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INTRODUÇÃO À TEOLOGIA

AULA 1

Profª Eliane Hubner da Silva Rodrigues


CONVERSA INICIAL

Primeiramente, vale pontuar que é primordial que esta aula seja objetiva,
tendo em vista que se trata de um primeiro encontro com os conceitos
fundamentais do estudo teológico. Para começar, estudaremos a origem da
palavra teologia e sua ressignificação ao longo da história. Apresentaremos um
breve panorama dos princípios pensantes e das práticas acadêmicas, para
nortear a trajetória acadêmica do futuro teólogo, e, por fim, abordaremos a
atuação e as dificuldades de um teólogo na sociedade contemporânea.
Assim, esta disciplina se propõe a ensinar os alunos que têm vontade de
aprofundar seus conhecimentos a respeito da fé da igreja, para que, com a
reflexão adquirida, possam viver e pensar a partir da teologia.

TEMA 1 – CONCEITUAÇÃO

Começaremos conceituando a palavra teologia, que, de modo geral,


consiste no campo de estudo que busca dar razão à fé cristã coletiva. Para que
haja teologia, no sentido técnico do termo, é necessário que existam elementos
que não se restrinjam à fé particular e obedeçam aos imperativos estabelecidos
e reconhecidos, os quais serão abordados a partir de agora (Libanio; Murad,
2003, p. 58).
Historicamente, a palavra teologia teve suas raízes no mundo grego
pagão e se referia a quem discursava sobre os deuses, por meio de narrativas
mitológicas, usando principalmente hinos. Para Platão (Boff, 1998 [1944], p.
550), o conceito de teologia tem função tripla, sendo esta crítica, pedagógica e
política: crítica porque tem caráter investigativo e interrogativo; pedagógica
porque apresenta uma verdade capaz de melhorar o caráter de forma particular
e coletiva; e política porque se origina e se posiciona dessa forma.
Aristóteles (Boff, 1998 [1944], p. 552), outro filósofo grego contemporâneo
de Platão, do qual foi aprendiz, coloca a teologia em um patamar em que ela
mesma seria o resultado da filosofia, reduzindo Deus à mera atividade teorética,
a não participante e incapaz de ser Salvador. Já Agostinho (Boff, 1998 [1944], p.
554) vai contra o uso da palavra teologia, justificando que, criada pelos gregos,
limitava a dimensão do assunto, preferindo usar o termo Doutrina Sagrada para
significá-la.

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Etimologicamente, surgiu a partir da junção dos vocábulos gregos theos
(θεóς), que significa precisamente divindade, verdade, e logos (λóγος), que
significa, por sua vez, o estudo sistemático e a análise de alguma coisa ou algo
que existe. Nesse sentido, Deus é o centro, objeto principal de estudo da teologia
(Libanio; Murad, 2003, p. 62-65), mas foi somente a partir do teólogo franciscano
Scotus (Boff, 1998 [1944], p. 556) que, durante o século XIV, esse termo começa
a ser mais popular e aceito de forma geral.
Boff (1998 [1944], p. 13-15) compara a teologia a uma “arte”, uma vez que
dispõe de um conjunto de ferramentas que alicerçam a produção de um
resultado determinado, colocando-a ao mesmo tempo como um processo
judiciário, que necessita de rigor processual para regular e articular os elementos
fundamentais para a prática teológica.
Rodrigues (1976) conceitua a teologia de forma mais simplória, afirmando
que é pensar sobre Deus e decifrar o oculto. Segundo Libanio e Murad (2003, p.
57), o estudo da teologia deve entrelaçar quatro funções: “aprender teologia,
aprender a fazer teologia, fazer teologia e viver celebrativa e orantemente a
teologia”. Ou seja, a riqueza de estudar teologia se encontra quando há o
aprendizado a respeito dessas funções, sem que haja uma dominante.
A atribuição de aprender teologia diz respeito a uma apropriação do
conteúdo teológico que já foi elaborado e pensado, considerando, para tal
função, a teologia como algo acabado, para que haja uma verdadeira
aprendizagem por parte de quem a estuda. Aprender a fazer teologia diz respeito
a entender a complexidade dos detalhes que envolvem todos os aspectos desta,
que não se resumem a simplesmente estudá-la ou praticá-la na vida diária.
Trata-se de se debruçar sobre o estudo de regras internas para que haja
uma produção técnica de teologia. “Aqueles que não estudam de modo ordenado
se parecem com os potros, que correm o tempo todo e ali. Mas o jumento, com
o mesmo passo, tanto mais avança quanto mais regular é seu andar” (São
Boaventura, citado por Boff, 1998 [1944], p. 16).
Outra parte do estudo da teologia pensada por Libanio e Murad (2003, p.
58) consiste em fazer teologia, que, segundo eles, é um processo vivo e
interminável, na medida em que acontece tanto no nível de discurso religioso,
que diz respeito a uma teologia popular de quem crê e irá falar sobre sua fé,
quanto de quem crê e, a partir da crença, reflete segundo as regras internas do
discurso teológico.

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Por fim, ainda segundo Libanio e Murad (2003, p. 59), celebrar e rezar a
teologia é entender seu lugar, no sentido de colocar o mistério de Deus no centro,
uma vez que o teólogo deve ser a pessoa que foi capturada e tem um coração
atraído pelo Eterno. Também se fala de uma teologia orante, que diz respeito
justamente a esse contato direto com Deus e também com a liturgia.

Para que o estudo da teologia possa ser bem desenvolvido, supõe-se


que durante o curso de teologia o aluno e os professores vão
trabalhando os conteúdos teológicos de maneira crítica –
aprender/ensinar teologia, ao localizá-los devidamente em sua fábrica
teológica – aprender a fazer teologia – e também articulando-os com
as novas questões surgidas sobretudo das experiências pastorais de
ambos – fazer teologia. Além disso, quer o aluno, quer o professor,
tanto em nível pessoal como mesmo enquanto comunidade
acadêmica, terão seus momentos de celebrar e rezar a teologia.
(Libanio; Murad, 2003, p. 60)

Assim, as quatro funções apresentadas pelos autores demonstram que a


teologia vive a dialética da criação, assim como está descrito em Gênesis.
Aprende-se teologia, aprende-se a fazer teologia e faz-se teologia, assim como
foi nos seis primeiros dias, e a celebração e o festejo por sua criação vêm no
sétimo dia. Ou seja, o teólogo é chamado a imitar Deus quando faz sua teologia.
De forma complementar,

a teologia é a tentativa de colocar a tradição teológica da comunidade


cristã, desde as Escrituras, passando pela história da Igreja até a
atualidade dentro de uma compreensão lógica e sistematizada, sem,
contudo, pretender aprisionar Deus em um sistema teológico.
Devemos entender que teologia é a tentativa de falar de Deus, embora
não possamos falar dele, porque Deus é totalmente diferente.
(Westphal, 2010, p. 79)

Para Boff (1998 [1944], p. 396), é na práxis que se pode verificar a


fertilidade teológica, mas nunca sua verdade, diretamente ligada à Palavra de
Deus. Aqui, cabe ressaltar que, quando dizemos práxis em teologia, na verdade
estamos falando mais sobre vida, em seus sentidos mais ricos. Isso porque a
teologia não deve ter como objetivo final um conceito de práticas particulares,
mas, ao contrário, deve buscar uma vivência de fé em diversas áreas de forma
simultânea, como é a vida de fato, sejam elas éticas, políticas, religiosas,
educativas etc. (Boff, 1998 [1944], p. 392).
Logo, é possível compreender que a intensidade da práxis, conforme
denotamos anteriormente, está diretamente relacionada à intimidade que o
teólogo tem com Deus em sua vida diária, sendo esta permeada do elemento-
chave essencial para a teologia: a fé.

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TEMA 2 – RELAÇÃO ENTRE FÉ E TEOLOGIA

Segundo Boff (1998 [1944], p. 27), é natural que, em certo momento, toda
pessoa que tem fé comece a questionar a veracidade de sua crença. A fé é,
antes de tudo, um processo de autoconhecimento motivado por sua própria
curiosidade. Essa busca por um saber que procura explicar os mistérios da
existência divina e humana é permeada do desejo de atrair o bem e afastar o
mal, dando conforto e segurança ao homem e tendo como critério a fé.
Daí se tem a definição clássica da teologia: fides quaerens intellectum (a
fé buscando entender). Fica claro que a fé, originária da natureza do próprio
espírito humano, além de objeto e objetivo teológico, é também pressuposto para
a teologia, podendo ser descrita como “fé de olhos abertos, que enxergam com
lucidez, inteligência e criticismo” (Boff, 1998 [1944], p. 27).
Para Boff (1998 [1944], p. 31), a fé e a teologia se relacionam assim como
a seiva está para a árvore:

A teologia não acrescenta materialmente um pingo de luz à fé.


Desenvolve apenas seu conteúdo material. Desdobra suas
virtualidades latentes. É a ratio estendendo o intellectus: a razão
explanando a intuição. Portanto, a fé é como a enteléquia da teologia,
isto é, sua forma dinâmica interna. É seu conactus, sua alma viva e
inquieta.

De acordo com o autor, teologia e fé são coisas diferentes, mas, ao


mesmo tempo, coincidentes. Enquanto a teologia é passível de constante
mudança, a fé tem caráter concreto, absoluto, não muda o seu conteúdo. A
teologia é essencialmente composta de fé, que é imutável e a representa
segundo seus próprios métodos teológicos, os quais são dinâmicos para que
possam acompanhar as mudanças sociais de cada período e explicar,
“discernindo a linguagem da época, suas categorias e sua mentalidade em geral,
para ver o que dela assumir em seu discurso e o que rejeitar” (Boff, 1998 [1944],
p. 285).
A fé também precede a teologia de forma temporal, pois a teologia como
prática é recente na história humana. Na teologia cristã, a fé é o primum, a archée
estrutural e estruturante (Boff, 1998 [1944], p. 32). A partir dessa condição, fica
evidente que Deus passa de sujeito de estudo para participante que atua em
conjunto com o teólogo, uma vez que sem fé, sem a crença na Divindade, não
há estrutura suficiente para a tarefa teológica. A Palavra divina sempre será a
voz a ser amplificada pela palavra teológica (Boff, 1998 [1944], p. 34).

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TEMA 3 – PRINCÍPIOS FILOSÓFICOS

Até aqui, conseguimos conceituar de forma lógica o termo teologia e


expor, em um primeiro momento, o papel fundamental da fé sobre essa noção.
Entretanto, como estudo acadêmico, há uma série de premissas importantes que
a fundamentam e que iremos discutir a partir de agora.
A princípio, faz-se necessário que o pesquisador, principalmente se em
processo de formação acadêmica, recuse o que lhe passar no pensamento no
primeiro momento. Isso porque toda subjetividade provinda da intuição deve ser
colocada em prova a partir de questões racionais.
Tudo que nasce do intelecto deve ser verificado, colocado contra
diferentes pontos de vista, para, assim, ser possível de se afirmar como verdade.
Nesse sentido, o método científico ocorrerá por investigação comparativa entre
diversos conhecimentos anteriores ao conhecimento recém-experimentado, o
que poderá resultar em situações nas quais saberes de uma determinada área
poderão ser usados em outra e ter sua lógica adaptada ao novo contexto, ou
adquirir um novo significado mais complexo (Bachelard, citado por Lopes, 2003).
O caminho para a abstração não é fácil, pois será necessário que o sujeito
se desprenda de convicções individuais para chegar a um resultado. Porém,
segundo o autor, há uma prática que pode melhorar o espírito científico: zombar-
se durante o processo. Isso significa realizar uma autocrítica, com certo grau de
distanciamento do próprio sujeito, mediado por um tom de ironia, que pode ser
fundamental para alcançar um resultado certeiro (Bachelard, citado por Lopes,
2003).
Outro ponto importante durante o processo de estudo é o pensamento
crítico. Segundo Tittle, citado por Canal (2013, p. 14), esse pensamento é um
elemento fundamental para argumentações, pois incita a vontade de saber
porque e como expor nossas crenças e pontos de vista. Para o autor, o
pensamento crítico está diretamente ligado a uma intencionalidade no agir e no
pensar, objetivando o pensamento e a cautela nas escolhas durante o processo
para alcançar um resultado preciso (Tittle, citado por Canal, 2013, p. 9).
Sendo assim, o pensamento crítico não serve somente para debates, mas
também para que o sujeito entenda o que pensa e acredita, se isso é cabível de
crença e a forma como age a partir disso (Tittle, citado por Canal, 2013, p. 17).
É preciso que o iniciante na prática teológica seja o primeiro a questionar seus

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próprios métodos, argumentos, raciocínios e premissas, pois deve analisar todas
as variáveis e, com isso, poder antecipar contra-argumentações (Tittle, citado
por Canal, 2013, p. 12).
O último valor filosófico a ser apresentado é o de honestidade intelectual.
Para Tugendhat, citado por Wagner (2012, p. 5), este deve ser descrito antes de
tudo como uma atitude, que caminhe, então ao lado de valores morais e
responsáveis, os quais são comuns ao cotidiano. Trata-se de um esclarecimento
a respeito da realidade (Tugendhat, citado por Wagner, 2012, p. 7).
O estudante deve se colocar em posição crítica e, como diz Tugendhat,
citado por Wagner (2012, p. 6), lutar contra uma preguiça da razão, ou seja,
abster-se da racionalidade. Deve também sair da zona de conforto e assumir
pensamentos que não sejam fundamentados em si mesmos, mas em razões
(Tugendhat, citado por Wagner, 2012, p. 7).

TEMA 4 – BOAS PRÁTICAS DE ESTUDO

Neste tópico, estudaremos temas fundamentais que irão guiar aquele que
estuda teologia, tendo em vista que a matéria exige reflexão sobre uma fé a
serviço do povo e deve ser guiada pelo amor ao estudo da fé, senso do mistério
e compromisso com o povo (Boff, 1998 [1944], p. 525).
O estudo da teologia deve ser um ato amoroso, no sentido de que deve
haver paixão por seus assuntos principais: Deus e seu plano. Tal paixão vem
com o aprofundamento da própria fé, uma vez que quem crê quer e ama saber
as razões pelas quais faz isso (Boff, 1998 [1944], p. 525).
É importante entender qual a relevância da fé para a vida e perceber que
se trata da percepção da importância que há em assumir um compromisso de
transformação da existência – ou seja, da vida real, segundo a ótica divina. “Em
particular, quando alguém se dá conta de quanto a teologia pode ajudar o povo
oprimido a se libertar, então o interesse por ela também cresce” (Boff, 1998
[1944], p. 526).
O próprio estudo da teologia por si só pode parecer difícil em um primeiro
momento, mas, com o tempo, torna-se gratificante, o que, por sua vez, torna o
teólogo um “filólogo” (amante do logos divino), sendo o ato teológico um ato
amoroso. Dessa forma, “o amor à inteligência da fé leva naturalmente à
aplicação, isto é, à busca, à pesquisa” (Boff, 1998 [1944], p. 526).

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Em contrapartida, há também uma cultura pragmatista que versa sobre o
desamor ao estudo da teologia e que pode ser traduzida em três fatores.
Primeiramente, a cultura de massa, por conta de seu lado sensacionalista e
apassivador – no sentido de querer tornar as coisas fáceis –, o que se resume
no não favorecimento da reflexão pessoal, da pesquisa e do estudo (Boff, 1998
[1944], p. 527).
Depois, há o ativismo, que pode ser pastoral ou não, mas que faz com
que as coisas fiquem fora de lugar, não se aprofundando em resolutividade de
problemas. Por fim, há um clima de materialismo (que se preocupa em explicar
fenômenos naturais, sociais e mentais) e de hedonismo (o qual tem o prazer
como bem supremo) que dificulta a compreensão de realidades como a fé (Boff,
1998 [1944], p. 529).
Boff (1998 [1944], p. 530) trata também do anti-intelectualismo, que é
basicamente uma preguiça mental ou aversão ao estudo. Na teologia, é
chamado também de fideísmo e se divide em dois tipos:

1. O fideísmo vulgar ou forte, que consiste em crer de modo espontâneo,


sem qualquer tipo de reflexão nem exame; é acreditar que não há
discussão em assuntos como a religião, que foge do espírito crítico;
2. O fideísmo erudito ou brando, que, ao contrário, tem tendência à
realização de uma reflexão sobre a fé, mas, ao mesmo tempo, não confia
na razão.

Ainda sobre as boas práticas de estudo, vale pontuar os erros da falta de


senso do mistério, que diz respeito à perda dos limites da razão, os quais se
dividem em arrogância intelectual, objetivismo e tagarelice. A arrogância
intelectual é a pretensão de entender Deus de maneira perfeita, quando, na
verdade, o entendimento deve ser de que ele é incompreensível. Na teologia, há
uma tendência ao racionalismo, que busca em tudo ideias claras, o que, quando
se trata da figura divina, não é possível (Boff, 1998 [1944], p. 536).
Já o objetivismo prevê reificar os conceitos referentes a Deus, e reificar
significa, basicamente, a sobreposição das coisas em detrimento das pessoas.
Há uma tendência quase que natural em tratar Deus e as coisas divinas como
coisas que podem ser examinadas e manipuladas, quando, na verdade,
deveríamos compreender que não podemos falar de Deus como se fosse um
objeto qualquer que está diante de nós (Boff, 1998 [1944], p. 538).

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A tagarelice, por sua vez, diz respeito ao segundo mandamento, que
alerta sobre “não falar o nome de Deus em vão”, o que vale especialmente para
o teólogo, tendo em vista que fala sobre Deus. O que deve ser compreendido
nesse ponto é que a qualidade das palavras vale mais do que a quantidade, uma
vez que muitos falam demais e não dizem nada. Estes são apontados como
tagarelas, e, na teologia, o que verdadeiramente importa é “antes o modo de
falar de Deus, o espírito com o que fala dele” (Boff, 1998 [1944], p. 539).
Boff (1998 [1944], p. 541) trata também de um último tema quando
falamos das boas práticas de estudo, que é o compromisso com o povo. A prática
teológica não pode nem termina no puro saber, mas se preocupa com a fé e a
caridade. Devemos encarar o saber teológico como um saber-para, não
bastando um saber “o que”, mas um saber “para que” e “como”.

Para a teologia, é decisiva a pergunta: Cui prodest? A quem interessa?


Para que serve? Evidentemente, a resposta a tal pergunta não pode
ser dada de modo precipitado ou imediatista. Há que resistir ao mero
pragmatismo, especialmente nos anos de formação básica, em que
deve haver, como dissemos, uma intensa concentração no estudo de
assimilação. Mas, dito e reconhecido isso, deve-se acrescentar com
não menos força: toda verdade teológica deve ser fecunda e produzir
vida. (Boff, 1998 [1944], p. 542)

Dessa forma, podemos entender a teologia como um ministério e o


teólogo como um servidor da Palavra em favor do povo. O que se contrapõe a
essa teologia comprometida é a alienação, que pode se dar de duas formas:
quanto ao modo e quanto ao conteúdo.
A alienação quanto ao modo diz respeito a uma teologia que é
especulativa, na qual o teólogo acaba retratando a si mesmo, em um mero prazer
de produzir sistemas por uma beleza ideal, tornando-se um tipo de geometria,
que é lógica, mas irreal. Trata-se de um discurso não construtivo, que não
edifica. Já a alienação quanto ao conteúdo é uma teologia inútil, que trata de
questões insignificantes e irrelevantes (Boff, 1998 [1944], p. 544).
Assim, podemos resumir as atitudes básicas para o estudo da teologia
em: a. amor ao estudo da teologia, de modo que os desvios são o pragmatismo
e o fideísmo; b. senso do mistério, de maneira que os desvios são a arrogância/a
presunção, o objetivismo e a tagarelice; c. compromisso com o povo, sendo o
desvio é a alienação.

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TEMA 5 – PERFIL DO TEÓLOGO

No tópico anterior, abordamos as boas práticas de estudo e apontamos


quais são os maiores erros cometidos por aqueles que se propõem a estudar
teologia. Aqui, trataremos do perfil do teólogo, das práticas que devem ser
perseguidas para que haja uma efetiva atuação dentro das complexas relações
profissionais, bem como de conselhos para que o estudo se torne mais produtivo.
Com o passar do tempo, o perfil do teólogo mudou muito. Antigamente,
no início do Cristianismo, sua principal função era sistematizar a doutrina e
traduzi-la para que os homens da época pudessem compreender. Na
Antiguidade e no Medievo, apareceram as discussões sobre as diferentes
escolas, e ele debatia os pontos em comum e criava conceitos. Depois, já nos
tempos modernos, o teólogo tem outros desafios, tanto por conta das
descobertas geográficas e da revolução científica quanto pelas mudanças dentro
da própria teologia, que foram marcadas pela Contrarreforma, até o Concílio do
Vaticano II (Zilles, 2008, p. 339).
Zilles (2008) aduz que, no período pós-conciliar, houve uma sucessão de
teologias consideradas radicais, entre elas a Teologia da Esperança, da
Libertação, feminista, entre outras. Podemos observar, então, que existem
diversas perspectivas consideradas pressuposto para a criação de teologias
fragmentadas, o que, de certa forma, corresponde ao pouco diálogo entre elas,
trazendo uma ideia de aversão à tradição.
A partir desse sucinto histórico sobre como ocorreu o pluralismo teológico,
precisamos analisar de que forma os novos saberes fragmentam a visão de
mundo, bem como há um desaparecimento de uma linguagem comum, de um
pensamento cristão já constituído. Dessa forma, caberá ao teólogo conseguir
construir pontes entre passado, presente e futuro, preservando a identidade
cristã em um mundo onde há mudanças repentinas, preservando, em meio a
tudo isso, suas limitações (Zilles, 2008, p. 340).
O cuidado que o teólogo deve ter, tendo em vista que está inserido em
diversos contextos institucionais, diz respeito a não cair em discursos sem
fundamento racional e distanciados do conteúdo da fé. Cada vez mais o teólogo
se torna imprescindível, tanto para a igreja quanto para a sociedade, não
bastando uma mera repetição de doutrinas, mas, sim, “buscar respostas para

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problemas novos e velhos à luz da fé e da razão [...]” (Zilles, 2008, p. 342). A fé
é condição básica para fazer teologia, mas isso não significa que é suficiente.

NA PRÁTICA

Dada a importância da teologia, é necessário que existam conselhos para


que haja um convencimento acerca do estudo aprofundado da matéria, a saber
(Boff, 1999):

1. Antes de falar de Deus, coloque-se de joelhos e fale com Deus: é


necessário que se guarde a natureza da teologia, a fé. Antes de tudo, a
teologia não se trata de um saber ou de um agir, mas de um novo modo
de existir: a vivência com Cristo.
2. Nunca perca de vista o tema central da teologia: o mistério de Deus:
é um lembrete quanto ao objeto da teologia ser Deus, ainda que o
pensamento moderno tenha uma tendência a colocar o homem no centro
das preocupações em vez do Divino.
3. Seja a Sagrada Escritura o Principal texto de referência de sua
teologia: a teologia nada mais é do que um desdobramento da Palavra
de Deus. É ela quem dá vida, unidade e movimento à teologia.
4. Sua teologia deve permanecer vitalmente ligada à Comunidade de
Fé, a igreja: devemos enxergar a fé como herança coletiva, ou seja,
pertencente a todo o povo de Deus, a igreja.
5. Mantenha sempre viva a consciência da pobreza da linguagem
humana frente ao Mistério: é preciso compreender que devemos ter
reverência e humildade frente a um Deus infinito.
6. Tenha paixão pelo conhecimento de Deus e das coisas de Deus:
seja encorajado no estudo das coisas de Deus.
7. Faça uma teologia que esteja a serviço do povo de Deus: por meio
da teologia, devemos amar e prestar um serviço à igreja.
8. Que sua teologia leve sempre em conta a realidade do povo: a
teologia deve ser sensível à vida das pessoas e aos problemas
cotidianos. Os teólogos Libanio e Murad, citados por Boff (1999), trazem
seis enfoques que devem ser considerados: socioliberador, feminista,
étnico, ecumênico, ecológico e psicológico.

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9. Não se esqueça de desdobrar a dimensão sociolibertadora da fé: é
de extrema importância o acolhimento das realidades sociais e culturais
para a prática da teologia, que deve ser chamada para dar relevância
aos problemas de justiça e igualdade, dos direitos humanos e sociais.
10. Faça teologia com o ouvido aberto ao pobre: optar pelo pobre, na
teologia, corresponde a colocar os pobres como alvo do nosso discurso
e também dar importância aos seus problemas.

FINALIZANDO

Após essas reflexões, você deve assimilar os conceitos apresentados,


que fundamentam todo o conteúdo a ser apreendido no estudo teológico. Foram
discutidos aqui termos inerentes à prática intelectual e material, a fim de
incentivar o início dessa trajetória, cabendo a cada estudante o papel de se
disciplinar quanto a essas questões.
A título de sistematização dos conteúdos estudados, encerramos esta
aula com uma síntese (Figura 1):

Figura 1 – Síntese dos conteúdos discutidos

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REFERÊNCIAS

BOFF, C. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1998 [1944].

_____. Conselhos a um jovem teólogo. Perspectivas Teológicas: Teologia e


Método, Rio de Janeiro, v. 31, n. 83, p. 77-96, jan. 1999.

CANAL, R. O significado de pensamento crítico. Perspectivas em Ciências


Tecnológicas, Pará, v. 2, n. 2, p. 49-74, mar. 2013.

LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. 5.


ed. São Paulo: Loyola, 2003.

LOPES, R. G. O espírito científico segundo Gaston Bachelard. Rio de


Janeiro: Contraponto, 2003.

RODRIGUES, E. O que é teologia? Rio de Janeiro: MK, 1976.

WAGNER, R. F. Tugendhat e a noção de honestidade intelectual. Intuitio, Porto


Alegre, v. 5, n. 2, p. 53-61, nov. 2012.

WESTPHAL, E. R. Teologia como fé inteligente: aspectos teológicos-filosóficos.


Vox Scripturae: Revista Teológica Brasileira, São Bento do Sul, v. 18, n. 1, p.
77-109, mai. 2010.

ZILLES, U. O perfil do teólogo hoje. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 38, n.


161, p. 338-347, set./dez. 2008.

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