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Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir a felicidade como desejo individual a partir das
conexões entre a ética utilitarista de Mill (2005) e a ética solidarista de Rorty (2007; 2010). Para tal,
partimos da observação teórica de que ambas as correntes filosóficas se propõem a diminuir a dor e
aumentar o prazer dos indivíduos com o fito de que se alcance a máxima felicidade geral. Porém,
existem diferenciações entre as duas propostas ético-filosóficas que se concentram na maneira em
como devemos desenvolver nossos códigos éticos para que consigamos um equilíbrio entre desejos
individuais e coletivos, sendo a utilitarista normativo-prescritiva e a neopragmatista baseada em
acordos coletivos feitos através da conversação e que visam evitar a crueldade, bem como incentivar
os atos de solidariedade. Para dar base a esta discussão trabalharemos com o seguinte aporte teórico:
Frey (2013) Mill (2005); Rorty (2007; 2010), Mulgan (2012).
Abstract: The objective of this work is to discuss happiness as an individual desire based on the
connections between Mill's utilitarian ethics (2005) and Rorty's solidarity ethics (2007; 2010). To this
end, we start from the theoretical observation that both philosophical currents aim to reduce pain
and increase the pleasure of individuals in order to achieve maximum general happiness. However,
there are differences between the two ethical-philosophical proposals that focus on the way in which
we should develop our ethical codes so that we can achieve a balance between individual and
collective desires, the normative-prescriptive utilitarian and the neopragmatist based on collective
agreements made through the conversation and aimed at preventing cruelty, as well as encouraging
acts of solidarity. To support this discussion, we will work with the following theoretical contribution:
Frey (2013) Mill (2005); Rorty (2007; 2010), Mulgan (2012).
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Artigo recebido em 24/03/2021 e aprovado para publicação pelo Conselho Editorial em 15/04/2021.
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1. INTRODUÇÃO
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aspectos de nossas ações que podem interferir diretamente no alcance dessa felicidade.
Para nos auxiliar nessa empreitada partimos da observação teórica de que existem
pontos de contato entre os princípios éticos utilitaristas e a noção de uma ética solidária
esboçada nos escritos do filósofo norte-americano Richard Rorty (2007; 2010). Rorty (2010)
afirma concordar com John Stuart Mill de que a única obrigação moral que temos é ajudar
uns aos outros e alcançar a maior felicidade possível. Contudo as duas correntes filosóficas
divergem nas noções sobre felicidade e na maneira de alcançá-la. Desse modo, abordaremos
dois pontos para chegarmos ao objetivo proposto: primeiro, investigaremos o conceito de
felicidade defendido na proposta ética utilitarista de Mill (2005), discutindo como nossa
individualidade se relaciona com o interesse coletivo do máximo bem-estar geral, destacamos
que essa discussão é importante para entendermos as conexões do Utilitarismo com
Neopragmatismo, assim, o critério para ações éticas no caso de Mill seria aumentar o prazer
e diminuir a dor, o que a primeira vista é um empreendimento difícil, pois além da questão
numérica da população, temos as subjetividades que podem ser um obstáculo nessa tarefa.
Mas o que particularmente deixa essa proposta mais difícil é a ideia de cálculo de felicidade
ou de prazer, pois a felicidade sendo considerada um estado mental, seria variante e de difícil
comensuração.
No segundo ponto, contrastando as propostas das duas correntes ético-filosóficas,
verificaremos como elas divergem na maneira de alcançar máxima felicidade geral que é um
objetivo comum a elas, também discutiremos como a ética solidária neopragmatista nos
indica um caminho viável, centrado na conversação e focado em evitarmos a crueldade, para
que possamos alcançar um equilíbrio entre o desejo privado ou individual de sermos felizes,
bem como a máxima felicidade dos membros da nossa coletividade. Longe de ser isenta de
problemas, a proposta de Rorty pode até parecer ingênua pois indica como fontes morais
outros elementos da cultura como a literatura e jornais, que podem ser criticados no caso da
primeira por ter um caráter fantasioso, ou tendencioso no caso do segundo, sem contar que
em pleno século XXI, ainda temos uma parcela significativa da população que não possui
acesso a esses bens culturais. Uma pergunta que também é válida seria: que ações tomar
quando determinados indivíduos mesmo com acesso aos livros e jornais por exemplo não se
comovem com a dor do outro e continuam realizando atos cruéis? Assim, opomos o
normativismo utilitarista à ética solidária rortyana e, mesmo ciente das lacunas, remamos para
o lado da proposta de esperança social que Rorty defende. Balizados por esse recorte teórico,
tencionamos contribuir para a discussão e destacamos a relevância do problema para as
pesquisas filosóficas.
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Conforme Mulgan (2012) e Frey (2013) existem diversos debates nos quais os
teóricos do utilitarismo vêm se dedicando a responder, parte deles são originários da
dificuldade em se elucidar questões relacionadas a princípios morais como utilidade,
imparcialidade e máxima felicidade. Desse modo, para se alcançar a máxima felicidade, “[...]
as ações são certas na proporção em que tendem a promover a felicidade, e erradas na
proporção em que tendem o reverso da felicidade. Por felicidade entende-se prazer, e
ausência de dor; e por infelicidade, dor e privação de prazer” (MILL, 2005, p.48). Marcado
por um forte empirismo, o utilitarismo de Mill tem como principal interesse as questões de
ordem prática e particulares. Mulgan (2012), explica que o utilitarismo pode ser definido
como uma orientação para a vida, notadamente para a vida pública e política.
O primeiro ponto de vista que queremos esclarecer é que apesar da ética utilitarista
proposta por Mill (2005) dizer que devemos escolher as ações corretas para alcançarmos a
máxima felicidade, é um engano pensar que devemos levar em consideração qualquer forma
de prazer, para se alcançar esse objetivo, ou seja, a vaidade de um indivíduo não pode ser
determinante no momento da prática da ação moral. Para elucidar esse posicionamento,
trazemos a passagem abaixo que corrobora com nosso ponto de vista:
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essa dominação nos leve a maior felicidade geral? Se a resposta fosse sim, o que diriam as
pessoas adeptas da democracia que possivelmente teriam sua liberdade de expressão e de
locomoção cerceadas pelos caprichos de um ditador sem limites? A primeira resposta a ética
utilitarista nos dá é: “[...] que a felicidade que constitui o padrão utilitarista daquilo que está
certo na conduta não é a felicidade do próprio agente, mas a de todos os envolvidos” (MILL,
2005, p. 58). A passagem abaixo é muito elucidativa no que tange a essas questões:
A questão que propomos acima também poderia ser respondida com a ideia do juiz
competente que Mill traz em sua ética utilitarista, segundo Mill (2005) em uma situação na
qual se tenha que se descobrir qual é o melhor caminho o interessante seria encontrar uma
pessoa que tenha experimentado ambas as facilidades. Essa pessoa escolheria entre a maior
e a menor delas. Com base nesse entendimento, o juiz competente viria a ser aquele que
escolheria entre o tirano e a democracia, mas não podemos deixar de lado, a questão da
liberdade proposta Mill, pois como objetivo é alcançar máxima felicidade “[...] as pessoas são
os melhores juízes dos seus próprios interesses (MULGAN, 2012, p. 41). Com efeito, “[...] a
democracia representativa é a melhor maneira de manter os governantes honestos, e de
mantê-los focados nos interesses da maioria” (MULGAN, 2012, p. 41). Desse modo:
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Dessarte, a ética utilitarista não renega a individualidade das pessoas, ela foca na
educação correta para que assim se possa viver uma vida valiosa, pautada na retidão e nas
boas ações que consequentemente nos trarão melhores resultados. Assim, o reconhecimento
da individualidade reforça os argumentos que refutam um governo tirano, afastam a ideia de
que precisamos esperar que nos digam como viver e o que fazer a todo momento. Não
somos coadjuvantes na peça teatral de outrem. Com efeito, essa individualidade deve ser
direcionada pela liberdade de poder escolher ser o juiz de sua própria existência e assim
maximizar a felicidade de forma agregativa.
Essa visão maximizadora e agregativa que percebemos na ética utilitarista de Mill
(2005), nos leva a uma pergunta muito debatida na citada corrente filosófica que é: como
faremos de maneira ética para aumentar e somar a felicidade das pessoas? Considerando o
que já discutimos até aqui, atender a todas as concepções individuais sobre felicidade não é
uma opção aceitável. Não estamos querendo dizer que Mill acha que a felicidade de uma
pessoa está ligada a apenas um aspecto de nossas vidas, como ter bens ou perder alguns
quilos e ficar fisicamente em forma. Assim, em determinados momentos, as pessoas dizem
que ter saúde é o que importa para ser feliz, ou a presença dos entes queridos, a realização
de um trabalho em que se sintam reconhecidos por seus esforços, e assim dezenas de outros
exemplos poderiam ser dados, e todos estariam ligados a maneira que nosso conjunto ético-
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normativo nos permitiria chegar esses objetivos. Portanto, se não pautarmos nossas ações
pelo caminho da retidão, de acordo com Mill (2005), acabaríamos transformando em dor, ou
seja, em infelicidade a vida das pessoas que estão ao nosso redor. Assim, um caminho viável
para se conciliar os diversos interesses que os indivíduos possuem e maximizar o bem-estar
seria não dar às pessoas o que elas querem no momento em que elas querem. Corrobora com
essa ideia o trecho abaixo:
Assim, concluímos esta seção com o entendimento de que ser feliz é maximizar essa
felicidade, dentro dos moldes da ética utilitarista, não se trata de querer estar em um estado
de prazer contínuo, nem da realização de qualquer desejo de forma indiscriminada, tampouco
de ficar à deriva aguardando que as decisões de outros indivíduos nos levem a ancorar em
qualquer porto. Devemos entender que a felicidade individual está ligada diretamente à
coletiva, e que nossas ações devem ser pautadas em critérios normativos para que as
consequências de nossos atos nos leve a alcançar os melhores resultados para todos. Falando
de outra maneira, o nosso agir deve ser guiado pela ética por que um indivíduo consciente
de que suas ações terão consequências positivas para a coletividade é um indivíduo que visa
a máxima felicidade geral. Dessa forma, mesmo com dificuldades aparentes tais como as que
já citamos, esse modelo ético irá influenciar e dialogar com outras abordagens a exemplo da
proposta neopragmatista de Richard Rorty a qual trataremos na próxima seção deste
trabalho.
Nesta seção vamos discutir algumas conexões entre a ideia de felicidade esboçada na
ética utilitarista de Mill (2005) e na proposta de uma ética pautada na noção de solidariedade
de Rorty (2007; 2010). Pontuamos que o objetivo de alcançar a máxima felicidade geral para
todos os indivíduos é compartilhado pelos dois filósofos, embora existam divergências no
caminho para alcançar tal fim. Desse modo, essas divergências podem nos ajudar a pensar
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de maneira mais crítica como nossas ações, dentro de uma perspectiva ética, podem interferir
na felicidade individual e na dos nossos concidadãos. É importante destacarmos que o
neopragmatista americano faz uso do método histórico-redescritvo o qual usa para discutir
diversos temas da filosofia com ética e política a partir da interpretação que faz dos filósofos
que o influenciaram, a exemplo do utilitarista John Stuart Mill.
Desse modo, Rorty (2007; 2010) sustenta que devemos ter uma obrigação moral com
todos os seres humanos e ela é substanciada na sua noção de ética possuindo a solidariedade
como base. Discutindo a ação ética em duas esferas distintas, a pública e a privada, a
perspectiva neopragmatista aborda a felicidade como resultado de acordos feitos através da
conversação, ou seja, apontado nossa capacidade imaginativa e de realizar acordos através da
linguagem como fontes de moralidade, assim, refutando o apego a ideais morais ou a
prescrições morais que se proponham a ser transcendentalistas, essencialistas ou
fundamentalistas.
Vivemos em uma sociedade que de certa maneira aprendeu a conviver com um
determinado estado de coisas que é no mínimo inquietante. Pensar que temos, em certa
medida, uma obrigação moral com todos os outros seres humanos, nos leva a indagar sobre
diversos problemas que a humanidade enfrenta, um dos mais velhos e persistentes é a fome.
Não precisamos sair da esfera local, ou seja, da nossa cidade ou em alguns casos do nosso
bairro para ver que existem pessoas que não têm como para garantir sua alimentação. É
comprovado que produzimos comida suficiente para todos, então o que falta para que
possamos entender que o desperdício de alimentos ou políticas econômicas centradas no
interesse de pequenos grupos agravam esse problema? Quando pensamos em felicidade, seja
ela geral ou individual, nos voltamos de certa forma para o dever ético de rever nossas ações
para alcançarmos a resolutividade de problemas como esse. A resposta não parece ser tão
óbvia, mas existem sugestões de como devemos pensar nossos códigos morais para que
possamos melhorar situações dessa monta.
Nessa linha de pensamento, para alcançarmos mudanças, a educação é um fator de
convergência na ética utilitarista e na neopragmatista. Assim, quando Mill (2005) se refere a
ela como fator importante na escolha de melhores prazeres, ele está dizendo que algumas
ações que causam a infelicidade ou prazeres menores são realizadas pela ignorância do
indivíduo, ou seja, pelo desconhecimento ou imaturidade em saber que aquela ação gera
consequências ruins. Rorty (2007) também afirma que a ignorância é um fator que faz as
pessoas ou instituições agirem de forma cruel, ou seja, violentando, retirando direitos e
discriminando. Os dois autores concordam que nossas escolhas morais são provenientes da
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imaginação humana, no sentido de que um objeto tido como moralmente aceitável hoje,
pode ser substituído por outro melhor. Pontuamos que a imaginação citada pelo autor
neopragmatista é muito próxima do conceito de empatia, ou seja, da capacidade de se colocar
no lugar do outro, para diminuir o sofrimento e a dor das pessoas levando em consideração
o que é mais justo. Dessa maneira, entendemos que os seres humanos: “São, como disse
Nietzsche, animais inteligentes, inteligentes porque, ao contrário dos outros animais,
aprenderam a cooperar uns com os outros para melhor satisfazer os desejos uns dos outros
(RORTY, 2010, p. 13). Ou seja, somos capazes de mudar e de conciliar nossos desejos
privados com os da coletividade.
Considerando que os indivíduos não sejam ignorantes sobre a fome ser algo que
prejudica a felicidade geral, o que poderia indicar que as ações de parte dos concidadãos ainda
não levam em consideração a felicidade do outro? Uma possível resposta é que uma
estratificação social muito acentuada gera um sentimento de diferenciação entre os membros
dessa comunidade a tal ponto que eles negam ver os outros como merecedores dos mesmos
direitos. Portanto, as ações não precisariam ser éticas, nem considerar as necessidades dessas
pessoas que não fazem parte desses círculos. Desse modo, pensar em aumentar nossa
capacidade de identificação com o grupo, buscando exercitar a tolerância, a empatia,
combatendo práticas discriminatórias e abusivas, nos levam a aumentar o nosso círculo e nos
aproximar de um estado melhor de convivência entre as pessoas. Dessa maneira:
Assim, podemos dizer que para aumentar a felicidade temos que ser mais inclusivos,
ou seja, nossa visão de mundo vai sendo aprimorada através da alteração de atitudes nocivas
perante aos indivíduos que nos rodeiam. Esse processo na visão rortyana passa pela
elaboração de novos e inusitados vocabulários que ampliaram nosso sentimento de
solidariedade para com nossos concidadãos. Estas novas maneiras de falar, são capazes de
chamar a atenção para as atitudes cruéis praticadas tanto por governos, como por indivíduos.
Dessa forma, poderíamos pensar que o vocabulário europeu que foi utilizado para justificar
que maioria da população, composta por camponeses e pela burguesia devesse sustentar
economicamente um rei e toda uma classe de nobres e clérigos porque assim dizia o seu
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direito de nascimento, em um dado momento deixou de ser útil para explicar aquela realidade
e novas palavras foram criadas para lidar com uma nova realidade (RORTY, 2007).
Pensar que mudanças de atitudes passam por mudanças de vocabulário, não é
apontar que a criação de uma nova palavra magicamente vai deixar de que os indivíduos de
nossa espécie deixem de desperdiçar comida ou não se fechem em suas mansões e
condomínios de luxo e achem que estão acima de todas os problemas que não os afeta
diretamente. Pelo contrário, o que Rorty (2007) nos aponta que existem basicamente duas
maneiras para que a alteração de nossas atitudes seriam elas a persuasão e a força. A primeira
é uma característica que ele atribui aos filósofos, porém ele nos indica a literatura como
companheira da filosofia nessa empreitada. Ele explica que a busca filosófica por teoria acaba
nos levando a novos e inusitados vocabulários, e que a literatura, destacando-se os romances
de protesto moral, através da expertise dos escritores nos ajuda perceber detalhes de dor e
sofrimento que devido a distância que temos de determinadas situações ou vivências não
perceberíamos, assim ajudando a nos tornarmos mais solidários (RORTY, 1994).
Dessa maneira, assim como na ética utilitarista de Mill (2005), a proposta de ética
solidária de Rorty (2007), se propõem a diminuir a dor e aumentar o prazer dos indivíduos,
no entanto para se alcançar a felicidade seja ela a individual ou a coletiva o neopragmatista
americano nos propõe como motor para as mudanças uma característica muito querida dos
seres humanos que é capacidade de gerarmos novas palavras e com elas novos acordos
através da conversação, com efeito, quanto mais entendemos, conhecemos, as experiências
de pessoas que estão sofrendo algum tipo de crueldade, mais solidários podemos nos tornar.
Nesse ponto, chamamos a atenção para o fato de que Rorty (2007), entende como tentativa
idealizadora o uso de um vocabulário único para que expliquemos as esferas pública e privada
da vida. Ele sugere uma diferenciação que leva em consideração a necessidade de autocriação
e a relação com outros indivíduos da comunidade.
Dessa forma, no seu tempo livre o indivíduo pode fazer o que for melhor para sua
autocriação, tentar realizar seus desejos e prazeres desde que isso não prejudique a vida dos
seus concidadãos (RORTY, 2007). Na esfera pública sua moral deve ser pautada pela noção
de que a crueldade é a pior coisa que os indivíduos de nossa espécie podem fazer uns com
os outros. Assim, compreendemos que essa separação é importante pois nos indica os limites
de nossos desejos. E que felicidade individual não precisa ser padronizada, mas pode ser
pensada de maneira a respeitarmos a diversidade de pensamentos. Nessa esteira:
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Assim, não podemos apontar uma moral que esteja acima das outras e que ela seja a
responsável por garantir a felicidade de todos os indivíduos. O que podemos fazer, se
escolhermos a persuasão em vez da força, é tentar demonstrar através de nossas vivências
que as capacidades física e mental podem ser melhoradas com exercícios físicos e técnicas
direcionadas para esse fim, dessa forma tentaríamos demonstrar que esses exercícios e
técnicas seriam mais efetivos do que a prática do canibalismo, é claro que esse método tem
dificuldades como a predisposição que o indivíduo tem de ouvir e de aceitar os argumentos
postos em favor da mudança de perspectiva.
Desse modo, como na ética utilitarista de Mill (2005), percebemos uma esfera
empírica, pois é possível que o que entendemos como bom em um dado momento, após
passar pela prática dos hábitos sociais pode se tornar ruim ou apenas perder sua utilidade
para em um momento posterior (RORTY, 2010). Ou seja, as consequências de determinadas
ações visam a máxima felicidade, no entanto a prática e conversação para nos mostrar atos
que outrora pensamos não serem cruéis, pode nos levar a aperfeiçoar ou a abandonar
determinada conduta. A passagem que citamos abaixo nos ajuda a elucidar essa ideia:
Nessa esteira, nós não somos essencialmente bons ou maus, o que somos é produto
de uma aculturação, linguagem e comunidade contingentes e nosso senso de moralidade não
é diferente e para modifica-lo, podemos basear nossas ações na meta de não causar a dor, ou
seja, evitar a crueldade exercendo a solidariedade. Rorty acredita que os seres humanos
podem ser mais felizes, mas não alimenta a ideia de uma sociedade perfeita e sem problemas,
como podemos ver no trecho abaixo:
Acho que a ideia de uma sociedade em que todos amam todos igualmente,
ou como amam a si mesmos, é um ideal impossível. O ideal de uma
sociedade em que todos tenham respeito suficiente pelas outras pessoas
para não presumir que um de seus desejos seja intrinsecamente mau é um
ideal possível. E é este último ideal que, através do crescimento da social-
democracia e da tolerância, temos vindo gradualmente a alcançar nos
últimos dois séculos. (RORTY, 2010, p. 20).
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Concluímos esta seção apontado que, embora a ética utilitarista e a ética solidária de
Rorty apresentem pontos de convergência tais como a busca pela máxima felicidade geral, a
diminuição da dor e que nossa convivência coletiva tem que ser pautada na liberdade e na
educação para que possamos enfrentar de forma mais efetiva problemas como os da fome
que citamos no início de nossa argumentação. Elas diferem na maneira de alcançar esse
objetivo, enquanto Mill (2005) foca em um conjunto de normativo prescritivo, que se baseia
na promoção do prazer para um fim máximo e coletivo, para pautar nossas ações. Rorty nos
indica um caminho esperançoso, com mais detalhes e bastante viável no qual a persuasão,
ou seja, capacidade de convencimento nos leve ao objetivo de conciliar desejos privados com
a necessidade humana de viver em coletividade. Desse modo, uma ética solidaria baseada em
ações que evitem a crueldade, que ponha o diálogo em permanente utilização não é isenta de
problemas, assim como a abordagem utilitarista de Mill também não é, porém, contribuição
desse debate reside no fato de que as conexões das propostas desses pensadores são
atualizadas em meio grandes transformações que passamos em quanto sociedade e em
quanto sujeitos históricos em permanente modificação.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, retomamos nossa questão inicial: temos alguma obrigação moral
para com a felicidade dos outros indivíduos de nossa espécie? Se pensarmos em consonância
com as éticas utilitarista e neopragmatista a resposta é sim, tendo em vista que a nossa
existência está diretamente ligada à comunidade a qual nascemos e fomos aculturados. O que
não podemos é fechar os olhos ou agir indiferentemente enquanto nossos concidadãos são
submetidos a situações de dor e sofrimento, ou seja, cruéis, sendo elas causadas por desejos
individuais ou por grupos que dominam instituições políticas ou privadas e utilizam a
máquina e o poder para expandir sua influência particular ou capacidade de dominação, em
detrimento da maior parcela da população que por vezes ficam a margem ou deixadas de
lado ao ponto de não terem o alimento diário básico.
Assim, apresentamos e demonstramos a ética utilitarista de Mill (2005) e a ética
solidária de Rorty (2007; 2010), bem como estabelecemos conexões entre elas, com o fito de
problematizar nosso agir ético nas esferas privada e pública no que tange a felicidade.
Também pontuamos que Rorty ao discutir diversos problemas filosóficos não somente os
políticos, mas também os da ética, faz uso de um método de recontextualização ou
redescrição de determinado pontos das proposições teóricas dos filósofos que o
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REFERÊNCIAS
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