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RESUMO

Teoria Política

TEMAS E AUTORES DO MANUAL


UTILITARISMO: (Pedro Galvão. Man Filosofia Política: pág 15)
LIBERALISMO IGUALITÁRIO: (João Rosas. Man Filosofia Política: pág 35)
LIBERTARISMO: (Rui Fonseca. Man Filosofia Política: pág 67)
COMUNITARISMO: (Carlos Amaral. Man Filosofia Política: pág 87)
REPUBLICANISMO: (Roberto Merril. Man Filosofia Política: pág 111)
DEMOCRACIA DELIBERATIVA: (Acílio Rocha. Man Filosofia Política: pág 129)

POBREZA ABSOLUTA: (Diana Maia. Man Filosofia Política: pág 179)


AS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIIS: (Juan Velasco. Man Filosofia Política: pág 197)
GUERRA E TERRORISMO: (Fátima Costa. Man Filosofia Política: pág 241)

Apontamentos de: Adélio Câmara


Data: 28 de Junho 2020
Livro: João Cardoso Rosas, Manual de Filosofia Política, Coimbra: Edições Almedina.
TEMA 1 – UTILITARISMO
O termo «utilitarismo» denota um conjunto de perspetivas que, de algum modo, fazem da
promoção imparcial do bem-estar o único padrão ético para a avaliação de, por exemplo, atos,
códigos morais ou práticas e instituições sociais. - 15
O Utilitarismo foi central na filosofia moral e política do séc.XIX, período onde sobressaem
Stuart Mill e Jeremy Bentham. - 15

Três traços essenciais do Utilitarismo:


1. O Consequencialismo
O consequencialismo é um dos três traços essenciais de qualquer teoria utilitarista. Avalia
alguns tipos de objetos unicamente com base no valor das suas consequências. Defende que a
melhor ação é sempre aquela do qual resultam melhores consequências, e, terá melhores
consequências se, aceite na sociedade. - 15
Os consequencialistas sugerem que devemos adotar uma perspetiva imparcial e abrangente,
pois a promoção do bem é o único padrão apropriado para avaliar, pelo menos algum tipo de
coisas. - 16

2. O Welfarista - 16
O utilitarista tem assim uma conceção «welfarista» do bem, e é este o segundo traço essencial
da sua perspetiva.
Defende que o bem ou valor a promover consiste única e exclusivamente no bem-estar
(welfare ou Well-being).

3. O Agregacionismo - 16
E, se o welfarista for um utilitarista, dirá depois que não interessa como bem-estar se distribui
pelos diversos indivíduos em consideração: o melhor ato será simplesmente aquele que
resultar numa maior utilidade total.
Para avaliar o estado de coisas que engloba as consequências de cada ato, importa apenas
agregar o bem-estar que cada indivíduo obtém nesse estado de coisas e, dividir a utilidade
resultante da agregação pelo número de indivíduos.
Implica uma insensibilidade à distribuição do bem-estar (divisão da utilidade resultante da
agregação pelo nº de indivíduos).

1-BEM-ESTAR - 16
Os Utilitaristas divergem entre si quanto à conceção de bem-estar.
Os clássicos adotaram o hedonismo: Diz que o que faz a vida de um individuo correr melhor
para si é apenas a existência de experiencias boas e a ausências de experiencias más.
2
Bentham defende que os melhores prazeres são os mais intensos e prolongados.
O hedonismo afirma que o bem-estar depende apenas de certos estados mentais, de
determinadas experiencias que se tem ao longo da vida. - 17
Nozicque critica dizendo que se os hedonistas tivessem razão, seria irracional e pensando em
termos de interesse pessoal e Parfit defende que se adote uma situação híbrida, onde o bem-
estar dependa da presença de certos bens com valor, independentemente de serem desejados
ou de proporcionarem prazer. Porém, esses bens só contribuem para o bem-estar do individuo
se ele os desejar ou obter prazer com a sua realização.
Considere-se, por exemplo, uma situação em que uma grande maioria fanática deseja
intensamente que uma minoria inofensiva seja exterminada. Se o extermínio resultar numa
maior satisfação de preferências, o utilitarista terá de o aprovar.
De modo a excluir preferências eticamente condenáveis, como a de exterminar grupos de
inocentes, o utilitarista de preferências dispõe de duas hipóteses: - 18
1. Uma delas consiste em defender que aquilo que importa não é o que as pessoas
desejam de facto, mas aquilo que elas desejariam se estivessem devidamente
informadas ou fossem racionais.
2. O utilitarista pode também optar pela exclusão das preferências externas.

2-CONSEQUENCIALISMO - 19
Os utilitaristas discordam entre si não só quanto ao modo como concebem o bem-estar, mas
também quanto ao tipo de consequencialismo que consideram mais credível.

Diversas versões se desenvolveram ao longo do séc.XX, mas as duas que mais interessam são:
a) O consequencialismo dos atos:
Defendem a aplicação direta do padrão consequencialista a atos particulares, isto é, em todas
as circunstâncias, o ato obrigatório é aquela cuja realização resultar no máximo valor
impessoal. Cada um de nós deve pôr de lado os seus compromissos e projetos pessoais,
sempre que tal seja necessário para produzir as melhores consequências.
Um dos problemas dos consequencialistas dos atos é entrarem em conflito com as instituições
morais comuns. Por ex: opõem-se aos deontologistas, que defendem restrições gerais
centradas no agente e limitam o que cada um pode fazer a qualquer outra pessoa,
sustentando que há obrigações especiais que alguns indivíduos têm para com os outros em
virtude de manterem com eles uma certa relação. - 20
Defendem ainda que maximizar o bem não implica desrespeitar obrigações gerais ou
obrigações especiais, pelo que podemos desenvolver compromissos e projetos sem atender
sempre ao seu valor impessoal. - 20
Por exemplo, não podemos torturar uma pessoa para evitar que outros torturem várias
pessoas. - 20
3
Suponha-se que um agente tinha de escolher entre salvar o seu filho e salvar duas crianças
com as quais não mantinha qualquer relação relevante. Um consequencialista dos atos
aprovaria a segunda opção, ao passo que um deontologista em virtude de reconhecer
obrigações especiais, aprovaria a primeira. - 21
Uma das objeções recorrentes ao consequencialismo dos atos é a de ser demasiado exigente,
pois impõe sacrifícios que não são obrigatórios, ainda que fosse louvável fazê-los. - 21
Uma situação paradigmática é esta: um cirurgião pode salvar cinco pacientes se matar uma
certa pessoa e usar os seus órgãos em transplantes. - 21

b) O consequencialismo das regras: - 19


Defende a aplicação direta desse padrão, a conjuntos de regras ou códigos morais, mas não a
atos particulares, que são apoiados pelos deontologistas. - 19
Em seu entender, o código moral certo é aquele que maximizaria o bem se colhesse a
aceitação da grande maioria dos agentes. E os atos moralmente certos são, por sua vez,
aqueles que estão em conformidade com esse código moral - e não aqueles que maximizam o
valor impessoal. - 20
Ambos defendem que os atos permissivos são sempre os que maximizam o bem.
Os consequencialistas podem ainda ser objetivos e atualistas ou subjetivos ou probabilísticos.
Os Utilitaristas aprovam politicas determinantes de redistribuição da riqueza e,
simultaneamente insistem na proteção de liberdades individuais, aprovando o Estado-
providencia (incentiva a desresponsabilização individual e fomenta a ruína económica) que se
encontra nas democracias liberais europeias. - 23

3-CONDUTA PRIVADA E POLÍTICAS PÚBLICAS - 24


Os fundadores do utilitarismo interessaram-se profundamente por questões políticas.
Bentham dedicou muito do seu trabalho à reforma de sistemas legais, e Mill empenhou-se
profundamente na defesa de causas como a igualdade das mulheres e a liberdade de expressão.
No entanto, ao longo do século XX o utilitarismo foi discutido sobre- tudo enquanto teoria da
moralidade pessoal. - 24
Por isso, mesmo que o utilitarismo não seja um bom guia para a conduta privada, mantém-se
forte como filosofia pública»: os titulares de cargos públicos, sempre que tomem decisões nessa
qualidade, devem escolher as suas políticas tendo em vista a maximização do bem-estar. - 24
Na esfera privada, sugere Goodin, o carácter impessoal e calculador do utilitarismo revela-se
pouco atraente. Por exemplo, esperamos que os pais deem mais importância aos filhos do que
aos estranhos. - 24

4
4-DEFESAS DO UTILITARISMO - 25
Em Filosofia, o utilitarismo é uma doutrina ética que prescreve a ação (ou inação) de forma a
optimizar o bem-estar do conjunto dos seres sencientes (que sentem: dor, prazer…).
O utilitarismo é então uma forma de consequencialismo, isto é, avalia uma ação (ou regra)
unicamente em função das suas consequências.
Filosoficamente, pode-se resumir a doutrina utilitarista pela frase: Agir sempre de forma a
produzir a maior quantidade de bem-estar (Princípio do bem-estar máximo).
Trata-se de um moral eudemonista (ética da busca de uma vida feliz com base em valores
morais), mas que, contrariamente ao egoísmo, insiste na consideração do bem-estar de todos
e não o de uma só pessoa.

Foram Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) que sistematizaram o
princípio da utilidade e conseguiram aplicá-lo a questões concretas: sistema político,
legislação, justiça, política económica, liberdade sexual, emancipação feminina, etc.
Segundo Stuart Mill justificar o utilitarismo é mostrar que só a felicidade geral é desejável
como fim para o agregado de todas as pessoas e que só a felicidade de uma pessoa é um bem
para ela mesma. Aceitar a ética utilitarista implica uma forte disposição para o altruísmo. - 25

Princípio maximin de Rawls: Escolha da opção que tem o melhor pior resultado possível. - 28

5-JUSTIÇA E LIBERDADE - 29
Na esfera da política, a objeção mais comum ao utilitarismo diz respeito à justiça distributiva: o
utilitarismo sanciona distribuições injustas de bens porque nos diz que seria aceitável - ou
melhor, obrigatório - canalizar recursos dos mais pobres para um número suficientemente
vasto de pessoas bastante abastadas, se assim se obtivesse um maior bem-estar total ou
médio. Por exemplo, se manter alguns escravos resultar numa maior felicidade geral,
deveremos aceitar a escravatura. - 29
O utilitarista, sugere Rawls, estende impropriamente este princípio à sociedade como um todo,
pelo que toma obrigatório que alguns se sujeitem (ou sejam sujeitados) a enormes sacrifícios
para benefício de muitos outros. E esta extensão é inadequada porque ignora o facto de as
pessoas serem sujeitos distintos, com uma vida própria para viver.
Perante esta crítica, uma possibilidade é rejeitar o agregacionismo, mas preservar os outros
dois traços essenciais do utilitarismo, isto é, que seja consequencialista e welfarista. - 29
Muitos alegam que, devidamente aplicado em circunstâncias sociais realistas, o utilitarismo
sanciona um igualitarismo moderado. -29
De um modo geral, os utilitaristas aprovam políticas resolutas de redistribuição da riqueza ao
mesmo tempo que insistem na proteção de liberdades individuais, pelo que hoje parecem
aprovar o estado-providência que encontramos nas democracias liberais europeias. - 30

5
6-A RELEVÂNCIA DO UTILITARISMO - 31
Será apropriado ter em conta a perspetiva utilitarista quando nos ocupamos de questões
normativas, pois não é preciso aceitá-la para acreditar não só que um elemento importante na
avaliação de práticas, políticas e instituições é o seu impacto no bem-estar geral, mas também
que esse elemento é frequentemente decisivo. - 31
O utilitarismo talvez não nos dê, em última análise, tudo o que precisamos de levar em conta
quando examinamos questões morais e políticas, mas é difícil negar a relevância da perspetiva
utilitarista. - 31

RESUMO ADICIONAL - TEXTOS DE APOIO

O Utilitarismo divide-se em dois tipos:

1. O utilitarismo do ato estabelece que uma ação o é moralmente correta quando os seus
efeitos incrementam, em vez de diminuir, a felicidade geral; e,

2. O utilitarismo de regra sustenta que o princípio da utilidade não deve ser aplicado
diretamente para avaliar os atos individuais, mas deve-se aplicar às práticas, regras ou
instituições que sirvam para determinar a moralidade dos atos individuais. O ato de avaliar fica
assim submetido à aplicação de uma certa regra. Os seus adeptos postulam que esta mediação
entre o princípio de utilidade e os atos permite evitar certos resultados nefastos (ex: a
justificação da tortura de um inocente, para evitar males maiores a outros). Contudo, autores
como H. M. Hare sustentam que quando o utilitarismo de ato se combina com o princípio da
universalização, estamos dentro do utilitarismo de regra. Este autor propôs, em 1981, o
utilitarismo de preferência, frente ao utilitarismo de felicidade.

6
TEMA 2 - LIBERALISMO IGUALITARIO

O paradigma liberal igualitário contemporâneo surge como reação contra o utilitarismo


dominante na política e na economia. - 35
O liberalismo igualitário é de carácter deontológico, não welfarista e anti-agregativo. Ele
afirma a primazia da virtude social da justiça e do respeito por direitos individuais.
Para Rawls, cada pessoa beneficia de uma inviolabilidade que decorre da justiça, a qual nem
sequer em benefício do bem-estar da sociedade como um todo poderá ser eliminada. Por esta
razão, a justiça impede que a perda da liberdade para alguns seja justificada pelo facto de
outros passarem a partilhar um bem maior. - 35
Se quisermos definir provisoriamente esta teoria, podemos dizer que ela procura conjugar a
prioridade das liberdades básicas, civis e políticas, com a relevância da igualdade de
oportunidades e da função distributiva do Estado. - 36
A justiça civil e política é prioritária em relação à justiça social e económica.
O igualitarismo nunca deve ser promovido à custa da liberdade. Daí estarmos diante de um
paradigma que é, em primeiro lugar, liberal e, depois, tendencialmente igualitário em termos
sócio-económicos. - 36
O liberalismo igualitário conhece a sua defesa mais abrangente e sofisticada com a obra Uma
Teoria da Justiça, de John Rawls. - 36

1-A TEORIA DA JUSTIÇA DE RAWLS - 37


Rawls intitula de «justiça como equidade» a sua conceção liberal igualitária da justiça. - 37
A conceção da justiça aplica-se então à «estrutura básica da socie- dade», ou seja, às principais
instituições sociais. - 37

A sociedade como sistema de cooperação - 37


Partamos então da ideia de sociedade como um sistema de cooperação que visa o bem
daqueles que nele participam.
A racionalidade, portanto, é a base do exercício da liberdade de cada um.
Por sua vez, a razoabilidade permite que cada cidadão esteja disposto a chegar a termos de
entendimento com os outros, tomando possível a vida social. - 38
Dotados de racionalidade e de razoabilidade, os cidadãos têm as condições para exercer a sua
liberdade numa sociedade justa. Eles são iguais nesse sentido, ou seja, enquanto dotados
dessas condições de base por igual. - 38
Para Rawls, a igualdade é vista como uma «propriedade de base», atribuída a todos os que
colocamos dentro do círculo da cidadania, ainda que uns possam ter mais e outros menos. - 39

7
Hobbes chama a atenção para o facto de uns indivíduos terem menos e outros mais (força
corporal), mas também para o facto de que essas diferenças não são assim tão grandes que
impeçam o mais fraco de vencer o mais forte (pela astúcia). Da mesma forma, a igual
racionalidade e razoabilidade dos cidadãos em Rawls qualifica-os igualmente como seres
capazes de uma conceção do bem e de um sentido de justiça, ainda que eles não sejam
estritamente iguais nessas capacidades. - 39
Os princípios da justiça visam encontrar a forma mais adequada de distribuir os benefícios e
encargos, ou direitos e deveres, entre os cidadãos iguais, racionais e razoáveis, participantes
na cooperação social. - 39

Bens sociais primários - 39


A justiça deve ocupar-se apenas dos valores mais fundamentais em causa na cooperação
social, ou seja, aquilo que Rawls designa por «bens sociais primários».
Estes bens são instrumentais, isto é, são aqueles de que todos necessitamos para obter tudo
aquilo que queremos e podemos alcançar, sendo produzidos pelas instituições sociais e não
por causas naturais. - 39
A forma como são distribuídos depende também da própria configuração das instituições, por
isso são sociais e não naturais.
Os bens sociais primários são as liberdades e imunidades, as oportunidades e poderes, a
riqueza e o rendimento e, por último, as bases sociais do respeito próprio.
De uma forma ainda mais sucinta podemos dizer que os bens sociais primários que são
diretamente distribuídos pelas instituições sociais são três: liberdades, oportunidades e
riqueza. - 40

Princípios da justiça - 40
Todos os valores sociais - liberdade e oportunidade, rendimento e riqueza, e as bases sociais
do respeito próprio - devem ser distribuídos igualmente, salvo se uma distribuição desigual de
algum desses valores, ou de todos eles, redunde em benefício de todos. - 40
Segundo Rawls, portanto, a intuição básica na primeira formulação da conceção de justiça é
puramente igualitária, mas, existe também uma ressalva. Não seria racional não admitir uma
distribuição desigual se fosse possível demonstrar que essa desigualdade relativa a um ou mais
bens sociais primários redundasse em benefício de todos. - 40
Se, em algum aspeto, a desigualdade na distribuição de bens sociais primários for benéfica
para cidadãos iguais nos seus poderes morais, não existirão com certeza boas razões para a
rejeitar. - 41

8
As desigualdades económicas e sociais devem ser balizadas por dois princípios: - 41
1. Um que diz respeito às oportunidades;
2. O outro que diz respeito ao rendimento e riqueza;
Portanto, as desigualdades existentes na sociedade terão de ser, de alguma forma, para
benefício de todos, mas também associadas à mobilidade social, isto é, ao acesso generalizado
às diferentes funções e posições.

Princípio da liberdade - 42
O primeiro princípio da justiça pode ser designado por «princípio da liberdade», mas a sua
designação mais adequada é a de «princípio das liberdades».
Assim, a liberdade é entendida como um conjunto de liberdades, no plural.
As liberdades são vistas como um sistema na medida em que elas têm de ser compatibilizadas.
Por exemplo, a liberdade de expressão de uns tem de ser compatibilizada com o direito ao
bom nome de outros. Todas as liberdades levantam problemas de compatibilização. - 42
As liberdades básicas incluem a liberdade de pensamento e consciência, as liberdades da
pessoa, a liberdade de expressão e reunião, a proteção face à prisão arbitrária, a propriedade
privada (mas não dos meios de produção: essa já não é uma liberdade básica).
Entre as liberdades básicas contam-se também as liberdades políticas, como as de votar e ser
eleito para cargos públicos. - 42

Princípio da Igualdade: - 43
O segundo princípio da justiça é especialmente complexo. Um primeiro ponto a notar é a
aceitação da existência de desigualdades económicas e sociais.
A existência de desigualdades de posição social e de remuneração ou riqueza constitui um
sistema de incentivos. - 43
Um segundo ponto a acentuar é a ideia de que as desigualdades só são moralmente
permitidas na medida em que estão associadas a duas condições: - 43
1. As desigualdades devem beneficiar a todos.
2. As desigualdades decorrem de alguma modalidade de igualdade de oportunidades.
A igualdade de oportunidades no sentido equitativo toma em conta os diferentes pontos de
partida dos indivíduos e procura retificá-los através da configuração das instituições. - 44
A mera igualdade formal não é suficiente para aproximar os pontos de partida individuais
determinados pela lotaria social. - 44
Daí a igualdade de oportunidades no sentido equitativo em que os indivíduos não são
moralmente responsáveis pelas circunstâncias do seu nascimento e, mais especificamente, por
nascerem numa família de perfil sócio-económico baixo. Ora, se os indivíduos não podem ser
responsabilizados por elas, seria inaceitável nada fazer para corrigir essa desigualdade. - 44

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Princípio da diferença:
O benefício de todos alcança-se mediante a «maximização das expectativas daqueles que
estão em pior situação» à partida. O tipo de padrão distributivo fixado por este princípio da
diferença consiste pois numa atenção especial à classe mais desfavorecida da sociedade. - 45
Segundo o princípio da diferença as desigualdades sociais e económicas devem servir não
apenas para melhorar a situação dos mais desfavoreci- dos, mas também para a melhorar ô
mais possível. - 45
O princípio da diferença, associa-se ao princípio da igualdade de oportunidades compensando
os indivíduos pelos fatores igualmente arbitrários resultantes também da lotaria natural. - 46

Na sua versão definitiva, o segundo Princípio da justiça lê-se então assim: - 47


As desigualdades económicas e sociais devem satisfazer duas condições:
1. Em primeiro lugar, ser a consequência do exercício de cargos e funções abertos a
todos em circunstâncias de igualdade equitativa de oportunidades;
2. Em segundo lugar, ser para o maior benefício dos membros menos favorecidos da
sociedade (o princípio da diferença).

Rawls considera que, tal como os princípios da justiça são prioritários em relação a qualquer
maximização da utilidade social, também internamente os devemos pensar como ordenados
segundo prioridades. - 47
Assim, o princípio das liberdades (primeiro princípio) é prioritário em relação ao segundo
princípio e, neste, o princípio da igualdade equitativa de oportunidades é prioritário em
relação ao princípio da diferença. - 47
Assim se impede não só que a justiça seja sacrificada em nome da utilidade, mas também que
uns bens sociais primários sejam sacrificados em nome de outros bens sociais primários. - 47
A liberdade não pode ser comprometida para a criação de mais oportunidades ou riqueza para
os desfavorecidos e este último objetivo não deve comprometer a igualdade de oportunidades
em sentido equitativo. - 47

Posição original: - 50
Qualquer um de nós pode, em qualquer momento, recorrer à ideia da posição original. Nela
não se encontram pessoas de carne e osso, como nós, mas «partes» que são nossas
representantes. As partes na posição original não têm as desvantagens que teríamos nós
enquanto pessoas concretas. - 50
As características dessas mesmas partes, assim como as condições especiais em que se
encontram, garantem que a escolha feita por elas será muito mais imparcial, muito mais
equitativa, do que uma escolha efetuada por pessoas reais, daí que Rawls chame à conceção
escolhida na posição original «justiça como equidade». - 51
10
Em primeiro lugar, as partes estão debaixo de um espesso véu de ignorância. Isso significa que
elas desconhecem as circunstâncias particulares das pessoas que representam: as suas
conceções particulares do bem, os seus rendimentos, o seu status social, etc.
A existência do véu de ignorância garante a razoabilidade da sua escolha.
As partes têm alguns conhecimentos gerais sobre a vida humana. Esses conhecimentos visam
conferir maior robustez à sua escolha. - 51
O raciocínio das partes assenta na chamada «regra maximin». - 52
As partes devem raciocinar de modo a maximizar o mínimo de resultados que podem obter.
Elas escolherão a conceção de justiça que, uma vez aplicada à estrutura básica, lhes garanta
essa maximização do índice de bens sociais primários. - 52
Em contraposição com o princípio de utilidade, os princípios de justiça de Rawls não permitem
nunca o sacrifício das liberdades básicas, da igualdade equitativa de oportunidades e da
distribuição de acordo com o princípio da diferença (note-se que este último é praticamente
uma paráfrase da regra maximin). - 53
É, portanto, claro que os princípios da justiça permitem maximizar o mínimo que cada uma das
partes pode obter, mas que o mesmo não acontece com o princípio de utilidade. - 53

O compromisso dos cidadãos numa sociedade utilitarista é difícil, na medida em que ela exige
demasiado a cada um com vista a maximizar o bem-estar e a situação é especialmente difícil
para aqueles que forem sacrificados em nome do bem-estar geral. - 54
Em contraste, parece ser muito mais fácil motivar a cooperação de todos numa sociedade
justa, pois neste quadro, as tensões do compromisso são bem menores na medida em que
todos sabem que terão acesso a um índice elevado de bens sociais primários, aos quais todos
os outros têm também acesso. - 54
Ninguém tem motivos para se sentir posto de lado e, portanto, para não cooperar.
Uma sociedade utilitarista é pouco estável. Se aqueles que se sentem prejudicados ou
sacrificados têm pouca motivação para cooperar, poderão ter motivação para se revoltar. - 54

Aplicação à estrutura básica: - 56


Os princípios da justiça aplicam-se ao conjunto das principais instituições sociais e ao modo
como elas funcionam em conjunto para distribuir os benefícios e encargos da vida em
sociedade. Rawls chama “estrutura básica” a este enquadramento institucional. - 56

Note-se que a estrutura básica é, em primeiro lugar, um conjunto integrado de regras ou, mais
exatamente, de leis. - 56
A justiça para Rawls consiste na existência de uma estrutura básica ordenada de acordo com
os princípios selecionados na posição original. - 56
11
Uma estrutura básica justa é aquela que engloba uma Constituição justa, isto é, uma
Constituição que realiza o primeiro princípio da justiça. - 56
Cabe então à legislação e ao governo o estabelecimento da justiça no plano social e
económico, ou seja, a realização institucional do segundo princípio da justiça. É a este nível
que tem lugar a tentativa de igualizar as oportunidades mediante o acesso à educação e à
cultura para todos os igualmente dotados. - 57
Na estrutura básica, portanto, está espelhada a prioridade do primeiro princípio em relação ao
segundo, o que corresponde exatamente à perspetiva do liberalismo igualitário. - 57
Mas, quanto às restantes liberdades, elas adquirem o seu pleno valor através da aplicação do
segundo princípio da justiça. - 57
É através de uma igualdade de oportunidades equitativa e de uma distribuição de acordo com
o princípio da diferença que será efetivamente possível aos diferentes indivíduos perseguir os
seus fins próprios e, dessa forma, fazer uso do sistema de liberdades básicas igual para todos.
Note-se que a estrutura básica de uma sociedade justa implica a existência de uma economia
de mercado. - 57
A verdadeira alternativa para a construção de uma sociedade justa, portanto, está localizada
na banda estreita entre um socialismo de base liberal, e aquilo que nós chamaríamos um
liberalismo social, segundo o qual a justiça consiste em garantir a todos e a cada um dos
indivíduos as liberdades básicas, mas também as condições efetivas para desenvolverem os
seus projetos de vida. O liberalismo igualitário de Rawls tem, pois, duas vias possíveis de
concretização. - 58

Liberalismo Igualitário: - 58
Uma sociedade justa de acordo com a perspetiva liberal igualitária é, necessariamente, uma
sociedade pluralista. - 58
A consagração constitucional das liberdades permite ultrapassar as guerras de religião e, ao
mesmo tempo, contribui para o aprofundamento do pluralismo não só das visões religiosas,
mas também de todas as outras conceções do mundo e da vida, de tipo filosófico e moral. - 58
A conceção liberal igualitária da justiça deverá poder ser apoiada por todos aqueles" que
defendem doutrinas abrangentes racionais e razoáveis, por muito diferentes que elas sejam
umas das outras. - 60
Ou seja, embora os cidadãos discordem quanto às doutrinas abrangentes que professam, eles
podem concordar com um mesmo núcleo de valores políticos fundamentais: aqueles que têm
a ver com o apoio a uma constituição justa, mas também aos aspetos sociais e económicos da
justiça. - 60

12
2-NATUREZA E ALCANCE DA IGUALDADE LIBERAL - 61
Rawls advoga a realização da igualdade democrática mediante a adoção de um princípio de
oportunidades equitativas, cruzado com uma distribuição de riqueza de acordo com o princípio
da diferença. - 61
A teoria rawlsiana não parece contemplar as desvantagens especiais de alguns quanto aos seus
dotes naturais, nomeadamente os deficientes físicos ou mentais. - 62

Igualdade de recursos: 62
Segundo Dworkin, a concepção rawlsiana da igualdade democrática falha ao não levar
suficientemente a sério a responsabilidade individual. - 62
Ora, parece intuitivamente convincente que a justiça deve também eliminar as desvantagens
especiais produzidas pela pura má sorte - o que não está previsto na formulação de Rawls.
Mas, segundo Dworkin, a teoria rawlsiana é também, num outro sentido, indevidamente
igualitária, uma vez que não é suficientemente sensível aos gostos e ambições de cada um. Se
alguém decide dedicar o seu tempo a catividades de lazer, enquanto outros optam por
trabalhos exigentes e extenuantes, o princípio da diferença acabaria por premiar os primeiros.
O sistema de transferências do Estado não deve compensar as pessoas com gostos caros ou
sem ambição, apenas porque estão pior do que os outros. Mas deve compensar especialmente
aqueles que foram afetados por elementos de pura má sorte, como a deficiência. - 63

Igualdade de capabilidades: - 63
Um outro liberal igualitário, Amartya Sen, não considera satisfatórias as abordagens da
igualdade sócio-económica baseadas na ideia de bens sociais primários, ou na ideia de
recursos materiais. O conceito preferido por Sen é o de capacidades. - 63
Pode existir uma igualdade de bens sociais primários ou de recursos materiais sem que exista
igual capacidade para os colocar ao serviço das liberdades, devido a diferenças no contexto
cultural e ambiental dos indivíduos, a diferenças de género, de exposição a doenças, etc.
Assim, a questão fundamental é a da capacidade para transformar os bens sociais primários ou
os recursos em efetiva liberdade de escolha.
O mais importante é igualizar o conjunto de capabilidades básicas dos indivíduos e não
simplesmente os instrumentos que podem estar ao serviço dessas capabilidades, como os
recursos ou os bens sociais primários. - 63

Igualdade local: - 64
Numa obra de final de carreira Rawls admite que nem todas as sociedades possam desejar
construir uma justiça tão igualitária como a que ele propõe na sua teoria. Há no mundo
sociedades com uma tradição hierárquica e sem tradição liberal. - 64
13
Igualdade global: - 64
O local onde se nasce é tão moralmente arbitrário como o meio social ou os dotes naturais.
Por isso é injusto que alguns tenham tantos benefícios por terem nascido em países prósperos
e outros sejam penalizados por ter nascido no seio de povos particularmente desfavorecidos.
Para Beitz, portanto, a exigência de justiça social e económica tal como Rawls a concebe,
incluindo o princípio da diferença, aplica-se também ao sistema internacional.

RESUMO ADICIONAL - TEXTOS DE APOIO:

Retomando a teoria do contrato social, Rawls tenta responder de que modo podemos avaliar
as instituições sociais: a virtude das instituições sociais consiste no fato de serem justas.
COM base nesta preocupação, Rawls formulou a teoria da justiça como equidade. Mas, como
podemos chegar a um entendimento comum sobre o que é justo?
Para chegar a tal resultado, ele imaginou uma situação hipotética e a histórica similar ao
estado de natureza (chamada de posição original) na qual certos indivíduos escolheriam
princípios de justiça.
Tais indivíduos, racionais e razoáveis, estariam submetidos a um "véu de ignorância", isto é,
desconheceriam todas as situações que lhe trariam vantagens ou desvantagens na vida social
(classe social e status, educação, características psicológicas, etc.).
Assim, na posição original todos compartilham de uma situação equitativa: são considerados
livres e iguais.
Rawls não deseja fundamentar a obediência ao Estado (como no contratualismo clássico de
Hobbes, Locke e Rousseau).

Ligando-se a Kant (contratualismo Kantiano), a ideia do contrato é introduzida como recurso


para fundamentar um ponto de eleição de princípios de justiça, que são assim descritos:
Princípio da Liberdade: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de
liberdades básicas iguais que sejam compatíveis com um sistema de liberdade para as outras.
Princípio da Igualdade: as desigualdades sociais e económicas devem ser ordenadas de tal
modo que sejam ao mesmo tempo: a) consideradas como vantajosas para todos, dentro dos
limites do razoável (princípio da diferença); b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos
(princípio da igualdade de oportunidades).
Fiel à tradição liberal, Rawls considera o princípio da liberdade anterior e superior ao princípio
da igualdade e, o princípio da igualdade de oportunidades superior ao princípio da diferença.
Contudo, ao unir estas duas conceções sob a ideia da justiça, sua teoria pode ser designada
como "liberalismo igualitário", incorporando tanto as contribuições do liberalismo clássico
quanto dos ideais igualitários da esquerda.
Tais princípios exercem o papel de critérios de julgamento sobre a justiça das instituições
básicas da sociedade, que regulam a distribuição de direitos, deveres e demais bens sociais.
Eles podem ser aplicados (em diferentes estágios) para o julgamento da constituição política,
das leis ordinárias e das decisões dos tribunais.
14
Dentre as conceções críticas e rivais do liberalismo igualitário podemos citar:

▪ Libertarismo: os defensores do capitalismo anárquico (sem qualquer restrição ao mercado e


as demais liberdades) condenam a ênfase dada à igualdade como potencialmente autoritário.
Seu principal expoente é Robert Nozick. Os princípios desta teoria são similares à teoria
económica do neoliberalismo, onde se defende a vigência exclusiva da ideia de liberdade
negativa como o princípio básico das ideias liberais, qual seja, a não interferência do Estado na
vida privada (em especial, na esfera do mercado).

▪ Comunitarismo: discordam da visão individualista e atomista do método contratualista.


Advogam a inserção do indivíduo no coletivo (comunidade) e a superioridade da moral e da
ética sobre a mera justiça procedimental. Recorrem especialmente às ideias clássicas de
Aristóteles e de Hegel e seus principais representantes são: Charles Taylor, Michael Sandel,
Michael Walzer e Alasdair MacIntyre. Tais autores defendem a retomada dos ideais gregos de
participação cívica e pública nas decisões coletivas, a chamada liberdade positiva.

▪ Habermas: defende uma conceção kantiana de democracia deliberativa. Os princípios e a


estrutura básica da sociedade devem ser definidos pelos indivíduos através de um pº
democrático radicalmente aberto ao diálogo e ao entendimento. Os atores fundamentais são
os movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Habermas debateu diretamente as
ideias de Rawls, mostrando em que aspetos concordava e discordava no livro "A inclusão do
outro". Ambos mantêm profundas influências kantianas, e Rawls chamou o seu debate com
Habermas de "briga de família".

▪ Republicanismo: defende uma síntese entre os ideais liberais clássicos de proteção da


liberdade subjetiva e da visão democrática de envolvimento coletivo nas decisões políticas. As
raízes desta teoria estão nas obras romanas clássicas de Cícero,Políbio, Salústio, Tito Lívio.
Outro momento fundamental da tradição republicana são as obras do movimento chamado
humanismo cívico que vigorou durante a renascença italiana: seu principal expoente foi
Nicolau Maquiavel. Atualmente está sendo retomada nos escritos de Quentin Skinner e Philip
Petit.

Dentre os autores que se situam na tradição de pensamento inaugurada por John Rawls
destaca-se, contemporaneamente, o filósofo norteamericano Ronald Dworkin. No entanto,
para ele, o princípio fundamental do liberalismo não é a liberdade, mas a igualdade.
Segundo ele “todos os cidadãos têm o mesmo direito a igual consideração e respeito.
Também o prêmio nobel de economia Amartya Sen desenvolve elementos do liberalismo
igualitário na sua teoria. Propõe uma visão “social” do liberalismo, incorporando o tema da
igualdade no coração das ideias liberais.

15
TEMA 3 – LIBERTARISMO

O libertarismo é uma ramificação do liberalismo que coloca no centro das suas preocupações
políticas o respeito pela liberdade de cada um para fazer o que bem entende com a sua pessoa
e com os seus bens. - 67
Esta preocupação política com a liberdade negativa está logicamente associada à recusa das
ingerências governamentais nos costumes e na economia.
Os libertaristas opõem-se ao controlo político dos estilos de vida dos indivíduos e às soluções
públicas para as externalidades do mercado. - 67
Contra o que classificam de “paternalismo estatal”, os libertaristas defendem a despenalização
de todos os crimes sem vítimas (prostituição, pornografia, consumo de drogas, alcoolismo, poligamia, homossexualidade) ea
privatização integral das atividades perseguidas pelo Estado-Providência. (saúde, educação, habitação,

segurança social e acção social).

Por oposição ao Estado-Providência, o Estado descrito pelos libertaristas é conhecido por


Estado mínimo ou Estado guarda-noctumo. Esta designação decorre da redução das
competências estatais à proteção dos indivíduos (polícia) e à resolução dos conflitos decorrentes
do funcionamento do mercado (tribunais). - 67
Existe, no entanto, uma tendência mais radical do libertarismo que recusa atribuir qualquer
tipo de competência ao Estado. - 67
Murray Rothbard e David Friedman são os exemplos mais conhecidos desta tendência mais
radical. Ambos criticam o monopólio público da violência e ambos propõem a transferência
integral das atribuições estatais do sector público para o sector privado.
Os defensores do Estado mínimo são conhecidos por minarquistas, enquanto que os
defensores da privatização total da esfera pública, incluindo polícia e tribunais, são conhecidos
por anarco-capitalistas. - 68

Libertarismo fundamental versus Libertarismo instrumental - 68


Os libertaristas fazem referência, muitas vezes de maneira indistinta, às categorias intelectuais
do liberalismo clássico (eficiência do mercado, propriedade privada, individualismo metodológico)
O libertarismo pode ser considerado instrumental ou fundamental.
O libertarismo instrumental atribui um valor instrumental à liberdade individual: o respeito
pela liberdade individual é um bem porque contribui para um bem maior, a saber, a eficiência
económica. - 68
O libertarismo fundamental considera irrelevante saber se a liberdade individual contribui
para uma maior eficiência económica. O respeito pela liberdade individual constitui um
imperativo moral de natureza deontológica. - 68

16
1-LIBERTARISMO INSTRUMENTAL: 69
Os economistas libertaristas defendem que, sem intervenção pública na economia, o livre jogo
dos atores e das forças do mercado conduzirá à maior prosperidade do maior número. Neste
contexto, a melhor solução é dar primazia ao mercado, à livre iniciativa, com o mínimo possível
de interferência do Estado. - 69

Friedrich von Hayek - 69


Juntamente com Milton Friedman, Friedrich Hayek foi um dos economistas que mais
contribuiu para o desenvolvimento do libertarismo. - 69
Hayek estabeleceu uma das mais consistentes defesas do mercado livre. - 70

O mercado livre e a gestão do conhecimento - 70


A defesa do mercado livre de Hayek assenta na ideia de que este sistema de cooperação social
tem uma vantagem comparativa que o torna mais eficiente do que as economias dirigidas. - 70
A cooperação não coordenada que caracteriza o mercado livre gera maior eficiência
económica porque não existem barreiras burocráticas à descoberta e à inovação.
Este argumento é inseparável da crítica de Hayek ao dirigismo económico e ao racionalismo
construtivista que lhe é subjacente. - 70
Não é possível a uma única pessoa conhecer todos os factos particulares necessários a uma
coordenação eficiente dos esforços individuais. - 71
Como refere Hayek, «uma sociedade livre pode fazer uso de muito mais conhecimento do que
aquele que a mente de um administrador esclarecido poderá alguma vez compreender».
Em vez de centralizar a informação referente à situação concreta dos agentes económicos, o
mercado livre trata esta informação a um nível local, desta maneira, não existe desperdício de
conhecimento. A cada momento cada indivíduo utiliza os seus melhores conhecimentos para
atingir os seus próprios fins, contribuindo para o aumento da riqueza produzida. - 71
O controlo político dos preços ou a existência de salários mínimos introduzem elementos de
distorção nos indicadores do mercado e impedem os indivíduos de tomarem as decisões
económicas mais acertadas. - 71

A ordem espontânea do mercado e o conceito de justiça social - 72


Para Hayek, o conceito de justiça social baseia-se antes de mais num erro conceptual. - 72
É incorreto classificar como injusta a distribuição gerada pela ordem espontânea do mercado
para depois exigir a sua correção ou impor um padrão geral de distribuição. - 72
O adjetivo justo ou injusto só é associável à vontade humana. E como não é a vontade humana
quem dirige o funcionamento global do mercado, os resultados gerados pelo mercado não são
justos nem injustos, por conseguinte, as ingerências governamentais na economia em nome da
justiça social acabam por ser contraproducentes. - 73

17
A ambivalência do libertarismo instrumental: - 74
O que fazer se se verificar que o funcionamento do mercado livre não é eficiente?
É impossível melhorar a situação económica de um indivíduo sem degradar a situação de outro
indivíduo (óptimo de Pareto). Mas em termos lógicos, se se verificar que o funcionamento do
mercado livre não é eficiente, será necessária a intervenção governamental para fazer, os
ajustamentos necessários.
se a economia mista é criticável não é apenas porque os seus efeitos são contraproducentes
do ponto de vista da eficiência, mas também porque põe em causa a liberdade individual. - 74

2-LIBERTARISMO FUNDAMENTAL: 75
A elaboração mais sistemática do libertarismo fundamental deve-se a Robert Nozick, Murray
Rothbard, Eric Mack, Jan Narveson ou Tibor Machan.
Para estes autores, a justificação do libertarismo é uma tarefa puramente conceptual, não tem
de se preocupar com considerações factuais de ordem económica. Quando se trata de
estabelecer a estrutura básica da sociedade, pouco importam os objetivos macroeconômicos
fixados. - 75
Pouco importa se o mercado livre promove o crescimento económico ou contribui para a
quebra da taxa de desemprego. O importante é respeitar a liberdade individual. É neste
sentido que o libertarismo fundamental se diferencia do libertarismo instrumental. O respeito
pela liberdade individual constitui um imperativo moral e não um instrumento de promoção
da eficiência económica. - 75
As ingerências governamentais no mercado já não são censuráveis-pelos efeitos negativos que
produzem sobre a economia, mas porque constituem erros morais. - 75

Robert Nozick - 75
O filósofo norte-americano R. Nozick ocupa um lugar de destaque entre os principais
defensores do libertarismo fundamental, destacando a crítica às versões igualitárias da justiça
social. - 75
Nozick conclui que nenhum princípio de justiça de tipo igualitário «pode de maneira contínua
ser realizado sem interferência contínua na vida das pessoas».
Para salvaguardar a liberdade individual, Nozick propõe uma teoria da justiça alternativa, a que
dá o nome de teoria do justo título. - 76

Nesta teoria da justiça não existem exigências de tipo igualitário às quais uma dada
distribuição tem de se adaptar para ser considerada justa, mas apenas algumas regras
processuais referentes ao modo como a propriedade se pode constituir e transferir, regras que
uma vez respeitadas tornam o resultado final justo, qualquer que ele seja. - 76
18
Se um determinado bem foi adquirido sem prejudicar a situação das outras pessoas, então
toda a distribuição que resultar de troca voluntária desse bem é em si mesma justa. - 77
Consequentemente, toda a interferência posterior contra a livre vontade dos indivíduos é
injusta. - 77
As correções em nome de princípios de justiça igualitários não são mais do que um roubo
institucionalizado. - 77

O argumento da propriedade de si mesmo e a objeção dos talentos - 77


A crença básica do libertarismo de Nozick não é a liberdade. Em termos fundacionais, a
liberdade é justificada por outra crença moral, a saber, a propriedade de si mesmo; - 77
Neste contexto, se os indivíduos são proprietários da sua pessoa, então isso significa que só
eles têm direito a determinar o que pode ser feito com tudo aquilo que faz parte da sua
pessoa. - 78
As consequências normativas deste princípio tornam-se agora mais claras: ninguém pode ser
impedido de consumir drogas duras, de casar com mais do que uma pessoa, de doar um rim a
um amigo ou mesmo de colocar o seu corpo no mercado e vender-se como escravo. O único
limite é não invadir a esfera de propriedade dos outros. - 78
Nozick quer, com o argumento da propriedade de si mesmo, demonstrar que a justiça
redistributiva constitui um erro moral. - 78
Nenhuma forma de cooperação social pode por isso ser considerada legítima se tributar o
valor relativo ao exercício dos talentos individuais.
Existe uma crítica ao princípio da diferença de Rawls, no que respeita à exigência de que as
desigualdades económicas e sociais «resultem nos maiores benefícios possíveis para os mais
desfavorecidos»; - 78
Autorizar em nome da justiça que os talentos individuais sejam socializados equivale «a
instituir a propriedade parcial de algumas pessoas sobre outras, as suas ações e o seu trabalho.
É inegável que a lotaria na distribuição dos talentos naturais deixa as pessoas portadoras de
determinados tipos de deficiência (a cegueira, por exemplo) numa situação desvantajosa quando
comparada com a situação das pessoas saudáveis. - 79
Os prejuízos para as condições de vida da população saudável são compensados pela melhoria
substancial das condições de vida da população cega. Do ponto de vista de Nozick, este tipo de
argumento demonstra os limites morais do liberalismo igualitário, mas também de todas as
teorias da justiça que envolvam a redistribuição de recursos. - 79
A conclusão fundamental de Nozick é então que «apenas um Estado mínimo, limitado a
funções muito específicas de proteção contra a força, o roubo, a fraude, aplicação dos
contratos, e assim sucessivamente, é justificável; qualquer outro Estado mais extenso violará
os direitos das pessoas a não serem forçadas a certas coisas e é injustificável». - 80
19
Libertarismo de esquerda - 80
Entre libertarismo de esquerda e libertarismo de direita existe consenso quanto à prioridade
moral atribuída ao princípio da propriedade de si mesmo e quanto a algumas consequências
normativas que lhe estão associadas.
Tal como acontece à direita, os libertaristas de esquerda recusam toda a legislação pública
condenando os crimes sem vítimas e defendem o direito estrito dos indivíduos a controlar o
valor do produto que deriva do seu trabalho.
A diferença específica é que os libertaristas de esquerda adicionam ao princípio da
propriedade de si mesmo um princípio de justiça igualitário com o objetivo de regular a
distribuição do valor relativo aos recursos naturais. - 80

De acordo com uma definição abrangente, o libertarismo de esquerda baseia-se em dois


princípios fundamentais: - 80
1. A «completa propriedade de si mesmo.
2. A «propriedade igualitária dos recursos naturais».

O libertarismo de esquerda é uma teoria política bem distinta do liberalismo igualitário. - 81


Os libertaristas de esquerda têm uma conceção «restritiva» dos recursos, pois do ponto de
vista do libertarismo de esquerda, o problema da justiça é relativo à afetação dos recursos
naturais, ficando excluídos os recursos pessoais e o valor relativo ao trabalho de um ser
humano, enquanto que os liberais igualitários têm uma conceção «abrangente» dos
recursos, na qual não são sensíveis à diferença entre recursos externos e recursos internos
relativos ao sujeito - (talentos, saúde, corpo). - 81

Corrigir o libertarismo de direita: - 81


Afirmar a prioridade moral do princípio da propriedade de si mesmo implica reconhecer que os
indivíduos são proprietários dos seus talentos naturais e daquilo que é produzido por eles.
Os libertaristas de esquerda estão de acordo com os libertaristas de direita quanto a este
ponto: o valor que deriva do exercício dos talentos dos indivíduos a eles pertence. - 81
A diferença é que os libertaristas de esquerda consideram as regras estabelecidas pelos
libertaristas de direita pouco restritivas por não prevenirem os efeitos perversos da
privatização dos recursos naturais. - 82
Não é legítimo que alguém se aproprie de todo a água potável do mundo porque isso
significaria deteriorar a situação de todas as outras pessoas. - 82

20
RESUMO ADICIONAL - TEXTOS DE APOIO:
O libertarismo é uma ramificação do liberalismo que coloca no centro das suas preocupações
politicas o respeito pela liberdade de cada um para fazer o que bem entende com a sua pessoa
e com os seus bens. Os libertaristas opõem-se ao controlo político dos estilos de vida dos
indivíduos e às soluções publicas para as externalidades do mercado. Em oposição ao Estado-
providência é o Estado mínimo ou Guarda noturno.

O libertarismo pode ser instrumental ou fundamental:


O Libertarismo instrumental = atribui um valor instrumental à liberdade individual: o respeito
pela liberdade individual é um bem que contribui para um bem maior a eficiência económica.
O Libertarismo fundamental = considera irrelevante saber se a liberdade individual contribui
para uma maior eficiência económica. O respeito para liberdade individual constitui um
imperativo moral de natureza deontológica. Como o mercado livre é a única forma de
cooperação social compatível com o exercício da liberdade individual.
A influencia política do libertarismo instrumental foi significativa durante a administração
Reagan e os governos conservadores de Thatcher. É possível identificar 4 indicadores
fundamentais: emprego, inflação, crescimento económico pela baixa da taxa de desemprego,
pela estabilidade dos preços e pelo equilíbrio da balança de pagamentos. O objetivo é
naturalmente aumentar a riqueza disponível e com isso aumentar também a probabilidade de
satisfação das preferências individuais. A melhor solução é dar primazia ao mercado, à livre
iniciativa, com o mínimo de interferência do Estado.

Hayek foi um dos economistas que mais contribuiu para o desenvolvimento do libertarismo
instrumental. A defesa do mercado livre assenta na ideia de que este sistema de cooperação
social tem uma importante vantagem comparativa, que lhe permite ser mais eficiente do que
as economias dirigidas. A cooperação não coordenada que caracteriza o mercado livre gera
maior eficiência económica porque não existem barreiras burocráticas à descoberta e à
inovação. As ingerências governamentais na economia em nome da justiça social acabam por
ser contraproducentes.
Hayek conclui então que as sociedades onde o mercado funciona livremente permitem à
generalidade dos indivíduos usufruir de melhores condições de vida do que as sociedades com
uma economia mista.
Nozicque, filosofo norte americano é um dos grandes defensores do libertarismo fundamental.
Não se pode garantir a integridade dos indivíduos quando a estrutura básica da sociedade
revela preocupações de ordem igualitária. A conclusão fundamental de Nozicque é que apenas
um Estado mínimo limitado a funções muito especificas de proteção contra a força, o roubo, a
fraude, a aplicação dos contratos, é justificável, qualquer outro Estado mais extenso violará os
direitos das pessoas a não serem forçadas a certas coisas e é injustificável.
21
TEMA 4 – COMUNITARISMO

Análise da perspetiva de justiça na conjuntura do Liberalismo e do Comunitarismo


Acima de tudo, o pensamento comunitarista consubstancia uma crítica da modernidade, das
suas matrizes individualista, racionalista e voluntarista, bem como das visões do eu, da
sociedade, da justiça, da democracia e do político que a enformam. Ao mesmo tempo, procura
explicar e corrigir o desencanto com a atividade política patente nas sociedades liberais
contemporâneas. - 88
Trata-se, convirá sublinhá-lo, de uma reflexão produzida maioritariamente no seio da própria
conceção liberal. - 88
Os comunitaristas “são essencialmente liberais”, não tendo por objetivo substituir, mas corrigir
o projeto liberal. - 88
Para a crítica comunitarista, o principal problema do liberalismo, tal como de toda a
modernidade, reside no facto de não reservar grande espaço, seja para a nossa condição
social, e política, seja para as comunidades em que nos inserimos, seja para os princípios,
inclusivamente morais, que as consubstanciam. - 89
O projeto da modernidade ao afirmar a igualdade fundamental entre todos, acabou por perder
de vista a pessoa concreta que é cada um de nós, daí todos os seres humanos serem iguais nos
seus atributos essenciais”, e estes atributos essenciais prendem-se com a igual dignidade de
todo o ser humano, suscetível de se reconhecer a si e aos demais como agente moral, capaz de
ser livre. Todos os seres humanos são livres e iguais, aliás, na medida em que são sujeitos de
direitos. - 89
Todos transportamos connosco um elenco de direitos, os quais funcionam como uma barreira,
uma muralha intransponível que isola por inteiro o eu, que é cada um de nós, de toda a
contingência, quer a de índole física e material, quer a de índole social e política. - 90
São, portanto, os direitos que nos constituem como sujeitos, funcionando, na conceção de
Ronald Dworkin, como trunfos políticos capazes de se sobrepor a todo o arbítrio, quer
provenha da natureza, dos nossos concidadãos, ou dos nossos governantes, anulando-o
eficazmente. - 90
Os direitos corrigem, ou, pelo menos, atenuam, a arbitrariedade com que a natureza distribui
os seus talentos pelas pessoas. - 90
O ponto de partida do processo de construção comunitária se prende com a negociação do
elenco de direitos que deverá proteger a igual liberdade de cada um para definir quem quer
ser e o que quer fazer da sua vida. - 90
Basear os direitos numa qualquer conceção do bem equivaleria a impor a alguns os valores de
outros e, deste modo, a não respeitar a capacidade de cada um para escolher os seus próprios
fins”, daí a precedência do justo sobre o bem. - 92
22
Deste modo, toda a vida pública deverá ser conduzida inteiramente à margem dos valores
morais, num registo de estrita neutralidade perante todos eles. - 95
Tanto assim que a “política não deve procurar formar o carácter ou cultivar a virtude dos
cidadãos, fazê-lo equivaleria a «legislar sobre a moral». - 95
O governo não deve promover, através das suas políticas ou leis, qualquer conceção de vida
boa, devendo, pelo contrário, disponibilizar um quadro de direitos no qual as pessoas possam
eleger os seus próprios valores e objetivos”. - 95

É face a este universo conceptual que a crítica comunitarista se desenvolve.


“Uma política que suspende a moral e a religião por inteiro denuncia Michael Sandel,
rapidamente gera o seu próprio desencanto. - 96

De entre a panóplia de variações que o comunistarismo apresenta, Will Kymlicka identifica


três grandes vertentes ou variantes: - 98
1. A primeira, é constituída por aqueles para quem a comunidade é capaz, por si só, de
corresponder a todas as necessidades humanas, não sendo necessário, portanto,
proceder à identificação de princípios de justiça. Por outras palavras, “a comunidade
substitui a necessidade de princípios de justiça”.

2. Para outros, no entanto, a comunidade não dispensa a justiça. Daí uma segunda
grande vertente comunitarista argumentar precisamente que os princípios de justiça
em vigor numa comunidade devem ser aqueles que dela brotam de forma mais ou
menos espontânea, ou que são adotados pela maioria dos seus membros. Nestes
termos, a justiça deve basear-se nos “entendimentos partilhados de uma sociedade,
em vez de em princípios universais e anistóricos”.

3. Por último, uma terceira vertente defende que a comunidade deve estar presente na
identificação do conteúdo dos princípios de justiça por que se deverá nortear.

O diálogo com o liberalismo é por vezes de tal modo intenso, que o rótulo de comunitarista
nem sempre é aplicável ou aceite, a não ser apenas por falta de outro melhor. - 98
O comunitarismo é, acima de tudo, uma crítica do liberalismo moderno, da sua visão do eu, da
sociedade, da política e da própria filosofia política. - 99
Representa, antes do mais, um apelo à renovação democrática das sociedades através de uma
redistribuição do poder político por entre a panóplia de entidades no quadro das quais nos
transformamos nas pessoas concretas que somos e elaboramos os nossos projetos de vida.
Em vez de encarar o eu como um dado detentor à partida apenas de direitos, adota uma
perspetiva histórica, vendo-o como uma construção e procurando situá-lo nas unidades sociais
em que se forja. - 99
23
Para o paradigma liberal, a única identidade que interessa, a única a merecer projeção política, é
aquela que decorre do contrato social. É pelo contrato social que as partes, sujeitos até então
radicalmente destituídos de conteúdo, se constituem em comunidade política, isto é, em Estado
soberano, que por esta via, transforma-os em seus cidadãos. - 99
O Estado-nação exige a lealdade integral dos seus cidadãos na medida em que é ele que
imprime forma ao seu próprio ser. - 99

Em alternativa, a crítica comunitarista questiona a validade desta visão liberal, apresentando


uma conceção distinta. Aquele em que vive- mos não é um universo composto apenas por
Estados-nação, nem aqueles que permanecem são todos igualmente soberanos, quer a nível
interno, quer a nível externo. - 100
Antes compreende uma vastíssima gama de comunidades que reclamam a nossa lealdade,
sem que nenhuma delas se possa afirmar como sendo autenticamente soberana. Neste
contexto, o político, em vez de algo artificial ou, no limite, super-estrutura alienante, emerge
como sendo ínsito à condição humana. - 100

O comunitarismo poderá ser perspetivado, então, como uma via de aperfeiçoamento e de


correção, na medida em que procura dar resposta às deficiências evidentes do liberalismo
moderno, corrigindo alguns dos seus pressupostos de base. - 101
De entre eles, sobressai, a recusa liberal de reconhecer quaisquer outros agentes políticos para
além dos indivíduos, na base, portadores de direitos invioláveis, e dos Estados, no topo,
dotados de soberania e, por essa via, responsáveis pela fixação da sociedade justa. - 101

A crítica comunitarista transporta-nos para longe, portanto, da proposta moderna de


separação radical das esferas do público e do privado; reaproxima-nos da conceção aristotélica
no quadro da qual o ser humano é perspetivado como zoon politikon, ser cívico, para quem o
social não é algo de estranho. - 101
Não sendo algo de estranho e artificial, muito menos monopólio do Estado, a atividade política
assume, então, um carácter simultaneamente plural e situado, exigindo, em cada uma das suas
esferas comunitárias, a participação de todos aqueles que dela se reclamam, já que é através
dela que se enformam. - 102
Segundo a tradição liberal, ser detentor de direitos significa estar protegido da vontade
arbitrária e da intervenção de outros, em particular de eventuais maiorias constituídas por via
democrática, tanto assim que o liberalismo coloca os direitos acima da democracia. - 102
Já o comunitarismo procura reconciliar a liberdade com a democracia, passando a primeira a
decorrer da segunda, em vez de exigir imunidade face a ela. Para a tradição liberal, a liberdade
exige a concentração do poder, a soberania política, com vista à garantia dos direitos dos
cidadãos. - 102
24
Para Michael Sandel liberdade significa autogoverno decorrendo das instituições democráticas
e da dispersão do poder por entre as múltiplas comunidades em que nos situamos. - 102
Em vez de emergir na ausência de intervenção, a liberdade exige, pelo contrário, participação
no exercício do poder político. - 102
O tema central da filosofia política não é a constituição do eu, mas a ligação de eus já
constituídos, o padrão das relações sociais”. - 103
Porém, os sujeitos que a filosofia política procura ligar, não se apresentam para o efeito já
integralmente constituídos. Antes, são seres cuja constituição, em boa parte, se processa após
a sua ligação a outros, decorrendo do convívio com eles. E é esta característica que não
permite a separação radical do público e do privado. - 103

Nestes termos, a liberdade deixa de se situar no isolamento face ao exterior, que permite a
cada um deliberar como entender sobre si próprio e sobre a sua vida, sem interferências.
Invocando John Dewey, Sandel situa-a, antes, na abertura aos outros com os quais nos
constituímos e na partilha com eles, em autogoverno. - 104
Uma vez que os destinos de uma pessoa se encontram indelevelmente associados a uma
panóplia de comunidades em que se situa, ela será livre, não na medida em que deliberar e
eleger sem interferências dos outros, mas na medida em que participar na vida comum que
permite a cada um realizar-se e ser a pessoa concreta que é. - 104

Aquela que se desenvolve entre comunitarismo e liberalismo não é, assim, uma relação
adversativa radical; em vez de se oporem um ao outro, o comunitarismo e o liberalismo
apoiam-se mutuamente. - 104

A crítica comunitarista parte da tradição liberal procurando o seu aperfeiçoamento, e não o


seu derrube. - 104
Quando Sandel critica o liberalismo rawlsiano e a primazia que atribui à justiça, por exemplo,
não é com o intuito de os derrubar. - 104
Ao sublinhar o “carácter terapêutico” da justiça, “cuja superioridade moral se situa na sua
capacidade de reparar as condições que se tenham degradado”, não é para diminuir o seu
valor, mas para chamar a atenção para o facto de ela se tomar necessária perante a
degradação das virtudes mais nobres da convivência social, como a amizade e a solidariedade.

25
RESUMO ADICIONAL - TEXTOS DE APOIO
Enquanto o liberalismo político sobrepõe o justo sobre o bem, sendo "justo" o mecanismo da
exaltação da moral abstrata, e o "bem" uma ideia de construção da lei, não se importando
assim comos fins, mas sim com os meios (o ponto de sua criação), o comunitarismo sobrepõe o
bem sobre o justo, onde o "bem" é a justiça.

Os liberalistas priorizam os direitos individuais, antecedentes de determinação coletiva, ao


passo que os comunitaristas priorizam a vida comunitária.
Para os últimos, uma sociedade que se baseia só na garantia dos direitos individuais, precisa de
força motivadora e integradora capaz de uma coesão solidária suficiente para manter a própria
sociedade. Por isso julgam o ponto liberalista sem forças para garantir e manter a estabilidade
social, a legitimação política e a cidadania.
Porém, o liberalismo não exclui a ideia do bem, principalmente os bens primários, essenciais
aos cidadãos para que possam ser considerados pessoas livres e igualmente livres para
escolherem os seus projetos principais, sem que isso seja imposto pelos outros (sociedade).
Na forma de pensar liberalista a justiça é ideia de meio, ou seja, qualquer lei tem que passar
por todo um ponto legislativo, até ser promulgada, sancionada ou outorgada, isto é, a ideia de
justiça não está na lei, mas no ponto que a cria.
Já na forma de pensar comunitarista, a ideia de justiça é o fim, está na própria lei. Qualquer
ponto é válido, desde que surja uma lei justa. A ideia de justiça é perfeccionista, buscando
apenas o fim ao qual se destina. Os comunitaristas visam o perfeccionismo buscando o
conhecimento da história para a construção do bem, a partir de uma perspetiva teleológica,
não se importando com os meios utilizados para chegar a um determinado fim.

Liberdade negativa é "estar livre de", enquanto que liberdade positiva é "estar livre para".
A liberdade tem duas lados: o conceito negativo que está associado aos direitos civis e ao
liberalismo, e o conceito positivo que está associado à democracia no caso dos direitos
políticos, ao socialismo no caso dos direitos sociais, e à cidadania plena no caso dos direitos
republicanos.

26
TEMA 5 – REPUBLICANISMO

Pettit deu uma nova visibilidade ao Republicanismo, uma antiga corrente filosófica.
Republicanismo envolve dois significados: - 111
1. Corrente em teoria política, consiste em ver no republicanismo a teoria de um regime
político oposto à monarquia e descreve o modo das relações que os indivíduos devem
estabelecer uns com os outros numa sociedade. É concebida como um sistema no qual
os governos são eleitos pelos cidadãos. O poder não se herda, recebe-se por mérito e é
colocado sob a vigilância permanente dos cidadãos com o fim se evitarem despesas
militares ou o aumento da divida publica.

2. Mas o termo “republicanismo” não designa apenas um sistema político; ele permite
também descrever o modo das relações que os indivíduos deveriam poder
estabelecer uns com os outros numa sociedade. Sob este aspeto, o republicanismo
coloca a ênfase sobre a igualdade dos indivíduos e sobre a necessária participação
destes nos assuntos públicos. A este republicanismo chama-se político na medida em
que não põe em jogo valores humanistas associados à cidadania ou à atividade cívica.

Nos dois casos o republicanismo valoriza a participação política dos indivíduos nas decisões
que dizem respeito ao futuro da comunidade e ao seu futuro pessoal no interior daquela. - 112

2-AS VARIANTES CONTEMPORÂNEAS DO REPUBLICANISMO - 113

O republicanismo, porque valoriza a autonomia dos indivíduos, porque não é uma teoria
dirigida contra a propriedade privada, e porque pensa apesar de tudo no laço social e no papel
das instituições públicas, pôde aparecer com uma nova atualidade num contexto de perda de
confiança em relação às duas grandes orientações políticas que são o liberalismo e o
socialismo. - 113
Esta renovação do republicanismo tomou três formas: 113
1. Uma forma comunitarista;
2. Uma forma liberal;
3. Mais recentemente uma forma crítica que procura evitar os obstáculos encontrados
em cada uma das duas primeiras variantes mencionadas.

2.1-Uma variante comunitarista: Hannah Arendt e o republicanismo neo-ateniense - 113


A tese principal de Hannah Arendt consiste em afirmar que “a tradição filosófica falseou, em
vez de clarificar, a própria ideia de liberdade tal como ela é dada na experiência humana,
transpondo-a do seu âmbito original, o domínio da política e dos assuntos humanos em geral,
para um domínio interior, o da vontade, onde ela estaria aberta à introspecção”. - 113
27
A tese de Arendt inspira-se em Aristóteles no sentido em que o seu republicanismo acentua a
identidade entre vida cívica e liberdade. - 113
O “credo liberal” de acordo com o qual quanto mais o espaço político for limitado tanto maior
será a liberdade dos indivíduos, é precisamente o que H. Arendt quer contestar; - 114
Aquilo que constitui a textura cívica do republicanismo de H. Arendt tem, desde logo, a ver
com o facto de que a liberdade do homem não apenas é aumentada pela participação na vida
da cidade, mas que ela se encontra toda contida nessa atividade. - 114
Esta atividade política não é concebida como a partilha de um mundo comum com vista a
realizar fins particulares, ela é, pelo contrário, uma atividade comum tomada possível por uma
cultura comum e por uma homogeneidade social, e é porque os fins são partilhados por todos
os cidadãos que uma atividade política é possível: esta convicção de H. Arendt faz do seu
republicanismo uma teoria política comunitarista. - 114

2.2-Uma variante liberal: o republicanismo político de Philip Pettit - 115


De acordo com o republicanismo político defendido por Ph. Pettit, o primeiro de todos os
valores é a liberdade como não dominação, e não a participação política.
No republicanismo político, a liberdade tem apenas um valor negativo; ela descreve o estado
de alguém que não é dominado, mas não o estado de alguém que é isto ou aquilo.
A liberdade, no singular, não define um modo de vida, mas antes a maneira como podemos
garantir a cada um que poderá escolher o seu modo de vida, com a segurança de que não será
submetido nas suas escolhas a uma dominação por parte de outros; e neste sentido este
republicanismo é liberal. - 115
Enquanto que o republicanismo cívico define a liberdade política como um fim ao qual todo o
homem deve aderir se quer ser realmente um homem, o republicanismo político de Pettit
define a Uberdade como um meio cujo gozo garante ao indivíduo que as suas escolhas futuras
serão feitas num contexto de não dominação. - 115

A liberdade republicana coloca ênfase sobre o facto de não sermos dominados, enquanto que
a liberdade “liberal” acentua o facto de não sermos incomodados nas nossas ações ou
impedidos fisicamente de agir. - 116
Como diz Ph. Pettit, não nos podemos “subtrair à dominação sem a ajuda de instituições de
proteção que garantam” a não dominação. A liberdade republicana é tanto de natureza social
como individual. - 117
A definição de liberdade não pode ser separada de uma teoria do governo republicano, pois
aloja-se não nos silêncios da lei e dos poderes, mas no controle e contestação destes últimos.

28
2.3-Republicanismo crítico - 117
Um terceiro tipo de teoria republicana, por vezes chamada “republicanismo crítico” é
claramente distinta do liberalismo, sem por isso cair na versão comunitarista do
republicanismo cívico. - 117

Segundo Maynor, uma forma de demarcação clara em relação ao republicanismo de tipo


liberal como o de Pettit, consiste em aprofundar a ideia de acordo com a qual os valores e
virtudes republicanos devem ser considerados não apenas instrumentais, mas constitutivos ou
intrínsecos à liberdade republicana. - 118
O autor aprofunda esta ideia de uma virtude simultaneamente instrumental e intrínseca
através do desenvolvimento da ideia de reciprocidade. A reciprocidade, segundo Maynor,
manifesta-se através de certos valores e ideais, como a cidadania e a virtude cívica, e é
sustentada pelo poder constitucional.
A tese defendida é, então, a seguinte: - 118
Independentemente da avaliação da plausibilidade desta tese, o que é importante nela é que o
exercício deste poder de reciprocidade implica um perfeccionismo menos robusto do que o
domínio de si favorecido pelas formas de humanismo cívico ou de comunitarismo, o que toma
este poder de reciprocidade compatível com um pluralismo das conceções do bem. - 118
A sua estratégia consiste, então, em rejeitar o ideal da neutralidade política, considerando que
uma defesa das virtudes cívicas republicanas, mesmo que parcialmente instrumentais, implica
a rejeição do ideal da neutralidade. - 118
Maynor considera que é mais correto falar de quase perfecionismo para caracterizar a sua
teoria. Este quasi-perfeccionismo distingue-se do perfeccionismo porque o objetivo do Estado
quasi-perfeccionista é contribuir para tomar possível uma pluralidade de fins compatíveis com
a não dominação, e não realizar uma conceção do bem em detrimento de outras. - 119

A diferença entre liberalismo e republicanismo não reside, então, na questão de saber se o


Estado deve ter um papel regulador, já que em ambas as teorias o Estado tem esse papel.
O que separa as duas teorias tem a ver com as razões que justificam este papel e o seu campo
de aplicação.
O Estado liberal regula o mercado cultural de duas maneiras: - 119
1. Pela confiança no perfeccionismo social;
2. Mantendo-se neutro e assegurando-se da autonomia dos indivíduos.

O Estado republicano, por seu lado, intervém promovendo os valores que constituem o ideal
da reciprocidade e regulando as escolhas de vida através do poder constitucional. - 119

29
3-AS CRÍTICAS DIRIGIDAS AO REPUBLICANISMO - 119

3.1-Perfeccionismo republicano: paternalista?


Uma diferença teórica importante entre as teorias liberais e as teorias republicanas reside no
lugar que elas atribuem ao paternalismo político: dito de modo sucinto, as teorias liberais,
mesmo as mais perfeccionistas, são normalmente mais reticentes do que as republicanas em
considerar legítimo um paternalismo de Estado. - 119

E consensual considerar que os perfeccionistas radicais são paternalistas, porque normalmente


o paternalismo é definido como tendo por finalidade o bem de outra pessoa limitando a sua
liberdade. - 120

Admitindo que o paternalismo não implica limitação da liberdade, teríamos uma escolha entre
considerar o perfeccionismo político (sempre então necessariamente paternalista) como inaceitável, ou
aceitar que o paternalismo político pode ser legítimo, por exemplo, desde que não implique
um limite coercivo da liberdade dos indivíduos. - 120

É o caso das variantes liberal e crítica do republicanismo, que permitem justificar políticas
estatais com carácter paternalista sem, no entanto, serem coercivas. - 120

Liberdade como não dominação: indeterminada? - 121

Uma outra crítica dirigida à teoria republicana foi formulada por Christopher McMahon e diz
respeito à definição de liberdade como não dominação. Esta crítica considera que o
republicanismo é incapaz de orientar as decisões de um governo: promover a liberdade como
não dominação numa sociedade é um objetivo mal definido, demasiado amplo e, em resumo,
“indeterminado”. - 121

O argumento de McMahon incide sobre a dificuldade em determinar, numa sociedade


pluralista, o que é ou não arbitrário. - 121

Nesta perspetiva, as intervenções do Estado poderão ser consideradas, aos olhos de certos
cidadãos, como necessárias para impedir as interferências arbitrárias que alguns indivíduos
fazem sofrer a outros, enquanto que outros cidadãos julgarão essas intervenções arbitrárias.

Estas intervenções visam o bem comum, mas o problema parece ser eliminado mais do que
resolvido com uma tal resposta, na medida em que é ainda necessário designar este bem
comum. - 122

É preciso determinar e revelar o bem comum, em definitivo, o que é e o que não é arbitrário,
o que é e o que não é dominação. É neste ponto que o republicanismo parece ser uma teoria
indeterminada. - 122

30
4-UM EXEMPLO DE REPUBLICANISMO APLICADO: O RENDIMENTO DE CIDADANIA - 123

Podemos atribuir o eclipse do republicanismo à sua falta de interesse; pelas questões


económicas, em particular à sua indiferença face à sorte dos mais carenciados ou “excluídos”.

Esta visão do republicanismo, largamente construída e difundida, pelos seus detratores, é em


parte falsa, porque a doutrina republicana não deixou de propor mecanismos económicos
concretos de luta contra essas desigualdades, ainda que essas soluções possam ter sido
negligenciadas historicamente. - 123

Esta abordagem considera que a propriedade privada não deve ser condenada, mas, pelo
contrário, que ela deve ser objeto de uma melhor repartição na sociedade. - 124

Acontece que o acesso à propriedade privada não passa de boas intenções se os indivíduos
entram no mercado completamente desprovidos de capital. - 124

Todas estas fórmulas são as dignas herdeiras dos mecanismos imaginados pelos republicanos
de finais do século XVIII, convencidos da utilidade da redução dos fossos de riqueza para criar
uma sociedade de iguais e permitir aos indivíduos ter os meios necessários para as suas livres
iniciativas. - 124

Nesta perspetiva, os argumentos republicanos que se apoiam sobre a definição da liberdade


como não dominação são sem dúvida os mais adequados para justificar uma tal reformulação
da solidariedade social nas nossas sociedades democráticas, onde se misturam autonomia
individual e garantias sociais dessa autonomia. - 124

RESUMO ADICIONAL - TEXTOS DE APOIO


O republicanismo valoriza a participação política dos indivíduos nas decisões do futuro da
comunidade e ao seu futuro no seio daquela. O primeiro fator de renovação do republicanismo
tem a ver com o mal-estar gerado o cidadão e esfera política. Outro fator diz respeito
impotência da economia de mercado em favorecer o exercício da liberdade para todos.
O republicanismo como valoriza a autonomia do individuo por não ser uma teoria dirigida para
a propriedade privada pode aparecer com uma nova atualidade num contexto de perda de
confiança em relação às duas grandes orientações políticas o liberalismo e o socialismo.

O republicanismo tomou 3 formas: a comunitarista, a liberal e a critica.


São seguidores destas formas Arendt, Pettit e Maynor respetivamente.

Arendt (comunitarista) sugere uma nova ligação com a tradição aristotélica, como forma de
salvar a liberdade reencontrando as formas originais da política. A tese de Arendt acentua a
identidade entre a vida cívica e liberdade.

31
Pettit (liberal) defende que o 1º dos valores é a liberdade como não dominação e não
participação política. Nesta abordagem a definição de liberdade diz-nos qual o estatuto social
que devem ter para que a sua existência não seja controlada pelos outros. A liberdade não
define um modo de vida. O republicanismo cívico define liberdade política garante ao
individuo que as suas escolhas futuras serão feitas num contexto de não dominação. Pettit
utiliza frequentemente o ex: do sr. e do escravo para definir as duas formas de liberdade.
A definição de liberdade como forma de não dominação não pode ser separada de uma teoria
do poder político e da sua distribuição na sociedade A participação política toma assim a forma
das possibilidades dadas aos cidadãos para contestar uma decisão ou fazer intervir as suas
vozes num ponto de decisão que lhes diz respeito.
O republicanismo critico (Maynor) pretende representar um 3ª via, diferenciado do
republicanismo defendido por Pettit e claramente distinto do liberalismo, sem cair na versão
comunitarista do republicanismo cívico. Maynor diz que os valores e virtudes dos republicanos
devem ser considerados intrínsecos à liberdade republicana. A reciprocidade manifesta-se
através de certos valores e ideias como a cidadania e a virtude cívica e é sustentada pelo poder
constitucional. Tal como o liberalismo favorece um contexto para a liberdade de escolha.

A diferenças entre o liberalismo e o republicanismo são as razões que justificam o papel


regulador do estado e o seu campo de aplicação.
O Estado liberal regula o mercado cultural de duas maneiras: Pela confiança no perfeccionismo
social e mantendo-se neutro e assegurando-se da autonomia dos indivíduos.
O Estado republicano intervém promovendo os valores que constituem o ideal da reciprocidade
e regulando as escolhas de vida através do poder constitucional.
Define-se paternalismo como a limitação da liberdade de um individuo para o seu próprio bem.
As teorias liberais são mais reticentes dos que as republicanas em considerar legitimo um
paternalismo de Estado. De acordo com o perfecionismo político uma das finalidades do
Estado é a de promover certos modos de vida ética e a desencorajar outros.
Na variante republicana comunitária ao mesmo tempo que não se abandona os indivíduos a
eles mesmos quando confrontados com a dominação social e isto de um modo mais eficaz que
o liberalismo porque mais vigilante no que respeita às formas de dominação menos visíveis.

Uma outra critica dirigida à teoria republicana por McMahon diz respeito à definição de
liberdade como não dominação, considerando que o republicanismo é incapaz de orientar as
decisões do governo. A critica deste filosofo dirige-se em particular a Pettit, que diz que o
carácter arbitrário de uma interferência decorre de uma interpretação normativa. McMahon
não mede a que ponto o republicanismo de Pettit pode ser acolhedor em relação aos
interesses dos indivíduos e a que ponto o seu republicanismo liberal consegue protege-los.

32
A resposta a esta critica consiste em dizer que estas intervenções visam o bem comum.
A resposta de Pettit a esta critica resume-se em 3 pontos:
1. Uma interferência não arbitraria é uma interferência no decurso da qual aquele que
interfere é levado a ter em conta os interesses dos particulares;
2. A ação do governo não pode legitimar uma interferência pelo simples fato de que esta é
validada por um procedimento formal e;
3. É necessário distinguir duas tipos de interferência dos indivíduos privados e as do Estado
não da mesma natureza.
Pode-se atribuir o eclipse do republicanismo à sua falta de interesse para questões
económicas, em particular à sua indiferença face à sorte dos mais carenciados ou excluídos. No
plano económico e social seria uma doutrina ultrapassada, por herdar um ideal arcaico, o do
cidadão proprietário gozando de lazer, seria necessário que passasse a ocupar de assuntos
públicos e defender a sua cidade quando solicitado.
A abordagem em termos económicos concentra-se na possibilidade de um rendimento de
cidadania aberto a todos, que permita a cada um gozar uma liberdade real. Esta abordagem
considera que a propriedade privada não deve ser condenada, deve sim ser objeto de uma
melhor repartição na sociedade, por reforçar o controlo que os indivíduos podem ter sobre a
sua capacidade de se governarem a si mesmos.
Os argumentos republicanos que se apoiam sobre a definição da liberdade como não
dominação são sem dúvida os mais adequados para justificar uma tal reformulação da
solidariedade social nas nossas sociedades democráticas onde se misturam autonomia
individual e garantias sociais dessa autonomia.

33
TEMA 6 - DEMOCRACIA DELIBERATIVA

A democracia deliberativa (ou discursiva) surge quando a democracia liberal e representativa,


baseada no sistema de mercado, manifesta-se imperfeita e carece de completude. - 130

Na democracia deliberativa, são o diálogo, o debate e a argumentação, os vetores nucleares de


um processo que almeja o escopo de uma cidadania participativa e a melhoria da qualidade
das decisões coletivas. - 130

1-A VIRAGEM PARADIGMÁTICA - 131

Para uma racionalidade do “agir comunicacional” - 131

O modelo deliberativo surge a partir da crítica dos modelos tradicionais de democracia. - 131

Com efeito, é num contexto onde proliferam opiniões, que o modo de proceder ante várias e
diversificadas crenças, interesses e valores, deve ter em conta que a sociedade hodierna se
caracteriza por uma pluralidade de formas de vida preferenciais. Ora, neste contexto, a
perspetiva dominante tem ditado o modo de conciliação e o processo de decisão, fazendo
prevalecer o interesse maioritário e a negociação pertinente para chegar a um acordo entre os
sectores sociais com interesses em conflito. - 131

O modelo deliberativo de democracia projeta-se na busca coletiva da melhor proposta para


todos; parte também desse contexto de pluralidade de formas de vida e da existência de
diferentes preferências políticas, mas o processo de decisões coletivas deve basear-se no
intercâmbio de razões e argumentos até alcançar um acordo entre todos os interessados. - 131

O facto de as decisões favorecerem o bem comum, cria um âmbito muito mais alargado de
informação, maior disponibilidade para a cooperação, melhor qualidade das decisões e,
portanto, uma maior legitimidade democrática. - 131

Esta força do vínculo entre deliberação e legitimidade das decisões políticas tem sido um dos
principais argumentos em favor da democracia deliberativa: - 132 (Vantagens)

1. As virtudes da deliberação não se esgotam na maior legitimidade política;


2. A permuta de opiniões, ideias e razões, aumenta a informação disponível;
3. Permite analisar as consequências de cada proposta;
4. A deliberação reforça a orientação das deliberações para o interesse geral em
detrimento dos interesses privados;
5. As deliberações assim geradas, ocasionam uma melhoria das faculdades intelectuais e
morais dos cidadãos, promovendo as virtudes cívicas de tolerância e cooperação; e,
necessariamente, as decisões assim obtidas são mais racionais e justas;

34
Nesta perspetiva, a ideia de uma democracia deliberativa surge no pensamento filosófico e
político, muito impulsionado por Jürgen Habermas. - 132

No' “agir comunicacional” radicarão os fundamentos de integração social, e em consequência,


o “agir comunicacional” é também um conceito político, isto é, um núcleo em tomo do qual se
organiza a ideia de democracia. - 133

Ora, o “agir comunicacional” apenas se manifesta e desenvolve através da linguagem. - 134

2-AÇÃO ESTRATÉGICA E AGIR COMUNICACIONAL - 144

Habermas articula as estruturas e regras universais que, possibilitam um novo reconhecimento


intersubjetivo com base no qual se desenvolve o consenso social sem deformações nem
alienações; esse consenso depende de uma variedade de ações, que podem condensar-se em
quatro tipos: 145

1. Acão teleológica-estratégica;
2. Acão regulada por normas;
3. Acão dramatúrgica;
4. Acão comunicativa.

A ação teleológica “amplia-se e converte-se em Estratégica, quando no cálculo que o agente


faz para o seu êxito intervém a expectativa de decisões de pelo menos outro agente que por
sua vez atua também em ordem aos seus propósitos”. - 145

A ação Comunicativa, “refere-se à interação de pelo menos dois sujeitos capazes de linguagem
e de ação que (seja por meios verbais ou extra-verbais) entabulam uma relação interpessoal. Os atores
buscam entender-se sobre uma situação de ação para assim poderem coordenar de comum
acordo os seus planos de ação e com isso as suas ações. O conceito aqui central, o de
interpretação, refere-se primordialmente à negociação de definições da situação suscetíveis de
consenso. - 145

2.1-Pluridimensionalidade do “mundo da vida” - 146

Na ação estratégica, pressupõe-se pelo menos dois sujeitos, que atuam com vista a alcançar
um fim, no intuito de influenciar as decisões dos outros atores, cada um dos quais se orienta
também para a consecução do seu próprio êxito; - 146

Na ação comunicativa, opera sobretudo o entendimento linguístico como meio de


coordenação da ação. Somente a ação comunicativa pressupõe a linguagem como meio de
entendimento em que falantes e ouvintes, a partir do horizonte pré-interpretado que o seu
mundo da vida representa”, se referem simultaneamente a algo no mundo objetivo, social e
subjetivo, para negociar definições da situação que possam ser compartilhadas por todos.- 146
35
Temos, desde logo, este contributo relevante da Teoria do Agir Comunicativo, para o
entendimento intersubjetivo é fundamental o desenvolvimento da comunicação dialógica sem
coação nem dominação da parte de um falante num ouvinte. - 146

Sintetizando o que foi dito, pode afirmar-se, que, para Habermas, a utilização da linguagem
orientada ao entendimento constitui o modo original de utilização da linguagem; - 147

2.2-A discursividade, entre ética e política - 152

Os trabalhos de Jürgen Habermas, na Teoria do Agir Comunicativo, edificaram os pilares em


que assenta o paradigma deliberativo de democracia, inquirindo os esteios do tipo de ação
orientada meramente para a consecução dos próprios interesses, isto é a Ação Estratégica, e
um outro tipo de ação social que busca o entendimento entre os cidadãos, isto é, o Agir
Comunicacional;

1. A Ação Estratégica, tem por mero objetivo o próprio êxito na consecução dos
interesses em causa, gizando os meios mais eficazes (racionalidade de meios-fins) para
satisfazer as suas preferências;

2. O Agir Comunicacional orienta-se para um aprofundamento da democracia que


vincula os cidadãos, prosseguindo-se uma nova interpretação dos conteúdos de
participação democrática, na medida em que está orientada para o entendimento.

Para Habermas o critério de moralidade situa-se no plano do debate argumentativo: é pelo


discurso que se questionará a justeza das normas que regulamentam a vida social. - 153

Assim, para Habermas, o critério para saber se uma norma é correta há-de fundar-se em dois
princípios:

1. O princípio de universalização;
2. O princípio discursivo;

2.3-Habermas, entre liberais e republicanos - 154

O agir comunicativo é uma forma de cooperação social particular, em que “os planos de ação
dos atores implicados não se coordenam através de um cálculo egocêntrico de resultados, mas
mediante atos de entendimento.

Como sabemos, o modelo liberal de democracia parte da separação entre Estado e Sociedade,
em que a função daquele é garantir que os cidadãos possam prosseguir nesta os seus
interesses privados. - 155

Decorre destas premissas que o processo político é uma luta por posições de poder entre
atores que se comportam estrategicamente; - 155

36
Ao invés, o modelo republicano de democracia assenta numa conceção de sociedade
entendida como comunidade política de cidadãos livres e iguais. A cidadania coexiste com o
ideal de pertença a essa comunidade, donde decorrem os direitos de participação política, e
não apenas, como no modelo liberal, de proteção perante ingerências alheias; - 155

Neste sentido, são os próprios cidadãos quem exerce o poder (auto-governo), num processo que
tem por finalidade um acordo com vista a desenvolver formas de “vida boa”. - 155

Neste contexto, se é verdade que Habermas se situa entre liberalismo e republicanismo,


aproxima-se mais deste último, mas também em certa medida dele se afasta, por alguns
aspetos com os quais não concorda. - 156

2.4- A “co-originalidade” entre as esferas privada e pública - 158

Sobre a questão entre a primazia da autonomia privada (direitos individuais fundamentais) e o


predomínio da autonomia pública (soberania popular), atendendo ao seu carácter duplo, que exige
a realização simultânea e complementar dessas autonomias que consideradas
normativamente, são co-originais e se pressupõem mutuamente porque uma permanece
incompleta sem a outra” se é verdade que a garantia da participação alargada dos cidadãos no
processo político depende da institucionalização de determinados direitos e de garantias
fundamentais, é verdade também que é o próprio exercício do discurso público, igual e livre,
que permite a efetiva realização dos direitos fundamentais que as sociedades adotam. - 158

No que concerne ao alcance da deliberação, Habermas sustém que deve estender-se a todos
os assuntos que possam regular-se no sentido de um igual interesse de todos. - 159

As teorias liberais desconfiam deste tipo de posições, pois temem que se debilite a proteção
jurídica da esfera privada; quer dizer, consideram que, podendo ser debatidas politicamente
todas as questões, haverá uma invasão da esfera de liberdade individual que constitui um dos
seus princípios básicos. - 159

Habermas replica a isto que a separação entre a esfera do privado e do público não está
estabelecida per se, mas é sempre construída, e nessa medida, é suscetível de ser tratada
publicamente; portanto, o que é público e o que é privado pode também ser objeto de debate.

Assim, qualquer decisão política deve vir precedida pela discussão pública; mas falar sobre algo
não significa necessariamente a sua regulação. O importante é que no debate não existam
restrições temáticas estabelecidas a priori que minem a autonomia pública. - 159

Habermas pretende a condição de universalidade para este sistema de direitos, sem, contudo,
afirmar um conjunto pré-estabelecido de direitos naturais. O sistema de direitos deve ser
desenvolvido de forma politicamente autónoma pelos cidadãos no contexto de suas próprias e
particulares tradições e história; - 160
37
2.5-Do mercado ao fórum - 160

As modalidades de ação política, envolvem a negociação, a deliberação, a decisão; - 160

Com Habermas almeja-se o ideal de comunicação não distorcida, porque democracia é


essencialmente isso: comunicação não distorcida com vista à deliberação; - 160

O ideal democrático habermasiano orienta-se no sentido de uma conversação irrestrita entre


cidadãos livres e iguais, em condições de igualdade entre os intervenientes e em que a
legitimidade brota da autoridade do melhor argumento. - 161

A conceção de democracia deliberativa que Habermas defende está centrada principalmente


no processo de formação da opinião e da vontade política. - 162

Segundo Habermas, na política combinam-se três diferentes dimensões: - 162

1. A dimensão pragmática, que se refere à necessidade de encontrar os meios mais


adequados para alcançar determinados fins, buscando, portanto, os mecanismos de
negociação e de compromisso não só sobre os fins mas sobre o modo de os alcançar; a
eficácia é o critério que predomina: trata-se de encontrar a solução mais racional para
o problema em questão.

2. A dimensão ética, que tem a ver com a ideia de bem e da correspondente “vida boa”
que a comunidade prossegue; o objeto em análise é acerca da adequação de
determinada medida política com o bem comum.

3. A dimensão moral, cujo âmbito de avaliação é a justiça, isto é, a equidade na


regulação das relações entre pessoas e na tomada de decisões;

A inclusão na deliberação destas três dimensões constitui um dos principais pontos de


diferença entre Rawls e Habermas. - 163

Rawls, que também elabora um modelo deliberativo, considera que, na deliberação, as únicas
razões aceitáveis são as que se referem aos princípios da justiça, devendo ficar de fora do
debate qualquer consideração relativa à ideia do bem; deste modo, as questões éticas não
fazem parte de uma deliberação circunscrita à dimensão moral. - 163

2.6-Circulação social do poder político - 163

A sociedade não se identifica com a comunidade política republicana e a democracia radical


pressupõe a prática do auto-governo por parte do conjunto dos cidadãos.

Habermas conjuga ambos os princípios estabelecendo uma dupla via para a formação
democrática da opinião e da vontade política:
1. Uma via formal, que se corresponde com o sistema político - a esfera institucional;
2. Uma via informal que se cultiva na sociedade, na vida quaotidiana - a esfera pública.

38
No que se refere à esfera institucional, o acordo a que se chega com a deliberação é um
consenso construído durante o processo em que se debatem razões e argumentos; e o
resultado dessa deliberação é o bem comum, isto é, representa aquilo que coletivamente é
considerado bom para todos. - 164

Um dos requisitos da democracia deliberativa é que as razões apresentadas neste processo


devem ser acessíveis a todos os cidadãos interessados; - 164

Uma justificação deliberativa nem sequer se inicia se aqueles a quem se dirige não estiverem
em condições de entender o seu conteúdo essencial. - 164

Portanto, a garantia de racionalidade das decisões tomadas funda-se no processo discursivo, a


partir do exercício da razão prática, e com base num procedimento deliberativo democrático,
realizado entre pessoas livres e iguais, e dentro de regras - também elas mesmas “construídas”
em que é assegurada a maior amplitude possível de debate. - 165

2.7-Fluxos e refluxos do poder - 166

A dialética entre periferia externa e periferia interna permite ilustrar a ideia de uma
circulação de poder, vital e móvel, a qual possibilita um fluxo e refluxo permanente entre
sociedade civil e Estado e uma reconversão por uma dupla via entre o poder comunicativo e o
poder administrativo da sociedade. - 166

À esfera institucional compete tomar as decisões políticas a partir de problemas identificados


e transmitidos pela esfera pública; é nesta que se constitui a opinião pública, que é, como tal,
um espaço social, civil, não político. - 166

A esfera pública habermasiana, diferente da esfera institucional, não está regulada por
procedimentos mas configura-se como uma rede com limites flexíveis, abetos, e porosos, onde
se comunicam e formam ideias, opiniões atitudes e discursos, sobre diferentes temas que
preocupam os indivíduos e que os afetam na sua vida privada. - 167

A Opinião pública elaborada de forma discursiva não toma decisões, mas influi no poder e
controla o seu exercício: esse é o âmbito da esfera pública, gerando então influência na esfera
institucional. - 168

Então as funções da esfera pública são: influir no poder e controlar o seu exercício.

A conceção de democracia deliberativa exige que a instância parlamentar se complemente na


esfera pública, que tem na sociedade civil a sua base social; - 168

O seu núcleo institucional não é estatal nem económico, mas é formado “por esse enredo de
associações não-estatais e não-económicas, de base voluntária, que fundeia as estruturas
comunicativas da opinião pública na componente do mundo da vida, que é a sociedade. - 169
39
A existência Institucional da sociedade civil, fica garantida quando coexiste esse conjunto de
características que a tornam autónoma do Estado, da economia, etc…: - 169

1. A pluralidade;
2. A publicidade;
3. Ã privacidade;
4. A legalidade;
Todas juntas, estas estruturas asseguram a existência institucional de uma sociedade civil
moderna e diferenciada. - 170

A Sociedade Civil atua segundo uma dupla direção:

1. Exerce influência no sistema político, especialmente na tomada de decisões;


2. Sobre si mesma, reflexivamente, porque molda e amplia a sua própria identidade e
capacidade de ação.
A sociedade civil defronta-se ainda com um tipo de atores provenientes de outros sistemas,
que não surgem da esfera pública, mas que podem usurpar esse espaço, como o estatal
(partidos políticos) ou o económico (grupos de interesse), que concorrem com a sociedade
civil para exercer influência na esfera institucional. - 170

Outrossim, a presença dos meios de comunicação social pode ocasionar distorções no espaço
da opinião pública, apropriando-se das funções da sociedade civil. - 170

RESUMO ADICIONAL - TEXTOS DE APOIO

A democracia deliberativa afirma a necessidade de justificar as decisões tomadas para os


cidadãos e para seus representantes. Espera-se que ambos justifiquem as leis que querem
impor uns aos outros.
A sua 1ª e mais importante característica é, então, o requisito de fornecer razões.
A 2ª característica da democracia deliberativa é que as razões dadas neste ponto devem ser
acessíveis a todos os cidadãos interessados.
A 3ª característica da democracia deliberativa refere-se ao facto de ser um ponto que visa
produzir uma decisão que seja vinculativa por um certo período de tempo.
O facto de a discussão continuar ilustra a 4ª característica da democracia deliberativa — trata-
se de um ponto dinâmico.
Combinando estas 4 características, podemos definir a democracia deliberativa como uma
forma de governo através da qual cidadãos livres e iguais (e respetivos representantes)
justificam decisões através de um ponto em que trocam razões que sejam mutua/ aceitáveis e
geralmente acessíveis, como objetivo de chegar a conclusões que sejam vinculativas no
presente para todos os cidadãos, mas que estejam abertas a reavaliação futura.
40
Esse percurso pela Teoria Deliberativa permite compreender a preocupação que acalenta os
seus teóricos em relação ao sistema democrático contemporâneo, qual seja, a de ampliar a
participação dos cidadãos individualmente ou agrupados segundo interesses específicos, no
ponto de deliberação, entendido em seus dois momentos: o debate e a decisão em si mesma.
Essa seria a forma de assegurar maior legitimidade às decisões no modelo de democracia
representativa em sociedade complexas e plurais como as contemporâneas.
Enquanto requisito para a legitimidade, o ponto deliberativo enfrenta, contudo, dificuldades
de operacionalização, relacionadas aos arranjos institucionais e às condições de inclusão e de
condução do ponto, ou incertezas quanto aos resultados possíveis.
Quanto aos arranjos institucionais, os ex: encontrados na literatura ainda são escassos e a
maioria deles é restrita a determinada situação ou país. É uma área, pois, em que pesquisas
podem avançar, abarcando experiências externas ao Estado ou internas às instituições da adm.
pública.
As exigentes condições de operacionalização desse modelo também precisam ser revistas com
mais cuidado para que a sua concretização não se inviabilize no emaranhado de regras
procedimentais para regular o acesso à fala e à inclusão dos cidadãos no debate. Regras de
comportamento ético de boa conduta podem ser um bom ponto de partida.
Por fim, é preciso alertar sempre para o facto de que o resultado a ser alcançado em qualquer
ponto de deliberação não significará a “resposta certa” para as diferentes questões a serem
decididas. Será simples em a resposta possível num dado momento e em condições
específicas, que estará passível de revisão se houver demanda e pressão nessa direção.

A grande contribuição desse modelo para o ponto democrático contemporâneo é trazer à luz
um fenómeno em curso há tempos e que interfere de modo peculiar na atuação e nas decisões
governamentais nas diversas instâncias e poderes, não podendo, pois, ser negligenciado pelos
estudiosos da política - a participação dos cidadãos por meio do debate, da opinião, da
expressão de ideias, seja em seus microcosmos sociais ou em arenas mais amplas como os
meios de comunicação de massa. E, por fim, a necessidade de tornar esse ponto de
contribuição argumentativa mais regular e efetivo por meio de arranjos institucionais dentro e
fora das instituições do Estado.

41
TEMA 7 - POBREZA ABSOLUTA

Milhares de seres humanos vivem, hoje, em situação de pobreza absoluta. Por pobreza
absoluta podemos entender a situação de todos aqueles que possuem menos do que
quaisquer outros, seja qual for o referencial com que os comparemos, vendo-se assim
privados dos mínimos imprescindíveis para garantir a sobrevivência. Esta situação traduz-se
em realidades crónicas de subnutrição, analfabetismo, doença, elevada mortalidade infantil e
baixa esperança de vida. - 179

Sabendo que muitos seres humanos vivem em situação de abundância absoluta algumas
questões se levantam. Quais as implicações morais desta situação? Podemos ficar
indiferentes perante este tipo de sofrimento? Esta situação é evitável? Como? Temos alguma
obrigação moral de contribuir para minorar este sofrimento? - 179

Para responder a estas questões apresentaremos os argumentos de Peter Singer que


considera, não só, que a pobreza absoluta é evitável como também que nós, ao nada fazer
para a diminuir, somos de certa forma responsáveis por ela, defendendo assim que a nossa
ajuda é um dever e não um ato superrogatório. - 179

Apresentaremos também as propostas de Tbomas Pogge que considera a desigualdade


contemporânea, no que respeita à distribuição da riqueza, uma consequência da ordem
económica mundial.; a proposta de uma justiça distributiva global defendida por Charles
Beitz, bem como a tese de Nigel Dower que relaciona a distribuição equitativa de recursos
mundiais com a noção de justiça social e parte do pressuposto de que a pobreza é resultado
de uma injustiça ativa. - 180

1-PETER SINGER - 180

A pobreza absoluta existe e é um mal. Temos ou não a obrigação moral de contribuir para a
eliminar? O filósofo australiano Peter Singer diz-nos que essa obrigação existe. Como
fundamenta a sua posição? Singer é um utilitarista e é sob esta perspetiva que responde ao
problema. Para Singer, uma decisão moral é boa quando as suas consequências o são e as
consequências são boas quando maximizam o bem-estar de todos os afetados por essa
mesma decisão. - 180

As condições materiais para acabar com esta situação existem. A abundância em que vivem os
cidadãos dos países ricos é suficiente, desde que convenientemente distribuída, para eliminar
substancialmente esse sofrimento. Todos nós podemos ajudar e, se podemos, devemos. Se
não o fizermos somos responsáveis pelas mortes que não evitámos. Mas, como podemos ser
responsáveis pela morte daqueles que não matamos nem desejamos que morressem? Não
salvar alguém é moralmente equivalente a matar? Para Peter Singer é. - 180

42
No entanto, normalmente, não pensamos assim. Consideramos que matar é pior do que evitar
uma morte. Podemos defender que existem diferenças entre envenenar crianças na Somália e
não contribuir com alguma ajuda para a UNICEF. A motivação do agente é muito diferente. O
envenenador quer matar, o que não contribui para a ajuda internacional não. - 181

Peter Singer não nega que matar seja diferente de deixar morrer tal, contudo, considera que
“são diferenças extrínsecas, moralmente irrelevantes, isto é, diferenças normalmente
associadas, mas não necessariamente, à diferença entre matar e deixar morrer”. - 181

Argumentando a favor de um utilitarismo das preferências, são boas as decisões que


maximizem os interesses dos afetados, ora, deste ponto de vista, os interesses de uma pessoa
em situação de pobreza absoluta são igualmente afetados negativamente quer esta morra
porque lhe dei um tiro, quer ela mona porque não lhe prestei a assistência que lhe salvaria
vida. - 181

Partindo destes pressupostos, Peter Singer fundamenta a obrigatoriedade moral de ajudar a


combater a pobreza absoluta com o seguinte argumento: - 182

1. Se pudermos impedir que algum mal aconteça sem sacrificar nada de importância
moral comparável, devemos fazê-lo;
2. A pobreza absoluta é um mal;
3. Há alguma pobreza absoluta que podemos impedir que aconteça sem ter que
sacrificar nada de importância moral comparável;
Conclusão: Temos o dever de impedir alguma pobreza absoluta.

O argumento não é excessivamente exigente uma vez que não nos obriga a eliminar toda a
pobreza absoluta, mas apenas aquela que podermos combater sem que tenhamos que
sacrificar algo de importância moral comparável. Cabe a cada um de nós justificar o que
considera ser de valor moral comparável ao sofrimento causado pela pobreza absoluta. - 182

Para levarmos até às últimas consequências a primeira premissa teríamos, não só, que abdicar
das idas ao cinema, mas de quase tudo o resto que faz com que a nossa vida seja mais do que
a mera sobrevivência. - 182

Se eu prescindir de um café por ano para contribuir para uma ONG, fiz algo para diminuir
alguma pobreza, mas, posso considerar que cumpri o meu dever moral? - 182

Alguns podem considerar que o argumento de Singer implica que a minha vida, ou pelo menos
uma parte dela se deve transformar num instrumento ao serviço do bem-estar dos outros-183

Para Colin McGínn não devo ver a minha vida apenas como um meio para as outras pessoas
aumentarem o seu bem-estar” - 183

43
Este princípio levaria a “uma renúncia à autonomia pessoal, ao direito de viver a nossa vidas
como nossa, fazendo com que, em nome da obrigação moral de maximizar o bem-estar, eu
tivesse que desistir de fazer filosofia, ou ler, ou gastar dinheiro em férias, ou de colocar os
meus filhos na universidade para lhes garantir uma boa educação, aumentando o meu
sofrimento para diminuir o dos outros. - 183

O princípio utilitarista que sustenta a maximização do bem-estar global conduz


inevitavelmente a níveis absurdos de sacrifício pessoal; o que, para McGinn leva as pessoas,
não a aumentar a sua ajuda, mas a deixar de ajudar. - 183

Contudo, Singer não pretende com o seu argumento sacrificar até ao limite o bem-estar de
cada um para maximizar o bem-estar geral da humanidade, chamando a atenção para a
existência de um “sistema de responsabilidades especiais” no que diz respeito, por exemplo,
às relações de parentesco, daí que seja absurdo propor que daqui para a frente nos
consideremos igualmente responsáveis pelo bem-estar de toda a gente do mundo. - 184

O argumento de Singer não nos diz que devemos abandonar os nossos filhos para nos
dedicarmos a erradicar a fome no mundo, mas sim, como nos propõe Dower “devemos
assistir os outros o mais que pudermos e que seja compatível com uma preocupação razoável
com a nossa qualidade de vida.”. - 184

Porque é que nos devemos importar com o sofrimento de pessoas que não conhecemos, que
vivem em sociedades, culturas e países tão distantes?

Para Singer devemo-nos importar com o sofrimento de todos porque a igualdade na


consideração de interesses a tal obriga. - 184

A universalidade dos juízos éticos exige que não pensemos apenas nos nossos interesses ou
naqueles com os quais partilhamos uma cultura, uma religião ou uma nacionalidade. - 185

Uma perspetiva utilitarista como a de Peter Singer colide com uma teoria dos direitos,
nomeadamente com o direito de propriedade individual tal como é defendido por autores
como Robert Nozick. Para este, desde que alguém tenha adquirido uma propriedade em
conformidade com o princípio de justiça pode fazer deles o que quiser. - 185

Qualquer interferência externa neste cesso viola os direitos naturais dos indivíduos e como tal
é imoral. Nem os ricos têm o dever de ajudar, nem os pobres o direito à ajuda, uma vez que
não possuem qualquer direito sobre a propriedade dos outros. Qualquer obrigação
redistributiva violaria os direitos do indivíduo, nomeadamente a sua liberdade. - 186

Podemos também considerar que satisfazer os interesses dos mais pobres pode conduzir, não
à maximização do bem-estar, mas ao aumento do sofrimento geral. - 186

44
Defendendo uma perspetiva consequencialista Singer não pode deixar de aceitar que, se a
ajuda aos pobres conduzir ao aumento e não à diminuição da pobreza, não o devemos fazer.
Tal argumento é defendido por Garrett Hardin através da sua metáfora do “bote salva-vidas”.
Para este autor “os ricos devem deixar os pobres morrer de fome, porque, de outro modo, os
pobres arrastarão os ricos com eles para a miséria”. O seu pensamento neomalthusiano
considera a pobreza como algo de natural e inevitável. A fome é uma consequência
incontornável do aumento populacional e esta constitui uma estratégia do processo de
seleção natural. - 186

Singer não encontra factos que corroborem a relação ente diminuição da pobreza, aumento
populacional e escassez alimentar. - 186

É muito comum justificar a nossa recusa em ajudar alegando que essa responsabilidade é dos
governos, mas Singer considera que a responsabilidade coletiva não pode fazer desaparecer a
responsabilidade individual. - 187

2-NIGEL DOWER - 187

Nigel Dower expande o argumento de Singer introduzindo a noção de desenvolvimento e


destacando a importância da justiça na implementação do bem-estar. Se a ajuda é um dever é
um ato de justiça e não de caridade. Se é um ato de justiça não é apenas uma forma de
maximizar o bem. Para Dower o problema da fome não pode ser separado do problema do
desenvolvimento em geral. - 187

Para Dower a justiça é entendida como justiça social global não se limitando às interações
entre pessoas da mesma comunidade; mas como é que tal situação de justiça social se pode
alcançar? Através da distribuição equitativa dos recursos mundiais. - 188

Assim, a exigência de justiça que é concretizada pela assistência propõe não só a satisfação
das necessidades elementares da humanidade, mas também o fim da injustiça ativa
compensando os povos injustiçados pela exploração a que foram sujeitos pelos países mais
ricos e que constitui uma das causas do seu persistente estado de pobreza. A assistência é um
dever porque todos nós somos, de alguma forma, beneficiários deste estado de coisas. - 188

A eficácia da ajuda passa por proporcionar condições para a promoção do desenvolvimento e


os problemas de desenvolvimento que conduzem à pobreza absoluta são muitas vezes
políticos e institucionais mais do que apenas alimentares. - 188

Dower alarga o nosso campo de responsabilidade. Enquanto consumidores podemos, com a


modificação dos nossos hábitos, contribuir para a alteração das relações económicas
internacionais. Como eleitores, podemos influenciar as decisões políticas do nosso país.

45
3-A ÉTICA COSMOPOLITA - 189
A ética cosmopolita é uma resposta à globalização. Um cosmopolita vê o mundo, no seu todo,
como uma comunidade moral. Diz que nos devemos preocupar fundamentalmente com os
indivíduos e com o seu bem-estar e que é irrelevante a parte do mundo em que esses
indivíduos se encontram, pois, todos os indivíduos devem ser considerados de modo
igualitário em termos morais. - 188

Politicamente, estes pressupostos implicam a consideração de um mundo global de


interdependências em que todos possuem os mesmos direitos e deveres básicos como
cidadãos do mundo. Nas palavras de Kok-Chor Tan, “a justiça cosmopolita é uma justiça sem
fronteiras”. - 189

O realismo, de fundo Hobbesiano onde os estados-nação totalmente independentes entre si


se preocupam apenas com a manutenção do poder e com a segurança das suas fronteiras face
aos restantes estados é cada vez mais irrealista. A defesa do interesse nacional exige, hoje, ao
contrário do passado, a cooperação e não a separação entre nações. - 190

As “razões do mundo” terão que se sobrepor às “razões de estado”. A face mais visível deste
mundo global é a interdependência económica. - 190

Ora, tal interdependência, ao invés de promover a igualdade, promove uma cada vez maior
desigualdade distributiva, ainda que os seus benefícios sejam consideráveis. O que promove a
desigualdade? O investimento estrangeiro em países pobres sob a forma de multinacionais, ao
invés de beneficiar o país de acolhimento, explora a mão-de-obra barata ou os seus recursos
naturais, transferindo os lucros da sua atividade para outros locais. - 190

os governos locais frequentemente concentram os ganhos com o investi- mento estrangeiro


no seu país nas classes privilegiadas minoritárias. As grandes companhias financiam governos
corruptos e ditatoriais uma vez que, desta forma, defendem com mais facilidade os seus
interesses. - 191

Charles Beitz propõe a criação de um conjunto de instituições que funcionassem como uma
estrutura constitucional da economia mundial. Algumas destas instituições já existem e
influenciam, ainda que de modo insuficiente, a distribuição da riqueza mundial; a cooperação
social é, para Beitz, o fundamento da justiça distributiva, pois a interdependência mundial
exige princípios globais. - 191

A ser assim, o que é que impede a aplicação global de um princípio de justiça distributiva?
Beitz refere dois dos principais obstáculos:
1. A inexistência de instituições globais que permitam obrigar e aplicar esse princípio;
2. A inexistência de um sentido de pertença a uma comunidade global e, como tal, as
pessoas não se sentirem comprometidas com um sentido global de justiça.
46
4-THOMAS POGGE - 192

Para Thomas Pogge o nosso dever de aliviar a pobreza no mundo fundamenta-se no facto de,
até certo ponto, a pobreza extrema em que muitos vivem ser uma consequência da ordem
mundial que o ocidente impõe ao mundo. - 192

Atualmente, não só não estamos a ajudar os pobres como devíamos, como estamos a mantê-
los na pobreza através da imposição de uma ordem mundial à qual os mais fracos não se
podem Opor, da qual somos beneficiários e que é responsável pelas maiores injustiças. - 192

Existem duas razões para nos sentirmos responsáveis pela erradicação da pobreza: - 193

1. Ou porque temos falhado o nosso dever positivo de ajudar os mais pobres;

2. Ou por termos falhado o nosso dever negativo de não compactuar com a injustiça,
não contribuir ou não tirar proveito das injustiças que conduzem os outros à pobreza.

A pobreza mundial resulta da mais radical desigualdade. Essa desigualdade é,


fundamentalmente, consequência da violação do nosso dever negativo de não causar dano ou
de beneficiar do dano causado e é neste sentido que é uma injustiça. - 193

É porque, direta ou indiretamente, todos nós, enquanto habitantes de países ricos,


contribuímos para a pobreza mundial que esta se torna algo da nossa responsabilidade, uma
vez que o nosso modo de vida depende dessa ordem mundial injusta. - 193

Pogge pretende demonstrar que existem alternativas à organização económica atual


propondo uma divisão global dos recursos, a que chama de “a Global Resources Dividend”.

Pogge chama a esta partilha dividendo pois supõe que todos os pobres do mundo têm direito
a uma parte dos recursos naturais limitados. Esse dividendo deve ser usado para assegurar
que todos os seres humanos possam ver satisfeitas as suas necessidades básicas e viver com
dignidade. - 194

O objetivo não é apenas melhorar a alimentação, cuidados médicos e as condições sanitárias


dos pobres, mas também tomar possível que eles possam por si próprios defender e
concretizar os seus interesses básicos. - 194

Pogge não é irrealista. Qualquer alteração às circunstâncias que mantêm a pobreza não pode
acarretar o empobrecimento dos cidadãos dos países ricos. - 194

Esta ideia não propõe uma mundialização dos recursos, nem a sua partilha igualitária. Cada
governo continuaria a ter o controlo dos recursos existentes no seu território. Teria apenas
que compensar os países pobres pelo uso e lucros obtidos com o usufruto, isto é, teria que
distribuir uma parte dos dividendos. Do ponto de vista de Pogge, podemos erradicar a
pobreza com um pequeno contributo, desde que cumprido por todos. - 195

47
RESUMO ADICIONAL - TEXTOS DE APOIO

O pensamento de Singer baseia-se na perspetiva teórica do utilitarismo, fundada no séc.


passado por Bentham e J. S. Mill. Para os utilitaristas, agir bem é uma questão de produzir as
melhores consequências, apreciando as situações de uma forma inteiramente imparcial. Isto
corresponde a agir de modo a maximizar o bem-estar dos seres afetados pelas nossas ações.
Milhares de seres humanos vivem hoje em situação de pobreza absoluta.
Peter Singer diz que temos a obrigação de contribuir para a eliminar, pois se não o fizermos
somos responsáveis pelas mortes que não evitamos. Para Singer o relevante é o modo como
as minhas decisões afetam os outros num quadro consequencialista de igualdade na
consideração dos interesses, argumentando a favor do utilitarismo das preferências.
Singer afirma que cada um devia contribuir com 10% do seu rendimento, na medida em que o
meu dever é abdicar de uma parte do meu bem-estar para aumentar o bem-estar dos outros.

O principio utilitarista que sustenta a maximização do bem-estar global conduz


inevitavelmente a níveis de sacrifício absurdos. Uma perspetiva utilitarista como a de Singer
colide com uma teoria dos direitos, nomeadamente com o direito de propriedade individual tal
como é defendido por autores como Nozick.
É muito comum justificar a nossa recusa em ajudar alegando que essa responsabilidade é dos
governos e não dos indivíduos e que, se os cidadãos individualmente considerados
contribuírem a consequência será negativa, levando os governos a contribuir menos. Singer
acha que a responsabilidade coletiva pode fazer desaparecer a responsabilidade individual.

Nigel Dower expande o argumento de Singer introduzindo a noção de desenvolvimento e


destacando a importância da justiça na implementação do bem-estar. Para ele a justiça é vista
como justiça social global não se limitando à interação das pessoas da mesma comunidade.
A ética cosmopolita é uma resposta à globalização. Um cosmopolita vê o mundo no seu todo
como uma comunidade moral. Todos os indivíduos devem ser considerados de modo
igualitário em termos morais. A interdependência mundial exige princípios globais. As
fronteiras nacionais não podem marcar os limites da cooperação social da obrigação de ajudar.

Para Thomas Pogge o nosso dever de aliviar a pobreza no mundo fundamenta-se no facto da
pobreza extrema em que muitos vivem ser uma consequência da ordem mundial que o
ocidente impõe ao mundo. Os direitos humanos implicam a proteção contra certas instituições
sociais coercivas e conta os indivíduos que sustentam e beneficiam dessas instituições.

Podemos considerar duas razões para nos sentirmos responsáveis pela erradicação da
pobreza, ou por falha do dever positivo ou do dever negativo.
No dever positivo, a pobreza é um mal, nós vivemos melhor, logo temos obrigação de ajudar.
Dever negativo na medida que a pobreza absoluta é produto de uma injustiça que nós
ajudamos a manter. Não podemos ignorar as causas locais da pobreza, mas muitos dessas
causas são fruto de ações internacionais. Os cidadãos dos países ricos usufruem da maior parte
dos recursos mundiais retirando daí inúmeros benefícios sem que exista qualquer
contrapartida dos países pobres que são sistematicamente excluídos dessa partilha.
48
TEMA 8 - AS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS
O tema das migrações converteu-se em Política de Estado e em objeto de analise para a
filosofia política. Nas duas últimas décadas deu-se um espetacular aumento do volume e do
grau de mundialização dos sistemas migratório. Em consequência, os migrantes apresentam
uma variedade demográfica, social, cultural e económica cada vez maior. - 197

Não se estranha, portanto, que a maioria dos governos tenha tomado consciência da
necessidade de dar resposta política e jurídica a este fenómeno que é permanente e que pode
vir a alterar a estrutura demográfica, social, cultural, económica e laboral de um país. - 197

1-O SIGNIFICADO POLÍTICO DAS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS - 198

Nas duas últimas décadas, deu-se um espetacular aumento não só do volume, mas também do
grau de mundialização do sistema migratório, no seu duplo sentido:

1. Aumento da diversidade das regiões recetoras;


2. Alargamento das áreas de origem.
Dada a dimensão planetária alcançada pelos fluxos migratórios, toma-se bastante plausível
concebê-los como parte integrante e como um relevante efeito do recorrente e contraditório
fenómeno da globalização.

Os efeitos deste fenómeno, provoca: - 199


1. Mudança substanciais na demografia e consideráveis alterações na estrutura do
mercado de trabalho.
2. O aumento do pluralismo religioso das sociedades de acolhimento;
3. O intercâmbio cultural de massas é um fenómeno habitual em quase todas as
sociedades contemporâneas.

Mesmo que se aceite a decisão de migrar é fruto de uma decisão racional tomada em ultima
instancia para minimizar as suas oportunidades vitais, existem outros fatores que não são
desprezíveis, nomeadamente, as politicas de admissão desenvolvidas por vários países a partir
do séc. XIX e cuja importância para o encaminhamento das correntes migratórias nunca se
pode negligenciar. - 200

Os Estados são responsáveis pelo ponto migratórios e a forma como atuam configuram um
corpus normativo e político que afeta a maneira como decorrem as deslocações das pessoas
entre fronteiras, e isto implica ainda uma mudança transitória ou, em muitos casos, definitiva,
«de pertença a uma comunidade social e política nacional». - 200
Se a soberania nacional já sofreu a profunda erosão provocada pelos processos de globalização
a impossibilidade de manter a integridade das fronteiras face à pressão migratória nada mais
fez do que ampliar este processo. - 200

49
2-IMIGRAÇÃO E CIDADANIA - 201
Os pontos de migração não podem ser pensados sem a analise das mutações e das tensões
que marcam atualmente o conceito e a pratica institucional da cidadania. - 201

Entre o conjunto de medidas que tem que ser incluídas em qualquer política coerente para as
migrações nunca poderá faltar a regulamentação da aquisição da cidadania, sendo um
dispositivo fundamental que a comunidade política tem para definir os seus próprios limites
internos, sendo que para o imigrante marcam o horizonte de expectativas e como planear a
sua vida. - 201

A aquisição da cidadania, também conhecida como naturalização, é o processo através do qual


uma pessoa de outro país se toma membro legal de determinado Estado. A atribuição da
cidadania concebe-se como um poder exclusivo dos Estados soberanos e os trâmites variam de
país para país, embora, de uma forma geral, obedeçam a dois princípios básicos: o jus in soli e
o jus sanguinis. - 201

Essas normas de regulamentação são um poderoso instrumento de integração que é colocado


à disposição das autoridades do país de acolhimento, mas o simples facto de se conceder o
status de cidadania aos imigrantes que já estão estabelecidos há um período de tempo
considerado razoável não equivale à sua integração automática. - 202

Uma pessoa pode gozar de todos os direitos inerentes à cidadania e inclusive pode ser
formalmente membro de uma comunidade e, mesmo assim, sentir-se um estrangeiro incapaz
de se ajustar bem a um ethos cultural que parte de uma autodefinição na qual não há lugar
para a sua comunidade de origem. - 203

Entre outros fatores a não participação na vida política e a não integração na função publica
não ajudam em nada a sua integração. Ao atribuir-se um certo estatuto de direitos e deveres
evitam-se formas flagrantes de marginalização. Pelo que o acesso dos imigrantes à cidadania é
uma condição necessária à constituição de uma sociedade integrada.

3-O PAPEL DAS FRONTEIRAS ENTRE ESTADOS - 205

As migrações internacionais são deslocações de pessoas através das linhas fronteiriças


reconhecidas, em regra com o deslumbramento perante a terra prometida ou o cenário de não
poucas histórias pessoais trágicas. - 205

O facto, completamente contingente, de se ter nascido de um lado ou de outro de uma linha


de fronteira determina, em muitas ocasiões, a possibilidade de se gozar ou não de
determinados direitos. - 206

50
As fronteiras territoriais possuem uma enorme relevância jurídico política, pois é com elas que
se assinala o direito a que está submetida uma população, indicam que pessoas e instituições
exercem a autoridade sobre um certo território e definem o corpo de cidadãos que integram a
comunidade política. - 207

Fronteiras e cidadania desempenham uma missão constitutiva em relação ao Estado e à


comunidade política e desempenham ainda uma função policial que se torna manifesto no
controlo dos fluxos migratórios. - 207

A sua manutenção implica apostar na persistência de modelos de exclusão e de contenção que


se revelaram tão ineficazes quanto injustos. As fronteiras vigiadas e os muros militarizados são
instrumentos de uma política de exclusão, de uma política de rejeição e de discriminação que
se contrapõe às correntes e aos fluxos que são gerados pelos processos de globalização. - 207

Motivos a favor do encerramento das fronteiras nacionais: - 208

1. Económicos: evitar correr ris- cos que ponham em perigo o bem-estar económico da
sociedade de acolhimento;
2. Culturais: assegurar a identidade e a integridade da cultura da sociedade em questão.
3. Políticos: salvaguardar os processos políticos internos de intromissões que possam
afetar o seu desenvolvimento.
Walzer é um acérrimo defensor do controlo das fronteiras, argumentado que para manter a
cultura política, que é uma coisa que à qual todos os povos organizados têm direito, as
sociedades devem ter o poder de limitar a imigração. Para este autor, uma política de receção
de imigrantes deve corresponder aos interesses da sociedade em questão. - 208

Na posição contraria a Walzer temos Carens, Baubocque e Benhabid.

Carens denuncia que nenhuma das fundamentações contemporâneas do liberalismo propõe


razões morais para restringir os direitos dos estrangeiros a entrar num país ou a fixar
residência. Pretende manter-se fiel às bases filosóficas do liberalismo empenhando-se na
criação de fronteiras abertas (open borders) como forma de garantir o direito fundamental de
cada individuo a sair do seu próprio país. E alega que, se a liberdade de saída é consubstancial
aos regimes liberal-democráticos, é óbvio que esta liberdade não teria qualquer conteúdo real
se não existisse a correlativa liberdade ou direito de entrada. - 209

Todos os 3 autores se mostram favoráveis a uma conceção mais ampla de cidadania


transnacional. - 209

Ao contrario dos que defendem a manutenção das limitações à imigração pelos governos
baseiam-se principalmente numa contração comunitarista/nacionalista de cidadania. - 209

51
4-A GESTÃO POLÍTICA DA IMIGRAÇÃO E DO PLURALISMO EMERGENTE - 210

Nos países de imigração assiste-se a um acelerado ponto de constituição de sociedade de perfil


multiculturais, impulsionado precisamente pela chegada de pessoas que tem as mais variadas
proveniências. - 210

O pluralismo cultural especificamente gerado pelos fluxos migratórios já é uma realidade e um


ponto que as sociedades recetoras e as instituições têm que gerir.

A multiculturalidade e a multietnicidade que tem origem nas migrações, provocam respostas


políticas que se repercutem nas estruturas institucionais dos sistemas democráticos. - 210

Giovanni Sartori e Samuel Huntington, bradam aos céus perante os problemas de integração
gerados pelas recentes vagas de imigrantes, sobretudo devido à facilidade com que estes
vizinhos mantêm vínculos afetivos com a sua cultura de origem. - 210

Estes autores dão como exemplos concretos o dos hispânicos nos Estados Unidos e o dos
muçulmanos na Europa e consideram que em alguns casos eles podem constituir um risco para
a identidade nacional e para as sociedades de acolhimento. - 211

A imigração é apresentada como sinónimo de ilegalidade, miséria, conflitualidade e


delinquência e os meios de comunicação muito tem contribuído para forjar esta imagem
negativa no subconsciente coletivo e para difundi-la. - 211

A política migratória é um campo de intervenção publica submetido a múltiplas tensões,


estando na sua origem quase sempre um desajustamento entre o número de candidatos à
imigração e as expectativas das sociedades recetoras. - 211

Uma politica migratória coerente e digna deveria apoiar-se em pelo menos 3 eixos:

1. Um modelo de gestão de fluxos (regulamentação de acesso e condição de


permanência dos imigrantes);
2. Uma gestão de integração;
3. Uma politica de desenvolvimento conjunto com os países emissores de emigração.

Lamentavelmente, na prática a politica migratória fica reduzida a um conjunto de medidas


jurídicas e administrativas que pretendem regular condições de entrada e de permanência.- 212
Não existe nenhum modelo de tratamento de fluxos migratórios que seja exemplar, nem
mesmo nas sociedades com notável tradição de gestão de imigração como ex: Europa Central e
do Norte, muito menos as sociedades do sul da Europa (Portugal, Espanha, Grécia e Itália) que
num curto espaço de tempo passaram de sociedade de emigrantes para sociedade de
imigrantes, tem que reinventar os seus padrões de integração. - 212

52
5-AS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E A DIMENSÃO GLOBAL DA JUSTIÇA - 213

Tal como Saskia Sassen advertiu, por vezes a gestão política da imigração tem o estranho
efeito de renacionalizar a política quotidiana: «quando se trata de imigrantes e de refugiados o
Estado readquire todo o seu antigo esplendor e declara o seu direito soberano de controlar as
suas fronteiras». - 213

Num mundo cada vez mais globalizado, esta tendência renacionalizadora só pode ser
entendida como paradoxal, principalmente se se tiver em conta que o sistema migratório
internacional está cada vez mais mundializado e os seus efeitos fazem-se sentir em qualquer
região do planeta. Perante a dimensão mundial alcançada pelos fluxos migratórios, torna-se
premente a necessidade de recuperar uma perspetiva global e complexa dos pontos
desencadeados. - 213

A adoção de uma perspetiva meramente estado-cêntrica é inadequada para abordar os


complexos problemas do mundo contemporâneo e diminui a capacidade de qualquer Estado
para determinar por si mesmo o seu futuro». - 213

A porosidade das fronteiras é mais uma manifestação da progressiva erosão da soberania


estatal, pois o mundo converteu-se num só mundo de um modo quase irrevogável e,
consequentemente, os problemas têm de ser definidos como conflitos globais. - 213

No que diz respeito às migrações, é cada vez mais urgente a necessidade de dispor de um
quadro normativo adaptado a um mundo globalizado. - 213

A teoria da justiça que hoje em dia goza de maior prestígio e que foi oportunamente proposta
por John Rawls contém enormes lacunas que se tomam evidentes quando se tenta aplicá-la
fora dos limites dos Estados constituídos. - 213

A divisão política do planeta serve frequentemente de suporte normativo para distribuições


injustas dos recursos e das oportunidades básicas que os indivíduos podem aproveitar.

É por isso que a cidadania e as fronteiras também têm de ser reformuladas de acordo com a
perspetiva de uma noção global de justiça. - 213

Se cada Estado procurar individualmente soluções para os conflitos e problemas gerados para
imigração, acabarão por não se conseguir resolver corretamente.

53
TEMA 10 - GUERRA JUSTA E TERRORISMO
A guerra consiste num conflito armado e violento entre duas ou mais comunidades políticas.
Mas a guerra também pode ser um recurso de comunidades políticas que aspiram à
independência e ao exercício livre da soberania, assim como de grupos organizados, partidos ou
facões de um Estado que pretendem influenciar decisivamente a sua orientação política. No
primeiro caso estamos perante guerras pela autonomia ou pela secessão, no segundo, perante
guerras civis. - 241

A guerra pressupõe sempre o recurso à violência com fins políticos, o que, aliás, levou
Clausewitz a considerá-la como a continuação da política por outros meios. - 241

O terrorismo é uma estratégia profusamente utilizada pelos Estados, quer contra os inimigos, na
guerra, quer contra a sua própria população civil. - 242

1-AS ÉTICAS DA GUERRA - 242


Embora sejam teorias opostas, quer o realismo, quer o pacifismo negam essa possibilidade; O
Realismo defendendo a amoralidade da guerra, e o Pacifismo a sua imoralidade. Pelo contrário,
como veremos, o utilitarismo e a teoria da guerra justa admitem que a guerra, como qualquer
outra atividade protagonizada, planeada e executada por seres humanos implica escolhas
tomadas de decisão, condutas que são passíveis de avaliação e de regulação ética.- 242

1.1-O REALISMO - 242


O realismo politico pressupõe um profundo ceticismo quanto à moralidade da Guerra, assim
como nas relações internacionais, defendendo que nelas não se aplicam os conceitos morais.
A consideração da amoralidade da Guerra obedece a duas razões fundamentais: - 242
1. Razão apresentada pelo realismo descritivo, teoria dominante entre os atores e os
teóricos das relações internacionais e das Ciências Politicas que postula a
incompatibilidade da ética e da politica nomeadamente na Guerra. As interações entre
Estados são consideradas racionais quando visam a distribuição e a maximização do
poder politico e por isso os realistas consideram que a Guerra é um instrumento,
legitimo e necessário, para conquistar a hegemonia ou manter o equilíbrio de poderes.

2. Razão característica do realismo prescritivo, é a de que as normas e as determinações


morais aplicadas à Guerra e ao sistema internacional atraem consequências trágicas.
Os realistas acreditam que os dirigentes políticos são obrigados a sujar as mãos em
prol da segurança e da sobrevivência do Estado. Podem mesmo defender a Guerra
como ultimo recurso, devido aos elevados custos materiais e humanos comportados.
Em caso de conflito, não utilizar toda a força disponível, é apenas uma forma de
fortalecer o inimigo e aumentar a possibilidade de um conflito prolongado e mortífero.

54
Embora seja verdade que o realismo sustenta uma posição genericamente pró-guerra,
favorecendo por exemplo as guerras preventivas, não se deve confundir realismo com
militarismo. - 244

O Realismo receia a intromissão da moralidade e do idealismo na guerra, já que esta tanto


pode conduzir à recusa total da guerra, impossibilitando a defesa, como lançar as
comunidades políticas em guerras infindáveis. - 244

1.2-O PACIFISMO - 244


É uma teoria inversa do realismo. Não considera que a Guerra seja amoral, mas sim imoral,
devido ao grau de violência e à quantidade de mortes envolvidos, a Guerra é sempre contrária
a todos os preceitos morais. O pacifismo tem uma posição anti-guerra e favorável à paz. - 244

É uma realidade complexa e heterogénea, reunindo correntes religiosas e laicas, etc.

As principais criticas ao pacifismo centram-se na sua oposição absolutista à Guerra e no seu


excessivo otimismo acerca da natureza humana; a principal debilidade do pacifismo reside na
«tendência para considerar qualquer defesa da guerra e qualquer recurso às armas como
manifestações de militarismo. - 245

Algumas correntes possuem inspiração religiosa, em que a defesa das comunidades políticas e
dos valores do Estado não se pode sobrepor à lei divina. - 245

O pacifismo deontologista baseia a sua oposição à Guerra na inviolabilidade dos direitos,


nomeadamente dos inocentes e na obrigação moral de não matar outros seres humanos. - 245

Já o pacifismo consequêncialista opõe-se à Guerra para facto de esta ser contraproducente,


porque devido às elevadas doses de sofrimento que comporta, os benefícios da Guerra nunca
superam os seus custos. - 246

O pacifismo considera que a Guerra moderna liquidou a possibilidade da Guerra justa,


considera que o principal risco da teoria da Guerra justa é o de, ao tentar estabelecer os
limites morais dos conflitos armados e limitar a violência que neles se pode exercer, mais não
esteja a fazer do que a legitimar a Guerra. - 246

A estratégia da não-violência está inteiramente dependente das convicções e das


sensibilidades morais dos soldados inimigos e convive bem com regimes democráticos, mas
não tem quaisquer hipóteses de sucesso frente a regimes ditatoriais e cruéis como o nazi. - 247

55
1.3-O UTILITARISMO

Ao contrário das correntes anteriores, tal como a teoria da Guerra justa, admite que a Guerra
tem uma natureza moral e que as ações que ai decorrem podem ser sujeitas à normatividade
ética. Institui como critério de moralidade na Guerra o principio da utilidade. - 247

Admite que a Guerra pode ter um carácter moral que contribua para a maximização da
felicidade para o maior número de pessoas. - 247

Pressupõe a imparcialidade ética. A Guerra implica sempre danos humanos e materiais


avultados, é provável que a utilidade calculada conduza à rejeição da Guerra ou de atos de
força desproporcionada e de excessiva crueldade devido à quantidade de sofrimento
implicada.

Assim, matar, segundo a moralidade utilitarista, não é um mal em si, mas um mal na medida
em que provoca sofrimento àquele que morre, aos seus familiares e amigos, além de o privar
de toda a sua felicidade futura. - 248

Os utilitaristas, em nome da maximização da felicidade para o maior número, podem admitir a


violação de direitos e das regras da guerra, nomeadamente da imunidade dos não-
combatentes. Admitem, por isso, o sacrifício de certos indivíduos, desde que seja expectável o
benefício para um maior número. - 248

Desta forma, o utilitarismo tenta superar aquela que é uma das objeções que mais
insistentemente lhe é levantada, a de que obrigaria o agente a cálculos, muitas vezes
complexos, nada condicentes com a urgência das situações. - 249

Existe o risco de legitimar o sacrifício das vidas dos inocentes, desde que esse sacrifício pareça
propiciar mais felicidade para o maior número. - 249

Segundo Walzer, porque na guerra existe um conflito insanável entre a utilidade e os direitos,
estes devem prevalecer sempre, à exceção, das situações de emergência suprema. - 249

1.4-TEORIA DA GUERRA JUSTA - 249

Embora a origem dO pensamento da guerra justa radique no cristianismo, a argumentação


contemporânea é maioritariamente laica. Os teóricos da guerra justa, não se ocupam da
legitimação de toda e qualquer guerra. - 250

Acreditam que a guerra é um recurso legítimo das comunidades políticas, embora extremo,
para forçar o respeito pelos seus direitos políticos na esfera internacional. Assim, a guerra não
só pode ser moralmente legítima, como ser um imperativo moral. - 250

A guerra só pode ser travada por razões morais e como via necessária para a paz. - 250

56
Os teóricos da guerra justa consideram que a guerra nunca pode ser um prolongamento
natural dos interesses políticos, económicos ou religiosos, nem ser travada em nome da
expansão do império ou da fé. Na realidade, as guerras justas são essencialmente defensivas, e
limitadas nos seus objetivos e na força empregue. - 250

O grande erro do pacifismo reside no seu excessivo otimismo. As políticas de apaziguamento


e as intenções declaradas de não-violência não são suficientes para demover um agressor
determinado e podem abandonar as vítimas à sua sorte. - 251

Por outro lado, a incapacidade para discriminar a justiça da injustiça, leva-nos a atribuir igual
valor tanto a um ato de legítima defesa como ao massacre de inocentes. - 251

A teoria da guerra justa é uma corrente deontologista e por isso rejeita os cálculos de
utilidade, uma vez que podem conduzir, em nome da grandeza dos fins, à violação dos direitos
e à permissão de meios considerados mala in se. - 251

Esta teoria opera algumas distinções fundamentais, dando origem a três outras teorias:

1. Jus ad bellum: justo recurso à guerra;


2. Jus in bello: justa conduta na guerra;
3. Jus post bellum: justiça após a guerra.

A teoria do jus ad bellum: - 251

A Teoria do jus ad bellum identifica, tradicionalmente, seis princípios ou condições da justiça


para entrar numa guerra: - 251

1. A boa intenção;
2. A autoridade competente;
3. A causa justa;
4. O último recurso;
5. A probabilidade de sucesso;
6. A justa proporcionalidade.
Uma guerra não pode ser justa se não for comandada por boas intenções, ou seja, só é justa se
visar a defesa de direitos, essencialmente, os direitos à vida, à liberdade individual e à
liberdade política das comunidades. - 251

O princípio da autoridade competente assenta num outro princípio, o de que o Estado detém
o monopólio do uso legítimo da força para imposição da legalidade. - 252

A guerra deverá obedecer também a uma causa justa. «Apenas a agressão pode justificar a
guerra», seja ela uma guerra de legítima defesa, seja ela uma intervenção estrangeira. - 252

57
O critério do último recurso sublinha a primazia da paz sobre a guerra no pensamento da
guerra justa». Os conflitos devem ser resolvidos de forma pacífica, recorrendo por exemplo à
diplomacia e a sanções, e só depois de esgotados todos os recursos, e em casos extremos, se
pode dar início às hostilidades. - 254

Uma guerra para ser justa tem também de respeitar o critério da probabilidade de sucesso.
Este critério visa prevenir desastres anunciados, o recurso à guerra quando a desproporção de
forças é tão elevada que não faz sentido ter esperança na vitória. - 255

A justiça de um conflito armado depende também da observância do princípio da justa


proporcionalidade, ou seja, do equilíbrio entre o bem a alcançar e o mal provocado. No fundo,
trata-se de saber antes de se recorrer à guerra se vale a pena todo o sofrimento e morte nela
potencialmente implicados. - 255

A teoria do jus in bellum: - 251

Chama-se jus in bello à teoria que se ocupa da justiça do combate e dos meios nele
empregues, pelo que está menos orientada para questões políticas e mais para questões
estratégicas e táticas, assim como para os limites morais do ato de matar, em que o aspeto
central, é o da igualdade moral de todos os combatentes. - 255

O soldado tem o direito de matar, “privilégio” que não lhe é concedido na vida civil, mas não o
faz a título pessoal, mas sim enquanto instrumento político da sua comunidade. - 256

A igualdade moral dos combatentes, parece pôr em causa o princípio de que a violência só é
justa como resposta a uma agressão. No entanto deve-se notar que só o soldado que combate
por uma causa justa tem legitimidade para matar. Os restantes apenas podem recorrer à
violência em legítima defesa. - 256

Decorrentes da igualdade moral dos combatentes estão os princípios que estabelecem o


modo de matar e a natureza das vítimas, os quais permitem distinguir um ato de guerra
legítimo de um massacre: - 256

1. O princípio da proporcionalidade que supõe o requisito da força mínima;


2. O princípio da discriminação, que reconhece a natureza dos que podem ser atacados e
mortos na guerra.
O direito de matar é, de facto, um «presente envenenado», pois ao portarem armas e ao
envergarem uniformes passam a ser alvos preferenciais dos inimigos. - 257

No entanto, nem todos os civis possuem imunidade. Ex: Os que trabalham em fábricas de
armamento. - 257

A morte de inocentes pode constituir um ato de guerra legítimo. - 258


58
Deve-se evitar a escala móbil, que se exprime pela máxima: «quanto mais justa for a causa,
mais direitos ela confere». - 258

Walzer apenas admite a subordinação do jus in bello ao jus ad bellum nas situações de
emergência suprema em que por exemplo uma comunidade se vê ameaçada de extinção e os
seus membros condenados ao genocídio ou à escravidão, dá-se um conflito insanável entre os
direitos humanos e os direitos das comunidades. - 259

A teoria do jus post bellum: - 251

A terceira teoria, o jus post bellum, trata «da restauração da paz, da ocupação militar e da
reconstrução política, e é talvez, de todas, a teoria mais ignorada. No entanto, a reconstrução
política a que foram submetidas as potências do Eixo na II Guerra Mundial e as mais recentes
crises que conduziram a intervenções humanitárias deram-lhe um forte alento. Antes de mais,
o jus post bellum reflete sobre o momento adequado para dar por terminado um conflito
armado. - 259

Para que tal seja possível, um Estado vítima de agressão pode exigir compensação financeira
pelos danos sofri- dos, o desarmamento total ou parcial do Estado agressor, como prevenção
contra futuras agressões. Pode ainda exigir a condenação dos criminosos de guerra. - 259

O Tribunal de Nuremberga inaugurou um tempo em que os estadistas e os militares podem ser


responsabilizados individualmente pelas suas ações em tempo de guerra. - 260

Walzer pretende evitar a predominância do jus ad bellum, ou seja, pretende evitar que um
Estado vítima de agressão, aproveitando uma vantagem militar, se possa sentir no direito de
promover ocupações injustas e de privar os agressores dos seus direitos individuais e coletivos.

As ocupações justas devem ser temporárias, não podem ocultar um programa de anexação
territorial ou de delapidação de recursos, pois os agressores mantêm o direito «a continuarem
a existir enquanto nações e, exceto em circunstâncias extremas, mantêm as prerrogativas
políticas da nacionalidade. - 260

2-O TERRORISMO - 260

Apesar de o terrorismo poder ser analisado à luz do realismo, do utilitarismo e do pacifismo,


centraremos a nossa atenção na teoria da guerra justa.

Muitas organizações terroristas lutam pela secessão e pela autonomia política de uma
determinada comunidade, ou ainda pela transformação da sociedade, tentando promover
ideais políticos ou religiosos. Neste sentido, e porque os membros das organizações terroristas
podem ser representantes das suas comunidades políticas, recorrendo à violência em nome
delas, é possível enquadrar o terrorismo nos princípios do jus ad bellum. - 261
59
Segundo Walzer, o terrorismo viola também o princípio da boa intenção, do último recurso, e
o da probabilidade de sucesso. Pela mesma razão, dificilmente se ajusta ao critério da justa
proporcionalidade. - 261

Mas as razões pelas quais o terrorismo é moralmente condenável prendem-se essencialmente


com os critérios do jus in bello. O terrorismo desrespeita o princípio da discriminação e por
isso é sempre injusto à luz da teoria da guerra justa. - 261

Para Walzer, o terrorismo é, pois, uma «estratégia civil» violenta que visa «aterrorizar
sistematicamente populações inteiras; o seu propósito é a destruição do moral de uma nação
ou de uma classe, o de minar a sua solidariedade». - 261

Segundo Walzer, o terrorismo assume duas outras faces: - 261

1. O terrorismo de Estado: um Estado exerce violência contra as suas populações civis;


2. O terrorismo de guerra: quando na guerra são atacadas as populações civis.

O método do terrorismo «é o homicídio aleatório de vítimas inocentes, e o efeito é o


sentimento de terror gerado pela vulnerabilidade geral. - 262

O terrorismo trata as suas vítimas como um meio e não como um fim em si mesmo. - 262

Walzer faz questão de distinguir o terrorismo dos assassinatos políticos, que embora possam
ser questionáveis, têm o mérito de discriminar os alvos, de distinguir entre os agentes
políticos, os militares, os apoiantes de regimes opressores e os cidadãos comuns. - 263

O terrorismo comprova os riscos da escala móbil. - 263

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