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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ


CONSULTA DE PROCESSOS DO 1º GRAU
DADOS DO PROCESSO
Nº Processo: 0003745-68.2008.8.14.0045
Comarca: REDENÇÃO
Instância: 1º GRAU
Vara: 2ª VARA CIVEL E EMPRESARIAL DE REDENÇÃO
Gabinete: GABINETE DA 2ª VARA CIVEL E EMPRESARIAL DE REDENÇÃO
Data da Distribuição: 19/11/2008

DADOS DO DOCUMENTO
Nº do Documento: 2014.00458259-65

CONTEÚDO
SENTENÇA

Cuida a espécie de embargos à execução interpostos por MARCIO ALVES LOPES em desfavor de SEBASTÃO HUGUINIM LEAL,
ambos qualificados nos autos.
Narra a peça vestibular, em apertada suma, que o embargante sofre execução movida pelo embargado em cujo bojo busca a
satisfação de obrigação de fazer assumida em contrato de compra e venda, consistente na escrituração de um imóvel dado como
parte de pagamento, bem ainda no pagamento dos tributos incidentes sobre o bem.
Arguidas, em sede preliminar, a inépcia da inicial, erro procedimental e carência da ação. A primeira matéria ventilada busca
demonstrar que não existe higidez na execução, vez que não fora estipulado contratualmente prazo específico para cumprimento da
obrigação de promover a transferência do imóvel, de forma que não se poderia falar em inadimplemento e, em consequência, em
exigibilidade.
O segundo tópico é mera extensão do primeiro, apenas um viés processual da mesma matéria.
A carência da ação, de outra banda, é defendida pelo embargante sustentado na viabilidade da presente execução, que estaria
umbilicalmente vinculada ao resultado da ação de nulidade de negócio jurídico registrada sob o n. 2005.1.000149-5, ajuizada por ele
em desfavor do embargado, onde pretende alcançar a desconstituição do negócio por erro na manifestação de vontade.
Por fim, reunindo os argumento retro, o embargante vocifera que o embargado litiga imbuído de má-fé já que quando propôs a
execução da obrigação era conhecedor do tramite da ação de nulidade do negócio, o que denotaria sua atuação temerária,
especialmente por envolver o executado em procedimentos inócuos e descabidos.
No tocante ao mérito o embargante silenciou, limitando-se a dizer que a inexistência da avença negocial dispensaria qualquer
discussão, vez que esvaziada a matéria.
Pleiteado prazo para juntada de procuração.
A presente peça de defesa foi inicialmente atravessada como mera petição nos autos da execução, sendo determinado o
desentranhamento e autuação em apartado, com a consequente apuração e recolhimento das custas processuais.
Em impugnação, o embargado refutou as matérias processuais arguidas e pugnou pela aplicação da pena de confesso por não ter o
embargante combatido o mérito (fls. 67/71).
Procuração juntada (fl. 80).
Custas recolhidas (fl. 84).
Feito remetido à 3ª Vara Cível em razão de decisão proferida em conflito negativo de competência (fl. 88).
É o breve relato. Fundamento e decido.
Passo ao julgamento antecipado da lide, uma vez que a questão controvertida remanesce apenas como jurídica.
As questões postas à apreciação gravitam em torno somente de pontos processuais e, como tal, serão doravante enfrentadas.
Da inépcia da inicial. O embargante assevera ter firmado com o exequente/embargado contrato de compromisso irretratável de
compra e venda, onde figurou como vendedor, tendo como objeto um imóvel rural denominado Fazenda Vale da Serra, com
extensão e limites definidos à fl. 10, sediado no município de Bannach/PA.

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Afirma também que recebeu como parte do pagamento um imóvel comercial localizado no município do Rio de Janeiro/RJ, cuja
posse lhe foi transferida tão logo subscrito o instrumento da avença negocial.
Todavia, diz que questões que se apresentaram na fase pós-venda deixaram claro que o negócio não poderia irradiar efeitos, posto
que eivado de máculas que afetaram a manifestação de sua vontade.
Sustenta que em razão de tais defeitos e por nutrir a intenção de desconstituir o acerto contratual entabulado com o embargado
deixou de promover a respectiva transferência do imóvel que lhe foi dado em pagamento, mas que o fato de ter refluído, mesmo sem
discutir a questão da validade do negócio, não daria azo à execução ora contestada, já que não restou estabelecido prazo para o
cumprimento de tal obrigação.
O exame do feito principal revela não ser inepta a peça pórtica, revestida que está de todos os requisitos gerais de cunho objetivo e
subjetivo, bem ainda dos de natureza especial elencados para o regular trâmite dos feitos executivos.
O embargante pretende livrar-se da obrigação assumida de forma livre, desimpedida e despida de vícios, pelo menos até que se
tenha decisão em sentido contrário.
A presunção nas relações individuais é de que são inteiramente válidas quando celebradas entre agentes capazes e versando sobre
objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e estampadas em instrumentos cuja forma não seja defesa em lei,
O contrário, ou seja, a invalidade capaz de gerar a desconstituição do negócio por nulidade ou anulabilidade deve ser exauridamente
comprovada e reconhecida em processo de conhecimento, onde garantido o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Essa ilação decorre do denominado princípio da boa-fé objetiva, que deve ser observado atentamente pelos contratantes, a teor do
que dispõe o art. 422 do CC. Tal preceito versa sobre um conjunto de deveres exigidos nos negócios jurídicos, mais explicitamente
nos contratos, destinado a pautar a conduta de seus protagonistas em um silogismo de probidade e boa-fé.
Merece relevo, ainda, o fato de que este princípio deve ser guardado pelos contratantes não apenas na execução e conclusão da
avença negocial, mas também nas fases pré e pós-contratual, como esboçado no enunciado 25 da 1ª jornada de Direito Civil.
Vejamos:
Enunciado 25 – Art. 422: o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-
contratual e pós-contratual.
Nesse sentido é o entendimento do STJ no REsp 758518/PR – julgamento em 17/06/2.010.
Ementa. DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES
CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE . DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO
CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO.
Seguindo a linha da legislação civil à luz das leituras doutrinárias e jurisprudenciais, extrai-se que não é dado ao contratante, tal
como pretende o embargante no caso em tela, abraçar o inadimplemento partindo de sua crença unilateral de que a avença negocial
é inválida. Tal postura mais se assemelha a um sucedâneo de arrependimento, cujas conseqüências são inquestionavelmente
gravosas e devem ser repelidas pelo judiciário, pena de imprimir uma insegurança nas relações individuais e um retrocesso nas
conquistas do denominado direito civil constitucional.
O embargante, como se depreende do hialino texto do contrato celebrado, especificamente na cláusula segunda, recebeu do
embargado o imóvel no município do Rio de Janeiro/RJ como forma de pagamento à vista, o que lança por terra o argumento de que
não fora estipulado prazo para a satisfação da transferência.
Nessa senda, se o bem foi dado ao vendedor que o tomou expressamente como pagamento à vista, a tradição do imóvel no registro
competente se afigura como consequência lógica e não como objeto da prestação da obrigação.
Desta feita, por não haver razões para se falar em cumprimento a prazo da obrigação, que foi integralmente satisfeita tão logo
firmada a avença que tomou a dação como pagamento à vista, sendo a transferência imobiliária apenas uma extensão, afasto a

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preliminar de inépcia da inicial.


Do erro procedimental. Para afastar esse instrumento de combate, o que faço desde já, invoco as mesmas razões suscitadas acima,
já que o núcleo da questão esposada para dar sustento a ele é exatamente idêntico, sendo o tópico, como dito alhures, apenas um
viés processual.
Da carência de ação. No espaço reservado para essa matéria, o embargado mais uma vez levantou a ausência de prazo para o
cumprimento da obrigação de transferência do imóvel e somou a isso o fato de haver ação de nulidade de negócio jurídico em
trâmite, em cujo bojo se busca provimento jurisdicional que declare a invalidade do negócio por vício na manifestação de vontade.
Esmiuçando a questão, quer mesmo o embargante falar em relação de prejudicialidade entre os feitos. Inicialmente, em que pese
ainda passível de recurso, cumpre dizer que a invocada ação de nulidade (0000246-40.2005.8.14.0045) foi recentemente apreciada e
seu pleito julgado improcedente, mantendo-se in totum os termos do contrato celebrado entre as partes e intocada a autonomia de
suas vontades.
Pois bem. Se o embargante admite a relação existente entre as duas demandas, deve também aceitar que as decisões judiciais
proferidas em ambas devem convergir e não se mostrarem conflitantes, de modo que acolher a carência da ação sob os
fundamentos apresentados seria caminhar na contramão do entendimento firmado no processo de conhecimento.
Ao caso se aplica, ainda, o disposto no art. 585, §1º do Código de Processo Civil, que reza que a propositura de qualquer ação
relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.
Dessume-se daí que o ajuizamento de ação declaratória de nulidade, por si só, não autoriza a suspensão do feito satisfativo, na
medida em que não retira de referido título sua força executiva.
Sobre o tema calha a notar a lição de Luiz Guilherme Marinoni:
A propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução ou
nela continuar, salvo se na demanda for obtida tutela antecipatória ou tutela cautelar suspendendo a exigibilidade do crédito
consubstanciado no título executivo controvertido judicialmente. (...) Ordinariamente, preenchidos os requisitos legais, pode-se obter
a suspensão da execução por embargos à execução (art. 739, §1º, CPC). (Código de Processo Civil Comentado, 2.009, p. 604).
Do mesmo modo, seguem os ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:
Não suspensão de qualquer execução. Na redação anterior, o 585, § 1º previa a não suspensividade da execução fiscal pela
propositura da ação anulatória de débito fiscal. Mais ampla, a redação atual alarga a abrangência do preceito, no sentido de das
plena eficácia ao título executivo extrajudicial, dispondo não haver suspensão da execução pelo ajuizamento de qualquer ação
relativa ao débito constante do título. (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª. ed., p. 839, Destaque
acrescido).
Em suma, a teor do art. 585,§ 1º, do Código de Processo Civil, o simples ajuizamento da ação declaratória de nulidades pelo
embargante, sem que nesta tenha sido concedida qualquer medida que importe na suspensão do processo executório do respectivo
título extrajudicial, ao contrário, em primeira instância fora julgada improcedente, o que não se pode desconsiderar, não demanda a
suspensão deste.
Ademais, a suspensão dos feitos executivos tem regulamento próprio nos arts. 791 a 793, não sendo, em regra, aplicáveis
subsidiariamente, neste particular, as normas do processo de conhecimento.
O art. 791 do Estatuto Processual Civil determina a suspensão da execução no todo ou em parte, quando recebidos com efeito
suspensivo os embargos à execução; nas hipóteses previstas nos arts. 265, I a III e quando o devedor não possuir bens penhoráveis.
Há, como se vê, uma explícita exclusão da alínea a do inciso IV do art. 265, de modo que a propositura de ação declaratória de
nulidade não possui, ordinariamente, o efeito de suspender a execução, não se enquadrando a hipótese em nenhuma situação capaz
de excepcionar tal regra.

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Desta feita, melhor sorte não socorre o embargante no que toca à carência da ação de execução, argumento que também deixo de
acolher, e na junção de todo o expendido residem as razões para afastar, dispensando maiores argumentos, já que solução diferente
seria inaceitável contradição, a alegação de litigância de má-fé.
Pelo exposto, com fundamento no art. 269, I do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os embargos à execução movidos por MÁRCIO
ALVES LOPES em desfavor de SEBASTIÃO HUGUINIM LEAL, devendo a execução em apenso prosseguir em seus ulteriores
termos.
Condeno o embargante ao pagamento das custas, despesas e honorários advocatícios, estes no valor razoável e fixo de R$2.000,00
(dois mil reais), corrigidos monetariamente pelo índice INPC e juros de mora de 1% ao mês, ambos incidentes a partir deste
arbitramento, para o que tomo como parâmetro o grau de zelo do profissional, que considero comum, vez que a demanda não
reclamou nenhuma atuação acima da mediana, bem ainda a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e
o tempo exigido para o seu serviço, tudo nos termos do art. 20, §4º do CPC.
Traslade-se uma cópia da presente para os autos principais.
Transcorrido o prazo recursal sem manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e remetam-se os autos ao arquivo.
INSIRA-SE no banco de dados do Sistema de Gestão Processual Libra e na capa dos autos o nome do patrono do embargado.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Redenção/PA, 06 de fevereiro de 2.014.

NILDA MARA MIRANDA DE FREITAS JACOME


Juíza de Direito Substituta

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