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Do Misticismo ao Ceticismo
SUMÁRIO
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Introdução
Parte I – As características da Ordem Rosa-Cruz
1. Como cheguei na Ordem Rosa-Cruz e minha relação com o
ceticismo
2. O que a Ordem Rosa-Cruz tem de bom e por que me filiei
3. A Ordem Rosa-Cruz é uma religião, uma seita ou uma escola?
4. Faz sentido a Ordem Rosa-Cruz ser secreta ou discreta?
5. A psicologia dos membros das Ordens e suas sombras
6. O público-alvo da Ordem Rosa-Cruz seu elitismo
7. A relação da Ordem Rosa-Cruz com as religiões
8. A Ordem Rosa-Cruz é completa?
9. Reflexões sobre o material de ensino da Ordem Rosa-Cruz
10. As origens históricas e tradicionais da Ordem Rosa-Cruz e
suas contradições
Referências
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INTRODUÇÃO
PARTE I
AS CARACTERÍSTICAS
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Algo que me marcou muito nessa jornada foi aos seis anos
de idade ter ganhado um álbum de figurinhas chamado
Monstros da Pré-História. Isso fez com que desde novinho
eu tivesse consciência de que a vida surgira de um ser
primitivo e primordial, hoje chamado de LUCA (Last
Universal Common Ancestor), que as espécies foram
evoluindo em milhões de anos e que houve outras espécies
de seres humanos como australopitecos, neandertais, homo
habilis, homo sapiens etc. Depois desse álbum, colecionei
encartes científicos como a enciclopédia Descobrir: Uma
Aventura no Mundo da Ciência. Meu programa familiar
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Para quem olha de fora pode parecer meio confuso, mas quando
você segue certa linha de pensamento, faz sentido.
deixa de ser é um debate que basicamente não tem fim. Pode até
haver critérios técnicos que diferencie essas coisas nas suas
filigranas, mas no final das contas, tudo é classificação e,
classificar, é sempre uma relação de poder.
Ainda hoje não acho que a Ordem Rosa-Cruz seja seita e nem
religião, mas fui percebendo que ela não é muito diferente de
nenhum outro grupo que lida com a existência de um mundo
espiritual. Isso foi pouco a pouco despertando em mim um
espírito cético global. Simplesmente não há uma autoridade
central que vai definir o que é uma religião, seita, filosofia,
ciência, escola etc. Há certa mixórdia nessas classificações.
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Este movimento foi muito valioso para mim, pois foi o primeiro
passo para enxergar o rosacrucianismo em terceira pessoa. Em
outras palavras, para analisá-lo de fora. Ao tomar essa postura,
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Para que o leitor tenha uma ideia do quão isso pode se tornar
verdadeiro, algumas organizações ensinam, por exemplo, que da
mão esquerda emana uma energia de polaridade negativa. Esta
qualidade, contudo, nada teria a ver com o mal, mas sim com
uma suposta natureza vibratória que se irradia desta mão e que
seria mais receptiva do que penetrante. Em função disso, muitas
pessoas até hoje acham que a mão esquerda é amaldiçoada e por
isso as pessoas se cumprimentam com a mão direita.
Do lado das Ordens iniciáticas, por sua vez, quase todas elas
costumam dizer que a religião do membro não importa e todos
são bem vindos. Com a Ordem Rosa-Cruz que eu estava não era
diferente. Seja o indivíduo cristão, budista, muçulmano ou
judeu, todos podem pedir afiliação. No entanto, apesar de achar
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Então como dizer que é possível conciliar ser rosa-cruz com ser
cristão? Só com muito cinismo e boa vontade, pois é óbvio que
existe incompatibilidade entre as coisas. O fingimento das
pessoas e a incapacidade delas de tomar posturas firmes na
definição de suas crenças e de suas identidades passou a me
gerar um profundo desagrado. Ademais, se os cristianismos
parecem suficiente para alguns, pra que procurar outra filosofia
de vida? Vejam bem leitores, não estou dizendo que seja
impossível conciliar as duas coisas, mas acho que muitos
membros poderiam ser convidados a serem mais críticas com
relação às suas crenças religiosas.
A coisa chegou num tal nível que, certa vez, durante uma
palestra online, um irmão rosa-cruz que estava assistindo me
disse que o Grandioso Mestre da Ordem (o líder da Grande Loja
de Língua Portuguesa) fez questão de dizer que era cristão. De
acordo com relatos que chegaram até mim, aquilo causou
engulho e constrangimento generalizado em vários membros,
muitos dos quais que sofreram lavagem cerebral em igrejas e se
libertaram graças aos ensinamentos da Ordem. Todo mundo se
perguntou “Para que o Grandioso Mestre se disse cristão? Se a
religião cristã é válida, por que eu devo estar na Ordem Rosa-
Cruz?”. Aliás, será que o Grandioso Mestre é realmente cristão?
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Ora, se é assim, por que então ele é cristão? Isso significa que a
Ordem Rosa-Cruz não é suficiente e ele precisa de uma igreja
para se complementar? Se é possível conciliar rosacrucianismo
com religião, por que não se podia conciliar a Ordem Rosa-Cruz
com outras organizações? Contradição evidente.
Esse respeito pode ser tão exagerado que, por vezes, não é raro
encontrar rosa-cruzes que trocam a Bíblia pelas monografias.
Muitos deixam de ver o livro sagrado de suas religiões como “a
Palavra de Deus” e transferem este sentimento para os estudos
rosa-cruzes. Sobre isso, é bom ressaltar que a Ordem sempre
desencorajou esta postura. Ela nunca disse, até onde eu sei, que
o conteúdo das monografias é a Verdade final sobre as coisas.
Pelo contrário, pois ela encoraja seus membros a refletirem e
meditarem sobre seu conteúdo e a formarem suas próprias
opiniões.
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Tudo isso pode parecer detalhes triviais para quem está de fora,
mas para quem está de dentro não é. Eu comecei a me indagar
por que as gônadas sexuais foram tiradas dos centros psíquicos
principais. Teriam elas “poderes” especiais? Ou seria moralismo
da organização? E se eles têm um moralismo tão besta a ponto
de considerar sujos e secundários os órgãos genitais naturais de
cada ser humano, imagina o resto! Mas a principal questão ainda
era outra. Se as monografias da Ordem ensinam verdades
espirituais, como essas verdades podem mudar? Logo, não são
verdades. Ademais, o que me garante que eu aprendo como
verdade hoje, não mudará amanhã?
Por mais que essas coisas possam não ser lá muito graves e nem
diminua os benefícios da espiritualidade rosa-cruz como um
todo, essas reflexões começaram a criar rachaduras em todo um
edifício. Elas foram fermentando em mim e comecei a ter
um olhar desconfiado sobre o material de estudo que eu estava
recebendo e sobre a própria Grande Loja. Esta, por sua vez,
nunca deu muitos esclarecimentos públicos acerca de todo este
imbróglio entre as monografias antigas e novas. Pelo menos não
até onde eu sei.
Fato é que por mais que o Egito Antigo tenha tido muitos
avanços em diversas áreas, qualquer olhada mais honesta nos
permite perceber que eles eram basicamente povos antigos que
habitavam o deserto e que tinham todas as limitações do
conhecimento humano próprias daquela época. Por mais que a
Ordem Rosa-Cruz tente florear certos aspectos, o Antigo Egito
era um império como outro qualquer, onde não havia noções de
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PARTE II
A COSMOVISÃO
ROSA-CRUZ
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Para que o leitor possa visualizar este ponto, certa vez, em uma
conversa, um conhecido rosa-cruz me disse que os ocultistas
sabem que existem pelo menos três forças independentes e
distintas emanadas do Sol e que chegam ao nosso planeta.
Seriam elas fohat ou eletricidade, prâna ou vitalidade e
kundalini ou fogo serpentino. Ele também falava sobre Sete
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Aqui, vale notar que isso não quer dizer que na visão religiosa
não haja essas mesmas noções subjacentes; elas existem, mas
nas religiões não é dado a mesma abordagem a elas que se dá no
misticismo. Além disso, como veremos mais à frente, o que os
religiosos chamam de ‘lei’ e ‘ordem’ não são exatamente a
mesma coisa que os místicos entendem por essas noções,
embora, por vezes, as coisas se confundam.
isso aqui porque iria desviar muito de nosso assunto. Seja como
for, nesse mundo de diferentes concepções do divino, havia até
quem dissesse que o mundo fora criado por um Deus mal e que
por isso deveríamos abandonar totalmente a matéria, como os
gnósticos primitivos, por exemplo.
Para o leitor que toma contato com essa noção pela primeira vez,
a visão panteísta é muito bonita e busca resgatar certos laços dos
seres humanos com a natureza. Enquanto na concepção cristã
Deus está fora do mundo, no céu, no panteísmo místico a
Divindade estaria em coisas como rios, animais, florestas etc.
Este olhar impinge em nós um respeito pelo mundo natural.
Também ele nos inspira a termos uma vida harmônica com o
meio-ambiente e com o planeta Terra.
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Ora, este olhar é até bonitinho, mas nos joga para um mundo
onde Deus é incognoscível. Ora se é impossível conhecê-lo, para
que eu vou ficar correndo atrás Dele? E mais: Quem pode falar
em nome Dele já que ninguém O conhece? Se Ele próprio não
quer ser conhecido, Ele que se dane! Por que vou correr atrás de
quem não me dá atenção?
entanto, sempre se questionou sobre até que ponto este fato não
estaria associado a contextos sociais. Negros, por terem menos
chances educacionais do que brancos e por não terem uma
cultura que valorize o estudo tanto quanto a cultura asiática,
podem se sair pior nestes testes por razões sociais e não por uma
característica inerentes à sua genética e à sua biologia.
Caso o leitor não tenha reparado, temos uma tensão entre duas
correntes de entendimento e quiçá duas maneiras de encarar a
própria Realidade. A primeira delas é que o mundo está
submetido à condução de um princípio inteligente organizador e
condutor, a tal Inteligência Cósmica. A segunda delas encara que
os fenômenos podem ser frutos de um acaso sem muitas
explicações. Neste caso, a vida pode ser um fenômeno
randômico e único sem a bênção de uma entidade supra-
humana.
Assim, como dizer para uma pessoa que nasceu com uma
deficiência física e tem uma vida cheia de limitações que ela é
fruto de uma Inteligência Divina? Como explicar essa ideia para
gêmeos xifópagos que nasceram com o corpo atrelado um ao
outro? Deus errou nos cálculos? Como explicar o fenômeno da
transexualidade, onde indivíduos são submetidos ao drama de
sentirem que não pertencem ao corpo com o qual nasceram? O
que dizer de uma pessoa que nasceu cega por problemas
genéticos? A simples contemplação destes fenômenos gera um
constrangimento na ideia de que existe uma Inteligência
Cósmica na base dos fenômenos naturais.
Para que o leitor entenda como tudo isso não faz muito sentido,
analisemos um documento histórico intitulado "Relato de Paris
de uma operação terrível". Trata-se de uma carta escrita pela
senhora Burney que relata uma das primeiras descrições em
primeira pessoa de uma mastectomia antes da invenção da
anestesia.
"Mas, quando o aço terrível penetrou no peito, cortando as
veias, as artérias, a carne, os nervos das suas entranhas,
irrompeu "um grito que perdurou ininterruptamente durante
todo o tempo da incisão (...) de tão insuportável foi a agonia.
(...) Senti a faca contra o esterno, raspando-o!" (VENTURA,
2022).
Por fim, o leitor pode argumentar que por mais que haja críticas
à ideia de uma Inteligência transcendente aplicada ao
surgimento da vida, conduzindo a evolução dos seres e
capitaneando o destino dos seres humanos, ainda assim, a
natureza tem uma perfeição indescritível. Nosso organismo
trabalhando em perfeita sintonia, o movimento dos astros e dos
seres vivos – tudo isso parece ser tão encaixado que pressupõe
uma Inteligência atuando. Mas será mesmo que podemos captar
alguma perfeição nessa tal de natureza? É o que veremos a
seguir.
sentado é pura natureza, uma vez que ela é feita de átomos. A lei
da gravidade é natureza junto com as leis da ótica? Mas do que é
feito uma ‘lei da natureza’? Posso pegar em uma lei da ótica?
Nesse sentido, se podemos tocar em alegadas partes da natureza,
a própria natureza parece não existir enquanto um substantivo
próprio. Além disso, essa noção inegavelmente tem partes
intangíveis e áreas de fronteiras.
O leitor pode dizer que não, pois tudo foi trocado. Mas se assim
o for, a partir de que momento ele deixa de ser o barco de Teseu
efetivamente? A partir da troca da primeira peça? Se seguirmos
nessa linha, quando o barco perde apenas uma lasca de seu casco
já deixa de ser o barco de Teseu? Afinal, quando uma coisa se
torna exatamente outra coisa? Convém também lembrar que as
células de nosso corpo também se renovam de tempos em
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naturais para construir essas coisas, por que isso é ruim? Em que
uma vida “natural” é melhor do que a chamada “artificial”
baseada na manipulação da natureza que nos dá vários confortos
e facilidades? Todas essas questões, contudo, ainda não
resolvem algo muito básico: o que é natural?
isso faz sentido? Vamos ver um pouco sobre essa discussão nos
concentrando primeiramente no aspecto científico dela.
O leitor pode argumentar que por mais que haja essas anomalias
nos fenômenos físico-químicos, é possível prevê-los e calculá-
los, dando aos cientistas um maior controle sobre os fenômenos.
O leitor pode dizer que cada um tem uma natureza que lhe é
própria e que esses argumentos não se sustentam. De fato, não
se sustentam e sabemos que cada pessoas tem necessidades
sexuais muito próprias. No entanto, isso não elimina o dilema
filosófico. Afinal, se existem várias naturezas em cada
indivíduo, cada uma dessas naturezas possui leis próprias de
funcionamento? Isso derruba a ideia de um mundo regulado por
leis fixas, gerais e universais.
O leitor pode dizer que não se trata da mesma coisa, pois neste
caso é o homem que está fazendo isso e não a natureza. O
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19.7. Conclusões
Por fim, a ideia de ordem cósmica, universal ou divina é fofa e
dá certo conforto psicológico às pessoas por estarem ligadas a
algo maior do que elas mesmas. Hoje, contudo, em função de
todos os desdobramentos que expus acerca desta ideia, tenho
profundas desconfianças sobre ela. Ademais, ainda que
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Não acho, contudo, que não haja uma possível ordem inerente
no cosmos, na natureza, na vida e nos seres humanos. Qualquer
pessoa que já tenha estabelecido uma disciplina no seu
comportamento sabe como é importante sermos organizados e
como isso enriquece a mente. A natureza igualmente não é um
completo caos. Mas é preciso reconhecer as consequências
controversas deste pensamento e que muitas vezes não são
percebidas. Atualmente, penso que a ideia de “ordem” pode ser
substituída pela noção de “relativa regularidade” do universo,
ideia essa que convive com a contingência das coisas.
Mas ainda havia outra coisa que intensificou ainda mais o meu
desvinculamento com o mundo espiritual. Trata-se de um
processo que os historiadores costumam chamar pelo nome de
Modernidade. Em linhas gerais, este é um fenômeno social que
começou no século XVI na Europa, com a Revolução Científica,
e abarca uma série de outras revoluções que mudaram o
pensamento dos seres humanos, principalmente na civilização
ocidental. Um dos principais impactos que a Modernidade
trouxe à humanidade foi uma profunda mudança que esta tinha
na relação com Deus e o sagrado. Vamos falar um pouco sobre
isso.
Dessa forma, é verdade que não podemos dizer que Deus deixou
de existir com o avanço da Ciência e da Tecnologia, pois Ele
ainda existe e aparentemente prospera em muitos lugares. Mas a
Divindade hoje, de muitas formas, é mais uma ideia fruto de um
legado cultural do que a ferramenta que já foi antigamente.
Mesmo entre o mais fanático dos religiosos, são raros os que
confiam mais em Deus do que nos médicos e, quando isso
acontece, geralmente ele se dá mal, como é o caso dos
movimentos antivacina que existem por aí.
Dessa forma, a Ciência pode até não ter o porquê filosófico final
da vida, mas suas explicações técnicas das coisas satisfazem de
muitas formas as perguntas que fazemos. O problema das
religiões é que como são diversas ideologias metafísicas, cada
uma delas produzirá respostas variadas e, ao final, não temos
solução e nem meios para saber quem tem a verdade.
agem dessa forma e não daquela? Fato é que não sabemos tudo.
Mas, será que operar com a ideia de Deus é a resposta para esses
problemas e desafios? Hoje em dia eu tenho minhas dúvidas.
PARTE III
A VISAO ROSA-CRUZ
DO SER HUMANO
302
Eu também não ousaria afirmar que a alma não existe, mas até o
presente momento não parece haver nenhum cálculo matemático
que nos permite propor a existência de uma energia espiritual no
universo que possamos associar a algo como “energia da alma”.
Chegamos aos confins do universo com poderosos telescópios e
fomos ao coração do átomos explodindo-os em várias partes e
identificando todas as suas subpartículas e, até agora, nadinha da
alma. A única “evidência” que nos faz questionar sobre a
existência de uma energia de alta frequência seria mesmo o
mistério da consciência. No entanto, com o passar dos anos, eu
conclui que isso não necessariamente prova nada.
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A primeira delas crê que após a morte a alma habita uma espécie
de mundo dos mortos e fica lá sem fazer nada. As religiões
grega e romana, ao que parecem, acreditavam nisso.
A segunda corrente acredita em um julgamento divino que
acontece em função do que fizemos em vida e a partir daí
seremos condenados eternamente ou recebidos em uma espécie
de paraíso. Os cristianismos e os islamismos se situam neste
ponto.
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A segunda corrente afirma que a alma dos vegetais não pula para
o reino animal e a alma dos animais não pula para o reino
humano. O que acontece é que dentro de cada espécie há um
ponto ótimo de evolução e que quando esse estado é atingido,
essa alma não precisa mais se reencarnar. O cães da raça golden
retriever, por exemplo, seriam espiritualmente mais evoluídos do
que o lobos, mais dominados por instintos primitivos. Assim
como os seres humanos poderiam atingir o máximo de sua
evolução na figura de Jesus, por exemplo, a alma canina poderia
atingir o máximo de sua evolução em uma determinada espécie
de cachorro.
22.8. A reencarnação
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Com o tempo, uma ideia que me parecia tão evidente foi pouco
a pouco sendo questionada e relativizada. Ainda hoje, se eu
tivesse que acreditar em algo espiritual, a ideia de sucessivas
vidas para se atingir um elevado estado de evolução me parece
mais acertada do que as outras propostas de mundo espiritual.
No entanto, a verdade é que nada parece fazer muito sentido.
Todas as explicações que desenvolvemos sobre uma suposta
realidade espiritual parecem se resumir a um mundo de
especulações infrutíferas que não chegam a lugar algum.
22.9. O carma
Nessa discussão sobre alma, vida após a morte e reencarnação,
chegamos necessariamente ao conceito de carma, uma ideia
desenvolvida na Índia há milênios. Para quem não conhece, esta
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Vamos supor que uma mulher de nome Maria perdeu o seu filho
João porque na vida passada Maria tirou a vida do filho de outra
pessoa, a Marcela. Logo Maria teve seu filho assassinado por
causa de um carma do passado. Ora, mas por que não podemos
interpretar que Marcela assassinou o filho de outra pessoa no
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passado e por isso teve que perder seu filho assassinado por
Maria? E por que não interpretar que essa pessoa cujo filho foi
assassinado por Marcela matou o filho de outra pessoa em um
passado ainda mais distante? Podemos voltar o raciocínio
cármico até os neandertais, onde todo tipo de assassinato que
alguém comete nada mais seria uma justiça redistributiva divina.
24.2.1. A telepatia
A técnica da telepatia é um dos primeiros experimentos
ensinados pela minha Ordem Rosa-Cruz. Eu fiz as técnicas que
me foram ensinadas para transmitir pensamentos com três
amigos rosa-cruzes. Foram várias tentativas e obtive sucesso em
três delas. Nessas ocasiões, os irmãos rosa-cruzes “captaram” o
que eu queria dizer. Mas isso prova que a telepatia funciona?
24.2.4. Telecinese
A telecinese é o alegado poder de mover objetos com o poder da
mente. Suas bases seriam o fato de que o pensamento é vibração
e, como toda vibração, interage com a matéria. Assim como o
som“empurra” as coisas fisicamente (basta colocarmos a mão na
frente de uma caixa de som em alto volume para verificarmos
isso), o pensamento, quando concentrado, se tornaria mais denso
e seria capaz de fazer o mesmo. A Ordem Rosa-Cruz ensinava a
colocar uma bola de pingue pongue no centro de um pote com
água e se concentrar nele.
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24.2.5. Vibroturgia
A vibroturgia é a capacidade de entrar em contato vibratório
com determinado objeto e extrair informações sobre sua história
por meio de sensações que nos chegam à nossa mente. As bases
teóricas deste tipo de coisa estão no fato de que os átomos que
compõem um objeto guardariam uma espécie de memória.
Nesse experimento, a Ordem Rosa-Cruz sugeria que fôssemos a
uma biblioteca, pegássemos um livro antigo e sentíssemos as
vibrações dele, aguardando as impressões que vinham em nosso
pensamento.
psíquica por detrás deste processo ou isso tem a ver com a nossa
capacidade de conquistarmos as coisas por nós mesmos?
24.2.7. Clarividência
Outro exercício proposto pela Ordem é a capacidade de
clarividência. Por esta palavra podemos definir a capacidade de
visualizar tanto o passado quanto o futuro. No que se refere ao
passado, a organização nos ensinava a acessar nosso
subconsciente e ver cenas que aconteceram. Eu fiz este exercício
e realmente me vinham imagens mentais sobre o período que eu
estava visualizando. Logo, isso existe, certo?
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Isso é o mesmo que dizer que ano que vem uma pessoa famosa
vai morrer ou que algo de grandes proporções vai mudar o
mundo. Ora, o mundo é gigantesco e a probabilidade dessas
coisas acontecerem é enorme. Não devemos nos esquecer que
para cada vidente que acerta alguma coisa, não só
muito sincero no seu relato e eu fiquei muito feliz por ele, mas
fiquei triste por mim. Pensei “Poxa, por que eu nunca consegui
ver a aura e ele sim, uma vez que entramos na Ordem no mesmo
período? Será que eu sou menos evoluído?”
Isso culpa as pessoas pelo seu próprio fracasso e ainda por cima
protege os tais poderes espirituais de crítica ou da mera
possibilidade de inexistência. Se alguém diz que eles não
existem, é porque não está vibrando nos altos níveis do plano
astral. Nessa linha, posso afirmar qualquer coisa. Inclusive
posso dizer que é possível soltar um hadouken pelas minhas
mãos, bastando me colocar no nível astral adequado para que
essas coisas aconteçam. Ao estudar como outras organizações
rosa-cruzes lidavam com os tais poderes mentais, identifiquei
uma outra organização cujo líder alegadamente transformou
zinco em ouro com o poder da mente. No entanto, os
ingredientes para essa transmutação nunca foram revelados e foi
explanado que o material necessário para isso era de difícil
obtenção e a relação custo/benefício não compensava a
transmutação. Ora, é muito fácil você fazer afirmações
fantásticas sem submeter isso ao escrutínio científico. Ainda
mais em uma época em que os Estados Unidos e a Europa
estavam mergulhados em fenômenos espíritas que eram claros
truques de ilusionismo.
Por mais que haja embates dentro da medicina que nos é mais
usual e ela não esteja alheia às disputas do mercado, foi essa
mesma medicina que eliminou doenças que, por séculos,
assolaram a humanidade. Tétano, raiva, poliomielite, varíola,
febre amarela, hanseníase e várias outras, hoje, só nos
informamos delas por meio dos livros de Biologia ou de
História. É verdade que muitas dessas doenças ainda existem,
mas seus efeitos são bem mais contornáveis do que já foram no
passado.
Uma dúvida que sempre tive sobre este tema, no entanto, é qual
seria exatamente a diferença entre glândulas e centros psíquicos
sob o ponto de vista rosa-cruz. Isso porque em muitas
monografias, a Ordem Rosa-Cruz dá a entender que nossos
hormônios são secretados com base no estímulo e no despertar
de nossos centros psíquicos que fazemos fazemos por meio de
cânticos e da visualização. Só que este pensamento tem
problemas consideráveis.
Este debate traz toda uma discussão sobre onde está o “eu”. Sou
assim porque os hormônios me fizeram dessa maneira ou é o
meu modo de pensar e de ser que influenciam meus hormônios?
Os centros psíquicos influenciam a nossa mente ou é nossa
mente que influenciam os nossos centros psíquicos? Se o
despertar do centro psíquico influencia a produção das glândulas
e dos hormônios, o mal funcionamento dessas coisas está
vinculado a um problema espiritual? Este é um processo que se
retroalimenta? Se sim, qual a solução? Remédios, meditação e
cânticos espirituais ou alterações em nosso modo de pensar?
28.1. A vaidade
Ao longo da minha jornada, eu percebi que esse conceito de
evolução da alma, apesar de guardar certa beleza, sempre teve
algo egóico naqueles que nela acreditam. Isso porque, além
dessa ideia hierarquizar os seres humanos entre mais e menos
evoluídos, quase sempre quem crê nela se pensa mais evoluído
que os demais. Pouco a pouco fui percebendo essa característica
na psique dos rosa-cruzes e também dos espíritas e isso foi me
incomodando.
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Isso pode nos levar a uma corrida eugênica para trazer as “almas
mais evoluídas” para a Terra. Ademais, neste tópico, há as
questões da epigenética, que são memórias ancestrais que
carregamos em nossos genes. Se essas memórias podem estar
ligadas a coisas ruins e nos influenciar de várias maneiras, isso
significa que poderíamos compreender a evolução espiritual de
alguém analisando seus genes. Ora, será? No Brasil, por
437
Será que isso procede? Ora, hoje em dia somos oito bilhões de
sapiens que vivem em relativa paz em seus países. Conseguimos
alimentar muito mais gente do que a humanidade jamais
conseguiu. Vencemos inúmeras doenças que sempre
acometeram o homem como a varíola, a raiva, a rubéola etc.
Temos muito conforto em nossas casas. Reduzimos a
mortalidade infantil, há liberdade sexual e de afeto, liberdade de
pensamento e de expressão. A internet conecta bilhões de seres
humanos ao redor do mundo. As nações não entram em guerra
entre si há tempos, pois ela se tornou cara e pouco lucrativa.
Será mesmo que estamos num período tão ruim assim?
Eu não sei o que o leitor acha de tudo isso, mas essas ideias
sempre me pareceram meio esquisitas. Isso, contudo, não quer
dizer que não existam ciclos. Claro que eles existem! Num olhar
sociológico e histórico das sociedades, parece ser possível haver
algum movimento circular nas coisas. Em várias partes do globo
vemos ciclos ditatoriais se alternando com ciclos de liberdade,
ciclos de liberdade sexual com ciclos de repressão, ciclo de
florescer das artes com ciclos de repressão aos artistas. Há até
ciclos econômicos muito bem marcados na história do Brasil.
Ora, se evolução coletiva existe, será que ela pode ser atrelada
ao desenvolvimento científico e tecnológico de um grupo? Se
sim, isso traz alguns constrangimentos. Isso porque nos últimos
séculos foram majoritariamente os brancos que trouxeram
inúmeras contribuições científicas para a humanidade. Isso vai
desde o cinema até os remédios, da televisão às espaçonaves.
Logo, eles seriam mais evoluídos? Muitos místicos, cientistas e
religiosos acreditaram e talvez ainda hoje acreditem que sim.
Hoje em dia, contudo, este pensamento é amplamente
rechaçado.
PARTE IV
OUTROS CONCEITOS
ESOTÉRICOS E MÍSTICOS
ensinam, com cada uma delas dizendo coisas diferentes entre si.
Há aquelas que provém dos rabinos ortodoxos, escolas mais
ocidentalizadas como o Kaballah Center e há dezenas de Ordens
Iniciáticas falando sobre Cabala. Assim como toda religião, qual
seria a instituição que teria a Cabala “verdadeira”? Este
conhecimento, portanto, sofre do mesmo problema que todo
pensamento esotérico tem: a falta de instituições de legitimidade
e autoridade.
Era tanta gente dizendo tanta coisa sobre o tema que eu tinha
uma sensação meio blasé sempre que ouvia a palavra ‘Cabala’.
O mais engraçado é ver sistemas de pensamento como o
rosacrucianismo render tanta homenagem a uma coisa que nem
os judeus sabem exatamente como lidar. Confesso que como eu
não sou judeu e nem tinha domínio sobre o assunto, ao ouvir
essas discussões, eu ficava meio confuso e perdido. Não se
tratava de um conhecimento puro e neutro. Havia muita
discussão política e teológica em volta dele.
Não estou querendo dizer com isso tudo que a Cabala não tenha
valor nenhum e tampouco que seus partidários sejam pessoas do
mal. Pelo contrário. Nos estudos martinistas vemos o valor do
conhecimento cabalístico, seus exercícios etc. Os templos de
muitas organizações rosa-cruzes são inspirados na Cabala e eu
tenho maior respeito por isso, bem como pela cultura judaica e
pelos vários judeus que eu conheço. O que estou
problematizando apenas é que nada nessa vida é tão neutro
quanto parece. Há muitas ideias embutidas em certos sistemas
de pensamento que as mentes mais desatentas não percebem.
Em outras palavras, em toda moeda/ ideia há o verso e o
anverso.
ele não está acessível aos não Iniciados, ou se ele só tem muito
pouca utilidade prática na humanidade. Como o conhecimento
da Cabala pode ser usado para combater o tráfico de drogas e de
armas ou a fome? Não sei. Reforço que este texto não é um
“ataque” à Cabala, aos judaísmos ou aos rosacrucianismos.
Estou tão somente partilhando tudo aquilo que penso sobre o
tema. Minhas críticas são apenas em termos de ideias, não de
pessoas ou de grupos. Por fim, o pensamento cabalístico sempre
me pareceu um conhecimento de difícil apreensão e tenho
dúvidas se quem o estuda é efetivamente um ser mais iluminado
do que as pessoas simples que vejo na Central do Brasil lutando
pela sua sobrevivência diariamente. É evidente que a Cabala não
é de se jogar fora, pois há muitas coisas bonitas nela, assim
como em várias outras ideologias metafísicas. Mas tenho minhas
desconfianças sobre até que ponto a Verdade está ali (se é que
existe alguma Verdade).
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Por outro lado, podemos afirmar que “o que está embaixo” não
se refere nem à natureza e nem à sociedade, mas sim às leis que
o regem. Ora, se for assim, o mundo espiritual é composto de
leis análogas às leis naturais? Já vimos o enorme problema
filosófico que é operar com este conceito de ‘lei da natureza’.
Ademais, câncer e problemas de visão e audição são
extremamente naturais, como já vimos. No mundo espiritual
também há leis que são tão hostis aos seres humanos?
31.8. Conclusões
Neste capítulo, fiz uma crítica geral a certas ideias esotéricas
que advém desses princípios herméticos. Naturalmente, os
místicos sempre podem alegar que existem coisas ocultas nessas
frases, que não é bem assim, que se trata de um simbolismo etc.
O problema é que como o significado está oculto, cada um diz
qualquer coisa sobre ele e caminhamos num círculo sem chegar
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Por incrível que pareça, se tem uma ideia das leis herméticas que
ainda tocam meu coração é a ideia de vibrações. Eu senti isso
quando tive a oportunidade de adentrar na catedral de Saint John
the Divine em Nova York. Aquele prédio encheu meu coração de
uma sensação inexplicável. Por outro, quem passa por uma
cracolândia qualquer pelo mundo, quase pode sentir uma coisa
ruim dentro de si.
33.2.5. Conclusões
Para encerrar estas reflexões, não podemos ignorar o fato de que
aparentemente nunca mais surgiram pessoas iluminadas na
humanidade desde a morte de Maomé. Ora, por que a
inteligência cósmica só enviou seres iluminados para nós
quando não havia fotografia, filmadoras, métodos científicos,
telescópios etc? A tradição budista tibetana, por exemplo,
mantém viva a chama de sua mitologia alimentando a ideia de
que os Dalai Lamas seriam seres iluminados que se reencarnam
ciclicamente. Na tradição judaico-cristã, nenhum iluminado
jamais veio à Terra nesses últimos séculos?
Por mais que eu respeite a ideia de que existe uma trama
cósmica que nos leva rumo a uma evolução da humanidade,
talvez a grande expressividade que essas religiões tenham seja
fruto mais de um acaso e de uma construção política e militar do
que da inspiração divina. Esta também é uma possibilidade.
Afinal de contas, por que tão poucas pessoas atingem a
iluminação? Mas as querelas em torno deste conceito não param
por aí.
Por fim, se a iluminação existe, quem tem a receita para ela? Por
que tão poucas pessoas a atingem, uma vez que a Inteligência
Cósmica é inteligente? A ideia de iluminação traz uma sensação
de que é fácil evoluir espiritualmente, mas a vida é cheia de
dilemas. Querem um exemplo? Todos ouvimos que devemos nos
melhorar enquanto pessoas. O problema é que também ouvimos
que devemos nos aceitar como somos. Afinal, qual é o caminho
correto? Mudar quem somos ou aceitar como somos?
Com essas reflexões não quero dizer que não possamos nos
aperfeiçoar como seres humanos. Mas ter em mente um
horizonte tão elevado como uma iluminação traz uma série de
consequências. Se você não é um iluminado, automaticamente
você sempre será um apagado. Em outras palavras, alguém
inferior com relação a quem supostamente atingiu essa
iluminação. Se você não domina a vida, você sempre será um
fracassado por não ter controle sobre você mesmo e sobre os
fatos ao seu redor. Ora, será que as coisas são tão simples assim?
Tenho minhas dúvidas...
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necessário para mim, não é para você. Quem vai arbitrar o que é
“viver somente com o necessário”? Os comunistas já tentaram
isso e não conseguiram. Aliás, como obrigar alguém a viver
dessa forma se não for pela mão forte de uma ditadura?
humanos e das sociedades, será que elas realmente não têm nada
a dizer ou não devem dizer nada sobre a política?”. Em outras
palavras, como estudar os átomos, o poder de cura pelas mãos e
a energia vital do Sol podia melhorar a política da minha
sociedade?
Isso não significa que eu estou dizendo como a Ordem deve ser
ou deixar de ser. Ela tem total liberdade para agir conforme acha
correto. A questão passou a ser comigo mesmo. Eu comecei a
sentir falta de agir mais na sociedade, de participar na sociedade
civil, do debate público e de transformar as pessoas de uma
forma mais palpável. Visualizar pensamentos de paz na Terra
começou a me parecer estranhamente bobo, enfadonho e
pusilânime. Aquele lugar foi pouco a pouco deixando de ser para
mim.
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Foi então que uma irmã rosa-cruz dos Estados Unidos e que
pertencia à Grande Loja de Língua Inglesa ficou indignada e me
chamou de ignorante. Ela disse que a Ordem Rosa-Cruz fazia
Rituais de Matrimônio homoafetivos há muitos anos, desde
2002, ao que ela se lembrava. Eu fiquei completamente sem
entender nada. Como uma irmã rosa-cruz de outro país podia me
dar uma informação diferente daquela que a minha própria
Grande Loja dava? Alguém estava mentindo nessa história.
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California USA
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Foi então que eu, insistente como sempre e orientado por uma
irmã rosa-cruz americana, enviei um e-mail para a Grandiosa
Mestre da Grande Loja de Língua Inglesa pedindo
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Eu fiquei tão sem chão, tão sem reação que eu mal consegui
manter uma conversa e eu, tonto do jeito que sou, ainda terminei
a ligação pedindo desculpas por qualquer coisa. Eu não
conseguia acreditar que em vez de ele me ligar para me dar uma
palavra de conforto, eu estava sendo ameaçado. Foi então que
ele me explicou que estava vendo o processo de mudança, mas
que queria tomar uma decisão colegiada e teria que decidir isso
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e a conversa ficou por isso mesmo (de lá para cá, até hoje, ele
continuou sem dar resposta alguma).
Yes, the Rosicrucian marriage ritual is performed for Rosicrucian LGTB couples
in the English Grand Lodge of the Americas jurisdiction.
todos são bem vindos, desde que algumas pessoas saibam qual é
o lugar delas. É como se eles dissessem “Nós já toleramos a sua
existência, o seu dinheiro e com quem você faz sexo, mas daqui
você não passa. O que você tem não é uma família”.
CONCLUSÕES
Por fim, este livro não foi um ataque à Ordem Rosa-Cruz, mas a
expressão de um coração sincero. Quis contar uma jornada cheia
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REFERÊNCIAS
em: https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2007/11/342554-
nobel-acusado-de-racismo-esta-correto-diz-cientista-
politico.shtml.
Acesso em:27/12/2022.