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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

N.º do Acórdão
53/2001

Data
10/05/2001

Sumário
Providência cautelar de arresto

Exposição
Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

A RODA SPA , Sociedade Italiana com sede em Pontevico, Brescia ,Itália, e com escritório na ilha
do Sal, devidamente representada nos autos, e MORENO P ASSARELLA, requereram
providência cautelar de arresto contra VILA CRIOULA LDA, Sociedade por acções e CRIOULA
HOTEL, Sociedade por quotas, ambas com sede em Santa Maria- ilha do Sal, para garantia
patrimonial de um crédito no valor global 87.343.859$00, alegando em síntese que:
A Vila Crioula tem como objecto a promoção imobiliária no sector turístico e a administração e
exploração de actividades comerciais, industriais e financeiras na área turística ou relacionadas
com a actividade turística;
O único bem de valor adquirido pela Vila Crioula Lda foi um lote de terreno de 80.000 m2, sito em
Stª Maria, comprado ao Município do Sal em 1997;
No dia 7 de Janeiro de 1998 a Requerente e a Vila Crioula Lda celebraram em Brescia, Itália, um
contrato de empreitada para a construção de um complexo residencial , hoteleiro, e comercial em
Stª Maria - ilha do Sal, em terreno pertencente a esta última;
No dia 6 de Maio de 1998 a Vila Crioula escreve uma carta à Roda Spa, alegando a não
existência de contrato por não se sentir obrigada pela simples assinatura do sócio Fausto
Cominelli;
No âmbito da execução da empreitada a Requerente enviou para a ilha do Sal as máquinas,
equipamentos, utensílios e materiais necessários à construção do empreendimento, e, uma vez

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que a Requerida Vila Crioula, sendo investidor externo em Cabo Verde estaria isento de direitos
aduaneiros na importação dos citados equipamentos, as primeiras máquinas foram enviadas em
nome desta;
A requerente instalou aqueles equipamentos num espaço de terreno da 1 a Requerida, que lhe
serviria de estaleiro, com a autorização desta, tendo o referido espaço sido vedado;
Em 27 de Maio de 1998 a 1 a Requerida assinou com uma empresa ~ de construção civil cabo-
verdiana , a CVC, um contrato de objecto coincidente em parte ao celebrado com a Requerente;
Em 24 de Junho de 1998 a Vila Crioula pede a devolução do estaleiro no prazo de sete dias,
oferecendo à requerente o arrendamento de um outro espaço, mediante renda a negociar;
A Requerente solicitou a devolução dos equipamentos instalados no estaleiro da I a Requerida, o
que esta aceitou;
Após ter retirado boa parte dos equipamentos foi impedida de retirar os restantes; na sequência
disso Renato Musati, empregado, sócio e representante da Vila Crioula apresentou queixa à
Polícia e ao Ministério Público alegando que os trabalhadores da Requerente e Moreno
PassareIIa, estavam a furtar materiais pertencentes àquela o que deu origem aos autos corpo de
delito nºI09/98; .
Perante isso o M.P. ordenou à Polícia que se deslocasse ao local e no dia 3 de Agosto de 1998
foram presos sete trabalhadores da Roda Spa, entre os quais Moreno PassareIIa, por um período
de 48 horas; a Polícia comunicou-lhes ter apreendido todos os materiais e equipamentos que
Moreno PassareI Ia tinha retirado dos estaleiros;
Esses materiais e equipamentos viriam a ser restituídos à Requerente no dia 7 de Outubro do
referido ano na sequência de um despacho da Procuradoria da República proferido nos autos
corpo de delito já referenciados;

E os restantes equipamentos só vieram a ser restituídos em 20 de Novembro de 1998 em sede


de providência cautelar de restituição provisória de posse.
A Vila Crioula Lda vendeu à Crioula Hotel, Lda uma área de 45.000 m2 ao preço de mil escudos o
m2 ;

Quanto aos restantes 35000 m2 é de se presumir que seriam vendidos em breve à empresa
"Djadsal Turinvest" Lda, visto que em assembleia geral da Vila Crioula realizada a 15 de
Setembro de 1998 tal venda foi deliberada ao preço de quin11entos escudos o m2;
A questão da rescisão unilateral do contrato de empreitada está em discussão no Tribunal Arbitral
de Brescia, em que a Requerente Roda Spa, pediu contra a Vila Crioula Lda, uma indemnização
não inferior a 40.000.000$00;
Em 20 de Julho de 1998 a Requerente assinou um acordo com a empresa Farol L~ em que
aquela se comprometia a construir um edifício destinado a um Centro Cultural em Santa Maria até
final de Outubro do mesmo ano;
Nos termos do acordo celebrado a Requerente recebeu da Farol Lda a quantia de 200.000.000
de liras,( o correspondente a 10.000.000$00 ecv), assumindo todas as responsabilidades por

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eventual atraso na entrega da obra; quaisquer contingências que a encarecessem não seriam da
responsabilidade da Farol Lda, mas sim da Roda, Spa.
O valor de 10.000 contos inicialmente atribuído estava calculado ao preço do custo e não aos
preços de mercado, visto que a Requerente dispunha de máquinas e equipamentos de qualidade
superior e capazes de minimizar esses custos;
Tendo a Vila Crioula provocado a imobilização de uma parte dos equipamentos como
consequência da queixa crime e retirado outra parte, não podia ter deixado de, com esses actos,
contribuir para dificultar ou impossibilitar à primeira Requerente o cumprimento do contrato,
causando- lhe imensos prejuízos;
Os Requerentes já impugnaram a venda do lote de terreno de 45.000 m2 feita pela Vila Crioula à
Crioula Hotel.
Dizem os Requerentes ter crédito sobre a Vila Crioula com base no pagamento das
indemnizações a que têm direito, da seguinte forma:
a) Indemnização pedida pelo segundo requerente, (Moreno PassareIIa ) por danos morais no
valor de 6.000.000$00;
b) Indemnização pedida pela primeira requerente por danos morais e lucros cessantes no valor
de 25.000.000$00;
c) Indemnização pedida pela primeira requerente por danos materiais, seja em virtude de
materiais e equipamentos não recuperados,(3.351.259$00), seja de materiais e equipamentos
restituídos com apreciável desvalorização (1.022.600$00), seja por custos a mais suportados
directamente pela requerente Roda Spa na construção do Centro Cultural por não dispor dos
materiais máquinas e equipamentos apreendidos pela Polícia ou esbulhados pela requerida Vila
Crioula (949.116$00), seja ainda por atrasos na entrega do Centro Cultural (cerca de
11.970.000$00);
d) A dívida resultante da responsabilidade por rompimento do contrato, em julgamento no
Tribunal Arbitral, cerca de 40.000.000$00.
Alegam os requerentes que o arresto tem a finalidade de garantir o pagamento das
indemnizações a que têm direito, no valor global de 87.343.859$00 e que receiam perder a
garantia patrimonial do seu crédito, visto que a Vila Crioula começou e terminou a sua actividade
com o contrato assinado com a requerente Roda e vendeu o único bem de valor que tem à
Crioula Hotel, cuja venda impugnou, pretendia vender os restantes 35.000m2 à empresa "Djadsal
Turinvest", pelo que está a tratar do seu desaparecimento do mercado.
Apreciada a prova oferecida, a Mma Juiz “a quo” proferiu despacho ordenando o arresto
requerido, por, no seu entender, estarem preenchidos os requisitos para que a providência fosse
decretada, os previstos no art. 403° do C.P.C.;
Inconformada recorreu a Sociedade Crioula Hotel para este Supremo Tribunal de Justiça,
apresentando doutas alegações rematando em síntese com as seguintes conclusões:
- 0 arresto, como procedimento cautelar, é sempre dependência de uma causa, que tenha por
fundamento o direito acautelado, não se podendo dissociá-lo da relação material controvertida.
(...)

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- Para decidir a competência internacional do Tribunal para decretar o arresto não se pode ignorar
o direito acautelado e a conexão deste com a ordem jurídica interna.
- Na acção ordinária no3199, intentada pelos requerentes do arresto e do qual este é dependente
não se visa declarar, construir ou exigir qualquer crédito relativamente à rescisão unilateral do
contrato de empreitada celebrado entre a RODA e a VILA CRIOULA.
- Os requerentes da providência expressamente afirmaram que a indemnização no valor de
40.000.000$00 fundada na rescisão desse contrato está a ser objecto de apreciação por um
Tribunal Arbitral em Brescia, Itália.
- Pelo que não tem o tribunal cabo-verdiano competência internacional para decretar o arresto
para garantia desse crédito de 40.000.000$00. , \ .

- O arresto decretado para garantia desse crédito viola também o disposto no art. 384°/3 do C.P
.C.
- Não existem nos autos prova mínima da provável existência de um crédito dos agravados no
valor de 25.000.000$00 e de 6.000.000$00, a título de indemnização por perdas e danos
resultante de qualquer acto ilícito imputável à Vila Crioula.
- A prisão sofrida pelo agravado PassareIIa foi efectuada pela autoridade policial no âmbito de
instruções directas e exclusivas do Ministério Público.
- Tendo essa prisão sido considerada ilegal, o Estado é o único responsável pelas perdas e
danos resultantes da prisão.
- Não existe nos autos nenhuma prova, (documental ou testemunhal) que demonstre a
probabilidade séria da existência de lucros cessantes por parte da Roda, avaliados em
25.000.000$00.
- O arresto requerido contra o adquirente dos bens do devedor não deixa de ser um meio de
conservação da garantia patrimonial dos bens do credor,
- Garantia patrimonial que não é constituída necessariamente pelo bem objecto do acto
impugnado, mas sim pelo património do adquirente, que fica obrigado a responder pelo valor do
bem adquirido.
-Tendo o adquirente bens suficientes para garantir o valor do bem objecto da aquisição
impugnada no caso de esta proceder, não se verifica nenhum perigo de perda da garantia
patrimonial para o credor.
- Estando a existência do crédito face ao adquirente demonstrada com a impugnação judicial da
aquisição, é igualmente necessário demonstrar o receio da perda da garantia patrimonial em
relação a este adquirente.

- Sem a verificação cumulativa destes dois requisitos o arresto dos bens do adquirente não pode
ser decretado.
- A agravante tem um património constituído pelas obras de um hotel de 5 estrelas construído no
terreno arrestado de valor 40 vezes superior ao valor do terreno.
- A agravante tem um capital social de 100.000.000$00, integralmente realizado em dinheiro.

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- Conclui pela revogação do despacho recorrido por ilegal na parte em que:
- Decretou o arresto para garantia de indemnização de 40.000.000$00, por violação das regras de
competência internacional e ainda por violação do nº3 do art. 384° do C.P .C.;
- Considerou provável a existência de um crédito de 25.000.000$00 a titulo de lucros cessantes e
de 6.000.000$00 a titulo de indemnização por danos morais;
-Decretou o arresto do terreno pertencente à Crioula Hotel, Lda,
Devendo ainda ser ordenado o levantamento deste arresto do terreno dela agravante.
A agravada contra minutou pugnando pela confirmação do decidido.
A Mma Juiza "a quo" sustentou o despacho recorrido. Corridos os vistos legais cumpre apreciar e
decidir .
Da alegada incompetência internacional do Tribunal para decretar o arresto e violação do
disposto no nº3 do art. 384° do C.P.C.

Entende a agravante que sendo qualquer providência cautelar dependência de uma acção
principal o disposto na alínea a) do nº1 do art. 83° do C.P.C. não pode deixar de Ter como
pressuposto necessário de que só é aplicável quando o tribunal cabo-verdiano seja
internacionalmente competente, quando a acção principal haja de, ou seja, posta num Tribunal
cabo-verdiano.

Na verdade, como procedimento cautelar que é, o arresto é sempre dependência de uma acção
intentada ou a intentar, à qual, mais cedo ou mais tarde, terá que ser apensado. É esse o regime
que se prescreve no art. 384° do C.P .C.;
Essa dependência pressupõe a propositura da causa principal em território cabo-verdiano. Mas,
obviamente, quando para essa causa tenham competência os tribunais nacionais.
Caso assim não aconteça, o arresto será dependência da causa que, após reconhecimento do
crédito ajuizado, venha a pender da jurisdição cabo-verdiana: revisão da respectiva decisão
estrangeira, seguida, quando confirmada, da execução (artigo 1094° relacionado com os arts. 94°
e 95°, todos do C.P.C.)
Todavia não é a questão de qual o tribunal competente para a acção principal que esta instância
é chamada a decidir;
A ordem jurídica cabo-verdiana faculta a qualquer credor, mesmo estrangeiro, assegurar,
mediante o procedimento cautelar de arresto, a futura realização efectiva do seu crédito, sempre
que os respectivos bens se encontrem em território cabo-verdiano (art. 83° alínea a) do C.P.C.)
Tratando-se de uma providência provisória para a qual basta a aparência do direito e porque
legitimada pelo "periculum in mora ", pode ela ser decretada tanto pelo tribunal onde deva ser
proposta a acção respectiva como pelo da situação dos bens (citada alínea a) do art. 83°).
Improcedem pois nesta parte as alegações da agravante.
Sustenta também a agravante não existir nos autos prova mínima da provável existência de um
crédito dos agravados de 25.000.000$00 e 6.000.000$00 a título de indemnização por perdas e
danos por facto ilícito praticado pela Vila Crioula.

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E neste particular tem razão:
Os autos não oferecem prova bastante de que por facto ilícito imputável à Vila Crioula os
agravados tenham sofrido danos de que agora pretendem ser ressarcidos. Dos elementos
constantes do processo apura-se que o representante da Vila Crioula apresentou denúncia contra
um dos agravados e na sequência dessa denúncia, no âmbito de instruções do Ministério Público
a autoridade policial prendeu sete trabalhadores da Roda Spa, de entre os quais o ora agravado
Moreno Passarella, prisão essa que foi considerada ilegal;
Desta factualidade colhe-se que a haver responsabilidade por perdas e danos resultantes de
prisão declarada ilegal esta deverá ser assacada ao Estado, já que, nos termos da lei, não se
mostravam estar reunidos os requisitos para que esta tivesse lugar;
Mesmo que assim se não entendesse os autos não apresentam prova indiciária bastante da
autoria material de um crime de denúncia caluniosa por parte do representante da Vila Crioula,
que pudesse sustentar um pedido de indemnização por danos morais."...O requisito provável
existência do crédito reconduz-se à ideia da « aparência do direito» e fica demonstrada quando
emerge de facto criminoso sobre o qual tenha recaído despacho de pronúncia ou equivalente,
transitado em julgado...", vid. (Ac RP , de 21.7.1987 BMJ , 369.0-601 ), para citar jurisprudência
que nos é mais próxima.

Outrossim, não se encontra minimamente provado no processo nem através de documentos nem
de testemunhas a probabilidade séria de, em virtude dos factos supra relatados, a agravada Roda
Spa tenha sofrido prejuízos a título de danos morais, designadamente à sua "imagem comercial"
e 1ucros cessantes no montante de 25.000.000$00, pelo que nesta parte deverá o despacho ser
alterado.
Por último, entende a agravante que os mesmos requisitos exigidos A para o decretamento do
arresto em relação aos bens do devedor devem estar reunidos quando este é requerido contra o
adquirente dos bens daquele;
Que em relação à Crioula' Hotel, (adquirente ), não se encontra demonstrado o receio da perda
da garantia patrimonial pelo que, não estando verificados os requisitos cumulativos previstos na
lei, não podia, ser ordenado arresto do terreno a ela pertencente.
Esta tese, defendida pela agravante, carece no entanto de apoio doutrinal e jurisprudencial.

Em princípio o arresto só pode incidir sobre os bens do devedor, dado que são estes que
garantem o cumprimento da obrigação, (art. 601°,do C.Civil). Todavia, assim como
extepciona1mente podem ser executados bens de terceiro, (art.818°), também estes bens podem
excepcionalmente ser arrestados. Só poderão sê-lo, porém, depois de ter sido instaurada contra o
terceiro -adquirente a impugnação pauliana. É a doutrina do nº 2 do art.,619° do C. Civil. Assim,
não é o património do adquirente que responde pela dívida; pelo que em relação a ele não
necessitam ,de :estar provados os condicionalismos previstos no art. 403° nº 1 do C.P.C. para
que se decrete a providência.

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Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos acordam os do STJ em conceder provimento
parcial ao recurso, confirmando o aresto decretado na sentença recorrida, mas para ... um crédito
no montante de 56.343.859, ( cinquenta e seis milhões, trezentos e quarenta e três mil, oitocentos
e cinquenta e nove escudos).
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do vencimento.
Not.

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