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Synesis, v. 14, n. 1, p.

265-279, jan/jul 2022, ISSN 1984-6754


© Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil

ÉTICA E FELICIDADE: CONEXÕES ENTRE O


UTILITARISMO DE MILL E O
NEOPRAGMATISMO DE RORTY

ETHICS AND HAPPINESS: CONNECTIONS


BETWEEN MILL'S UTILITARIANISM AND
RORTY'S NEOPRAGMATISM*

Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir a felicidade como desejo individual a partir das
conexões entre a ética utilitarista de Mill (2005) e a ética solidarista de Rorty (2007; 2010). Para tal,
partimos da observação teórica de que ambas as correntes filosóficas se propõem a diminuir a dor e
aumentar o prazer dos indivíduos com o fito de que se alcance a máxima felicidade geral. Porém,
existem diferenciações entre as duas propostas ético-filosóficas que se concentram na maneira em
como devemos desenvolver nossos códigos éticos para que consigamos um equilíbrio entre desejos
individuais e coletivos, sendo a utilitarista normativo-prescritiva e a neopragmatista baseada em
acordos coletivos feitos através da conversação e que visam evitar a crueldade, bem como incentivar
os atos de solidariedade. Para dar base a esta discussão trabalharemos com o seguinte aporte teórico:
Frey (2013) Mill (2005); Rorty (2007; 2010), Mulgan (2012).

Palavras-chave: Felicidade. Ética utilitarista. Ética solidária. Indivíduo. Coletividade.

Abstract: The objective of this work is to discuss happiness as an individual desire based on the
connections between Mill's utilitarian ethics (2005) and Rorty's solidarity ethics (2007; 2010). To this
end, we start from the theoretical observation that both philosophical currents aim to reduce pain
and increase the pleasure of individuals in order to achieve maximum general happiness. However,
there are differences between the two ethical-philosophical proposals that focus on the way in which
we should develop our ethical codes so that we can achieve a balance between individual and
collective desires, the normative-prescriptive utilitarian and the neopragmatist based on collective
agreements made through the conversation and aimed at preventing cruelty, as well as encouraging
acts of solidarity. To support this discussion, we will work with the following theoretical contribution:
Frey (2013) Mill (2005); Rorty (2007; 2010), Mulgan (2012).

Keywords: Happiness. Utilitarian ethics. Solidarity ethics. Individual. Collectivity.

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Artigo recebido em 24/03/2021 e aprovado para publicação pelo Conselho Editorial em 15/04/2021.

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1. INTRODUÇÃO

Neste trabalho problematizaremos a felicidade como desejo individual e coletivo a


partir do recorte de algumas discussões que autor neopragmatista Richard Rorty (1931-2007)
estabelece com o Utilitarismo de John Stuart Mill (1806-1873). Entendemos que tanto a ética
utilitarista como a neopragmatista visam alcançar a máxima felicidade para todos. Assim, na
proposta utilitarista a felicidade é baseada em critérios normativos e busca maximização do
bem-estar, enquanto Rorty nos indica que a felicidade é alcançada através da solidariedade,
da mudança de vocabulários e de nossa capacidade de gerar acordos coletivos assim evitando
a crueldade. Desse modo, procuramos discutir principalmente a relação entre os desejos
privados ou individuais e como podemos encontrar um equilíbrio entre eles e o objetivo de
uma sociedade mais justa e menos cruel.
Ser feliz em uma sociedade capitalista com uma população de aproximadamente sete
bilhões e meio de habitantes não parece ser uma tarefa simples. Obviamente as diversas
noções de felicidade que cada indivíduo tem se tornam o primeiro obstáculo para essa
empreitada. Se ligarmos o ser feliz às noções capitalistas de acúmulo de bens e capitais, então
encarar números tão grandes nos leva a pensar que nem todos podem ser felizes,
considerando que os recursos são limitados e que uma parcela da população não terá acesso
a eles. Mas, pensar assim não define exatamente que critérios têm que ser levados em
consideração para que alguns indivíduos possam perseguir e alcançar a felicidade e outros
não. Os números também não ajudam quando se diz que “ser feliz para mim, pode não ser
o que é ser feliz para você''. Dessa forma, estaríamos dizendo que somente algumas pessoas
se preocupam com bens materiais. No entanto, se pensarmos assim, sucumbiríamos em um
relativismo de gostos que não teria fim.
A situação não fica mais fácil se transferirmos a responsabilidade de alcançar a
felicidade exclusivamente para a esfera individual, como faz o discurso meritocrático. Frases
como: “estuda que a vida muda”, “seja o empreendedor da sua vida”, ou “não há ganho sem
dor”, só nos indicam que nunca abandonamos completamente a animalidade e a ideia de que
o mais forte tem que sobreviver, que o mais forte é o que pode ser feliz. A pergunta que
pretendemos fazer aqui é: devemos alguma coisa aos outros? Falando de outra maneira,
temos alguma obrigação moral para com a felicidade dos outros indivíduos de nossa espécie?
Claro que não podemos dar uma resposta definitiva para essa questão. O que podemos fazer
é trazê-la para uma realidade mais próxima de nós e a luz do debate filosófico discutir alguns

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aspectos de nossas ações que podem interferir diretamente no alcance dessa felicidade.
Para nos auxiliar nessa empreitada partimos da observação teórica de que existem
pontos de contato entre os princípios éticos utilitaristas e a noção de uma ética solidária
esboçada nos escritos do filósofo norte-americano Richard Rorty (2007; 2010). Rorty (2010)
afirma concordar com John Stuart Mill de que a única obrigação moral que temos é ajudar
uns aos outros e alcançar a maior felicidade possível. Contudo as duas correntes filosóficas
divergem nas noções sobre felicidade e na maneira de alcançá-la. Desse modo, abordaremos
dois pontos para chegarmos ao objetivo proposto: primeiro, investigaremos o conceito de
felicidade defendido na proposta ética utilitarista de Mill (2005), discutindo como nossa
individualidade se relaciona com o interesse coletivo do máximo bem-estar geral, destacamos
que essa discussão é importante para entendermos as conexões do Utilitarismo com
Neopragmatismo, assim, o critério para ações éticas no caso de Mill seria aumentar o prazer
e diminuir a dor, o que a primeira vista é um empreendimento difícil, pois além da questão
numérica da população, temos as subjetividades que podem ser um obstáculo nessa tarefa.
Mas o que particularmente deixa essa proposta mais difícil é a ideia de cálculo de felicidade
ou de prazer, pois a felicidade sendo considerada um estado mental, seria variante e de difícil
comensuração.
No segundo ponto, contrastando as propostas das duas correntes ético-filosóficas,
verificaremos como elas divergem na maneira de alcançar máxima felicidade geral que é um
objetivo comum a elas, também discutiremos como a ética solidária neopragmatista nos
indica um caminho viável, centrado na conversação e focado em evitarmos a crueldade, para
que possamos alcançar um equilíbrio entre o desejo privado ou individual de sermos felizes,
bem como a máxima felicidade dos membros da nossa coletividade. Longe de ser isenta de
problemas, a proposta de Rorty pode até parecer ingênua pois indica como fontes morais
outros elementos da cultura como a literatura e jornais, que podem ser criticados no caso da
primeira por ter um caráter fantasioso, ou tendencioso no caso do segundo, sem contar que
em pleno século XXI, ainda temos uma parcela significativa da população que não possui
acesso a esses bens culturais. Uma pergunta que também é válida seria: que ações tomar
quando determinados indivíduos mesmo com acesso aos livros e jornais por exemplo não se
comovem com a dor do outro e continuam realizando atos cruéis? Assim, opomos o
normativismo utilitarista à ética solidária rortyana e, mesmo ciente das lacunas, remamos para
o lado da proposta de esperança social que Rorty defende. Balizados por esse recorte teórico,
tencionamos contribuir para a discussão e destacamos a relevância do problema para as
pesquisas filosóficas.

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2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A FELICIDADE EM MILL

Conforme Mulgan (2012) e Frey (2013) existem diversos debates nos quais os
teóricos do utilitarismo vêm se dedicando a responder, parte deles são originários da
dificuldade em se elucidar questões relacionadas a princípios morais como utilidade,
imparcialidade e máxima felicidade. Desse modo, para se alcançar a máxima felicidade, “[...]
as ações são certas na proporção em que tendem a promover a felicidade, e erradas na
proporção em que tendem o reverso da felicidade. Por felicidade entende-se prazer, e
ausência de dor; e por infelicidade, dor e privação de prazer” (MILL, 2005, p.48). Marcado
por um forte empirismo, o utilitarismo de Mill tem como principal interesse as questões de
ordem prática e particulares. Mulgan (2012), explica que o utilitarismo pode ser definido
como uma orientação para a vida, notadamente para a vida pública e política.
O primeiro ponto de vista que queremos esclarecer é que apesar da ética utilitarista
proposta por Mill (2005) dizer que devemos escolher as ações corretas para alcançarmos a
máxima felicidade, é um engano pensar que devemos levar em consideração qualquer forma
de prazer, para se alcançar esse objetivo, ou seja, a vaidade de um indivíduo não pode ser
determinante no momento da prática da ação moral. Para elucidar esse posicionamento,
trazemos a passagem abaixo que corrobora com nosso ponto de vista:

Temos de pedir desculpa aos adversários filosóficos do utilitarismo que


sejam confundidos, nem que seja apenas por momentos, com alguém
capaz de um equívoco tão absurdo, que se torna mais extraordinário em
virtude de a acusação contrária (a de referir tudo ao prazer, e isso também
da forma mais grosseira) ser outra das acusações comuns ao utilitarismo
(MILL, 2005, p. 47).

Outrossim, é importante refutarmos o entendimento de que a felicidade expressa na


ética utilitarista seja a continuação de situações extremamente prazerosas, ou seja, não
podemos pensar em algo fugaz, mas em ações que nos levem a estados de bem-estar perenes.
Seguindo esse raciocínio, do ponto de vista da ética utilitária, uma ação que venha prejudicar
o meio ambiente seria condenável por duas razões, a primeira é que sabemos que suas
consequências são negativas para o planeta e, portanto, para a coletividade. A segunda é que
o resultado traria uma satisfação fugaz para o indivíduo. Assim, a felicidade como
consequência deve ser algo duradouro (MILL, 2005). Mas, manter um estado de máxima
felicidade coletiva considerando a enorme variedade existente na esfera individual é um

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problema persistente nessa abordagem.


Outro aspecto importante, é que não podemos separar a análise utilitarista de Mill
(2005) de suas bases filosóficas empíricas. Ele aplicou essas bases às diversas áreas às quais
se dedicou, tais como a matemática e a lógica. Nessa esteira, a busca pela felicidade deriva da
observação empírica de que ser feliz é desejo de todos indivíduos, por conseguinte, o bem-
estar geral também é. A ética utilitarista reconhece que há um problema de conciliação desses
desejos, considerando a multiplicidade de formas que eles podem se apresentar e a solução
é focar na agregação normativa de situações que proporcionem o máximo bem-estar a todos.
Para tal, o Utilitarismo de Mill (2005) visa ação pública e política com o fito de garantir um
conjunto de normas que regule os atos dos indivíduos objetivando a remoção de obstáculos
para a realização da felicidade das pessoas. Contudo, obrigar os indivíduos a agirem com
retidão é um empreendimento que vem apresentando algumas dificuldades. Se pensarmos
em um discurso o qual versa que as consequências de uma boa preparação para um exame
admissional em uma universidade, é a obtenção de uma vaga em um curso que vai gerar
retorno financeiro garantido, poderíamos dizer que o contrário disso seria ficar de fora da
vaga ou simplesmente passar e não conseguir uma área que retorno no mercado. Assim,
quando se diz “estude que a vida muda” teríamos uma lógica para obrigar uma pessoa a
realizar uma ação que em si já tem problemas.
Dessa forma, ao tempo em que criamos um conjunto de prescrições normativas, sob
a alegação de que isso é o correto para alcançarmos a maior felicidade de todos, também
ajudamos a sustentar uma estrutura tirânica que finca cada vez mais suas raízes e promove a
desigualdade e a miséria de muitos. Não se vislumbra em um futuro muito recente uma
substituição dessa lógica, mas as discussões em torno da ética trabalham para a melhoria
dessa situação. Mesmo que nossas perspectivas parecem sempre tender à polarização, ou
seja, nossas ações tenham que ser boas ou más, devemos escolher um lado A ou B, a ideia
de conciliar em um código mecanismos de contenção para a ações prejudiciais, bem como
de proteção para os mais fracos, parece ser a busca por um termo mediano.
O ponto que almejamos analisar é que tais códigos são criados para alcançar o
máximo bem-estar geral, todavia também são transformados em mecanismos de controle e
dominação. Assim, as concessões feitas aos indivíduos mais fracos também fazem parte das
estratégias de controle e a justificativa de que essas ações são as corretas é que fazem algumas
das ações voltadas para a coletividade caírem em descrédito. Nesse sentido, indagamos se
para alcançarmos a felicidade temos que depender de indivíduos que estão em ponto da
hierarquia social superior à nossa? É possível aceitar a dominação de um tirano, desde que

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essa dominação nos leve a maior felicidade geral? Se a resposta fosse sim, o que diriam as
pessoas adeptas da democracia que possivelmente teriam sua liberdade de expressão e de
locomoção cerceadas pelos caprichos de um ditador sem limites? A primeira resposta a ética
utilitarista nos dá é: “[...] que a felicidade que constitui o padrão utilitarista daquilo que está
certo na conduta não é a felicidade do próprio agente, mas a de todos os envolvidos” (MILL,
2005, p. 58). A passagem abaixo é muito elucidativa no que tange a essas questões:

Mesmo se um ditador benevolente pudesse fazer um trabalho perfeito de


atender aos interesses das pessoas, Mill ainda assim preferiria a
democracia. A participação política é boa em si mesma – promove o
autodesenvolvimento dos cidadãos, especialmente daqueles em ocupações
menos favorecidas. A oportunidade de participarem das decisões políticas
daria a essas pessoas o incentivo para se preocuparem com o resto do
mundo, concentrarem as suas mentes em questões mais amplas, e
desenvolverem a sua capacidade de tomar decisões importantes
(MULGAN, 2012, p.41).

A questão que propomos acima também poderia ser respondida com a ideia do juiz
competente que Mill traz em sua ética utilitarista, segundo Mill (2005) em uma situação na
qual se tenha que se descobrir qual é o melhor caminho o interessante seria encontrar uma
pessoa que tenha experimentado ambas as facilidades. Essa pessoa escolheria entre a maior
e a menor delas. Com base nesse entendimento, o juiz competente viria a ser aquele que
escolheria entre o tirano e a democracia, mas não podemos deixar de lado, a questão da
liberdade proposta Mill, pois como objetivo é alcançar máxima felicidade “[...] as pessoas são
os melhores juízes dos seus próprios interesses (MULGAN, 2012, p. 41). Com efeito, “[...] a
democracia representativa é a melhor maneira de manter os governantes honestos, e de
mantê-los focados nos interesses da maioria” (MULGAN, 2012, p. 41). Desse modo:

Quanto aos meios para a máxima aproximação a este ideal, a utilidade


prescreve, em primeiro lugar, que as leis e estruturas sociais coloquem
tanto quanto possível a felicidade ou (como se lhe pode chamar para fala:
em termos práticos) o interesse de qualquer indivíduo em harmonia com
o todo, e, em segundo lugar, que a educação e a opinião, que têm um poder
tão grande sobre o carácter humano, usem esse poder para estabelecer na
mente do indivíduo uma associação indissolúvel entre a sua própria
felicidade e o bem comum, especialmente entre a sua própria felicidade e
a prática daqueles modos de conduta, negativos e positivos, que a
consideração pela felicidade universal prescreve, não só de maneira a que
o indivíduo seja incapaz de conceber consistentemente a possibilidade de
ser feliz agindo contra o bem geral, mas também de maneira a que um
impulso direto para promover o bem geral possa ser um dos habituais
motivos para agir em todos os indivíduos, e que os sentimentos ligados a
esse impulso possam ocupar um lugar amplo e proeminente na existência

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senciente de todos os seres humanos (MILL, 2005, p. 59).

Dessa forma, quando pensamos na coletividade, o Utilitarismos de Mill (2005)


aponta para um horizonte que leva em consideração a soma da felicidade de todos alcançada
através da liberdade e a da educação, o que nos parece um ponto favorável nessa abordagem.
Mas, e o bem-estar individual? Qual o papel da singularidade das pessoas na busca por esse
objetivo? O primeiro passo seria nos aproximar da compreensão de Mill do que é
individualidade, para tal citamos a passagem abaixo:

Mill aprendeu duas lições fundamentais de Coleridge e dos românticos


alemães: a evolução histórica da cultura, bem como a importância da
individualidade para o bem-estar. Mill não entende por “individualidade”
exatamente o que podemos entender hoje. “Autonomia” e
“autenticidade” são termos mais precisos para nós, embora o próprio Mill
não os utilize. A ideia central é a de se viver a própria vida de acordo com
valores com os quais se identifica, ao contrário tanto de se viver uma vida
escolhida por outrem ou de se fazer a escolha de maneira impensada. A
vida humana só é verdadeiramente valiosa se for vivida da maneira certa
(MULGAN, 2012, p.38).

Dessarte, a ética utilitarista não renega a individualidade das pessoas, ela foca na
educação correta para que assim se possa viver uma vida valiosa, pautada na retidão e nas
boas ações que consequentemente nos trarão melhores resultados. Assim, o reconhecimento
da individualidade reforça os argumentos que refutam um governo tirano, afastam a ideia de
que precisamos esperar que nos digam como viver e o que fazer a todo momento. Não
somos coadjuvantes na peça teatral de outrem. Com efeito, essa individualidade deve ser
direcionada pela liberdade de poder escolher ser o juiz de sua própria existência e assim
maximizar a felicidade de forma agregativa.
Essa visão maximizadora e agregativa que percebemos na ética utilitarista de Mill
(2005), nos leva a uma pergunta muito debatida na citada corrente filosófica que é: como
faremos de maneira ética para aumentar e somar a felicidade das pessoas? Considerando o
que já discutimos até aqui, atender a todas as concepções individuais sobre felicidade não é
uma opção aceitável. Não estamos querendo dizer que Mill acha que a felicidade de uma
pessoa está ligada a apenas um aspecto de nossas vidas, como ter bens ou perder alguns
quilos e ficar fisicamente em forma. Assim, em determinados momentos, as pessoas dizem
que ter saúde é o que importa para ser feliz, ou a presença dos entes queridos, a realização
de um trabalho em que se sintam reconhecidos por seus esforços, e assim dezenas de outros
exemplos poderiam ser dados, e todos estariam ligados a maneira que nosso conjunto ético-

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normativo nos permitiria chegar esses objetivos. Portanto, se não pautarmos nossas ações
pelo caminho da retidão, de acordo com Mill (2005), acabaríamos transformando em dor, ou
seja, em infelicidade a vida das pessoas que estão ao nosso redor. Assim, um caminho viável
para se conciliar os diversos interesses que os indivíduos possuem e maximizar o bem-estar
seria não dar às pessoas o que elas querem no momento em que elas querem. Corrobora com
essa ideia o trecho abaixo:

A maneira de maximizar a felicidade é, portanto, não dar às pessoas o que


elas querem agora, mas encorajá-las a ter melhores anseios. Se os prazeres
mais elevados são melhores do que os mais baixos, nós deveríamos ansiar
por um mundo no qual todas as pessoas apreciem os prazeres mais
elevados, mesmo que a sua ignorância as impeça de querer os prazeres
mais elevados no presente (MULGAN, 2012, p.38).

Assim, concluímos esta seção com o entendimento de que ser feliz é maximizar essa
felicidade, dentro dos moldes da ética utilitarista, não se trata de querer estar em um estado
de prazer contínuo, nem da realização de qualquer desejo de forma indiscriminada, tampouco
de ficar à deriva aguardando que as decisões de outros indivíduos nos levem a ancorar em
qualquer porto. Devemos entender que a felicidade individual está ligada diretamente à
coletiva, e que nossas ações devem ser pautadas em critérios normativos para que as
consequências de nossos atos nos leve a alcançar os melhores resultados para todos. Falando
de outra maneira, o nosso agir deve ser guiado pela ética por que um indivíduo consciente
de que suas ações terão consequências positivas para a coletividade é um indivíduo que visa
a máxima felicidade geral. Dessa forma, mesmo com dificuldades aparentes tais como as que
já citamos, esse modelo ético irá influenciar e dialogar com outras abordagens a exemplo da
proposta neopragmatista de Richard Rorty a qual trataremos na próxima seção deste
trabalho.

3. FELICIDADE: CONEXÕES ENTRE O NEOPRAGMATISMO DE


RORTY E O UTILITARISMO DE MILL

Nesta seção vamos discutir algumas conexões entre a ideia de felicidade esboçada na
ética utilitarista de Mill (2005) e na proposta de uma ética pautada na noção de solidariedade
de Rorty (2007; 2010). Pontuamos que o objetivo de alcançar a máxima felicidade geral para
todos os indivíduos é compartilhado pelos dois filósofos, embora existam divergências no
caminho para alcançar tal fim. Desse modo, essas divergências podem nos ajudar a pensar

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de maneira mais crítica como nossas ações, dentro de uma perspectiva ética, podem interferir
na felicidade individual e na dos nossos concidadãos. É importante destacarmos que o
neopragmatista americano faz uso do método histórico-redescritvo o qual usa para discutir
diversos temas da filosofia com ética e política a partir da interpretação que faz dos filósofos
que o influenciaram, a exemplo do utilitarista John Stuart Mill.
Desse modo, Rorty (2007; 2010) sustenta que devemos ter uma obrigação moral com
todos os seres humanos e ela é substanciada na sua noção de ética possuindo a solidariedade
como base. Discutindo a ação ética em duas esferas distintas, a pública e a privada, a
perspectiva neopragmatista aborda a felicidade como resultado de acordos feitos através da
conversação, ou seja, apontado nossa capacidade imaginativa e de realizar acordos através da
linguagem como fontes de moralidade, assim, refutando o apego a ideais morais ou a
prescrições morais que se proponham a ser transcendentalistas, essencialistas ou
fundamentalistas.
Vivemos em uma sociedade que de certa maneira aprendeu a conviver com um
determinado estado de coisas que é no mínimo inquietante. Pensar que temos, em certa
medida, uma obrigação moral com todos os outros seres humanos, nos leva a indagar sobre
diversos problemas que a humanidade enfrenta, um dos mais velhos e persistentes é a fome.
Não precisamos sair da esfera local, ou seja, da nossa cidade ou em alguns casos do nosso
bairro para ver que existem pessoas que não têm como para garantir sua alimentação. É
comprovado que produzimos comida suficiente para todos, então o que falta para que
possamos entender que o desperdício de alimentos ou políticas econômicas centradas no
interesse de pequenos grupos agravam esse problema? Quando pensamos em felicidade, seja
ela geral ou individual, nos voltamos de certa forma para o dever ético de rever nossas ações
para alcançarmos a resolutividade de problemas como esse. A resposta não parece ser tão
óbvia, mas existem sugestões de como devemos pensar nossos códigos morais para que
possamos melhorar situações dessa monta.
Nessa linha de pensamento, para alcançarmos mudanças, a educação é um fator de
convergência na ética utilitarista e na neopragmatista. Assim, quando Mill (2005) se refere a
ela como fator importante na escolha de melhores prazeres, ele está dizendo que algumas
ações que causam a infelicidade ou prazeres menores são realizadas pela ignorância do
indivíduo, ou seja, pelo desconhecimento ou imaturidade em saber que aquela ação gera
consequências ruins. Rorty (2007) também afirma que a ignorância é um fator que faz as
pessoas ou instituições agirem de forma cruel, ou seja, violentando, retirando direitos e
discriminando. Os dois autores concordam que nossas escolhas morais são provenientes da

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imaginação humana, no sentido de que um objeto tido como moralmente aceitável hoje,
pode ser substituído por outro melhor. Pontuamos que a imaginação citada pelo autor
neopragmatista é muito próxima do conceito de empatia, ou seja, da capacidade de se colocar
no lugar do outro, para diminuir o sofrimento e a dor das pessoas levando em consideração
o que é mais justo. Dessa maneira, entendemos que os seres humanos: “São, como disse
Nietzsche, animais inteligentes, inteligentes porque, ao contrário dos outros animais,
aprenderam a cooperar uns com os outros para melhor satisfazer os desejos uns dos outros
(RORTY, 2010, p. 13). Ou seja, somos capazes de mudar e de conciliar nossos desejos
privados com os da coletividade.
Considerando que os indivíduos não sejam ignorantes sobre a fome ser algo que
prejudica a felicidade geral, o que poderia indicar que as ações de parte dos concidadãos ainda
não levam em consideração a felicidade do outro? Uma possível resposta é que uma
estratificação social muito acentuada gera um sentimento de diferenciação entre os membros
dessa comunidade a tal ponto que eles negam ver os outros como merecedores dos mesmos
direitos. Portanto, as ações não precisariam ser éticas, nem considerar as necessidades dessas
pessoas que não fazem parte desses círculos. Desse modo, pensar em aumentar nossa
capacidade de identificação com o grupo, buscando exercitar a tolerância, a empatia,
combatendo práticas discriminatórias e abusivas, nos levam a aumentar o nosso círculo e nos
aproximar de um estado melhor de convivência entre as pessoas. Dessa maneira:

Para aqueles que adotam o ideal utilitário de maximizar a felicidade, o


progresso moral consiste em ampliar o leque daqueles cujos desejos são
levados em conta. É uma questão do que o filósofo americano
contemporâneo Peter Singer chama de “ampliar o círculo do 'nós'”,
ampliando o número de pessoas que consideramos como “um de nós”
(RORTY, 2010, p.15).

Assim, podemos dizer que para aumentar a felicidade temos que ser mais inclusivos,
ou seja, nossa visão de mundo vai sendo aprimorada através da alteração de atitudes nocivas
perante aos indivíduos que nos rodeiam. Esse processo na visão rortyana passa pela
elaboração de novos e inusitados vocabulários que ampliaram nosso sentimento de
solidariedade para com nossos concidadãos. Estas novas maneiras de falar, são capazes de
chamar a atenção para as atitudes cruéis praticadas tanto por governos, como por indivíduos.
Dessa forma, poderíamos pensar que o vocabulário europeu que foi utilizado para justificar
que maioria da população, composta por camponeses e pela burguesia devesse sustentar
economicamente um rei e toda uma classe de nobres e clérigos porque assim dizia o seu

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direito de nascimento, em um dado momento deixou de ser útil para explicar aquela realidade
e novas palavras foram criadas para lidar com uma nova realidade (RORTY, 2007).
Pensar que mudanças de atitudes passam por mudanças de vocabulário, não é
apontar que a criação de uma nova palavra magicamente vai deixar de que os indivíduos de
nossa espécie deixem de desperdiçar comida ou não se fechem em suas mansões e
condomínios de luxo e achem que estão acima de todas os problemas que não os afeta
diretamente. Pelo contrário, o que Rorty (2007) nos aponta que existem basicamente duas
maneiras para que a alteração de nossas atitudes seriam elas a persuasão e a força. A primeira
é uma característica que ele atribui aos filósofos, porém ele nos indica a literatura como
companheira da filosofia nessa empreitada. Ele explica que a busca filosófica por teoria acaba
nos levando a novos e inusitados vocabulários, e que a literatura, destacando-se os romances
de protesto moral, através da expertise dos escritores nos ajuda perceber detalhes de dor e
sofrimento que devido a distância que temos de determinadas situações ou vivências não
perceberíamos, assim ajudando a nos tornarmos mais solidários (RORTY, 1994).
Dessa maneira, assim como na ética utilitarista de Mill (2005), a proposta de ética
solidária de Rorty (2007), se propõem a diminuir a dor e aumentar o prazer dos indivíduos,
no entanto para se alcançar a felicidade seja ela a individual ou a coletiva o neopragmatista
americano nos propõe como motor para as mudanças uma característica muito querida dos
seres humanos que é capacidade de gerarmos novas palavras e com elas novos acordos
através da conversação, com efeito, quanto mais entendemos, conhecemos, as experiências
de pessoas que estão sofrendo algum tipo de crueldade, mais solidários podemos nos tornar.
Nesse ponto, chamamos a atenção para o fato de que Rorty (2007), entende como tentativa
idealizadora o uso de um vocabulário único para que expliquemos as esferas pública e privada
da vida. Ele sugere uma diferenciação que leva em consideração a necessidade de autocriação
e a relação com outros indivíduos da comunidade.
Dessa forma, no seu tempo livre o indivíduo pode fazer o que for melhor para sua
autocriação, tentar realizar seus desejos e prazeres desde que isso não prejudique a vida dos
seus concidadãos (RORTY, 2007). Na esfera pública sua moral deve ser pautada pela noção
de que a crueldade é a pior coisa que os indivíduos de nossa espécie podem fazer uns com
os outros. Assim, compreendemos que essa separação é importante pois nos indica os limites
de nossos desejos. E que felicidade individual não precisa ser padronizada, mas pode ser
pensada de maneira a respeitarmos a diversidade de pensamentos. Nessa esteira:

Mas é possível combinar o máximo de felicidade para nós mesmos com a

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felicidade de todos? Isso é certamente impossível. É claramente algo que


só poderia ser realizado em uma dimensão transcendental. Naturalmente
neste mundo temos que administrar as coisas para que as duas coisas
coexistem de alguma forma, portanto não podemos excluir os
homossexuais, não podemos excluir as mulheres, não podemos excluir os
pobres: todos merecem consideração (RORTY, 2010, p. 21).

Dessarte, o respeito pela diversidade de interesses não é a tolerância de qualquer ação,


ou um retorno a um estado de natureza. Esse seria um ponto de convergência entre a ética
utilitária e a ética solidária neopragmatista. Para melhor demonstrar essa ideia, consideremos
a seguinte questão: alguns desejos humanos são ruins? Rorty afirma que a resposta para essa
pergunta é não, pois deveríamos considerar uma hierarquia dos desejos, e a não realização
de um desejo específico, não é porque ele é intrinsecamente mau, todavia porque ele
atrapalharia a realização da máxima felicidade geral. Assim na visão neopragmatista:

Para Mill, James, Dewey, Habermas e outros filósofos da


socialdemocracia, a resposta à pergunta “Alguns desejos humanos são
ruins?” é: Não, mas alguns desejos atrapalham nosso projeto de maximizar
a satisfação geral do desejo. Por exemplo, meu desejo de que meus filhos
comam mais do que os filhos do meu vizinho não é intrinsecamente mau.
Mas esse desejo não deve ser realizado. Não existe desejo intrinsecamente
mau. Existem apenas desejos que devem ser subordinados a outros
desejos no interesse da justiça (RORTY, 2010, p. 15).

A colocação acima deriva do posicionamento antiessencialista de Rorty e nos ajuda


a pensar sobre nossa individualidade, tendo em vista que desejos sórdidos, torpes e
prejudiciais aos outros podem ser apontados como objeto da felicidade das pessoas. Eles são
incompatíveis com uma sociedade a qual os ideais de justiça, tolerância e liberdade são
tomados como princípios. Mas não podemos de dizer que existe uma ordem transcendental,
uma essência ou um espaço neutro que podemos utilizar para avaliar todas as ações humanas
e argumentar que algumas são más por natureza (RORTY, 2010).
Como apontamos antes, na esfera privada o indivíduo pode se ocupar dos desejos
que lhe transformarão em uma nova e melhor pessoa. Poderíamos pensar na seguinte
situação: se em contato com uma comunidade a qual a prática de canibalismo ainda existisse
baseada na transferência de força ou de conhecimento após o consumo da carne de
determinado indivíduo. Não haveria um argumento transcendental que impedisse que
também fossemos alvo dessa prática. Não poderíamos apenas dizer que nossa ciência não
encontrou nenhuma conexão entre se alimentar de carne humana e a melhoria de
determinadas capacidades físicas e assim evitar que fôssemos comidos (RORTY, 2010).

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Assim, não podemos apontar uma moral que esteja acima das outras e que ela seja a
responsável por garantir a felicidade de todos os indivíduos. O que podemos fazer, se
escolhermos a persuasão em vez da força, é tentar demonstrar através de nossas vivências
que as capacidades física e mental podem ser melhoradas com exercícios físicos e técnicas
direcionadas para esse fim, dessa forma tentaríamos demonstrar que esses exercícios e
técnicas seriam mais efetivos do que a prática do canibalismo, é claro que esse método tem
dificuldades como a predisposição que o indivíduo tem de ouvir e de aceitar os argumentos
postos em favor da mudança de perspectiva.
Desse modo, como na ética utilitarista de Mill (2005), percebemos uma esfera
empírica, pois é possível que o que entendemos como bom em um dado momento, após
passar pela prática dos hábitos sociais pode se tornar ruim ou apenas perder sua utilidade
para em um momento posterior (RORTY, 2010). Ou seja, as consequências de determinadas
ações visam a máxima felicidade, no entanto a prática e conversação para nos mostrar atos
que outrora pensamos não serem cruéis, pode nos levar a aperfeiçoar ou a abandonar
determinada conduta. A passagem que citamos abaixo nos ajuda a elucidar essa ideia:

Filósofos como Santayana e Mill de fato se recusam a reconhecer qualquer


coisa como definitiva. Isso porque eles pensam que todo objeto relatado
de especulação filosófica ou de culto religioso é um produto da imaginação
humana. Algum dia pode ser substituído por um objeto melhor. Não há
um fim destinado a esse processo de substituição, nenhum ponto em que
possamos afirmar ter encontrado o ideal correto de uma vez por todas
(RORTY, 2010, p. 09).

Nessa esteira, nós não somos essencialmente bons ou maus, o que somos é produto
de uma aculturação, linguagem e comunidade contingentes e nosso senso de moralidade não
é diferente e para modifica-lo, podemos basear nossas ações na meta de não causar a dor, ou
seja, evitar a crueldade exercendo a solidariedade. Rorty acredita que os seres humanos
podem ser mais felizes, mas não alimenta a ideia de uma sociedade perfeita e sem problemas,
como podemos ver no trecho abaixo:

Acho que a ideia de uma sociedade em que todos amam todos igualmente,
ou como amam a si mesmos, é um ideal impossível. O ideal de uma
sociedade em que todos tenham respeito suficiente pelas outras pessoas
para não presumir que um de seus desejos seja intrinsecamente mau é um
ideal possível. E é este último ideal que, através do crescimento da social-
democracia e da tolerância, temos vindo gradualmente a alcançar nos
últimos dois séculos. (RORTY, 2010, p. 20).

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Concluímos esta seção apontado que, embora a ética utilitarista e a ética solidária de
Rorty apresentem pontos de convergência tais como a busca pela máxima felicidade geral, a
diminuição da dor e que nossa convivência coletiva tem que ser pautada na liberdade e na
educação para que possamos enfrentar de forma mais efetiva problemas como os da fome
que citamos no início de nossa argumentação. Elas diferem na maneira de alcançar esse
objetivo, enquanto Mill (2005) foca em um conjunto de normativo prescritivo, que se baseia
na promoção do prazer para um fim máximo e coletivo, para pautar nossas ações. Rorty nos
indica um caminho esperançoso, com mais detalhes e bastante viável no qual a persuasão,
ou seja, capacidade de convencimento nos leve ao objetivo de conciliar desejos privados com
a necessidade humana de viver em coletividade. Desse modo, uma ética solidaria baseada em
ações que evitem a crueldade, que ponha o diálogo em permanente utilização não é isenta de
problemas, assim como a abordagem utilitarista de Mill também não é, porém, contribuição
desse debate reside no fato de que as conexões das propostas desses pensadores são
atualizadas em meio grandes transformações que passamos em quanto sociedade e em
quanto sujeitos históricos em permanente modificação.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, retomamos nossa questão inicial: temos alguma obrigação moral
para com a felicidade dos outros indivíduos de nossa espécie? Se pensarmos em consonância
com as éticas utilitarista e neopragmatista a resposta é sim, tendo em vista que a nossa
existência está diretamente ligada à comunidade a qual nascemos e fomos aculturados. O que
não podemos é fechar os olhos ou agir indiferentemente enquanto nossos concidadãos são
submetidos a situações de dor e sofrimento, ou seja, cruéis, sendo elas causadas por desejos
individuais ou por grupos que dominam instituições políticas ou privadas e utilizam a
máquina e o poder para expandir sua influência particular ou capacidade de dominação, em
detrimento da maior parcela da população que por vezes ficam a margem ou deixadas de
lado ao ponto de não terem o alimento diário básico.
Assim, apresentamos e demonstramos a ética utilitarista de Mill (2005) e a ética
solidária de Rorty (2007; 2010), bem como estabelecemos conexões entre elas, com o fito de
problematizar nosso agir ético nas esferas privada e pública no que tange a felicidade.
Também pontuamos que Rorty ao discutir diversos problemas filosóficos não somente os
políticos, mas também os da ética, faz uso de um método de recontextualização ou
redescrição de determinado pontos das proposições teóricas dos filósofos que o

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influenciaram e ao fazermos a aproximação com a ideias de Mill (2005) levamos em


consideração essa maneira como o filósofo neopragmatista trata os temas filosóficos das
mais diversas temáticas não só éticas, mas culturais, políticas e outras.
Nessa esteira, sustentamos que a defesa do princípio utilitarista da máxima felicidade
de Mill (2005) não é defendida por Rorty (2010) nos mesmos moldes, já que como citado
acima o neopragmatista americano utiliza o método da redescrição. Destarte, enquanto este
defende um desapego a princípios morais essenciais, tendo a conversação para evitar a
crueldade como fonte da moralidade, aquele foca sua teoria em uma esfera pública e na busca
de se alcançar um princípio moral. No entanto, fica registrada a influência de algumas ideias
como felicidade e a produção de menos dor ou sofrimento sobre os escritos rortyanos.
Assim, ao trabalhar uma das questões filosóficas mais antigas que se apresenta e se
desenvolve de variadas formas em cada período da tradição filosófica, tentamos demonstrar
sua capacidade de revitalização e pertinência para as pesquisas atuais. Entendemos que essa
busca passa pelo crivo criterioso do debate ético considerando que nossas ações, mesmo
aquelas consideradas puramente voltadas ao indivíduo, têm origem na comunidade
contingente na qual fomos aculturados e defendemos que a ampliação de nossa solidariedade,
embora não isenta de problemas, pode ser uma opção viável para conduzirmos as questões
que essa temática aborda.

REFERÊNCIAS

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Environmental Philosophy. Mandem, Blackwell Publishers, 2001, pp. 177-191.
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Blackwell Guide to Ethical Theory, 2° ed., 2013, p. 221-237.
MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Trad. Pedro Madeira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2011.
MILL, John Stuart. Utilitarismo. Trad. Pedro Galvão. Porto: Porto Editora, 2005.
RORTY, Richard. A Filosofia e o espelho da natureza. Trad. Antônio Trânsito. São Paulo:
Relume Dumará, 1994.
RORTY, Richard. Contingência, ironia e solidariedade. Trad. Vera Ribeiro. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
RORTY, Richard. Uma ética laica. Trad. Mirella Traversin Martino. São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
RORTY, Richard. Achieving our Country: Leftist Thought in Twentieth-Century America.
Cambridge: Harvard University Press, 1997.
TIM, Mulgan. Utilitarismo. Trad. Fábio Creder. Petrópolis: 2012.

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