Você está na página 1de 10

24/03/22, 16:14 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa


Processo: 1669/2007-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: CUSTAS
PREPAROS
PARTE VENCIDA
MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 22-03-2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 - As custas consistem nas despesas que as partes são obrigadas a
fazer para a condução do processo, afora as remunerações (honorários)
dos seus advogados e as despesas pessoais das próprias partes, isto é, os
encargos.
2 - Preparos são as importâncias que vão sendo exigidas às partes a
título de antecipação de custas, antes de chegar à altura em que estas
devem ser contadas e satisfeitas.
3 - A sentença, ou outra decisão final, deve regular entre as partes o
encargo das custas, condenando no respectivo montante uma delas, ou
distribuindo-o por ambas, conforme os critérios legais. Com esta
condenação é que surge a obrigação das custas, sendo a sentença, nesta
parte, sempre constitutiva, e não durante a lide como obrigação
eventual ou condicional. Aqueles critérios legais constam
principalmente dos artigos 446º e 449º do Código do Processo Civil.
Os mais importantes são dois: a) – paga as custas quem dá causa a elas;
b) – paga as custas quem tira proveito do processo.
4 – Apesar de à Autora ter sido denegado o benefício de apoio
judiciário, na modalidade de dispensa de preparos e demais custas
judiciais, não lhe foram exigidos adiantamentos monetários a título de
antecipação de custas já que foi atribuído efeito suspensivo ao recurso
desta decisão, prosseguindo, por isso, os autos seus termos, sem que a
autora tivesse que pagar taxa de justiça inicial ou subsequente ou
tivesse suportado qualquer outro encargo.
5 – Assim, porque é a sentença que regula entre as partes o encargo das
custas e tendo a Autora obtido ganho definitivo da acção, não tem esta
que suportar as custas, razão por que inexiste qualquer interesse da
agravante em ver decidido o recurso por si interposto.
(G.F.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
[M. L.] intentou a presente acção declarativa de condenação com
processo sumário contra [O. M. ], pedindo a condenação deste no
pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não
patrimoniais sofridos em virtude de infiltrações que teve na sua
habitação, em virtude da conduta do Réu.

Refere, em síntese, que subitamente começou a ter infiltrações na sua


casa e, tendo procurado saber a sua origem, veio a descobrir ser da

www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/D63FC170D978C0CF802572B9005375B0 1/10
24/03/22, 16:14 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

floreira do andar contíguo ao do Réu, o qual tinha uma floreira comum


a este, e que, tendo o Réu retirado a sua, não acautelou a saída de águas
da dita floreira, que taparam o ralo que era comum às duas floreiras.
Conclui referindo que tal originou infiltrações e humidades diversas,
com estrago de electrodomésticos, e peticiona uma indemnização no
valor global (por danos patrimoniais e não patrimoniais) de Esc.
1.879.850$00.
O Réu (habilitado depois do falecimento dos primitivos Réus)
contestou, negando as imputações efectuadas pela Autora, e referindo
que a causa das humidades não foi o fechar da floreira nem do ralo.
A Autora requereu o benefício do apoio judiciário, na modalidade de
dispensa total do pagamento de preparos e demais custas processuais,
tendo o requerimento sido indeferido, razão por que dele recorreu,
tendo o recurso sido admitido, a processar como agravo, com subida
deferida com o primeiro recurso posteriormente interposto da decisão
proferida na causa principal que deva subir imediatamente e com efeito
suspensivo.
Nas alegações, a agravante conclui que deve ser deferido o apoio
judiciário.

Foi requerida uma perícia por parte do Réu, a qual não foi realizada por
falta de pagamento de preparos.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferido despacho que fixou a


matéria de facto apurada, o qual não mereceu reclamação e, em
seguida, foi proferida sentença, conhecendo do mérito da causa.

O Tribunal, julgando a acção parcialmente procedente, por


parcialmente provada, condenou, em consequência, o Réu a pagar à
Autora a quantia de € 4324,4, acrescida de juros de mora desde a
citação até integral pagamento, a título de danos patrimoniais sofridos,
e € 2000, a título de danos não patrimoniais, quantia esta acrescida de
juros desde a presente decisão até integral pagamento, absolvendo-se o
Réu do demais peticionado.

Inconformado, recorreu o Réu, formulando as seguintes conclusões:


1ª – Não deve ser dado como provado o quesito 7º e sim o 66º pois não
houve fechamento da varanda do apelante porque esta ainda lá está, o
que houve foi uma ampliação da casa para fora no terraço, suprimindo
a floreira mas o que foi suprido na floreira foi a mesma área com que a
casa foi ampliada, pelo que continuou a ter terraço sem floreira.
2ª – Aqui não devem ser dados como provados os quesitos 8º a 12º
(aqui pelo menos o início) e 13º.
3ª – A aparente contradição nas respostas aos quesitos 14º a 17º e 58º.
3ª – Das respostas dadas aos quesitos 18º a 41º deve ser retirada a
expressão devido às obras efectuadas.
4ª – As atinentes aos quesitos 19º a 59º devem ser encaradas com as
sérias reservas apontadas, tendo em conta os valores atribuídos aos

www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/D63FC170D978C0CF802572B9005375B0 2/10
24/03/22, 16:14 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

objectos alegadamente danificados.


5º - Devem ser dados como provados na totalidade os quesitos 60º a
62º e 64º a 67.

A Autora contra – alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.


2.
Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos:
1º - A Autora é dona da casa designada pela letra” J”, correspondente à
habitação Solário B, n° 10, 2° piso, corpo 5, sito na E.N. 378, Sesimbra
(alínea a).
2º - Na referida casa, habitavam a Autora, seu marido e os dois filhos
menores do casal, à data da propositura da acção (alínea b).
3º - Os Réus são donos da casa designada pela letra “M”, Habitação
Solário C, nº 12, 3° piso, Corpo 6, contígua à facção “N”, Habitação
Solário C, nº 13, situada no piso, imediata e verticalmente superior ao
da Autora (alínea c).
4º - Esta casa, pertencente aos Réus, possuía, tal como todas as outras,
naquela fachada do prédio, uma varanda com uma floreira comum, ou
seja, a floreira de que provinham as águas infiltrada, era comum às
duas casas – a imediatamente superior à casa da Autora e à dos Réus
(alínea d).
5º - A Autora, logo que se apercebeu da causa de tais infiltrações,
efectuou esforços no sentido de contactar os Réus, o que conseguiu,
através do filho destes, o qual a Autora apenas conhece por [O. ]
(alíneas e e f).
6º - Expôs-lhe a situação e pediu-lhe que informasse os Réus, para que
estes tomassem alguma providência (alínea g).
7º - No início do mês de Fevereiro de 1997, finalmente, e por ordem e
conta dos Réus, foram efectuadas obras nessa parte da floreira (alínea
h).
8º - Obras essas que consistiram na ligação exterior de um tubo, em
substituição do anterior ralo, o que passou a permitir a saída das águas
para os esgotos (alínea i).
9º - A Autora passou os meses de Novembro e Dezembro de 1996 e
Janeiro e alguns dias de Fevereiro de 1997, altura em que finalmente os
Réus mandaram ligar um tubo para escoamento das águas pluviais na
parte da floreira pertencente ao Solário C, n° 13, 3° Piso, a apanhar
água (alínea j).
10º - A filha da Autora, de cinco anos de idade, sofre de bronquite
asmática, e com toda esta situação, foi a Autora obrigada a ir por duas
vezes com ela para o hospital, pois o seu estado de saúde agravou-se
(alínea k).
11º - A meio do mês de Novembro de 1996, a Autora detectou
infiltrações de água em sua casa (quesito 1º).
12º - As referidas infiltrações eram mais intensas e notórias na cozinha
e sala (quesito 2).
13º - Logo a Autora verificou que as referidas infiltrações, provinham
da floreira do andar superior ao seu (quesito 3º).
14º - Ou seja, da floreira da casa designada pela letra “N”, Habitação
Solário C, nº 13, 3° piso, corpo 5, que se situa no piso imediatamente
www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/D63FC170D978C0CF802572B9005375B0 3/10
24/03/22, 16:14 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

superior ao da Autora (quesito 4º).


15º - Veio a Autora a verificar que as infiltrações se deviam à falta de
escoamento das águas pluviais, que caíam da referida floreira (quesito
6º).
14º - No inicio do mês de Novembro de 1996, os Réus deram por
concluídas umas obras que levaram a efeito em sua casa, e que
consistiram no fechamento da varanda e parte da floreira comum, para
construção de uma marquise com terraço (quesito 7).
15º - Os Réus executaram as obras na floreira, sem tomarem em conta
que a mesma era comum, não só à sua casa, como também ao Solário
C, n° l3, 3° piso (quesito 8º).
16º - Tanto assim foi, que os Réus taparam o ralo comum para
escoamento das águas da floreira, também esta, comum aos dois
Solários, o n° 12° de sua propriedade e n° 13° (quesito 9º).
17º - Sendo esse ralo comum, era através deste que as águas eram
conduzidas, tanto as de rega das flores aí existentes, como as pluviais
para os esgotos (quesito 10º).
18º - Com as obras efectuadas pelos Réus, a parte da floreira
pertencente à fracção, Solário C, n° 13°, 3° piso, ficou sem ralo para
escoamento das águas (quesito 11º).
19º - O que deu origem, com a chegada das chuvas fortes em
Novembro de 1996, a que as águas pluviais se infiltrassem para o tecto
e paredes da casa da Autora (quesito 12º).
20º - O facto de os Réus fecharem a varanda da sua casa e a floreira foi
causa directa e necessária, para infiltração de águas em casa da Autora
(quesito 13º).
21º - Após o facto referido em I) a água deixou de se infiltrar na casa
da Autora (quesito 15º).
22º - Apesar da eficácia de tal solução, a água que se havia infiltrado
nas paredes e tecto da casa da Autora, era de tal forma abundante, que
não parou imediatamente de cair (quesito 16º).
23º - Só com a chegada do tempo quente, é que a casa da Autora
começou a secar (quesito 17º).
24º - A Autora verificou que a água vinda da floreira sem escoamento,
devido às obras efectuadas pelos Réus, inundou toda a placa superior
da casa da Autora, saindo nos mais diversos pontos da casa, destruindo
mobiliário e electrodomésticos (quesito 18º).
25º - A Autora adquiriu móveis e electrodomésticos em virtude de as
inundações terem estragado os seus (quesito 19º).
26º - Adquiriu um fogão (quesito 20º).
27º - Adquiriu uma carpete (quesito 21º).
28º - Adquiriu uma máquina de café (quesito 22º).
29º - Um cortinado de cozinha (quesito 23º).
30º - Um candeeiro de sala (quesito 24º).
31º - Na compra destes artigos a Autora teve uma despesa no montante
de Esc. 242.000$00 (quesito 25º).
32º - Todos estes bens da Autora, ficaram inutilizados ou muito
deteriorados em consequência das infiltrações (quesito 26º).
33º - Foi a Autora obrigada a substituir, de imediato, a TV que deixou

www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/D63FC170D978C0CF802572B9005375B0 4/10
24/03/22, 16:14 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

de funcionar e os cortinados da cozinha que ficaram bolorentos e que se


romperam à lavagem (quesito 27º).
34º - Actualmente o fogão, frigorifico, máquina de café, candeeiro de
sala, aparelhagem sonora e armários de cozinha já foram substituídos
(quesito 28º).
35º - Foi a Autora obrigada a substituir a televisão, que lhe custou Esc.
110 000$00; Pelo frigorífico a Autora gastou mais de Esc. 80.000$0
(quesitos 29º e 37º).
36º - A aparelhagem sonora deixou de funcionar (quesito 38º).
37º - A foto dos filhos e respectiva moldura ficou estragada (quesito
39º).
38º - Os armários de cozinha, em madeira de mogno, apodreceram,
incluindo os armários superiores, precisando de ser substituídos por uns
novos, tendo a Autora solicitado um orçamento para a sua substituição
cujo valor se cifra em Esc. 435.000$00 (quesito 40º).
39º - A Autora, cansada das infiltrações, e já em desespero, foi
aconselhada por um engenheiro, a furar o tecto da casa, de forma a
criar locais de passagem para as águas que se encontravam infiltradas
no tecto, devido às obras efectuadas pelos Réus (quesito 41º).
40º - A Autora, seguindo o conselho que lhe foi dado, fez um furo no
tecto de sua casa, junto à entrada, mas tal solução não funcionou
(quesito 42º).
41º - A Autora, durante os meses em que duraram as infiltrações, foi
obrigada a apanhar água de dia e de noite que caía por toda a casa,
tendo de arrastar móveis e electrodomésticos, e depois de a água deixar
de cair, ainda teve de pintar e limpar toda a casa (quesito 45º).
42º - Devido à água que lhe entrava para dentro de casa, a Autora teve
de pôr os seus dois filhos, de 5 e 9 anos de idade a dormir com ela e o
marido, privando-se da sua intimidade e sem conforto para nenhum dos
quatro (quesito 49º).
43º - A casa da Autora esteve sempre húmida, respirando-se um
ambiente insalubre e doentio (quesito 50º).
44º - Para cozinhar a Autora tinha de abrir um chapéu – de - chuva,
dentro de casa, pois a água caía-lhe sobre a comida que tinha ao lume
(quesito 51º).
45º - A Autora chamou o piquete da Electricidade do Sul SA (quesito
52º).
46º - A Autora ficou sem luz eléctrica tempo concretamente não
apurado (quesito 56º).
47º - As inundações aconteceram na época natalícia, em que a Autora
esperava passar o Natal em casa com a família e mais alguns familiares
que já tinham sido convidados, planos que foi obrigada a alterar, tendo
de ser a Autora a deslocar-se para casa de familiares devido ao estado
de sua casa (quesito 57º).
48º - A Autora durante mais de três meses viveu inquieta e em grande
pânico, temendo curtos circuitos e sem descansar dia e noite aparando
as águas que caiam (quesito 59º).
49º - Parte da casa dos Réus situa-se por cima, mas da casa da Autora
(quesito 61º).

www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/D63FC170D978C0CF802572B9005375B0 5/10
24/03/22, 16:14 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

50º - A floreira em questão não tinha divisória (quesito 62º).


51º - A vizinha de baixo do Réu fez a mesma obra de tapagem do
terraço e, na ocasião e a fim de se precaver da possibilidade de
humidades provenientes da floreira, solicitou ao Réu a feitura de uma
tela de alcatrão para a água não passar na respectiva floreira, o que o
réu autorizou e bem e foi lá feito por um pedreiro (quesito 63º).
52º - Inicialmente não existia no andar da Autora a cozinha que existe
hoje em dia, pois a Autora fez obras, fechando-o e aumentando-o pelo
aproveitamento do terraço (quesito 64º).
53º - Os Réus, a título de cautela, efectuaram a obra referida em I)
(quesito 67º).
54º - A casa do réu tinha e continua a ter muitas infiltrações e sem que
se saiba sequer qual a sua proveniência (quesito 68º).
3.
A apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela
ordem da sua interposição; mas os agravos interpostos pelo apelado que
interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for
confirmada (artigo 710º, n.º 1 CPC).

Acrescenta o n.º 2 do artigo 710º que os agravos só são providos


quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha
interesse para o agravante.
Aferindo-se esse interesse a posteriori, importa conhecer, desde já, da
apelação.

É no corpo das alegações de recurso que têm de ser indicadas as razões


da discordância com o julgado. Se aí o recorrente nada diz em contrário
do decidido sobre determinada questão, é porque com aquela se
conforma, transitando a decisão em julgado, não obstante as conclusões
aflorarem eventualmente essa questão.
Na verdade, as conclusões são um mero resumo dos fundamentos ou da
discordância com o decidido, sendo ilegal o alargamento do seu âmbito
para além do que do corpo daqueles consta.

Por seu turno, sendo as conclusões a materialização do ónus de


concluir, a que alude o artigo 690º CPC, aplica a enunciação abreviada
, concisa e clara dos fundamentos; e esta directiva é tanto mais
compreensível quanto é certo que o âmbito do recurso nos é dado pelo
teor das conclusões, só abrangendo as questões aí contidas, salvo se
outras houver de conhecimento oficioso (artigo 690º, n.º 1 e n.º 4 CPC).

Colocam-se assim à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:


a) – Matéria de facto: deverão ou não ser alteradas as respostas dadas
aos quesitos referidos pelo Apelante?
b) - Contradição nas respostas dadas aos 14º a 17º e 58º.
4.
Visando a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por
outra que julgue a acção improcedente, pretende o Recorrente que seja
alterada a decisão da matéria de facto, questionando as respostas dadas
aos quesitos 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 18º, 41º, 60º, 61º, 62º, 64º, 65º,
www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/D63FC170D978C0CF802572B9005375B0 6/10
24/03/22, 16:14 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

66º e 67º bem como as atinentes quesitos 19º a 59º.


A Autora pretende que todos os quesitos, cujas respostas impugna,
sejam dados como “não provados” à excepção dos quesitos 60º a 62º e
64º a 67º, para os quais peticiona respostas de “ provado”.
Convirá relembrar, antes de mais, quanto aos poderes da Relação
relativamente à alteração da matéria de facto decidida pelo Tribunal a
quo o seguinte:

Vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de


julgamento ou da prova livre (artigo 655º CPC), segundo o qual o
tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em
sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto
controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto
jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser
dispensada.

Segundo este princípio, que se opõe ao princípio da prova legal, as


provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização,
nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas
Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 471..

Além deste princípio, que só cede perante situações de prova legal –


prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos
particulares e por presunções legais Antunes Varela, local citado. -, vigoram
ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo
que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão de 1ª
instância sobre a matéria de facto, ampliados pela reforma processual
operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações
introduzidas pelo DL n.º 180/96, de 25 de Setembro, deve restringir-se
aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova
disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados Ac. RP,
de 19-09-2000, CJ, XV, Tomo IV, 186 a 189..

Assim, à luz do disposto no artigo 712º CPC, a decisão do tribunal da


1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se
do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de
base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se,
tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido
impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles
proferida (al. a), se os elementos fornecidos pelo processo impuserem
decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras
provas (al. b) ou ainda se o recorrente apresentar documento novo
superveniente, que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em
que a resposta assentou (al. c).
Embora a lei faculte em termos gerais que as partes peticionem a
modificação da decisão sobre a matéria de facto, exige no entanto que
observem o ónus da discriminação fáctica e probatória – artigo 690º-A
– e o ónus conclusivo – artigos 684º, n.º 3 e 690º, n.º 4 CPC.

www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/D63FC170D978C0CF802572B9005375B0 7/10
24/03/22, 16:14 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Dispõe o artigo 690º-A CPC que, quando se impugne a decisão


proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente
especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto
que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios
probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele
realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto
impugnada, diversa da recorrida.
No caso presente, torna-se perfeitamente claro não ser aplicável a
previsão das referidas alíneas do n.º 1 do artigo 712º, do CPC, pois que,
por um lado, tendo sido inquiridas testemunhas por forma oral, por
outro, não foram gravados os depoimentos dessas testemunhas, pelo
que do processo não constam todos os elementos de prova que serviram
de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa.
Acresce que não foi apresentado documento novo superveniente e, por
fim, os elementos fornecidos pelo processo não impõem decisão
diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.

Não se pode, pois, sindicar a prova oral produzida em audiência (artigo


712º, n.º 1, alínea a) do CPC).
4.2.
Mesmo quando não constem do processo todos os elementos
probatórios que serviram de base à decisão da matéria de facto, a
Relação pode, oficiosamente, anular essa decisão em dois casos: a) –
quando repute deficiente, obscura ou contraditória sobre determinados
pontos; b) – quando considere indispensável a ampliação da matéria de
facto, em ordem a evitar contradições na decisão (artigo 712º, n.º 4).
A resposta será deficiente quando for incompleta, isto é, quando não
abranger a totalidade da pergunta; será obscura quando admitir várias
interpretações, de modo a que dela se possam extrair diversos
entendimentos; será contraditória com outra quando ambas façam
afirmações inconciliáveis entre si, de modo que a veracidade de uma
exclua a veracidade da outra.
Ora lendo os citados quesitos, não se nos afigura ocorrer qualquer
obscuridade ou contradição na matéria de facto neles tida por provada e
não provada.
Improcedem, assim, as conclusões do Apelante, não havendo, pois,
fundamento para a alteração da matéria de facto nem para a anulação
da decisão sobre tal matéria.
5.
Depois de notificada, veio a Autora/Apelada peticionar que a Relação
conhecesse do recurso de agravo por si interposto, porque continuava a
manter interesse nele.
Trata-se do recurso interposto da decisão que lhe denegou o benefício
do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de preparos e demais
custas judiciais.

www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/D63FC170D978C0CF802572B9005375B0 8/10
24/03/22, 16:14 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Mas será que lhe assiste qualquer interesse?


As custas consistem nas despesas que as partes são obrigadas a fazer
para a condução do processo, afora as remunerações (honorários) dos
seus advogados e as despesas pessoais das próprias partes, isto é, os
encargos.

Preparos são as importâncias que vão sendo exigidas às partes a título


de antecipação de custas, antes de chegar à altura em que estas devem
ser contadas e satisfeitas. O pagamento dos preparos é indispensável,
em geral, para que o processo siga os seus termos ou sejam praticados
certos actos que interessam à parte que deve fazê-lo. Assim se
consegue, ao menos em certa escala, haver o montante das custas de
litigantes, dos quais, por falta de bens apreensíveis, não poderia ser
cobrada coercivamente.

Estes adiantamentos monetários necessários à promoção das acções e


recursos são, actualmente, designados por taxa de justiça, matéria
regulada no Código das Custas Judiciais.

Temos, assim, que os processos estão sujeitos a custas, as quais


compreendem a taxa de justiça e os encargos (artigo 1º do CCJ). A taxa
de justiça é paga gradualmente e corresponde ao somatório das taxas de
justiça inicial e subsequente (artigos 22º e 13º, n.º 2 CCJ). Os encargos
compreendidos pelas custas estão enumerados no artigo 32º do CCJ.
Quem deve suportar o encargo das custas?

A sentença, ou outra decisão final, deve regular entre as partes este


encargo, condenando no respectivo montante uma delas, ou
distribuindo-o por ambas, conforme os critérios legais. Segundo
CHIOVENDA Instituzioni, I, 518., com esta condenação é que surge a
obrigação das custas, sendo a sentença, nesta parte, sempre
constitutiva, e não durante a lide como obrigação eventual ou
condicional. Aqueles critérios legais constam principalmente dos
artigos 446º e 449º do Código do Processo Civil. Os mais importantes
são dois: a) – paga as custas quem dá causa a elas; b) – paga as custas
quem tira proveito do processo.
A – Paga as custas quem dá causa a elas. É o princípio mais amplo.
Vale para a generalidade dos processos. O mesmo princípio por sua vez
comporta duas fundamentais aplicações, que devem ser consideradas
cada uma de per si.
1 – Paga as custas a parte vencida. Esta norma é a primeira e a mais
importante aplicação do princípio. Consta do artigo 446º, n.º 2, e a sua
justificação particular está na ideia de que o processo não deve
ocasionar dano ao pleiteante que tem razão.
Parte vencida é aquela que decaiu no pleito – aquela a quem a sentença
seja desfavorável, por não ter acolhido a sua pretensão, já negando-lhe
o direito que deduziu em juízo, ou não chegando a apreciar a sua
existência, já reconhecendo o direito deduzido pela outra parte. A
www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/D63FC170D978C0CF802572B9005375B0 9/10
24/03/22, 16:14 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

sucumbência equivale portanto ao insucesso na lide – insucesso que


não deixa de existir quanto ao Réu pelo facto de ele não contestar.

2 – Paga as custas o Autor. Esta norma é outra aplicação do mesmo


princípio. O seu enunciado geral consta do artigo 449º, n.º 1, que o
formula nestes termos: «Quando o réu não tenha dado causa à acção e a
não conteste, são as custas pagas pelo autor».
Reportando – nos ao caso sub judicio, constata-se que à agravante não
foram exigidos adiantamentos monetários a título de antecipação de
custas, já que foi atribuído efeito suspensivo ao recurso que lhe
denegou o benefício da assistência judiciária, de tal sorte que o
processo seguiu os seus termos sem que a autora tivesse que pagar taxa
de justiça inicial ou subsequente.
Como se referiu, é a sentença, ou outra decisão final, que deve regular
entre as partes este encargo, condenando no respectivo montante uma
delas, ou distribuindo-o por ambas, conforme os critérios legais. Com
esta condenação é que surge a obrigação das custas, sendo a sentença,
nesta parte, sempre constitutiva, e não durante a lide como obrigação
eventual ou condicional.
Entretanto, a Autora teve ganho da acção tanto na 1ª instância quanto
na Relação, pelo que, sendo o Réu a parte vencida, a ora agravante não
tem que suportar custas nem encargos.

E. porque se trata de uma acção cuja alçada não admite recurso para o
STJ, a acção termina aqui, razão por que se não alcança qual o interesse
do agravante em ver decidido o recurso por si interposto.
Nestes termos, por falta de fundamento, decide-se não tomar
conhecimento do recurso de agravo interposto pela Apelada.
6.
Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a sentença
recorrida.
Custas pelo Apelante.
Lisboa, 22 de Março de 2007.
Granja da Fonseca
Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira.

www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/D63FC170D978C0CF802572B9005375B0 10/10

Você também pode gostar