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A CLÍNICA NÃO FAZ NADA!

A clínica não faz nada! ela não fará nada enquanto ela não começar a produzir o
desejo...'
É o momento de encontrar o que entristece a vida, ao invés de alimentar o ódio.
É preciso encontrar o que deixa a vida impotente, ao invés de querer poder!
E por efeito conquistar um desejo que comece no acontecimento e não no dever-
ser.

A clínica não vai dar consciência ao desejo. A clínica não faz nada! ela não fará
nada enquanto ela não começar a produzir o desejo — e por efeito, a consciência.
E esse o modo de operar dessa clínica do desejo. É necessário então vasculhar
dentro de nós mesmos, fazer de nós mesmos um laboratório. E para ser um criador
também tem que se ser um desconstrutor de si!

A desconstrução é necessária para isso: para liberar as forças do pensamento que


estão presas no plano de significação! para liberar as forças do desejo que estão
presas num plano de subjetivação! e para liberar as forças do corpo que estão
presas num plano de organização!

E é essa a potência de criar desta clínica revolucionária.


Criar-se a si mesmo. É o meu convite para este encontro

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Estamos vivendo uma epidemia generalizada de acovardamento. Quanto mais


buscamos empoderamento, mais nos tornamos sujeitos assujeitados e
acovardados.
Principalmente porque nos rendemos não apenas às coações que sofremos, mas
nos assujeitamos pelo nosso modo mesmo de desejar e imaginar as soluções para
nossos impasses. Assim mordemos a isca e nos resignamos às capturas do desejo
endividado. Ao sermos capturados, reproduzimos em nossas reações e tentativas
de fuga os modos de capturar o desejo.
Qual nosso maior inimigo? Não apenas a impotência e o impotente, mas
principalmente o impotente em nós.

Mas se você não se conforma e não está resignado com o momento atual de nossa
sociedade rendida e não compactua com o dualismo raso entre vítimas e algozes, e
sente que o problema não é apenas macropolítico ou econômico, mas micropolítico
e, por isso mesmo, um problema clínico das relações do desejo...para você que
questiona e busca armas de pensamento prático para esse combate, faço aqui um
convite.

Que pensemos a questão da micropolítica do desejo do ponto de vista da clínica,


mas...não de qualquer clínica, ou das clínicas dominantes que são parte do
problema ao empoderar o sujeito de um lado, e esconder, por outro lado, seu modo
sutil de assujeitar o desejo! Esta clínica do sujeito que é inimiga do desejo.

Te convido a pensarmos uma clínica Esquizoanalítica, uma clínica liberadora, que


investe na autonomia real do desejo, como prática libertária do desejo sem falta.

É um chamado para todo aquele que deseja ou se interessa em conhecer esse


pensamento, mesmo para quem não é um profissional da saúde mental, mas sente
a necessidade de um olhar desanuviado dos preconceitos implicados nos valores
dominantes e estabelecidos.

Quando se quer criticar um pensamento como sendo apenas teórico, ou muito


teórico, e não prático ou praticável, podemos conquistar outra visão do que é
pensar. O pensamento é antes de tudo um acontecimento e, como tal, acontece
antes à força de existir que atravessa ao mesmo tempo e imediatamente nossa
mente e, principalmente, nosso corpo de potência. O ato de pensar é uma práxis:
...A gente deveria usar “teoria” no sentido etimológico da palavra grega. O que é
“teoria” em grego? É “contemplação”.
Mas o que é a contemplação para Platão? É contemplação de ideia.
E o que é contemplação para nós? É contemplação do acontecimento.
A contemplação para nós é um ato de espreita, praticado por nossa potência de
pensar.
Então, quando alguém provoca e diz: ahh. Isto que você diz é algo teórico, em
teoria... - podemos afirmá-lo sim! desde que esse algo do pensamento, a idéia, não
se confunda com uma representação separada da realidade, como uma substituição
do real pelo ideal.
Um ato teórico digno da potência de pensar é antes de mais uma criação de
sentido, como o traçado de uma linha de tempo ou de devir que funda uma visão.
Pensar é instaurar um ponto de vista, produzir um sentido puro de duração ou de
devir de uma força.
Pensar é exprimir a realidade virtual das potências que se fabricam no tempo.
Consiste em dar espessura ou preencher de intensidade, tornar concretos,
destacáveis, dar à luz da existência aos seres de tempo, o que se faz de, no e pelo
tempo.
Assim pensar é engendrar, expandir e transmutar uma presença como força de criar
diferença, o novo, o inédito. Qual outro sentido poderia haver para o puro ato do
existir?
O ato de conceber por dentro aquilo que dura, por dentro do tempo necessário para
engendrar uma força, uma realidade, ao mesmo tempo fonte e filha de um
acontecimento de potência.

Através da espessura da duração, um devir do pensamento espreita algo do


acontecimento que faz o extra da vida saltar. É isso.

Eu reforço aqui esse aspecto...Então teorizar não seria contemplar um ideal e sim
durar através do tempo próprio em que o real emerge como acontecimento vital de
uma potência ou de uma força de existir.
Se manter suficientemente à espreita, suficientemente em duração enquanto nos
debruçamos sobre algo que nos afeta, a ponto daquilo virar um acontecimento de
desejo.
Ou seja, você contempla, contempla, contempla até ultrapassar a imaginação. E o
que é
contemplado torna-se a própria fonte da força de espreitar, virando assim uma força
propulsora do desejo.
Você pode contemplar, praticando a arte da espreita; como um sapo contempla
imóvel um mosquito, até lançar sua língua, num movimento implacável, e capturar o
mosquito. Ou uma vaca contemplando o capim.
Assim também nós podemos contemplar o acontecimento. Contemplar a teoria
como uma contemplação de acontecimento. A realidade da ideia é a de um ser de
devir de uma força.
Então, fique lá na ideia, vá, permaneça, repita, repita, ouça, ouça, acesse, acesse,
sempre a mesma coisa, até fazer da ideia um devir da força. E aí você encontra no
contemplado mesmo o ser de sua afirmação, que também é um ser desejante de si,
do seu potencial diferencial na existência.

Exercer desse modo o pensamento deixa de ser uma mera teoria separada da
prática.
Assim você consegue se aplicar na clínica sem projetar sobre o outro, o analisando,
modelos de cura ou estruturas compensatórias, mesmo e sobretudo quando a coisa
é inédita ou nunca tenha acontecido. Sobretudo porque sempre há necessariamente
algo de inédito em tudo o que acontece ao desejo, à mente e ao corpo, às nossas
relações; mesmo como retorno ou repetição de uma experiência vivida. Novo que é
tarefa de todo clínico íntegro encontrar.
“Ah, aquele caso, nunca me chegou um caso assim”, mas você consegue pensar.
Sobretudo, clinicar é saber colocar o problema do desejo. Saber recolocar o
problema que chega de um desejo capturado e atolado, reconectar esse desejo com
a sua potência de acontecer. Sobretudo, é isso.

Bergson já dizia: “o problema não é questão de teoria, o problema é questão de


vida.” A sociedade... Deleuze ao falar de Bergson vai citar até o Marx, depois, cita o
Bergson de novo e diz: ah, um problema matemático, para o matemático, seria
colocado de modo abstrato, seria um problema teórico a se resolver por um teórico?
Mas o principal é o modo de colocar o problema, sua solução é derivada disso. E o
modo de colocar implica um campo de forças real, não ideal.
O Marx vai dizer: a sociedade só se coloca os problemas que ela consegue
resolver. Ela só consegue ver o problema que ela consegue resolver”. Então, é um
problema social, é econômico, é cultural, é político.
E Bergson vai dizer sobretudo: “o problema é vital”. A própria vida se coloca o ser
da existência como problema que ela deve e pode resolver.

Qual é o problema de uma borboleta surda que é capturada por um morcego que
emite um certo tipo de som? Que essa borboleta crie um ouvido pra ela! É o
problema dela! Qual é a evolução dela? Qual é o devir evolutivo dessa vida?

Então, a própria existência é uma posição de problema. Então, nós temos que... o
clínico esquizoanalítico tem que ser capaz de encontrar o desejo a partir de uma
potência que se coloca ou que é capturada, ou que é colocada na existência, num
meio de relações: familiar, escolar, profissional, conjugal, seja lá de que meio for.
Colocar o desejo como posição de problema, quer dizer, ver que o desejo é
colocado, capturado, posicionado, ou quer escapar.

Qual é a posição do desejo? Como ajudar esse desejo a retomar a potência de


acontecer? Igualar potência e desejo, eis o problema essencial! E não um desejo
que quer uma potência que não tem, mas encontrar a potência a partir da qual o
desejo quer. Fazer a inversão, recolocar o problema. Então, o esquizoanalista é
aquele que recoloca o problema do desejo, do ponto de vista de que, ao desejo,
nada falta.
Por isso, ele precisa encontrar o desejo que não tem falta. Esse olhar clínico. É um
exercício que não é...ou seria teórico? Também é. Mas o que é o teórico? Ele tem
que encontrar o problemático.

E o que é o problemático? É um campo de forças. Então, que teórico é esse que é


feito de campo de força, campo afetivo? Ele é muito mais do que um mero teórico
na representação: ele é um campo de forças, ele é um campo afetivo. O que é um
campo afetivo? É o que aumenta ou diminui a capacidade de existir.
Ora, isso é bem físico, é bem cósmico, é bem corporal, é bem prático, é bem
concreto, não é nada teórico do ponto de vista de uma abstração imaginária ou da
representação.

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O que pode o pensamento?


Que força é essa que emerge em nós e que problematiza a existência diante
de nós mesmos?
Qual é o problema maior para o pensamento?
Qual é o problema maior para o pensamento?
A paralisia? A fixação? A acomodação?
O encontro com alguma forma que nos conforme, que nos conforte, que nos
recompense, que nos dê autoridade, que nos empodere?
Você já se perguntou o que pode o pensamento?
A potência do pensamento é algo ainda tão pouco explorado pelo homem - apesar
de todo esse fenômeno humano sobre o planeta Terra, esse desenvolvimento
tecnológico, científico.
Mas se a gente pensar direito, pensar bem, isso é tão pouco explorado quanto
aquilo que já dizia Spinoza, provocando a gente: nós nem sequer sabemos o que
pode um corpo. Quando Spinoza dizia assim: "a gente tagarela sobre a consciência
e as virtudes da consciência, e tudo que a
consciência pode, mas nem sequer a gente sabe o que pode o corpo". Na verdade,
também, a gente sabe muito pouco do que pode o pensamento.
Mas, de novo, isso nos coloca a questão: como vamos saber disso? Só podemos
saber disso nos pondo a pensar. E, nos pondo a pensar, nós encontramos, por um
lado, uma dificuldade de entender, de apreender o que pensa em nós, o que nos faz
pensar.
Será simplesmente a busca da verdade?

Qual é a potência do pensamento?

Qual é a potência do pensamento?


O que pode o pensamento?
Será que a questão da saúde, a questão da potência, a questão do crescimento, a
questão de um corpo intenso e ativo, não são os motes e os motores mais
fundamentais e profundos do pensamento, do que a mera busca superficial por uma
verdade?

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'Muitos profissionais psis não são diferentes, em sua maioria, de funcionários de


Estado. Essa vocação servil se revela ao analisarmos seu modus operandi
dominante. Sua demanda começa onde o desejo se desarranja e perturba a ordem
soberana da máquina social, ameaça a coesão que conserva e reproduz seu poder.
Os psis são chamados a socorrer subjetividades delirantes, a estruturar e
pasteurizar pela ordem do discurso os estados intensificados do desejo e neutralizar
suas desmesuras caóticas, construindo uma unidade subjetiva e promovendo-a a
preposto representante da ordem, da autoridade, da lei, do poder, capaz de
devolver a “autonomia” expressa, cada vez que o pro-nome eu assume o
protagonismo de coadjuvante.

A dificuldade de diagnosticar corretamente de modo potente, a dificuldade de


diagnosticar afirmativamente o desejo, mesmo e principalmente quando este esteja
separado de sua potência de criar e de fazer a diferença, é a mesma dificuldade
que temos de encontrar o campo de imanência desse desejo, ainda que sob o
ponto de vista da força coagida, mas que pode tornar-se criadora de si e das
próprias condições de existência.
Então como colocar o problema sob o real ponto de vista de uma vida em evolução
criadora de si e das relações que a produzem como força de criar?
Quem não faz a lição de casa, não pode diagnosticar para libertar o desejo." (Luiz
Fuganti)
Nesta quarta-feira , dia 07.08 às 20 horas, Luiz Fuganti estará ao vivo no seu canal
do youtube https://www.youtube.com/user/escolanomade
falando sobre clínica e política a partir da urgência de pensarmos em uma nova
prática clínica, política, ética e estética, para os dias atuais.

Neste propósito Fuganti nos convida à uma reflexão em que abordará temas como;

Diagnóstico e identidade:

A prática do diagnóstico como alienação e a repetição na produção dos tipos.

Como encontrar na arte analítica a singularidade do desejo através do seu topos e


acontecimento?

Transferência , contra-transferência e ética:

A falácia da neutralidade clínica e o lugar da instituição na fabricação e autorização


dos profissionais ‘psis’.

Supervisão e cartografia:

A colocação do problema sob o ponto de vista da evolução criadora da vida. Como


identificar o lugar e o modo do desejo subjacente ao sujeito? Como
desconstruir o seu modo capturado de efetuação rumo à uma criação de si?

Esperamos por vocês!

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