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METODOLOGIA DA PESQUISA

TEOLÓGICA
AULA 2

Prof. Roberto Rohregger


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, pretendemos aprofundar a compreensão da pesquisa


teológica entendendo quais são suas bases e de que forma elas se articulam. A
Teologia é uma das ciências mais antigas, e a teologia cristã tem um rico
passado do qual retira seus fundamentos. Tanto as reflexões encontradas nas
epístolas sobre as implicações da morte e ressureição de Cristo como as
questões doutrinárias mais básicas sobre como viver a fé cristã contribuem para
a construção do pensamento teológico, pois não há religião sem teologia. Da
mesma forma, a reflexão cristã é necessariamente a construção teológica.
Porém, é preciso que essa reflexão seja bem fundamentada, buscando sempre
a compreensão correta da revelação divina, pois é possível construir uma
teologia frágil, sem uma real vinculação e compromisso com a palavra de Deus.
Por isso, é importante que todo pastor seja um bom teólogo, não há como ser
um sem ser o outro.
Podemos compreender, dessa forma, que a pesquisa teológica contribui
substancialmente para o trabalho pastoral, e a práxis pastoral auxilia a reflexão
teológica. Para que esse diálogo entre a prática e a reflexão seja frutífero,
veremos nesta aula que a principal fonte da pesquisa teológica são as Sagradas
Escrituras, e não poderia ser diferente.
A pesquisa teológica ou começa pelas Escrituras ou termina nela, será
sempre o fundamento de uma teologia genuinamente cristã. Ainda
compreenderemos que a contribuição dos debates e escritos dos pensadores e
teólogos cristãos são extremamente importantes para a pesquisa teológica, pois
temos mais de dois mil anos de estudos que podem nos auxiliar nos problemas
atuais.
No terceiro tema desta aula, vamos nos debruçar sobre o estudo teológico
e como devemos nos preparar academicamente e metodologicamente para sua
eficácia; no quarto tema, veremos a importância da teologia e da pesquisa
teológica para a Igreja. Finalizaremos com uma reflexão de outro campo vital
para a construção teológica, o campo da vida. Uma teologia comprometida com
as Sagradas Escrituras não pode ignorar o ser humano, na sua fragilidade e
complexidade, tampouco sua dependência do ambiente que o cerca. Ao final
desta aula, teremos aprofundado os principais aspectos e objetos da pesquisa
teológica, percebendo suas inter-relações e dependências.

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TEMA 1 – BASE TEOLÓGICA – ESCRITURAS SAGRADAS

O trabalho da pesquisa teológica pode e deve se alimentar das mais


variadas fontes na problematização, isto é, levantado perguntas sobre questões
as quais sejam importantes para o indivíduo, quanto para obter algumas
respostas. Assim, todas as áreas do viver e saber humano podem ser objeto de
avaliação de um teólogo, e também podem apresentar contribuições na
construção de respostas às perguntas teológicas. Porém, a base de qualquer
trabalho teológico será sempre as Escrituras. Será nela que o teólogo terá sua
fonte de reflexão e de compreensão pelo prisma da Revelação sobre a vontade
de Deus para a humanidade, e assim sua orientação e veredito final.
Clodovis Boff aprofunda essa compreensão afirmando:

Deve-se, contudo, observar que quando se diz fé-palavra, referimo-


nos, em primeiro lugar, não à palavra da doutrina, mas à palavra do
testemunho. Essa passa através do querigma1, que é anúncio e
proclamação, cujo portador é o Apóstolo ou Missionário […]. Todavia,
este é o lado subjetivo ou antropológico da fé-palavra. Precisamos
recuar e ver qual é o correlato objetivo ou teologal desta fé. Pois a fé-
palavra, antes de ser palavra humana, é Palavra de Deus. Dizer que “a
teologia parte da fé do Povo de Deus” só vale se entender o Povo de
Deus como constituído pela Palavra, não constituinte da mesma. Ele é
medido por ela, não a mede. (Boff, 1999, p. 111)

O discurso da fé sempre deve ser submisso à palavra de Deus, as


Escrituras, pois a fé não é nada mais que crer nas Escrituras. Qualquer fé
manifestada pelo povo que não tenha como origem a correta compreensão das
Escrituras não pode constituir uma fé cristã. Assim, a fé, para o teólogo, é objeto
de seu estudo quando for derivada das Escrituras. Por consequência, a base
para a pesquisa teológica é a Bíblia. Essa é a base da pesquisa teológica, todas
perspectivas que o campo da pesquisa teológica terá sempre sua avaliação
criticada pelo prisma da interpretação dos conceitos das Escrituras. Por isso,
afirmamos que a pesquisa teológica não precisa necessariamente começar
pelas Escrituras, mas elas sempre terminarão nela.

A matéria-prima da teologia consiste naquilo que pode ser


transformado em produto teológico. O grande teólogo medieval Tomás
de Aquino dizia que o objeto material da teologia é Deus. Isso é
pertinente, pois a teologia estudo sobre quem Deus é e como ele se
manifesta na história de seu povo. Assim, é necessário ir à Bíblia, o
livro revelado que narra as ações e as palavras divinas. A revelação
contou com a participação humana, em um longo movimento de
interpretação, leituras e releituras. Assim, a matéria-prima da teologia

1
Querigma é o anúncio da Palavra de Deus, inicialmente realizado pelos apóstolos.
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é Deus, como se revelou na história e é narrada na Bíblia. (Murad;
Gomes; Ribeiro, 2010, p. 29)

Como podemos perceber, o conhecimento de Deus para a teologia se dá


de forma indireta, isto é, por meio daquilo que aprouve a Deus revelar-se para a
humanidade, e que está registrado nas Escrituras. Assim, quando dizermos que
“estudamos” Deus, o que de fato fazemos é compreender sua revelação que
está nas Escrituras, e cabe avaliar a implicação dessa revelação para o ser
humano nos mais diversos aspectos da vida.
O teólogo Wayne Grudem afirma:

É importante perceber que a forma final na qual a Escritura é cheia de


autoridade é a forma escrita. Foram as palavras de Deus escritas em
tábuas de pedra que Moisés depositou na arca da aliança. Mais tarde,
Deus ordenou a Moisés e subsequentemente aos profetas para
escreverem suas palavras em um livro. Foi a palavra de Deus escrita
que Paulo disse ser “inspirada” (gr. Grafe em 2 Tm 3.16). Isso é
importante porque as pessoas à vezes (de forma intencional ou não)
tentam substituir as palavras escritas da Escritura por algum outro
padrão final. (Grudem, 2001, p. 49)

Esta é a fonte primária da pesquisa teológica: a Bíblia. Tanto no Antigo


quanto no Novo Testamento o pesquisador obterá o direcionamento para o viver
humano. Para isso, o teólogo deverá ter um conhecimento profundo do Livro
Sagrado, deverá compreender claramente a mensagem geral das Escrituras,
tanto no contexto do Antigo quanto do Novo Testamento, e buscar o sentido
orientativo da Palavra de Deus para o viver e proceder humano.

TEMA 2 – CONHECIMENTO CONSTRUÍDO – HISTÓRIA TEOLÓGICA

Como já afirmamos, a teologia cristã tem mais de 2.000 anos, é uma


ciência milenar, e abandonar esse conhecimento acumulado é tratar com
desprezo o esforço e a dedicação que grandes pessoas tiveram para
compreender e desenvolver a compreensão das Escrituras. Nesse
conhecimento acumulado, há o debate e a reflexão sobre as grandes discussões
e embates doutrinais, bem como a defesa da fé em períodos de profundo
questionamento do sentido e validade da Bíblia perante outros saberes. Muitos
desses teólogos, pessoas dotadas de uma fé profunda, dedicaram sua vida ao
estudo das Escrituras e não raras vezes pagaram com a própria vida o privilégio
de compreenderem e ensinarem mais sobre a palavra de Deus. É impossível
pensar em pesquisa teológica sem buscar os clássicos do pensamento teológico
dos pais da Igreja, quando dos teólogos da modernidade. Não podemos

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esquecer que a Igreja não saltou dos escritos apostólicos para a Reforma
Protestante. A igreja primitiva se deparou com profundos questionamentos, e a
Igreja ainda em formação dos primeiros líderes que receberam a mensagem da
salvação após a morte dos apóstolos também passou por profundos debates,
sejam internos, da comunidade de fé, sejam externos, enfrentando ataques e
doutrinas estranhas que necessitavam serem debeladas. É preciso compreender
que a igreja, desde o seu início, enfrentou desafios e havia uma diversidade de
pensamento que necessitava de reflexão e compreensão, mesmo de questões
que para nós hoje possam parecer simples.

Comparadas com o que se tornariam por volta da metade do século,


as águas romanas estavam bem calmas nos tempos de Clemente. A
incorporação de um número crescente de gentios nas comunidades
judeu-gentia-cristãs levantou mais rapidamente outras questões de
identidade e adaptabilidade. Por essa época, algumas comunidades já
tinham provavelmente crescido bastante para necessitarem de locais
específicos para o uso litúrgico. Sem dúvida cada uma experienciou
um aumento nas tensões paralelo á incorporação de convertidos [...].
Apareceram sérios conflitos relativos à questão do arrependimento de
pecados graves (possivelmente de apostasia, adultério ou
assassinato), cometidos após o batismo. [...] A constante modificação
da membresia dessas comunidades sem dúvida esquentou o clima de
discussões sobre todos os tipos de questões morais e doutrinárias,
fazendo necessária, portanto, a configuração de procedimentos
disciplinares e catequéticos mais definidos, tais como aqueles
apresentados por Hipólito e Tertuliano na primeira parte do terceiro
século. (Hinson; Siepierski, 1990, p. 82)

Podemos ver, por intermédio desse cenário apresentado por Hinson e


Siepierski, a complexidade de problemas que a igreja cristã já estava passando
nos meados do século II e III. Como poderíamos deixar de fora da reflexão cristã
contemporânea as contribuições dos teólogos da igreja primitiva para a solução
de problemas que, de certa maneira, não mudaram tanto assim? Como podemos
tapar nossos ouvidos para suas palavras de sabedoria? Definitivamente não
podemos. Necessitamos reler os clássicos da patrística, bem como os teólogos
da modernidade. Segundo Christopher Hall:

Os próprios pais [da igreja] insistem que a igreja é responsável perante


a Escritura. Ao mesmo tempo, Sola Scriptura nuca significou que as
únicas fontes de que o cristão necessita para compreender bem a
Palavra de Deus são a Bíblia e o Espírito Santo. O ideal do intérprete
autônomo pode mais facilmente ser colocado nas pegadas do
iluminismo do que na Reforma. Ao contrário, os reformadores como
Lutero e Calvino, consideraram sabiamente que a história, os concílios,
os credos e a tradição da igreja, inclusive os escritos dos pais, eram
um fértil recurso ignorado somente pelos tolos ou arrogantes. (Hall,
2007, p. 20)

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Podemos compreender a importância, na pesquisa teológica, de visitar os
clássicos, sejam da teologia patrística, sejam da reforma protestante, bem como
os grandes pensadores da atualidade. Porém, devemos compreender que suas
concepções teológicas também estavam ligadas a um momento da história. É
preciso compreender esse pano de fundo: o contexto histórico do pensador e,
principalmente, como futuros teólogos, devemos saber que todo teólogo e suas
reflexões devem estar submissos à Escritura. A Bíblia é o parâmetro também
para separarmos boa teologia de uma teologia frágil.

TEMA 3 – ESTUDO TEOLÓGICO

O estudo teológico deve começar pela fé; para o teólogo cristão, a fé em


Cristo é essencial. Quem estuda as Escrituras sem fé, isto é, sem crer que ela é
a revelação de Deus para a humanidade, estudará a Bíblia como o resultado de
um fenômeno religioso e buscará as motivações humanas para a elaboração
desse livro e suas implicações. Poderá ainda pesquisar seus reflexos éticos e
morais no decorrer da história, mas não considerará que, em tais escritos, possa
haver um imperativo ético, mas uma sabedoria humana sendo construída no
decorrer da história; poderá ser um pesquisador teólogo ou estudioso das
Ciências das Religiões. Também vimos que a base para a pesquisa teológica é
a Escritura, mas vamos deixar um pouco mais claro o material, ou o caminho
para a pesquisa teológica.
Toda pesquisa nasce de uma problematização, isto é, de uma questão
que percebemos que precisa de uma resposta, ou de uma questão que
aparentemente havia concordância, mas, ao refletirmos sobre ela, percebemos
que há uma pergunta, uma dúvida que merece ser explorada. Essa
problematização pode ser uma questão bíblica/teológica, que tenha nascido de
uma reflexão de um texto bíblico ou de uma doutrina, mas também pode ser de
outra fonte, por exemplo, da igreja, alguma questão relacionada à condução da
igreja, do culto, de algum ministério. Pode ser da própria fé, de como ela opera
no cristão, de como deve ser a vida cristão, ou de algum problema da sociedade
de forma geral, que também pode afetar a igreja, como o aborto, a justiça social,
a dignidade humana, a própria tecnologia etc. Como podemos perceber, o
campo de atuação para a pesquisa teológica é enorme.

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O estudo teológico começa ao entender qual é o problema que há no
campo em que se está pesquisando. Podemos descrever os principais passos
desse estudo da seguinte forma.

1. Problematização: compreender qual é o problema que visualizamos em


determinada questão, ou texto bíblico ou ação na igreja etc. Isso não quer
dizer que o fato em si seja um problema, mas que há uma pergunta que
se faz para aprofundar o entendimento. Nesse momento, não temos a
resposta nem devemos procura tê-la, pois precisamos compreender todas
as nuances e questões envolvidas.
2. Compreensão do assunto: podemos não dominar determinado assunto,
ou mesmo que tenhamos certo conhecimento, é preciso aprofundar o
tema para entendermos com maior profundidade a fim de percebermos
todas as implicações que possa haver. Por exemplo, se resolvo pesquisar
a clonagem humana, a pergunta que poderia fazer, isto é, a
problematização seria: quais as implicações teológicas da clonagem
humana? Para poder começar a compreender melhor essas implicações,
é preciso aprofundar o entendimento sobre o que é a clonagem, DNA etc.
para entender realmente as implicações que isso possa ter. Então, é
preciso estudar o assunto.
3. Pesquisa sobre o pensamento cristão: podemos dizer que esta é a
pesquisa teológica do assunto. O que os teólogos cristãos já escreveram
sobre o assunto, como a compreensão destes podem contribuir para o
problema levantado?
4. Resposta bíblica: nesse momento, realizamos a pesquisa bíblica
procurando compreender o conceito que as Sagradas Escrituras nos
fornecem sobre o assunto. Para isso, é preciso compreender bem o texto,
o seu contexto, e realizar uma exegese sobre o texto ou os textos bíblicos
que podem nos orientar.
5. Apresentar uma resposta: essa é a parte final, em que se apresenta uma
resposta por meio da pesquisa teológica ao problema levantado. Observa-
se que essa resposta sempre será parcial e nunca encerra o assunto de
fato.

Claro que esses pontos ainda são uma visão macro e simplificada da
pesquisa teológica, mas já nos possibilita ter uma visão sobre o procedimento
da pesquisa de forma prática.
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TEMA 4 – PESQUISA TEOLÓGICA, IGREJA E PASTOR TEÓLOGO

A pesquisa teológica tem importância para a Igreja? A resposta para essa


pergunta é sim e muita. Os desafios para o cristão na sociedade moderna são
vários e, para isso, é preciso que se tenha respostas bíblicas que sejam
relevantes para sua vida, e para que possa compreender melhor sua fé e as
implicações desta. A igreja não deve se afastar da teologia, pois a teologia
fornece elementos que podem fortalecer a fé, e a própria teologia pode ser
enriquecida pela práxis da comunidade de fé.

“Todo pastor tem chamado para teologia” essa pode ser uma afirmação
que cause surpresa a alguns pastores que vem a teologia somente
como uma disciplina acadêmica. A saúde da igreja depende que seus
pastores permaneçam como que teólogos ensinando, pregando,
defendendo e aplicando a doutrina da cristã. O fato de muitos pastores
não verem a teologia como vocação tem causado muitos danos a
igreja. Em muitos casos o conteúdo teológico foi varrido do ministério
do pastor, e alguns pastores por sua vez parecem ter pouca conexão
com a vocação teológica. A vocação do pastor é inerentemente
teológica. Pois, pelo fato de que o pastor precisa ser o professor da
Palavra de Deus. (Almeida; Rohregger, 2017)

A teologia é uma segurança para a igreja, pois uma teologia


comprometida com a palavra é um forte guardião da sã doutrina, e ainda pode
ser a vigia de problemas futuros que são antecipados pela pesquisa teológica. A
teologia deve ser usada na igreja com humildade, ela é serva do evangelho,
dessa forma, o teólogo ou o pastor teólogo deve ser humilde e submisso à
palavra de Deus, ele foi colocado por Deus para servir a sua comunidade de fé
por meio de uma teologia cristã.

O que torna o papel do pastor ainda mais desafiador é a existência de


três diferentes grupos de pessoas, três públicos, cada um com a
própria forma de pensar. Quando falo de três públicos, refiro-me a três
realidades sociais, três ambientes em quem os pastores podem falar
de Deus e de Jesus Cristo: (1) a academia (2) a igreja e (3) a sociedade
em geral. Porque Deus é o Criador de tudo o que existe, seja visível
seja invisível, e porque as boas-novas do amor sacrificial de Deus
dizem respeito a todo mundo, não há um único centímetro quadrado
no universo nem um único aspecto da existência humano que, de
alguma forma não esteja relacionada com Deus ou o evangelho.
(Vanhoozer; Strachan, 2016, p. 20)

O teólogo-pastor tem um compromisso com a teologia pública, que


necessita dialogar com a sociedade tanto para compreender o momento
histórico-social quanto para contribuir com soluções para os dilemas da
modernidade. Para isso, precisa estar bem preparado, deve buscar sua
formação acadêmica como uma ferramenta essencial para o seu ministério, e ter
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nos livros um apoio para o desenvolvimento pessoal e ministerial, e
principalmente para o crescimento espiritual e intelectual da comunidade de fé a
qual pastoreia.

TEMA 5 – PESQUISA TEOLÓGICA E CAMPO DA VIDA

A teologia, tendo um comprometimento com a Escritura, tem por


consequência um comprometimento com a vida. Podemos dizer que o campo da
vida é um dos mais significativos interesses que a teologia pode ter, uma vez
que a criação é um interesse e obra de Deus. O ser humano é colocado como
responsável pelo cuidado na manutenção da criação, pela manutenção da vida.
Nesse aspecto, podemos entender que, nessa área, a pesquisa teológica
pode se voltar para o ser humano, suas características como indivíduo biológico
e social, no sentido de compreender a implicação relacionada a ser criado à
imagem e semelhança de Deus, e em outro aspecto, a criação de Deus, a própria
natureza, porém não alienado da condição humana inserida nessa criação.
A teologia tem uma preocupação com a dignidade humana. Considerando
o ser humano criado, como já dito, à imagem e semelhança de Deus, as ações
que ferem o ser humano maculam essa característica peculiar da criação. Ao
removermos do indivíduo seus direitos, manchamos sua característica de
imagem e de semelhança a Deus. Dessa forma, um ataque à dignidade humana
é um ataque a Deus. Isso não nos faz pequenos deuses, uma vez que somos
criaturas e há um único criador, porém a forma especial pela qual fomos criados
é que nos dá uma característica que nos diferencia de toda a criação. Lewis
(2006, p. 50) afirma:

A relação entre o Criador e a criatura é, evidentemente, única e não


encontra par em nenhuma relação entre uma criatura e outra. Deus
está mais distante de nós e também mais próximo que qualquer outro
ser. Está mais distante mais distante de nós porque a mera diferença
entre aquilo a que tem o Seu princípio de existência em Si Mesmo e
aquilo a que a existência é comunicada é tal que, comparada a ela, a
diferença entre um arcanjo e um verme é de todo irrelevante. Ele cria,
nós somos criados. Ele é original, nós, originários. Ao mesmo tempo,
contudo, e pela mesma razão, a intimidade entre Deus e até mesmo a
mais vil das criaturas é maior que qualquer intimidade que criaturas
possam alcançar uma com a outras. Nossa vida é, a todo instante,
abastecida por Ele. (Lewis, 2006, p. 50)

Essa dependência de Deus nos coloca em nosso devido lugar na criação.


Somos criaturas e não o criador, toda a tentativa de domínio de um ser humano
sobre o outro é a tentativa de recriar a cena do pecado original no Éden, é a

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tentativa de assumirmos a posição de Deus, de sermos iguais a Ele. Podemos
perceber a importância que o campo da vida tem para a teologia, e
consequentemente, como campo de sua pesquisa, é extremamente relevante
compreender que todos somos iguais e portadores de dignidade estabelecida na
criação. De forma semelhante, sendo a vida a expressão máxima da criação, o
cuidado para a manutenção desta é essencial, isto é, a manutenção da natureza
como elemento necessário para o desenvolvimento de toda a vida e, em
especial, da vida humana. A ecologia deve ser um campo de especial atenção
para a pesquisa teológica, e por vezes é relegada a segundo plano, permitindo
que a humanidade avance na destruição de áreas imensas de florestas, de
poluição de rios e do ar de forma alarmante, sem a preocupação com as
consequências que essa exploração tem para o futuro da humanidade. Rollo
May (2016), um dos maiores psicanalistas do século XX, faz uma descrição
perturbadora do ser humano contemporâneo:

Pode surpreender que eu diga, baseado em minha prática profissional,


assim como na de meus colegas psicólogos e psiquiatras, que o
problema fundamental do homem, em meados do século XX, é o vazio.
Com isso quero dizer não só que muita gente ignora o que quer, mas
também que frequentemente não tem uma ideia nítida do que sente.
Quando falam sobre a falta de autonomia, ou lamentam sua
incapacidade para tomar uma decisão – dificuldades presentes em
todas as épocas – torna-se logo evidente que seu verdadeiro problema
é não ter uma experiência definitiva de seus próprios desejos e
necessidades. Oscilam desse modo para aqui e para ali, sentindo-se
dolorosamente impotentes porque [estão] ocas, vazias. (May, 2016, P.
14)

Essa descrição do ser humano não somente ainda é válida como


podemos afirmar que está ainda mais problemática atualmente. A pesquisa
teológica tem no campo da vida uma área imensa para desenvolver suas
pesquisas e apresentar respostas para as inquietações da modernidade, bem
como proporcionar um diálogo com as demais ciências da vida para, em
conjunto, poderem resgatar valores e ações éticas no relacionamento humano.

NA PRÁTICA

A pesquisa teológica pode se debruçar em vários aspectos. Por acaso


podemos buscar compreender as consequências do desenvolvimento
tecnológico da sociedade, como esse desenvolvimento pode facilitar a
propagação do Evangelho? Ou como as redes sociais podem afetar o ser
humano na sua espiritualidade e amor ao próximo? Como nossa sociedade

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consumista afeta nosso relacionamento com o próximo? E como essas questões
afetam a Igreja?
O desenvolvimento das técnicas de manipulação genética pode alterar a
concepção de ser humano? O que as Escrituras podem nos orientar com relação
à manipulação genética? Como deve ser o posicionamento político de um
cristão? Todas essas questões e muitas outras podem e são objeto da pesquisa
teológica. É necessário articular os conceitos teológicos extraídos das Escrituras
com os saberes de outras ciências para apresentar uma resposta que seja
relevante e que confronte por vezes as concepções já dadas como certas da
sociedade.

FINALIZANDO

Nesta aula, pudemos compreender que a base da pesquisa teológica são


as Escrituras. A pesquisa não precisa necessariamente se iniciar nela, mas
obrigatoriamente termina com a confrontação da Bíblia. Identificamos a
importância de consultar os pensadores clássicos da teologia. A catedral da
teologia cristã tem milênios de laboriosa construção que não pode ser ignorada,
e por meio dessa compreensão pudemos avançar para entendermos como se
procede o estudo teológico, o caminho para desenharmos a reflexão teológica
sobre qualquer assunto. Com base nessa compreensão, passamos a verificar a
importância da pesquisa teológica para a Igreja, na contribuição para a
construção de uma comunidade de fé consciente dos grandes desafios da fé e
da sociedade contemporânea na qual está inserida. Por último, mas não menos
importante, avaliamos como a pesquisa teológica está profundamente vinculada
com o campo da vida, e como esta deve ser um dos assuntos de maior
importância para a teologia.

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, S. R.; ROHREGGER, R. A importância da formação teológica para o


ministério pastoral. Teologia, Sociedade & Espiritualidade, Curitiba, v. 1, n. 2,
p. 51-67, abr. 2017. Disponível em: <https://teologiaesociedade.weebly.com/uplo
ads/1/4/1/2/14122108/importancia_formação_teologica.pdf>. Acesso em: 29 set.
2019.

BOFF, C. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1999.

GRUDEM, W. Manual de teologia sistemática: uma introdução aos princípios da


fé cristã. São Paulo: Vida, 2001.

HALL, C. A. Lendo as escrituras com os pais da igreja. 2. ed. Viçosa: Ultimato,


2007.

HINSON, G. E.; SIEPIERSKI, P. Vozes do cristianismo primitivo. São Paulo:


Sepal, 1990.

LEWIS, C. S. O problema do sofrimento. São Paulo: Vida, 2006.

MAY, R. O homem à procura de si mesmo. Petrópolis: Vozes, 2016.

MURAD, A.; GOMES, P. R.; RIBEIRO, S. A casa da teologia: introdução


ecumênica à ciência da fé. São Leopoldo: Paulinas; Sinodal, 2010.

VANHOOZER, K. J.; STRACHAN, O. O pastor como teólogo público:


recuperando uma visão perdida. São Paulo: Vida Nova, 2016.

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