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10º ano O problema da fundamentação da moral

O UTILITARISMO (Stuart Mill)

O utilitarismo baseia-se no pressuposto de que o objetivo último de toda a atividade humana é a


felicidade. Esta perspetiva é conhecida por hedonismo.

Hedonismo: perspetiva segundo a qual só o prazer é intrinsecamente bom e só a dor é intrinsecamente


má. Princípio que remonta à filosofia grega, segundo o qual a finalidade última de todas as nossas ações
– o supremo bem – é a felicidade.

Trata-se de uma ética consequencialista porque considera nossa obrigação moral básica agir tendo em
vista as melhores consequências.

Um utilitarista define o “bem” como a maior felicidade (estado de prazer e de ausência de dor) para o
maior número de pessoas.

As ações moralmente corretas são aquelas que promovem a felicidade ou o bem-estar para a maioria
das pessoas.

Princípio da utilidade: as ações estão certas na medida em que tendem a promover a felicidade, ou
seja, o prazer e a ausência de dor; e erradas na medida em que tendem a promover o reverso da
felicidade.

Para os utilitaristas, o que torna uma ação moralmente correta são as consequências que dela resultam.
O valor da ação reside nas suas consequências e não na intenção ou no carácter do agente que a pratica.

DIFICULDADES DO UTILITARISMO

Dificuldades de cálculo – Uma vez que o valor de uma ação reside nas suas consequências e no grau de
felicidade que ela proporciona às pessoas, temos necessariamente de prever os resultados de uma ação
específica. Temos de medir a felicidade e comparar a felicidade de pessoas diferentes. Ora isso é
extremamente difícil. Como se compara o prazer de um entusiasta do futebol com o prazer de um
devoto de ópera?

DISTINÇÃO ENTRE PRAZERES ELEVADOS E PRAZERES BAIXOS

Para ultrapassar essa crítica, Mill afirmou que qualquer pessoa que tenha conhecido os prazeres
elevados (espirituais, intelectuais, etc.), iria preferi-los aos chamados prazeres baixos (que são
sobretudo físicos). Segundo ele, os prazeres elevados contam muito mais no cálculo da felicidade do que
os baixos. Ele avalia os prazeres de acordo com a sua qualidade, assim como de acordo com a sua
quantidade.

Ele afirmou: “É preferível ser um Sócrates triste mas sábio do que o ignorante feliz mas tolo.” Esta
afirmação significa que os prazeres de Sócrates são de um género mais elevado.

Crítica: Tudo isto soa a elitismo e parece uma justificação intelectual para as suas próprias preferências
particulares e os interesses da sua classe social. Não resolve o problema da dificuldade de cálculo.

O PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

Stuart Mill salienta a exigência de imparcialidade do ideal utilitarista:

“Devo advertir uma vez mais que os detratores do utilitarismo não lhe fazem a justiça de
reconhecer que a felicidade em que se cifra a conceção utilitarista de uma conduta justa não é a própria
felicidade do que age, mas de todos. Porque o utilitarista exige a cada um que, entre a sua própria
felicidade e a dos outros, seja um espetador tão estritamente imparcial como desinteressado e
benevolente.”
No texto, o autor afirma:

1. Que o utilitarismo não visa a felicidade do agente (não se centra no prazer ou no bem-
estar de quem age);
2. A exigência de uma ponderação imparcial, isto é, que se dê igual importância aos seus
interesses e aos de todos os outros que serão afetados pela sua ação;
3. A dimensão de reciprocidade (fazer aos outros o que queremos que nos façam a nós).

Uma ideia importante na ética de Mill é a de imparcialidade. Para decidir o que é moralmente correto
fazer, o agente deve ter tanto em conta não só o seu bem-estar como o de todas as outras pessoas que
são afetadas pela ação. A sua felicidade não conta mais do que a felicidade dessas outras pessoas e não
deve abrir exceções mesmo para familiares e amigos. Quando delibera sobre o que vai fazer, o agente
tem de ser completamente imparcial.

Assim, a ação moralmente correta é aquela da qual resulta a maior felicidade ou bem-estar para todas
as pessoas envolvidas e imparcialmente consideradas. Uma ação boa é, portanto, a mais útil, ou seja, a
que produz mais felicidade global. A este princípio que funciona como critério da moralidade chama-se
princípio de utilidade e afirma que a ação que deve ser realizada é aquela de que resulta a máxima
felicidade possível para as pessoas que são afetadas por ela. O princípio de utilidade é, por isso,
conhecido também como princípio da maior felicidade.

Concluindo: A ação boa é a que promove não a felicidade do indivíduo, mas do maior número possível
de pessoas. O utilitarismo é uma forma de altruísmo ético, visa tornar os seres humanos mais
solidários e empenhados na construção de uma sociedade mais feliz.

O utilitarismo implica necessariamente o abandono das normas morais aceites na generalidade das
sociedades?

Estas normas – tais como não matar inocentes, não roubar e não mentir – resistiram à prova do
tempo e em muitas situações fazemos bem em segui-las nas nossas decisões. Mas há situações em que
não respeitar uma determinada norma moral e seguir o princípio de utilidade tem melhores
consequências do que respeitá-la. O princípio de utilidade ajuda-nos a deliberar e a tomar decisões
quando as regras morais vigentes não nos permitem determinar como agir. É o caso quando há conflitos
e dilemas morais.

OBJEÇÕES À TEORIA ÉTICA DE MILL

1. Os efeitos de uma ação podem prolongar-se no futuro:


Alguém bate numa criança porque esta se portou mal. A questão de saber se a ação foi moralmente boa
depende das consequências da ação. Mas devemos ter apenas em conta os efeitos imediatos ou os
efeitos a longo prazo? Alguém pode argumentar que o castigo infligido poderá ser benéfico para o
futuro da criança, evitando situações potencialmente negativas no futuro. Os efeitos de uma ação
podem prolongar-se extraordinariamente no futuro.

2. Pode justificar ações moralmente incorretas:


Outra objeção ao utilitarismo defende que este pode justificar muitas ações que habitualmente
consideramos imorais.

Casos problemáticos:

Exemplo: se se provar que enforcar um inocente pode ter um efeito benéfico de reduzir os crimes
violentos, por atuar como um fator de dissuasão, causando assim, no cômputo geral, mais prazer do que
dor, então um utilitarista seria obrigado a dizer que enforcar um inocente é a coisa moralmente correta
a fazer. Mas isso é inaceitável, repugna ao nosso conceito de justiça.

Imaginemos que eu decido não pagar uma dívida e que o meu credor se esqueceu da dívida. Para um
utilitarista seria moralmente correto não pagar a dívida uma vez que a felicidade de quem não paga é
maior e ultrapassa claramente a infelicidade que possa sentir pelo facto de enganar os outros. Por outro
lado, o credor não sentiria nenhuma infelicidade, uma vez que se esqueceu da dívida. Portanto, nalguns
casos parece bom não cumprir com a palavra dada.

A TEORIA ÉTICA DE KANT

Para Kant, o critério para averiguar se uma ação é moral passa pela intenção (motivo) com que o agente
realiza a ação. Uma ação é moral se a intenção do agente for desinteressada, ou seja, se a ação não
tiver em conta o interesse particular do agente. Ao perguntarmos pela intenção do agente,
perguntamos por que razão o indivíduo agiu daquele modo, qual o princípio ou máxima que orientou a
sua ação? Para Kant, uma ação possui valor moral se o princípio que a orienta estiver submetido às
ordens da nossa razão, pois só assim estou a agir de modo desinteressado. Quando obedeço à minha
razão, a minha ação é puramente desinteressada. As ordens da razão são universais, (a razão está
presente em todos os indivíduos), são as mesmas para todos os indivíduos (seres racionais), só deste
modo podemos assumir um ponto de vista imparcial e universal, não agindo por interesse. O princípio
da ação que tem em conta o interesse particular não pode ser universalizado.

Exemplo da promessa: prometo com a intenção de não cumprir. Poderei querer que o princípio ou
máxima que orienta a minha ação “promete para não cumprir” possa erigir-se a lei universal? Se todos o
fizessem a promessa deixaria de ter todo e qualquer valor.

O agir desinteressado, que obedece à razão, é o único que pode ser universalizado.

O agir cuja intenção é desinteressada é o único que respeita o dever pelo dever. Agir por dever é
cumprir incondicionalmente as ordens da minha razão.

Para Kant, existem certas regras morais (ordens da minha razão) que devem ser cumpridas e respeitadas
em todas as circunstâncias, independentemente das consequências que daí possam advir.

TRÊS CLASSIFICAÇÕES PARA A NOÇÃO DE DEVER

Agir contra o dever: ação sem qualquer valor moral, porque se trata de desobedecer às ordens da
razão. É um agir condicionado pelos nossos interesses particulares. Exemplo: um comerciante que
engana os clientes aumentando os preços dos produtos com o objetivo de ganhar mais.

Agir conforme o dever: ação que para Kant também não tem valor moral, porque é realizada tendo em
conta os interesses particulares do agente. Apesar de não desrespeitar as ordens da razão, é o interesse
particular que move o agente. Exemplo: o comerciante decide não inflacionar os preços dos seus
produtos porque receia perder os seus clientes.

Agir por dever: para Kant, este é o único agir com valor moral. É o único que respeita
incondicionalmente as ordens da razão, que não se submete ao interesse particular. Exemplo: o
comerciante que decide não inflacionar os preços dos seus produtos porque pensa que não o deve
fazer, respeitando, deste modo, as ordens da razão. Este agir é o único que é passível de ser
universalizado.

A LEI MORAL

O princípio que me diz que devo cumprir o dever pelo dever, presente na consciência de todos os seres
racionais, é a lei moral. Para Kant, uma ação é moralmente boa se se submeter a este princípio. Esta lei
moral, que não se submete a nenhuma condição para o seu cumprimento, traduz-se na forma de um
imperativo categórico.

Imperativo categórico Tu deves.

A ética kantiana é formal, não me indica que regras devo respeitar, mas como devo cumprir.

O imperativo categórico surge como uma ordem incondicionada, diz-me que o cumprimento do dever
é um fim em si mesmo e não um meio para alcançar algo.
IMPERATIVO CATEGÓRICO E IMPERATIVO HIPOTÉTICO

Imperativo hipotético: ordem condicionada, na medida em que se submete a condições para que
cumpramos o dever. Exemplo: “Deves fazer isto, se queres obter aquilo.” Cumpro o dever, não pelo
próprio dever, como um fim em si mesmo, mas como um meio para obter um fim.

Imperativo categórico: ordem incondicionada, na medida em que não se submete a qualquer condição.
Exemplo: “Não deves mentir, porque esse é o teu dever.” Cumpro o dever pelo próprio dever, sem ter
nenhum fim em vista.

FORMULAÇÕES DO IMPERATIVO CATEGÓRICO

Kant formulou o imperativo categórico de diversos modos. Apresentamos duas formulações que se
permutam entre si.

1.ª “Age segundo uma máxima (princípio) tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei
universal.”

Explicação: Agir de tal modo que eu queira que o princípio que determina a minha ação seja também
ele seguido por todos. Exemplo: sempre que precisar de dinheiro, peço emprestado, sem intenção de o
devolver. Pode este princípio tornar-se lei universal? Se este princípio se erigisse a lei universal, a
promessa deixaria de ter qualquer sentido.

2.ª “Age de tal maneira que uses a tua humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer
outro, sempre e simultaneamente como um fim e nunca simplesmente como um meio.”

Explicação: Agir de modo a encarar os outros como um fim da minha ação e não simplesmente como
um meio para visar algo. Exemplo: a pessoa que pede dinheiro sem intenção de o devolver, limita-se a
usar os outros, a encará-los como um meio para atingir um fim.

AUTONOMIA E HETERONOMIA DA VONTADE

Autonomia da vontade – Capacidade do indivíduo agir de acordo com a lei moral. O indivíduo é
autónomo porque obedece a uma lei da sua própria razão. O indivíduo, nessas condições, é
simultaneamente legislador e cumpridor da lei. Esta vontade de cumprir o dever pelo próprio dever é
denominada por Kant por “boa vontade”.

Heteronomia da vontade – O indivíduo que cumpre o dever, não por dever, mas por interesse, que se
revela incapaz de determinar a sua conduta pela lei moral, revela uma vontade heterónoma.

OBJEÇÕES À ÉTICA KANTIANA

Não oferece soluções satisfatórias para muitas questões morais – Se tenho de dizer sempre a verdade
e também o dever de proteger os meus amigos, a teoria de Kant não me poderia mostrar o que fazer
quando estes deveres entram em conflito. Por exemplo: Se um louco com um machado me perguntasse
onde se encontra o meu amigo, a minha primeira reação seria mentir-lhe. Dizer a verdade seria fugir ao
meu dever de proteger o meu amigo. No entanto, para Kant, as regras morais são absolutas, devo
cumpri-las seja qual for a circunstância.

Obriga-nos a respeitar as regras morais de modo absoluto – No exemplo anterior, é visível que as
consequências que podem resultar do facto de nunca mentir, podem ser desastrosas. O facto de a ética
kantiana nos obrigar a respeitar de modo incondicional as regras morais, pode, em algumas situações,
se revelar um absurdo.
Não dá atenção às consequências da ação – Idiotas bem-intencionados que, involuntariamente, causem
várias mortes em consequência da sua incompetência, podem ser moralmente inocentes à luz da teoria
de Kant, uma vez que seriam julgados pelas suas intenções.

Exemplo: Como nos sentiríamos relativamente a alguém que tentasse secar o nosso gato no micro-
ondas?

O papel conferido aos sentimentos e às emoções parece inadequado – Kant afasta as emoções tais
como a compaixão, a simpatia e a piedade da moral. A única motivação apropriada para a ação moral é
o sentido do dever. Sentir compaixão pelos mais necessitados, não tem qualquer valor moral. No
entanto, há pessoas que pensam que emoções tais como a simpatia, a compaixão e o remorso são
distintamente morais. Ao separá-las da moral, Kant parece ignorar uma dimensão importante do
comportamento moral.
10º ano O problema da fundamentação da moral

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