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Ano letivo 2022/2023

Críticas à ética de Mill

Trabalho realizado por: Ana Marracho, Ana Lima, Daniela Gonçalves e Francisca Geraldes
Índice

1. Introdução

2. John Stuart Mill

3. A ética de Mill (resumidamente)

4. Críticas à ética de Mill

5. Conclusão

Introdução

Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de Filosofia, a pedido da professora Manuela Leal
sobre o tema atribuído, “Críticas à ética de Mill”.
John Stuart Mill
John Stuart Mill (1806-1873) foi um filósofo e economista inglês e um dos mais influentes
pensadores e reformistas sociais do século XIX. Foi o responsável por lançar as bases da revisão do
utilitarismo como ideologia suprema e dedicou-se ao estudo de numerosas questões sociais do seu
tempo.

A ética de Mill (resumidamente)


John Stuart Mill foi um utilitarista. O utilitarismo é uma teoria ética e, sendo uma teoria ética,
procura responder à questão: O que torna uma ação moral?

O utilitarismo avalia a moralidade das ações pela utilidade que elas revelam. Por “utilidade” entende-
se a possibilidade de um indivíduo alcançar o seu bem-estar ou felicidade. Mill defendia que o
máximo bem a promover numa sociedade deverá ser a felicidade de todos e de cada um.

Uma das principais características do utilitarismo é o facto de ser uma ética consequencialista, que
significa que a moralidade das ações depende das vantagens (ação boa) e das desvantagens (ação má)
que os seus efeitos comportam. Portanto, o critério de avaliação moral das ações é a sua utilidade.
Para isso, o utilitarismo estabeleceu o Princípio da Maior Felicidade que define como fundamento
da moralidade que as ações são boas na medida em que contribuem para promover ou maximizar a
felicidade, e más na medida em que tendem a gerar sofrimento. Logo, o objetivo é sempre o de
maximizar a felicidade gerando o prazer mais intenso possível para o maior número de pessoas
possível e menor sofrimento para o menor número de pessoas possível.

Stuart Mill estabelece uma distinção entre prazeres superiores (ligados ao espírito, potenciadores de
bons sentimentos morais) e prazeres inferiores (ligados ao corpo, provenientes de sensações). As
superiores são preferíveis às inferiores por proporcionarem a verdadeira realização do ser humano.

Esta teoria também é classificada como hedonista. O hedonismo é uma doutrina que defende que o
prazer é a essência da felicidade.

Como o prazer é uma condição necessária para alcançar a felicidade e sendo a finalidade última de
todas as nossas ações a felicidade, as ações são consideradas boas se proporcionarem um estado de
prazer e de ausência de dor ou sofrimento.
Críticas à ética de Mill
Ao longo dos tempos foram sendo levantadas várias objeções a este tipo de conduta moral, algumas
impossíveis de contornar.

 Objeção ao hedonismo

O filósofo Robert Nozick (1938-2002) concebeu uma engenhosa experiência mental para mostrar que o
hedonismo é falso, ou seja, para mostrar que a felici- dade não consiste apenas no prazer e na ausência de dor.
Essa experiência mental ficou conhecida como "A Máquina de Experiências". Nozick apresenta-nos a sua
célebre experiência mental nos seguintes termos: “ Suponhamos que havia uma máquina de experiências que
proporcionaria ao leitor a experiência que desejasse. Neuropsicólogos superfixes podiam estimular o seu
cérebro de maneira a pensar e sentir que escrevia um grande romance, fazia um amigo, ou lia um livro
interessante. Durante todo o tempo estaria a flutuar numa cuba, com elétrodos ligados ao cérebro. Dever-se-ia
ligar a esta máquina durante toda a vida, pré-programando as suas experiências de vida? Evidentemente,
enquanto está na cuba não saberá que ali está; pensará que tudo aquilo acontece efetivamente. Ligar-se-ia? O
que mais pode ter importância para nós, além do modo como são as nossas vidas a partir de dentro?”

A crítica de Nozick ao hedonismo pode ser explicitamente formulada conforme se segue:

(1) Se o hedonismo fosse verdadeiro, estaríamos apenas interessados em obter o maior saldo possível de
experiências aprazíveis.
(2) Se estivéssemos apenas interessados em obter o maior saldo possível de experiências aprazíveis,
aceitaríamos ligarmo-nos a uma máquina que subjetivamente nos desse um maior saldo possível de
experiências aprazíveis.
(3) Não estamos dispostos a ligar-nos a uma máquina como essa.
(4) Logo, não estamos apenas interessados em obter o maior saldo possível de experiências aprazíveis.
(de 2 e 3 por Modus Tollens)
(5) Logo, o hedonismo é falso. (de 1 e 4 por Modus Tollens)

Ou seja, Nozick sugere que estamos interessados em mais do que obter um maior saldo possível de
experiências aprazíveis, pois, caso contrário, não hesitaríamos em ligar-nos a uma máquina de experiências
que subjetivamente nos desse o maior saldo possível de experiências aprazíveis.
Ora, visto que a maioria de nós recusaria ligar-se à máquina de experiências, Nozick conclui que a nossa
felicidade não depende apenas da quantidade de prazer e de dor que existe nas nossas vidas, nem tão pouco da
forma como a nossa vida corre, de um ponto de vista subjetivo.

Queremos, efetivamente, concretizar os nossos objetivos, satisfazer as nossas preferências, realizar certas
ações e envolver-nos em determinados projetos, e não apenas ter a sensação subjetiva de o fazer. O que
mostra que o hedonismo é falso.
 Críticas ao agregacionismo

- O problema da separação entre os indivíduos

Uma outra objeção comum ao utilitarismo está diretamente relacionada com o caráter agregacionista desta
teoria. Para uma teoria agregacionista o importante é produzir o maior total de bem-estar agregado,
independentemente da forma como este se encontra distribuído pelos diferentes indivíduos.

O filósofo norte-americano John Rawls (1921-2002) considera que esta conceção não tem em conta a
separação entre os indivíduos. Rawls expõe esta critica nos seguintes termos:

“A característica marcante da visão utilitarista da justiça é a de que, para ela, não importa, a não ser
indiretamente, o modo como a soma das satisfações é distribuída entre os sujeitos, da mesma forma que não
importa, também salvo indiretamente, a forma como os sujeitos distribuem as suas satisfações no tempo. Em
ambos os casos, a distribuição correta é aquela que produz a máxima satisfação. [...] Não há, pois, razão para
que, em princípio, os maiores ganhos de alguns não compensem as perdas, comparativamente menores, de
outros; ou, mais importante, para que a violação da liberdade de alguns não possa ser justificada por um maior
bem partilhado por muitos. [...] Esta visão da cooperação social é a consequência da extensão à sociedade do
princípio de escolha aplicável ao individuo, seguida, como modo de tornar efetiva esta extensão, da união de
todos os sujeitos num só [...]. O utilitarismo não considera, pois, seriamente a pluralidade de sujeitos. "

Pelas palavras de Rawls entende-se que à escala individual faz sentido tomarmos decisões com base num
balanço entre perdas e ganhos, ou seja, pode justificar-se fazer um determinado sacrifício pessoal, se isso nos
permitir obter uma maior satisfação global das nossas preferências. Por exemplo, pode justificar-se sofrer uma
hora no dentista, por todo o bem-estar que iremos gozar num futuro livre de dores de dentes. Mas isso só
acontece porque a pessoa que faz o sacrifício e a pessoa que recebe o benefício são uma e a mesma.

Contudo, o mesmo não se verifica se estivermos apenas a considerar o maior total de bem-estar da sociedade
como um todo, sem ter em conta a forma como este se encontra distribuído. Nestas circunstâncias, os maiores
ganhos de alguns podem, efetivamente, compensar as perdas comparativamente menores de outros, ou seja,
para garantir um maior total de bem-estar, podemos ter de impor sacrifícios a uns para benefício de outros,
Portanto, ao aplicarmos à sociedade como um todo o mesmo principio de escolha que usamos à escala
individual, estaremos, erradamente, a encará-la como se fosse um único individuo,

- O argumento da conclusão repugnante

Outra consequência inaceitável relacionada com o caráter agregacionista do utilitarismo de Mill é-nos
apresentada pelo filósofo Derek Parfit (1942-2017) nos seguintes termos:

“Para qualquer população possível com, pelo menos, dez, milhões de pessoas, todas elas com uma qualidade
de vida bastante elevada, podemos imaginar uma população muito mais numerosa, cuja existência [...] seria
ainda melhor, apesar de os seus membros terem vidas praticamente miseráveis. "

A mensagem de Parfit é a seguinte: uma ação que resultasse numa sociedade com um grande número de
indivíduos com vidas que quase não merecem ser vividas seria preferível a uma ação que resultasse numa
sociedade com poucos indivíduos com elevados índices de bem-estar. Este argumento ficou conhecido como
"argumento da conclusão repugnante", pois sugere que o utilitarismo conduz a um resultado efetivamente
inaceitável.
A estrutura básica desta objeção deixa-se captar pelo seguinte argumento:

(1) Se o agregacionismo fosse verdadeiro, então uma ação que resultasse numa sociedade com um maior
número de indivíduos, que vivessem vidas que quase não merecem ser vividas, seria preferível a uma
sociedade com menos indivíduos, ainda que estes tivessem vidas com elevados níveis de bem-estar.
(2) Ora, é falso que uma ação que resultasse numa sociedade com um maior número de indivíduos, que
vivessem vidas que quase não merecem ser vividas, seria preferível a uma sociedade com menos
indivíduos, ainda que estes tivessem vidas com elevados níveis de bem-estar.
(3) Logo, o agregacionismo é falso. (De 1 e 2, por Modus Tollens)

 Contraexemplos ao Princípio da Maior Felicidade

O Princípio da Maior Felicidade diz-nos que uma ação é moralmente correta se, e só se, é aquela, de entre as
alternativas disponíveis, que mais promove a felicidade.

Assumindo que P representa "A ação é moralmente correta" e Q representa "A ação é a alternativa disponível
que mais promove a felicidade", a forma lógica do Princípio da Maior Felicidade é: (P Q).

Se quisermos mostrar que esta bicondicional é falsa temos de encontrar contraexemplos para a mesma. Para
isso, utilizaremos a tabela de verdade da bicondicional:

P Q (P Q)
V V V
V F F
F V F
F F V

Isto significa que, para mostrar que o Princípio da Maior Felicidade é falso, teremos de encontrar uma das
seguintes situações:

1. Uma ação que é moralmente correta, apesar de não ser a alternativa dispo- nível que mais promove a
felicidade (P é V, mas Q é F).

2. Uma ação que não é moralmente correta, apesar de ser a alternativa disponível que mais promove a
felicidade (P é F, mas Q é V).

- Contraexemplo da exigência extrema


No contraexemplo 1, a definição de "ação correta" apresentada é demasiado restrita, pois exclui casos que
deveria incluir. Esta crítica acusa a ética utilitarista de ser demasiado exigente, pois diz que é errado não
promover a felicidade geral no maior grau possível, por maiores sacrifícios que isso implique.

Por exemplo, imagine que tem à sua disposição as seguintes opções:

Opção A: Doar 500 € à UNICEF.5

Opção B: Doar 500 € à OXFAM

Agora, imagine que doou o dinheiro à UNICEF, proporcionando felicidade a muitas crianças e às suas
respetivas famílias, mas, caso tivesse doado o dinheiro à OXFAM, teria produzido ainda mais felicidade. O
utilitarismo diria que a sua ação não foi moralmente correta, pois havia uma alternativa disponível que
produziria mais felicidade. Contudo, parece inaceitável afirmar que fazer um grande bem é errado
simplesmente porque se podia ter feito um bem ainda maior. Ou seja, a ação em causa parece ser moralmente
correta, embora não seja a alternativa disponível que mais promove a felicidade.

- Contraexemplo da permissividade extrema

No contraexemplo 2, a definição de "ação correta" apresentada é demasiado abrangente, pois inclui casos que
deveria excluir. Esta crítica diz que a ética utilitarista é demasiado permissiva, porque considera que qualquer
ato, por mais hediondo que seja, é moralmente correto desde que promova a felicidade.

Uma vez que não admite restrições àquilo que podemos fazer para promover a felicidade, o utilitarismo
implica que, por vezes, fazer algo moralmente condenȧvel pode ser a coisa certa a fazer. Por exemplo, para
um utilitarista é correto prender, matar ou torturar inocentes se isso resultar numa maior felicidade geral. Mas
parece que atos desse tipo não são justificáveis pelo simples facto de produzirem as melhores consequências.

Para ilustrar melhor o que está aqui em causa, imagine que é um chefe da polícia e que tem à sua disposição as
seguintes opções:

• Opção A: Condenar à morte um inocente, para pôr fim a uma onda de agitação social que está a provocar
uma grande quantidade de mortes e sofrimento na generalidade da população.

• Opção B: Não condenar o inocente, permitindo que a agitação social continue a provocar mortes e
sofrimento na generalidade da população.

O utilitarismo diria que a opção correta era a A, pois era a alternativa disponível que produziria mais
felicidade. No entanto, parece inaceitável violar os direitos de uma pessoa simplesmente porque isso promove
a felicidade geral. Ou seja, a ação em causa parece moralmente errada, embora seja a alternativa disponível
que mais promove a felicidade.
Conclusão
A realização deste trabalho esclareceu-nos sobre quem foi John Stuart Mill e sobre a teoria ética que ele
defendia, e aprendemos a enumerar e explicar as objeções à mesma.

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