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Hyde
© Os Puritanos/Clire 2014
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação sem a autorização por escrito dos editores,
exceto citações em resenhas.
ISBN: 9788562828188
SUMÁRIO
Prefácio
Introdução
1. O culto reformado é bíblico
2. O culto reformado é pactual
3. O culto reformado é evangélico
4. O culto reformado é histórico
5. O culto reformado é alegre
6. O culto reformado é litúrgico
7. O culto reformado é reverente
Vídeo: Estudo Bíblico sobre o Culto
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PREFÁCIO
O culto a Deus é uma assembleia solene e uma santa convocação. Vivemos toda
a nossa vida perante o Senhor, mas em certos momentos entramos em sua
presença de uma forma especial. Era assim no Antigo Testamento quando o povo
pactual estava sempre perante o Senhor, mas tinha momentos especiais de encontro com
o Deus da aliança. Isso se chamava de assembleia solene ou santa convocação.
No Antigo Testamento o povo de Deus, o povo pactual, é chamado para cultuar. No
Salmo 50 Deus chama seu povo e o reúne para “conversar” e para mostrar que tipo de
culto seu povo deve prestar-lhe. Neste salmo Deus reclama do seu povo por fazer tudo
externamente certo, mas não se achegar a ele com o coração correto. O povo estava
tratando Deus como se tratava qualquer dos deuses pagãos e ainda esperava que ele
respondesse dando-lhe bênçãos e aquilo que desejavam. Deus fica irado com este
tratamento do seu povo. Veja como ele chama seu povo a estar em sua presença:
Vem o nosso Deus e não guarda silêncio; perante ele arde um fogo devorador, ao seu redor esbraveja grande
tormenta. Intima os céus lá em cima e a terra, para julgar o seu povo. Congregai os meus santos, os que comigo
fizeram aliança por meio de sacrifícios. Os céus anunciam a sua justiça, porque é o próprio Deus que julga.
Escuta, povo meu, e eu falarei; ó Israel, e eu testemunharei contra ti. Eu sou Deus, o teu Deus (Sl 50.4-7)
Vemos aqui que o povo de Deus é santo e pactual e que Deus tem com este povo um
encontro pactual quando o convoca e lhe diz qual o culto correto e como deseja ser
adorado. Neste contexto ele se apresenta como um fogo consumidor. Estes elementos
voltam a acontecer no Novo Testamento, quando o apóstolo explica em Hebreus 12.29 a
razão pela qual devemos cultuar de uma forma que agrada a Deus: “porque o nosso
Deus é fogo consumidor”. O povo da aliança, portanto, é chamado para cultuar a Deus
com santa reverência e temor.
Quem é este povo da aliança? Quem faz parte do povo do pacto? Deuteronômio
29.9-13 nos diz que Deus está firmando uma aliança com os líderes, os homens,
mulheres, crianças, e até com os servos, pois no Antigo Testamento o servo para todos
os efeitos era considerado como parte da família.
No Novo Testamento Deus chama seu povo, sua congregação pactual ― hakahall.
Em Hebreus 12 temos ecos do Salmo 50 e do que aconteceu no Monte Sinai em Êxodo.
O Salmo 50 tem os mesmos elementos. Deus é um fogo consumidor (v. 3) e que vem
julgar (v. 4) e falar com seu povo no âmbito pactual exigindo deles o culto que lhe é
devido. Um culto santo, agradável e aceitável aos seus olhos.
O apóstolo mostra, porém, que no Novo Testamento o caráter do culto solene se
torna ainda mais profundo e tremendo. Desde o Antigo Testamento já era necessário
obedecer e atender à santa convocação do Senhor. Quando Deus convocava seu povo
diante do Monte Sinai que fumegava, relampejava, trovejava e via-se a presença dos
anjos (At 7.53; Hb 2.2; Dt 33.2), quem ousaria dizer “não, não posso ir ao culto, pois
tenho outros compromissos? Acho que papai e mamãe irão, mas eu tenho alguma coisa
a comprar no shopping”. Que nada! Deus estava convocando seu povo e ai daquele que
não obedecesse ao seu chamado! Se naquela época era impensável se desprezar a santa
convocação, quanto mais hoje?
Um estudo bíblico não é um culto solene. Uma noite de louvor não é uma santa
convocação. Um culto solene, propriamente dito, é o momento quando Deus convoca o
seu povo para estar na sua presença. É o equivalente neotestamentário ao momento
quando no Velho Testamento o sumo sacerdote entrava além do véu no Dia da Expiação.
Temos que entender que no culto neotestamentário da Igreja de Deus, no Templo do
Espírito Santo, na Congregação do Senhor, o povo de Deus está reunido diante da
verdadeira arca, no Santo dos Santos celestial. Deus vem falar com seu povo. É um
encontro pactual entre o Deus do universo e o povo pelo qual seu Filho derramou seu
sangue. Isto é um culto! E quando Deus convoca seu povo, ai daquele que não aparecer.
Se no Velho Testamento você poderia morrer sob o testemunho de duas ou três
testemunhas por quebrar a Lei de Moisés, quanto mais aqueles que não querem ouvir a
voz de Deus hoje. Deus é um fogo consumidor ainda hoje no Novo Testamento. Ele não
mudou!
Recentemente estive conversando com um pastor que antes não conhecia as doutrinas
da graça e agora é Reformado. Este conhecimento mais profundo dos ensinamentos das
Sagradas Escrituras trouxe muitas mudanças na vida deste pastor e da igreja que
pastoreia. O conceito de culto também mudou quando eles entenderam o culto solene
como um encontro santíssimo e um diálogo pactual entre Deus e seu povo. Quando lhe
indaguei sobre a mudança mais expressiva decorrente da reforma pela qual passaram,
ele não hesitou em responder: “Pela primeira vez sentimos a santa presença de Deus em
nossos cultos de uma forma nunca experimentada antes”.
Na tentativa de reformar a Igreja brasileira nós reformados temos escrito e falado
muito sobre o Princípio Regulador do Culto que afirma que na adoração só é permitido
fazer aquilo que Deus diz, e isto é muito correto. É um princípio da Reforma que diz
que quem define os termos de como ter comunhão com Deus no culto solene é o próprio
Deus — Ele é o grande Rei que dita as normas e nós somos o rei vassalo que obedece.
Imagine um rei vassalo que foi subjugado pelo Rei vitorioso e dele recebe a lista de
suas atribuições e deveres, mas também a lista das promessas de proteção feitas por
este grande Rei. Tente imaginar aquele pequeno rei-perdedor da batalha dizendo ao
grande Rei-vencedor: “Isso deve ser assim, você deve ficar sentado aqui e eu vou subir
ali, pois quero cantar alguns cânticos para você...”. Ele nunca ousaria fazer isso, ao
contrário, chegaria com o rosto no pó e esperaria com temor e tremor aquilo que o Rei
poderoso determinaria. Aplicar este princípio sem entendimento, porém, torna-se mero
legalismo vazio que em nada edifica a Igreja. Antes de exigir este princípio e sua
aplicação, o povo precisa saber o que é um culto e entender que no culto a Igreja está
diante da presença do Santíssimo, um encontro entre Deus e seu povo, entre Jesus e sua
noiva.
Creio que este pequeno livro do Pr. Hyde nos mostrará o real sentido e importância
do culto pactual. Nos mostrará a tradição e herança cúltica deixada por nossos pais
reformados e seu valor para os nossos dias. Com santa reverência, temor e tremor,
atenda a voz de Deus convocando-o a adorá-lo, mas experimentando o que o salmista
diz: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do SENHOR”; “Celebrai com júbilo
ao Senhor, todas as terras. Servi ao SENHOR com alegria, apresentai-vos diante dele com
cântico. Sabei que o SENHOR é Deus; foi ele quem nos fez e dele somos; somos o seu
povo e rebanho do seu pastoreio” (Sl 122.1; 100.1-3).
Quando entendemos que o culto bíblico é um solene encontro com o Rei dos reis, o
Senhor dos senhores, o Nosso Pai celestial, o Amado de nossas almas, que está
assentado no trono do universo; aquele em cujo sangue obtemos perdão e, portanto,
ousadia para entrarmos na sala do próprio Deus, unimos nossa reverência e temor à
uma indizível alegria. Este é um ponto que devemos enfatizar. A alegria no culto será
cultivada e expressa somente quando as pessoas estiverem profundamente convictas
dos seus pecados e miséria. Nas palavras de Calvino citadas pelo Pr. Hyde:
Exortamos os homens a que não adorem a Deus de modo frígido e descuidado, e enquanto apontamos o modo,
não podemos perder de vista o fim, nem omitir qualquer coisa que diga respeito àquilo que apontamos.
Proclamamos a glória de Deus em termos muito mais elevados do que estávamos acostumados a proclamar
antes, e com todo vigor trabalhamos para tornar as perfeições nas quais a glória de Deus brilha mais e mais
conhecidas. Exaltamos tão eloquentemente quanto podemos seus benefícios a nós, ao tempo em que
conclamamos outros a reverenciar sua majestade, render a devida homenagem à sua grandeza, sentir a devida
gratidão por sua misericórdia, e nos unirmos em seu louvor.
Pr. Kenneth Wieske
Recife, 02 de Março de 2012
INTRODUÇÃO
“P or que o culto em uma igreja Reformada é tão diferente do culto da maioria das
outras igrejas a que tenho ido?” Não posso dizer quantas vezes ouço visitantes fazerem
essa pergunta. Tenho percebido que o que mais impressiona as pessoas a respeito de
uma igreja Reformada não é a nossa doutrina, mas o nosso culto – que parece, a
princípio, algo estranho e até mesmo frio para muitos.
Devemos explicações aos inquiridores sérios não somente sobre o que fazemos no
culto, mas quanto ao por quê. A Bíblia exige que nosso culto seja racional.[1] Os filhos
perguntavam para seus pais, quando celebravam a Páscoa, 3.500 anos atrás: “Que rito é
este?” (Êx 12.26). Conquanto a adoração ao Deus Triuno seja profundamente
transcendente e misteriosa, é necessário que seja compreensível. Isto foi o que o
apóstolo Paulo ensinou em sua primeira carta aos Coríntios, quando disse que a
pregação em línguas estranhas, comumente chamada de “línguas”, precisava ser
interpretada para edificação daquela assembleia.
Este estudo tem o propósito de apresentar as bases do culto Reformado, de tal forma
que você esteja preparado para explicar por que nós, igrejas Reformadas, temos o culto
que temos. Faremos isso examinando sete características do culto Reformado: ele é
bíblico, pactual, evangélico, histórico, alegre, litúrgico, e reverente.
[1] Para uma introdução extremamente breve aos princípios e práticas do culto Reformado escrita para não-cristãos ou recém-chegados na igreja
Reformada, ver Daniel R. Hyde, What to Expect in Reformed Worship: A Visitor ’s Guide (Eugene: Wipf & Stock, 2007).
1. O CULTO REFORMADO É BÍBLICO
C omo igrejas Reformadas, fazemos o que fazemos no culto por causa das Santas
Escrituras. Obviamente, toda igreja que crê na Bíblia hoje, diz: “Nosso culto é
bíblico!” Afinal de contas, quem quer um culto que não seja bíblico? Como cristãos
reformados, somos diligentes em glorificar nosso Deus zeloso da forma como ele nos
ordenou. Esta é a razão de dizermos que nosso culto é bíblico. Contudo, o que isso
significa? Com o que este culto se parece?
Primeiro, a Escritura descreve a Igreja como uma comunidade de fé. Porque o
Espírito Santo cria e forma a fé pela Palavra (Rm 10.17), ouça como o apóstolo Paulo,
em suas epístolas pastorais, fala da Igreja como sempre aprendendo e sempre
ensinando o seguinte: palavras da fé (1Tm 4.6), sã doutrina (1 Tm 1.10; Tt 1.9; 2.1),
ensino sadio (2Tm 4.3), sãs palavras (1Tm 6.3; 2Tm 1.13), a boa doutrina (1Tm 4.6), o
bom depósito (2Tm 1.14) o mistério da fé (1Tm 3.9) e a palavra fiel (Tt 1.9). Com o
fim de aprender essas “palavras de fé” e ter a palavra de Cristo habitando ricamente em
nós (Cl 3.16), nos reunimos em uma comunidade, como Israel fez no deserto depois de
sair do Egito. A história do livro do Êxodo mostra a igreja do Antigo Testamento
reunindo-se ao pé do Monte Sinai em adoração. Nós, como povo da Nova Aliança de
Deus, reunimo-nos em adoração e chegamos ao “monte Sião e à cidade do Deus vivo, a
Jerusalém celestial” (Hb 12.22).
Por isso, a marca do Culto Reformado é sua saturação das Escrituras. Os cultos em
Estrasburgo, Genebra, Heidelberg, e o Livro Comum de Orações na Inglaterra estão
repletos de textos das Escrituras e alusões escriturísticas. Em tempos de analfabetismo
bíblico, precisamos de um culto cheio das Escrituras, com uma linguagem escriturística
em cada aspecto, das leituras responsivas e cânticos, às orações e leituras bíblicas
propriamente ditas. Como alguém já disse: “Não teremos Jesus Cristo no centro do
nosso culto se a Palavra dele não estiver no centro”.[2] Robert Godfrey também
pergunta: “Se não estamos interessados na Palavra de Deus, poderemos estar realmente
interessados em Deus?”.[3] Portanto, em nosso culto de adoração temos de ler, pregar,
orar, cantar e ver, nos sacramentos, a Palavra.
Além do mais, necessitamos de base escriturística para o culto porque a Escritura
nos ensina a estrita ligação da Palavra com o Espírito de Deus. A Bíblia desconhece a
falsa dicotomia entre uma igreja que foca na Palavra e outra no Espírito, como se
ambos fossem mutuamente excludentes. Ao invés disso, o que aprendemos da Escritura
(Sl 33.6; Is 34.16; 59.21; 61.1; Jo 3.34, 6.63; Tg 1.18; 1Pe 1.23) é que onde a Palavra
está, ali está o Espírito.
O segundo mandamento
Onde encontramos este princípio ensinado na Palavra de Deus? Há muitos lugares
nas Escrituras, mas vamos focar em uns poucos exemplos. No primeiro mandamento, o
único e verdadeiro Deus, que nos redimiu para sermos um povo adorador, um “reino de
sacerdotes” (Êx 19.6; 1Pe 2.9), ordena que adoremos somente a ele: “Não terás outros
deuses diante de mim”. No segundo mandamento, este Deus único e verdadeiro nos diz
qual a maneira de adorá-lo, afirmando como não devemos fazê-lo: “Não farás para ti
imagens de escultura” (cf. Dt 4.15-19). Positivamente, isto nos ensina que temos de
adorar a Deus conforme sua Palavra. Vemos isso nas próprias palavras do segundo
mandamento, onde se diz que a “benignidade” do Senhor é sobre aqueles que “me
amam e guardam os meus mandamentos” (Êx 20.6). Intrinsecamente ligada à proibição
de fazer imagens do Senhor está a linguagem que ordena fazer o que o Senhor diz em
sua Palavra. Da mesma forma, o livro de Levítico expressa esse aspecto positivo
quando menciona repetidamente que o culto é “segundo o rito” (e.g.: Lv 9.16 cf. Lv
10.1; Dt 12.29-32). Portanto, todo culto que não é “segundo a Escritura” é, como Paulo
denomina, “culto de si mesmo” (Cl 2.23).
No final do décimo mandamento, esse assunto é afirmado de forma inesquecível:
“Se fizeres um altar de pedra, não o farás de pedras lavradas; pois se manejares a tua
ferramenta, profaná-lo-ás” (Êx 20.25). Se um ancião israelita imaginasse que poderia
melhorar o culto ordenado lavrando um altar mais bonito, deveria saber que uma
marquinha adicionada pela mão do homem ao mandamento de Deus significaria
completa contaminação. Quando os homens tentam melhorar o culto, eles o arruínam ao
invés de melhorá-lo.
Este mandamento é imposto sobre o povo de Deus com a injunção de que o Senhor é
um Deus “zeloso”. Essa é a linguagem do casamento. O Senhor abandonou todos os
outros pela sua noiva, Israel, e somente a ela ama e deseja. Então, chegado o culto, ele
espera e deseja que Israel responda com o mesmo zelo.
Caim e Abel
Adoração a Deus “segundo o rito” é também a essência da história de Caim e Abel
em Gênesis 4. Caim era um trabalhador do campo, “lavrador”, enquanto seu irmão Abel
estava envolvido na vida pastoril, um “pastor de ovelhas” (Gn 4.2). Caim ofereceu a
Deus uma oferta “do fruto da terra”; Abel ofereceu “das primícias do seu rebanho e de
suas gorduras” (Gn 4.3-4). Deus aceitou a oferta de Abel, mas não aceitou a de Caim
(Gn 4.4-5). Ambos ofereceram um ato de culto. Ambos pareceram “sinceros” – o que é,
para muitos hoje, o único princípio que deve nortear o culto. Contudo, a razão porque
Deus aceitou a oferta de Abel e não a de Caim foi que Abel ofereceu o que Deus
ordenou, isto é, o melhor que ele tinha. O melhor, e tão somente o melhor, é apropriado
para o culto. Caim, por sua vez, ofereceu o que pensou que funcionaria, ou, que julgou
ser o melhor. Abel ofereceu “o primogênito” do seu rebanho e “sua gordura”. Estes são
os termos usados mais tarde na lei quando Deus deu instruções sobre oferecer “o
melhor das primícias da terra” (Êx 34.26), bem como os primogênitos dos animais (Êx
34.19; Lv 27.26).
Contudo, devemos ter em mente que a simples realização do rito é sem sentido se a
fé estiver ausente. Como Hebreus 11:4 nos ensina, foi pela fé que Abel ofereceu um
sacrifício mais aceitável e foi através dela que Deus testificou ser ele justo. Pela fé,
Abel entendeu que assim como o Senhor Deus poupou a Adão e Eva pelo sacrifício de
um animal em seu lugar, cobrindo-os com sua pele (Gn 3.21), assim também ele
somente poderia ser aceito através do sacrifico de outro que deveria tomar o seu lugar
e fazer satisfação pelos seus pecados.
Nadabe e Abiú
Na bem conhecida, mas não menos temida história de Nadabe e Abiú em Levítico
10, nos lembramos de que eles “trouxeram fogo estranho perante a face do Senhor, o
que lhes não ordenara” (v.. 1). Nos versos precedentes, lemos que Arão, pai de Nadabe
e Abiú, ofereceu os primeiros sacrifícios da vida litúrgica de Israel. No caso de Arão,
“veio fogo da parte do Senhor e consumiu o sacrifício...” (Lv 9.24), mas no caso de
Nadabe e Abiú, “veio fogo da parte do Senhor e os consumiu” (Lv 10.2). Arão e seus
filhos eram sacerdotes e ofereciam sacrifícios, contudo, a razão para as diferentes
respostas foi que Arão ofereceu “como o Senhor ordenara... segundo o rito” (Lv 9.10,
16), enquanto Nadabe e Abiú “fogo estranho”, isto é, um culto não ordenado e, por isso
mesmo, proibido.
A história de Nadabe e Abiú é narrada no contexto referente ao culto ao Senhor de
acordo com sua Palavra, não segundo o próprio desejo de alguém, mesmo que sincero.
Oferecer culto não prescrito era profanar o Senhor e detratar a sua glória. Esta é a
razão porque o Senhor, através de Moisés, disse a Arão, depois que Nadabe e Abiú
foram consumidos: “Mostrarei a minha santidade naqueles que se acheguem a mim e
serei glorificado diante de todo o povo” (Lv 10.3). Por causa da santidade e glória de
Deus, Javé prescreveu não somente que Israel tinha que adorá-lo, mas também como
deveriam fazê-lo. Assim, o tabernáculo deveria ser feito “de acordo com o modelo que
te foi mostrado” (Hb 8.5 cf. Êx 25.9, 40; 26.30; 27.8; Nm 8.4; At 7.44) e os atos de
culto, os sacrifícios, deveriam ser oferecidos “segundo o rito” (Lv 5.10; 9.16).
O Novo Testamento
“Mas isso é o que o Antigo Testamento ensina”, você pode estar pensando. Contudo,
Jesus disse: “Ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os... ensinando-os a
guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.19-20). A solene exigência de
que a Igreja ensine todas as coisas que Cristo tem ordenado não seria, ao mesmo tempo,
uma solene proibição de ensinar qualquer coisa não ordenada? Se, no culto de Deus,
observamos tudo que Cristo tem ordenado, não deveríamos também escrupulosamente
evitar toda e qualquer coisa que ele não tenha ordenado? Jesus disse que os fariseus
adoravam a Deus “em vão” (Mc 7.7). Por que, então, Deus rejeitou o culto deles?
Porque, disse Jesus, “negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos
homens” (Mc 7.7-8). Eles adoravam a Deus em vão porque, em vez de agirem como
lhes era requerido, faziam conforme desejavam. Da mesma forma o apóstolo Paulo
exorta os Colossenses: “Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando
humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na
sua mente carnal” (Cl 2.18). Este era o tipo de culto oferecido, não como Deus
ordenou, mas como eles desejavam: “Tais coisas, com efeito, têm aparência de
sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia
não têm valor algum contra a sensualidade” (Cl 2.23).
Sem dúvida Jesus foi rude quanto aos nossos padrões quando disse à mulher do
poço, “Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a
salvação vem dos Judeus” (Jo 4.22). Contudo, ele apenas estava sendo verdadeiro.
“Deus é espírito”, disse ele, e “importa que os seus adoradores o adorem em espírito e
em verdade” (Jo 4:24).
O verdadeiro culto era impossível para os samaritanos porque eles adoravam a
Deus como desejavam. Eles precisavam adorar a Deus como estava ordenado para que
pudessem ser aceitos por ele. “Porque são estes que o Pai procura para seus
adoradores”, disse Jesus. “Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em
verdade” (4.23). Quando persistimos em adorar o Pai como queremos, ao invés de
fazê-lo de acordo com a vontade dele, não somos “verdadeiros adoradores”.
Em Romanos 1.21-25, o apóstolo Paulo condena todo tipo de adoração inventada
pelos homens. Ele também revela a fonte de todo culto falso. Os homens se tornaram
“vãos em suas imaginações”, diz ele. Inventaram com sua vã imaginação quais seriam
as “boas maneiras” de adorar. Adoram como desejam e não como Deus ordena. Mas
quando fazem isso, realmente estão “adorando e servindo a criatura em lugar do
Criador”, diz Paulo, e são, “por isso, indesculpáveis”. Eles estão sem desculpa, porque
não há desculpa para se apartar da regra, que diz: “não podemos adorar a Deus de
qualquer outra maneira não prescrita em sua Palavra”.
Os elementos de culto
Finalmente, nosso culto é bíblico por causa daquilo que compõe nossa liturgia. Os
“elementos de culto” são tudo aquilo que a Escritura nos ordena fazer no culto público.
Por exemplo, Atos 2.42 nos dá um esboço descritivo do culto nas primeiras
congregações cristãs. Aqui lemos que os cristãos primitivos devotavam-se à
“comunhão”, que é o vínculo de amor que existe entre os membros da igreja, como
expresso no dar esmolas. Como uma comunhão de crentes, eles também se devotavam
ao ensino dos apóstolos (a Palavra), ao partir do pão (a Ceia do Senhor, como o texto
grego diz “o pão”), e às orações. As categorias gerais de um culto aceitável são a
Palavra, os sacramentos, a oração e as ofertas. Essas categorias foram usadas por João
Calvino em seu Prefácio ao Saltério, bem como pelo Catecismo de Heidelberg, P. 103.
A categoria da Palavra inclui muitos elementos. Na prática histórica Reformada, o
culto começa com a Escritura, sejam as palavras batismais de Jesus, a la Estrasburgo
(Mt 28.19), ou o votum de Genebra: “Nosso socorro vem do Senhor que fez o céu e a
terra” (Sl 124.8). Em nossos dias, a maioria das igrejas Reformadas começa o culto
com a própria Palavra de Deus invocando seu povo à adoração num chamado
escriturístico para o culto (e.g.: Sl 95). O ministro, então, pronuncia as palavras de
saudação de Deus (e.g.: 1Tm 1.2; Ap 1.4-5). Então lê-se a Lei de Deus (Êx 20; Dt 5)
juntamente com o sumário da Lei segundo Jesus (Mt 22.37-39). Após a confissão de
pecados, as igrejas que seguem o modelo histórico Reformado têm alguma forma de
“Declaração de Perdão” (baseada em Mt 18.18; Jo 20.23) na qual um outro texto da
Escritura (e.g.: 1Jo 1.9) prometendo as boas novas é lido e aplicado para os ouvintes.
Cantam-se as palavras da Escritura nos Salmos, cânticos bíblicos, e hinos baseados na
Bíblia; confessa-se a Palavra conforme resumida no Credo dos Apóstolos ou no Credo
Niceno; ouve-se a Escritura, lida e proclamada (1Tm 4.13); ouvem-se as palavras de
instituição da Ceia do Senhor e recebem-se as palavras da Bênção (Nm 6.24-26; 2Co
13.14). Nosso culto, então, é um culto bíblico porque seu conteúdo é realmente
“segundo o rito” (Lv 9.16).
Na categoria dos sacramentos temos a administração dos dois sacramentos da Nova
Aliança, batismo e Santa Ceia, que foram dados por ordenança de Cristo (Mt 28.18-20;
Lc 22.17-20; 1Co 11.23-26), “segundo o rito”.
Seguindo a divisão de João Calvino, sob a categoria da oração estão os dois
maiores tipos de oração: orações faladas e orações cantadas. As faladas são orações
escriturísticas tais como as de intercessão (e.g.: 1Tm 2.1), confissão (e.g.: Sl 51),
iluminação (e.g.: Sl 119), e adoração (e.g.: 2Cr 6.12-42; Sl 8). As orações cantadas
ocorrem quando a congregação oferece orações em forma de cântico de Salmos, hinos e
cânticos espirituais (Ef 5.19; Cl 3.16). Os Salmos, especialmente, têm sido o hinário
inspirado do povo pactual de Deus por 3.000 anos. Durante a Reforma Protestante, uma
das mais radicais reformas que sacudiu a terra, foi feita a tradução e metrificação dos
Salmos para cântico dos leigos. Nossos antepassados insistiram nesta reforma, pois,
como Paulo ensina, através do cântico de Salmos, hinos e cânticos espirituais nos
edificamos uns aos outros (Ef 5.19; Cl3.16).
Finalmente, a prática da “caridade cristã” (Catecismo de Heidelberg, P. 103; Fp
4.10-20), que é a coleta para os que estão em necessidade, é um elemento de culto
conforme Atos 2.42. Isto pode também estar na categoria da oração, uma vez que a
oferta é um voto de ação de graças ao Senhor (Sl 116.18; 1Co 16.2).
As igrejas Reformadas fazem o que fazem no culto por causa da Bíblia. Afinal de
contas, a própria Bíblia fala do culto cristão como sendo “de acordo com o rito”, por
causa da santidade de Deus, da mesma forma como se fez no culto de Israel em Levítico
9-10:
“Por isso, recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo
agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor” (Hb 12.28-29)
[2] M ark Ashton with C. J. Davis, “Following in Cranmer’s Footsteps,” in Worship by the Book, org. D. A. Carson (Grand Rapids: Zondervan,
2002), p. 82.
[3] Robert Godfrey, Pleasing God in Our Worship, Today’s Issues, org. James M ontgomery Boice (Wheaton: Crossway Books, 1999), p. 32.
[4] Chruch Order of the United Reformed Churches in North America (URCNA), Art. 38.
2. O CULTO REFORMADO É PACTUAL
Culto pactual
A melhor, a mais bíblica classificação para a adoração seria “o culto pactual”.[8] A
razão disso é que a metaestrutura da Escritura é o pacto.[9] A palavra pacto tem
significado multifacetado, mas em termos simples, é um relacionamento formal entre
duas partes envolvendo promessas e consequências. Quando começamos a entender
esse conceito, começamos a ver que a Bíblia toda é um documento pactual.[10]
A narrativa bíblica, do Gênesis ao Apocalipse, é sobre o desdobramento do pacto
de Deus com seu povo. A Escritura revela que Deus é soberano e pactual. Quando criou
o homem, criou-o num relacionamento pactual com ele. Depois que Adão quebrou o
pacto original, Deus não abandonou o que havia feito, mas veio para salvar em
misericórdia e graça, fazendo um novo pacto – que chamamos “pacto da graça”. Este
pacto da graça, que teve início no princípio em Gênesis 3.15, continuou com Noé,
alcançou um status formal com Abraão em Gênesis 15, e se desenvolveu através da
história da redenção até seu clímax em Jesus Cristo. Então, a Igreja da Nova Aliança
em Jesus Cristo é a continuação do pacto da graça de Deus desde o princípio da
história redentiva. Vemos isso no fato de que os títulos que o Senhor deu a Israel no pé
do monte Sinal quando renovou seu pacto com eles são os mesmos que ele aplica a nós:
“Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade
exclusiva de Deus” (1Pe 2.9; Êx 19.6).
A teologia do Pacto não somente define o agir de Deus com o seu povo através da
história e une toda a Bíblia como o desdobramento de um único plano redentivo de
Deus, mas também dita nossa piedade, isto é, nossa resposta a Deus. Porque o pacto é
entre duas partes, sua estrutura também dirige nosso culto. Assim, o culto pactual é um
diálogo entre Deus e o seu povo.[11] Isto significa que Deus fala conosco e nós lhe
respondemos. Deus nos diz: “Eu serei o seu Deus” e nós respondemos: “Nós seremos o
seu povo”. Deus nos chama à adoração e respondemos em cântico. Deus nos fala a sua
Lei, nós lhe respondemos com a confissão dos nossos pecados. Ele nos absolve dos
nossos pecados, nós respondemos em oração. Ele nos fala pela Palavra e nos
sacramentos, nós respondemos com dádivas de gratidão e doxologia. Isto é o que
realmente significa dizer que o nosso culto é pactual.
Não podemos separar a substância da forma do culto, tanto quanto não podemos
separar a teologia de seus resultados em nossa vida diária. Dessa forma, expressamos o
louvor que temos para com Deus em nossos corações, em palavras e atos (Sl 29.1-2;
96.8; 99.9; 148.12,13; Ml 1.11).
A forma como cultuamos a Deus é um reflexo daquilo que cremos sobre Deus: “Para
que um culto apropriado floresça, as pessoas precisam trazer no coração uma
concepção apropriada de Deus”.[13] Como outro escritor disse: “O caminho mais curto
para um culto mais rico e mais profundo é uma teologia mais clara”.[14] Liturgia é
teologia na prática. Como os cristãos de há muito têm dito, lex orandi, lex credendi,
isto é, a lei da oração é a lei da fé. Em sua controvérsia com os pelagianos, Próspero,
um discípulo do grande Agostinho de Hipona, usou uma frase semelhante em sua
resposta. Para mostrar a soberana graça de Deus na salvação ele apelou às orações da
liturgia.[15] Esta é a razão por que “é impossível alterar a forma (prática de culto) sem
alterar o conteúdo (convicção teológica)”.[16] Mais ainda, a forma como adoramos
determina, na verdade, a quem adoramos.
As igrejas modernas de hoje seguem este princípio de adoração e louvor com
bandas, corinhos repetitivos, iluminação, etc. Quando adoramos numa igreja moderna,
nos associamos à sua teologia. Já se indagou por que a maioria das igrejas hoje começa
seu culto com 20 a 30 minutos de cânticos? Muitos nem mesmo fazem essa pergunta. O
tempo gasto com cânticos antes do sermão (atualmente chamado de “mensagem”) teve
início nos avivamentos do século 19 nos Estados Unidos. Este longo período de tempo
em que se passava cantando e cujos cânticos tinham forte ênfase na experiência
individual e nas emoções a respeito de Deus tinha o propósito de “amolecer os
corações” da congregação para o sermão e a subsequente “chamada ao altar” para a
decisão de aceitar a Jesus (substitutos para o sacramento da Ceia do Senhor).[17] O
grande reavivalista Billy Sunday fala disso em sua biografia autorizada dizendo:
Com músicas variadas, a introdução de cada culto durava de trinta minutos a uma hora. Quando o evangelista
estava pronto para pregar, a multidão já havia sido trabalhada num clima de fervor que a deixava receptiva à sua
mensagem.[18]
A razão por que as igrejas começaram a usar esse formato foi porque ele se
encaixava com sua teologia. Muitas igrejas deixaram a doutrina protestante histórica
pela pelagiana e semi-pelagiana/arminiana a respeito da natureza do pecado e da graça.
Quando você cultua dessa maneira está se unindo a uma teologia que diz que as pessoas
são basicamente boas ou, no máximo, apenas doentes; que podem chegar a Deus sem a
graça ou em cooperação com ela para agarrar a salvação. O historiador Reformado W.
Robert Godfrey relata:
Enquanto tradicionalmente a música era uma parte importante do diálogo entre Deus e seu povo, para muitos ela
tem se tornado o coração do culto, a ponto de se encarar aquele “período de louvor” como uma parte distinta do
culto. Para alguns, a música parece ter se tornado um novo sacramento mediando a presença e a experiência
com Deus, estabelecendo um elo de ligação entre Deus e o adorador. Com os olhos fechados e as mãos
levantadas para o ar, repetem-se frases que se tornam mantras cristãs.[19]
Isto é evidenciado nas palavras de Joe Horness, diretor de música da Igreja Willow
Creek Community, que diz: “No coração do movimento do culto contemporâneo está o
anseio de se conectar com Deus. Para esse fim, usamos a música que melhor nos ajude
a falar nossa linguagem”.[20]
O que isso significa para nós em termos do nosso culto é que, por causa dos nossos
pecados e depravação, mesmo como crentes, é Deus quem precisa nos chamar
graciosamente à adoração. À parte do seu Santo Espírito, doador de vida, nunca
conseguiremos. Sendo assim, o culto Reformado reflete o ensino bíblico acerca de
nossa horrível cegueira em pecado, e acerca do Deus que é soberano e condescende
conosco em graça.
Por ser o culto um diálogo entre Deus e nós, e não nossa oferta de louvor ou o
esforço do nosso livre arbítrio, nosso culto não segue a estrutura do reavivamento do
século 19 descrito acima. Ao contrário, seguimos o modelo bíblico de chamada e
resposta: Deus fala na chamada à adoração, na saudação, na Lei, na absolvição, na
leitura e pregação da Palavra, na Ceia do Senhor e na bênção, enquanto nós
respondemos nos cânticos, orações e ofertas. Em termos bíblicos, o culto é uma
cerimônia na qual Deus renova suas promessas pactuais conosco e nós respondemos a
ele com fé e louvor. Deus fez um pacto de graça conosco em Jesus Cristo e ele renova
esse pacto cada semana na Palavra e nos sacramentos.
Se você não concorda com esse modelo, então pergunte a Caim como as coisas são.
Caim pensou que sua própria maneira de cultuar agradava a Deus porque estava
fazendo com sinceridade e “de coração” (Gn 4; Hb 11.4; Jd 11). Pergunte a Saul se ele
acha que essa é uma noção bíblica (1Sm 13), ou a Nadabe e Abiú (Lv 10.1-11), ou ao
zeloso e sincero Uzá (2Sm 6), ou aos seus antepassados ao pé do Monte Sinai (Êx 32),
ou a Ananias e Safira (At 5) ou aos coríntios (1Co 11).
Contudo, parece que é o espírito deste século, e não o Espírito que inspirou as
Escrituras quem guia as igrejas de nossos dias. Nossa democrática e terapêutica cultura
fomenta de tal modo a religião evangélica moderna que a preferência quanto ao estilo
de culto é o que determina se uma igreja agrada ou não aos adoradores. Se você não
acredita em mim, então peça a um amigo para dizer por que ele frequenta a igreja a que
está indo. Será que ele irá dizer que é porque a pregação é cristocêntrica, que mostra o
nosso pecado à luz da Lei e que o único conforto do cristão está no Evangelho? Você
vai ouvi-lo citar a participação semanal no sacramento da Ceia do Senhor? Ou referir-
se à piedosa disciplina que assegura a pureza da Igreja de Cristo? Como mencionei
acima, o que ele irá dizer é: “ela tem o estilo de culto e a música que eu quero”. E por
quê? Ouvimos de 92% dos adultos que se dizem “nascidos de novo” que o culto em
suas igrejas é“inspirador”; 90% que dizem que é “revigorante”; 86% dizem ser o culto
“cheio do Espírito”.[21]
Concernente ao segundo mandamento, Paulo diz que somos imagem de Deus (At
17.22-31), e temos de “adorá-lo em espírito e verdade” (Jo 4.23-24).
Há muitas razões para louvar a Deus. Por exemplo, na obra magna do apóstolo
Paulo, a epístola aos Romanos, ele desenvolve sua defesa da fé cristã proclamando que
toda a humanidade está condenada em Adão: “Não há um justo, nem um sequer; não há
quem entenda; não há quem busque a Deus (...) não há quem faça o bem, nem um
sequer”(Rm 3.10-11). “Mas Deus”, ele exclama, “prova o seu próprio amor para
conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8).
Pela fé somente, Deus nos justificou, “agora, pois, já nenhuma condenação há para os
que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). Não fosse isso suficiente para estimular seu
coração e mente ao louvor, Paulo continua nos capítulos 8-11 para dizer o seguinte:
Deus realmente nos amou antes da fundação do mundo (8.29); ele nos escolheu segundo a sua própria
misericórdia (9.6); ele envia pregadores para reunir os filhos que amou eternamente (10.14-17); ele enxertou os
gentios, ramos de oliveira brava, na árvore da aliança (11.17).
Diante desses maravilhosos benefícios do nosso Senhor e esposo, Paulo responde
como pecador redimido e membro da noiva de Cristo, a Igreja:
Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus
juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu
conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e
para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! (Rm 11.33-36).
Essa é a doxologia da Igreja, essa é a nossa doxologia, essa é a sua doxologia! Cante
seus louvores, Igreja, pois “grandes coisas fez o SENHOR por nós; por isso, estamos
alegres” (Sl 126.3).
[5] Joe Horness, “Contemporary M usic-Driven Worship,” p. 106–7.
[6] Leonard R. Payton descreve o culto “contemporâneo” como uma “tradição alternativa”. Reforming Our Worship Music, Today’s Issues, org.
James M ontgomery Boice (Wheaton: Crossway Books, 1999), p. 12. Harold M . Best diz: “já existe ampla evidência que sugere que o ´culto
contemporâneo’ está estabelecido com reconhecida previsibilidade após somente vinte ou trinta anos de existência no cenário norte-americano”.
“Traditional Hymn-Based Worship,” in Exploring the Worship Spectrum: 6 Views, p. 60.
[7] Um exemplo é Paul F. M . Zahl, que fala da música na Europa ocidental e na tradição inglesa como sendo preferível a todas as outras formas de
música litúrgica. “Formal-Liturgical Worship,” in Exploring the Worship Spectrum: 6 Views, p. 29–30.
[8] G. VanDooren, The Beauty of Reformed Liturgy (Winnipeg: Premier Publishing, 1980), p. 15.
[9] Brevard Childs, Biblical Theology of the Old and New Testaments, p. 419; George E. M endenhall and Gary A. Herion, “Covenant,” in The
Anchor Bible Dictionary (Nova York: Doubleday, 1992), I:1179.
[10] Vide M eredith G. Kline, The Structure of Biblical Authority (Eugene: Wipf & Stock, 1997), especialmente o capítulo 2, “Covenantal Bible.”
[11] “...a fé bíblia é dialógica de uma forma aberta e irrestrita”. Walter Brueggemann, “From Hurt to Joy, From Death to Life,” in The Psalms and
the Life of Faith, p. 68.
[12] M ichael S. Horton, “Is Style Neutral?”, p. 8.
[13] Joe Horness, “A Contemporary Worship Response,” in Exploring the Worship Spectrum: 6 Views, org. Paul E. Engle e Paul A. Basden
(Grand Rapids: Zondervan, 2004), p. 201; cf. Torrance, Worship, Community & the Triune God of Grace, p. 10; M ichael Horton, “Is Style
Neutral?” Modern Reformation 5:1 (Jan/Fev 1996), p. 5-10.
[14] “Worship,” in New Dictionary of Theology, org. Sinclair B. Ferguson and David F. Wright (Downers Grove: IVP, 1988), p. 730.
[15] Peter Toon, Knowing God Through the Liturgy (Largo, Flórida: The Prayer Book Society Publishing Company, 1992), p. 104:5.
[16] D. G. Hart and John R. M uether, With Reverence and Awe: Returning to the Basics of Reformed Worship (Phillipsburg: P&R, 2002), p. 16.
[17] R. Kent Hughes, “Free Church Worship: The Challenge of Freedom,” p. 147–8.
[18] William T. Ellis, “Billy” Sunday (1914).
[19] W. Robert Godfrey, “The Reformation of Worship,” in Here We Stand!: A Call From Confessing Evangelicals, org. James M ontgomery
Boice e Benjamin E. Sasse (Grand Rapids: Baker, 1996), p. 162.
[20] Joe Horness, “Contemporary M usic-Driven Worship,” in Exploring the Worship Spectrum, p. 109.
[21] Barna, http://www.barna.org/cgi-bin/PageCategory.asp?CategoryID=40.
[22] M ichael Horton, A Better Way: Rediscovering the Drama of God-Centered Worship (Grand Rapids: Baker, 2002), p. 19-30.
[23] Jeffrey J. M yers, The Lord’s Service: The Grace of Covenant Renewal Worship (M oscow, ID: Canon Press, 2003), p. 56.
[24] Gordon J. Wenham, The Book of Leviticus, New International Commentary on the Old Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1979), p. 66;
R. K. Harrison, Leviticus: An Introduction and Commentary (Downers Grove: IVP, 1980), p. 106-7.
[25] João Calvino, Institutas da Religião Cristã, 2.8.16.
3. O CULTO REFORMADO É EVANGÉLICO
J esus mudou tudo. Sua vinda virou o mundo de cabeça para baixo: o pobre se
tornou rico, ao cego foi dada visão, ao coxo a capacidade de andar, ao mudo a
capacidade de cantar, o proscrito foi bem acolhido, o cansado recebeu descanso. Por
causa do que ele realizou em sua obediência ativa e passiva, agora temos livre acesso à
própria presença de Deus (Ef 2.11-22; Hb 10.19-22). O culto reformado, então, é
resultado direto do Evangelho.
Hebreus 10.19-22 expressa de forma maravilhosa esta verdade. Apos dez capítulos
detalhando como Jesus “é o Salvador prometido aos pais no Antigo Testamento”,[26] o
autor aplica essa realidade à sua audiência com um culminante “pois”. A aplicação é
que nós que cremos em Jesus temos “intrepidez para entrar no Santo dos Santos” (v..
19). Diferente do povo do Antigo Testamento que ficava de pé longe do Monte Sinai
(Êx 20:18) e do sumo sacerdote, o único que podia entrar no Santo dos Santos uma vez
ao ano – não sem grande tremor –, nós temos confiança. Esta é a razão porque ele nos
exorta com as palavras “aproximemo-nos” (v.. 22). De onde vem esta intrepidez de
entrar na presença de Deus? Vem de Cristo, o Evangelho em cores vivas. Entramos
“pelo”, isto é, “por causa do” sangue de Jesus” (v.. 19). Esta é uma forma simples e
abreviada de descrever tudo o que implicou o seu sacrifício. Além do mais, o texto
explica o que seu sangue fez quando diz que entramos “pelo novo e vivo caminho” (v..
20). De fato, o corpo de Jesus é a cortina para o Santo dos Santos. Quando vamos a
Jesus com fé, é como se ele abrisse a cortina e nos permitisse entrar além do véu. O
autor de Hebreus ainda acrescenta outra verdade: temos “grande sacerdote sobre a casa
de Deus” (v.. 21). O Salvador crucificado também foi ressuscitado e glorificado à
direita de Deus. Ele agora reina como nosso grande rei-sacerdote sobre o tabernáculo
de Deus, a Igreja.
O que é tão maravilhoso é que a perfeita adoração de Jesus em sua obediência ativa
e passiva é a base para o nosso culto. Como James Torrance diz de Jesus como
sacerdote:
Jesus vem para ser o sacerdote da criação e fazer por nós, homens e mulheres, o que falhamos em fazer; vem
para oferecer ao Pai o culto e o louvor que falhamos em oferecer; para glorificar a Deus através de uma vida
perfeita de amor e obediência; para ser o único verdadeiro servo do Senhor.[27]
De fato, sua adoração foi uma recapitulação do culto de Israel. A diferença é que
Jesus ofereceu seu culto “segundo o rito” e com plena devoção.[28] Nossa aproximação
com confiança está firmemente enraizada na obediência ativa de nosso Senhor em nosso
lugar, fazendo tudo aquilo que não pudemos fazer por natureza, isto é, obedecer à Lei
perfeitamente. Por ter Jesus adorado perfeitamente, somos capazes de, humildemente,
nos aproximar. A razão é aquilo que os Reformadores chamavam de “a maravilhosa
troca” – Cristo toma nossas vidas arruinadas e orações indignas, as santifica, as oferece
sem mancha ou ruga ao Pai, e no-las devolve para que possamos nos gloriar nele em
ações de graça. Ele toma nossas orações defeituosas e faz delas suas, e faz que as
orações dele sejam nossas orações.[29]
Podemos captar bem essa ideia no sinal visível do batismo. No verso 22 de Hebreus
10, o autor diz que passamos a ter “o coração purificado de má consciência e lavado o
corpo com água pura”. Esta é a linguagem do batismo, na qual a “água pura”, o sinal
externo, é a segurança de que nossos corações foram purificados dos pecados. Esta é a
razão porque muitas igrejas históricas começam seu culto com as palavras de Mateus
28.19: “Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Nós nos achegamos como
um povo batizado para lembrar que nos tornamos a casa de Deus.
Você ouviu isso? Um dia virá em que os inimigos do Senhor, Egito e Assíria, aqueles
que fizeram dos israelitas seus cativos em terra estranha, trarão sacrifícios e orações ao
altar do Senhor! Um dia chegaria no qual os que estavam longe viriam para perto (Ef
2.13) e todos cantariam na língua de Sião como um povo do Senhor. Como o profeta
Sofonias disse: “Então, darei lábios puros aos povos, para que todos invoquem o nome
do Senhor e o sirvam de comum acordo” (Sf 3.9). A Igreja, sendo Igreja, seria o meio
de salvação do Senhor nos últimos dias. E seria a Igreja, inspirada pelos meios que
Deus proveu, o atrativo. Mas, quando se torna como o mundo, adaptando-se à
mensagem e aos métodos do mundo, a Igreja perde seu poder.[33] Temos de lembrar que
a Igreja é a antítese do mundo; é exatamente quando esta linha divisória torna-se tênue
que a igreja torna-se mundana.[34]
Finalmente, o profeta Zacarias previu este dia quando disse:
Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Ainda sucederá que virão povos e habitantes de muitas cidades; e os
habitantes de uma cidade irão à outra, dizendo: Vamos depressa suplicar o favor do Senhor e buscar ao Senhor
dos Exércitos; eu também irei. Assim diz o Senhor dos Exércitos: naquele dia sucederá que pegarão dez homens,
de todas as línguas das nações, pegarão, sim, na orla da veste de um judeu e lhe dirão: Iremos convosco, porque
temos ouvido que Deus está convosco (Zc 8.20-21, 23).
O que todas essas palavras proféticas têm em comum? Que nos últimos dias, os dias
que começam com a vinda do nosso Senhor, os gentios não só seriam convertidos, mas
se ajuntariam ao povo de Deus na adoração, aproximando-se do templo e dos
sacrifícios e ofertas de louvor e ação de graças. E o meio pelo qual viriam ao Senhor
seria através do próprio culto ao Senhor. O evangelismo estaria unido firmemente à
adoração corporativa. Eis por que Hart e Muether disseram:
Adoração é um ato subversivo e contracultural de um povo estrangeiro que, abandonando o mundo, ouviu a voz
de seu mestre dizendo: “siga-me” (...) Quando se reúne para adoração, a igreja em nada se parece com o
mundo (...) ela deve rejeitar a alegação de que a adoração é ultrapassada, irrelevante e isolada do “mundo real”.
Para os crentes, a igreja em adoração é o mundo real. A reunião dos santos no santo dos santos é a antecipação
escatológica do novo céu e nova terra, a realidade para a qual toda a história está se dirigindo.[35]
Os cânticos do templo
Porém, longe de ser apenas uma teoria muito distante ou, por assim dizer, apenas
uma profecia sem importância imediata para o adorador comum no banco da igreja,
essa visão dos gentios juntando-se aos judeus na adoração era uma parte da devoção,
orações e canções corporativas do povo na adoração. Os judeus não só ouviam essa
verdade, eles a cantavam e ansiavam por seu cumprimento. Geerhardus Vos expressou
este fato quando disse:
A mente do salmista não está satisfeita em manter a ideia a distância da contemplação objetiva, ele a traduz em
um ansioso desejo de testemunhar seu cumprimento. Assim, um verdadeiro impulso missionário nasce de uma
visão escatológica do Senhor e de seu reino.[36]
Dois extremos
Esta é a imagem bíblica do culto evangelístico, a qual nos esclarece duas visões
problemáticas da adoração em nossos dias. Por um lado, há a abordagem sensitiva na
qual o culto é visto como evangelismo. Assim, tudo é calculado para fazer o incrédulo
sentir-se confortável. Cultos com conjunto de canções de louvor com ritmo de rock ou
nos quais se cantam canções de rock moderno porque são familiares, a “pregação”
focada em como viver uma vida bem sucedida, e todos os tipos de atividades para que
as crianças fiquem na igreja. No entanto, esta visão de adoração não edifica os santos,
que estão lá simplesmente para trazer os incrédulos.
Podemos não ser tão afetados por essa visão, mas somos pela segunda. Nas igrejas
reformadas, tendemos a tratar a adoração como edificação e instrução dos santos.
Pensamos que ela é só para a comunidade da aliança e assim vemos o nosso culto como
se somente os crentes estivessem lá. O que acontece com este entendimento é que o
perdido no meio de nós fica entediado e não entende o que está acontecendo.
O que devemos fazer em nossa adoração para, ao mesmo tempo, instruir o crente e
conduzir o incrédulo a Cristo? Como disse Timothy Keller, pastor da Redeemer
Presbyterian Church, em Nova York, em resumo, se o culto de domingo visa em
primeiro lugar o evangelismo, aborrecerá os santos. Se visa principalmente a instrução,
confundirá os incrédulos. Mas se visa louvar o Deus que salva pela graça, isso vai
instruir os de dentro e desafiar os de fora. A boa adoração corporativa será
naturalmente evangelística.[40]
[26] “Celebration of the Lord’s Supper: Form Number 2,” in Psalter Hymnal (Grand Rapids: Christian Reformed Church, 1976), p. 151.
[27] Torrance, Worship, Community & the Triune God of Grace, p. 14.
[28] Ibid., p. 16.
[29] Ibid., p. 15; cf. João Calvino, Institutas da Religião Cristã, 4.17.2.
[30] M ark Ashton com C. J. Davis, “Following in Cranmer’s Footsteps,” in Worship by the Book, p. 82.
[31] Ibid., p. 71
[32] João Calvino, The Necessity of Reforming the Church (Audubon, NJ: Old Paths Publications, 1994), p. 4.
[33] J. Gresham M achen, God Transcendent, org. Ned Bernard Stonehouse (Edimburgo: Banner of Truth, 1982), p. 104.
[34] R. B. Kuiper, The Glorious Body of Christ (Grand Rapids: Eerdmans, 1958), p. 253
[35] Hart and M uether, With Reverence and Awe, p. 34.
[36] Geerhardus Vos, The Pauline Eschatology (1930; Phillipsburg: P&R, reimpresso em 1994), p. 347.
[37] “Declare His Glory Among the Nations,” mensagem a Urbana, 1976, como citada em http://www.urbana.org/_articles.cfm?RecordId=879.
[38] Edmund Clowney, “Kingdom Evangelism,” in The Pastor-Evangelist, org. Roger S. Greenway (Phillipsburg: P&R, 1985), p. 23.
[39] Ibid., p. 23.
[40] Timothy J. Keller, “Reformed Worship in the Global City,” in Worship by the Book, p. 219.
4. O CULTO REFORMADO É HISTÓRICO
Catolicidade
Como cristãos, somos membros da verdadeira igreja católica e universal. Quando
adoramos de uma forma que nos coloca em continuidade com o passado, enfatizamos
essa catolicidade. Como um escritor disse,
A importância da corporatividade do culto também é enfatizada pela doutrina da igreja universal, o corpo de
Cristo, composto de todos os crentes do passado, presente e futuro. Não foi nossa ação, mas a de Cristo que
primeiro constituiu a igreja, e uma vez sendo ela o seu corpo, respondendo sua iniciativa na adoração, o sentido
do universal e corporativo é sempre necessário, para que a adoração seja autenticamente cristã. Por ser isso
verdade, as formas tradicionais de liturgia da igreja têm grande valor quando, pelos adoradores, são
adequadamente utilizadas e compreendidas por aquilo que são.[42]
O que isso nos ensina é que o propósito de nos reunirmos para o culto é a
celebração da Ceia do Senhor. Nesta afirmação, a Didaquê segue o apóstolo Paulo que
em 1Coríntios diz que a igreja se reunirá para partir o pão. Também aprendemos que a
igreja deveria confessar seus pecados diante da Eucaristia, sendo ela sacrifício de
louvor, razão porque se citam as palavras de Malaquias.
Em suas instruções sobre “a ação de graças Eucarística” (9.1) há três orações
instituídas. Primeiro, há a oração sobre o cálice de vinho:
Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da santa vinha do teu servo Davi, que nos revelaste através do teu
servo Jesus. A ti, glória para sempre (9.2).
Justino Mártir
A mais elaborada descrição existente do culto da igreja primitiva vem do testemunho
de Justino Mártir. Justino foi convertido ao cristianismo na metade do segundo século.
No ano 155 d.C. ele escreveu sua Primeira Apologia, pretendendo mostrar ao César de
Roma da época,Tito, a verdadeira natureza do cristianismo.
Nos capítulos 65-67, Justino descreve o que acontecia quando os crentes se reuniam
para o culto. No capítulo 65, ele transita de sua descrição da cerimônia de batismo
(cap. 61) para a celebração da Eucaristia. Ele primeiro dá uma descrição geral do que
acontecia quando um cristão recém-batizado entrava na assembleia de adoração,
dizendo:
De nossa parte, depois que assim foi lavado aquele que creu e aderiu a nós, nós o levamos aos que se chamam
irmãos, no lugar em que estão reunidos, a fim de elevar fervorosamente orações em comum por nós mesmos,
por aquele que acaba de ser iluminado [batizado] e por todos os outros espalhados pelo mundo inteiro, suplicando
que se nos conceda, já que conhecemos a verdade, ser encontrados por nossas obras como homens de boa
conduta e observantes do que nos mandaram, a fim de que possamos ser salvos com uma salvação eterna.
Justino, então, descreve o culto da Eucaristia (mais tarde ele descreverá o culto da
Palavra):
Terminadas as orações, nos damos mutuamente o ósculo da paz. Depois àquele que preside aos irmãos é
oferecido pão e uma vasilha com água e vinho; pegando-os, ele louva e glorifica ao Pai do universo através do
nome de seu Filho e do Espírito Santo, e pronuncia uma longa ação de graças, por ter-nos concedido esses dons
que dele provêm. Quando o presidente termina as orações e a ação de graças, todo o povo presente aclama,
dizendo: “Amém”. Amém, em hebraico, significa “assim seja”. Depois que o presidente deu ação de graças e
todo o povo aclamou, os que entre nós se chamam ministros ou diáconos dão a cada um dos presentes parte do
pão, do vinho e da água sobre os quais se pronunciou a ação de graças e os levam aos ausentes.
O capítulo 66 explica que ninguém poderia comer da eucaristia “a não ser que creia
serem verdadeiros nossos ensinamentos e tenha se lavado no banho que traz a remissão
dos pecados e a regeneração e viva conforme o que Cristo nos ensinou”. A razão é que
a Eucaristia não é pão comum ou bebida ordinária, mas com “o alimento sobre o qual
foi dita a ação de graças... por transmutação, se nutrem nosso sangue e nossa carne”.
Chegando ao capítulo 67, Justino volta ao que disse no capítulo 65 para completar o
resto do culto de adoração e o culto da Palavra, que precede a Eucaristia:
No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se
leem, enquanto o tempo o permite, as Memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas. Quando o leitor
termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos esses belos exemplos. Em seguida, levantamo-
nos todos juntos e elevamos nossas preces. Depois de terminadas, como já dissemos, oferece-se pão, vinho e
água, e o presidente, conforme suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças e todo o
povo exclama, dizendo: “Amém”. Vem depois a distribuição e participação feita a cada um dos alimentos
consagrados pela ação de graças e seu envio aos ausentes pelos diáconos. Os que possuem alguma coisa e
queiram, cada um conforme sua livre vontade, dão o que bem lhes parece, e o que foi recolhido se entrega ao
presidente. Ele o distribui a órfãos e viúvas, aos que por necessidade ou outra causa estão necessitados, aos que
estão nas prisões, aos forasteiros de passagem, numa palavra, ele se torna o provedor de todos os que se
encontram em necessidade. Celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus,
transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso salvador,
ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que o crucificaram um dia antes do dia de Saturno e no dia seguinte
ao de Saturno, que é o dia do Sol, ele apareceu a seus apóstolos e discípulos, e nos ensinou essas mesmas
doutrinas que estamos expondo para vosso exame.
Na descrição de Justino sobre o culto notamos o quão simples ele era. Da mesma
forma, seu foco é a Palavra de Deus e o sacramento da Santa Ceia. Seguindo esse
modelo básico, os Reformadores despojaram o culto existente em seus dias, a missa
medieval, de toda a sua idolatria e conteúdo extrabíblico. Fazendo assim, eles não
reinventaram a roda.
Clemente de Roma (aprox. 80-140)
Uma completa descrição da oração que Justino menciona entre o sermão e o
sacramento, que frequentemente é chamada de “oração pastoral”, mas que é também
conhecida por oração de intercessão, aparece na Primeira Epístola aos Coríntios de
Clemente de Roma. Nela, Clemente abre sua oração dizendo:
Pediremos em súplica e oração constante para que o Criador de tudo conserve intacto o número dos que foram
contados entre seus escolhidos em todo o mundo, por seu Filho mui amado, Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual
nos chamou das trevas para a luz, da ignorância para o conhecimento da glória de seu nome” (59.2).
Quem faz a oração, então, intercede pela santificação dos santos da igreja (59.3),
pelos aflitos (59.3, 4), pela salvação de todos os homens (59.4), pelo perdão dos
pecados (60.1,2 cf. Didaquê), pelo livramento dos inimigos (60.3), pelos governantes
(60.4, 61.1, 2), finalizando com uma doxologia (61.3), então fecha com mais
intercessão pela santificação dos santos que se encerra com uma grande doxologia:
“Pelo nosso Sumo Sacerdote e Guardião Jesus Cristo, por quem e para quem seja a
glória e majestade, poder e honra, agora e para sempre e sempre. Amém”(64.1).
Tertuliano (aprox. 197)
O professor norte-africano, Tertuliano de Cartago, também escreveu uma descrição
do culto cristão no capítulo 39 de sua Apologia. O que é tão instrutivo é a similaridade
nas descrições de culto entre o que Tertuliano escreveu em Cartago, no Norte da África,
e o que Justino escreveu em Roma. Além do mais, suas descrições da liturgia cristã na
última metade do segundo século enfatizam os quatro elementos base do culto de Atos
2.42, mencionados em tópicos anteriores: a Palavra, a Ceia do Senhor, oração, e oferta.
Tertuliano começa sua descrição com o elemento da oração, mencionando que a
oração é feita em favor das autoridades, do mundo, e pelo atraso da Segunda Vinda,
dizendo:
Reunimo-nos como uma assembleia e congregação que, oferecendo suas orações a Deus como uma força
unida, pode lutar com ele em súplica. Desse tipo de violência Deus se deleita. Oramos, também, pelos
imperadores, por seus ministros e por todos que estão em autoridade, pelo bem-estar do mundo, para que a paz
prevaleça e pelo atraso da consumação final.
Ele então passa a descrever o elemento da Palavra de Deus, tanto leitura como
pregação:
Nos reunimos para ler nossos escritos sagrados (...) com as palavras sagradas nutrimos nossa fé, animamos
nossa esperança e fazemos nossa confiança mais firme; e não menos pelo inculcar dos preceitos de Deus
confirmamos nossos bons hábitos. Na mesma ocasião são feitas também exortações; repreensões e piedosas
censuras são administradas.
Então, o que dizer da emoção humana de alegria? Neste tópico queremos abordar
essa questão a fim de interagir com aqueles que vêm às nossas igrejas e não possuem
formação reformada, para que entendam que nosso culto é alegre, embora possa não ser
o que eles entendem por alegria.
Nossa alegria subjetiva, então, deve sempre ser uma resposta à obra objetiva de
Cristo. Como James Torrance diz: “Mais importante do que nossa experiência de Cristo
é o Cristo da nossa experiência”.[48]
Alegria também é uma realidade escatológica, porque é baseada, de uma vez por
todas, na obra de Cristo, cujo sacrifício inaugurou nos últimos dias a era do Espírito:
“agora, porém, ao se cumprirem os tempos, se manifestou uma vez por todas, para
aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado” (Hb 9.26). O que isto significa é que
a emoção profunda de alegria expressa no saltério, rico como é, só foi uma alegria
semi-realizada, porque aqueles que cantavam na Antiga Aliança cantavam alegremente
apenas o que ansiavam por vir, nós porém temos a realidade em Jesus Cristo. Em Cristo
temos o cumprimento de todas as promessas de Deus (2Co 1.20). Isto significa que
devemos ser mais apaixonados e alegres do que os santos do Antigo Testamento que
adoravam tão cheios de entusiasmo apenas com os tipos e sombras para abastecer suas
respostas subjetivas. Como cristãos da Nova Aliança nossas emoções deveriam ser
ainda mais palpáveis devido ao fato de que estamos deste lado do túmulo vazio e temos
sido elevados à mão direita de Cristo nos lugares celestiais (Ef 2). Como o autor de
Hebreus diz: “Recebendo um reino inabalável, retenhamos a graça”(12.28).
Percebendo que a alegria no culto é um tema subjetivo, e que Deus nos fez todos
diferentes à sua imagem (Gn 1.26), e refletindo corporativamente sua imagem e
semelhança (Ef 4.24), vou tentar descrever algumas formas de se manifestar alegria
quando nos reunimos com o Senhor da Igreja.
Vemos essa postura ao longo das Escrituras, como Moisés estendeu as mãos em
intersessão por Faraó (Êx 9.29), Salomão o fez em uma oração de adoração na
dedicação do templo (1Rs 8.22), a congregação israelita levantou as mãos e gritou
“Amém e Amém” quando a lei foi lida (Ne 8.6) e o povo convidou os sacerdotes no
templo para levantar as mãos para o Senhor em intercessão, bem como para dar a
bênção (Sl 134.2).
Qual é o sentido de levantar as mãos? Podemos encontrar uma resposta nas palavras
instrutivas de Lamentações 2.19. Depois de chamar o povo a “clamar” e “derramar” o
coração ao Senhor, Jeremias diz: “Levanta a ele as mãos”. O levantamento das mãos é
uma expressão externa do coração, de clamar a Deus (Cf. Lm 3.41; Sl 28.2; 63.4; 77.2;
143.6). É uma forma física de nos achegarmos a Deus em nosso tempo de necessidade.
Mais uma vez, pense na ilustração do menino que levanta sua mão na direção de um pai
ou professor. Assim, é uma maneira visível de apelarmos ao “nosso Pai que está nos
céus”. De fato, o Salmo 119.48 diz que o levantar das mãos ao meditar na Palavra de
Deus é apropriado. A elevação das mãos era também a forma da oferta de sacrifícios
espirituais (Sl 141.2. cf. Hb 13.15).
Além disso, este significado do levantar das mãos está associado com o fato de que
a postura do corpo é uma parte dos atos feitos no culto. Por exemplo, se nos ajoelhamos
e ou ficamos em pé, é porque reconhecemos que estávamos na presença de nosso Rei
santo e queremos expressar reverência. João Calvino disse isso em seus comentários
sobre o Salmo 95.6: “É preciso observar também que ele faz menção não só da gratidão
interior, mas também da necessidade de uma profissão externa de piedade. As três
palavras que são usadas implicam que, ao desincumbir-se convenientemente de seu
dever, o povo do Senhor deve apresentar-lhe um sacrifício público, genuflexo e outros
emblemas de devoção”.[50]
É justo, então, que usemos esta postura como uma forma de expressar nossa
confiança e alegria no Senhor. Ministros reformados levantavam suas mãos quando
oravam. Alguns ainda o fazem. Também é apropriado para o povo de Deus mostrar sua
confiança no Senhor e com alegria levantar as mãos também (talvez isso o mantenha
acordado!) em momentos apropriados, tais como o canto das doxologias, que não
requerem o uso de um hinário.
A postura é uma expressão de nossa atitude no culto. Os Reformadores entenderam
isso. No Livro de Disciplina de 1559, a Igreja Reformada Francesa codificou que não
tomar a postura adequada era um ato de irreverência:
Essa grande irreverência que é encontrada em várias pessoas, que nas orações públicas e privadas não
descobrem suas cabeças nem se ajoelham deve ser mudada; é uma questão repugnante aos piedosos, e traz
suspeita de orgulho e escandaliza os que temem a Deus. Portanto, todos os pastores devem ser avisados, assim
como os anciãos e chefes de família, que sejam cuidadosos para fiscalizar, que nos momentos de oração, todas
as pessoas, sem exceção (...) deem prova, por esses sinais exteriores, da humildade interior de seus corações e
a honra que prestam a Deus, a menos que alguém seja impedido de fazê-lo por motivo de doença ou algum
outro.[51]
“L iturgia”. Na maioria dos círculos Protestantes é uma palavra proibida na pior das
hipóteses ou, no mínimo, uma palavra “Católica”. Se você quiser o silêncio de uma
multidão se confraternizando durante o café depois de um culto, diga apenas: “eu
realmente gostaria que tivéssemos alguma liturgia aqui na igreja.”
Na realidade, esta palavra não é ruim e nem Católica Romana. É uma palavra
bíblica. Nossa palavra em português para liturgia vem da antiga e bíblica palavra grega
leitourgia (s.) e leitourgein (v..). Essas palavras falam geralmente de qualquer tipo de
“cerimônia” (Ex: Fp 2.17, 30; 2Co 9.12), mas quando usadas em um sentido religioso,
carregam a ideia do “culto” religioso oficial dos sacerdotes e de Cristo, nosso grande
Sumo Sacerdote (Nm 8.22, 16.9, 18.4, Lc 1.23; Hb 9.21). Quando pensamos em uma
liturgia como uma ordem de adoração formal e mecânica, então estamos enganados.
Ao contrário, biblicamente falando, liturgia, é o serviço religioso. O mais
surpreendente é que a liturgia é essencialmente o “serviço” de Cristo a nós, à medida
que nos convoca à sua presença para derramar sobre nós seus dons e graças mediante a
Palavra e os Sacramentos. Em resposta ao seu serviço a nós, a liturgia é também o
nosso serviço de ação de graças a ele quando nos reunimos como um “reino de
sacerdotes” (Êx 19.6; 1Pe 2.9) para servir ao Senhor na “Casa do Senhor” (Sl 134.1;
135.1,2). É esta a atividade pactual de Cristo nos servir e de nós o servirmos que
normalmente pensamos ser uma “liturgia” ou “ordem do culto”.
O que isto significa é que cada igreja que já existiu, e na qual você tem adorado, se
ocupa na liturgia, no serviço de adoração. Quer uma igreja tenha uma cerimônia mais
estruturada ou mais solta, ou se uma liturgia é impressa no boletim ou não, todas as
igrejas seguem algum tipo de liturgia toda vez que se reúnem para adoração.[52] Mesmo
as de estilo livre, “dirigido pelo Espírito Santo” e as cerimônias de “reavivamento”
seguem um padrão previsível.[53]
A questão diante de nós, então, não é se temos uma liturgia, mas se somos fiéis ao
padrão exemplificado nas Escrituras quando procuramos adorar o Pai em “espírito e
em verdade” (Jo 4.24). Vamos procurar a melhor e mais bíblica liturgia possível, que
traga glória a Deus e conforto para o crente. Vamos concordar que a palavra “liturgia” é
bíblica e que também é algo que todos fazemos quando unimos nossos corações como
uma congregação em louvor.
Como um autor tem dito, o Apocalipse “é, do começo ao fim, um livro litúrgico”,
pois está cheio de cânticos litúrgicos com material do Antigo e Novo Testamentos.[54]
Além disso, os próprios Salmos são definidos como orações formais e cânticos. Ao
descrever a adoração da sinagoga judaica e sua liturgia, um escritor disse: “As orações
foram estabelecidas de tal forma que todos pudessem participar de sua recitação”.[55]
Adoração bíblica e reformada não é enfadonha, mas é o culto comum, no qual todos
participamos ativamente, juntamente e a uma só voz. E o que dizer sobre a
repetitividade da liturgia, que leva a uma recitação sem entusiasmo? Nas palavras do
ministro anglicano Peter Toon,
A Familiaridade com elas [orações específicas] aumenta a sua utilidade como conteúdo da resposta humana ao
gracioso convite de Deus para se aproximar dele e contemplar a sua glória. Se elas são aprendidas de coração a
cada dia, então, à medida que são oradas, a mente é capaz de ver e imprimir nelas um significado cada vez mais
profundo, as afeições são capazes de ser elevadas em deleite, paz e amor para com Deus, enquanto a vontade é
movida à determinação de obedecer a Deus em todos os momentos.[56]
O fluxo básico
O coração da liturgia é a Palavra e os Sacramentos, que foram as duas marcas definidas
do culto cristão desde os primeiros dias. A cerimônia da Palavra foi derivada da
sinagoga, com leituras das Escrituras, os cânticos, as orações, a confissão da fé, a
coleta para os necessitados e o sermão; enquanto o serviço da Ceia do Senhor foi
derivado do mandamento do Cenáculo por nosso Senhor, e nele se incluem a oração e o
cântico.[58] O que a Igreja também tem derivado da narrativa de Lucas 24 , quando
Jesus abriu as Escrituras e partiu o pão com os discípulos.[59] Esse padrão também é
expresso em Êxodo 24.1-11 quando Deus chama Moisés e o povo ao pé do monte, o
livro da aliança é lido, um ato de sacrifício ratifica o pacto que foi feito e uma refeição
é comida perante o Senhor,e então o povo é enviado.[60] Este padrão de entrar, ouvir,
comer e enviar é definido na Escritura, testemunhado pela Igreja antiga e seguido na
Reforma.
Este padrão básico é ilustrado em Isaías 6. Nesta bem conhecida narrativa, Isaías
primeiro se aproxima do Senhor (v. 1-7). Ele vê o Senhor em um alto trono, exaltado
em glória transcendente, e se enche de temor porque o Senhor é “santo, santo, santo”.
Isto o move a reconhecer a sua própria iniquidade. Ele não é sequer digno de
permanecer na presença do Senhor, por isso diz: “ai de mim!”. Isaías confessa os seus
pecados na expectativa de receber o perdão e o Senhor responde em graça enviando um
anjo para purgar a culpa do seu pecado. Depois de entrar e ser purificado ele ouve a
voz do Senhor (v. 8-13). O Senhor prega sua Palavra a Isaías e lhe dá a mensagem que
ele tem de falar às nações. Na experiência de Isaías, ele não celebrou a Ceia do Senhor,
ou mesmo o equivalente do Antigo Testamento, a Páscoa. Mas, em Êxodo 24 e nas
cerimônias sacrificiais do Antigo Testamento, este era o lugar onde o Senhor se
comunicava com seu povo através de uma refeição de comunhão. Depois de ouvir a
Palavra do Senhor, Isaías é enviado ao mundo como sal e luz (v. 9-13).
Uma vez que participamos nesta liturgia semanalmente ou quantas vezes a Santa
Comunhão é celebrada, ela é imperativa para que possamos entender e crer no que
estamos fazendo, como espero demonstrar neste seguinte resumo do fluxo básico de
nossa liturgia:
Entrando
A liturgia começa quando entramos na presença do nosso Deus Trino (cf. Lv 10.1-3;
Sl 73.25-28; Ef 2.13-21; Hb 4.14-16; 7.11-28; 10.19-25). Nós, que já fomos
“aproximados pelo sangue de Cristo” (Ef 2.13), agora temos “acesso em um mesmo
Espírito ao Pai” (Ef 2.18) para que “acheguemo-nos, portanto, confiadamente ao trono
de graça” (Hb 4.16).
Quando nos apresentamos a este Deus Triuno, ele fala e nos convida à sua régia e
celestial presença com a chamada para o culto. O convite à adoração é a convocação
de Deus à sua Igreja, os que foram “chamados para fora” (em grego, ekklesia), do
mundo para sua presença para participar no culto do céu. O convite à adoração
expressa o caráter não mundano da adoração. O culto é como uma língua estrangeira
que temos de aprender.[61]
Na saudação, o próprio Senhor nos acolhe à sua presença pela voz do ministro (Ap
1.4-5; 1Tm 1.2; Jd 1-2). A saudação é a promessa da graça de Deus para nós: “Deus
promete que não irá violar seu juramento, mas descerá no poder do seu Espírito para
assumir seu trono entre nós e nos livrar do mundo, da carne e do diabo”.[62]
Em resposta, de todo coração, dizemos: “Amém!”. Esta é uma palavra hebraica que
significa “Assim seja, é verdade!”. O Catecismo de Heidelberg explica o sentido,
dizendo: “Amém quer dizer: é verdadeiro e certo. Pois Deus atende à minha oração
com muito mais certeza do que o desejo que sinto, no coração, de ser ouvido por ele”
(P. 129).
Na liturgia, nosso Deus Triuno nos convida, e nos recebe no céu, mas o que temos
para oferecer em resposta? Certamente não são nossas boas obras, pois são trapos de
imundícia (Is 64.6); seguramente não nossos tesouros, pois ele é dono do gado sobre
milhares de montanhas (Sl 50.10). O que então? O Senhor nos quer, ele quer o nosso
corpo “como sacrifício vivo” (Rm 12.1). Ele quer um “sacrifício de ação de graças”
(Sl 50.14; Hb 13.15).
Para fazer isso, cantamos os antigos salmos do Antigo Testamento, uma vez que
somos o “Israel de Deus” (Gl 6.16), e louvamos a Deus com os grandes hinos da fé,
sejam antigos ou novos, a fim de nos expressarmos com cânticos sinceros ao Senhor. A
questão do que cantar no culto tem, nos últimos anos, sido falsamente distinguida entre
canções contemporâneas em oposição às tradicionais. A questão, entretanto, não é em
que data uma música foi escrita, mas o que ela diz. Conteúdo é a razão pela qual as
igrejas Reformadas dão prioridade ao cântico dos Salmos nas igrejas. Deus deu a Israel
os Salmos para que pudesse cantar seus louvores. Os Salmos são o livro de orações do
povo de Deus, que plenamente derrama ao Senhor cada desejo, emoção e batalha da
vida cristã em uma linguagem maravilhosamente poética.
À medida que nos chegamos ao nosso grande Deus e o louvamos porque ele é digno
de louvor, também somos impactados com sua majestade santa. Quando Deus nos fala
na leitura da Lei, reconhecemos que ele é “Santo, Santo, Santo”, e que nós somos
pecadores. A lei expõe quem realmente somos – “Miserável homem que sou” (Rm
7.24). Os Dez Mandamentos são as palavras tradicionalmente lidas, mas outras partes
da Escritura que refletem a perfeição que Deus requer podem ser lidas também (p.ex.:
Mt 5-7;. Gl 3.1-5, 10-12).
Depois de ler a Lei, o ministro nos exorta a nos dirigir em arrependimento sincero
ao Deus a quem “sacrifícios agradáveis são o espírito quebrantado e contrito” (Sl
51.17). Por toda a Escritura somos ordenados por Deus a confessar nossos pecados (Sl
51; 1Jo 1.9). Assim, os exemplos dos santos, tais como Isaías 6, nos ensinam que
quando nos aproximarmos de Deus devemos confessar-nos indignos. Quando fazemos
confissão, quando o ministro ora, a congregação ora em uníssono, ou canta um salmo de
penitência, essa é a nossa confissão.
Enquanto que a Lei mostra “como são grandes meus pecados e minha miséria”
(Catecismo de Heidelberg, P. 2), o Evangelho nos declara que Deus, em seu Filho,
Jesus Cristo, satisfez a Justiça por nossos pecados. Então o ministro pronuncia a boa
nova de que “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição
em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em
madeiro)” (Gl 3.13 ). Em seguida, aplica essa promessa, dizendo de fato: “a todos
vocês que se arrependeram de seus pecados e confiam em Jesus Cristo, eu vos declaro,
em nome de Cristo e pela autoridade da sua Palavra, que todos os seus pecados são
perdoados, e que vocês não estão mais sob a condenação de Deus”. A autoridade do
ministro para nos declarar perdoados vem de textos como Mateus 18.18 e 20.23, nos
quais Jesus dá aos seus representantes “as chaves do reino” (Catecismo de Heidelberg,
P. 83-85). Esta declaração é uma aplicação do ministério da Palavra, portanto, como
uma chave, ele abre as portas do reino dos céus para aqueles que creem e fecha-o para
aqueles que continuam a viver em rebelião e incredulidade.
Ouvindo
A liturgia toda é uma “cerimônia da Palavra”, mas é neste momento específico da
liturgia que paramos e refletimos sobre o que a Palavra está nos ensinando como povo
de Deus.
Muitas vezes começamos com uma oração por iluminação, pedindo a graça e o
poder do Espírito Santo para iluminar nossos olhos cegos, coração entenebrecido e
teimoso, para que possamos entender a Palavra do Senhor (Sl 119.18; Ef 1.17-18; Cl
1.9). Por que precisamos da iluminação de nossos olhos espirituais? A resposta é que,
mesmo como cristãos, o pecado obscurece nosso entendimento.
Desde o tempo da sinagoga judaica até os dias dos apóstolos, a leitura das
Escrituras como um ato de adoração pública sempre foi uma preocupação central. Na
leitura da Escritura, quer seja um texto do Antigo e um do Novo Testamento, ou apenas
de um deles, estamos fazendo o que Paulo instruiu Timóteo a fazer em público quando
da leitura da Palavra com a congregação reunida (1Tm 4.13). A promessa
veterotestamentária de Jesus Cristo em tipos e sombras. O Novo Testamento nos revela
Jesus Cristo e sua obra por nós. “Graças a Deus!”.
O sermão é a pregação da Palavra e o principal “meio de graça” para os filhos de
Deus. Isto significa que a Palavra de Deus explicada e aplicada a nós é a verdadeira
Palavra que cria e confirma a fé em nosso coração. Aqui somos como o povo de Deus
da Antiga Aliança ao pé do monte, ouvindo a voz dele. Mas, em vez de um monte
terrestre, Hebreus 12 afirma que estamos ao pé do monte Sião celestial, ouvindo as
próprias palavras de Cristo. Ouvir atentamente, então, é de extrema importância. Como
a Confissão de Fé de Westminster diz, um “ouvir consciente” da Palavra é um ato de
culto uma vez que a pregação é uma via de mão dupla. Devemos estar escutando
ativamente, envolvendo-nos com o que o ministro está dizendo e, ao mesmo tempo,
adorando a Deus pelo que ele fez por nós e agora declara-nos em sua Palavra. Como
Lutero disse: “Estou certo de que quando me dirijo ao púlpito para pregar ou
compareço para ler, a palavra não é minha, mas a minha língua é como a pena de
habilidoso escritor”.[63]
Sobre o que deveria ser a pregação? A pregação bíblica, que foi redescoberta pelos
Reformadores Protestantes, é centrada em Cristo. Paulo confirma isso em 1Coríntios
1.17–2.5, quando afirma: “Mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os
judeus, loucura para os gentios” (1.23 cf. Cl 1.28).
Comendo
Tendo nos alimentado com suas promessas preciosas de forma audível, Cristo nos
alimenta com as mesmas promessas, agora de uma forma visível, no Sacramento da
Ceia do Senhor, todas as vezes que a celebramos. Quando a Mesa da proposição foi
oferecida no deserto, o povo foi advertido de que ela não era para todos, mas uma
refeição sagrada destinada apenas à comunidade da aliança. Participar do pão e do
vinho na incredulidade é trazer para si julgamento. Por esta razão, os ministros avisam
sobre o que é chamado às vezes o “cercar da mesa”. Após este aviso, ele convida o
povo a Deus para “provar e ver que o Senhor é bom” (Sl 34.8).
As “palavras da instituição” de Paulo em 1Coríntios 11.23-26 são, então, lidas.
Estas palavras se relacionam à tradição da comunhão que o nosso Senhor instituiu antes
de sua crucificação. Elas focam nossos corações sobre o que a Ceia do Senhor
significa: Deus nos alimentando com sua graça em Cristo. Ao aplicar estas palavras, o
ministro explica brevemente para a congregação o que é a comunhão. A linguagem “em
memória” tem a ver, não simplesmente com a memória intelectual, mas com a
experiência do que Deus tem feito e continua a fazer.[64]
A oração que se segue tem sido chamada de “oração de consagração”, não porque
esperamos que o pão e o vinho possam ser transformados no corpo e sangue de Cristo,
mas para que o Espírito Santo venha sobre nós e nos eleve para nos alimentarmos de
Cristo no céu por meio da fé.
Em seguida, recitamos a Palavra como uma declaração corporativa de nossa fé
comum. Fazemos isso porque somos um corpo unido. Assim como há um só pão, assim
também há uma só Igreja (1Co 10.17). Assim, confessamos a nossa fé comum, porque
Jesus disse: “Todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o
confessarei diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10.32). Na confissão de fé nós
“oferecemos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que
confessam o seu nome” (Hb 13.15). Usamos um dos credos ecumênicos antigos(credo,
em latim, significa “eu creio”) da igreja, o Credo Apostólico ou o Credo Niceno. Estes
têm sido confessados e usados como resumos da fé por todos os seguimentos da igreja
em todos os séculos, em todo lugar. No Credo Apostólico, fazemos uma afirmação
pessoal de nossa fé, como dizemos, “creio”. No Credo Niceno, a “fé que uma vez por
todas foi entregue aos santos” (Jd 3) é expressa no corporativo, “cremos”.
As Escrituras não dão nenhuma descrição detalhada da maneira como a Ceia do
Senhor foi praticada. Mesmo assim, somos ordenados a celebrá-la. A forma como
recebemos o pão e o vinho (seja indo à frente, sentados em mesas, mantendo-se nos
bancos da igreja) é indiferente.
Minha congregação vem à frente para receber a Ceia. Fazemos isso por algumas
razões. Em primeiro lugar, a Escritura nos diz que quando Jesus instituiu a Ceia do
Senhor, ele “tomou um pão, e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos dizendo:
Tomai, comei; isto é o meu corpo (...) A seguir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o
deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos...” (Mt 26.26-27). Em segundo lugar, o
nosso Catecismo interpreta as ações de Jesus, dizendo: “tão certamente quanto recebo
das mãos do ministro e provo com a minha boca o pão e o cálice do Senhor como sinais
seguros do corpo e do sangue de Cristo, assim também ele mesmo, com o seu corpo
crucificado e o seu sangue derramado, alimenta e nutre a minha alma para a vida
eterna” (Catecismo de Heidelberg, P. 75 ). Assim como Jesus deu os elementos para os
discípulos, assim também o ministro, como representante de Cristo, os dá à
congregação. Em terceiro lugar, a Ceia do Senhor é uma verdadeira “chamada ao
altar”. Durante a maior parte de sua história, até o período moderno, os cristãos
receberam a Ceia vindo à frente de alguma maneira, seja para se sentar, se ajoelhar, ou
ficar de pé. Esta prática histórica está repleta de significado. Deus não só nos tem dado
sua Palavra, mas ele nos tem dado os sacramentos. Na Palavra pregada o Evangelho
vem da boca do ministro, mas na Palavra visível vem de sua mão. Na Palavra pregada
somos chamados a crer em Jesus Cristo, mas na Palavra visível somos chamados a sair
de nossas cadeiras e recebê-lo: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e
sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Na pregação ouvimos a Palavra, mas
nos sacramentos experimentamos com todos os nossos sentidos a graça de Cristo:
“Provai e vede que o Senhor é bom” (Sl 34.8). Na Palavra pregada Cristo promete-nos
que nossa alma está em suas mãos, e quanto mais não é isto verdade na Palavra visível,
posta perante nós pelo ministro!
Enviando
Concluímos nosso culto sendo enviados de volta ao mundo para ser sal e luz. Mais
uma vez levantamos nossas vozes em um cântico breve e triunfante de louvor ao nosso
Deus Trino, que nos chamou, reuniu-se conosco, e nos alimentou no culto. Então, Deus
nos dá a palavra final quando pronuncia a bênção sobre nós (Nm 6.24-26;. 2Co 13.14).
Compreender a liturgia como uma atividade pactual, com uma saudação no início da
cerimônia e uma bênção no final, significa que foi Deus quem nos tirou da terra do
Egito (Êx 20.2) e que estará conosco até o fim dos tempos (Mt 28.20).
Por que respondemos “Amém” tantas vezes na adoração? Simplesmente porque é a
resposta mais adequada e bíblica que podemos dar. A palavra significa “Isto é
verdade”. Nós a encontramos nos lábios do povo de Deus através da Bíblia. O Salmo
106 ordena: “e todo o povo diga: Amém!” (v. 48). Em 1Coríntios 14, quando Paulo fala
sobre as “línguas”, ele pergunta: “E, se tu bendisseres apenas em espírito, como dirá o
indouto o amém depois da tua ação de graças? Visto que não entende o que dizes” (v.
16). “Isto é verdade” é uma resposta apropriada à Palavra que temos ouvido e
experimentado durante o culto.
[52] “Liturgical Committee Report.” Acts of Synod of the Christian Reformed Church (Grand Rapids: Christian Reformed Church, 1968), p. 135-
6. Cf. M ichael Horton, “In This Issue.” Modern Reformation 5:1 (Janeiro/Fevereiro 1996): p. 2; I. John Hesselink, On Being Reformed:
Distinctive Characteristics and Common Misunderstandings (2ª ed.; Nova York: Reformed Church Press, 1988), p. 19.
[53] Para evidências históricas, vide James Hastings Nichols, Corporate Worship in the Reformed Tradition, p. 90-110.
[54] E. H. Van Olst, The Bible and Liturgy, trad. John Vriend (Grand Rapids: Eerdmans, 1991), p. 4; cf. Torrance, Worship, Community & the
Triune God of Grace, p. 9.
[55] William D. M axwell, An Outline of Christian Worship: Its Development and Forms (9ª edição, 1963; Londres: Oxford University Press,
1936), p. 3.
[56] Ibid., p. 56–57.
[57] VanDooren, The Beauty of Reformed Liturgy, p. 13.
[58] M axwell, An Outline of Christian Worship, p. 4–5.
[59] Van Olst, The Bible in Liturgy, p. 72; cf. Robert Webber, “Blended Worship,” in Exploring the Worship Spectrum, p. 182.
[60] Esta base bíblica e padrão histórico são desafiados por aqueles que têm uma hermenêutica dispensacionalista, na qual o Novo Testamento é
elevado acima do Antigo Testamento; e.g., Don Williams, “A Charismatic Worship Response,” in Exploring the Worship Spectrum, p. 206.
[61] William Willimon, Peculiar Speech: Preaching to the Baptized (Grand Rapids: Eerdmans, 1992), p. 114.
[62] Horton, A Better Way, p. 149
[63] Citado em Nichols, Corporate Worship in the Reformed Tradition, p. 31.
[64] James F. White, A Brief History of Christian Worship (Nashville: Abingdon, 1993), p. 28.
7. O CULTO REFORMADO É REVERENTE
Esse é o culto de que precisamos. Essa é pausa que nosso coração anela por tanto
tempo, desesperadamente.
E no anseio por esse descanso de nossos labores, reconhecemos que a boa liturgia é
diferente por causa de sua reverência. Quando adoramos o Senhor em espírito de
reverência, isso cria o senso de transcendência, como se participássemos da era porvir.
Li recentemente uma pesquisa feita por George Barna, o guru do crescimento de igrejas,
sobre o tema da adoração. Ele relatou que não há na mente da maioria dos adoradores
evangélicos uma correlaçãoentre desfrutar da adoração e experimentar a presença de
Deus. Qual a razão dele para dizer isso? Quase 66% das pessoas que frequentam a
igreja regularmente dizem que nunca experimentaram a presença de Deus em um culto,
enquanto 48% relatam que não experimentaram a presença de Deus no ano passado. É
claro que não saber o que essas pessoas entendem por “presença de Deus” ou
“experiência” ou “adoração” torna isto um pouco sem sentido. No entanto, é uma janela
para o que as igrejas estão fazendo com a piedade dos cristãos.
Realmente acredito que nós, como protestantes históricos, necessitamos capturar a
atenção e a afeição de nossa cultura através da apresentação de um culto no qual as
pessoas participem de algo maior do que elas mesmas nesta cultura narcisista. O
verdadeiro culto, embora ocorra no tempo, em um lugar, e com pessoas, não está mais
vinculado a qualquer tempo, lugar ou etnia. Antes, é o desenrolar histórico do padrão
de adoração celestial. É por isso que em todas as liturgias históricas encontramos o
sursum corda (em latim, “elevo o coração”). Elevamos os nossos corações ao Senhor
porque ele habita no céu, na eternidade; por isso devemos adorá-lo aonde ele se
encontra, chegando lá através do nosso culto. É quando os nossos inimigos, o mundo, a
carne e o diabo nos cercam durante a semana que clamamos: “A ti, Senhor, elevo a
minha alma” (Sl 25.1). É quando estamos abatidos pelos caminhos do mundo que nos
achegamos para adorar a dizer: “Alegra a alma do teu servo, porque a ti, Senhor, elevo
a minha alma” (Sl 86.4). É quando parece que não há um propósito nesta vida e que não
temos nenhuma direção, que vamos ao culto público e dizemos: “Mostra-me o caminho
por onde devo andar, porque a ti elevo a minha alma” (Sl 143.8). É quando pecamos e
nos desviamos como ovelhas perdidas que oramos corporativamente em assembleia:
“Levantemos o coração, juntamente com as mãos, para Deus nos céus” (Lm 3.41).
E assim a reverência cria uma transcendência que produz mistério. E o mistério cria
a maravilha. Essa interação entre a reverência (o temor do Senhor) e a maravilha e tudo
o mais é expressa por um autor com estas palavras:
O verdadeiro culto a Deus brota da nossa incapacidade de responder a duas simples perguntas colocadas
através de uma compreensão bíblica do temor do Senhor: (1) Ó Deus, quem é como tu em justiça, poder,
poderosos feitos e no perdoar pecados (Sl 71.18-19; Mq 7.18-20)? E (2) que é a mulher e o homem para que
Deus olhe dos céus e se importe com eles e os levante para se assentarem com os príncipes (Salmos 8.4; 113.5-
8)?[69]
Reverência na liturgia
Do início ao fim do culto reformado esta atitude de reverência é evidenciada à medida
que a congregação se reúne com uma marcante seriedade e propósito que revelam por
que as coisas são feitas da maneira com são feitas. Isto é evidenciado de várias
maneiras na adoração reformada clássica. Muitas igrejas reformadas começam o culto
com um tempo de reflexão silenciosa para meditar ao entrar na presença de Deus. Isso
causa em ambos, crentes e descrentes, um sentimento de reverência diante de Deus,
para que busquem o perdão e graça em Jesus Cristo. Como disse Moisés aos israelitas
enquanto atravessavam o
Mar, “e vós vos calareis” (Êx 14.14).
Em todas as liturgias históricas reformadas esta reverência é exercida no momento
da coletiva confissão de pecados e do recebimento da promessa do evangelho quando
da absolvição e declaração de perdão dos pecados.
No canto dos Salmos esta reverência é expressa tendo nos lábios as palavras do
Senhor, com toda a gama de emoções, especialmente os lamentos e a confiança no
Senhor.
Quando o Credo é recitado reverentemente, tomamos lugar na grande “nuvem de
testemunhas” (Hb 12.1), reconhecendo que não descobrimos a verdade da fé cristã, mas
que ela nos descobriu.
Ao ouvir a Palavra de Deus, lida e pregada, as pessoas estão fazendo isso “com o
temor de Deus” (Confissão de Fé de Westminster, XXI.5). Nos sentamos ao sopé do
monte celestial (Hb 12.22-26) para ouvir a voz do próprio Cristo.
Finalmente, esta atitude reverente culmina na recepção dos elementos que o Senhor
deu na noite em que foi traído, na Ceia do Senhor, seja sentados nas mesas, de joelhos,
ou se apresentando para receber o pão e o vinho “da mão do ministro” (Catecismo de
Heidelberg, P. 75).
[65] Vide Daniel R. Hyde, “Reformed Worship is Biblical,” The Banner of Truth 502 (Agosto/Setembro 2005), p. 12-17.
[66] Sobre este texto e a reverência do culto da Nova Aliança, vide R. Kent Hughes, “Free Church Worship: The Challenge of Freedom,” in
Worship by the Book, org. D.A. Carson (Grand Rapids: Zondervan, 2002), p. 163-6.
[67] M onte E. Wilson, “Church-O-Rama or Corporate Worship,” in The Compromised Church: The Present Evangelical Crisis, ed. John
Armstrong (Wheaton: Crossway, 1998), p. 67.
[68] Constituições apostólicas, livro 2, sec. 7, p. 57.
[69] Andrew E. Hill, Enter His Courts With Praise (Grand Rapids: Baker, 1993), p. 13-14.
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