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O melancólico possui um coração cheio de abundantes e ternos afetos, no qual sente em certo
modo o que pensa também. Suas reflexões vão acompanhadas de um misterioso anelo [desejo
ardente acompanhado de ânsia]. Ao meditar sobre seus planos e particularmente sobre assuntos
religiosos, se sente comovido em seu interior, e mesmo profundamente agitado. Mas apenas
deixa transluzir no seu exterior estas ondas de violenta emoção.
O melancólico sem formação incorre facilmente num pensar contínuo, preocupado e num
“sonhar acordado”, porque não é capaz de resolver as múltiplas dificuldades que de todas as
partes lhe assediam.
2. Amor à solidão. No fim, o melancólico não se sente bem na companhia dos homens. Prefere
o silêncio e a solidão. Encerra em si mesmo, se isola do que o cerca e emprega mal seus sentidos.
Na presença de outros se distrai facilmente e não escuta nem atende, por ocupar-se com suas
próprias ideias. Por causa do mau uso que faz de seus sentidos, não se fixa nas pessoas; como
se estivesse sonhando, nem sequer saúda os seus amigos na rua. Semelhante desatenção e
sonhar a olhos abertos lhe acarretam mil contrariedades em suas tarefas e vida cotidiana.
3. Séria concepção da vida e inclinação à tristeza. O melancólico sempre considera as coisas no
seu aspecto mais negro e adverso. No íntimo de seu coração se encontra continuamente certa
suave melancolia, certo “choro interno”, o qual não provém, como afirmam alguns, de uma
enfermidade ou disposição mórbida, mas vem de um profundo e vivo impulso que o
melancólico sente em si até Deus e o eterno, e ao qual não pode corresponder atado como está
na terra pelo peso e as cadeias da matéria. Vendo-se ausente de sua verdadeira pátria e tendo-
se por peregrino neste mundo, sente nostalgia pela eternidade.
4. Propensão à quietude. O temperamento melancólico é um temperamento passivo. O
melancólico não conhece o proceder acelerado, impulsivo e laborioso do colérico e do
sanguíneo; é mais lento, reflexivo e cauteloso; nem é fácil empurrá-lo a ações rápidas; em uma
palavra, no melancólico se nota uma marcada inclinação à quietude, à passividade. Deste ponto
de vista, poderá se explicar também seu medo dos sofrimentos e seu temor aos esforços
interiores e a abnegação de si mesmo.
5. O orgulho do melancólico. Tem seu aspecto muito peculiar. O melancólico não aspira a
honras: tem, pelo contrário, certo medo de mostrar-se em público e de aceitar louvores. Teme
muito ser envergonhado e humilhado. Retrai-se muitas vezes aparentando deste modo as
aparências de modéstia e humildade; mas em realidade, não é esta uma prudente reserva, senão
mais bem certo temor à humilhação. Nos trabalhos cede as colocações e ofícios à presidência
de outras pessoas menos aplicadas e mesmo incapazes; sente-se, contudo, ferido em seu coração
por não considerar-se respeitado e apreciado o bastante em seus talentos. O melancólico, se
quer realmente chegar à perfeição, há de dirigir especialíssima atenção a este despeito,
arraigado no mais profundo de seu coração e fruto da soberba, como também a sua sensibilidade
e susceptibilidade às menores humilhações.
Do que até aqui foi dito segue-se que é muito difícil tratar com melancólicos; pois por suas
particularidades não os apreciamos em seu justo ponto, nem sabemos tratá-los com acerto. Ao
sentir isto o melancólico se torna ainda mais sério e solitário. O melancólico tem poucos
amigos, porque não são muitos os que lhe compreendem e que gozam de sua confiança.
c) Dificilmente poderá esquecer as ofensas; das primeiras faz no princípio caso omisso; mas se
chegarem a se repetir as desatenções, penetrarão estas mais profundamente em sua alma,
excitando-lhe uma dor difícil de superar e despertando-lhe profundos sentimentos de desforra.
Gota a gota e não de repente, no melancólico vai se inoculando o vírus da antipatia àquelas
pessoas, das quais tem que sofrer muito ou nas quais encontre algo para criticar. Semelhante
aversão chega a ser tão veemente que apenas olhar para tais pessoas, dirigir-lhes a palavra ou
só de lembrar-se da pessoa enche-lhe de desgosto e nervosismo. Normalmente não desvanece
esta antipatia, senão quando o melancólico está separado e longe de tal ou qual pessoa, e então
só depois de transcorridos meses e mesmo anos inteiros.
d) O melancólico é muito desconfiado. Raras vezes confia em um homem, temendo sempre que
não busque o seu bem. Deste modo tem frequentemente e sem motivo algumas duras e injustas
suspeitas de seu próximo; imagina nele más intenções e tem medo de perigos que não existem.
e) Vê tudo sombriamente. O melancólico gosta de lamentar-se em suas conversas, chama
sempre a atenção sobre o lado sério da coisa, com regularidade se queixa logo da malícia dos
homens, do tempo nefasto em que vive e da decadência dos bons costumes. Seu lema é: vamos
de mal a pior. Também devido às adversidades, fracassos e ofensas, considera e julga as coisas
piores do que são na realidade. Como consequência segue-se às vezes uma exagerada tristeza,
um grande e infundado nojo dos demais, pensamentos profundos e preocupados sobre injustiças
reais ou suspeitas de injustiças; tudo isto durando dias e semanas. Os melancólicos que se
abandonam a esta inclinação de ver em tudo o obscuro e tenebroso [tétrico] chegarão a ser
pessimistas, quer dizer, homens que esperam o mau êxito em tudo; hipocondríacos, isto é,
homens que em pequenos padecimentos corporais se lamentam continuamente temendo sempre
enfermidades perigosas; misantropos, homens que doentes de esquivez e ódio aos homens,
manifesta aversão ao humano.
f) Uma dificuldade particular tem o melancólico na correção e repreensão dos demais. Como já
foi dito, o melancólico se indigna excessivamente ao notar desordens e injustiças e se sente
obrigado a intervir contra estes transtornos, ainda que muitas vezes não tenham nem ânimo nem
habilidade para tais coisas. Antes de dirigir a repreensão, medita detidamente no modo do
processo e nas palavras que há de usar; mas no momento que tem que falar lhe foge as palavras
da boca ou faz a repreensão tão cautelosamente, com tanta ternura e reserva que isto merece o
nome de crítica ou aviso. Em toda a sua conduta se nota quão difícil é castigar os outros. E
quando o melancólico quer dominar esta sua timidez incorre facilmente no extremo contrário,
dirige sua repreensão com nojo e nervosismo ou lança palavras demasiadamente severas, não
alcançando desta sorte nenhum fruto verdadeiro. Esta dificuldade é a cruz pesada dos superiores
melancólicos. Não sabem reprimir a nada e acumulam por isto muito nojo e deixam firmar
raízes a muitas desordens, mesmo que sua consciência lhe admoeste a se opor a estes
transtornos. Assim mesmo, tem com frequência os educadores melancólicos a grande
debilidade de se calarem demasiadamente ante as faltas de seus subalternos e ao repreender-los
o faz de forma grosseira e ruidosamente, e, em vez de animar os educandos, os desanimam e
paralisam em sua formação.