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Utilitarismo dos actos e utilitarismo das regras

De acordo com John Mill, a acção correcta é a que previsivelmente maximizará a utilidade total. Há
outra ambiguidade nessa formulação: o termo «acção».

Considerou-se necessário diferenciar o trabalho de Mill entre utilitarismo de acto e utilitarismo de


regra, que ele apresenta da seguinte maneira: No utilitarismo de acto, o cálculo sobre o maior saldo
de felicidade sobre a infelicidade é feito na base do que resultará da realização de um acto dado. No
utilitarismo de regra, o cálculo é feito na base do que advirá da observância ou não de uma regra.

Então qual seria a diferença entre um e outro em termos práticos?

Imaginemos um agente moral dentro de uma situação em que ele quebra uma promessa, mas,
fazendo isso, ele produz inevitavelmente mais bem-estar geral do que se ele tivesse mantido sua
palavra. Nesse caso, o utilitarismo de acto dirá que o agente não só fez certo em quebrar a
promessa, como também essa era a melhor decisão a ser tomada simplesmente pelo facto de essa
decisão produzir mais bem-estar. Já o utilitarismo de regra não observa a situação da mesma forma,
haja vista que a decisão do agente de quebrar a promessa é errada, pois a aceitação geral dessa
norma é que garante o bem-estar. É bom lembrar que existe também uma diferença entre a
intenção e o motivo do agente moral. É só através da intenção do agente que eu posso julgar a
acção como moralmente certa ou errada.

A intenção é aquilo que o agente quer fazer quando faz algo, enquanto que a motivação é o
sentimento que o leva a querer fazer "esse" algo. Por exemplo, se alguém salvar uma pessoa de um
afogamento com a intenção de não a deixar escapar de uma tortura, não poderemos julgar essa
conduta como moralmente certa, pois, mesmo que o salvamento seja algo bom, o objetivo do
resgate é causar mais prejuízo e dor do que o próprio afogamento. Para a moralidade do acto em si,
pouco importa a motivação, o sentimento do agente só servirá para construir nossa avaliação moral
do caráter dessa pessoa. Então, não é preocupação do utilitarismo saber se o agente moral é de boa
ou de má índole porque só é relevante saber se a acção praticada por ele foi certa ou errada.
Todavia, não se deve confundir o estado de motivação com o estado de vontade. John Mill acredita
que a vontade é apenas filha do desejo e está sujeita aos nossos hábitos. Assim, diz ele, “podemos
querer por hábito aquilo que já não desejamos por si mesmo ou que desejamos só porque o
queremos”.

No entanto há uma passagem muito conhecida(frequentemente citada) de uma carta de John Mill
a John Venn que indica fortemente que, quando Mill fala em acções, pensa em acções com
espécimes, e não como tipos.

O facto de Mill pensar em acções com espécimes faz dele um utilitarista dos actos. Porque se Mill
pensasse em acções como tipos, seria um utilitarista das regras.

De acordo com o utilitarista dos actos, um acto é correcto se, e só se, maximiza a utilidade. E de
acordo com o utilitarista das regras, um acto é correcto se, e só se, o tipo de actos de que esse acto é
um espécime tende a maximizar a utilidade. Utilitarismo das regras e utilitarismo dos actos, no final
das contas, mesmo com essas peculiaridades, em ambos os casos se faz necessário levar em
consideração as consequências, sejam das regras ou dos actos praticados, para o maior número
possível de pessoas. O princípio aqui se preserva no que tange à sua fundamentação e à relação
entre indivíduo e sociedade. O bem aparece como uma superação do egocentrismo do homem em
detrimento do interesse coletivo da sociedade, mas sem excluir o indivíduo. Não há a possibilidade
de um afastamento entre a sociedade e o indivíduo, já que existe um vínculo de interdependência.
Críticas preliminares ao utilitarismo de Mill

O princípio moral do utilitarismo é o princípio da utilidade ou da maior felicidade: “Age sempre de


modo a produzir a maior felicidade para o maior número de pessoas.”

Problemas com a noção de maximização

utilitarismo foi alvo de críticas desde o inicio. Alguns autores consideram que muitas delas são
reações aos aspetos mais inovadores e progressistas do movimento, tais como: ser independente da
religião, defender direitos de minorias, nomeadamente os direitos das mulheres, por exemplo:

«Quem salva outra pessoa que se afoga faz o que é moralmente justo, seja o seu motivo o ver ou a
esperança de ser pago pelo esforço: e o que trai o amigo que confia nele é culpado de um crime
ainda que o seu objetivo seja servir outro amigo com o qual tem obrigações maiores.»

Porém, um dos aspetos mais controversos é o de saber até que ponto os «fins justificam os meios»,
isto é, se os direitos fundamentais do indivíduo, como por exemplo, o direito à vida, ou à liberdade
(mesmo o direito a ter projetos individuais de realização pessoal), devem ser sacrificados em nome
da maximização do bem-estar de muitos.

Para Mill, um defensor da liberdade, a felicidade deveria ser buscada no longo prazo, e sua escala
dos prazeres era qualitativa: há prazeres mais elevados, e são estes os que devem ser buscados.

Boas dores e maus prazeres

Começando com o hedonismo, a teoria de que o prazer é a única coisa boa e a dor é a única coisa
ruim. Mill afirma ter uma teoria hedonista do bem e do mal. Ele descreve o utilitarismo como:

A crença que aceita como fundamento da moral a Utilidade, ou o Princípio da Maior Felicidade,
sustenta que as acções são correctas na medida em que tendem a promover a felicidade, e erradas
na medida em que tendem a produzir o contrário da felicidade. Por felicidade entende-se o prazer e
a ausência de dor; pela infelicidade, pela dor e pela privação do prazer.

A teoria da vida na qual esta teoria da moralidade se baseia é que o prazer e a liberdade da dor são
as únicas coisas desejáveis como fins; e que todas as coisas desejáveis, são desejáveis pelo prazer
inerente a si mesmas ou como meios para a promoção do prazer e a prevenção da dor.

Para Mill, há uma dimensão qualitativa do prazer que Bentham não reconheceu. De acordo com
Mill, alguns prazeres são mais valiosos do que outros porque são prazeres de qualidade superior.
Tome dois prazeres de quantidades semelhantes, ou seja, da mesma intensidade e duração. Se um
for de qualidade superior ao outro, será melhor, ainda que as quantidades de prazer sejam as
mesmas. Na verdade, uma quantidade menor de prazer de qualidade superior será mais valiosa do
que uma quantidade maior de prazer de qualidade inferior.

Por que pensar que há uma diferença qualitativa?

Mill diz que os seres humanos têm faculdades diferentes dos outros animais. Os prazeres que
experimentam ao usar essas faculdades incluem “os prazeres do intelecto, dos sentimentos e da
imaginação e dos sentimentos morais”. Esses prazeres, de acordo com Mill, “têm um valor muito
maior como prazeres do que aqueles de mera sensação".
Qual é a razão de Mill dizer que esses prazeres são melhores? Como faríamos para distinguir entre
prazeres superiores e inferiores em casos específicos?

"Se me perguntarem o que quero dizer com diferença de qualidade nos prazeres, ou o que torna
um prazer mais valioso do que outro, meramente como um prazer, exceto por ser maior em
quantidade, só há uma resposta possível. De dois prazeres, se houver um ao qual todos ou quase
todos os que têm experiência de ambos dão uma preferência decidida, independentemente de
qualquer sentimento de obrigação moral de preferi-lo, esse é o prazer mais desejável. Se um dos
dois for, por aqueles que os conhecem competentemente, colocado tão acima do outro que eles o
preferem, mesmo sabendo que serão atendidos com maior quantidade de descontentamento, e não
o renunciariam por qualquer quantidade de quanto ao outro prazer de que sua natureza é capaz,
estamos justificados em atribuir ao prazer preferido uma superioridade em qualidade, superando
em muito a quantidade a ponto de torná-la, em comparação, de pouca importância".

Um hedonista sustenta que o prazer e a dor são, em última análise, as únicas coisas boas e ruins,
respectivamente. Mill parece estar dizendo que algumas coisas são boas ou más além de prazeres e
dores. Especificamente, os prazeres de qualidade superior parecem ser melhores do que os de
qualidade inferior, mesmo que os de qualidade inferior sejam mais intensos ou durem mais. Ou seja,
uma quantidade menor de prazer de qualidade superior pode ser melhor do que uma quantidade
maior de prazer de qualidade inferior.

Duas coisas que Mill diz:

a) Se quase todo mundo que experimenta dois prazeres tem uma preferência decidida por um,
então é o prazer de qualidade superior.

b) Se aqueles que estão “competentemente familiarizados” com dois prazeres preferem qualquer
quantidade de um prazer, não importa quão pequena, sobre qualquer quantidade do outro, não
importa quão grande, então é o prazer de qualidade superior.

O segundo ponto, é uma reivindicação muito mais forte do que a primeira. Diz, com efeito, que os
prazeres de qualidade superior têm peso infinito em comparação com os prazeres de qualidade
inferior. Isso seria difícil de provar. O primeiro ponto, diz apenas que o prazer de maior qualidade é
mais valioso. No entanto, não nos dá um valor numérico de qualidade. Portanto, não sabemos se um
prazer de qualidade superior é, digamos, 10 vezes mais valioso do que um prazer de qualidade
inferior ou 1,4 vezes mais valioso. Precisaríamos de um número, eventualmente, se quisermos fazer
o cálculo utilitário funcionar.

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