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A ética de Stuart Mill é uma resposta ao problema do critério ético da moralidade.
Procura encontrar um critério para decidir se as ações humanas possuem ou não valor
moral. Vai encontrar esse critério no princípio de moralidade.
A filosofia utilitarista, da qual Jeremy Bentham e John Stuart Mill são os principais
representantes, vai procurar um princípio objetivo da moralidade, o qual seria superior a
todas as normas morais (exemplo de normas morais: não mentir, respeitar o outro, não
roubar, não usar a violência, etc.). Esse princípio permitiria distinguir, moralmente, o que é
correto ou incorreto fazer, já que um mesmo ato pode beneficiar certas pessoas e prejudicar
outras. Por outro lado, esse princípio objetivo da moralidade poderá servir de critério
para, em caso de conflito entre normas morais (por exemplo, se houver conflito entre não
mentir e o dever de proteger uma pessoa de alguém que lhe quer fazer mal). Antes, porém,
de analisar esse princípio objetivo da moralidade (princípio da utilidade ou princípio da
maior felicidade) vamos caracterizar a ética de Stuart Mill.
A primeira característica da ética de Mill é que ela é uma ética utilitarista. A moralidade de
uma ação e o modo como devemos viver são avaliados pela possibilidade de gerar a maior
utilidade possível. A utilidade é medida pela capacidade de as acções maximizarem a
felicidade para o maior número. Para o utilitarismo, a melhor coisa a fazer numa dada
situação é aquela que, de um ponto de vista imparcial, o bem-estar de todos aqueles que
são afetados pela ação.
(1) A única prova de que algo é visível é o facto de ser visto por alguém.
(2) A única prova de que algo é audível é o facto de ser ouvido por alguém.
(3) Logo, a única prova de que algo é desejável é o facto de ser desejado por alguém.
(De 1 e 2, por analogia)
(4) A única coisa que cada pessoa deseja, por si mesma, é a sua própria felicidade.
(5) Se a única prova de que algo é desejável é o facto de ser desejado por alguém e
a única coisa que cada pessoa deseja, por si mesma, é a sua própria felicidade,
então a felicidade de cada pessoa é a única coisa que é, por si mesma, desejável
para cada uma delas.
(6) Logo, a felicidade de cada pessoa é a única coisa que é, por si mesma, desejável
para cada uma delas. (De 3, 4 e 5)
(7) Se a felicidade de cada pessoa é a única coisa que é, por si mesma, desejável
para cada uma delas, então a felicidade geral é a única coisa que é, por si mesma,
desejável para o agregado das pessoas.
(8) Logo, a felicidade geral é, por si mesma, desejável para o agregado das pessoas.
(De 6 e 7, por modus ponens)
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Assim, podemos afirmar, em primeiro lugar, que o que torna uma ação moralmente boa é
as suas consequências. Independente dos motivos do agente, a ação é boa se as suas
consequências forem boas. Em segundo lugar, pode-se afirmar que, na perspetiva do
consequencialista, as ações não têm um valor moral intrínseco, mas esse valor moral
depende das consequências.
Para os consequencialistas, como Stuart Mill, só há uma razão para realizarmos as nossas
ações: o facto de elas terem as melhores consequências possíveis. O que é sempre
eticamente decisivo é a razão para promover o maior bem possível. Em resumo pode dizer-
se que para uma ética consequencialista um ato é certo ou permissível apenas no caso de
não haver um acto alternativo cujas consequências sejam melhores.
Uma terceira característica da ética de Stuart Mill é o hedonismo. Considera que os efeitos
ou consequências de uma ação devem ser avaliados em termos de felicidade
proporcionada, de forma imparcial e ao maior número possível de pessoas. A fonte dessa
felicidade é o prazer e a ausência de dor. Chama-se hedonismo a esta conceção da
felicidade. O consequencialismo de Mill é, por este motivo, um consequencialismo
hedonista. A esta forma de consequencialismo chama-se utilitarismo.
Exercícios
2. Explique por que razão a ética de Stuart Mill é uma ética utilitarista.
3. Explique por que razão a ética de Stuart Mill é uma ética consequencialista.
4. Explique por que razão a ética de Stuart Mill é uma ética hedonista.
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§ 2 A ética de Stuart Mill: princípio de utilidade e imparcialidade
O prazer e a ausência de dor são os dois únicos bens desejáveis como fins, e
todas as outras coisas desejáveis são desejáveis quer pelo prazer que proporcionam
em si próprias quer porque são meios de procurar o prazer e evitar a dor. (Stuart
Mill, Utilitarismo)
2. Implicitamente, realiza ainda o hedonismo, pois sabemos que, para Stuart Mill, a
felicidade é pensada como prazer e ausência de dor.
4. Este princípio fornece ainda uma solução para casos onde existam conflitos
entre deveres objetivos contraditórios. Quando se apresentam ao agente dois
deveres objetivos (por exemplo, não mentir e salvar uma pessoa) mas que, na
circunstância, são contraditórios (se mentir salvo a pessoa, se disser a verdade a
pessoa é assassinada), o princípio de utilidade ou da maior felicidade fornece o
critério para tomar uma decisão. Devo praticar a ação que tende a aumentar a
felicidade.
Exercícios
6. Esclareça por que razão o princípio de utilidade realiza as três características da ética
de Mill: utilitarismo, consequencialismo e hedonismo.
7. Explique por que razão o princípio de utilidade nos fornece um critério para resolver
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conflitos entre deveres morais objetivos que sejam contraditórios.
Um problema que se coloca à ética de Mill é o seguinte: não poderá o agente, ao calcular
as consequências da sua ação, procurar promover a sua felicidade, ou daqueles que lhe
são próximos, em detrimento da felicidade dos outros ou até do maior número? Não poderá
o hedonismo de Mill implicar um egoísmo?
O utilitarismo exige do indivíduo que seja rigorosamente imparcial. Fazer aos outros
o que gostaríamos que nos fizessem, amar o próximo como a nós mesmos, é pois a
máxima que constitui a perfeição ideal da moralidade utilitarista. (Stuart Mill,
Utilitarismo)
2. A imparcialidade implica que o agente não abra excepções para si ou para os que
lhe são próximos. A exceção está excluída e a imparcialidade é obrigatória na
escolha da ação.
1. Mill defende que a nossa consciência moral não é inata (não nasce connosco),
embora todos os seres humanos nasçam com uma disposição natural para ter
uma consciência moral.
3. A educação e a opinião devem ser utilizadas para consolidar, em cada um, uma
associação indissolúvel entre a sua felicidade pessoal e a felicidade geral.
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Sendo assim, o utilitarismo de Stuart Mill não implica uma eliminação completa da busca da
felicidade pessoal. Defende, porém, que, através do processo de educação, os indivíduos
aprendam a harmonizar a sua felicidade com a felicidade geral, aprendam a procurar o seu
bem entre os bens que geram a maior felicidade geral.
Exercícios
8. Esclareça a razão por que não podemos acusar a ética de Stuart Mill de ser um
hedonismo egoísta.
Para os hedonistas quantitativos, a vida mais feliz será aquela que, descontada a dor,
contiver maior quantidade de prazeres. Por exemplo, em si mesmo o prazer da embriaguez
não será melhor nem pior que o de ouvir música. A avaliação destes prazeres depende, na
perspetiva dos hedonistas quantitativos, da duração e da intensidade que proporcionam. A
embriaguez deve ser evitada, porém, porque conduzirá à doença e a experiências
dolorosas. O segundo deve ser cultivado pois, ao apurarmos a nossa sensibilidade musical,
ficaremos aptos a maior satisfação. Esta visão dos prazeres, porém, é meramente
instrumental.
Mill discorda dela e argumenta a favor de um hedonismo qualitativo. O que significa isto?
2. Uma vida feliz é aquela que está ligada à fruição de prazeres de qualidade
superior.
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capazes de os apreciar e de se deleitar com eles, dão uma preferência muito
marcada ao modo de existência que emprega as suas faculdades superiores.
6. Stuart Mill não nega os prazeres físicos. Afirma, porém, que os prazeres do
espírito são superiores e qualitativamente diferentes.
A partir do hedonismo qualitativo proposto por Stuart Mill, percebemos que a ação com
valor moral será aquela que maximizar os prazeres superiores entre os seres humanos.
Entre uma ação que proporciona prazeres inferiores e uma que proporciona prazeres
superiores, o hedonismo qualitativo estabelece uma prioridade para os prazeres superiores,
para os prazeres do espírito. Como escreve Stuart Mill, “Vale mais ser um homem
insatisfeito do que um porco satisfeito; vale mais ser Sócrates insatisfeito do que um imbecil
satisfeito”.
Exercícios
Será que as regras e normas morais em vigor na sociedade devem ser abandonadas,
segundo a ética de Mill? Haverá regras morais absolutas e incondicionais, tal como pensava
Kant? Para compreender a posição de Mill tenha-se em consideração o seguinte:
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3. Estas normas ou regras morais são mais fáceis de aplicar que o próprio princípio
de utilidade. Este serve, fundamentalmente, para identificar quais as normas e
regras morais (princípios secundários) corretos.
5. Mill defende que não há regras morais absolutas. Não nega, porém, a
existência de princípios e regras morais objetivas. O princípio de utilidade é válido
independentemente das opiniões dos indivíduos. As regras morais também possuem
um valor objetivo. A regra “não mentir”, por exemplo, é válida objetivamente
independentemente da minha opinião sobre ela.
No entanto, esta regra não tem um valor absoluto. Posso ter de mentir para salvar
uma pessoa dos desejos criminosos de outra. Afirmar que não há regras morais
absolutas implica também afirmar que não há ações intrinsecamente boas. Uma
ação é moralmente correta ou incorreta conforme as consequências que dela
resultem numa dada situação, pelo que, para o utilitarista, não há deveres que
devam ser respeitados em todas as circunstâncias, isto é, não há deveres morais
absolutos.
Em conclusão, há princípios e regras morais que possuem um valor objetivo, pois não
dependem das preferências do sujeito. No entanto, nenhuma regra moral tem um valor
absoluto. Depende das circunstâncias e das consequências de uma ação. Em caso de
conflito entre normas ou regras morais objetivas, o princípio de utilidade é o critério que
permite ao agente tomar uma decisão moralmente correta.
Exercícios
Depois de estudar o § 4 O problema das regras morais em Stuart Mill (página 2 até
estes exercícios) responda às seguintes questões:
14. Esclareça as razões pelas, segundo Stuart Mill, as regras e normas morais em vigor
na sociedade (princípios secundários) não devem ser abandonadas para seguir o
utilitarismo.
15. Será que Stuart Mill defende que as normas morais em vigor na sociedade (princípios
secundários) devem ser sempre aplicados? Justifique a sua resposta.
16. Perante um conflito entre duas normas morais - por exemplo, entre não mentir e
proteger uma pessoa - explique como é que o utilitarismo resolve o conflito.
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A filosofia moral de Stuart Mill levanta um conjunto de objecções. Vamos tentar
compreender algumas dessas objeções.
Resposta de Mill a esta objeção. A resposta que Mill poderia dar a esta objeção
desenvolve os seguintes argumentos:
ii. Por outro lado, esta objeção confunde utilidade com expediente. A
utilidade traz benefícios morais reais. O expediente consiste na infração de
uma regra moral para obter um benefício momentâneo. Assim, matar uma
pessoa para salvar outras três (imaginemos que essa pessoa é morta para
lhe retirarem órgãos que as outras três precisam para sobreviver) é um
expediente. Se isso acontecesse, haveria consequências negativas para toda
a sociedade, pois ficaria abalada a confiança na qual assenta toda a vida
social. Todo o ato que possa abalar a confiança em que assenta a sociedade
é recusado pelo utilitarismo.
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iii. Desde que ganharam consciência das faculdades mais elevadas, nunca
mais se contentaram com uma felicidade que não implique o exercício das
faculdades superiores (inteligência, imaginação, sentimentos morais).
iv. O prazer ligado à felicidade não se pode avaliar do ponto de vista
quantitativo, mas qualitativo.
v. A objeção não faz sentido tendo em conta a natureza qualitativa do
hedonismo de Mill.
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Resposta de Mill a esta objecção. O contra-argumento afirmaria o seguinte:
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Exercícios
17. Explique a objeção que defende que o carácter utilitarista da ética de Mill torna-a uma
ética do interesse.
18. Explique que resposta daria Stuart Mill à objeção que defende que é impossível
calcular todas as consequências das nossas acções.
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