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Aristóteles diz que podemos encontrar finalidade em tudo o que existe. Ao observar o
rabo do gato, percebemos que ele não está ali por acaso, mas dá equilíbrio ao gato. O olho da águia
permite que ela localiza sua presa a grandes distâncias, e assim, na natureza, percebemos que tudo
o que é criado está inserido em uma rede de relações de causa e efeito.
Assim, a finalidade dos óculos é definida ao encontrarmos aquilo que ele é capaz de
fazer de maneira perfeita, que outro objeto não pode fazer. Portanto, vem a pergunta: o que o
homem possui que é apenas dele, em diferenciação aos outros animais: a inteligência e a
capacidade de amar, que, no fim, também é fruto de sua inteligência unida à sua vontade. Santo
Tomás de Aquino, no Comentário à Metafísica, assim coloca:
Além disso, Santo Tomás de Aquino e Aristóteles afirmam que o homem alcança a
máxima felicidade ao maximamente realizar a própria natureza. Portanto, nada mais associado e
adequado ao desenvolvimento da felicidade humana que o desenvolvimento de sua inteligência ao
grau mais elevado possível.
Para Aristóteles, o objeto da inteligência humana é o ser das coisas, a partir da qual ele
abstrai verdades. O homem percebe que as coisas existem, e a partir daí percebe que as coisas são.
Perceber o ser das coisas é perceber pequenas verdades, e o homem, agrupando e relacionando
essas pequenas verdades por meio de raciocínios, vai descobrindo outras verdades, maiores, até
chegar ao grau máximo do processo de inteligir, chamado de contemplação da verdade. O
catecismo de 1992 assim resume:
De todas as criaturas visíveis, só o homem é capaz de conhecer e amar seu
Criador (...) só ele é chamado a compartilhar pelo conhecimento e pelo
amor, a vida de Deus. Foi para este fim que o homem foi criado, e aí reside
a razão fundamental de sua dignidade (CIC, § 356).
Nasce assim a filosofia, cujo crescimento no seio social se dá por meio da educação, e
aqueles que percorreram com sucesso o caminho dos filósofos se tornaram grandes pessoas,
capazes de solucionar problemas, realizar descobertas, governarem a si mesmos e aos homens ao
seu redor, e se tornaram felizes, tão felizes quanto é possível sem vivendo sem a redenção operada
pelo Senhor Jesus.
Lendo os relatos dos grandes filósofos, nota-se como se contentavam com pouco,
mantinham a dignidade diante da morte, não eram escravos de suas paixões e mesmo quando
incompreendidos não esmoreciam nem se guiavam pela opinião que os outros deles tinham, mas
se realizavam encontrando e ensinando aos outros a verdade. E isso já poderia ser considerado
muita coisa.
Porém, quando este vem ao mundo, traz algo que os gregos não suspeitavam que
existisse, senão como hipótese e esperança para a outra vida: a beatitude, a elevação do espírito e
da vida humana ao nível da divindade:
Sem aprofundar por hora esta questão, sabemos que Jesus, ao vir ao mundo relevar
Deus para os homens e comunicar sua Graça pela efusão do Espírito Santo, inaugurou um novo
estágio na vida dos homens que a ele se associam. De fato, para compreender o que Jesus fez e o
que isso implica na educação, precisamos refletir a respeito da natureza da graça:
A graça, que transforma o homem inteiro, o torna praticante da vida divina. Deus
permite que as capacidades humanas de inteligir e de amar sejam levadas a um nível muito mais
elevado do que o dos filósofos gregos, e os homens tocados pela graça são transformados na sua
capacidade de enxergar e se aprofundar na verdade.
De fato, A Sagrada Escritura testificada que Jesus veio ao mundo não apenas para salvar
os homens do inferno e introduzi-los no paraíso, mas veio também para que se aprofundem na
verdade como nunca antes ocorrera na história:
Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos guiará na verdade plena, pois
não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará
as coisas futuras (Jo 16, 13).
E ainda:
Foi Santo Agostinho quem, ao crer, percebeu que, no ato de fé, sua compreensão da
verdades filosóficas e da religião era aumentada, e isso se tornava mais perceptível e grandioso
conforme mais fé Santo Agostinho cultivava, de acordo com o que ele encontrou no Evangelho de
São João:
Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito. O que foi feito nele
era a vida, e a vida era a luz dos homens; e a luz brilha nas trevas, mas as
trevas não a apreenderam (compreenderam) (Jo 1, 4-5).
Outros santos e beatos passaram pela mesma experiência, dessa maneira descobrindo
que o homem não trabalha apenas com a luz da razão natural, conforme pensavam os gregos, mas
pode ter acesso a uma outra luz, sobrenatural, que vem de Deus, e que o capacita a alcançar um
nível de entendimento e de perfeição da inteligência e da virtude que era inimaginável para os
gregos e, ademais, muito mais acessível.
Como outro exemplo disso, o Beato Raimundo Lullo, durante sua vida, notou que, no
estudo da filosofia, o nível dos católicos devotos era consideravelmente superior ao dos pagãos e
daqueles que levavam uma vida dissoluta. Segundo suas observações, um bom católico aprendia,
em 1 ano, o que aqueles que viviam longe do Evangelho e da Igreja levavam, em média, 5 anos, e
isso a duras penas.
Assim, existiram poucos grandes filósofos, como Platão, Sócrates e Aristóteles, mas
muitos santos de elevada estatura, doutores e confessores da Igreja. E os santos, complementando
os filósofos, perceberam que a finalidade do homem era não apenas contemplar a verdade, mas
amá-la, pois a Verdade Primeira, que é Deus, fora descoberta não como uma ideia, mas como uma
pessoa, e uma pessoa sumamente amável.
Ou seja, pode-se definir a educação cristã como o processo pelo qual alguém se torna
capaz de desenvolver a sua luz sobrenatural ao grau máximo. Pio XI assim declarou:
Prosegue:
Ademais:
E por que a filosofia grega é importante nesse caminho? Porque desenvolver a luz
natural acostuma o homem com a virtude e com a verdade, o que facilita enormemente o
desenvolvimento da luz sobrenatural.
De fato, segundo São Tomás de Aquino, existem duas espécies de virtudes no homem,
as naturais, cujos métodos de aperfeiçoamento são objeto de estudo da ciência moral, e que podem
ser adquiridas por esforço humano, por treinamento, e são objetos da ciência moral estudada e
desenvolvida pelos filósofos, e as virtudes sobrenaturais.
Existe uma castidade natural e uma castidade sobrenatural, uma temperança natural e
uma temperança sobrenatural, e assim por diante. As virtudes naturais só podem ser desenvolvidas
até o máximo humano, mas as sobrenaturais podem ser infusas por Deus até superar inclusive o
grau angélico, como ocorreu com a Virgem Maria.
Operando juntas, luz natural e luz sobrenatural, virtude natural e virtude sobrenatural,
realizam o homem em sua plenitude, pois, segundo Platão e Santo Tomás de Aquino, as virtudes
morais permitem a operação da prudência, e a operação da prudência capacita maximamente o
homem para acertar em suas decisões morais, o que é o mesmo que cumprir os mandamentos de
Deus, e assim crescer na graça até atingir a máxima iluminação da luz sobrenatural, por meio de
uma íntima união com Cristo. Jesus Cristo parece realmente ter relacionado de maneira muito direta
a retidão de vida moral com o próprio conhecimento de Deus:
No versículo abaixo isso fica ainda mais claro. O Senhor relaciona o cumprimento dos
mandamentos, portanto, a retidão da vida moral objeto das virtudes naturais estudada pela filosofia
grega, à própria manifestação de sua pessoas àqueles que o procuram:
Quem tem meus mandamentos e os observa é que me ama; e quem me
ama será amado por meu Pai. Eu o amarei e me manifestarei a ele (Jo 14,
21).
Em todo esse processo, como já vimos, deve estar presente a educação. Note-se, por
exemplo, como o catecismo de 1992 afirma:
Pois o homem, mesmo tendo a capacidade de enxergar, não verá nada se no ambiente
onde estiver houver luz. Assim também a consciência e a inteligência humana, para alcançarem o
seu grau máximo de perfeição, precisam ser conduzidas por aqueles que já trilharam esse caminho,
especialmente o próprio Jesus por meio da Igreja e de retos professores, do contrário a sua própria
salvação, pelo que já vimos, corre grande risco de não realizar-se.
Por isso, na educação cristã, luz natural e luz sobrenatural devem ser ensinadas juntas,
e em grau excelente. Não se trata de uma educação que possa ser dada em poucos anos, como
ocorre na educação atual, preparatória para o trabalho, mas é processo que deveria durar a vida
inteira:
Alguém poderia objetar que, dispondo o homem da graça sobrenatural dada por Deus,
não haveria necessidade de recorrer a filosofias pagãs, bastando crescer na fé e contando com o
auxílio de Deus. Entretanto, Santo Agostino afirma:
Dessa maneira, os santos atestam que a graça não elimina a necessidade do esforço
humano, antes lhe dá sentido e faz com que frutifique. Todos devem, a seu modo, procurar a
santificação, e nesse sentido, os filósofos pagãos deixaram um método muito preciso e eficaz, que,
purificado dos seus erros pela fé da Igreja, é válido a ponto de ser recomendado pela Igreja, e
obrigatório par os padres.
Por tudo isso, nota-se que a educação está no centro mesmo da fé cristã, a ponto de
Jesus, ao ascender aos céus, ter ordenado expressamente à Igreja que fosse pelo mundo inteiro
para ensinar os povos, o que é recordado por vários papas ao longo dos séculos. Vejamos
novamente Pio XI:
E ainda:
De fato, São Paulo mesmo diz que a fé chega aos homens pela instrução do ouvido, e
como a fé diz respeito às verdades sobrenaturais relativas a Deus, precisam, quanto à inteligência,
de um grau de abstração muito elevado para serem adequadamente compreendidas e vividas tanto
quanto é possível ao ser humano, e o processo educativo deve contribuir, levando a inteligência à
sua máxima perfectibilidade, de maneira a colaborar para o crescimento da fé e a formação do
homem sobrenatural.
E a Igreja deve ensinar não apenas a inteligência em si, mas fomentar as virtudes morais
necessárias ao seu desenvolvimento, portanto, é da Igreja a responsabilidade de definir o conteúdo
da própria moral e do direito natural, o qual também deve ser mostrado aos homens e incutido
neles como parte fundamental do processo formativo:
Pio IX vai não apenas afirmar que a Igreja tem esse direito, como que sempre soube
executá-lo com maestria:
E a Igreja pode e soube realizar uma tal obra, porque a sua missão
educativa estende-se mesmo aos infiéis, — sendo chamados todos os
homens a entrar no Reino de Deus e a conseguir a salvação eterna. Como
em nossos dias em que as suas Missões espalham escolas aos milhares por
todas as regiões e países, ainda não cristãos, — desde as duas margens do
Ganges até ao rio Amarelo e às grandes ilhas e arquipélagos do Oceano,
desde o Continente negro até à Terra do Fogo e à gélida Alasca, assim
também, em todos os tempos, a Igreja com os seus Missionários, educou,
para a vida cristã e para a civilização, os diversos povos que hoje
constituem as nações cristãs do mundo civilizado (Pio XI, DIVINI ILLIUS
MAGISTRI)
Isso acontece porque a Igreja é a sociedade perfeita de que falava Platão na República,
e é também a Cidade de Deus de que fala Santo Agostinho. A Igreja enquanto organização separada
da sociedade civil, congregou em si, desde o colégio dos 12 Apóstolos e seus sucessores, os homens
mais virtuosos e inteligentes, mais sábios e santos, capazes de resolver os problemas que se
apresentavam e governar, pelo puro prestígio, sema força das armas, a sociedade de seu tempo.
Notava-se naqueles que eram educados pela Igreja uma imensa capacidade de
abstração, tão em falta nos dias de hoje, que permitia ao homem descobrir e saber, com
naturalidade, entre outras coisas, que Deus realmente existe e que o homem possui uma alma
imortal, para além das outras coisas maravilhosas que constituem a Revelação que a Igreja guardou
e difundiu no mundo, os quais juntos levam a um nível de conhecimento nunca antes imaginado
por nenhum filósofo grego:
Nesta época Santo Agostinho ensinava retórica em Roma, depois em Milão onde
conheceu Santo Ambrósio e escutava suas pregações, mas não tinha nenhum compromisso com a
verdade, e visitava o bispo principalmente pela eloquência de seu discurso, não pela doutrina
exposta:
Santo Agostinho foi percebendo que as teses dos acadêmicos e dos maniqueístas eram
fracas diante dos argumentos expostos por outros filósofos e pelos católicos, os quais fizeram Santo
Agostinho perceber que por anos não conhecera o real ensinamento da Igreja, mas rejeitava a Igreja
por pensar que ela ensinasse doutrinas que nunca ensinou.
Santo Agostinho percebeu que a Escritura era ensina por Santo Ambrósio de maneira
razoável e agradável, e que este explicava sentidos no texto que escapavam àqueles que liam os
textos em seu sentido literal, entre os quais o próprio Agostinho, que não entendia adequadamente,
e nos quais ainda não acreditava, sendo ainda um professor de retórica que sofria ao contrastar a
sua tristeza com a alegria de um mendigo que encontrou na rua:
Em sua angústia, Santo Agostinho alternava o tempo entre a convivência com amantes,
as aulas de retórica, a frequência às pregações de Santo Ambrósio e à busca angustiante da verdade
com seus amigos. Parecia que nunca sairia dessa busca e dessa angústia, até que tomou em mãos
as Sagradas Escrituras e, tendo lido determinadas passagens, recolheu-se interiormente e acreditou.
O que aconteceu então vai descrito:
Entrei e, com aquela vista da minha alma, vi acima dos meus olhos
interiores e acima do meu espírito, a Luz Imutável. Esta não era o brilho
vulgar que é visível a todo homem, nem era do mesmo gênero, embora
fosse maior. Era como se brilhasse muito mais clara e abrangesse tudo com
a sua grandeza. Não era nada disto, mas outra coisa, outra coisa muito
diferente de todas estas (...).
A partir daí, a vida de Santo Agostinho passou por uma profunda transformação.
Abandonou a profissão de retor, tornou-se filósofo, depois bispo, depois santo. Sua vida apresenta
a perfeita gradação que deve caracterizar a educação católica: primeiro, aprende-se que existe a
verdade, depois que esta verdade é Deus, a partir do qual se ordenam todas as coisas e por fim
produz-se na alma a santidade, que torna o homem divino e realiza nesta terra o que Deus dele
espera: sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito.
Os Evangelhos atestam ser esta a educação que realmente realiza a máxima felicidade
humana:
Realmente, em toda parte onde essa autoridade da Igreja para educar e ensinar o direito
natural e a moral, e educar o homem para a perfectibilidade tanto da luz da razão natural quanto
da sobrenatural, nota-se a corrosão do tecido social e retorna a sociedade, a despeito do avanço
técnico das ciências, e o retorno ao estado de paganismo dos tempos antigos, e com ele à cultura
da morte, como já vimos anteriormente.
Olhando para a coisa do ponto de vista da população em geral, bem como da maioria
dos leigos católicos, notamos uma tremenda ignorância com relação a tudo isso, causada pelo fato
de terem sido, eles mesmos, educados segundo uma pedagogia anticristã.
Mesmo os pais católicos, como os pagãos, consideram que as melhores escolas são
aquelas que obtém os maiores índices de aprovação no vestibular, porque se está pensando com
isso em obter diplomas para o exercício de profissões que gerem relevante ganho econômico, e é
nisso que os pais pensam ao matricular seus filhos, e os próprios professores assim motivam seus
alunos nas salas de aula.
Além disso, trata-se de uma educação que é regida pelo Estado, e não pela Igreja, apesar
de, pelo que foi exposto, ser evidente que a educação como foi idealizada pelos filósofos e por Jesus
Cristo estar intimamente ligada à salvação do homem, razão pela qual deveria ser regida pela Igreja,
jamais pelo Estado, especialmente o Estado moderno, concebido para se opor à Igreja e ao
catolicismo, não para conviver pacificamente com ele.
Ademais, mesmo a educação católica, que no período tridentino foi quase totalmente
baseada no sistema jesuíta, o qual por sua vez era baseado nas instituições de retórica de
Quintiliano, que por sua vez era um tratado de educação retórica, que já era uma corruptela da
educação filosófica, que, cristianizado se tornou a ratio studiorium, e que se mostrou incapaz de
impedir o processo de degradação da sociedade mesmo nos países católicos, o que já se viu em
aulas anteriores.
Por isso, todos, clérigos e também os leigos, precisam tomar consciência da gravida da
situação. Dada a enorme importância da educação, e dada a vocação particular dos leigos, que
servem a Deus no mundo através de seu trabalho, é fundamental que sejamos capazes, cada um a
seu modo, de dar a vida pela questão educacional, como nos chama a própria Igreja:
12/06/2018