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Escola de Teologia Reformada

INTRODUÇÃO À TEOLOGIA BÍBLICA

INTRODUÇÃO

O que é “Teologia”?

Antes de definirmos “Teologia”, precisamos estar cientes de que Teologia não é a


mesma coisa que religião. Embora, em um sentido restrito e profundo, possamos entender
que o Cristianismo é a religião (e não uma religião), da forma como Lactâncio definiu e
Agostinho popularizou1, religião, em uma consideração mais ampla, dentro dos estudos
sociológicos e antropológicos, “tem a ver com as práticas de adoração de seres humanos
em ambientes específicos.”2 McGrath define Teologia como “falar de Deus” e conclui na
sequência desta definição que “Teologia Cristã é ‘falar de Deus’ do ponto de vista
cristão.3 Portanto, diante do que foi definido, Teologia Reformada, é falar de Deus, do
ponto de vista cristã, com uma cosmovisão reformada.

O que é “Teologia Bíblica”?

“‘Teologia Bíblica’, significa coisas diferentes para pessoas diferentes’” 4 Embora


essa declaração seja verdade no ambiente acadêmico do estudo da Teologia, precisamos
definir esse ramo da Teologia como forma de orientar a metodologia que utilizaremos na
abordagem dos nossos estudos. Sendo assim, “Teologia Bíblica”, é o falar de Deus usando
como fonte primária a Bíblia, composta por seus dois Testamentos – o Antigo e o Novo,
considerando-os revelação especial de Deus, portanto, inspirados, inerrantes e eficaz.
Desta forma, estamos nos referindo a perspectiva interpretativa dos autores bíblicos, que
é:

a estrutura de conjeturas e pressuposições, associações e


identificações, verdades e símbolos que são tomados como certos,
quando um autor ou orador descreve o mundo e os eventos que ocorrem
dentro dele.5

1
Antes de pertencer ao domínio específico do religioso, o termo religio está presente, de uma maneira
geral, no cotidiano romano. Empregado tanto no âmbito dos cultos da religião romana antiga quanto
designando a nova religião cristã, o termo religio apresenta-se dividido entre duas etimologias possíveis:
uma de origem cristã e outra de origem dita pagã. O primeiro, ao tratar dos cultos romanos antigos,
propõe o termo relegere como origem etimológica de religio; o segundo, Lactâncio, para designar as
práticas cristãs, aproxima religio de religare. AZEVEDO, C. A. A PROCURA DO CONCEITO DE RELIGIO:
ENTRE O RELEGERE E O RELIGARE. Religare 7 (1), 90-96, Março de 2010.
2
SPROUL, R.C. SOMOS TODOS TEÓLOGOS – Uma Introdução à Teologia Sistemática. São José dos Campos:
Fiel, 2017. p. 12.
3
MCGRATH, A. E. TEOLOGIA – Os Fundamentos. Edições Loyola: São Paulo, 2009. p. 13.
4
GOLDINGAY, J. TEOLOGIA BÍBLICA – O Deus das escrituras cristãs. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil,
2020. p. 13
5
HAMILTON, James B. O QUE É TEOLOGIA BÍBLICA? – Um guia para a história, o simbolismo e os modelos
da Bíblia. São José dos Campos: Fiel, 2016. ePUB.

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Geerhardus Vos, sugere um outro nome para a Teologia Bíblica: “História da
Revelação Especial”.6 Isso, reforça, o fato de que tudo aquilo que esta disciplina trata,
tem sempre como base, conteúdo e pano de fundo a revelação bíblica. “Toda teologia
verdadeiramente cristã deve ser teologia bíblica – porque, com exceção da revelação geral,
as Escrituras constituem o único material com o qual a ciência da teologia pode lidar.”7
Embora pareça uma afirmação ou uma conclusão óbvia, isso não é um fato. Vamos
encontrar na estrutura dos estudos acadêmicos encontramos diferentes formas de se “fazer”
teologia. Além da Teologia Bíblica encontramos a Teologia Dogmática, Teologia
Histórica, isto sem contar com a infinidade de teologias contemporâneas que apareceram
no século passado como as teologias conhecidas como teologia de genitivo, teologia de
gueto ou teologia de minorias (Negra, Feminista, da Libertação, do Pobre etc).

Ainda que sejam chamadas de TEOLOGIA, que significa etimologicamente, como


já vimos, estudo de Deus ou falar de Deus, grande parte desses estudos não toma as
Escrituras como fonte de estudo. Assim, é fundamental entendermos com clareza o
terreno em que estamos pisando para não cairmos em armadilhas semânticas ao longo do
caminho.

A maioria das teologias mencionadas acima difere uma das outras em dois aspectos
de sua essência: pressupostos e métodos. Em alguns casos os pressupostos são puramente
filosóficos e terminam até mesmo por desprezar completamente a Bíblia afirmando que
para se fazer boa teologia devemos nos livrar do jugo de um livro antigo, que foi escrito
há muitos anos atrás e portanto, não fala ao homem deste século e, talvez, possamos
aproveitar alguns conceitos morais que ela nos ensina. Em outros casos a Bíblia serve
apenas como um acessório ou como um pretexto, mas não como a fonte de conhecimento
teológico. Nosso pressuposto confessional neste curso é de que toda a boa teologia bíblica,
para ser verdadeira teologia, tem que tomar a Bíblia sob a égide da INSPIRAÇÃO,
INERRÂNCIA e INFALÍBILIDADE.

A teologia bíblica está posicionada entre a teologia exegética e a teologia sistemática


dentro das disciplinas teológicas:

Ela difere da teologia sistemática, não no sentido de ser mais bíblica ou


por aderir mais de perto às verdades das Escrituras, mas em que o
princípio de organização do material bíblico é histórico em vez de lógico.
Uma vez que a teologia sistemática toma a Bíblia como um todo e se
empenha em exibir a totalidade de seu ensino numa forma
ordenadamente sistemática, a teologia bíblica lida com o material de um
ponto de vista histórico, procurando expor o crescimento orgânico ou o
desenvolvimento das verdades da revelação especial, começando com
a revelação pré-redentora no Éden indo até o fechamento do cânon do
Novo Testamento.8

6
VOS, Geerhardus. TEOLOGIA BÍBLICA – Antigo e Novo Testamentos. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 5.
7
Ibidem.
8
VOS, Geerhardus. op. cit. p. 5.

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Ciente de que o campo da teologia bíblico é um verdadeiro universo, seguiremos o
método sintético adotando um tema básico que está presente no Antigo e Novo
Testamento e que se descortina de forma progressiva através da Escritura, o que, também,
nos afasta do perigo de tratarmos os Testamentos de forma independente. Deste modo
caminharemos pelo texto bíblico, percebendo na história revelada os “atos redentores e
poderosos de Deus registrados progressivamente na narrativa bíblica.”9

Nosso desafio será “reconstituir os movimentos da aliança graciosa de Deus,


estabelecida na Criação, passando por Abraão, Davi e culminando em Cristo e na igreja.
A apresentação de conceitos como tipo e antítipo, promessa e cumprimento, redenção
realizada e aplicada dará, para muitos, a impressão de estarem lendo a Bíblia pela
primeira vez.”10

Características da Teologia Bíblica

Uma vez definida e posicionado dentro do campo de estudo da Teologia, precisamos


trazer alguns enfoques que caracterizam a teologia bíblica:11

(1) Os resultados do estudo da teologia bíblica devem ser apresentados de maneira


sistemática. Nesse aspecto, ela é como as outras áreas dos estudos bíblicos e teológicos.
Não utiliza, necessariamente, as mesmas divisões que a teologia sistemática.

(2) A teologia bíblica é centrada no contexto histórico e geográfico no qual ocorreu


a revelação de Deus. Investiga a vida dos escritores da Bíblia, as circunstâncias que os
motivaram a escrever e a situação histórica dos destinatários de seus escritos. Portanto,
torna-se uma ferramenta da exegese e esta, por sua vez, torna-se uma das ferramentas da
hermenêutica.

(3) A teologia bíblica estuda a revelação na sequência progressiva em que ela foi
dada e por isso, reconhece que a revelação não foi completada por Deus de uma só vez,
mas foi apresentada aos poucos, numa série de estágios sucessivos e utilizando diversos
grupos de pessoas. A Bíblia é um registro do progresso dessa revelação, e a teologia
bíblica concentra-se nela, diferente da teologia sistemática que considera a revelação
como algo completo e fechado.

(4) A teologia bíblica tem na Bíblia a sua fonte. Na verdade, as teologias sistemáticas
ortodoxas fazem o mesmo. Isso não quer dizer que a teologia bíblica ou a sistemática não
possam ou não retirem material de outras fontes, mas a teologia ou a doutrina, por si só,
não provem de outra fonte que não seja a Bíblia.

9
FERREIRA, F. Prefácio. IN GOLDSWORTHY, Graeme. INTRODUÇÃO À TEOLOGIA BÍBLICA – O
Desenvolvimento do Evangelho em Toda a Escritura. São Paulo: Vida Nova, 2018. p. 7.
10
Ibidem.
11
RYRIE, Charles C. TEOLOGIA BÁSICA. São Paulo: Mundo Cristão, 2004. pp. 16, 17.

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I. TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO

Mesmo havendo muitas divergências entre os teólogos bíblicos “quanto à definição,


ao método, à organização, ao assunto, à perspectiva, ao propósito”12 na tarefa de produzir
teologia, há um tom de concordância quanto a existência de um conteúdo de textos (que
podem receber várias denominações, mas que nós cristãos, chamamos de Escritura) que
testemunha a respeito de Deus, “ao mesmo tempo em que destacam a história como uma
categoria fundamental da fé bíblica.”13

Há, ainda, grandes disputas quanto à essência e sentido da mensagem da Escritura.


Entretanto, para nós, “o que a Bíblia quis dizer é o que quer dizer.”14

A Bíblia é o padrão normativo para a fé e a prática na igreja, e a “verdade”


bíblica exige que os crentes estejam pessoalmente comprometidos e a
ponham em prática em cada aspecto de sua vida. Isso acontece porque
os escritores da Bíblia foram inspirados por Deus para apresentar essa
revelação de sua natureza, seus propósitos, seus ensinos e seus
mandamentos, a fim de orientar criaturas que têm capacidade de tomar
decisões.15

O conceito descrito acima, é o que subscrevemos, contudo, muitos teólogos bíblicos


rejeitam esse entendimento ortodoxo da inspiração da Bíblia e de sua autoridade canônica.
“Alguns professam um novo dogma, segundo o qual a Bíblia é apenas produto das
experiências de Israel e de ideias humanas a respeito de Deus. Na prática, esses teólogos
substituem a teologia bíblica pela história da religião de Israel.” 16 Apesar de serem
propostas contrárias à canonicidade da Escritura, por vezes essas propostas aparecem
como conceitos ligados à disciplina da teologia bíblica.

Se por um lado o conceito liberal nega a revelação sobrenatural da Escritura


relegando-a a resquícios culturais e históricos de uma determinada época e lugar, e por
isso, não trans temporal, os pós-modernistas sustentam a impossibilidade de a Escritura
conter uma “verdade” absoluta, uma vez, que ela é produto de uma mente humana e,
portanto, finita. Lamentamos que esses teólogos não possam perceber sua
transcendentalidade por meio da “virtude espiritual da fé no Deus da Bíblia para
solucionar o dilema epistemológico humano” 17, ou seja, como o ser humano conseguiu
produzir o conteúdo da Escritura.

Historicamente, a igreja confessa que Deus revela sua natureza e seus planos,
inspirando homens para apresenta-los na Escritura infalível (2 Pedro 1.21) e também que

12
WALTKE, Bruce K. TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO – Uma abordagem exegética, canônica e
temática. São Paulo: Vida Nova, 2015. p. 33.
13
Ibidem.
14
Ibidem, p. 34.
15
Ibidem.
16
Ibidem.
17
Ibidem, p. 35

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seu Espírito esclarece por meio da iluminação o significado dessa Escritura para os
crentes.

O papel da Bíblia não é ser entendida apenas como expressão cultural


de povos antigos, mas como testemunho que aponta para além dela
mesma, para a realidade divina da qual dá testemunho [...]. Essa
abordagem da Bíblia é obviamente confessional. Contudo, a proposta
alternativa do Iluminismo, a saber, limitar a Bíblia unicamente à esfera
da experiência humana, é da mesma uma crença filosófica.18

Todos os estudos teológicos precisam partir do pressuposto de que a Bíblia é de fato


a Palavra Inspirada de Deus e que, portanto, ela é o fundamento e os limites, no que
concerne estabelecer as bases e o objetivo da teologia bíblica.

II. O FUNDAMENTO DA TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO

A. A Base Teológica

1. Revelação
Quando tratamos de “revelação” é necessário distinguirmos a “Revelação Geral”,
que é aquela “que Deus faz de si mesmo na criação, a qual é dada conhecer a toda
humanidade” 19 (Rm 1.19, 20) e a “Revelação Especial”, que é exposta no cânon da
Escritura e que não pode ser compreendida por meio da razão natural, nem pode ser
descoberta por métodos científicos, uma vez que só pode ser apreendida por meio da fé.

Por meio das palavras e atos verbalmente interpretados e registrados


na Bíblia, e por meio da encarnação de seu Filho, de quem a Bíblia dá
testemunho, o Deus de Israel revelou seu coração, sua mente, sua
sabedoria, seu programa e seu propósito à sua comunidade escolhida,
a qual ele regenerou para que, por seu Espírito, creia em tal revelação
e a entenda. Esse Deus não é o relojoeiro que pôs o mundo em
movimento e o deixou funcionando por conta de leis inexoráveis
introduzidas no mecanismo nem uma força impessoal ou uma
(in)consciência universal desprovida de vontade e incapaz de falar ou
agir. Pelo contrário, Deus é uma pessoa (i.e., possui intelecto,
sensibilidade e vontade) que escolhe tanto comunicar-se com seres
humanos, a quem criou à sua imagem, quanto dirigir a vida deles,
conforme for apropriado. 20

18
CHILDS, 2002, Biblical Theology: a proposal, p.12 apud WALTKE, p.35.
19
Ibidem, p. 36.
20
Ibidem.

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“No Antigo Testamento, a revelação sempre conduz ao um relacionamento pessoal
entre Deus e seu povo. Para que a comunhão seja possível, temos de conhecer o caráter
de Deus por meio da revelação que ele faz de si mesmo.”21

A revelação de Deus na Bíblia é progressiva, haja vista, a limitação histórica e da


personalidade humana. Nesta linha progressiva, o ápice da autorrevelação de Deus, foi
um Filho, não apenas um profeta, mas o “teantropo”, o Deus-Homem, Jesus Cristo (Hb
1.1-3).

2. Inspiração
A Bíblia em si mesmo, testifica abundantemente da sua inspiração e as provas
internas são de tal monta, que deixam aqueles que procuram negar a doutrina da
inspiração, em sérias dificuldades. Em diversas partes, os autores sacros do Antigo
Testamento receberam ordem para registrar o que o Senhor lhes ordenou (Êx 17.14; 34.27;
Nm 33.2; Is 8.1; Jr 25.13; 30.2; Ez 24.1ss; Dn 12.4; Hb 2.2).

Berkhof nos diz que:

A Bíblia é e continuará sendo a Palavra de Deus para todas as gerações


sucessivas dos homens somente em virtude de que sua inspiração é
divina. Toda a Escritura foi dada por inspiração de Deus. Isso a toma a
regra infalível de fé e prática para a humanidade.22

W. G. Shedd, um dos grandes teólogos presbiterianos do século 19, faz a seguinte


distinção entre revelação e inspiração em sua Teologia Dogmática:

A inspiração é como a revelação é como a revelação, no sentido de que


é uma influência sobre-humana exercida sobre a pessoa escolhida para
ser o órgão da mente divina. Mas a única coisa de fato sobre-humana
na inspiração é a sua capacidade de garantir a inexistência de erros na
apresentação dessa verdade, pois a forma de obtê-la é a mesma pela
qual obtemos qualquer outra verdade. 23

Deus, por meio do Espírito Santo, escolheu e inspirou homens para produzirem os
textos bíblicos. Desta forma, falar de inspiração, significa dizer “que Deus falou usando
profetas e apóstolos por meios que envolveram o coração, a mente e as emoções deles,
embora sem se limitar a isso. As operações divina e humana complementam-se.”24

3. Iluminação
A iluminação consiste na obra do Espírito Santo que completa o processo da
revelação. “O Espírito que é a causa primeira na nossa regeneração para a fé, ilumina as

21
DYRNESS, William. Themes in Old Testament theology, 1979, p. 26 apud WALTKES, p. 36.
22
BERKHOF, Louis. MANUEL DE DOUTRINA CRISTÃ. 2 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012. p. 35
23
WALTKE, Bruce K. Op. Cit. p. 38.
24
Ibidem.

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palavras de Deus a fim de que seu povo entenda a revelação, mas não sem pesquisa e a
razão humanas.”25

Deus não somente revela, mas também, concede ao seu povo a capacidade de
entender de forma proposicional e objetiva o conteúdo revelado. Deus está envolvido em
todos os aspectos desse processo de comunicação. “O Espírito Santo cria condições para
um relacionamento dinâmico entre o texto inspirado por Deus e o seu povo. Essa
identidade dinâmica envolve a capacitação do Espírito para entender e interpretar os
textos e apossar-se deles para a vida contínua de fé.

João Calvino faz uma afirmação esclarecedora sobre a autenticação pela ação do
Espírito:

Portanto, que se tome isto por estabelecido: aqueles a quem o Espírito


Santo interiormente ensinou aquiescem firmemente à Escritura, e esta
é indubitavelmente [autopiston – autenticada por si mesma]; nem é justo
que ela se sujeite a demonstração e arrazoados, porquanto a certeza
que ela merece de nossa parte a obtemos do testemunho do Espírito.
Pois, ainda que, de sua própria majestade, evoque espontaneamente
reverência para si, todavia por fim nos afeta seriamente, visto que nos
foi selada no coração através do Espírito. Portanto, iluminados por seu
poder, já não cremos que a Escritura procede de Deus por nosso próprio
juízo, ou pelo juízo de outros; ao contrário, com a máxima certeza, não
menos se contemplássemos nela a majestade do próprio Deus,
concluímos, acima do juízo humano, que ela nos emanou diretamente
da boca de Deus, através do ministério humano.26

É indiscutível a necessidade do discernimento espiritual para a realização da tarefa


da teologia, porque, da mesma forma que uma parábola, sua riqueza só pode ser alcançada
por aqueles que tem olhos para ver e ouvidos para ouvir.

4. Cânon restrito
A teologia sobre a qual temos nos debruçado pressupõe o cânon protestante que é
restrito a lista de 66 livros, tanto do AT quanto do NT, que é aceito e partilhado pela
comunidade cristã histórica. Thomas Watson, pregador puritano nos diz que “os dois
testamentos sãos os dois lábios pelos quais Deus tem falado a nós.”27

O cânon não se trata de uma imposição, seja de líderes, seja de instituições. A igreja
instituição não formulou o cânon, mas é criada por ele. A igreja apenas reconheceu o
cânon que havia sido criado. “Uma vez que Deus inspirou esses livros, eles têm a função
25
Ibidem, p.40.
26
CALVINO, João. AS INSTITUTAS OU TRATADO DA RELIGIÃO CRISTÃ. – Edição Clássica (Latim). Vol1. São
Paulo: Cultura Cristã, 2006. p. 85.
27
WATSON, Thomas. A body of divinity contained in sermons upon the Westminster Assembly’s Catechism,
1958, p. 18. apud WALTKE, p. 41.

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única de ser oficiais e normativos para a fé e a vida da igreja, em contraposição com
outros livros e confissões e com a experiência cristã.”28

B. Implicações
1. A teologia bíblica é um ramo da teologia e não da história
Ao utilizarmos a expressão “teologia”, referimo-nos a formulação e concepções a
cerca de Deus, sua natureza e seu relacionamento com a humanidade. Contudo, em nossas
abordagens quanto a expressão “teologia”, necessitamos tecer criteriosa distinção entre
palavras inspiradas de Deus a respeito de si mesmo e as formulações e concepções não
inspiradas a cerca de Deus feitas por seres humanos. Sem a orientação de Deus
(iluminação), pensamentos não inspirados não tem acesso ao âmbito divino. Os limites
da razão humana ficam acentuados quando distanciados da iluminação concedida pelo
Espírito Santo no que concerne os registros inspirados.

O Iluminismo com a ênfase exacerbada na razão influenciou teólogos a depositarem


sua confiança na capacidade da mente humana, o que traz consigo uma maior
possibilidade de erro. Sobre isso, Howard Rice, comenta:

Calvino, para quem a dádiva da mente humana era absolutamente


fundamental para a definição do ser humano, também foi capaz de
reconhecer as limitações da racionalidade. “Pela experiência, sabemos
muito bem a frequência com que caímos, apesar de nossas boas
intenções. Nossa razão é dominada por tantas formas de engano, é
sujeita a tanto erros, choca-se com tantos obstáculos, fica presa em
tantas dificuldades, que está longe de nos conduzir corretamente.29

“Os teólogos bíblicos que se lançam a explicar com clareza a mensagem da Bíblia
realizam uma tarefa teológica quando produzem para sua própria geração, formulação e
concepções humanas acerca do Deus eterno e imutável.”30

2. A Bíblia tem autoridade e é infalível para a fé


Partindo do princípio de que Deus não mente nem induz ao erro e que a Bíblia é sua
Palavra, afirmamos que “a Bíblia é uma revelação de autoridade e é infalível para nossa
fé e prática. Portanto, “a Bíblia é a medida do homem”31, uma vez que ela é a Palavra de
Deus e Deus é o centro de todas as coisas, então, Deus é o centro e medida de todas as
coisas, sua Palavra é o cânon, o métron, pela qual se mede todas as coisas. O Texto de
Isaías 55.8, diz: “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os
vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor” (ARA). O que demonstra que o
pensamento humano é incapaz de alcançar a o pensamento de Deus. A Bíblia é a suprema
referência, portanto, autoritativa!

28
Ibidem, p. 40, 41.
29
RICE, Howard L. Reformed spirituality: an introduction for believers, 1991, p. 284 (numa citação das
Institutas de Calvino, 2.2.25) apud WALTKE, p. 46.
30
WALTKE, Bruce K. Op. Cit. p. 47.
31
Ibidem, pp. 47, 48.

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3. A Bíblia é uma unidade
“O AT e o NT estão unidos pelo Autor que têm em comum, pelo público alvo em
comum, pelo tema comum e pelo fato de as profecias do AT se cumprirem em Jesus
Cristo.”32 (2Tm 3.16; Jo 16.13; 2Pe 1.21; 3.15, 16)

Ao afirmarmos que a existência de uma unidade na Escritura, trazemos para a


discussão implicações exegéticas, o que implica dizer que no trabalho da interpretação da
Bíblia, existem algumas perspectivas que acabam por produzir dois horizontes: “Primeiro:
o horizonte finito do autor inspirado, abrangendo todo o conhecimento do autor e sua
situação histórica; segundo: o horizonte infinito de Deus, que vê todas as coisas de forma
holística.”33

32
Ibidem, p. 52.
33
Ibidem, p. 53.

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