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Aula IX - Ato de Fé
1. O nosso estudo agora vai se deter no ato de Fé. Quando Deus se revela nós
somos convidados a dar uma resposta. E a resposta à Divina Revelação se
chama Fé. Vamos estudar esse ato de fé, ou seja, a fé enquanto resposta
do ser humano à Revelação de Deus. Nesse sentido, é importante recordar
mais uma vez que, quando nós falamos fé, estamos considerando basica-
mente três grandes aspectos, que são: primeiro, a fé no sentido de entrega
a Deus, onde essa entrega se dá em aspectos mais subjetivos, como a con-
fiança (aspecto esse que Lutero pegou e que trabalhou tanto que acabou
deixando tudo nessa parte, mas é uma visão unilateral ficar limitado a esse
único aspecto). O segundo aspecto diz respeito aos conteúdos da Fé, algo
mais objetivo, são os artigos da fé, que Martinho Lutero foi pouco a pouco
sendo obrigado a se preocupar com essa parte de conteúdo.1 Esse segundo
aspecto, mais objetivo, nós chamamos de fides quae, enquanto a primeira
chamamos fides qua, a fé pela qual cremos nesse aspecto mais subjetivo. Já
o terceiro aspecto é o motivo pelo qual cremos: creio porque Deus me re-
velou. Cremos porque Deus nos revelou. É o que nós chamamos de motivo
formal da fé; não creio porque alguém disse, nem porque a ciência provou,
ou por mera convenção, eu creio porque Deus mesmo revelou e como Deus
não se equivoca, porque Ele é a Suma Verdade, Ele é o Ser e, como Ser, Ele é
a Verdade, uma vez que a verdade nada mais é do que um transcendental do
próprio Ser de Deus. Se Deus é a Verdade, se Deus não pode se equivocar,
esse é o motivo formal da Fé.
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To d o s o s d i r e i t o s r e s e r v a d o s . N e n h u m a p a r t e d e s t a o b r a p o d e s e r r e p r o d u z i d a , a r q u i v a d a o u
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2. No Antigo Testamento nós temos a palavra batah – em hebraico significa
confiar, esperar, esperar confiadamente em alguém – e junto com essa pa-
lavra que expressa a fé, ainda no Antigo Testamento nós temos a palavra
aman – manter-se fiel, ser estável, estar fundado. Essas duas palavras, batah
e aman, acabam expressando na língua hebraica o que significa a Fé, ou
seja, a Fé traz essa ideia de apoiar-se em alguém, de encontrar um funda-
mento para a própria vida, e dessa maneira apoiar-se em alguém é crer em
Deus. Assim foram as relações de Deus com Abraão, com Moisés, com os
profetas, com os sábios dos Salmos (que costumamos atribuir ao Rei Davi),
etc. A natureza da fé no antigo testamento se apresenta como uma relação
com Deus, em toda sua totalidade, de tal maneira que o homem se envolve
tanto nessa relação com Deus que se apóia totalmente no Senhor. Esse é o
panorama no Antigo Testamento, que não está tão relacionado ainda com
a questão do conteúdo da Fé, está mais no apoiar-se em Deus, entretanto,
sem dúvida alguma, a Fé do Antigo Testamento já tem conteúdo, visto que
os israelitas deviam acreditar que há um só Deus, um só Senhor, quer dizer,
o monoteísmo. Além do monoteísmo, deviam também professar e viver
a monolatria, adorar apenas a um único Deus confessando que só há um
único Deus. Depois, a fé irá adquirindo cada vez mais conteúdo: quando as
promessas de Deus se fazem presentes na comunidade de Israel, eles preci-
sam acreditar na presença de Deus, numa Terra Prometida; depois a manei-
ra como os profetas vão anunciando as revelações também acabam sendo
objeto da fé do povo de Israel
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inicialmente, é muito claro que eles sabiam que precisavam acreditar que
Jesus é o Cristo, o Ungido, o prometido pelas profecias, que a Jesus eles vão
se converter e em Jesus eles vão acreditar. O conteúdo da Fé está em Jesus,
é Jesus que possui todo universalismo, portanto há Nele uma realidade uni-
versalizante. Jesus abarca tudo o que a Fé do Antigo Testamento já pedia
aos israelitas e mais.
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essas falas de Jesus escandalizavam, assustavam muito. Sobre a Lei, outro
exemplo, no Sermão da Montanha: “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não
cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar
de cobiça para uma mulher já adulterou com ela em seu coração” (Mt 5, 27-
28), nisso Jesus vai interiorizando a Lei, vai levando a Lei a uma realidade
que os judeus não suspeitavam que poderia chegar a tanto.
6.
2
A Fé em São João, em São Paulo, bem como em todos os apóstolos é sem-
pre graça de Deus, é Deus quem nos confere a Fé, é Deus quem move nossos
primeiros momentos na Fé. Essa ideia vai continuar na Patrística, a Fé é Fé
2 Podemos notar também essa dimensão joanina a par tir de suas car tas. São João fala cons-
tantemente sobre a filiação divina, como viver como filhos de Deus, e lemos na primeira
car ta de São João a expressão “filhinhos”, ou seja, já se manifestou, já somos filhos de
Deus, ainda que não tenha se manifestado tudo aquilo que seremos, porque quando se
manifestar seremos semelhantes a Ele, isto é, nós estamos no processo, estamos num ca-
m i n h a r.
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em Cristo, e também é Fé na Igreja. Os gnósticos do século segundo/ter-
ceiro vão tentar introduzir na Igreja uma espécie de oposição entre a Fé e a
gnosis (conhecimento infuso). Voltaremos a falar sobre isso num outro mo-
mento, basta dizer por enquanto: a Fé é aquilo com a qual todos podemos
crer, porque Deus quer. Como diz o apóstolo Paulo, Deus quer que todos os
homens se salvem e cheguem ao conhecimento da Verdade (cf. 1 Tm 2, 3-4),
quer dizer, a Fé é acessível a todos enquanto graça e Deus quer conceder
essa graça a todos, enquanto a Fé é a porta para salvação; então se Deus quer
que todos os homens se salvem, então nós temos que pressupor que Deus
está oferecendo a todos os homens a possibilidade de acreditarem nEle.
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rituais, como que uma elite Cristã, assim entendiam-se os gnósticos, como
sendo os “cristãos de verdade”, aqueles que atingem o Espírito. Com isso,
acabaram criando uma espécie de elitismo dentro da Igreja, coisa que ela
sempre condenou, visto que nós não professamos um cristianismo de dois
níveis. Os gnósticos identificam então a pistis, a Fé, como uma realidade
secundária, provisional, por entenderem o que o cristão precisa conseguir
a gnosis, isto é, o “conhecimento perfeito”, de modo que se quiserem cha-
mar isso de Fé, então tudo bem; pode-se chamar assim, mas “a verdade é a
gnosis”, esse seria o autêntico campo da Fé.
10. Desse modo, um cristão que corresponde à Graça de Deus, que correspon-
de à Fé, pode chegar de fato à contemplação infusa, e isso nada mais é do
que o desenvolver necessário de uma vida de Fé. Não se trata, pois, de um
elitismo, porque não se está defendendo isso para “alguns poucos escolhi-
dos”. Essa contemplação infusa a qual falamos, a união com Deus no conhe-
cimento profundo, nada mais é do que o desembocar no término de um ca-
minho que começou lá no batismo, ao qual cada um vai progredindo. Essa
não é uma posição gnóstica, estamos apenas dizendo que é possível uma
união cada vez maior com Aquele a quem amamos, que é o próprio Deus.
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11. Outrossim, a Igreja defenderá justamente isso através na sua regra de Fé,
através dos Padres da Igreja, como Santo Agostinho, que vai afirmar que
a Fé é sim um conhecimento, mas de um outro tipo. Santo Agostinho fala
da contemplação da Ciência da Fé, donde tiramos aquelas famosas frases:
“Crer para entender” e “entender para crer”, uma afirmação profundamen-
te agostiniana. Em latim de Santo Agostinho credo ut intelligam et intelli-
gam ui credo, ou seja, temos que acreditar para entender cada vez mais e, à
medida que entendemos as verdades da Fé, acreditamos mais ainda.
12. Chegamos até aqui para entendermos que a Fé é um dom de Deus e é com-
promisso do homem. É justamente o ponto de chegada, nessa percepção de
que a fé é Graça de Deus e, ao mesmo tempo, é união profunda com Deus,
e se nós nos abrimos à Sua Graça, o desembocar natural dessa fonte que
começou no batismo será naturalmente, ou melhor, sobrenaturalmente, a
contemplação infusa.
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