Você está na página 1de 7

módulo i

Aula XV - As dimensões especulativa e prática


da Teologia

1. Continuando com as ideias da aula anterior, nós já afirmamos que a teolo-


gia é uma ciência preferencialmente especulativa, seguindo as orientações
de Santo Tomás de Aquino, porque considera essas convicções da fé e da
razão e uma construção dessas convicções pela razão do crente segundo
o modo conatural à essa razão. Por isso, se você coloca na teologia o foco
na vontade, essa teologia será como uma teologia mais prática, se coloca o
foco na sua maneira de fazer teologia na inteligência, na razão, então sua
teologia será mais especulativa.

2. Com o que se faz ciência? Se faz ciência com a razão. Por mais que essa
ciência realize várias práticas, mas a análise dessas realidades a pessoa faz
com a razão. Por isso, a tendência de Santo Tomás de Aquino e dos teólogos
é colocar ênfase na razão, ou seja, aquilo que analisa os distintos experi-
mentos. Quer dizer, eu faço os experimentos, mas ainda não é ciência. Sem
dúvida alguma, está numa investigação cientifica, mas a ciência acontece
quando eu faço a análise razoável daquilo que está acontecendo na minha
experiência. Seja uma análise simples. Não precisa chegar a conclusões ain-
da.

3. Se faz uma descrição, a partir da razão, de uma observação racional das


realidades ao redor. E onde é que está a ciência? A ciência está no objeto da
experimentação ou está na minha cabeça. Evidentemente, a palavra ciência
significa conhecimento e o conhecimento está na minha cabeça, então, é
lógico que eu coloque o acento, o foco naquilo que está na minha cabeça. A
ciência está na minha cabeça a partir de observações. O método científico
logicamente vai colocar muitas coisas em comparação, vai analisar muita
coisa, faz parte do método científico. Mas onde está o conhecimento ou ci-
ência , o CHIE, o conhecer? Está na cabeça de cada um que analisa aquelas
coisas. Por isso, na Tradição Tomasiana o acento fica na inteligência que

ocursodeteologia.com.br 82 @padrefcosta

To d o s o s d i r e i t o s r e s e r v a d o s . N e n h u m a p a r t e d e s t a o b r a p o d e s e r r e p r o d u z i d a , a r q u i v a d a o u
t r a n s m i t i d a d e n e n h u m a f o r m a o u p o r n e n h u m m e i o , s e m a p e r m i s s ã o e x p r e s s a d o a u t o r.
analisa os dados da fé, mais do que nos dados da fé, na dimensão prática.
Por isso, ao meu ver, Tomás de Aquino leva a dianteira nisso aí, se a gente
quer falar que a teologia é verdadeiramente uma ciência, e como está no
campo da razão tem a questão do ESPECULUM, da especulação, da con-
templação daquilo que está acontecendo nos tubos de ensaio ou daquilo
que a revelação me oferece, dos princípios que a revelação me oferece para
que eu faça todo o meu caminhar teológico racional dentro do contexto da
fé.

4. Não esqueçam disso, assim como nas ciências experimentais eu preciso


colocar uma série de coisas em observação e ter as conclusões a partir da
minha observação racional, portanto, a ciência está mais em mim do que
nas coisas, e com as minhas conclusões, eu dou base para outros continu-
arem as suas pesquisas. Assim também, observando os princípios da fé, os
princípios da divina revelação, observando o conhecimento de Deus e dos
bem aventurados, eu vou chegando a conclusões das quais tem mais a ver
com o que está na minha cabeça. Portanto, a teologia é eminentemente es-
peculativa. Evidentemente a teologia tem várias dimensões práticas. Você
pode avaliar que a Teologia Moral seja prática, mas não é. Teologia moral é
especulativa, contemplativa de uma conduta de como o cristão deve viver.
Evidentemente, quando o cristão vai viver aquilo, essa é a dimensão prática
da teologia especulativa, chamada teologia moral.

5. É semelhante àquilo que os filósofos ouvem, que não é útil porque é uma
contemplação da verdade. Claro que a maneira filosófica de viver seria a
dimensão prática da filosofia. Algo semelhante acontece aqui na teologia.
A teologia é realmente o conhecimento especulativo, a teologia dogmática
é especulativa, a teologia moral é especulativa, a teologia da história é es-
peculativa, mas é contemplativa, racional e tem dimensões práticas. Nesse
primeiro momento é profundamente especulativa. Mas no segundo mo-
mento tem uma série de dimensões práticas. Me ajuda a praticar uma série
de coisas boas que eu não praticava, a enxergar uma série de coisas que
eu não enxergava antes, a ter uma mente mais ordenada que antes eu não
tinha.

ocursodeteologia.com.br 83 @padrefcosta

To d o s o s d i r e i t o s r e s e r v a d o s . N e n h u m a p a r t e d e s t a o b r a p o d e s e r r e p r o d u z i d a , a r q u i v a d a o u
t r a n s m i t i d a d e n e n h u m a f o r m a o u p o r n e n h u m m e i o , s e m a p e r m i s s ã o e x p r e s s a d o a u t o r.
6. São Boaventura pensa que a teologia leva consigo uma síntese dinâmica de
fé e razão, mas não a entende como uma expressão de fé dentro da razão,
ou como uma luz revelada no intelecto humano, mas como uma reintegra-
ção progressiva do homem crente na unidade de Deus através do amor e
pelo amor. São Boaventura “contrariando” um pouquinho Santo Tomás de
Aquino vai sempre sublinhar a questão da vontade do amor. Santo Tomás
um pouco “contrariando” São Boaventura vai sempre sublinhar a questão
da inteligência e do ato racional. No fundo, os dois se complementam por-
que o ser humano é uma realidade de inteligência e tem uma parte espi-
ritual que pede, necessariamente, a inteligência e a vontade em Deus. A
inteligência se chama Filho e a vontade se chama Espírito Santo.

7. A nossa teologia deve ser uma teologia do Filho e do Espírito Santo, deve
ser uma teologia da inteligência e da vontade. Vocês sabem que teologica-
mente, o Filho procede do Pai por geração, por um ato de inteligência e o
Espírito Santo procede do Pai e do Filho por processão num ato de vontade.
Se a gente for levar muito a sério essas processões internas em Deus, da
inteligência e da vontade, é muito razoável entender que, na verdade, Santo
Tomás e São Boaventura se complementam muito bem, ainda que Santo
Tomás sublinhe mais a inteligência, sem esquecer a vontade e São Boaven-
tura sublinhe mais a vontade sem se esquecer da inteligência. A teologia de
São Boaventura não é cega, mais ainda, a racionalidade de São Boaventura
o levou a não acreditar, por exemplo, na Imaculada Conceição na sua época.
Mas nenhum teólogo acreditava na Imaculada Conceição na época de São
Boaventura, e olha que eu quis provocar falando de São Boaventura porque
ele era franciscano e os franciscanos foram e continuam sendo os grandes
defensores da Imaculada, pois bem, São Boaventura franciscano não acre-
ditava que Maria fosse Imaculada Conceição. Santo Tomás também não,
Santo Alberto Magno também não, nem São Bernardo de Claraval que era o
Doutor Melífluo e deixou páginas maravilhosas sobre a Santíssima Virgem
Maria. Nenhum herege, o dogma da Imaculada Conceição foi proclamado
apenas em 1854 e estamos falando de autores do século XIII, então não tem
como ser herege se não tem uma doutrina definida dogmaticamente, eles

ocursodeteologia.com.br 84 @padrefcosta

To d o s o s d i r e i t o s r e s e r v a d o s . N e n h u m a p a r t e d e s t a o b r a p o d e s e r r e p r o d u z i d a , a r q u i v a d a o u
t r a n s m i t i d a d e n e n h u m a f o r m a o u p o r n e n h u m m e i o , s e m a p e r m i s s ã o e x p r e s s a d o a u t o r.
são pessoas que estão pensando a fé e nesse ponto, erraram todos, os santos
podem errar de vez em quando e inclusive pode até pecar, depois se confes-
sa e recomeça a vida.

8. A teologia é uma ciência especulativa com dimensões práticas. A teologia é


uma ciência prática que deve formar a existência daquele que crê, nutrir a
sua vida espiritual e motivar a impulsionar nele a difusão da fé cristã. Essa
questão, se a teologia é especulativa ou prática não é simplesmente uma dis-
cussão medieval, de ontem, é uma coisa que de vez em quando volta como
reflexão na própria teologia sobre o seu caráter mais especulativo ou mais
prático. Talvez, considerar a teologia como sabedoria e ciência nos ajude a
unir bastante os aspectos racionais e os aspectos volitivos (vontade) nessa
ciência.

9. A teologia cristã é sabedoria, ou seja, está por cima da informação e do sim-


ples conhecimento. O seu olhar para a realidade é mais penetrante do que
o olhar filosófico ou cientifico que consideram as coisas só pelo que são, o
olhar da teologia vai além porque a teologia é o conhecimento de todas as
realidades divinas e humanas através da causa primeira que é Deus mesmo,
princípio da ordem universal. Isso abre muito o panorama da teologia, de
tal maneira que ela não é só ciência, ela é sabedoria e como sabedoria, ela
tem como que um gosto especial, deve ser degustada de maneira especial
porque ela vê todas as coisas SUB SPECIE AETERNITATIS, ou seja, ela se
esforça para entrar no plano divino, estudar o plano divino, procurando
descobrir a inteligibilidade de cada criatura, tal como Deus a quis, na sua
causa eficiente e na sua causa final. Do que é constituída essa pessoa? É sim-
plesmente de matéria e forma? Então a teologia vai dizer sim, é isso, mas
vai além. O homem é criatura de Deus, é filho de Deus, quero dizer, afirmar
que o homem é filho de Deus é um desenvolvimento mais completo ao afir-
mar simplesmente a causa constitutiva, matéria e forma, mas quando eu
falo que o homem tem uma finalidade, uma causa, Deus o quer levar para a
eternidade, então percebemos que não é simplesmente a constituição, mas
de onde ele vem e para onde ele vai. Essa maneira de considerar tudo numa
visão de eternidade faz toda diferença na teologia. Então quer dizer, é ci-

ocursodeteologia.com.br 85 @padrefcosta

To d o s o s d i r e i t o s r e s e r v a d o s . N e n h u m a p a r t e d e s t a o b r a p o d e s e r r e p r o d u z i d a , a r q u i v a d a o u
t r a n s m i t i d a d e n e n h u m a f o r m a o u p o r n e n h u m m e i o , s e m a p e r m i s s ã o e x p r e s s a d o a u t o r.
ência? Sim. Usa a razão? Sim. Está atenta à vontade? Também. Mas além
de ser uma ciência, ela é um pouco mais, é uma sabedoria que nos ajuda a
penetrar no sentido dos seres, dos acontecimentos segundo a visão de Deus
SUB SPECIE AETERNITATIS.

10. A teologia faz-se então merecedora do nome “sabedoria” e pode desempe-


nhar com relação às ciências humanas um papel de unificação e de síntese
sem que exerça nenhuma classe de tutela sobre as outras ciências, mas sem
dúvida alguma, a teologia orienta aspectos dessas ciências. Por exemplo: as
descobertas científicas querem trabalhar com os embriões humanos, o que
a teologia moral vai dizer? A pessoa humana não é só criatura de Deus, é
filho de Deus, há uma dignidade tão grande na pessoa humana que você
não pode tratá-la dessa maneira, não pode tratá-la descuidando do aspecto
ético que está implícito em cada criatura humana.

11. Estão vendo como esse diálogo é frutuoso? A teologia vai ao encontro das
demais ciências elevando esse contexto humano para que as pessoas não
façam progredir uma ciência que vá contra o próprio ser humano. Uma
ciência que vá contra o próprio ser humano é uma ciência desumana. Não
existe avanço científico se a ciência destrói os homens, que faz com que as
pessoas não vivam mais com dignidade. Então, a teologia chama atenção
das outras ciências para que sejam respeitosas com o ser humano, para que
sejam respeitosas com todas as realidades, pois a teologia entende o valor
das realidades criadas por Deus.

12. É grande importância de que haja uma espécie de, como diz José Morales
no seu livro, “uma unificação e síntese sem que a teologia seja uma espécie
de vigilante sobre as demais ciências”. Sem dúvida alguma um diálogo fru-
tuoso entre a teologia e ciências humanas ajuda a salvar a dignidade do ser
humano.

13. É fácil existir conflitos entre a ciência teológica e as demais ciências, não é
difícil e vocês sabem, muitas vezes algumas teorias científicas foram postas
como avanço da sociedade contra a fé da Igreja. Por exemplo, a teoria da
evolução das espécies, ela foi posta como uma descoberta científica que

ocursodeteologia.com.br 86 @padrefcosta

To d o s o s d i r e i t o s r e s e r v a d o s . N e n h u m a p a r t e d e s t a o b r a p o d e s e r r e p r o d u z i d a , a r q u i v a d a o u
t r a n s m i t i d a d e n e n h u m a f o r m a o u p o r n e n h u m m e i o , s e m a p e r m i s s ã o e x p r e s s a d o a u t o r.
colocaria em perigo a fé católica. Nós católicos não vemos dessa maneira,
ainda mais quando percebemos que o pai da genética foi um monge be-
neditino, chamado Gregório Mendel, então não temos medo da teoria da
evolução, além do mais me parece muito coerente. Santo Agostinho falava
de evolução, não sei se vocês sabem, mas ele achava que era muito inteligen-
te que Deus permitisse que uns seres surgissem de outros e portanto, essas
coisas germinais iniciais com tudo que se poderia desenvolver só poderia
sair de um ser maximamente inteligente que é Deus. Outra teoria científica
muito posta contra a fé da Igreja foi a Teoria do Big Bang, muitas pessoas
entendem como se fossem contrapostas a fé, nós não vemos dessa maneira,
especialmente quando a gente sabe que essa teoria foi descoberta por um
padre católico – Lemaître. Enfim, poderíamos continuar citando algumas
teorias científicas que parecem que vão contra a fé e não vão contra a fé.

14. É bem impressionante como a física quântica ajuda a teologia. Eu não te-
nho nem tempo pra explicar isso aqui, sou professor dessa matéria na facul-
dade também e descubro maravilhosamente como a física quântica é uma
chancela desde o ponto de vista da razão de tantos aspectos teológicos que
a gente sabe, estuda, aprofunda cada vez mais, enfim. Não há contradição
entre as duas maneiras de fazer ciência, uma ciência experimental e uma ci-
ência humana, como a teologia. Ciência humana que pega seus princípios
do próprio Deus.

15. Estes conflitos surgidos especialmente a partir do século XVII com motivo
da emancipação das ciências exatas e naturais simbolizadas, no caso, por
Galileu não são verdadeiras, também porque o caso Galileu está muito mal
contado, é preciso contá-lo de maneira correta porque Galileu Galilei era
um fiel católico como qualquer outro na época, que tinha suas curiosidades
científicas, seus conhecimentos científicos sua maneira de ver ciência e que
teve alguns conflitos com alguns cardeais que não entenderam Galileu, mas
também Galileu não entendeu alguns cardeais. Com relação ao magistério
da Igreja nunca houve uma condenação formal de Galileu Galilei e houve
um momento que Galileu teve que guardar um certo silêncio e ficou na
casa de algum amigo e terminou a sua vida como bom católico, recebendo

ocursodeteologia.com.br 87 @padrefcosta

To d o s o s d i r e i t o s r e s e r v a d o s . N e n h u m a p a r t e d e s t a o b r a p o d e s e r r e p r o d u z i d a , a r q u i v a d a o u
t r a n s m i t i d a d e n e n h u m a f o r m a o u p o r n e n h u m m e i o , s e m a p e r m i s s ã o e x p r e s s a d o a u t o r.
os santos sacramentos, há muitas histórias que estão contadas de manei-
ra errada. Nesse caso do Galileu Galilei, queria indicar o professor Maria
MARTIGAS que foi professor da Universidade de Navarra, que já morreu
e trabalhou muito bem este caso e explicou de maneira bastante clara esse
caso.

16. Bom pessoal, a ciência humana pode dar a atividade teológica, rigor, or-
dem e valiosas informações que nós também não queremos abandonar ou
ignorar.

17. São João Paulo II na encíclica Redemptor Hominis falou desse diálogo in-
terdisciplinar em que a teologia deve tomar parte ativa, a teologia não só
encontrou na Universidade Medieval o seu lugar de destaque, mas a teolo-
gia também continua encontrando na Universidade atual o seu lugar. Se em
algum momento ela perdeu seu lugar na universidade atual, ela deve lutar
para ter o seu lugar. De maneira muito especial, a teologia deve continuar
fazendo valer a sua cientificidade que dialoga com outros saberes igual-
mente científicos.

ocursodeteologia.com.br 88 @padrefcosta

To d o s o s d i r e i t o s r e s e r v a d o s . N e n h u m a p a r t e d e s t a o b r a p o d e s e r r e p r o d u z i d a , a r q u i v a d a o u
t r a n s m i t i d a d e n e n h u m a f o r m a o u p o r n e n h u m m e i o , s e m a p e r m i s s ã o e x p r e s s a d o a u t o r.

Você também pode gostar