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REABILITAÇÃO AUDITIVA E

TECNOLOGIAS DISPONÍVEIS
PARA O TRATAMENTO
AUDITIVO
Elaboração

Marcos Roberto Banhara

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO......................................................................................................................................................... 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA.................................................................................. 5

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................. 7

UNIDADE I
PROCESSOS AUDITIVOS E PANORAMA DA SAÚDE AUDITIVA NO BRASIL................................................................................................. 11

CAPÍTULO 1
ANATOMOFISIOLOGIA DA AUDIÇÃO E BIOFÍSICA DOS PROCESSOS AUDITIVOS .................................................................. 11

CAPÍTULO 2
PLASTICIDADE E PROCESSAMENTO DO SINAL ACÚSTICO E CENTRAL................................................................................... 22

CAPÍTULO 3
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE AUDITIVA E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.......................................................................... 28

UNIDADE II
TECNOLOGIAS IMPLANTÁVEIS APLICADAS À REABILITAÇÃO AUDITIVA................................................................................................. 35

CAPÍTULO 1
PRÓTESE AUDITIVA ANCORADA NO OSSO (PAAO).............................................................................................................................. 35

CAPÍTULO 2
IMPLANTE COCLEAR (IC).................................................................................................................................................................................. 41

CAPÍTULO 3
IMPLANTE AUDITIVO DE TRONCO ENCEFÁLICO (ABI)........................................................................................................................ 47

UNIDADE III
ROTINAS NOS PROGRAMAS DE SAÚDE AUDITIVA E OTOLÓGICA................................................................................................................ 50

CAPÍTULO 1
CRITÉRIOS DE SELEÇÃO E INDICAÇÃO PARA PRÓTESES AUDITIVAS IMPLANTÁVEIS....................................................... 50

CAPÍTULO 2
ROTINAS PRÉ, INTRA E PÓS-OPERATÓRIAS DE PRÓTESE AUDITIVA ANCORADA NO OSSO........................................... 63

CAPÍTULO 3
ROTINAS PRÉ, INTRA E PÓS-OPERATÓRIAS DE IMPLANTE COCLEAR....................................................................................... 68

UNIDADE IV
AVANÇOS TECNOLÓGICOS E CONDUTAS TERAPÊUTICAS.............................................................................................................................. 78

CAPÍTULO 1
EQUIPES INTERDISCIPLINARES NOS PROGRAMAS DE PRÓTESES AUDITIVAS IMPLANTÁVEIS................................... 78

CAPÍTULO 2
IMPLANTE COCLEAR UNILATERAL VERSUS BILATERAL.................................................................................................................. 83

CAPÍTULO 3
ESTABELECIMENTO DA MELHOR CONDUTA TERAPÊUTICA X AVANÇOS TECNOLÓGICOS............................................ 88

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................................... 94
APRESENTAÇÃO

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como
pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia
da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de
textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam
tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta
para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto
antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para
o autor conteudista.

Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma
pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em
seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas
experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para
a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar


Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do
estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam
para a síntese/conclusão do assunto abordado.

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Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/
conclusões sobre o assunto abordado.

Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando
o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar


Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a
aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo
estudado.

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INTRODUÇÃO

Seja bem-vindo à disciplina “Reabilitação Auditiva: Tecnologias Implantáveis


disponíveis para o tratamento auditivo”. Nesta disciplina, conheceremos os
fundamentos dos processos envolvidos nas rotinas pré, intra e pós-operatórias
de implante coclear, prótese auditiva ancorada no osso e implante de tronco
cerebral, a fim de entender a relação entre a perda auditiva e a reabilitação
de pacientes que não se beneficiam com a estimulação acústica via aparelho
de amplificação sonora individual (AASI), ou mesmo que apresentem algum
impedimento físico para o uso desse dispositivo. Os avanços tecnológicos
envolvidos no processo de reabilitação auditiva proporcionaram ao audiologista
uma variedade de tecnologias implantáveis para o tratamento de diversos
comprometimentos auditivos e se tornaram um divisor de águas. Dentre esses
avanços tecnológicos, podemos citar: implante cocleares (IC), próteses auditivas
ancoradas no osso (PAAO) e implante auditivo de tronco encefálico (ABI). Vale
ressaltar, caro aluno, que as premissas utilizadas para o desenvolvimento das
tecnologias acima mencionadas baseiam-se nos pilares básicos de condução e
estimulação sonora por via aérea e óssea, além da estimulação elétrica. Não há
solução milagrosa, mas sim a observação atenta do mecanismo normal da audição
periférica e central, considerando os aspectos anatomofisiológicos, biofísicos e
de processamento auditivo central. Outro ponto que será amplamente discutido
durante a disciplina é a relação entre tecnologia disponível para a reabilitação
das dificuldades ou incapacidades auditivas versus expectativas do paciente.
Olhar para o processo com uma visão humanística, sempre permanecendo
atento ao detalhe que seu paciente não é apenas uma “orelha”, “mastoide” ou
“cóclea”, mas sim um indivíduo cheio de medos, anseios e perspectivas de
inclusão social.

A audição é um dos sentidos mais nobres do ser humano, especialmente


quando consideramos os aspectos relacionais próprios da vida em sociedade.
Segundo Perreau (2017), esse sentido envolve mais do que simplesmente a
sensibilidade auditiva e a função do mecanismo auditivo, mas também inclui
habilidades específicas para a vida diária, como ouvir (que requer atenção e
concentração), compreender (receber e interpretar a informação sonora) e
comunicar (permitir a troca de ideias por meio de conversas). Sua principal
função está ligada à aquisição e ao desenvolvimento da linguagem oral, essencial
nas relações interpessoais. Assim, é fundamental que qualquer distúrbio na

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audição seja detectado e tratado precocemente para evitar ou mesmo minimizar
os impactos na vida do indivíduo. Para diminuir esses danos, o diagnóstico e a
intervenção precoces, acompanhados da reabilitação auditiva, são fundamentais
e possibilitam, de maneira mais eficiente, a aquisição de habilidades auditivas
e o desenvolvimento da linguagem oral (OMS, 2019; TUCCI, 2017).

Um ponto importante a ser levado em consideração na intervenção precoce


na deficiência auditiva é a plasticidade do sistema auditivo central, que é a
capacidade de reorganização do sistema após a reintrodução da entrada sensorial
degrada, no caso sensibilidade auditiva, por meio de estratégias eficientes de
reabilitação auditiva. Sabe-se que a neuroplasticidade tem menos eficiência
com o passar dos anos, porém não existe uma faixa etária limite para que
esta deixe de existir (KAPPEL; MORENO; BUSS, 2011). Ainda em relação ao
processo de neuroplasticidade auditiva, é válido pontuar que a reorganização
cerebral é intensa nos três primeiros anos de vida. Inclusive todo conceito
que sustenta a indicação precoce baseia-se nessa premissa. Inclusive, temos
observado nos programas de saúde auditiva e otológica do Sistema Único
de Saúde (SUS) aumento gradativo de diagnóstico e tratamento precoces de
crianças na primeira infância em macrorregiões onde existem serviços eficientes
de TANU. Já em relação ao idoso, observa-se que, embora neuroplasticidade
auditiva seja sensivelmente menor, existe e pode construir inclusive para
diminuir a possibilidade de aparecimento de demências na senilidade. Assim,
é imprescindível identificar e reabilitar as perdas auditivas que, associadas ao
processo normal de envelhecimento, alteram o processamento auditivo central
desse público. É do conhecimento dos audiologistas que a privação sensorial
aliada ao isolamento social do idoso podem desencadear o aparecimento de
demências. Por outro lado, a reabilitação auditiva eficaz pode minimizar o
tempo de instalação, ou até mesmo evitá-lo.

É fato que a epidemiologia da deficiência pode variar, de acordo com os fatores


geográficos e econômicos, e sua prevalência é menor em países cuja população
tenha um padrão de vida mais alto e/ou conte com sistema de saúde eficientes
na implementação e condução de políticas públicas de saúde auditiva. De acordo
com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 466 milhões de pessoas
em todo o mundo têm deficiência auditiva incapacitante e é estimado que até
o ano de 2050, mais de 900 milhões de pessoas, ou uma em cada 10 pessoas,
terão esse tipo de deficiência (OMS, 2019). A deficiência auditiva é um dos
problemas sensoriais de maior incidência na população brasileira segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo
com o censo de 2010, nove milhões de brasileiros podem ser considerados
“surdos” por apresentarem perdas auditivas sensorioneurais de grau severo a
profundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no ano de 2011
estimava-se que existiam 28 milhões de pessoas no Brasil com algum tipo de
comprometimento auditivo. Estudos desenvolvidos em muitos países têm
mostrado que a prevalência de deficiência auditiva incapacitante apresenta
grande variedade a depender do local, porém no Brasil não há estudos de base
populacional que indiquem a prevalência da perda auditiva incapacitante em
âmbito nacional, apenas estudos pontuais com mapeamento local ou regional
da situação (BEVILACQUA et al., 2013).

Entre as causas mais comuns das perdas auditivas estão: genéticas,


consanguinidade, malformações e síndromes, além de doenças adquiridas
pela mãe durante os primeiros meses de gestação; doenças infecciosas (como
meningite, sarampo e caxumba); infecções crônicas de orelha; utilização de
medicamentos ototóxicos; traumatismo cranioencefálico; exposição a altos
níveis de ruídos contínuos sem proteção adequada; existência de doenças
crônicas, como diabetes mellitus, e perda auditiva súbita (OMG, 2019). Sob
a luz dos dados apresentados, fica clara a relevância da discussão do assunto
pelos gestores públicos e pesquisadores para o estabelecimento de políticas
públicas amplas e eficazes que, utilizando-se das tecnologias e conhecimentos
disponíveis, ofereçam à população diagnóstico e intervenção precoces. Sem
sombra de dúvidas, os investimentos no adequado processo de reabilitação
auditiva podem oferecer ao indivíduo não apenas qualidade de vida, mas
também reinserção social e econômica.

Objetivos
» Desenvolver o raciocínio lógico do aluno por meio de abordagem
baseadas em evidências.

» Contextualizar o panorama atual da saúde auditiva no Brasil em


relação ao emprego dos avanços tecnológicos disponíveis.

» Transcorrer sobre os processos comuns às rotinas de reabilitação


auditiva com emprego de tecnologias implantáveis: prótese auditiva
ancorada no osso, implante coclear e implante de tronco encefálico.
» Desenvolver o raciocínio teórico prático relacionado aos
procedimentos de reabilitação auditiva por meio da estimulação
elétrica e da estimulação acústica por condução óssea.

» Oferecer ao aluno a possibilidade da observação dos processos de


reabilitação auditiva de maneira humanista centrada na pessoa com
deficiência.

» Discutir as melhores condutas terapêuticas de acordo com as


possibilidades tecnológicas disponíveis associadas às perspectivas
e expectativas do paciente e sua família.
PROCESSOS
AUDITIVOS E
PANORAMA DA SAÚDE UNIDADE I
AUDITIVA NO BRASIL

CAPÍTULO 1
Anatomofisiologia da audição e
biofísica dos processos auditivos

Anatomofisiologia da audição
Neste capítulo, será abordado brevemente como o sistema auditivo se constitui
e seu adequado funcionamento. Vocês podem se perguntar: qual a relevância
da retomada de conceitos báscios em uma disciplina que trata de reabilitação
auditiva: diagnóstico e tratamento? E a resposta é simples! Qualquer análise
para definição de diagnóstico e condutas terapêuticas passa pela observação
cuidadosa da normalidade. Logo, qualquer processo disfuncional ou desviante
do que é preconizado como funcionamento normal pode chamar sua atenção
como clínico, mesmo que não se tenha conhecimentos técnicos para precisar
o diagnóstico exato.

O sistema auditivo é constituído por estruturas sensoriais e conexões centrais


responsáveis pela audição. Esse sistema pode ser subdividido em duas porções
interrelacionadas: sistema auditivo periférico e central. A porção periférica
compreende estruturas das orelhas: externa, média e interna, além do VIII
par craniano ou nervo vestibulococlear. O sistema auditivo central refere-se
às vias auditivas localizadas no tronco encefálico e áreas corticais.

A observação cuidadosa da normalidade oferece ao audiologista que atua


em reabilitação auditiva a possibilidade de diagnósticos mais precisos e o
estabelecimento de condutas terapêuticas mais eficazes voltadas às reais
necessidades e expectativas de seu paciente. As estruturas do ouvido humano
– ou mais adequadamente citado como orelha, de acordo com os conceitos
anatômicos – têm grande complexidade, sendo divididas em: orelha externa,

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Unidade i | Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil

orelha média e orelha interna. A orelha externa é constituída por: pavilhão


auricular, que tem forma de uma concha, e o meato acústico externo (MAE),
que tem formato cilíndrico. O pavilhão auricular é uma estrutura cartilagínea
flexível em sua maioria, apenas o lóbulo é constituído por tecido adiposo
recoberto por pele. O MAE estruturalmente é um tubo em forma de “S” que
apresenta aproximadamente 2,8 cm de comprimento em adultos. O terço
lateral é cartilagíneo e os dois terços messias ósseos, ambos revestidos por
pele. Ele faz a junção entre o pavilhão auricular e a membrana timpânica (MT)
e possui glândulas ceruminosas secretoras de cera, que, junto com os pelos,
oferecem proteção especialmente a traumas por fricção e agentes externos. A
função básica da orelha externa, dentro dos processos auditivos, é a captação
e adequada condução das ondas sonoras em direção à orelha média.

Figura 1. Compartimentos do ouvido humano: foco orelha externa.

Orelha externa Orelha média Orelha interna

Ossículos

Janela oval

Nervo auditivo

Cóclea

Pavilhão auricular Meato Membrana


acústico timpânica

Fonte: https://www.infoescola.com/anatomia-humana/audicao/.

A orelha média é uma caixa timpânica de formato circular revestida por tecido
mucoso semelhante a um “tambor” com porção externa coberta pela membrana
timpânica, que vibra através de ossilações a partir da onda sonora conduzida
da orelha externa. A orelha média é composta pelas seguintes estruturas:
membrana timpânica (MT), cadeia ossicular (ossículos: martelo, bigorna e
estribo), ligamentos e a tuba auditiva. Sua função básica é a amplificação das

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Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil | Unidade i

ondas sonoras previamente captadas e direcionadas pela orelha externa para


vencer a impedância ou barreira física dos líquídos da cóclea (órgão sensorial
da audição). Tal fato se deve aos processos biofísicos de condução da onda
sonora em diferentes meios materiais e a consequente perda de energia pelo
fenômeno de reflexão.

É interessante observar que o compartimento da orelha média pode ser


considerado um processo evolutivo dos seres vivos que saíram do meio aquático
para o meio terrestre e precisaram desenvolver um compartimento auditivo
adequado para equalizar a condução sonora entre as diferentes superfícies de
condução, meio aéreo e meio líquido. Nos seres exclusivamente aquáticos, as
ondas sonoras caminham do meio aquático para o possível órgão sensorial da
audição, também imerso em líquidos, de maneira contínua sem perdas físicas.
Diante desse fato, fica claro que as estruturas componentes na orelha média,
especialmente a cadeia timpano-ossicular, agem em conjunto para evitar
perdas de energia sonora e consequente diminuição da intensidade das ondas
sonoras que atigem o órgão sensorial da audição.

A tuba auditiva, embora não participe diretamente do mecanismo timpano-


ossicular, é imprescindível para equalizar as diferenças de pressão entre a
orelha média e o meio externo, oferecendo, assim, condições adequadas de
funcionamento. Geralmente nas mudanças repentinas de pressão, como ocorre
nas viagens aéreas, verificamos na prática a função da tuba auditiva. Uma
vez que a mudança de pressão é rápida, a tuba não equaliza adequadamente
os níveis de pressão entre o meio externo e a cavidade timpânica. Por essa
razão, podemos sentir desconforto e pressão na MT. Além da manutenção da
pressão por meio das trocas áreas entre a rinofaringe e a cavidade timpânica,
a tuba auditiva também relaciona-se aos processos de comunicação de agentes
infecciosos das vias áreas superiores. Especialmente na primeira infância,
observamos otites (inflamações de orelha média) associadas a resfriados e
inflamações de garganta.

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Unidade i | Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil

Figura 2. Compartimentos do ouvido humano: foco orelha média.

Orelha média

Martelo

Bigorna

Estribo

Ligamentos

Janela oval
Meato acústico externo

Janela redonda
Membrana timpânica

Tuba auditiva

Cavidade timpânica

Fonte: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Anatomia_do_Ouvido_M%C3%A9dio.png.

A orelha interna é constituída pela cóclea, canais semicirculares e vestíbulo. A


cóclea, por excelência o órgão sensorial da audição, tem um papel importante
nos processos auditivos, já os canais semiciculares e o vestíbulo participam
dos processos de equilíbrio corporal. A cóclea tem o formato de um caracol e
é dividida em rampas ou espirais: rampa vestibular, rampa timpânica e rampa
média ou ducto coclear que contém o órgão de Corti. Do órgão de Corti, a
partir das células ciliadas internas e externas (os receptores sensoriais da
audição), saem fibras neurais que se unem no modíolo (eixo central da cóclea)
para formar o componente coclear do nervo vestíbulo-coclear ou VIII par
craniano.

Todas as estruturas cocleares são embebidas pelos líquidos com composições


iônicas distintas, denominados perilinfa e endolinfa. A perilinfa banha as
estruturas das rampas vestibular e timpânica, já endolinfa banha as estruturas
da rampa média ou ducto coclear. A configuração iônica da endolinfa ofecere
a condição ideal para mecanismo de transdução mecânica elétrica no órgão
de Corti. A transdução mecânica elétrica nada mais é que um processo de
“tradução” de um código para outro, no caso a informação física da onda
mecânica (som) é transformada em informação biolétrica, que é codificada e
transmitida pelo VIII par craniano.

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Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil | Unidade i

Figura 3. Compartimentos do ouvido humano: foco orelha interna.

O ouvido interno

Ampolas
Canais
semicirculares
Nervo auditivo
Utrículo
Anterior
Sáculo
Lateral

Posterior

Escala vestibular

Escala média

Escala timpânica
Labirinto ósseo
Cóclea
Labirinto Membranoso

Fonte: wikiwand.com/pt/Audição.

Para início da audição, é necessário uma fonte sonora que transmite


vibrações ou ondulações mecânicas pelos meios físicos da matéria (aéreo,
líquido e sólido). O processo mais comumente observado é a transmissão
das vibrações pelo ar chegando ao pavilhão auricular e o MAE, que têm a
função de captar e direcionar a onda sonora até a membrana timpânica.
Por meio do mecanismo tímpano-ossicular, a onda sonora é amplificada
para vencer a barreira dos líquidos cocleares e é direcionada até a rampa
vestibular por meio da movimentação da platina do estribo na janela oval.
A onda mecânoca provoca movimento dos líquidos cocleares, inicialmente
a perilinfa e posteriormente a endolinfa. Esse movimento ondulatório
nos líquidos desencadeia o batimento ciliar nas células ciliadas internas
e externas do órgão de Corti imersas na endolinfa. Vale ressaltar que o
batimento ciliar desencadeia uma cadeia química com a abertura dos canais
iônicos para o fluxo dos íons que vão alterar o gradiente elétrico das células
ciliadas (processo de polarização e despolarização). Resumidamente, as

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Unidade i | Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil

células do órgão de Corti sofrem modificações químicas em seu interior


após a estimulação mecânica em seus cílios em contato com a membrana
tectória.

Figura 4. Orelha interna (órgão de Corti).

Parede óssea Órgão de Corti

Rampa Vestibular
Rampa média

Membrana basilar

Rampa timpânica

Gânglio espiral

VIII par craniano

Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Anatomy-of-the-cochlea-Source-OpenStax-College-95_fig3_283044643.

Essas alterações químicas que ocorrem no interior dessas células provocam um


estímulo elétrico nas fibras nervosas que saem da cóclea e vão até o sistema
nervoso central a partir do VIII par craniano ou nervo auditivo. As mensagens
bioelétricas da audição percorrem o nervo auditivo até o córtex, onde são
processadas e interpretadas. A formação de potenciais receptores nas células
ciliadas levam à liberação de neurotransmissores em suas terminações, formando
a mensagem eletricamente codificada. Portanto, os neurotransmissores são
responsáveis pela excitação das fibras nervosas aferentes do nervo auditivo ou
VIII par craniano. A partir do VIII craniano, a informação auditiva caminha
praticamente todas as estações cerebrais do sistema nervoso central (núcleos
cocleares, tronco encefálico, tálamo, córtex auditivo). Ao longo das vias
auditivas, existem diversos centros de integração, em que o processamento das
informações sonoras é realizado. Toda a organização tonotópica frequencial
observada ao longo na cóclea continua por toda via auditiva, entretanto, em
cada estação central, o sinal acústico adquire graus de complexidade.

Os processos auditivos continuam ocorrendo mesmo durante o sono e atuam


como uma espécie de alerta em tempo integral. Podemos avaliar situações do dia
a dia, por exemplo: quando escutamos, buzinas, sirenes etc., imediatamente nos
remetemos a situações de perigo iminente, que deixam nosso corpo em alerta.
Em uma situação contrária ao perigo, o prazer auditivo pode estar presente
com a música que nos faz relaxar. Diante de tal complexidade, o processamento
dos estímulos acústicos consiste numa série de conexões neuroanatômicas

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Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil | Unidade i

originadas nos neurônios primários da cóclea e finalizadas no córtex auditivo


cerebral. São funções atribuídas ao sistema auditivo central a capacidade de
detectar, discriminar e compreender o som, separá-lo do ruído de fundo etc.
Em termos gerais, os mecanismos de processos do sistema auditivo central
interferem tanto nos sinais verbais quanto nos não verbais, e influenciam as
funções mais elevadas, incluindo linguagem e o aprendizado.

Figura 5. Fisiologia do sistema auditivo.

Fonte: https://www.mozaweb.com/pt/Extra-Cenas_3D-O_ouvido_e_o_aparelho_auditivo-139742.

Biofísca dos processos auditivos


Não há como falar sobre audição sem destinar um tempo para a análise dos
processos auditivos: o SOM, uma onda mecânica que pode ser transmitida e
provocar oscilações ou vibrações nos meio físicos da matéria (aéreo, líquido
e sólido). Neste capítulo, abordaremos resumidamente os aspectos físicos das
ondas sonoras e os processos desencadeados no sistema auditivo. As ondas
mecânicas são senoides ou sinuosidades originadas em um meio físico elástico,
ou seja, que retorna a sua posição inicial após perturbações e não se propaga
no vácuo.

O fato de a onda mecânica não se propagar no vácuo está associado à ausência


de matéria ou moléculas que possam vibrar e se atritar umas com as outras.
Infelizmente para os fãs de “Star wars”, preciso contar um segredo! Os sons
imitidos no espaço são apenas lúdicos e irreais, visto que no espaço predomina
o vácuo, logo, não há a possibilidade de propagação da onda sonora. Vale
lembrar que o termo “elástico” em ondulatória é diretamente relacionado
à capacidade da matéria de vibrar suas moléculas e propagar a deformação
inicial desencadeada por uma perturbação. Quanto mais rápida a capacidade

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Unidade i | Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil

do meio de retornar a sua posição inicial após uma perturbação, mais elástico
é esse meio e melhor propaga as ondas mecânicas.

Por exemplo, quando percutimos uma haste metálica no agogô, ou mesmo em


uma barra de ferro, ouvimos um som estridente e rápido, uma prova de que
houve perturbação ondulatória no meio, perturbação esta tão rápida que não
observamos a olho nu a propagação da deformação no material. Imagine a
progação de um movimento ondulatório em um corda presa por uma ponta a
uma árvore e na outra ponta segura por um indivíduo que provoca perturbações
verticais. Todos já observaram tal aspecto físico, que durante a infância é
extremamente lúdico. A perturbação nos meios sólidos mais rígidos ocorre de
forma muito parecida. Entretanto, por serem muito elásticos, a perturbação
com consequente deformação e retorno a sua forma original (propagação) é
tão rápida que não vemos.

Os componentes básicos de uma onda são: frequência (número de oscilações


por unidade de tempo em Hertz – Hz); comprimento de onda (distância entre
dois pontos consecutivos que se encontram na mesma fase da vibração) e
período (tempo que leva para um ciclo completo de oscilação da senoide).
Transcorrendo um pouco mais sobre o conceito de frequência, ressalta-se a
importância desse aspecto físico da onda sonora para os processos auditivos.
Quando falamos de altas frequências, agudas e baixas frequências ou graves,
o conceito de oscilações por unidade de tempo pode ficar mais claro. Por
exemplo, a frequência aguda de 4kHz apresenta quatro mil oscilações por
unidade de tempo, logo, é uma alta frequência, já a frequência grave de 250Hz
apresenta 250 oscilações por unidade e tempo e é considerada baixa.

Outro aspecto físico diretamente relacionado à frequência das ondas sonoras é


a ressonância. Toda matéria apresenta uma frequência fundamental própria de
suas moléculas constituintes. Ao provocarmos uma perturbação ondulatória,
no caso um som, na mesma frequência fundamental, ou muito próxima dela, o
sistema atinge sua ressonância máxima com velocidade máxima de deslocamento
entre suas moléculas. Um exemplo disso são os experimentos com taças de
cristal, que são quebradas ou sofrem rachaduras após a emissão de uma onda
sonora de frequência igual à frequência fundamental do material da taça. Ou,
ainda, de dois diapasões de mesma frequência específica presos pela base e
colocados lado a lado.

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Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil | Unidade i

Observa-se que, após a percursão de um deles, o outro começa a vibrar ou


oscilar no mesmo período. Seguindo essa linha, o conceito de ressonância
acústica auxilia na explicação no tonotopismo coclear, em que frequências
específicas apresentam ressonância máxima e são mais efetivas em locais
determinados da cóclea. Por exemplo: as frequências agudas apresentam
ressonância máxima na base da cóclea e as graves, no ápice. Isso não quer
dizer que uma onda sonora de frequência grave – por exemplo 250Hz, que
apresenta pico de ressonância no ápice da cóclea – não possa estimular outras
regiões cocleares adjacentes. Após a breve conceituação de som e alguns de
seus aspectos físicos, discutiremos agora os aspectos biofísicos, observados
em cada compartimento da orelha: externa, média e interna, desencadeados
após a entrada da onda sonora.

A forma cônica e convexa do pavilhão auricular oferece ao sistema melhores


condições da captação das informações sonoras e posterior direcionamento
para o MAE. Inclusive, em alguns mamíferos, o pavilhão auricular apresenta
certa capacidade de movimentação para melhorar a captação e localização da
fonte sonora. Na orelha média, ocorre a correção das perdas por impedância
durante a transmissão da onda sonora do meio aéreo para o líquido na cóclea.
Essa correção é necessária devido aos fenômenos físicos: reflexão, absorção
e refração que qualquer onda mecânica pode sofrer no limite de separação
entre duas superfícieis durante a propagação. Caso não ocorresse, poderiam
ocorrer perdas de intensidade do som de aproximadamente 30 decibels (dB),
quando a onda sonora atingisse a superfície dos líquidos cocleares.

Figura 6. Simulação da reflexão da onda sonora na passagem entre o meio aéreo e líquido.

Cuidado com a
pedra!
99,9%
Refletida

AR
ÁGUA
0,1% Refratada

Fonte: elaborada pelo autor.

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Unidade i | Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil

Esse nível de perdas de intensidade da onda sonora não ocorre devido à ação
principal do mecanismo tímpano-ossicular (associação da MT e da cadeia
ossicular) e da equalização das pressões, via tuba auditiva, para que o referido
mecanismo funcione adequadamente. A MT tem área total aproximadamente
22 vezes maior que a área da janela oval, onde a platina do ossículo estribo se
posiciona e exerce pressão. A cadeia ossicular: martelo, bigorna e estribo, em
conjunto, formam uma espécie de sistema de polias e alavancas mecânicas.
Logo, a associação da diferença de áreas vibratórias entre a MT e a janela
oval, associada à força de alavancas da cadeia ossicular, é capaz de corrigir e
evitar as perdas pela impedância dos líquidos cocleares.

Figura 7. Sistema de alavancas e polias (aumento da eficiência e menor gasto de energia).

Fonte: elaborada pelo autor.

“Deem-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu movimentarei


o mundo”
Arquimedes

A nossa cóclea pode codificar pressões acústicas de som compreendidas entre


0 dB SPL (2 x 10-5 Pa) y 120 dB SPL (20 Pa). As janelas mencionadas são: a
oval, na rampa vestibular, e a redonda, na rampa timpânica da cóclea. As ondas
sonoras entram na cóclea via movimento de “pistão” da platina do estribo na
janela oval da rampa vestibular e direcionam a propagação ondulatória no
meio líquido (perilinfa) da base ao ápice. Caso não houvesse essa possibilidade
de dissipação da onda viajante na cóclea após estimular a região específica de

20
Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil | Unidade i

maior ressonânica, poderiam ocorrer outras estimulações desencadeadas por


ondas criadas a partir da interferência ou superposição produtiva e negativa
da onda sonora original.

Como existe a comunicação entre a rampa vestibular e a rampa timpânica, as


informações ondulatórias que entram na janela oval e iniciam a propagação
na perilinfa continuam seu trajeto após a estimulação da região específica, até
serem dissipadas na orelha média via membrana da janela redonda. Outro ponto
relacionado aos mecanismos físicos na cóclea tem a ver com a propagação dos
sons de graves ou de baixa frequência, que apresentam áreas de ressonância
máxima no ápice ou muito próximo dele.

Caso não houvesse a ação do mecanismo da teoria cônica da cóclea, poderíamos ter
perdas de sensibilidade para sons graves, especialmente os de baixa intensidade.
A cóclea possui formato cônico com cerca de 35mm de comprimento, em que
os sons agudos são captados pelas células próximas à base e os graves, pelas células
mais próximas do ápice. O formato cônico da cóclea funciona como corretor de
perdas mecânicas causadas pela atenuação da onda, à medida que esta se desloca
em direção ao helicotrema, uma vez que o espaço dentro da rampa vestibular
diminui no sentido basal-apical. Já no sentido inverso, há atenuação.

Figura 8. Teoria cônica da cóclea.

CF

Baixa

Alta

Baixa
Alta
Ápice
Base
Fonte: elaborada pelo autor.

21
CAPÍTULO 2
Plasticidade e processamento do sinal
acústico e central

Neste capítulo, serão abordadas noções básicas de plasticidade e processamento


do sinal acústico, além de suas interações centrais, que oferecerão ao discente
subsídios para a compreensão dos processos cerebrais inerentes à reabilitação
auditiva. Para tal fim, partiremos da premissa de que a audição é um processo
cognitivo e de que “ouvimos” com o cérebro. Essa constatação é crucial para
adequada compreensão da comunicação e das dificuldades causadas pelos
mais variados problemas auditivos. Quando se diz “ouvimos com o cérebro”,
parte-se do princípio de que ouvir alguma informação sonora subentende-se
compreendê-la e não apenas detectar e discriminar a informação sensorial.
Para o leigo, ou mesmo para seu paciente, essa afirmação pode gerar muita
confusão. Um exemplo claro disso é quando nos deparamos com um falante
de outra língua que não temos conhecimento ou dominamos.

Certamente, em uma situação dessas, o ouvinte normal será capaz de detectar e


discriminar a informação sonora e até mesmo reproduzir alguns vocábulos da
língua desconhecida, mas não compreenderá informação ou mensagem alguma.
Esse exemplo demonstra de maneira prática que a audição é um processo maior
que simplesmente os aspectos sensoriais envolvidos, sem, é claro, menosprezar
toda sua complexidade, e que para ser efetiva há a necessidade de que sejam
adequadamente processadas no córtex.

Figura 9. Representação da audição cerebral: “ouvimos com o cérebro”.

Fonte: http://www.pshac.com/brain-hearing-by-oticon/.

22
Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil | Unidade i

Por ser um processo cerebral, o esforço auditivo para compreender a informação


sonora pode desencadear o que chamamos de fadiga mental, especialmente
nos sujeitos com maiores impedimentos auditivos, mesmo que estejam em
processo de reabilitação auditiva e fazendo uso de alguma prótese auditiva,
seja ela implantável ou não. O esforço auditivo pode ser sentido inclusive
pelo ouvinte normal quando, por exemplo, ouve um palestrante internacional
e não está familiarizado com a língua dele, apesar de compreendê-la com
dificuldade. Provavelmente você já se deparou com essa situação e deve
ter saído exausto da palestra pelo tamanho esforço que fez para ao mesmo
decodificar as informações linguísticas e entender o assunto abordado. Imagine
o seu paciente que apresenta uma entrada sensorial degradada que lhe oferta
uma informação sonora pouco clara para o posterior processamento auditivo
central. Certa vez, um de meus pacientes adultos, usuário de implante coclear
bem adaptado, mencionou que ao conversar por longos períodos com sua
namorada ouvinte sentia um cansaço imenso e no final do dia preferia ficar
sem ouvir um período curto para amenizar sua fadiga mental.

Figura 10. Esquema ilustrativo do esforço auditivo e dificuldade de compreensão.

Meio Meu Deus,


Você vai ser vou ser
promovido! demitido!

Ruído

Mensagem
Fonte: elaborada pelo autor.

Plasticidade
A percepção auditiva refere-se ao processamento do sinal acústico físico
audível, é iniciada por células receptoras sensíveis a um determinado estímulo
e depende de conhecimentos básicos sobre o mundo. Toda a informação
sonora percebida e posteriormente processada é assimilada para formação

23
Unidade i | Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil

do que chamamos de memória auditiva. Essa memória auditiva relaciona-se


diretamente com as experiências auditivas vivenciadas pelo indivíduo a partir
do nascimento e ao longo de sua vida, dando significado e desencadeando as
mais variadas emoções e sensações corporais. Quando você ouve um miado
de um gato, provavelmente a memória auditiva armazenada em seu córtex lhe
oferece as mais variadas informações sensoriais. Ou, ainda, quando você ouve
a voz da pessoa amada, mesmo que seja ao telefone, ocorre uma explosão de
emoções e sensações corporais. Sem dúvidas, a adequada formação da memória
auditiva a partir do funcionamento correto dos processos auditivos periféricos
e centrais oferece ao indivíduo a capacidade de codificar e dar significado às
informações sonoras. Mais uma vez, retomo a afirmação de que “ouvimos
com o cérebro”.

O cérebro não é uma estrutura rígida, mas um órgão “plástico” capaz de se


reorganizar a partir das entradas ou inputs sensoriais e motores, especialmente
nos primeiros anos da criança. Enquanto a cóclea apresenta-se totalmente
formada e funcional ao nascimento, o sistema auditivo central passa por intensos
processos de maturação. Essa possibilidade é explicada pela quantidade imensa
de conexões sinápticas que podem ser criadas a partir das experiências vividas.
Especialmente nos três primeiros anos de vida, o processo de plasticidade
auditiva é intenso e significativo. Logo, o conhecimento desse fato exige atenção
especial para o diagnóstico e intervenção precoce dos problemas auditivos.

A reintrodução do aporte sensorial, após o menor período possível de


privação sensorial, pode reverter os efeitos deletérios durante os estágios
iniciais de desenvolvimento auditivo infantil. Inclusive, uma das principais
justificativas para implementação da lei da triagem auditiva neonatal universal
é o conhecimento da importância do período de plasticidade cerebral. Pois
a partir da identificação de sinais nos primeiros dias de nascido, é possível
estabelecer o mais precocemente possível seu diagnóstico e as condutas
terapêuticas mais eficazes. Atrevo-me a dizer que mesmo uma criança com
perda auditiva sensorioneural profunda, quando diagnosticada e reabilitada
precocemente, poderá desenvolver as habilidades auditivas muito parecidas
a um ouvinte normal da mesma faixa etária. Ressalta-se, entretanto, que a
eficiência do processo mencionado dependerá do envolvimento da família e
de uma competente equipe de reabilitação auditiva, aliado, é claro, à indicação
da melhor tecnologia disponível o mais precocemente possível.

24
Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil | Unidade i

Embora o sistema auditivo tenha recursos limitados para processar informações,


o ambiente acústico é infinitamente variável e rico. Para codificar o mundo
sonoro, o sistema auditivo central especializa-se por meio de mecanismos
adaptativos e dependentes mais ou menos sensíveis em intervalos temporais
determinados. A plasticidade sináptica pode ocorrer em toda a vida, mesmo não
sendo tão intensa como na primeira infância, e a privação sensorial associada
ao envelhecimento pode desencadear alterações no processamento auditivo
central e acelerar a instalação de processos de demências. No idoso, o conceito
de plasticidade está diretamente relacionado à manutenção e aperfeiçoamento
das conexões sinápticas existentes, além da criação de novas. Diferentemente
de como ocorre nas crianças, no idoso a capacidade plástica é infinitamente
menor, embora primordial para integridade das funções cerebrais frente às
perdas naturais do processo de senilidade corporal.

Figura 11. Ilustração da plasticidade adaptativa do cérebro.

Fonte: psicoativo.com/2016/01/plasticidade-cerebral.html.

Processamento do sinal acústico e central


O processamento auditivo pode ser entendido de maneira simplista da forma
como lidamos com o que ouvimos, ou ainda como analisamos, organizamos
e interpretamos os eventos acústicos. É definido como a capacidade de
detectar e discriminar sons, separá-los do ruído de fundo, compreendê-los e
reconhecê-los. Envolve funções cerebrais elaboradas e é significativamente
mais sofisticado que a simples condução da onda sonora. O processamento
auditivo central refere-se aos processos envolvidos na detecção, análise e

25
Unidade i | Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil

interpretação dos eventos sonoros após o processamento acústico nas células


receptoras sensoriais. É desenvolvido a partir das experiências auditivas e
das emoções advindas destas ocorridas nos primeiros anos de vida e atua
diretamente no desenvolvimento da linguagem.

A privação sensorial durante o processo de aquisição e desenvolvimento


da linguagem pode causar prejuízos para o adequado desenvolvimento das
habilidades auditivas e, consequentemente, para o processamento do sinal
acústico no cérebro. Mesmo em indivíduos idosos, perdas auditivas associadas
ao processo natural de envelhecimento e ao isolamento social impactam no
processamento final da informação sonora. Quando falamos de processamento
auditivo dentro da disciplina de reabilitação auditiva, não podemos nunca
perder o norte de que, para adequada consolidação e posterior manutenção das
habilidades envolvidas, há a necessidade do sinal acústico íntegro. Como dito
no início do capítulo, há uma variedade de sons que podem ser processados
pelas células sensoriais, ofertando um “colorido” de experiências sonoras ao
sistema auditivo central.

Aproveitando-se da analogia do termo “colorido”, própria do sentido da


visão, apresentamos o exemplo da evolução dos aparelhos de TV baseado
na melhora sensível das imagens. Quanto mais informação visual é ofertada
devido à imensidão de pixels, mais nítida e realística torna-se a imagem. Sem
dúvida, o mesmo ocorre para as informações sonoras, que são processadas
nas células ciliadas do órgão de Corti durante o minucioso processo de
transdução mecânica elétrica. Caso haja algum problema nesse caminho, o
sistema auditivo central certamente receberá informação degradada que pode
alterar o adequado processamento do sinal sonoro. Sem dúvida, esse é um
dos maiores problemas enfrentados pela área da reabilitação auditiva, mesmo
diante da grande quantidade de tecnologias para o tratamento disponíveis.
Quanto mais severo o comprometimento das estruturas sensoriais da audição
na cóclea, mais degradada a informação sonora será.

Fazendo um paralelo das principais tecnologias disponíveis para a reabilitação


auditiva das perdas auditivas sensoriais ou cocleares bilaterais, observa-se
que mesmo o IC que estimula diretamente as fibras do VIII par craniano não
é capaz de ofertar todo o colorido de informação sonora ao sistema auditivo
central. Esse fato é fácil de ser explicado em função da pequena quantidade
de eletrodos ou canais disponíveis frente à presença de milhares de células

26
Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil | Unidade i

ciliadas em uma cóclea normal. Já para o AASI, que, diferentemente do IC,


somente aproveita os resíduos auditivos cocleares, a situação torna-se ainda
mais dramática. Por essa razão, quando pensamos em reabilitação auditiva,
temos que imaginar as tecnologias disponíveis capazes de ofertar um “envelope
sonoro” mais nítido possível para que o processamento auditivo central seja
eficiente e produtivo.

27
CAPÍTULO 3
Políticas públicas de saúde auditiva e a
pessoa com deficiência

Caro aluno, neste capítulo lhe será apresentado um panorama histórico e a


evolução da saúde auditiva no Brasil. Partiremos nossa discussão do tema a
partir da definição breve do termo: “políticas públicas”. Políticas públicas são
processos nos quais vários níveis de governo e sociedade transformam seus
propósitos e experiências exitosas em Programas. No Brasil, as políticas públicas
de saúde, a partir da constituição de 1988, orientaram-se pelos princípios de
universalidade, equidade e integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS).

A atenção à pessoa com deficiência teve início no extinto Instituto Nacional de


Previdência Social (INAMPS), a partir da publicação da Portaria n. 3335/MPAS, de 11
de junho de 1984, por meio da autorização da concessão aos seus beneficiários
de auxílio-transporte, auxílio-órteses e próteses, além de outros aparelhos e
peças. Como mencionado anteriormente, a Constituição de 1988 estabeleceu
um divisor de águas na saúde auditiva no Brasil. A partir desse marco legal, a
saúde auditiva foi definida com direito universal e as políticas sociais voltadas
às pessoas com deficiência passaram a ser asseguradas por lei. A seguir está
uma breve cronologia de algumas portarias e decretos que evidenciam a
evolução da saúde auditiva em detrimento da adequada assistência aos anseios
do deficiente auditivo:

» Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, dispõe sobre as condições


para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

» Portaria n. 126, de 17 de setembro de 1993, cria a tabela de


procedimentos do sistema de informação hospitalar do SUS e a
cirurgia de Implante Coclear (SIH/SUS).

» Portaria n. 211, de 8 de novembro de 1996, estabelece as normas para


cadastramento dos centros para realização de cirurgia de Implante
Coclear.

» Portaria GM/MS n. 1278, de 20 de outubro de 1999, revoga o artigo


3⁰ da portaria GM/MS n. 3762, de 20 de outubro de 1998, e aprova
os critérios de indicação e contraindicação do implante coclear.

28
Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil | Unidade i

» Portaria n. 432, de 14 de novembro de 2000, amplia os programas


de concessão de Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI)
no SUS.

» Portaria n. GM/MS 2073, de 28 de setembro de 2004, institui a


Política Nacional de atenção à Saúde Auditiva.

» Portarias SAS/MS n. 587, de 4 de outubro de 2004, determina que


as secretarias da saúde dos estados adotem as providências para
organização e implantação das redes estaduais de atenção à saúde
auditiva.

» Portaria SAS/MS n. 589, de 5 de outubro de 2004, trata dos


mecanismos para operacionalização dos procedimentos de atenção
à saúde auditiva no SUS.

» Portaria n. 648/GM, de 28 de março de 2006, aprova a Política


Nacional da atenção Básica e estabelece as normas para o Programa
de Saúde da Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de
Saúde (PACS).

» Portaria n. 154, de 24 de janeiro de 2008, cria os Núcleos de Apoio


a Saúde da Família (NASF).

» Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011, regulamenta a Lei n.


8.080/1990, para dispor sobre a organização do SUS, o planejamento
da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá
outras providências.

» Decreto n. 7.612, de 17 de novembro de 2011, institui o Plano


Nacional de Direitos da pessoa com deficiência – Plano Viver sem
Limites.

» Portarias n. 793 GM/MS, 24 de abril de 2012, institui a rede de


cuidados à pessoa com deficiência.

» Portaria n. 1328 GM/MS, 3 de dezembro de 2012, considera a Triagem


Auditiva Neonatal (TAN) no âmbito do SUS como estratégia e
identificação precoce.

29
Unidade i | Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil

» Portarias n. 1303 GM/MS, de 28 de junho de 2013, estabelece os


requisitos para organização dos Centros Especializados de Reabilitação
(CER).

» Portaria n. 1274 GM/MS, de 25 de junho de 2013, estabelece os


critérios para a indicação do sistema de Frequência Modulada (FM)
no SUS.

» Portarias n. 2776 GM/MS, de 18 de dezembro de 2014, estabelece os


critérios para cirurgia de implante coclear bilateral e prótese auditiva
ancorada no osso, além da manutenção dos processadores de fala.

Analisando a cronologia apresentada, fica claro que o arcabouço legal da saúde


auditiva no Brasil é consistente e coerente com a atenção às demandas da
pessoa com deficiência. Entretanto, apesar de toda essa estrutura regulatória,
o acesso e a universalização dos serviços regulamentados por essas portarias
e decretos ainda é deficitário para uma parcela considerável da população. Os
motivos para essa inconsistência são variados. Frequentemente observa-se
total falta de conhecimento da população e mesmo das organizações de classe
dos direitos da pessoa com deficiência.

A demora de correção dos procedimentos para diagnóstico, indicação e


manutenção das próteses auditivas implantáveis ou não na tabela do SUS de
acordo com as perdas pela inflação e as variações cambiais. Outro gargalo que
pode ser apresentado é a ausência de coerência no uso das verbas e da corrupção
na gestão pública. E, por último, o uso de cargos públicos para apadrinhamentos
políticos deixando de lado os critérios técnicos de experiência e capacidade
dos ocupantes das secretarias de saúde. Infelizmente não é incomum relatos
de pacientes ou mesmo de seus responsáveis de falta de apoio, orientação e
até mesmo negligência de seus direitos básicos nos municípios brasileiros.
Apresentarei a seguir um exemplo triste que foi vivenciado em um programa
de implante coclear do SUS em que sou responsável técnico e atuo diretamente
nos atendimentos.

Em um dos atendimentos na rotina pós-operatória, após várias faltas em retornos


ao consultório, a genitora de um paciente foi questionada sobre as faltas não
justificadas e a importância de seguir rigorosamente o acompanhamento. Para
minha surpresa, sua resposta foi surreal, mas em consonância com os gargalos
mencionados. E ela seguiu com suas colocações: “...doutor, eu não conheço

30
Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil | Unidade i

bem meus direitos e moro em um município onde o trabalho possível ou é


na roça ou prestando serviços para prefeitura...”; “... inclusive, meu marido,
nossa única fonte de renda, trabalha com serviços gerais na prefeitura...”;
“...como orientaram foi em busca do TFD (tratamento fora de domicílio)
junto à secretária de saúde, que por sinal é a esposa do prefeito...”; “... ela
me disse que eu deveria me contentar com o emprego que o marido tem na
prefeitura e não ficar a aborrecendo com solicitações constantes de carro para
o acompanhamento de meu filho em outro município”. Claro que acionamos
diretamente a prefeitura e o Ministério Público para resolver o entrave na
atenção a sua saúde auditiva, mas percebam como pode ser complexo o acesso
ao tratamento universal e de qualidade da pessoa com deficiência.

Vocês devem ter observado que uso o termo “pessoa com deficiência” e não
“portador de deficiência”, popularmente usado. A explicação para tal fato gira
em torno da inclusão social e do reconhecimento do indivíduo com alguma
limitação na sociedade. A expressão “portador de deficiência ou de necessidades
especiais” é discriminatória e nada motivadora pelo seguinte fato: a deficiência
não é algo que se possa carregar ou portar como uma carteira, bolsa etc. Logo,
a terminologia correta de acordo com o estabelecido pelo Plano Viver Sem
Limites é “pessoa com deficiência”.

Figura 12. Plano Viver Sem Limites.

Fonte: https://portal.ead.ufgd.edu.br/wp-content/uploads/2014/01/Cartilha-Viver-sem-Limites.pdf.

Continuando a discussão acerca da evolução da saúde auditiva no Brasil,


ressalta-se o Decreto n. 7.612, que estabeleceu o plano Viver Sem Limites
e as Portarias n. 793 GM/MS, que estabelece a rede de cuidado a pessoa

31
Unidade i | Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil

com deficiência; n. 1303 GM/MS, que normatiza a organização dos Centros


Especializados em Reabilitação (CER); e a n. 13028 GM/MS, que considera a
TAN como critério de estabelecimento do diagnóstico e tratamento precoce
no SUS. O estabelecimento do Plano Viver Sem Limites e o estabelecimento da
rede de atenção à pessoa com deficiência trouxe nova ótica sobre o diagnóstico,
tratamento e acompanhamento da pessoa com deficiência.

A partir desses marcos, o paciente passou a ser considerado não apenas como
uma patologia ou um CID (classificação internacional de diagnóstico), mas
sim como um indivíduo inserido em uma sociedade que deve se adaptar
para oferecer adequada inclusão. O propósito não é mais que o paciente seja
acompanhado pelo resto de sua vida em unidades de saúde especializadas,
que funcionavam como uma espécie de “bolha” que os protegia e separava
do resto da sociedade. Mas sim o estabelecimento de projetos terapêuticos
singulares (PTS) sob a luz da CIF (classificação internacional de funcionalidade
e incapacidade), de acordo com as necessidades de cada indivíduo, conduzidos
por equipes interdisciplinares.

Figura 13. Atendimento na equipe interdisciplinar sob a ótica de CIF.

CIF
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

Fonte: https://qhrebeca.blogspot.com/2017/10/cif-o-que-e-como-utilizar.html.

O projeto terapêutico singular (PTS) é um conjunto de propostas de condutas


articuladas para um indivíduo, uma família ou um grupo que resulta da discussão
coletiva de uma equipe interdisciplinar. Com a organização dos Centros
Especializados em Reabilitação (CER), o diagnóstico e acompanhamento
dos pacientes deixaram de ser conduzidos por unidades de alta ou média
complexidade em uma única modalidade terapêutica, como era anteriormente.
Após a publicação da Portaria n. 1303 GM/MS, a habilitação e credenciamento

32
Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil | Unidade i

das unidades de saúde passou a ser pautada pelo estabelecimento de serviços


que atendessem duas ou mais modalidades terapêuticas: auditiva, visual,
motora e cognitiva. Ficou definido que os CER se constituiriam da seguinte
forma: CER II, CER III e CER IV, de acordo com a quantidade de modalidades
oferecidas pelo serviço.

Figura 14. Esquema ilustrativo da integralidade do CER.

Fonte: Adaptado de https://brasscom.org.br/a-lei-brasileira-de-inclusao-da-pessoa-com-deficiencia/.

É fato que dentro dos CER, a filosofia da atuação em equipes interdisciplinares


e a atenção à pessoa com deficiência com o foco na CIF e adoção dos PTS com
metas atingiram seu ápice. Essa mudança de paradigma ofereceu à pessoa com
deficiência e a seus familiares maior qualidade de vida, além no protagonismo no
processo terapêutico. A estrutura organizacional, física, técnica e administrativa
do CER segue as normativas do instrutivo de reabilitação, que transcorre
detalhadamente sobre cada modalidade, oferecendo inclusive aos profissionais
das equipes interdisciplinares bases para sua atuação.

Figura 15. Esquema do Projeto terapêutico singular – PTS (avaliação e reavaliação).

Corresponsabilidade
Equipe Família Diálogo Indivíduo Recursos Articulação Motivação Pactuação

Fonte: elaborada pelo autor.

Por fim, afirma-se a relevância da Portaria n. 1328 GM/MS, que definiu a


TAN como condição primordial para o estabelecimento do diagnóstico e
tratamento precoces. Como podem observar na cronologia da evolução da
saúde auditiva no Brasil, os programas de seleção e indicação de aparelho de

33
Unidade i | Processos auditivos e panorama da saúde auditiva no Brasil

amplificação sonora individual (AASI) e de implante coclear (IC) já estavam


consolidados e em ampla expansão no SUS. Entretanto, a definição e indicação
do tratamento precoce, baseado nos preceitos de plasticidade auditiva, não
era completamente atingida, pois as crianças eram encaminhadas ou mesmo
chegavam aos serviços por demanda espontânea tardiamente. Apesar de a
TAN ainda não ser efetiva no território nacional, especialmente em regiões
menos desenvolvidas, sua regulamentação possibilitou de fato a adoção do
diagnóstico e tratamento precoces.

Em relação à evolução da saúde auditiva no que tange às próteses auditivas


implantáveis: IC, PAAO e ABI, é importante notar que a inserção no SUS
ofereceu ao paciente uma gama de possibilidades de alto valor agregado e
tecnologia para os mais variados tipos de condições auditivas. A partir da
Portaria n. 1278 GM/MS, de 20 de outubro de 1999, os pacientes do SUS
tiveram acesso às cirurgias de IC, que, diferentemente da adaptação do AASI,
que aproveitam apenas os resíduos auditivos, tratam a cóclea degradada. Essa
portaria, apesar da indicação unilateral somente, é considerada um marco,
pois democratizou um dos tratamentos de maior tecnologia e valor agregado a
todos os brasileiros que se enquadrassem nos critérios de seleção e indicação.
Mais tarde, a Portaria n. 2776 GM/MS, de 18 de dezembro de 2014, corrigiu
limitações da portaria anterior e inseriu no escopo de seus procedimentos
cirurgias de IC bilateral e PAAO, além da possiblidade de manutenção/troca
de processadores de fala. Infelizmente, em relação ao processo de manutenção
de processadores, a tabela do SUS apresentou valores muito aquém das reais
necessidades dos pacientes e dos serviços especializados, limitando sua
amplitude, apesar de ser uma conquista a ser celebrada.

34
TECNOLOGIAS
IMPLANTÁVEIS APLICADAS UNIDADE II
À REABILITAÇÃO AUDITIVA

CAPÍTULO 1
Prótese auditiva ancorada no osso
(PAAO)

Não há como abordar a reabilitação auditiva por meio de PAAO sem


contextualizar os aspectos biofísicos da condução da onda sonora por via
óssea e os processos de osteointegração. Fiquem tranquilos, pois não haverá
necessidade de imersão em conceitos físicos e elaborados para discutirmos a
osteointegração diretamente envolvida na estimulação auditiva da (PAAO).
O único ponto que será abordado aqui é que o tecido ósseo, quando sobre
algum trauma mecânico, seja ele acidental ou não, pode se reorganizar e
inclusive se integrar a outros materiais biocompatíveis. Esse processo é
comum e largamente utilizado nas áreas da ortopedia e odontologia, em que
o tecido ósseo se reorganiza por meio dos processos químicos e físicos das
células ósseas osteoclastos e osteoblastos. O material biocompátivel mais
utilizado para os procedimentos de osteointegração de pinos ou placas é o
titânio e o tecido ósseo após a inserção do titânio se reorganiza, integrando-se
completamente a ele.

Figura 16. Processos de osteointegração de implantes de titânio.

Fonte: https://implante-dentario.pt/osseointegracao.

35
Unidade II | Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva

Existe uma perfeita osteointegração para suportar os posteriores traumas


de pressão, sejam eles do peso corporal nas próteses ortopédicas, sejam na
pressão da mordida durante a alimentação nos implantes dentários. No caso
das PAAOs, a osteointegração do pino inserido no tecido ósteo, geralmente
da mastoide, deve suportar a pressão da vibração do pino de titânio no osso
para conduzir adequamente a onda sonora por via óssea.

Figura 17. Processos de osteointegração de implantes de titânio.

Fonte: elaborada pelo autor.

Em relação à condução por via óssea, a premissa é a mesma dos pilares básicos
da audiologia; a única diferença é que o vibrador ósseo ou processador de fala
é acoplado na parte externa do pino osteointegrado sob a pele do paciente.
É muito comum no diagnóstico audiológico a discussão da importância da
mensuração da condução por via óssea e as diferenças básicas entre via área e
via óssea na audiologia. Durante a estimulação por via aérea, há participação
direta da orelha externa e média para adequada condução e amplificação da
onda sonora até cóclea (órgão sensorial da audição). Já na condução por via
óssea, a estimulação das células sensoriais da audição é praticamente direta,
sem atenuação, uma vez que a cóclea é um “caracol” ósseo ecrustado no petroso
do temporal. Logo, a onda sonora se propaga continuamente após a vibração
inicial na mastoide ou outro ponto qualquer da calvária até atingir a cóclea.

Antes do advento das PAAO, a realidade disponível para reabilitação das perdas
auditivas, especialmente condutivas e mistas, dos pacientes que apresentavam
algum impedimento para estimulação tradicional por via área era o AASI
de vibração óssea. Um equipamento similar ao de via área acoplado a um

36
Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva | Unidade II

transdutor de via óssea e preso à mastoide por um arco ou mesmo uma


cinta elástica. Lembre que para haver condução por via óssea, o vibrador ou
transdutor tem que fazer pressão sobre o osso sem se deslocar. Os casos mais
comuns de indicações de AASI por via óssea eram má-formação de orelha
média e externa, além de otites secretoras e colesteatomas que não permitiam
o adequado acoplamento de moldes auriculares para condução por via área.
Nos programas de reabilitação auditiva do SUS, ainda ocorre indicação de
AASI por via óssea, entretanto, após a publicação da Portaria n. 2776, que
regulamentou a indicação de PAAO, essa tecnologia se popularizou.

Figura 18. Sistema de AASI por vibração óssea.

Arco de fio

Vibrador ósseo Microfone e amplificador


retroarticular
Fonte: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/17002/1/2014_CarolinaCostaCardoso.pdf.

As indicaçãoes de PAAO no SUS são mais restritas que no sistema particular


ou de convênio e possíveis apenas para pacientes com más-formações bilaterais
(pavilhão auricular, meatro acústico externo e orelha média) nas perdas
auditivas condutivas e mistas. É consenso, tanto no SUS, como no atendimento
particular, que nas perdas auditivas condutivas e mistas a indicação orienta
presença de gaps aéreo-ósseos ≥ a 30dB e limiares por via óssea melhores
que 60dB. Atualmente, a indicação de PAAO pelo convênio e particulares
também contemplam as perdas auditivas sensorioneurais unilaterais e partem
do princípio de que a condução por via óssea estimula diretamente a melhor
cóclea, podendo oferecer sensação de audição bilateral desde que haja bons

37
Unidade II | Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva

limiares de via óssea contralateral. Um exemplo é a indicação para perdas


auditivas sensorioneurais severas e profundas unilaterais, em que a vibração
óssea se propaga por toda a calvária e estimula a cóclea boa. Esse artíficio
biofísico aproveita-se das possiblidades de vibração por via óssea direta da
cóclea contralateral para dar a sensação de audição no lado comprometido que
foi adaptado a PAAO. Ressalta-se que essa estratégia não causa sobrecarga
na cóclea boa e ela continua a desempenhar suas funções por via área e via
óssea, como exemplificado a seguir.

Figura 19. Ilustração da estimulação por via óssea da cóclea contralateral na PAAO.

Esquerda Certa

Direita BC para
INUNDAR
AC normal caminho

Fonte: elaborada pelo autor.

Um aspecto importante a respeito da indicação da PAAO no público pediátrico


é a densidade da lâmina óssea para a adequada colocação e osteointegração do
pino de titânio. Esse fato deve-se à possibilidade de sustentação adequada do
pino no tecido ósseo e também aos cuidados em não chegar muito próximo
das meninges. No SUS, a indicação da PAAO no público pediátrico considera
crianças a partir dos 5 anos de idade com adequada densidade óssea, evidenciada
por tomografias.

Nas crianças abaixo dessa idade que necessitam estimulação por via óssea
para evitar atrasos no desenvolvimento da linguagem e possíveis perdas
da plasticidade auditiva em detrimento da privação sensorial, orienta-se
adaptação de AASI por via óssea. A conduta é mantida até a criança atingir a
idade adequada associada à densidade óssea, quando poderá ser submetida a

38
Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva | Unidade II

cirurgia para a adaptação a PAAO. Nos serviços particulares e pelo convênio,


é possível a indicação do uso do processador de fala adaptado a uma tira ou
cinta elástica até a criança atingir o tempo cirúrgico para inserir o implante
de titânio e o abutment. Dessa forma, a partir do momento que se consolide a
osteointegração do pino, o processador anteriormente preso na cinta elástica
pode ser acoplado no abutment.

Figura 20. Criança com adaptação do processador da PAAO em softband.

Fonte: https://escutaragoraesempre.com/blog2/conheca-as-vantagens-dos-dispositivos-soundarc-e-softband-do-baha/.

Os componentes básicos de uma PAAO são: o processador de fala, o acoplador


unido ao processador, o abutment e o pino ou implante de titânio. O processador
é composto por microfones e algoritmos próprios para a melhor programação
de acordo com os limiares de via aérea e via óssea do paciente; o abutment faz
conexão entre o processador e o pino de titânio osteointegrado.

Em conjunto, o sistema oferece pressão sonora por condução óssea suficiente


para os limiares da melhor óssea ou do maior gap aéreo ósseo. Especialmente
no caso de perdas condutivas e mistas com gaps aéreo-ósseos superiores
a 30 dB, os usuários relatam grande conforto auditivo e diminuição do
efeito de oclusão, além de melhoras significativas na percepção de fala.
No mercado nacional e mundial, as duas marcas que disponibilizam e
comercializam essa tecnologia são a Oticon Medical, com o sistema Ponto e
a Cochlear Corporation, com o sistema Baha. Os aspectos inerentes à rotina
pré, intra e pós-operatória das PAAOs são abordados e detalhados em um
capítulo destinado somente a isso.

39
Unidade II | Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva

Figura 21. Sistema de PAAO.

Fonte: https://www.dovepress.com/new-developments-in-bone-conduction-hearing-implants-a-review-peer-reviewed-fulltext-article-MDER;
http://www.auditionlefevre.fr/notre-expertise; https://tpeosteophonie.wordpress.com/les-applications-de-losteophonie/.

40
CAPÍTULO 2
Implante coclear (IC)

Há quase 30 anos, o implante coclear (IC) deixou de ser uma intervenção


apenas de pesquisa nos centros de pesquisa para ser uma opção viável à
reabilitação auditiva. Os primeiros dispositivos comercializados foram
aprovados pela Food and Drug Administration (FDA). No Brasil, no ano de
1990, foi organizado o primeiro programa de IC no Centro de Pesquisas
Audiológicas (CPA) do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais
(HRAC) da Universidade de São Paulo (USP). Eu tive o prazer de vivenciar
todo esse processo de ebulição científica quando, em meados de 2000, ainda
aluno do curso de Fonoaudiologia, iniciei minhas pesquisas. A partir de 2002,
já formado, permaneci como pesquisador bolsista e aluno de mestrado até o
ano de 2007, atuando diretamente no CPA. O desenvolvimento do sistema
de implante coclear multicanal revolucionou o tratamento das deficiências
auditivas incapacitantes.

O implante coclear (IC) é o principal método para reabilitação da função


auditiva em pacientes com perda auditiva sensorioneural de grau severo ou
profundo bilateral que apresentam desempenho limitado com o uso de aparelho
de amplificação sonora individual (AASI). Conhecido também como “ouvido
biônico”, o IC é um tratamento cirúrgico que requer avaliação criteriosa de
uma equipe interdisciplinar para seleção e indicação de candidatos. Os leigos,
especialmente os pacientes, geralmente confundem o processo de tratamento
via implante coclear e muitas vezes o denominam como “transplante coclear”.

É importante ficar claro que o IC não é transplante de outro órgão saudável,


no caso a cóclea, mas sim o implante de um componente biocompatível.
Tampouco é um tratamento cirúrgico totalmente implantável, visto que ainda
há a necessidade de um componente externo para seu adequado funcionamento.
Pode-se usar a expressão “... ainda há a necessidade...”, porque estão sendo
desenvolvidos a nível mundial inúmeros estudos para o desenvolvimento do
implante coclear totalmente implantável.

Há grandes diferenças na estimulação e nos ganhos auditivos entre o AASI e


o IC. O primeiro aproveita o resíduo coclear, estimulando as células ciliadas
remanescentes com limitação no ganho e percepção de fala, especialmente
nas frequências aguadas. O segundo estimula diretamente as fibras do VIII
par craniano, dando maior especificidade de frequências e consequente ganho

41
Unidade II | Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva

significativo de percepção e reconhecimento de fala. Grande parcela dos


indivíduos com perdas auditivas profundas, usuários inicialmente de AASI,
mesmo bem adaptados, relatam compreenderem com dificuldade a comunicação
oral com o apoio de leitura orofacial (LOF), apresentando poucas chances de
utilizar a audição como recurso principal da comunicação. Sem dúvidas o maior
benefício proporcionado pela estimulação elétrica do IC é a percepção dos sons
da fala na área das frequências agudas. Isso permite que os adultos reconheçam
de maneira mais fluida os sons da fala e que a aquisição e desenvolvimento da
linguagem em crianças ocorra de maneira mais rápida e consistente.

Nesse momento, aproveitarei a oportunidade para contextualizar o porquê


dos ganhos de percepção de fala a partir da estimulação dos sons na área das
frequências agudas. Lembrem-se dos aspectos biofísicos da estimulação e
especialmente da distribuição dos fonemas ou sons da fala no audiograma
normal. Observe que os fonemas consonantais, especialmente os fricativos,
localizam-se predominantemente na área das frequências mais agudas; já os
fonemas vocálicos localizam-se na área de frequências médias e graves.

Outro fato que podemos comentar é que os fonemas vocálicos oferecem


tonicidade às palavras e os consonantais traços de fluidez para compreensão
delas. Em comparação com o processo de audição normal, que envolve uma
grande quantidade de células sensoriais da cóclea, apenas um baixo número
de canais est á disponível para transmissão do sinal elétrico, causando uma
limitação nesse processo. Essa limitação se mostra especialmente óbvia quando
se ouve música ou durante a compreensão de fala no ruído, entretanto, não
há como descartar a importância do processamento do sinal de fala via IC.

Existem quatro fabricantes de implante coclear no mercado mundial atual:


Advanced Bionics (Estados Unidos), Cochlear (Austrália), Med-El (Áustria) e
Oticon Medical (Dinamarca). Os atuais implantes cocleares são constituídos
por dois componentes: componente externo e componente interno.

» Componente externo: processador de fala, microfone, fio curto,


antena transmissora, ímã externo, bateria etc. É composto por um
microfone capaz de captar as ondas sonoras que são processadas
de acordo com algoritmos específicos e posteriormente enviadas
de maneira codificada (radiofrequência) pelo fio curto até a antena
externa ou transmissora. Vale ressaltar que todo esse sistema funciona

42
Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva | Unidade II

a partir de energia fornecida por baterias recarregáveis ou pilhas


descartáveis. Outro ponto é que a energia e as informações codificadas
para a estimulação elétrica dos eletrodos inseridos na cóclea são
fornecidas pelo componente externo, logo, o componente interno
é um sistema passivo.

Figura 22. Processador de fala do implante coclear.

Antena
Microfones Ímã

Luz indicadora
Cabo de antena

Ganch

Unidade de processamento
Botão de controle

Número de série

Módulo de bateria
Fonte: https://www.cochlear.com/br/pt/home/products-and-accessories/cochlear-nucleus-system/nucleus-sound-processors/nucleus-7-
sound-processor.

» Componente interno: circuito receptor/estimulador acoplado a


uma antena interna, que é implantado cirurgicamente, junto com
o feixe de eletrodos inserido na cóclea. O corpo do componente
interno (receptor/estimulador e a antena interna) é implantado
cirurgicamente na região da mastoide (atrás da orelha). O feixe ou fio
de eletrodos é inserido na rampa timpânica da cóclea via cocleostomia
(abertura de um orifício na cóclea) ou pela janela redonda. Tanto o
corpo do componente interno como o feixe de eletrodos é constituído
por titânio e outros metais nobres biocompatíveis envoltos por
silicone.

A possibilidade de rejeição do corpo aos seus componentes é mínima, além de


serem desenvolvidos para permanecerem em funcionamento durante toda a
vida. Isso não significa que o componente interno do IC não seja passível de
apresentar problemas. Como qualquer dispositivo eletrônico, está sujeito a
falhas técnicas ou mesmo quebra devido a traumas na região da cabeça, onde
se localizam. Em caso de falha ou quebra, há a necessidade de reoperação.

43
Unidade II | Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva

Outro fato que vale a pena ressaltar é que as tecnologias do componente


interno são desenvolvidas em plataforma aberta, possibilitando a incorporação
das constantes evoluções dos processadores externos e seus softwares de
programação. O sistema de estimulação só entra em funcionamento após a
ativação do processador de fala, geralmente 30 dias após a cirurgia.

Figura 23. Componente interno do implante coclear.

antena
antena
Fio de eletrodos
ímã
ímã

chip
chip

Fio de eletrodos

Fonte: https://cronicasdasurdez.com/ouvido-bionico-implante-coclear/.

O IC transforma energia sonora em um sinal elétrico, que estimula por meio do


feixe de eletrodos inserido na cóclea diretamente o nervo auditivo ou VIII par
craniano. Um dispositivo eletrônico de alta tecnologia foi desenvolvido para
simular a função das células ciliadas da cóclea do IC que não cura a surdez, mas
oferece maior possibilidade de percepção dos sons da fala. As quatro fabricantes
de implante coclear no mercado mundial – todas elas multinacionais associadas
ou não a centros de pesquisa – produzem seus componentes internos e externos
e oferecem a mais variada gama de tecnologias. Quanto aos processadores de
fala, além da modalidade BTE ou retroauricular, algumas disponibilizam o
processador sem fio diretamente posicionado sobre a pele aderido ao ímã da
antena interna. Em relação ao componente interno, as empresas citadas também
têm apresentado diversas inovações, principalmente em relação à diminuição
da espessura do receptor estimulador, além da possiblidade de realização de
ressonância magnética de até três Teslas sem a necessidade de remoção do
ímã da antena interna. O processador de fala externo transforma a informação
sonora em impulsos elétricos, que são enviados, por meio de radiofrequência,
através da antena para o componente interno, que está localizado abaixo da
pele do usuário. A título de curiosidade, o exame de ressonância magnética é

44
Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva | Unidade II

contraindicado em usuários de IC, salvo em condições especiais que envolvam


sobrevida. Tal fato se dá devido às ondas magnéticas do exame que atingem o
ímã da antena interna, podendo deslocá-lo ou mesmo removê-lo por atração
magnética.

Figura 24. Sistema de implante coclear OTI e BTE.

Fonte: https://biosom.com.br/blog/saude/implante-coclear/.

Resumidamente, o funcionamento do sistema de implante coclear multicanal


ocorre da seguinte forma:

1. Os sons são captados pelo microfone direcional.

2. Os microfones tratam o envelope sonoro e o direcionando ao


processador de fala, que funciona como um microcomputador.

3. O processador filtra, analisa e digitaliza o som em sinais codificados.

4. Os sinais codificados são enviados do processador de fala à antena


transmissora.

5. A antena transmissora envia os sinais codificados com sinais de


radiofrequência à antena interna do receptor/estimulador abaixo
da pele.

6. O receptor/estimulador envia a energia elétrica ao feixe de eletrodos


da cóclea.

7. Os eletrodos dispostos ao longo da cóclea estimulam as fibras do


nervo vestíbulo-coclear ou VIII par craniano.

45
Unidade II | Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva

Figura 25. Ilustração dos processos de funcionamento do sistema de IC.

Fonte: arquivo pessoal construído com imagens de sistema de implante coclear.

46
CAPÍTULO 3
Implante auditivo de tronco encefálico
(ABI)

O implante auditivo de tronco encefálico (ABI) é inserido cirurgicamente nos


núcleos cocleares do tronco encefálico e é indicado nos casos de agenesia ou
má-formação de cóclea e/ou nervo vestíbulo-coclear, também conhecido por
VIII par craniano. Nesses casos, não é possível a estimulação mais tradicional
via implante coclear, que estimula diretamente as fibras do VIII par craniano,
conduzindo a informação elétrica até a primeira estação auditiva do tronco
cerebral, os nucleos cocleares. O procedimento cirúrgico no ABI é mais
complexo que do IC e geralmente conta com a presença de um neurocirurgião,
além do cirurgião otológico.

Poucos serviços no Brasil desenvolveram a capacidade técnica e humana para


realização desse procedimento. Inclusive, o único programa credenciado e
habilitado para realização e acompanhamento de cirurgias de ABI pelo SUS
é o do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo. Embora estimule estações cerebrais mais superiores que o IC,
o processamento do sinal no ABI não apresenta tanta riqueza de detalhes,
imprescindíveis para melhor percepção e reconhecimento dos sons de fala.
Tal fato pode ser devido a maior especificidade de frequências a partir do
tonotopismo coclear aproveitado pela disposição do feixe de eletrodos inserido
da base até porções próximas do ápice da cóclea.

Figura 26. Sistema de implante de tronco cerebral (ABI).

Fonte: https://corporacionhipoacusia.org/que-es-la-hipoacusia.

47
Unidade II | Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva

Assim como no implante coclear, o sistema do ABI também é composto por


componente interno (receptor estimulador e antena interna) cirurgicamente
inserido e componente externo: processador de fala e todos os outros acessórios
já descritos no capítulo de IC. A única diferença é o feixe de eletrodos, disposto
em placa que será posicionada diretamente no tronco encefálico na região
dos núcleos cocleares. Os materiais biocompatíveis constituintes também
são titânio e outros metais nobres revestidos por silicone. É importante
ressaltar que, devido à presença de outros núcleos dos demais pares cranianos
no tronco, há a necessidade do monitoramento preciso da área estimulada e da
dispersão da corrente elétrica pela placa de eletrodos durante a cirurgia. Tal
fato é imprescindível para precisar se a estimulação atinge e está focada apenas
nas regiões auditivas do tronco encefálico, evitando, assim, a possibilidade de
estimulação extra-auditiva. Reforço que o tronco encefálico, por concentrar
terminações nervosas dos demais pares cranianos e controlar aspectos vegetativos
vitais à estimulação elétrica extra-auditiva, pode causar sérios danos. As mesmas
empresas fabricantes de sistemas de IC atuam na área e disponibilizam altíssima
tecnologia para o sistema de implante auditivo de tronco encefálico, entretanto,
nessa modalidade destacam-se apenas Coclhea e a Med-el.
A maioria dos pacientes portadores de perdas auditivas sensorioneurais de grau
profundo beneficia-se com o aumento da atenção aos sons posteriormente à
ativação do processador de fala do sistema ABI, embora a percepção de fala
sem apoio de leitura orofacial (LOF) seja limitada em relação aos usuários de
IC. Tal fato não minimiza a importância do procedimento, que, sem dúvida,
oferece a melhora da qualidade de vida e mais possibilidades de sensação do
colorido sonoro do mundo ouvinte.
Figura 27. Componente interno e processador de fala ABI.

Fonte: https://desculpenaoouvi.com.br/perda-auditiva-tem-solucao/.

48
Tecnologias implantáveis aplicadas à reabilitação auditiva | Unidade II

A ativação do processador de fala ocorre em média de 6 a 8 semanas após a


cirurgia com as orientações e o início da estimulação elétrica. Assim como no
IC, o componente interno do ABI é passivo e recebe toda a informação, além
da energia, por meio da radiofrequência emitida pelo componente externo.
O funcionamento do sistema ABI segue os seguintes passos:

» Os sons são captados pelo sistema de microfones do processador


de fala.

» Os microfones tratam o envelope sonoro, o direcionando ao


processador de fala, que funciona como um microcomputador.

» O processador retroauricular analisa e digitaliza o som em sinais


codificados.

» Os sinais codificados são enviados do processador de fala à antena


transmissora.

» A antena transmissora envia os sinais codificados com sinais de


radiofrequência à antena interna do receptor/estimulador abaixo
da pele.

» O receptor/estimulador envia a energia elétrica ao feixe de eletrodos


em placa posicionado nos núcleos cocleares do tronco encefálico.

» Os eletrodos estimulam os núcleos cocleares produzindo e propagando


estimulação elétrica que é processada pelo cérebro como sons.

49
ROTINAS NOS
PROGRAMAS DE
SAÚDE AUDITIVA E UNIDADE III
OTOLÓGICA

CAPÍTULO 1
Critérios de seleção e indicação para
próteses auditivas implantáveis

Os critérios gerais de seleção e indicação de próteses auditivas implantáveis


seguem as normas regulamentadoras da Portaria GM/MS n. 2.776, de 18
de dezembro de 2014 no SUS.

Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_


gerais_atencao_especializada_pessoas_deficiencia_auditiva_SUS.pdf.
Acesso em: 8 jul. 2021.

Já no sistema privado/convênios, as diretrizes adotadas são o Rol de


Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde
(ANS). Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/Particitacao_
da_sociedade/consultas_publicas/cp61/Anexo_II_DUT_Rol_2018_
final_26.06.2017.pdf. Acesso em: 9 jul. 2021.

Próteses auditivas ancoradas no osso (PAAO)


As PAAO são próteses auditivas osteointegradas implantáveis que utilizam o
processo de condução por via óssea direta, indicadas principalmente nas perdas
auditivas condutivas ou mistas, em que não é indicado o uso do AASI. Outro
ponto importante que deve ser considereado na indicação é a condição do
tecido ósseo, geralmente o da mastoide, em que será inserido cirurgicamente o
pino. Para tal fim, são analisados os resultados de tomografia, que evidenciam
as condições e a densidade do osso. O limite para os limiares de via óssea para
obtenção dos benefícios da estimulação devem ser melhores ou iguais a 60dB.
É óbvio que, pela biofísica do processo, quanto melhores são os limiares de via
óssea e maior o gap entre a via óssea e a via aérea, mais benefícios de ganhos
tonais e de percepção de fala o paciente terá. Para que a condução óssea seja
eficiente, é necessária a perfeita osteointegração do pino ou implante de
titânio no osso da mastoide. Esse processo garante que não haverá perdas

50
Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

de energia ou mesmo deslocamento do pino após o início da estimulação do


processador de fala acoplado no abutment. Inclusive, há casos de pacientes que,
por algum motivo fisiológico ou mesmo trauma, tiveram a integração adequada
impossibilitada na região da cirurgia. Nessas situações, não há possibilidade
de acomplamento do processador de fala para o início da estimulação, sendo
necessária nova abordagem cirúrgica. As situações clínicas ou patologias mais
comuns às indicações de PAAO são:

» Otite externa e otite média crônicas (impossibilidade de adaptação do


molde auricular do AASI no meato acústico externo para estimulação
por via aérea).

» Más-formações congênitas de pavilhão meato acústico externo


(microtia, atresia de conduto).

» Síndromes de Goldehar e Treacher Collins.

» Colesteatoma.

» Mastoidectomia radical.

Todas elas diretamente relacionadas às perdas auditivas condutivas e mistas.


Especialmente as oriundas de má-formação sindrômica que apresentam maiores
gaps aéreos-ósseos, o que pode oferecer ganhos significativos de qualidade de
vida aos pacientes bem-adaptados após criteriosa indicação da cirurgia. Relatos
clínicos evidenciam que mesmo nos casos de perdas auditivas em que ainda
há possibilidade de uso de AASI, as PAAOs oferecem maior conforto auditivo
e menor possibilidade de efeito de oclusão na presença de gaps aéreos-ósseos
superiores a 30dB.

Para a maioria dos pacientes com perda auditiva mista ou condutiva, de


moderada simétrica a bilateral severa, a prótese de condução óssea bilateral
melhora a localização do som e reconhecimento da fala no barulho. Não se
indica o implante bilateral nos casos de assimetria (diferença) entre os ouvidos
muito grande, que é definida como diferença da média dos limiares de condução
óssea maior de 10 dB (0.5, 1, 2, 3 kHz) ou maior de 15 dB em frequências
individuais. Esse fato é explicado pelo processo biofísico de condução óssea, e
quando adequadamente indicado, pode oferecer sensação real de binauralidade.
Entretanto, no SUS, mesmo se enquadrando nos critérios expostos, a portaria
que regulamenta o procedimento não indica cirurgia de PAAO bilateralmente.

51
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

Figura 28. Configuração audiométrica.

Fonte: elaborada pelo autor.

Ainda em relação às perdas auditivas com gaps ≥ a 30dB, a possibilidade


de testes pré-operatórios das duas tecnologias disponíveis (AASI e PAAO)
oferece ao clínico e ao seu paciente mais possibilidades de indicações mais
precisas. Os testes pré-operatórios nesses casos são feitos com o acoplamento
da processador de fala na mastoide do indivíduo com cintas elásticas. Essas
cintas não oferecem a mesma pressão que o acoplamento do processador no
abutment do pino osteointegrado, mas são capazes de oferecer experiência
próxima à realidade. Inclusive, o mesmo procedimento utilizado em crianças
que ainda não se enquadram nos critérios de indicação da cirurgia, descrito
anteriormente. É claro que a indicação cirúrgica sempre é mais arriscada e de
maior valor agregado mas o custo-benefício em alguns casos tem motivado
os pacientes a optar pela PAAO.

Figura 29. Configuração audiométrica.

Fonte: elaborada pelo autor.

52
Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

Figura 30. Propagação da onda sonora por via óssea e estimulação por PAAO.

Limiar VO

Limiar VA

Fonte: elaborada pelo autor.

Outra possiblidade de indicação para o uso das PAAOs são as perdas auditivas
sensorioneurais unilaterais severas ou profundas, também conhecidas como
single sided defness (SSD). Nessa possibilidade, os preceitos de estimulação por
via óssea são os mesmos, entretanto, será estimulada a cóclea contralateral,
que apresenta limiares de via óssea normais ou pouco comprometidos. O
paciente apresentará a sensação de audição do lado comprometido em que
foi inserido o pino osteointegrado e onde se encontra o processador de fala
por meio das respostas da cóclea boa.

Figura 31. Configuração audiométrica.

Fonte: elaborada pelo autor.

Em relação às indicações discutidas, há necessidade de atenção especial ao


público pediátrico, pois mesmo que se enquadrem nas condições audiológicas,

53
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

a densidade óssea deve ser considerada. Devido a essa questão, a faixa etária
em crianças sugerida para a indicação e adaptação de PAAO é a partir dos
5 anos de idade, e o exame padrão ouro que definirá a conduta nesses casos
é a tomografia de mastoides. No capítulo que tratamos da apresentação da
tecnologia da PAAO, esse ponto já foi abordado. Recentemente, a Oticon Medical
desenvolveu uma técnica cirúrgica para uso da tecnologia Ponto (seu portfólio
de soluções osteointegradas) que ofecer mais segurança ao cirurgião durante o
broqueamento e inserção do pino de tinânio. Alguns cirurgiões relatam que,
com essa técnica, além da osteointegração ser mais rápida, é possível cirurgias
em crianças menores com densidades ósseas menos expessas.

Observem que há uma prótese auditiva ancorada no osso que desponta como
uma consistente solução para as condições audiológicas que não é indicado
a solução auditiva tradicional o AASI. Ou ainda nas situações em que o uso
comparado no pré-operatório das duas condições aponta melhores ganhos de
conforto auditivo e percepção de fala para a PAAO. Infelizmente, as indicações
para o SUS, normatizadas pela portaria GM/MS, são restritas e preconizam
a solução auditiva osteointegrada implantável somente para os casos de má-
formação bilateral sindrômica ou não. As demais indicações mencionadas e
descritas são amplamente implementadas no setor privado e de convênios, com
resultados consideráveis. Tal fato tem motivado audiologistas e otologistas a
solicitarem uma revisão nos critérios de indicação do SUS para o procedimento,
ampliando, assim, sua gama de indicações.

Implante coclear (IC) e implante de tronco


encefálico (ABI)
O IC é uma alternativa de tratamento dos casos de perdas auditivas
sensorioneurais bilaterais de graus severos a profundos de pacientes que
não se beneficiam ou apresentam benefícios limitados com o uso do AASI.
O aspecto definido para a verificação do benefício do uso do AASI, além
do ganho tonal, é o score superior a 55% de percepção e reconhecimento de
monossílabos sem apoio de LOF. Outros critérios absolutos considerados
são: a adequação piscológica e motivação para o procedimento de pacientes
e/ou seus responsáveis; tempo de privação sensorial (perdas auditivas pré
ou pós-linguais súbitas ou progressivas). Para ficar mais didático e claro,
serão apresentados separadamente os critérios de seleção e indicação de
crianças e adultos.

54
Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

Critérios de indicação para crianças


O IC é romendado no público pediátrico tanto nos casos de perdas auditivas
pré-linguais (quando a perda incapacitante ou surdez ocorre antes da aquisição
e consolidação da linguagem oral) quanto pós-linguais (após a aquisição da
linguagem oral). Por ser um tratamento invasivo, com muitas expectativas a
respeito de seus ganhos no processo de comunicação oral, sua indicação deve ser
pautada por critérios multifatoriais, tais como: faixa etária; tempo de privação
sensorial ou perda auditiva; desenvolvimento global da criança; presença
de comprometimentos cognitivos associados; rede de acesso a reabilitação
auditiva especializada; expectativas da família e motivação dos pais para o
tratamento etc.

Figura 32. Adaptação pediátrica de IC.

Fonte: https://biosom.com.br/blog/saude/implante-coclear/.

Em relação à faixa etária, os critérios de indicação evoluíram muito e atualmente


já se pode indicar cirurgia em crianças com perda auditiva congênita ou pré-
lingual a partir dos 6 meses de vida. É óbvio que quanto mais precoce é a
indicação do IC, há a necessidade de maior rigor e segurança. É imprescindível,
após falha no teste e reteste da TAN, estabelecimento do diagnóstico precoce e
reabilitação auditiva (adaptação de AASI e terapia fonoaudiológica sistemática)
em um período mínimo que pode variar de 3 a 6 meses. Outro ponto que os
cirurgiões otológicos avaliam nesse público é o peso corporal e volume sanguíneo
circulante, além do tamanho da cabeça. A precocidade na indicação é sustentada
pela premissa de plasticidade e maturação auditiva, que indicam melhores
respostas de aquisição e desenvolvimento da linguagem oral em crianças
submetidas a cirurgia até os 3 anos de idade. Especialmente os audiologistas
discutem a precocidade extrema defendida pelos cirurgiões otológicos.

55
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

A justificativa é que diferenças no processo de aquisição e desenvolvimento de


linguagem são mínimas quando comparadas aos bebês submetidos ao IC com
6 meses ou 12 meses de vida em relação aos riscos cirúrgicos. Outro ponto
apontado é que o processo de diagnóstico audiológico infantil e estabelecimento
da reabilitação é complexo e criterioso, necessitando de maior tempo de
observação, especialmente no SUS. Por último, não podem ser deixados de
lado os aspectos familiares de motivação e preparo dos pais para assimilarem
adequamente todo o processo.

É fato que a adequada adesão e permeabilidade ao tratamento são uma das


condições principais para boa evolução do caso. Minhas experiências pessoais
e profisssionais sobre esse dilema me levam a considerar caso a caso com
prudência e preferencialmente indicar o IC em consonância com a equipe
interdisciplinar após os 9 meses de vida. Entre os 3 e 6 anos de idade, a indicação
do IC torna-se mais complexa, não pelas condições clínicas e anatômicas da
criança, mas pela limitação dos resultados devido ao maior tempo de privação
sensorial e menor plasticidade auditiva. É ainda mais criteriosa e restrita a
indicação em crianças com mais de 6 anos e adolescentes com perdas auditivas
pré-linguais. Alguns casos de indicação relativos ao tempo de privação sensorial
em perdas pré-linguais são as situações de patologias associadas à audição,
por exemplo, deficiência visual, paralisia cerebral, entre outras.

Nessas situações, é preconizada a disponibilidade de pelo menos mais um “canal”


sensorial, no caso o auditivo, mesmo com benefícios limitados. Entretanto,
o dispositivo não é indicado em casos de múltiplas deficiências associadas a
comprometimentos intelectuais e/ou comprometimento emocinal grave. Já
no caso de crianças com perdas auditivas pós-linguais, não há limite de idade
para a realização da cirurgia, mas cabe ressaltar que os melhores resultados
são observados quando são implantadas com tempo de privação sensorial ou
surdez menor ou igual a 6 anos.

Nos núcleos familiares em que os pais são ouvintes, o nascimento de uma


criança com algum grau de deficiência auditiva gera angústia, visto que essa
condição pode ser responsável pelo atraso ou impedimento na aquisição da
fala. Tal atraso terá efeitos nos processos de inserção social e educacional da
criança. Por outro lado, nos lares em que os pais também são surdos e a forma
padrão de comunicação é uso da Língua Brasileira de sinais (Libras), o impacto
é bem menor, mas não deixa de existir. Entretanto, nas duas condições, a

56
Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

intervenção e o tratamento precoce proposto são factíveis para que a criança


possa se beneficiar do mundo sonoro.

Dessa forma, mesmo nos lares de pais surdos que se comunicam exclusivamente
por Libras, a criança pode se apropriar das duas formas de comunicação e se
beneficiar do bilinguismo. Esse fato está cada vez mais comum, e são inúmeros
os casos de crianças oralizadas e também fluentes em Libras filhas de pais
surdos. É fundamental que os pais e/ou responsáveis estejam motivados, pois
os resultados com o uso do IC não são imediatos. Pais engajados e aderentes ao
processo terapêutico poderão desenvolver mais facilmente atitudes positivas
em relação ao uso do dispositivo associado ao árduo processo de aquisição e
desenvolvimento da linguagem oral. Há necessidade de atenção e persistência
constantes, uma vez que as crianças são muitos sensíveis e seu comportamento
reflete aquilo que foi transmitido. Atitudes positivas e encorajadoras dos pais
serão determinantes para o uso efetivo do dispositivo, auxiliando a criança
na conquista das habilidades de audição e de linguagem.

Figura 33. Pai tatua IC na cabeça para estimular adaptação de filha.

Fonte: https://razoesparaacreditar.com/pai-tatua-aparelho-auditivo.

Critérios de indicação para adultos


Os critérios de indicação para a colocação de implante coclear em adultos
que diferem entre vários lugares. À medida que os implantes cocleares se
tornaram mais amplamente disponíveis e os benefícios para a comunicação

57
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

mais substanciais, as indicações para o IC se ampliaram (DOWELL, 2016). A


avaliação básica dos candidatos ao IC envolve avaliações médicas, audiológicas
e de imagem (tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética),
segundo Deep (2019). A condição básica para uma aplicação bem-sucedida do
sistema de implante coclear requer um nervo auditivo funcional, bem como
vias auditivas centrais sem alterações. Além disso, uma cóclea anatomicamente
desenvolvida deve estar presente para a inserção do feixe de eletrodos e a
conexão com o nervo auditivo deve estar intacta (LENARZ et al., 2018).

Cada paciente deve passar por um completo protocolo de avaliação audiológica


antes do procedimento cirúrgico, bem como por acompanhamento após a cirurgia.
Essa avaliação deve ser realizada por meio de uma série de testes audiológicos
objetivos e subjetivos, que permitem determinar e avaliar o progresso da
reabilitação e os resultados do tratamento realizado (CZERNIEJEWSKA et
al., 2017). No Brasil, os critérios de indicação pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) para adultos pós-linguais são: resultado igual ou menor que 60% de
reconhecimento de sentenças em conjunto aberto (sem apoio da leitura
orofacial e sem conhecimento prévio do contexto das sentenças) com uso
de AASI na melhor orelha ou menor do que 50% na orelha a ser implantada;
adequação psicológica e motivação do indivíduo para o uso do implante coclear,
manutenção e cuidados com o implante e para o processo de reabilitação
fonoaudiológica; condições adequadas de reabilitação na cidade de origem
e compromisso em zelar dos componentes externos do implante coclear e
realizar o processo de reabilitação fonoaudiológica (BRASIL, 2014).

O dispositivo é indicado para os casos de perdas auditivas sensorioneurais


bilaterais de graus severos a profundos, apesar de altamente ser discutida
também a indicação para perdas unilaterais associadas a zumbido. Essa
indicação relativa (perda auditiva unilateral), comum apenas nos serviços
particulares/convênios, será abordada adiante. Assim como nas crianças, os
aspectos relacionados ao tempo de privação sensorial; benefícios com o uso
do AASI; condição psicológica e motivação para o uso do implante coclear,
além das múltiplas deficiências devem ser considerados. Ressalta-se que, em
comprometimentos cognitivos e/ou psicológicos, a indicação de IC é relativa
e deve ser cuidadosamente pensada. A adaptação de AASI, mesmo que com
benefícios limitados associados à reabilitação auditiva e oralização parcial,
é cuidadosamente observada, especialmente nos adultos pré-linguais. Claro
que nesse público os ganhos de percepção e reconhecimento de fala após a

58
Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

ativação do dispositivo podem ser menores e necessitarem de apoio de LOF.


Temos observado que os adultos pré-linguais motivados e orientados que
passaram por reabilitação auditiva eficaz e adquiriram oralização parcial
apresentam mudanças significativas na qualidade de vida. Inclusive, não são
raros exemplos de incremento no processo de inserção social e empoderamento
do adultos após adaptação e boa evolução com a estimulação elétrica via IC.
Tem-se visto pacientes que ingressaram em universidades e retiraram a carteira
de habilitação, por exemplo, após se sentirem mais seguros no processo de
comunicação.

Nos casos de múltiplas deficiências, especialmente a perda auditiva


pré-lingual associada à deficiência visual, a indicação do dispositivo
preconiza tão somente oferecer ao menos uma entrada sensorial ao
paciente. Lembrem-se que nos pacientes com deficiência visual, ou
mesmo considerável baixa visão, o apoio de LOF para comunicação não
pode ser considerado. Essa situação traz limitações para o processo de
reabilitação auditiva, e consequentemente, comunicação oral. Muitas vezes,
os pacientes e seus familiares desenvolvem estratégias de comunicação
baseadas em sinalização tátil associada à oralização. Apesar dos resultados
pobres em relação à comunicação oral, os pacientes relatam aumento da
noção espacial, possibilidade de audibilidade dos sons ambientais e os
sinais de alerta e até mesmo interação social. É óbvio que cada caso deve
ser analisado quando considerados os aspectos de satisfação e melhora
na qualidade de vida.

Nos adultos com perdas auditivas progressivas, não há limite para indicação
em relação ao tempo de privação sensorial, devido ao processo de evolução
da perda auditiva com benefício prévio do AASI ao paciente e posterior
evolução da perda auditiva. Os critérios para indicação nesses casos consideram
percepção e reconhecimento de fala nos testes de fala inferiores a 55% sem
o apoio de LOF. Nesse público, os resultados pós-ativação e evolução na
adaptação são promissores, inclusive com inserção no mercado de trabalho
de muitos casos. Temos observado que grande parcela dos pacientes utiliza
como única estratégia comunicativa a audição, especialmente em situações
de escuta em ambientes menos ruidosos.

Já nos casos de perdas auditivas pós-linguais súbitas, preconiza-se que o


tempo de privação sensorial considerado entre a perda e a ativação do IC seja

59
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

a metade do tempo de vida do paciente. Ou seja, um indivíduo com 30 anos


de idade acometido por perda auditiva súbita pós-meningite bacteriana aos
15 anos pode se beneficiar. Ressalta-se que, apesar da consideração anterior
sobre o tempo de privação, os casos com menor tempo de perda e consequente
melhor plasticidade cerebral auditiva apresentam maiores benefícios. Pode
parecer estranho o termo plasticidade cerebral nesses casos, mas lembre
que o cérebro apresenta grande capacidade adaptativa e tende a direcionar
conexões, sinapses e mesmo áreas em desuso para outras funções cerebrais.
Logo, as áreas cerebrais auditivas, de acordo com a lei do uso e desuso, podem
ser reorganizadas e assimiladas para outras funções quando deixadas de ser
estimuladas por longos períodos temporais.

Por último, outra possiblidade de indicação para o uso do IC são as perdas


auditivas sensorioneurais unilaterais severas ou profundas, também conhecidas
como single sided defness (SSD). Essa indicação ainda não é considerada no
SUS, e nos serviços particulares é ponderada especialmente nos casos com
zumbido incapacitante associado. Parte do princípio do IC – diferentemente
do AASI e da PAAO – é que realmente trata a doença auditiva e não somente
aproveita os resíduos auditivos. Posteriormente, em capítulo específico, serão
abordadas essa indicação relativa e a adoção da melhor conduta terapêutica
frente às inúmeras tecnologias disponíveis.

Figura 34. Adaptação de IC em adultos.

Fonte: http://www.portalotorrinolaringologia.com.br/perguntas-frequentes.php.

Critérios de indicação do implante de tronco


cerebral
O ABI é uma alternativa de tratamento dos casos de perdas auditivas
sensorioneurais bilaterais de graus severo a profundo de pacientes que

60
Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

apresentem alguma impossibilidade anatômica para realização de cirurgia


de IC. As situações mais comuns que contemplam a indicação de ABI são:
ossificação total e/ou má-formação coclear que impossibilitem a inserção do
eletrodo; agnesia ou hipoplasia de nervo auditivo e massas tumorais no VIII
par craniano. A neurofibromatose tipo II é um exemplo de alteração tumoral
para indicação clássica de ABI.

A bateria de exames audiológicos é a mesma já mencionada para seleção e


indicação de cirurgia de implante coclear. Há necessidade de atenção especial
aos exames de imagem, inclusive com a informação detalhada das partes moles
via ressonância magnética (RM). É importante ficar atento a esse detalhe,
pois no caso do IC, em algumas situações dispensamos a RM e utilizamos
com exame base de imagem somente a tomografia de mastoides. Outro ponto
é que a indicação no público pediátrico de ABI geralmente não ocorre antes
dos dois anos de idade em função das condições clínicas para realização de
uma cirurgia de tamanha complexidade e riscos associados.

Após a implantação da placa de eletrodos na base do tronco cerebral, região


específica dos núcleos cocleares, inicia-se o processo de estimulação de cada
eletrodo para verificação da área exata estimulada. Tal processo é conduzido
por fonoaudiólogo experiente e monitorado por toda a equipe envolvida na
cirurgia. Lembre-se da importância da certificação de que a estimulação elétrica
atinja as áreas exclusivamente auditivas. Para isso, utiliza-se a pesquisa dos
potenciais evocados auditivos elétricos, que atestam estimulação das áreas
auditivas cerebrais. A pesquisa do potencial elétrico do tronco encefálico
segue parâmetros parecidos do exame de PEATE utilizado no diagnóstico
diferencial e complementar das perdas auditivas. As principais diferenças
são: utilização de estímulo elétrico e não acústico e observação somente das
ondas III e V, uma vez que a estimulação e data estão diretamente na base do
tronco encefálico. Se durante esse processo for constatado que algum eletrodo
da placa esteja estimulando áreas extra-auditivas, ele é desligado já na etapa
intracirúrgica.

As complicações inerentes à cirurgia de ABI são muito próximas às descritas


para remoção dos tumores do nervo auditivo (schwannoma vestibular),
especialmente nos casos de neurofibromatose tipo II. Devemos ter em mente
que o maior risco é o da remoção do tumor em si, pois a colocação do eletrodo

61
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

é a parte menos perigosa da cirurgia, apesar da placa de eletrodos ser colocada


na base do tronco cerebral.

O acompanhamento pós-operatório de ABI segue os mesmos princípios de o


IC. Inicia-se com a ativação dos eletrodos e explicação do kit do processador
de fala, além, é claro, das orientações de cuidados e manuseio do dispositivo.
São organizados retornos periódicos para o mapeamento e balanceamento
dos eletrodos, testes de percepção de fala e ganho funcional (audiometria em
campo livre com o dispositivo). Outro ponto crucial na rotina pós-cirurgia
é a reabilitação auditiva sistemática, mesmo em pacientes adultos pós-
linguais. Como foi dito anteriormente, o reconhecimento de fala oferecido
pelo procedimento ainda é limitado, diferentemente do IC, e necessitará de
apoio de LOF e treinamento auditivo.

62
CAPÍTULO 2
Rotinas pré, intra e pós-operatórias de
prótese auditiva ancorada no osso

Etapa pré-cirúgica
Na etapa pré-cirúrgica, ou operatória, são considerados os critérios absolutos e
relativos da indicação das PAAO após a análise criteriosa dos exames audiológicos
e radiológicos, além dos aspectos psicossocias do paciente. Há necessidade de
interação e condução adequada das avaliações por uma equipe interdisciplinar
experiente e sensível às reais necessidades e expectativas do indivíduo e seus
familiares. Inicialmente, o paciente realiza a bateria de exames audiológicos
básicos (imitanciometria e audiometria), ou nos casos de atresia e/ou agenesia
de conduto, somente a audiometria tonal por via aérea e via óssea. A mensura
precisa dos limiares, especialmente dos de via óssea, com a definição do gap,
que são imprescíndiveis para facilitar a análise da indicação pelo otologista à
luz dos critérios, sejam eles do SUS, sejam de particular. Em crianças em que
não há a possibilidade de mensurar adequadamente os limiares por via óssea
na audiometria, pode ser utilizado o potencial evocado auditivo de tronco
encefálico (PEATE) click e tone burst por via óssea. Concomitantemente à
avaliação audiológica é realizada a tomografia de mastoides para observação
das condições do tecido e das estruturas ósseas que sustentaram o pino ou
implante de titânio.

A maioria dos serviços dispõe da possibilidade de testes pré-operatórios de


estimulação que simulam os benefícios ou resultados que o paciente teria com
a cirurgia de PAAO. Esses testes, assim como os audiológicos, são conduzidos
pela equipe de fonoaudiologia. Para isso, é utilizado um processador de fala
(componente externo da PAAO) compatível às necessidades audiológicas do
paciente, preso a uma cinta elástica sobre a mastoide após sua regulagem. Nesse
processo, são feitos testes em cabine de ganho funcional: como audiometria em
campo livre (caixa acústica) e testes de percepção de fala sem apoio de LOF, além
de testes externos. Em algumas situações, o paciente passa aproximadamente
uma semana em teste domiciliar com a supervisão do profissional para observar
e pontuar a evolução na qualidade de vida.

63
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

Figura 35. Teste pré-operatório de adaptação do receptor por softband.

Fonte: https://www.oticonmedical.com/portuguese/bone-conduction/new-to-bone-conduction/what-you-need-to-know-about-bone-
anchored-hearing.

Com os exames e todos os testes em mãos, o cirurgião otolológico discute com


os audiolistas ou fonoaudiólogos todos os aspectos involvidos na indicação e
benefícios da condução direta por via óssea. Nessa fase, somam-se as avaliações
sociais e psicológicas criteriosamente conduzidas, respectivamente, pelos
assistentes sociais e psicólogos da equipe. Por fim, ocorre a reunião clínica
com membros da equipe interdisciplinar diretamente envolvidos na avaliação
para definição final, indicação da cirurgia e agendamento do processo. Após
essa reunião, o paciente é convocado para assinar o termo de consentimento
livre esclarecido, fazer os exames clínicos pré-operatórios de rotina e passar
pela avaliação pré-anestésica.

Etapa intraoperatória
O procedimento cirúrgico de para inserção do pino de titânio e o abutment
não é demorada nem de grande complexidade, mas requer anestesia geral
na técnica tradicional. Geralmente, é feita com instrumentador específico
da equipe técnica da empresa fornecedora do material. Inicialmente, é feita
a tricotomia da região (raspagem do cabelo), posterior infiltração do tecido
epitelial e medição da espessura do tecido moles até o osso da mastoide.
Finalmente é feita a incisão no local definido para exposição do osso.

64
Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

Figura 36. Broqueamento e inserção do pino de titânio.

Fonte: http://hospitalevandroribeiro.com.br/informativos-medicos/3.

Durante a inserção do pino ou implante de titânio, que será posteriormente


osteointegrado, é utilizado um sistema especial de motor acoplado à broca, que
oferece o mecanismo adequado de “torque” (pressão e rotação por minuto).
Inicialmente, esse mecanismo perfura o osso e posteriormente fixa o pino em
sistema parecido de rosqueamento de um parafuso.
Figura 37. Procedimento cirúrgico.

Fonte: http://www.arquivosdeorl.org.br/conteudo/acervo_eng.asp?Id=772.

Há necessidade de atenção especial durante o broqueamento do osso para


colocação do pino e o abutment que faz comunicação entre o pino inserido
no osso e porção externa imediatamente após a pele. Posteriormente, todos
os tecidos epiteliais são fechados e suturados. Finalmente, é feito o curativo
compressivo com uma proteção especial de silicone em formato circular
embebida em antibióticos e anti-inflamatórios tópicos. Esse material circular
fica imediatamente sobre a pele entre ela e a porção externa do abutment,
auxiliando na cicratização e minimizando a possibilidade de inflamação do
couro cabeludo na região. A PAAO é a única prótese implantável em que o
fonoaudiólogo não participa diretamente no procedimento intraoperatório,

65
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

realizando monitoramento de possíveis estimulações, como acontece nas


rotinas intraoperatórias de IC e ABI.

Figura 38. Sutura e término da cirurgia – visão da parte externa do abutment.

Fonte: http://hospitalevandroribeiro.com.br/informativos-medicos/3.

Etapa pós-operatória
O paciente tem alta do procedimento cirúrgico geralmente após 24 horas e é
orientado a retornar no ambulatório para remoção do curativo e avaliação da
cicatrização em um intervalo de 5 a 7 dias. Durante a consulta com o cirurgião
otológico, são feitas todas as orientações sob os cuidados de higienização da
pele e do abutment. Também é informada a necessidade de extremo cuidado
para evitar traumas mecânicos como “pancadas” na região da cabeça onde foi
inserido o pino de titânio. Indica-se que nos dois primeiros meses antes da
ativação do processador de fala da PAAO o paciente retorne quinzenalmente
para avaliação da cicatrização do tecido epitelial e da osteointegração do pino.

Figura 39. Pós-operatório imediato após remoção do curativo.

Fonte: https://hospitaldocoracao.com.br/cirurgia-inedita-no-pais-para-instalacao-de-proteses-auditivas-e-realizada-em-natal/.

66
Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

Finalmente, após um período médio de 2 a 3 meses, a técnica tradicional,


em que a osteointegração do implante de titânio acontece, acaba sendo mais
lenta e é feita a ativação do processador de fala. Durante a ativação, são dadas
orientações sobre todos os acessórios do kit e os cuidados de manuseio com
o dispositivo. A adaptação da PAAO é parecida com a regulagem de AASI,
em que os dados de audiometria tonal por via aérea e via óssea são inseridos
no software de programação do processador. Posteriormente à ativação, é
indicado reabilitação auditiva em alguns casos, especialmente em pacientes
pediátricos. Os retornos para programação e novas regulagens na rotina de
acompanhamento pós-ativação do processador de fala são de 3 e 6 meses,
a depender das peculiaridades do caso e demandas do paciente. Na técnica
cirúrgica MIPs, desenvolvida pela Oticon Medical, o tempo de recuperação
e osteointegração do pino de titânio, segundo eles, é menor e a ativação do
processador pode ser feita com aproximadamente 40 dias. Como é uma técnica
ainda em estudo e específica apenas a uma marca/modelo de PAAO, não será
discutida profundamente aqui.

Figura 40. Ativação e regulagem da PAAO.

Fonte: https://audiologia.clinicaaura.com.br/protese-auditiva-ancorada-no-osso.

67
CAPÍTULO 3
Rotinas pré, intra e pós-operatórias de
implante coclear

Etapa pré-cirúgica
Na etapa pré-cirúrgica, ou operatória, é realizada a avaliação detalhada dos
aspectos anatomofisiológicos da audição, além dos aspectos sociais e psicológicos
vivenciados pelo paciente e seus familiares após a confirmação da perda
auditiva. Há necessidade de interação e condução adequada das avaliações
por uma equipe interdisciplinar experiente e sensível às reais necessidades e
expectativas do indivíduo e seus familiares. Inicialmente, o paciente realiza a
bateria de exames audiológicos básicos (imitanciometria e audiometria) e os
exames complementares: PEATE e emissões otoacústicas (EOA). Especialmente
em crianças, em que há a dificuldade de precisar adequadamente possívieis
resíduos auditivos na audiometria, são pesquisados os limiares eletrofisiológicos
no PEATE click e por tone burst.

Figura 41. Avaliação audiológica básica (audiometria tonal limiar).

Fonte: https://clinicadeotorrino.com.br/site/nucleos/nucleo-da-audicao/.

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Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

Figura 42. Avaliação eletrofisiológica complementar (PEATE infantil).

Fonte: https://jornaltrindade.com.br/hospital-infantil-de-florianopolis-conta-com-dois-aparelhos-para-avaliacao-auditiva-completa/.

Concomitantemente à avaliação audiológica, são realizados os exames de


imagem: tomografia de mastoides (TC) e, se possível, ressonância magnética
(RM). Em relação à RM, é imprescindível nos casos de perdas auditivas
súbitas por sequela de meningite bacteriana e em crianças em que não se
observa indicação de resíduo algum de audição nos exames audiológicos.
A meningite bacteriana pode causar, além da perda auditiva, a calcificação
total ou parcial da cóclea, limitando ou mesmo impossibilitando a inserção
adequada do feixe de eletrodos. Para as crianças, a RM pode indicar à equipe
presença de adequada morfologia de nervo auditivo, mesmo na ausência de
resíduo auditivo nos exames audiológicos.

Ainda na fase pré-cirúrgica, caso o paciente ainda não seja usário prévio de
AASI ou sequer tenha passado por indicação do tratamento em alguma fase
de sua vida, é feita a indicação. Em adultos, são feitos os procedimentos de
pré-moldagem e teste das tecnologias disponíveis para posterior observação
dos resultados de ganho tonal e de percepção de fala. Quando não há resposta
ou comprovação de resíduo algum, o paciente é encaminhado diretamente
para cirurgia caso seja necessário. Caso sejam observadas respostas, mesmo
que discretas, orienta-se adaptação emergencial de AASI e uso acompanhado
de reabilitação auditiva por aproximadamente 2 meses.

69
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

Figura 43. Teste e adaptação com AASI em adultos.

Fonte: https://www.consumeraffairs.com/headphones-and-hearing-loss.

Posteriormente a esse processo, a indicação de IC é reavaliada. Nas crianças,


sempre é indicado uso de AASI prévio e processo de reabilitação auditiva
sistemática por 3 meses para posterior confirmação da indicação da cirurgia
de IC. Em algumas situações, em que a equipe observa que não há resposta
alguma, o tempo de experiência é reduzido, mas nunca dispensado, visto que
a criança deve no mínimo se adaptar ao uso do aparelho atrás da orelha.

Com os exames e todos os testes em mãos, o cirurgião otolológico discute


com os audiologistas ou fonoaudiólogos todos os aspectos involvidos na
indicação e benefícios. Nessa fase, somam-se as avaliações sociais e psicológicas
criteriosamente conduzidas, respectivamente, pelos assistentes sociais e
psicólogos da equipe. Por fim, ocorre a reunião clínica com membros da
equipe interdisciplinar diretamente envolvidos na avaliação para definição
final, indicação da cirurgia e agendamento do processo. Após essa reunião, o
paciente é convocado para assinar o termo de consentimento livre esclarecido,
fazer os exames clínicos pré-operatórios de rotina e passar pela avaliação
pré-anestésica.

Etapa intraoperatória
A cirurgia é realizada com o paciente sob anestesia geral. Inicialmente, é
realizada a tricotomia do couro cabeludo somente na região da cirurgia.
Posteriormente, é feita uma incisão de aproximadamente 3 cm na região atrás

70
Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

da orelha, na região da mastoide. Antigamente, a tricotomia era feita em


metade da cabeça do lado a ser implantado e a incisão era em formato de “s”,
de aproximadamente 10 cm. Em seguida, por meio de brocas cirúrgicas, uma
pequena derpressão ou nicho no osso temporal na região da mastoide, para
alojar o receptor/estimulador, a antena e o ímã. Especialmente em crianças,
há a necessidade de maior profundidade dessa depressão, de acordo com a
espessura do osso, para não correr o risco de comunicação com as meninges.
Ainda em relação ao público pediátrico em relação ao crescimento da mastoide
e do crânio, os cabos do implante são confeccionados com um comprimento
suficientemente longo para acompanhar o crescimento da cabeça da criança
implantada até o seu tamanho definitivo.

Figura 44. Cirurgia de implante coclear com microspopia.

Fonte: http://www.santaisabel.com.br/noticias/304/primeira-cirurgia-de-implante-coclear-completa-dois-anos.

Figura 45. Ilustração do nicho para adaptação do corpo do componente interno na calvária.

Fonte: http://www.implantecoclear.org.br/?p=43.

71
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

Finalmente, o feixe de eletrodos é inserido na cóclea via cocleostomia (orifício


na cóclea) ou pela janela redonda na rampa timpânica. Atualmente, a opção
da janela redonda é a mais comum entre os cirurgiões otológicos.

Figura 46. Inserção do feixe de eletrodos na cóclea.

Fonte: https://advancedbionics.com/br/pt_br/home/professionals/ci-internal-components.html.

Figura 47. Inserção do feixe de eletrodos na cóclea.

Fonte: https://advancedbionics.com/br/pt_br/home/professionals/ci-internal-components.html.

Após a inserção dos eletrodos, o fonoaudiológo realiza os testes intraoperatórios


de telemetria de impedâncias e telemetria de respostas neurais e, em algumas
situações, a pesquisa do reflexo elétrico. A telemetria de impedâncias avalia
as condições físicas e biofísicas dos eletrodos e a relação deles com as
regiões cocleares durante a passagem da corrente elétrica. Já a telemetria de
respostas neurais avalia os potenciais evocados auditivos elétricos gerados
pela estimulação do VIII via eletrodos específicos. Também é indicada a

72
Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

realização de raio-x intraoperatório após a conclusão dos testes mencionados


anteriormente. Esses procedimentos oferecem ao cirurgião a possibilidade de
atestar o posicionamento adequado do feixe de eletrodos e a confirmação da
função a ele destinada.

Figura 48. Raio-X Arco C intraoperatório com visão de componente interno e eletrodos.

Fonte: https://ouvidobionico.wordpress.com/implantecoclear/implante-coclear-rx/.

A pesquisa do reflexo elétrico intraoperatória não é comum de ser realizada,


mas assim como a neurotelemetria, oferece ao cirurgião a informação de que
o VIII par craniano está recebendo a estimulação. Isso ocorre porque o reflexo
estapediano evidencia o ciclo do arco reflexo que envolve o processo aferente
de estimulação sensorial, a associação entre os pares cranianos VIII par e VI
par (nervo facial) e finalmente a contração do músculo estapédio (eferência).
Nesse caso, a equipe observa a contração visual do referido músculo com o
auxílio monitor acoplado ao microscópio cirúgico.

Figura 49. Procedimentos intraoperatórios de telemetria de impedâncias e de respostas neurais.

Fonte: arquivo pessoal fotos de procedimentos / Hospital Santo Antônio – Obras Sociais Irmã Dulce.

73
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

Figura 50. Procedimentos intraoperatórios de telemetria de impedâncias e de respostas neurais.

Fonte: arquivo pessoal fotos de procedimentos / Hospital Santo Antônio – Obras Sociais Irmã Dulce.

O fator crescimento coclear é desconsiderado para o feixe de eletrodos,


visto que a cóclea desde o nascimento apresenta praticamente o tamanho do
adulto. Após a inserção do feixe de eletrodos, o cirurgião tampona o orifício
na cóclea com material próprio e “pó” de osso anteriormente broqueado.
Finaliza a cirurgia com a sutura dos tecidos epiteliais e curativo específico.
O tempo médio de internação é de 48 horas com retorno após uma semana
para remoção do curativo e dos pontos.

Os riscos cirúrgicos, mesmo raros, são iguais aos de qualquer outra cirurgia
de ouvido:

» Possibilidade de paralisia facial, devido à proximidade do nervo


facial na área cirúgica. As possibilidades de lesão do nervo facial
são sensivelmente minimizadas devido ao monitoramento do facial.

» Necrose do tecido (pele e tecidos adjacentes) durante a cicatrização


(ou no leito cirúrgico).

» Extrusão de eletrodos.

» Desvio de posicionamento de eletrodos.

» Alterações vestibulares e zumbido, especialmente nas primeiras


semanas.

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Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

Etapa pós-operatória
Aproximadamente 30 dias após o procedimento cirúrgico, e caso não exista
nenhuma intercorrência no processo de cicatrização, inicia-se a etapa
pós-operatória, com a ativação dos eletrodos e orientação sobre dispositivo.
Como mencionado em capítulo anterior, o componente interno é passivo e
necessita do componente externo (processador de fala e demais acessórios)
para seu funcionamento. É comum o leigo imaginar que o paciente começa a
ouvir sons logo após a cirurgia, inclusive alguns pacientes relatam sensações
auditivas. Um mito explicado pela premissa do componente interno ser um
receptor/estimulador passivo que necessita de energia e informação sonora,
codificadas e enviadas por radiofrequência do componente externo. Quanto às
sensações sonoras que alguns pacientes relatam, podem ser explicadas como
disparos residuais distorcidos de estruturas cocleares remanescentes.

A ativação dos eletrodos consiste na ativação do dispositivo interno por


meio da conexão entre o processador de fala e a interface do computador que
apresenta o software de programação. Nessa fase, há a explicação detalhada
de todo o kit do dispositivo (cuidados e manuseio), orientações específicas
e o mapeamento dos eletrodos para organização de uma área dinâmica
elétrica. Área dinâmica é o intervalo entre os níveis mínimo e máximo de
estimulação elétrica. A estimulação elétrica oferece ao sistema auditivo a
partir da estimulação direta do VIII par craniano sensação auditiva. Todo esse
processo é conduzido pelo fonoaudiólogo, mais conhecido como audiologista,
devido ao seu aperfeiçoamento na especialidade.

Figura 51. Procedimento de ativação do IC.

Fonte: https://blog.medel.com/pt-br/videos-sobre-a-ativacao-de-implantes-cocleares/.

75
Unidade III | Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica

O mapeamento e o balanceamento dos eletrodos consistem na pesquisa dos


níveis de limiar de detecção sonora, o nível T (threshold level) e do nível máximo
de conforto nível C (comfort level). Para a pesquisa dos níveis T e C, o paciente
é orientado a relatar a presença ou o aparecimento da sensação sonora e o
nível de maior intensidade confortável dela. Existem várias estratégias para tal
fim e, de acordo com a compreensão do paciente, o processo é mais ou menos
lúdico com o apoio de informações visuais. Especial atenção deve ser dada à
criança, pois às vezes observamos apenas pistas comportamentais quando são
estimuladas. Sempre é tentado condicionamento das respostas auditivas nesse
público de maneira muito similar à audiometria lúdica. Entretanto, quanto
mais nova a criança, menos aderente é ao condicionamento operante. Nesses
casos, audiologista deve ficar atento às pistas visuais e comportamentais que
o bebê oferece, como: franzir da testa, interrupção de sucção de chupeta ou
mama, se aninhar no colo do responsável etc. quando é submetido à estimulação
elétrica. Para facilitar a obtenção dos valores de T e C, é utilizado escala visual
de aumento de intensidade contendo figuras que expressam os diferentes
níveis de intensidade: fraco, médio, forte confortável e muito forte.

Uma medida objetiva que auxilia na determinação de quais locais ao longo da


cóclea são mais permeáveis à estimulação, proporcionando a otimização da
estimulação elétrica, é a telemetria de respostas neurais. Essa média, inclusive,
é feita na etapa intraoperatória. Especialmente nas crianças pequenas, a
telemetria de respostas neurais ou neurotelemetria auxilia na determinação
dos níveis T e C quando eles não respondem à pesquisa psicoacústica. Vale
ressaltar que, embora o procedimento seja o mesmo nas fases intra e pós-operatória,
há necessidade de especial atenção durante a ativação. Lembre que durante
a cirurgia o paciente está anestesiado e, mesmo em altos níveis de corrente
elétrica, não sentirá nenhuma sensação desconfortável. Já na ativação, o
paciente, especialmente criança, pode sentir desconforto ou mesmo se assustar
com níveis baixos de corrente, pois podem não estar acostumados.

Após a ativação, inicia-se o acompanhamento pós-IC, que cursa com retornos


periódicos para mapeamentos de eletrodos e o processo de reabilitação auditiva
(terapia fonoaudiológica especializada). Os retornos para mapeamento
geralmente ocorrem trimestralmente no primeiro ano e semestralmente nos
anos seguintes, até o momento que o retorno se torne anual. Já a reabilitação
auditiva sistemática, especialmente no público pediátrico, deve ocorrer no
mínimo uma vez por semana, acompanhada de orientações aos responsáveis.

76
Rotinas nos programas de saúde auditiva e otológica | Unidade III

Nos retornos periódicos no setor, é comum o paciente passar por avaliações


psicológicas, sociais e otológicas de acordo com suas necessidades. A cada
retorno, o paciente é submetido a uma rotina de consultas, testes e exames
para os ajustes necessários que proporcionem melhor estimulação elétrica.
A avaliação de acompanhamento do sistema de implante coclear também nos
fornece informações quanto ao funcionamento do sistema de implante coclear
e quanto à evolução dos aspectos auditivos e de linguagem oral.

Figura 52. Reabilitação auditiva na rotina pós-ativação de IC.

Fonte: https://semed.manaus.am.gov.br/pioneiro-no-brasil-programa-promove-a-reabilitacao-de-criancas-surdas-na-rede-de-ensino-em-
manaus/.

77
AVANÇOS
TECNOLÓGICOS
E CONDUTAS UNIDADE IV
TERAPÊUTICAS

CAPÍTULO 1
Equipes interdisciplinares nos
programas de próteses auditivas
implantáveis

A avaliação, indicação e acompanhamento de prótese implantáveis exigem


uma equipe interdisciplinar experiente, coesa e capaz para realizar todos os
procedimentos das etapas pré, intra e pós-cirúrgica. Vários profissionais
participam de forma integrada para a avaliação de todos os aspectos envolvidos
no processo e posterior indicação do procedimento cirúrgico. Especialmente nos
programas do SUS, essa definição de equipe interdisciplinar é rigorosamente
seguida e necessária para o credenciamento e habilitação do serviço. Cada um
dentro da sua área e especialidade tem voz ativa, inclusive com a possibilidade
de contraindicação do procedimento, desde que haja fundamentação técnica.
Essas discussões são organizadas em reuniões semanais para definição e
organização das condutas cirúrgicas.

A constituição principal dessa equipe é: médico otorrinolaringologista ou


otologista, fonoaudiólogo, psicólogo e assistente social. Os demais profissionais
que comumente participam de avaliações complementares são: neurologistas,
anestesistas, pediatras, cardiologistas, enfermeiros, terapeutas ocupacionais
etc. Nas equipes interdisciplinares, atualmente, é cada vez mais comum o
atendimento por neuropediatras e geneticistas que encaminham relatórios
acerca de condições relevantes para a indicação do procedimento e sua
adequada evolução. Em relação à intervenção dos neuropediatras, não é rara
a contraindicação ou mesmo a interrupção momentânea do processo devido a
condições comportamentais e cognitivas graves. Já em relação à intervenção
do geneticista, é relevante na avaliação do casos genéticos e sindrônicos
em que o prognóstico e a evolução do caso pós-IC sofra interação direta da
condição clínica. Inclusive em algumas condições genéticas o prognóstico

78
Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas | Unidade IV

pós-IC pode ser melhor que em outras, e esse conhecimento é crucial para o
monitoramento da evolução do paciente.

Cabe ao otorrinolaringologista avaliar o paciente quanto aos aspectos físicos


relativos à audição e acompanhar a evolução das avaliações audiológicas.
A essa especialidade, cabe considerar os resultados dos exames de imagem,
avaliação da permeabilidade coclear para inserção dos eletrodos e a presença
de más-formações e/ou patologias de ouvido que impeçam a cirurgia. A
atuação desse profissional dentro da equipe é mais intensa nas fases pré e
intraoperatórias, mas é comum atendimentos na rotina pós-operatória em
atenção a demandas específicas dos pacientes. Alguns cirurgiões otológicos
solicitam retornos trimestralmente após a ativação para observar a evolução
do caso. Ainda na rotina pós-operatória, o otorrinolaringologista atende
o paciente uma semana após o procedimento cirúrgico para remoção do
curativo e dos pontos externos. Nesta consulta, as condições de cicatrização
são avaliadas e o paciente é liberado ou não para o agendamento da ativação
que ocorre aproximadamente após 30 dias.

Sem sombra de dúvidas, o fonoaudiólogo ou audiologista é o profissional


da equipe interdiciplinar que atua intensamente nas três etapas descritas
anteriormente. Realiza os testes da avaliação audiológica básica e complementar;
atua diretamente na indicação e adaptação do AASI; participa dos procedimentos
intraoperatórios durante a cirurgia e finalmente conduz o processo pós-
operatório: ativação das próteses implantáveis e reabilitação auditiva. Durante
a avaliação pré-operatória, o profissional efetua os seguintes procedimentos:
bateria de testes de diagnóstico audilógico básico (audiometria e imitanciometria)
e complementar (PEATE e EOA), além de teste de percepção de fala e ganho
funcional (audiometria em campo livre) em usuários de AASI. Na etapa
intraoperatória, são realizados os testes de telemetria de impedâncias dos
eletrodos, telemetria de respostas neurais e reflexo estapediano elétrico.
Quanto aos procedimentos intraoperatórios, será feito um detalhamento de
cada um para esclarecer aos alunos tópicos que são raramente discutidos na
graduação:

» Telemetria de impedâncias: para a realização do procedimento, há a


necessidade de um notebook que possui o software de programação
específico de cada empresa detentora de tecnologia de IC; interface
de programação conectada ao notebook e cabo de antena externa para

79
Unidade IV | Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas

conectar na cabeça do paciente na posição da antena interna sob a


pele. Durante a mensuração da telemetria de impedâncias, é emitida
corrente elétrica por meio da comunicação por radiofrequência entre
a antena externa conectada no interface de programação e na antena
interna do IC. A referida corrente elétrica caminha pelo feixe de
eletrodos inserido na cóclea e faz interação com ela. Resumidamente,
a telemetria de impedâncias analisa a integridade física e funcional
de cada eletrodo. Os resultados observados podem ser a condição
adequada ou ainda eletrodo aberto ou em curto. As duas condições
de eletrodo aberto ou em curto devem ser evitadas.

» Telemetria de respostas neurais ou neurotelemetria: durante a


pesquisa desse procedimento, é utilizado o mesmo sistema descrito
anteriormente para a telemetria de impedâncias. A diferença básica
é que na neurotelemetria observamos as respostas das fibras do
VIII par craniano, que geram um ECAP (potencial evocado eletríco
composto). Essa informação é importante para assegurar que o nervo
está respondendo à estimulação do feixe de eletrodos cocleares e que
o estímulo está percorrendo o sistema auditivo de nervo a núcleos
coclear no tronco encefálico. Outro fato importante é que a resposta
do pontencial na neurotelemetria pode oferecer subsídios importante
para a mensuração dos níveis mínimo e máxima intensidade de
corrente elétrica, especialmente em pacientes pediátricos.

» Reflexo estapediano elétrico: utilizando o mesmo sistema descrito,


estimula-se a geração do arco reflexo estapediano e observa-se a
contração visual do músculo estapédio com a cavidade timpânica
exposta. A antena externa conectada a interface encaminha por
radiofrequência estímulo elétrico para a antena interna do IC. A partir
daí, o feixe de eletrodos cocleares recebe a estimulação e transmite
para o VIII par craniano. O processo do reflexo estapediano elétrico
a partir do nervo é o mesmo observado no reflexo acústico; por essa
razão, não será descrito.

Na etapa pós-cirúrgica, além da ativação, orientação e monitoramento da


evolução auditiva e de linguagem oral, o fonoaudiólogo realiza o procedimento
de terapia especializada para reabilitação auditiva. Nessa fase, é imprescindível
a adaptação do paciente ao uso sistemático e contínuo do dispostivo,

80
Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas | Unidade IV

principalmente em crianças. É comum no público pediátrico a resistência


ao uso e, muitas vezes, há desmotivação familiar pelas respostas pobres nos
primeiros meses. Por essa razão, o fonoaudiólogo tem que ter maturidade e
experiência técnica para contornar e explicar as situações limites. É muito
comum o leigo e até mesmo otorrinolaringologistas e fonoaudiógolos que
não atuam na área desconhecerem esse processo e acharem que as respostas
de compreensão e reconhecimento de fala são imediatas. Reforço que há uma
grande diferença em detectar sons e compreendê-los. O restabelecimento do
“input auditivo” apenas dá início ao processo. Lembre que “ouvimos com o
cérebro” e a audição, no sentido de reconhecer e compreender as informações
sonoras, é um processo congitivo elaborado. Quando, por exemplo, ativamos
o IC em uma criança de dois anos de idade surda profunda, jamais podemos
esquecer que a idade cronológica não é a mesma da idade auditiva. Ela pode
ter dois anos, mas terá apenas meses de idade auditiva e se comportará como
um recém-nascido descobrindo o colorido dos sons. E o agravante é que nesta
criança, pela faixa etária, a plasticidade auditiva frente aos estímlos é menor que
a do recém-nascido. Outro ponto relevante é o acompanhamento sistemático
de terapia fonoaudiológica especializada para aquisição e desenvolvimento
das habilidades auditivas. O ideal é que seja realizada no mínimo uma vez
por semana e estendida a tarefas diárias para serem aplicadas pelos pais ou
cuidadores.

O pscicólogo atua diretamente nas rotinas das etapas pré e pós-operatórias.


Realiza as avaliações das condições emocionais (expecativas, frustrações,
medos, traumas e compulsões) do paciente e seus familiares. Especialmente na
indicação pediátrica, é muito comum o processo de luto e negação dos pais após
a confirmação da perda auditiva. A não adequação dessa situação pode trazer
prejuízos à evolução do tratamento, visto que pais não permeáveis geralmente
não se motivam para a condução do processo de reabilitação auditiva. Por essa
razão, o apoio de profissional experiente é imprescindível para indicação das
condições do paciente e seus familiares em cada fase do tratamento. Na etapa
pós-cirúrgica, o psicólogo atua diretamente ao fonoaudiólogo nos retornos
periódicos do mapeamento no acompanhamento das expectativas do paciente
e/ou seus responsáveis frente à evolução nos processos comunicativos.

E, por último, mas não menos importante, mencionamos o assistente social.


A reabilitação auditiva, especialmente o tratamento com as próteses auditivas
implantáveis, requer a organização de uma estrutura mínima de empoderamento

81
Unidade IV | Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas

familiar frente a seus direitos. Essa rede de atenção à saúde auditiva relaciona-se
a: realização de terapia fonoaudiológica na cidade de origem ou macrorregião
mais próxima; retornos periódicos a unidade implantadora por meio de
tratamento fora de domicílio (TFD); orientação para solicitação de auxílios
assistenciais, entre outras. Inclusive, na etapa pré-cirúrgica, sua atuação é
primordial para a realização dos exames de imagem via sistema de regulação,
entre outros procedimentos clínicos solicitados. Em suma, o papel do assistente
social é avaliar a infraestrutura da rede de atenção à saúde auditiva e auxiliar
a família na busca dos recursos disponíveis e nas lutas por seus direitos.

82
CAPÍTULO 2
Implante coclear unilateral versus
bilateral

A reabilitação auditiva por meio estimulação elétrica diretamente às fibras do


nervo auditivo é uma realidade viável e eficaz em função dos avanços tecnológicos
ocorridos nas últimas décadas. Somando-se aos aspectos tecnológicos, ocorreu
a partir da incorporação da opção de tratamento via IC no SUS no Brasil
maior popularizarção do procedimento e possibilidade e reabilitação auditiva
cada vez mais precoce, especialmente à população pediátrica. Sem sombra
de dúvidas, quando adequadamente indicado e acompanhado por equipe
interdisciplinar especializada, o dispositivo pode ser um poderoso aliado no
processo de comunicação oral.

Partindo dessa premissa, atualmente os audiologistas se deparam com outro


impasse, visto que é inegável a importância da incorporação da tecnologia de
IC à reabilitação auditiva. Impasse esse diretamente relacionado à indicação
de IC bilateral às crianças, adolescentes e adultos. Antes dessa discussão,
vamos observar alguns aspectos biofísicos e de processamento auditivo central
relacionados à audição. Talvez para você, ouvinte normal, a importância da
audição bilateral nunca tenha sido pensada. Imagine um indivíduo com uma
anacusia unilateral à direita e audição normal à esquerda. Certamente ele
se sairá muito bem em situações de escuta competitiva quando a fala for
emitida do lado ouvinte e o ruído no lado da perda, mas não quando a
situação é oposta. Além das dificuldades de compreensão dos sons de fala,
o indivíduo passará por intenso processo de fadiga mental na tentativa
de reconhecer os sons na presença do ruído competitivo. Outro ponto é
impossibilidade de localização adequada da fonte sonora sem o apoio da
audição bilateral. Observando os pontos relatados, fica clara a importância da
audição bilateral especialmente para o reconhecimento de fala em ambientes
ruidosos e localização da fonte sonora.

Apesar das constatações acerca da bilateralidade, não se descarta a importância


da indicação unilateral de IC, pois durante muitos anos foi a única opção
viável e eficaz de tratamento especialmente aos usuários do SUS. Inclusive no
capítulo destinado à discussão das políticas públicas de saúde auditiva, será
apresentada a cronologia dessa evolução. A Portaria GM/MS n. 1278, de 20
de outubro de 1999, incorporou ao escopo de procedimentos do SUS para o

83
Unidade IV | Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas

tratamento da deficiência auditiva a cirurgia de implante coclear multicanal


unilateral. Somente em 18 de dezembro de 2014 foi regulamentada a opção de
cirurgia de IC bilateral pela portaria GM/MS. Claro que as discussões sobre
a indicação da cirurgia de IC bilateral no sistema particular no Brasil e pela
comunidade científica mundial precedem a incorporação do procedimento
no SUS.

Como podem ver, dentro dos programas de saúde otológica do SUS por
um longo tempo a indicação de IC, mesmo em crianças pré-linguais, era só
unilateral. Apesar das limitações de escuta em ambientes competitivos e de
localização adequada da fonte sonora, isso trouxe inúmeros benefícios para
os processos de comunicação oral. Ainda em relação à estimulação de IC
unilateral, vale ressaltar que o processamento auditivo central se adapta a uma
única entrada sensorial e se reorganiza a fim de priorizar e facilitar a audição
no sentido pleno da palavra (processo cognitivo) em função da plasticidade.
Esse fato é especialmente observado nos casos de perdas auditivas pré-linguais
ou, ainda, em algumas situações nas perdas pós-linguais com maior tempo
de privação sensorial. Logo, em usuários de IC unilateral, há a necessidade
de avaliar além das possibilidades, melhorar a escuta em ambientes ruidosos
e da localização da fonte sonora e os aspectos inerentes ao processamento
auditivo central.

Diante desses apontamentos e do novo cenário do IC bilateral, duas questões


devem ser discutidas pelas equipes interdisciplinares antes da indicação:

» O implante coclear bilateral pode trazer benefícios adicionais aos já


conquistados pela indicação unilateral.

» A indicação do implante coclear deve ser simultânea (mesmo tempo


cirúrgico) ou sequencial. No implante bilateral sequencial, o tempo
entre a primeira e a segunda cirurgia exerce influência no resultado
final.

A observação atenta da evolução dos pacientes traz a constatação que os


submetidos a IC bilateral simultâneo podem apresentar maior consistência
e velocidade na aquisição e desenvolvimento da linguagem oral. Claro que
respeitando os aspectos de engajamento familiar, precocidade na indicação
e condução do processo por equipe interdisciplinar especializada. Outro
ponto que vale a pena ressaltar é que os critérios de indicação e melhora na

84
Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas | Unidade IV

evolução dos pacientes com perdas auditivas pré-linguais são os mesmos dos
adotados para o IC unilateral. Sempre há prioridade da indicação precoce
aproveitando o tempo de maior plasticidade cerebral para aquisição das
habilidades auditivas e comunicativas. Mas mesmo no público pediátrico
com diagnóstico precoce, a indicação de IC bilateral simultânea é discutida
à luz das condições de permeabilidade e empenho familiar, aspectos sociais
etc. Em algumas situações, inclusive, as equipes optam por indicar a cirurgia
unilateral com a possibilidade de cirurgia bilateral sequencial em um espaço
temporal ≤ a um ano entre a primeira e a segunda cirurgias. Especialmente
em crianças com perda auditiva pré-lingual, as implicações da indicação do
implante coclear bilateral precoce são de grande valia para desenvolvimento da
linguagem na fala. A principal questão é se a introdução do implante coclear
bilateral no primeiro ano de vida diminuirá o atraso na aquisição da linguagem
oral, oferecendo melhores possibilidades educacionais e de inserção social.

Cada caso é um caso e, infelizmente, não há “receita de bolo”, mas sim discussões
respaudadas em aspectos científicos na decisão das equipes interdisciplinares. Há
necessidade de atenção especial aos pacientes que, nas avaliações audiológicas,
apresentem resíduos auditivos que podem ainda ser aproveitados pela
estimulação acústica tradicional com AASI. Ressalto que não é porque o advento
da IC bilateral trouxe benefícios aos processos comunicativos que devemos
indicar indicriminadamente o procedimento. Apesar de o procedimento ser
efetivo para melhor percepção dos sons da fala, ele não oferecerá todos os
recursos disponíveis nas tecnologias de AASI atual para os casos de perdas
auditivas com resíduos nas frequências graves.

Em relação à cirurgia de IC bilateral sequencial, precisamos ficar atentos ao


tempo de privação sensorial e, especialmente, ao tempo decorrido entre a
primeira e a segunda cirurgias. Esse cuidado deve-se aos aspectos de plasticidade
auditiva e consolidação do processamento auditivo central. Apesar da abertura
de um novo input sensorial, ou entrada auditiva, a cirurgia bilateral pode não
oferecer de fato a audição bilateral, mas tão somente duas entradas auditivas
distintas. Inclusive, muitas vezes, essas entradas podem ser consideradas
competitivas pelo processamento auditivo central e, em vez de desencadear
maior reconhecimento de fala em ambientes de escuta competitiva, pode piorar
a compreensão. Essa situação é mais propensa a ocorrer quanto maior o tempo
entre a primeira e a segunda cirurgias e quanto mais velho é o indivíduo.

85
Unidade IV | Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas

Sabemos que em crianças menores, especialmente de zero a três anos de


idade, plasticidade auditiva é intensa e continua em menor escala ao longo de
sua vida. Temos observado maiores benefícios mesmo nos casos de cirurgia
bilateral sequencial de maior tempo em crianças com idade inferior a 10 anos
de idade. Isso é justificado pela presença ainda de plasticidade auditiva com
possibilidade de reorganização do processamento auditivo central. A conclusão
é que crianças mais jovens no momento da segunda cirurgia de implante coclear
alcançam mais benefícios, e que intervalos curtos de tempo entre as cirurgias
sequenciais estão diretamente associados aos melhores resultados. Outros fatos
relevantes na obtenção de resultados adequados em tempos maiores entre a
primeira e a segunda cirurgias no público pediátrico são:

» Empenho do paciente e de seus responsáveis no uso contínuo e


sistemático da estimulação mesmo nos casos em que inicialmente
ela pareça competitiva em relação ao processamento do sinal do IC
antigo.

» Reabilitação auditiva eficaz e sistemática que, apesar das dificuldades


de reconhecimento dos sons da fala pelo novo IC, priorize durante
as sessões o desenvolvimento de novas conexões cerebrais.

» Retornos periódicos para mapeamentos com o intuito de balancear


e equalizar a estimulação dos dois lados implantados, a fim de que
as sensações de intensidade sejam as mesmas.

Sem dúvida, não é processo fácil para o paciente e para seus familiares, e em
algumas situações a criança pode até desistir de usar o novo processador.
Recentemente, acompanhei um caso em que a criança de 7 anos de idade
submetida à primeira cirurgia de IC pelo SUS estava bem adaptada e com bom
desenvolvimento no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem
oral. Ela era usuária de IC havia 4 anos e foi submetida à cirurgia bilateral
sequencial pelo plano de saúde. Mesmo após várias tentativas, inclusive com
a abordagem da equipe interdisciplinar do SUS, a criança passou a se recusar
a usar o novo processador de fala. Ela relatava que o som era diferente e
atrapalhava a compreensão do IC antigo que a criança mencionava ser o lado
bom. Claro que é um fato isolado, mas serve de experiência para indicação e
necessidade de acompanhamento prévio de todos os aspectos envolvidos por
equipe interdisciplinar experiente.

86
Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas | Unidade IV

Quanto aos adolescentes e adultos, cada caso deve ser avaliado cuidadosamente,
mesmo nos casos de perdas auditivas pós-linguais. Nesses públicos, a modalidade
geralmente preferida, quando indicada, é a de cirurgia bilateral sequencial
para avaliar a evolução da estimulação na qualidade de vida. Entretanto, não
há contraindicação de cirurgia bilateral simultânea em adultos pós-linguais,
especialmente os de perda súbita com pouco tempo de privação sensorial. O
que deve ser levado em consideração é a avaliação audiológica e radiológica
prévia associada à ausência de benefício com a estimulação acústica via AASI.
Outros fatores cruciais que são levados em consideração são os aspectos sociais
e psicológicos do paciente, além do nível de expectativas sobre o procedimento.

87
CAPÍTULO 3
Estabelecimento da melhor conduta
terapêutica x avanços tecnológicos

Diante de tantas possibilidades tecnológicas, nos deparamos atualmente


com a possibilidade de escolha da melhor tecnologia não só frente ao seu
custo, mas principalmente aos benefícios comunicativos. Felizmente no SUS
também há possibilidade do estabelecimento da melhor conduta terapêutica
frente à variedade de tecnologias, dentro dos critérios de seleção e indicação
definidos pela Portaria GM/MS n. 2776. Certamente o rol de indicações e
possibilidades de indicação dos avanços tecnológicos nos setores particular
e convênio é bem maior. Nesse aspecto, a normatização é apresentada pelo
Rol de Procedimentos e Eventos em saúde da ANS.

Neste capítulo, abordaremos especialmente essas indicações relativas


normatizadas pela ANS, que trouxeram uma gama de possibilidades aos
pacientes na reabilitação auditiva. Embora ainda não sejam contempladas
pelo SUS, algumas dessas indicações estão em análise e certamente serão
incorporadas na portaria atual ao longo do tempo.

Começarei pela estimulação bimodal, a mais simples delas já amplamente


sedimentada nas rotinas dos programas de reabilitação auditiva e que faz
parte do escopo de procedimentos do SUS. A estimulação bimodal consiste
no uso de duas tecnologias distintas atuando simultaneamente no processo
de reabilitação auditiva de acordo com as necessidades e peculiaridades do
paciente. A modalidade mais comum de estimulação bimodal é o uso combinado
de IC e AASI. Por sinal, a bimodalidade foi amplamente defendida e utilizada
no SUS no período em que a portaria normatizadora preconizava apenas a
indicação de cirurgia de IC unilateral nos casos de perdas auditivas severas a
profundas bilateralmente.

Os estudos realizados até o presente momento avaliaram o benefício do uso


combinado do IC com o AASI em pacientes com perda severa a profunda e/ou
profunda, ou seja, com poucos resíduos auditivos, o que talvez justifique
os benefícios limitados (BANHARA et al., 2004). A intenção, mesmo que
os resultados do AASI em relação à percepção de fala fossem limitados, era
manutenção da estimulação dos resíduos auditivos e da plasticidade auditiva
associados ao processo biofísico de somação binaural. Inclusive, há relatos de
pacientes usuários de estimulação bimodal que mencionam sentir que, apesar

88
Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas | Unidade IV

do compreensão refinada do sons da fala ser dada pelo IC, o AASI tornou
os sons mais presentes e intensos. Embora a indicação bimodal de AASI e
IC tenha seus benefícios, sua indicação foi por algum tempo negligenciada
em função da ampliação das possibilidades do IC associadas à tecnologia de
AASI disponível. Com o avanço da indicação do IC para crianças com perda
auditiva severa e severa a profunda, verificamos um maior resíduo auditivo
no ouvido não implantado.

Os benefícios do uso combinado do IC com o AASI em crianças com perda


auditiva severa a profunda e profunda precisa ser melhor investigado. Com
os resultados de estudos que comprovem o benefício do uso do AASI nessas
crianças, teremos mais possibilidades e mais argumentos para orientar os pais
e profissionais que atendem essas crianças em reabilitação sobre a importância
do uso do AASI na orelha não implantada (NOBRE et al., 2009). Atualmente, os
avanços tecnológicos no processamento do sinal acústico e o aproveitamento
dos resíduos auditivos trouxeram novo prisma para a indicação bimodal.
Inclusive, a maioria das empresas detentoras das tecnologias de IC são as
mesmas das de AASI e têm trabalhado no que chamam de “fusão de DNA”
para ofertar aos pacientes novas perspectivas de estimulação. Já temos a
possibilidade programação do processador de fala na modalidade bimodal e o
software oferece algoritmos para a estimulação contralateral do AASI. Dessa
forma, há maior sincronização das duas modalidades de estimulação com
consequente maior aproveitamento do colorido do mundo sonoro.

Figura 53. Estimulação bimodal tecnologia mylink da Advanced Bionics.

https://advancedbionics.com/br/pt_br/home/about-cochlear-implants/advantages-of-ab-cochlear-implants.html.

Outra possibilidade também incorporada pelo SUS, que segue a linha da


bimodalidade (dois tipos de estímulos diferentes) – só que neste caso ofertados

89
Unidade IV | Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas

pelo mesmo dispositivo – é o uso da tecnologia hibrada de IC. Esse tipo de


tecnologia entra na vanguarda de inovações tecnológicas. É constituído por
um processador de fala capaz de transformar as informações sonoras captadas
por microfones nas duas modalidades de estimulação: acústica e elétrica. Logo,
o sinal sonoro é processado em estímulos acústicos direcionados por moldes
auriculares ao meato acústico externo e também codificado em radiofrequência
para estimular os eletrodos na cóclea.

Figura 54. Processador de fala híbrido ou EAS (estimulação eletroacústica).

Fonte: https://www.gaes.es/viviendoelsonido/foros/post/2193/audifono-e-implante-a-la-vez.

As indicações para esse tipo de tecnologia são mais restritas e o procedimento


cirúrgico para sua eficácia é mais refinado. Os pacientes que podem se beneficiar
com a tecnologia hibrida de IC são os antigos usuários de AASI, bem adaptados
com bons resíduos auditivos nas frequências graves que não apresentam mais
ganhos com o uso isolado do AASI. A cirurgia tem que ser minimamente
invasiva para preservar as células ciliadas do ápice da cóclea e a inserção do
feixe de eletrodos é menos profunda para não causar traumas nessa região.

Geralmente são utilizados feixes de eletrodos mais curtos e flexíveis, chamados


atraumáticos. As porções basais e mesiais da cóclea continuam a estimulação
elétrica dos eletrodos diretamente nas fibras do VIII par craniano e o ápice da
cóclea recebe o estímulo acústico. Essa técnica tem as vantagens de melhorar
a compreensão de fala via estimulação elétrica dos sons médios e agudos e
dar mais tonicidade e refinamento auditivo por meio da estimulação acústica
nos sons graves. A desvantagem é que, nos casos de perdas progressivas
com evolução da perda do resíduo auditivo do ápice da cóclea, pode não ser
compensada pela estimulação elétrica do feixe de eletrodos mais curto.

90
Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas | Unidade IV

Figura 55. Configuração audiométrica adequada para estimulação híbrida com maiores resíduos auditivos nas frequências
graves.

https://adap.org.br/site/conteudo/168-33-o-que-e-o-implante-coclear-hibrido.html.

Por último, serão abordadas as indicações relativas de prótese auditiva ancorada


no osso, implante coclear e AASI sistema cross nos casos de single side deafness
ou perda auditiva sensorioneural profunda unilateral. Inclusive, será feito
um paralelo entre as tecnologias mencionadas. Com exceção do AASI sistema
cross, todas as outras são indicações apenas do rol da ANS e ainda não são
contempladas na portaria atual de implante coclear.

O sistema de AASI sistema cross é a tecnologia mais acessível de baixo custo


disponível para a reabilitação desses casos e geralmente é indicada como
primeira opção, caso não exista nenhuma contraindicação médica. Consiste
na adaptação de um dispositivo que faz o processamento do sinal e outro
AASI que apenas capta as informações sonoras por microfones específicos.
Há entre eles comunicação por bluetooth e o sinal sonoro inicialmente captado
pelo equipamento no lado da perda unilateral encaminha o som para ser
processado no outro AASI no lado bom. Essa tecnologia possibilita maior
localização sonora e reconhecimento de fala em ambientes ruidosos. Como
é possível a realização de testes anteriores à adaptação, o paciente pode
observar em diversas situações cotidianas benefícios auditivos e de qualidade
de vida. Ressalta-se que essa estratégia não trata o problema auditivo, apenas
aproveita-se de um artifício biofísico.

91
Unidade IV | Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas

Figura 56. Modelo de estimulação AASI sistema cross.

Fonte: https://www.cubex.co.uk/news/hear-from-both-sides-with-single-sided-hearing-loss.

Outra indicação é a cirurgia de PAAO após realização do teste pré-operatório


com softband para verificar a evolução nos aspectos de reconhecimento de
fala, localização da fonte sonora e melhora na qualidade de vida. Embora seja
um procedimento cirúrgico e de maior valor agregado, tem sido largamente
indicado, com bons resultados nos serviços particulares e por convênio. Assim
como o sistema de AASI cross, não trata a perda auditiva, apenas aproveita-se
da audição da cóclea contralateral com uma perda unilateral, inclusive essa
situação já foi descrita. Nos casos em que o paciente queixa-se de zumbido e
tonturas associados à perda auditiva, pode frustrar as expectativas do paciente.

Por último, há a indicação de cirurgia de IC para os casos de perdas auditivas


unilaterais com zumbido e tonturas associados que não se beneficiaram com
a indicação tradicional de AASI sistema cross. Também não é uma indicação
contemplada na portaria do SUS que normatiza a utilização de próteses
auditivas implantáveis. Tem sido indicada no sistema particular e convênio
mais reservadamente, mas os resultados parecem ser promissores. Como já
foi mencionado em capítulos anteriores, a estimulação elétrica nas células
ganglionares do VIII par craniano é o único tratamento que realmente age
no foco da doença auditiva. Já acompanhei casos em que o paciente, após a
cirurgia, teve melhora em sua qualidade de vida em função da diminuição do
zumbido, além da localização da fonte sonora e maior possibilidade de percepção
dos sons da fala em ambientes ruidosos. Mas cada caso é um caso, e como
audiologista, prefiro testar todas as possibilidades não invasivas antes de sugerir

92
Avanços tecnológicos e condutas terapêuticas | Unidade IV

o tratamento ao paciente. Outra limitação da indicação de IC nesses casos é a


impossibilidade de testes pré-operatórios, como ocorre na PAAO. Atualmente,
os otologistas que, após discussão de todas a possibilidades, optam junto com
o paciente por essa indicação nos casos de zumbido e tonturas incapacitantes
associados, seguem o seguinte protocolo: durante o procedimento cirúrgico,
fazem anteriormente a descompressão do saco endolinfático associado à
injeção de gentamicina, para posteriormente inserir o feixe de eletrodos na
cóclea. Dessa forma, conseguem de maneira mais efetiva controlar os efeitos
de zumbido e tontura, além de oferecer a estimulação elétrica direta ao VIII
par craniano.

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