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A Questão do Aborto

Reflexões sobre o Genocídio Silencioso

Autor: Douglas Lisboa

Introdução:

A meditação acerca do tema é de uma importância ímpar, pois tem sido em


todas as esferas públicas discutido em uma perspectiva consideravelmente
equivocada. A defesa daqueles que advogam a favor são de uma superficialidade
atroz, e os que são contra sabem disso, mas não encontram palavras corretas para
a defesa de seu argumento.
Por isso o objetivo do texto é trazer um profundo cisma sobre o assunto em
defesa da vida, e o argumento girará em torno do que é vida, onde começa e o que
é a estrutura existencial humana em todos os detalhes simbólicos e filosóficos. Com
a ajuda de preciosas reflexões de Luiz Gonzaga de Carvalho, a metafísica tomista e
aristotélica e reflexões de minha própria autoria, a ideia é não deixar pedra sobre
pedra em relação aos que insistem defender o aborto com alguma justificativa, seja
ela ética ou ideológica.
Uma vez eu estava debatendo o tema com um rapaz que me desafiou. O
infeliz esquerdista, consequente de uma má formação intelectual das universidades
brasileiras, estava ansioso e receoso antes da conversa. Parecia estampado na
cara pálida e uma tremulosidade bem perceptiva. Estou familiarizado com todo o
argumento progressista sobre o assunto, mas ele não fazia ideia do que eu tinha em
mente. Essa situação ficou óbvia, não por causa da cara de bobo, e sim pelo que
revelou antes mesmo de expor sua reflexão. O rapaz disse: “você deve estar por
dentro do meu argumento”. Se denunciou, e obviamente eu respondi de maneira
bem curta: “Políticas públicas​?​” Evidente que a resposta foi “sim”. Mas fingi querer
ouvir e pedi para expô-los, com a desculpa de que: “pode ser que eu tenha me
olvidado de algo”.
Todo o argumento gira em torno da preocupação com a mulher, seu direito e
sua situação psicológica ou, como gostam de usar, psicossocial. E sempre iniciam
com a farsa: “nos preocupamos com o feto, obviamente”. E quando perguntamos
quando a vida começa, a resposta é: “a última decisão do conselho científico foi que
ela começa em “X” semanas.
Não há palavras para dizer o quão pueril é uma exposição dessas.
Eu não posso perder tempo explicando os detalhes toscos do silogismo
esquerdista das políticas públicas. O objeto da verdadeira discussão está muito
longe disso. Prestem atenção no que vou refletir daqui para adiante e usem isso
como fundamento de dissertação na luta contra o aborto.

A Alma e a Capacidade da Transformação do Ser -

O filósofo Luiz Gonçalves de Carvalho Neto faz uma exposição


extremamente interessante sobre os aspectos da transformação do ser na natureza,
e é baseado nela que vamos desenvolver nossa meditação, pelo motivo de que é a
base de todo o argumento posterior sobre o aborto.
É interessante perceber que os entes da natureza têm sua própria forma
dentro de grupos e espécies, e elas nos dizem algo que são de rica sabedoria
provendo, somente, pela nossa observação da realidade, a dinâmica e os modos
como os entes reagem dentro de certas condições existenciais.
Na natureza existe os entes inanimados. Estes sofrem mudanças, pois a
própria ordem da natureza impõe tais transformações através das leis que habilitam
uma mutabilidade nas coisas.
Se pudéssemos viver por séculos ou milênios, por exemplo, poderíamos
perceber a mudança das estrelas, se o seu brilho está tão forte como antes ou não;
seríamos capazes de ver mudanças nas montanhas, como as erosões que ocorrem
nelas. Não vivemos milênios, mas sabemos que as coisas se transmutam a todo
instante. Essas transformações não são inteiramente cegas ou caóticas já que
obedecem a leis, e se fossem totalmente cegas e caóticas seus fenômenos não
poderiam ser objetos de estudo. Em outras palavras, a ​scientiae naturalis seria
impossível.
Mas claro que tal ordem tem um limite, e se o tem, há algo de caótico que
​ o fato de que as transformações de entes
podemos observar. Exempli gratia é
inanimados não têm um fim, não obedecem a um propósito. Uma montanha tem
uma pedra deslocada. Ela rola até o fundo das águas de um rio. Com o passar do
tempo sofre a erosão e a modificação. Nem a pedra e nem a montanha estão no
mesmo estado estético de antes. Podemos dizer que algo pode mudar no fluxo da
água do rio também.
Esses processos de variações não tem um fim intrínseco. Apenas
acontecem, pois assim seguem o rumo da dinâmica natural baseado em suas leis.
Porém, há algo de interessante na natureza. Essa falta de propósito nas
mutações são exclusivas dos entes inanimados.
Podemos observar que nos entes animados há algo de mais sentido
animados, como os vegetais. Esse detalhe é bem coerente quando olhamos o
processo de mudança das árvores. Elas claramente têm um fim. Mudam para
realizar algo, e, também, elas não nascem do nada. Uma árvore depende dos
minerais para crescer e gerar frutos. Os frutos caem na terra, e em condições férteis
do terreno absorvem os minerais iniciando um processo de transformação. Elas
crescem e se tornam árvores. Todos os anos, na mesma estação, repetem o
mesmo feito.
Parece que algo diferente aconteceu. Quando vejo uma pedra rolando de
uma montanha, não vejo uma finalidade. Se ela cai na água ou se cai na terra, ou
até mesmo se a metade da montanha se despedaça, é algo que não me altera o
juízo de que há alguma coisa estranha na natureza da montanha ou da pedra, muito
pelo contrário, parece-me que é assim que agem, e é dessa forma mesmo que
acontece. ​Ille est: ​eu sei que não há um propósito em entes inanimados. É uma
condição existencial comum em entes desse tipo.
Eu tenho, porém, uma outra impressão quando me deparo com os vegetais.
Quando chega o período correto na estação (final do verão e início do outono) e
uma árvore, que regularmente dá frutos e não o está dando, eu sei que há algo de
errado com ela. Parece-me que está doente, flagelada e não está funcionando
apropriadamente como deveria.
Tanto o que assimilo acerca dos inanimados quanto dos entes animados, são
aquilo que chamamos de “natureza das espécies”. Eu percebo que há diferenças na
natureza dos minerais e vegetais.
As árvores dão frutos seguindo o fluxo de funcionamento de sua própria
natureza. Esses frutos cairão e entrarão em contato com a terra, com os minerais.
Se a terra estiver em condições férteis, a semente dará início a um processo
interessante. O contato entre os dois fará crescer um ente novo de uma espécie
melhor do que a do mineral. Crescerá uma planta, e essa planta se desenvolverá e
virá a ser uma árvore que dará frutos. Tais frutos cairão e entrarão em contato com
os minerais na terra. O processo seguirá novamente cumprindo um ciclo natural de
uma árvore que fará crescer, do mineral, um novo ente do tipo vegetal.
Há algo incrível acontecendo! O contato do vegetal, com a pedra (mineral)
fez nascer algo novo. Como se fosse uma mágica. O vegetal pegou o mineral e
soprou algo que lhe deu uma nova forma. Só que essa nova forma é melhor do que
a anterior. O vegetal transformou o mineral em um vegetal. Deu vida à um ser sem
vida.
A condição natural daquilo que tem vida é a vontade de ser mais capaz.
Nenhuma natureza tem uma vontade ou intuito de ser menos capaz. Isso quer dizer
que preferimos ter capacidade do que não ter capacidade. Ninguém prefere ser
menos capaz. Esse intuito natural das coisas faz um tipo ser mais capaz que o
outro, e isso quer dizer que o tipo posterior é melhor do que o anterior, já que é mais
capaz. A capacidade do vegetal é de transformar o mineral em um ente melhor do
que era antes. Isso é a reprodução.
Esse capacidade do vegetal de tomar para si algo e transformá-lo em um tipo
melhor é o que chamamos de alma. O vegetal soprou na pedra a capacidade de ter
vida e de ser a sua imagem e semelhança.
O vegetal não é um ser que é totalmente alienado dos minerais. Na verdade,
têm incorporado em si, os elementos minerais. O mineral não perde a sua condição
estrutural quando vem a ser um vegetal. Ele é absorvido pelo mesmo.
De forma semelhante podemos nos referir ao tipo animal. O animal também
tem anexado em si elementos do mineral e também do vegetal. Existe, no animal,
uma estrutura mineral que corresponde àquilo que compõe sua matéria, e existe
uma condição vegetal que é a capacidade que tem de se reproduzir. Só que os
animais são entes mais capazes do que os vegetais em razão da própria ordem
hierárquica da natureza.
Essa diferença se dá pelo motivo de que, diferente dos vegetais, os animais
não apenas geram outros seres da mesma espécie como também são conscientes
podendo perceber a realidade e, como bem diz o professor Luiz Gonzaga de
Carvalho Neto: percepção é o potencial de gerar coisas para a consciência.
O animal não apenas tem consciência do mundo real através da percepção
como também vive em função daquilo que percebe. Isso dá uma habilidade de ter
certas preferências. Um cachorro sente o cheiro de um objeto no seu lado esquerdo,
mas prefere o odor do objeto do lado direito. Há certas condições que ele prefere
através dos sentidos.
Por ter uma propriedade mineral e envolvido da matéria mortal, os animais
têm o instinto do perigo. Capta uma certa sensação de que algo está errado e que
certos ambientes ou objetos lhes parecem hostis. Essas sensibilidades vêm porque
sabem que há necessidades básicas que seu corpo sofre devido estar ainda contido
em si a qualidade vegetativa. Compreendem que precisam respirar e por isso certos
ambientes não são propícios para tal fim; assimilam também a imprescindibilidade
de comer e beber água, e sabem que não pode ser qualquer comida. Essas
apreensões do mundo real, para sua própria sobrevivência, deu uma clareza
distintiva de sua capacidade. Ou seja, para se locomover na realidade apreendida
pela sua percepção e dentro de sua preferência, há certas capacidades que
podemos enumerar quatro: 1. Fruição do que é agradável (desejo); 2. Fugir do
desagradável (repulsa); 3. Superar o que é hostil (audácia); 4. Afastar-se da
dificuldade porque parece insuperável (medo).
O homem abrange em si todos os aspectos dos tipos anteriores. O mineral,
pois é constituído da matéria; do vegetal, já que possui o poder de se reproduzir; o
animal, já que percebe o mundo e gera na consciência aquilo que o mundo é. Mas o
ser humano é mais capaz do que o ser animal e todos os que o antecede. De todas
as espécies da natureza, o ser humano é o ente mais dotado de capacidade.

A Capacidade Humana e o Princípio das Narrativas

A distinção do homem e o animal é que, além dele ter consciência da


realidade tem, ainda, consciência de que é consciente. Ele sabe que além da
realidade exterior há uma realidade interior que é autor da percepção que ele está
tendo do real. Essa capacidade supera tudo o que os outras espécies são, pois o
homem é o único ente capaz de dizer “eu”.
A consciência do “ego” é aquilo que expressa a humanidade do homem. Um
ser dotado da razão, intuição e subjetividade. Um ente de uma complexidade
particular, com uma percepção mais apurada da realidade e sobre a sua existência
nela. De fato, o homem é o melhor entre todas as espécies do mundo natural.
A partir daí, podemos desencadear uma série de consequências que
distingue o homem do animal, mas quero apenas destacar a mais significativa
delas.
No momento em que percebe-se e tem consciência da própria existência,
esse incrível ser tem, também, uma idoneidade mais profunda em relação a suas
preferências, e ainda, tem a consciência de que tem um corpo, e partir disso, reflete
sobre os limites dele compreendendo que um dia acontecerá algo inevitável: Ele irá
morrer.
Toda a trama da vida humana gira em torno do fato consciente de sua própria
morte, e se há um princípio e fim dessa existência, então é preciso que haja um
propósito. Esse propósito para a sua própria existência é a pergunta que se faz no
momento correto de sua maturidade: “Qual é o sentido da minha existência?” O
animal também não pode fazer esse tipo de pergunta.
Essa lucidez sobre os limites de seu estado físico é uma preocupação que se
remete mais no saber de que há um final inevitável e mortal. Mas há um cuidado,
mesmo em menor grau, pelo fato, também, consciente de que ele não sabe quando
irá morrer. Mas a mente humana já não está mais treinada para esse tipo de
momentus mortem, já que o homem moderno prefere não mais a realidade das
coisas e sim o conforto e a fuga daquilo que o aflige.
O limite de seu corpo, que também é um caráter que se encontra no tipo
animal, são os quatro estados onde é guardada a capacidade animal. Tal estado é
reflexo do perigo de morte que atormenta (não importa aqui o nível) o homem. A sua
fragilidade física pela própria existência do corpo, dá ao ser humano o caráter
heróico da coragem, algo que segundo alguns santos sábios da idade média dizia
que os anjos teriam inveja pelo fato do homem ter corpo, pois só pela condição
material seria possível o atributo da coragem, visto que a coragem só pode existir se
há a possibilidade de flagelo e da morte. A coragem só pode vir a ser através do
medo da perda. Esse é o herói.
Eu concordo quando o professor Luiz Gonzaga de Carvalho Neto quando diz
que o sentido da vida não é algo difícil de encontrar. Não vamos ocupar muito o
texto com o tema, mas preciso pelo menos introduzi-lo para a compreensão do
nosso objetivo.
O sentido da vida precisa ser entendido através do fato que explicamos nos
parágrafos anteriores. Todo o decorrer existencial humano se dá através dos
dramas de seus limites e sua morte, e na consciência de que há que ter,
necessariamente, um propósito. No pensamento moderno, há algumas ideias
existencialistas extremamente pessimistas de filósofos como Albert Camus ou Jean
Paul Sartre de que a existência humana é um trágico enigma, confusa e sem
sentido algum. Eles afirmam que é exatamente assim. Eu tenho dificuldades de
aceitar tais premissas já que o homem é dotado de percepção e apreensão da
realidade. E essa apreensão parece alimentar nele uma vontade de decodificar a
presença do real para incorporar em si um significado que transcende a mera
existência animal. Tenho a impressão de que os filósofos Sartre e Camus apenas
não compreenderam a capacidade do homem de transcender seu estado vegetal e
animal, e transcender esses estados é o que faz o ​homini exercitar seu potencial
humano.
Tudo é compreendido pelo fato de que a vida humana só pode ser alcançado
pela sua capacidade de dizer “eu”, e esse poder particular que o faz a imagem e
semelhança do próprio Deus é olhar para si mesmo e perceber que sua existência e
o sentido não pode ser dado pela percepção da segunda ou terceira pessoa, já que
a primeira não pode ver ou viver a vida de outrem. Não podemos viver a vida de
alguém que viveu 120 anos porque não vivemos essa idade, tão pouco alguém de
50 ou 60 anos. A única contemplação, talvez, de vida que podemos ter é a de um
bebê que nasceu e em 5 minutos faleceu. Se ficamos presentes durante esses 5
minutos, pudemos assimilar algo de sua vida, já vivemos a sua totalidade. Mas ela
não nos é o suficiente, visto que normalmente as pessoas vivem mais do que 5
minutos.
É necessária a assimilação da vida humana para compreender o que é viver
e o que é um sentido de vida, e isto só é possível por meio uma coisa: a biografia. É
por esse motivo que nos interessamos tanto por histórias de outras pessoas, pois só
podemos conhecer a totalidade da vida de alguém através de sua biografia contada,
mas contada em forma de narrativas. Só que não gostamos de qualquer histórias;
há histórias que nos parecem interessantes e outras que simplesmente não nos
abrem uma curiosidade e entusiasmo. Por exemplo: não é comum as pessoas se
interessarem por histórias de mães que cuidam de filhos, já que mães cuidarem de
filhos é uma atitude que encontramos no tipo animal. Os lobos fazem isso muito
bem. Ou de pessoas que são capazes de se reproduzir e gerar seres da mesma
espécie. Esse tipo de narrativa não é interessante, pois esse é um feito que os
vegetais possuem. Não ligamos muito para histórias de pessoas que saem para
trabalhar todos os dias, essa repetição do trabalho não nos parece dar um sentido,
muito pelo contrário, parece até que ao limite, é algo alienante. Lembremos que as
formigas fazem isso muito bem. Podemos dizer, também, que não damos atenção
a histórias sem propósito, pelo motivo de que aquilo que não tem propósito é vazio.
É engraçado perceber que alguns filmes e livros modernos são totalmente
desprovidos de sentido e pelo menos alguns fazem muito sucesso - esclarece o
quão alienado estamos da realidade e capacidade do ser.
As narrativas que nos interessam precisam ser uma narrativa cheia, com um
fim e dotada de sentido. Essas são as histórias dos heróis. Gostamos delas, pois
são tramas com finalidades que abrangem a capacidade humana. Alguém que vê
essa maneira de viver a vida sempre diz que ela é interessante e tem muito sentido.
É uma vida boa. E vida com sentido é uma vida que é boa.
A exploração da capacidade humana é a garantia de que no final das contas,
quando a morte bater à porta e nada mais puder ser acrescentado ou tirado, ela
valeu a pena, e será contada, pois foi uma vida cheia. O propósito do homem é
testificar uma boa vida, e ela só o pode ser através da construção de uma narrativa
dotada de sentido.

A Metafísica e a Origem da Vida

Entramos, então, em uma dificuldade metafísica: a história é construção por


uma sucessão de causa e efeito, e esse encadeamento se dá no tempo; em algum
lugar do espaço. Com isso, o homem percebe que a sua vida teve um início, pois as
tramas sempre tem um ponto de partida, mas não tem memória desse começo.
Lembramos de nossa existência entre os 3 e 6 anos de idade quando estamos
adultos, mas sabemos que a nossa memória de estarmos conscientes um dia, não é
exatamente o momento a qual passamos a existir, pelo motivo de que a existência
sempre precede a memória, a consciência e o pensamento. Oras, se há um
desenrolar de causa e efeito na história do indivíduo, então há uma causa inicial a
qual essa história tenha começado e ser desenvolvida mesmo antes de eu dirigir tal
trama, e ainda de ter uma consciência sobre ela. O ser humano está perfeito e
racionalmente seguro de que sua história tem um começo no tempo, e não tem
como ser de outra maneira.
Voltemos, então, ao tipo vegetal a qual é semelhantemente assimilado pelo
homem. Uma árvore dá frutos e o fruto cai na terra entrando em contato com o
mineral. Se há uma fertilidade apropriada da terra com a semente do fruto, há algo
que acontece nesse contato. A árvore sopra no ente inanimado que é a terra, o
sopro da vida, e a terra se torna uma alma vivente. O mineral é destruído, pois é
absorvido pelo vegetal, para se tornar algo melhor do que era. Essa capacidade
mágica de transformar o ser inanimado em algo melhor e mais poderoso é a alma. A
transformação do ser inanimado para algo que tem a capacidade de se desenvolver
animosamente, se chama vida.
A história do tipo animado começa quando se torna animado. Essa história é
uma história do tipo a qual ele pertence. A história do tipo animado vegetal, animal e
o humano. Todos os esses tipos, destruíram a terra e a transformaram em seres
melhores do que eram antes, pois são seres com finalidades muito bem destacadas;
cada qual em sua espécie.

O terreno fértil da mãe, com a semente do pai, é o contato da vida e essa é a


vida não de algo sem propósito como uma pedra e sim de alguém tão vivo que é
capaz (alma). Uma pessoa humana é a célula do homem em contato com o sangue
da mulher.
Dizer que um zigoto não está vivo é o mesmo que dizer que não existe
processo algum se desenvolvendo ali. Obviamente isso beira a uma insanidade
preocupante, pois há de fato um desenvolvimento, uma animação, e se há um
desenvolvimento é necessário indagar uma questão inevitável: O desenvolvimento
do ente animado é um desenvolvimento do ente de qual tipo? Vegetal, animal ou
humano? E a pergunta mais importante: Quando esse desenvolvimento termina?
As causas são sucessões hierárquica de acontecimentos. E essas sucessões
são percebidas no tempo. Mas o tempo é algo que também teve um início, uma vez
que se não houvesse, seria impossível chegar o tempo presente. Eu não estaria
escrevendo para vocês neste exato momento.
Se o tempo teve um início, ele também teve uma causa, e se o teve, há algo
hierarquicamente superior ao tempo. Metafisicamente essa causa inicial é o
Absoluto, o Ser ou Deus, e este se encontra no plano da eternidade, não do tempo
e espaço. Esse é o motivo pelo qual Deus é onipresente; O Ser abrange todo o
tempo e espaço. Ele sabe de tudo, não porque ele prevê o futuro e se lembra do
passado e sim porque está em todos os tempos simultaneamente e isso é, por
definição, eternidade.
Estamos compreendendo, portanto, que a realidade última está, não no
tempo, mas na eternidade divina, e se assim o é, a história do mundo já está no
domínio da eternidade e é percebida por nós no tempo. Se a história do mundo já
está no domínio da eternidade é conveniente dizer que a história do indivíduo
também.
A única diferença entre o embrião e um humano adulto é a hierarquia causal
a qual chamamos de idade. No plano da eternidade a sucessão causal é vista
simultaneamente e o adulto é visto apenas pela realidade vital de um embrião na
primeira idade. Na eternidade o homem é visto por inteiro desde a concepção.
Se alguém considera que um ente humano tem um valor existencial, então é
preciso considerar esse valor na sua existência por inteiro; ou seja, a totalidade da
história do indivíduo, pois sua causa inicial do processo de desencadeamento na
história é percebida no tempo, mas na realidade última que está na eternidade.
É preciso levantar, ainda, um outro ponto em relação a eternidade.
Ouvimos muitos ditos vulgares, mas muitas vezes até vinda da alta cultura,
de que o passado é passado, não existe mais e que o que de fato existe é o
presente. O desfecho é bem óbvio: viva o presente. Os defensores dessa “máxima”
querem dizer que o que passou passou e já não está mais aqui, se foi,
esvaneceu-se no tempo.
Vamos dedicar uma breve reflexão sobre isso. Eu tenho uma enorme
dificuldade de levar esse tipo de filosofia à sério, pois quando penso no caso de
“viver o presente” eu preciso me fazer uma pergunta: “por quanto tempo eu vivo o
presente?” E essa pergunta é importante, pois se o tempo não pára e o presente se
vai, eu posso reduzir o momento presente em uma conta de milésimos de segundos
que não seria o suficiente, ele logo estaria destruído pelo tempo assim como
Saturno, deus da mitologia grega que simbolicamente é representado como aquele
que devora tudo aquilo que está presente, ou seja, o tempo. Se o tempo devora
tudo aquilo que existe então nossos momentos presentes são mera ilusão, pois eles
passam em um momento que não podemos mensurar. Parece, então, que eu estou
certo em perguntar quanto tempo vivemos o momento.
O passado não pode ser destruído, pois se assim o for, não faz sentido
falarmos em presente. Alguém pode dizer que o passado fica vivo apenas na
memória. Isso é uma dúvida autêntica e sincera.
Para tirarmos a pulga de trás da orelha, pensemos, então, na relação do
tempo com o espaço, relação tal que não pode ser separável. Se o tempo destrói o
passado, ele destrói o espaço no tempo passado também? E se assim o faz, o
presente é uma reconstrução do espaço a qual me apresento para viver o
momento? A minha casa de ontem não é a mesma da minha casa de hoje? Ou seja
foi reconstruída pelo tempo presente? E se eu não posso mensurar quanto tempo
eu vivo o presente, quanto tempo o espaço que eu estou fica intacto para que eu o
possa perceber? É obviamente ridículo tal situação e isso responda ao
questionamento de que passado é apenas uma memória.
O tempo é o desenrolar da eternidade, e por isso mesmo, submisso a ela.
Então a eternidade abrange o tempo e espaço. Logo, o objeto que ocupa o espaço
é um personagem da eternidade. Isso é o que chamamos de ser. Uma vez que um
objeto entra no tempo, ele é, e quando é, não deixa de ser, já que ao entrar no
tempo entra, também, na eternidade. Uma caneta, um carro, um idoso, uma palavra.
Tudo isso é ser e tudo isso quando entra na realidade está entrando também na
eternidade. Concluímos assim, que o passado não deixa de ser, pois o eterno não
permite que o passado seja devorado pelo tempo. O seu “eu” no passado está
necessariamente na eternidade. Por isso que só é possível conceber o ser na sua
totalidade; na esfera da eternidade.

Contestações Possíveis

Alguém pode levantar uma dificuldade ao apresentar o seguinte argumento:


Se a capacidade do ente, no início da história, é apenas uma capacidade vegetal,
como podemos considerá-lo um ente do tipo humano? Mesmo sendo uma pergunta
adequada eu acho que há distrações nela. A espécie a qual a história é criada é
claramente provinda de um ser da mesma espécie e por isso a reconhecemos como
vida dessa espécie. Uma espécie não pode gerar seres de espécie distinta, o tipo
do ente vegetal sempre irá gerar um tipo do ente vegetal e não animal. O mesmo
acontece com o humano ou o animal. As capacidades de reprodução se limitam ao
tipo existencial a qual pertencem. Parece que quem faz esse tipo de pergunta não
está sabendo diferenciar a capacidade de uma espécie com o significado puro do
termo “capacidade”. Ser capaz não quer dizer que é pertencente a uma espécie e
sim que abrange a capacidade de tal espécie. O homem abrange a capacidade do
animal e do vegetal.
Uma outra pergunta poderia surgir: Porque um ente, mesmo que humano,
que não tem as capacidades humanas, e apenas apresentam parte de um atributo
vegetativo deve ter o mesmo valor do homem consciente? Essa é uma pergunta
que traz um grau um pouco maior de obstáculos, e devemos ter uma atenção maior
fazendo algumas comparações reais.
Aquilo que está se desenrolando na história e participa do mesmo processo é
um desencadeamento causal a qual não poderia existir o posterior sem o anterior.
Uma outra resposta para tal problema é que é descuidado pensarmos que a
definição de “homem” se limita a alguma habilidade, membro do corpo, parte do
atributo da mente, ou a própria mente, em vez de a sua definição vir do próprio ser.
Já refletimos na máxima de que a totalidade do ser se dá fora do tempo e que as
hierarquias causais são percebidas temporalmente, mas a realidade última mostra
que o desenvolvimento do ente humano pela idade já está definida até a sua morte.
Dizer que um ser humano é menos humano (já que teria menos valor) quando não
tem consciência, nos levanta as seguintes questões: Um homem que esteja
desmaiado e, portanto, inconsciente tem menos valor do que o homem acordado?
Oras, se a medida do valor humano se dá pela sua consciência, então haveria de
ter uma hierarquia gradual de valor do homem consciente, e se assim o é, um bebê
que exerce menos sua mente e a sua consciência da realidade do que um adulto,
pois o adulto, no exercício da consciência é consciente do uso de seus atributos
mentais como a inteligência, a razão e os vários graus complexos de pensamento;
logo um adulto tem mais valor humano do que um bebê? Ou alguém que não usa
suas faculdades cognitivas apropriadamente por motivo de alguma deficiência é
menos humano do que o homem saudável? Alguém que nasce sem a capacidade
de andar é menos humano do que aquele que corre? A pergunta: “quando o homem
passa a ter um valor existencial?” não faz sentido. O valor existencial do homem
não está em alguma fase causal que aclara em si algum atributo humano, e sim no
ser. Fazer hierarquia de valor existencial tem um nome: nazismo.
Se pudéssemos passar por cima de toda a solução dada anteriormente para
o problema exposto e quiséssemos impor uma hierarquia, então ela deveria ser a
causa inicial de todo o processo. Um embrião deveria ter mais valor, pois ele é
quem está no ponto inicial do processo histórico do indivíduo sem a qual não
poderia existir a etapa posterior. Mas é óbvio que isso é só um exercício de
imaginação para termos em claro a prepotência e absurdo considerarmos que um
adulto tem mais valor existencial do que o embrião.

A Linguagem e o Imaginário como o Carro Chefe do Problema

A polêmica sobre o aborto é inundada de problemas de linguagem,


ideologias e teorias que estão totalmente deslocados da realidade. Mas o imbróglio
mesmo está na linguagem, e por isso, vamos ocupar nossa reflexão acerca dessa
barafunda do mundo moderno.
O professor Olavo de Carvalho tem uma análise interessante sobre o
problema da linguagem no mundo moderno. Ele diz que existe, em linguística, uma
coisa chamada triângulo da linguagem. Isto é uma estrutura de como a ela desse
ser formada. O esquema composto no triângulo é: Signo, significado e referente. O
signo é um símbolo ou figura que nossos sentidos capta (a matéria). A observação
da figura só se dará pelo significado da matéria que é o sentido explicativo daquilo,
ou o significado. O referente é o fato de que aquele signo com significado está na
realidade concreta. Por exemplo, eu vejo uma figura, eu a assimilo como sendo uma
vaca, mas essa vaca deve, também, estar na realidade para eu poder fazer algum
juízo sobre aquilo que foi assimilado. Em outras palavras, o signo e significado deve
se referir à realidade. Segundo o filósofo, hoje em dia as pessoas limitam a
linguagem ao signo e significado sem referi-la à realidade. É o que se passa com
jargões como: desigualdade, fascista, lugar de fala, diversidade, democracia, etc, e
também se passa no uso da palavra “aborto”.
Quando as palavras não se referem mais à realidade os assuntos já não
podem ser tratados como sendo da realidade. A finalidade dos discursos são só
para alimentar alguma ideologia sem mesmo enxergar, definitivamente, as
consequências das ações baseadas em tais discursos. É como se toda vez que é
construído um discurso há sempre uma camada antes dele se referir à realidade
concreta. Essa camada é a ideologia.
O dano da perda do referente é incalculável no mundo real. Vimos isso no
desastre nazista e no comunismo no século passado. A palavra aborto não se dirige
mais ao fato de alguém estar literalmente assassinando um ser humano, e sim ao
direito da mulher interromper uma gravidez indesejável.
O isolamento das pessoas do mundo moderno em relação ao real é de tal
ordem que do fato elucidado acima é de um desconhecimento total daquele que
expõe tal motivo. Ao menos, o cidadão que expressa a sua justificativa consegue
associar a palavra “aborto” à “assassinato”, mas é pior: não sabe o que está dizendo
ao mencionar “direito da mulher”, tampouco “direito”, e tenho absolutamente certeza
de que se nunca refletiu sobre o conceito de “vida” não sabe o que significa, na
realidade, a palavra “mulher” (basta ver as discussões acerca da identidade de
gênero).
Mas poupe-mo-los de tanta esculhambação no que diz respeito a tal
ignorância perante a mais óbvia presença do real e passemos para o ponto onde
dizem sobre a gravidez indesejada.
Eu realmente acredito que muitas mulheres têm a gravidez indesejada por
vários motivos. E ter que realizar algo que não é de nosso desejado é no mínimo
desconfortável, e aquilo que é incômodo tendemos a querer resolvê-lo porque é
claramente um problema. A gravidez indesejada, então, é um problema, pelo menos
no ponto de vista de quem acha que a geração de uma vida é algo um tanto nocivo.
Uma pergunta que faço é: como resolver um problema de gravidez
indesejável? A resposta para o progressista é muito fácil, apesar das consequências
serem desastrosas para todas as partes. Sem alguma dificuldade, se levanta o
direito da mulher abortar. Eis aí o problema da linguagem. Enquanto o termo
“aborto” não for substituído por “assassinato”, o signo e significado continuarão sem
referente, pois quando falamos aborto pensamos “apenas” no som bonito:
interrupção da gravidez. Mas a palavra “assassinato” puxa de nossa memória o tiro
que alguém dispara na cabeça de outra pessoa, o holocausto nazista, a facada que
mata o rapaz depois de uma festa, a mãe que mata o próprio filho com um punhal
no peito. Esta última é o que a interrupção de gravidez precisa se referir na
realidade. As palavras precisam ser mudadas. O anti-abortista precisa chamar as
coisas pelo nome. Se chamarmos ‘“aborto” de “assassinato” a solução final para a
gravidez indesejada terá uma impressão mais hostil. Faça um teste na leitura a
seguir: O que fazer quando a mulher tem uma gravidez indesejada? Assassine o
filho.
O importante de usar a palavra correta é que ela irá se referir ao que é a
ação na realidade com todas as suas consequências. Enquanto continuarmos
escondendo ao que se refere o significado, o genocídio silencioso de pessoas
inocentes vai continuar acontecendo como se fosse apenas para responder ao
problema da gravidez indesejável.

Números, estatísticas e políticas públicas

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) 55 milhões de


assassinatos de nascituros ocorreram no mundo entre 2010 e 2015. Na PNA 2016,
estimou-se uma suposição de 503 mil no ano. Alguns dados, estimam que em
países onde o aborto é legal, ocorreram menos casos do que em países onde é
ilegal. Por exemplo, na França, onde é legalizado, ocorre dentro de uma estimativa
de 200 mil por ano, e na Inglaterra junto com País de Gales, o número é similar: 207
mil abortos em 2019.
O problema é que essas comparações me parecem estranhas. Como posso
relacionar o número de aborto de países como o Reino Unido, que tem pouco mais
de um quarto da população brasileira? O correto seria comparar o número de antes
e depois da legalização do aborto nesses países. O que mostra o próprio site do
governo britânico é que o número de casos subiu de forma radical em 2019 em
comparação aos tempos onde o procedimento não era legal. Então, o que me
garante a confiabilidade nas teorias sobre políticas públicas de que o aborto legal
faz diminuir o número de casos?
Segundo os legalistas, o procedimento legal é mais seguro para a mulher.
Esse ponto me intriga bastante. É realmente muito bom que seja seguro para a
mãe; só que é mais seguro para ela própria não passar por isso. Obviamente irão
responder que há problemas psicossociais que justificam o expediente. Vamos falar
disso mais tarde, mas por hora, vamos nos ater a responder que: 1. O procedimento
legal do aborto causa mais dano à mulher do que se ela deixar nascer o filho; 2. Se
a ideia é baixar o prejuízo social, matar alguém baixa o prejuízo social? 3. O número
de mulheres com problemas psicossociais justificam o aumento do número de morte
de nascituros?
Claro que existe tiranias que ocorrem contra as mulheres e temos que olhar
com carinho para isso, mas a solução para isso tudo parece aumentar a tirania.
Não gosto muito desses números, e o motivo é que eles revelam uma trama
de horror. Parece um debate cínico sobre o que é melhor: matar 500 mil ou 100 mil?
Ninguém conversa sobre achar uma solução de parar a matança de inocentes.
Há uma forma de deter esse número? Veja, a pergunta é se isso é impossível
ou não. Há algo impossível para homem que aterrissou na lua, construiu arranha
céus e computadores super velozes? Claro que há, mas parar com a carnificina de
fetos não está nesse cardápio. A preservação dessas vidas, não é difícil de
imaginar, seria muito mais fácil do que construir o sistema operacional Windows ou
um celular da Apple.
O problema para a eliminação desses números horríveis está na forma como
o homem moderno enxerga o valor de uma vida. Não há solução enquanto o
mindset ​for que: “estamos satisfeitos porque antes matávamos 50 milhões e hoje
matamos apenas 10 milhões”. Não é que deixam morrer (o que já seria horripilante),
matam mesmo em nome desse termo pouco compreendido chamado: “políticas
públicas”.
Não quero entrar nos detalhes históricos sobre o tema. Não é o intuito aqui.
Mas Margaret Sangers, que foi uma das primeiras a criar uma clínica de aborto nos
EUA, na década de 1920, incentivava as mulheres negras a abortarem para que
tivessem uma vida economicamente mais sustentável, isso tudo em nome das
“políticas públicas”.
Quando o termo não tem seu referente claro, pode ser manipulado para a
crença de que é necessário para um fim social benéfico. Mas ao sondar o objetivo
real, o motivo disso tudo é outro. Sangers queria eliminar a “raça” negra por meio da
eugenia, acreditando que uma sociedade com menos pretos seria menos
problemática. Ela criou a clínica perto da comunidade negra justamente para facilitar
a logística deles até lá. “Aborto seguro, sem precisar pagar e para o ‘bem’ dos
pobres seres de raça inferior”. Controle de natalidade. Alguém estava decidindo
quem vivia e quem morria. A mesma senhora vestida de “deus salvador dos pobres
e indefesos” fundou a Klu Klux Klan feminina.
A linguagem influencia o que as pessoas pensam até mesmo nos números. A
sociedade moderna, que já não associa mais o significado de algo com a realidade,
já passa por camadas de teorias e ideologias totalmente ausentes dos fatos
concretos. Daí fica nítido que a expressão “marionetes” se adequa às características
do indivíduo contemporâneo. Por este motivo, os números que indicam que matar
10 milhões em 3 anos em vez de matar 50 milhões no mesmo período é algo
benéfico e um avanço, quando a luta deveria ser em prol de eliminar todos os
números de assassinato de inocentes, vira uma enorme banalidade a ponto de
ninguém pensar na última solução.
A pergunta é: a que se refere o número de 10 ou 50 milhões?

Aborto em Caso de Estupro

Também não vou ocupar muitas linhas nesse ponto. Não creio que seja uma
dificuldade tão grande ao compararmos ontologicamente sobre aquilo que deve se
proceder.
A voz da multidão progressista invade a alma dos universitários da UFRJ e
USP com jargões do tipo: “direito da mulher” e “lugar de fala”. Quero comentar os
dois e relacioná-los com os terríveis casos de abuso sexual.
Na legislação brasileira é previsto que o aborto é legal em caso de estupro
contra a mulher. Uma vez alguém veio debater comigo citando leis inseridas na
constituição. O sujeito era um advogado. O problema com esse tipo de profissionais
é que pensam que ao segurar o grosso livro de direito constitucional estão levando
a bíblia debaixo do braço, ou todos os 3 livros das religiões monoteístas, e ali está a
verdade de todos os mistérios do mundo. Mas o que diabo são essas “leis”? Eles
são a Verdade do nosso Senhor Jesus Cristo, Maomé e Abraão, ou são aquilo que
constitui certas regras para fins específicos de ordem social? Qualquer um
concordaria que é sobre o segundo e não sobre problemas metaéticos do universo
e suas divindades. Se é para um fim de ordem social é porque alguém o constituiu,
ou seja, há algo que é anterior às leis que é a própria noção social de “ordem
moral”. Ou seja, a lei indica aquilo que não se deve fazer em relações
intersubjetivas. Nada mais que isso. Ela não diz se algo é objetivamente moral ou
não. Na Alemanha nazista existiam leis em que alemãs deveriam entregar os judeus
às autoridades do país. Isso era uma lei, mas podemos questionar o propósito ético
dela baseado no nosso entendimento moral, como entes civilizados. Isso quer dizer
que: iniciar um argumento invocando a legislação brasileira é no mínimo
descuidado; isso para ser um pouco respeitoso com o meu interlocutor.
Vamos direto ao assunto. A alegação dos que defendem o direito da mulher
em relação estupro e o aborto é: “em caso de abuso sexual, a mãe pode colocar
uma faca no coração do filho e assassiná-lo”. O motivo é psicossocial. Para que a
mãe não seja obrigada a cuidar de um filho de um estuprador, ela tem o direito de
fuzilá-lo. Na verdade tem procedimento pior que é triturar o pobre indivíduo inocente
como se fosse uma carne moída.
Se a mentalidade social tivesse ao menos um pouco congruente com a
realidade, o entendimento seria: mas o que diabos o bebezinho tem a ver com isso?
Não seria mais lógico matar o estuprador em vez do indivíduo inocente? A resposta,
óbvia dos professores progressistas da USP seria que nenhuma mulher é obrigada
a carregar um trauma tão profundo dentro da barriga. Por outro lado, a fraternidade
e afetividade com o abusador é tamanha que se falarmos em executá-lo ou
proceder a um método bem eficaz de castração química, os arautos da bondade
dirão que isso é de uma crueldade desnecessária e que o estuprador mereceria
uma chance de restabelecer-se na sociedade.
Mas a mulher esclarecida com a realidade (como são muitas) pensaria que:
ao matar alguém inocente estaria aumentando esse trauma em vez de diminuir.
Esse é o motivo do porque a maioria das mulheres que engravidam tendem a não
abortar. Em vez disso, entregam a criança para adoção, ou criam a mesma,
estabelecendo um laço afetivo incompreensível para a mentalidade do homem
moderno.
O pensamento dessas mães é que há uma incompatibilidade moral entre
matar um inocente no objetivo de aliviar um trauma ou não aumentar o trauma. O
dito: “não posso carregar o filho de um estuprador”, para a maioria das mães
abusadas, a solução é, sim, cuidar do filho ou doá-lo, mas nunca matá-lo.

O Jargão: “Lugar de Fala”

O movimento feminista mais radical usa o termo “lugar de fala”, onde apenas
a mulher pode falar de assuntos relacionados à mulher. Isso é uma analogia
possível, pois se trata de assuntos sobre certos eventos que ocorrem com
mulheres, e a mulher está em uma posição apropriada para falar daquilo, já que
somente elas compreendem umas às outras. Há algo de muito estranho nisso tudo.
O homem não pode falar sobre a mulher abusada devido às condições que ela se
encontra. Como o homem não pode ser abusado, então ele não pode falar dela com
tanta propriedade. Mas se é por fator condicional, como pode a mulher ter a
propriedade de falar em nome das mulheres que estão em uma condição diferente
da dela? Uma mulher que não foi abusada não pode falar de uma que foi, pelo
mesmo critério que elas argumentam que o homem não pode. Então, apenas a
mulher abusada sexualmente pode falar sobre mulheres abusadas sexualmente?
Mas temos um outro problema também. Homens são abusados sexualmente em
prisões. Quem seria mais conveniente a tratar sobre questões de abusos sexuais
em mulheres, mulheres que nunca sofreram o fato citado ou o homem que já
sofreu? Quem é o objeto de assunto para que possa habilitar alguém a ter um lugar
de fala? O violado sexualmente ou a mulher?
Se for a combinação dos dois, temos um outro problema. Qual é o parâmetro
ou a medida a qual o objeto de assunto dá aval ao lugar de fala? Se uma mulher
abusada sexualmente for falar de outra mulher abusada sexualmente, qual foi a
gravidade do abuso? Qual o peso entre um caso e outro? O ocorrido dos dois foi no
mesmo lugar? O estuprador era o mesmo? Quando foi? O quão traumático foi um e
outro para o psicológico de uma e de outra?
O ponto aqui é que “lugar de fala” é um termo reducionista que não faz o
mínimo sentido. Como diria o professor Olavo de Carvalho: é empulhação. Ninguém
sofre a totalidade do sentimento do outro para ser digno de um lugar de fala. Por
isso é tão “sem noção”, pois os critérios são ilusórios e exigiria que uma pessoa
fosse exatamente igual a outra e o incidente fosse idêntico, o que é obviamente
impossível.
A necessidade de alguém falar sobre determinados assuntos é simplesmente
porque eles devem ser resolvidos, e vários entendimentos, ideias e discursos sobre
o mesmo, enriquece o debate na busca de uma verdadeira solução. Isso é o que
chamamos de liberdade de expressão.
Todo o pressuposto metafísico já discutido é a prerrogativa do desequilíbrio
entre matar um inocente para “salvar” sua própria condição psicológica sem a
garantia de que esta mesma será salva.

Em Caso de Risco de Vida da Mãe

Para terminarmos a reflexão extensa sobre o problema do aborto… opss…


assassinato de inocentes, devemos uma última exposição: O risco de vida da mãe
ao gerar a criança.
Primeiramente devemos lembrar que toda gravidez tem risco de vida para a
mãe e para o bebê. Não é novidade que a necessidade de uma boa alimentação é
bem óbvia para a formação bem sucedida do feto. Caso a mãe transgrida tal prática,
ela e o bebê irão morrer. Isso é um ponto básico. Toda gestão tem risco de vida, e
até mesmo no momento do nascimento ocorre esse perigo. Logo, ao falarmos em
“risco de vida” devemos ter cuidado, pois é um termo pouco específico, tanto quanto
os que chamam “problemas psicossociais”. Essas frases com significados muito
abrangentes podem levantar muitas suspeitas se o caso é suficiente para ceifar a
vida de um inocente dentro da barriga da mulher.
Evidente que temos casos claros onde a mãe corre o perigo de morrer. Isso
na legislação brasileira é bem patente: o risco precisa ser notório. E há essas
circunstâncias.
Nesse caso, temos motivos para crer que é justificado o aborto por legítima
defesa. Em 2018 fiz um pequeno texto sobre a legítima defesa ser moralmente
aceitável em qualquer situação possível. O direito de salvar a própria vida em
situações óbvias de morte do próprio, é algo precisamente aceito. Ali eu explico que
a identidade do “eu”, o sujeito, a primeira pessoa, é necessariamente uma posição
onde tal sujeito tem o direito de viver, caso seja inocente, e ainda o direito de
exterminar toda ameaça que vem para tirar sua vida, pois nada pode ser mais
supremo do que o seu livre direito de viver como sendo um bom cidadão. Isso é o
que chamamos legítima defesa. A questão é que ninguém é melhor do “eu” para
que possa tirar a minha vida. Apenas Deus é a pessoa habilitada para tal feito.
Não há, aqui, um conflito sobre o fato virtuoso do martírio, mas o martírio só
pode ter algum valor se ele for voluntário, nesse caso. Por isso, é sim, direito da
mulher escolher que o filho morra em vez de ela mesma. Isso eu digo em qualquer
idade do filho, seja um feto ou um garoto na puberdade querendo matar a mãe.
Qualquer pessoa tem a prerrogativa de escolher a sua própria vida. Alguém poderia
dizer que o feto é inocente. Eu responderia que nesse caso, o feto não é inocente,
pois mesmo não tendo nenhuma intenção de assassinar a mãe, ele é uma ameaça
real. Um homem bêbado pode não ter a intenção de matar alguém no trânsito, mas
ele é uma ameaça contra a vida de outros (péssimo exemplo, mas por hora
encontrei só esse).
Perceba que não estamos dizendo que a mulher tem o dever de
preservar-se, mas sim o direito. Se estamos tratando nesses termos, então,
estamos dizendo que ela tem a liberdade para tal. A mãe pode escolher viver ou
não.
Claro que há mais nobreza no martírio, e essa nobreza vem do fato de ser
espontâneo. O sacrifício é mais nobre por ser uma dádiva do direito e não do dever.
A liberdade de ser mártir é o único caminho de pôr sentido no sacrifício. O
sentimento de uma pessoa ter o dever de se sacrificar por outra é subjetivo e não
um dever que é alheio a ela.
A nobreza de ser mártir não tira o valor da vida, e por isso o valor de escolher
ter a vida em vez de perdê-la. Mal comparando, é como alguém que aposta sem
perder o que tem, mas se apostar corretamente ganhará. Ou alguém que ao
escolher certo trabalho será mais bem sucedido, mas se escolher outro também
será bem sucedido, mas não terá a nobreza do outro trabalho. O fato de não ser
nobre em certas escolhas não tira o valor que a sua vida tem, apenas abdica da
nobreza aberta para você. Até porque, escolher a morte não é algo fácil de se fazer,
já que é natural o fato de que todos desejam viver e realizar sua história no tempo.
Conclusão

Tudo ficou claro, e não acho que seja fácil refutar o que foi dito sobre o
problema mal discutido nos dias de hoje e o genocídio silencioso que vem
ocorrendo durante décadas pelo mundo. No fim das contas eu nem acho que é um
genocídio silencioso. A situação está gritando na nossa cara. O problema é que
estamos surdos.
A omissão e a falta de um debate sincero sobre o assunto faz parte da crise
do mundo moderno, de um amor deturpado e abstrato do ser humano
contemporâneo e aquela falsa relatividade sem pé nem cabeça, a qual se apoia
num pensamento volátil e instável de um devir numa sociedade egoísta, hipócrita e
fria. Pelo menos, eu não faço e nem quero fazer parte do homem niilista de
Nietzsche confirmado por Camus e Sartre onde nos reduz ao absurdo. Minha vida
tem muito sentido, pois está baseada numa realidade que estrutura o tempo e
espaço, o próprio Deus que me sustenta, dá cor e forma a uma tela onde a pintura
tende a ser tão abstrata.
Assassinar pessoas inocentes que nem tiveram o direito de ter consciência
de sua história é a mais cruel de todas as realizações malígnas da humanidade e
espero que você esteja comigo nessa.

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