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Misticismo & Mistificação

A língua de Camões - pela qual mostramos particular afecto -, é considerada pelos mais versados na
disciplina que a estuda como sendo, sob todos os seus aspectos, uma das mais difíceis do mundo. E isto
pela simples razão de que nem sempre encontramos, na abundância dos seus vocábulos, palavras que
inteiramente exprimam as ideias que desejamos transmitir, pois que estas são bem mais ricas que a
própria riqueza das palavras disponíveis para o fazer. Assim, da escrita não é dono a mão do escritor ou os
olhos de quem sobre ela se debruça, mas sim o entendimento que dela faz quem a lê.

Sendo a clareza a primeira qualidade dum estilo literário, Kardec chamou-nos a atenção para esse facto:
“Exige-se clareza de linguagem, para evitar a confusão inerente à variedade de sentidos, para as mesmas
palavras.”

Será portanto indispensável definir qual o exacto sentido dos vocábulos utilizados para transmitir o
tema que nos propomos debater. A palavra misticismo não evoca apenas a ideia de algo secreto, que
transcenda o raciocínio lógico ou a compreensão intelectual que não possa ser claramente divulgada ou
expressa, todavia é este o sentido sobre o qual hoje nos vamos debruçar.

Do Dicionário
Misticismo:

1. Inclinação para acreditar em forças ou entes sobrenaturais em detrimento de explicações racionais e


científicas; chamar-se-á a isso ingénua credulidade. Como por exemplo em relação a fenómenos de
causas naturais - mas sem uma base racional -, explicar a erupção de um vulcão como sendo a ira de
um deus.

2. Propensão mental, mais baseada na intuição e no sentimento do que no conhecimento racio nal, que
busca, em última instância, a união íntima e directa do homem com a divindade; classificaríamos este
proceder como misticidade.

3. Tendência para assimilar e incorporar com intensidade os ensinamentos religiosos à sua forma de
pensar, especialmente os mais abstractos, os quais se afastam da vida terrena; definiríamos numa só
palavra como religiosidade.

4. Crença tão cega em algo, que se aproxima do fanatismo.

5. Intensa fé e devoção religiosa, frequentemente exacerbadas, com traços de sentimentalismo ou


romantismo.

Mistificação:

1. Acto ou efeito de enganar alguém, 8. Engano,


2. Induzir a crer numa mentira, 9. Logro,
3. Ludíbrio, 10. Fraude,
4. Farsa, 11. Brincadeira,
5. Embuste, 12. Dolo,
6. Coisa enganadora ou falsa, 13. Troça.
7. Burla engenhosa,
A mente humana, constrói primeiro as formas, independentemente de antes as poder encontrar (Alberto
Einstein). Não há nada na nossa inteligência que antes não tenha passado pelos nossos sentidos (Aristóteles).
Isto porque o espírito tem em si já gravado, todas as experiencias, vivenciadas noutras existências.

A essência Divina que em nós habita vibra na mesma onda de frequência, que o pulsar do Criador. Só
assim se compreende e justifica porque é que, desde o início da existência Humana neste planeta, o
Homem busca sintonizar-se de forma tão compulsiva, mas tão concreta como outra qualquer, com algo
que embora ignore é lhe transcendente.

Nessa inconsciente busca o ser Humano fixou o olhar no céu nocturno, apontou para ele e encontrou
nos astros deuses, que baptizou de forma a melhor os identificar.

Uma vez que eles só estavam ao alcance do seu olhar, o Homem contemplativo fê-los descer à terra,
construindo-lhes templos majestosos, os quais materializou em pedra esculpida. Estavam iniciadas assim a
crença mas também a credulidade.

Surgiram então alguns profetas que apontando novamente para cima, afirmaram que tínhamos apenas
um só Deus, e que Ele era Aquele que era. Estava assim criada a religião.

Não entendendo o que ouvia, o Homem místico fez descer o seu deus à terra, e materializou-o em ouro,
para que todos pudessem tocar em algo mais concreto à satisfação dos sentidos. Estava assim criada a
misticidade.

Apareceram depois alguns pensadores, que apontaram para dentro de nós, aconselhando a utilizar o
pensamento com mais exuberância e lucidez, para que melhor nos conhecêssemos a nós mesmos. Estava
criada assim a filosofia.

O Homem vulgar que nada entendia para além dos seus cinco sentidos, procurou e encontrou no
concreto e palpável o que julgou ser a substância e a razão da Vida. Estava assim criado o racionalismo
materialista.

Encarnou então entre os homens um homem aparentemente vulgar, mas diferente, Jesus, o Cristo, o
qual apontou para todos nós, ensinando que o único Deus é Pai, e aconselhando que olhássemos em nosso
redor, pela simples razão de que todos éramos irmãos. Estava assim criada a doutrina Cristã.

O Homem pseudo-religioso que O não compreendeu encontrou nos rituais e cerimónias extravagantes
o fundamento da sua fé. Estava assim criada a religiosidade.

Ingressámos pelos séculos após Cristo, fruto de uma religiosidade ignorante, a ciência e a religião
caminharam desavindas. A ciência desenvolveu-se sem a religião e ficou coxa; a religião prosseguiu sem a
ciência e ficou cega. Esta lamentável separação alimentou nalguns casos, o fanatismo e a violência.

Em pleno século XIX surge então Kardec, professor multidisciplinar e exímio metodologista, estudou e
reflectiu com os espíritos da vida maior, colocando a partir de então a razão na religião e a lucidez na fé.
Concluímos, a partir da codificação por ele elaborada, que os espíritos medíocres, mais não são que as
almas dos homens medíocres que desencarnaram, os quais encontrarão oposição por parte de quem é
instruído, do mesmo modo que, os grandes espíritos sempre encontrarão incompreensão por parte de
quem é ignorante. Estava assim criado o espiritismo.

O Homem espiritualista que ainda não compreendeu o espiritismo, coabita inconscientemente entre a
doutrina e um vago sentimentalismo ou romantismo, potenciando a oportunidade para que o misticismo e
a mistificação criem raízes e frutifique.
Conclusão:

Necessário se torna assinalar, que tudo o que os nossos olhos na actualidade detectam com facilidade e
classificam como misticismo, esteve para uma determinada época como um pensamento ajustado.

No entanto, na circunstância actual, não faz mais sentido adoptar algumas práticas do passado, ou,
aceitar procedimentos novos, quando o crivo da razão não encontra neles fundamento algum.

Alguns pensam que para se ser consciente basta querê-lo, como se para ser saudável bastasse desejar a
saúde. No entanto, é através do estudo que se dá a aquisição de conhecimento, alarga-se o raciocínio, e
assim se alcança um maior grau de consciência. O segredo está em abrir a mente às possibilidades infinitas,
mas, só devemos preencher a ignorância com base em sólidos princípios racionais.

No processo evolutivo a que todos nos encontramos sujeitos, sabemos que o encarnado de hoje será o
espírito de amanhã, podendo este também ser no futuro o mistificador. Assim os espíritos mistificadores
acompanharam sempre a nossa evolução. Sabemos também que, no patamar actual de conhecimento em
que nos encontramos não é de forma alguma o derradeiro. Portanto, o estudo deverá ser uma constante
da vida de um espírita, para que entre outros benefícios o misticismo não tenha o seu espaço.

Há duas coisas verdadeiramente infinitas, digo infinitas só porque não vislumbro os seus limites: o saber
divino e a ignorância Humana, pois que se assim não fosse um não poderia apreender o outro. Logo, diante
de Deus somos todos igualmente sábios e igualmente ignorantes.

Em última análise, as comunicações mediúnicas não são por si só selos de autenticação. Nestas
comunicações, há espíritos que se aproveitam do momento, para difundirem mensagens normalmente de
teor negativo, para impressionarem as pessoas trazendo informações descabidas. Por outro lado as
entidades nobres, sempre e sem excepção, caracterizam-se pela elevação de princípios.

Das mentiras e das mistificações vindas dos espíritos ninguém está livre, a menos que se acautele
mediante sólidos critérios de racionalidade.

Bibliografia:

Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, 150 anos, edição comemorativa.


(Introdução Cap. I, II,VI, VIII, XII) Livro segundo, Cap. I, (Q. 96 a 131)
Allan Kardec, O Livro dos Médiuns, FEP. (Cap. XXVII, XXVIII)
Na verdade há algo de misticismo.

No misticismo há algo de verdade.


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