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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2013.0000614262

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº


9082746-54.2009.8.26.0000, da Comarca de Catanduva, em que são apelantes J
MARINO INDUSTRIA E COMERCIO S A e WALTER NOGUEIRA JUNIOR, são
apelados WALTER NOGUEIRA JUNIOR e J MARINO INDUSTRIA E
COMERCIO S A.

ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São


Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte aos recursos. V. U.
Sustentou oralmente o Dr Clito Fornaciari Jr", de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ELLIOT


AKEL (Presidente sem voto), LUIZ ANTONIO DE GODOY E RUI CASCALDI.

São Paulo, 8 de outubro de 2013.

Claudio Godoy
RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELAÇÃO CÍVEL
Processo n. 9082746-54.2009.8.26.0000 (994.09.346409-1)
Comarca: Catanduva
Apelante/Apelada: J. MARINO INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A
Apelado/Apelante: WALTER NOGUEIRA JÚNIOR
Apelada: M. A. CONSTRUÇÃO CIVIL LTDA. (Massa falida)
Juiz: Leonardo Grecco
Voto n. 5.416

Compromisso de compra e venda. Resolução.


Inadimplemento do incorporador e construtor, falido.
Pretensão dos adquirentes de responsabilização do proprietário
do terreno pela devolução das parcelas pagas. Conjunto
probatório que não indica ostentasse o proprietário a condição
de parceiro, integrante ou coligado no empreendimento de
incorporação. Responsabilidade limitada ao disposto no art. 40,
§ 2º, da Lei 4.591/64. Acolhimento, a propósito, do pedido
subsidiário. Correção monetária, na devolução deliberada
diante da construtora, a partir de cada desembolso. Juros a
partir da citação. Sentença revista. Recursos parcialmente
providos.

Cuida-se de recursos interpostos contra


sentença (fls. 500/510 e 558) que julgou procedente a ação, para dar por
resolvido o compromisso de compra e venda de três unidades no
empreendimento Residencial César Marino, bem assim para condenar as
rés, solidariamente, à devolução da integralidade dos valores pagos pelos
autores, corrigidos e acrescidos de juros moratórios desde a citação.

Sustenta a ré J. Marino Indústria e


Comércio S/A, em sua irresignação, a ocorrência de cerceamento de

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defesa e violação ao contraditório no julgamento da demanda sem que se


permitisse a apresentação de seus memoriais, apenas após a juntada dos
memorias da parte autora, dando lugar a efetivo debate no qual deve falar
por último; cerceamento, da mesma forma, agora no julgamento da
demanda sem que fosse ouvido o Sr. Antonio Fraletti Junior, referido
pelas testemunhas como condutor das negociações anteriores e
posteriores ao lançamento do empreendimento, e cujo depoimento seria
essencial ao esclarecimento dos fatos, conforme escritura pública de
declaração que acompanha o recurso; e cerceamento na formação do
convencimento do magistrado por elemento nunca antes debatido ou
referido pelas partes, consistente em consulta realizada no momento do
julgamento a cadastros das rés na Junta Comercial, em afronta inclusive
aos princípios dispositivo e da isonomia, e que, ademais, resultou em
suposições equivocadas, pois a sociedade limitada J. Marino
Empreendimentos Imobiliários e Participações se encontra desativada e
com a recorrente não se confunde.

Assevera, ainda, que é parte ilegítima


para figurar no polo passivo da demanda ou, subsidiariamente, que não
tem responsabilidade pela devolução das parcelas, muito menos
solidariamente, por não ter atuado como incorporadora do
empreendimento, limitada sua atuação à transparente e regular promessa
de venda do terreno à segunda ré, M. A. Construção Civil Ltda., não
havendo qualquer vício sequer alegado no negócio celebrado tão
somente entre o autor e a outra demandada, não podendo responder pelo
insucesso do negócio em que também saiu prejudicada.

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Alega que não se pode extrair das


cláusulas do contrato firmado com a segunda ré qualquer interpretação
de que se associou para a incorporação do edifício, a tanto não bastando
as cláusulas que preveem a fiscalização da regularidade dos
procedimentos de incorporação e do valor máximo das prestações em
negócio cujo público alvo era população de baixa renda, pois atinentes
ao seu interesse no sucesso do empreendimento e o consequente
recebimento do preço avençado.

Afirma que os procedimentos de


incorporação, tomados exclusivamente pela segunda ré, foram todos
devidamente registrados, não havendo dúvida para o público, inclusive
para o autor, de que a sua conduta, que, aliás, não é dedicada ao ramo de
construções e incorporações imobiliárias, não se confunda com a da
construtora, aquela que, efetivamente, recebeu as quantias pagas pelos
adquirentes, não encontrando qualquer respaldo probatório a alegação de
que, na publicidade, vinculou-se o seu nome e prestígio ao sucesso do
empreendimento.

Defende, por fim, que nem mesmo o


pedido sucessivo do autor, de responsabilizá-la pelas acessões
introduzidas em terreno que é seu, mereça acolhida, pois não resolveu o
ajuste com a segunda ré e não retomou o imóvel para si, de todo modo
não representando qualquer acréscimo a construção erigida a seu
patrimônio.

Por seu turno, sustenta o autor, em seu

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próprio apelo, que o termo inicial de incidência da correção monetária,


que traduz mero instrumento de manutenção do efetivo valor aquisitivo
da moeda, deve ser a data de cada desembolso, assim como o dos juros
moratórios, havendo verdadeiro ilícito extracontratual por parte da
segunda ré, que emprestou seu nome e reputação a empreendimento
fadado ao insucesso.

Os recursos foram processados,


respondido o da ré, suscitando-se preliminar de intempestividade do
apelo apresentado antes do julgamento dos embargos declaratórios
opostos pelo autor.

A Procuradoria de Justiça ofereceu


parecer em que pugna pelo reconhecimento da nulidade dos atos
processuais praticados desde a última intimação do Ministério Público a
atuar no feito, a fls. 388, intervenção esta que se fazia necessária por
força da composição do polo passivo da lide, integrado por massa falida,
configurando-se prejuízo “uma vez não zelados os interesses dos
credores da falida” (fls. 581).

É o relatório.

Em primeiro lugar, sabido que, em


matéria processual civil, sem prejuízo não se reconhece nulidade. E, por
isso, afasta-se a alegação de nulidade ante a ausência da intervenção do
Ministério Público, em primeiro grau, exigida pelo art. 210 do Decreto-
lei 7.661/45 (v. EDcl no REsp 840.401/GO, Rel. Ministro José

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Delgado, Primeira Turma, julgado em 28/08/2007, DJ 27/09/2007, p.


228; EDcl no REsp 235679/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda
Turma, julgado em 08/05/2007, DJ 18/05/2007, p. 317).

No caso, tendo havido participação do


Ministério Público na fase postulatória (v. fls. 386 vº e 387 vº),
invadindo-se a fase instrutória somente para aferição da situação da
proprietária do terreno em relação ao empreendimento, assim sem que a
responsabilidade da massa falida, promitente vendedora de unidade em
condomínio especial a ser construída sob o regime de preço fechado,
fosse, a rigor, controvertida, não se vislumbra qualquer prejuízo à massa.

E, mesmo suposto interesse na


demonstração da responsabilidade solidária da proprietária do terreno,
pelo insucesso do empreendimento, mais não haveria a cogitar senão
regresso do que eventualmente a massa viesse a pagar aos adquirentes.
Mas, dada a sua situação jurídica, neste feito nada se poderia adimplir,
senão no feito concursal, ainda assim garantido eventual regresso, caso a
solidariedade se mantivesse.

Seja como for, tudo em tese considerado,


mesmo porque concreto e efetivo prejuízo não se indicou quando, no
parecer da Procuradoria, se aduziu a nulidade.

Por fim, ainda mais, sedimentado o


entendimento de que a intervenção do parquet em segundo grau supre a
falta de intervenção na origem: STJ, REsp 279176/RS, Rel. Ministro

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Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 06/02/2001, DJ


12/03/2001, p. 148; REsp 289231/SC, Rel. Ministro José Delgado,
Primeira Turma, julgado em 13/02/2001, DJ 26/03/2001, p. 390;
REsp 241813/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,
Quarta Turma, julgado em 23/10/2001, DJ 04/02/2002, p. 372; REsp
204.825/RR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Segunda Turma, julgado em
17/09/2002, DJ 15/12/2003, p. 245; REsp 308.662/SC, Rel. Ministro
Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 18/11/2003, DJ
01/12/2003, p. 358; REsp 221.962/BA, Rel. Ministro Humberto
Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em 18/03/2004, DJ
12/04/2004, p. 204; REsp 554.623/RS, Rel. Ministro Carlos Alberto
Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 29/06/2004, DJ
11/10/2004, p. 315; REsp 901.282/SP, Rel. Ministro Luiz Fux,
Primeira Turma, julgado em 20/08/2009, DJe 10/09/2009; REsp
1010521/PE, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado
em 26/10/2010, DJe 09/11/2010; Nesta Câmara: Apelação
994.08.041481-0, Rel. Luiz Antonio de Godoy, 1ª Câmara de Direito
Privado, j. 23/11/2010; Apelação 0289824-74.2009.8.26.0000, Rel.
Elliot Akel, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 13/09/2011; Apelação
9068542-73.2007.8.26.0000, Rel. De Santi Ribeiro, 1ª Câmara de
Direito Privado, j. 23/08/2011.

De outro lado, conhece-se do apelo


manifestado pela ré, posto que antes da apreciação dos embargos
declaratórios da outra parte, mas sem que se tenha questionado e,
principalmente, modificado qualquer capítulo objeto do recurso,
inclusive porque os embargos foram desacolhidos.

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Já no que concerne ao alegado


cerceamento de defesa, ociosa a discussão ante o deslinde meritório que,
de todo modo, ao feito se reserva.

Quanto à preliminar da impertinência


subjetiva, evidente que as alegações do apelo da ré, a propósito
efetuadas, não se põem no campo da ilegitimidade passiva. Afinal,
sabido que as condições da ação, em razão da posição abstratista adotada
pelo CPC quanto à natureza jurídica do direito de ação, são apreciadas
em tese e in statu assertionis, isto é, tal como postos os fatos na inicial.
Dizendo-se que também afeta à ré a responsabilidade que se pretendia
ver assentada, em razão do malogro de empreendimento habitacional que
ela também promovia, evidenciada a pertinência subjetiva da demanda,
ao mérito concernindo aferir, inclusive conforme a prova produzida, a
procedência desta alegação.

Mas, a respeito, e preservada a convicção


do I. Juiz prolator da sentença recorrida, não se entende que
caracterizada a participação da corré J. Marino Indústria e Comércio S/A
(J. MARINO) no empreendimento “Residencial Cesar Marino”, senão
na qualidade de proprietária do terreno e coadquirente de unidades
autônomas.

Pelo que se vê do instrumento de fls.


18/24, levado a registro, a titular tabular J. MARINO prometeu vender
um terreno com pouco mais de dez mil metros quadrados a M. A.

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Construção Civil Ltda., hoje falida, para sua incorporação e a construção


de seis edifícios, com 32 unidades autônomas cada, recebendo em
pagamento seis unidades no primeiro edifício a ser construído. A M. A.
Construção Civil Ltda., por sua vez, foi quem prometeu à venda ao autor
três unidades autônomas no empreendimento, a ser erigido sob o regime
de preço fechado (fls. 35/45, 64/74 e 89/99), e cujo inadimplemento dá
causa ao pedido inicial de resolução, com devolução das parcelas pagas.

É verdade que, mesmo assim, possível


que a atuação da J. MARINO ultrapassasse os limites do chamado
contrato de permuta no local, o que, segundo se alega, estaria indicado
pelo nome dado ao empreendimento, homenagem a membro da família
dos sócios da J. MARINO, e pelo estabelecimento de diretrizes para a
incorporação no próprio instrumento de permuta. No entanto, estes
indícios não são nem suficientes e tampouco superam os demais
elementos de prova em sentido diverso erigidos.

Com efeito, todos os documentos


relativos à contratação que vieram aos autos estão exclusivamente em
nome da M. A. Construção Civil Ltda. (fls. 25/228), inclusive todos os
boletos pagos pelo adquirente. Ou seja, não houve qualquer pagamento
direto dos adquirentes ao proprietário do terreno. Os depoimentos das
quatro pessoas ouvidas, todas adquirentes prejudicadas e um deles
também corretor que atuou no empreendimento, pelo que já de duvidosa
isenção e valor probatório, são colidentes. Enquanto Sebastião afirmou
que corretores teriam divulgado a participação da J. MARINO e que
“muitos eram os boatos na cidade de que a J. Marino era a responsável

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pelo tal empreendimento” (fls. 486), Acacio e Edson disseram que


adquiriram as unidades sem nunca ter sabido da efetiva participação da J.
MARINO (fls. 487/488). Igualmente ausente qualquer informe,
mensagem ou material publicitário indicando a coparticipação da ré, do
mesmo modo que não se apontou qualquer direto contato de
consumidores com a empresa.

Não há, então, qualquer indicativo de


que o nome empresarial da J. MARINO tenha sido utilizado de modo, ao
menos, a gerar confiança, a justa expectativa do consumidor em sua
participação no empreendimento. Nem isso se pode depreender de
qualquer pagamento a ela direcionado, ou de dado outro que, enfim,
aponte tenha assumido qualquer obrigação de sucesso do
empreendimento perante os adquirentes.

Mais, a existência de cláusulas


contratuais pelas quais a M. A. Construção Civil Ltda. se obrigou a
submeter a incorporação à aprovação da J. MARINO, inclusive
atendendo a diretrizes para a construção dos edifícios e limite ao valor
das parcelas dos compromissos, não são suficientes a caracterizar a
atuação da J. MARINO, também como incorporadora, nada mais
representando senão seu evidente interesse no sucesso do
empreendimento, afinal o que se explica pelo recebimento de nada
menos que seis unidades em troca do terreno. Mas não se há de
confundir este interesse com integração a uma pretensa cadeia de
fornecimento, como se também como fornecedora se apresentasse aos
consumidores.

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Neste contexto, não há como


responsabilizá-la pela devolução dos valores pagos pelo adquirente, e à
construtora, como se viu. Sua situação jurídica não se equipara à do
incorporador, mas é de simples proprietário do terreno que, mal sucedido
o empreendimento, o recebe de volta, malgrado com a construção
erigida. E, por isso mesmo no que, então, o pedido subsidiário dos
autores se acolhe com a obrigação, aí sim, de indenizar o valor da
acessão.

A todo este respeito, calha o voto da


Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial nº REsp
686198/RJ (Terceira Turma, julgado em 23/10/2007, DJ 01/02/2008,
p. 1):

A resolução da controvérsia exige, antes de mais nada, a


definição de quem foi o incorporador do
empreendimento.
De acordo com o art. 29 da Lei nº 4.591/64, 'considera-se
incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou
não, que embora não efetuando a construção,
compromisse ou efetive a venda de frações ideais de
terreno objetivando a vinculação de tais frações a
unidades autônomas, em edificações a serem construídas
ou em construção sob regime condominial, ou que
meramente aceite propostas para efetivação de tais
transações, coordenando e levando a termo a
incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso,
pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas
condições, das obras concluídas'.
Apesar da definição legal ser demasiado longa e

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imprecisa, não cabe dúvida tratar-se de atividade


finalística, cujo propósito é vender e apropriar-se do
correspondente resultado econômico.
Conforme anota Hely Lopes Meirelles, o incorporador é
uma figura multiforme, 'ora mediando o negócio, ora
financiando o empreendimento, ora construindo o
edifício, ora adquirindo os apartamentos para revenda
futura, mas em todas essas modalidades a sua constante é
ser o elemento propulsor do condomínio' (Direito de
Construir. São Paulo: RT, 5ª ed., p. 227).
De fato, as múltiplas formas que o incorporador pode
assumir torna, muitas das vezes, difícil a sua
identificação. Afinal, como salienta Orlando Gomes, são
variadas as situações em que se apresenta e atua o
incorporador, pois 'ora é dono do terreno, ora não o é.
Estipula os contratos de promessa de venda. Ele próprio
constrói o edifício, ou contrata sua construção. Financia,
ou obtém o financiamento da obra. Promove atos em
nome dos promitentes-compradores. Dirige e administra
o empreendimento. Responsabiliza-se por seu êxito. Não
é, portanto, um simples intermediário, nem um simples
administrador' (Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense,
2ª ed., p. 305).
Emprestando expressão utilizada por Caio Mário da
Silva Pereira, podemos definir o incorporador como
sendo, em suma, “a chave do negócio” (Condomínio e
Incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 3ª ed., p. 251),
isto é, aquele que harmoniza os interesses, mobilizando e
coordenando pessoas e coisas para a consecução do
resultado.
Dessa forma, fica claro que nem sempre o proprietário do
terreno incorporado participa ativamente da
incorporação, como incorporador. Este, não raro, firma
compromisso de compra e venda com o proprietário do
imóvel, assumindo a obrigação de efetuar o pagamento

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do preço, no todo ou em parte, com unidades do


empreendimento, modalidade que encontra previsão no
art. 39 da Lei nº 4.591/64 e que é denominada de
“permuta no local”.
Nessa circunstância, o proprietário do terreno assumirá o
status jurídico de mero condômino, em igualdade de
condições com qualquer outro adquirente de unidades da
incorporação. Apenas, receberá quitada, no todo ou em
parte, determinada quantidade de unidades, em face da
permuta efetuada, de sorte que não há como lhe estender
a responsabilidade imputável ao incorporador, pois ele
não é uma das “chaves do negócio”.
É justamente o que ocorre na espécie, em que a recorrida
limitou-se a celebrar um compromisso de venda e compra
de terreno no qual foi iniciada a construção de prédio
pela Encol, sendo que o preço seria pago em unidades do
próprio empreendimento. Impossível, portanto,
caracterizar a recorrida como incorporadora ou
responsável, mesmo que solidária, pela incorporação,
pois ela não praticou nenhum ato tendente à
comercialização ou construção do empreendimento.
Embora o mero proprietário do terreno deva, via de
regra, ser visto como qualquer outro condômino, da
exegese do art. 40 da Lei nº 4.591/64 infere-se que,
excepcionalmente, será tratado de forma diferenciada:
havendo a rescisão do contrato de alienação do terreno
ou da fração ideal, ficarão rescindidas as cessões ou
promessas de cessão de direitos correspondentes à
aquisição do terreno, consolidando-se o direito sobre a
edificação no compromissário vendedor (proprietário do
terreno), o qual se obriga a pagar a cada um dos demais
adquirentes 'o valor da parcela de construção que haja
adicionado à unidade, salvo se a rescisão houver sido
causada pelo ex-titular'.
E nem poderia ser diferente, pois, se a lei garante ao

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proprietário do terreno o direito sobre tudo o que foi


construído no imóvel, nada mais justo que indenize
aqueles cujos recursos financiaram a obra, sob pena de
caracterizar o locupletamento sem causa daquele.
Entretanto, o dever de indenização deve limitar-se à
vantagem financeira auferida pelo proprietário do
terreno, a qual não se confunde com o valor integral
pago pelos demais adquirentes à incorporadora.
Realmente, sendo o proprietário do imóvel e o
incorporador pessoas distintas, o proveito daquele ficará
adstrito àquilo que for efetivamente edificado no seu
terreno, cuja construção certamente não absorve tudo o
que é pago pelos demais adquirentes. No quantum pago
pelos adquirentes estão incluídos, além do custo da obra,
diversos outros itens, tais como o lucro do incorporador,
despesas administrativas e de marketing na divulgação
do empreendimento e na formalização dos contratos de
venda e compra, além de, é claro, o preço do terreno.”

A propósito, confiram-se, ainda, os


seguintes precedentes da Corte Superior:

PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO


ESPECIAL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA.
INEXECUÇÃO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO
PROPRIETÁRIO DO TERRENO. INAPLICABILIDADE
DO DIREITO DO CONSUMIDOR. VIOLAÇÃO DO ART.
535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
1. O art. 535 do CPC permanece incólume quando o
Tribunal de origem manifesta-se suficientemente sobre a
questão controvertida, apenas adotando fundamento
diverso daquele perquirido pela parte.
2. A Lei de Incorporações (Lei n. 4.591/1964) equipara o

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proprietário do terreno ao incorporador, desde que


aquele pratique alguma atividade condizente com a
relação jurídica incorporativa, atribuindo-lhe, nessa
hipótese, responsabilidade solidária pelo
empreendimento imobiliário.
3. No caso concreto, a caracterização dos promitentes
vendedores como incorporadores adveio principalmente
da imputação que lhes foi feita, pelo Tribunal a quo, dos
deveres ínsitos à figura do incorporador (art. 32 da Lei n.
4.591/1964), denotando que, em momento algum, sua
convicção teve como fundamento a legislação regente da
matéria, que exige, como causa da equiparação, a
prática de alguma atividade condizente com a relação
jurídica incorporativa, ou seja, da promoção da
construção da edificação condominial (art.
29 e 30 da Lei 4.591/1964).
4. A impossibilidade de equiparação dos recorrentes,
promitentes vendedores, à figura do incorporador
demonstra a inexistência de relação jurídica
consumerista entre esses e os compradores das unidades
do empreendimento malogrado.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1065132/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão,
Quarta Turma, julgado em 06/06/2013, DJe
01/07/2013)

DIREITO CIVIL. CONTRATO. PERMUTA.


DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL.
OBRA NÃO CONCLUÍDA. VENDA DAS UNIDADES A
TERCEIROS DE BOA-FÉ. RESCISÃO DO CONTRATO.
REINTEGRAÇÃO NA POSSE. DEFERIMENTO.
ART. 40, § 2º, LEI N. 4.591/64. RECURSO PROVIDO I -
Em contrato de permuta, no qual uma das partes entra
com o imóvel e outra com a construção, não tendo os
proprietários do terreno exercido atos de incorporação -

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uma vez que não tomaram a iniciativa nem assumiram a


responsabilidade da incorporação, não havendo
contratado a construção do edifício - não cumprida pela
construtora sua parte, deve ser deferida aos proprietários
do imóvel a reintegração na posse.
II - O deferimento, no entanto, fica condicionado às
exigências do § 2º do art. 40 da Lei das Incorporações,
Lei nº 4.591/64, para inclusive resguardar os interesses
de eventuais terceiros interessados.
III. - Recurso Especial provido.
(REsp 879548/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti,
Terceira Turma, julgado em 17/08/2010, DJe
25/08/2010)

DIREITO CIVIL. CONTRATO. PERMUTA.


DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL.
OBRA NÃO CONCLUÍDA. VENDA DAS UNIDADES A
TERCEIROS DE BOA-FÉ. RESCISÃO DO CONTRATO.
REINTEGRAÇÃO NA POSSE. DEFERIMENTO.
ART. 40, § 2º, LEI N. 4.591/64. EXEGESE.
COMUNICAÇÃO AOS TERCEIROS INTERESSADOS.
RECURSO DOS AUTORES PARCIALMENTE
PROVIDO. RECURSO DOS RÉUS NÃO CONHECIDO.
I - Em contrato de permuta, no qual uma das partes entra
com o imóvel e outra com a construção, não tendo os
proprietários do terreno exercido atos de incorporação -
uma vez que não tomaram a iniciativa nem assumiram a
responsabilidade da incorporação, não havendo
contratado a construção do edifício - não cumprida pela
construtora sua parte, deve ser deferida aos proprietários
do imóvel a reintegração na posse.
II - O deferimento, no entanto, fica condicionado às
exigências do § 2º do art. 40 da Lei das Incorporações,
Lei nº 4.591/64, para inclusive resguardar os interesses
de eventuais terceiros interessados.

Apelação nº 9082746-54.2009.8.26.0000 16/20


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III - Os terceiros deverão ser comunicados do decidido,


podendo essa comunicação ser feita extrajudicialmente,
em cartório.
(REsp 489281/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de
Aguiar, Rel. p/ Acórdão Ministro Sálvio de Figueiredo
Teixeira, Quarta Turma, julgado em 03/06/2003, DJ
15/03/2004, p. 276)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. TERRENO PAGO COM


UNIDADES DO EDIFÍCIO A SER CONSTRUÍDO.
VENDAS DE DEMAIS UNIDADES A TERCEIROS.
RESCISÃO DO CONTRATO DE VENDA DO TERRENO.
NOVA VENDA DO TERRENO COM BENFEITORIAS
DO EDIFÍCIO JÁ INICIADO. INDENIZAÇÃO AOS EX-
TITULARES. NULIDADE DOS ATOS DE ALIENAÇÃO
ANTERIORES À INDENIZAÇÃO.
- Violação aos arts. 128 e 535 do CPC não configurada.
Todas as questões postas para apreciação e julgamento
da apelação foram devidamente analisadas pelo acórdão
hostilizado, não havendo omissão, contradição ou
obscuridade.
- O proprietário de terreno que o aliena a terceiro, dele
recebendo em pagamento futuros apartamentos
decorrentes de edificação a ser erigida no local, cujo
contrato de compra e venda foi rescindido por transação,
é responsável pelo ressarcimento de tudo quanto foi pago
pelos compradores de outros apartamentos vendidos por
aquele terceiro quando o primitivo negócio ainda estava
vigente.
- Serão nulos todos os atos de alienação praticados
posteriormente à retomada do terreno, desde que os
primitivos adquirentes das unidades em construção
fizeram constar no registro imobiliário próprio a
promessa de compra e venda.
Caso não tenham disso cuidado - que é a hipótese dos

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autos -, as alienações posteriores são meramente


ineficazes, com relação àquelas unidades, até o
pagamento da indenização aos primitivos adquirentes.
- O valor da indenização, de que trata o § 2º do art. 40 da
Lei 4.591/64, a ser paga pelo primitivo proprietário do
terreno ao ex-titular da unidade anteriormente adquirida
deve ter como base de cálculo, na sua aferição, o que
efetivamente valer referida unidade no momento do
pagamento da indenização, proporcional ao estágio da
construção quando foi paralisada, por ter sido
desconstituído o primitivo negócio, incluído aí o valor da
fração ideal do terreno.
- Alegação de existência de cláusula exoneratória da
responsabilidade dos alienantes do terreno. Incidência
das Súmulas ns. 05 e 07/STJ. Ainda que assim não fosse,
isto é, mesmo que existisse tal cláusula, ela vincularia
apenas as partes que a tivessem estabelecido.
- Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa
parte, providos.
(REsp 282740/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha,
Quarta Turma, julgado em 13/11/2001, DJ 18/02/2002,
p. 451)

Nem colhe aduzir, sobre a indenização,


que o contrato de permuta não se resolveu, com retorno do titular à posse
de seu imóvel. Na hipótese vertente, com a falência do incorporador (fls.
233/236), a manifestação do síndico (fls. 368/369) e a ausência de
qualquer iniciativa dos adquirentes neste sentido externada, mesmo por
meio de comissão infrutífera tentativa de composição neste sentido (v.
fls. 391 e seguinte e 466) , frustrou-se a incorporação imobiliária, causa
da permuta, tanto que envolvendo unidades que, afinal, não mais se
construirão.

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A bem dizer, a falência da incorporadora,


como acentuam Nascimento Franco e Nisske Gondo, encerra real causa
ou ao menos se equipara ao inadimplemento do incorporador, restando
aos adquirentes a assunção do empreendimento, mediante pagamento
integral de suas frações do terreno, ou a postulação de crédito na
falência, na condição de credores privilegiados, aqui, e a rigor, na exata
senda da previsão do artigo 43, III, da Lei 4.591/64 (in Incorporações
imobiliárias, RT, 3ª ed., p. 116-117). No mesmo sentido: Melhim
Namem Chalhub, Da incorporação imobiliária, Renovar, 2005, p.
107-108. Também na jurisprudência já se prestigiou a alternativa de
assunção da incorporação pelos adquirentes, sem prejuízo daqueles que
tencionam resolver seus contratos e pleitear perdas e danos (STJ, Resp.
n. 1.115.605, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.04.2011).

Daí porque se acolhe o pleito subsidiário,


para condenar a ré J. MARINO a pagar ao autor o valor correspondente à
sua contribuição na construção inacabada, a se apurar em liquidação,
tomada a data base da citação, a partir de quando também incidentes os
juros de mora, e considerada, ainda, a fração da participação financeira
do autor dentre todos os demais adquirentes, excluída a própria ré.
Observa-se, então, que a responsabilidade da corré a tanto se limita, antes
que solidária e pelo total das parcelas pagas à construtora, apenas que
abatidos importes que, ao mesmo título, isto é, pelo valor da construção,
dela os adquirentes venham a receber.

Como consequência do acolhimento do

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pedido subsidiário, ficam repartidas as custas entre autor e ré J.


MARINO e compensados os honorários (Súmula 306 do STJ).

Por fim, o recurso do autor está a


merecer parcial guarida. É que não há dúvida de que a correção
monetária se preste tão somente à recomposição do valor real da moeda,
por isso que incidente desde cada desembolso dos valores a serem
devolvidos pela falida, aqui se cuidando de efetiva repetição das parcelas
desembolsadas e a ela pagas.

No tocante aos juros moratórios, porém,


tratando-se de consequência do inadimplemento contratual da ré, não se
cogita da incidência da Súmula 54 do STJ. O cômputo se fará desde a
citação.

Ante o exposto, DÁ-SE PARCIAL


PROVIMENTO aos recursos, nos moldes acima declinados.

CLAUDIO GODOY
relator

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