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INTRODUÇÃO À TEOLOGIA

AULA 3

Profª Eliane Hubner da Silva Rodrigues


CONVERSA INICIAL

Nesta aula estudaremos quais os fundamentos da teologia; ou seja, quais


suas fontes de conhecimento e princípios básicos, para entendermos de onde
ela vem. É uma questão complexa, mas iniciaremos expondo a racionalidade da
teologia e a questão da razão relacionada com a fé. Depois, iremos para as
principais fontes da teologia: a fé-palavra, a fé-experiência e a fé-prática. Por fim,
estudaremos a pessoa de Jesus Cristo como raiz teológica.

TEMA 1 – A FÉ E A RAZÃO

Para estudarmos os fundamentos, ou métodos da teologia, podemos


partir de diversas premissas1; aqui, usaremos a abordagem da fé para obter
compreensão, levando em conta que primeiramente é necessário ter uma crença
para depois buscar uma compreensão daquilo que se crê; ou, buscar a
compreensão intelectual, e a partir dela enxergar a fé. “Quando falamos em
método em teologia, estamos colocando um segundo elemento ao lado deste,
que é o conteúdo. Muitas vezes, pensa-se que o método pode ser dissociado do
conteúdo, mas o método influencia o conteúdo e o conteúdo influencia o método.
Ambos se condicionam” (Westphal, 2010, p. 81).
Isso quer dizer que, quando falamos de método, também falamos de
conteúdo, ou seja, o método teológico trata do conteúdo que há na teologia. A fé
e a razão são dois elementos que constituem a teologia, isso porque, segundo
Westphal (2010, p. 81), são alternativas que se excluem mutuamente e, no
entanto, ambas devem existir para que haja uma fé inteligente, que possa ser
levada cativa a Cristo.
Quando falamos em fé, estamos falando do ponto de partida da teologia.
A fé é um elemento fundamental para expressar o conteúdo da teologia. Ou seja,
estamos falando de uma dádiva que se expõe à atuação humana; não se trata
de um produto da religiosidade humana (Westhpal, 2010, p. 82).
Na mesma linha, Boff (1998, p. 61) aduz que a fé se opõe à razão apenas
no que diz respeito à cultura racionalista – que reduz a razão apenas a ideias
claras e distintas; ou seja, não haveria lugar para a fé. A “razão moderna” na

1 Westhpal (2010, p. 80) aduz que existem várias premissas para desenvolver o método
teológico, assim como postura ateia, postura anti-intelectual, de afirmação ou suspeita das
Escrituras, concepção liberal de Jesus Cristo, entre outras.
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verdade só admite duas formas: a demonstrativa, que trabalha com argumentos
necessários e opera na matemática; e a científica, hoje entendida como ciência
empírico-formal.
No entanto, é preciso ampliar a ideia de razão, tendo em vista que ela não
é apenas formal ou empírico-formal. Há também a razão discursiva, que se
explica através de argumentos, raciocínios, entre outros; podemos chamá-la de
razão crítica, que encontra sentido e razão nas coisas. Um importante patamar
da razão seria a intuitiva, que diz respeito ao pensamento, à consciência (Boff,
1998, p. 63).
Há também a razão hermenêutica, que é utilizada nas ciências humanas;
e as razões mais simples, que são utilizadas no cotidiano e que vinculam nossos
atos, ou seja, uma razão do bom senso. E é nessa linha que se dá o uso da
razão em teologia: são razões de conveniência. Assim, destacamos a
importância de alargar o significado de razão para além do racionalismo (Boff,
1998, p. 63).
A fé feita razão, ou melhor, feita razões, é precisamente o que
entendemos por teologia. Quando falamos em inteligência e razão, há uma
importante distinção, e o mesmo ocorre com fé e teologia, fé e razão, ou então,
a inteligência da fé e a razão da teologia. Essa distinção vem para unir, tendo
em vista que estamos falando de momentos diferentes para o mesmo processo
(Boff, 1998, p. 72).
A relação entre fé e razão deve ser entendida de maneira que a fé venha
como uma iluminação da razão; ou seja, a fé está além da razão, ainda que
exista articulação entre elas. Por outro lado, a razão deve ser compreendida
como discurso da fé.
Nesse cenário, devemos entender que a tese fundamental da relação fé-
razão é que a razão está a serviço da fé. Isso porque, de certa forma, a fé
representa a razão divina e não pode, de maneira alguma, ser submetida à razão
humana. Assim, a razão serve a fé a partir de sua autonomia (Boff, 1998, p. 73).
Por último, poderíamos nos perguntar se a fé é ou não racional. Ora, a fé
transcende a racionalidade, isso porque está além da razão humana. No entanto,
a razão pode dar à fé uma base racional e argumentativa, o que é importante e
torna a fé possuidora de uma racionalidade eminente. Sendo assim, a fé não se
submete e nem se reduz à razão; pelo contrário, supera-a e a integra. Ela pode
abraçá-la e ao mesmo tempo ultrapassá-la.

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TEMA 2 – A FÉ-PALAVRA

Boff (1998, p. 110) aduz que a fé-palavra é um princípio formal que traz
especificações para a teologia, nos permitindo verificar a constatação de um
discurso como discurso teológico. Esse princípio tem como base a fé, tendo em
vista que a sabedoria humana pode confiar apenas em si mesma, mas não pode
ir contra a fé.
A fé tem muitas determinações; podemos destacar três delas: a fé-
experiência, a fé-palavra e a fé-prática. Ao longo da aula, iremos estudar cada
uma delas; no entanto, a fé-palavra é a que transmite o conteúdo essencial da
fé, que é o princípio inteligível da teologia (Boff, 1998, p. 111).
O teólogo Boff (1998, p. 111) aponta que a fé é o firme fundamento da
teologia; e necessariamente estamos falando da fé-palavra e não da doutrina. É
sobre o testemunho, tendo em vista que somente após o anúncio e confissão da
fé-palavra é que ela se torna doutrina, e depois, teologia. Dessa forma,
precisamos observar qual é o objetivo dessa fé, que, antes mesmo de ser palavra
humana, é palavra de Deus.
Sendo assim, para a teologia, a revelação é o princípio objetivo de sua
construção, e a fé é o princípio subjetivo; resultando numa fé revelada. O
princípio formal e objetivo da teologia é a Palavra de Deus, e o fazer teologia é
colocar tudo sob a ótica da Palavra. O princípio formal subjetivo da teologia é a
fé-palavra, que teologicamente é a reflexão de Deus sob a luz da fé.
Precisamos esclarecer que estamos falando do discurso de fé e não da
vivência de fé; ou seja, existe a ordem da existência e a ordem da inteligência, e
não podemos confundir as duas coisas. Por exemplo, quando estudamos
gramática, sabemos que as regras existem para se falar bem, no entanto,
quando vamos fazer uma prova, o importante não é falar bem, mas saber as
regras (Boff, 1998, p. 112).
As Escrituras são testemunhas da revelação, ou seja, fazer teologia está
totalmente ligado com confrontar as questões humanas na Bíblia, sendo a fé
revelada o marco inicial da teologia e a doutrina da fé, encontrada nas Escrituras.
Os princípios que estudamos acima têm uma base, que é a Revelação; ela deve
encontrar em nós correspondência, no sentido de que devemos acolher a
Palavra no amor, que é também uma fonte de toda palavra teológica.

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Westphal (2010, p. 90) afirma que a teologia está fundamentada no
testemunho da Palavra, tendo em vista que a revelação de Deus em Jesus está
no Antigo e Novo Testamento. Essa é a teologia autêntica, pois é na Palavra que
Deus se revela.
Por fim, devemos compreender que a fé-palavra é um princípio decisivo
apenas no campo teológico, tendo em vista que no campo da prática cristã o
mais válido é o critério da verdade, do amor autêntico. A fé-palavra deve estar a
serviço do amor; no entanto, para trazer eficácia, tal serviço precisa ser
verdadeiro (Boff, 1998, p. 124).

TEMA 3 – A FÉ-EXPERIÊNCIA

Estudamos que a fé-palavra é basicamente uma teologia formal, e que a


Revelação se encontra no espaço da experiência religiosa, sendo que o
conhecimento sobre a fé não é somente teórico, sendo também experiencial,
pois envolve o ser humano como um todo.
A fé-palavra é o que vai nos ajudar a discernir a fé-experiência. No
entanto, a fé-experiência costuma vir antes, tendo em vista que o mero saber
não significa nada se não houver compreensão da substância da fé: “quem não
crer, não experimentará; e que não tiver experimentado, não entenderá” (Santo
Anselmo, citado por Boff, 1998, p. 130).
A fé é fonte de conhecimento místico de Deus, ou seja, conhecê-lo passa
pela experiência e pela prática. Segundo Boff (1998, p. 133), poderíamos
descrever o conhecimento místico por três qualificativos: 1) Apofático: se trata
de um conhecimento cuja linguagem é pequena demais para descrever a
grandeza de Deus; 2) Simpático: é o conhecimento por compaixão, ou seja, o
sentimento é mais do que o saber, o foco é a intuição; e por fim, 3) Extático: é o
conhecimento místico fruto do amor que sai de si e se entrega, o amor ágape. É
no sentido “Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl. 20.2).
Assim, devemos entender o que a experiência dá à teologia, sabendo que
a teologia se desdobra no discurso de sabedoria-sabor que é comunicada pela
fé. Por si só, a experiência não dá evidência alguma, e sim certeza e convicção,
como uma luz que mais aquece do que ilumina. A experiência confere à teologia
uma experiência de fé; confere unção, emoção, fervor e alegria. Boff (1998, p.
149) aduz que “a devoção não constitui a teologia, no entanto, a devoção está
na fonte da teologia e é seu princípio existencial motivacional”.
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Por fim, compreendemos que a teologia, para ser boa, precisa ser mais
do inteligível; é necessário que exale o “bom perfume de Cristo” (vide 2 Coríntios
2.14-16). Não pode ser só bem arrumada, deve cheirar bem! Nesse sentido, fica
claro que a teologia tem uma dimensão física; é também um saber carismático,
mesmo quando na forma de teoria. Ao mesmo tempo, não podemos resumi-la
ao campo da razão, pois devemos interpretá-la na esfera da fé, que é o saber
místico do divino (Boff, 1998, p. 150).
A fé é o princípio permanente e estrutural da teologia, e se baseia “não
sobre seus discursos persuasivos da sabedoria (humana), mas sobre a
manifestação do espírito” (1 Coríntios 2.4). Ou seja, a palavra da fé é
determinada pela experiência da fé, e a teologia se nutre desse ponto.

TEMA 4 – A FÉ-PRÁTICA

Enfim chegamos à terceira fonte do conhecimento teológico, que é a fé-


prática. O termo prática é colocado aqui no sentido de compromisso cristão em
geral; uma fé-prática é uma fé que opera pela caridade. É a fé na sua forma ativa,
que se traduz em práticas éticas, interpessoais, políticas, sociais, pastorais e
assim por diante.
Neste tema, vamos entender o lugar da prática na teologia; para isso,
começaremos pela análise das funções da prática e como entram na teologia.
Segundo Boff (1998, p. 157), a prática pode ser considerada a matéria-prima da
teologia; pode ser o objetivo da teologia, no sentido de ser um serviço da prática
da fé; pode ser uma afirmação a respeito da anterioridade absoluta da fé – isso
quer dizer que, para o teólogo, primeiramente vem a fé, sua prática concreta, e
depois a teologia. Por fim, a prática também pode ser um princípio cognitivo, no
sentido de que ela constrói a teologia.
Quando falamos da prática como princípio de conhecimento, estamos
falando de um saber epistemológico, mas também poderíamos de princípio um
teórico, hermenêutico, entre outros.
Sendo assim, para que possamos esclarecer a prática como princípio,
Boff (1998, p. 158) elenca sentidos diferentes. Vejamos:

 Como princípio cognitivo: se trata do que acabamos de falar, é um


sinônimo de um saber epistemológico;

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 Como princípio material: a prática oferece materialmente o que a fé
exerce. Ou seja, é quando a teologia trata da vida, da história, e tudo isso
sendo interpretado à luz da fé;
 Como princípio temporal: a prática da fé vem antes da prática teológica;
 Como princípio prático: a prática ocupa o primeiro sentido da reflexão, a
partir da realidade;
 Como princípio motivacional: a prática move a reflexão teológica.

No sentido particular, a fé-prática também é, assim como a fé-experiência


e a fé-palavra, um princípio epistemológico, ou seja, gera conhecimento e verifica
a verdade teológica na história; além disso, como vimos, pode ser entendida
como vários tipos de princípios.
A fé-prática ajuda a descobrir o Deus revelado, tendo em vista todo seu
projeto na história, de projetar luz sobre a teologia. Sendo assim, nesse ponto
podemos retomar os níveis da fé que trabalhamos até aqui, entendidas como
princípios da teologia; ou seja, a fé-palavra é o princípio formal ou determinante;
a fé-experiência é o princípio existencial e a fé-prática, o princípio verificador
(Boff, 1998, p. 160).
A fé-prática também pode ser um caminho de conhecimento na vida
cotidiana. Boff (1998, p. 161) afirma que a sabedoria do bom senso afirma “a
vida ensina”. Essa afirmação nos traz uma convicção filosófica, até porque os
grandes pensamentos nascem desse tipo de afirmação. Assim, a prática é um
saber a ser aprendido através do confronto pessoal.
Na vida em geral, só conhecemos bem as coisas que fazemos, e isso
também se aplica no campo teológico, uma vez que só se conhece bem a fé
quando praticamos. Isso significa que a prática é inteligível, é racional.
Por fim, em que consiste então a luz teológica que se irradia da prática?
Ela traz alguma contribuição à inteligência da fé? Senão vejamos, a prática
provoca conhecimento teológico. Boff (1998, p. 181) explica que a prática levanta
problemas concretos que a teologia muitas vezes transforma em questões
teóricas, e também desperta consciência teológica, ou seja, obriga a teologia a
pesquisar e explicar os apontamentos. Sendo assim, a prática não responde a
questionamentos, mas interroga.
Na prática, também vemos que há uma verificação do conhecimento
teológico, não no sentido de constituição, mas de viabilização na prática da vida.

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Ou seja, é reconhecer por verdadeiro, o que faz confirmar a própria fé aos nossos
olhos.

TEMA 5 – JESUS CRISTO COMO RAIZ TEOLÓGICA

Ao longo dos temas anteriores, estudamos que a fé é um importante ponto


de partida para o estudo da teologia, dando a ela fontes importantes a partir da
palavra, da experiência e da prática. A partir desse ponto, veremos que a
compreensão da fé também deve se iniciar na encarnação de Deus em Jesus
Cristo e, consequentemente, sua história, sua pessoa, que é o conteúdo
fundamental da teologia.

A teologia não se esgota da experiência da fé ou do sentimento de fé


ou do arrebatamento pessoal que a fé em Jesus provoca. Isso tudo é
verdadeiro, mas não pode haver prejuízo da racionalidade da fé, da
inteligência da fé. Esta deve clarear nossas experiências com Deus,
pois a fé sem uma reflexão crítica pode degenerar no subjetivismo da
fé, que passa a ser fonte da teologia. Assim, temos uma teologia
antropocêntrica e subjetiva que perde o seu referencial da revelação
objetiva em Jesus Cristo (Westhpal, 2010, p. 86)

Westphal (2010, p. 88), afirma que, para que haja compreensão humana,
temos que pensar a fé e a revelação a partir da razão. Ou seja, a fé é o ponto de
partida da teologia, mas Jesus Cristo é o conteúdo, tendo em vista que nEle
temos a autorrevelação de Deus. Ao mesmo tempo, “em Cristo está o ponto de
convergência para o falar teológico de Deus”. Isso porque, quando diferentes
temas da teologia são tratados autonomamente, são colocados como cerne da
teologia, e é aí que Cristo é deixado de lado.
Quando assuntos de ordem eclesiológica, da doutrina da igreja, são
tratados de maneira autônoma, e as preocupações são colocadas de tal forma
que se tornam centrais para si mesmas, temos a perda do centro, do ponto de
partida da teologia (Westphal, 2010, p. 89).
Dessa forma, esquecemos de que todos os temas da teologia deveriam
ser derivados da pessoa de Cristo e das reflexões que partem d’Ele. Um dos
temas que muitas vezes é tratado autonomamente pela teologia
descontextualizada é acerca dos dons do Espírito Santo, tema fundamental para
a fé e também para a vida das pessoas. Quando esse assunto é tratado de forma
autônoma, há um descolamento da pessoa do Espírito Santo como terceira
pessoa da trindade, através de Jesus Cristo.

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Ou seja, a teologia tem como fundamento Deus, que se revela em Jesus.
É através dEle que podemos nos achegar a Deus. E mais, conhecer Deus não
significa nos apropriar dEle, mas sim que O ouvimos e O conhecemos através
do centro fundamental da teologia: Jesus Cristo. E assim, quando O ouvimos,
buscamos na Palavra que foi testemunhada e que deve ser interpretada através
do Espírito Santo, que é quem nos abre os olhos acerca dos mistérios (Westphal,
2010, p. 94).

NA PRÁTICA

Somente um teólogo que se banhe na experiência do Espírito que vivifica


poderá produzir uma teologia viva e vivificadora. Ao longo desta aula,
compreendemos que o conteúdo da teologia tem relação com a Palavra, com a
experiência e com a prática, tendo Jesus Cristo como fonte principal. Ou seja, a
primeira posição do teólogo é de joelhos, buscando do Espírito uma mente
iluminada com inteligência, sabedoria, ciência e conselho, capaz de iluminar todo
o labor teológico.

FINALIZANDO

Nesta aula compreendemos a importância de estudar as fontes da


teologia, ou seja, o conteúdo que compõe a teologia, de onde ela vem.
Estudamos a importância do ponto de partida da fé e da razão e as fontes da
teologia: o conhecimento da Palavra de Deus, a experimentação cristã individual
e a prática do conhecimento adquirido na vida diária, além do entendimento de
que Jesus é o ponto central para quaisquer estudos teológicos.

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REFERÊNCIAS

BOFF, C. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1998.

WESTPHAL, E. R. Teologia como fé inteligente: aspectos teológico-filosóficos.


Vox Scripturae: Revista Teológica Brasileira, São Bento do Sul/SC, v. XVIII, n.
1, p. 77-109, maio 2010.

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