter consigo as ferramentas para repensar,
problematizar, questionar e refletir sobre as normas. Em sala de aula, por exemplo,
essas noções podem ser importantes para (i) um trabalho mais plural e científico com
os alunos; (ii) para entender os desvios normativos dos alunos em produções textuais
formais; (iii) e muito mais! Na revisão textual, essas ferramentas podem tornar um revisor
mais humano e compreensível, que, embora corrija, entenda de onde vem determinada
escolha linguística. Em outras áreas do nosso mercado, certamente, noções de língua e
linguagem acabam sendo fundamentais. Conhecer as regras normativas não basta para
a formação de um bom profissional.

2.3 VERBOS BITRANSITIVOS (OU VERBOS TRANSITIVOS


DIRETOS E INDIRETOS)
Além dos verbos transitivos diretos (que, relembrando, são aqueles que pedem
um objeto direto de complemento) e dos verbos transitivos indiretos (os que exigem
complemento constituído também por uma preposição para estabelecer ligação com
o verbo), há outro tipo de verbo transitivo: os que exigem tanto um complemento
direto quanto o indireto (complemento constituído também por uma preposição para
estabelecer ligação com o verbo). Estes são os verbos bitransitivos.

124
Um exemplo de verbo bitransitivo é o predicador [colocar]. Perceba as sentenças
a seguir:

(126) * Vitor colocou.


(127) * Vitor colocou os livros.
(128) * Vitor colocou na estante.
(129) Vitor colocou os livros na estante.

A agramaticalidade da primeira sentença da sequência já nos deixa claro que


o verbo [colocar] precisa de complementação. A sentença está claramente incompleta.
Visto isso, tentamos complementar o sentido de (126) em (127), através do acréscimo de
um objeto direto. Embora ela dê uma sensação de completude maior do que (126), ainda
é uma sentença agramatical. Fora de contexto, não acharíamos natural que alguém
falasse dessa forma. Não é, portanto, um verbo transitivo direto, afinal, um objeto direto
não foi suficiente para completar o sentido. Assim, em (128), tentamos verificar se
[colocar] se tratava de um verbo transitivo indireto e também não obtivemos sucesso.
É claro que proferir a sentença (128) faria sentido se fosse uma resposta à pergunta “E
os livros?”, mas já discutimos que esse não é o caso em análise de sentenças isoladas.
Verificamos, então, que não é um caso de verbo transitivo indireto. Nossa tentativa só é
feliz quando complementamos com um objeto direto e um objeto indireto, com o qual
se faz uso de preposição para ligar-se ao verbo, como em (129), ou seja, a conclusão é
que [colocar] é um verbo bitransitivo.

Outros exemplos de verbos bitransitivos são “entregar” e “dar”. Veja os exemplos


seguintes:

(130) A professora entregou a atividade corrigida aos alunos.


(131) A filha deu um presente para a mãe.

Repare que, fora de contexto, as sentenças não fazem sentido se estiverem


incompletas. Tente fazer o teste que fizemos anteriormente com o verbo [colocar].
Repare que, mesmo quando não estiver explícito, teremos uma informação implícita
indicando a bitransitividade do verbo. Por exemplo:

(132) A professora entregou as atividades corrigidas.

Entendemos que essa sentença seja bastante possível no PB, mas há a


informação implícita que ela entregou a alguém. O verbo [entregar] não faz sentido se
não tiver um receptor.

Além dessas características, podemos mencionar as diferentes possibilidades


de construção de sentenças com verbos bitransitivos. Não é necessariamente uma
obrigação que a ordem respeitada dos verbos bitransitivos seja [verbo] + [objeto direto]
+ [objeto indireto]. Como mostramos a seguir, essa sequência pode ser inversa:

125
(133) Vitor colocou na estante os livros.
(134) A professora entregou aos alunos a atividade corrigida.
(135) A filha deu para a mãe um presente.

INTERESSANTE
Ainda entre os verbos transitivos, há aqueles que são transitivo-predicativos. Veja bem:
a essa altura do campeonato, já sabemos o que são verbos transitivos e também o que
são predicativos. Já podemos imaginar que um verbo transitivo-predicativo seja aquele
que selecione um predicativo como complemento. Pense, por exemplo, em:

(1) A imprensa elegeu Pelé o melhor do mundo.


(2) Considero Pelé o melhor futebolista de todos os tempos.

Podem ser exemplos de verbos transitivo-predicativos, a depender do


contexto de uso: achar, chamar, considerar, declarar, designar, eleger,
julgar, nomear, supor etc.

A seguir, veremos os verbos intransitivos. Esses verbos chamam a atenção de


muitos estudiosos devido a uma possível subdivisão entre eles, conforme veremos no
subtópico seguinte.

3 VERBOS INTRANSITIVOS
Infelizmente, é bastante comum ver que as abordagens tradicionais subdividam
os verbos em dois grupos ao tratar de transitividade verbal: transitivos e intransitivos.
Vimos, logo anteriormente, que os transitivos até que apresentam uma subdivisão bem
interessante, mas, ao falar dos intransitivos, não fazem uma subdivisão que a Linguística
já considera há bastante tempo: a de inergativos e inacusativos. O teor ‘negativo’ do
início deste parágrafo se dá pelo fato de que este é um assunto importantíssimo para a
análise sintática e, devido ao simplismo que é tratado, os alunos podem ficar bastante
confusos. Assim, este subtópico se constrói da seguinte forma: antes de tudo, vamos
retomar como a gramática tradicional fala dos verbos intransitivos para, posteriormente,
levantar a problemática e trabalhar com a subdivisão que consideramos adequada.

É tomado pela gramática tradicional que os verbos intransitivos têm a capacidade


de apresentar o sentido completo de uma ação sem a exigência de um objeto. Após essa
definição, é dada uma lista de exemplos: nascer, morrer, viver, voltar, chegar, engordar,
emagrecer, andar, chorar, cair, dormir, deitar, sentar, levantar, sofrer, casar, suceder,
proceder. De fato, esses verbos se apresentam de modo completo sem a necessidade
de estarem ligados a objetos diretos ou indiretos. Vejamos algumas sentenças:

126
(136) Pedro nasceu.
(137) Pedro chegou.
(138) Pedro caiu.

Até é possível complementar a informação com adjuntos adverbiais, mas a


ausência desses não torna as sentenças agramaticais.

(139) Pedro nasceu em 1980.


(140) Pedro chegou às 10h.
(141) Pedro caiu de tarde.

A Linguística, como falamos anteriormente, subdivide a classe dos intransitivos


entre inergativos e inacusativos. Logo, chegaremos a mais detalhes sobre esses grupos,
baseando-nos em Lobato (2015), ao apontar o que o professor de Educação Básica
deveria saber sobre linguística e trazer casos de análises que precisam ser aprofundados.

A divisão bipartite da gramática tradicional dos verbos em transitivos e


intransitivos é baseada no número de argumentos. Verbos transitivos, como vimos, são
aqueles que têm dois ou mais argumentos (sujeito e complemento(s) com função de
objetos), enquanto os intransitivos são aqueles que possuem um argumento só (sujeito).

Lobato (2015) aponta que a pesquisa recente em Linguística tem apresentado


uma possível subdivisão para os verbos intransitivos, pois, para determinados verbos,
o único argumento (sujeito) tem correspondência com o sujeito de verbos transitivos
e para outros com objeto de verbos transitivos. Para ficar mais claro, a autora ilustra
essas situações ao apresentar sentenças reduzidas. Por exemplo: uma reduzida (não
se preocupe tanto com este conceito agora, falaremos dele na Unidade 3) construída a
partir de um verbo transitivo, só o objeto pode estar presente em:

(142) Cleide lavou a roupa.


(143) Lavada a roupa, Rogério foi fazer outras tarefas.
(144) *Lavada Cleide, …

Só conseguimos interpretar “Cleide” como objeto nessa última sentença, e,


por conta disso, ela é agramatical. Com verbos intransitivos, a autora apresenta uma
sequência de dados bastante interessante:

(145) a. O bebê nasceu.


b. Nascido o bebê, …
(146) a. Marisa morreu.
b. Morta Marisa, …
(147) a. A semente germinou.
b. Germinada a semente, …

127
(148) a. O bebê soluçou.
b. *Soluçado o bebê, …
(149) a. O trem apitou.
b. *Apitado o trem, …
(150) a. Luiza sorriu.
b. *Sorrida Luiza, …

A fim de apontar uma distinção, os primeiros verbos, em que as sentenças em


(b) são gramaticais, são chamados de inacusativos, e os que não aceitam as sentenças
em (b) são os inergativos.

De acordo com Kato e Mioto (2009, p. 28):

Quando há apenas um argumento, com papel θ em geral agentivo,


este é um argumento externo, como no caso de telefonar, viajar, pular,
chorar, e temos aí os chamados predicados inergativos. Já, no caso
de um argumento único com papel θ não-agentivo, o argumento é
interno e temos os chamados predicados inacusativos. É o caso de
verbos como cair, aparecer, existir, que têm o sujeito posposto como
a ordem não-marcada (KATO; MIOTO, 2009, p. 28).

ESTUDOS FUTUROS
O símbolo θ na expressão “papel θ” faz referência ao tema, uma noção
que veremos no próximo tópico, ao tratar de seleção semântica.

Dito isso, cabe a reflexão que recuperamos com base no texto de Lobato (2015):
considerando que esses estudos estão sendo bem debatidos na área, omitir essa sub-
divisão pode ser uma sonegação de informação. Em contrapartida, há quem possa de-
fender que o trabalho com esse tipo de análise linguística vai além da prevista para o
período escolar.

A seguir, vamos defender o nosso ponto de vista apresentando como a


transitividade verbal poderia ser trabalhada na escola de acordo com as nossas ideias
e perspectiva teórica. Lembramos que não vamos propor “receitas”. As sugestões aqui
devem sempre ser repensadas de acordo com o contexto em que você, profissional de
Letras, estiver exercendo a sua profissão. Devem ser levados em conta aspectos que
envolvam a realidade dos estudantes, condições da escola e outros fatores que você
julgar relevantes.

128
4 TRANSITIVIDADE VERBAL NA ESCOLA
Estamos tomando como base, na escrita deste material, os pensamentos de
cunho teórico gerativista (você pode voltar na Unidade 1 para relembrar como essa
perspectiva enxerga a linguagem). Então, apoiamos as nossas sugestões na ideia de
que todo falante, intuitivamente, tem competência linguística sobre sua língua materna.
Isso pode ser aproveitado nas aulas de gramática, principalmente se considerarmos
essas aulas como ferramentas para uma introdução à metodologia científica, como
prevê a BNCC em um dos objetivos relevantes à Educação Básica:

Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria


das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a
imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar
hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive
tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas
(BRASIL, 2019, p. 9).

Nessa perspectiva, pense o quão seria interessante adotar procedimentos


científicos nas aulas de gramática, como julgamento de aceitabilidade. Os alunos, se
falantes nativos de PB, certamente não aceitariam sentenças como (151) se estivessem
fora de um contexto:

(151) a. *Daniela traduziu.


b. *Gabriel ama.
c. *Vitória entregou.

Essa intuição pode ser usada para explicitar a necessidade de argumentos em


verbos transitivos. A partir de então, o docente pode assumir a explicação de todas as
particularidades envolvendo essa classificação.

Ainda na metodologia científica, um procedimento que poderia ser muito
produtivo é fazer com que os alunos coletem dados (na internet, em entrevistas,
em livros/revistas/jornais etc.) com verbos tradicionalmente apresentados como
intransitivos pela gramática tradicional e apliquem o teste das reduzidas para classificar
em inergativos ou inacusativos.

É claro que não podemos pensar apenas nas aulas de gramática como labo-
ratoriais. Perspectivas mais discursivas, por exemplo, como você perceberá durante o
curso, aprofundarão como trabalhar com produção e leitura de textos em sala de aula
por meio de sequências didáticas. A transitividade verbal certamente é uma ferramenta
que o aluno precisa conhecer para que seus textos sejam coerentes e passem a ideia
desejada. Uma estratégia, inclusive, é saber que, mesmo com verbos transitivos, o com-
plemento pode ser omitido caso tenha sido mencionado anteriormente, a fim de evitar
repetições.

129
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• Há uma subdivisão na gramática tradicional entre verbos transitivos e intransitivos,


e essa categorização depende de quantos argumentos são necessários para a
formação de boas sentenças na língua.

• Verbos transitivos são diretos se exigem um objeto direto como complemento;


indiretos se a exigência é a de um objeto indireto; e bitransitivos (ou direto e indireto)
se exigir mais de um complemento (um objeto direto e um indireto).

• Verbos intransitivos, tradicionalmente, são os que não exigem complementação, mas


vimos que alguns estudos linguísticos têm considerado uma subdivisão para esses
verbos em inergativos e inacusativos.

• A transitividade verbal pode ser uma boa estratégia para trabalhar com a metodologia
científica e produção textual na educação básica.

130
AUTOATIVIDADE
1 Vimos que os verbos ora selecionam complementos e ora não selecionam. A gramática
tradicional chama os primeiros de transitivos e os segundos de intransitivos. Os
transitivos se subdividem em três grupos: os transitivos diretos, os transitivos indiretos
e os bitransitivos. Levando em conta essa categorização, assinale a alternativa que
melhor define os verbos transitivos indiretos.

a) ( ) São aqueles que exigem uma complementação e ela pode ser atribuída de forma
direta, sem que haja ligação, como em: “João ganhou o jogo”.
b) ( ) São aqueles que exigem um objeto indireto como complemento, e esse objeto
deve, obrigatoriamente, estar ligado ao verbo por meio de um advérbio, como:
“Pedro assistiu freneticamente a todos os filmes da Marvel”.
c) ( ) São aqueles que exigem um objeto indireto como complemento, por isso o objeto
é constituído por uma preposição que o ligue ao verbo, como em: “Maria torce
para o Flamengo”.
d) ( ) São indiretos, porque um dos dois complementos que exigem é um objeto
indireto, como: “Felipe colocou a apostila no armário”.

2 Os verbos intransitivos são aqueles que não selecionam nenhum argumento. As


frases a seguir tomam essa categoria como referência para fazer afirmações que
podem ser verdadeiras ou falsas. Realize a leitura e responda a qual alternativa
corresponde a sequência:

I- Esses verbos não exigem complemento, mas isso não significa que é proibido
complementar o sentido das sentenças. Podemos colocar, por exemplo, advérbios:
João dormiu calmamente. A ocasião é que mesmo sem o advérbio a sentença é
gramatical.
II- Em alguns estudos linguísticos, já há reconhecimento sobre uma possível subdivisão
entre esses verbos: inacusativos e inergativos.
III- Em alguns estudos linguísticos, já há reconhecimento sobre uma possível subdivisão
entre esses verbos: intransitivos diretos e intransitivos indiretos.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

131
3 Leia as sentenças a seguir e responda se os verbos destacados são transitivos diretos
(VTD), transitivos indiretos (VTI) ou bitransitivos (VB). Note que será preciso analisar
com base na natureza do verbo.

a) Cássia estava jogando futebol e perdeu.


b) A empresa solicitou que Marcos traduzisse um texto.
c) Mariana pediu um aumento ao seu chefe.
d) Joana precisava de alguém para responder a um questionário.
e) Pedro pegou os livros e colocou na mesa da sala.

4 Vimos que em alguns estudos linguísticos, verbos intransitivos são subdivididos


entre inacusativos e inergativos. Percebemos que um bom teste para classificá-los
dessa forma é trabalhar com sentenças reduzidas. Aplique os testes nas sentenças a
seguir e responda se são verbos inergativos ou inacusativos.

a) O pássaro cantou.
b) Maria nasceu.
c) Jorge sofreu
d) A encomenda chegou.

5 Ao fim do tópico, como de costume, adentramos em sugestões para o trabalho em


sala de aula. De que forma a perspectiva gerativa pode contribuir para o ensino de
transitividade verbal?

132
UNIDADE 2 TÓPICO 4 —
SELEÇÃO CATEGORIAL E SEMÂNTICA

1 INTRODUÇÃO
Até este ponto, nesta unidade, estudamos noções muito importantes para
o conhecimento da Sintaxe das línguas naturais – e, especificamente, do PB. Como
exemplos, podemos mencionar: que, no nível sentencial, os sintagmas não podem ser
categorizados da mesma forma – há os que são obrigatórios à oração (os argumentos)
e aqueles que são somente aceitáveis (os adjuntos); que os sintagmas argumentos
podem desempenhar duas diferentes funções dentro de uma sentença: ou a de sujeito,
ou a de objeto; que a argumentação – no sentido sintático formal do termo! –, também
pode se manifestar internamente aos sintagmas nominais; e que, como tais funções
são determinadas pela natureza do verbo, as formas verbais também podem ser
diferentemente classificadas.

Contudo, remanesce, ainda, uma questão muito relevante aos nossos estudos,
que carece de maiores explanações: a seleção. Neste tópico, entenderemos como esse
termo reflete nosso uso da língua e de que forma ele é exemplar de que a Sintaxe não
existe enquanto uma área isolada – ao contrário, qualquer profissional de Letras deve
entender que essa área (aliás, não só ela, mas todas, dentro da perspectiva de análise
formal) faz, a todo momento, interfaces e interdisciplinaridades com outras.

Para alcançar esses objetivos, esta unidade está dividida ao modo que segue:
no próximo subtópico, faremos primeiras reflexões sobre como as noções de seleção
estão imbricadas no uso que fazemos da língua, sem, por enquanto, adentrar o conceito
específico a cada uma. Cada uma dessas noções será abordada de forma individual nos
Subtópicos 2 e 3, que tratarão, respectivamente, da seleção categorial e da seleção
semântica. Finalmente, a última etapa desta unidade versará a respeito da forma
como esses dois temas podem fazer parte das aulas de Língua Portuguesa da escola.
Vamos lá?!

2 PRIMEIRAS REFLEXÕES
Para iniciarmos nossa reflexão, propomos que você julgue, quanto à gramatica-
lidade e à aceitabilidade – caso queira “refrescar” esses conceitos, recomendamos que
retorne à Unidade 1 –, as oito formações a seguir. Atenção! Lembre-se de avaliá-las exa-
tamente como viemos fazendo até agora: desconsiderando qualquer contexto e objeti-
vamente, isto é, ignorando possíveis sentidos figurados que estejam associados a elas.

133
151) Os políticos não gostam o povo.
152) A Bruna abraçou da irmã.
153) O meu cachorro comprou um caminhão.
154) Cactos dormem durante o dia.
155) O carteiro entregou uma caixa o Pedro.
156) O Rio Amazonas pulou.
157) O bibliotecário colocou os livros a gaveta.
158) A xícara chutou a bola.

A sua avaliação de tais formações provavelmente ponderou que nenhuma de-


las é, plenamente, uma formação aceitável. De outro modo, poderíamos dizer que, em
uma situação natural de fala, ninguém proferiria qualquer uma dessas construções.
Contudo, conforme o que sabemos sobre os julgamentos de gramaticalidade versus
aceitabilidade, podemos verificar que nem todas as sentenças em (151-158) cumprem
todos os requisitos para serem consideradas agramaticais; diferentemente, algumas
delas são apenas inaceitáveis. Agora, desafiamos você a classificar quais dessas são
agramaticais e quais são inaceitáveis. A seguir, damos uma “dica” para a sua resposta.
Continue preenchendo o quadro!

QUADRO 2 – FORMAÇÕES AGRAMATICAIS OU INACEITÁVEIS

AGRAMATICAL INACEITÁVEL
Os políticos não gostam o povo. A xícara chutou a bola.

FONTE: Os autores (2022)

A partir do preenchimento do Quadro 2, é possível perceber que cada coluna


possui formações que não são lícitas por motivos bastante parecidos. Na verdade,
podemos adiantar que o fato de tais construções não serem plenamente satisfatórias
para nós, falantes do PB, está relacionado a restrições relativas à seleção de tais. Cada
coluna representa restrições relacionadas a um tipo de seleção: a coluna da esquerda, a
seleção categorial; a coluna da direita, a seleção temática. Os próximos dois subtópicos
tratarão, respectiva e individualmente, de cada tipo de seleção.

134
3 SELEÇÃO CATEGORIAL
Para entendermos ao que, afinal, a seleção categorial (também chamada de
c-seleção) se refere, precisamos, primeiramente, nos atentar à coluna esquerda do
Quadro 2, conforme mencionado anteriormente. Logo, podemos alcançar a conclusão
de que uma falha na seleção categorial – o que acontece nas construções que se
enquadram nessa coluna – acaba resultando em agramaticalidade. De acordo com
o que já estudamos, a agramaticalidade é um julgamento puramente sintático. Por
consequência, podemos dizer: essa seleção envolve, exclusivamente, aspectos
sintáticos dos constituintes e da sentença.

Mas o que esse conceito significa, afinal de contas? A seleção categorial se


refere à característica de um predicador de selecionar somente argumentos de certa(s)
categoria(s) em detrimento de outras. Vamos analisar, como exemplo, o predicador
verbal “abraçar”. Pensemos em uma sentença hipotética com esse predicador, como
(159):

159) Os funcionários abraçaram a causa.

Pelos conhecimentos que temos até agora, podemos afirmar com segurança
que esse predicador verbal abre duas lacunas, ou seja, requer dois argumentos. Um
desses argumentos é o sujeito – que, nesse caso, é o sintagma [os funcionários] –, e o
outro é o objeto direto – que, no exemplo, é [a causa].

Agora, retomamos o que sabemos sobre as categorias de sintagmas, a partir


de nosso estudo da Unidade 1. Aprendemos que os sintagmas lexicais são organizados
dentro de cinco grupos, que representam suas categorias: os sintagmas nominais (SNs),
verbais (SVs), preposicionais (SPs), adjetivais (SAs) e adverbiais (SAdvs). Caso necessário,
retome essa classificação para prosseguir nos estudos. No caso do predicador “abraçar”,
percebemos que os argumentos que ele seleciona são de natureza nominal, ou seja,
dois SNs. E é esse, justamente, o seu comportamento quanto à seleção categorial:
esse predicador seleciona um SN como sujeito e outro SN como objeto. Essa relação é
expressa em (160):

160) [SN] abraçar [SN]

Nos estudos em Sintaxe, por convenção, utilizamos o símbolo de chave (“{“


e “}”) para identificar uma c-seleção. Já, internamente, a separação entre sujeitos e
objetos é feita pelo sinal de ponto-e-vírgula (“;”). Caso haja mais de um sintagma que
cumpre o papel de objeto – como acontece nos predicadores verbais diretos e indiretos,

135
que estudamos no tópico anterior –, a identificação das categorias c-selecionadas
é realizada por meio de vírgulas. No caso do predicador verbal “abraçar”, sua seleção
categorial pode ser descrita da forma em (161), a exemplo de uma sentença como (162):

161) {SN; SN}

162) A filha abraçou os pais.

Note que o conceito pelo qual definimos a seleção categorial trata da seleção
que certo predicador faz de uma ou mais categorias de argumentos em detrimento de
outras. A última parte dessa noção nos traz a consequência de que, se um predicador
verbal como “abraçar” seleciona apenas SNs em sua estrutura argumental, ele, por
consequência, bloqueará a existência de outras categorias, a exemplo de SPs. A seguir,
podemos constatar que uma sentença com esse predicador se torna sistematicamente
agramatical se um SP for inserido como sujeito ou objeto:

163) a. * Dos funcionários abraçaram a causa.


b. * Os funcionários abraçaram da causa.

Agora, como um exercício, vamos analisar predicadores verbais com estruturas


argumentais distintas de “abraçar”: os verbos “conversar” e “entregar”. Aplicando-os a
sentenças simples, constatamos que o primeiro verbo seleciona, sempre, um SP como
um objeto (indireto!), enquanto o segundo seleciona dois objetos (um objeto direto e
outro indireto). Suas respectivas estruturas argumentais são dadas em (163b) e (164b):

164) a. As crianças conversam com os seus colegas.


b. {SN; SP}

165) a. Os cidadãos entregaram um abaixo-assinado para os políticos.


b. {SN; SN, SP}

Outro aspecto bastante importante sobre a c-seleção diz respeito à sua


variabilidade. Muitas vezes, um predicador possui uma estrutura variável, ou seja, que
possui um argumento que aceita mais de uma categoria. É o caso, por exemplo, do
verbo “dizer”, que admite como objeto direto um SN, mas também um SV, conforme os
exemplos em (165). Assim, podemos afirmar que esse predicador possui mais de uma
configuração quanto à c-seleção. Vejamos:

166) a. O João disse a verdade.


b. {SN; SN}
c. O João disse que gosta do tio.
d. O João disse gostar do tio.
e. {SN; SV}

136
A essa altura, já somos capazes de saber por que as sentenças contidas na
coluna esquerda do Quadro 1 são agramaticais: todas elas possuem problemas quanto
às categorias que seus predicadores verbais selecionam. A seguir, listamos todas as
sentenças que se enquadram nessa questão. Para exercitar o seu conhecimento,
identifique quais são as c-seleções que cada verbo realiza e verifique a incompatibilidade
de cada formação:

151) Os políticos não gostam o povo.


152) A Bruna abraçou da irmã.
155) O carteiro entregou uma caixa o Pedro.
157) O bibliotecário colocou os livros a gaveta.

Assim, aplicando o nosso entendimento sobre c-seleção, podemos entender


que essas quatro sentenças possuem problemas quanto à gramaticalidade justamente
porque existem argumentos que não correspondem, devidamente, à seleção que o
verbo faz das categorias dos sintagmas que seleciona. Eis a estrutura categorial de
cada predicador de tais sentenças:

• Gostar: {SN; SP} • Entregar: {SN; SN; SP}


• Abraçar: {SN; SN} • Colocar: {SN; SN; SP}

Atentamos para o fato de que este é um conhecimento que todo falante nativo
ou fluente de PB domina! Por mais que não conheçamos a metalinguagem – afinal, esta
é uma competência dos estudiosos da língua, como os profissionais de Letras –, nossa
gramática internalizada sabe quais categorias argumentais deve aplicar a partir de certo
predicador. Neste tópico, restringimo-nos aos predicadores verbais, mas essa lógica
se estende a todos os predicadores. Lembre-se: quando somos proficientes em certa
língua, nossa consciência sintática sempre saberá o que fazer!

A seguir, no próximo subtópico, trataremos da seleção temática, que, assim


como a c-seleção, também impõe restrições de ordem sintática – contudo, considerando
critérios que não compete tão somente a essa área. Prossigamos!

4 SELEÇÃO SEMÂNTICA
Identificadas as formações em (151-158) que possuem problemas quanto à
gramaticalidade, já sabemos quais são aquelas que preenchem a coluna direita da
tabela:

153) O meu cachorro comprou um caminhão.


154) Cactos dormem durante o dia.
156) O Rio Amazonas pulou.
158) A xícara chutou a bola.

137
Não podemos dizer que essas sentenças possuem problemas quanto à
gramaticalidade. Afinal, todas as relações de argumentação e c-seleção, a partir dos
predicadores verbais, estão sendo cumpridas. Por isso, podemos dizer que, sob o ponto
de vista da Sintaxe, essas sentenças são ótimas! No entanto, sabemos que essas
frases são inaceitáveis: afinal, em uma situação natural de fala, elas dificilmente seriam
produzidas. Já que, sob o “guarda-chuva” da Sintaxe, não temos problemas, resta-nos
recorrer a outra área da gramática formal para identificarmos a questão aqui envolvida.

Se tentarmos explicar o problema com essas frases, poderemos dizer que é


impossível que algum cachorro compre alguma coisa, que cactos não podem dormir,
que rios são incapazes de pular e que, em hipótese alguma, xícaras chutam. Então,
concluímos que o problema com essas sentenças, que determina que elas sejam
inaceitáveis, está relacionado ao conflito de sentidos entre o verbo e aqueles associados
aos seus argumentos. Portanto, esta é uma questão de ordem semântica.

A questão envolvida neste ponto é que, além de c-selecionar os seus


argumentos, os predicadores realizam a seleção semântica (também chamada de
s-seleção ou seleção temática) desses constituintes: eles definem as propriedades de
sentido que os seus argumentos devem ter. Naturalmente, caso tais propriedades não
sejam satisfeitas, a sentença terá problemas de ordem de aceitabilidade.

As propriedades semânticas que cada predicador exige para seus argumentos


são chamadas de papel temático (ou papel θ). Como é possível constatarmos, um
predicador atribui tantos papéis temáticos quantos forem os seus argumentos: um verbo
monoargumental, por exemplo, atribuirá um papel temático; um biargumental, dois; e
assim por diante. Mesmo assim, sintagmas adjuntos também possuem papel temático.
São muitos os papéis temáticos que os predicadores podem impor; aqui, abordaremos
os fundamentais, de acordo com a concepção de Perini (2010):

• Agente:
É a entidade que desencadeia determinada ação e detém controle sobre ela.
Exemplo: [O Carlos] telefonou.

• Paciente ou tema:
É a entidade que é afetada, recebendo ou sofrendo certa mudança.
Exemplos: [O vaso] quebrou.
A Paula quebrou [o vaso].

• Experienciador:
É a entidade que experimenta um fenômeno interno.
Exemplo: [Jorge] ama a Célia.

• Instrumento:
É a entidade utilizada para desencadear uma ação.
Exemplo: Quebrei a janela [com um tijolo].

138
DICA
Em “Gramática do PB”, Mario Perini relata outras categorias de
papéis temáticos além das abordadas. Confira!

A estrutura de certo predicador quanto a seus papéis temáticos é chamada de


grade temática. Como exemplo, podemos mencionar o verbo “comer”, que, por ser
biargumental, abre duas lacunas, que serão preenchidas por dois SNs: o sujeito, um
agente – aquele que controla a ação de comer; e o objeto, um paciente – aquilo que é
afetado pela ação de comer –, conforme (166). Essas relações são representadas em (167):

166) Os alunos comem muita merenda.

167) Predicador: comer


C-seleção: {SN; SN}
Grade temática: [agente; paciente]

Além do papel temático, os predicadores também selecionam argumentos


com traços semânticos compatíveis às suas necessidades. Na semântica dos traços,
devemos considerar dois itens: o traço em si e o valor, que será positivo ou negativo,
indicando a maior ou menor identificação do elemento com o traço correspondente.
Como exemplo, podemos mencionar o valor positivo para o traço [felino], indicando que
o elemento é, por exemplo, um gato, um tigre ou um leão:

167) [+ felino]

É preciso considerar que existe uma infinidade de traços. Para nosso objetivo,
que é compreender como a s-seleção se aplica às sentenças, utilizaremos apenas
alguns. Também podemos cruzar vários traços, como a seguir, no Quadro 3, que
apresenta alguns exemplos dessa lógica:

QUADRO 3 – CRUZAMENTO DE TRAÇOS SEMÂNTICOS

[+ humano] [- humano]

mulher cabra
menina ovelha
[+ feminino] Mariana Minnie
freira Peppa Pig
etc. etc.

homem bode
menino carneiro
[- feminino] Ricardo Mickey
padre Sonic
etc. etc.

FONTE: Os autores (2022)

139
É preciso o destaque para a informação de que valores positivos ou negativos
não revelam o absoluto encaixamento, ou não encaixamento, de determinado elemento
em um traço [x], mas a maior ou menor probabilidade de manifestar as características
correspondentes àquele traço. Veja a escala em (168) para o traço de animacidade, que
representa a probabilidade de substantivos serem [+ animados] ou [- animados]. Por
essa representação, podemos perceber que, apesar de “morango”, por exemplo, ser
enquadrado como [- animado], ele é mais animado do que “prédio”, que, por sua vez, é
mais animado em relação a substantivos abstratos como “amor”.

168)
[+ animado] [neutro] [- animado]
<–––|––––––––––––––––––––––––––––|–––––––––––––|––––––––|–––––––|–––>
arquiteto morango prédio Amor

sapo nuvem cerca Inveja

Agora, vamos analisar de que forma os traços se aplicam a um predicador verbal.


Para isso, vamos usar, ainda, o verbo “comer”, complementando as informações de (169):

169) Predicador: comer


C-seleção: {SN; SN}
Grade temática: [agente; paciente]
S-seleção: [+ animado]; [+ comestível]

A s-seleção realizada em (169) para “comer” representa, pelo seu argumento


agente, que qualquer entidade dotada do valor positivo para o traço referente à
animacidade tem a capacidade de comer. Repare que o traço [animado] é mais
abrangente do que [humano], já que, além de humano, incorpora outros seres dotados
de animacidade, como outros animais, que também são capazes de ser agentes de
“comer”. Quanto ao traço correspondente ao argumento paciente, podemos pensar que
só se pode comer o que é comestível. Pelas razões descritas, formações como (170)
e (171) mostram incompatibilidade entre as necessidades do predicador e os traços
semânticos dos argumentos:

170) O prédio comeu o bolo.

171) A Larissa comeu a pedra.

A essa altura, podemos retomar os exemplos mencionados no início deste


subtópico e explicar por que cada um é inaceitável, sob o ponto de vista da s-seleção.
Recomendamos que, antes de prosseguir com o estudo, faça o exercício de esboçar
como acontece essa incompatibilidade. Deixamos, aqui, reflexões sobre cada uma delas:

140
• O meu cachorro comprou um caminhão.

A sentença é inaceitável pelo fato de que o substantivo “cachorro” não


possui as propriedades requeridas pelo predicador verbal. Afinal, “comprar” é uma
ação exclusivamente humana. Assim, esse verbo requer que o seu sujeito seja,
necessariamente, [+ humano] – o que é incompatível com o núcleo do SN, “cachorro”.

• Cactos dormem durante o dia.

A inaceitabilidade da sentença acontece porque o sintagma sujeito, [cactos], de


propriedade [- animada], conflitua com o predicador “dormir”, uma vez que esse verbo
demanda sujeitos que sejam passíveis de dormir, ou seja, seres [+ animados], como os
animais.

• O Rio Amazonas pulou.

A inconsistência, aqui, é dada pelo fato de que rios são incapazes de pular,
quando esse verbo se refere a se elevar a partir do chão utilizando impulso. Poderíamos
afirmar que o predicador verbal em questão demanda que seu único argumento seja
[+ animado]; contudo, existem diversos elementos dotados de valor positivo para esse
traço que são incapazes de pular, como peixes e tartarugas. Então, uma alternativa é
considerar que esse predicador demande um complemento com valor [+ pulante]: só
quem ou o que é capaz de pular pode preencher essa lacuna.

• A xícara chutou a bola.

Uma situação semelhante à anterior acontece nesse caso: xícaras não são
capazes de chutar! Analisando esse predicador, em princípio, poderíamos pensar que
somente seres humanos possuem a capacidade de chutar. Contudo, embora sejam
exemplos restritos, a Biologia mostra que alguns animais, como cangurus, utilizam
seus membros de forma idêntica ao chute que as pessoas dão com suas pernas – ou
seja, essa habilidade não é exclusivamente humana. Assim, devemos ampliar o traço
requerido pelo predicador verbal “chutar” ao seu sujeito para, pelo menos, [+ animado],
o que é incompatível com o SN [a xícara].

A seguir, o quinto subtópico traz considerações sobre a abordagem dos


conceitos relativos à c-seleção e à s-seleção no âmbito escolar.

5 AS SELEÇÕES CATEGORIAL E SEMÂNTICA NA ESCOLA


A abordagem dos conceitos de seleção categorial e semântica pode trazer
contribuições bastante enriquecidas para as aulas de Sintaxe e interface Sintaxe-
Semântica na disciplina de Língua Portuguesa. A depender da faixa etária da turma, o

141
professor pode abordar esses temas de forma mais ou menos aprofundada e específica.
Diferentemente de outros tópicos dentro da área da Sintaxe, contudo, esses dois
assuntos podem participar das aulas de Língua Portuguesa desde o 6º ano do ensino
fundamental até o 3º ano do ensino médio, já que crianças com 10 anos já possuem
conhecimento linguístico implícito suficiente para avaliar enunciados e verificar
inconsistências sintáticas ou semânticas, mesmo que não saibam dizer por que elas
estão ocorrendo. Com o amadurecimento intelectual dos estudantes no que concerne
à metalinguagem gramatical, por volta do 9º ano em diante, o professor pode enriquecer
as discussões, apresentando, efetivamente, os conceitos de c e s-seleção.

Durante as aulas para qualquer turma, é muito profícuo que o professor


esclareça que só sabemos avaliar sentenças quanto à sua boa formação devido ao
nosso conhecimento linguístico complexo (nesse caso, de ordem sintática), que
começamos a desenvolver no primeiro ano de vida até, aproximadamente, os quatro
anos de idade, etapa em que já dominamos a produção de estruturas gramaticalmente
muito complexas. Contudo, adquirimos novas informações linguísticas durante toda a
nossa vida – possivelmente, todos os dias! É essencial que o docente esclareça que
nossa mente domina um número gigantesco de regras para produzir sentenças, embora
nós não saibamos quais são essas regras. Mesmo sem termos esse conhecimento de
forma objetiva, nós nos comunicamos sem problemas!

Com turmas a partir do 9º ano, é possível seguir o percurso fornecido por este
tópico (guardadas, é claro, as proporções, já que este é um material de nível superior):
apresentar construções agramaticais por conta de inadequações quanto à c-seleção,
e inaceitáveis, devido a inconsistências relativamente à s-seleção. Em seguida, o
professor pode instigar uma reflexão com os alunos a respeito de tais problemas: por que
acontecem? O que, na nossa mente, determina que uma sentença x é inaceitável ou,
mesmo, agramatical, enquanto outra sentença y é formada satisfatoriamente e passível
de produção? Qual é o conhecimento que está por trás desse tipo de julgamento? É um
conhecimento que aprendemos na escola ou, objetivamente, com alguém?

A partir das discussões geradas, o docente apresenta que, quando dominamos


certa língua, a parte “subconsciente” de nosso aparato cognitivo que é responsável
pelas línguas sabe uma série de informações sobre predicadores (a exemplo dos verbos):
quantos argumentos seleciona, quais as suas categorias, os traços semânticos que
aceita etc. Não se pode esquecer de que um estudo pleno desse conteúdo demanda
que os estudantes dominem uma série de noções gramaticais. Portanto, a abordagem
sempre pode ser simplificada, a depender do nível de conhecimento em que a turma
está situada.

142
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu:

• A seleção categorial se refere à característica de um predicador de selecionar somente


argumentos de certa(s) categoria(s) em detrimento de outras.

• A seleção semântica se refere à característica de um predicador de definir as


propriedades de sentido que os seus argumentos devem ter.

• Nosso conhecimento gramatical e consciência sintática internalizada são suficientes


para sabermos, mesmo que inconscientemente, as categorias sintáticas e traços
semânticos demandados por certo predicador.

• A abordagem das noções de seleção temática e categorial se mostra bastante


profícua para as aulas de Língua Portuguesa da escola, independentemente da faixa
etária dos estudantes.

143
AUTOATIVIDADE
1 Apesar de não necessariamente termos consciência destes conhecimentos, as noções
de seleção categorial e semântica estão presentes em nosso aparato cognitivo desde
os estágios de aquisição da linguagem. Quando dominamos uma língua, formamos
sentenças satisfazendo as necessidades sintáticas e semânticas de cada predicador,
mesmo que não nos demos conta desse processo. Sobre a aplicação das noções em
questão, no âmbito escolar, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) O professor pode trabalhar tais conhecimentos com turmas a partir do 6º ano do


ensino fundamental, mesmo que, para as turmas de menor idade, a abordagem
seja feita de forma mais simples.
b) ( ) É indicado que o professor desenvolva noções como aquelas em questão nas
aulas de Língua Portuguesa para incutir, nos estudantes, a reflexão de que
qualquer falante de uma língua dispõe de um conhecimento linguístico complexo.
c) ( ) A abordagem dessas noções em sala de aula vai ao encontro de fundamentos
do Gerativismo, uma vez que tais conhecimentos convergem com a ideia de que
o ser humano dispõe de um dispositivo mental e complexo, capaz de gerar uma
infinidade de sentenças a partir de um número limitado de regras.
d) ( ) Torna-se fundamental a abordagem de tais conhecimentos no âmbito da sala
de aula, a fim de que os estudantes tenham ciência de que, por disporem de um
aparato cognitivo complexo, todos os falantes de uma língua são capazes de
aprendê-los e dominá-los, embora a aprendizagem aconteça, de fato, durante o
período escolar.

2 Considere as formações a seguir:

(1) A Joana espera da Maria muitas conquistas.


(2) O profissional feliz com a sua profissão desempenha bem das suas atividades.
(3) As abelhas trabalham para a sua rainha.
(4) Os morangueiros crescem por volta de abril.

Sobre as seleções semântica e categorial de tais formações, analise as sentenças a


seguir:

144
I- A formação (1) apresenta problemas quanto à seleção categorial.
II- A formação (2) apresenta problemas quanto à seleção categorial.
III- A formação (3) apresenta problemas quanto à seleção semântica.
IV- A formação (4) apresenta problemas quanto à seleção semântica.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O domínio metalinguístico do conhecimento relacionado à seleção categorial permite


que conheçamos conscientemente quais são as categorias demandadas por um
predicador a cada um de seus argumentos. Sobre uma possibilidade de seleção
categorial de predicadores verbais do PB, associe os itens, utilizando o código a
seguir:

I- {SN; SV}.
II- {SN; SP}.
III- {SN; SN, SP}.

( ) Querer; esperar; falar; odiar.


( ) Levar; preferir; pedir; comunicar.
( ) Gostar; precisar; acreditar; conversar.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) III – II – I.
b) ( ) II – I – III.
c) ( ) II – III – I.
d) ( ) I – III – II.

4 No decorrer de nossos estudos, aprendemos que alguns predicadores solicitam


argumentos com categorias que podem variar. De qualquer forma, predicadores que
variam quanto à categoria dos complementos que selecionam também bloqueiam
outras. Diante desse contexto, complete o quadro a seguir, conforme o exemplo
dado na primeira linha. Procure utilizar exemplos diferentes dos fornecidos neste
tópico. Para cada (im)possibilidade de c-seleção, apresente um exemplo da (a)
gramaticalidade atestada.

145
PREDICADOR EXEMPLO DE C-SELEÇÃO
C-SELEÇÃO(ÕES) POSSÍVEL(IS)
VERBAL IMPOSSÍVEL

{SN; SN} = A Gabriela ama o seu trabalho. {SN; SP} = * A Gabriela ama de
amar
{SN; SV} = A Gabriela ama trabalhar. trabalhar.

{SN; SP} =

{SN; SN} =
{SN; SP} =
{SN; SV} =

{SN; SV} =

devolver

chover

esperar

considerar
(avaliar)

{SN} =

5 Além de selecionar as categorias de seus argumentos, os predicadores determinam


quais as características semânticas que eles devem ter. Esse é o motivo pelo qual
uma sentença como “o pássaro latiu” é inaceitável. Sabe-se, ainda, que, na língua,
um determinado termo pode receber mais de um traço; nesse sentido, podemos ter
o cruzamento de traços semânticos. Diante disso, complete o quadro a seguir com,
pelo menos, cinco exemplos de substantivos do PB para o cruzamento de traços:

[+ amarelo] [- amarelo]

[+ animado]

[- animado]

146
REFERÊNCIAS
BRASIL, Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC/SEF, 2019.

KATO, M.; MIOTO, C. A arquitetura da gramática. In: KATO, M.; NASCIMENTO, M. (Orgs.)
Gramática do português culto falado no Brasil, v. 2, p. 19-35, 2009.

LOBATO, L. Linguística e ensino de línguas. [S.l.]: SciELO-Editora UnB, 2015.

PERINI, M. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

QUAREZEMIN, S.; FUCHSBERGER, G. Indeterminação do sujeito no PB: o pessoal tá


inventando moda. Travessias em língua portuguesa: pesquisa linguística, ensino e
tradução. Veneza: Ca'Foscari, p. 93-106, 2020.

WATERSON, B. O melhor de Calvin. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 ago. 2007.

147
148
UNIDADE 3 —

RELAÇÕES SINTÁTICAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• reconhecer sentenças encaixadas;

• refletir sobre o uso das sentenças encaixadas a partir de perspectivas linguísticas


tradicionais e contemporâneas;

• compreender como acontece a marcação de caso no português brasileiro;

• compreender a relação entre a inserção de vírgulas e a sintaxe.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – ENCAIXAMENTO

TÓPICO 2 – TEORIA DO CASO

TÓPICO 3 – A SINTAXE DA VÍRGULA

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

149
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

Acesse o
QR Code abaixo:

150
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
ENCAIXAMENTO

1 INTRODUÇÃO
Para introduzir este tópico, vamos fazer um movimento parecido com o que
realizamos nos tópicos anteriores: a volta ao período escolar. Nas aulas de Língua
Portuguesa da escola, é comum nos depararmos com nomenclaturas e termos
técnicos. Isso é bastante usual em qualquer matéria, na verdade. Cada disciplina adota
uma metalinguagem para que as referências sejam mais objetivas (vimos essa prática
na Unidade 1). No que diz respeito à língua portuguesa, você já deve ter reparado que
algumas nomenclaturas da escola são mantidas aqui neste material didático, outras são
substituídas, algumas são acrescentadas e há aquelas que nem sequer são mencionadas.
Isso acontece, porque a maneira como a GT trata a língua se difere em vários aspectos,
como já vimos, da maneira como nós resolvemos tratar. A nomenclatura que vamos ver
daqui para frente se refere às orações coordenadas e subordinadas. Na GT, essas noções
são subdivididas em uma lista enorme: as coordenadas podem ser assindéticas ou
sindéticas, já as subordinadas podem ser substantivas, adjetivas ou adverbiais, e dentro
de cada categoria podem apresentar mais subdivisões que determinam a rotularização:
oração subordinada substantiva objetiva direta, oração subordinada adjetiva reduzida,
oração subordinada adverbial temporal, entre muitas outras denominações.

Como a BNCC solicita que os professores de Língua Portuguesa trabalhem


com essa nomenclatura, não vamos excluí-la do nosso material. Pelo contrário: na
primeira parte deste tópico, vamos dar exemplos de sentenças e mencionar como
seriam rotuladas tradicionalmente. A intenção com esta prática, contudo, não é de
aprofundamento, mas de revisão e até direção para os acadêmicos que optarem pela
carreira docente. Como complemento desta parte, teremos, assim como tivemos nos
outros tópicos, um subtópico direcionando para a educação básica.

Entre essas duas partes, todavia, vamos explorar a noção de encaixamento


por meio da perspectiva teórica que nos guia neste material, o gerativismo. Veremos
que a nomenclatura é bastante reduzida se comparada à GT (mas alguns termos se
combinam, porque a adoção de uma nomenclatura diferente não prevê unicamente
substituição, mas, às vezes, adição, redução ou reflexão sobre as nomenclaturas que
estamos acostumados – ou, às vezes, é só uma escolha da perspectiva, que nem
leva em consideração a GT em si). Para nos dar apoio, trabalharemos com sentenças
comuns no PB.

151
2 ORAÇÕES COORDENADAS E SUBORDINADAS
Como mencionado na introdução deste tópico, não temos a intenção de
aprofundar a discussão por meio da nomenclatura da GT. O que faremos aqui, portanto,
é dar um direcionamento à reflexão linguística que parte desses rótulos. É importante
mencionar que nos baseamos nas discussões trazidas por dois materiais tradicionais:
o de Cunha e Cintra (2007) e o de Bechara (2009) para que pudéssemos acrescentar a
perspectiva que estamos construindo ao decorrer do nosso material.

Para início de conversa, pedimos que você volte às unidades anteriores para
se certificar da compreensão de alguns conceitos necessários para prosseguirmos
neste tópico. É muito importante que tenham ficado claros os conceitos de período
simples e período composto, vistos na Unidade 1; a diferenciação entre complemento
e adjunto, que abrem a Unidade 2; e as funções sintáticas, vistas também na Unidade
2. Visando à fluidez deste tópico, vamos retomar aqui alguns pontos, porém eles estão
mais aprofundados nas unidades que antecedem esta discussão, uma vez que, aqui,
usaremos apenas como uma base.

Um período pode ser simples, em caso de conter apenas uma oração, ou


composto, quando contém mais de uma oração. A seguir, por exemplo, temos um
período composto por três orações, cujos núcleos verbais foram destacados para dar
apoio a sua observação.

(1) O tempo passa, as folhas caem, o verão acaba.

Veja que as orações desse período são independentes, autônomas, e poderiam


tranquilamente ser expostas separadamente, porque cada uma apresenta sentido próprio:

(2) O tempo passa.


(3) As folhas caem.
(4) O verão acaba.

O fato de elas serem colocadas juntas não as fazem termos uma das outras,
porém, uma enriquece a outra em sua totalidade. Este é um caso de período composto
por coordenação e a essas orações autônomas damos o nome de coordenadas. Veja
como são diferentes de um outro período composto por três orações (que não sejam
coordenadas):

(5) Gustavo disse que tem uma aluna que nunca faz tarefa.

Neste caso, os três períodos não podem ser expostos de forma independente:

(6) *Gustavo disse.


(7) *Que tem uma aluna.
(8) *Que nunca faz tarefa.

152
Os gramáticos tradicionais Cunha e Cintra (2007) apresentam a composição
de uma sentença da mesma estrutura que (5) da seguinte forma:

a) Uma primeira oração que é a declaração principal e que não desempenha nenhuma
função sintática em outra oração do período, chamada, portanto, de oração principal.
b) A segunda oração que tem sua existência dependente da primeira, funcionando
como objeto direto do verbo da oração principal, sendo um termo integrante dela.
c) A terceira oração que tem sua existência dependente da segunda, funcionando como
adjunto adnominal (um termo acessório).

Essas orações que funcionam como termos essenciais (b) ou acessórios (c) são
chamadas de subordinadas. Dessa forma, o período que é composto por uma oração
principal e outra(s) subordinada(s) é chamado de período composto por subordinação.

Ainda, podemos ter períodos compostos por coordenação e subordinação.


A sentença em (9), por exemplo, é formada por duas orações coordenadas e uma
subordinada, ou seja, é como se fosse uma mistura das noções que acabamos de ver:

(9) O Neymar chutou a bola, e eu pensei que ia ouvir a torcida eufórica.

Contudo, talvez você tenha reparado (ou sentido) que há certa diferença entre
as orações coordenadas em (9). Veremos, um pouco à frente, que essa “classe” das
coordenadas é subdividida e é justamente a diferença entre “O Neymar chutou a bola” e
“e eu pensei” que dá respaldo a essa subdivisão. Mas veremos isso logo mais!

Por enquanto, vamos nos certificar da compreensão até aqui. Para seguir, é
importante que você tenha compreendido que a análise de um período composto deve
levar em conta as seguintes considerações:

• A oração principal não exerce nenhuma função sintática em outra oração do período;
• A oração subordinada desempenha sempre uma função sintática em outra oração;
• A oração coordenada pode relacionar-se com outra coordenada, mas em sua
integridade (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 610).

Entendido isso, podemos caminhar rumo à subdivisão dessas classes. A


começar pelas coordenadas, a GT divide, inicialmente, em assindéticas e sindéticas. O
que caracteriza essa divisão é a ausência ou presença de uma conjunção coordenativa
ligando as orações. Para ficar mais fácil, veja as frases a seguir:

(10) É só isso, / não tem mais jeito, / acabou. (“Boa sorte”, canção de Ben Harper e
Vanessa da Mata)

(11) Nós, gatos, já nascemos pobres, / porém já nascemos livres. (“A história de uma
gata”, canção de Chico Buarque)

153
Na frase em (10), dizemos que a oração coordenada é assindética, isto é,
não possui nenhum conectivo. Não é o caso de (11), em que um conectivo [porém],
uma conjunção coordenativa, está presente. Dizemos, então, que é uma oração
coordenada sindética. Mais do que isso, acrescentamos: uma oração coordenada
sindética adversativa, porque veremos que as sindéticas vão, também, ramificar-se de
acordo com o tipo de conjunção coordenativa que compõe a sentença.

NOTA
A nomenclatura longa e bastante específica pode assustar neste momento. São,
muitas vezes, esses rótulos que fazem os alunos pensarem que a língua portuguesa é
difícil. Contudo, convidamos você para uma reflexão acerca desses itens e não apenas
memorização. Você sabe o que é uma oração, certo? Acima, oferecemos
base para você classificar orações entre coordenadas e subordinadas.
Essa é a primeira divisão. Agora, dividimos as coordenadas em assindéticas
e sindéticas, que você também já é capaz de identificar. As sindéticas
serão subdivididas a seguir. As subordinadas serão trabalhadas mais para
frente. O que queremos enaltecer é: neste contexto, a sua capacidade de
análise linguística pode ser muito mais efetiva do que a sua capacidade
de memorização. Portanto, pense nos rótulos com toda a sua essência:
função, construção etc.

De acordo com o material de Cunha e Cintra (2007), há cinco tipos de orações


coordenadas sindéticas: as aditivas, as adversativas, as alternativas, as conclusivas e as
explicativas. Os nomes são bem intuitivos, o que pode facilitar bastante a compreensão,
mas, de igual modo, oferecer exemplos pode auxiliar nessa construção de saber:

• Oração coordenada sindética aditiva.


A oração receberá este nome se a conjunção coordenativa passar a ideia de adição.

(12) O prédio pegou fogo e desmoronou.


(13) Não é um avião, nem uma nave espacial, nem um pássaro: é o super-homem!

• Oração coordenada sindética adversativa.


A oração receberá este nome se a conjunção coordenativa passar a ideia de adversão.

(14) O Sol pediu a lua em casamento [...] mas a lua achou aquilo tão estranho. (“O Sol e
a Lua”, canção de Pequeno Cidadão).
(15) O aluno fez toda a lição, porém o professor esqueceu de corrigir.

• Oração coordenada sindética alternativa.


A oração receberá este nome se a conjunção coordenativa passar a ideia de alternância.

154
(16) Em Floripa, pode dar sol ou chover ou fazer calor ou fazer frio. Não dá pra saber!
(17) Ou você se comporta, ou não vai sair no fim de semana.

• Oração coordenada sindética conclusiva.


A oração receberá este nome se a conjunção coordenativa passar a ideia de conclusão.

(18) Estudo Letras, logo faço análise sintática.


(19) Minha filha ama esportes, portanto estuda Educação Física.

• Oração coordenada sindética explicativa.


A oração receberá este nome se a conjunção coordenativa passar a ideia de
explicação.

(20) Eu me atrasei para a reunião, pois o trânsito estava caótico.


(21) Podes resolver isso pra mim, que eu já volto? Obrigado!

Há, ainda, possibilidade de as coordenadas sindéticas se misturarem no mesmo


período. Veja, por exemplo, (22), em que temos uma sindética adversativa e uma aditiva:

(22) Ele me observava, mas não falava nada, nem se mexia.

A divisão das subordinadas, que veremos a seguir, seguem a mesma noção


da divisão das coordenadas: os nomes são acrescentados de acordo com a função e
estrutura das orações. É por conta disso que iniciamos a nossa discussão neste tópico
solicitando que você visitasse algumas partes do material que podem ser úteis para a
compreensão da nossa conversa. Veremos, agora, as orações subordinadas.

Diferentemente das orações coordenadas, as subordinadas funcionam, em


nomenclaturas tradicionais, como um termo essencial, integrante ou acessório de outra
oração. Essas equivalências são bastante esclarecidas por Cunha e Cintra (2007), que
apresentam os seguintes exemplos:

(23) “É necessária tua vinda urgente”. (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 612).


(24) “É necessário que venhas urgente”. (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 612).

Em (23), [a tua vinda urgente] é o elemento que exerce a função sintática de


sujeito da oração, um termo essencial para a GT, que tem vinda como núcleo. Contudo,
poderíamos trocar, sem que houvesse interferência no sentido, (23) por (24). Nesse
caso, a função sintática do sujeito é preenchida por uma oração, [que venhas urgente].

Uma oração também pode ocupar a função de objeto direto. Nesse caso,
retomamos novamente exemplos de Cunha e Cintra (2007):

155
(25) “Ninguém esperava a tua vinda”. (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 613).
(26) “Ninguém esperava que viesses”. (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 613).

Nesse caso, ao transformar (25) em (26), uma oração passa a ser o objeto direto
(em termos normativos, o termo integrante) da oração principal.

Para completar, há casos em que a oração subordinada pode ser um termo


acessório, um adjunto adnominal, como é o caso de (28), sentença baseada em (27):

(27) “Não desaprendi as lições recebidas”. (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 613).


(28) “Não desaprendi as lições que recebi”. (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 613).

Ainda, podemos ter adjuntos adverbiais, também termos acessórios, sendo


empregados por uma oração. Vamos começar analisando (29):

(29) “Ainda não o tinha visto depois da volta”. (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 613).

Temos três adjuntos adverbiais: [ainda], [não] e [depois da volta]. Respectivamente,


um adjunto adverbial de tempo, um adjunto adverbial de negação e mais um adjunto
adverbial de tempo. No lugar deste, podemos colocar uma oração subordinada, que
funcionaria como termo acessório da oração principal:

(30) “Ainda não o tinha visto depois que voltara”. (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 613).

Assim como as orações coordenadas, as subordinadas também apresentam


uma subdivisão. Ramificam-se, primeiramente, em três: as substantivas, as adjetivas
e as adverbiais. Neste momento, é importante que você se lembre da classificação
tradicional de palavras vistas em Morfologia e nas funções sintáticas vistas na Unidade
2 deste material. Isso porque a razão pela qual elas se subdividem dessa forma é
justamente o fato de exercerem funções sintáticas que, geralmente, são exercidas por
substantivos, adjetivos e advérbios. Essas ramificações são novamente divididas. A
partir de agora, apresentaremos cada uma das subdivisões de acordo com a perspectiva
da gramática tradicional. Contudo, como falamos, a intenção não é que você decore os
nomes adotados pela GT, mas, sim, que entenda quais subsídios de análise linguística
deve possuir para identificar sentenças desse tipo.

O quadro a seguir é um recurso didático para anotações. Ele está incompleto


e deve ser completado por você na medida em que vai aprendendo os novos termos.
Sinta-se livre para fazer anotações e comentários.

156
QUADRO 1 – ORAÇÕES SUBORDINADAS

Orações
subordinadas
substantivas

Orações
subordinadas
adjetivas
Orações
subordinadas

Orações
subordinadas
adverbiais

FONTE: Os autores (2022)

Para começarmos a falar de orações subordinadas, vamos partir do primeiro


grupo: as orações subordinadas substantivas. Você já sabe o que caracteriza uma
oração subordinada e também o que caracteriza um elemento substantivo (lembre-se
das aulas de Morfologia). Então, suas noções linguísticas prévias podem ajudar bastante
a compreender essa categoria. É comum que essas orações subordinadas substantivas
sejam introduzidas por uma conjunção que ou se. A subdivisão é feita a partir da função
sintática que essas sentenças exercem sobre a oração principal.

157
NOTA
Se você acha que as funções sintáticas ainda estão um pouco
abstratas na sua mente, retorne à Unidade 2 para fazer uma
revisão. Elas serão muito importantes para o nosso conteúdo!

Uma oração subordinada substantiva pode ser:

• Oração subordinada substantiva subjetiva.


A oração receberá este nome se assumir função sintática de sujeito.

(31) É nítido que Sabrina está estressada.


(32) É certo que a música da festa não estava agradando o público.

• Oração subordinada substantiva objetiva direta.


A oração receberá este nome se assumir função sintática de objeto direto.

(33) Eu não sei se a minha coordenadora vai apoiar a minha decisão.


(34) Eu falei para ele que já tinha feito todos os relatórios.

• Oração subordinada substantiva objetiva indireta.


A oração receberá este nome se assumir função sintática de objeto indireto.

(35) Nunca me esqueço de que estavas entregando os bilhetes daquela festa.

• Oração subordinada substantiva completiva nominal.


A oração receberá este nome se assumir função sintática de complemento nominal.

(36) É assim mesmo! Ela tem a crença de que esse chá vai curar todas as doenças.

• Oração subordinada substantiva predicativa.


A oração receberá este nome se assumir função sintática de predicativo.

(37) A verdade é que o João merece essa nota baixa!

• Oração subordinada substantiva apositiva.


A oração receberá este nome se assumir função sintática de aposto.

(38) Eu espero que o meu irmão faça pelo menos isto: que ajude no serviço de casa.

158
ESTUDOS FUTUROS
A função sintática de aposto não foi abordada no tópico de funções
sintáticas da Unidade 2, porque acreditamos que, devido à forte
relação com a pontuação, ela se enquadraria melhor no Tópico 3
desta Unidade. Assim, você pode fazer relação entre essas partes

Oração subordinada substantiva agente da passiva.


A oração receberá este nome se assumir função sintática de agente da passiva.

(38) As perguntas mais interessantes são feitas por quem leu os textos recomendados.

NOTA
Agora que vimos as orações subordinadas substantivas, não se
esqueça de voltar ao quadro anterior para preencher a terceira
coluna. Faça anotações e comentários que achar pertinentes,
pois eles podem ajudar na análise linguística.

Agora, vamos ver as orações subordinadas adjetivas. Como já mencionamos,


as suas noções linguísticas prévias são extremamente importantes aqui: você já tem a
ideia de o que é uma oração subordinada, e as aulas de Morfologia já lhe deram recursos
para identificar adjetivos. Assim é fácil pensar que as orações subordinadas adjetivas
são aquelas que exercem uma função de adjunto adnominal de um substantivo ou
pronome que a antecede. Veja, por exemplo, a seguinte sentença:

(39) Letícia, que estava com dor de cabeça, não conseguiu ler.

Em (39), “que estava com dor de cabeça” é uma oração que caracteriza o SN
[Letícia]. É bastante comum que essas orações sejam introduzidas pelo pronome relativo
que. Como um adjunto adnominal, a oração subordinada adjetiva pode depender de
qualquer termo da oração, desde que seu núcleo seja um substantivo ou um pronome.

As funções sintáticas dos sintagmas desses núcleos podem ser várias: sujeito
(40), predicativo (41), complemento nominal (42), objeto direto (43), objeto indireto (44),
agente da passiva (45), adjunto adverbial (46), aposto (47) e, até mesmo, vocativo (48).
Os exemplos resgatados de Cunha e Cintra (2007, p. 616-618), mostram como essas
relações entre orações subordinadas adjetivas (em negrito) e núcleo do sintagma
(sublinhados) podem aparecer.

159
(40) Deu-lho a criada
Velha / que trouxe ao colo. (Fernando Pessoa)

(41) Era uma cachopa um tanto atarracada, / que usava meias palmilhadas e anéis
de latão. (Agustina Bessa Luiz)

(42) Na petição de privilégio / que então redigi / chamei a atenção do governo para
este resultado, verdadeiramente cristão. (Machado de Assis)

(43) Iria remediar o / que pudesse. (Carlos de Oliveira)

(44) É mesmo porque vem um apito triste do navio, um pedido de socorro, e a lei do cais
manda que se atenda aos / que no mar pedem socorro. (Jorge Amado)

(45) O clou da festa no Conservatório de Canto Orfeônico foi a saudação lida por um
menino / que é um prodígio. (Manuel Bandeira)

(46) Na vida / que a Deus povoa, /


Há só uma cousa boa,
Que é dormir, dormir, dormir… (Antônio Nobre)

(47) Encontrou-se na família daquele meu famoso homônimo, o capitão-mor Brás


Cubas, / que fundou a Vila de São Vicente. (Machado de Assis)

(48) Renego de ti, demônio, / que me estavas a tentar. (Romance de nau Catarineta)

(CUNHA; CINTRA, 2007, p. 616-618).

INTERESSANTE
É bastante comum que gramáticas tradicionais, como é o material
de Cunha e Cintra (2007), tragam exemplos da literatura para ilustrar
conceitos. Foi o caso que acabamos de ver. Embora sejam exemplos
que apresentem o que se espera, ainda são exemplos de uma
língua escrita, que é bem comum de ser ovacionada pelos materiais
mais tradicionais. Já apresentamos aqui que a nossa visão de língua
não se limita à perspectiva normativa-tradicional. Então, temos um
desafio para que você exerça sua capacidade analítica: tente buscar
dados de fala para orações subordinadas adjetivas. Uma vez feito
isso, classifique-os de acordo com a função sintática dos sintagmas
aos quais elas se referem. Essa prática pode – e muito – lhe ajudar
na compreensão do conteúdo.

160
Ainda, é preciso entender que essas orações subordinadas adjetivas se sub-
dividem em duas categorias: as restritivas e as explicativas. Essas categorizações são
mais relacionadas à semântica, uma vez que interferem no sentido da frase. Veja as
sentenças a seguir:

(49) Cristiane é uma das professoras que sabe ensinar com maestria.
(50) Cristiane, que é professora, sabe ensinar com maestria.

As duas frases podem levar a interpretações levemente parecidas, mas não


equivalentes. Em (49), temos uma oração subordinada adjetiva restritiva, já em (50), uma
oração subordinada adjetiva explicativa. Os nomes são bem intuitivos, mas podemos
pensar nas restritivas como aquelas que restringem, limitam. São, dessa forma,
indispensáveis na sentença. Se tirarmos a oração subordinada da sentença em (49), ela
será agramatical. As explicativas, por sua vez, são semelhantes ao aposto (que você verá
no Tópico 3), porque elas acrescentam uma informação que explica o sintagma a que se
referem. Ao contrário das restritivas, as orações subordinadas adjetivas explicativas são
acessórias, ou seja, a eliminação delas não compromete a gramaticalidade da sentença.

NOTA
Agora que vimos as orações subordinadas adjetivas, não se
esqueça de voltar ao quadro anterior para preencher a terceira
coluna. Faça anotações e comentários que achar pertinente,
pois eles podem ajudar na análise linguística.

A próxima categoria de orações subordinadas é composta pelas orações


subordinadas adverbiais. Do mesmo modo que as duas anteriores, as suas noções
prévias acerca de orações subordinadas, classes de palavras e funções sintáticas serão
de extrema importância para a compreensão deste conteúdo. Portanto, tenha certeza
de que essas noções estão claras para você.

Como o próprio nome indica, essas orações funcionam como adjuntos adverbiais
das orações principais nas quais estão encaixadas. Daqui para a frente, a divisão se
dá pelo sentido que a oração subordinada dá para a oração principal. Esses sentidos
podem ser de causa, condição, comparação, tempo etc. Tente entender a relação que
os nomes apresentam com os sentidos e não faça apenas uma memorização. O seu
aprendizado será mais efetivo!

• Oração subordinada adverbial causal.


A oração receberá este nome se apresentar sentido de causa (composta por
conjunção subordinativa causal).

161
(51) Não veio para a aula, porque estava preso no trânsito.
(52) Como estava chovendo muito, a festa foi cancelada.

• Oração subordinada adverbial concessiva.


A oração receberá este nome se for composta por conjunção subordinativa concessiva.

(53) Ainda que não participasse da reunião, poderia ao menos ter lido a pauta.
(54) O objetivo é fazer o gol, mesmo que seja de pênalti.

• Oração subordinada adverbial condicional.


A oração receberá este nome se apresentar sentido de condição (composta por
conjunção subordinativa condicional).

(55) Se der sol, eu vou para a praia no fim de semana.


(56) Eles não fazem a tarefa sem que o pai ajude.
(57) Caso o cachorrinho chore, dê amor e carinho. É isso que ele quer!

• Oração subordinada adverbial final.


A oração receberá este nome se for composta por conjunção subordinativa final.

(58) A noiva deu uma cor para que as madrinhas se vestissem com ela.
(59) Preparamos um bolo enorme a fim de que todos comecem bem.

• Oração subordinada adverbial temporal.


A oração receberá este nome se apresentar sentido de tempo (composta por
conjunção subordinativa temporal).

(60) Quando escureceu, as duas já estavam dormindo.


(61) Meu sobrinho mal chegou em casa e já foi direto jogar bola.

• Oração subordinada adverbial consecutiva.


A oração receberá este nome se for composta por conjunção subordinativa
consecutiva (ou não, como mostra o UNI-NOTA)

(62) Falava tanta mentira que a boca chegava a tremer.


(63) Ele jogava tão bem que amedrontava os adversários.

NOTA
Veja que as conjunções poderiam ser omitidas: “Falava tanta mentira,
a boca chegava a tremer” e “Ele jogava tão bem, amedrontava os
adversários”. É preciso saber analisar através do sentido!

162
• Oração subordinada adverbial comparativa.
A oração receberá este nome se apresentar sentido de comparação (composta por
conjunção subordinativa comparativa).

(64) O coração da minha esposa é maior que o planeta Terra.


(65) Esse jogo foi mais deprimente que o último.
(66) Ele correu que nem um canguru.

NOTA
Na oração subordinada adverbial comparativa, é comum omitir o verbo
para evitar repetições. Você pode ver isso nos exemplos (64-66).

• Oração subordinada adverbial conformativa.


A oração receberá este nome se apresentar sentido de conformação (composta por
conjunção subordinativa conformativa).

(67) Conforme o gerativismo, a capacidade de adquirir linguagem é inata.


(68) A Educação, hoje em dia, como se sabe, é mais acessível, mas ainda há problemas.
(69) A diversidade linguística brasileira é gigante, segundo pesquisadores.

• Oração subordinada adverbial proposicional.


A oração receberá este nome se for composta por conjunção subordinativa
proposicional.

(70) À medida que o tempo ia passando, o conteúdo ficava mais claro.


(71) Ao passo que ele escrevia, a dissertação ganhava forma.
(72) Os torcedores não compareceram enquanto o time estava mal.

Embora não esteja no nosso quadro inicial, há ainda outra categoria de orações
subordinadas: as reduzidas. Elas têm uma classificação bastante particular, por isso
preferimos abordá-las separadamente. O que as torna diferentes das outras é que a
oração dependente (subordinada) não se inicia nem por relativos e nem por conjunções
subordinativas. Elas têm verbos em formas nominais (infinitivo, gerúndio ou particípio)
– o que caracteriza a primeira subdivisão. Em (73-75), temos, respectivamente, uma
oração reduzida de infinitivo, uma oração reduzida de gerúndio e uma oração reduzida
de particípio:

(73) É bom ficar alerta!


(74) Era um balão voando pela cidade.
(75) Amedrontado, ficou imóvel por dois minutos.

163
Perceba que os termos em destaque poderiam ser substituídos por “que fique
alerta”, “que voava pela cidade” e “porque estava amedrontado”. É por isso que elas são
classificadas como subordinadas. Essas subdivisões ainda se ramificam mais vezes.
Comecemos com as orações reduzidas de infinitivo, que, no PB, podem ser substantivas
ou adverbiais. No português europeu, há também uma categoria para adjetivas, mas
não abordaremos aqui. As substantivas podem ser subjetivas (76), objetivas diretas (77),
objetivas indiretas (77), completivas nominais (78), predicativas (79) ou apositivas (80).

(76) É preciso conversar sobre Educação.


(77) Espero muito poder comprar um carro.
(78) O professor se encarregou de avaliar os resultados dos alunos.
(79) Maria está animada por ter tirado 10 na prova.
(80) Flamengo é isto: jogar com raça até o final.

As adverbiais, no PB, por sua vez, podem ser causais (81), concessivas (82),
condicionais (83), finais (84) ou temporais (85).

(81) Por serem bonitas, todo mundo se encanta quando elas passam.
(82) Eu gosto de cantar no karaokê, mesmo sem saber.
(83) Eu não vou fazer mais nada, a não ser estudar pra prova de Sintaxe.
(84) Tem que conhecer a Maria para poder falar dela dessa forma.
(85) Ao entrar em casa, apagou a luz e foi dormir.

As orações reduzidas de gerúndio também se classificam em duas: as adjetivas


e as adverbiais. Um exemplo das adjetivas pode ser vistas em (86).

(86) Claudio viu um grupo de pessoas correndo.

As orações reduzidas de gerúndio adverbiais se ramificam em três: causais (87),


concessivas (88) e condicionais (89).

(87) Entendendo a matéria, Carla tentou se cobrar menos.


(88) O acadêmico, ainda não sendo professor, pode pensar no futuro em sala de aula.
(89) Pensando bem, eu vou para a aula.

Por último, as orações reduzidas de particípio se subdividem da mesma forma


que as de gerúndio (adjetivas e adverbiais). Temos orações reduzidas de particípio
adjetivas, como mostra (90), e as adverbiais, cujas mais comuns são as temporais (91),
mas também há causais (92), concessivas (93) e condicionais (94).

(90) As fotos lindas tiradas das praias do Nordeste fizeram sucesso.


(91) Acabada a aula, a professora marcou a prova de Sintaxe.
(92) Enfurecido, o pai perguntou ao filho se ele havia batido o carro.
(93) O técnico acha que, ainda perdidos dois jogos, o time tem solução.
(94) Feita essa análise, podemos concluir várias coisas.

164
Feita essa recapitulação da maneira como as normas veem o encaixamento das
orações, partimos agora para uma abordagem mais ligada à teoria gerativa. Veremos as
chamadas sentenças complexas e relativas.

3 SENTENÇAS COMPLEXAS E RELATIVAS


A essa altura, você já deve ter reparado que a teoria linguística que abraçamos
às vezes adota uma nomenclatura um pouco diferente da que estamos acostumados
(a ver na escola, por exemplo). Com o encaixamento, não é diferente. Isso quer dizer
que linguistas nunca vão falar de subordinação ou coordenação? É claro que vão!
Primeiramente, porque há diferentes vertentes, perspectivas e teorias dentro da
Linguística. Algumas delas podem adotar, sim, a nomenclatura mais tradicional. O
gerativismo, contudo, prefere tratar como sentenças complexas ou relativas ao falar de
encaixamento.

É importante, nesse primeiro momento, não se submeter a estratégias didáticas


que relacionem os termos, como se sentenças complexas fossem equivalentes às
coordenadas e as relativas fossem equivalentes às subordinadas. Não! O que vamos
fazer agora é olhar para o fenômeno do encaixamento sob outra ótica. Essa outra visão
não toma a GT como primeira base, então não trabalhamos com equivalência.

NOTA
Como vimos na Unidade 1, os gerativistas trabalham com uma
ideia mais formal de língua, no sentido lógico do termo. É comum
fazer formalizações para explicar certos fenômenos, como é o
caso do que chamamos de “árvores sintáticas”, uma espécie
de representação hierárquica, por meio de bipartições, da
formação de enunciados. O nosso objetivo aqui não é trabalhar
profundamente essas árvores – se fosse, teríamos de fazê-lo
desde o início –, mas, sim, oferecer de forma mais descritiva e
explicativa o olhar da teoria sobre o PB.

Vamos começar com exemplos. Veja as sentenças a seguir:

(95) O professor achou que o aluno anotou a matéria.


(96) O professor perguntou se o aluno anotou a matéria.

165
A Sintaxe considera essas duas sentenças como complexas. Veja que elas são
formadas por duas sentenças finitas (não há verbo no infinitivo) que se relacionam. O
trabalho do sintaticista é descobrir como essa relação ocorre. Essa análise é feita a
partir de várias noções que já discutimos aqui: noção de sintagma, noção de funções
sintáticas, noção de argumentação e adjunção etc. Vamos entender, na prática, como
essa análise é feita.

Como já mencionamos, temos duas sentenças finitas em cada um dos dados


acima. Temos que descobrir, inicialmente, qual é o verbo principal de cada uma delas,
porque já entendemos que trabalhar a partir do núcleo do sintagma verbal é o início ideal
para a análise sintática. Se você considera que os verbos principais são, respectivamente,
[achar] e [perguntar], parabéns! Você está indo muito bem! As sentenças dizem que
alguém achou/perguntou alguma coisa. Ou seja: esses dois verbos precisam de dois
argumentos para fazerem sentido.

Em ambos os casos, um dos argumentos é o sintagma nominal [o professor].


É o sintagma que faz o papel de sujeito. Os objetos são, respectivamente, [que o aluno
anotou a matéria] e [se o aluno anotou a matéria]. Se olharmos para (97) e (98), veremos
que é preciso que esse “que” e esse “se” estejam presentes. Agora, indagamo-nos: que
sintagmas são esses?

(97) *O professor achou o aluno anotou a matéria.


(98) *O professor perguntou o aluno anotou a matéria.

O “que” e o “se”, nestes casos, são chamados de complementizadores e são


núcleos do sintagma complementizador. Analisando ainda dados que não são aceitos
pelos falantes, veremos que “que” e “se” não são equivalentes. Ambos não combinam se
forem trocados de sentenças:

(99) *O professor achou se o aluno anotou a matéria.


(100) *O professor perguntou que o aluno anotou a matéria.

Isso acontece porque o ‘se’ é um complementizador interrogativo, ou seja,


encabeça uma sentença interrogativa. Ora, parece óbvio pensar: o complemento do
verbo perguntar há de ser uma pergunta, então, o “se” é o complementizador adequado.
Ele não pode encabeçar uma sentença declarativa, então não é aceito com o verbo
achar. Já com o complementizador “que”, o que acontece é justamente o oposto: ele é
adequado para sentenças declarativas, mas não para sentenças interrogativas. Por isso,
é o mais adequado para o verbo “achar” e inadequado para o verbo “perguntar”, devido
ao tipo de argumentos que esses verbos selecionam.

Vamos pensar em mais um tipo de sentença complexa. Veja os exemplos a


seguir:

166
(101) [Que o aluno anote a matéria] agrada/alegra o professor.
(102) [Que o aluno não anote a matéria] aborrece/perturba o professor.

Quais são os verbos principais dessas sentenças: anotar ou agradar/alegrar/


aborrece/perturbar? Você está no caminho certo se respondeu que os verbos do
segundo grupo são os principais. Veja que o que importa não é quem aparece primeiro,
mas, sim, quem é o responsável pela declaração. Em (101), é declarado que algo agrada/
alegra alguém. Em (102), é declarado que algo aborrece/perturba alguém. Assim, estes
são verbos principais. Essa pequena explicação já nos leva a outra ideia necessária: os
verbos que declaram têm necessidade de dois argumentos.

As sentenças entre colchetes atuam como argumentos. Elas são semelhantes


às que vimos anteriormente (com o ‘que’ complementizador), mas agora elas estão
atuando como sujeito dos verbos. Isso deve ser levado em conta na análise sintática de
sentenças complexas.

INTERESSANTE
Esses verbos, por denotarem uma experiência psicológica, são chamados
de verbos psicológicos. É interessante perceber que, por apresentarem um
sintagma complementizador como sujeito, na oralidade, frequentemente
sejam sentenças em que o sujeito apareça na posição final, o que é comum
aos complementizadores:

a. Agrada/alegra o professor que o aluno anote a matéria.


b. Aborrece/perturba o professor que o aluno não anote a matéria.

Outro tipo de sentença complexa são aquelas que apresentam uma sentença
infinitiva como argumento de um verbo. Perceba a equivalência sintática dos elementos
em destaque das sentenças abaixo:

(103) Gabriel deseja que Vitória cante.


(104) Gabriel deseja cantar.

Falamos em equivalência sintática, porque semanticamente essas sentenças


são claramente diferentes, mas perceba que os elementos em destaque atuam como
argumento do verbo [desejar]. Essa relação pode ocorrer também com os verbos
psicológicos:

(105) Estudar sintaxe emociona o Vitor.


(106) Que a Letícia estude sintaxe emociona o Vitor
(106’) Emociona o Vitor que a Letícia estude sintaxe.

167
As sentenças complexas também podem ter sintagmas complementizadores
(ou outros) como adjuntos. Para entender isso, é preciso novamente entender as noções
de argumentação e adjunção. Se o verbo já cumpre seus argumentos, mas ainda sobra
elementos na sentença, então, temos adjuntos. Veja a seguir:

(107) Daniela telefonou quando Gabriel chegou.


(108) Daniela telefonou chorando.

O verbo telefonar exige um argumento só: alguém que telefone. Os outros


elementos das sentenças em (107) e (108) são adjuntos. Em (107), o adjunto é um
complementizador e, em (108), o adjunto é um gerúndio. Perceba que há mais de um
verbo nessas sentenças, o que as tornam, também, sentenças complexas.

Feita essa contextualização sobre sentenças complexas, vamos buscar


entender as sentenças relativas, que são o outro bloco deste tópico. As sentenças a
seguir são sentenças relativas:

(109) “Ela comeu a comida [que ele cozinhou]”. (MIOTO, 2009, p. 82).
(110) “Ela comeu [o que ele cozinhou]”. (MIOTO, 2009, p. 82).

As relativas são divididas entre duas categorias: uma relativa pode ser: (i)
Relativa Núcleo Nominal (RNN) ou (ii) Relativa Livre (RL). A parte destacada na sentença
em (109) é uma RNN, porque ela é um adjunto de um sintagma nominal, comida. Em
(110), temos destacado um exemplo de uma RL, porque ela não tem um nome para se
adjungir.

Em sentenças RNN, temos um pronome que está conectado com o objeto do


verbo da sentença encaixada. Marcamos uma posição vazia com t e um índice i para
apresentar essa relação em (109) – repensada em (111) – e também em outras relativas:

(111) Ela comeu a comidai quei ele cozinhou ti


(112) Ana encontrou o meninoi com o quali João sempre estuda ti
(113) A professorai de quemi Pedro gosta ti chegou.

A “fórmula” das RNN segue as mesmas características: um sintagma


determinante antecedente, um pronome relativo e uma posição vazia.

As RL, por outro lado, não partem de um sintagma nominal. Veja exemplos
dessa outra categoria:

(114) “Quem chegou atrasado perdeu o bonde”. (MIOTO, 2009, p. 84).


(115) “Ele castigou quem matou aula”. (MIOTO, 2009, p. 84).
(116) “Ele comprou o que ela encomendou”. (MIOTO, 2009, p. 84).

168
(117) “Ele encontrou Maria onde ela mora”. (MIOTO, 2009, p. 84).
(118) “Ele saiu quando ela chegou”. (MIOTO, 2009, p. 84).
(119) “Ele fez o trabalho como nós combinamos”. (MIOTO, 2009, p. 84).

Veja que as RLs podem funcionar como argumento ou como adjunto. Em (114),
a RL é sujeito. Em (115-116), objeto. Em (117-119), elas funcionam como adjuntos do
sintagma verbal.

Dadas essas duas propostas de perspectiva (tradicional e gerativa), podemos


pensar: como trabalhar encaixamento na sala de aula na Educação Básica? Uma vez
que os documentos oficiais e livros didáticos solicitam uma abordagem x, devemos
ignorar completamente a abordagem y? Isso não nos parece adequado. É por isso que o
próximo tópico se dedica a buscar relações de unir a ciência com a sala de aula por meio
do estudo da gramática do encaixamento.

4 ENCAIXAMENTO NA ESCOLA
Se começarmos este tópico nos perguntando a razão de ensinar encaixamento
na Educação Básica, caímos em várias respostas. Rasos, poderíamos dizer que os
documentos oficiais que servem de diretrizes solicitam o trabalho com coordenação e
subordinação. Contudo, esse não deve jamais ser o pensamento do professor (trabalhar
com assunto x somente por ser solicitado nos documentos). As razões pelas quais
podemos (e precisamos) trabalhar encaixamento na escola, linguisticamente falando,
são várias: (i) sentenças encaixadas são bastante comuns no cotidiano dos falantes,
então eles têm acesso a elas tanto em textos escritos quanto em produções orais, o que
torna a percepção deles mais acessível; (ii) este tema trabalha a noção de sintagma dos
estudantes, assim como os conhecimentos sobre funções sintáticas; (iii) são noções
linguísticas que podem auxiliar na produção e interpretação textual dos estudantes.
E muito mais! Veja que nem nos aprofundamos em uma importância específica da
nomenclatura. É claro que ela se faz importante quando vamos analisar e falar de termos
técnicos, mas não acreditamos que esse deva ser o foco em sala de aula.

Agora, se fizermos outra pergunta mais direcionada à metodologia, questionando


como ensinar/trabalhar com encaixamento na escola, não podemos ser tão pontuais.
Como já mencionamos, não há fórmula mágica que auxilie o professorado em todos os
momentos. Ao se deparar com textos sobre o ensino de língua(s), você deve pontuar:
como isso se adequa na realidade em que atuo? E isso levará seus pensamentos para uma
série de questões culturais, sociais, políticas etc. O que faremos neste tópico, portanto,
é oferecer sugestões a partir de reflexões. Não pretendemos entregar sequências
didáticas prontas, mas a reflexão é sempre importante e, sobretudo, possível.

169
Veja bem: as sentenças encaixadas são bastante comuns no cotidiano dos
alunos, então muita gramática pode ser (re-/des-)construída (no sentido de Pires
de Oliveira e Quarezemin (2016)) em sala de aula. Os alunos podem coletar dados de
textos e falas para categorizar sentenças, fazendo alusão a uma prática científica. Indo
além, podem investigar como falantes julgam a aceitabilidade de algumas sentenças
(inclusive, sentenças expostas em gramáticas tradicionais, que apresentam, muitas
vezes, conjunções que não são mais usadas), o que possibilita uma reflexão linguística
bem interessante. Mais do que isso, os alunos podem refletir sobre a ambiguidade que
sentenças encaixadas desencadeiam, como o dado abaixo, em que a encaixada [que é
estudante de cinema] pode ser referente ao sintagma [irmão de Julia] ou ao sintagma [Julia]:

(120) Pedro viu o irmão de Julia, que é estudante de cinema.

Questões interdisciplinares também podem ser trabalhadas. Como já falamos,


muitas gramáticas tradicionais apresentam dados que estão em desuso devido
à construção sintática ou a elementos que não são mais usados. Os alunos podem
fazer uma investigação histórica em peças teatrais para relatar essas mudanças, por
exemplo. Conversando com a matemática, a teoria de conjuntos pode ser muito feliz
para representar sentenças coordenadas e até subordinadas e tornar o conteúdo mais
visual. Questões sociais e geográficas podem ser relacionadas também se fizermos uma
comparação entre o português falado pelos diferentes países da CPLP (comunidade
de países de língua portuguesa) para ver como o encaixamento tem aparecido (e se
diferenciados nos diferentes contextos linguístico-culturais).

DICA
As propostas e sugestões são várias. Por fim,
deixamos uma recomendação! No livro “Ensino
de gramática: descrição e uso”, organizado por
Silvia Rodrigues Vieira e Silvia Figueiredo Bran-
dão, a professora Maria Eugênia Duarte dedica
um capítulo para discutir o ensino de coordena-
ção e subordinação. Vale a pena ler!

O livro possui vários capítulos com várias outras questões gramaticais


em jogo. A leitura pode ajudar muito no trabalho docente!

170
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• As formas como as perspectivas tradicional e gerativista tratam o fenômeno do


encaixamento se diferem um pouco, mas há pontos de conversa.

• A gramática tradicional subdivide em orações coordenadas e orações subordinadas,


que, particularmente, ramificam-se em outras categorias, a depender de funções
sintáticas e sintagmas envolvidos na construção dessas sentenças.

• A teoria gerativa, de forma não equivalente, entende o encaixamento em sentenças


complexas e relativas, que se subdividem em relativas com núcleo nominal e relativas
livres.

• Há várias formas de levar esse conteúdo para o ambiente escolar e o docente deve
saber analisar como adequar isso à realidade em que está inserido.

171
AUTOATIVIDADE
1 De acordo com a gramática tradicional de Cunha e Cintra (2007) , as sentenças
encaixadas são divididas em coordenadas e subordinadas. Sobre esses tipos de
sentença, leia as alternativas a seguir e marque a opção INCORRETA:

CUNHA, C.; CINTRA, L. F. L. Nova gramática do português


contemporâneo. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007.

a) ( ) A oração principal não exerce função sintática alguma em outra oração do


período.
b) ( ) A oração subordinada desempenha sempre uma função sintática em outra
oração.
c) ( ) A oração coordenada pode relacionar-se com outra coordenada, mas em sua
integridade.
d) ( ) As orações reduzidas são uma subdivisão particular das orações coordenadas.

2 Você viu no decorrer da unidade que a perspectiva tradicional classifica as orações


coordenadas e subordinadas em várias ramificações. Leia as sentenças a seguir e
classifique-as de acordo com a gramática tradicional.

a) Em SC, pode chover ou dar sol. Prepare-se!


b) Eu não fui à festa, pois choveu horrores!
c) A verdade é que ele e ela se merecem!
d) Eu falei que já tinha acabado o dever.
e) O objetivo é fazer gol, mesmo que seja impedido.
f) Ela não faz nada sem que a amiga ajude.
g) Neymar é um dos jogadores que sabe fazer gol bonito.
h) Neymar, que é jogador, sabe fazer gol bonito.

3 Como você viu nesta unidade, a perspectiva gerativista trabalha com a noção de
sentenças relativas. Leia as sentenças a seguir e identifique as relativas. Depois,
marque quais são relativas livres (RL) e quais são relativas com núcleo nominal (RNN):

( ) Onde Raquel mora faz muito calor.


( ) Pedro tem o trabalho que sempre quis.
( ) João conhece quem derrubou a menina.
( ) Ela comeu a comida que ele cozinhou.
( ) Ela comeu o que ele cozinhou.
( ) Ele foi ao bairro onde Joana mora.

172
4 O trabalho com sentenças encaixadas é exigido pelas diretrizes nacionais de
Educação. Contudo, enfatizamos a importância de que essa não seja a única razão
pela qual se trabalhe com esse fenômeno – o do encaixamento – em sala de aula. De
acordo com o material e as perspectivas adotadas, por que deveríamos trabalhar com
esse tipo de assunto em sala de aula?

5 Existem muitas estratégias de aplicação de propostas para a Educação Básica. No


material, fica muito claro que todas essas estratégias devem ser repensadas para
que se adequem à realidade do docente. Contudo, os autores deste material não
deixam de dar sugestões para engatilhar a elaboração de uma sequência didática
pelo professor. Que sugestões são essas?

173
174
UNIDADE 3 TÓPICO 2 —
TEORIA DO CASO

1 INTRODUÇÃO
Até este ponto, tivemos a oportunidade de conhecer pontos muito instigantes
sobre a Sintaxe da nossa língua, o PB. Aprendemos sobre sintagmas, suas classificações,
quais os papéis que desempenham nas orações e a respeito de muitas outras questões.
Agora, utilizaremos os conhecimentos que obtivemos para estudarmos a fascinante
teoria do caso. Muito basicamente, o caso é uma categoria gramatical que se aplica
sobre os constituintes das línguas a partir da função sintática que tais constituintes
exercem.

Embora essa definição não pareça tão complicada à primeira vista, precisamos
estudá-la com cautela, já que o caso se manifesta de formas diferentes ao longo das
línguas. Em algumas, temos uma manifestação explícita – como é o caso do latim e do
alemão contemporâneo, por exemplo; já em outras, a aplicação do caso é dada de forma
abstrata, sem que, a princípio, nos demos conta disso.

Para entendermos como se dá esse importante aspecto presente nas línguas,


este tópico fará uma introdução à Teoria do Caso, apresentando as suas características
mais básicas. Em primeiro lugar, traremos breves esclarecimentos acerca da noção
de caso, que serão paulatinamente desenvolvidos ao longo do tópico. Em seguida,
formularemos a conceituação do caso morfológico, para, então, seguirmos ao caso
abstrato. Por fim, focalizaremos como nossa língua, o PB, se manifesta quanto à
atribuição de caso, certo? Vamos lá!

2 BREVES ESCLARECIMENTOS SOBRE O CASO


Já sabemos que o caso é uma categoria gramatical que incide sobre os
constituintes a partir da função sintática que possuem na oração. Agora, a questão é:
como acontece essa incidência? Tudo começa com a velha história dos argumentos e
de seus predicadores. Por ora, vamos considerar os predicadores verbais, que podem
ser atribuidores de caso – adiante, você entenderá o que são atribuidores, bem como
quais itens atribuem e quais itens são receptores. Vamos supor que temos o verbo
haver. Sabemos que esse verbo é impessoal e selecionará apenas um argumento, o
objeto direto. Essa exigência dessa forma verbal pode ser representada em um esquema
como (121):

121) haver ____

175
Quando, em nosso aparato cognitivo, o verbo seleciona um SN para ocupar
a lacuna fornecida pelo verbo, ele atribuirá caso para esse SN. O caso é, também,
responsável por definir o papel temático que esse constituinte deve ter – que, na situação
de “haver”, é o papel de paciente (ou tema). Portanto, qualquer SN que preencher essa
lacuna será marcado por caso e terá esse mesmo papel temático. Observe o exemplo
em (123), a partir de (122):

122) haver ____ 123) Há um gato na janela.


+ caso + caso
+ paciente + paciente

DICA
Caso você não se recorde da definição de papel temático,
recomendamos que retorne ao Tópico 4 da Unidade 2, em que
exploramos esse ponto com mais detalhes.

Quando tratamos dos constituintes marcados por caso, podemos alcançar três
generalizações:

• Apenas SNs são marcados por caso: isso significa que o caso é aplicado somente
em sintagmas nominais, sejam eles primários, secundários, terciários etc. Assim,
quando um SP primário tiver um SN como sintagma secundário, por exemplo, esse
SN será marcado por caso, e não o SP.
• Todo SN possui um caso: se houver um SN sem caso, haverá algum problema de
ordem sintática com a sentença, como estudaremos neste tópico.
• São muitos os casos que podem ser atribuídos, o que vai depender da
língua: porém, para fins didáticos, abordaremos somente estes três: nominativo,
correspondente ao sujeito; acusativo, ao objeto direto; e dativo, ao objeto indireto.

3 CASO MORFOLÓGICO E CASO ABSTRATO


A partir da diversidade das línguas, o caso se manifesta sob dois modos nos
SNs: mudando, de alguma maneira, a sua forma morfológica e não provocando qualquer
alteração nesse sentido. Chamamos o primeiro caso de caso morfológico, e o segundo
é chamado de caso abstrato.

176
Consideramos, primeiramente, o caso morfológico. Você já ouviu falar que
determinada língua é uma língua de caso? Esse termo é corriqueiramente dado àquelas
línguas que têm a forma de determinadas palavras alterada em consequência da função
sintática que desempenham na oração, como é o caso do latim, alemão, ucraniano,
russo etc. É um fato que, com o passar do tempo, as línguas estão cada vez menos
manifestando o caso morfológico, o que é uma consequência perfeitamente natural.

Vamos tomar, como exemplo, o latim, a língua-mãe do PB. Nessa língua, uma
palavra como “puella”, que significa “menina”, é flexionada de formas diferentes quanto
ao caso, assim como a palavra “canis”, que significa “cachorro”. Vejamos:

QUADRO 1 – “PUELLA” E “CANIS” FLEXIONADOS EM TRÊS CASOS

PUELLA CANIS
Nominativo
puella canis
SUJEITO
Acusativo
puellam canem
OBJETO DIRETO
Dativo
puellae cani
OBJETO INDIRETO

FONTE: Os autores (2022)

Considerando o Quadro 1, uma sentença como “a menina ama o cachorro” seria


assim traduzida para o latim:

124) Puella amat canem.

Neste ponto, é fundamental o destaque para o fato de que, já que o latim é


uma língua riquíssima em caso morfológico – isto é, todos os seus SNs recebem uma
flexão específica, a depender da função sintática que cumprem na sentença –, a ordem
de constituintes passa a ser praticamente desnecessária nessa língua. Assim, uma
sentença como (124) poderia ser também escrita das cinco formas a seguir, sem mudar
de qualquer forma o seu significado:

125) Puella canem amat.

126) Canem puella amat.

127) Canem amat puella.

128) Amat canem puella.

129) Amat puella canem.

177
Essa “falta de importância” da ordem acontece por um fato muito simples: nas
línguas, tanto o caso morfológico quanto a ordem de palavras servem para indicar, em
maior ou menor medida, a função sintática dos SNs. Assim, na ausência de um, o outro
deve se tornar mais fortalecido para compensar essa falta. Podemos comparar, nesse
ponto, o latim com o PB: nessa língua, a simples troca de posição de um sujeito com o
objeto direto muda completamente o sentido da oração – o objeto direto passa a ter a
função de sujeito e vice-versa. Observe:

130) A menina ama o cachorro. 131) O cachorro ama a menina.


SUJEITO OBJETO DIRETO SUJEITO OBJETO DIRETO

ESTUDOS FUTUROS
No Tópico 3 desta unidade, abordaremos com mais ênfase
algumas questões relacionadas à ordem predominante do
PB, frente à ordem de outras línguas.

Por esse motivo, podemos considerar que o PB é uma língua de caso morfológico
fraco, praticamente ausente (adiante, estudaremos que ainda existem resquícios de
caso morfológico nessa língua). Afinal, um SN muito simples como “o meu cachorro”
pode assumir várias funções sem que precise sofrer qualquer modificação em sua forma
que possa ser atribuída a caso:

132) [O meu cachorro] late durante a noite toda.


SUJEITO

133) Eu adoro treinar [o meu cachorro].


OBJETO DIRETO

134) Eu dei água e ração [para o meu cachorro].


OBJETO INDIRETO

Mesmo assim, essa língua continua manifestando caso! Não nos referimos às
pouquíssimas exceções relativas ao caso morfológico, que abordaremos adiante, mas
ao caso abstrato: o PB é uma língua de caso abstrato predominante. Isso significa que,
ainda que o caso não esteja evidente por meio da flexão ou de qualquer outro recurso
morfológico, ele continua presente nessa língua. A próxima seção, que se dedica a analisar
como o PB se comporta em relação ao caso, explorará mais atentamente essa questão.

178
4 A MARCAÇÃO DE CASO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Como vínhamos discutindo, o caso abstrato é, certamente, predominante
no PB, já que essa língua, em geral, não manifesta alterações em nível morfológico
relativamente a caso. No entanto, a classe pronominal abre uma exceção ao que pode
parecer uma “regra”: trata-se, nessa situação, dos pronomes oblíquos, que, quanto a
caso, podem ser flexionados da maneira como expressa o Quadro 2:

QUADRO 2 – PRONOMES RETOS E SEUS CORRESPONDENTES OBLÍQUOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO – I

1ª PESSOA 2ª PESSOA 3ª PESSOA


1ª PESSOA 2ª PESSOA 3ª PESSOA
DO DO DO
DO PLURAL DO PLURAL DO PLURAL
SINGULAR SINGULAR SINGULAR
Nominativo
eu tu ele(a) nós vós eles(as)
(CASO RETO)
Acusativo
(CASO me te o(a) nos vos os(as)
OBLÍQUO)
Dativo
(CASO mim ti lhe/ele(a) nós vós lhes
OBLÍQUO)

FONTE: Os autores (2022)

A representação desse quadro ilustra como uma perspectiva mais tradicional


determinaria o uso dos pronomes oblíquos flexionados por caso no PB, que ainda
se mantêm em alguns contextos mais formais, especialmente, de escrita. Contudo,
muitas das formas expressas nessa relação não representam, de fato, o que ocorre
em contextos de fala nessa língua, além da escrita menos formal. Considerando essa
complexidade, poderíamos reformular o Quadro 2, adaptando-o pelo Quadro 3, que
considera tais situações:

QUADRO 3 – PRONOMES RETOS E SEUS CORRESPONDENTES OBLÍQUOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO – II

1ª PESSOA 2ª PESSOA 3ª PESSOA


1ª PESSOA 2ª PESSOA 3ª PESSOA
DO DO DO
DO PLURAL DO PLURAL DO PLURAL
SINGULAR SINGULAR SINGULAR
Nominativo nós/
eu tu/você ele(a) vocês eles(as)
(CASO RETO) a gente
Acusativo
nós/
(CASO me/eu te/você ele(a) vocês eles(as)
a gente
OBLÍQUO)
Dativo
mim/ nós/
(CASO ti/você ele(a) vocês eles(as)
eu a gente
OBLÍQUO)

FONTE: Os autores (2022)

179
Pela comparação entre os quadros, é possível depreender que, em quase
todas as pessoas – à exceção da 1ª do singular e da opção tu/te/ti da 2ª pessoa do
singular, o que parece estar acontecendo com o PB na fala e na escrita menos formal
é a neutralização entre as formas pronominais nominativa, acusativa e dativa. Em
outras palavras, estamos afirmando que parece que essa língua está caminhando
para que esses pronomes não encontrem mais distinção de caso morfológico, o que
representa que ela está paulatinamente enfraquecendo-se enquanto uma língua desse
tipo. Novamente, ressaltamos que essa é uma tendência natural pelas quais as línguas
naturais passam. Contudo, apenas uma análise futura – daqui a algumas décadas ou,
mesmo, séculos – será conclusiva para o PB neste ponto!

O fato de o PB enfraquecer a sua marcação morfológica de caso implica o


seu fortalecimento enquanto uma língua de caso abstrato. Para entendermos como
acontece essa marcação, precisamos saber que, além do caso, temos atribuidores e
receptores. Atribuidores (ou marcadores) são os elementos da oração que irão enviar, ou
seja, marcar o caso nos SNs. Já os receptores são os próprios SNs, que receberão, isto
é, serão marcados por caso.

No PB, o elemento que atribui o caso nominativo é a raiz do verbo, e quem será
marcado por nominativo será, naturalmente, o SN sujeito. Por sua vez, será o morfema
flexional do verbo que enviará o caso acusativo ao SN objeto direto. Já o caso dativo (ou
oblíquo) é determinado sempre por alguma preposição ao seu SN complemento. Para
entendermos como se dá essa marcação, vamos analisar um exemplo simples:

135) [A Joana] comprou [um presente] para [mim].

No caso de (135), temos a seguinte atribuição de caso: a raiz verbal “compr-”


marcará o SN [a Joana] com caso nominativo; a flexão “-ou” enviará caso acusativo para
o SN [um presente]; e, por fim, a preposição “para” marcará o SN [mim] com o caso dativo.

Na Unidade 2, quando estudamos seleção temática e categorial, observamos


que uma sentença específica, que, a seguir, será reproduzida como (136), é impossível
no PB. Naquela etapa, argumentamos em favor do fato de que essa construção não
pode acontecer porque há um sintagma que não é c-selecionado pelo verbo, já que
esse elemento pode apenas selecionar um constituinte com função de sujeito:

132) * [O João] [o Zeca] limpou [o quarto].

Agora, podemos estender essa reflexão para a Teoria do Caso, refinando nossas
observações: devendo atribuir caso nominativo para um e somente um sintagma, a raiz
verbal “limp-" atribuirá, também, papel temático a ele. O constituinte remanescente, por
sua vez, ficará sem caso e sem papel temático, e é por esse motivo que ele não pode se
fazer presente nessa construção, uma vez que, segundo essa teoria, todo e qualquer SN
deve receber caso (e, portanto, papel temático).

180
INTERESSANTE
A Teoria do Caso se encarrega de explicar muitas questões sintáticas; dentre elas, a
conhecida estrutura “para mim + [verbo infinitivo]” (como, por exemplo, “para mim
fazer”, “para mim comer” etc.), que é muito comumente rechaçada por gramáticos e,
mesmo, falantes do PB. A crítica ao uso de tal estrutura está impregnada de diversos
tipos de preconceitos, que, inclusive, perpassam o nível linguístico. Quem nunca ouviu
(ou, mesmo, reproduziu), em resposta ao uso de tal estrutura, algo como “mim ser índio”
ou “mim não fazer nada”? Essa é uma reação que acaba por subalternizar expressões
culturais e linguísticas.
Na verdade, sob o ponto de vista lógico e científico, a construção, em tese, faz bastante
sentido! A Teoria do Caso explica, por meio dos postulados da “marcação excepcional
de caso”, que nem sempre o caso se comportará à mesma maneira,
devendo nós, estudiosos da língua, ter uma noção mais abrangente
sobre essa categoria. Por questões didáticas, este tópico, já que
se propôs a trazer questões de ordem introdutória sobre o caso
sintático, não englobará a marcação excepcional de caso. No entanto,
disponibilizamos, como leitura complementar desta unidade, uma
explanação sobre esse conteúdo, para que você aprofunde e
aprimore seus conhecimentos. Além disso, essa leitura é muito
interessante para que não se dissemine qualquer preconceito
e desinformação sobre essa estrutura. Ao contrário, neste
tópico, reunimos o conteúdo para que a informação respaldada
em evidências lógicas e em conhecimento cientificamente
fundamentado seja propagada.

181
LEITURA
COMPLEMENTAR
A MARCAÇÃO EXCEPCIONAL DE CASO (ECM)

Carlos Mioto
Maria Cristina Figueiredo Silva
Ruth Lopes

A parte que esboçamos de Teoria do Caso explicitou que são três os Casos
relevantes para a nossa discussão (também conhecidos como ‘Casos estruturais’), dois
deles atribuídos por núcleos [-N] e um atribuído pelo núcleo funcional I.

As situações de marcação casual apresentadas são descritas como canônicas


em virtude de os núcleos marcarem seu complemento ou especificador, como vemos
em (22):

(22) a. A menina vigiou o namorado para a amiga.


b. Ela o vigiou para mim.

Em (22a) a menina recebe NOM [caso nominativo] de I, a flexão finita que aparece
amalgamada ao verbo; o namorado recebe ACC [acusativo] do verbo; e a amiga recebe
OBL [caso oblíquo] da preposição. Que a marcação de Caso é esta fica evidenciado em
(22b) onde os pronomes, que têm os mesmos papéis temáticos dos DPs [SNs], refletem
explicitamente os Casos que os DPs têm.

Existe, porém, um outro processo de marcação causal, conhecido como


marcação excepcional de Caso (ECM, do inglês Exceptional Case Marking). A ECM se
distingue da marcação canônica por envolver um núcleo que atribui Caso a argumentos
de outro núcleo.

Antes de abordar diretamente as configurações de ECM, vamos retomar a


discussão sobre sentenças infinitivas. Observemos inicialmente o verbo e a preposição,
cada um com seu complemento entre colchetes em (23):

(23) a. A Maria [viu [os amigos rirem]].


b. A Maria fez palhaçadas [para [os amigos rirem]].

182
Vamos primeiramente identificar o tipo categoria do complemento de viu e para.
Em [os amigos rirem], as marcas morfológicas presentes na flexão verbal indicam que se
trata de um infinitivo pessoal - já vimos que estes elementos se estruturam como AgrPs
que tomam como complemento um InfP. A pergunta agora é: complementos infinitivos
devem ou não conter uma projeção CP que os introduza? Os infinitivos pessoais diferem
dos infinitivos impessoais a este respeito?

Observemos inicialmente que a presença do complementizador que em (24)


demonstra que o verbo ver e a preposição para podem c-selecionar um CP, isto é, não
existe nenhuma incompatibilidade de c-seleção em jogo:

(24) a. A Maria [viu [CP que [IP os amigos riam]]].


b. A Maria fez palhaçadas [para [CP que [IP os amigos rissem]]].

Vamos admitir então que em (23) o complemento de viu não é simplesmente


um AgrP que domina o InfP, mas sim um CP, que não é preenchido por nenhum item
lexical. Em outras palavras, estamos admitindo que as sentenças infinitivas pessoais
são encabeçadas por um CP que deve ser nulo (em PB, a contraparte deste CP é aquele
encabeçado por que, exemplificado em (24), que c-seleciona um IP finito). Se este é o
caso, estamos livres para postular que a representação de (23) é (25):

(25) a. A Maria [viu [CP Ø [AgrP os amigos rirem]]].


b. A Maria fez palhaçadas [para [CP Ø [AgrP os amigos rirem]]].

Na verdade, pode-se oferecer argumentos para provar que este CP nulo de


fato existe. Consideremos as sentenças em (26), reconhecidamente pertencentes a um
registro muito formal do PB:

(26) a. O presidente afirmou [terem os ministros falhado no controle da inflação].


b. O presidente passou as reformas por [terem os deputados desistido].

Vamos assumir a hipótese de que o sujeito da oração infinitiva encaixada está


ocupando Spec AgrP, a posição mais alta da oração infinitiva (pessoal), na qual o DP
desencadeia concordância com o auxiliar e onde recebe seu Caso NOM. A questão que
se coloca é: onde está terem? Certamente, mais alto que a posição Agr. Dado que os
núcleos só podem transitar por posições de núcleo [...], o auxiliar deve estar ocupando
a posição de núcleo acima de Agr, que só pode ser C. Portanto, a representação de (26)
deve conter um CP em cujo núcleo o auxiliar terem está alojado.

(27) a. O presidente afirmou [CP terem [AgrP os ministros ti falhado no controle da


inflação].
b. O presidente passou as reformas por [CP terem [AgrP os deputados ti desistido].

183
Assim, vamos sustentar que o complemento de viu e para em (25) é um CP, apesar
de não haver ali nenhum item realizado fonologicamente que evidencie isto. Portanto,
estamos supondo que infinitivos pessoais possuem uma projeção de concordância e
uma projeção de complementizador. Ainda que aqui esta decisão não seja crucial, ficará
claro, na discussão que segue, o papel que o CP pode ter na introdução de sentenças
infinitivas.

Como se dá a marcação de Caso de os amigos em (25)? Este DP ocupa a


posição de Spec AgrP e recebe NOM do Agr preenchido pelo infinitivo pessoal rirem. Esta
é a configuração canônica de marcação de nominativo. Ela é possível em português
exatamente porque esta língua dispõe de um infinitivo pessoal, isto é, de uma projeção
AgrP no infinitivo, fundamental para a atribuição de NOM. Outras línguas não são capazes
de atribuir NOM nesta situação, pois seu infinitivo é invariavelmente impessoal, isto é,
não podem projetar AgrP, apenas InfP, no contexto infinitivo.

Agora já estamos em condições de abordar o fenômeno da ECM. Se fizermos


aparecer o pronome de primeira pessoa como argumento externo de rir na sentença
(23b), obteremos as sentenças em (28):

(28) a. A Maria fez palhaçadas para eu rir.


b. A Maria fez palhaçadas para mim rir.

Embora gramáticos tradicionais policiem ferozmente os falantes para não


produzirem (28b), esta sentença é gramatical. O que incomoda profundamente esses
gramáticos é o fato de o pronome – argumento externo do verbo rir – aparece na forma
oblíqua mim. Em termos mais técnicos, o incômodo resulta de uma atribuição de Caso
que envolve a preposição como núcleo atribuidor e o DP preenchido pelo pronome como
receptor. O pronome não consegue disfarçar que se trata do Caso OBL.

(28a) não traz desconforto porque evidencia uma marcação canônica de Caso:
o núcleo Agr presente no contexto do infinitivo pessoal marca casualmente o pronome
cuja forma deixa ver o Caso NOM. Em (28b), temos em mãos uma marcação casual
que não é canônica, no sentido de que ela não acontece na configuração núcleo-
complemento, como fazem normalmente as preposições e os verbos. Observe que
não é exatamente o complemento que está recebendo Caso da preposição em (28b);
o complemento da preposição não é o pronome mim, mas uma sentença infinitiva, que
a princípio não necessita de marcação casual. Na verdade, o pronome mim, argumento
externo de rir, que está sendo marcado por Caso pela preposição. Esta é a razão pela
qual dizemos que a marcação de caso é excepcional: não é o complemento que recebe
o Caso, mas o ‘filho’ do complemento, digamos assim.

O curioso nesta história é que se reescrevermos (23a) substituindo o DP os


meninos pelo pronome de primeira pessoa, o nosso gramático incomodado vai querer
que o pobre falante produza (29b) em vez de (29a):

184
(29) a. A Maria viu eu rir.
b. A Maria viu-me rir.

Não deixemos de notar a contradição: aqui a ‘polícia’ atua para coibir (29a),
a sentença em que se verifica uma marcação canônica de Caso: o NOM refletido no
pronome eu é atribuído pelo núcleo Agr do infinitivo pessoal. Agora não incomoda que o
argumento externo do verbo rir exiba, em (29b), o Caso ACC, mesmo que esteja em uma
marcação de Caso excepcional, paralela à que se verifica em (29b).

Independentemente de qualquer incômodo que alguma das sentenças de (28)


ou de (29) possa causar, a Teoria do Caso se coloca como tarefa explicar a marcação de
Caso, qualquer que seja ela. Em (28a) e (29a), o DP que está em Spec AgrP do infinitivo
pessoal recebe NOM. O problema é mostrar como o Caso OBL é atribuído em (28b) e o
ACC em (29b).

Vamos começar a discussão pelo ACC. Consideremos (30) e (31):

(30) a. *A Maria viu-nos rirmos.


b. *A Maria viu-os rirem.

(31) a. A Maria viu-nos rir.


b. A Maria viu-os rir.

A comparação entre as sentenças de (30) e (31) mostra que são as marcas de


flexão que tornam as sentenças de (30) agramaticais. Em (30) temos um Agr capaz
de atribuir NOM, mas os pronomes que, para recebê-los, deveriam ocupar Spec AgrP
encaixado apresentam-se claramente com marcas de ACC. Em (31), os pronomes
nos e os também aparecem na forma acusativa, mas agora não se verifica nenhuma
incompatibilidade porque o infinitivo é impessoal: desprovido da projeção de AgrP, ele é
incapaz de atribuir Caso NOM ao argumento externo de rir.

Um fato interessante evidenciado por (30) é que o Caso não pode provir de dois
marcadores distintos, como o infinitivo pessoal e o verbo matriz. Isto quer dizer que
um mesmo DP não pode receber Caso de dois atribuidores distintos, se por nenhuma
outra razão, pelo fato de que seria impossível dar a este DP uma forma que satisfizesse
simultaneamente os dois Casos - imaginemos o que se passaria em uma língua que
expressa os Caso abstratos via casos morfológicos, como o latim. No português, o
problema só se coloca claramente na morfologia dos pronomes: por exemplo, se o Caso
for Nominativo, o pronome é eu, mas no Caso Oblíquo, a forma seria mim. Qual delas
escolheríamos?

No entanto, este não é o único fato evidenciado por (30). Na verdade, aqui se
recoloca a questão da localidade: quando um núcleo tem condições de atribuir Caso a
um DP em configuração canônica dentro de sua projeção máxima, jamais este núcleo

185
cede a vez para outro atribuidor. De modo muito mais geral, quando um núcleo garante
a existência de uma determinada relação nos seus domínios (isto é, dentro de uma
projeção máxima), fica terminantemente proibida a interferência de outro núcleo para
implementar esta mesma relação nesse mesmo domínio.

Vamos abordar agora o problema de saber como o verbo matriz é capaz de


atribuir ACC a um argumento de outro verbo. Até este ponto só nos referimos a verbos
que atribuem ao seu DP complemento, não a um DP que é argumento de outro verbo.
Como isto é possível?

É preciso, antes de mais nada, fazer notar que a preposição para e os verbos
ECM formam um conjunto lexicalmente restrito no PB e os itens são marcados
expressamente com esta propriedade no léxico. No reino das preposições, somente
para tem esta capacidade; no domínio dos verbos, também, pouco são os elementos
com esta propriedade: apenas (um subconjunto de) verbos de percepção e verbos
causativos podem atribuir Caso para um DP dentro de um infinitivo impessoal.

FONTE: MIOTO, C.; FIGUEIREDO SILVA, M. C.; LOPES, R. Novo manual de sintaxe. São Paulo: Contexto,
2018, p. 179-184.

186
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• O caso é uma categoria gramatical que se aplica sobre os constituintes das línguas a
partir da função sintática que tais constituintes exercem.

• A marcação de caso pode mudar ou não a forma morfológica dos SNs.

• O PB parece estar paulatinamente enfraquecendo-se enquanto uma língua de


marcação de caso morfológico.

• A raiz verbal marcará o caso nominativo; a sua flexão, o caso acusativo; e a preposição,
o caso oblíquo.

187
AUTOATIVIDADE
1 Sobre a marcação de caso, vista no decorrer desta unidade, leia as frases abaixo e
assinale a alternativa CORRETA:

(a) O Fernando chorou muito ontem.


(b) Infelizmente, a festa acabou.

a) ( ) As duas frases possuem, cada uma, um sintagma nominal marcado com caso
nominativo.
b) ( ) As duas frases possuem, cada uma, um sintagma nominal marcado com caso
acusativo.
c) ( ) A frase (a) possui um sintagma nominal marcado com caso nominativo; a frase
(b) possui um sintagma nominal marcado com caso acusativo.
d) ( ) A frase (a) possui um sintagma nominal marcado com caso acusativo; a frase (b)
possui um sintagma nominal marcado com caso nominativo.

2 Ainda a respeito da marcação de caso, considere as sentenças a seguir e a partir da


marcação de caso existentes em tais frases, associe os itens, utilizando o código a
seguir:

I- Atribui caso nominativo.


II- Atribui caso acusativo.
III- Recebe caso nominativo.
IV- Recebe caso acusativo.
V- Recebe caso dativo.

(a) A Mariana partiu de sua casa.


(b) Os imigrantes têm saudades de suas terras.

( ) “a Mariana”.
( ) “suas terras”.
( ) “-êm”.
( ) “part-”.
( ) “saudades”.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) III – V – II – I – IV.
b) ( ) V – IV – I – II – V.
c) ( ) ( ) IV – III – II – I – V.
d) ( ) IV – V – I – II – III.

188
3 A seguir, você terá uma sequência de sentenças e algumas afirmações. Consideran-
do estas sentenças, assinale a afirmação INCORRETA:

(a) Porque eu adoeci, a Jéssica foi na farmácia pra mim.


(b) Porque o Cláudio adoeceu, a Jéssica foi na farmácia pra ele.
(c) Porque a gente adoeceu, a Jéssica foi na farmácia pra gente.

a) ( ) O sintagma nominal em posição imediatamente anterior ao verbo “foi” é marcado


por caso nominativo nas três sentenças.
b) ( ) A flexão verbal correspondente à raiz “adoec-” não marca caso acusativo nas
três sentenças.
c) ( ) O sintagma nominal “a farmácia” é marcado por caso dativo nas três sentenças.
d) ( ) O sintagma nominal que sucede a palavra “pra” é marcado por casos diferentes
nas três sentenças.

4 Observe as sentenças no quadro a seguir. Sua tarefa é apontar os atribuidores e os


receptores de caso em cada uma delas. É possível que não haja casos ou que exista
mais de um caso a ser marcado. Não deixe de apontar tais situações.

NOMINATIVO ACUSATIVO DATIVO

ATRIBUIDOR RECEPTOR ATRIBUIDOR RECEPTOR ATRIBUIDOR RECEPTOR

a) O Roberto
lavou toda
a roupa na
quarta-feira.
b) Pela
manhã, o
trânsito
aumenta
muito.
c) Nós
vendemos
toda a linha
de óculos
pela metade
do preço.
d) A Paula
caminhou
pelo bairro
todo.
e) O carteiro
já entregou a
encomenda
do Marcos
pra ele.

189
5 Observe a tabela a seguir. Nela, existem sintagmas nominais que estão marcados por
casos específicos, delimitados pelas colunas em que se inserem. Sua tarefa é formular
sentenças cujos sintagmas nominais (primários, secundários etc.) se enquadrem
nesses casos. Não insira outros receptores além dos preenchidos. Por fim, escreva
quais são os atribuidores a partir das sentenças que formulou.

NOMINATIVO ACUSATIVO DATIVO

ATRIBUIDOR RECEPTOR ATRIBUIDOR RECEPTOR ATRIBUIDOR RECEPTOR

a)
- [o sol] [o leste]

b) [os
[os dados] [o alto]
jogadores]
c)
[as crianças] - [noite]

d) [os
[o deputados]
[um e-mail]
presidente] [a segunda-
feira]
e) [a sua
- -
compra]

190
UNIDADE 3 TÓPICO 3 —
A SINTAXE DA VÍRGULA

1 INTRODUÇÃO
Durante o estudo desta disciplina, até agora, conhecemos de que forma o
estudo científico da Sintaxe opera e como podemos analisar a formação de sentenças
a partir de seus sintagmas. Entendemos – pela perspectiva adotada por este livro, o
Gerativismo – que essa organização sintática faz parte de nossa consciência linguística,
e o que fazemos, em Sintaxe, é descobrir e descrever de que forma a organização das
frases acontece a partir de um trabalho de metalinguagem: em uma frase, analisamos
quais sequências constituem sintagmas, qual sintagma exerce a função de argumento
ou adjunto e, se argumento, qual é o papel desse constituinte frente ao predicador verbal.

Essa área, contudo, opera para além dos limites de tais conteúdos. Como
insistimos desde o início deste livro, ter conhecimento teórico da Sintaxe de sua língua
concede ao profissional de Letras uma ampliação muito grande do entendimento a
respeito da organização gramatical que os falantes possuem, além de permitir que ele
mobilize esse conhecimento em seu trabalho na área, aplicando as noções aprendidas
em sua ocupação: como professor, para com seus alunos; como escritor, na melhor
estruturação de seus textos verbais escritos, independentemente dos gêneros a que
pertencerem; como revisor de textos, a fim de assegurar, à melhor forma possível, a
compreensão e adequação textual ao público-alvo.

Este tópico entra em consonância com tais objetivos! Porém, dessa vez, nosso
foco recairá sobre um item muito particular da língua: a vírgula. Nessa etapa, nosso
objetivo é compreender que a Sintaxe é particularmente útil para grafarmos esse sinal
e ensinarmos sobre o seu uso, que costuma ser um grande problema às pessoas.
Para isso, grande parte dos conceitos aprendidos nas Unidades 1 e 2 deste livro será
retomada; assim, não hesite em retornar a tais etapas e “refrescar” a memória, caso isso
seja necessário!

Para alcançar nossos objetivos, este tópico tecerá, primeiramente, algumas


considerações básicas sobre o emprego da pontuação, de modo geral, e das vírgulas,
de forma particular. Em seguida, entenderemos de que forma a Sintaxe exerce influência
sobre o emprego das vírgulas em seis ocasiões: o movimento de constituintes; os apostos;
os vocativos; os termos de mesma função; a elipse verbal; e a mudança de sujeitos.

191
2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O EMPREGO DA
PONTUAÇÃO
Quando tratamos puramente da escrita, estamos em um plano diferente do
que aquele restrito à fala. Nesse caso, consideramos, com Marcuschi (2005), que fala
e escrita são, ambas, duas formas de representação da língua; assim, não é coerente
pensar que a escrita seja uma representação da fala, tampouco vice-versa, embora seja
indiscutível que ambas guardem muitas semelhanças. Observe a Figura 1, que ilustra
essa relação. Nela, representamos que a língua (como um constructo mental) origina
a fala e escrita, que, por serem provenientes da mesma origem, guardam muitíssimas
características comuns, embora uma não derive da outra.

FIGURA 1 – A RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA, FALA E ESCRITA

FONTE: Os autores (2022)

Considerar a escrita, especificamente, implica levar em conta a ortografia,


que envolve um conjunto de regras, estabelecidas por convenções, que ditam a forma
adequada de escrever palavras e enunciados, visando à representação mais fidedigna
possível da língua em suportes físicos. Neste ponto, é importante a menção ao fato
de que, assim como a fala, a escrita também sofre influência pela necessidade de
adequação ao contexto em que é inserida. Pense em uma conversa com algum amigo
próximo seu em um aplicativo de mensagens e em um e-mail que você escreve para um
professor, por exemplo. São muitas as diferenças, não é? Mesmo assim, toda a situação
é guiada por certos padrões ortográficos.

Se estamos assumindo que esses padrões são estabelecidos por meio de regras,
temos de ter em consideração que também as pontuações são utilizadas da forma que
são seguindo parâmetros específicos. Naturalmente, esses padrões mudam ao longo
do tempo, assim como tudo aquilo que envolve a língua. Especificamente a respeito
dessa mudança, Tournier (1980) aponta que, no curso da história, a forma de aplicar

192
a pontuação mais parecida àquela que utilizamos hoje advém da Idade Média. Nesse
período, duas tradições se sobressaíam para explicar como são utilizados os diversos
sinais de pontuação: (i) a de que utilizamos pontos para marcar o que corresponderia
às pausas da fala; e (ii) a de que esse uso é estabelecido em função da gramática, isto
é, considerando a organização gramatical interna a cada frase. Contudo, parecia ser a
última orientação que, de fato, imperava: em geral, a tendência era considerar que havia
uma lógica muito mais complexa para pontuar textos do que, de fato, as pausas da fala.

Apliquemos essa ideia, agora, especificamente às vírgulas, que são o foco deste
tópico. Para esse item, podemos afirmar com segurança que a tradição proeminente
no período medieval prevalece contemporaneamente. Afinal, se sabemos que fala
e escrita são provenientes da organização linguística mental, seria inconsistente
afirmar que as vírgulas dos textos que escrevemos fazem correspondência pura e
simplesmente às pausas que fazemos quando falamos. Na verdade, em muitos casos,
nós inserimos vírgulas nos textos pelos mesmos motivos que fazemos pausas em nossa
fala: para demarcar fronteiras de natureza sintática! É, justamente, por esse motivo
que é fundamental que um estudante (e futuro profissional) de Letras, como um bom
investigador e atuante sobre a língua, compreenda a virgulação sob o viés da Sintaxe.
Quando temos clareza sobre a forma como critérios de natureza sintática interferem no
uso de vírgulas, a aplicação desse sinal se torna mais fácil, lógica e intuitiva.

A posição que tomamos neste ponto explica por que alguns pensamentos sobre
o uso da vírgula como este são naturais e perfeitamente compreensíveis:

FIGURA 2 – VÍRGULA VS. INTUIÇÃO

FONTE: <https://twitter.com/nazareamarga/status/1190475693810999302>. Acesso em: 5 jun. 2022.

A intuição à qual o autor desse tweet se refere nada mais representa do que
nossa consciência linguística – especialmente gramatical – entrando em ação: em
alguns casos, sabemos que devemos inserir vírgulas nos textos que escrevemos porque
estão atuando as regras inerentes ao nosso conhecimento gramatical, de natureza
biológica, transpostas à noção de pontuação já apreendida ao longo de nossa vida.
Quem nunca teve uma sensação parecida com essa?!

193
Em suma, algumas considerações não podem ser esquecidas nessa etapa: que
não é a pausa da fala que determina a inserção de vírgulas; que tanto a fala quanto a
escrita são representações da língua; e que a virgulação, em grande parte dos casos,
representa fronteiras de natureza sintática que possuímos. Mobilizar tais noções será
de fundamental importância para avançarmos ao próximo subtópico, em que nos
deteremos, de fato, em como tais relações acontecem concretamente.

3 ASPECTOS SINTÁTICOS DO USO DA VÍRGULA


Em consonância ao que discutimos até este ponto, este subtópico se deterá sobre
o uso de vírgulas em algumas situações cuja motivação é sintática. Não pretendemos,
com este tópico, esgotar o conhecimento sobre esse sinal de pontuação ou a respeito
de todas as circunstâncias gramaticais que exigem vírgulas. Diferentemente, nosso
foco se centra, sobretudo, em dois pontos: (i) explicitar e facilitar o uso desse sinal; e (ii)
mobilizar as noções estudadas ao longo da disciplina para mostrar como a vírgula, em
muitos casos, é motivada por critérios sintáticos.

Nesta altura, é importante o destaque para um fato crucial a nossos estudos:


por mais que o uso das vírgulas esteja associado a uma série de determinações, a regra
que impera – não apenas para esse, mas a todos os sinais de pontuação – prediz que a
prioridade é sempre dada à melhor compreensão do texto. Dito de outra forma, qualquer
recurso linguístico empregado em um texto escrito deve servir primordialmente à função
de torná-lo inteligível, coeso e claro para que seja lido. É fundamental que todo profissional
de Letras – que manipulará e/ou ensinará sujeitos a manipularem a língua – tenha esse
fato claro. Assim, qualquer regra quanto ao uso de vírgulas pode ser violada, desde que
essa escolha seja feita em prol da melhor organização e compreensão do texto.

Quando o uso da virgulação for utilizado como estratégia para melhorar a


estruturação das construções escritas – o que acontece na grande maioria dos casos –,
existem certos parâmetros a serem seguidos. Nas seções a seguir, abordaremos alguns
desses casos, restringindo-nos, naturalmente, a alguns entre aqueles que envolvem
aspectos sintáticos. Vamos lá?!

3.1 MOVIMENTO
Começamos este item com um pequeno desafio: pense em uma oração sim-
ples do PB, com um sujeito e um objeto. Agora, descreva a ordem dessa oração: qual
elemento vem primeiro – o sujeito, o objeto ou o verbo? Qual é o segundo e qual é o
terceiro? Claramente, não podemos dar certeza, mas supomos que você tenha pensado
em uma oração como (133), a seguir:

133) O Júlio colheu amoras.

194
Uma sentença como essa é bastante natural para nós, falantes de PB, não é?!
Repare que, nela, o sujeito tende a ocupar a primeira posição, seguido pelo verbo e, por
último, pelo objeto (que, nesse caso, é direto, mas poderia ser indireto também). Essa,
provavelmente, também foi a ordem da sentença que você criou. Isso acontece porque
a ordem sujeito – verbo – objeto é tida como a ordem padrão do PB, o que significa que,
nessa língua, as sentenças nessa ordem serão muito mais frequentes e mais naturais.

O Atlas Mundial da Estrutura das Línguas (World Atlas of Language Structures)


estima que 39% das línguas do mundo possuam essa mesma ordem do PB, a ordem
SVO (sujeito – verbo – objeto). É o caso da Libras, do inglês, do francês e do espanhol.
A ordem mais frequente, contudo, que abarca aproximadamente 41% das línguas, é
a SOV, com o verbo ocupando a última posição nas orações, e o objeto, a penúltima.
Como exemplares dessas línguas, temos o coreano e o japonês. Além dessas duas,
VSO também é uma ordem possível e abarcada por cerca de 15% das línguas. Já o
restante delas, por volta de 5%, se encaixa nas outras três ordens – VOS, OSV e OVS,
respectivamente, nessa ordem decrescente de frequência.

DICA
A plataforma on-line do Atlas Mundial da Estrutura das Línguas fornece
muitos dados interessantes sobre os aspectos estruturais de mais de
2.600 línguas. Confira no site: https://wals.info/.

Assumir que cada língua se encaixa em uma ordem padrão significa dizer
que suas sentenças ocorrerão apenas nessa ordem? Absolutamente não! Vamos nos
concentrar no caso do PB: assim como (134), poderíamos ter uma sentença como (2),
em que fazemos certa ênfase no objeto direto:

134) Amoras, o Júlio colheu, não jabuticabas.

Assim, com bastante facilidade, produzimos uma sentença OSV numa língua
tipicamente SVO. Mas também poderíamos formular uma oração OVS. Lembramos de
manter a entonação ascendente focada no objeto:

135) Amoras, colheu o Júlio, não jabuticabas.

A ordem OVS, inclusive, é bastante recorrente na língua mais formal escrita:

136) “Oh, não!”, disse Chapeuzinho Vermelho.

Por esse motivo, é bastante importante considerar a ordenação dos constituintes


como uma tendência das línguas, isto é, como predominante, mas não obrigatória.

195
No caso do PB, é correto supor que quaisquer sintagmas adjuntos sempre
sucederão a ordem típica SVO. Assim, qualquer que seja a ordenação desses
constituintes, se estiverem após sujeitos, verbos e objetos, nessa sequência, estarão
cumprindo a ordem padrão SVO dessa língua:

137) O Júlio colheu amoras lá fora ontem à noite.

138) O Júlio colheu amoras ontem lá fora à noite.

Mas em o que, afinal, essa história guarda relação com as vírgulas? É muito
simples: qualquer movimentação de uma sentença a partir de sua ordem padrão (que
acontece, normalmente, da direita para a esquerda) deverá ser sinalizada pela virgulação.
Analise os exemplos em (139-142). Repare que, nestes, o sintagma final é movido para a
posição mais inicial da sentença:

139) ______ O Júlio colheu amoras .

140) Amoras, o Júlio colheu.

141) ______ O Júlio colheu amoras ontem.

142) Ontem, o Júlio colheu amoras.

Repare que essa regra não vale somente para o movimento à extremidade
esquerda da sentença. Havendo algum deslocamento, mesmo que seja para outras
posições, esse processo deverá ser marcado, na escrita, por vírgulas. No entanto,
lembre-se de um aspecto importante, que estudamos na Unidade 2: um sintagma
nunca pode romper outro. Então, o alvo desse movimento só pode ser algum lugar no
limite entre sintagmas, ok?! Analise este exemplo:

143) O ser humano produziu notório avanço científico ao longo da história.

144) ____ O ser humano ____ produziu ____ notório avanço científico ao longo da história.

145) O ser humano produziu, ao longo da história, notório avanço científico.

146) ____ O ser humano ____ produziu ____ notório avanço científico ao longo da história.

147) O ser humano, ao longo da história, produziu notório avanço científico.

196
148) ____ O ser humano ____ produziu ____ notório avanço científico ao longo da história.

149) Ao longo da história, o ser humano produziu notório avanço científico.

NOTA
Deixamos uma dica de atividade para você praticar essa regra:
ao longo do material, considerando exemplos e teoria, procure
e selecione pelo menos três casos desse tipo de virgulação.
Selecione exemplos em que o sintagma deslocado esteja no
início e, ainda, no meio da sentença. Depois, confira as orações
encontradas com seus tutores e compartilhe suas descobertas
com a turma!

3.2 APOSTOS E VOCATIVOS


Apostos e vocativos são dois termos muito caros à Sintaxe. A razão da
abordagem de tais justamente nesta etapa da disciplina se fundamenta em uma razão
muito simples: quando presentes na escrita, ambos são destacados por vírgulas! Além
disso, ambos possuem a básica semelhança de se referirem, necessariamente, a um
elemento presente no contexto ou no discurso. A diferença entre um conceito e o outro
está, justamente, no sentido que conferem a esse elemento. Por isso, podemos afirmar
que esses termos estão estritamente relacionados à interface Sintaxe-Semântica.

Em primeiro lugar, observemos os apostos. Apostos são expressões que são


inseridas nas orações para explicar ou caracterizar um constituinte. Para exemplificarmos,
observe as sentenças em (150-151); nelas, a expressão “importante político brasileiro” é
um aposto que caracteriza o sintagma sujeito “Campos Sales”:

150) Campos Sales, importante político brasileiro, foi o quarto presidente do país.

151) Importante político brasileiro, Campos Sales foi o quarto presidente do país.

Apesar de haver certa flexibilidade quanto à posição ocupada pelos apostos, é


bastante importante que eles estejam próximos do constituinte a que se referem, já que,
caso contrário, a referência pode ser perdida. Observe que, se houver distanciamento
desse sintagma, a sentença acabará se tornando estranha:

152) ?? Campos Sales foi o quarto presidente do país, importante político brasileiro.

197
Conforme estudamos no tópico anterior, os apostos guardam forte relação com
as orações subordinadas adjetivas. Repare que uma modificação muito simples em uma
sentença como (150) pode transformar o aposto em uma oração encaixada. Portanto,
deve-se ter em conta que, para sê-lo, um aposto deve ter como elemento-núcleo um
item nominal, e não verbal, já que esse caracterizará uma nova sentença (nesse caso,
subordinada):

153) Campos Sales, que foi um importante político brasileiro, foi o quarto presidente
do país.

Ainda, é preciso considerar que, envolvendo adjetivos, a presença e ausência


de vírgulas provocará a mudança das relações sintáticas internas à frase. Analise os
exemplos a seguir:

154) Os atletas, cansados, desembarcaram em Guarulhos às 8 horas.

155) Os atletas cansados desembarcaram em Guarulhos às 8 horas.

A diferença entre (154-155) não está somente na escrita, pela pontuação: lendo
as sentenças, percebemos que realizamos um trabalho prosódico distinto, ou seja,
aplicamos entonação e pausa de formas diferentes. Esse é mais um indício que nos
indica que, de fato, há uma diferença entre elas.

Mas qual é essa diferença? É a mesma do que entre as orações subordinadas


adjetivas explicativas em relação àquelas restritivas: enquanto a presença de vírgula
dá o sentido de explicação, descrição de determinado elemento (nesse caso, “atletas”),
a sua ausência induz restrição a partir de determinado conjunto (nesse exemplo, da
totalidade de atletas, apenas os cansados desembarcaram). Em termos sintáticos, o
adjetivo que explica (em (154)) será um aposto, e aquele que restringe (em (155)), um
adjunto adnominal, como sabemos.

NOTA
Um macete interessante para sabermos o que é um aposto
é relacionarmos esse conceito à ideia de “aposta”, que é uma
palavra praticamente igual. Toda aposta trata de alguma coisa
e, portanto, deve explicá-la, assim como os apostos! Em outras
palavras, sempre que alguém nos propõe uma aposta, ele deve
explicar, caracterizar, defini-la. Se a aposta for sobre esportes,
por exemplo, quem propõe deve deixar a aposta clara: “se o
time x vencer, eu ganho; se o time y vencer, você ganha”.

198
Os vocativos, por sua vez, fazem referência a com quem ou o que se dirige. Por
isso, podem ser expressões nominais, substantivos, pronomes etc. Pragmaticamente,
a inserção de um vocativo no discurso tem, entre outras funções, o desígnio de
chamar a atenção do interlocutor ou se conectar a ele de certa forma. Como é possível
perceber, esses itens têm estrita relação com o contexto envolvido, devendo remeter
necessariamente a um ser ou elemento saliente no discurso – caso contrário, assim
como acontece com os apostos, a referência será perdida. Observe os exemplos, em
que as expressões destacadas são vocativos:

156) Ei, você, tem um minuto para preencher a pesquisa de satisfação?

157) Caríssima professora, envio meu trabalho em anexo.

158) O que eu quero te dizer, filha, é que o mundo está diferente.

159) Olá, pessoal!

160) Vou chegar em Santa Catarina por volta da meia-noite, ok, mãe?

INTERESSANTE
A palavra “vocativo” guarda relação etimológica com o latim pelo verbo
“vocare”, que significa “chamar”. Esse significado tem tudo a ver com o
que os vocativos representam: um chamamento do interlocutor!

3.3 TERMOS DE MESMA FUNÇÃO


Outra situação que manifesta uma razão inerentemente guiada pela Sintaxe
para a adição de vírgulas é a coordenação de sintagmas ou termos que exercem
a mesma função sintática. Nesse caso, admitiremos que, se não forem ligados por
conjunções (como a conjunção aditiva “e”), tais elementos serão conectados uns aos
outros por vírgulas. Na maior parte das vezes, os últimos (ou únicos) dois elementos são
coordenados por conjunções, e os outros, unidos por vírgulas. Vejamos:

161) Ministros, deputados e presidente se reúnem hoje na Câmara.


coordenação entre sujeitos

162) A Clara comprou quadros, louças, ferramentas e tintas pra casa nova.
coordenação entre objetos

199
163) O MASP é um lugar esplêndido, cultural e que todo mundo deveria conhecer.
coordenação entre adjuntos adnominais

Esse trecho necessita reescrita: Mesmo orações, por serem, também, funções
sintáticas, são interligadas por vírgulas e/ou conjunções. É o que estudamos no tópico
anterior, quando tratamos das orações coordenadas sindéticas e assindéticas:

164) Os escoteiros acenderam o fogo, cantaram uma canção e foram dormir à luz
das estrelas.

Neste ponto, é importante assinalar que a coordenação entre itens de mesma


função sintática não parece se comportar analogamente às situações anteriores em
se tratando dos adjuntos adverbiais. Observe, em (165), que, embora tenhamos vários
constituintes adjuntos ao fim da sentença, não temos a necessidade de inserir vírgulas
ou conjunções na sua ligação:

165) Vou viajar [pro Nordeste] [de avião] [na segunda que vem] [com o meu marido].

Contudo, caso tenhamos adjuntos de mesma classificação, a situação parece


mudar; nesse caso, a sentença passa a ser natural somente diante de inserção de
vírgulas e/ou conjunções. Assim, parece ser esta a condição para a coordenação entre
sintagmas adjuntos: pertencerem à mesma categoria. Vejamos:

166) Vou viajar pro Nordeste, pro Norte e pro Sul.

167) ?? Vou viajar pro Nordeste pro Norte pro Sul.

NOTA
Por convenção, existem algumas conjunções e expressões
coordenativas que, quando no meio de uma oração, solicitam
vírgulas somente anteriormente, enquanto outras devem ser
precedidas e sucedidas por elas. Estes são alguns exemplos:

EXPRESSÕES COORDENATIVAS
Expressões que
O João dormiu
demandam
mas pois bem como porque nem tarde, mas
vírgula apenas
acordou cedo.
antes
Expressões que
O João dormiu
demandam entretanto
porém assim por isso todavia tarde, porém,
vírgula antes e no entanto
acordou cedo.
depois

FONTE: Os autores (2022)

200
3.4 ELIPSE VERBAL
Um fenômeno muito comum na língua, também sintático, é a elipse (ou
apagamento), que consiste em omitirmos determinado elemento na língua porque ele
já está, de alguma forma, saliente no contexto. Essa saliência não significa que ele já
tenha sido alguma vez mencionado por alguém, mas, sim, que as pessoas envolvidas no
discurso têm consciência da referência da elipse. Para entender essa questão, considere
estes dois exemplos:

168) A Gabi gosta de dormir tarde, mas ____ detesta acordar cedo.

169) [A Maria e a Cláudia estão observando uma vitrine. A Maria aponta para um vestido:]
— Você achou ____ bonito?

Embora ambas as sentenças tenham elipses envolvidas, a referência dessas


elipses está contida de forma diferente no contexto da situação. Em (168), a elipse é
conectada imediatamente ao discurso anterior ao envolver o sintagma sujeito [a Gabi].
Diferentemente, em (169), o elemento apagado pela elipse está saliente no plano de
fundo do diálogo, não tendo sido, ainda, mencionado no discurso.

A virgulação está relacionada à elipse na medida em que, quando envolve


verbos, na escrita, ela é representada por vírgulas. Vamos analisar alguns exemplos em
(170-171). Nessas sentenças, conseguimos perceber que esse sinal marca a elipse não
apenas de verbos isolados, mas, também, de locuções verbais:

170) A irmã mais velha ganhou uma bicicleta de Natal; já a caçula, uma bola, porque é
muito pequena pra pedalar.
(A irmã mais velha ganhou uma bicicleta de Natal; já a caçula ganhou uma bola, já
que é muito pequena pra pedalar.)

171) Os bancos estão abrindo vagas para estágios; os hotéis, para recepcionistas.
(Os bancos estão abrindo vagas para estágios; os hotéis estão abrindo vagas para
recepcionistas.)

A reescrita das sentenças sem o apagamento, em itálico, busca evidenciar quão


importantes são as elipses: elas tornam a comunicação mais fluida e econômica, uma
vez que já se sabe, pelas condições do plano de fundo do discurso ou por ele próprio,
qual é o referente que está sendo omitido.

Para além dos verbos e locuções verbais, a elipse também pode envolver o verbo
mais um complemento ou um adjunto. Nesse caso, já que um verbo está elíptico, esse
apagamento necessariamente será sinalizado por uma vírgula na escrita. Assim, podemos
alcançar uma conclusão importante: somente quando a elipse incorporar verbos é que ela
será representada por vírgulas. Estes são alguns exemplos dessa situação:

201
172) Algumas pessoas veem filmes de terror para entretenimento; outras, até para dormir.
(Algumas pessoas veem filmes de terror para entretenimento; outras veem filmes
de terror até para dormir.)

173) Uns turistas vinham pra cá só pra relaxar, mas a maioria, por causa das belas
cachoeiras que possuímos.
(Uns turistas vinham pra cá só pra relaxar, mas a maioria vinha pra cá por causa das
belas cachoeiras que possuímos.)

3.5 SUJEITOS DISTINTOS


Outra situação de inserção de vírgulas que é determinada por aspectos sintáticos
é o contexto de sujeitos distintos. Basicamente, o que prediz essa regra é a seguinte
questão: quando, em uma mesma sentença, houver orações coordenadas com sujeitos
lexicalmente diferentes, a separação entre essas orações deverá ser feita por vírgulas.
Ressaltamos que essa diretriz tem uma implicação fundamental: quando os sujeitos das
duas orações coordenadas for o mesmo – estando ele reproduzido ou não –, não haverá
separação por vírgula (a não ser, naturalmente, que exista outro motivo plausível para
essa inserção). Vejamos um exemplo:

174) A principal diferença entre as teorias atômicas de Dalton e de Rutherford é que


Dalton acreditava que o átomo era maciço e indivisível, e Rutherford propôs a
divisão do átomo entre núcleo e eletrosfera.

Repare que, nessa frase, temos duas orações coordenadas que estão
encaixadas a partir de uma sentença principal, introduzida pela conjunção “que”. Como
a coordenação acontece somente entre as duas orações encaixadas, que possuem
sujeitos lexicalmente distintos, elas é que deverão ser separadas por uma vírgula.

Vamos, agora, explorar a ideia de distinção lexical. Para tanto, analise este
exemplo:

175) Hoje, as papelarias estão mais atentas ao gosto do consumidor, e elas fazem
questão de oferecer produtos que brilhem os olhos dos clientes.

É importante observar que, nessa sentença, temos dois constituintes sujeitos


que, em tese, são distintos. Contudo, o sujeito da segunda oração faz referência ao
primeiro – isto é, o pronome elas, nesse contexto, não pode se referir a outra entidade
que não a as papelarias. Nesse caso, a vírgula prevalecerá? Sim! A inserção desse sinal
se manterá porque o que está em jogo, nessa situação, é a distinção puramente lexical.
Em outras palavras, para sabermos se duas orações coordenadas A e B devem ser
separadas por vírgulas, o sintagma sujeito da oração A e o sintagma sujeito da oração
B devem ser distintos quanto a sua forma, não quanto à referência semântica que
apresentam ou qualquer outro critério.

202
DICA
Assim como propusemos na etapa de virgulação por movimento,
deixamos, como dica, que você selecione, neste material, exemplos
de inserção de vírgulas por mudança lexical do sintagma sujeito. Se
quiser, estenda a pesquisa para outros textos, como notícias, por
exemplo. Não se esqueça de conferir os exemplos encontrados com
o tutor da disciplina!

203
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• Fala e escrita são, ambas, representações da língua.

• Em muitos casos, aplicamos a vírgula para demarcar fronteiras de natureza sintática.

• Muitas vezes, sabemos que devemos inserir vírgulas em textos escritos porque estão
atuando as regras inerentes ao nosso conhecimento gramatical.

• A virgulação é determinada por aspectos sintáticos em seis contextos: o movimento


de constituintes; os apostos; os vocativos; os termos de mesma função sintática; a
elipse verbal; e a mudança de sujeitos.

204
AUTOATIVIDADE
1 Imagine que você é professor de Língua Portuguesa. Em certo dia, você está corrigindo
textos produzidos por seus alunos, que já estudaram os aspectos sintáticos das
vírgulas, e se depara com estas sentenças:

(a) Você leitor, ainda desperdiça alimentos ou já está consciente disso?


(b) Nas últimas décadas o desperdício de alimentos aumentou exponencialmente.
(c) É preciso discutir os motivos por trás do desperdício de alimentos, e da fome no
mundo.
(d) O desperdício de alimentos, um problema que vem aumentando muito com o passar
dos anos é fator coadjuvante para a desigualdade social.

Você nota problemas nas quatro frases e deve dar um feedback a respeito delas para os
estudantes. Sobre o problema que você reportará em cada feedback, associe os itens
utilizando o código a seguir:

I- Mudança de sujeito.
II- Aposto.
III- Vocativo.
IV- Expressões de mesma função sintática.
V- Movimento.

( ) Sentença (a).
( ) Sentença (b).
( ) Sentença (c).
( ) Sentença (d).

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I – III – II – V.
b) ( ) III – V – IV – II.
c) ( ) IV – II – III – I.
d) ( ) II – IV – I – III.

2 A partir dos aspectos estudados nesta unidade sobre a sintaxe da vírgula, considere
as frases a seguir e analise as afirmações abaixo:

(a) O mais barato da categoria, o plástico acrílico é um material que mostra mais
resistência do que o vidro e maior durabilidade.
(b) O plástico acrílico, um material de alta durabilidade, mostra mais resistência do que
o vidro, além de ser mais econômico.

205
(c) Comparado com o vidro o plástico acrílico mostra mais resistência e durabilidade,
vencendo-o, ainda, em matéria de preços.
(d) Comumente utilizado nas empresas, o plástico acrílico é mais barato, mais resistente
e mais durável em relação ao vidro.

I- As frases (a) e (b) não possuem problemas quanto à virgulação.


II- As frases (c) e (d) não possuem problemas quanto à virgulação.
III- Pelo menos uma entre as frases (a) e (d) possui problemas quanto à virgulação.
IV- Pelo menos uma entre as frases (b) e (c) possui problemas quanto à virgulação.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças II e III estão corretas.

3 No decorrer da unidade, você estudou muitos aspectos sintáticos da língua. A partir


dessas noções, considere as frases a seguir e assinale a alternativa CORRETA:

(a) Em geral, as temperaturas em Minas Gerais são amenas e, nas regiões mais altas,
um pouco mais baixas.
(b) O estado de Tocantins apresenta clima úmido e bastante chuvoso no verão, e o seu
inverno, na maioria das vezes, é bastante seco.
(c) O verão do Espírito Santo é nitidamente chuvoso, e o estado apresenta temperaturas
mais quentes durante todo o ano.
(d) Próximo ao Uruguai, o estado do Rio Grande do Sul tem estações bem definidas,
com muito calor no verão e bastante frio no inverno.

a) ( ) Há pelo menos uma frase que está em desacordo com tais aspectos.
b) ( ) As sentenças (a) e (b) possuem exemplos de virgulação por movimento de
constituintes.
c) ( ) As sentenças (c) e (d) possuem exemplos de virgulação por mudança de sujeito.
d) ( ) As sentenças (a) e (d) possuem exemplos de virgulação por inserção de apostos.

4 A partir das imagens apresentadas no quadro, de acordo com o exemplo fornecido,


elabore duas sentenças para cada uma delas, virgulando-as segundo as diretrizes do
capítulo. Use cada um dos seis aspectos aprendidos nas sentenças que formular: o
movimento de constituintes; os apostos; os vocativos; os termos de mesma função
sintática; a elipse verbal; e a mudança de sujeitos.

206
a)
• Na garupa do pai, Aline acompanhou o voo
dos pássaros, e o pai, a alegria da filha.

Disponível em: <http://twixar.me/Mjcm>.


Acesso em: 20 jun. 2022.
b)

Disponível em: <http://twixar.me/Qjcm>.


Acesso em: 20 jun. 2022.
c)

Disponível em: <http://twixar.me/xjcm>.


Acesso em: 20 jun. 2022.
d)

Disponível em: <http://twixar.me/6jcm>.


Acesso em: 20 jun. 2022.
e)

Disponível em: <http://twixar.me/Cjcm>.


Acesso em: 20 jun. 2022.

207
5 O quadro a seguir, em cada letra, apresenta duas informações. Utilize-as para
formular uma sentença que as contemple, conforme o exemplo apresentado. Além
disso, a sentença deve conter pelo menos dois usos da vírgula estudados ao longo
deste tópico. Você deve exercitar todos os usos aprendidos. Utilize sua criatividade
para adicionar mais informações e criar as sentenças da forma que preferir!

Na festa junina da escola, o 6º ano


O 6º ano apresentou quadrilha.
a) apresentou quadrilha, e o 9º ano vendeu
O 9º ano vendeu pipoca.
pipoca.

A Joana era uma aluna muito aplicada.


b)
A Joana passou em Sintaxe de primeira.

O Fábio estava falando com o cachorro


dele.
c)
O Fábio disse para o cachorro que ele era
uma gracinha.

O Zeca acordou assustado.


d)
O Zeca estava atrasado para o trabalho.

A Maria se formou um ano após o tempo


e) previsto.
A Sandra se formou no tempo previsto.

A Bruna não aguenta mais ir para a praia no


f) verão.
A época preferida do ano da Júlia é o verão.

208
REFERÊNCIAS
BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 2009.

CUNHA, C.; CINTRA, L. F. L. Nova gramática do português contemporâneo. rev. e


ampl. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007.

MARCUSCHI, L. A. Oralidade e letramento. In: MARCUSCHI, L. A. Da fala para a


escrita: atividades de retextualização. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

MIOTO, C. Sintaxe do português. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2009.

TOURNIER, C. Historie des idées sur la ponctuation: des débuts de l'imprimerie à nos
jours. Langue Française, v. 45. Paris: Larousse, 1980.

209

Você também pode gostar