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Douglas Lisboa

25 November 2023

IA e o Fim da Religião
O uso das novas ferramentas de Inteligência Artificial na
pregação do evangelho

Há tentativas infindas para a pergunta: o que há de errado com o


mundo? Não somente porque há várias causas e motivos, mas, também, por
haver um número exuberante de problemas que afetam negativamente o nosso
tempo a ponto de não ser difícil observar que estamos cercados por paredes
gigantes e deleitando de um ambiente de insanidade. Um verdadeiro hospício.
A religião sofre, também, com a crise do mundo moderno, e a última
dose aterradora de loucura e alienação é certamente a vinda da Inteligência
Artificial.
Não tratarei da IA em si, mas da relação desta com a religião. O assunto do
texto me veio quando vi um conteúdo um tanto entusiástico, nas minhas redes
sociais, sobre a nova ferramenta que a igreja Adventista começou a usar para a
pregação do evangelho. Esperança é o nome da fatídica professora de uma
escola bíblia online. É uma mulher, mas não uma pessoa humana e sim uma
avatar movida por inteligência artificial. Certamente a igreja não precisará
pagar salário e tão pouco se preocupar com a eficácia da máquina. Será muito
mais rápida e precisa do que qualquer ser humano. Mas essa é a própria
definição de uma ferramenta tecnológica, dado que elas são sempre criadas para
fazer o serviço proposto melhor e mais eficiente do que qualquer homem
poderia fazer, e com custo bem mais baixo.
A minha crítica à igreja acerca da nova ferramenta, está longe de ser a sua
habilidade supra-humana. Longe disto, pois eu estaria sendo apenas um velho

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rabugento e ranzinza em impedir um avanço tão econômico e competente. Não
se trata disto, quero ir mais a fundo nesta dificuldade e espero ser claro quanto
ao tamanho colossal da tragédia que uma decisão irresponsável trará não
apenas para a igreja adventista, mas para a religião em si em seu estado mais
semanticamente literal e genuíno.
O problema deve ser tratado à nível do entendimento da palavra religião.
Qualquer cristão irá concordar que Deus nos criou a sua imagem e semelhança
para podermos partilhar de sua glória, convidando-nos a uma existência plena
tal qual a melhor possível. O melhor dos mundos possíveis seria, então, a retidão
entre o Ser e aquilo que se assemelha a ele. Isso é religião, a volta do homem ao
seu estado original, não em natureza, mas em escolha de estar ao lado de Deus -
que no cristianismo só é possível pela graça.
A semelhança com Deus precisa ser tratada em termos do que fundamenta
a característica racional humana. Mas racional, diferente do que o mundo
moderno concebe, não é algo intrínseco ao homem. A razão é uma relação.
Ora, se o homem fosse o ápice da ordem cosmológica (como insistiu Kant) em
que o sujeito delega e dá sentido à natureza, então deveríamos nos perguntar de
onde e quando o sujeito dá sentido e delega a natureza. O indivíduo é
contingente e o que é contingente não pode ser superior ao plano ao qual age: o
tempo e espaço. Se o ente está submisso ao tempo e espaço, então a razão deste
ente racional conhece aquilo que está no que é superior a ele que é o tempo e
espaço. Há então, aquilo que chamamos de mundo e qualquer ente existente se
encontra neste mundo, dado que é contingente. Não há, portanto, motivo para
acharmos que o homem é o cerne da ordem e em vista disto, o sujeito pertence
a uma ordem superior que é a própria natureza. Mas a natureza também é
contingente, pois se é tempo e espaço, é criatura, porquanto que o tempo não
pode ser infinitamente reduzido impossibilitando o momento presente, pois o
momento presente é o que percebemos; logo, não há um regresso infinito de

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tempo, concluindo, por conseguinte, que há uma ordem superior a ordem
natural e cosmológica que é o próprio Deus.
Faço este raciocínio pelo simples fato de que há coisas que
compreendemos, sejam elas concretas ou abstratas. São compreendidos pelo
único motivo de estarem abertos à compreensão. Portanto, são compreensíveis,
e isto é um tanto importante para a nossa reflexão. Ser compreensível é ter em si
informações que possibilitam entes racionais a compreenderem objetos. Este é
por si o basilar da epistemologia. Só assimilamos aquilo que é assimilável e o
que é assimilável tem em si a propriedade para tal. A razão sem aquilo que é
objeto compreensível não pode haver sentido. Tais informações que faz um ente
ser compreendido é o que chamamos de essência e tais, são dadas, pois do
contrário elas não seriam inteligíveis. Aquilo que é inteligível não pode ser dado
por aquilo que não é inteligente. Aquele Ser que é em si a razão mesma das
essências pode dar a elas existência. As essências, ou seja, a inteligibilidade dos
entes podem ser atuais ou potenciais, dando ao ser humano um campo
abrangente de intelecção que vai além da compreensão dos entes concretos e
abstratos. Destarte, o homem é capaz de conceber as potências e não somente
os atos. Isto quer dizer que as essências não são somente dos entes concretos,
mas também dos possíveis. Por consequência, Deus é necessariamente criador
não apenas daquilo que é concreto (ato), mas também das possibilidades
(potência). Apenas Deus é ato puro sem potência. A razão como relação
intelectiva é fundamento no fato de que as essências daquilo que é conhecível é
inevitavelmente o que chamamos de Logos, ou Verbo Divino; a Palavra. Essa é
a origem mesma da expressão “racional” que dá ordem à linguagem humana.
Estamos constantemente concatenados com o Logos, já que não existe razão
sem tal. Esta é a relação do homem com a realidade, e realidade é aquilo que
está presente.
Voltando, desse modo, à pergunta: “porque Deus nos criou?" Para
partilharmos de sua glória; estarmos juntos dEle. Mesmo sendo nós, segundo o

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cristianismo, seres caídos, ainda podemos concatenar-nos com o Criador trino.
Esta é a definição de religião. Voltarmos a ser aquilo que fomos criados para ser.
Cristo disse que nós deveríamos sair e pregar o evangelho, sendo nós
testemunhas dAquilo que ele fez e ensinou quando esteve aqui. Quando se foi,
nos deixou a terceira pessoa da Trindade, o Espírito Santo. Eis que ao falarmos
de Deus à gente, devemos estar cheios do Espírito Santo tanto quanto os
primeiros evangelistas. É o correcto parâmetro para ensinarmos de Deus à
outras pessoas. Se dissemos que Deus é amor, quem diz precisa ser capaz de
amar; se dissemos que Deus é inteligente, quem diz precisa ter também a
capacidade intelectiva; se dissemos que Deus é o Belo, precisamos saber e ter a
capacidade perceptiva do belo. Em outras palavras, não apenas falamos de
Deus, mas somos conscientes daquilo que falamos sobre Deus, e somos ainda,
conscientes de Deus. É somente e tão somente por isso que Cristo deu essa
missão ao ser humano. Ninguém que não é capaz de amar, pode tecer algo
sobre o amor de Deus, pois dizer algo é dar sentido ao que foi dito. Este é o
evangelho preciso e necessário. O homem tem atributos potenciais divinos dado
pelo próprio Criador.
Depois da exposição acima, diminui a dificuldade de compreender que a
transferência do evangelho do homem para uma inteligência artificial é uma
tragédia absolutamente devastadora. A IA não pode concatenar o Logos, não
pode receber a presença do Espírito Santo, não pode amar, não pode perceber a
beleza e não pode refletir sobre o próprio Deus. Inteligência Artificial, por mais
personificada e parecida com humanos, é apenas uma impressão e uma
falsificação da criação de Deus. Lembra-te de quem é o pai da mentira.
Alister Crawley, o maior satanista e mago do século passado, profetizou que
a magia e tecnologia se confundiriam e se tornariam uma. O fato de as pessoas
começarem a interagir com uma máquina como se fosse um ser humano,
mostra que a IA é uma operação de magia para iludir o indivíduo criando um
ambiente confuso. O fato de uma IA não concatenar Deus baseia-se no fato

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mais obvio que separa uma máquina do homem. Mais do que não poder amar
para falar de amor, a Inteligência Artificial não tem ao menos consciência dos
dados que emite. Portanto, não é consciente de seus atos e tão pouco de sua
própria existência, quanto mais da existência de Deus. É apenas um jogo de
perguntas e respostas. Um truque que enganará até mesmo os escolhidos.
O homem vive num ambiente positivista e isto já está enraizado na
personalidade humana. No positivismo não há um Deus pessoal que tem um
objetivo para a humanidade, e por isso é a melhor resposta. A tecnologia é o ser
onipotente, onisciente e onipresente. Resolverá todos os problemas da
humanidade e construirá o mundo perfeito através de uma escatologia
humanista. Uma paródia da história da redenção. Aquilo que Jonh Lennox
chama de AGI (a inteligência artificial de deus), a tecnologia alçada a um poder
divino insuperável, trará em si a resposta do bem e do mal, da verdade absoluta
e do caminho certo, reto e íntegro que a humanidade deve tomar. A religião sem
Deus, a religião ateísta. Com isto, é listo concluir que a simples decisão
positivista que a igreja adventista tomou em dar a uma IA o destino da pregação
do evangelho, criará um ambiente de confiabilidade na tecnologia como sendo
o sábio pivô e condutor das religiões. As pessoas, inconscientemente deixarão de
crer em Deus e se tornarão ainda mais positivistas, entregando a sua vida à
verdade purificada e “racional” da IA. O encanto, no fim das contas, está no
fato de que não existe uma inteligência que seja artificial. Como vimos, a
inteligência é necessariamente divina. O truque, a mágica, a profecia de Alister
Crawley dará fim àquilo que objetivamente chamamos de religião. O progresso
desenfreado e irresponsável conseguiu destruir o maior valor civilizacional e o
próprio sentido de santidade. Destruiram a religião. Mataram Deus.

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