O Espelho Quebrado - Uma Reflexão sobre a Condição do Homem Moderno
Autor: Douglas Lisboa
É bem claro que apenas podemos dizer algo sobre a fragmentação da
sociedade contemporânea, na compreensão do que significa: “estar fragmentado”. Não é uma exposição das mais difíceis, pois a palavra indica uma condição óbvia e conhecida de todos. Vamos meditar de forma um pouco mais profunda o termo. Tudo o que é fragmentado é quebrado, despedaçado e isso quer dizer: dividido. Oras, o que é dividido é contingente e por isso é submetido a causas. Ele é numerável, multiplicável, adicionável, movido e posto no tempo e espaço. Por isso, tudo o que é divisível e, portanto, posto no tempo precisa ser um ente material. O fragmento é um princípio de efeito puramente material e não pode ser de outra maneira. O efeito da condição fragmentada tem uma causa, pois tudo o que vem a ser, vem a ser por inteiro. Toda forma é uma forma com um princípio material completo. Um vaso é um vaso, pois tem a forma material de um vaso que serve para um fim, e esse fim depende de uma funcionalidade específica que o faz funcionar apropriadamente. Essa função se dá na intenção de seu princípio que é o criador do objeto. Alguém pode dizer que essa causa efetiva, muitas vezes, é indireta, como uma pedra. Ninguém criou a pedra. Ela é resultado de uma outra pedra. Na minha opinião isso é uma opção absurda já que a pedra é apenas um fragmento de algo que é inteiro. A tal foi apenas deslocada de uma pedra maior, uma rocha ou uma montanha e a própria montanha é uma extensão do terreno que habita que é o planeta terra. Um objeto como um vaso pode não corresponder mais a sua função quando se encontrado quebrado depois de uma queda. Chamamos essa condição de “vaso quebrado”. Ele é quebrado justamente por não ter mais propósito. Mas como dissemos no início: O vaso só quebrou porque sua estrutura é material. A sociedade moderna é uma sociedade puramente materialista, e precisamos aqui entender o materialismo da mesma forma que apreendemos o exemplo anterior. Pensemos o seguinte: Se o material é suscetível ao tempo e espaço, ainda é algo divisível e durável, então é preciso de uma causa, um criador, pois aquilo que é material não pode sobrepor ao tempo e ser uma entidade atemporal e eterna. Tão pouco pode ser ilimitado, pois uma subtração de causas ilimitadas não pode ter uma passagem temporal para que pudéssemos observar o presente. Ou seja, aquilo que é material precisa ser hierarquicamente posto em seu devido lugar de criatura, subordinado a algo que não é material. Esse é o ponto de partida mais básico possível para entendermos de vez por todas que não pode existir ciência que não se submeta hierarquicamente a assumir uma metafísica. A ciência moderna decepou a cabeça daquilo que significa ciência. Temos apenas um fragmento do sentido do termo. A metafísica foi expelida do conceito moderno. O resultado é o emburrecimento científico e não um progresso, pelo motivo de que a metafísica deveria ser a base de toda a ciência. A parte mais importância por hierarquia. O curioso disso tudo foi que em vez de a ciência perder a sua autoridade intelectual, aumentou de uma forma nunca vista antes. A ponto de ela, a “mula sem cabeça”, se tornar o arauto máximo das decisões inteligíveis e racionais. É óbvio que essa redução ao materialismo científico teria suas consequências. A morte da razão. Isso fica claro quando perguntamos sobre a verdade e as pessoas, até mesmo ditos da alta classe intelectual, dizem que ela é relativa. Ao dissertar tal alegação chegamos a conclusão reducionista: tudo está meramente contido no sujeito e nada fora dele. Parece que é uma relativização total daquilo que era considerado absoluto e que se encontravam no campo da metafísica como o ser, a bondade e a beleza. Essa perda da razão e a sujeição da verdade ao sujeito, e ao mesmo tempo a condição material do mesmo, e a sua perspectiva materialista de mundo, o faz perder a noção de propósito nas relações causais. É um vaso quebrado. A ideia do título veio de um sonho que tive há uns dias atrás. Nele eu vi uma pessoa em frente a um espelho. Ao refletir, o espelho se quebra em mil pedaços, e era impossível, para o mesmo, cumprir a função de mostrar aquele que está diante de si. Esse sonho fez com que eu esboçasse essa meditação. Todo objeto quebrado, está quebrado porque não cumpre mais o seu propósito. Se o que há é o homem material e se o homem material já não reconhece sua causa primeira e tudo o que há é a matéria, então a sua forma foi perdida, e forma é aquilo que inteligimos e compreendemos como sendo um ente determinado. Mas se o princípio e o fim de todas as ações sociais são materiais então estamos em um estado de fragmentação sem precedentes. Ao refletirmos no espelho, o espelho não mostra uma pessoa com toda a sua forma para que cumpra o propósito que responde a grande pergunta: “porque estou aqui?” As pessoas simplesmente passam a vida pela a estrada da máxima popular que diz que nascemos, passamos a vida em um vazio proposital e depois morremos. Ou seguindo o absurdismo pós-guerra de Sartre e Camus como homem sendo um “trágico enigma”. Uma alma sem sentido. A proposição do dia dos indivíduos modernos é ir ao shopping e tentar seguir a moda, chorar diante da falta de likes em suas redes sociais, alimentar seus vícios hedônicos e experimentar o prazer sem virtudes que o consumismo capitalista oferece. Mas a finalidade de sua existência está fora, obviamente, do cardápio vegano de efemeridade oferecida no fast food com o famoso branding de slogan: secularismo materialista. A conclusão que cheguei no sonho é que não era o espelho que tava quebrado e sim a pessoa, com toda a sua arrogância, presunção, niilismo, fragilidade e tragilidade, que estava fragmentada diante do espelho. A esperança é o resgate de um imaginário onde os pedaços humanos são juntados pela cola da metafísica, por meio da cultura e da educação. Mas como advertiu o fabuloso esteticista Roger Scruton: não pode meio de governos se sim do micro para o macro, de baixo para cima. Governo não pode promover a cultura e sim o cidadão comum sendo moldada pela classe intelectual. Classe essa que não está refém do criticismo kantiano e sim comprometido com uma vida integrada na realidade. Como diz Olavo de Carvalho: antigamente o filósofo e o padeiro tinham a mesma percepção de mundo em graus diferente de inteligibilidade dos fatos da realidade. Apenas esse comprometimento com o real, com a presença, com Deus pode juntar nossas partes para que nos apresentemos por inteiro diante do espelho. Assim saberemos quem somos, de onde viemos e para quê estamos aqui. Entendemos o que o cristianismo quer dizer com: o vaso novo.