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Aula 09 – A ética do Utilitarismo e a dialética de Hegel

O debate político ganhava corpo pela crescente participação das massas operárias,
engendradas pelo processo de industrialização. Em razão das duras condições de
vida e trabalho nas indústrias, os operários se organizavam em sindicatos,
associações e movimentos de defesa mútua que, cada vez mais, combinavam suas
reivindicações específicas – maiores salários, melhores condições de trabalho – com
exigências políticas, sendo a principal delas o direito ao voto nas eleições
Para as elites inglesas, a nova situação provocava reações diversas. Muitos
consideravam que o movimento operário em ascensão era formado por baderneiros
mal-educados que deveriam ser reprimidos e confinados em locais específicos, desde
bairros operários segregados até workhouses – abrigos estatais, semelhantes a
prisões, onde se realizava trabalho pesado em troca de sustento.
Para outros membros das elites, a situação era moralmente condenável, uma vez que
a existência da pobreza e do desemprego criavam um mal-estar que afetava toda a
sociedade.
A partir daí, foi-se cristalizando a questão: é possível ser feliz vivendo em uma
sociedade em que existem muitos pobres?
Como lidar com a pobreza: oferecer assistência aos mais pobres ou combater os
próprios mecanismos que geram a pobreza na sociedade? E quanto às reivindicações
políticas?
O voto censitário, praticado até então, não seria – ainda que indiretamente – uma
forma de perpetuar a miséria, ao não oferecer participação política aos pobres?
Princípios do Utilitarismo
Pode-se encontrar as raízes filosóficas do utilitarismo no pensamento de John Locke
(1632--1704) e David Hume (1711-1776). Como vimos anteriormente, esses dois
grandes propositores do empirismo rejeitavam a metafísica e as grandes construções
teóricas que, em princípio, não se relacionassem diretamente com a realidade
material. Os utilitaristas também seguem esse princípio, mas atrelando-o
especificamente a questões morais.
Vejamos um exemplo clássico: para Kant, não mentir era um imperativo, ou seja, uma
obrigação a ser respeitada custe o que custar. Para os utilitaristas, a decisão sobre
dizer uma mentira ou não depende das consequências que tal ato provocará. Assim, a
ética utilitarista é consequencialista, em oposição à deontológica de Kant.
No consequencialismo, o valor dos atos é julgado pelas suas consequências. Então,
surge a pergunta: quais são as consequências desejáveis? A resposta para essa
pergunta é essencial, pois nos dará um critério a respeito de como agir. Para o
utilitarismo clássico, as ações morais (isto é, corretas) são aquelas que promovem
maior felicidade e bem-estar para o maior número possível de pessoas por mais
tempo.
Jeremy Bentham
Segundo Bentham, cada indivíduo age calculando o prazer e o desprazer que cada
ato seu proporcionará, elaborando uma verdadeira aritmética moral. A satisfação das
necessidades resulta em prazer, e o cálculo da felicidade geral de uma sociedade é
feito a partir da soma das felicidades individuais – ao que se subtraem as
infelicidades. A busca desse “coeficiente de felicidade” de uma sociedade é uma das
funções do governo.
Bentham descreveu um sistema político fundado em instituições que teriam como
objetivo promover o eficiente funcionamento da sociedade e a promoção da felicidade
geral de todos. Para preservar a felicidade, é necessário uma série de iniciativas, que
inclui o estabelecimento de normas e a instauração de uma vigilância constante sobre
os indivíduos, em nome da utilidade comum.
John Stuart Mill
John Stuart Mill lançou um olhar severamente crítico à sociedade industrial e às
promessas de prosperidade generalizada trazidas pela indústria. Ao mesmo tempo,
identificou ameaças às liberdades na criação de instituições de regulamentação e
vigilância da sociedade, bem como na ideia de frios “cálculos de felicidade” como
forma de administrar uma sociedade. As ameaças à liberdade tornariam impossível
atingir qualquer grau de felicidade.
O ponto de vista adotado por Stuart Mill é o do individualismo: a liberdade do coletivo
não pode massacrar as liberdades de cada um, somente por meio do respeito ao
indivíduo será possível atingir a felicidade de todos. Da mesma forma, o filósofo aceita
o princípio liberal que postula que o governo deve ser controlado pela sociedade, que
detém a soberania.
Temendo a mediocrização generalizada de uma sociedade controlada ou vigiada,
Stuart Mill defendia a ampliação das oportunidades como forma de criar novas elites
ou, em outras palavras, uma maior democratização da sociedade, inclusive por meio
da ampliação dos direitos de participação política.
O pensamento de Hegel
Hegel foi o criador do último grande sistema filosófico da Filosofia moderna. Um
conhecimento sólido e verdadeiro só seria possível levando-se em consideração a
historicidade, isto é, o lugar que cada sistema de ideias ocupa na história do
progresso do pensamento. Isso significa que uma corrente filosófica não deve ser
superada ou desmentida por outra que surge posteriormente. As diversas correntes
ou sistemas filosóficos expressam momentos diferentes da evolução do espírito ao
longo da História. Para Hegel, o movimento da História (isto é, as mudanças que
ocorrem ao longo do tempo) é essencial para o entendimento não apenas dos
acontecimentos, mas da formação e do desenvolvimento da consciência humana.
Para analisar esse movimento constante, Hegel desenvolveu o método dialético de
pensamento. O uso da palavra “dialética” aqui é diferente do uso anterior, comum
desde a filosofia grega. Para os gregos, a partir de Sócrates, dialética era um método
argumentativo, desenvolvido pelo diálogo, enfatizando perguntas e respostas. Para
Hegel, a dialética é uma lei do universo, que atua tanto no plano das ideias quanto na
natureza e na História.
o método dialético parte da constatação de que o mundo das ideias está em
constante mudança, e essas mudanças ocorrem necessariamente seguindo um ciclo
de três etapas.
Em primeiro lugar, identifica-se a afirmação de uma tese, expressa como a afirmação
de um pensamento original. Uma vez enunciada a tese, criam-se condições para que
seja pensada uma antítese, isto é, o seu oposto, que ao mesmo tempo se afasta e
nega a tese. Do choque entre a tese e antítese, surge um novo pensamento, a
síntese, que traz em si elementos tanto da tese quanto da antítese, conciliando-os. A
síntese não é uma simples justaposição: é uma ideia nova, uma nova unificação, uma
nova afirmação.
Uma vez enunciada a síntese, criam-se condições para que seja pensado o seu
oposto, ou seja, ela vai ser a tese de uma nova antítese, que, por sua vez, vai gerar
uma nova síntese e assim por diante. Estamos aqui diante do movimento do
pensamento, que, segundo Hegel, apresenta-se em evolução constante. A filosofia de
Hegel é uma filosofia do devir, ou seja, do “tornar-se”, levando em consideração esse
movimento constante que afeta natureza, pensamento, História, arte, religião e lógica.

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