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O Que é O Culto Reformado? Por Daniel R.

Hyde

© Os Puritanos/Clire 2014

Traduzido do Inglês: What is Reformed Worship?


Traduzido e Publicado no Brasil com a devida autorização do autor Daniel R. Hyde

1ª Edição impressa em Português — março de 2012


1ª Edição digital em Português — março de 2014

É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação sem a autorização por escrito dos editores,
exceto citações em resenhas.

EDITOR: Manoel S. Canuto

TRADUTOR: Josafá Vasconcelos

REVISOR: Márcio Santana Sobrinho

DESIGNER: Heraldo Almeida

ISBN: 9788562828188
SUMÁRIO

Prefácio
Introdução
1. O culto reformado é bíblico
2. O culto reformado é pactual
3. O culto reformado é evangélico
4. O culto reformado é histórico
5. O culto reformado é alegre
6. O culto reformado é litúrgico
7. O culto reformado é reverente
Vídeo: Estudo Bíblico sobre o Culto
Nossos livros
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PREFÁCIO

O culto a Deus é uma assembleia solene e uma santa convocação. Vivemos toda
a nossa vida perante o Senhor, mas em certos momentos entramos em sua
presença de uma forma especial. Era assim no Antigo Testamento quando o povo
pactual estava sempre perante o Senhor, mas tinha momentos especiais de encontro com
o Deus da aliança. Isso se chamava de assembleia solene ou santa convocação.
No Antigo Testamento o povo de Deus, o povo pactual, é chamado para cultuar. No
Salmo 50 Deus chama seu povo e o reúne para “conversar” e para mostrar que tipo de
culto seu povo deve prestar-lhe. Neste salmo Deus reclama do seu povo por fazer tudo
externamente certo, mas não se achegar a ele com o coração correto. O povo estava
tratando Deus como se tratava qualquer dos deuses pagãos e ainda esperava que ele
respondesse dando-lhe bênçãos e aquilo que desejavam. Deus fica irado com este
tratamento do seu povo. Veja como ele chama seu povo a estar em sua presença:
Vem o nosso Deus e não guarda silêncio; perante ele arde um fogo devorador, ao seu redor esbraveja grande
tormenta. Intima os céus lá em cima e a terra, para julgar o seu povo. Congregai os meus santos, os que comigo
fizeram aliança por meio de sacrifícios. Os céus anunciam a sua justiça, porque é o próprio Deus que julga.
Escuta, povo meu, e eu falarei; ó Israel, e eu testemunharei contra ti. Eu sou Deus, o teu Deus (Sl 50.4-7)

Vemos aqui que o povo de Deus é santo e pactual e que Deus tem com este povo um
encontro pactual quando o convoca e lhe diz qual o culto correto e como deseja ser
adorado. Neste contexto ele se apresenta como um fogo consumidor. Estes elementos
voltam a acontecer no Novo Testamento, quando o apóstolo explica em Hebreus 12.29 a
razão pela qual devemos cultuar de uma forma que agrada a Deus: “porque o nosso
Deus é fogo consumidor”. O povo da aliança, portanto, é chamado para cultuar a Deus
com santa reverência e temor.
Quem é este povo da aliança? Quem faz parte do povo do pacto? Deuteronômio
29.9-13 nos diz que Deus está firmando uma aliança com os líderes, os homens,
mulheres, crianças, e até com os servos, pois no Antigo Testamento o servo para todos
os efeitos era considerado como parte da família.
No Novo Testamento Deus chama seu povo, sua congregação pactual ― hakahall.
Em Hebreus 12 temos ecos do Salmo 50 e do que aconteceu no Monte Sinai em Êxodo.
O Salmo 50 tem os mesmos elementos. Deus é um fogo consumidor (v. 3) e que vem
julgar (v. 4) e falar com seu povo no âmbito pactual exigindo deles o culto que lhe é
devido. Um culto santo, agradável e aceitável aos seus olhos.
O apóstolo mostra, porém, que no Novo Testamento o caráter do culto solene se
torna ainda mais profundo e tremendo. Desde o Antigo Testamento já era necessário
obedecer e atender à santa convocação do Senhor. Quando Deus convocava seu povo
diante do Monte Sinai que fumegava, relampejava, trovejava e via-se a presença dos
anjos (At 7.53; Hb 2.2; Dt 33.2), quem ousaria dizer “não, não posso ir ao culto, pois
tenho outros compromissos? Acho que papai e mamãe irão, mas eu tenho alguma coisa
a comprar no shopping”. Que nada! Deus estava convocando seu povo e ai daquele que
não obedecesse ao seu chamado! Se naquela época era impensável se desprezar a santa
convocação, quanto mais hoje?
Um estudo bíblico não é um culto solene. Uma noite de louvor não é uma santa
convocação. Um culto solene, propriamente dito, é o momento quando Deus convoca o
seu povo para estar na sua presença. É o equivalente neotestamentário ao momento
quando no Velho Testamento o sumo sacerdote entrava além do véu no Dia da Expiação.
Temos que entender que no culto neotestamentário da Igreja de Deus, no Templo do
Espírito Santo, na Congregação do Senhor, o povo de Deus está reunido diante da
verdadeira arca, no Santo dos Santos celestial. Deus vem falar com seu povo. É um
encontro pactual entre o Deus do universo e o povo pelo qual seu Filho derramou seu
sangue. Isto é um culto! E quando Deus convoca seu povo, ai daquele que não aparecer.
Se no Velho Testamento você poderia morrer sob o testemunho de duas ou três
testemunhas por quebrar a Lei de Moisés, quanto mais aqueles que não querem ouvir a
voz de Deus hoje. Deus é um fogo consumidor ainda hoje no Novo Testamento. Ele não
mudou!
Recentemente estive conversando com um pastor que antes não conhecia as doutrinas
da graça e agora é Reformado. Este conhecimento mais profundo dos ensinamentos das
Sagradas Escrituras trouxe muitas mudanças na vida deste pastor e da igreja que
pastoreia. O conceito de culto também mudou quando eles entenderam o culto solene
como um encontro santíssimo e um diálogo pactual entre Deus e seu povo. Quando lhe
indaguei sobre a mudança mais expressiva decorrente da reforma pela qual passaram,
ele não hesitou em responder: “Pela primeira vez sentimos a santa presença de Deus em
nossos cultos de uma forma nunca experimentada antes”.
Na tentativa de reformar a Igreja brasileira nós reformados temos escrito e falado
muito sobre o Princípio Regulador do Culto que afirma que na adoração só é permitido
fazer aquilo que Deus diz, e isto é muito correto. É um princípio da Reforma que diz
que quem define os termos de como ter comunhão com Deus no culto solene é o próprio
Deus — Ele é o grande Rei que dita as normas e nós somos o rei vassalo que obedece.
Imagine um rei vassalo que foi subjugado pelo Rei vitorioso e dele recebe a lista de
suas atribuições e deveres, mas também a lista das promessas de proteção feitas por
este grande Rei. Tente imaginar aquele pequeno rei-perdedor da batalha dizendo ao
grande Rei-vencedor: “Isso deve ser assim, você deve ficar sentado aqui e eu vou subir
ali, pois quero cantar alguns cânticos para você...”. Ele nunca ousaria fazer isso, ao
contrário, chegaria com o rosto no pó e esperaria com temor e tremor aquilo que o Rei
poderoso determinaria. Aplicar este princípio sem entendimento, porém, torna-se mero
legalismo vazio que em nada edifica a Igreja. Antes de exigir este princípio e sua
aplicação, o povo precisa saber o que é um culto e entender que no culto a Igreja está
diante da presença do Santíssimo, um encontro entre Deus e seu povo, entre Jesus e sua
noiva.
Creio que este pequeno livro do Pr. Hyde nos mostrará o real sentido e importância
do culto pactual. Nos mostrará a tradição e herança cúltica deixada por nossos pais
reformados e seu valor para os nossos dias. Com santa reverência, temor e tremor,
atenda a voz de Deus convocando-o a adorá-lo, mas experimentando o que o salmista
diz: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do SENHOR”; “Celebrai com júbilo
ao Senhor, todas as terras. Servi ao SENHOR com alegria, apresentai-vos diante dele com
cântico. Sabei que o SENHOR é Deus; foi ele quem nos fez e dele somos; somos o seu
povo e rebanho do seu pastoreio” (Sl 122.1; 100.1-3).
Quando entendemos que o culto bíblico é um solene encontro com o Rei dos reis, o
Senhor dos senhores, o Nosso Pai celestial, o Amado de nossas almas, que está
assentado no trono do universo; aquele em cujo sangue obtemos perdão e, portanto,
ousadia para entrarmos na sala do próprio Deus, unimos nossa reverência e temor à
uma indizível alegria. Este é um ponto que devemos enfatizar. A alegria no culto será
cultivada e expressa somente quando as pessoas estiverem profundamente convictas
dos seus pecados e miséria. Nas palavras de Calvino citadas pelo Pr. Hyde:
Exortamos os homens a que não adorem a Deus de modo frígido e descuidado, e enquanto apontamos o modo,
não podemos perder de vista o fim, nem omitir qualquer coisa que diga respeito àquilo que apontamos.
Proclamamos a glória de Deus em termos muito mais elevados do que estávamos acostumados a proclamar
antes, e com todo vigor trabalhamos para tornar as perfeições nas quais a glória de Deus brilha mais e mais
conhecidas. Exaltamos tão eloquentemente quanto podemos seus benefícios a nós, ao tempo em que
conclamamos outros a reverenciar sua majestade, render a devida homenagem à sua grandeza, sentir a devida
gratidão por sua misericórdia, e nos unirmos em seu louvor.
Pr. Kenneth Wieske
Recife, 02 de Março de 2012
INTRODUÇÃO

“P or que o culto em uma igreja Reformada é tão diferente do culto da maioria das
outras igrejas a que tenho ido?” Não posso dizer quantas vezes ouço visitantes fazerem
essa pergunta. Tenho percebido que o que mais impressiona as pessoas a respeito de
uma igreja Reformada não é a nossa doutrina, mas o nosso culto – que parece, a
princípio, algo estranho e até mesmo frio para muitos.
Devemos explicações aos inquiridores sérios não somente sobre o que fazemos no
culto, mas quanto ao por quê. A Bíblia exige que nosso culto seja racional.[1] Os filhos
perguntavam para seus pais, quando celebravam a Páscoa, 3.500 anos atrás: “Que rito é
este?” (Êx 12.26). Conquanto a adoração ao Deus Triuno seja profundamente
transcendente e misteriosa, é necessário que seja compreensível. Isto foi o que o
apóstolo Paulo ensinou em sua primeira carta aos Coríntios, quando disse que a
pregação em línguas estranhas, comumente chamada de “línguas”, precisava ser
interpretada para edificação daquela assembleia.
Este estudo tem o propósito de apresentar as bases do culto Reformado, de tal forma
que você esteja preparado para explicar por que nós, igrejas Reformadas, temos o culto
que temos. Faremos isso examinando sete características do culto Reformado: ele é
bíblico, pactual, evangélico, histórico, alegre, litúrgico, e reverente.
[1] Para uma introdução extremamente breve aos princípios e práticas do culto Reformado escrita para não-cristãos ou recém-chegados na igreja
Reformada, ver Daniel R. Hyde, What to Expect in Reformed Worship: A Visitor ’s Guide (Eugene: Wipf & Stock, 2007).
1. O CULTO REFORMADO É BÍBLICO

Uma congregação da Palavra

C omo igrejas Reformadas, fazemos o que fazemos no culto por causa das Santas
Escrituras. Obviamente, toda igreja que crê na Bíblia hoje, diz: “Nosso culto é
bíblico!” Afinal de contas, quem quer um culto que não seja bíblico? Como cristãos
reformados, somos diligentes em glorificar nosso Deus zeloso da forma como ele nos
ordenou. Esta é a razão de dizermos que nosso culto é bíblico. Contudo, o que isso
significa? Com o que este culto se parece?
Primeiro, a Escritura descreve a Igreja como uma comunidade de fé. Porque o
Espírito Santo cria e forma a fé pela Palavra (Rm 10.17), ouça como o apóstolo Paulo,
em suas epístolas pastorais, fala da Igreja como sempre aprendendo e sempre
ensinando o seguinte: palavras da fé (1Tm 4.6), sã doutrina (1 Tm 1.10; Tt 1.9; 2.1),
ensino sadio (2Tm 4.3), sãs palavras (1Tm 6.3; 2Tm 1.13), a boa doutrina (1Tm 4.6), o
bom depósito (2Tm 1.14) o mistério da fé (1Tm 3.9) e a palavra fiel (Tt 1.9). Com o
fim de aprender essas “palavras de fé” e ter a palavra de Cristo habitando ricamente em
nós (Cl 3.16), nos reunimos em uma comunidade, como Israel fez no deserto depois de
sair do Egito. A história do livro do Êxodo mostra a igreja do Antigo Testamento
reunindo-se ao pé do Monte Sinai em adoração. Nós, como povo da Nova Aliança de
Deus, reunimo-nos em adoração e chegamos ao “monte Sião e à cidade do Deus vivo, a
Jerusalém celestial” (Hb 12.22).
Por isso, a marca do Culto Reformado é sua saturação das Escrituras. Os cultos em
Estrasburgo, Genebra, Heidelberg, e o Livro Comum de Orações na Inglaterra estão
repletos de textos das Escrituras e alusões escriturísticas. Em tempos de analfabetismo
bíblico, precisamos de um culto cheio das Escrituras, com uma linguagem escriturística
em cada aspecto, das leituras responsivas e cânticos, às orações e leituras bíblicas
propriamente ditas. Como alguém já disse: “Não teremos Jesus Cristo no centro do
nosso culto se a Palavra dele não estiver no centro”.[2] Robert Godfrey também
pergunta: “Se não estamos interessados na Palavra de Deus, poderemos estar realmente
interessados em Deus?”.[3] Portanto, em nosso culto de adoração temos de ler, pregar,
orar, cantar e ver, nos sacramentos, a Palavra.
Além do mais, necessitamos de base escriturística para o culto porque a Escritura
nos ensina a estrita ligação da Palavra com o Espírito de Deus. A Bíblia desconhece a
falsa dicotomia entre uma igreja que foca na Palavra e outra no Espírito, como se
ambos fossem mutuamente excludentes. Ao invés disso, o que aprendemos da Escritura
(Sl 33.6; Is 34.16; 59.21; 61.1; Jo 3.34, 6.63; Tg 1.18; 1Pe 1.23) é que onde a Palavra
está, ali está o Espírito.

Um culto pela Palavra


Segundo, nosso culto é bíblico por causa daquilo que determina o que fazemos na
adoração. O culto não é determinado pelo que “funciona” para atrairmos um vasto
número de pessoas, ou o que é agradável, ou mesmo o que possamos ou não gostar.
Antes, é a Bíblia que regula o nosso culto. Esta é a razão porque afirmamos que os
presbíteros das igrejas são os supervisores do culto público, o qual “deve ser
conduzido de acordo com os princípios ensinados na Palavra de Deus”.[4]
O Culto Reformado é bíblico porque cremos que Deus mesmo nos concedeu cada
coisa que temos de fazer no culto público (os “elementos” de culto). Chamamos a isso
de “Princípio Regulador do Culto”. Significa que Deus regula, em sua Palavra, como
temos de adorá-lo. Deus é um Deus que zela pelo seu Nome, que deve ser reverenciado
e santificado (Êx 20.7; 34.13-14; Dt 4.24; Mt 6.9 cf. Catecismo Maior de Westminster,
Pergunta 110), e quando somos zelosos pela sua glória, adorando-o como ele merece e
deseja, servimos “a Deus de modo aceitável, com reverência e santo temor” (Hb
12.28). Afinal de contas, Deus é Deus, o que significa que tem o direito de ser adorado
como ele mesmo requer.

O segundo mandamento
Onde encontramos este princípio ensinado na Palavra de Deus? Há muitos lugares
nas Escrituras, mas vamos focar em uns poucos exemplos. No primeiro mandamento, o
único e verdadeiro Deus, que nos redimiu para sermos um povo adorador, um “reino de
sacerdotes” (Êx 19.6; 1Pe 2.9), ordena que adoremos somente a ele: “Não terás outros
deuses diante de mim”. No segundo mandamento, este Deus único e verdadeiro nos diz
qual a maneira de adorá-lo, afirmando como não devemos fazê-lo: “Não farás para ti
imagens de escultura” (cf. Dt 4.15-19). Positivamente, isto nos ensina que temos de
adorar a Deus conforme sua Palavra. Vemos isso nas próprias palavras do segundo
mandamento, onde se diz que a “benignidade” do Senhor é sobre aqueles que “me
amam e guardam os meus mandamentos” (Êx 20.6). Intrinsecamente ligada à proibição
de fazer imagens do Senhor está a linguagem que ordena fazer o que o Senhor diz em
sua Palavra. Da mesma forma, o livro de Levítico expressa esse aspecto positivo
quando menciona repetidamente que o culto é “segundo o rito” (e.g.: Lv 9.16 cf. Lv
10.1; Dt 12.29-32). Portanto, todo culto que não é “segundo a Escritura” é, como Paulo
denomina, “culto de si mesmo” (Cl 2.23).
No final do décimo mandamento, esse assunto é afirmado de forma inesquecível:
“Se fizeres um altar de pedra, não o farás de pedras lavradas; pois se manejares a tua
ferramenta, profaná-lo-ás” (Êx 20.25). Se um ancião israelita imaginasse que poderia
melhorar o culto ordenado lavrando um altar mais bonito, deveria saber que uma
marquinha adicionada pela mão do homem ao mandamento de Deus significaria
completa contaminação. Quando os homens tentam melhorar o culto, eles o arruínam ao
invés de melhorá-lo.
Este mandamento é imposto sobre o povo de Deus com a injunção de que o Senhor é
um Deus “zeloso”. Essa é a linguagem do casamento. O Senhor abandonou todos os
outros pela sua noiva, Israel, e somente a ela ama e deseja. Então, chegado o culto, ele
espera e deseja que Israel responda com o mesmo zelo.
Caim e Abel
Adoração a Deus “segundo o rito” é também a essência da história de Caim e Abel
em Gênesis 4. Caim era um trabalhador do campo, “lavrador”, enquanto seu irmão Abel
estava envolvido na vida pastoril, um “pastor de ovelhas” (Gn 4.2). Caim ofereceu a
Deus uma oferta “do fruto da terra”; Abel ofereceu “das primícias do seu rebanho e de
suas gorduras” (Gn 4.3-4). Deus aceitou a oferta de Abel, mas não aceitou a de Caim
(Gn 4.4-5). Ambos ofereceram um ato de culto. Ambos pareceram “sinceros” – o que é,
para muitos hoje, o único princípio que deve nortear o culto. Contudo, a razão porque
Deus aceitou a oferta de Abel e não a de Caim foi que Abel ofereceu o que Deus
ordenou, isto é, o melhor que ele tinha. O melhor, e tão somente o melhor, é apropriado
para o culto. Caim, por sua vez, ofereceu o que pensou que funcionaria, ou, que julgou
ser o melhor. Abel ofereceu “o primogênito” do seu rebanho e “sua gordura”. Estes são
os termos usados mais tarde na lei quando Deus deu instruções sobre oferecer “o
melhor das primícias da terra” (Êx 34.26), bem como os primogênitos dos animais (Êx
34.19; Lv 27.26).
Contudo, devemos ter em mente que a simples realização do rito é sem sentido se a
fé estiver ausente. Como Hebreus 11:4 nos ensina, foi pela fé que Abel ofereceu um
sacrifício mais aceitável e foi através dela que Deus testificou ser ele justo. Pela fé,
Abel entendeu que assim como o Senhor Deus poupou a Adão e Eva pelo sacrifício de
um animal em seu lugar, cobrindo-os com sua pele (Gn 3.21), assim também ele
somente poderia ser aceito através do sacrifico de outro que deveria tomar o seu lugar
e fazer satisfação pelos seus pecados.
Nadabe e Abiú
Na bem conhecida, mas não menos temida história de Nadabe e Abiú em Levítico
10, nos lembramos de que eles “trouxeram fogo estranho perante a face do Senhor, o
que lhes não ordenara” (v.. 1). Nos versos precedentes, lemos que Arão, pai de Nadabe
e Abiú, ofereceu os primeiros sacrifícios da vida litúrgica de Israel. No caso de Arão,
“veio fogo da parte do Senhor e consumiu o sacrifício...” (Lv 9.24), mas no caso de
Nadabe e Abiú, “veio fogo da parte do Senhor e os consumiu” (Lv 10.2). Arão e seus
filhos eram sacerdotes e ofereciam sacrifícios, contudo, a razão para as diferentes
respostas foi que Arão ofereceu “como o Senhor ordenara... segundo o rito” (Lv 9.10,
16), enquanto Nadabe e Abiú “fogo estranho”, isto é, um culto não ordenado e, por isso
mesmo, proibido.
A história de Nadabe e Abiú é narrada no contexto referente ao culto ao Senhor de
acordo com sua Palavra, não segundo o próprio desejo de alguém, mesmo que sincero.
Oferecer culto não prescrito era profanar o Senhor e detratar a sua glória. Esta é a
razão porque o Senhor, através de Moisés, disse a Arão, depois que Nadabe e Abiú
foram consumidos: “Mostrarei a minha santidade naqueles que se acheguem a mim e
serei glorificado diante de todo o povo” (Lv 10.3). Por causa da santidade e glória de
Deus, Javé prescreveu não somente que Israel tinha que adorá-lo, mas também como
deveriam fazê-lo. Assim, o tabernáculo deveria ser feito “de acordo com o modelo que
te foi mostrado” (Hb 8.5 cf. Êx 25.9, 40; 26.30; 27.8; Nm 8.4; At 7.44) e os atos de
culto, os sacrifícios, deveriam ser oferecidos “segundo o rito” (Lv 5.10; 9.16).
O Novo Testamento
“Mas isso é o que o Antigo Testamento ensina”, você pode estar pensando. Contudo,
Jesus disse: “Ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os... ensinando-os a
guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.19-20). A solene exigência de
que a Igreja ensine todas as coisas que Cristo tem ordenado não seria, ao mesmo tempo,
uma solene proibição de ensinar qualquer coisa não ordenada? Se, no culto de Deus,
observamos tudo que Cristo tem ordenado, não deveríamos também escrupulosamente
evitar toda e qualquer coisa que ele não tenha ordenado? Jesus disse que os fariseus
adoravam a Deus “em vão” (Mc 7.7). Por que, então, Deus rejeitou o culto deles?
Porque, disse Jesus, “negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos
homens” (Mc 7.7-8). Eles adoravam a Deus em vão porque, em vez de agirem como
lhes era requerido, faziam conforme desejavam. Da mesma forma o apóstolo Paulo
exorta os Colossenses: “Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando
humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na
sua mente carnal” (Cl 2.18). Este era o tipo de culto oferecido, não como Deus
ordenou, mas como eles desejavam: “Tais coisas, com efeito, têm aparência de
sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia
não têm valor algum contra a sensualidade” (Cl 2.23).
Sem dúvida Jesus foi rude quanto aos nossos padrões quando disse à mulher do
poço, “Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a
salvação vem dos Judeus” (Jo 4.22). Contudo, ele apenas estava sendo verdadeiro.
“Deus é espírito”, disse ele, e “importa que os seus adoradores o adorem em espírito e
em verdade” (Jo 4:24).
O verdadeiro culto era impossível para os samaritanos porque eles adoravam a
Deus como desejavam. Eles precisavam adorar a Deus como estava ordenado para que
pudessem ser aceitos por ele. “Porque são estes que o Pai procura para seus
adoradores”, disse Jesus. “Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em
verdade” (4.23). Quando persistimos em adorar o Pai como queremos, ao invés de
fazê-lo de acordo com a vontade dele, não somos “verdadeiros adoradores”.
Em Romanos 1.21-25, o apóstolo Paulo condena todo tipo de adoração inventada
pelos homens. Ele também revela a fonte de todo culto falso. Os homens se tornaram
“vãos em suas imaginações”, diz ele. Inventaram com sua vã imaginação quais seriam
as “boas maneiras” de adorar. Adoram como desejam e não como Deus ordena. Mas
quando fazem isso, realmente estão “adorando e servindo a criatura em lugar do
Criador”, diz Paulo, e são, “por isso, indesculpáveis”. Eles estão sem desculpa, porque
não há desculpa para se apartar da regra, que diz: “não podemos adorar a Deus de
qualquer outra maneira não prescrita em sua Palavra”.

A suficiência das Escrituras


A terceira razão por que dizemos que o culto Reformado é bíblico é que, como
Protestantes Reformados, cremos que somente as Escrituras são suficientes para nos
ensinar a quem, o quê, quando, onde e o porquê do culto. Somente a Escritura é nosso
guia infalível para o ensino de teologia e doutrina e para a vida experimental e prática.
Uma vez que esta Palavra é suficiente para a nossa salvação e vida cristã, então,
certamente é tudo o que precisamos para adorar a Deus como ele deseja e merece. A
única forma que conhecemos para adorá-lo é através de sua própria revelação na
Palavra, que é suficiente para ensinar-nos a respeito disso (2Tm 3.16-17). Uma vez que
a distância entre nós e Deus é infinita, não temos como saber o que lhe agrada na
adoração, a não ser através do que ele mesmo revelou.
As confissões reformadas expressam esta doutrina da suficiência das Escrituras e
sua aplicação no culto, dizendo:
Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e
vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela
(Confissão de Fé de Westminster, I.6).
Só Deus é Senhor da consciência, e a deixou livre das doutrinas e dos mandamentos humanos que, em qualquer
coisa, sejam contrários à sua Palavra, ou que, em matéria de fé ou de culto, estejam fora dela (Confissão de Fé
de Westminster, XX.2).
...o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo, e é tão limitado pela sua vontade
revelada, que ele não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens, ou sugestões de
Satanás, nem sob qualquer representação visível, ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras
(Confissão de Fé de Westminster XXI.1).
Cremos que esta Sagrada Escritura contém perfeitamente a vontade de Deus e suficientemente ensina tudo o
que o homem deve crer para ser salvo. Nela está detalhado e escrito cabalmente o modo de adoração que Deus
requer de nós (Confissão Belga, art. 7).
Cremos que os que governam a igreja devem a todo instante vigiar para que, naquilo que fazem, não se desviem
das ordenanças de Cristo, nosso único Mestre — embora seja útil e bom que imponham à igreja certa ordem
para conservação dela mesma. Por isso rejeitamos a todas as invenções e leis humanas introduzidas no culto a
Deus que, de qualquer modo, obriguem ou forcem as consciências. Só aceitamos aquilo que for apropriado para
preservar e promover a unidade e tudo guardar em obediência a Deus, ainda que para isso seja necessário
exercitar a disciplina e a excomunhão, de acordo com a Palavra de Deus (Confissão Belga, art. 32).
Que exige Deus no segundo mandamento? Resposta: Que não façamos a imagem de Deus em hipótese alguma,
nem o adoremos de nenhum outro modo diferente do que nos ordenou em sua Palavra (Catecismo de
Heidelberg, P. 96).

Os elementos de culto
Finalmente, nosso culto é bíblico por causa daquilo que compõe nossa liturgia. Os
“elementos de culto” são tudo aquilo que a Escritura nos ordena fazer no culto público.
Por exemplo, Atos 2.42 nos dá um esboço descritivo do culto nas primeiras
congregações cristãs. Aqui lemos que os cristãos primitivos devotavam-se à
“comunhão”, que é o vínculo de amor que existe entre os membros da igreja, como
expresso no dar esmolas. Como uma comunhão de crentes, eles também se devotavam
ao ensino dos apóstolos (a Palavra), ao partir do pão (a Ceia do Senhor, como o texto
grego diz “o pão”), e às orações. As categorias gerais de um culto aceitável são a
Palavra, os sacramentos, a oração e as ofertas. Essas categorias foram usadas por João
Calvino em seu Prefácio ao Saltério, bem como pelo Catecismo de Heidelberg, P. 103.
A categoria da Palavra inclui muitos elementos. Na prática histórica Reformada, o
culto começa com a Escritura, sejam as palavras batismais de Jesus, a la Estrasburgo
(Mt 28.19), ou o votum de Genebra: “Nosso socorro vem do Senhor que fez o céu e a
terra” (Sl 124.8). Em nossos dias, a maioria das igrejas Reformadas começa o culto
com a própria Palavra de Deus invocando seu povo à adoração num chamado
escriturístico para o culto (e.g.: Sl 95). O ministro, então, pronuncia as palavras de
saudação de Deus (e.g.: 1Tm 1.2; Ap 1.4-5). Então lê-se a Lei de Deus (Êx 20; Dt 5)
juntamente com o sumário da Lei segundo Jesus (Mt 22.37-39). Após a confissão de
pecados, as igrejas que seguem o modelo histórico Reformado têm alguma forma de
“Declaração de Perdão” (baseada em Mt 18.18; Jo 20.23) na qual um outro texto da
Escritura (e.g.: 1Jo 1.9) prometendo as boas novas é lido e aplicado para os ouvintes.
Cantam-se as palavras da Escritura nos Salmos, cânticos bíblicos, e hinos baseados na
Bíblia; confessa-se a Palavra conforme resumida no Credo dos Apóstolos ou no Credo
Niceno; ouve-se a Escritura, lida e proclamada (1Tm 4.13); ouvem-se as palavras de
instituição da Ceia do Senhor e recebem-se as palavras da Bênção (Nm 6.24-26; 2Co
13.14). Nosso culto, então, é um culto bíblico porque seu conteúdo é realmente
“segundo o rito” (Lv 9.16).
Na categoria dos sacramentos temos a administração dos dois sacramentos da Nova
Aliança, batismo e Santa Ceia, que foram dados por ordenança de Cristo (Mt 28.18-20;
Lc 22.17-20; 1Co 11.23-26), “segundo o rito”.
Seguindo a divisão de João Calvino, sob a categoria da oração estão os dois
maiores tipos de oração: orações faladas e orações cantadas. As faladas são orações
escriturísticas tais como as de intercessão (e.g.: 1Tm 2.1), confissão (e.g.: Sl 51),
iluminação (e.g.: Sl 119), e adoração (e.g.: 2Cr 6.12-42; Sl 8). As orações cantadas
ocorrem quando a congregação oferece orações em forma de cântico de Salmos, hinos e
cânticos espirituais (Ef 5.19; Cl 3.16). Os Salmos, especialmente, têm sido o hinário
inspirado do povo pactual de Deus por 3.000 anos. Durante a Reforma Protestante, uma
das mais radicais reformas que sacudiu a terra, foi feita a tradução e metrificação dos
Salmos para cântico dos leigos. Nossos antepassados insistiram nesta reforma, pois,
como Paulo ensina, através do cântico de Salmos, hinos e cânticos espirituais nos
edificamos uns aos outros (Ef 5.19; Cl3.16).
Finalmente, a prática da “caridade cristã” (Catecismo de Heidelberg, P. 103; Fp
4.10-20), que é a coleta para os que estão em necessidade, é um elemento de culto
conforme Atos 2.42. Isto pode também estar na categoria da oração, uma vez que a
oferta é um voto de ação de graças ao Senhor (Sl 116.18; 1Co 16.2).
As igrejas Reformadas fazem o que fazem no culto por causa da Bíblia. Afinal de
contas, a própria Bíblia fala do culto cristão como sendo “de acordo com o rito”, por
causa da santidade de Deus, da mesma forma como se fez no culto de Israel em Levítico
9-10:
“Por isso, recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo
agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor” (Hb 12.28-29)

[2] M ark Ashton with C. J. Davis, “Following in Cranmer’s Footsteps,” in Worship by the Book, org. D. A. Carson (Grand Rapids: Zondervan,
2002), p. 82.
[3] Robert Godfrey, Pleasing God in Our Worship, Today’s Issues, org. James M ontgomery Boice (Wheaton: Crossway Books, 1999), p. 32.
[4] Chruch Order of the United Reformed Churches in North America (URCNA), Art. 38.
2. O CULTO REFORMADO É PACTUAL

C omo uma comunidade de fé, a Igreja está em um relacionamento de graça com


o Deus Triuno. As Escrituras descrevem este relacionamento como um
casamento (Ef 5). Como um casamento, possui um caráter legal e íntimo. O que mantém
unidas estas diferentes esferas de pensamento é o fato de que nosso casamento é um
pacto. Neste pacto, nosso propósito como noiva do Senhor é dar ao nosso amado Deus
todo o louvor em pensamento, palavra e ação. Assim, “pactual” é um adjetivo que
descreve o culto Reformado. No culto, nós que fomos feitos noiva de Cristo,
proclamamos então “as virtudes daquele que [nos] chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz” (1Pe 2.9).

Uma categoria bíblica para o culto


Para apreciarmos plenamente este aspecto pactual do nosso culto, vamos primeiro fazer
uma pergunta. Onde nós, como cristãos de tradição Reformada, nos enquadraríamos na
classificação de culto? Somos “contemporâneos” ou “tradicionais”? Essas são duas
categorias bem conhecidas de todos em nossos dias. Infelizmente, essas categorias não
são nem bíblicas nem úteis.
Devemos nos afastar de qualquer visão de culto que se identifica meramente em
referência a uma cultura, tempo ou lugar específicos. O culto é uma ação transcendente
que liga a igreja na terra com a igreja no céu, em louvor ao Pai celestial. Portanto,
“contemporâneo” não nos identifica. Ouça como um defensor deste movimento de
adoração contemporânea define seu culto: “Se planejamos alguma coisa tendo [amigos
descrentes] em mente, como isso deveria ser?”[5] Gosto pessoal, cultura, e o espírito de
nossa época dirigem o culto.[6] Por outro lado, “tradicional” não nos define. O que
chamamos de “tradicional”, na maioria das vezes, degenera no chamado
“tradicionalismo”, no qual a forma de culto é aquela que vem sendo praticada há mais
tempo, não importando quão pouco bíblica ou teologicamente racional ela seja.[7]
Devemos não somente nos distanciar e rejeitar as formas de culto tanto do estilo
“contemporâneo” como do “tradicional” como sendo uma falsa dicotomia e algo inútil
na busca de um diálogo com aqueles que estão fora do nosso círculo de influência. Mas
não somente isso: estes dois tipos de estilos de culto, por definição, estão enraizados
em preferências, cultura e tempo específicos. O movimento do culto “contemporâneo”
tem se caracterizado por ser moderno, vanguardista, atual, relevante e por isso mais
atraente aos apelos da audiência. É também, de uma perspectiva histórica, uma
novidade dos tempos modernos. O movimento do culto “tradicional” sugere – para nós
e para os que estão de fora – que não é necessário que seja propriamente bíblico, mas
baseado no que as tradições passadas fizeram.
Isto significa que não sejamos contemporâneos no sentido de falar às pessoas hoje
em sua própria língua? Significa que temos de rejeitar a sabedoria do passado e nossa
“tradição Reformada”? Pelo fato de vivermos no século 20, devemos nos relacionar
com nossa cultura e falar de modo compreensível (o que os Reformadores queriam
dizer por falar no vernáculo). Precisamos também estar ligados à grande história da
Igreja de Cristo. No entanto, esses fatores não devem guiar nossa teologia da adoração.
Confessamos crer na suficiência das Escrituras; o que significa ser a Bíblia a nossa
única regra de fé e prática, doutrina e ética, porque ela contém tudo o que precisamos
como Igreja neste “mundo perverso” (Gl 1.4). Essa crença protestante na suficiência
das divinas Escrituras não poderia excluir – e realmente não exclui – a área do culto.
De fato, quando diz respeito ao culto, mais do que qualquer outra área, precisamos ir às
páginas do texto sagrado. Fazemos isso porque não visamos uma forma de atrair
pessoas para Deus baseada no que nossa cultura aprecia, estamos buscando o que Deus
mesmo ordena e o que lhe agrada que tenhamos no nosso culto. Assim, devemos ser
contemporâneos comunicando o Evangelho aos pecadores em linguagem vernácula.
Devemos ser contemporâneos procurando colocar as palavras inspiradas dos Salmos
em melodias que possamos cantar e apreciar. Ao mesmo tempo, devemos fazer isso sem
esquecer a tradição católica e protestante que existiu antes de nós.

Culto pactual
A melhor, a mais bíblica classificação para a adoração seria “o culto pactual”.[8] A
razão disso é que a metaestrutura da Escritura é o pacto.[9] A palavra pacto tem
significado multifacetado, mas em termos simples, é um relacionamento formal entre
duas partes envolvendo promessas e consequências. Quando começamos a entender
esse conceito, começamos a ver que a Bíblia toda é um documento pactual.[10]
A narrativa bíblica, do Gênesis ao Apocalipse, é sobre o desdobramento do pacto
de Deus com seu povo. A Escritura revela que Deus é soberano e pactual. Quando criou
o homem, criou-o num relacionamento pactual com ele. Depois que Adão quebrou o
pacto original, Deus não abandonou o que havia feito, mas veio para salvar em
misericórdia e graça, fazendo um novo pacto – que chamamos “pacto da graça”. Este
pacto da graça, que teve início no princípio em Gênesis 3.15, continuou com Noé,
alcançou um status formal com Abraão em Gênesis 15, e se desenvolveu através da
história da redenção até seu clímax em Jesus Cristo. Então, a Igreja da Nova Aliança
em Jesus Cristo é a continuação do pacto da graça de Deus desde o princípio da
história redentiva. Vemos isso no fato de que os títulos que o Senhor deu a Israel no pé
do monte Sinal quando renovou seu pacto com eles são os mesmos que ele aplica a nós:
“Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade
exclusiva de Deus” (1Pe 2.9; Êx 19.6).
A teologia do Pacto não somente define o agir de Deus com o seu povo através da
história e une toda a Bíblia como o desdobramento de um único plano redentivo de
Deus, mas também dita nossa piedade, isto é, nossa resposta a Deus. Porque o pacto é
entre duas partes, sua estrutura também dirige nosso culto. Assim, o culto pactual é um
diálogo entre Deus e o seu povo.[11] Isto significa que Deus fala conosco e nós lhe
respondemos. Deus nos diz: “Eu serei o seu Deus” e nós respondemos: “Nós seremos o
seu povo”. Deus nos chama à adoração e respondemos em cântico. Deus nos fala a sua
Lei, nós lhe respondemos com a confissão dos nossos pecados. Ele nos absolve dos
nossos pecados, nós respondemos em oração. Ele nos fala pela Palavra e nos
sacramentos, nós respondemos com dádivas de gratidão e doxologia. Isto é o que
realmente significa dizer que o nosso culto é pactual.

Forma versus substância


“Bem, isto soa como uma excelente afirmação doutrinária e concordo com ela; mas, na
prática, não importa como você adora, desde que seja sincero e faça de coração,
certo?”. Esta maneira popular de pensar separa a substância do culto da forma de
cultuar. Isto é, assume-se uma divisão entre o que temos de fazer e o modo como
devemos fazer. Precisamos rejeitar isso fortemente como sendo a sabedoria do
“espírito deste século”. Como Michael Horton diz,
A forma como adoramos a Deus não tem somente implicação sobre o conteúdo do que cremos acerca de Deus,
mas é parte desse conteúdo mesmo. Buscar separar o estilo da substância é não só como separar a alma do
corpo, mas é o mesmo que alguém dizer que podemos obedecer ao primeiro mandamento enquanto quebramos o
segundo.[12]

Não podemos separar a substância da forma do culto, tanto quanto não podemos
separar a teologia de seus resultados em nossa vida diária. Dessa forma, expressamos o
louvor que temos para com Deus em nossos corações, em palavras e atos (Sl 29.1-2;
96.8; 99.9; 148.12,13; Ml 1.11).
A forma como cultuamos a Deus é um reflexo daquilo que cremos sobre Deus: “Para
que um culto apropriado floresça, as pessoas precisam trazer no coração uma
concepção apropriada de Deus”.[13] Como outro escritor disse: “O caminho mais curto
para um culto mais rico e mais profundo é uma teologia mais clara”.[14] Liturgia é
teologia na prática. Como os cristãos de há muito têm dito, lex orandi, lex credendi,
isto é, a lei da oração é a lei da fé. Em sua controvérsia com os pelagianos, Próspero,
um discípulo do grande Agostinho de Hipona, usou uma frase semelhante em sua
resposta. Para mostrar a soberana graça de Deus na salvação ele apelou às orações da
liturgia.[15] Esta é a razão por que “é impossível alterar a forma (prática de culto) sem
alterar o conteúdo (convicção teológica)”.[16] Mais ainda, a forma como adoramos
determina, na verdade, a quem adoramos.
As igrejas modernas de hoje seguem este princípio de adoração e louvor com
bandas, corinhos repetitivos, iluminação, etc. Quando adoramos numa igreja moderna,
nos associamos à sua teologia. Já se indagou por que a maioria das igrejas hoje começa
seu culto com 20 a 30 minutos de cânticos? Muitos nem mesmo fazem essa pergunta. O
tempo gasto com cânticos antes do sermão (atualmente chamado de “mensagem”) teve
início nos avivamentos do século 19 nos Estados Unidos. Este longo período de tempo
em que se passava cantando e cujos cânticos tinham forte ênfase na experiência
individual e nas emoções a respeito de Deus tinha o propósito de “amolecer os
corações” da congregação para o sermão e a subsequente “chamada ao altar” para a
decisão de aceitar a Jesus (substitutos para o sacramento da Ceia do Senhor).[17] O
grande reavivalista Billy Sunday fala disso em sua biografia autorizada dizendo:
Com músicas variadas, a introdução de cada culto durava de trinta minutos a uma hora. Quando o evangelista
estava pronto para pregar, a multidão já havia sido trabalhada num clima de fervor que a deixava receptiva à sua
mensagem.[18]

A razão por que as igrejas começaram a usar esse formato foi porque ele se
encaixava com sua teologia. Muitas igrejas deixaram a doutrina protestante histórica
pela pelagiana e semi-pelagiana/arminiana a respeito da natureza do pecado e da graça.
Quando você cultua dessa maneira está se unindo a uma teologia que diz que as pessoas
são basicamente boas ou, no máximo, apenas doentes; que podem chegar a Deus sem a
graça ou em cooperação com ela para agarrar a salvação. O historiador Reformado W.
Robert Godfrey relata:
Enquanto tradicionalmente a música era uma parte importante do diálogo entre Deus e seu povo, para muitos ela
tem se tornado o coração do culto, a ponto de se encarar aquele “período de louvor” como uma parte distinta do
culto. Para alguns, a música parece ter se tornado um novo sacramento mediando a presença e a experiência
com Deus, estabelecendo um elo de ligação entre Deus e o adorador. Com os olhos fechados e as mãos
levantadas para o ar, repetem-se frases que se tornam mantras cristãs.[19]

Isto é evidenciado nas palavras de Joe Horness, diretor de música da Igreja Willow
Creek Community, que diz: “No coração do movimento do culto contemporâneo está o
anseio de se conectar com Deus. Para esse fim, usamos a música que melhor nos ajude
a falar nossa linguagem”.[20]
O que isso significa para nós em termos do nosso culto é que, por causa dos nossos
pecados e depravação, mesmo como crentes, é Deus quem precisa nos chamar
graciosamente à adoração. À parte do seu Santo Espírito, doador de vida, nunca
conseguiremos. Sendo assim, o culto Reformado reflete o ensino bíblico acerca de
nossa horrível cegueira em pecado, e acerca do Deus que é soberano e condescende
conosco em graça.
Por ser o culto um diálogo entre Deus e nós, e não nossa oferta de louvor ou o
esforço do nosso livre arbítrio, nosso culto não segue a estrutura do reavivamento do
século 19 descrito acima. Ao contrário, seguimos o modelo bíblico de chamada e
resposta: Deus fala na chamada à adoração, na saudação, na Lei, na absolvição, na
leitura e pregação da Palavra, na Ceia do Senhor e na bênção, enquanto nós
respondemos nos cânticos, orações e ofertas. Em termos bíblicos, o culto é uma
cerimônia na qual Deus renova suas promessas pactuais conosco e nós respondemos a
ele com fé e louvor. Deus fez um pacto de graça conosco em Jesus Cristo e ele renova
esse pacto cada semana na Palavra e nos sacramentos.
Se você não concorda com esse modelo, então pergunte a Caim como as coisas são.
Caim pensou que sua própria maneira de cultuar agradava a Deus porque estava
fazendo com sinceridade e “de coração” (Gn 4; Hb 11.4; Jd 11). Pergunte a Saul se ele
acha que essa é uma noção bíblica (1Sm 13), ou a Nadabe e Abiú (Lv 10.1-11), ou ao
zeloso e sincero Uzá (2Sm 6), ou aos seus antepassados ao pé do Monte Sinai (Êx 32),
ou a Ananias e Safira (At 5) ou aos coríntios (1Co 11).
Contudo, parece que é o espírito deste século, e não o Espírito que inspirou as
Escrituras quem guia as igrejas de nossos dias. Nossa democrática e terapêutica cultura
fomenta de tal modo a religião evangélica moderna que a preferência quanto ao estilo
de culto é o que determina se uma igreja agrada ou não aos adoradores. Se você não
acredita em mim, então peça a um amigo para dizer por que ele frequenta a igreja a que
está indo. Será que ele irá dizer que é porque a pregação é cristocêntrica, que mostra o
nosso pecado à luz da Lei e que o único conforto do cristão está no Evangelho? Você
vai ouvi-lo citar a participação semanal no sacramento da Ceia do Senhor? Ou referir-
se à piedosa disciplina que assegura a pureza da Igreja de Cristo? Como mencionei
acima, o que ele irá dizer é: “ela tem o estilo de culto e a música que eu quero”. E por
quê? Ouvimos de 92% dos adultos que se dizem “nascidos de novo” que o culto em
suas igrejas é“inspirador”; 90% que dizem que é “revigorante”; 86% dizem ser o culto
“cheio do Espírito”.[21]

Cerimônia de renovação do pacto


Este conceito geral de pacto aplica-se particularmente à forma como o povo de Deus
cultua, que é uma cerimônia de renovação do pacto.[22] Há muitos exemplos no Antigo
Testamento de cerimônias que renovaram a sanção original de um pacto, como em
Êxodo 34, Deuteronômio 31.9-13, Josué 24, 2Reis 23, 2Crônicas 15, Neemias 9-10, e
Esdras 9-10.
Em Josué 24, por exemplo, lemos o relato de uma renovação do pacto antes da morte
de Josué. Esta cerimônia seguia uma forma básica com a qual deveríamos estar
familiarizados por causa da nossa ligação com a história da Igreja Cristã: 1) O povo se
reuniu (v.. 1), assim como nós o fazemos; 2) Deus falou, relembrando sua história (v..
2-15), assim como fala conosco por sua Palavra ao longo da liturgia, especialmente no
sermão; 3) O povo responde à Palavra de Deus (v.. 16-24) assim como respondemos
em cânticos, oração, ofertas, e recitando o credo; 4) O pacto foi renovado com um sinal
visível (v.. 25-27), da mesma forma conosco na Santa Ceia; 5) Finalmente o povo foi
despedido (v.. 28), da mesma forma como somos despedimos com a bênção.
Esta estrutura básica foi ordenada desde bem cedo na lei em Levítico 1.1-9, onde a
renovação da aliança da relação entre Deus e o seu povo veio através do sacrifício (cf.
1Re 3.15; Sl 50.5); 1) Deus chama os adoradores a se aproximarem com uma oferta
dos seus rebanhos (v.. 1-2); 2) O adorador confessa seu pecado colocando sua mão
sobre a cabeça da oferta, simbolizando uma transferência simbólica de sua culpa para o
animal, então o sacrifício era feito e o sangue aspergido para expiação do pecado (v..
3-5); 3) O animal morto, simbolizando o adorador, era então consagrado sendo
oferecido a Deus segundo a sua Palavra (v.. 6-7); 4) A fumaça subia à presença de Deus
onde se tornava “oferta queimada ao Senhor”, como uma refeição de comunhão (v.. 8-
9); 5)Finalmente, Deus comissiona o adorador para o serviço do seu reino (Nm 6.22-
27).[23]
No Novo Testamento, isso é gloriosamente cumprido em Cristo, que faz de nós seu
templo (Ef 2), seus sacerdotes (1Pe 2), e de nossas vidas sacrifício de louvor (Rm
12.1-2; Hb 13.15; 1Pe 2). Portanto, o conceito de aliança e sacrifício está no coração
do culto bíblico.
Dessa forma, aprendemos como nosso culto deve ser ordenado e oferecido através
do padrão de renovação da aliança e sacrifícios pactuais:[24] somos chamados a
adorar; confessar nossos pecados; sermos limpos pelo sangue de Cristo; somos
consagrados pela “espada do Espírito”, a pregação da Palavra de Deus; celebramos a
comunhão; e Deus pronuncia a sua comissão a nós.
Sendo uma cerimônia de renovação da aliança, o propósito do culto não é entreter,
atingir emoções, “ser abençoado”, ou fazer o que for possível para alcançar uma grande
multidão de pessoas, como dizem as filosofias de culto que hoje abundam nas igrejas;
ao contrário, a Escritura claramente ensina que o culto é um encontro com Deus para
renovar nossos laços mútuos de comunhão. Ao dizer que o culto é pactual,
reconhecemos que nele participamos do mistério da comunhão com o Deus Triuno. Ele
é o nosso Deus e nós somos o seu povo, especialmente no culto. Da mesma forma como
o Pai, o Filho e o Espírito Santo participam de um laço eterno de amor e comunhão,
assim também nós, quando nos achegamos para o culto, somos engajados nessa eterna
comunhão com o Pai que não é gerado, através do Filho eternamente gerado, no poder e
mistério do Espírito que deles eternamente procede.
A motivação para o culto é o próprio Deus Triuno, não porque isso nos traz
felicidade, nos preenche, promove a unidade da família, ou traga unidade religiosa à
nossa nação ou grupo étnico. Deus se dá a nós em um relacionamento de aliança. O Pai
nos ama com um amor eterno enviando seu Filho para tomar nossas vidas destruídas
para si mesmo, dando-nos nova vida no poder do seu Espírito. Uma vez que nos
reunimos para “invocar o Senhor, que é digno de louvor” (Sl 18.3), nossa motivação no
culto é a dignidade de Deus, por causa de quem ele é em si mesmo (Ap 4.8), quem ele é
como Criador (Sl 19.1; Ap 4.11), e quem ele é como Redentor (Ap 5.9-10, 12-13).
Portanto, no culto, é Deus somente quem recebe toda “a glória, a honra e o poder” (Ap
4.11). As razões para o nosso louvor não são nossos desejos e emoções, mas seus
poderosos feitos na criação e redenção.
Devemos cultuar porque Deus nos ordena louvá-lo e glorificá-lo! Isto é o que a
primeira tábua da Lei nos ordena fazer: não devemos ter outros deuses, mas somente ao
SENHOR; não podemos fazer imagens dele; não podemos fazer mau uso de seu nome; e
temos de cultuá-lo no dia por ele designado. Como João Calvino disse concernente ao
primeiro mandamento, devemos,
com verdadeira e zelosa piedade (...) contemplar, temer, e cultuar sua majestade; participar de suas bênçãos;
buscar seu auxílio em todo o tempo; reconhecer e, por meio de louvores, celebrar a grandeza de suas obras ―
como único objetivo de todas as atividades da nossa vida.[25]

Concernente ao segundo mandamento, Paulo diz que somos imagem de Deus (At
17.22-31), e temos de “adorá-lo em espírito e verdade” (Jo 4.23-24).
Há muitas razões para louvar a Deus. Por exemplo, na obra magna do apóstolo
Paulo, a epístola aos Romanos, ele desenvolve sua defesa da fé cristã proclamando que
toda a humanidade está condenada em Adão: “Não há um justo, nem um sequer; não há
quem entenda; não há quem busque a Deus (...) não há quem faça o bem, nem um
sequer”(Rm 3.10-11). “Mas Deus”, ele exclama, “prova o seu próprio amor para
conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8).
Pela fé somente, Deus nos justificou, “agora, pois, já nenhuma condenação há para os
que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). Não fosse isso suficiente para estimular seu
coração e mente ao louvor, Paulo continua nos capítulos 8-11 para dizer o seguinte:
Deus realmente nos amou antes da fundação do mundo (8.29); ele nos escolheu segundo a sua própria
misericórdia (9.6); ele envia pregadores para reunir os filhos que amou eternamente (10.14-17); ele enxertou os
gentios, ramos de oliveira brava, na árvore da aliança (11.17).
Diante desses maravilhosos benefícios do nosso Senhor e esposo, Paulo responde
como pecador redimido e membro da noiva de Cristo, a Igreja:
Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus
juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu
conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e
para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! (Rm 11.33-36).

Essa é a doxologia da Igreja, essa é a nossa doxologia, essa é a sua doxologia! Cante
seus louvores, Igreja, pois “grandes coisas fez o SENHOR por nós; por isso, estamos
alegres” (Sl 126.3).
[5] Joe Horness, “Contemporary M usic-Driven Worship,” p. 106–7.
[6] Leonard R. Payton descreve o culto “contemporâneo” como uma “tradição alternativa”. Reforming Our Worship Music, Today’s Issues, org.
James M ontgomery Boice (Wheaton: Crossway Books, 1999), p. 12. Harold M . Best diz: “já existe ampla evidência que sugere que o ´culto
contemporâneo’ está estabelecido com reconhecida previsibilidade após somente vinte ou trinta anos de existência no cenário norte-americano”.
“Traditional Hymn-Based Worship,” in Exploring the Worship Spectrum: 6 Views, p. 60.
[7] Um exemplo é Paul F. M . Zahl, que fala da música na Europa ocidental e na tradição inglesa como sendo preferível a todas as outras formas de
música litúrgica. “Formal-Liturgical Worship,” in Exploring the Worship Spectrum: 6 Views, p. 29–30.
[8] G. VanDooren, The Beauty of Reformed Liturgy (Winnipeg: Premier Publishing, 1980), p. 15.
[9] Brevard Childs, Biblical Theology of the Old and New Testaments, p. 419; George E. M endenhall and Gary A. Herion, “Covenant,” in The
Anchor Bible Dictionary (Nova York: Doubleday, 1992), I:1179.
[10] Vide M eredith G. Kline, The Structure of Biblical Authority (Eugene: Wipf & Stock, 1997), especialmente o capítulo 2, “Covenantal Bible.”
[11] “...a fé bíblia é dialógica de uma forma aberta e irrestrita”. Walter Brueggemann, “From Hurt to Joy, From Death to Life,” in The Psalms and
the Life of Faith, p. 68.
[12] M ichael S. Horton, “Is Style Neutral?”, p. 8.
[13] Joe Horness, “A Contemporary Worship Response,” in Exploring the Worship Spectrum: 6 Views, org. Paul E. Engle e Paul A. Basden
(Grand Rapids: Zondervan, 2004), p. 201; cf. Torrance, Worship, Community & the Triune God of Grace, p. 10; M ichael Horton, “Is Style
Neutral?” Modern Reformation 5:1 (Jan/Fev 1996), p. 5-10.
[14] “Worship,” in New Dictionary of Theology, org. Sinclair B. Ferguson and David F. Wright (Downers Grove: IVP, 1988), p. 730.
[15] Peter Toon, Knowing God Through the Liturgy (Largo, Flórida: The Prayer Book Society Publishing Company, 1992), p. 104:5.
[16] D. G. Hart and John R. M uether, With Reverence and Awe: Returning to the Basics of Reformed Worship (Phillipsburg: P&R, 2002), p. 16.
[17] R. Kent Hughes, “Free Church Worship: The Challenge of Freedom,” p. 147–8.
[18] William T. Ellis, “Billy” Sunday (1914).
[19] W. Robert Godfrey, “The Reformation of Worship,” in Here We Stand!: A Call From Confessing Evangelicals, org. James M ontgomery
Boice e Benjamin E. Sasse (Grand Rapids: Baker, 1996), p. 162.
[20] Joe Horness, “Contemporary M usic-Driven Worship,” in Exploring the Worship Spectrum, p. 109.
[21] Barna, http://www.barna.org/cgi-bin/PageCategory.asp?CategoryID=40.
[22] M ichael Horton, A Better Way: Rediscovering the Drama of God-Centered Worship (Grand Rapids: Baker, 2002), p. 19-30.
[23] Jeffrey J. M yers, The Lord’s Service: The Grace of Covenant Renewal Worship (M oscow, ID: Canon Press, 2003), p. 56.
[24] Gordon J. Wenham, The Book of Leviticus, New International Commentary on the Old Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1979), p. 66;
R. K. Harrison, Leviticus: An Introduction and Commentary (Downers Grove: IVP, 1980), p. 106-7.
[25] João Calvino, Institutas da Religião Cristã, 2.8.16.
3. O CULTO REFORMADO É EVANGÉLICO

J esus mudou tudo. Sua vinda virou o mundo de cabeça para baixo: o pobre se
tornou rico, ao cego foi dada visão, ao coxo a capacidade de andar, ao mudo a
capacidade de cantar, o proscrito foi bem acolhido, o cansado recebeu descanso. Por
causa do que ele realizou em sua obediência ativa e passiva, agora temos livre acesso à
própria presença de Deus (Ef 2.11-22; Hb 10.19-22). O culto reformado, então, é
resultado direto do Evangelho.
Hebreus 10.19-22 expressa de forma maravilhosa esta verdade. Apos dez capítulos
detalhando como Jesus “é o Salvador prometido aos pais no Antigo Testamento”,[26] o
autor aplica essa realidade à sua audiência com um culminante “pois”. A aplicação é
que nós que cremos em Jesus temos “intrepidez para entrar no Santo dos Santos” (v..
19). Diferente do povo do Antigo Testamento que ficava de pé longe do Monte Sinai
(Êx 20:18) e do sumo sacerdote, o único que podia entrar no Santo dos Santos uma vez
ao ano – não sem grande tremor –, nós temos confiança. Esta é a razão porque ele nos
exorta com as palavras “aproximemo-nos” (v.. 22). De onde vem esta intrepidez de
entrar na presença de Deus? Vem de Cristo, o Evangelho em cores vivas. Entramos
“pelo”, isto é, “por causa do” sangue de Jesus” (v.. 19). Esta é uma forma simples e
abreviada de descrever tudo o que implicou o seu sacrifício. Além do mais, o texto
explica o que seu sangue fez quando diz que entramos “pelo novo e vivo caminho” (v..
20). De fato, o corpo de Jesus é a cortina para o Santo dos Santos. Quando vamos a
Jesus com fé, é como se ele abrisse a cortina e nos permitisse entrar além do véu. O
autor de Hebreus ainda acrescenta outra verdade: temos “grande sacerdote sobre a casa
de Deus” (v.. 21). O Salvador crucificado também foi ressuscitado e glorificado à
direita de Deus. Ele agora reina como nosso grande rei-sacerdote sobre o tabernáculo
de Deus, a Igreja.
O que é tão maravilhoso é que a perfeita adoração de Jesus em sua obediência ativa
e passiva é a base para o nosso culto. Como James Torrance diz de Jesus como
sacerdote:
Jesus vem para ser o sacerdote da criação e fazer por nós, homens e mulheres, o que falhamos em fazer; vem
para oferecer ao Pai o culto e o louvor que falhamos em oferecer; para glorificar a Deus através de uma vida
perfeita de amor e obediência; para ser o único verdadeiro servo do Senhor.[27]

De fato, sua adoração foi uma recapitulação do culto de Israel. A diferença é que
Jesus ofereceu seu culto “segundo o rito” e com plena devoção.[28] Nossa aproximação
com confiança está firmemente enraizada na obediência ativa de nosso Senhor em nosso
lugar, fazendo tudo aquilo que não pudemos fazer por natureza, isto é, obedecer à Lei
perfeitamente. Por ter Jesus adorado perfeitamente, somos capazes de, humildemente,
nos aproximar. A razão é aquilo que os Reformadores chamavam de “a maravilhosa
troca” – Cristo toma nossas vidas arruinadas e orações indignas, as santifica, as oferece
sem mancha ou ruga ao Pai, e no-las devolve para que possamos nos gloriar nele em
ações de graça. Ele toma nossas orações defeituosas e faz delas suas, e faz que as
orações dele sejam nossas orações.[29]
Podemos captar bem essa ideia no sinal visível do batismo. No verso 22 de Hebreus
10, o autor diz que passamos a ter “o coração purificado de má consciência e lavado o
corpo com água pura”. Esta é a linguagem do batismo, na qual a “água pura”, o sinal
externo, é a segurança de que nossos corações foram purificados dos pecados. Esta é a
razão porque muitas igrejas históricas começam seu culto com as palavras de Mateus
28.19: “Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Nós nos achegamos como
um povo batizado para lembrar que nos tornamos a casa de Deus.

Os crentes também necessitam do evangelho


Como uma comunidade de fé, nos reunimos a cada semana para ouvir o evangelho, isto
é, as boas novas. O culto verdadeiramente evangélico apresenta publicamente Jesus
Cristo em sua obra salvífica diante do povo de Deus (Gl 3.1). Por estar o evangelho no
centro do palco, todo culto é evangelístico. Assim, o povo pactual de Deus é edificado
em sua fé enquanto o Espírito do Senhor atrai os incrédulos para a comunidade. O
evangelho não é apenas uma parte do sermão na qual o pastor insta o público a se
decidir. O culto inteiro prega Cristo! Esta é uma das razões para a confissão pública e a
absolvição. Como um autor comentou sobre o Livro Comum de Orações de 1522,
“Cranmer colocou a confissão no início para nos lembrar de que somos o povo do
evangelho”.[30] Esta é a forma litúrgica Reformada de expressar a justificação pela fé
somente.[31]

Evangelizar através da igreja


As Escrituras claramente demonstram que o local central do ministério evangelístico na
Igreja não se encontra num “planejamento” de atividades como distribuição de folhetos,
testemunhos públicos, ou qualquer outro programa, por mais úteis que sejam, mas no
culto público ao gracioso Deus Triuno. Estou convencido que se nós, povo Reformado,
começarmos a ver o culto como um tema central da nossa identidade, então coisas como
evangelismo não continuarão sendo apenas parte, mas efeito daquilo que já somos e
fazemos. Ora, o próprio Calvino considerou o culto, mesmo comparado à doutrina da
justificação pela fé somente, como a parte mais importante na obra da Reforma no
século 16, em seu tratado de 1544 a Carlos V, A Necessidade de Reformar a Igreja.[32]
Volumoso material de homens como Martin Bucer e Thomas Cranmer advoga e defende
a concepção do culto como marca distinguível das igrejas Reformadas.
Pense no culto público como o eixo de uma roda de bicicleta. Do eixo, todos os aros
partem e recebem força para fazer aquilo que se espera que façam. O culto é como um
eixo. Dele tudo mais emana – tal como a oração privada e em família, a leitura das
Escrituras, o cumprimento de nossa vocação, a comunhão como crentes, a segurança da
salvação, as boas obras, a evangelização do mundo.
Israel e o templo
Ao demonstrar isso através das Escrituras, vamos traçar o desenvolvimento da
história redentiva. Ao fazê-lo, elucidaremos alguns usos desse tópico.
Começando pelo chamado de Abraão, reconhecemos que o SENHOR trouxe salvação
para uma família e, através dela, a uma nação entre muitas nações da terra. Assim, a
história de Israel foi muito exclusiva. Claro, Deus tinha um propósito em agir dessa
forma, que era o de levar o Messias ao mundo inteiro, como notáveis exceções como
Rute prenunciam.
Com a ordem para construir o Tabernáculo, o Senhor dispôs de sua graciosa
presença no meio do seu povo peculiar (Êx 25-31; 35-40). Ao alcançarem a terra da
promessa, o Senhor ordenou um lugar central e permanente no qual pôs “o seu nome”
(Dt 12.5). O santo lugar do culto não estava no meio do povo enquanto peregrinavam no
deserto, mas passou a ter lugar permanente no meio da terra santa. De modo que lemos
a respeito dessa exclusividade em palavras como: “Conhecido é Deus em Judá; grande,
o seu nome em Israel. Em Salém, está o seu tabernáculo, e, em Sião, a sua morada” (Sl
76.1-2). Também lemos versos que exaltam o Senhor por sua obra exclusiva no meio da
nação de Israel: “Mostra a sua palavra a Jacó, as suas leis e os seus preceitos, a Israel.
Não fez assim a nenhuma outra nação; todos ignoram os seus preceitos. Aleluia!” (Sl
147.19-20).
Os profetas e o templo
Com a vinda dos profetas, a adoração e a perspectiva de Israel são expandidas de
modo a incluir as nações. Sua expectativa era de que no horizonte viria um dia em que a
graça eficaz do Espírito Santo sairia de Israel – pois a salvação vem dos judeus (Jo
4.22) – para que toda a terra (Jl 2) e pessoas de toda tribo, língua e nação pudessem
adorar ao Senhor que redimiu Israel, e os criou.
Primordial nesta visão de culto era a centralidade do templo no meio de Sião, que
era também vista como estando no centro da terra. Isto é explicado por Isaías 2.2-4,
quando “nos últimos dias” (uma frase profética que nos diz que ele está falando da
Nova Aliança), “o monte da Casa do Senhor será estabelecido no cimo dos montes” (v.
2). Obviamente, o “cimo dos montes” nas Escrituras era onde as nações construíam
seus altares e templos aos seus deuses, porque o cume dos montes ficava mais próximo
do céu. Contudo, em Isaías, a vívida imagem é a do Monte Sião sendo elevado acima
de todos os outros montes. Isto significa dizer que viria o dia quando as nações – não
somente Israel – veriam ao Senhor deste santo monte e viriam a ele, o Rei dos reis, e
Senhor dos senhores. E por isso Isaías diz: “para ele afluirão todos os povos. Irão
muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do SENHOR e à casa do Deus de Jacó,
para que nos ensine os seus caminhos” (v. 2-3). Algo novo acontece “nos últimos dias”
para que as nações imundas possam ser ensinadas pelo próprio Senhor e subam à sua
morada, local em que anteriormente não eram admitidas. Além disso, em Isaías 56
lemos a respeito do estrangeiro e do eunuco em termos sacerdotais. Serão bem vindos à
casa do Senhor, lhes é dito, e terão melhor nome que o dos filhos e filhas de Israel.
Então, em 56.6-8 o Senhor diz que se reunirão esses párias em seu santo monte e ele
aceitará seus sacrifícios e orações, pois “a minha casa será chamada Casa de Oração
para todos os povos” (v. 7). Chegaria o dia em que os sacerdotes do Senhor não seriam
da linhagem familiar de uma tribo da nação de Israel, mas de todos os povos que
anteriormente eram excluídos.
O que atrairia as nações para a Igreja? A atração seria o próprio Senhor e a sua
Palavra. As nações, então, seriam atraídas ao culto de Sião e, através dele, ao Senhor
de Sião. Esta é uma forma revolucionária de pensar e uma mudança radical no modo de
agir de Israel. De fato, tão radical é esta perspectiva que Isaías de novo profetizou uma
das mais chocantes palavras do Antigo Testamento, dizendo:
Naquele dia, haverá cinco cidades na terra do Egito que falarão a língua de Canaã e farão juramento ao Senhor
dos Exércitos; (...) Naquele dia, o Senhor terá um altar no meio da terra do Egito (...) O Senhor se dará a
conhecer ao Egito, e os egípcios conhecerão o Senhor naquele dia; sim, eles o adorarão com sacrifícios e ofertas
de manjares, e farão votos ao Senhor, e os cumprirão. (...) Naquele dia, haverá estrada do Egito até à Assíria, os
assírios irão ao Egito, e os egípcios, à Assíria; e os egípcios adorarão com os assírios (Is 19.18, 19, 21, 23).

Você ouviu isso? Um dia virá em que os inimigos do Senhor, Egito e Assíria, aqueles
que fizeram dos israelitas seus cativos em terra estranha, trarão sacrifícios e orações ao
altar do Senhor! Um dia chegaria no qual os que estavam longe viriam para perto (Ef
2.13) e todos cantariam na língua de Sião como um povo do Senhor. Como o profeta
Sofonias disse: “Então, darei lábios puros aos povos, para que todos invoquem o nome
do Senhor e o sirvam de comum acordo” (Sf 3.9). A Igreja, sendo Igreja, seria o meio
de salvação do Senhor nos últimos dias. E seria a Igreja, inspirada pelos meios que
Deus proveu, o atrativo. Mas, quando se torna como o mundo, adaptando-se à
mensagem e aos métodos do mundo, a Igreja perde seu poder.[33] Temos de lembrar que
a Igreja é a antítese do mundo; é exatamente quando esta linha divisória torna-se tênue
que a igreja torna-se mundana.[34]
Finalmente, o profeta Zacarias previu este dia quando disse:
Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Ainda sucederá que virão povos e habitantes de muitas cidades; e os
habitantes de uma cidade irão à outra, dizendo: Vamos depressa suplicar o favor do Senhor e buscar ao Senhor
dos Exércitos; eu também irei. Assim diz o Senhor dos Exércitos: naquele dia sucederá que pegarão dez homens,
de todas as línguas das nações, pegarão, sim, na orla da veste de um judeu e lhe dirão: Iremos convosco, porque
temos ouvido que Deus está convosco (Zc 8.20-21, 23).

O que todas essas palavras proféticas têm em comum? Que nos últimos dias, os dias
que começam com a vinda do nosso Senhor, os gentios não só seriam convertidos, mas
se ajuntariam ao povo de Deus na adoração, aproximando-se do templo e dos
sacrifícios e ofertas de louvor e ação de graças. E o meio pelo qual viriam ao Senhor
seria através do próprio culto ao Senhor. O evangelismo estaria unido firmemente à
adoração corporativa. Eis por que Hart e Muether disseram:
Adoração é um ato subversivo e contracultural de um povo estrangeiro que, abandonando o mundo, ouviu a voz
de seu mestre dizendo: “siga-me” (...) Quando se reúne para adoração, a igreja em nada se parece com o
mundo (...) ela deve rejeitar a alegação de que a adoração é ultrapassada, irrelevante e isolada do “mundo real”.
Para os crentes, a igreja em adoração é o mundo real. A reunião dos santos no santo dos santos é a antecipação
escatológica do novo céu e nova terra, a realidade para a qual toda a história está se dirigindo.[35]

Os cânticos do templo
Porém, longe de ser apenas uma teoria muito distante ou, por assim dizer, apenas
uma profecia sem importância imediata para o adorador comum no banco da igreja,
essa visão dos gentios juntando-se aos judeus na adoração era uma parte da devoção,
orações e canções corporativas do povo na adoração. Os judeus não só ouviam essa
verdade, eles a cantavam e ansiavam por seu cumprimento. Geerhardus Vos expressou
este fato quando disse:
A mente do salmista não está satisfeita em manter a ideia a distância da contemplação objetiva, ele a traduz em
um ansioso desejo de testemunhar seu cumprimento. Assim, um verdadeiro impulso missionário nasce de uma
visão escatológica do Senhor e de seu reino.[36]

Em todo o Saltério esta esperança se expressa em canções. Os filhos de Corá


cantaram desde aqueles dias, quando musicaram que o Senhor, o Altíssimo, seria
temido acima de tudo e de todos, por ser ele o Rei de toda a terra, e se assentaria no
seu trono e seria adorado pelos “príncipes dos povos”, que seriam como “o povo do
Deus de Abraão" (Sl 47.9).
O mestre de canto conduzia o povo a entoar a abertura do Salmo 66: “Aclamai a
Deus, toda a terra. Salmodiai a glória do seu nome, daí glória ao seu louvor.”
Mais uma vez os cantores sacerdotais, os filhos de Corá, cantaram os louvores do
Deus de Israel, enumerando as nações com seu povo na celeste lista de membros da
igreja, dizendo: “Dentre os que me conhecem, farei menção de Raabe e da Babilônia;
eis aí Filístia e Tiro com Etiópia; lá, nasceram. O Senhor, ao registrar os povos, dirá:
Este nasceu lá” (Sl 87.4, 6).
Também conhecemos bem as palavras do Salmo 100: “Celebrai com júbilo ao
Senhor, todas as terras. Servi ao Senhor com alegria, apresentai-vos diante dele com
cântico”.
O menor dos salmos, o Salmo 117, inicia dizendo: “Louvai ao Senhor, vós todos os
gentios, louvai-o todos os povos” (v. 1). É maravilhoso que este seja um dos salmos do
Hallel, que era um dos salmos tradicionalmente cantados na festa da Páscoa. É como se
os Israelitas cantassem: “O Senhor nos deixou de fora, agora é a vez de vocês!”. Ainda
mais revelador para os nossos propósitos é o verso 2. Depois de chamar as nações para
adorar ao Senhor, nos é dada a razão: “Porque mui grande é a sua misericórdia para
conosco”. O Senhor guarda a sua aliança com seu povo, e devemos louvá-lo por isso.
Bem, esta é uma razão para chamar as nações a experimentar o mesmo pacto de amor.
Portanto, voltemos ao Salmo 96, que o saudoso Edmund Clowney chamou de “a
doxologia da nova humanidade (...) o Coro de Aleluia do céu”.[37] Como um dos
Salmos canônicos, ele é dirigido ao povo da aliança. Agora note como ele muda o seu
foco e move-se de Israel (“Cantai ao Senhor um cântico novo”, verso 1a) para as
nações (“cantai ao Senhor, todas as terras”, verso 1b); da comunidade da aliança para
as comunidades da terra. Este é um chamado ao culto que se estende a toda humanidade,
pois o fim principal do homem, que é “glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”, não é
somente para nossas acolhedoras congregações (Breve Catecismo de Westminster, P.
1).
O salmista chama todos a cantarem este novo cântico dessa nova era ao Senhor. Por
quê? Por causa de quem o Senhor é. Ele é glorioso (v. 3), tem feito obras maravilhosas
(v. 3), é grande (v. 4), fez todas as coisas (v. 5), é conhecido por seu resplendor,
majestade, força e beleza (v. 6). Para o nosso propósito aqui, note como os versos 2-3
ligam essa adoração do todo-glorioso e majestoso Senhor com a evangelização.
Sinônimo de cantar um novo cântico é “proclamar a sua salvação, dia após dia” e
“anunciar entre as nações a sua glória, entre todos os povos, as suas maravilhas”. À
medida que cantamos ao Senhor que está no céu por tudo que ele tem feito, imploramos
às nações que se unam a nós e subam à montanha celestial em adoração.
Vemos isso em todos os verbos imperativos dos Salmos: cantai (v. 1), bendizei (v.
2), proclamai (v. 2), tributai (v. 7, 8), trazei (v. 8), entrai (v. 8), adorai (v. 9), tremei (v.
9), dizei (v. 10), ruja (v. 11), exulte (v. 12). É como se o salmista estivesse dizendo:
“De todas as formas que você conhece, traga as nações com você diante do Senhor em
adoração”.
O que estamos tratando aqui tem a ver com o que falamos sobre “evangelismo
doxológico”[38], que é o culto focado na beleza e dignidade de Deus, e que
inevitavelmente também é evangelístico. Este Salmo é a razão porque Edmund Clowney
disse: “A mensagem do evangelho, antes de ser comunicação, é celebração”.[39]
Cumprimento neotestamentário
Vemos esta ligação entre culto e evangelismo claramente ilustrada no Novo
Testamento. Em Atos 2.5, aqueles que se ajuntam para adorar segundo a festa da
colheita da Antiga Aliança, mas que ainda não creem em Jesus Cristo, ouvem sobre os
poderosos feitos de Deus através dos louvores e da proclamação dos discípulos no
Cenáculo. Quando a Igreja exalta e enaltece o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, as
nações são atraídas ao Senhor através dos seus louvores e adoração.
Além disso, o apóstolo Paulo fala sobre isto em 1Coríntios 14.24-25, corrigindo um
erro naquela igreja. O que é importante reconhecer em nossa tese do culto como sendo
evangelístico é que Paulo assume que os incrédulos, os de fora, estariam no meio do
povo da aliança no culto. O que ele deixa muito claro é que o culto da Igreja deve ser
inteligível. O dom da pregação profética na língua do povo deveria ser mais desejado
do que o falar em línguas estrangeiras. Dessa forma, o incrédulo que viesse para o meio
deles entenderia claramente o que estava acontecendo, quem Deus é, e que estava
perante ele. O resultado é que esse incrédulo estaria sem desculpa e se prostraria
confessando que o Senhor está no meio do seu povo (Zc 8.23).

Dois extremos
Esta é a imagem bíblica do culto evangelístico, a qual nos esclarece duas visões
problemáticas da adoração em nossos dias. Por um lado, há a abordagem sensitiva na
qual o culto é visto como evangelismo. Assim, tudo é calculado para fazer o incrédulo
sentir-se confortável. Cultos com conjunto de canções de louvor com ritmo de rock ou
nos quais se cantam canções de rock moderno porque são familiares, a “pregação”
focada em como viver uma vida bem sucedida, e todos os tipos de atividades para que
as crianças fiquem na igreja. No entanto, esta visão de adoração não edifica os santos,
que estão lá simplesmente para trazer os incrédulos.
Podemos não ser tão afetados por essa visão, mas somos pela segunda. Nas igrejas
reformadas, tendemos a tratar a adoração como edificação e instrução dos santos.
Pensamos que ela é só para a comunidade da aliança e assim vemos o nosso culto como
se somente os crentes estivessem lá. O que acontece com este entendimento é que o
perdido no meio de nós fica entediado e não entende o que está acontecendo.
O que devemos fazer em nossa adoração para, ao mesmo tempo, instruir o crente e
conduzir o incrédulo a Cristo? Como disse Timothy Keller, pastor da Redeemer
Presbyterian Church, em Nova York, em resumo, se o culto de domingo visa em
primeiro lugar o evangelismo, aborrecerá os santos. Se visa principalmente a instrução,
confundirá os incrédulos. Mas se visa louvar o Deus que salva pela graça, isso vai
instruir os de dentro e desafiar os de fora. A boa adoração corporativa será
naturalmente evangelística.[40]
[26] “Celebration of the Lord’s Supper: Form Number 2,” in Psalter Hymnal (Grand Rapids: Christian Reformed Church, 1976), p. 151.
[27] Torrance, Worship, Community & the Triune God of Grace, p. 14.
[28] Ibid., p. 16.
[29] Ibid., p. 15; cf. João Calvino, Institutas da Religião Cristã, 4.17.2.
[30] M ark Ashton com C. J. Davis, “Following in Cranmer’s Footsteps,” in Worship by the Book, p. 82.
[31] Ibid., p. 71
[32] João Calvino, The Necessity of Reforming the Church (Audubon, NJ: Old Paths Publications, 1994), p. 4.
[33] J. Gresham M achen, God Transcendent, org. Ned Bernard Stonehouse (Edimburgo: Banner of Truth, 1982), p. 104.
[34] R. B. Kuiper, The Glorious Body of Christ (Grand Rapids: Eerdmans, 1958), p. 253
[35] Hart and M uether, With Reverence and Awe, p. 34.
[36] Geerhardus Vos, The Pauline Eschatology (1930; Phillipsburg: P&R, reimpresso em 1994), p. 347.
[37] “Declare His Glory Among the Nations,” mensagem a Urbana, 1976, como citada em http://www.urbana.org/_articles.cfm?RecordId=879.
[38] Edmund Clowney, “Kingdom Evangelism,” in The Pastor-Evangelist, org. Roger S. Greenway (Phillipsburg: P&R, 1985), p. 23.
[39] Ibid., p. 23.
[40] Timothy J. Keller, “Reformed Worship in the Global City,” in Worship by the Book, p. 219.
4. O CULTO REFORMADO É HISTÓRICO

“P arte da riqueza da nossa identidade como cristãos é que somos salvos em um


[41]
povo histórico”. Como um jovem, sem raízes, cristão evangélico, a Igreja
Reformada me atraiu com sua maravilha, seu mistério, sua historicidade na teologia e
na adoração. Aprendi que, como cristãos, somos salvos por Cristo e na Igreja de
Cristo. Não somos deixados órfãos, mas nos unimos a uma nova família que se estende
por todos os tempos e todos os lugares, do céu à terra. Então, quando nos reunimos para
adoração, unimo-nos em algo que é sagrado e totalmente diferente de tudo o mais, uma
vez que a adoração transcende pessoas e tempo e está acima dos modismos do culto
atual. Sermos salvos em um povo histórico significa que nos unimos à “grande nuvem
de testemunhas”, que veio antes de nós (Hb 12.1).
Por crermos nisso, nosso culto tem uma continuidade histórica com os séculos
passados. Nosso culto não é somente reformado segundo as Escrituras, como vimos
anteriormente, mas também informado segundo a história da Igreja.
Como seres humanos, precisamos de história. O antigo poeta latino Cícero disse:
“Manter-se ignorante das coisas que aconteceram antes de você nascer é permanecer
uma criança”. O pensador e escritor inglês C.S. Lewis disse que a nossa filosofia
moderna ocidental nos fez ser “cronologicamente arrogantes”. Assim, não podemos
adorar em um vácuo. Não podemos começar uma igreja e decidir por nós mesmos como
queremos o culto, ou pior ainda, como a comunidade em torno de nós quer que o culto
seja. É importante saber o que a Igreja fez no passado e por que o fez. A adoração
reformada, então, é histórica porque nos liga ao passado, se comunica com o presente, e
nos levará em louvor diante do trono de Deus no futuro eterno.

Catolicidade
Como cristãos, somos membros da verdadeira igreja católica e universal. Quando
adoramos de uma forma que nos coloca em continuidade com o passado, enfatizamos
essa catolicidade. Como um escritor disse,
A importância da corporatividade do culto também é enfatizada pela doutrina da igreja universal, o corpo de
Cristo, composto de todos os crentes do passado, presente e futuro. Não foi nossa ação, mas a de Cristo que
primeiro constituiu a igreja, e uma vez sendo ela o seu corpo, respondendo sua iniciativa na adoração, o sentido
do universal e corporativo é sempre necessário, para que a adoração seja autenticamente cristã. Por ser isso
verdade, as formas tradicionais de liturgia da igreja têm grande valor quando, pelos adoradores, são
adequadamente utilizadas e compreendidas por aquilo que são.[42]

Como igrejas Reformadas, seguimos a sabedoria e a herança dos reformadores


protestantes do século 16. Nossos pais protestantes não “jogaram fora o bebê junto com
a água da bacia” quando começaram a reformar a liturgia da igreja em suas regiões.
Eles não se livraram da liturgia existente e radicalmente começaram tudo de novo. Ao
invés disso, pegaram o que existia e começaram a batalha da Renascença: “de volta às
fontes” (ad fontes). As fontes às quais foram ao reformar a liturgia da Igreja Católica
Romana eram as Escrituras, bem como as liturgias da igreja antiga. Eles viram uma
história e tradição fiéis nas liturgias antigas da igreja. Essas liturgias serviram como
testemunhos da verdade (testes veritas) e foram encontradas nas Escrituras.[43] Os
resultados foram manuais de culto tais como o de João Calvino, intitulado The Form of
Prayers According to the Custom of the Early Church. Na defesa de Martin Bucer
sobre a reforma do culto em Estrasburgo, Grund und Ursach, ele descreve essas
reformas como “restaurações daquilo que é reto, antigo e eterno”.[44]
Os primeiros quatro séculos de existência da igreja são vistos como um tempo em
que o culto cristão era bíblico, uma vez que o falso evangelho de Roma e seu culto
idólatra não a haviam infectado ainda. Os reformadores, então, despojaram a missa
medieval com suas idolatrias e conteúdo extrabíblico; eles não reinventaram a roda.
Portanto, o que você experimenta no culto das Igrejas Reformadas fiéis é um culto
bíblico em sintonia com as liturgias históricas da igreja antiga nos séculos 2 e 4, os
quais foram revividos durante a Reforma Protestante do século 16.

Exemplos do culto da igreja antiga


A melhor forma de ver a catolicidade litúrgica reformada é fazer o que os reformadores
fizeram e examinar os primeiros escritos da igreja na área da liturgia e, então, comparar
essa descrição antiga com a prática das igrejas Reformadas.
A Didaquê (aprox. 50-120)
Uma das primeiras descrições do culto vem da Didaquê. Este era um manual de
como a igreja deveria se orientar em várias atividades – batismo, pregação, ceia do
Senhor, jejum, oração, etc. Com relação a assembleia Cristã, a Didaquê diz:
Reúna-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer após ter confessado seus pecados, para que o
sacrifício seja puro. Aquele que está brigado com seu companheiro não pode juntar-se antes de se reconciliar,
para que o sacrifício oferecido não seja profanado. Esse é o sacrifício do qual o Senhor disse: “Em todo lugar e
em todo tempo, seja oferecido um sacrifício puro porque sou um grande Rei, diz o Senhor, e meu nome é
admirável entre as nações” (14.1-3).

O que isso nos ensina é que o propósito de nos reunirmos para o culto é a
celebração da Ceia do Senhor. Nesta afirmação, a Didaquê segue o apóstolo Paulo que
em 1Coríntios diz que a igreja se reunirá para partir o pão. Também aprendemos que a
igreja deveria confessar seus pecados diante da Eucaristia, sendo ela sacrifício de
louvor, razão porque se citam as palavras de Malaquias.
Em suas instruções sobre “a ação de graças Eucarística” (9.1) há três orações
instituídas. Primeiro, há a oração sobre o cálice de vinho:
Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da santa vinha do teu servo Davi, que nos revelaste através do teu
servo Jesus. A ti, glória para sempre (9.2).

Segundo, há a oração sobre o pão:


Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da vida e do conhecimento que nos revelaste através do teu servo
Jesus. A ti, glória para sempre. Da mesma forma como este pão partido havia sido semeado sobre as colinas e
depois foi recolhido para se tornar um, assim também seja reunida a tua Igreja desde os confins da terra no teu
Reino, porque teu é o poder e a glória, por Jesus Cristo, para sempre"(9.3-4).

Terceiro, há a oração de ação de graças após a comunhão:


Nós te agradecemos, Pai santo, por teu santo nome que fizeste habitar em nossos corações e pelo
conhecimento, pela fé e imortalidade que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre.
Tu, Senhor o​nipotente, criaste todas as coisas por causa do teu nome e deste aos homens o prazer do alimento e
da bebida, para que te agradeçam. A nós, porém, deste uma comida e uma bebida espiritual e uma vida eterna
através do teu servo.
Antes de tudo, te agradecemos porque és poderoso. A ti, glória para sempre.
Lembra-te, Senhor, da tua Igreja, livrando-a de todo o mal e aperfeiçoando-a no teu amor. Reúne dos quatro
ventos esta Igreja santificada para o teu Reino que lhe preparaste, porque teu é o poder e a glória para sempre.
Que a tua graça venha e este mundo passe. Hosana ao Deus de Davi. Venha quem é fiel, converta-se quem é
infiel. Maranata. Amém." (10.2-6)

Ao fim desses exemplos de oração, a Didaquê faz estas afirmações concernentes a


orações ex tempore: “Deixe os profetas agradecerem à vontade” (10.7).
Plínio a Trajano (aprox. 112)
Uma segunda descrição de culto vem de Plínio o Moço, governador da Ásia Menor,
que escreveu ao imperador Trajano a respeito da perseguição aos cristãos, entre outras
coisas. Quando os cristãos eram trazidos sob acusação, Plínio escreve que:
Eles afirmaram que a culpa deles, ou o erro, não passava do costume de se reunirem num dia fixo, antes do
nascer do sol, para cantar um hino a Cristo como a um deus; de obrigarem-se, por juramento, a não cometer
crimes, roubos, latrocínios e adultérios, a não faltar com a palavra dada e não negar um depósito exigido na
justiça. Findos estes ritos, tinham o costume de se separarem e de se reunirem novamente para uma refeição
comum e inocente.
Na carta de Plínio aprendemos que os cristãos se reuniam duas vezes no dia do
Senhor – “antes do amanhecer” (ante lucem) para cantar a Cristo e se obrigarem juntos
em uma vida comum de moralidade (uma possível referência aos Dez Mandamentos) e
“outra vez” para partilhar da comida (uma possível referência à Ceia do Senhor).

Justino Mártir
A mais elaborada descrição existente do culto da igreja primitiva vem do testemunho
de Justino Mártir. Justino foi convertido ao cristianismo na metade do segundo século.
No ano 155 d.C. ele escreveu sua Primeira Apologia, pretendendo mostrar ao César de
Roma da época,Tito, a verdadeira natureza do cristianismo.
Nos capítulos 65-67, Justino descreve o que acontecia quando os crentes se reuniam
para o culto. No capítulo 65, ele transita de sua descrição da cerimônia de batismo
(cap. 61) para a celebração da Eucaristia. Ele primeiro dá uma descrição geral do que
acontecia quando um cristão recém-batizado entrava na assembleia de adoração,
dizendo:
De nossa parte, depois que assim foi lavado aquele que creu e aderiu a nós, nós o levamos aos que se chamam
irmãos, no lugar em que estão reunidos, a fim de elevar fervorosamente orações em comum por nós mesmos,
por aquele que acaba de ser iluminado [batizado] e por todos os outros espalhados pelo mundo inteiro, suplicando
que se nos conceda, já que conhecemos a verdade, ser encontrados por nossas obras como homens de boa
conduta e observantes do que nos mandaram, a fim de que possamos ser salvos com uma salvação eterna.

Justino, então, descreve o culto da Eucaristia (mais tarde ele descreverá o culto da
Palavra):
Terminadas as orações, nos damos mutuamente o ósculo da paz. Depois àquele que preside aos irmãos é
oferecido pão e uma vasilha com água e vinho; pegando-os, ele louva e glorifica ao Pai do universo através do
nome de seu Filho e do Espírito Santo, e pronuncia uma longa ação de graças, por ter-nos concedido esses dons
que dele provêm. Quando o presidente termina as orações e a ação de graças, todo o povo presente aclama,
dizendo: “Amém”. Amém, em hebraico, significa “assim seja”. Depois que o presidente deu ação de graças e
todo o povo aclamou, os que entre nós se chamam ministros ou diáconos dão a cada um dos presentes parte do
pão, do vinho e da água sobre os quais se pronunciou a ação de graças e os levam aos ausentes.

Até aqui, o capítulo 65 da Primeira Apologia de Justino descreveu a ordem de culto


como sendo:
• Oração
• Ósculo
• Apresentação do Pão/Vinho
• Oração e “amém” corporativo
• Distribuição do Pão/Vinho

O capítulo 66 explica que ninguém poderia comer da eucaristia “a não ser que creia
serem verdadeiros nossos ensinamentos e tenha se lavado no banho que traz a remissão
dos pecados e a regeneração e viva conforme o que Cristo nos ensinou”. A razão é que
a Eucaristia não é pão comum ou bebida ordinária, mas com “o alimento sobre o qual
foi dita a ação de graças... por transmutação, se nutrem nosso sangue e nossa carne”.
Chegando ao capítulo 67, Justino volta ao que disse no capítulo 65 para completar o
resto do culto de adoração e o culto da Palavra, que precede a Eucaristia:
No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se
leem, enquanto o tempo o permite, as Memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas. Quando o leitor
termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos esses belos exemplos. Em seguida, levantamo-
nos todos juntos e elevamos nossas preces. Depois de terminadas, como já dissemos, oferece-se pão, vinho e
água, e o presidente, conforme suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças e todo o
povo exclama, dizendo: “Amém”. Vem depois a distribuição e participação feita a cada um dos alimentos
consagrados pela ação de graças e seu envio aos ausentes pelos diáconos. Os que possuem alguma coisa e
queiram, cada um conforme sua livre vontade, dão o que bem lhes parece, e o que foi recolhido se entrega ao
presidente. Ele o distribui a órfãos e viúvas, aos que por necessidade ou outra causa estão necessitados, aos que
estão nas prisões, aos forasteiros de passagem, numa palavra, ele se torna o provedor de todos os que se
encontram em necessidade. Celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus,
transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso salvador,
ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que o crucificaram um dia antes do dia de Saturno e no dia seguinte
ao de Saturno, que é o dia do Sol, ele apareceu a seus apóstolos e discípulos, e nos ensinou essas mesmas
doutrinas que estamos expondo para vosso exame.

Portanto, o culto do Dia do Senhor que Justino descreve ao imperador é:


Culto da Palavra (cap. 65)
• Assembleia
• Leituras do Antigo Testamento
• Leituras do Novo Testamento
• Sermão

Culto da Eucaristia (cap. 67)


• Oração
• Ósculo
• Apresentação do Pão/Vinho
• Oração e “Amém” corporativo
• Distribuição do Pão/Vinho
• Ofertas

Na descrição de Justino sobre o culto notamos o quão simples ele era. Da mesma
forma, seu foco é a Palavra de Deus e o sacramento da Santa Ceia. Seguindo esse
modelo básico, os Reformadores despojaram o culto existente em seus dias, a missa
medieval, de toda a sua idolatria e conteúdo extrabíblico. Fazendo assim, eles não
reinventaram a roda.
Clemente de Roma (aprox. 80-140)
Uma completa descrição da oração que Justino menciona entre o sermão e o
sacramento, que frequentemente é chamada de “oração pastoral”, mas que é também
conhecida por oração de intercessão, aparece na Primeira Epístola aos Coríntios de
Clemente de Roma. Nela, Clemente abre sua oração dizendo:
Pediremos em súplica e oração constante para que o Criador de tudo conserve intacto o número dos que foram
contados entre seus escolhidos em todo o mundo, por seu Filho mui amado, Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual
nos chamou das trevas para a luz, da ignorância para o conhecimento da glória de seu nome” (59.2).

Quem faz a oração, então, intercede pela santificação dos santos da igreja (59.3),
pelos aflitos (59.3, 4), pela salvação de todos os homens (59.4), pelo perdão dos
pecados (60.1,2 cf. Didaquê), pelo livramento dos inimigos (60.3), pelos governantes
(60.4, 61.1, 2), finalizando com uma doxologia (61.3), então fecha com mais
intercessão pela santificação dos santos que se encerra com uma grande doxologia:
“Pelo nosso Sumo Sacerdote e Guardião Jesus Cristo, por quem e para quem seja a
glória e majestade, poder e honra, agora e para sempre e sempre. Amém”(64.1).
Tertuliano (aprox. 197)
O professor norte-africano, Tertuliano de Cartago, também escreveu uma descrição
do culto cristão no capítulo 39 de sua Apologia. O que é tão instrutivo é a similaridade
nas descrições de culto entre o que Tertuliano escreveu em Cartago, no Norte da África,
e o que Justino escreveu em Roma. Além do mais, suas descrições da liturgia cristã na
última metade do segundo século enfatizam os quatro elementos base do culto de Atos
2.42, mencionados em tópicos anteriores: a Palavra, a Ceia do Senhor, oração, e oferta.
Tertuliano começa sua descrição com o elemento da oração, mencionando que a
oração é feita em favor das autoridades, do mundo, e pelo atraso da Segunda Vinda,
dizendo:
Reunimo-nos como uma assembleia e congregação que, oferecendo suas orações a Deus como uma força
unida, pode lutar com ele em súplica. Desse tipo de violência Deus se deleita. Oramos, também, pelos
imperadores, por seus ministros e por todos que estão em autoridade, pelo bem-estar do mundo, para que a paz
prevaleça e pelo atraso da consumação final.

Ele então passa a descrever o elemento da Palavra de Deus, tanto leitura como
pregação:
Nos reunimos para ler nossos escritos sagrados (...) com as palavras sagradas nutrimos nossa fé, animamos
nossa esperança e fazemos nossa confiança mais firme; e não menos pelo inculcar dos preceitos de Deus
confirmamos nossos bons hábitos. Na mesma ocasião são feitas também exortações; repreensões e piedosas
censuras são administradas.

A oferta do povo de Deus, especialmente para socorro dos pobres, é explicada em


contraste com o uso mundano do dinheiro:
Não é possível comprar ou vender as coisas de Deus. E se na urna se deposita algum dinheiro não é este tributo
de honra, nem valor com que se compre ou redima a dignidade cristã, senão donativos voluntários dos que se
congregam; uma vez por mês, voluntariamente, cada um coloca uma pequena doação, quando queira ou quando
possa: pois não há coação, tudo é voluntário. Estes presentes são, por assim dizer, fundo de depósito de piedade,
dali levados e utilizados, não em festas, bebedices, e glutonarias, mas para apoiar e sepultar pessoas pobres, para
suprir as necessidades de meninos e meninas carentes de recursos e sem pais, e de idosos confinados em suas
casas; também para os que padeceram naufrágio, os encarcerados, os desterrados em ilhas ou condenados às
minas sem outra razão que sua fidelidade à causa da igreja de Deus. Todos estes são afilhados que a religião
nutre, porque sua confissão os sustenta.

Finalmente, Tertuliano faz a descrição da Ceia do Senhor, dizendo:


Se tanto ceais, porque tanto se murmura a respeito da pobre e parca mesa dos cristãos? As celebrações que
realizamos demonstram a ideia que está por trás de seu nome: são chamadas pelo nome grego “ágape”, que
significa “amor”. Custe ela quanto custar, o nosso esforço em nome da piedade é lucro, já que com as coisas
boas de nossa mesa beneficiamos os necessitados. Com esta ceia remediamos a necessidade dos pobres, não
lhes compramos a liberdade como fazeis vós, parasitas, nos banquetes, fartando-os de comida para que vos
fartem de lisonjas; mas demonstramos piedade para com os humildes a fim de agir como é próprio de Deus. Que
vossas leis considerem quão honesta é a motivação de nossa ceia. Sendo um ato de culto religioso, não permite
vileza ou imodéstia. Os participantes, antes de se servirem, primeiro provam de Deus através da oração. Come-
se o suficiente para satisfaz os desejos da fome; e bebe-se com a sobriedade conveniente a um espírito casto.
Assim, come-se tendo em mente que, naquela mesma noite, haverão de adorar a Deus. Assim, fala-se como
quem sabe que o Senhor os examinará. Acabada a ceia, lavam-se as mãos, as luzes são trazidas, e pede-se que
cada um de nós fique em pé e cante um hino ao Senhor, das Sagradas Escrituras, ou de composição própria,
com o que fica provada a medida da temperança com que bebemos na ceia. Este convite, pois, dos cristãos, com
oração começa e com oração termina. Nos despedimos, não como bando de malfeitores, nem quadrilha de
vagabundos que se ferem e matam, como fazeis vós depois de vossos banquetes; nem nos entregamos à prática
de atos licenciosos, mas saímos para cuidar de propagar a honestidade desfrutada durante a ceia, como se nem
tivéssemos ingerido uma refeição, mas tão somente um ensino.

Hipólito (aprox. 215)


Finalmente, Hipólito de Roma escreveu uma descrição completa da oração que
antecede a comunhão em A Tradição Apostólica, capítulo 2.3. Ela consiste de um
prefácio e uma oração, dizendo:
O Senhor esteja convosco. Todos responderão: “E com teu espírito”. [Dirá:] “Corações ao alto”. [Responderão:]
“Já os oferecemos ao Senhor”. [Dirá:] “Demos graças ao Senhor”. [Responderão:] “Pois é digno e justo”. Em
seguida, prosseguirá: “Nós te damos graças, ó Deus, por teu Filho querido, Jesus Cristo, que nos enviaste nos
últimos tempos, [Ele que é nosso] Salvador e Redentor, porta-voz da tua vontade, teu Verbo inseparável, por
meio de quem fizeste todas as coisas e, por ser do teu agrado, enviaste do céu ao seio de uma Virgem; aí
presente, cresceu e revelou-se teu Filho, nascido do Espírito Santo e da Virgem. Cumprindo a tua vontade,
obtendo para ti um povo santo, ergueu as mãos enquanto sofria para salvar do sofrimento todos aqueles que em
ti confiaram. Se entregou voluntariamente à Paixão para destruir a morte, quebrar as cadeias do demônio,
esmagar o poder do mal, iluminar os justos, estabelecer a Lei e trazer à luz a ressurreição. [Ele] tomou o pão e
deu graças a ti, dizendo: “Tomai e comei: isto é o meu Corpo que será destruído por vossa causa”. [Depois,]
tomou igualmente o cálice e disse: “isto é o meu sangue, que será derramado por vossa causa. Quando fizerdes
isto, fá-lo-eis em minha memória”. Por isso, lembramos de sua morte e ressurreição e oferecemos-te o pão e o
cálice, dando-te graças por nos considerardes dignos de estarmos na tua presença e de te servir. E pedimos:
envie o teu Espírito Santo ao sacrifício da Santa Igreja, reunindo todos os fiéis que receberem a eucaristia num
só rebanho, na plenitude do Espírito Santo, para fortalecer nossa fé na verdade. Concede que te louvemos e
glorifiquemos, por teu Filho, Jesus Cristo, pelo qual te damos glória, poder e honra, ao Pai, ao Filho e com o
Espírito Santo na tua Santa Igreja, agora e pelos séculos dos séculos. Amém".
Em resumo, seguimos este modelo básico da Igreja primitiva de culto, no qual a
Palavra é lida e pregada, os sacramentos são celebrados com ação de graças, orações
de confissão, intercessão, graças são dadas, e as ofertas do povo de Deus coletadas
para o ministério da misericórdia. Quando nos reunimos, então, nos unimos às
multidões de santos através de todos os tempos e nos colocamos em adoração, de
acordo com a Palavra e os costumes da Igreja primitiva.
[41] Ibid., p. 194.
[42] Robert G. Rayburn, O Come, Let Us Worship (Grand Rapids: Baker, 1980), p. 32.
[43] Hughes Oliphant Old, The Patristic Roots of Reformed Worship (Zurique: Theologischer Verlag, 1975), p. 1, 233; Nichols, Corporate
Worship in the Reformed Tradition, p. 14-5, 52-89.
[44] Ottoman Frederick Cypris, Basic Principles: Translation and Commentary of Martin Bucer ’s Grund und Ursach, 1524 (Th.D. dissertation;
Theological Seminary of New York, 1971), p. 73 cf. p. 92.
5. O CULTO REFORMADO É ALEGRE

C om toda a ênfase na reverência no culto reformado, fica parecendo que temos


um culto sombrio. Essa parece ser a impressão daqueles que são novos em um
culto reformado. Nosso culto é sombrio, ou seja, sem vida? A resposta é não. Nosso
culto é sóbrio, ou seja, sério? A resposta é sim. A razão é que estar na presença do
Deus Triuno nos leva a uma percepção sóbria de quem somos, de quem ele é, e do que
estamos para fazer em resposta a esta reunião. É por isso que Hebreus 12.28-29 é tão
importante quando falamos sobre adoração: “Sirvamos a Deus de modo agradável, com
reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor”. No entanto, isso
não significa que a adoração seja algo chato, frio, e sem graça. O salmista expressa que
não pode ser assim, dizendo:
Celebrai com júbilo ao Senhor, todas as terras. Servi ao Senhor com alegria, apresentai-vos diante dele com
cântico. Sabei que o Senhor é Deus; foi ele quem nos fez e dele somos; somos o seu povo e rebanho do seu
pastoreio (Sl 100.1-3).

Em seu tratado A Necessidade de Reformar a Igreja, João Calvino abordou essa


questão quando disse:
Exortamos os homens a que não adorem a Deus de modo frígido e descuidado, e enquanto apontamos o modo,
não podemos perder de vista o fim, nem omitir qualquer coisa que diga respeito àquilo que apontamos.
Proclamamos a glória de Deus em termos muito mais elevados do que estávamos acostumados a proclamar
antes, e com todo vigor trabalhamos para tornar as perfeições nas quais a glória de Deus brilha, mais e mais
conhecidas. Exaltamos tão eloquentemente quanto podemos seus benefícios a nós, ao tempo em que
conclamamos outros a reverenciar sua majestade, render a devida homenagem à sua grandeza, sentir a devida
gratidão por sua misericórdia, e nos unirmos em seu louvor.[45]

Então, o que dizer da emoção humana de alegria? Neste tópico queremos abordar
essa questão a fim de interagir com aqueles que vêm às nossas igrejas e não possuem
formação reformada, para que entendam que nosso culto é alegre, embora possa não ser
o que eles entendem por alegria.

Falando biblicamente de reverência e alegria


Culturalmente falando, a alegria tem sido definida como um sentimento otimista, de
felicidade a respeito de Deus. A “alegria do Senhor” tem sido igualada a uma
descontrolada “risada santa”, como o ensino recente da chamada “bênção de Toronto” e
“Avivamento de Pensacola”. No entanto, a alegria do Senhor não é meramente um
sentimento emocional de felicidade, mas um deleite na graça e bondade do Senhor.
Timothy Keller, ministro da Igreja Presbiteriana da América, explica isso ao dizer:
O Salmo 130.3-4 é um texto famoso que prova o conteúdo “positivo” do termo bíblico “temor do Senhor”. Aqui
o salmista diz essencialmente: “Eu te temo por causa do teu perdão”. Isso significa que o “temor do Senhor”
contém feliz admiração, bem como um humilde e sóbrio assombro.[46]

Como cristãos da Nova Aliança, nos reunimos corporativamente no “Dia do Senhor”


(Ap 1.10) com alegre espanto na expectativa de que ele irá lançar um olhar compassivo
sobre um povo como nós, a fim de expressarmos a resposta bíblica para tal graça e
misericórdia. Essa sincera resposta é melhor resumida pela belas palavras do salmista,
que diz estarmos no culto para alegrarmo-nos “nele com tremor” (Sl 2.11). Este é o
texto paradigmático da atitude dos crentes na adoração. Na adoração, reverência
(temor/tremor) e entusiasmo (alegria) mesclam-se, como diz o antigo hinário, o
Saltério: “Alegrai-vos nele com tremor”. É aquele “infantil respeito e confiança”
(Catecismo de Heidelberg, P. 120) em Deus nosso Pai, que temos por causa da obra de
Cristo e do Espírito que causa um senso de mistério, transcendência e maravilha pelo
que o Senhor é e fez por nós. “Vós, que temeis ao Senhor, bendizei ao Senhor” (Sl
135.20 cf. 22.23).

Objetividade e subjetividade no culto


Como já devemos saber até esse ponto, quando falamos de alegria e celebração no
culto, devemos fazer isso de forma criteriosa e bíblica. Alegria nunca pode ser
associada com emoções desenfreadas ou com pentecostalismo. Agitação não é
necessariamente alegria. Alegria é uma atitude, uma qualidade do coração. Estar alegre
é estar grato ao Senhor por nos libertar de nossa condenação. Este é um ponto que
devemos enfatizar. A alegria no culto será cultivada e expressa somente quando as
pessoas estão profundamente convictas dos seus pecados e miséria.
As Escrituras fundamentam a alegria e a reverência no conhecimento dos poderosos
feitos do Senhor. Nossas emoções, subjetivas, precisam estar enraizadas na obra
objetiva do Senhor Jesus Cristo. Contudo, a objetividade da Palavra e a obra do Senhor
não devem abafar as emoções subjetivas, sentimentos e experiência.
Uma vez que a alegria é a resposta subjetiva às obras objetivas de Deus, ela é algo
que não pode ser mecanicamente produzido para agradar a Deus. Isto está em contraste
com grande parte da adoração cristã contemporânea, em que líderes de louvor fabricam
emoções a fim de dar às pessoas um senso de conexão com Deus e ao mesmo tempo
mantê-las entretidas. Alegria não se fabrica, se cultiva. É algo que leva a concentração
e determinação, pois é muito fácil ser arrastado no fluxo da liturgia e na adoração
descuidada. Quando isso acontece, não haverá alegria.
Descrevendo nossa resposta ao Senhor em adoração, W. Robert Godfrey, fala de
alegria e reverência no culto com as seguintes palavras:
Hoje, essas duas respostas, alegria e reverência, são frequentemente colocadas em oposição uma a outra. Um
tipo de culto é chamado alegre, edificante, e empolgante, enquanto outro tipo é chamado reverente, tranquilo,
respeitoso. No entanto, na alegria e na reverência as Escrituras não são antitéticas. O culto completo pode ser
alegremente reverente e reverentemente alegre. Alegria e reverência devem sempre estar unidas em nossa
adoração (...) Esta combinação de alegria e temor pode nem sempre ser fácil de se atingir, mas deve ser nosso
objetivo. Devemos lembrar que reverência nem sempre significa calma, e alegria nem sempre significa ruído.
Alegria e reverência são, antes de tudo, atitudes do coração para as quais procuramos manifestações
apropriadas no culto. A alegria pode ser intensa no canto de uma canção muito tranquila. A reverência pode ser
manifesta no cantar alto.[47]

Nossa alegria subjetiva, então, deve sempre ser uma resposta à obra objetiva de
Cristo. Como James Torrance diz: “Mais importante do que nossa experiência de Cristo
é o Cristo da nossa experiência”.[48]
Alegria também é uma realidade escatológica, porque é baseada, de uma vez por
todas, na obra de Cristo, cujo sacrifício inaugurou nos últimos dias a era do Espírito:
“agora, porém, ao se cumprirem os tempos, se manifestou uma vez por todas, para
aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado” (Hb 9.26). O que isto significa é que
a emoção profunda de alegria expressa no saltério, rico como é, só foi uma alegria
semi-realizada, porque aqueles que cantavam na Antiga Aliança cantavam alegremente
apenas o que ansiavam por vir, nós porém temos a realidade em Jesus Cristo. Em Cristo
temos o cumprimento de todas as promessas de Deus (2Co 1.20). Isto significa que
devemos ser mais apaixonados e alegres do que os santos do Antigo Testamento que
adoravam tão cheios de entusiasmo apenas com os tipos e sombras para abastecer suas
respostas subjetivas. Como cristãos da Nova Aliança nossas emoções deveriam ser
ainda mais palpáveis devido ao fato de que estamos deste lado do túmulo vazio e temos
sido elevados à mão direita de Cristo nos lugares celestiais (Ef 2). Como o autor de
Hebreus diz: “Recebendo um reino inabalável, retenhamos a graça”(12.28).
Percebendo que a alegria no culto é um tema subjetivo, e que Deus nos fez todos
diferentes à sua imagem (Gn 1.26), e refletindo corporativamente sua imagem e
semelhança (Ef 4.24), vou tentar descrever algumas formas de se manifestar alegria
quando nos reunimos com o Senhor da Igreja.

Algumas formas de manifestar alegria


A primeira forma de manifestar alegria é vir ao culto com um senso de propósito, não
somente de dar ao Senhor a glória devida ao seu nome (Sl 29) ao servi-lo, mas
especialmente receber seu serviço de graça e misericórdia na pregação de sua Palavra
e na celebração dos seus sacramentos. Devemos vir com este senso de propósito
porque sabemos que somente no santo culto o próprio Cristo inclina um ramo da Árvore
da Vida para que possamos receber agora, no tempo, um antegozo do céu.
Outra forma de se manifestar alegria é vir ao culto para ter comunhão com seus
irmãos e irmãs. A sensação de pertencer à comunidade de fé foi expressa pelo salmista
quando disse: “Alegrei-me quando me disseram, vamos à casa do Senhor” (Sl 122.1).
Esse gozo e alegria é manifestado no final do culto de adoração quando o ministro diz,
após a bênção:“Saudai cada um dos santos em Cristo Jesus” (Fp 4.21). Este “passe de
paz” para os santos, assim como para os visitantes, é uma resposta externa à graça de
Deus que experimentamos apenas na adoração. Quando chegamos e quando saímos da
casa do Senhor, devemos ser movidos a falar com nossos irmãos e irmãs, rir com eles e
manifestar a nossa alegria unidos. Precisamos cultivar uma comunhão viva e robusta
uns com os outros , bem como com aqueles que nos visitam e entram por nossas portas
semana após semana.
Terceiro, a alegria deveria ser manifesta também cantando em alta voz. Precisamos
erguer nossas vozes em louvor. Observe o que diz o Salmo 32.11: “Alegrai-vos no
Senhor, e regozijai-vos, ó justos; exultai, vós todos que sois retos de coração”. O
contexto desta ordenança indica algo que acontece depois de o Salmista confessar seus
pecados e receber absolvição da parte do Senhor. É por isso que a maior parte dos
cânticos no culto reformado vem depois da leitura da Lei, depois da confissão dos
pecados e da declaração de perdão. Isso porque temos algo profundo para cantar
depois do anúncio de que nossos pecados foram perdoados. No Salmo 33.1 e 33.3,
versos imediatamente seguintes no saltério, o salmista diz: “Exultai de alegria (...)
tangei com arte e com júbilo”. Como disse Martinho Lutero, devemos cantar ao Senhor
com vigorosa alegria.
Quarto, a alegria se manifesta em cantar com o coração. O“coração” é um termo
bíblico para o nosso eu mais profundo, que por vezes chamamos “profundezas da
alma”. Paulo nos chama a ser sábios nesses dias maus, evitando a embriaguez para
sermos cheio do Espírito Santo (Ef 5.15-18). Depois, em Efésios 5.19, ele explica que
isto se parece com: “Falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao
Senhor com hinos e cânticos espirituais”. Ser cheio do Espírito é edificar um ao outro
por meio do canto e com todo nosso coração, isto é, tudo o que somos. Paulo também
diz em Colossenses 3.16 que devemos cantar “com gratidão” em nosso coração.
Finalmente, outra forma de manifestar alegria no culto é levantando as mãos em
oração e louvor. A Bíblia frequentemente revela a postura daqueles que oferecem a
oração, e o levantar as mãos é uma delas.
A elevação das mãos não deve ser falsamente identificada como uma idiossincrasia
pentecostal e carismática, mas uma postura bíblica. Da mesma forma que devemos ser
reverentes em silêncio, inclinando a cabeça, de pé na presença de Deus, e até mesmo de
joelhos, assim também a elevação de “mãos santas” em oração, como uma manifestação
exterior de alegria (1Tm 2.8). Embora se deva reconhecer que esta foi uma postura
cultural da oração, que permanece até hoje no Oriente Médio, isso não nega o fato de
que essa postura é também uma postura universal. Por exemplo, a postura universal de
levantar as mãos é ainda entendida em nossa cultura quando uma criança levanta a mão
para mostrar que está pedindo alguma coisa ao pai ou professor. Este recurso de
levantar as mãos como um fenômeno universal foi referido por João Calvino, que disse
em seus comentários sobre 1Timóteo 2.8:
Levantando mãos santas. É o mesmo que dissesse: “Desde que tenham uma consciência íntegra, não há nada
que impeça todas as nações, em todo lugar, de invocarem a Deus”. Ele, porém, usa um sinal externo em lugar da
realidade interna, pois nossas mãos apontam para um coração puro. Da mesma forma Isaías, ao atacar a
crueldade dos judeus, repreende-os por levantarem a Deus mãos manchadas de sangue [Is 1.15]. Além do mais,
tal costume havia sido praticado no culto, em todos os tempos, pois é algo inerente a nós, que quando buscamos
a Deus olhamos para cima, e tal hábito tem sido tão arraigado, que mesmo os idólatras, ainda que façam deuses
em imagens de madeira e de pedra, todavia conservam o costume de erguer as mãos para o céu. Aprendamos,
pois, que essa prática está em harmonia com a genuína piedade, contanto que a verdade que ela representa
também a acompanhe. Primeiramente, sabendo que Deus deve ser buscado no céu, não devemos formar
qualquer concepção dele que seja terrena e carnal, bem como devemos descartar as afeições carnais, de tal
sorte que nada impeça nosso coração de se elevar acima deste mundo.[49]

Vemos essa postura ao longo das Escrituras, como Moisés estendeu as mãos em
intersessão por Faraó (Êx 9.29), Salomão o fez em uma oração de adoração na
dedicação do templo (1Rs 8.22), a congregação israelita levantou as mãos e gritou
“Amém e Amém” quando a lei foi lida (Ne 8.6) e o povo convidou os sacerdotes no
templo para levantar as mãos para o Senhor em intercessão, bem como para dar a
bênção (Sl 134.2).
Qual é o sentido de levantar as mãos? Podemos encontrar uma resposta nas palavras
instrutivas de Lamentações 2.19. Depois de chamar o povo a “clamar” e “derramar” o
coração ao Senhor, Jeremias diz: “Levanta a ele as mãos”. O levantamento das mãos é
uma expressão externa do coração, de clamar a Deus (Cf. Lm 3.41; Sl 28.2; 63.4; 77.2;
143.6). É uma forma física de nos achegarmos a Deus em nosso tempo de necessidade.
Mais uma vez, pense na ilustração do menino que levanta sua mão na direção de um pai
ou professor. Assim, é uma maneira visível de apelarmos ao “nosso Pai que está nos
céus”. De fato, o Salmo 119.48 diz que o levantar das mãos ao meditar na Palavra de
Deus é apropriado. A elevação das mãos era também a forma da oferta de sacrifícios
espirituais (Sl 141.2. cf. Hb 13.15).
Além disso, este significado do levantar das mãos está associado com o fato de que
a postura do corpo é uma parte dos atos feitos no culto. Por exemplo, se nos ajoelhamos
e ou ficamos em pé, é porque reconhecemos que estávamos na presença de nosso Rei
santo e queremos expressar reverência. João Calvino disse isso em seus comentários
sobre o Salmo 95.6: “É preciso observar também que ele faz menção não só da gratidão
interior, mas também da necessidade de uma profissão externa de piedade. As três
palavras que são usadas implicam que, ao desincumbir-se convenientemente de seu
dever, o povo do Senhor deve apresentar-lhe um sacrifício público, genuflexo e outros
emblemas de devoção”.[50]
É justo, então, que usemos esta postura como uma forma de expressar nossa
confiança e alegria no Senhor. Ministros reformados levantavam suas mãos quando
oravam. Alguns ainda o fazem. Também é apropriado para o povo de Deus mostrar sua
confiança no Senhor e com alegria levantar as mãos também (talvez isso o mantenha
acordado!) em momentos apropriados, tais como o canto das doxologias, que não
requerem o uso de um hinário.
A postura é uma expressão de nossa atitude no culto. Os Reformadores entenderam
isso. No Livro de Disciplina de 1559, a Igreja Reformada Francesa codificou que não
tomar a postura adequada era um ato de irreverência:
Essa grande irreverência que é encontrada em várias pessoas, que nas orações públicas e privadas não
descobrem suas cabeças nem se ajoelham deve ser mudada; é uma questão repugnante aos piedosos, e traz
suspeita de orgulho e escandaliza os que temem a Deus. Portanto, todos os pastores devem ser avisados, assim
como os anciãos e chefes de família, que sejam cuidadosos para fiscalizar, que nos momentos de oração, todas
as pessoas, sem exceção (...) deem prova, por esses sinais exteriores, da humildade interior de seus corações e
a honra que prestam a Deus, a menos que alguém seja impedido de fazê-lo por motivo de doença ou algum
outro.[51]

Entretanto, como reformados, ao respondermos com adoração pública às grandes


coisas que Jesus Cristo fez por nós, que o façamos não apenas com reverência e temor,
mas também com gratidão e empolgante alegria.
[45] João Calvino, The Necessity of Reforming the Church (Audubon, NJ: Old Paths Publications, 1994), p. 25–26.
[46] Timothy J. Keller, “Reformed Worship in the Global City,” Worship by the Book, org. D. A. Carson (Grand Rapids, M I: Zondervan, 2002),
p. 210–211 n47.
[47] W. Robert Godfrey, Pleasing God in Our Worship (Wheaton, IL: Crossway Books, 1999), p. 24.
[48] James Torrance, Worship, Community & the Triune God of Grace (Downers Grove, IL: InterVarsity Press,1997), p. 34.
[49] João Calvino. Pastorais. Trad. Valter Graciano M artins. (São Paulo: Edições Paracletos,1998), p. 70.
[50] João Calvino. O livro dos Salmos, 3:69-106. Trad. Valter Graciano M artins. (São Paulo: Edições Paracletos, 2002), p. 501-2.
[51] Citado em Charles W. Baird, The Presbyterian Liturgies: Historical Sketches (1855; Eugene, OR: Wipf & Stock Publishers, reimpresso em
2006), p. 27.
6. O CULTO REFORMADO É LITÚRGICO

“L iturgia”. Na maioria dos círculos Protestantes é uma palavra proibida na pior das
hipóteses ou, no mínimo, uma palavra “Católica”. Se você quiser o silêncio de uma
multidão se confraternizando durante o café depois de um culto, diga apenas: “eu
realmente gostaria que tivéssemos alguma liturgia aqui na igreja.”
Na realidade, esta palavra não é ruim e nem Católica Romana. É uma palavra
bíblica. Nossa palavra em português para liturgia vem da antiga e bíblica palavra grega
leitourgia (s.) e leitourgein (v..). Essas palavras falam geralmente de qualquer tipo de
“cerimônia” (Ex: Fp 2.17, 30; 2Co 9.12), mas quando usadas em um sentido religioso,
carregam a ideia do “culto” religioso oficial dos sacerdotes e de Cristo, nosso grande
Sumo Sacerdote (Nm 8.22, 16.9, 18.4, Lc 1.23; Hb 9.21). Quando pensamos em uma
liturgia como uma ordem de adoração formal e mecânica, então estamos enganados.
Ao contrário, biblicamente falando, liturgia, é o serviço religioso. O mais
surpreendente é que a liturgia é essencialmente o “serviço” de Cristo a nós, à medida
que nos convoca à sua presença para derramar sobre nós seus dons e graças mediante a
Palavra e os Sacramentos. Em resposta ao seu serviço a nós, a liturgia é também o
nosso serviço de ação de graças a ele quando nos reunimos como um “reino de
sacerdotes” (Êx 19.6; 1Pe 2.9) para servir ao Senhor na “Casa do Senhor” (Sl 134.1;
135.1,2). É esta a atividade pactual de Cristo nos servir e de nós o servirmos que
normalmente pensamos ser uma “liturgia” ou “ordem do culto”.
O que isto significa é que cada igreja que já existiu, e na qual você tem adorado, se
ocupa na liturgia, no serviço de adoração. Quer uma igreja tenha uma cerimônia mais
estruturada ou mais solta, ou se uma liturgia é impressa no boletim ou não, todas as
igrejas seguem algum tipo de liturgia toda vez que se reúnem para adoração.[52] Mesmo
as de estilo livre, “dirigido pelo Espírito Santo” e as cerimônias de “reavivamento”
seguem um padrão previsível.[53]
A questão diante de nós, então, não é se temos uma liturgia, mas se somos fiéis ao
padrão exemplificado nas Escrituras quando procuramos adorar o Pai em “espírito e
em verdade” (Jo 4.24). Vamos procurar a melhor e mais bíblica liturgia possível, que
traga glória a Deus e conforto para o crente. Vamos concordar que a palavra “liturgia” é
bíblica e que também é algo que todos fazemos quando unimos nossos corações como
uma congregação em louvor.

Liturgia é algo enfadonho?


Isto é particularmente importante porque uma das ideias mais idolatradas em nossa
cultura e nas igrejas é a que diz: para algo ser sincero, tem de ser informal e
espontâneo. No entanto, o cenário celestial de adoração em Apocalipse 4 destroi esse
argumento como idolatria. Seguimos um padrão e uma forma definida em nossa
adoração semanal porque no céu a Igreja cultua de uma forma litúrgica com resposta se
cânticos específicos àquele que se assenta no trono e ao Cordeiro:
Quando esses seres viventes derem glória, honra e ações de graças ao que se encontra sentado no trono, ao que
vive pelos séculos dos séculos, os vinte e quatro anciãos prostrar-se-ão diante daquele que se encontra sentado
no trono, adorarão o que vive pelos séculos dos séculos e depositarão as suas coroas diante do trono,
proclamando: Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu
criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas (Ap 4.9-11).

Como um autor tem dito, o Apocalipse “é, do começo ao fim, um livro litúrgico”,
pois está cheio de cânticos litúrgicos com material do Antigo e Novo Testamentos.[54]
Além disso, os próprios Salmos são definidos como orações formais e cânticos. Ao
descrever a adoração da sinagoga judaica e sua liturgia, um escritor disse: “As orações
foram estabelecidas de tal forma que todos pudessem participar de sua recitação”.[55]
Adoração bíblica e reformada não é enfadonha, mas é o culto comum, no qual todos
participamos ativamente, juntamente e a uma só voz. E o que dizer sobre a
repetitividade da liturgia, que leva a uma recitação sem entusiasmo? Nas palavras do
ministro anglicano Peter Toon,
A Familiaridade com elas [orações específicas] aumenta a sua utilidade como conteúdo da resposta humana ao
gracioso convite de Deus para se aproximar dele e contemplar a sua glória. Se elas são aprendidas de coração a
cada dia, então, à medida que são oradas, a mente é capaz de ver e imprimir nelas um significado cada vez mais
profundo, as afeições são capazes de ser elevadas em deleite, paz e amor para com Deus, enquanto a vontade é
movida à determinação de obedecer a Deus em todos os momentos.[56]

Qual o propósito de uma liturgia bíblica reformada?


Ao colocar abundantes porções das Escrituras diante de nós de uma forma ordenada,
significativa e inteligível, a liturgia concentra nossa mente e coração na glória de Deus
em Jesus Cristo, levando-nos a nos desligar do nosso eu egoísta e dos nossos pecados.
A liturgia reformada tira nosso foco não apenas de nós mesmos, mas também deste
mundo despedaçado pelo pecado e põe nossa esperança na vida futura. No culto, temos
um antegozo do céu, quando nos reunimos em torno do trono da graça e nos colocamos
diante do nosso Deus Triuno para que ele possa nos enlevar. Como um escritor diz: “Na
reunião da igreja do Novo Testamento, a Jerusalém celeste desce entre nós, e ficamos
sob o mesmo teto com os anjos”.[57] Como peregrinos aguardando nossa pátria
celestial, adoramos reconhecendo com Santo Agostinho que "tu nos fizeste para ti e
inquieto está nosso coração até que venha a descansar em ti", elevando o nosso coração
ao Senhor – além de nós mesmos – na expectativa de que vamos desfrutar do céu
durante o ato de adoração.

O fluxo básico
O coração da liturgia é a Palavra e os Sacramentos, que foram as duas marcas definidas
do culto cristão desde os primeiros dias. A cerimônia da Palavra foi derivada da
sinagoga, com leituras das Escrituras, os cânticos, as orações, a confissão da fé, a
coleta para os necessitados e o sermão; enquanto o serviço da Ceia do Senhor foi
derivado do mandamento do Cenáculo por nosso Senhor, e nele se incluem a oração e o
cântico.[58] O que a Igreja também tem derivado da narrativa de Lucas 24 , quando
Jesus abriu as Escrituras e partiu o pão com os discípulos.[59] Esse padrão também é
expresso em Êxodo 24.1-11 quando Deus chama Moisés e o povo ao pé do monte, o
livro da aliança é lido, um ato de sacrifício ratifica o pacto que foi feito e uma refeição
é comida perante o Senhor,e então o povo é enviado.[60] Este padrão de entrar, ouvir,
comer e enviar é definido na Escritura, testemunhado pela Igreja antiga e seguido na
Reforma.
Este padrão básico é ilustrado em Isaías 6. Nesta bem conhecida narrativa, Isaías
primeiro se aproxima do Senhor (v. 1-7). Ele vê o Senhor em um alto trono, exaltado
em glória transcendente, e se enche de temor porque o Senhor é “santo, santo, santo”.
Isto o move a reconhecer a sua própria iniquidade. Ele não é sequer digno de
permanecer na presença do Senhor, por isso diz: “ai de mim!”. Isaías confessa os seus
pecados na expectativa de receber o perdão e o Senhor responde em graça enviando um
anjo para purgar a culpa do seu pecado. Depois de entrar e ser purificado ele ouve a
voz do Senhor (v. 8-13). O Senhor prega sua Palavra a Isaías e lhe dá a mensagem que
ele tem de falar às nações. Na experiência de Isaías, ele não celebrou a Ceia do Senhor,
ou mesmo o equivalente do Antigo Testamento, a Páscoa. Mas, em Êxodo 24 e nas
cerimônias sacrificiais do Antigo Testamento, este era o lugar onde o Senhor se
comunicava com seu povo através de uma refeição de comunhão. Depois de ouvir a
Palavra do Senhor, Isaías é enviado ao mundo como sal e luz (v. 9-13).
Uma vez que participamos nesta liturgia semanalmente ou quantas vezes a Santa
Comunhão é celebrada, ela é imperativa para que possamos entender e crer no que
estamos fazendo, como espero demonstrar neste seguinte resumo do fluxo básico de
nossa liturgia:
Entrando
A liturgia começa quando entramos na presença do nosso Deus Trino (cf. Lv 10.1-3;
Sl 73.25-28; Ef 2.13-21; Hb 4.14-16; 7.11-28; 10.19-25). Nós, que já fomos
“aproximados pelo sangue de Cristo” (Ef 2.13), agora temos “acesso em um mesmo
Espírito ao Pai” (Ef 2.18) para que “acheguemo-nos, portanto, confiadamente ao trono
de graça” (Hb 4.16).
Quando nos apresentamos a este Deus Triuno, ele fala e nos convida à sua régia e
celestial presença com a chamada para o culto. O convite à adoração é a convocação
de Deus à sua Igreja, os que foram “chamados para fora” (em grego, ekklesia), do
mundo para sua presença para participar no culto do céu. O convite à adoração
expressa o caráter não mundano da adoração. O culto é como uma língua estrangeira
que temos de aprender.[61]
Na saudação, o próprio Senhor nos acolhe à sua presença pela voz do ministro (Ap
1.4-5; 1Tm 1.2; Jd 1-2). A saudação é a promessa da graça de Deus para nós: “Deus
promete que não irá violar seu juramento, mas descerá no poder do seu Espírito para
assumir seu trono entre nós e nos livrar do mundo, da carne e do diabo”.[62]
Em resposta, de todo coração, dizemos: “Amém!”. Esta é uma palavra hebraica que
significa “Assim seja, é verdade!”. O Catecismo de Heidelberg explica o sentido,
dizendo: “Amém quer dizer: é verdadeiro e certo. Pois Deus atende à minha oração
com muito mais certeza do que o desejo que sinto, no coração, de ser ouvido por ele”
(P. 129).
Na liturgia, nosso Deus Triuno nos convida, e nos recebe no céu, mas o que temos
para oferecer em resposta? Certamente não são nossas boas obras, pois são trapos de
imundícia (Is 64.6); seguramente não nossos tesouros, pois ele é dono do gado sobre
milhares de montanhas (Sl 50.10). O que então? O Senhor nos quer, ele quer o nosso
corpo “como sacrifício vivo” (Rm 12.1). Ele quer um “sacrifício de ação de graças”
(Sl 50.14; Hb 13.15).
Para fazer isso, cantamos os antigos salmos do Antigo Testamento, uma vez que
somos o “Israel de Deus” (Gl 6.16), e louvamos a Deus com os grandes hinos da fé,
sejam antigos ou novos, a fim de nos expressarmos com cânticos sinceros ao Senhor. A
questão do que cantar no culto tem, nos últimos anos, sido falsamente distinguida entre
canções contemporâneas em oposição às tradicionais. A questão, entretanto, não é em
que data uma música foi escrita, mas o que ela diz. Conteúdo é a razão pela qual as
igrejas Reformadas dão prioridade ao cântico dos Salmos nas igrejas. Deus deu a Israel
os Salmos para que pudesse cantar seus louvores. Os Salmos são o livro de orações do
povo de Deus, que plenamente derrama ao Senhor cada desejo, emoção e batalha da
vida cristã em uma linguagem maravilhosamente poética.
À medida que nos chegamos ao nosso grande Deus e o louvamos porque ele é digno
de louvor, também somos impactados com sua majestade santa. Quando Deus nos fala
na leitura da Lei, reconhecemos que ele é “Santo, Santo, Santo”, e que nós somos
pecadores. A lei expõe quem realmente somos – “Miserável homem que sou” (Rm
7.24). Os Dez Mandamentos são as palavras tradicionalmente lidas, mas outras partes
da Escritura que refletem a perfeição que Deus requer podem ser lidas também (p.ex.:
Mt 5-7;. Gl 3.1-5, 10-12).
Depois de ler a Lei, o ministro nos exorta a nos dirigir em arrependimento sincero
ao Deus a quem “sacrifícios agradáveis são o espírito quebrantado e contrito” (Sl
51.17). Por toda a Escritura somos ordenados por Deus a confessar nossos pecados (Sl
51; 1Jo 1.9). Assim, os exemplos dos santos, tais como Isaías 6, nos ensinam que
quando nos aproximarmos de Deus devemos confessar-nos indignos. Quando fazemos
confissão, quando o ministro ora, a congregação ora em uníssono, ou canta um salmo de
penitência, essa é a nossa confissão.
Enquanto que a Lei mostra “como são grandes meus pecados e minha miséria”
(Catecismo de Heidelberg, P. 2), o Evangelho nos declara que Deus, em seu Filho,
Jesus Cristo, satisfez a Justiça por nossos pecados. Então o ministro pronuncia a boa
nova de que “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição
em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em
madeiro)” (Gl 3.13 ). Em seguida, aplica essa promessa, dizendo de fato: “a todos
vocês que se arrependeram de seus pecados e confiam em Jesus Cristo, eu vos declaro,
em nome de Cristo e pela autoridade da sua Palavra, que todos os seus pecados são
perdoados, e que vocês não estão mais sob a condenação de Deus”. A autoridade do
ministro para nos declarar perdoados vem de textos como Mateus 18.18 e 20.23, nos
quais Jesus dá aos seus representantes “as chaves do reino” (Catecismo de Heidelberg,
P. 83-85). Esta declaração é uma aplicação do ministério da Palavra, portanto, como
uma chave, ele abre as portas do reino dos céus para aqueles que creem e fecha-o para
aqueles que continuam a viver em rebelião e incredulidade.
Ouvindo
A liturgia toda é uma “cerimônia da Palavra”, mas é neste momento específico da
liturgia que paramos e refletimos sobre o que a Palavra está nos ensinando como povo
de Deus.
Muitas vezes começamos com uma oração por iluminação, pedindo a graça e o
poder do Espírito Santo para iluminar nossos olhos cegos, coração entenebrecido e
teimoso, para que possamos entender a Palavra do Senhor (Sl 119.18; Ef 1.17-18; Cl
1.9). Por que precisamos da iluminação de nossos olhos espirituais? A resposta é que,
mesmo como cristãos, o pecado obscurece nosso entendimento.
Desde o tempo da sinagoga judaica até os dias dos apóstolos, a leitura das
Escrituras como um ato de adoração pública sempre foi uma preocupação central. Na
leitura da Escritura, quer seja um texto do Antigo e um do Novo Testamento, ou apenas
de um deles, estamos fazendo o que Paulo instruiu Timóteo a fazer em público quando
da leitura da Palavra com a congregação reunida (1Tm 4.13). A promessa
veterotestamentária de Jesus Cristo em tipos e sombras. O Novo Testamento nos revela
Jesus Cristo e sua obra por nós. “Graças a Deus!”.
O sermão é a pregação da Palavra e o principal “meio de graça” para os filhos de
Deus. Isto significa que a Palavra de Deus explicada e aplicada a nós é a verdadeira
Palavra que cria e confirma a fé em nosso coração. Aqui somos como o povo de Deus
da Antiga Aliança ao pé do monte, ouvindo a voz dele. Mas, em vez de um monte
terrestre, Hebreus 12 afirma que estamos ao pé do monte Sião celestial, ouvindo as
próprias palavras de Cristo. Ouvir atentamente, então, é de extrema importância. Como
a Confissão de Fé de Westminster diz, um “ouvir consciente” da Palavra é um ato de
culto uma vez que a pregação é uma via de mão dupla. Devemos estar escutando
ativamente, envolvendo-nos com o que o ministro está dizendo e, ao mesmo tempo,
adorando a Deus pelo que ele fez por nós e agora declara-nos em sua Palavra. Como
Lutero disse: “Estou certo de que quando me dirijo ao púlpito para pregar ou
compareço para ler, a palavra não é minha, mas a minha língua é como a pena de
habilidoso escritor”.[63]
Sobre o que deveria ser a pregação? A pregação bíblica, que foi redescoberta pelos
Reformadores Protestantes, é centrada em Cristo. Paulo confirma isso em 1Coríntios
1.17–2.5, quando afirma: “Mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os
judeus, loucura para os gentios” (1.23 cf. Cl 1.28).
Comendo
Tendo nos alimentado com suas promessas preciosas de forma audível, Cristo nos
alimenta com as mesmas promessas, agora de uma forma visível, no Sacramento da
Ceia do Senhor, todas as vezes que a celebramos. Quando a Mesa da proposição foi
oferecida no deserto, o povo foi advertido de que ela não era para todos, mas uma
refeição sagrada destinada apenas à comunidade da aliança. Participar do pão e do
vinho na incredulidade é trazer para si julgamento. Por esta razão, os ministros avisam
sobre o que é chamado às vezes o “cercar da mesa”. Após este aviso, ele convida o
povo a Deus para “provar e ver que o Senhor é bom” (Sl 34.8).
As “palavras da instituição” de Paulo em 1Coríntios 11.23-26 são, então, lidas.
Estas palavras se relacionam à tradição da comunhão que o nosso Senhor instituiu antes
de sua crucificação. Elas focam nossos corações sobre o que a Ceia do Senhor
significa: Deus nos alimentando com sua graça em Cristo. Ao aplicar estas palavras, o
ministro explica brevemente para a congregação o que é a comunhão. A linguagem “em
memória” tem a ver, não simplesmente com a memória intelectual, mas com a
experiência do que Deus tem feito e continua a fazer.[64]
A oração que se segue tem sido chamada de “oração de consagração”, não porque
esperamos que o pão e o vinho possam ser transformados no corpo e sangue de Cristo,
mas para que o Espírito Santo venha sobre nós e nos eleve para nos alimentarmos de
Cristo no céu por meio da fé.
Em seguida, recitamos a Palavra como uma declaração corporativa de nossa fé
comum. Fazemos isso porque somos um corpo unido. Assim como há um só pão, assim
também há uma só Igreja (1Co 10.17). Assim, confessamos a nossa fé comum, porque
Jesus disse: “Todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o
confessarei diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10.32). Na confissão de fé nós
“oferecemos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que
confessam o seu nome” (Hb 13.15). Usamos um dos credos ecumênicos antigos(credo,
em latim, significa “eu creio”) da igreja, o Credo Apostólico ou o Credo Niceno. Estes
têm sido confessados e usados como resumos da fé por todos os seguimentos da igreja
em todos os séculos, em todo lugar. No Credo Apostólico, fazemos uma afirmação
pessoal de nossa fé, como dizemos, “creio”. No Credo Niceno, a “fé que uma vez por
todas foi entregue aos santos” (Jd 3) é expressa no corporativo, “cremos”.
As Escrituras não dão nenhuma descrição detalhada da maneira como a Ceia do
Senhor foi praticada. Mesmo assim, somos ordenados a celebrá-la. A forma como
recebemos o pão e o vinho (seja indo à frente, sentados em mesas, mantendo-se nos
bancos da igreja) é indiferente.
Minha congregação vem à frente para receber a Ceia. Fazemos isso por algumas
razões. Em primeiro lugar, a Escritura nos diz que quando Jesus instituiu a Ceia do
Senhor, ele “tomou um pão, e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos dizendo:
Tomai, comei; isto é o meu corpo (...) A seguir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o
deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos...” (Mt 26.26-27). Em segundo lugar, o
nosso Catecismo interpreta as ações de Jesus, dizendo: “tão certamente quanto recebo
das mãos do ministro e provo com a minha boca o pão e o cálice do Senhor como sinais
seguros do corpo e do sangue de Cristo, assim também ele mesmo, com o seu corpo
crucificado e o seu sangue derramado, alimenta e nutre a minha alma para a vida
eterna” (Catecismo de Heidelberg, P. 75 ). Assim como Jesus deu os elementos para os
discípulos, assim também o ministro, como representante de Cristo, os dá à
congregação. Em terceiro lugar, a Ceia do Senhor é uma verdadeira “chamada ao
altar”. Durante a maior parte de sua história, até o período moderno, os cristãos
receberam a Ceia vindo à frente de alguma maneira, seja para se sentar, se ajoelhar, ou
ficar de pé. Esta prática histórica está repleta de significado. Deus não só nos tem dado
sua Palavra, mas ele nos tem dado os sacramentos. Na Palavra pregada o Evangelho
vem da boca do ministro, mas na Palavra visível vem de sua mão. Na Palavra pregada
somos chamados a crer em Jesus Cristo, mas na Palavra visível somos chamados a sair
de nossas cadeiras e recebê-lo: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e
sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Na pregação ouvimos a Palavra, mas
nos sacramentos experimentamos com todos os nossos sentidos a graça de Cristo:
“Provai e vede que o Senhor é bom” (Sl 34.8). Na Palavra pregada Cristo promete-nos
que nossa alma está em suas mãos, e quanto mais não é isto verdade na Palavra visível,
posta perante nós pelo ministro!
Enviando
Concluímos nosso culto sendo enviados de volta ao mundo para ser sal e luz. Mais
uma vez levantamos nossas vozes em um cântico breve e triunfante de louvor ao nosso
Deus Trino, que nos chamou, reuniu-se conosco, e nos alimentou no culto. Então, Deus
nos dá a palavra final quando pronuncia a bênção sobre nós (Nm 6.24-26;. 2Co 13.14).
Compreender a liturgia como uma atividade pactual, com uma saudação no início da
cerimônia e uma bênção no final, significa que foi Deus quem nos tirou da terra do
Egito (Êx 20.2) e que estará conosco até o fim dos tempos (Mt 28.20).
Por que respondemos “Amém” tantas vezes na adoração? Simplesmente porque é a
resposta mais adequada e bíblica que podemos dar. A palavra significa “Isto é
verdade”. Nós a encontramos nos lábios do povo de Deus através da Bíblia. O Salmo
106 ordena: “e todo o povo diga: Amém!” (v. 48). Em 1Coríntios 14, quando Paulo fala
sobre as “línguas”, ele pergunta: “E, se tu bendisseres apenas em espírito, como dirá o
indouto o amém depois da tua ação de graças? Visto que não entende o que dizes” (v.
16). “Isto é verdade” é uma resposta apropriada à Palavra que temos ouvido e
experimentado durante o culto.
[52] “Liturgical Committee Report.” Acts of Synod of the Christian Reformed Church (Grand Rapids: Christian Reformed Church, 1968), p. 135-
6. Cf. M ichael Horton, “In This Issue.” Modern Reformation 5:1 (Janeiro/Fevereiro 1996): p. 2; I. John Hesselink, On Being Reformed:
Distinctive Characteristics and Common Misunderstandings (2ª ed.; Nova York: Reformed Church Press, 1988), p. 19.
[53] Para evidências históricas, vide James Hastings Nichols, Corporate Worship in the Reformed Tradition, p. 90-110.
[54] E. H. Van Olst, The Bible and Liturgy, trad. John Vriend (Grand Rapids: Eerdmans, 1991), p. 4; cf. Torrance, Worship, Community & the
Triune God of Grace, p. 9.
[55] William D. M axwell, An Outline of Christian Worship: Its Development and Forms (9ª edição, 1963; Londres: Oxford University Press,
1936), p. 3.
[56] Ibid., p. 56–57.
[57] VanDooren, The Beauty of Reformed Liturgy, p. 13.
[58] M axwell, An Outline of Christian Worship, p. 4–5.
[59] Van Olst, The Bible in Liturgy, p. 72; cf. Robert Webber, “Blended Worship,” in Exploring the Worship Spectrum, p. 182.
[60] Esta base bíblica e padrão histórico são desafiados por aqueles que têm uma hermenêutica dispensacionalista, na qual o Novo Testamento é
elevado acima do Antigo Testamento; e.g., Don Williams, “A Charismatic Worship Response,” in Exploring the Worship Spectrum, p. 206.
[61] William Willimon, Peculiar Speech: Preaching to the Baptized (Grand Rapids: Eerdmans, 1992), p. 114.
[62] Horton, A Better Way, p. 149
[63] Citado em Nichols, Corporate Worship in the Reformed Tradition, p. 31.
[64] James F. White, A Brief History of Christian Worship (Nashville: Abingdon, 1993), p. 28.
7. O CULTO REFORMADO É REVERENTE

C omo cristãos reformados, temos sido historicamente aqueles que buscam


adorar ao Deus das Escrituras de uma maneira bíblica, fazendo o que ele
manda.[65] Visto que a religião bíblica é teocêntrica e não antropocêntrica, a adoração
diz respeito ao que Deus deseja para si a fim de o glorificarmos com “a glória devida
ao seu nome” (Sl 29.2). Não se trata do que nós desejamos para a reputação de Deus (o
que inevitavelmente acaba sendo para a nossa própria glória), e isto é o que os
Reformadores chamavam de “culto de si mesmo” (Cl 2.23).
Muita tinta tem sido derramada sobre este tema ao longo dos séculos e nos últimos
anos. Um aspecto de culto, porém, que não parece ter recebido muita atenção é a atitude
no adorar. Tanta energia é gasta em provar a mecânica do culto (o que pode ou não ser
feito no culto público) que o espírito de adoração é muitas vezes perdido. Como
crentes zelosos que adoraram um “Deus zeloso” (Êx 20.5) apenas como ele ordena,
devemos procurar fazer isso com uma disposição, propósito e atitude de acordo com o
que as Escrituras ensinam. Em outras palavras, já que a Bíblia diz que no culto
entramos, nos termos designados por ele, na presença desse Deus que é “Santo, Santo,
Santo” (Is 6.3; Ap 4.8), a reverência é a única atitude coerente em tal encontro.

Culto da Antiga Aliança versus Nova?


O que acontece, porém, quando ensinamos que a adoração é uma aproximação
reverente de Deus é que nós, igrejas reformadas, estamos em desacordo com o padrão
estabelecido e com nossa cultura afirmativa e de psicologia terapêutica. Ainda mais,
esta atitude está em desacordo com várias igrejas que foram batizadas nessa mesma
filosofia cultural. Infelizmente vivemos numa época em que a igreja anda de acordo
com a cultura. Por exemplo, nossa cultura está inflada por terapia e autoajuda, mas não
no caminho da confrontação como aquela que julga. O resultado é o acobertamento da
terapia revestida de entretenimento. Isto foi transferido para a igreja por meio do culto
informal, otimista, que se assemelha mais a uma sessão de terapia do que a um encontro
com Deus. O resultado é que muitas vezes essa fusão da cultura com a igreja fez com
que os cristãos professos acreditassem que a adoração no Antigo Testamento era formal
e reverente, enquanto o culto no Novo Testamento é espontâneo e cheio de alegria. Isto
está longe da verdade.
Ainda que de forma sumária, o livro de Hebreus nos ensina que a atitude do culto
cristão do Novo Testamento deve ser ao mesmo tempo ousada e reverente. Devemos
“confiadamente aproximar-nos do trono da graça” (Hb 4.16). No entanto, essa
confiança não é arrogância. É uma confiança de que nós, com nossas fraquezas,
tentações e pecados (Hb 4.15), chegamos com ousadia porque “temos um grande sumo
sacerdote” (Hb 4.14). Nossa ousadia está em Cristo. Nossa ousadia é porque, sendo
Cristo “ouvido por causa da sua piedade” (Hb 5.7), também nós seremos ouvidos pelo
Pai. Nossa ousadia é porque, tendo Cristo “se oferecido sem mácula a Deus” (Hb
9.15), podemos agora, por isso, cultuá-lo. Hebreus, portanto, diz que a nossa atitude é
ousadia em Cristo, não a petulância dessa informalidade do “venha como você está”de
muitos cultos modernos. Em vez disso, nossa ousadia deve ser com “reverência e santo
temor, pois o nosso Deus é fogo consumidor” (Hb 12.28-29).[66] O Deus que era
adorado no Antigo Testamento como um “fogo consumidor” (Dt 4.24) é o mesmo fogo
consumidor no Novo. Essa reverência – ou “temor do Senhor”, como as Escrituras o
chamam – é um dos grandes benefícios da Nova Aliança, na qual o Senhor prometeu
habitar no coração do seu povo para seu bem (Jr 32.38 -41).
E porque a adoração diz respeito ao próprio cerne da fé cristã e da piedade,
devemos ser conduzidos apenas pelas Escrituras, e não pela cultura, no que concerne ao
que fazemos na adoração. Como igrejas reformadas, podemos facilmente cair na
armadilha de “inventar a liturgia” ou ficar tão presos ao “princípio regulador” que nos
esquecemos de como e por que devemos adorar. Isto está em contraste com a maioria
dos cultos evangélicos, nos quais a adoração é vista como verdadeiramente baseada
naquilo que nos faz sentir. Como um autor coloca, para o evangélico moderno, a
adoração é definida exclusivamente em termos da experiência do indivíduo. Adoração,
então, não se trata de adorar a Deus, mas de ser alimentado com sentimentos religiosos,
tanto assim que o adorador se tornou o objeto da adoração.[67]
Na ilha de Patmos, enquanto adorava, João, viu a importância da adoração quando a
cortina do céu foi puxada para trás.Foi mostrado a ele que o culto era em conjunto com
miríades de exércitos celestiais e dos santos diante do trono do Todo-Poderoso (cf. Ap
4–5). E assim, nossos sentimentos subjetivos, quer sobre o clima da adoração ou da
qualidade estética de adoração em uma catedral não dão ao culto seu valor. Adoração,
como a fé, é medida apenas pelo seu objeto. Quando nosso coração se deleitam em
adorar a Deus, quando nos concentramos em sua glória, sobre o que ele quer, então
teremos prazer e seremos abençoados na adoração.
Um encontro com Deus
A fim de comunicar ao mundo, e até mesmo a muitos cristãos professos, por que nossa
adoração é tão diferente em sua atitude de reverência, devemos sustentar e propagar
que a adoração é um encontro com o Deus Triuno. Não é uma questão trivial pela qual
nos reunimos. Adoração na Bíblia é um encontro entre pecadores e um Deus santo,
entre um Rei e seus súditos. Como tal, estar na presença desse Rei todo-santo é manter-
se em silêncio: “o Senhor está no seu santo templo; cale-se diante dele toda terra” (Hc
2.20). Estar na presença do único e verdadeiro Deus é pisar em “terra santa” (Êx 3.5).
O que acontece, em termos bíblicos, é que nós, como“propriedade peculiar do
Senhor dentre todos os povos”, e “reino de sacerdotes”, e “nação santa” nos reunimos
para “acampar diante do monte” (Êx 19.5-6). Estamos tendo um encontro com o
Criador do universo e o Redentor do seu povo. E nos termos do Novo Testamento, não
nos achegamos a uma montanha física, mas ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a
Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembleia e igreja
dos primogênitos arrolados nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos
justos aperfeiçoados, e a Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão
que fala coisas superiores ao que fala o próprio Abel (Hb 12.22-24).
Adoração não é um tempo para “relaxar” com Jesus, participando de um grande
evento social que visa atender nossas numerosas "carências" como se fôssemos
consumidores. Em lugar disso, é o momento em que o infinito e o todo-santo Deus do
universo condescende conosco em um encontro na graça e no poder do Espírito Santo
através dos meios de graça.
Isto se ilumina para nós pelos termos que a própria Bíblia usa. Primeiro, há o termo
hebraico 'abodah (“serviço”), que vem da mesma raiz do termo hebraico ‘ebed
(“escravo, servo”; Êx 3.12; 21.1-6; 23.25; Sl 89.3, 20; 116.16). Estas são as duas
palavras mais amplas ou gerais na bíblia hebraica para adoração, que falam de nós
como servos do grande Rei que nos achegamos para oferecer-lhe o serviço que ele
deseja e merece. No Novo Testamento temos o verbo latreuo e seu substantivo latria
(“serviço, adoração” At 7.42; 24.14; 26.7; Rm 1.9; 2.37; 9.4; 12.1; 15.16; Fl 3.3; Hb
8.5; 9.9; 10.2; Ap 7.15; 22.3).
Mais específico para o “culto” é a palavra hebraica histahawa (“prostrado”) e o
grego proskunein (“cair ao chão em adoração”). Considerando o termo hebraico ebedo
usado para “servir” ao Senhor, histahawa é usado para cultus adequado, a adoração
oferecida ao Senhor de acordo com sua Palavra (Gn 24.52, 27.29, 49.23, 2Cr 7.3,
29.29); enquanto proskunein é usada para expressar a honra dada à homens, mas de
uma forma mais peculiar é usada para se dar honra ao próprio Deus (Mt 4.9-10; 14.33;
Mc 15.19; Jo 4.21-24, At 10.25).
A palavra mais específica é o verbo grego leitourgeine seu substantivo
correspondente, leitourgia. Este termo era usado geralmente no mundo antigo para
qualquer serviço à comunidade ou ao Estado; no entanto, é a palavra específica usada
para os atos litúrgicos oficiais de culto na Septuaginta e Novo Testamento (Êx 28.35,
43; 1Sm 2.11, 18; 3.1; Lc 1.23; At 13.2; 2Co 9.12; Fl 2.30; Hb 9.21; 10.11).
Como uma comunidade de adoradores, chegamos a servir ao Senhor de joelhos (Sl
95.6). E é nessa postura que temos de “elevar” os nossos olhos para o Senhor nosso
Deus “até que ele se compadeça de nós” (Sl 123.1-2), temos de“erguer” as nossas mãos
“para o santuário” (Sl 134.2). Estas posturas são a forma de mostrarmos nossa atitude
interior de dependência total do Senhor em adoração. Curvamo-nos sabendo que não
merecemos nada; levantamos nossos olhos porque é do céu que buscamos “graça para
socorro em ocasião oportuna” (Hb 4.16); levantamos nossas mãos porque abraçamos o
Senhor e suas promessas pela fé somente.
Porque ambos os Testamentos dizem que a adoração é um encontro com Deus, e não
simplesmente um momento de comunhão, recebemos o seu serviço a nós na adoração
através dos meios de graça, a pregação do santo evangelho e a administração dos
santos sacramentos(Catecismo de Heidelberg, P. 65). Assim, como digo aos meus
paroquianos e visitantes, nossa liturgia deve causar alguma sensação de inabilidade em
nós! Se isso não acontecer, então precisamos ficar preocupados. Ainda somos
pecadores que na adoração nos aproximamos do grande Rei. No culto ele vem ao
encontro de nossas verdadeiras e mais profundas necessidades, dando-nos a terapia
espiritual que precisamos: liberdade de consciência e a garantia de perdão e
absolvição.

Uma ruptura com o mundo


Então, toda vez que chegamos para um encontro com Deus, estamos fazendo algo que é
contracultural. Como tal, o nosso serviço reverente ao Senhor é uma ruptura com a
“norma” do nosso mundo. A adoração deve ser um momento em que deixamos de lado
os nossos labores, cuidados e labutas. Quando nos reunimos, fazemo-lo com um senso
que envolve nossos pensamentos e os direciona à adoração: “levando sobre ele todas
as vossas ansiedades, porque ele tem cuidado de vós” (1Pe 5.7). Vimos para
publicamente pôr de lado nossas ansiedades, nossas preocupações e tensões, para nos
dar inteiramente a Deus, apresentando nossas vidas como um “sacrifício vivo” (Rm
12.1).
Assistimos à televisão e ouvimos o noticiário durante toda a semana, somos
bombardeados pela mídia e ensinados a ser consumidores durante toda a semana.
Precisamos que o culto seja diferente. Necessitamos dele para restaurar em nós um
sentimento de sanidade mental, uma sensação do que o mundo e a nossa vida realmente
são. Ouvimos o burburinho a todo tempo em nossa volta, nos seduzindo, chamando e
distraindo. O culto pretende quebrar essa tirania, não alimentá-la. Ouça como o
documento antigo, Constituições apostólicas, descreve o culto da igreja:
Deixe que os diáconos supervisionem o povo; que ninguém cochiche, nem durma, ria, ou acene, porque todos na
igreja deveriam se portar sábia e moderadamente e com sua atenção fixa na Palavra do Senhor (...) deixe que
alguns deles participem mediante a oblação da Eucaristia, ministrando ao corpo do Senhor com temor. Deixe que
outros assistam à multidão e a mantenha em silêncio... Depois disso deixe o sacrifício seguir, o povo em pé,
orando em silêncio e quando a oferta for oferecida, que cada grupo participe do corpo do Senhor e do sangue
precioso ordenadamente, e se acheguem com reverência e santo temor, como ao corpo de seu Rei.[68]

Esse é o culto de que precisamos. Essa é pausa que nosso coração anela por tanto
tempo, desesperadamente.
E no anseio por esse descanso de nossos labores, reconhecemos que a boa liturgia é
diferente por causa de sua reverência. Quando adoramos o Senhor em espírito de
reverência, isso cria o senso de transcendência, como se participássemos da era porvir.
Li recentemente uma pesquisa feita por George Barna, o guru do crescimento de igrejas,
sobre o tema da adoração. Ele relatou que não há na mente da maioria dos adoradores
evangélicos uma correlaçãoentre desfrutar da adoração e experimentar a presença de
Deus. Qual a razão dele para dizer isso? Quase 66% das pessoas que frequentam a
igreja regularmente dizem que nunca experimentaram a presença de Deus em um culto,
enquanto 48% relatam que não experimentaram a presença de Deus no ano passado. É
claro que não saber o que essas pessoas entendem por “presença de Deus” ou
“experiência” ou “adoração” torna isto um pouco sem sentido. No entanto, é uma janela
para o que as igrejas estão fazendo com a piedade dos cristãos.
Realmente acredito que nós, como protestantes históricos, necessitamos capturar a
atenção e a afeição de nossa cultura através da apresentação de um culto no qual as
pessoas participem de algo maior do que elas mesmas nesta cultura narcisista. O
verdadeiro culto, embora ocorra no tempo, em um lugar, e com pessoas, não está mais
vinculado a qualquer tempo, lugar ou etnia. Antes, é o desenrolar histórico do padrão
de adoração celestial. É por isso que em todas as liturgias históricas encontramos o
sursum corda (em latim, “elevo o coração”). Elevamos os nossos corações ao Senhor
porque ele habita no céu, na eternidade; por isso devemos adorá-lo aonde ele se
encontra, chegando lá através do nosso culto. É quando os nossos inimigos, o mundo, a
carne e o diabo nos cercam durante a semana que clamamos: “A ti, Senhor, elevo a
minha alma” (Sl 25.1). É quando estamos abatidos pelos caminhos do mundo que nos
achegamos para adorar a dizer: “Alegra a alma do teu servo, porque a ti, Senhor, elevo
a minha alma” (Sl 86.4). É quando parece que não há um propósito nesta vida e que não
temos nenhuma direção, que vamos ao culto público e dizemos: “Mostra-me o caminho
por onde devo andar, porque a ti elevo a minha alma” (Sl 143.8). É quando pecamos e
nos desviamos como ovelhas perdidas que oramos corporativamente em assembleia:
“Levantemos o coração, juntamente com as mãos, para Deus nos céus” (Lm 3.41).
E assim a reverência cria uma transcendência que produz mistério. E o mistério cria
a maravilha. Essa interação entre a reverência (o temor do Senhor) e a maravilha e tudo
o mais é expressa por um autor com estas palavras:
O verdadeiro culto a Deus brota da nossa incapacidade de responder a duas simples perguntas colocadas
através de uma compreensão bíblica do temor do Senhor: (1) Ó Deus, quem é como tu em justiça, poder,
poderosos feitos e no perdoar pecados (Sl 71.18-19; Mq 7.18-20)? E (2) que é a mulher e o homem para que
Deus olhe dos céus e se importe com eles e os levante para se assentarem com os príncipes (Salmos 8.4; 113.5-
8)?[69]

Muitos dos visitantes (estejam realmente buscando algo ou simplesmente passeando)


em nossas igrejas foram capturados ou cativados pelas “novas medidas”, isto é, as
inovações no culto (teatro, dança, música especial, multimídia, expressões de piedade
individual, etc.). A eles devemos apresentar a majestade e os mistérios de Deus.
Então porque estamos nos encontrando com Deus para receber seu ministério a nós,
para quebrar o padrão tirânico do mundo, e nos juntarmos ao coro escatológico, vamos
fazê-lo com “reverência e santo temor, porque o nosso Deus é fogo consumidor” (Hb
12.28-29).

Reverência na liturgia
Do início ao fim do culto reformado esta atitude de reverência é evidenciada à medida
que a congregação se reúne com uma marcante seriedade e propósito que revelam por
que as coisas são feitas da maneira com são feitas. Isto é evidenciado de várias
maneiras na adoração reformada clássica. Muitas igrejas reformadas começam o culto
com um tempo de reflexão silenciosa para meditar ao entrar na presença de Deus. Isso
causa em ambos, crentes e descrentes, um sentimento de reverência diante de Deus,
para que busquem o perdão e graça em Jesus Cristo. Como disse Moisés aos israelitas
enquanto atravessavam o
Mar, “e vós vos calareis” (Êx 14.14).
Em todas as liturgias históricas reformadas esta reverência é exercida no momento
da coletiva confissão de pecados e do recebimento da promessa do evangelho quando
da absolvição e declaração de perdão dos pecados.
No canto dos Salmos esta reverência é expressa tendo nos lábios as palavras do
Senhor, com toda a gama de emoções, especialmente os lamentos e a confiança no
Senhor.
Quando o Credo é recitado reverentemente, tomamos lugar na grande “nuvem de
testemunhas” (Hb 12.1), reconhecendo que não descobrimos a verdade da fé cristã, mas
que ela nos descobriu.
Ao ouvir a Palavra de Deus, lida e pregada, as pessoas estão fazendo isso “com o
temor de Deus” (Confissão de Fé de Westminster, XXI.5). Nos sentamos ao sopé do
monte celestial (Hb 12.22-26) para ouvir a voz do próprio Cristo.
Finalmente, esta atitude reverente culmina na recepção dos elementos que o Senhor
deu na noite em que foi traído, na Ceia do Senhor, seja sentados nas mesas, de joelhos,
ou se apresentando para receber o pão e o vinho “da mão do ministro” (Catecismo de
Heidelberg, P. 75).
[65] Vide Daniel R. Hyde, “Reformed Worship is Biblical,” The Banner of Truth 502 (Agosto/Setembro 2005), p. 12-17.
[66] Sobre este texto e a reverência do culto da Nova Aliança, vide R. Kent Hughes, “Free Church Worship: The Challenge of Freedom,” in
Worship by the Book, org. D.A. Carson (Grand Rapids: Zondervan, 2002), p. 163-6.
[67] M onte E. Wilson, “Church-O-Rama or Corporate Worship,” in The Compromised Church: The Present Evangelical Crisis, ed. John
Armstrong (Wheaton: Crossway, 1998), p. 67.
[68] Constituições apostólicas, livro 2, sec. 7, p. 57.
[69] Andrew E. Hill, Enter His Courts With Praise (Grand Rapids: Baker, 1993), p. 13-14.
VÍDEO

Estudo bíblico sobre o Culto em Êxodo 19 — Pr. Daniel Hyde


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