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Ao leitor
Este opúsculo não tem a pretensão de ser obra teológica ou filosófica, longe disso. É
pura e simplesmente uma breve instrução caseira para o uso dos fiéis. Por isso, ao
longo dele, e sobretudo na sua primeira parte, apela-se ao bom senso católico do leitor,
mais do que a elevadas argumentações científicas. O espiritismo não precisa, para o
seu deslustre, mais do que ser conhecido à luz das mais triviais noções da fé cristã e do
sentido comum. Decidi, portanto, expô-lo sob estes dois pontos de vistas. Os que
desejarem estudos mais profundos, poderão ler a obra excelente do Pe. Pailloux: Le
magnétisme, le spiritisme et la possession, e também a série de artigos magníficos
publicados em La Civiltà cattolica, e com o título: El espiritismo en el mundo moderno,
traduzidos para o espanhol e editados em Lugo, casa editorial de Soto. (Continue a ler)
PRÓLOGO
A toda hora se anda repetindo esta pergunta, uma vez que, por desgraça de nossos
tempos miseráveis, o espiritismo é hoje um dos erros mais em voga. Uns, por pura
curiosidade, outros com malícia, alguns pelo santo zelo de defender a Fé e os
costumes; este com um sorriso despreocupado, aquele com sua consciência cristã
justamente alarmada, todos pedem explicações sobre esse assunto. É preciso dá-las.
Vejamos, pois, com clareza e simplicidade o que é realidade e o que não é neste
mistério obscuro de abominação que tanto preocupa as gentes nestes dias.
O espiritismo é, portanto, uma doutrina e uma prática. A doutrina constitui, a seu modo,
um sistema teológico, filosófico e social com o qual se resolvem, também a seu modo,
todas as questões referentes a estas três ordens. Veremos adiante os principais artigos
desta doutrina. A prática se reduz a certos procedimentos empregados para obter a
comunicação dos espíritos com o homem, seja para satisfazer a curiosidade com
descobertas sutis, ou como recurso para encontrar remédio em certas enfermidades, ou
como caminho para a investigação científica, revelação do porvir, êxito para um dado
negócio etc. Veremos adiante estes procedimentos e seus resultados.
Esta breve indicação assinala a divisão natural deste opúsculo em duas partes: 1 a.
Não quero que me acusem neste ponto de parcialidade ou má fé. Vou resumir a
doutrina espírita, em seus pontos mais essenciais, com citações tiradas da obra O livro
dos espíritos, de Allan Kardec, um dos principais doutores da seita. Diz assim na
Introdução:
“Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos
transmitiram, a fim de mais facilmente respondermos a certas objeções.
“O mundo corporal é secundário; poderia deixar de existir, ou não ter jamais existido,
sem que por isso se alterasse a essência do mundo espírita.
“Há no homem três coisas: 1 o corpo ou ser material análogo aos animais e animado
o
pelo mesmo princípio vital; 2 a alma ou ser imaterial, Espírito encarnado no corpo; 3 o
o o
laço que prende a alma ao corpo, princípio intermediário entre a matéria e o Espírito.
“Tem assim o homem duas naturezas: pelo corpo, participa da natureza dos animais,
cujos instintos lhe são comuns; pela alma, participa da natureza dos Espíritos.
“Os Espíritos pertencem a diferentes classes e não são iguais, nem em poder, nem em
inteligência, nem em saber, nem em moralidade. Os da primeira ordem são os Espíritos
superiores, que se distinguem dos outros pela sua perfeição, seus conhecimentos, sua
proximidade de Deus, pela pureza de seus sentimentos e por seu amor do bem: são os
anjos ou puros Espíritos. Os das outras classes se acham cada vez mais distanciados
dessa perfeição, mostrando-se os das categorias inferiores, na sua maioria, eivados das
nossas paixões: o ódio, a inveja, o ciúme, o orgulho, etc. Comprazem-se no mal. Há
também, entre os inferiores, os que não são nem muito bons nem muito maus, antes
perturbadores e enredadores, do que perversos. A malícia e as inconseqüências
parecem ser o que neles predomina. São os Espíritos estúrdios ou levianos.
“Deixando o corpo, a alma volve ao mundo dos Espíritos, donde saíra, para passar por
nova existência material, após um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual
permanece em estado de Espírito errante.
“Tendo o Espírito que passar por muitas encarnações, segue-se que todos nós temos
tido muitas existências e que teremos ainda outras, mais ou menos aperfeiçoadas, quer
na Terra, quer em outros mundos.
“A encarnação dos Espíritos se dá sempre na espécie humana; seria erro acreditar-se
que a alma ou Espírito possa encarnar no corpo de um animal.
“As qualidades da alma são as do Espírito que está encarnado em nós; assim, o
homem de bem é a encarnação de um bom Espírito, o homem perverso a de um
Espírito impuro.
“Na sua volta ao mundo dos Espíritos, encontra ela todos aqueles que conhecera na
Terra, e todas as suas existências anteriores se lhe desenham na memória, com a
lembrança de todo bem e de todo mal que fez.
“O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria; o homem que vence esta
influência, pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima dos bons Espíritos, em
cuja companhia um dia estará. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões, e põe
todas as suas alegrias na satisfação dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espíritos
impuros, dando preponderância à sua natureza animal.
“Os não encarnados ou errantes não ocupam uma região determinada e circunscrita;
estão por toda parte no espaço e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos de
contínuo. É toda uma população invisível, a mover-se em torno de nós.
“Os Espíritos exercem incessante ação sobre o mundo moral e mesmo sobre o mundo
físico. Atuam sobre a matéria e sobre o pensamento e constituem uma das potências da
Natureza, causa eficiente de uma multidão de fenômenos até então inexplicados ou mal
explicados e que não encontram explicação racional senão no Espiritismo.
“As relações dos Espíritos com os homens são constantes. Os bons Espíritos nos
atraem para o bem, nos sustentam nas provas da vida e nos ajudam a suportá-las com
coragem e resignação. Os maus nos impelem para o mal: é-lhes um gozo ver-nos
sucumbir e assemelhar-nos a eles.
“As comunicações dos Espíritos com os homens são ocultas ou ostensivas. As ocultas
se verificam pela influência boa ou má que exercem sobre nós, à nossa revelia. Cabe
ao nosso juízo discernir as boas das más inspirações. As comunicações ostensivas se
dão por meio da escrita, da palavra ou de outras manifestações materiais, quase
sempre pelos médiuns que lhes servem de instrumentos.
“Podem evocar-se todos os Espíritos: os que animaram homens obscuros, como os das
personagens mais ilustres, seja qual for a época em que tenham vivido; os de nossos
parentes, amigos, ou inimigos, e obter-se deles, por comunicações escritas ou verbais,
conselhos, informações sobre a situação em que se encontram no Além, sobre o que
pensam a nosso respeito, assim como as revelações que lhes sejam permitidas
fazer-nos.
“Os Espíritos são atraídos na razão da simpatia que lhes inspire a natureza moral do
meio que os evoca. Os Espíritos superiores se comprazem nas reuniões sérias, onde
predominam o amor do bem e o desejo sincero, por parte dos que as compõem, de se
instruírem e melhorarem. A presença deles afasta os Espíritos inferiores que,
inversamente, encontram livre acesso e podem obrar com toda a liberdade entre
pessoas frívolas ou impelidas unicamente pela curiosidade e onde quer que existam
maus instintos. Longe de se obterem bons conselhos, ou informações úteis, deles só se
devem esperar futilidades, mentiras, gracejos de mau gosto, ou mistificações, pois que
muitas vezes tomam nomes venerados, a fim de melhor induzirem ao erro.
“Mas, ensinam também não haver faltas irremissíveis, que a expiação não possa
apagar. Meio de consegui-lo encontra o homem nas diferentes existências que lhe
permitem avançar, conformemente aos seus desejos e esforços, na senda do
progresso, para a perfeição, que é o seu destino final.”
Assim resume Allan Kardec as doutrinas que constituem este monstruoso sistema. Não
irei refutar estes desatinos um a um. Para fazê-lo, seria preciso escrever um livro
volumoso, e não um simples opúsculo de propaganda popular. Meu procedimento será
mais curto e simples, sem por isto perder em nada sua indispensável eficácia.
Limitar-me-ei a demonstrar, com a lógica mais rigorosa, a falsidade daqueles pontos em
que todos os demais se estribam. Assim, destruídas as fundações, todo o edifício
necessariamente cairá. Aos meus leitores peço apenas atenção e imparcialidade.
Perdoe-me, digníssimo doutor espírita, mas este procedimento não é filosófico nem
racional. O filosófico, o racional, é que se admita um sistema, não pela mera palavra de
quem o funda, mas pelas provas apresentadas em seu favor. Em boa filosofia, o que
não se prova, considera-se como não dito.
“E quem é que lhe abona?” Perguntava um bom juiz a um comerciante de bairro que,
para facilitar o despacho da documentação de um colega, oferecera-se para aboná-lo. E
o sr., quem é que lhe abona, Sr. Allan Kardec? Qualquer filho de comerciante, não
precisa ser juiz, poderá lhe perguntar. O sr. apresenta-se como responsável pela
doutrina, porém, quem é o responsável pelo senhor? Como podemos saber que o
senhor não foi enganado, ou que não se enganou, ou ainda que não trata de
enganar-nos? Queremos provas! Provas!
— Alto lá, meu prezado católico, replica o espírita; também a Igreja obriga a crer em
seus dogmas sem os provar; também a Igreja exige atos de fé.
— Equivoca-se, meu caro espírita, e está muito mal informado, para não dizer que é
muito ignorante no que diz respeito a nossos assuntos. A Igreja exige atos de fé, porém
de fé racional e fundada; a Igreja começa por provar-nos de um modo que não admite
dúvida alguma a divindade de Jesus Cristo e a autoridade do seu Magistério como
representante dele, e sobre estas duas bases funda todo o seu ensinamento, que
constitui uma verdadeira ciência, que é a teologia. Ciência que parte de princípios fixos
e chega a conclusões fixas, assim como as matemáticas. Se o senhor não conhece
esta ciência, pior para o senhor; entretenha-se por um pouco de tempo com qualquer
uma de nossas obras, como eu me entretenho com as suas, e constatará. Cremos,
pois, porém é pela autoridade divina de Cristo-Deus, não pela simples palavra de Allan
Kardec. E se este senhor tem algum argumento em apoio de suas doutrinas, que no-los
apresente, e então discutiremos. Enquanto não os apresenta, como não o faz em suas
obras, dá provas de que não os tem.
Círculo vicioso
Quem me certifica que aquilo que me diz Allan Kardec é o mesmo que revelaram os
Espíritos, se é que revelaram algo? Allan Kardec.
Até agora, como se vê, não saímos do lugar: ou seja, do fundamento racional do
espiritismo. O autor não se dá o trabalho de indicar-nos, nem seus adversários puderam
dar-se com ele, apesar de termos nos dado o trabalho de buscá-lo, página por página,
em suas obras.
Testemunhos suspeitos
Pois bem, e aqui intervenho eu: ainda que seja realidade o ensinamento dos Espíritos e
esteja assegurado por seu testemunho, em boa filosofia, este testemunho não tem
nenhum valor ou ao menos é muito suspeito. Quem me assegura que esta ou aquela
revelação provenha de um Espírito sério e veraz, e não de um brincalhão e embusteiro?
Não adianta perguntar o seu nome. O mesmo Allan Kardec confessa que os inferiores
ou maus se apresentam às vezes com nomes falsos para mais facilmente enganar.
Não me resta, pois, meio algum de assegurar a procedência fiel ou infiel, veraz ou
mentirosa, de uma revelação espírita.
O inocente do Allan Kardec, para não dizer o bobo, diz que é muito fácil distinguir estes
Espíritos por sua linguagem e seu ar formal. Porém, se podem eles simular um nome,
não poderão do mesmo modo dissimular uma linguagem e uma formalidade a seu
modo? Acrescenta ele que se conhece também se um Espírito pertence à classe dos
bons ou dos maus pelo tipo de doutrina que ensina: o bom, ensina doutrinas boas, o
mau, doutrinas más. Vê-se que o doutor espírita não é forte em lógica. Se fosse, veria
que cai num círculo vicioso dos mais grosseiros. Diz que os Espíritos respondem pela
verdade da doutrina, e logo quer que seja pela verdade ou bondade da doutrina que
conheçamos a bondade ou reta intenção do Espírito que a comunica. Sejamos francos,
Sr. Allan, a quem o senhor quer enganar com isso? Respondem os Espíritos pela
doutrina, ou é a doutrina que responde pelos Espíritos? Quem abona a quem? Creio
que é o senhor que abona a ambos. O senso comum, a boa filosofia, a retidão de
critérios exigem uma garantia sólida. O senhor não a apresenta nas suas obras?
Volta-se sempre ao mesmo lugar? Logo não a possui.
Contradições palpáveis
Não é este o único inconveniente da doutrina espírita, ainda que, por si só bastaria para
desmenti-la. A doutrina espírita é ainda contraditória. E o contraditório não é verdadeiro.
Ouçam. Deus, diz ele, é justo e bom. Tomem nota desta declaração.
Dos Espíritos, uns são bons ou puros por sua natureza, outros são, por sua natureza,
impuros ou perversos. Anotem esta terceira.
Diz ele que Deus é bom e, não obstante, afirma que criou Espíritos maus por sua
natureza.
Consequência: logo Deus é o autor de coisas más por sua natureza. Logo, Deus é a
origem do mau. Logo, Deus é mau. Logo Deus é bom e mau. Logo a doutrina espírita é
contraditória. Logo não é verdadeira.
Que falta podem encontrar neste raciocínio, tirado, como o fio de um novelo, de suas
próprias declarações?
Não é bem assim, meu amigo: foram criados por Deus, porém não em estado de
perversidade. Fizeram-se maus, não foram criados assim. São maus por culpa, não por
natureza. A Igreja ensina que uma porção de anjos bons se rebelaram contra Deus,
presumindo de si com soberba, e foram castigos por Ele com tormentos eternos. Assim,
a maldade dos demônios nada prova contra a bondade de Deus, assim como a
perversidade do ladrão nada prova contra a bondade da justiça que o castiga, antes a
confirma.
Os senhores admitem que é assim? Certamente não. Declaram que há Espíritos maus
por sua natureza e que foram criados assim pelo bom Deus. Ou seja, responsabilizam a
esse Deus bom da maldade da sua criatura má. Não é isto uma contradição? Não é
apenas uma contradição tola, mas uma blasfêmia brutal.
A doutrina católica ensina que cada alma é criada por Deus para cada corpo ao
formar-se este no seio da sua mãe. Vive unida com ele formando uma personalidade
própria, independente e exclusiva. Ao separar-se dele pela morte, não se separa
moralmente, sua ausência é puramente temporal e material. A alma no céu, ou no
inferno, ou no purgatório, continua sendo a alma de tal corpo, e espera reunir-se a ele
na ressurreição universal. E depois desta ressurreição, unidos já inseparavelmente o
corpo e a alma, viverão juntos eterna vida de felicidade ou de tormentos, para que
juntos sejam premiados ou castigados, já que juntos foram bons ou maus. Esta é a
doutrina da fé cristã. Não é também a da sã razão e do bom senso?
Materialismo disfarçado
Nas obras espíritas, encontramos a cada passo alardes presunçosos de guerra ao
materialismo, gloriando-se o espiritismo de ser aquele que há de derrotar este grosseiro
inimigo dos bons costumes. O espiritismo, dizem, destruirá o materialismo, avivando a
crença na alma e em sua imortalidade. Não lhes dêem crédito. O espiritismo é um
materialismo disfarçado. Ouve, leitor. Comparemo-los.
Absurdos degradantes
Além disso, o espiritismo apóia outro absurdo como doutrina formal que bastaria por si
só para que seja condenado no tribunal de todos os homens honrados e imparciais. O
espiritismo nega a liberdade moral do homem e, por conseguinte, a responsabilidade de
suas ações. Segundo sua teoria, “o homem de bem é a encarnação de um espírito bom,
o homem perverso a encarnação de um espírito impuro”. Magnífico! De acordo com
este princípio, o homem não é livre de escolher o bem ou o mal. Há de ser homem de
bem necessariamente, se lhe coube por sorte um espírito bom; será necessariamente
perverso se lhe coube por acaso um espírito mau. Veja que dissemos
“necessariamente”. E tão desatinada doutrina pretende restaurar a moral no mundo!
Que é a moral? Que é a virtude? A prática livre do bem. Que é o vício? A prática livre do
mau. O bem, se não é livre, não é bem; o mau, se não é livre, não é mau. O homem
que forçosamente faça o bem, deixa de ser bom; o homem que forçosamente faça o
mau, deixa de ser criminoso. Segundo a doutrina espírita, não se conhece já no mundo
a divisão dos homens em inocentes e culpados. Somente existirão os felizes e os
desgraçados. Felizes os que alcançaram o espírito bom, desgraçados os que
alcançaram o espírito mau. Deus é o culpado de tudo, pois criou espíritos inferiores
dotados de instintos maus; o homem é um infeliz que pode atribuir tudo ao espírito que,
de modo necessário, o induz ao bem ou ao mal. É exatamente o que dizia Calvino; um
cavalo dócil montado por um bom cavaleiro. Se é Deus que o monta, anda bem, se é o
diabo que o monta, anda mal. E assim como o responsável não é o cavalo senão o
cavaleiro, resultará também que, de suas ações, o homem não será o responsável e
sim o espírito perverso, ou Deus que lho deu.
É ímpia, portanto, esta doutrina, porque atribui a Deus a origem do mau; é irreligiosa,
porque suprime a liberdade humana, que é o dogma de toda religião; é anti-filosófica
porque contradiz os princípios mais evidentes de toda filosofia sobre o livre arbítrio; é
imoral porque, negando a responsabilidade humana, nega a moralidade intrínseca das
ações.
Conseqüências anti-sociais
Os mesmos espíritas não podem induzir-nos a abraçar o espiritismo com o temor dos
castigos de Deus. Porque se Deus me deu um espírito de ordem inferior, inimigo da
verdade e afeiçoado a velhacarias, não poderá castigar-me pelos mau feitos deste
espírito que, no fim das contas, se porta em mim assim como é e como Deus o criou.
Castigue-se Deus a si mesmo, pois é Ele o autor da minha culpa! Conseqüência
horrível! Horrível, porém lógica e necessária. Estando postos os princípios do
espiritismo, é forçoso chegar até aqui. Veja-se se há espírita ou espírito que nos tire
deste atoleiro.
Resumo
Podem ser santas e salutares as práticas fundadas numa doutrina absurda, ímpia,
imoral e anti-social como é o caso da doutrina espírita, como acabamos de ver? É claro
que não. A prática é um reflexo da teoria, é a mesma teoria em ação, aplicada,
concretizada, por assim dizer. Ora, se uma doutrina é absurda, ímpia, imoral e
anti-social, a prática fundada nesta doutrina, e que não é senão sua aplicação, deve,
forçosamente, ser também absurda, ímpia, imoral e anti-social.
Eis aqui um raciocínio claro e conclusivo cuja força inegável condena em primeira
instância, por assim dizer, os procedimentos espíritas, sejam quais forem. Não
necessito classificá-los, nem investigar sua origem ou resultados. Basta-me saber se
são a aplicação prática das doutrinas já julgadas. Elas o são, confessam os espíritas.
Logo, perversas são suas operações sejam quais forem, como são perversas as suas
doutrinas. Não se sai desse beco sem saída, a não ser que se prove que as doutrinas
são razoáveis e verdadeiras, o que é impossível e até agora não o tentou Allan Kardec
ou seus discípulos.
Fenômenos espiritas
Quais são as práticas mais comuns do espiritismo? O espiritismo não se contenta com
dogmatizar; suas práticas misteriosas, mais do que sua absurdíssima doutrina, são as
que seduzem os incautos e amigos de novidades. O espiritismo oferece duas séries de
fenômenos: uma que chamaremos manifestações dos Espíritos, outra que chamaremos
comunicações, ou melhor, revelações. Segundo o espiritismo, os Espíritos podem dar
prova de sua presença por meio de atos perceptíveis aos sentidos, ou pôr-se também
em comunicação com os homens por meio de inspirações internas ou de revelações
externas. Segundo o espiritismo, a presença do espírito ou de espíritos numa reunião
costuma manifestar-se por meio dos fenômenos seguintes: 1 Força oculta que move,
o.
haja nada que os ocasione; 3 Rumores e sons de toda espécie, desde o mais tênue
o.
estalido no ar, até o profundo estampido do trovão e, por vezes, também sons
harmoniosos de instrumentos ou cantos de vozes suavíssimas, sem que nada possa
ter-lhes originado; 4 Desordem dos atos orgânicos e espirituais, tais como a rigidez
o.
vaporosa e, por vezes, corporal; 3 Os escreventes, que traçam sob o impulso dos
a.
— Sim, leitor católico e honrado, sim; sim, repito, há isto e muito mais. Em alguns casos
pode ocorrer que um médium engane aos circunstantes com revelações tiradas da sua
própria imaginação. Porém, que no fundo do espiritismo realmente existem
manifestações e revelações de ordem sobrenatural, não posso nem devo negá-lo, e
quisera que todos católicos cressem comigo, como os mais ilustres crêem e como a
própria Igreja crê.
— Pois então, já que admite a verdade das suas práticas, o espiritismo ganhou a
partida!
— Alto lá! Admiti a sua realidade, não sua verdade. Admiti que realmente há algo de
muito misterioso e sobrenatural no espiritismo; não disse porém que este algo seja
verdadeiramente o que os espíritas pretendem que seja.
— É difícil segui-lo neste ponto. Creio que leva a sério o que não passa de chistes e
gracejos de homens engenhosos e de mão habilidosas.
2 Exame dos sábios. Mais de duas mil obras foram dadas à luz desde então, seja a
o.
favor, seja contra o espiritismo. Nelas discute-se, já não a realidade dos fenômenos,
mas a sua origem. É possível que haja alucinação ou credulidade infantil em número
tão grande de testemunhas? Ouçamos o autor citado:
“O que mais importa considerar é a qualidade dos escritores que, com seu
assentimento, confirmaram a realidade destes fenômenos. Homens eminentes nas
ciências, das quais constituem verdadeiras glórias, acostumados a verificar cada
palavra, a discutir cada princípio, a fazer, por assim dizer, a anatomia de cada fato,
homens insuspeitos de imaginação febril, dotados de um engenho discretíssimo, todos
os que em tão longo espaço de tempo se dedicaram às ciências físicas, racionais e
morais, todos quiseram familiarizar-se com as maravilhosas novidades que lhe eram
narradas, e formularam seu parecer sobre os fatos e suas causas. Os Faraday, os
Cuvier, os Laplace, os Hufeland, os Franklin, os Berzelius, os Orfila, os Browsais, os
Arago, os Panizza, os Malfatti, os Orioli, os Recamier, os Gioffroy, os Claproth, os
Hernostaedt, os Husson, os Babinet, os Lavater, os De Jussieu, os Gregory, os
Elliotson, ou seja, a flor e nata dos astrônomos, físicos, químicos e médicos de nossos
tempos, e com eles tantos outros que, pelo que valem nas suas ciências, podem ser
contados ao lado deles, todos eles, dizíamos, reconheceram solenemente a realidade
dos fatos mais extraordinários do magnetismo e do espiritismo.”
Cardeal Gousset, Mons. Sibour, arcebispo de Paris, o ilustre Pe. Ventura, os clérigos
Teatinos, o Pe. Caroli, dos Menores conventuais, os padres Gury, Pianciani e Pailloux,
da Companhia de Jesus, o Pe. Tizzani, dos cônegos regulares lateranenses, os abades
Guillois, Maupied, Caupert, Sorignet, Monticelli e Alimonda. Todos eles estão de acordo
em sua crítica teológica com os sábios antes referidos; todos aceitam, e muitas vezes
demonstram, por meio de rigorosos raciocínios, a existência efetiva, para além de
qualquer dúvida, daqueles fenômenos. Esta harmonia é muito digna de ser notada, visto
que se tratam de homens cujos sistemas, opiniões, sentenças, não apenas se
diferenciam, mas que muitas vezes se combatem e mesmo se excluem”.
Então, o senhor é espírita? Devemos crer no espiritismo? Eis aqui as perguntas com
que me interpelarão grande parte dos meus leitores. Se o senhor confessa a realidade
dos fenômenos do espiritismo, este já ganhou o debate.
Não, querido leitor, não; não sou espírita, nem creio no espiritismo, nem julgo que esta
seita imunda tenha ganho a partida, por mais que se conceda na realidade de suas
operações. Antes, penso que o que mais deveria nos afastar do espiritismo, e o que
mais o condena, é precisamente a espantosa realidade de seus mistérios. Porém, como
observo que o leitor duvida, e que não logrei levar ao seu espírito a convicção de que
sejam reais as manifestações espíritas, vou colocar a questão de modo que o
espiritismo saia sempre refutado de modo definitivo. Escute-me bem, e grave esta
página na sua memória; ela será bastante para calar a boca de qualquer espírita.
Se são realidade, como creio, ou são uma realidade que provêm de Deus ou não são.
É claro que não provêm de Deus; não podem provir de Deus as doutrinas absurdas que
acabamos de citar; não pode vir de Deus uma doutrina que o torna origem do mal, que
destrói a liberdade humana, a responsabilidade e, por conseguinte, a moralidade das
ações humanas; que solapa na sua base a ordem social fundada na lei e na justiça.
Não pode ser de Deus o que conduz diretamente ao fatalismo e à negação da outra
vida, sob o pretexto de explicá-las. Não pode ser de Deus o ridículo, o absurdo, o imoral
e o anti-social. A doutrina em que se fundam as práticas espíritas é tudo isso; logo, elas
não procedem de Deus. Desafio a todos os seus adeptos que desatem este nó.
Logo, as operações espíritas não são obra de Deus. Logo, são obra de algum outro ser
que tenha poder bastante para produzi-las. Ora, segundo o Cristianismo, não há outro
que tenha este poder senão o espírito maligno; logo, as operações espíritas são obra
clara do espírito maligno ou do demônio. O raciocínio não saberia ser mais conclusivo.
Só dois podem ser os autores das operações sobrenaturais: Deus, com seu poder
absoluto, e o demônio, com seu poder limitado, porém sempre muito grande.
As razões acima aduzidas demonstram que as operações espíritas não podem ser obra
de Deus.
Com isso sucede algo de muito lamentável. Há uma sorte de católicos (não sei porque
se dizem católicos) que se acostumaram a considerar o demônio como um personagem
espirituoso de comédia, sempre pronto para maquinações de bastidores, e a despertar
o riso dos espectadores com chistes e gracejos de arlequim. Sei que esta tradição
dramática data dos primórdios do nosso teatro nacional, e se encontra em todos nossos
autos sacramentais, mas nem por isso justifico-a. Não, por Deus, o espírito maligno é
coisa muito séria para servir de boneco de diversão para meninos grandes, que
necessitam divertir-se com bobagens; o desventurado que lançou o primeiro grito de
apostasia contra Deus, e que desde então lidera a guerra eterna que se faz desde aqui
embaixo contra Ele e sua representante, a Igreja, não deve ser o polichinelo de nossos
dramas.
O resultado disto é que o diabo e tudo quanto se refira às suas operações, não seja,
para tais católicos-a-seu-modo, mais do que uma mitologia de mais ou menos bom
gosto, um recurso épico ou dramático para introduzir o fantástico num poema; não é um
fato real, vivente, no meio de nós e, sobretudo, de uma influência eficaz e positiva, tanto
quanto a do sol, das estrelas e das demais criaturas que povoam o universo. Em muitas
almas católicas há um grande fundo de incredulidade. A maldita mania de simular luzes
e despreocupação, o néscio desdém pelas doutrinas antigas, pelo mero fato de não
serem novas, o afã de distinguir-se do assim chamado ranço da escola, deram margem
a tudo isso.
A crença no diabo e nas suas operações, mesmo na ordem natural, pertence, contudo,
à doutrina católica, e não se pode negar a uma sem apartar-se da outra. Porém, se
dermos mais um passo, veremos que pertence também à realidade histórica, nisto
como em tudo conforme os ensinamentos da teologia.
Por despreocupados que sejam, tendes de admitir um fato na história que a enche toda:
é a magia. Novamente voltaram a se rir alguns dos meus leitores, eu o sei, porém sigo
adiante. A magia é um fato histórico que aparece desde os primórdios do gênero
humano até hoje em dia, em todos os pontos em que não reina o conhecimento do
verdadeiro Deus. Não existe povo algum da antiguidade sem magia, fora do povo do
verdadeiro Deus; os filósofos mais eminentes, os mais brilhantes poetas, os grandes
capitães e governantes, em nações tão sábias como o Egito, tão cultas como a Grécia
ou tão positivistas como Roma, dão-nos testemunho constante da realidade da magia.
A magia constitui o fundo de todos os cultos idolátricos no mundo antigo. E agora temos
de acrescentar que as explorações dos missionários a encontram em todas as nações
modernas não iluminadas pelo Evangelho. É conhecida a importância que tinha a magia
no México e no Peru, quando os espanhóis descobriram estes países. Nossos
historiadores, e Solís em particular, que não será chamado de obscurantista, contam
coisas admiráveis daqueles mistérios. Na China e na Índia, ainda é muito freqüente o
uso da magia nas ocasiões mais ordinárias da vida. Pode-se, numa palavra,
estabelecer como lei histórica que a magia encheu o mundo em todas as partes em que
não chegou a verdadeira Religião, do mesmo modo que a obscuridade cobre os pontos
onde não chega a influência benfazeja dos raios solares. E pode fixar-se como corolário
outra lei análoga. A magia foi desaparecendo na medida em que se expandia a
verdadeira fé, como as trevas se retiram à medida em que os raios do sol avançam.
À luz da filosofia católica esta lei tem uma explicação claríssima. O mundo pelo pecado
original é patrimônio de Satanás, é o seu altar, e o homem, seu escravo e sua vítima. A
misericórdia de Deus resolveu livrar a linhagem humana e reconquistar de certo modo
para si o que o inferno havia invadido. A história do mundo é, pois, a história de uma
grande luta entre Deus e o demônio; ambos têm um exército nele, têm seus povos,
cultos estabelecidos etc. Por isto, diante do altar de Deus levanta-se, em todos os
tempos, o altar do ídolo; diante da cátedra da verdade levanta-se a cátedra do erro. Por
isto, o demônio não cede sem resistência suas conquistas a Deus, mas luta com Ele,
quer pela força, derramando o sangue de seus discípulos, quer pela astúcia,
seduzindo-os e pervertendo-os. Por isto, segundo a frase tão bonita de Santo
Agostinho, o demônio fez-se como o macaco de Deus, simia Dei, usurpando o seu
culto, contrafazendo seus milagres, falsificando seus mistérios, chegando ao ponto de
estabelecer no mundo uma ordem sobrenatural satânica à imitação ou em
contraposição da ordem sobrenatural divina. Por isto, se Moisés realiza maravilhas
diante do Faraó em nome de Deus, apresentam-se magos para também realizá-las em
nome de seus ídolos; por isto, se Israel tem profetas que, iluminados pelo Espírito
Santo, anunciam o porvir, as nações gentias têm arúspices, agoureiros e pitonisas, que
por inspiração diabólica produzem efeitos parecidos. Por isso, se os apóstolos fazem
prodígios em nome de Cristo, Simão Mago tem poder para elevar-se pelos ares
valendo-se de suas feitiçarias. Assim, a magia sempre reina e domina onde o
Cristianismo não reina, e se encontra em estado latente, disfarçada, encoberta, porém
sempre insidiosa, lá onde é esmagada pela influência salutar da cruz. Por isto, quando
de algum modo se perde a influência salutar da cruz, devido aos progressos da
incredulidade, a arte diabólica recupera seus brios e ressurge como dominante. É o
dualismo de todos os séculos. Não como o imaginaram os maniqueus, supondo dois
princípios absolutos ou independentes, um do bem, outro do mau. Mas como o ensina o
Catolicismo, dando-nos a conhecer um espírito rebelde que, embora castigado, tem
ainda a permissão de Deus para continuar hostilizando os seus, para dar-lhes ocasião
de merecimento. É o dualismo que reflete seus resplendores, ora celestiais, ora
sinistros, em toda a história; é a grande luta iniciada no Paraíso terrenal e antes ainda,
nos céus, luta que terminará no final dos séculos com o Anticristo. É o demônio
revoltando-se contra Deus. Sua religião, sua ordem sobrenatural, falsificação da
verdadeira, seu culto, seus mistérios e seus prodígios são a magia, atestada pelas
Escrituras, pela teologia e pela história em todos os séculos passados; e no presente,
são o espiritismo. De onde, resumindo tudo que falamos aqui, podemos assentar esta
fórmula: O espiritismo é a magia do século dezenove.
Explicações históricas
Falar de magia no século dezenove! Não teme o ridículo com tais suposições?
Não, desconhecido leitor; não, o orgulho por nossos progressos materiais, bons e
santos em si mesmos, o ruído das nossas máquinas, a velocidade de nossos trens, os
portentos da eletricidade, a preponderância, talvez excessiva, dada em nossa educação
às ciências físicas, por vezes em detrimento dos estudos morais, levou a nos tornarmos
todos um pouco materialistas, mesmo sem percebê-lo. Acostumamo-nos
demasiadamente às ciências do que se vê, se toca e se cheira; por isto, nossa
imaginação desabituada rebela-se ao ouvir falar em fenômenos de uma ordem superior
a dos sentidos. Repito, creio no demônio e em suas operações porque sou católico;
creio na magia e em sua existência porque sou católico e folheei a história; creio sem
vacilar que o espiritismo atual é a magia de sobrecasaca, terno e cartola, como dizia um
amigo bem-humorado.
A identidade entre o espiritismo moderno e a magia antiga não pode ser mais visível. É
reconhecida por vários autores espíritas que consideram a magia antiga como um
espiritismo pouco desenvolvido ou em estado de atraso. Logo, segundo seu próprio
testemunho, o espiritismo de hoje é a magia aperfeiçoada, desenvolvida, vestida com
os trajes do nosso século.
Traçar um paralelo entre as operações mágicas de todos os séculos e as práticas
espiritas do nosso seria tarefa assaz prolixa para ser empreendida num opúsculo desta
natureza. O leitor que queira dedicar-se a um estudo mais extenso e profundo o
encontrará admiravelmente preparado na obra que mencionei no princípio e na outra de
Pailloux, Le magnetisme, le spiritisme et la possession. Bastará apenas indicar aqui três
idéias que são, a meu modo de ver, fundamentais para provar a identidade do
espiritismo moderno e da magia antiga.
Acerca deste ponto poderia surgir alguma dúvida; por isso mesmo será bom dar aqui
novas explicações. Permita-me novamente fazer uma longa citação sobre este ponto.
Falam novamente os ilustres redatores de Civiltà cattolica:
“Não há fenômeno que o espiritismo se atribua como produto próprio que não seja velho
no mundo. Vejamos, discorrendo sobre alguns dos principais.
“Outro fenômeno próprio do espiritismo são os vários golpes, sons, cantos que se
escutam sem que apareça a causa que os produz. Estes sons sempre foram tidos por
tão próprios da magia que, desde tempos antigos e até desde o dos pagãos, eram tidos
como sinais indubitáveis da presença do demônio. Plínio refere-os no monte Atlas e os
atribui aos deuses infernais que estabeleceram ali sua mansão. Solino fala deles como
de um fato notório a todos, e Saxo, o gramático, coloca entre os indícios próprios para
se conhecer a presença do demônio estes sons nos ares. É inútil referir a opinião dos
que tratam ex professo de magia, porque todos são concordes neste ponto.
Recordemos antes algum caso que, por suas particularidades, mais se assemelhe aos
que o espiritismo apresenta. Os missionários que estiveram ou ainda estão na China
relatam que é muito freqüente encontrar por lá casas infestadas pelo diabo. Um deles
conta de si mesmo que, recebido como hóspede por uma família cristã em Hiang-Po,
soube que, não longe de lá, aquela família possuía uma pequena propriedade em bom
estado, mas que não era habitada há muitos anos devido à presença obstinada de
maus Espíritos que não permitiam a ninguém permanecer nela. O missionário quis
transferir-se para lá e, tendo preparado o necessário para passar a noite, empregou o
resto daquele dia em visitá-la toda, de uma parte a outra, a fim de assegurar-se de que
não havia arte ou fraude de algum mal intencionado. Nada viu nem ouviu, com o que,
melhor disposto ainda do que quando chegara, foi repousar tranqüilamente ao cair da
noite. Do mais profundo dela, um forte fragor, como de uma viga que rompe e quebra de
repente devido a um grande peso, o faz estremecer. Salta de pé e, tomando uma luz,
percorre diligentemente o lugar de onde aquele estampido procedeu, mas encontra tudo
tranquilo e em seu lugar. Põe-se então a rezar o breviário; porém, em poucos minutos
escuta batidas repetidas na parede que está à sua frente, a que correspondem, mais
nítidos, golpes na do lado; por muito que fizessem, tanto ele como um criado que lhe
fazia companhia, não puderam descobrir nenhuma causa visível daquele golpear, que
não obstante continuava por certos intervalos, deixando-se ouvir distintamente. Os dois
põem-se então a rezar devotadamente a ladainha da Santíssima Vigem e a aspergir
com água benta aquelas paredes infestadas, as quais calaram-se. O silêncio, porém,
durou pouco. Começaram a ouvir nos aposentos de baixo estalidos de armas, como de
quem cruza espada contra espada, e com tal ímpeto, que o braço de um homem não
poderia resistir a tão furiosa tempestade de golpes senão por alguns instantes. Àquele
choque de armas, que desvaneceu após longa briga, sucederam tristes lamentos, como
de gente ferida; e, sem embargo, os mesmos que desceram àqueles aposentos e que
ouviram junto a si tão grande estrépito não viram nada ou, para dizer melhor, viram que
estava tudo quieto e em ordem. Assim, passaram a noite que lhes pareceu longuíssima
e mais que suficiente para que o missionário se certificasse da realidade da infestação
diabólica, razão pela qual, conseguindo para isto permissão de seu superior
eclesiástico, empregou os exorcismos da Igreja, e a casa ficou livre do espírito maligno.
“Há no espiritismo moderno uma prática especial que logrou atrair, por si só, toda a
atenção do mundo, e pode ser o ponto culminante de todos estes novos fenômenos, a
saber: as mesas giratórias, ou que se movem por si para dar as respostas desejadas. É
isto um fato novo? Certamente não. É a mesa trapezomântica dos antigos pagãos, que
Tertuliano recrimina entre outros encantamentos, é a trípode dos oráculos pagãos,
desde a qual davam suas respostas às Pitonisas. Poderíamos referir aqui, se
tratássemos do ponto mais extensamente, um evento especial que nos mostra como o
uso daquelas mesas é, em muitos aspectos, conforme o que faz o espiritismo. O caso
sucedeu no tempo do imperador Valenciano, século IV, e é minuciosamente narrado por
Amiano Marcelino, conhecido historiador (Rerum gestarum, lib. XXIX, cap. I).”
A estes traços de semelhança entre a magia antiga e o espiritismo moderno, traços que
indicam um parentesco muito estreito entre ambas as superstições, devemos
acrescentar, de certo modo, o que os próprios espíritas confessam. Todo sectário aspira
comumente a buscar parentescos na antigüidade, ninguém quer ter existido sem
ascendentes. Ora, os espíritas modernos apresentam-se muitas vezes como os
aperfeiçoadores das antigas crenças e operações mágicas. Ouçamos o Sr. Cahagnet,
citado por Pailloux na sua obra sobre o Espiritismo. “Que me importa, diz o autor
espírita, que este ou aquele nigromante hindu ou egípcio tenha o poder de invocar as
sombras dos defuntos, de encantar toda uma assembléia, curar alguma doença ou de
fazer com que ela acometa alguém? Não tenho eu o mesmo poder de invocar os
mortos? Não tenho eu o poder de curar as enfermidades e produzir efeitos maus ou
bons nas pessoas a meu bel-prazer? Não posso rejuvenescer, por meio do
magnetismo, órgãos debilitados?” E numa série de perguntas, o espírita moderno
declara-se dotado de todos os poderes da magia antiga, inclusive de um grande poder
sobre a natureza inanimada.
Outro autor espírita, Sr. Potet, fala de modo ainda mais claro. “O magnetismo, diz ele (e
é sabido que o espiritismo moderno reconhece o magnetismo animal como uma de
suas ramificações), o magnetismo é a magia. A história nos mostra gerações antigas
dominadas pela magia e por sortilégios. Os fatos são muito positivos, e deram lugar a
freqüentes abusos e a práticas monstruosas. Mas, como eu me deparei com esta arte?
Onde eu a aprendi? Nas minhas idéias? Não, na própria natureza que me deu a
conhecê-la. Como? Apresentando-se perante os meus olhos, ainda que eu não os
buscasse diretamente, fatos reais de magia e sortilégio. Se nas minhas primeiras
magnetizações eu não os vislumbrei, foi porque tinha uma venda nos olhos, como
muitos magnetizadores ainda a têm. Com efeito, o que é o sonho magnético? Nada
mais que um efeito do poder mágico...” E encerra declarando: “Todos os principais
caracteres da magia se encontram impressos nos fenômenos atualmente produzidos
pelo espiritismo.”
Não sei ao certo que declaração mais explícita poderiam desejar os despreocupados. A
mesma definição que o Sr. Potet dá para a magia antiga convém inteiramente à atual
crença espírita. “A magia, diz, estava fundada na existência de um mundo de Espíritos
mistos (ou seja, com certa subsistência semi-material), que erram ao nosso redor, com
os quais, segundo ela, podemos nos comunicar por meio de certos procedimentos
práticos.” Ou seja, exatamente o mesmo que ensina o espiritismo. Não é tudo. Acaba
de chegar às minhas mãos um folheto de propaganda espírita publicado recentemente
em Barcelona, e leio nela o anúncio de uma obra espírita destinada a “demonstrar de
maneira evidente, que a origem de todas as religiões está na magia, ou seja, na
manifestação dos Espíritos; que a magia jamais foi, nem deve ser considerada hoje
outra coisa que uma revelação continuada, altamente favorável à civilização etc, etc”
(Roma y el demonio, Revelação III, número IV, pág. 32 — imprensa de Manero,
Barcelona). É impossível falar mais claramente e de um modo mais competente nesta
matéria.
Aplicações práticas
O espiritismo pode invocar defuntos? Não pode; porém, por influência do demônio, é
capaz de simular que foram invocados, e dar a ouvir ao consulente a voz de um ser,
que muito facilmente figurará como sendo a pessoa invocada.
O espiritismo pode prever o futuro? Pode em muitos casos, isto é, nos casos que
dependem da ciência diabólica, que é de extensão e alcance incomparavelmente maior
que a dos homens mais sábios e astutos. A conjectura de um sábio pode chegar a
parecer verdadeira profecia. A de Satanás, que possui maiores conhecimentos em que
apoiá-la, com muito maior razão o pode ser. É doutrina teológica.
O espiritismo pode comunicar o que passa em lugares diferentes e muito distantes?
Pode certamente. O demônio não conhece a distância nas suas operações, nem na sua
penetração, porque é espírito. Pode, pois, comunicar instantaneamente ao médium o
que ocorre a milhares de léguas deste.
mundo algo que se deva e possa purificar. 4 . No de glória eterna no seio de Deus, na
o
posse de sua bem-aventurança. A Igreja ensina que as almas, depois da morte, estão
separadas de seu corpo respectivo aguardando, em um dos três últimos estados, a
ressurreição do corpo, seu companheiro, para fazê-lo partícipe de sua eterna felicidade
ou de sua eterna desventura. A Igreja não admite outro estado qualquer para as almas.
Admiti-lo é faltar com a fé católica.
A Igreja ensina, ademais, que há uma comunicação entre nós e as almas do purgatório
e as do céu. Quanto às primeiras, podemos ajudá-las a satisfazer com nossas boas
obras, cujo mérito se lhes aplica; quanto às segundas, podemos rogar para que
intercedam por nós perante o trono de Deus. O primeiro é conhecido pelo nome de
sufrágio, o segundo com o de invocação e intercessão dos Santos. Ensina ainda a
Igreja que as almas condenadas ou bem-aventuradas estão nas mãos de Deus, e que o
homem não têm poder de fazê-las aparecer a seu bel-prazer. A invocação dos defuntos
é, pois, uma superstição culpável, e quando obtida por meio do espiritismo, é
puramente fictícia, ou seja, é pura ilusão de Satanás que pode tomar a aparência e
linguagem da pessoa invocada. Tais aparições somente Deus as pode ordenar, nunca,
contudo, conforme a vontade do homem, senão raramente e pelos secretos propósitos
da Providência.
Observação importante
Todas as calamidades que Deus permite no mundo, sejam elas físicas, como a peste, a
guerra, a fome etc, sejam morais, como a heresia, a superstição etc, possuem nos
admiráveis desígnios de sua Providência seu lado misericordioso. No que toca estas
últimas, sobretudo, Deus vê-se como que forçado a permiti-las, desde o momento em
que se propôs não tolher o homem no exercício do seu livre arbítrio; é, sem embargo,
bastante sábio e poderoso para tirar do próprio mau grandes proveitos. Confio que
assim sucederá com o espiritismo.
Esta falsificação do sobrenatural, este culto que se rouba de Deus para ser dado
supersticiosamente ao seu inimigo, este laço constantemente estendido para o tropeço
da ignorância e da simplicidade dos incautos, é indubitavelmente um mal grave;
contudo, nosso século positivista e material pode tirar daí uma lição de incalculável
transcendência. Os que negam que exista algo para além do que se vê, escuta e se
toca, os que não querem admitir outra existência senão a que se percebe por nossos
sentidos, em vista dos fatos do espiritismo, ver-se-ão obrigados a crer que há algo de
uma ordem superior e supra-humana, algo invisível e impalpável, que vive em nós e
como nós por mais que seja muito distinto de nós. E uma vez forçados pela evidência
dos fatos a admitir um mundo espiritual e uma ordem de fenômenos sobrenaturais,
ainda que de um gênero mal e com graves falsificações, não lhes será difícil de se
convencer da verdade, não do espiritismo imundo e supersticioso, mas do verdadeiro
espiritualismo católico, único que, partindo de princípios racionais, oferece um
encadeamento de verdades sólidas, nem injuriosas para com Deus, nem degradantes
para o homem, como o são as do espiritismo. Do mesmo modo, o misticismo sóbrio e
fastidioso dos espíritas, que conduziu tantos à excentricidade e à loucura, faz-lhes ver a
necessidade que a alma humana tem de uma comunicação com Deus, porém com esta
comunicação doce, serena, tranqüila, regozijada que se chama piedade cristã, e que,
ao invés de fazer do homem um imbecil ou um visionário, faz dele um tipo
deliciosamente angelical, como Teresa de Jesus, Francisco de Sales, ou
grandiosamente austero, como Jerônimo, Bruno ou o abade de Rancé. Sim, o
espiritismo é, ao meu ver, uma prova radiante da veracidade do Catolicismo, do mesmo
modo que a moeda falsa é, pelo contraste, uma prova brilhante de que há outra moeda
legítima. As pretendidas descobertas do espiritismo são erros há mil anos já refutados.
Suas máximas de filosofia moral sobre a abnegação, sobre a caridade, sobre o amor ao
próximo, há séculos as crianças das escolas católicas as conhecem de memória. Nada
há ali de verdadeiro que não seja roubado do Catolicismo, nada há de falso que já não
tenha sido mil vezes refutado por ele.
E, apesar de tudo isso, dirão: O sr. julga necessário combater o espiritismo? Logo, o sr.
lhe atribui muita importância! É verdade, eu lhe atribuo, e creio que é um inimigo
formidável contra o qual devemos travar uma guerra sem repouso. Sabe por que? Pela
situação particular em que se encontram as inteligências e os corações neste século.
Ouvi-me um pouco.
O mal dos males, o mal que produz maiores estragos na nossa sociedade, mais que
todos os erros positivos, é a ignorância religiosa. Grande parte de nossa sociedade não
sabe o que o Catolicismo é, nem seus princípios fundamentais, nem a razão de suas
práticas, nem o significado mais vulgar de seus divinos mistérios. E não me refiro
apenas à classe inferior da sociedade, que trabalha nas fábricas e nos campos, não;
refiro-me à sociedade que passa por culta, que mexe com muito dinheiro, freqüenta
universidades e ocupa os salões. Há uma ignorância espantosa, atroz. Mesmo entre os
reputados bons católicos, que rezam e assistem a missa, há pessoas decentes que
sabem tão pouco de sua religião como da de Maomé. Conheci pessoas condecoradas
com título acadêmico, católicas nas suas práticas e aos olhos de todos, e que
ignoravam, contudo, em que consistia o mistério mais popular e mais espanhol de
todos, o da Imaculada Conceição de Maria. Pois bem. Se isto ocorre com homens e
mulheres de formação científica e prática católica, o que não há de suceder com a
massa comum, que não lê, nem tem quem lhe leia, que pouco a pouco se desligou de
todo contato com o sacerdote, que vive entregue aos seus negócios e diversões, sem
que lhe ocorra sequer que há outros assuntos em que pensar? Que há de suceder?
Sucede o que estamos presenciando: que vai se formando no coração da Europa
católica uma massa verdadeiramente gentia. Não é atéia, porque o ateísmo não é uma
doença geral do povo, nem de classe alguma, mas de um ou outro de seus indivíduos
corrompidos; porém, tampouco é católica, porque nada sabe do Catolicismo. Este é o
estado lamentável das inteligências.
Coincidindo com ele e, pelas mesmas causas, é também dolorosíssimo o estado dos
corações. O primeiro a experimentar os efeitos da ignorância na inteligência é o pobre
coração. Seco como terra quebradiça sem chuvas ou rocios, vazio e desolado como o
deserto, tem sede sem saber onde saciá-la, sente-se só sem encontrar consolo de
amigo que o alente. À falta de verdade na inteligência acompanha a falta de consolo no
coração. Daí que tantos e tão belos corações, desesperados de encontrar algo que os
preencha, lancem-se à agitação da política devoradora, ou na lama de um mole
sensualismo, ou às emoções do positivismo mercantil. Porém, tudo isto que pode afagar
a vaidade ou satisfazer os sentidos, ou lisonjear a avareza, não consegue encher o
coração. O coração precisa de gozos, emoções, consolos de ordem muito superior;
necessita do sobrenatural, do que não nasce do pó da terra, do mesmo modo que a ave
necessita do ar, da luz, e dos largos espaços do firmamento. Não tendo isto, o pobre
coração humano sente-se ferido, desolado, enganado.
Ora, neste estado de ignorância das inteligências e de vazio dos corações, o espiritismo
apresenta-se e diz: “Ofereço portentosas revelações e descobertas com que o senhor
poderá satisfazer a sede de sua inteligência, ofereço emoções, mistério, vida superior e
sobrenatural com que satisfazer a sede de vosso coração. Como garantia de tudo isto,
eu ofereço a prova mais concludente neste século pouco dado à filosofia: fatos. Exijo
unicamente que o sr. não me examine sobre a procedência destes fatos.”
O infeliz, cuja inteligência precisa crer em algo e cujo coração necessita apoiar-se e
encher-se de algo, apega-se a este fantasma que lhe é apresentado, e se regozija dele
como de uma preciosa conquista. Conheço espírita que, não tendo crido em nada na
sua vida, encontra-se convertido em homem de crenças e de religião — segundo a sua
opinião — desde o momento em que abraçou a superstição espírita. Caso este homem
tivesse conhecido bem as verdades do credo católico, e sentido bem as puras
consolações da piedade católica, não se julgaria tão rico com as miseráveis
superstições com as quais agora crê ter tanto progredido. Os pobres selvagens, que
nunca viram as nossas pedras preciosas, disputavam nossos vidros pintados e
julgavam-se possuidores de tesouros com um cordão repleto deles.
Remédios
Para certos tipos, possui grande força uma argumentação que não gostaria que algum
dos meus leitores me apresentasse, como se fosse uma dificuldade séria. Quero
antecipar-me a ela.
— Muito bem. Por isto não combati a existência real destes fatos. Apenas quis provar
que tais fatos são coisa muito perversa e nem um pouco cândidos.
— Tampouco o nego, precisamente quis provar que procedem dos espíritos malignos.
— Bah! E que importa de onde procedam! Deixam por isso de ser fatos? Deixarão de
ser realidade? Se preciso de uma cura, que eu fique curado, ainda que seja Satanás em
pessoa a curar-me. Se quero saber do porvir ou de meus defuntos, que eu saiba o que
quero, ainda que, ao invés de meus defuntos, seja o diabo quem toma a voz. Repito: É
ou não realidade?
— Ora, muito bem. Fique, pois, com tais realidades. Mas não se esqueça, também é
realidade o assassinato, o roubo e o adultério. O fato prova apenas a existência da
coisa, não a sua bondade, muito menos a veracidade de uma doutrina. Por isto, o
verdadeiro filósofo atribui mais importância às razões do que aos fatos, por mais que
estime muito aos últimos. A verdadeira filosofia está em juntar ao exame dos fatos o
exame das razões que os explicam. Assim agem os filósofos. Os que se fundam
apenas nos fatos sem admitir as razões, não são filósofos, são pura e simplesmente
teimosos.
Contudo, suponho que o senhor, meu amigo, é ainda católico, e que ao afiliar-se ao
espiritismo, não quis com isto abjurar a Religião verdadeira, mas cair na rede da
novidade. Neste caso, considere bem esta última razão, que é a decisiva.
É inegável que sim. E neste caso, antes é o indigitado sistema que se afasta por si
mesmo da Igreja, do que é a Igreja quem o condena.
Nas suas obras encontrará a negação da divindade de Jesus Cristo. Segundo Allan
Kardec, Jesus Cristo não foi mais do que um Espírito de hierarquia superior, encarnado
num corpo perfeitíssimo, que sem necessidade de médium manifestou-se aos homens.
Não foi a segunda pessoa da Santíssima Trindade, Filho eterno de Deus, e Redentor do
gênero humano.
Também nega o espiritismo a realidade dos milagres referidos pelo Evangelho, inclusive
a ressurreição gloriosa de Cristo, que é o fundamento de nossa fé. Todos eles, segundo
o citado autor, não foram mais do que fenômenos espíritas.
Recapitulação
Quer, leitor amigo, que eu resuma tudo o que disse em meia página? Cá está.