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ATUALIDADES NOS

PROCEDIMENTOS DE
AJUSTES, VERIFICAÇÃO E
VALIDAÇÃO DAS PRÓTESES
AUDITIVAS
Elaboração

Julia de Souza Pinto Valente

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................................................... 5

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA.................................................................................................. 6

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................................................. 8

UNIDADE I
ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI.......................................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1
ATUALIZAÇÃO SOBRE AS TECNOLOGIAS DOS APARELHOS DE AMPLIFICAÇÃO SONORA............................................... 11

CAPÍTULO 2
SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE APARELHOS DE AMPLIFICAÇÃO SONORA EM CRIANÇAS................................................... 26

CAPÍTULO 3
SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE APARELHOS DE AMPLIFICAÇÃO SONORA EM ADULTOS E IDOSOS................................ 32

UNIDADE II
MÉTODOS PRESCRITIVOS............................................................................................................................................................................................... 35

CAPÍTULO 1
MÉTODOS PRESCRITIVOS NA TECNOLOGIA ANALÓGICA............................................................................................................... 36

CAPÍTULO 2
MÉTODOS PRESCRITIVOS NA TECNOLOGIA DIGITAL........................................................................................................................ 39

CAPÍTULO 3
PRINCIPAIS DIFICULDADES NA ADAPTAÇÃO DO APARELHO AUDITIVO................................................................................... 42

UNIDADE III
VERIFICAÇÃO E VALIDAÇÃO DAS PRÓTESES AUDITIVAS................................................................................................................................. 46

CAPÍTULO 1
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DAS PRÓTESES AUDITIVAS............................................................................................................ 46

CAPÍTULO 2
AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DA ADAPTAÇÃO: AVALIAÇÃO DA PERCEPÇÃO DE FALA E QUESTIONÁRIOS DE

AVALIAÇÃO DE RESULTADOS......................................................................................................................................................................... 69

CAPÍTULO 3
ORIENTAÇÃO AO USUÁRIO DE PRÓTESES AUDITIVAS E FAMÍLIAS DE USUÁRIOS............................................................... 74

UNIDADE IV
BIOÉTICA E ÉTICA NORMATIVA NA FONOAUDIOLOGIA..................................................................................................................................... 79

CAPÍTULO 1
HISTÓRIA E PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA....................................................................................................................................................... 79

CAPÍTULO 2
FUNDAMENTOS DA ÉTICA NA FONOAUDIOLOGIA: LEI DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL, NOÇÕES DO CÓDIGO DE

ÉTICA PROFISSIONAL...................................................................................................................................................................................... 85
CAPÍTULO 3
NOÇÕES DE BIOSSEGURANÇA NA FONOAUDIOLOGIA..................................................................................................................... 96

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................................................................... 99

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................................................................... 100
APRESENTAÇÃO

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como
pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia
da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos
da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional
que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-
tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de
textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam
tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta
para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto
antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para
o autor conteudista.

Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma
pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em
seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas
experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para
a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar


Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do
estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam
para a síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/
conclusões sobre o assunto abordado.

Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando
o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar


Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a
aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo
estudado.

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INTRODUÇÃO

O processo de reabilitar um indivíduo auditivamente é complexo e multifatorial.


Aspectos que vão desde a causa da alteração auditiva, interferência dela na comunicação,
tempo de privação auditiva, além de todo o contexto social e costumes de cada
indivíduo devem ser levados em conta. Como em qualquer processo terapêutico, a
reabilitação auditiva deve ser individualizada. O uso de “receitas de bolo” fada todo
o processo ao fracasso.

A opção mais pensada, e também indicada para a maioria dos casos de reabilitação da
perda auditiva, é o uso do aparelho de amplificação sonora individual (AASI). Nessa
atuação, o fonoaudiólogo está totalmente inserido, sendo o profissional que participa
de todas as etapas: diagnóstico auditivo, indicação do AASI, seleção e adaptação.

Ao falarmos de aparelho auditivo, estamos falando do uso de um dispositivo eletrônico


para reabilitar o paciente. Junto com todo o desenvolvimento tecnológico observado
no atual mundo globalizado, os aparelhos auditivos também se desenvolvem a cada ano
de forma nunca pensada antes. Nesse sentido, o audiologista que trabalha com AASI
precisa estar sempre atento às atualidades nessa área, e é por isso que essas atualidades
serão abordadas em nossa primeira unidade. Além disso, pelo caráter extremamente
individualizado dessa reabilitação, também estudaremos nesta unidade as especificidades
na população infantil, adulta e idosa.

Ainda pensando na tecnicidade que os AASI possuem, outro ponto importante que
necessita ser conhecido pelo profissional que irá trabalhar com ele é como o aparelho
auditivo calcula o quanto de som será fornecido ao paciente, os chamados métodos
prescritivos. Existem métodos para tecnologias analógicas e digitais e precisamos
saber em qual momento usar cada um deles; será esse assunto que abordaremos na
segunda unidade. Também discorreremos sobre as principais dificuldades normalmente
encontradas nas regulagens e adaptações, uma vez que essa discussão é uma das maiores
demandas para quem trabalha nessa área.

Após a realização de todos esses processos já descritos, precisamos avaliar se está


realmente tudo bem, se o aparelho está bem regulado e se o indivíduo está bem adaptado.
Essa avaliação pode ser realizada de algumas maneiras e são chamadas de métodos de
verificação e de validação. Como em qualquer processo de reabilitação, precisamos
reavaliá-lo de forma periódica e, por isso, esse será o nosso assunto da terceira unidade.
Um dos fatores que mais influencia em um bom resultado com o uso do AASI são as

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orientações corretas (apesar de esse ponto ser, em muitas situações, negligenciado).
Dada essa importância, tal aspecto também será abordado aqui.

Por fim, precisamos lembrar-nos da importância de, durante toda nossa prática
fonoaudiológica, independentemente da área de atuação, termos uma atuação ética. A
bioética e a ética devem sempre estar presentes e devemos ter conhecimento do nosso
código profissional, de ética e de bioética. Quando falamos de aparelho auditivo, ainda
temos a adição da vertente comercial, de venda, o que nos obriga a estarmos ainda
mais atentos a esses aspectos. Por esse motivo, terminaremos este estudo abordando
tal assunto em nossa última unidade.

Todos esses assuntos são muito importantes para nossa prática clínica e serão abordados
neste material, conforme os objetivos a seguir.

Objetivos
» Compreender as características específicas da utilização do AASI nas
diferentes idades.

» Conhecer os principais avanços tecnológicos relacionados aos aparelhos de


amplificação sonora individual.

» Entender os métodos prescritivos de validação e de verificação.

» Conhecer nosso código de ética e bioética, além de noções de biossegurança


e a lei do nosso exercício profissional.

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ATUALIZAÇÃO
EM SELEÇÃO E UNIDADE I
ADAPTAÇÃO DE AASI

Quando falamos de seleção e adaptação de aparelhos auditivos, percebemos que existem


diversos aspectos que devem ser considerados. Além de conhecer bem os aspectos
audiológicos e não audiológicos, precisamos conhecer o aparelho em si e suas tecnologias.
Como qualquer tecnologia, o desenvolvimento dos AASI está acontecendo o tempo todo
e de forma mais rápida possível, sendo fundamental que sempre estejamos atualizados
sobre eles. Por isso, nesta unidade, discorreremos sobre as principais atualidades no
âmbito dos aparelhos auditivos. Ademais, falaremos também das especificidades da
adaptação de aparelhos auditivos em crianças, adultos e idosos, destacando a prática
clínica de cada uma delas.

CAPÍTULO 1
Atualização sobre as tecnologias
dos aparelhos de amplificação
sonora

Quando pensamos em tecnologia, tudo parece evoluir em um piscar de olhos. Em um


ano se evolui mais do que na última década, e essa evolução se reflete nos aparelhos
auditivos. Se fizermos uma rápida análise do histórico da amplificação sonora, veremos
que hoje as possibilidades são diversas com aparelhos cada vez menores e mais discretos.

É bom sempre destacar que precisamos entender como a evolução acontece e continua
acontecendo e ter em mente que o que era feito antigamente era o melhor possível
para a época.

Quando os aparelhos auditivos começaram a ser inventados, não tínhamos uma boa
qualidade sonora do som fornecido ao paciente. O som tinha um caráter metálico,
mas já trazia um grande benefício àquele que não conseguia ouvir em razão da perda

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Unidade i | ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI

auditiva. Por isso, a primeira corrida tecnológica aconteceu para melhorar a qualidade
do som fornecido ao paciente.

Com a melhora da qualidade do receptor, com o desenvolvimento da amplificação


não linear (que amplifica o som de forma mais parecida com o que o sistema auditivo
íntegro faz) e com a amplificação por frequência, a qualidade sonora melhorou bastante.
Essa evolução foi tão grande que, hoje em dia, até os aparelhos auditivos de categorias
mais baixas fornecem um som de excelente qualidade ao usuário.

Com o problema da qualidade sonora resolvido, o foco voltou-se a criar um aparelho


auditivo que pudesse se adequar às individualidades de cada usuário. Dessa forma,
surgiu a possibilidade da criação de programas específicos para ambientes específicos.
O paciente poderia selecionar a programação que melhor se adequasse ao ambiente
que ele estava, podendo, por exemplo, ter uma regulagem para o dia a dia e uma para
quando estivesse em sala de aula. Essa mudança de programação normalmente era
feita apertando-se um botão no aparelho auditivo.

A possibilidade de poder criar diversos programas (alguns aparelhos mais tecnológicos


permitem até sete programas) tornou mais confortável o uso dos aparelhos auditivos,
independentemente do ambiente em que o paciente estava. Contudo, a nossa audição
não acontece assim. Um paciente que tem audição íntegra não fica mudando de
“programa”. Na verdade, nosso ouvido se adapta ao ambiente em que estamos, seja
realizando ações reflexas, como o reflexo acústico estapediano para nos proteger de
sons altos, seja fazendo uso de funções mais superiores, como o uso da habilidade
auditiva de figura-fundo quando estamos em um local barulhento.

É nesse momento que se encontra o desenvolvimento dos aparelhos auditivos, na busca


de tornar o uso do AASI o mais natural possível com uma tecnologia que se adapte
ao ambiente de forma automática, sem ser necessária a troca constante de programas.
Nesse sentido, já houve uma grande evolução, tanto que os aparelhos mais tecnológicos
atualmente só permitem o uso de quatro programações. Isso não acontece porque eles
não comportam um número maior, mas sim porque não é mais necessário, uma vez
que a adaptação automática já acontece muitas vezes.

Para que essa automatização ocorra, é necessária uma grande evolução dos processadores
do AASI. Eles precisam conseguir captar o som, analisá-lo e então decidir o que precisa
ser feito na amplificação para aquele paciente específico. Essa tomada de decisão
precisa ser extremamente rápida, não pode consumir energia demais para não se

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ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI | Unidade i

tornar impraticável no quesito consumo de pilha e precisa não aumentar o tamanho do


processador, uma vez que temos um espaço limitado dentro dos aparelhos auditivos.

Atualmente, um dos maiores desafios para os desenvolvedores de aparelhos auditivos é


fornecer a audição igual ao de um paciente que escuta normalmente, dando a sensação
de profundidade auditiva. Isso se tornou possível com o uso de dois microfones, que
veremos a seguir como funcionam. Além disso, hoje se tem o entendimento de que,
a depender do dano coclear que esse paciente possui, apenas o aparelho não dá conta
de resolver o problema, uma vez que ele não substitui o ouvido do paciente, sendo
necessário então lançar mão de alguns dispositivos, como o uso de microfones externos,
para auxiliar esse indivíduo.

Todo esse desenvolvimento tem de também ser interessante e de fácil uso do paciente,
facilitando seu dia a dia, em vez de complicá-lo. Nesse sentido, a seguir, veremos as
principais atualizações na seleção e adaptação do AASI, sempre trazendo exemplos
práticos de quando cada uma delas é indicada.

Conectividade
Com o advento da tecnologia wireless, que pode ser definida como a tecnologia que
permite que dados possam ser transmitidos, a conexão do aparelho auditivo com o
computador para regulagem ou com algum dispositivo auxiliar se tornou possível.

No caso dos AASI essa conexão é realizada, em sua maioria, através do Bluetooth, que
utiliza uma frequência de rádio de ondas curtas (2.4 GHz) nas conexões com a maioria
dos dispositivos, como quando pareamos nosso celular com o som do carro. Atualmente,
algumas empresas estão fazendo uso de outras frequências a fim de evitar interferência.

Uma questão importante ao pensarmos no uso da conectividade é que haverá um


aumento no custo, uma vez que há um significativo aumento no gasto de pilhas (da
mesma forma que o Bluetooth consome mais a bateria do nosso celular, ele também
consumirá do aparelho auditivo). Além disso, o aparelho precisa ter espaço interno
para comportar uma antena wireless. Com isso, aparelhos auditivos muito pequenos
não possuem a antena e, por consequência, não possuem conectividade. Os aparelhos
intra-aurais são os que mais apresentam dificuldade em comportar a antena, sendo
dependentes do tamanho do conduto auditivo do paciente (a exceção do intracanal,
que, em virtude de seu tamanho muito pequeno, independentemente do tamanho do
conduto auditivo, não possui espaço para colocação da antena).

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Unidade i | ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI

O uso da conectividade para nós fonoaudiólogos tem tornado a nossa atividade de


regulagem mais prática, uma vez que conseguimos conectar os aparelhos ao computador
para regulagens sem o uso de fios. Também facilita que, ao colocarmos o aparelho
no ouvido do paciente, ele já consiga observar a estética final, uma vez que não há
nada ligado ao aparelho auditivo. Vale ressaltar que, para que essa conexão ocorra, o
aparelho deve estar com a pilha carregada.

A desvantagem do seu uso acontece quando se trabalha com mais de uma marca.
Quando fazemos a regulagem com cabo para realizar a conexão, podemos usar a mesma
interface para todas as marcas, o Hipro. Já quando a conexão é feita sem fio cada marca
possui a sua interface, como demonstrado na figura a seguir. Dessa forma, precisamos
ter vários dispositivos e, muitas vezes, não temos tantas entradas para conectá-los ao
computador, sendo necessário ficar trocando a entrada USB para aquele que você irá
usar no momento.

Figura 1. Exemplo de interface de conexão wireless.

Fonte: https://husale.2021outletfactory.ru/category?name=noahlink%20wireless.

Além da regulagem sem fios, o uso da conectividade proporciona diversos empregos


de equipamentos auxiliares e opcionais, o que muitas vezes auxilia na aderência pela
parte do paciente ao uso dos aparelhos auditivos.

Podemos conectar o AASI com um controle remoto para fazermos ajustes de volume
ou mudar programa. Podemos também, com o uso de uma interface, conectar com a
televisão e ouvir o áudio da TV direto no celular sem interromper o áudio normal da
televisão, assim várias pessoas na sala assistem a um programa juntas. Além disso, é
possível conectar o aparelho a um microfone, que pode ser colocado perto do falante,
e também enviar direto para o aparelho o som captado, da mesma forma que o Sistema
FM faz.

No entanto, com o avanço da tecnologia, a conectividade mais usada pelos pacientes


é a conexão com o celular. Atualmente, quase todo mundo possui um smartphone e
usa-o de forma constante. Ao parear os aparelhos auditivos com o celular, podemos

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ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI | Unidade i

alterar seu volume ou o programa por meio de um aplicativo. Esse aplicativo também
pode nos mostrar quanto de carga a bateria tem. Além disso, essa conexão faz a
transmissão de áudio, fazendo com que todos os sons (uma ligação, um vídeo ou até
uma mensagem de voz gravada) cheguem direito ao aparelho, como o que acontece
com um fone de ouvido.

Aparelhos auditivos com mais tecnologia conseguem, por meio do aplicativo e do GPS
do celular, determinar qual programa você deseja usar em cada situação. O celular
analisará a sua localização e, ao perceber, por exemplo, que você entrou na faculdade,
dará o comando para que o aparelho auditivo mude para o programa de sala de aula.

Ou seja, podemos observar que, com a conectividade do celular, agora é possível


usar o processamento dele por meio do aplicativo instalado e, então, dar comando de
ajustes ao aparelho auditivo. Essa conexão entre celular e aparelho auditivo evoluiu
a um nível que alguns conseguem até realizar a tradução de palavras ditas em outros
idiomas e fornecê-la ao paciente amplificado.

Por fim, a conectividade permitiu que um aparelho pudesse se comunicar com o


outro, durante uma adaptação bilateral. Isso pode parecer muito básico se comparado
à possibilidade de comunicação com celular, mas, por ser mais simples, está presente
em aparelhos mais básicos, já trazendo grandes benefícios. A comunicação entre os
aparelhos permite uma análise mais detalhada do som captado e do ambiente, além
do fato de que, ao apertar o botão para mudar programa no aparelho da direita, o da
esquerda também mudará de programa (antes dessa conexão entre os aparelhos era
necessário apertar os dois lados). Esse comando de um lado que também acontece no
outro vale para tudo, inclusive para aumentar e abaixar o volume. Alguns aparelhos
que só possuem um botão (não permitindo apertar para cima para aumentar e para
baixo para abaixar) podem ser programados para que, ao apertar o botão do aparelho
direito, o som aumente e, ao apertar o da esquerda, o som abaixe.

Por fim, a conectividade entre dois aparelhos possibilitou o desenvolvimento do


sistema Cross/Bicross que veremos mais à frente.

Dois microfones
O uso de dois microfones vem contribuindo para o desenvolvimento de uma audição
mais natural. No início da amplificação sonora, o foco era amplificar fala, pois o principal
de qualquer reabilitação auditiva é proporcionar que o paciente volte a se comunicar. É

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Unidade i | ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI

por isso que lá no início do desenvolvimento da tecnologia o foco era em um microfone


procurar a fala e fazer com que as frequências de fala fossem amplificadas.

Depois de um tempo, começou a se observar que, ao se focar na fala, apesar de a


comunicação conseguir acontecer de forma efetiva, o paciente ainda não tinha uma
audição natural. Percebeu-se que os sons de fundo, os ditos sons ambientais, não eram
amplificados com qualidade, e o paciente muitas vezes não conseguia nem identificar o
que era o som. Contudo, se pararmos para pensar, audição natural não é assim. Mesmo
que foquemos no falante, sabemos o que está acontecendo no fundo.

Nesse sentido, começou a se entender que, para a amplificação se tornar mais natural,
seria necessário que os sons de fundos também fossem bem amplificados. A tecnologia
desenvolvida para fornecer essa profundidade ocorreu pela utilização de dois microfones.

Desse modo, é como se houvesse dois aparelhos em um só, um para a fala e outro para
o ambiente. Tudo isso demanda tecnologia, e é por isso que esse recurso, atualmente,
está apenas disponível nos aparelhos top de linha.

Recarregável
A tecnologia do aparelho recarregável é provavelmente a que mais tem tido tem
tido demanda por parte dos pacientes, seja porque o paciente não deseja ter um
inconveniente de ficar trocando a pilha do aparelho, seja porque ele tem uma
preocupação de não gerar lixo e não acabar prejudicando o meio ambiente, uma vez
que se sabe que baterias precisam de um descarte especial, pois podem ser muito
prejudiciais ao meio ambiente.

Aqui também vale entender como foi o processo de desenvolvimento dessa tecnologia.
No começo, o aparelho auditivo não era recarregável, mas a pilha sim. Essas pilhas
eram muito parecidas com as convencionais, mas poderiam ser recarregadas. O
inconveniente disso é que não se conseguia armazenar muita energia em uma pilha,
e, por isso, essa pilha recarregável só podia ser utilizada em aparelhos com potências
baixas, como, por exemplo, aparelhos para perdas auditivas leves.

Quando essa tecnologia era utilizada em aparelhos que precisavam de mais potência,
rapidamente elas descarregavam, sendo necessário recarregar durante o dia, o que
tornava o uso dessa tecnologia pouco prático e não funcional no dia a dia.

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ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI | Unidade i

Hoje em dia, os aparelhos recarregáveis são amplamente divulgados e vendidos e não


possuem uma pilha recarregável, mas sim uma bateria, como acontece com o nosso
celular. Com essa mudança, esses aparelhos começaram a comportar mais energia e
passaram a ser utilizados para praticamente qualquer tipo de perda auditiva, trazendo
mais comodidade e mais funcionalidade no dia a dia.

Para que a recarga aconteça, o aparelho tem de ser acoplado a um dispositivo que
parece uma caixinha, esse dispositivo se conecta à tomada. O carregamento do
aparelho é feito por indução e, normalmente, deixa-se o celular carregando, o que
já é suficiente para o uso diário. Na imagem a seguir, podemos ver um exemplo de
carregador com o aparelho.

Figura 2. Exemplo de aparelho recarregável.

Fonte: https://www.resound.com/pt-br/hearing-aids/rechargeable-hearing-aids.

O carregador onde se coloca o aparelho para carregar também possui a capacidade


de armazenar carga, podendo funcionar como uma bateria externa. A depender da
marca, um carregador consegue dar três vezes a carga de um aparelho sem precisar se
conectar à tomada. Com isso, por exemplo, o paciente pode um dia não retornar para
casa e conseguir mesmo assim carregar o aparelho.

Outro ponto importante de se observar é que, normalmente, esses carregadores possuem


junto, acoplado, um desumidificador, que é muito importante para a manutenção
do aparelho, pois evita que este oxide durante o contato que tem com a umidade no
dia a dia. Ao se utilizar em aparelhos que usam pilhas convencionais, orienta-se que
o aparelho durma no desumidificador, porém, nos aparelhos recarregáveis, quando
o paciente está dormindo, o aparelho está carregando, por isso a solução é que o
desumidificador esteja acoplado ao carregador.

Inicialmente, quando os aparelhos recarregáveis foram desenvolvidos, essa opção só


estava disponível para aparelhos retroauriculares ou receptores no canal. Atualmente,
já se conseguiu desenvolver a tecnologia do recarregamento para os aparelhos
intra-aurais, conforme podemos observar na figura a seguir. Isso traz uma maior

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Unidade i | ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI

diversidade de possibilidade de adaptação, uma vez que os aparelhos recarregáveis


intra-aurais fazem uso da mesma tecnologia de carregamento por indução observada
nos retroauriculares.

Figura 3. Exemplo de aparelho recarregável intra-aurais.

Fonte: https://br.linkedin.com/company/oto-care-aparelhos-auditivos.

Apesar de ser muito atrativo, como tudo no aparelho auditivo, a tecnologia do aparelho
recarregável tem as suas indicações e contraindicações. Um fato que tem de se levar
em conta é o custo agregado. Além do valor do aparelho auditivo, é necessário fazer a
compra do seu carregador (o valor pago pelo carregador não é menor do que o que se
gastará de pilha durante cinco anos de uso de um aparelho com pilhas convencionais,
por esse motivo comprar um aparelho recarregável acaba sendo um pouco mais caro do
que quando se compra um aparelho convencional). Além disso, existe um dispositivo
a mais para se fazer uso, que é o carregador.

Por isso, ao indicar um aparelho recarregável, precisamos conferir se o paciente tem


interesse de investir o valor, se tem capacidade de entender como funciona a questão
do carregamento e se sabe lidar com a necessidade de carregar o aparelho toda noite
ao dormir.

Em prática clínica, uma dificuldade observada está na indicação do uso dos aparelhos
recarregáveis na questão de o aparelho positivo não desligar. Quando se fala de adaptação
de um aparelho auditivo com pilhas convencionais, sempre se orienta ao paciente
que, ao retirar o aparelho do ouvido, abra a gaveta de pilha, dessa forma o aparelho
vai desligar, uma vez que não há motivo para o aparelho fora do ouvido continuar
amplificando. A grande questão dos aparelhos recarregáveis é que a gaveta de pilha não
abre. Com isso, a opção que resta é colocar a opção do botão de, ao apertar, desligar
o aparelho. É importante ter essa opção porque, em alguns momentos no dia a dia, é
necessário retirá-lo.

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ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI | Unidade i

O maior problema aqui é o paciente conseguir interpretar em que momento o aparelho


está desligado ou em que momento está descarregado. Observa-se na prática que o
paciente aperta o botão e desliga o aparelho e, quando vai fazer o uso novamente, não
consegue apertar o botão para que ele ligue, daí começa a achar que não está carregado.
Outra dificuldade comum é o paciente que se esqueceu de carregá-lo durante a noite,
ou que não encaixou bem no carregador e acha que o aparelho está quebrado e que,
por isso, não está ligando.

Parece uma dificuldade muito boba, mas é preciso lembrar que a maneira de se usar o
aparelho auditivo até pouquíssimo tempo atrás era colocando e tirando pilha, abrindo
e fechando a gaveta de pilha. Além disso, apertar o botão às vezes é algo que requer
uma destreza manual, e o paciente tem de prestar atenção para ver se o botão realmente
foi acionado ou não.

Para pacientes que apresentam um quadro inicial de demência ou alguma confusão


de entendimento e que necessitam de um pouco de prática para entender, o ideal é
que tenham um acompanhante. Isso é importante, pois, se o paciente achar o tempo
todo que o aparelho não está funcionando, ou que ele não é capaz de mexer, acabará
influenciando diretamente a aderência à reabilitação.

Autonomia
Como vimos, houve corrida para se desenvolver aparelhos auditivos autônomos, que
se adéquem ao ambiente sem que o paciente tenha de ficar mexendo e trocando o
programa o tempo todo. Este tópico objetiva ressaltar a importância dessa autonomia
e explicar como ela é concretizada. Todo o processamento do som, seja a análise sejam
as modificações, acontece por meio de algoritmos.

É preciso lembrar que, depois de captado, o som é transformado em linguagem de


programação e é processado, modificado e amplificado ainda nessa linguagem. Ou seja,
todo o trabalho não é feito na onda sonora, mas sim da mesma forma que o computador
faz. Após o som amplificado como desejado, a informação se está em linguagem de
programação é transformada novamente em som e então fornecida ao paciente.

Contudo, para que o processador do aparelho saiba o que fazer com o som, é preciso
informar, essa informação de como proceder é que se chama de algoritmos. Estes
podem ser definidos como uma estruturação passo a passo de como um determinado
problema deve ser resolvido de forma não ambígua (ou, como muitos comparam,

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Unidade i | ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI

“uma receita de bolo”). É por intermédio dos algoritmos que falamos ao aparelho para
amplificar menos sons fortes e mais sons fracos, por exemplo.

Cada marca de aparelho auditivo possui seus próprios algoritmos e investe pesado em
aperfeiçoá-los de forma a processar o som de modo mais eficaz possível (tornando
mais natural). É por isso que o paciente, muitas vezes ao trocar de marca de aparelho
auditivo, sente uma diferença no início da adaptação. E é também pelo mesmo motivo
que é contraindicado que o paciente use um aparelho de cada marca em uma adaptação
bilateral, já que cada marca possui os seus algoritmos e sua forma de modificar o som.

Um bom exemplo de desenvolvimento de algoritmo é da marca dos aparelhos auditivos


BTEs, que percebeu que os pacientes reclamavam muito do som do vento ao bater nos
microfones. Para resolver esse problema, ela criou um algoritmo de vento e orientou
os profissionais que, caso o paciente apresentasse uma queixa, se poderia no ajuste no
programa de computador ativar o algoritmo de ruído de vento e, assim, o aparelho
realizaria as modificações necessárias para que esse desconforto não acontecesse.

A autonomia do aparelho está intrinsecamente ligada aos seus algoritmos, bem como
o desenvolvimento tecnológico do processamento do som. Queremos um aparelho
cada dia que passa mais independente, e, para que isso aconteça, ele precisa saber o
que fazer em todas as situações. São os algoritmos que irão dizer como agir e, por isso,
eles são o maior foco do desenvolvimento tecnológico atual.

A partir de agora, quando alguém falar com você sobre algoritmo em aparelhos
auditivos, já saberá que se refere à instrução de como o aparelho deve agir.

Controle de saúde
Fazendo uso da conectividade bem desenvolvida e presente em grande parte dos AASI
e tentando tornar o aparelho auditivo mais integrado ao dia a dia do paciente, hoje
em dia existem marcas de aparelhos auditivos que foram além da amplificação sonora.
Algumas conseguem, por meio do aplicativo, monitorar, por exemplo, a ocorrência de
quedas e então enviar uma mensagem para um contato de emergência já pré-cadastrado.
Também é possível fazer monitoramento de passos e de horas de sono.

Aqui é importante destacar que não é o aparelho auditivo em si que realiza esses
monitoramentos, mas sim o aplicativo do celular. A ideia é integrar várias atividades
em um local só (aparelho auditivo e monitoramento de saúde), a fim de tornar mais
fluido o uso dos dispositivos.

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ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI | Unidade i

Esse tipo de tecnologia possui um valor agregado alto e ainda está sendo inserido no
dia a dia da indicação, seleção e adaptação do aparelho auditivo.

Cross/Bicross
O sistema Cross/Bicross surgiu como uma alternativa de reabilitação auditiva para os
pacientes que apresentam uma perda auditiva não amplificável (que não se beneficiam
do uso do aparelho) unilateralmente. O intuito dessa adaptação é fazer com que se
tenham de volta as habilidades auditivas perdidas com um lado não amplificável. Aqui
é importante ter em mente que apenas um lado pode ser não amplificável, o outro
precisa ser normal ou possuir uma perda auditiva que se beneficie do uso do AASI.

Sabe-se que a perda auditiva unilateral pode comprometer as habilidades auditivas,


principalmente a de localização sonora, bem como dificultar o entendimento em
ambientes auditivamente mais desafiadores. Não é à toa que pessoas com perdas
auditivas unilaterais são candidatas ao uso do AASI. Quando o lado com perda auditiva
se beneficia do uso do aparelho auditivo, mesmo com uma assimetria importante,
muitas vezes o uso do aparelho de forma convencional se mostra efetivo. O grande
problema ocorre quando esse lado não se beneficia do uso do AASI, não sendo possível
restaurar essa audição. Para esses casos, desenvolveu-se a tecnologia Cross/Bicross.

A diferença entre um lado não amplificável e outro normal ou com perda auditiva é
que determinará se o sistema é Cross ou Bicross. O sistema Cross é empregado quando
um lado é normal e o outro não se beneficia de amplificação. Enquanto no sistema
Bicross um lado não tem benefícios com o uso do AASI e o outro possui uma perda
auditiva que se beneficia. Na imagem a seguir, vemos um exemplo da diferença entre
os sistemas Cross e Bicross.

Figura 4. Exemplo dos sistemas Cross/Bicross.

Fonte: elaborada pela autora.

21
Unidade i | ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI

Ambos os sistemas funcionam da mesma maneira: um microfone é adaptado na


orelha não amplificável e outro aparelho é colocado na outra orelha (normal ou
amplificável). Esse microfone colocado na orelha anacúsica tem o formato idêntico
ao de um aparelho auditivo, então, ao olhar o paciente, a impressão que se tem é que
ele faz uso de aparelhos auditivos bilateralmente.

O microfone/transmissor que está na orelha que não tem indicação do uso de AASI
capta o som que chega desse lado e o transmite para o receptor que está na outra orelha
melhor. Esse sinal é processado, então, nesse aparelho auditivo e enviado ao ouvido
do paciente. Até este momento não importa se o paciente possui uma perda auditiva
ou tem audição normal do lado melhor, o processamento foi igual. A partir daqui é
que a diferenciação acontece.

Se o paciente possuir audição normal, o som que foi transmitido do outro ouvido será
fornecido ao ouvido bom sem amplificação alguma, apenas na intensidade de que foi
captado. Já se a orelha amplificável possuir uma perda auditiva, então o som captado
do outro lado será fornecido junto com a amplificação de que essa orelha necessita. Ou
seja, no sistema Cross há o envio da informação anacúsica, mas não há amplificação.
Enquanto no sistema Bicross, além da informação contralateral enviada, há também
a amplificação do som de acordo com a perda auditiva.

Na imagem a seguir, conseguimos observar de forma esquemática como todo esse


processo ocorre:

Figura 5. Esquema do funcionamento dos sistemas Cross/Bicross.

Fonte: elaborada pela autora.

Esse envio de sinal do dispositivo que possui o microfone para o aparelho auditivo do
outro lado é realizado através de conectividade sem fio. Por esse motivo, quando falamos

22
ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI | Unidade i

anteriormente de conectividade, destacamos que só a partir do seu desenvolvimento


que o sistema Cross/Bicross se tornou possível.

Outro ponto que precisou se desenvolver bastante foi o algoritmo de processamento


de som enviado pelo microfone bilateral. A tecnologia se desenvolveu a tal ponto que
a sensação que o paciente tem é de ter ouvido do lado não amplificável, apesar de a
informação sonora estar sendo dada do lado melhor. A precisão é tal que o paciente
volta a ter, por exemplo, a localização sonora, conseguindo detectar se o som está
vindo do lado em que ele não ouve nada.

Um cuidado bem importante que devemos ter na indicação desse sistema é ter a
certeza de que a orelha realmente não se beneficia do uso do AASI. Isso porque,
quando adaptamos o sistema Cross/Bicross, a orelha dita pior é deixada de lado e
não recebe amplificação, não sendo estimulada. Todo o som captado desse lado é
enviado para o ouvido contralateral. Deixar de estimular a audição de um ouvido
pode gerar consequências importantes e, por isso, é preciso ter certeza de que esse
ouvido não se beneficia de uma amplificação dita convencional. Caso haja dúvida,
é indicado que se faça um teste realizando a adaptação de um aparelho auditivo e
medidas de validação e verificação (que veremos mais adiante) para se ter a certeza
do não benefício desse ouvido.

Como observado quando estudamos o seu funcionamento, os aparelhos auditivos


precisam estar conectados e o tempo todo transmitindo informação de um para outro.
Por isso, o consumo de pilha do sistema Cross/Bicross é bem alto, e esse custo deve
ser levado em conta durante sua indicação. O consumo chega a aumentar até 300%.
Existe a opção do aparelho recarregável nesse sistema, porém uma carga completa
não será o suficiente para usar o aparelho durante um dia inteiro, sendo necessário
recarregar durante o dia.

Além do aumento no custo das pilhas, pela sua complexidade de processamento de


sinal, o sistema não está disponível nas versões mais básicas. O dispositivo que contém
o microfone não é um aparelho auditivo em si, mas possui importante tecnologia e
conectividade. Já o dispositivo que recebe o som, processa e envia para o paciente é sim
um aparelho auditivo que, pela complexidade de processamento, precisa de tecnologia
de ponta. Com isso, o valor do custo da adaptação sistema Cross/Bicross não é baixo.

Posto isso, o sistema Bicross acaba tendo uma maior aceitação que o sistema Cross.
Isso acontece porque no Bicross o paciente já terá de usar um AASI no lado com perda
auditiva amplificável, enquanto no sistema Cross o paciente terá de usar um aparelho

23
Unidade i | ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI

em um lado normal. Além disso, quando o lado não amplificável é normal, o paciente
consegue ter um melhor desempenho auditivo comparado a quando o outro lado
possui uma perda auditiva.

O importante aqui é saber quando o dispositivo é indicado e analisar se o paciente tem


a indicação. Além disso, é necessário lembrar que, em alguns casos em que há indicação
do sistema Cross/Bicross, também é indicado o uso da prótese auditiva ancorada ao
osso, devendo a escolha de qual reabilitação auditiva será realizada ser feita por uma
equipe multiprofissional em conjunto com o paciente.

Acesso remoto
O acesso remoto é o mais atual avanço tecnológico dos AASI, e, no contexto atual de
pandemia, a possibilidade de realizar, por exemplo, um ajuste remoto de um aparelho
auditivo se mostrou fundamental e fez diferença na adaptação ao aparelho auditivo.

Esse acesso remoto acontece por meio de um aplicativo de celular. O paciente acessa
o aplicativo e relata sua queixa, como, por exemplo, que o aparelho está baixo. Essa
queixa é enviada através do aplicativo ao programa de regulagem que a fonoaudióloga
tem acesso. A partir da queixa, a profissional faz a regulagem no programa e envia para
a nuvem. O aplicativo do paciente acessa informação da nuvem, baixa, e ele recebe uma
mensagem dizendo que o ajuste está disponível e se gostaria de instalar no aparelho
auditivo. Quando este aceita, os ajustes são realizados.

É importante ressaltar que algumas queixas auditivas não podem ser resolvidas pela
sessão remota, por isso, antes de o paciente enviar a solicitação pelo aplicativo, é
realizada uma triagem. Caso seja observado que a queixa precisa de um atendimento
presencial, o paciente é orientado via aplicativo a marcar uma consulta.

Caso a solicitação possa ser resolvida por acesso remoto, após a fonoaudióloga enviar
os ajustes para os aplicativos e o paciente tiver instalado, é feito um questionamento
para que ele decida se a regulagem ficou boa ou não. Caso a regulagem tenha ficado
ruim, ele tem opção de voltar para a regulagem anterior.

Saliente-se que o acesso remoto não substitui o contato do fonoaudiólogo com paciente,
mesmo que a distância, mediante um aplicativo de mensagens, por exemplo, esse
contato tem de acontecer até para que possa se entender melhor qual é a queixa.
No entanto, é preciso valorizar as possibilidades abertas pelo uso do acesso remoto,

24
ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI | Unidade i

principalmente àqueles pacientes que apresentam dificuldade de deslocamento ou que


não podem se deslocar.

A utilização do acesso remoto também faz com que reflitamos sobre o uso dos dados
do paciente, pois se tem que colocar dados dos ajustes, da audiometria e pessoais na
nuvem. O paciente precisa estar ciente de onde seus dados fornecidos serão empregados,
e é preciso assegurar que haja uma boa segurança.

Muitas vezes, o emprego de tecnologia parece a “resolução dos nossos problemas”,


porém, na maioria das vezes, não é. Uma adaptação de um aparelho auditivo que
“nunca está boa” normalmente está relacionada ou a más escolhas no processo de
seleção ou a uma orientação não tão bem realizada ou até por falta de motivação
do paciente em participar de forma ativa dela. A tecnologia vem nos auxiliar na
maior aderência ao uso do AASI, ao trazer uma melhor informação auditiva em
alguns casos específicos e um melhor conforto ao paciente. Um processo de
reabilitação realizado com erros não será “salvo” com o uso de tecnologias.

25
CAPÍTULO 2
Seleção e adaptação de aparelhos de
amplificação sonora em crianças

É preciso levar em conta a individualidade de cada indivíduo. Ao se pensar na população


infantil, é possível perceber que há uma demanda mais específica ainda, pois essa
população infantil apresenta dificuldade de relatar sentimentos e dificuldades e, por
consequência, de relatar a adaptação ao aparelho auditivo. É nesse sentido que neste
momento abordaremos especificamente os detalhes importantes na prática clínica de
adaptação de aparelho auditivo em crianças.

Sabemos do grande impacto que a deficiência auditiva tem no desenvolvimento da


criança, por esse motivo existe a triagem neonatal. Além disso, sempre é fato que o
diagnóstico da perda auditiva tem de ser realizado de maneira mais precoce possível,
uma vez que, para que a criança se desenvolva de forma plena e adquira a linguagem,
é necessário que ela ouça. Nesse contexto, a reabilitação auditiva por meio do uso do
aparelho auditivo ganha um peso muito maior e uma importância muito valiosa para
todas as crianças com perdas auditivas.

Estudos demonstram que a criança começa a ouvir desde a vigésima quinta semana
de gestação, o que nos diz que a estimulação auditiva dela acontece antes de nascer.
Havendo uma criança que apresenta uma alteração auditiva na triagem neonatal, é
necessário ter em mente que ela já está em privação sensorial da audição há algum
tempo, antes mesmo de nascer e que isso precisa ser levado em conta.

Muitas vezes, em razão da dificuldade de diagnóstico da perda auditiva em crianças


e da necessidade de retestes para confirmação de limiares, acaba-se tendo o início da
amplificação sonora tardia, o que pode ser problema. O preconizado hoje é que a criança
faça o teste da orelhinha até o primeiro mês de idade, tenha o seu diagnóstico de perda
auditiva até os três e com seis meses já inicie a reabilitação auditiva. Infelizmente, em
algumas regiões do país, o diagnóstico não é feito de forma tão precoce, até porque
os exames complementares, muito necessários para o diagnóstico, como o PEATE
frequência específica, não estão disponíveis no SUS. O processo de diagnóstico, até no
sistema de saúde particular, é muito difícil, tudo isso acaba fazendo com que a criança
chegue tarde para reabilitação.

26
ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI | Unidade i

Ao pensar nessa reabilitação, existem algumas etapas que, apesar da urgência, precisamos
levar em conta para que se faça uma reabilitação de forma correta. Veremos a seguir
quais são esses aspectos.

Avaliação da audição
Diferentemente do que acontece quando um paciente adulto faz uma seleção e
adaptação do aparelho auditivo, muitas vezes com a criança não existe uma audiometria
completamente fechada, com todos os limiares auditivos determinados com precisão.
Muitas vezes, recebe-se uma audiometria comportamental ou de reforço visual com
os exames complementares para fechamento de diagnóstico. Mas, quando falamos de
uma criança maior, em quem foi possível realizar audiometria lúdica, é realizada uma
audiometria com pesquisa de limiar, sendo possível se basear nela para adaptação.

Apesar da contribuição das emissões otoacústicas, principalmente a produção de


distorção, nenhuma emissão acústica nos fornece limiar auditivo, isso só é possível
por intermédio da audiometria. Mas o PEATE, através do limiar eletrofisiológico,
pode nos ajudar.

Antigamente, só havia o PEATE-CLIQUE, o problema era que não tinha especificidade


de frequência, estimulando a cóclea de 2 kHz a 4 kHz. Atualmente, a pesquisa de
limiar eletrofisiológico usada para presumir o limiar auditivo em crianças tem de
ser realizada com frequência específica (500, 1.000, 2.000 e 4.000 Hz). Se os limiares
estiverem alterados, é necessário também fazer pesquisa de via óssea para determinar
se é uma perda sensorioneural ou de componente condutivo. Não é possível aceitar
que hoje em dia uma reabilitação auditiva de uma criança, principalmente crianças
menores em que não se consegue fazer uma audiometria com precisão, seja só realizada
com pesquisa de limiar com PEATE, uma vez que não saberemos realmente como é
a audição da criança.

Adaptação monoaural x binaural


Quando vimos a indicação do aparelho auditivo, falamos que a adaptação deveria ser
feita de modo bilateral se houvesse a forma de uma perda auditiva bilateral. Quando há
uma perda auditiva unilateral, a princípio, ainda com indicação do aparelho auditivo,
em adultos, deve-se testar se o paciente se adapta e tem benefício. Mas, quando temos
uma perda auditiva unilateral, a criança tem de ser acompanhada de perto; caso ela
apresente dificuldade nas habilidades de desenvolvimento da linguagem, tem de ser

27
Unidade i | ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI

adaptada unilateralmente. A criança precisa ouvir dos dois lados para que algumas
habilidades auditivas se desenvolvam.

Quando se tem uma perda auditiva bilateral e se realiza uma adaptação unilateral, o lado
que não usa aparelho apresenta uma degradação do reconhecimento devido à ausência
de estimulação. Isso não é interessante para a criança, portanto, quando falamos de
adaptação da criança com perda bilateral, ela deve usar aparelho de ambos os lados
sempre. E, se a perda auditiva for unilateral, será preciso testar a adaptação unilateral.

Tipo de aparelho
Apesar da grande variedade de tipos de aparelhos auditivos disponíveis no mercado,
quando pensamos na população infantil, é necessário considerar o uso de um aparelho
portátil, que possua bobina telefônica e entrada direta de áudio, além de ser compatível
com o sistema. Atualmente, o tipo de aparelho auditivo que mais se encaixa nessa
descrição são os aparelhos retroauriculares. Apesar de serem pequenos, devido à
evolução da tecnologia, ainda são do tamanho que não se torna perigoso para o uso
da criança e mais resistentes. É preciso lembrar que o uso do aparelho auditivo não
pode ser impeditivo para o desenvolvimento da criança, ela tem de correr, brincar e
explorar o ambiente.

Com efeito, a criança pode não apresentar um cuidado efetivo com o aparelho, além
de poder cair, assim não é indicado o uso, por exemplo, de aparelhos intra-aurais. Eles
apresentam um manuseio mais difícil. Pelo mesmo motivo também não são indicados
os receptores no canal, pois são aparelhos mais frágeis.

Ainda falando da escolha do tipo de aparelho, a criança pode tirá-lo e jogá-lo no chão
ou, durante uma brincadeira, corre-se o risco de que ele se desprenda do ouvido, por
isso é sempre interessante realizar adaptação do aparelho retroauricular com o uso
de um prendedor de aparelho auditivo, como podemos observar na figura a seguir.

O prendedor do aparelho auditivo é muito semelhante ao que utilizamos com óculos,


ele ajuda no caso de o aparelho se soltar do ouvido e não cair no chão, pois ficará
preso à roupa da criança. Alguns possuem desenhos, o que os tornam mais atrativos
para as crianças.

28
ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI | Unidade i

Figura 6. Exemplo de prendedor de aparelho auditivo.

Fonte: https://shopee.com.br/Prendedor-Para-Aparelho-Auditivo-Kit-Com-3-Unidades-i.323758919.9261566239.

Tipo de molde
A escolha do tipo de molde do aparelho é uma etapa muito importante. Como vimos,
a indicação do aparelho para a criança é o retroauricular; com isso, é necessário o uso
do molde. Todo molde adaptado em criança deve ser de silicone, pois é mais maleável.
Caso a criança bata a cabeça, o risco de se machucar é muito menor. Além disso, também
proporciona maior vedação desse conduto. É preciso lembrar que a criança apresenta
um crescimento facial muito rápido, assim, quanto mais esse molde conseguir vedar
o ouvido, mais tempo levará para que a troca seja necessária.

Em um paciente adulto, é indicado que seja feita a troca do molde a cada um ano, mas,
em criança, justamente pelo rápido crescimento facial, é indicado que ocorra a cada
seis meses. A indicação do molde de acrílico só será realizada para as crianças que
possuem uma alergia a silicone e otites de repetição.

A princípio é indicado o molde concha, com ventilação, quando necessário. A escolha


pelo tipo se baseia em dois fatores: primeiro é o fato do crescimento facial, o molde
fornecerá uma vedação maior por mais tempo; segundo é o fato de esse modelo ajudar
na fixação do aparelho auditivo no ouvido da criança. Outro benefício do seu uso é
que, no molde concha, é mais fácil identificar quais são os lados direito e esquerdo, isso
é fundamental nas crianças, pois, na maioria das vezes, quem coloca e tira o molde do
ouvido delas é o adulto e, caso ele não saiba identificar de forma precisa qual molde é
de qual lado, pode haver uma troca de lado, ocorrendo microfonia ou causando feridas
no ouvido.

Ao realizar pré-moldagem em crianças, é preciso ter muito cuidado, já que, muitas


vezes, elas são resistentes ao procedimento, principalmente por medo. Explicar que não
dói e tentar fazer de forma lúdica podem ajudar, mas, se a criança não permitir, pode-
se realizar o procedimento enquanto ela estiver dormindo. Por ser um procedimento

29
Unidade i | ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI

invasivo, é necessário que a criança esteja calma e quieta durante a realização, não
sendo possível fazer com ela chorando e agitada.

Tecnologia
Como vimos, a tecnologia digital é a amplamente utilizada nos aparelhos auditivos,
tanto nos mais básicos quanto nos mais tecnológicos. Essa também é a tecnologia
indicada para adaptação em criança, tanto pela qualidade sonora fornecida ao paciente
quanto pela precisão de regulagem que a tecnologia nos proporciona.

Além de uma qualidade sonora, é importante não perder nenhuma informação, a


tecnologia digital também proporciona uma menor ocorrência de microfonia, o
que é relevante para a população infantil. É preciso se lembrar do crescimento facial
constante que faz com que o molde se torne folgado, além do fato de que, muitas vezes,
esse aparelho auditivo será manipulado pela criança e que pode não ser encaixado de
forma perfeita, gerando microfonia. Por isso, um aparelho que possua um sistema de
antimicrofonia mais eficiente será mais indicado para essa população, tal sistema está
disponível na tecnologia digital.

Além disso, a tecnologia digital proporciona maior foco na fala, não deixando que o
paciente perca informações importantes. Não obstante, ouvir os sons do ambiente é
também fundamental para crianças, porque, além de desenvolver a fala, de aprender os
fonemas e de desenvolver a linguagem, funções superiores, como habilidades auditivas
de figura-fundo, também se desenvolvem a partir da exposição ao som.

A amplificação não linear presente na tecnologia digital também é fundamental, e a


compressão utilizada deve ser a WDRC, porque faz com que se perca menos informação
de sinal sonoro.

Regra prescritiva
Apesar de ainda não termos conversado sobre métodos prescritivos, vale a pena fazer
um destaque para qual escolha de amplificação sonora devemos fazer para a população
infantil. Em razão da dificuldade de se obter informações dessa população, no sentido
de nos informar como o som está, a amplificação sonora de um aparelho auditivo na
criança deve ser feita de forma cautelosa e cuidadosa.

É preciso escolher métodos que intensifiquem bastante as frequências de fala, mas que
não excluam completamente os sons do ambiente; escolher uma regra aplicável que

30
ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI | Unidade i

não forneça uma intensidade muito alta ao paciente; e ser conservador, uma vez que
não podemos ter certeza se o som dado no ouvido do paciente está muito alto ou não.

A regra prescritiva DSL surgiu em 1985 e tinha como principal característica realizar
uma amplificação da fala sem desconforto e sem distorção, o que é uma característica
muito importante para essa população. Por causa disso, essa regra passou a ser utilizada
na adaptação de aparelhos auditivos em crianças. Devido a isso, estudos foram realizados
e, em 1985, ela foi aperfeiçoada, sendo criada a DSL-o, que foi especificamente pensada
para ser usada nessa população. Essa última versão pode ser utilizada em crianças de
qualquer idade e tem apresentado na prática clínica um ótimo desempenho. Por esse
motivo, quando falamos de adaptação de aparelho auditivo infantil, a regra prescritiva
a ser priorizada é DSL-o.

O principal desafio de adaptação do aparelho de crianças é conseguir raciocinar de


forma clínica a fim de fazer as melhores escolhas. Isso só é possível se entendermos
a população que estamos reabilitando e quais informações é possível obter dela. A
adaptação do aparelho é uma reabilitação auditiva que requer acompanhamento,
então toda escolha que realizarmos deverá ser confirmada, analisada e avaliada se
foi correta. Caso o resultado desejado não esteja sendo obtido, é preciso realizar um
raciocínio crítico para que possamos fazer mudanças e adaptações a fim de favorecer
uma melhor reabilitação auditiva.

A adaptação de aparelhos auditivos em crianças possui algumas especificidades:

» Diagnóstico audiológico: normalmente são necessários exames


complementares além da audiometria.

» Adaptação binaural: sempre nas perdas auditivas bilaterais, as perdas


auditivas unilaterais devem ter a adaptação testada.

» Aparelho retroauricular com tecnologia digital e molde concha de silicone.

» Regra prescritiva DSL-o.

31
CAPÍTULO 3
Seleção e adaptação de aparelhos
de amplificação sonora em adultos e
idosos

Dos aspectos técnicos da seleção e adaptação do aparelho auditivo, é muito importante


que saibamos analisar a individualidade de cada caso. Como vimos, a adaptação de
aparelhos auditivos em crianças apresenta aspectos muito específicos dessa população.
Dessa mesma forma, a amplificação de sons na população adulta e idosa também
apresenta aspectos técnicos próprios. Neste momento, veremos os aspectos técnicos
da população adulta e idosa, uma vez que, na maioria dos casos, as preocupações e
as especificidades são as mesmas para ambas a populações. Quando os aspectos se
diferenciarem entre a população adulta e idosa, iremos apontá-los durante o capítulo.

Avaliação da audição
Na maioria dos casos, a determinação do limiar auditivo na população adulta e idosa
é realizada por audiometria. A audiometria em adultos é um exame que apresenta
boa confiabilidade e, na maioria dos casos, é suficiente para realização de uma boa
adaptação. Aqui precisamos ter cuidado com as perdas auditivas sensorioneurais, em
que é preciso observar se há a presença de Recrutamento Objetivo de Metz. Nesses
casos, é indicada a pesquisa do limiar de desconforto. Como já conversado antes, é
necessário diferenciar se a perda sensorioneural não é uma alteração retrococlear,
uma vez que perda auditiva central, na maioria dos casos, não tem indicativo de uso
de aparelho auditivo.

Uma dificuldade que pode ser encontrada durante o exame de audiometria é a


realização do exame na população idosa. É possível encontrar pacientes que apresentem
dificuldade de realizar o exame, muitas vezes em razão de um rebaixamento intelectual.
Nesses casos, especificamente, podemos empregar exames objetivos, como é feito
na população infantil.

Adaptação monoaural x binaural


Com relação à escolha da adaptação, quando há uma perda auditiva bilateral passível
de aplicação, da mesma forma como acontece na população infantil, é indicado na

32
ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI | Unidade i

população adulta e idosa que a adaptação ocorra nas duas orelhas. A principal diferença
é que, quando temos uma perda auditiva unilateral, principalmente quando há uma
importante assimetria, precisamos avaliar se realmente haverá uma adaptação do uso
do aparelho de um lado só. Em casos de perda auditiva unilateral muito assimétrica,
a informação sonora fornecida pelo aparelho auditivo do lado com a perda auditiva
pode ser conflitante quando comparada ao lado normal.

Apesar de as perdas bilaterais possuírem indicação de adaptação pela bilateral, ainda


é muito comum a população adulta e idosa comparecer com a solicitação de usar o
aparelho apenas de um lado na tentativa de que esteticamente seja menos percebido o
uso dos aparelhos. Aqui é muito importante a conscientização do paciente a respeito
da adaptação bilateral, mostrar que ouvir dos dois ouvidos traz a sensação de ouvir
melhor. Como a população adulta e idosa possui a capacidade de decidir por si, esse
processo de conscientização se torna mais importante.

Tipo de aparelho
Quanto ao tipo de aparelho auditivo, a princípio, todos podem ser utilizados na
população adulta e idosa. A determinação de qual tipo será escolhido vai depender de
aspectos audiológicos e não audiológicos. O quanto o paciente escuta será fundamental,
mas também sua capacidade intelectual, seu desenvolvimento da destreza manual e,
no caso de aquisição particular, o quanto de dinheiro pode ser investido, tudo isso
determinará qual tipo de aparelho será adaptado.

Especificamente na população idosa, às vezes precisamos tomar cuidado de não fornecer


aparelhos muito pequenos, principalmente se o paciente já possuir alguma limitação
de movimento.

Tipo de molde
A escolha do tipo de molde é muito parecida com a escolha do tipo de aparelho. A
princípio todos os tipos de molde podem ser adaptados à população adulta e idosa,
levando sempre em conta aspectos fisiológicos e não fisiológicos. Para sua escolha,
também na população idosa, precisamos ter o cuidado de não utilizar moldes muito
pequenos, receptor no canal ou adaptação aberta nos casos de dificuldades de manuseio.
Temos de lembrar que os aparelhos receptores no canal ou BTE com adaptação aberta
são mais discretos e, por isso, muitas vezes desejados pela população adulta, mas sua
indicação também tem de ser feita de modo criterioso.

33
Unidade i | ATUALIZAÇÃO EM SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DE AASI

Tecnologia
Quanto à escolha da tecnologia para a população adulta e idosa, em alguns casos, há a
possibilidade do uso da tecnologia analógica. Como já vimos, nos casos de componente
condutivo, para perda auditiva profunda, essa tecnologia pode ser indicada. No entanto,
esse tipo de tecnologia está cada vez mais em desuso, então, muitas vezes, só temos à
disposição a tecnologia digital.

Outro ponto observado é o aumento do uso de dispositivos auxiliares para tornar a


utilização do aparelho mais funcional no dia a dia, nem que seja a conexão do aparelho
auditivo com o celular. Por meio da conectividade, podemos fazer regulagem e até
transmissão de áudio. A grande questão é que o uso de dispositivos auxiliares ou de
aplicativos em aparelhos auditivos só está disponível na tecnologia digital. Por isso,
mesmo na população idosa e adulta, a escolha com indicação da tecnologia analógica
acaba sendo prioritária.

A função laboral é outra questão que deve ser considerada na escolha da tecnologia do
aparelho auditivo, principalmente na população adulta. Existem profissões que exigem
que o paciente escute bem, porque apresentam um ambiente auditivo difícil, por isso,
sempre que formos escolher um aparelho auditivo para o adulto, precisamos investigar
bem como é o ambiente auditivo em que ele trabalha. Já na população idosa, caso o
envelhecimento cause um rebaixamento da discriminação ou haja algum rebaixamento
cognitivo, a tecnologia digital ajudará bastante.

Regra prescritiva
Quanto aos métodos prescritivos, como na população adulta e idosa, na maioria das
vezes, conseguimos ter um retorno fidedigno de como está a amplificação, a princípio,
devemos utilizar a regra prescritiva da própria marca. Alguns casos específicos podem
sugerir a troca do método prescritivo, porém, em momento posterior, trataremos
desse assunto e veremos cada um desses casos.

A adaptação de aparelhos auditivos em adultos possui as seguintes características:

» Diagnóstico audiológico: em sua maioria realizado pela audiometria.

» Adaptação binaural: sempre nas perdas auditivas bilaterais, as perdas


auditivas unilaterais devem ser avaliadas criteriosamente.

» Tipo, tecnologia e molde dependem de aspectos audiológicos e não


audiológicos.

» Regra prescritiva da própria marca.

34
MÉTODOS
PRESCRITIVOS UNIDADE II

Quando falamos do processo de seleção e adaptação de aparelhos auditivos, sabemos


que o objetivo final é assegurar que os sons ambientais, principalmente a fala, estão
audíveis ao paciente sem causar desconforto. Para que isso aconteça, o aparelho auditivo
deve fornecer uma amplificação precisa e adequada à demanda de cada paciente.
Adaptar um aparelho auditivo é devolver ao paciente o nível de sensação sonora e de
inteligibilidade que ele perdeu com a perda auditiva.

No final da década de 1970, começou-se a se ter o entendimento de que prescrever uma


amplificação de forma correta e precisa seria fundamental para uma boa adaptação.
Para que o aparelho auditivo saiba como amplificar o som, é necessário que algum
comando diga como ele deve agir. É como se fosse uma receita de bolo, uma prescrição
com instruções de como o aparelho auditivo deve processar o som. Esses comandos são
chamados de métodos prescritivos. Os métodos prescritivos se baseiam em fórmulas
que determinam o ganho que o som deve ter, essas fórmulas são calculadas a partir
da audibilidade do paciente, ou seja, dos seus líderes auditivos.

Existe a possibilidade de se realizar a amplificação de forma linear ou não linear. A


partir da forma como a amplificação será realizada, temos métodos prescritivos não
lineares e lineares. A seguir, veremos cada um deles.

35
CAPÍTULO 1
Métodos prescritivos na tecnologia
analógica

Os aparelhos auditivos que usam tecnologia analógica empregam amplificação linear


e, por isso, todos os métodos prescritivos utilizados nessa tecnologia são chamados
de métodos prescritivos para amplificação linear. Quando falamos de métodos
prescritivos lineares, estamos dizendo que na amplificação o ganho será sempre o
mesmo, independentemente da intensidade do som captado.

A seguir, veremos os principais prescritivos de amplificação linear utilizados na prática


clínica. Contudo, antes disso, vejamos em que casos é feito o uso desse método, já que
vimos que a amplificação não linear tende a ser mais confortável.

No início da amplificação sonora, não existia a possibilidade da aplicação não linear,


então pacientes que possuíam aparelhos auditivos há muito tempo foram adaptados
com a amplificação linear e estão acostumados a tal. Muitos relatos de pacientes há
muito tempo usuários que não se acostumaram com as amplificações não lineares são
vistos, por isso é preciso manter sim o tipo de amplificação mais confortável, para
eles, nesse caso, seria a linear. Outra opção é o uso dessa amplificação em pacientes
com perdas auditivas profundas, o foco aqui não é a qualidade sonora em si, mas sim
a potência do som que será fornecido.

Método prescritivo do meio ganho


Essa regra prescritiva foi proposta em 1944 por Lyarger e foi o primeiro método
prescritivo proposto de forma científica. Ele recomendava que o ganho do aparelho
auditivo fosse igual à metade da perda auditiva que o paciente apresentasse. Com isso,
os limiares de audibilidade deveriam ser multiplicados por uma constante de 0,5 e
haveria uma reserva de ganho, que deveria ser igual a 15 dB. Sabe-se hoje em dia que
essa regra prescritiva não é muito válida para as perdas auditivas de grau leve, pois
o ganho seria muito pequeno, uma vez que, em perdas auditivas leves, os limiares
auditivos não são tão altos.

Em 1963, esse mesmo autor forneceu uma atualização da sua regra. Ele reconheceu
que os 15 dB de reserva eram excessivos e acabou simplificando a fórmula para um

36
Métodos prescritivos | Unidade ii

ganho de reserva de 5db. Em razão de sua simplicidade na amplificação, a regra é pouco


usada atualmente, pois acaba não fornecendo um som de qualidade.

POGO (prescription of gain and output)


A regra prescritiva POGO é dividida em duas: a POGO I é utilizada para perdas auditivas
de grau leve a moderadamente severo. Enquanto a POGO II é utilizada para perda
auditiva de grau severo a profundo.

Essa regra prescritiva foi desenvolvida em 1983 por McCandless e Lyregaard e


determinava o ganho e também a saída máxima dos aparelhos auditivos, sendo pensada
principalmente para pacientes com perda auditiva sensorioneural. Essa regra na verdade
é igual à do meio ganho, porém há uma redução nos ganhos nas frequências abaixo
de 500, fazendo com que o paciente não tenha tanta sensação de ruído de fundo. Essa
primeira regra formulada foi chamada de POGO I.

Em 1988, a fórmula POGO sofreu uma modificação para poder atender aos casos de
grau severo a profundo, sendo então chamada de POGO II. Essa alteração fez com que
o ganho do aparelho auditivo fosse maior e, com isso, conseguisse atender a perdas
auditivas mais profundas.

Apesar de ainda ter uma amplificação sonora parecida com o método prescritivo de
meio ganho, por fazer uma redução de amplificação nas frequências mais graves, o uso
da POGO acaba trazendo uma amplificação mais confortável para o paciente.

NAL (National Acoustic Laboratories of Australia)


A regra prescritiva NAL foi desenvolvida em 1976 por Byrne e Tonisson e seu intuito
era determinar o ganho acústico por frequências para indivíduos portadores de perda
auditiva sensorioneural. Dos métodos prescritivos de amplificação linear, a NAL é uma
das mais utilizada na prática clínica. Seu objetivo principal é permitir uma amplificação
no espectro de fala que seja confortável.

Após diversos estudos com o método proposto inicialmente, os autores viram que ele
não cumpriu o objetivo de amplificar todas as faixas de frequência da fala para fornecer
o mesmo nível de sensação sonora. Por isso, em 1986, criaram uma nova regra, ainda
com o mesmo nome de NAL. Nessa mudança, outra modificação foi realizada para
atender a pacientes com perdas auditivas severas a profundas, fornecendo maior ganho.

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Unidade ii | Métodos prescritivos

DSL (desired sensation level)


O objetivo da fórmula DSL, quando criada, não era proporcionar que os usuários
tivessem a fala audível de forma igual em todas as frequências, embora a quisesse deixar
confortável. Para cada grau de perda auditiva, determinava-se o nível de sensação. Por
exemplo, se os limiares auditivos aumentassem, o nível de sensação diminuía, pois
também o campo dinâmico da audição diminuiria, ou seja, já começava a considerar
o nível de desconforto do paciente.

É importante entendermos essa regra desde agora, pois seu uso na amplificação não
linear em crianças, por meio de uma modificação realizada, é bem presente até os
dias atuais.

38
CAPÍTULO 2
Métodos prescritivos na tecnologia
digital

Com o avanço da tecnologia e o desenvolvimento de aparelhos auditivos que poderiam


ser programados por intermédio de um computador, foi necessário o desenvolvimento
de métodos prescritivos e específicos para essa tecnologia. Nesse tocante, os métodos
prescritivos para amplificação não linear foram baseados em cálculos específicos de
ganho para níveis de intensidade do sinal de entrada diferentes. O objetivo desse método
é levar em conta a área dinâmica da audição e a forma como o som é amplificado
fisiologicamente no nosso ouvido.

Entre as diversas regras prescritivas na tecnologia digital, temos como destaque a DSL-o
e a NAL-NLI, além das regras prescritivas criadas pelas próprias marcas. Veremos
cada uma delas a seguir.

DSL-o (desired sensation level input/output)


A regra prescritiva DSL-o é uma evolução da DSL para amplificação linear, seu intuito
é maximizar a discriminação do sinal sem causar desconforto. Seu maior uso na prática
clínica é na adaptação infantil, pois temos de fazer uma amplificação conservadora,
uma vez que crianças apresentam dificuldade em informar se a amplificação está alta
ou não.

A depender da idade da criança, a avaliação da amplificação realizada deve ser feita


pela observação de seu comportamento. Muitas vezes, por não termos a determinação
do limiar auditivo por meio de uma audiometria, é preciso realizar a regulagem
empregando, por exemplo, o limiar eletrofisiológico, o que novamente justifica evitar
sons muitos intensos.

Por fim, outra vantagem dessa regra é que, apesar de focar nos sons da fala, ela não
desconsidera o restante dos sons, fornecendo uma boa amplificação de todas as
frequências à criança.

39
Unidade ii | Métodos prescritivos

NAL-NAL1 (National Acoustic Laboratories)


A NAL-NAL1 é uma variação da regra para amplificação linear NAL. Seu principal
objetivo é maximizar a inteligibilidade de fala de forma que o usuário perceba o som
do mesmo modo que o ouvinte normal. Para isso, ela leva em conta o sinal de entrada,
o grau da perda auditiva e a idade do paciente.

Regra prescritiva própria da marca


Atualmente, com grande desenvolvimento tecnológico e as diversas empresas de aparelho
auditivo, cada uma apresenta o que chamamos de regra prescritiva própria da marca.
Essa prescrição é baseada em como o seu aparelho faz amplificação especificamente,
como cada componente do AASI funciona, tentando sempre fornecer o som com a
melhor qualidade possível.

A grande questão dessas regras prescritivas é que, devido à necessidade de concorrência,


elas não são abertas, ou seja, não conseguimos saber como cada uma realiza a amplificação
do som. Isso, por exemplo, inviabiliza a maioria das pesquisas, pois não se sabe o que
uma regra tem de diferente da outra. É por esse motivo que a ampla gama de pesquisas
sobre métodos prescritivos é realizada com as já descritas anteriormente, das quais se
sabe como é realizada a amplificação.

Apesar dessa falta de conhecimento de como efetivamente o som é processado, é


indicado que, ao realizar adaptação de um aparelho digital, inicialmente se faça uso da
regra prescritiva da própria marca, uma vez que ele foi desenvolvido especificamente
para aquele aparelho auditivo. Normalmente, essa é a regra que fornece a amplificação
de maior qualidade para o paciente.

Claro que, em casos de pacientes acostumados com amplificação linear, é possível


trocar para NAL ou para POGO, e, em caso de crianças, obrigatoriamente, deve-se
usar a DSL-o. Qual regra prescritiva além da própria marca estará disponível para ser
usada no aparelho auditivo depende de cada marca. Algumas marcas. por julgarem
que a amplificação no seu aparelho é melhor com a POGO, fornecem a POGO como
opção de amplificação linear, enquanto outras fornecem a NAL por analisarem essa
como melhor. A única que está presente em todos os aparelhos auditivos é a DSL-o
em virtude de seu uso na população infantil.

40
Métodos prescritivos | Unidade ii

O entendimento dos métodos prescritivos e a diferença entre o uso da amplificação


não linear e linear fazem toda diferença na prática clínica. Por isso, sugere-se a
leitura deste artigo para um aprofundamento no tema:

COSTA, L. T.; IORIO, M. C. M. Próteses auditivas: avaliações objetivas e subjetivas


em usuários de amplificação linear e não-linear. Pró-Fono Revista de Atualização
Científica, v. 18, n. 1, jan.-abr. 2006.

41
CAPÍTULO 3
Principais dificuldades na adaptação do
aparelho auditivo

Ao realizar uma adaptação de aparelho auditivo, uma das maiores preocupações, além
da escolha correta do aparelho auditivo, é pensar quais as principais dificuldades que o
paciente pode apresentar durante o processo. Tais dificuldades podem ser de diferentes
naturezas, motora, de percepção ou relacionada ao desconforto.

A dificuldade motora consiste no manuseio em geral do aparelho auditivo. Mesmo


pacientes com destreza manual fina boa podem apresentar dificuldade, uma vez que
eles nunca mexeram no aparelho auditivo, sendo tudo novo. Muitas vezes é necessária
a realização de treinamentos para que eles se sintam seguros em manusear o aparelho.

As dificuldades perceptuais estão relacionadas à percepção do som proporcionada pela


amplificação. Não é incomum nos depararmos com pacientes com 10 ou 20 anos com
a perda auditiva sem nenhuma reabilitação. Nesse tempo de privação, ele já perdeu
muitas habilidades auditivas que serão reestabelecidas com a utilização do AASI. É
preciso usar efetivamente para que a habilidade de processamento do som retorne.

Por fim, as dificuldades relacionadas ao conforto estão mais ligadas à adaptação física,
seja do molde, do receptor do canal ou do aparelho intra-aural. É preciso lembrar que,
mesmo com uma pré-moldagem bem-feita e com a escolha correta do dispositivo, o
paciente passará a ter algo dentro do ouvido, algo que não é natural, sendo necessário
tempo para essa adaptação.

Na prática clínica, situações consideradas bobas e corriqueiras estão muito presentes,


como, por exemplo, o paciente que apresenta muita dificuldade em colocar e remover
o aparelho auditivo independentemente do seu modelo. Nesses casos, é recomendado
que o paciente faça em frente ao espelho, para que possa ter um pouco de auxílio
visual para o encaixe e desencaixe. Outra dificuldade é de ligar e desligar, abrir gaveta
de pilha, controlar volume. Nesses casos, é fundamental treinarmos com ele como
mexer no aparelho, pois assim o paciente se sentirá seguro. É interessante orientar
que, inicialmente, manipule os aparelhos em cima de uma cama, pois, caso o aparelho
caia, cairá em cima da cama e provavelmente não sofrerá danos.

Além dessas questões relacionadas à manipulação, existem também muitas queixas


relativas à amplificação sonora. Vejamos as principais:
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Métodos prescritivos | Unidade ii

» Desconforto para sons de forte intensidade

Quando pensamos em desconforto para sons intensos, a primeira coisa que


vem à nossa mente são perdas auditivas sensorioneurais. Esse raciocínio está
correto, pois sabemos que esse paciente pode ser recrutante. Contudo, é preciso
lembrar que, quando o paciente possui uma perda auditiva, independentemente
do seu tipo, essa perda afetará a forma como ele processa o som, ou seja, afetará
de maneira negativa suas habilidades auditivas.

Para as pessoas com perda auditiva, os sons fracos se tornam inaudíveis,


enquanto os fortes ainda podem ser percebidos, muitas vezes até de forma
confortável. Quando a audição é reabilitada com o uso do AASI, os pacientes
não sabem lidar com os sons fortes, sendo realmente fortes, e, por isso, relatam
intenso desconforto.

Quando isso acontece, uma forma de solucionar o problema é diminuir o volume


do aparelho, principalmente em sons intensos. Essa queixa é mais comum nas
aplicações lineares, visto que na amplificação não linear o ganho para sons
fortes é menor.

» Efeito de oclusão

Outra queixa muito comum é o efeito de oclusão, que pode ser definido como
a sensação que temos da voz presa na cabeça. Podemos simular a sensação
tampando os nossos ouvidos com o dedo, que é a mesma coisa que o molde ou
a cápsula do intra-aural irá fazer.

A questão é que não temos como não utilizar o aparelho no ouvido do paciente,
por isso, para esses casos, podemos lançar mão da ventilação, que normalmente
auxilia muito na redução da queixa, além de também diminuir o tamanho do
molde (quando possível) ou diminuir o ganho nas frequências graves.

» Microfonia

Outra queixa comum é a de microfonia. Ela pode ser interna, quando só o paciente
escuta, e normalmente indica um dispositivo defeituoso, sendo necessário
enviar para reparo, ou pode ser externa, quando outras pessoas conseguem
ouvir. Nessa última ocorre a retroalimentação do som em virtude de o conduto
auditivo do paciente não estar bem vedado. Nesses casos, o som amplificado vaza
e é novamente captado pelo aparelho, gerando um ciclo de retroalimentação.

43
Unidade ii | Métodos prescritivos

Normalmente, a microfonia acontece por um molde ou aparelho mal inserido


ou um ouvido mal vedado. Então, é preciso treinar mais esse paciente para
colocar o aparelho ou rever o molde utilizado. Os aparelhos mais tecnológicos
possuem sistemas que evitam microfonia de forma muito eficiente, sendo
possível a utilização de moldes menores.

» Percepção de ruídos ambientais

Uma questão importante e muito presente, principalmente no início da adaptação


do aparelho auditivo, é a queixa dos ruídos ambientais incômodos. É preciso
lembrar que esse paciente com perda auditiva não escuta mais os ruídos de
ambiente, principalmente sons cotidianos, como o barulho do ventilador, do
ar-condicionado, a conversa de fundo. Ao colocarmos o aparelho auditivo, ele
volta a ouvir todos esses barulhos e seu cérebro não sabe o que fazer, uma vez
que está acostumado a viver no silêncio.

Em aparelhos mais tecnológicos, é possível diminuir a amplificação do som


ambiental, ativar supressores de ruído e abaixar um pouco a amplificação de
som de sons fracos e de sons graves. Mas não é indicado que se retire todo o
ruído de fundo, já que estaríamos fornecendo uma audição não natural.

Também aqui o paciente precisa ser bem orientado. Precisa ser explicado que
esses sons são naturais, que o mundo tem muito barulho e que, com o uso
gradativo do aparelho, ele irá se acostumar. Isso ocorrerá quando ele conseguir
restabelecer as habilidades auditivas perdidas.

Em face de tudo o que vimos até agora, é possível compreender que o raciocínio
clínico e uma escuta atenta da queixa do paciente são fundamentais para realizar as
modificações necessárias e proporcionar uma boa adaptação. A rapidez em que a
adaptação acontecerá depende de diversos aspectos, tanto relacionados à perda auditiva
quanto às características pessoais de cada um. O que precisamos é estar com paciente
bem orientado e com a escolha do aparelho correta, além de realizar as modificações
sempre que necessário, entendendo que o processo vai muito além do uso de um
aparelho auditivo, que é apenas uma parte da reabilitação.

Uma das principais diferenças de uma prática clínica correta é a capacidade de


realizar uma autocrítica das nossas escolhas e ações. Na maioria das vezes, vê-se
que, quando uma adaptação de um paciente não está acontecendo ou quando ele
não faz uso efetivo do aparelho, a culpa é sempre dele. Alega-se que o paciente
não se adaptou, que não usou suficientemente ou que não quer usar o aparelho

44
Métodos prescritivos | Unidade ii

auditivo. Mas precisamos ir além disso. Pode ser sim que o paciente tenha alguma
dificuldade, mas também pode ser que tenha sido cometido algum erro, que o
profissional tenha feito as escolhas erradas. Então, é preciso parar e fazer ampla
reflexão sobre as nossas escolhas. Caso a questão ainda seja o paciente, será
necessário compreender por que isso está acontecendo e, a partir daí, pensar
em estratégias que possibilitem uma efetiva reabilitação e participação dele no
processo.

45
VERIFICAÇÃO E
VALIDAÇÃO DAS UNIDADE III
PRÓTESES AUDITIVAS

Ao realizarmos a adaptação de um aparelho auditivo, o que queremos obter como


resultado final é um aparelho bem regulado e um paciente bem adaptado. Não é possível
chegar à conclusão de que alcançamos o objetivo sem levar em consideração o relato
do paciente, suas queixas e suas impressões sobre o uso do aparelho auditivo. Também
precisamos lançar mão de métodos que façam uma análise científica e quantitativa
de como o aparelho está regulado para o paciente. É nesse sentido que a avaliação da
prótese auditiva é fundamental, e nós podemos fazer avaliação a partir da verificação
e validação desse processo.

Além disso, neste momento, veremos mais duas avaliações muito importantes de realizar
na avaliação dos AASI: avaliação da percepção de fala e questionários de avaliação de
resultados. Por fim, um fator que influencia diretamente tanto na adaptação do paciente
quanto na manutenção do aparelho em uma reabilitação eficiente é a orientação do
paciente e dos seus familiares, por isso encerraremos nosso assunto de aparelho auditivo
conversando sobre as orientações.

CAPÍTULO 1
Avaliação do desempenho das próteses
auditivas

Ao avaliar o desempenho do aparelho auditivo, podemos realizar esse procedimento a


partir de dois processos: o processo de verificação e o processo de validação. A seguir,
veremos cada um desses processos de forma separada, entendendo quais dados cada um
fornece e como podemos utilizá-los no dia a dia de trabalho com aparelhos auditivos.

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Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

Métodos de verificação
Para avaliar o desempenho do aparelho auditivo, é possível realizar esse procedimento
a partir de dois processos: os comportamentais, sendo o de uso comum o ganho
funcional, e os eletroacústicos, no qual estão as medidas de inserção. Veremos cada
um desses processos separadamente, entendendo quais dados cada um fornece e como
podemos usá-los no dia a dia de trabalho com aparelhos auditivos.

Aqui é importante ter em mente que, quando falamos de verificação, falamos de


checar, de verificar se o aparelho auditivo está realizando a amplificação do jeito que
planejamos. Ou seja, o que medimos no fundo é como o aparelho auditivo está dando
som no ouvido do paciente, se essa amplificação está correta, verificamos se os ajustes
que foram feitos estão bons.

Orienta-se que qualquer teste de verificação seja realizado após findas as regulagens
iniciais, isto é, após o paciente ter ido para casa, relatado suas principais queixas e,
assim, tivermos feitos os ajustes a partir daí. Nesse momento, é que teremos certeza
de que encontramos a regulagem ideal e poderemos conferir se está tudo certo. Claro
que existem exceções, por exemplo, um paciente com muita dificuldade de se adaptar.
Nesses casos, o uso da avaliação de verificação antes do fim da regulagem inicial pode
nos ajudar a entender como a amplificação está acontecendo e nos auxiliar a realizar
os ajustes. Contudo, na maioria das verificações do desempenho do aparelho, devemos
realizá-las após todas as regulagens iniciais estarem ok.

Antes de continuarmos a falar sobre as medidas de validação e de verificação, precisamos


definir alguns termos que serão usados durante o estudo. Para que esses termos sejam
apresentados de forma didática, vamos dividir de acordo com quatro áreas que se
relacionam ao campo livre e aos estímulos.

Campo livre

Ao falar em uma medida de campo livre, é necessário se referir à posição da cabeça do


paciente em relação ao som dado, muitas vezes veremos ele falar e o ângulo azimutal.
Esse termo é na verdade o ângulo que existe entre a caixa sonora e o ouvido do paciente.
Durante o teste, quando falamos que o sujeito deve estar a 0o grau azimute da fonte
sonora, queremos dizer que ele está em frente à caixa sonora e que o som chega da
mesma forma nos dois ouvidos. Vejamos o exemplo nesta figura:

47
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

Figura 7. Exemplo de posicionamento 0o azimute.

Fonte: do acervo da autora.

Outro conceito importante ainda sobre campo livre é a distância do trabalho, ou seja,
a distância em que colocaremos o paciente da fonte sonora.

Estímulo

Quando falamos de estímulo, um termo importante é espectro, a amplitude da


faixa de frequência que compõe aquele sinal. Por isso, um estímulo dito de banda
estreita apresenta um espectro curto, e um estímulo de banda larga possui um sinal
de espectro amplo.

No entanto, quando falamos de estímulo, também estamos nos referindo à força externa
(ou de entrada) aplicada ao sistema que gera uma resposta deste. Nesse sentido, o nível
de estímulo será o NPS (nível de pressão sonora) no ponto de referência do campo.

Medidas

Em relação a medidas, quando falarmos de alisamento, tocaremos em um processo de


reduzir regularidade. Análise crônica seria, por seu turno, uma análise sincronizada
do período de entrada do sinal. A entrada sonora é considerada um ponto em que o
microfone do aparelho auditivo capta som e, normalmente, está inserida na abertura
final da sombra. Já o microfone sonda será aquele microfone que pode estar no ponto
de tubo e que será utilizado para fazer a captação acústica dentro do meato acústico.
Por fim, o ponto de mensuração vai ser o ponto do meato acústico externo em que a
entrada sonora do microfone é posicionada.

Após vermos e definirmos esses conceitos importantes, vamos estudar dois métodos
de verificação: ganho funcional e medidas de inserção.

48
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

Ganho funcional

O ganho funcional (GF) nos indica como está o desempenho dos aparelhos auditivos
de acordo com a percepção do paciente. Diferentemente do ganho de inserção, em
que fazemos uma medida da amplificação que está acontecendo no meato acústico
do paciente, o GF tem suas medidas obtidas a partir de um teste que se assemelha à
audiometria de campo livre.

O GF foi desenvolvido em 1930, quando se passou a perceber a necessidade de medidas


que pudessem nos falar sobre o desempenho do aparelho auditivo. Nesse sentido, o
ganho funcional pode ser definido como a diferença entre limiares em dB, em um
exame realizado em campo livre, obtido com ou sem o uso de AASI. Desse modo,
ambas as medidas devem ser obtidas com as mesmas condições de testagem.

Por ser uma medida subjetiva, dependemos totalmente da colaboração do paciente. Isso
apresenta vantagens e desvantagens. A vantagem é poder ver como está a amplificação
a partir do sujeito. A principal desvantagem é ser muito difícil de realizar com pacientes
não colaborativos, com algum rebaixamento intelectual ou com crianças muito pequenas.

Para que possamos obter lineares de forma confiável em campo livre, ou seja, com o
uso de caixas acústicas, alguns cuidados devem ser tomados e fazem toda diferença
para uma boa realização do procedimento. Primeiro, precisamos escolher um ambiente
acústico que seja tratado acusticamente. Por isso, a orientação é que seja feito dentro de
cabines acústicas. As cabines não podem ser pequenas (muito comum na audiometria
adulto), pois é necessário conseguir colocar o paciente sentado a 1 metro da caixa.
Outra opção é se houver uma sala acusticamente tratada.

Para realizar o GF, o paciente deve estar posicionado a uma distância de 1 metro do
alto-falante, que deve estar na altura do seu ouvido. Quanto à posição do paciente em
relação à caixa acústica, deve ser de 0º azimute, conforme podemos observar nesta
figura:

49
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

Figura 8. Exemplo de posicionamento para realização de ganho funcional.

Fonte: elaborada pela autora.

O paciente também deve ser orientado a não mexer a cabeça quando os sons são
apresentados, visto que, ao realizar qualquer movimento, poderá mudar a angulação
em relação às caixas acústicas (pode parecer bobo, porém muitos pacientes se viram
para procurar a fonte sonora). Para um GF completo, devemos realizar pesquisa dos
limiares auditivos com uso de tom puro, mas a possibilidade do uso de tom modulado
para alguns casos não está descartada.

O paciente receberá orientação muito parecida com audiometria em que ele deve
sinalizar toda vez que escutar o som. A partir daí, será feita uma pesquisa de limiar
conforme se realiza normalmente na audiometria. É preciso ter em mente que, quando
estamos fazendo em campo livre, a resposta a ser obtida será sempre da melhor orelha.
Entretanto, não há como utilizar fones com o paciente que usa aparelho auditivo. Além
disso, o que queremos avaliar é como está o desempenho desse aparelho no dia a dia do
paciente, que ouve como se fosse “em campo livre”, ao mesmo tempo, das duas orelhas.

Recomenda-se que a primeira testagem ocorra na frequência de 2.000, seguindo


por 3.000, 4.000, 6.000, 1.000, 500 e 250, deve-se realizar pesquisa de limiar nessas
frequências sem o aparelho auditivo. Posteriormente, o aparelho auditivo tem de ser
colocado no ouvido do paciente ligado e, novamente, realizada a pesquisa de limiar. Na
prática clínica, não se pesquisa a frequência de 8.000 Hz, pois a maioria dos aparelhos
auditivos não apresenta uma boa amplificação nessa frequência.

Depois que os limiares são obtidos sem e com o aparelho, assinalam-se as respostas
no audiograma, conforme esta figura:

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Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

Figura 9. Exemplo de resultado de ganho funcional.

Fonte: elaborada pela autora.

Nos resultados encontrados, é possível ver que os limiares obtidos sem aparelhos são
marcados com quadrados abertos, enquanto os obtidos com aparelhos são marcados
com um triângulo preenchido.

A partir dos resultados obtidos, analisamos se o ganho é considerado satisfatório ou


não. Isso significa analisar se a amplificação do aparelho auditivo está satisfatória
ou não. Para isso, precisamos observar a partir da diferença entre os limiares sem
e com o AASI. É importante lembrar, como já discutimos antes, que, se tivermos
uma perda auditiva muito grande, principalmente com comprometimento coclear
muito forte, não podemos esperar que esses limiares se tornem normais. Em geral,
se temos uma melhora de 25 a 40 dB com o uso do aparelho, consideramos que
temos um ganho satisfatório.

Uma coisa importante de se lembrar é que analisamos as duas orelhas ao mesmo tempo,
uma vez que o exame é realizado em campo livre. Então, caso queiramos analisar uma
orelha separadamente, por alguma questão específica, ou que o paciente apresenta um
lado normal, precisamos de alguma forma isolar essa orelha a não ser testada. Para
isolá-la, podemos empregar duas técnicas: a de mascaramento ou a de massa de molde.

A primeira técnica consiste em colocar um fone com mascaramento na orelha a ser


isolada. Mas isso só é possível caso esse exame esteja sendo realizado dentro de uma
cabine e o audiômetro possibilite dar um estímulo via caixa enquanto também ocorre

51
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

o ruído pelo fone. Poucos equipamentos permitem essa realização, por isso essa técnica
é pouco utilizada.

A segunda opção é utilizar a massa de molde e fazer um tampão na orelha que não
queremos avaliar. Não é necessário ser uma pré-moldagem perfeita, apesar de todos
os cuidados, inclusive com o uso do otoblock, mas aqui só precisamos tampar o ouvido.
Por ser mais simples e exigir materiais comuns a um local que trabalha com AASI,
essa é a técnica amplamente utilizada.

Assim, é possível concluir que o ganho funcional é uma medida psicoacústica, pois
ela leva em conta o processamento que o indivíduo faz do som com e sem o uso do
aparelho. Devido a isso, o GF deve ser uma medida amplamente valorizada, pois nos
mostra como o paciente está ouvindo.

Por ser uma medida subjetiva, é possível que tenhamos dificuldade de realizar o exame
em crianças menores ou em pacientes com rebaixamento intelectual ou com alguma
dificuldade de entendimento. Se observarmos, seriam aquelas pessoas em que realizar
uma audiometria naturalmente seria difícil também. Nesses casos, como fazemos no
diagnóstico audiológico, podemos renunciar ao ganho funcional e utilizar apenas as
medidas objetivas. Principalmente nesses casos, precisamos saber avaliar muito o dia
a dia do paciente, para poder saber como a amplificação sonora está sendo recebida
por ele.

Outro aspecto que pode influenciar no resultado do ganho funcional é o tipo de


amplificação que o paciente utiliza, é possível que, na amplificação não linear, ocorram
respostas melhores. No entanto, em um panorama geral, se o paciente estiver bem
adaptado, independentemente da escolha do tipo de amplificação, espera-se que
tenhamos um ganho funcional satisfatório.

Medidas de inserção

Outro método que pode e deve ser utilizado para a verificação dos aparelhos auditivos
são as chamadas medidas de inserção. Elas foram descritas pela primeira vez em 1994
e foram definidas como sendo a diferença entre o nível de pressão sonora de um
ponto específico do meato acústico externo com e sem o aparelho auditivo. Seu uso
só passou a ser inserido na prática clínica de forma efetiva nos anos 2000, quando foi
possível desenvolver um microfone em miniatura, possibilitando que fossem inseridos
no meato acústico junto com os aparelhos auditivos.

52
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

Essa mensuração realizada com microfone sonda vem sendo descrita na literatura desde
os anos 50, mas em caráter experimental. Nessa época, foram obtidas informações
importantes sobre variações acústicas que acontecem no meato acústico externo.
Observou-se que o som captado próximo à membrana timpânica era mais alto que o
captado em campo livre, concluindo que a orelha externa agia como um amplificador
acústico. Assim, a evolução dos microfones miniaturizados proporcionou o registro
das variações que acontecem no meato acústico externo, tanto com quanto sem o uso
do aparelho auditivo, foi possível então compará-las.

Essas medidas também são chamadas de medições in situ, pois são realizadas no local,
em que se permite avaliar o nível de pressão sonora que pode ser alcançado pelo
aparelho auditivo, sempre relacionando com o nível de pressão sonora de entrada.
A grande vantagem desse método é sua objetividade, uma vez que exige apenas que
o paciente fique parado, podendo ser feito, por exemplo, em uma criança dormindo.

Antes de falarmos sobre os equipamentos, os procedimentos recomendados e os testes,


precisamos explicar e descrever certos conceitos que estão relacionados ao tipo de
resposta que podemos obter no exame. Veremos a seguir quais são.

REUR (real ear unaided response, em português, resposta de ressonância da orelha


externa)

A resposta é dada em função da frequência obtida em um ponto específico do meato


acústico externo para um determinado som. O meato acústico não pode estar ocluído,
essa medida refletirá o efeito de ressonância causado pelo pavilhão auricular, pela
concha e pelo meato acústico externo sobre a onda sonora que incide na membrana
timpânica.

REUG (real ear unaided gain, em português, ganho de ressonância da orelha


externa)

A REUG vai ser a diferença em dB entre o NPS, em função da frequência, em um


ponto específico do meato acústico, e o NPS de referência do campo determinado
sonoro com o MEA não ocluído. Ou seja, é a diferença de NPS do som fornecido e
o quanto de som é amplificado pela orelha externa, o que nos fornece o ganho que a
orelha externa proporciona.

REOR (real ear occluded response, em português, resposta de oclusão da orelha


externa)

53
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

O REOR é o NPS obtido em um ponto específico do meato acústico externo para


um determinado campo sonoro com o meato acústico ocluído. Ou seja, o paciente
está com o molde ou o aparelho auditivo intra-aural no ouvido, porém o AASI está
desligado. É como se fosse o REUR, porém com o uso do molde ou do aparelho
intra-aural desligado.

REOG (real ear occluded gain, em português, ganho de oclusão da orelha externa)

O REOG é o ganho de oclusão da orelha externa, ou seja, é a diferença em dB entre


o som captado em um ponto específico do meato acústico com o uso do molde ou
AASI intra-aurais desligado e o som que foi dado. Seria o REUG, porém com o ouvido
ocluído. Normalmente, essa resposta é negativa, pois ela se refere à perda que acontece
do som por não ter a amplificação da orelha externa, uma vez que ela está ocluída.

REAR (real ear aided response, em português, resposta com o aparelho auditivo
na orelha externa)

A REAR refere-se à resposta obtida com o uso de aparelho auditivo ligado, ou seja, o
nível de pressão sonora captado em um ponto específico do meato acústico externo
para um determinado som.

REAG (real ear aided gain, em português, ganho com o aparelho auditivo na
orelha externa)

O REAG é ganho com prótese auditiva na orelha externa. Será essa diferença em
dB em função da frequência do som apresentado do som captado no meato acústico
externo sem amplificação para o som captado dentro do meato acústico externo com
molde e complicação, ou seja, veremos efetivamente quanto de amplificado está sendo
fornecido.

REIG (real ear insertion gain, em português, ganho de inserção)

Por fim, temos o REIG, que é o ganho de inserção. Ele se refere à diferença entre o que
se obtém no REAG, ou seja, com aparelho auditivo ligado, e o que se obtém na REUG,
que é obtido com o ouvido não ocluído, conforme observamos na fórmula abaixo:

REIG = REAG - REUG

54
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

Com esses conceitos bem estabelecidos, agora veremos os aspectos técnicos para a
realização das medidas, começando pelo equipamento.

É preciso ter um aparelho específico para realizar o exame, como podemos observar
nas figuras a seguir. No mercado, atualmente, existem alguns modelos, porém todos
obedecem ao mesmo princípio de possuírem uma interface que será ligada ao computador
e fará a análise de todo o sinal captado. Também é necessário um microfone que captará
o som em campo livre e que será inserido no meato acústico, além de uma caixa de
som. No computador, haverá o programa em que serão dados os comandos para a
realização dos testes.

Figura 10. Exemplo de equipamento de ganho de inserção.

Fonte: do acervo da autora.

Sempre temos de seguir o que o fornecedor sugere para que se tenha um exame de
qualidade. Por ser um exame que não temos tanto contato, como a audiometria, por
exemplo, precisamos sempre ler cuidadosamente o manual. Além disso, precisamos
lembrar sempre de realizá-lo em um ambiente acusticamente tratado, uma vez que os
sons serão fornecidos em campo livre.

A seguir, veremos quais são os procedimentos que devem ser realizados para termos uma
medição de ganho de ação de qualidade. Antes de realizarmos efetivamente avaliação
da amplificação do aparelho auditivo, precisamos realizar alguns procedimentos
preliminares para garantir uma qualidade do exame.

O primeiro procedimento se chama equalização do campo livre, em que controlamos


o sinal acústico em um ponto específico do espaço, de modo que a amplitude de sinal

55
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

permaneça constante e no nível que desejamos ao longo de todas as frequências. Nem


todos os equipamentos de ganho de inserção realizam essa equalização da mesma
forma, sendo utilizados normalmente dois métodos para tanto.

No primeiro método de substituição, os microfones de referência e de sonda são


colocados alternadamente no mesmo ponto do campo livre, ou seja, ambos fazem
mensurações no mesmo local previamente estabelecido. Esse método compara o nível
de pressão sonora captado por esses dois microfones fazendo a calibração caso não
estejam como esperado. Sua vantagem é poder avaliar os efeitos de retroalimentação
acústica em moldes mal ajustados ou com muita ventilação. Sua desvantagem é, ao
realizar as medidas, a cabeça do paciente precisar estar na mesma posição onde a
equalização foi realizada.

No segundo método, a pressão sonora é modificada. Ele utiliza dois microfones: um


para registrar o nível de pressão sonora no meato acústico do paciente e outro de
referência, que devem ser posicionados na cabeça do indivíduo próximos ao pavilhão
auricular. Aqui também será feita a medição com esses dois microfones para que, se
houver diferença, seja realizada a calibração. A vantagem desse método é que pequenos
movimentos de cabeça não afetam a equalização.

É importante destacar que essa equalização não é necessária para as medidas de ganho,
ou seja, REUG, REAG, REOG e REIG, se o equipamento estiver funcionando de forma
linear. Isso porque elas dependem apenas da escolha do ponto de referência.

O segundo procedimento é a calibração do microfone sonda. Ela é realizada de uma


forma específica para cada equipamento disponível. Em alguns, é necessário fazer a
calibração toda vez que o equipamento é ligado; em outros, é preciso realizar sempre se
o silicone da ponta onde o microfone de inserção fica posicionado foi trocado, outros
dizem que essa calibração tem de ser realizada a cada paciente. É importante sempre
conhecermos muito bem o que o nosso equipamento preconiza para que possamos
ter uma medida de confiança. Essa calibração é relevante para que as medidas sejam
precisas, uma vez que não queremos a medição incorreta. Um dos maiores problemas
de erro de calibração do microfone sonda é a presença de cerúmen ou qualquer outra
obstrução do MAE. Por isso, o próximo passo é a preparação do paciente.

Na preparação do paciente, devemos sempre realizar a meatoscopia para assegurar


que não há cera ou nenhuma obstrução que não permita a realização do exame. No
que se refere à posição do paciente, a distância dele e o ângulo para a fonte sonora
são aspectos fundamentais. A literatura sugere que a distância seja por volta de 1

56
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

metro, pois ela reúne mais vantagens fornecendo a precisão de medida e o ângulo de
posicionamento da cabeça do paciente a 0º azimute, conforme observado na figura a
seguir. Esses dois últimos parâmetros são muito parecidos com o usado no GF. Como
o exame não é realizado em cabine, a localização do paciente deve ser no meio da sala,
pois assim estaremos no ponto de melhor localização sonora.

Figura 11. Posicionamento do paciente no ganho de inserção.

Fonte: https://fissuraeaudicao.wordpress.com/adaptacao-de-aasi/verificacao-do-aasi/.

Outro ponto importante do procedimento é o posicionamento do microfone sonda


no meato acústico do paciente. Em algumas práticas clínicas, vê-se como uma das
maiores dificuldades dos fonoaudiólogos. Se o nosso objetivo é registrar o nível de
pressão sonora no MEA, ela vai estar sujeita às ondas estacionárias ou à distância que
esse microfone fundo está inserido no meato acústico do paciente. Um ponto bem
importante é termos o cuidado de manter o microfone na mesma posição durante
todas as medidas realizadas.

Para termos uma maior segurança na inserção do microfone, podemos usar como
referência o anel marcado que normalmente existe em todos os tubos sonda (visto
como um pedacinho preto no tubo). A sonda é inserida até que o anel chegue na
entrada do MAE. Esse método não deve ser utilizado em crianças, pois possuem um
MAE menos comprido.

Nos casos de crianças ou em usuários com desconforto a colocação do microfone


com o uso do anel, pode-se realizar uma marcação no tubo de silicone tendo como
referência o molde do paciente. Esse tende a ser o método que menos incomoda e com
mais precisão, pois iremos inserir o microfone onde o molde termina, ou seja, onde
o som é fornecido ao paciente.

Um cuidado especial deve ser tido quando falamos de aparelhos CIC, uma vez que são
dispositivos posicionados muito perto da membrana timpânica. Além disso, a inserção

57
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

de microfone muito além da ponta do molde ou da cápsula pode gerar desconforto, é


sempre necessária muita atenção na inserção.

O último procedimento que devemos realizar antes de iniciar o teste é a seleção do


sinal teste. Esse é um passo muito importante. Os equipamentos com microfone
sonda dispõem de uma variedade de estímulo sonoro, tendo como principais o ruído
de branco, o ruído de faixa estreita, o ruído de banda larga, o ruído com espectro de
fala e os sinais de fala. É possível empregar qualquer um deles para fazer as medições.
A escolha de qual tipo será utilizado depende do objetivo do exame realizado.

Quando realizamos um exame com o estímulo de faixa estreita, o ambiente deve ser
acusticamente tratado com alta absorção sonora. Se isso não for possível, devemos
fazer a escolha de outros estímulos sonoros. Por sua vez, com sinais complexos, como
o ruído de banda larga, existe a vantagem de se ter mais precisão na sua medida, além
de ser mais útil, pois avalia uma maior diversidade de frequência. Em continuidade,
o ruído de espectro de fala nos ajuda a prever como o aparelho auditivo amplificará
os sons da fala, muitas vezes é a medida mais importante, principalmente quando o
paciente apresenta uma importante dificuldade de discriminação.

Apesar da grande variedade de tipos de sinais testes, nem todo ruído é apropriado
para ser utilizado. O estímulo clique, por exemplo, não é recomendado, pois sua
apresentação abrupta e rápido tempo de ataque fazem com que o sistema não realize
medidas precisas. É importante destacar isso, pois sabemos que o clique é muito utilizado
em diversos exames para avaliação auditiva, porém, para as medidas de inserção, não
é recomendado.

Além de todos os tipos de ruído que se podem utilizar, também é interessante empregar
uma amostra de fala real, principalmente se o aparelho que estivermos avaliando for
um AASI que possui compressão WDRC. Outro detalhe simples é que o nível de
pressão sonora da saída máxima de um aparelho auditivo será sempre mais elevado
quando testarmos com tons puros se compararmos ao teste realizado com banda larga.

Ainda falando de seleção do sinal, outra questão a que devemos ficar muito atentos
na escolha é a intensidade do sinal de entrada, ou seja, a intensidade em que o sinal
será dado. A maioria dos equipamentos possui uma grande variedade de intensidade
disponível, variando entre 50 e 90 NPS. A intensidade que escolheremos dependerá do
objetivo para o qual estamos fazendo a medida, devendo sempre, independentemente
do objetivo, ser mais alto do que o ruído ambiental existente na sala, porém não tão
alto a ponto de causar desconforto para o paciente.

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Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

Na nossa rotina clínica, normalmente são utilizadas entradas de nível de 60 a 70 dB,


sendo esta última a mais utilizada, pois geralmente é o que excede o nível de ruído
das salas não tratadas.

Aparelhos auditivos que possuem circuito de processamento de sinal mais sofisticado


ou sistemas de compressão necessitam ser testados em diferentes níveis de intensidade.
Nesses casos, são considerados sons fracos aqueles por volta de 50 dB, sons médios
por volta de 60 ou 70 dB e intensos por volta de 90 dB.

Caso o intuito seja determinar o nível de saturação da orelha, é importante que o


aparelho auditivo entre em saturação durante a mensuração das medidas. Portanto, o
nível de entrada deve ser alto, por volta de 90 dB, uma vez que esse nível de intensidade
mais alto combinado com o acústico que o aparelho vai fornecer fará com que a saída
máxima do aparelho auditivo seja atingida.

Agora que sabemos como o exame deve ser realizado, vamos falar sobre qual protocolo
e quais procedimentos devemos realizar durante o teste. A escolha do protocolo de
teste determinará os procedimentos a serem seguidos para obtenção das medidas de
inserção. Essas escolhas dependerão do tipo de aparelho auditivo a ser avaliado, dos
equipamentos que temos à nossa disposição, além do ambiente. É importante lembrar
que muitas variáveis podem interferir na nossa medida, portanto o que devemos fazer
é minimizar os erros desse registro ao máximo. Por isso, nessa tentativa de não ter
erros, será sugerido aqui um protocolo de teste a ser aplicado para grande parte da
população avaliada na clínica.

» As medidas devem ser realizadas em salas acusticamente tratadas. Caso não


seja possível, devemos utilizar uma sala com um mínimo de superfícies
refletoras possível perto da área de teste, ou seja, perto de onde o paciente
e o equipamento se encontram.

» Como já dito antes, devemos sempre seguir as recomendações do fabricante


do equipamento à risca. Precisamos entender que estamos falando de medidas
muito precisas. Por isso, temos sempre de seguir as instruções de equalização
de campo livre, bem como de calibração do tubo da sonda.

» A inspeção do meato acústico externo é indispensável. Tanto para sabermos


tamanho quanto comprimento e largura, o que nos auxiliará na hora da
inserção do microfone, bem como para descartar qualquer obstrução que
possa atrapalhar.

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Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

» Sempre posicionar o paciente a um metro de distância do alto-falante em


um ângulo de 0º azimute.

» Instruir o paciente a olhar diretamente para o alto-falante e não movimentar a


cabeça. Essa instrução de olhar é para assegurar que ele fique verdadeiramente
alinhado a 0º azimute.

» Insira o tubo sonda no meato acústico do paciente de forma calma, porém


firme, e o mantenha naquela mesma posição durante a realização de todas
as medidas.

» Use o nível de sinal de entrada por volta de 60 a 70 dB para obtenção do


ganho de sessão e 90 dB para obtenção da resposta de saturação de saída
máxima. Caso o aparelho a ser testado possua compressão (a maior parte
deles hoje em dia possui), teremos de fazer a medição em um som com uma
intensidade mais baixa, como, por exemplo, em 50 dB.

» Dê prioridade a usar sinais compostos de fala, pois refletirão melhor como


o aparelho auditivo está processando as frequências de fala e priorize os
modulados.

» Saiba fazer uma análise crítica do resultado do exame obtido, estando em


alerta para a possibilidade de artefatos, principalmente quando os resultados
forem estranhos ou incompatíveis. Uma das principais interferências que
acontece durante o exame é a mudança de posição do microfone.

Seguindo esse passo a passo de forma metódica, é muito provável que você consiga
obter uma medida de confiança. A partir daí, você terá de analisar cada resposta obtida,
sabendo interpretá-las e para que elas servem. Vamos estudar cada uma delas a partir
de agora.

REUR (resposta de ressonância da orelha externa) e REUG (ganho de ressonância


da orelha externa)

Essa medida reflete a amplificação natural que acontece por meio das estruturas da
orelha externa. Pelo fato de o MEA ser um tubo fechado em uma extremidade, ele
acaba agindo como ressonador e amplifica os sons que foram fornecidos no campo
livre, produzindo o que chamamos de curva de ressonância. Geralmente, essa curva tem
picos de amplitude nas frequências altas e tem relação direta com o tamanho do MAE.

60
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

Como mãe de todas as medidas de inserção, o paciente deve ser orientado a não se mover
enquanto o som é fornecido. Após isso, é preciso inserir o tubo sonda corretamente
no MAE, instrumento acústico externo, uma vez que essa medida servirá de referência
para outras medidas, como para o cálculo do ganho de inserção. Vale destacar que o
ponto de mensuração realizado aqui para o REUR ou para o REUG deve ser o mesmo
para todas as outras medidas.

Após todos esses cuidados, um som será emitido em campo livre na posição e distância
já comentadas anteriormente, e os microfones captarão as respostas. Nessa medida o
nível de sinal de entrada não é tão importante, apenas sendo necessário que seja acima
do nível de ruído do ambiente (normalmente entre 60 e 70 dB já é o suficiente para
se atingir bons critérios).

Figura 12. Exemplo de REUG.

Fonte: elaborada pela autora.

Pensando na aplicação clínica dessas medidas, o uso mais comum é servir de valor de
referência para quando mais à frente formos determinar o ganho de inserção, visto
que, para determinar o ganho que o AASI está fornecendo, subtrairemos o som captado
amplificado da curva de ressonância do indivíduo.

Vale lembrar que, ao inserirmos o molde ou o aparelho intra-aural, essa curva de


ressonância será modificada. Por isso que, ao prescrever um ganho para um determinado
paciente, devemos considerar sua ressonância individual para podermos compensar
a perda que ocorrerá quando colocarmos o aparelho.

Uma segunda opção de uso para esse teste é servir de base para as escolhas eletroacústicas
do aparelho auditivo intra-aural, levando em conta quais aspectos de ressonância serão
perdidos com seu uso (essas escolhas devem ser feitas antes da sua confecção).
61
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

Algumas vezes, alguns profissionais utilizam essa resposta de ressonância da orelha


externa para a escolha do aparelho auditivo ao paciente. A ideia é escolher um aparelho
que possua um padrão de resposta de frequência similar àquele do meato acústico do
paciente. Essa escolha realizada considerará que o processamento auditivo da fala será
potencializado, pois estará mais natural, visto que o aparelho auditivo apresentaria
características semelhantes às da anatomia do ouvido do paciente.

Uma “dica”, que seria uma aplicação indireta dessas medidas, seria o fornecimento de
dados em casos de anormalidade de orelha externa e média do paciente, principalmente
se essas anormalidades tiverem passado despercebidas. Em casos, por exemplo, de
perfuração timpânica ou de uma cirurgia ampla de orelha média, uma ressonância
atípica com duplo pico pode ser encontrada. Além disso, alterações de orelha média,
como, por exemplo, uso de tubo de ventilação ou algumas modificações de impedância
podem provocar mudanças importantes da ressonância. Então, em caso de perdas
auditivas condutivas, precisamos ficar atentos a analisar se essa alteração que causa o
componente condutivo não irá interferir na medida.

REOR (resposta de oclusão da orelha) e REOG (ganho de oclusão da orelha)

Sabe-se que, quando inserimos um molde auricular em um aparelho intra-aural no


meato acústico externo, a amplificação natural fornecida por essas estruturas, que foi
medida no procedimento descrito anteriormente, é perdida ou modificada drasticamente.
Isso acontece porque ocorre uma diminuição no volume residual e, segundo a lei da
diminuição do diâmetro de abertura, essa ocorrência reduz a amplificação. Tal perda
dependerá de vários fatores, como, por exemplo, o tamanho da oclusão do meato
acústico ou como e onde está localizado o microfone no aparelho auditivo. O REOR
e o REOG medem essa perda.

Para realizar esse teste, após obtenção da REUR, o aparelho auditivo desligado deve
ser colocado no meato acústico externo do paciente, seja por meio do molde seja
de um aparelho intra-aural, sempre tomando muito cuidado para não modificar o
posicionamento do microfone sonda. Na imagem a seguir, é possível observar um
exemplo de como deve ficar o posicionamento.

62
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

Figura 13. Posicionamento do AASI e do microfone sonda para obtenção do REOR e do REOG.

Fonte: do acervo da autora.

Após o posicionamento correto, o sinal sonoro é fornecido no mesmo nível de


intensidade que foi fornecido para a pesquisa da resposta de ressonância. O modo de
apresentação dessa resposta varia de acordo com equipamentos usados. Alguns mostram
uma curva em nível de pressão sonora em função da frequência, o que particularmente
pode ser o melhor, outros desenvolvem na curva de ganho dB relacionada ao nível de
som fornecido também através de frequência. Abaixo, podemos observar um REOG.

Figura 14. Exemplo de REOG.

Fonte: elaborada pela autora.

Em casos em que se observa ganho negativo, isso significa uma perda de amplificação
devido ao uso do aparelho auditivo e deve ser levado em conta na hora da amplificação.

Pensando nas aplicações clínicas, temos de lembrar que essa medida reflete a perda que
acontece devido à inserção do aparelho e sua realização, apesar de não ser obrigatória,

63
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

é interessante, pois possibilita explicar resultados inesperados obtidos e planejar


algumas modificações acústicas. No processo de seleção de aparelho auditivo, por
exemplo, em caso de escolha de ventilação de tamanho errado, poderemos observar
picos inesperados. Além disso, em algumas situações, o uso de ventilação provoca um
aumento e não uma redução da amplificação de sons graves. Isso acontece em razão
do formato do tubo de ventilação que cria uma ressonância própria. Nesses casos, não
observaremos um resultado negativo, mas positivo, o que pode justificar uma queixa
de oclusão do paciente, mesmo com uso de ventilação adequada.

Apesar de muitas vezes ser útil, é importante lembrar que com o REOG não conseguimos
medir o efeito de oclusão que a colocação do aparelho de causa. Isso porque a medida
vai refletir a transmissão por via aérea e sua amplificação, enquanto sabemos que o
efeito de oclusão ocorre em virtude da transmissão por via óssea do som, ou seja, através
da vibração. É por esse motivo que o efeito de oclusão é sentido mais comumente em
homens ou pessoas que precisam projetar a voz.

Podemos medir esse efeito de oclusão quando realizamos medidas de microfone sonda
durante a missão de vocal em duas situações diferentes: com e sem orelha ocluída pelo
aparelho auditivo, a diferença que se encontrar entre as frequências graves nas duas
respostas será o efeito de oclusão.

REAR (resposta com aparelho auditivo na orelha externa) e REAG (ganho


com aparelho auditivo na orelha externa)

Essa resposta é a medida do nível de pressão sonora que pode ser tanto em dB, relativa
ao sinal de entrada, ou em NPS, referindo-se à saída da prótese auditiva medida no
meato acústico externo do paciente. No passado, essa medida era chamada de ganho
ou de resposta in situ, porém, como ela não é comparada com sons de entrada, não
podemos dizer que corresponde à medida de ganho de inserção.

Como essa medida normalmente é realizada após pesquisarmos a resposta de ressonância,


o tubo já está colocado no meato acústico externo do paciente. Caso contrário, essa
inserção deve ser feita antes da medida. Além disso, após a inserção do microfone,
devemos colocar o molde ou o aparelho intra-aural. Se essa medida for realizada após
o REOG, o posicionamento tanto de sonda quanto de aparelho auditivo já terá sido
realizado. Por esse motivo, é aconselhável que não se retire o molde ou o aparelho do
paciente enquanto todas as medidas estiverem sendo realizadas, pois assim garantiremos
o microfone sempre na mesma posição.

64
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

O aparelho deve, então, ser ligado e, a partir disso, realizada a medição do som amplificado
através do microfone sonda inserido do meato acústico do paciente. É nesse exame
que poderá ser avaliada, por exemplo, a saturação máxima do AASI, uma vez que é
nele que observamos como o som amplificado está sendo fornecido ao paciente. Aqui
também precisamos lembrar que essa medida pode ser feita com diferentes níveis de
intensidade de entrada.

As respostas que obtivermos nessa medida servirão como base para cálculo do ganho
de inserção que será a diferença de amplificação do aparelho e o ganho de ressonância
da orelha externa.

O ganho de inserção é o método atualmente mais popular para verificação do desempenho


do aparelho auditivo, uma vez que, com o desenvolvimento dos métodos prescritivos
da marca, há uma tendência de que a resposta do aparelho auditivo tenha uma melhor
qualidade. Outra aplicação clínica é verificar como é a resposta do aparelho auditivo
para diferentes níveis de sinais de entrada. Além disso, pode ser usado para avaliar,
por exemplo, os microfones direcionais ou para alguma compreensão específica. No
entanto, como já dito, seu principal uso é avaliar o nível de saturação.

Quando o intuito é avaliar a saturação máxima, será denominada resposta de saturação


da orelha externa (RESR), e ela vai se referir ao nível de pressão sonora em função
da frequência obtida em um ponto específico do meato acústico externo, para um
determinado som com aparelho no volume máximo, utilizando-se de estímulos
suficientemente intensos para levar o aparelho auditivo a operar seu nível de saída
máxima. Essa medida é extremamente importante, já que torna possível que se ajuste
a saída máxima na tentativa de impedir que sons intensos causem desconforto,
principalmente em pacientes sensorioneurais, nos quais sabemos da ocorrência do
recrutamento.

REIG (ganho de inserção)

A medida de inserção que recebe mais atenção no processo de verificação é o ganho


de seção. Ela corresponde à diferença encontrada na resposta de ressonância da orelha
externa e a resposta encontrada por meio da amplificação sonora. Ela representará o
ganho fornecido por um aparelho auditivo inserido no meato acústico do paciente.

Para sua obtenção, os equipamentos fazem um cálculo automático da diferença das


medidas obtidas com e sem o aparelho auditivo, e, uma vez que o ganho de inserção
é uma medida de relação entre as duas medidas, a profundidade de inserção desse

65
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

microfone sonda não é uma variável tão crítica para sua análise. O que é mais importante
é que a sua posição seja mantida durante todas as medidas e que a intensidade do sinal
utilizada seja a mesma durante todas as medidas.

A seguir, analisaremos três respostas de ganho de inserção realizadas para sons fracos,
sons médios e sons fortes através do estímulo de fala. Precisamos lembrar que, como
a maioria dos aparelhos auditivos hoje em dia é digital, eles possuem a compressão, e,
por isso, a medida deve ser feita para sons médios, para sons fracos e para sons fortes.

As medidas abaixo demonstradas foram realizadas com o equipamento Affinity.


Ele considera som fraco em 55 dB, médio em 65 dB e forte em 75 dB. A resposta de
amplificação é apresentada por um registro em vermelho, já que se refere à orelha
direita; no início, corresponde às frequências mais graves (250Hz) e, no fim, às mais
agudas (6.000Hz). Em cinza, observa-se o que o equipamento calculou como resposta
ideal baseado na audiometria do paciente. O intuito é observar se a resposta encontrada
(em vermelho) atinge o objetivo (em cinza).

O paciente no qual a medida foi realizada apresenta uma perda auditiva sensorioneural
de configuração descendente. Por esse motivo, o alvo (ou a resposta ideal esperada)
apresenta uma resposta maior para agudos, se comparado aos graves. Esse paciente
analisado já fazia uso de aparelho digital há quase 1 ano e tinha queixa de compreensão,
mesmo após diversas regulagens.

Figura 15. Exemplo de REIG para sons de fraca intensidade.

Fonte: elaborada pela autora.

Para sons fracos, é possível observar que, em nenhum momento, a amplificação


fornecida atinge o que foi pensado como ideal. Nos sons de frequência média, essa
resposta é mais próxima da desejada, mas, nos sons graves e nos sons agudos, fica bem
abaixo do desejado. Nesse caso, o ideal seria aumentar o ganho de amplificação para

66
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

sons fracos, tanto em sons graves quanto em sons agudos, na tentativa de atingir a
amplificação ideal.

Figura 16. Exemplo de REIG para sons de média intensidade.

Fonte: elaborada pela autora.

Para amplificação de sons médios, observa-se na figura anterior que o padrão de uma
baixa amplificação para sons graves e sons agudos se mantém. Contudo, observamos
que, para frequências médias, a amplificação está ultrapassando a ideal. Por isso, o
indicado seria aumentar a amplificação para sons graves e para sons agudos e na
frequência em que ultrapassa o alvo abaixar um pouco.

Figura 17. Exemplo de REIG para sons de forte intensidade.

Fonte: elaborada pela autora.

A amplificação de sons intensos segue o mesmo padrão do que aconteceu em sons de


média intensidade. No entanto, observa-se que, apesar de não atingirem o alvo, os sons
graves estão um pouco mais próximos dele, por isso aumentaríamos menos o ganho
em graves e em agudos, só aumentaríamos o ganho em sons bem agudos.

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Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

É importante ressaltar que esse paciente apresentava muita queixa de hipersensibilidade,


por isso os graves e os sons agudos não foram inicialmente tão amplificados. É
necessário também realizar um ganho de sessão e um ganho funcional para ver como
essa amplificação se reflete a partir da percepção dele.

Uma das principais amplificações desse ganho é verificar se o aparelho auditivo está
amplificando da forma desejada. A equivalência entre os resultados obtidos por meio
do ganho funcional e do ganho de sessão tem sido estudada de forma extensiva, de
modo a tentar criar um critério que se possa fazer uma relação entre as duas medidas.
Pesquisas já realizadas mostram que existe uma forte correlação entre as duas medidas,
ou seja, quando se há um ganho de inserção atingindo o alvo, atingindo a meta, observa-
se um ganho funcional satisfatório. Mas é preciso sempre ser ressaltado que o ganho
de inserção nunca vai substituir o ganho funcional, principalmente se temos perdas
auditivas com alguma ausência de frequência.

Métodos de validação
As medidas de validação de uma amplificação sonora são aquelas que realizamos sobre
o benefício fornecido pela amplificação, mas que se refletem na melhoria de qualidade
de vida do paciente. Essa avaliação pode ser realizada de uma forma subjetiva da
escuta do paciente, por intermédio de seu relato social ou emocional, ou por métodos
objetivos, como, por exemplo, questionários. Além disso, testes de fala também podem
ser usados como um instrumento importante de validação, mas os questionários de
autoavaliação são meios mais eficazes e muito utilizados para avaliar subjetivamente
como está acontecendo a reabilitação auditiva.

Em razão da extensão do assunto, todos os métodos de validação serão abordados no


capítulo a seguir.

» Verificação = verificar se as características projetadas na seleção do aparelho


foram realmente obtidas.

» Validação = medida do benefício fornecido pela amplificação, refletindo em


melhorias na qualidade de vida do indivíduo.

68
CAPÍTULO 2
Avaliação de resultados da adaptação:
avaliação da percepção de fala
e questionários de avaliação de
resultados

Para avaliar os resultados de amplificação sonora, realizamos procedimentos de


verificação e validação. Especificamente a respeito dos métodos de validação, sabemos
que seu intuito é avaliar o benefício por meio da percepção do indivíduo, da sua
qualidade de vida e de bem-estar. Por isso, os procedimentos amplamente utilizados são
os questionários de autoavaliação e os testes de fala. Veremos a seguir cada um deles.

Questionário de autoavaliação
Muitas vezes os procedimentos de verificação não são suficientes para avaliar o sucesso
da amplificação, visto que no final de tudo o importante é que aquele indivíduo que
recebe a amplificação esteja satisfeito e consiga fazer uso contínuo. Por conta disso
e pensando na necessidade de pesquisa, sempre houve um grande interesse de se
conseguir realizar medidas de validação de forma relativamente objetiva, em que
se pudesse caracterizar o benefício do aparelho auditivo levando em consideração a
percepção do paciente.

Para isso, a autoavaliação foi designada. Essa escolha consiste em um procedimento


rápido, simples e eficiente que nos permite fazer a avaliação a partir da percepção
do indivíduo.

Em 1982, foi criado o primeiro questionário, chamado de HHIE (hearing handicap inventory
of the elderly), composto de 25 questões que abrangem tanto aspectos psicossociais da
deficiência auditiva quanto dificuldades de comunicação e suas consequências no dia
a dia do paciente. Esse questionário foi amplamente utilizado por diversos autores e
fonoaudiólogos na sua prática clínica, uma vez que trazia o diferencial de considerar
aspectos sociais e emocionais. Em 1997, houve adaptação para o português, o que o
tornou possível de ser utilizado na nossa prática clínica. O questionário possui duas
escalas: uma social situacional e uma emocional. O ideal é que o apliquemos antes e
depois do uso do aparelho auditivo com paciente bem adaptado.

69
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

Aqui um conceito deve ser introduzido: o de handicap auditivo. O indivíduo que


apresenta deficiência auditiva sofre sérias desvantagens que limitam ou impedem o
cumprimento de um papel esperado pela sociedade. Tais desvantagens são conhecidas
por handicap auditivo, é o que será avaliado com os questionários antes e depois do
uso do AASI.

Em 1990, esse questionário foi modificado para que pudesse ser aplicado em deficientes
auditivos com idades inferiores a 65 anos. Isso porque o HHIE foi pensado para ser
aplicado em idosos, mas, por ser um dos poucos disponíveis, era utilizado para todos. A
modificação deu origem ao HHIA (hearing handicap inventory of the adults). A principal
diferença é que passou a ter aspectos sobre a influência da perda auditiva nas questões
laborais.

O HHIE e o HHIA são os dois mais utilizados na prática clínica. Mas ainda podemos
citar o HAPI (hearing performace inventory) que avaliava o aparelho em diversas situações
da vida diária, porém possuía 64 questões (era bem extenso) e muitos aspectos não
eram padronizados.

Na nossa prática diária, é muito difícil fazer uso do questionário padronizado para
todos os pacientes. Isso não quer dizer que não avaliamos a percepção do paciente,
mas que essa avaliação pode ser realizada por meio de uma anamnese aberta guiada
pelo profissional. Normalmente, as perguntas são feitas de forma a avaliar como estão
o paciente, o aparelho auditivo e os benefícios que trouxe para a vida.

Pode ser interessante que, no local onde trabalha, você possua uma anamnese pré-
estruturada para que não se esqueça de perguntar e investigar nenhum tópico importante.
Os questionários, no entanto, devem ser utilizados em casos mais difíceis em que é
necessária uma avaliação mais precisa.

Para melhor entendimento da aplicação e dos benefícios do uso dos questionários de


autoavaliação, sugere-se a leitura do artigo “O uso de questionário de autoavaliação
na validação dos resultados do processo de seleção e adaptação de dispositivos
eletrônicos de amplificação sonora individual”, de Broca e Scharlach (2014).

Avaliação da percepção da fala


Quando realizamos uma reabilitação por meio do aparelho auditivo, a nossa principal
meta é fazer com que o paciente consiga reconhecer a fala. Claro que a avaliação dos
tons puros é fundamental para a caracterização da perda auditiva, até para a realização de

70
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

uma regulagem mais precisa. Contudo, precisamos também utilizar testes de fala. Essa
ideia de que a fala vai muito além de detectar o tom já pode ser vista na audiometria, na
qual, além da audiometria tonal, também realizamos as audiometrias tonais, inclusive
o teste de reconhecimento de fala, em que avaliamos a discriminação auditiva.

Veremos agora alguns testes possíveis de serem utilizados.

» Teste com palavras foneticamente balanceadas:

› O primeiro teste de fala que poderemos utilizar é o teste com palavras


foneticamente balanceadas. É um teste em que a escolha das palavras a
serem utilizadas variará de idioma para idioma.

› Se o paciente apresenta um teste de palavras foneticamente balanceadas


com desempenho ruim, é preciso pensar no uso de mais tecnologia, ter
um maior cuidado na regulagem e lembrar que, às vezes, mesmo com a
melhora do desempenho auditivo ainda os pacientes apresentarão alguma
dificuldade residual.

› No nosso dia a dia, esse teste para indicação de aparelho auditivo é


considerado o IRF da audiometria. Outra possibilidade é fazer para
comparação com e sem AASI, onde se anotam dos dois percentuais de
acertos para comparação.

» Teste de múltipla escolha:

› Alguns profissionais da área de adaptação do aparelho auditivo, não


satisfeitos com os testes convencionais para avaliar o desempenho de fala,
procuraram desenvolver outros testes que achavam mais pertinentes.
Foi aí que surgiram os testes de múltipla escolha de respostas fechadas.
Eles se baseiam em solicitar que o paciente identifique a resposta do que
é solicitado e assinale. É um teste de fácil aplicação e fácil análise dos
resultados. Contudo, temos de lembrar que existe uma maior facilidade de
discriminação e acerto, uma vez que estamos trabalhando com universo
fechado de escolha.

› Esses testes são mais utilizados na avaliação de pacientes candidatos à


cirurgia de implante coclear, pois são casos de perda auditiva profunda
ou discriminação de fonemas de palavras associadas.

71
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

» Teste de sentença:

› Os testes de sentença foram pensados numa tentativa de avaliar o


reconhecimento de fala do paciente por meio de situações que fossem
similares às reais, repetir palavras foneticamente balanceadas não é algo que
faz parte do nosso dia a dia. Uma vantagem desse teste são os resultados
encontrados, por apresentarem características contextuais mais próximas
da nossa vida real, dessa forma, faremos uma avaliação mais precisa.

Um teste que se tornou bastante popular foi o SSI (teste de identificação de sentenças).
Ele é um teste de identificação e não de repetição correta. Um conjunto de sentenças é
apresentado de forma escrita ao paciente e ele precisa identificar qual das frases foi dita
(apresentada de forma oral). Essas sentenças são ditas artificiais e sintéticas, pois não
possuem lógica, mas respeitam o princípio da sintaxe. Nesse teste, também avaliamos
se o paciente com o uso do aparelho auditivo tem o desempenho melhor.

Outro teste de realização de fala que existe é o SPIN (speech perception in noise), constituído
por oito listas com 50 sentenças, contendo cada uma entre cinco e oito palavras. Essas
palavras são apresentadas com ruído competitivo de fala ininteligível. A resposta do
paciente deve ser a última palavra da sentença.

Ao avaliar a sentença, estamos exigindo muito além da detecção do paciente, estamos


investigando como é o seu processamento sonoro. Isso é muito importante porque é
assim que o paciente ouve no dia a dia.

Independentemente do teste de fala que foi escolhido, para que sejam realizados,
alguns aspectos têm de ser levados em consideração. Sempre devemos fazer o teste de
frente para o paciente, tampando a sua boca. É interessante também assinalar quais
são os erros, na tentativa de avaliar se há mais alguma frequência acometida ou não.
A avaliação é realizada em campo livre, portanto as duas orelhas ao mesmo.

Pacientes que possuem uma discriminação boa, apesar da perda auditiva, como, por
exemplo, aqueles com componente condutivo ou com perdas auditivas leves, podem,
a princípio, apresentar um desempenho bom nos testes de fala mesmo sem uso do
aparelho. Nesse caso, precisamos tornar a situação de teste difícil. Isso pode ser feito
colocando um ruído de fundo enquanto falamos a sentença ou as palavras. Como essa
situação é mais difícil e exige um processamento maior, os pacientes com perda auditiva
tendem a ter o desempenho prejudicado. Vale ressaltar que, quando formos realizar o

72
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

teste com aparelho, ele tem de ser nas mesmas condições do que realizado sem. Então,
caso utilizemos ruído, ele deve ser empregado na testagem com esse aparelho auditivo.

Vimos que é possível realizar uma medida subjetiva chamada de ganho funcional
e uma medida objetiva chamada de ganho de inserção. Além disso, vimos que
está se tentando criar, por meio de pesquisa, uma correlação entre ambos os
exames. No entanto, nem sempre os dois exames serão compatíveis entre si, e
pode acontecer de termos um paciente que diz estar bem adaptado, mas que seu
ganho de inserção não atinge o alvo, ou um paciente que está bem adaptado, mas
que o ganho funcional não é satisfatório. Outro exemplo de incompatibilidade é
ter um paciente que possui má adaptação, sem conseguir usar o aparelho, mas
que suas medidas de verificação são consideradas boas.

O que fazer diante desses casos?

É preciso saber interpretar as medidas caso a caso e sempre priorizar o fato de


o paciente estar usando o aparelho e tendo benefícios. Caso o paciente esteja
bem adaptado e as verificações ruins, o importante no fim é a boa adaptação e o
uso constante. O importante é o paciente ouvir bem. Da mesma forma que, caso
o paciente julgue não ouvir bem e não consiga fazer uso constante, mas suas
medidas de certificações estejam boas, também precisamos rever a adaptação.

73
CAPÍTULO 3
Orientação ao usuário de próteses
auditivas e famílias de usuários

A orientação ao usuário do aparelho auditivo e aos seus familiares é um ponto-chave


para uma adaptação de sucesso. Apesar disso, é um dos pontos mais negligenciados.
Precisamos lembrar que a maioria das pessoas está fazendo uso do aparelho auditivo
pela primeira vez e que não sabe direito como ele funciona, como deve ser manipulado
nem como são os cuidados básicos. Por isso, faz parte de nosso papel realizar uma
orientação de forma clara e precisa, não só para o paciente, mas também para suas
famílias, familiares e amigos.

Se estivermos reabilitando uma criança ou um paciente idoso ou até mesmo um


adulto com dificuldade de entendimento, precisamos fazer questão de que eles sempre
venham acompanhados para que as orientações possam ser fornecidas também para
quem os acompanham.

Essas orientações não são só sobre como manusear, mas sobre todo o passo a passo e
todos os processos da reabilitação auditiva, ela precisa ir além do simples manuseio.
Precisamos lembrar que estamos fazendo uma reabilitação. A seguir, serão descritos
quais são os principais aspectos julgados fundamentais na orientação.

O primeiro passo é orientar a todos sobre como é o processo de reabilitação auditiva


por meio do uso de AASI. É muito comum que as pessoas cheguem achando que será
muito parecido com o uso de óculos, o que não é verdade. O manuseio do aparelho
auditivo é mais delicado e complicado, além de que o processo de adaptação também
exige reorganizações neurais, e o uso contínuo e diário para aderência do paciente
é fundamental. Portanto, faz parte durante a orientação deixar isso muito claro: a
necessidade do uso constante para que a adaptação aconteça.

Outro ponto que merece destaque é sempre orientar a necessidade de uso bilateral para
perdas auditivas bilaterais. É muito comum o desejo de usar em apenas um lado, numa
tentativa de que apareça menos. Contudo, se o paciente possui uma perda bilateral, a
adaptação deve ser bilateral, a fim de favorecer todo o processo de reabilitação auditiva.

Nesse mesmo sentido, com relação às orientações, é preciso deixar claro para o paciente
que, no processo de adaptação, serão necessários retornos para ajustes e que ele precisa
analisar em que situações consegue ou não ter um bom desempenho com o aparelho
74
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

auditivo. Quanto mais precisa for a análise dele das dificuldades apresentadas, mais
dados teremos para realizar os ajustes. Além disso, mesmo após estar bem adaptado,
o paciente terá de retornar para acompanhamentos em novas avaliações.

É muito importante deixar claro que a adaptação demora um tempo, e é preciso explicar
o que são as habilidades auditivas, além de lembrar que essas habilidades foram perdidas
devido à perda auditiva. Elas serão novamente desenvolvias à medida que seja utilizado
o aparelho auditivo. Ademais, os casos de perdas auditivas severas e profundas e de
discriminação ruim precisam ter as expectativas alinhadas, já que, provavelmente, os
pacientes continuarão com o aparelho auditivo bem regulado.

Após a orientação acerca do que é uma reabilitação auditiva, do processo ao qual o


paciente será submetido e da responsabilidade para uma boa adaptação, têm de ser
feitos os testes, a seleção e a adaptação dos aparelhos. Depois de o aparelho adaptado,
passamos para as orientações de cuidados e manuseio.

Os cuidados com os aparelhos auditivos são fundamentais para que ele dure mais tempo
e esteja sempre funcionando. É necessário deixar bem claro que sempre que estiver
fora do ouvido o aparelho deve ter a gaveta de pilha aberta. Dessa forma, evita-se que
a pilha gaste e que oxide dentro do aparelho.

Outro cuidado é que o aparelho sempre esteja guardado dentro da caixa apropriada,
disponibilizada no ato da adaptação, como podemos observar no exemplo abaixo. Pode
parecer uma orientação simples, porém é muito comum o paciente ir à clínica com o
aparelho embrulhado em um guardanapo ou em caixas não apropriadas onde ele fica
batendo durante o transporte.

Figura 18. Exemplo de estojo para guardar aparelho auditivo.

Fonte: https://www.museudoaparelhoauditivo.com.br/acervo-aparelhos-auditivos-eletricos-aparelhos-auditivos-retroauriculares-aparelho-
auditivo-retroauricular-omni-a13-hdp-super.php.

75
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

Mais um aspecto é evitar que ele caia e que molhe. Os aparelhos devem ser retirados
para tomar banho e para dormir. O uso do desumificador é essencial para a durabilidade
dos aparelhos. Ele deve ser colocado no desumidifcador todas as noites, sem a pilha.
Esse ato evitará a oxidação dos dispositivos internos. Abaixo, podemos observar um
exemplo de desumidificador. Vale ressaltar que a sílica deve ser trocada, em média, a
cada quatro meses.

Figura 19. Exemplo de desumidificador de aparelhos auditivos.

Fonte: http://www.audiototal.com.br/acessorios/desumidificador-de-aparelhos-auditivos-audiototal/.

Outra opção é fazer uso do desumidificador elétrico. Da mesma forma, o aparelho


auditivo deve dormir nele, e o desumidificador fica ligado na tomada. Nesse caso, não
há sílica para ser trocada. A seguir, podemos ver um exemplo.

Figura 20. Exemplo de desumidificador elétrico de aparelhos auditivos.

Fonte: https://menthel.com.br/desumidificador-eletrico-o-que-e-e-para-que-serve/.

As orientações acerca desses cuidados básicos e da cor de cada lado podem ser fornecidas
por escrito para que o paciente sempre tenha acesso. Além disso, é possível treinar o
abrir e fechar da gaveta de pilha e a troca das pilhas. Outro treino é como se coloca e
tira o aparelho auditivo do ouvido. Pode-se orientar a realizar inicialmente de frente
para o espelho. Também é importante informar que as mangueiras do molde devem
ser trocadas todas as vezes que ficarem rígidas, pois podem alterar o som amplificado.

76
Verificação e validação das próteses auditivas | Unidade iii

O último cuidado essencial – e que, por isso, precisa de uma boa orientação – é
sobre a higienização constante. Os aparelhos intra-aurais e retroauriculares (exceto
moldes e tubos finos) devem ser limpados todos os dias com um pano seco, não
podendo ter contato com água. Caso seja necessária uma limpeza mais específica,
o fonoaudiólogo deve realizá-la no consultório com álcool isopropílico (que não
contém água em sua composição).

Os moldes e os tubos finos devem ser lavados uma vez por semana com sabonete
neutro. Após a lavagem, deve-se esperar secar bem antes de colocar no aparelho.
No molde, após a lavagem, deve-se usar a bombinha para retirar água da mangueira
(observada na figura a seguir). Já no tubo fino, o fio de náilon deve ser passado para
assegurar que não terá água impedindo a passagem do som. É indicado lavar um lado
e, só após secagem, lavar o outro. Isso evita que haja troca dos lados dos aparelhos.

Figura 21. Exemplo de bombinha para molde.

Fonte: http://www.audiototal.com.br/acessorios/bombinha-de-limpeza-de-moldes/.

Um dispositivo que auxilia bastante é o medidor de bateria. Sempre devemos orientar


o paciente sobre qual sinal o aparelho auditivo fornece para avisar que a bateria está
acabando. No entanto, temos de lembrar dos casos em que quem realiza a troca de
pilha não é o próprio paciente, por exemplo, nos casos de crianças ou de pacientes
com alguma destreza manual comprometida. Nessas situações, o uso do testador de
bateria é bem válido. A seguir, podemos observar um exemplo de testador.

Figura 22. Exemplo de testador de bateria.

Fonte: http://www.fearsom.com.br/site/acessorios.asp.

77
Unidade iii | Verificação e validação das próteses auditivas

Percebemos que as orientações estão presentes durante todo o processo, desde o


contato inicial até questões de técnicas de manuseio do aparelho auditivo. Elas devem
ser realizadas durante todo o processo e repetidas sempre que necessário. Reforça-se
que entregar as principais orientações por escrito é bem efetivo, pois, caso o paciente
tenha alguma dúvida, ele tem onde consultar. Além disso, precisamos sempre estar
disponíveis para tirar qualquer dúvida que venha surgir. Não podemos negligenciar
esse passo, uma vez que ele faz toda a diferença numa boa adaptação.

78
BIOÉTICA E ÉTICA
NORMATIVA NA UNIDADE IV
FONOAUDIOLOGIA

Em tudo que estudamos até agora, principalmente quando falamos de aparelho auditivo,
em que, muitas vezes, além da parte de reabilitação, também estamos lidando com a
parte de venda, observamos a importância da ética na nossa prática clínica. Não importa
se você será um audiologista que trabalhará com venda ou não, ou até mesmo se você
será um fonoaudiólogo atuante em outra área, a ética e a bioética têm de sempre estar
inseridas em todas as práticas.

Existe o código de ética da fonoaudiologia que traz todos os nossos direitos e deveres, os
quais estudaremos durante esta unidade. Veremos desde a sua história, seus princípios
e seus fundamentos na fonologia. Além disso, falaremos também sobre biossegurança,
um tópico bem importante, que merece mais destaque ainda quando falamos no
contexto de pandemia em que vivemos.

CAPÍTULO 1
História e princípios da bioética

Primeiramente, é preciso entender um pouco sobre o estudo da ética, o qual compreende


um ramo da filosofia que se debruça sobre a ação humana a partir dos diferentes
princípios e valores que a orientam. A palavra ética tem origem do grego “ethos”, que
significa “costume”, “caráter” ou “modo de ser”. Sob alguns aspectos, essa palavra é
considerada sinônimo de “moral”, que vem do latim “mos” ou “mor” e que possui, na
origem da palavra, o mesmo significado.

Em um breve histórico, o conceito de ética surge na Grécia Antiga, durante o século


V a.C. Em um contexto de intensa reflexão a respeito das regras de convívio social, os
pensadores gregos buscavam entender o funcionamento do regime de comportamento
humano. Atualmente, a ética é compreendida como o conjunto de regras e preceitos de
ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade.

79
Unidade iv | Bioética e ética normativa na fonoaudiologia

Precisamos entender que a ética faz parte da existência humana, sem ela os seres
humanos não conseguiriam conviver de forma social. A ética nos ajuda a perceber o que
é bom ou mau, o que é correto e incorreto, o que é justo e injusto, o que é adequado e
inadequado. Dessa forma, podemos dizer que o grande objetivo dela é buscar as regras
de boa convivência do ser humano na sociedade. Em outras palavras, uma característica
da ética é a reflexão sobre a ação e a conduta humanas.

» A ética é o estudo geral do que é bom ou mau, correto ou incorreto, justo ou


injusto, adequado ou inadequado.

» Objetivo da ética: busca de justificativas para as regras propostas pela moral


e pelo direito.

» Ela é diferente de ambos – moral e direito – , pois não estabelece regras.

» Essa reflexão sobre a ação humana é que caracteriza a ética.

A seguir, veremos alguns conceitos importantes para o entendimento da ética.

» Conduta ética:

› É aquela postura que se relaciona a um modo de ser. Ou seja, diz respeito


a como lidamos com as situações que surgem em nossas vidas. Há o
entendimento de que somos agentes conscientes, com capacidade de
discernir entre o bem e o mal, e agir eticamente é ter condutas de acordo
com o bem.

» Valores:

› Podem ser entendidos como padrões sociais ou princípios aceitos e


mantidos por pessoas, pela sociedade, por grupos, entre outros. Cada
um adquire uma percepção individual do que lhe é de valor e, por isso,
cada pessoa possui valores com pesos diferenciados.

› Tornam-se, sob determinado enfoque, subjetivos, uma vez que dependerão


do modo de existência de cada pessoa, de suas convicções filosóficas,
experiências vividas ou crenças religiosas. As pessoas, a sociedade, as
classes têm valores que devem ser considerados em qualquer situação.

» Moral:

› É a normativa que diz respeito aos costumes dos povos, ao conjunto de

80
Bioética e ética normativa na fonoaudiologia | Unidade iv

hábitos, regras, normas, leis que regulam a conduta de um povo, nas


diversas épocas. Ela é abrangente, divergente e variante de cultura para
cultura. Geralmente, visa a circunstâncias e necessidades imediatas de um
povo e, por isso, pode variar (e geralmente varia) de cultura para cultura
e dentro da mesma cultura.

» Bioética:

› Área de conhecimento interdisciplinar recente, que surgiu em função da


necessidade de se discutir os efeitos resultantes do avanço tecnológico das
ciências da área da saúde, bem como de aspectos tradicionais das diversas
relações que envolvem os profissionais dessa área.

» Ética profissional:

› É entendida como os parâmetros que guiam atitudes corretas e honestas


em uma profissão ou empresa. Para facilitar que tais preceitos sejam
seguidos, cada ramo conta com seus códigos de ética.

A reflexão sobre as ações realizadas no exercício de uma profissão deve iniciar


bem antes da prática profissional.

A escolha por uma profissão é optativa, mas, ao escolhê-la, o conjunto de deveres


profissionais passa a ser obrigatório. Geralmente, quando você é jovem, escolhe
sua carreira sem conhecer o conjunto de deveres a que está prestes a assumir
tornando-se parte daquela categoria que escolheu.

A reflexão deve ter início antes dos estágios práticos, para que, na fase de formação
profissional, o aprendizado das competências e habilidades referentes à prática
seja embasado antes do contato com os indivíduos, porque, ao completar a
formação em nível superior, a pessoa faz um juramento, que significa sua adesão
e comprometimento com a categoria profissional em que ingressa.

Como estamos especificamente falando sobre a ética na prática profissional do


fonoaudiólogo, devemos sempre pensar na bioética. Na definição de bioética, observamos
que predominam duas questões: conhecimentos biológicos e valores humanos.

Ela subdivide-se em princípios básicos que buscam solucionar problemas éticos


originados ao longo do desenvolvimento de procedimentos com seres vivos de todas as
espécies. O foco da relação do profissional com o paciente era o bem, e sua abordagem
era orientada principalmente por dois princípios: o princípio da não maleficência e
o princípio da beneficência.

81
Unidade iv | Bioética e ética normativa na fonoaudiologia

Princípio da não maleficência


O princípio da não maleficência se baseia na concepção de que nenhum mal deve
ser feito ao outro. Assim, não é permitida nenhuma ação que consista em malefício
intencional a cobaias ou a pacientes. O seu objetivo é evitar que um tratamento ou
pesquisa cause mais danos do que os possíveis benefícios.

Alguns estudiosos defendem que o princípio da maleficência é, na verdade, parte do


princípio da beneficência, pois o ato de não causar mal ao outro já é, por si só, uma
prática do bem. Agora veremos um exemplo para esclarecer melhor o conceito.

Exemplo de bioética na aplicação do princípio da não maleficência:

Em uma pesquisa para o desenvolvimento de um medicamento para covid-19, após


diversos testes, devem-se realizar os testes em humanos.

Os testes demonstraram que, em 70% dos casos, os pacientes que receberam a vacina
foram curados e ficaram sem sequelas importantes. A princípio, esse resultado parece
muito bom. Entretanto, também se observa que 30% morreram em consequência de
efeitos colaterais do medicamento.

Nesse exemplo, o estudo será interrompido e o medicamento não poderá ser desenvolvido
e produzido, mesmo apresentando um índice alto de cura. O fato de 30% dos pacientes
morrerem é maior que os 70% se curarem e fere o princípio da não maleficência.

Princípio da beneficência
Esse princípio consiste na prática do bem, sempre pensando na virtude de beneficiar
o próximo. Assim, os profissionais que atuam na área de pesquisas e experimentos
devem assegurar a precisão da informação técnica que possuem e estar convictos de
que seus atos e decisões têm efeitos positivos. Dessa forma, espera-se que qualquer
ato tenha como objetivo fundamental o bem, nunca o mal.

Agora, veremos um exemplo para esclarecer melhor o conceito.

Exemplo de bioética na aplicação do princípio da beneficência: uma médica


está socorrendo um paciente que corre risco de vida. Esse paciente é um conhecido
assassino. Objetivo dessa médica sempre será salvar a vida de seu paciente e mobilizará
todas as alternativas para que isso aconteça.

82
Bioética e ética normativa na fonoaudiologia | Unidade iv

Segundo o princípio da beneficência, deve-se apenas ter em vista o bem. O descaso


ou a omissão (ainda que pudesse ser justificado) consistiria em um mal e feriria o
princípio bioético.

Princípio da autonomia
A ideia central desse princípio é de que todos têm capacidade e liberdade de tomar
suas próprias decisões. Assim, qualquer tipo de procedimento a ser realizado no corpo
de um indivíduo e/ou que tenha relação com a sua vida deve ser autorizado por ele.

No caso de crianças e de pessoas deficientes, o princípio de autonomia deve ser praticado


pela respectiva família ou pelo responsável legal. O princípio da autonomia é amparado
pelo direito, ao abrigo do Código de Ética Médica Brasileiro (Capítulo V, Artigo 31).

Vamos ver um exemplo do princípio da autonomia.

Exemplo de bioética na aplicação do princípio da autonomia: quando um


paciente é diagnosticado com uma importante perda auditiva e a única reabilitação
possível é o uso do AASI. O paciente só aceita usar o aparelho auditivo de um lado,
mesmo apresentando perda auditiva bilateral. Tentou-se diversas vezes conversar
com o paciente para fazer o uso binaural, porém ele relata que só irá usar um. Cabe
ao profissional respeitar a decisão do paciente. Foram dadas todas as orientações e ele
está ciente das suas indicações.

Princípio da justiça
No domínio da bioética, esse princípio se baseia na justiça distributiva e na equidade.
Ele defende que a distribuição dos serviços de saúde deve ser feita de forma justa e
que deve haver igualdade de tratamento para todos os indivíduos. Tal igualdade não
consiste em dar o mesmo para todos, mas sim em dar a cada um o que cada um precisa.
Esse princípio é bem presente no SUS.

Vamos observar um exemplo.

Exemplo de bioética na aplicação do princípio da justiça: um caso real que


exemplifica o princípio da justiça aconteceu em Oregon, nos Estados Unidos. Com
o objetivo de proporcionar um atendimento básico de saúde a um maior número de
pessoas, o governo local reduziu os atendimentos de saúde que imputavam custos altos.

83
Unidade iv | Bioética e ética normativa na fonoaudiologia

Dessa forma, foi possível realizar uma distribuição mais alargada dos recursos disponíveis
de modo a ajudar a solucionar os problemas de uma parcela maior da população.

É importante constatar que os quatro princípios não estão sujeitos a qualquer disposição
hierárquica. Se houver conflito entre si, no sentido de aplicá-los corretamente, deve-se
estabelecer como, quando e o quê determinará o predomínio de um sobre o outro.

Podemos ver que os conceitos e os princípios apresentados, muitas vezes, são


relacionados apenas à pesquisa. No entanto, por mais que seja difícil, inicialmente,
fazer uma relação com a nossa prática clínica, precisamos sempre refletir sobre
o nosso papel e as nossas obrigações.

Quando falamos de aparelho auditivo, as questões comerciais, como, por exemplo,


venda e meta a ser batida, estão muito presentes. Nesse sentido, precisamos ter
muito cuidado e sempre refletir se nossas decisões são as melhores para o paciente.

84
CAPÍTULO 2
Fundamentos da ética na
fonoaudiologia: lei do exercício
profissional, noções do código de ética
profissional

Cada profissional está sujeito a uma deontologia própria que regula o exercício de
sua profissão, conforme o Código de Ética de sua categoria. A deontologia pode ser
definida como um conjunto de princípios e regras de conduta – deveres – inerentes
a uma determinada profissão. Vamos nos aprofundar um pouco mais nesse conceito
tão importante.

A deontologia é o conjunto codificado das obrigações impostas aos profissionais de uma


determinada área, no exercício de sua profissão. É constituída por normas estabelecidas
pelos próprios profissionais, tendo em vista não exatamente a qualidade moral, mas
a correção de suas intenções e ações, em relação a direitos, deveres ou princípios, nas
relações entre a profissão e a sociedade. O primeiro Código de Deontologia foi feito
na área médica, nos Estados Unidos, em meados do século passado.

Essa deontologia se manifesta, por exemplo, no juramento que realizamos quando nos
formamos profissionais, no nosso caso, fonoaudiólogos. Você se lembra do juramento
que fez quando se formou? Vou listá-lo novamente aqui e peço que leia atentamente,
refletindo se tudo que foi jurado tem sido cumprido:
Neste momento, ao assumir a profissão de fonoaudiólogo, obrigo-me
solenemente a dedicar meu trabalho à Humanidade, utilizando o domínio
desta ciência em todas as suas formas de expressão, prevenindo, orientando
e tratando todos aqueles que o necessitarem.

Respeitarei os segredos que me forem confiados. Manterei, por todos os


meios ao meu alcance, a honra da minha profissão.

Não permitirei que considerações de ordem religiosa, de nacionalidade,


de raça, de ordem política ou de padrões sociais se interponham entre o
meu dever e o meu semelhante e não usarei meus conhecimentos contra
as leis humanas.

Faço tais promessas solenemente, livremente sob minha palavra de honra.


Adaptação da Declaração de Genebra (1948) - Código de Ética de Fonoaudiologia

85
Unidade iv | Bioética e ética normativa na fonoaudiologia

Sobre a importância do que foi dito acima, sobre termos consciência do que
estamos jurando na colação de grau, sugiro a leitura da matéria a seguir para
melhor ilustração da importância do juramento: http://oglobo.globo.com/sociedade/
educacao/juramento-inusitado-suspende-formatura-na-puc-8159113.

Agora que sabemos do nosso juramento, precisamos falar do nosso código de ética.
Atualmente, estamos na quarta edição do Código de Ética da Fonoaudiologia. Ela foi
elaborada por um grupo de trabalho composto de membros do Sistema de Conselhos
de Fonoaudiologia, norteada pela Declaração Universal sobre Bioética e Direitos
Humanos da Unesco (DUBDH), que comporta quinze princípios e resgata a necessidade
de contemplar a sobrevivência do planeta como um todo.

Além disso, nosso código caracteriza-se, também, pela defesa aos vulneráveis e pelo
respeito ao pluralismo, tão necessários a países como o Brasil, onde a diversidade
cultural, social e econômica promove injustiças.

O nosso código de ética está disponível na biblioteca virtual e não é a ideia aqui
simplesmente copiá-lo. Contudo, precisamos saber quais tópicos estão presentes. Por
isso, vamos ver um resumo do que é abordado.

CAPÍTULO I – DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

A que se destina.

A quem se destina.

Consequências da não observância.

Art. 1 a 3

CAPÍTULO II – DOS PRINCÍPIOS GERAIS

Princípios éticos e bioéticos adotados.

Art. 4

CAPÍTULO III – DOS DIREITOS GERAIS

Esclarece os direitos gerais dentro dos limites da competência e das atribuições do


fonoaudiólogo.

Art. 5

86
Bioética e ética normativa na fonoaudiologia | Unidade iv

CAPÍTULO IV – DAS RESPONSABILIDADES GERAIS

Deveres gerais e infrações éticas.

Art. 6 e 7

CAPÍTULO V - DOS RELACIONAMENTOS

Seção I

Com o Cliente

Define o cliente e estabelece os direitos, deveres e infrações na relação com o


fonoaudiólogo.

Art. 8 a 11

Seção II

Com Outros Fonoaudiólogos

Estabelece direitos, deveres e infrações nas relações entre fonoaudiólogos.

Art. 12 a 1.

Seção III

Com os Profissionais das Demais Categorias

Estabelece direitos, deveres e infrações na relação do fonoaudiólogo com profissionais


de outras categorias.

Art. 15 a 17

Seção IV

Com as Organizações da Categoria

Determina direitos e infrações éticas do profissional em relação às entidades associativas


da classe.

Art. 18 e 19

87
Unidade iv | Bioética e ética normativa na fonoaudiologia

Seção V

Das Relações de Trabalho

Constitui os direitos, deveres e infrações éticas nas relações de trabalho do fonoaudiólogo.

Art. 20 a 22

CAPÍTULO VI

DO SIGILO PROFISSIONAL

Estabelece os deveres e as infrações éticas do fonoaudiólogo em relação ao sigilo


profissional.

Art. 23 e 24

CAPÍTULO VII

DA REMUNERAÇÃO PROFISSIONAL

Constitui direitos, normas para fixação de honorários, deveres e infrações éticas


relacionadas à remuneração do fonoaudiólogo.

Art. 25 a 28

CAPÍTULO VIII

DAS AUDITORIAS E PERÍCIAS FONOAUDIOLÓGICAS

Estabelece os direitos, deveres e infrações do fonoaudiólogo relacionados às auditorias


e perícias fonoaudiológicas.

Art. 29 a 31

CAPÍTULO IX

DA FORMAÇÃO ACADÊMICA, DA PESQUISA E DA PUBLICAÇÃO

Constitui direitos, deveres e infrações relacionadas à formação acadêmica, à pesquisa


e à publicação.

Art. 32 a 34

88
Bioética e ética normativa na fonoaudiologia | Unidade iv

CAPÍTULO X

DOS VEÍCULOS DE DIVULGAÇÃO, INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Seção I

Da Propaganda e da Publicidade

Constitui direitos, deveres e infrações éticas sobre as formas de divulgação do trabalho


do fonoaudiólogo.

Art. 35 a 37

Seção II

Das Redes Sociais

Estabelece os direitos, deveres e infrações quanto ao uso das redes sociais pelo profissional.

Art. 38 a 40

CAPÍTULO XI

DA OBSERVÂNCIA, APLICAÇÃO E CUMPRIMENTO DO CÓDIGO DE ÉTICA

Indica a competência do Conselho Regional de Fonoaudiologia do profissional inscrito


para a apuração das faltas e aplicação das penalidades previstas na legislação em vigor
e reafirma o caráter de observância obrigatória do código de ética.

Art. 41 e 42

CAPÍTULO XII

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Indicação do Conselho Federal de Fonoaudiologia, apreciação e julgamento de dúvidas


que surgirem na observância do código de ética e de possibilidade de alteração dele a
partir de iniciativa própria do CFF ou por proposta dos CRFs.

Art. 43 e 44

Podemos observar que nosso código apresenta diversos conceitos e se preocupa tanto
em delimitar nossos direitos quanto deveres. Pode ser uma leitura um pouco difícil,

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Unidade iv | Bioética e ética normativa na fonoaudiologia

por não apresentar uma linguagem comum ao nosso dia a dia, pois precisamos sempre
ter a certeza de que nosso exercício da profissão está correto.

Apesar do juramento e da obrigação do cumprimento do código, atitudes podem


descumpri-lo. Nesses casos, são abertos processos de averiguação e de julgamento e,
caso comprovada a infração do código de ética, o profissional sofrerá uma punição de
acordo com o julgamento recebido. A seguir, vemos as possíveis punições.

Art. 22. As penas disciplinares consistem em:

I - advertência;

II - repreensão;

III - multa equivalente a até 10 (dez) vezes o valor da anuidade;

IV - suspensão do exercício profissional pelo prazo de até 3 (três) anos, ressalvada a


hipótese prevista no § 7º deste artigo;

V - cancelamento do registro profissional.

Dois pontos abordados no código de ética e que precisamos destacar de forma mais
detalhada é o teleatendimento e a netiqueta. O primeiro merece um destaque, pois,
diante do nosso contexto atual pandêmico, o teleatendimento passou a ser permitido
e apresenta regras próprias que, muitas vezes, diferem do atendimento presencial.
Enquanto o segundo tópico é importante, pois, apesar do grande aumento de uso
das redes sociais, poucas pessoas sabem que existem regras para usá-las de forma
profissional. Vemos muitos profissionais cometendo infrações sem nem saberem que
estão fazendo, mas o desconhecimento não isenta a culpa.

Teleatendimento
Até o início do ano de 2020, o teleatendimento era proibido para a profissão de
fonoaudiólogo. No entanto, com o surgimento da pandemia de covid-19 e a necessidade
de isolamento social, ele se tornou regulamentado pela Recomendação 18-B, de 17
de março de 2020.

Essa recomendação permite a teleconsulta e o telemonitoramento em fonoaudiologia,


com vistas a viabilizar a manutenção dos serviços fonoaudiológicos para a população,
em face do isolamento social imposto pela pandemia da covid-19.

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Bioética e ética normativa na fonoaudiologia | Unidade iv

Assim, é possível realizar a teleconsulta diretamente com um paciente, englobando


ações fonoaudiológicas de orientação, esclarecimento de dúvidas, condutas preventivas
e avaliação clínica, prescrição diagnóstica ou terapêutica.

Os teleatendimentos devem seguir a legislação vigente para o exercício profissional,


devendo ser considerados:

» Código de Ética da Fonoaudiologia;

» Resolução n. 415, de 12 de maio de 2012, que “dispõe sobre o registro de


informações e procedimentos fonoaudiológicos em prontuários”;

» Resolução n. 427, de 1º de março de 2013, que “dispõe sobre a regulamentação


da Telessaúde em Fonoaudiologia”;

» Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados


Pessoais (LGPD), alterada pela Lei nº 13.853, de 8 de julho de 2019.

Além disso, outros dispositivos e diretrizes que regem as boas práticas em fonoaudiologia
devem ser respeitados.

Um importante cuidado que devemos ter é com a manipulação dos dados diante do
atendimento remoto. O respeito à privacidade e à confidencialidade são princípios
éticos adotados pela fonoaudiologia, portanto, a sua não obediência é uma infração
ética, ainda que a atuação seja mediada pelas tecnologias de informação e comunicação
(TICs). Do ponto de vista legal, a Lei Geral de Proteção de Dados prevê multas
quando ocorre o uso indevido de dados sensíveis de pacientes ou o vazamento dessas
informações. Considera-se uso indevido, entre outros, a falta de cuidado na coleta,
armazenamento, uso ou descarte dos dados.

A escolha criteriosa dos meios pelos quais o profissional prestará os serviços à distância é
um dos elementos determinantes para a prática segura. Sugere-se que o fonoaudiólogo,
minimamente, procure saber quais soluções atendem a protocolos internacionais de
segurança, como o HIPAA (HIPAA compliance). Essa regulação norte-americana (health
insurance portability and accountability act – HIPAA) estabelece um conjunto de padrões
de segurança para proteger informações de saúde.

Atendimento pelas mídias sociais, entre outras ferramentas de comunicação que não
garantam sigilo, confidencialidade ou proteção de dados para processar, armazenar e
transmitir as informações de saúde, não é considerado oferta de serviço em telessaúde.

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Unidade iv | Bioética e ética normativa na fonoaudiologia

É importante fazer a leitura de toda a resolução que regulamenta o teleatendimento.


Por isso, mesmo que você não realize esse tipo de atendimento, leia a resolução
neste link: https://www.fonoaudiologia.org.br/resolucoes/resolucoes_html/
CFFa_N_580_20.htm.

Netiqueta
A netiqueta foi um termo cunhado para se referir às regras que devem ser cumpridas
quando envolvem o ambiente da internet. Aqui é onde mais encontramos infrações
sendo realizadas por desconhecimento da regra (lembrando que isso não exime a
culpa). É cada dia mais comum a realização de publicações, muitas vezes com intuito
informativo. Mas, mesmo nesses casos, as regras precisam ser cumpridas. Nosso código
de ética possui um tópico específico para esse tema, no capítulo X, sendo uma sessão
exclusiva para redes sociais.

As principais informações a serem seguidas são que, nas redes sociais, o fonoaudiólogo
deve manter o respeito às normas e aos princípios éticos de sua profissão. Por isso,
é necessário ficar atento a algumas normas estabelecidas no Código de Ética da
Fonoaudiologia.

Seu nome profissional, sua profissão e o número de inscrição no CREFONO devem


estar presentes em anúncios, entrevistas e até mesmo em lives. Esse aspecto é um dos que
mais falta quando observamos publicações de caráter profissional. O artigo 36, inciso
I, do Código de Ética, indica que “é dever do fonoaudiólogo em relação à propaganda e
publicidade fazer constar seu nome profissional, sua profissão e o número de inscrição
no Conselho Regional de sua jurisdição nos anúncios, placas e impressos”.

Apesar de parecer um exagero, lembremos que, ao divulgar a profissão, você acaba


valorizando toda a classe fonoaudiológica e, ao colocar seu registro nas peças de
divulgação, gera maior credibilidade em suas ações. Além de possibilitar que, caso seja
necessário, seja possível a sua identificação.

Outra questão, contida no artigo 28, inciso I, muitas vezes desconsiderada, é condenado
o oferecimento ou a prestação de serviços fonoaudiológicos gratuitos (exceto nos casos
previstos na legislação e nos preceitos do próprio Código).

Vejamos as partes do capítulo X mais importantes.

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Bioética e ética normativa na fonoaudiologia | Unidade iv

Seção I

Da propaganda e da publicidade

Art. 35 Constitui direito do fonoaudiólogo utilizar, em anúncios, placas, impressos e


demais divulgações, inclusive por meios digitais, além das informações obrigatórias,
conforme art. 36 deste Código:

I – as especialidades para as quais o fonoaudiólogo esteja habilitado;

II – os títulos de formação acadêmica;

III – endereço, telefone, endereço eletrônico, horário de trabalho, convênios e


credenciamentos;

IV – instalações, equipamentos e métodos de tratamento;

V – logotipo, marca e logomarca;

VI – heráldico da Fonoaudiologia.

Art. 36 Constituem deveres do fonoaudiólogo em relação à propaganda e publicidade:

I – fazer constar seu nome civil ou social, sua profissão e o número de inscrição no
Conselho Regional de Fonoaudiologia de sua jurisdição em anúncios, placas e impressos
e em qualquer registro em mídias digitais e demais meios de comunicação;

II – preservar o decoro da profissão ao promover publicamente seus serviços.

Art. 37 Constituem infrações éticas do fonoaudiólogo relacionadas à propaganda e à


publicidade:

I – anunciar preços, descontos e sorteios, exceto na divulgação de cursos, palestras,


seminários e afins;

II – consultar, diagnosticar ou prescrever tratamento por quaisquer meios de comunicação


de massa;

III – induzir a opinião pública a acreditar que exista reserva de atuação clínica para
determinados procedimentos;

IV – anunciar títulos acadêmicos ou profissionais que não possua ou especialidades


para as quais não esteja habilitado;

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Unidade iv | Bioética e ética normativa na fonoaudiologia

V – anunciar produtos fonoaudiológicos ou procedimentos por meios capazes de


induzir ao uso indiscriminado destes;

VI – anunciar procedimentos ou materiais no tratamento que não tenham evidência


científica ou eficácia comprovada.

SEÇÃO II

Das redes sociais

Art. 38 Constituem direitos do fonoaudiólogo, ao utilizar as redes sociais:

I – divulgar seus serviços;

II – criar canais de comunicação com a população;

III – criar ou participar de grupos de discussão, desde que respeitados os preceitos


deste Código de Ética;

IV – conceder entrevistas ou palestras sobre assuntos fonoaudiológicos.

Art. 39 Constituem deveres do fonoaudiólogo em relação às redes sociais:

I – respeitar as normas e os princípios éticos da profissão nas redes sociais;

II – expressar opiniões com respeito e fundamento em relação à profissão;

III – dirigir-se a outros fonoaudiólogos de forma digna e respeitosa;

IV – ter consentimento e autorização formal do cliente, ou de seu(s) representante(s)


legal(is), para publicação de imagens, vídeos e áudios;

V – verificar a veracidade do conteúdo das informações ao compartilhar e retransmitir


mensagens, mesmo em grupos de discussão restritos;

VI – fazer sempre referência às fontes que publica.

Art. 40 Constituem infrações éticas do fonoaudiólogo em relação às redes sociais:

I – emitir comentário ou fazer publicação de conteúdo injurioso, difamatório, calunioso,


preconceituoso, depreciativo ou ofensivo, em desfavor do fonoaudiólogo, cliente,
Sistema de Conselhos de Fonoaudiologia e demais órgãos da categoria, bem como
expô-los a situações vexatórias e constrangedoras;

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Bioética e ética normativa na fonoaudiologia | Unidade iv

II – discutir casos ou esclarecer dúvidas relativas à prestação de serviço ao cliente


quando este for exposto ou facilmente identificável;

III – divulgar, sem autorização do cliente e do(s) responsável(is) legal(is), qualquer


informação que o identifique.

Como já destacado anteriormente, a leitura minuciosa do nosso código é fundamental.


Precisamos ter certeza de quais são nossas obrigações e nossos deveres e sempre lembrar
que, no final, o paciente é nosso bem maior, o qual juramos sempre ajudar.

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CAPÍTULO 3
Noções de biossegurança na
fonoaudiologia

A biossegurança é uma área de conhecimento definida pela Agência Nacional de


Vigilância Sanitária (Anvisa) como: “condição de segurança alcançada por um conjunto
de ações destinadas a prevenir, controlar, reduzir ou eliminar riscos inerentes às
atividades que possam comprometer a saúde humana, animal e o meio ambiente”.

No Brasil, a biossegurança está regulamentada pela Lei n. 11.105, de 25 de março de


2005, que dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança. Esta revogou a Lei nº
8.974/95, que instituiu a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),
responsável pelo cumprimento da vigente lei.

A questão fundamental, portanto, é garantir que qualquer procedimento científico seja


seguro. Ele precisa ser seguro para os profissionais que o realizam, para os pacientes
a quem são destinados (quando houver) e para o ambiente e, ao mesmo tempo, ser
capaz de gerar resultados de qualidade.

O Conselho Federal de Fonoaudiologia determina as questões de segurança com relação


à atuação fonoaudiológica, considerando os diversos aspectos das diversas áreas da
fonoaudiologia, incluindo a audiologia.

Na prática audiológica, a contaminação pode ser por meio de equipamentos utilizados


na realização de exames audiológicos, que, em contato com a pele do indivíduo, pode
ser contaminado com a flora microbiana presente no pavilhão auditivo e/ou meato
acústico externo (fones, eletrodos, cânula de irrigação, espéculos ou olivas). O cerume
também pode ser considerado substância infecciosa.

A Comissão de Saúde do Sistema de Conselhos de Fonoaudiologia elaborou a segunda


edição do Manual de Biossegurança para a Fonoaudiologia logo após o início da
pandemia de covid-19. Isso aconteceu porque os procedimentos de biossegurança
precisaram ser amplamente revisados a fim de garantir a segurança do fonoaudiólogo
e do paciente. A publicação contém as políticas e os procedimentos necessários a
assegurar o cumprimento das normas de biossegurança por parte dos profissionais e
garantir a segurança da população durante os atendimentos.

A seguir, veremos os principais tópicos com relação ao atendimento em audiologia.

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Bioética e ética normativa na fonoaudiologia | Unidade iv

» Higienização das cabines acústicas: importa ressaltar que, após a


higienização da cabine, deve-se respeitar o tempo de ventilação, o qual
tem de estar de acordo com o seu volume. Cabines com dimensões de 1 m2
devem respeitar um tempo de 10 minutos arejando após sua higienização.
Para dimensões maiores, o tempo deve ser aumentado para 15 a 20 minutos.
Cabines que são revestidas em seu interior por espuma devem ser forradas
com plástico filme para proporcionar a higienização.

» Todos os equipamentos utilizados na avaliação audiológica devem apresentar


bom estado de conservação e limpeza, além de ter seus registros certificados
pela Anvisa, assim como certificados de manutenção/calibração anual,
conforme a resolução vigente. Todo resíduo produzido durante o atendimento
deverá ser acondicionado e descartado de acordo com sua especificidade.

» Quanto aos EPIs, materiais e insumos utilizados no atendimento devem


ser acondicionados e guardados de forma adequada e segura. Durante a
realização da avaliação audiológica, alguns cuidados têm de ser observados:

› uso do protetor descartável nos coxins dos fones supra-aurais;

› lavagem periódica dos coxins com água e sabão, a fim de retirar a sujidade;

› descontaminação de espéculos e olivas de acordo com sua criticidade;

› limpeza das superfícies que estiverem próximas ao paciente durante


o atendimento, com papel toalha embebido em solução alcoólica ou
qualquer outro saneante;

› utilização de cobertura de papel apropriado ou lençol descartável na maca


com substituição por paciente. A cada turno de trabalho, essas macas
deverão ser desinfetadas com álcool etílico a 70%;

› utilização de luvas descartáveis ao manipular aparelho de amplificação


sonora individual (AASI) intracanal, moldes auriculares, microfones ou
outro objeto tocado pelo paciente e pelo profissional;

› deve-se ter cuidado com certos plásticos e materiais utilizados na construção


desse equipamento, pois podem se deteriorar se forem usadas substâncias
abrasivas para limpeza;

› para realização da meatoscopia ou inspeção visual do meato acústico

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Unidade iv | Bioética e ética normativa na fonoaudiologia

externo (MAE), recomenda-se o uso de espéculos descartáveis, bem como


sondas ou olivas descartáveis para timpanometria, quando possível. No
caso de não poder usar espéculos ou olivas/sondas descartáveis, estes
devem sofrer o processo de desinfecção, por serem artigos classificados
como artigos não críticos.

Devido às diversas mudanças necessárias nas normas, a leitura cuidadosa do manual é


essencial. Demonstramos anteriormente a importância da prática correta de medidas
de biossegurança por parte dos fonoaudiólogos; sendo profissionais da área de saúde, eles
também são responsáveis por prevenção e controle de doenças e, consequentemente,
por promoção da saúde. É preciso lembrar que a biossegurança significa a proteção
do paciente, mas, principalmente, a proteção do profissional.

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PARA (NÃO) FINALIZAR

Neste material, foi possível ver o quão complexa é a reabilitação auditiva do paciente
por meio dos aparelhos auditivos. Por ser um dispositivo altamente tecnológico, o
trabalho com o AASI nos exige atualização constante, sempre em busca das melhores
opções para o paciente, considerando as especificidades de cada público atendido.

Ainda nesse contexto de atualização da tecnologia, o desenvolvimento também


contribuiu para a evolução dos métodos de avaliação da nossa seleção e adaptação dos
aparelhos auditivos. Precisamos constantemente avaliar o desempenho do aparelho
auditivo e a aderência ao tratamento.

Independentemente das escolhas realizadas, a orientação sempre será um ponto-chave.


É preciso utilizarmos uma linguagem acessível e nos fazermos ser entendidos, além
de estarmos disponíveis para retirada de dúvidas e novas orientações sempre que
necessário. Acredite, uma boa orientação faz toda a diferença.

Por fim, apesar de nossa área de atuação, precisamos ter atitudes éticas e seguras.
Conhecer bem nosso código de ética e o manual de biossegurança é nossa obrigação.
Temos de lembrar do nosso juramento e agir de forma a realizar boas práticas no
nosso dia a dia.

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REFERÊNCIAS

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BROCA, V. S.; SCHARLACH, R. C. O uso do questionário de auto-avaliação


para avaliação dos resultados no processo de seleção e adaptação de dispositivos
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Referências

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