Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SUMÁRIO
2 EXISTENCIALISMO ................................................................................... 4
3 Origem ........................................................................................................ 5
4 Fé e existencialismo ................................................................................... 7
6 HEGEL ...................................................................................................... 12
9 BILIOGRAFIA ........................................................................................... 19
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 48
1
1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO UTILITARISMO
Fonte: www.cursinhoparamedicina.com.br
Fonte: www.mensagenscomamor.com
2 EXISTENCIALISMO
4
3 ORIGEM
Fonte: pt.slideshare.net
História do Existencialismo
5
guerras locais e duas guerras mundiais, algumas pessoas na Europa foram forçadas
a concluir que a vida é inerentemente miserável e irracional. Heidegger e Kierkegaard
foram os pioneiros neste debate sobre a crise da existência humana. Hoje, o
existencialismo não morreu de fato, pelo contrário, continua a produzir, quer na
filosofia, quer na literatura, no cinema, ou até na ideologia de vida.
3.1 Temáticas
6
4 FÉ E EXISTENCIALISMO
Fonte: oseminario.webnode.com.br
7
você sempre vai se deteriorar e morrer. Muitos existencialistas acreditam que a grande
vitória do indivíduo é perceber o absurdo da vida e aceitá-la. Resumindo, você vive
uma vida miserável, pela qual você pode ou não ser recompensado por uma força
maior. Se essa força existe, por que os homens sofrem? Se não existe, por que não
cometer suicídio e encurtar seu sofrimento? Essas questões apenas insinuam a
complexidade do pensamento existencialista.
É um conceito da corrente filosófica existencialista. A frase foi primeiramente
formulada por Jean-Paul Sartre, e é um dos princípios fundamentais do
existencialismo.
O indivíduo, no princípio, somente tem a existência comprovada. Com o passar
do tempo ele incorpora a essência em seu ser. Não existe uma essência pré-
determinada.
Com esta frase, os existencialistas rejeitam a ideia de que há no ser humano
uma alma imutável, desde os primórdios da existência até a morte. Esta essência será
adquirida através da sua existência. O indivíduo por si só define a sua realidade.
Em 1946, no "Club Maintenant" em Paris, Jean Paul Sartre pronuncia uma
conferência, que se tornou um opúsculo com o nome de "O Existencialismo é um
Humanismo". Nele, ele explica a frase, desta forma: "... se Deus não existe, há pelo
menos um ser, no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de
poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz
Heidegger, a realidade humana. Que significa então que a existência precede a
essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no
mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se
não é definível, é porque primeiramente é nada. Só depois será, e será tal como a si
próprio se fizer.”
4.1 Liberdade
9
5 O INDIVÍDUO VERSUS A SOCIEDADE
Martin Heidegger
Jean-Paul Sartre
Søren Kierkegaard
Edmund Husserl
Friedrich Nietzsche
Arthur Schopenhauer
Martin Buber
Fonte: www.escritas.org
11
6 HEGEL
Fonte: www.benitopepe.com.br
12
espírito (1808) e sistematizar na Ciência da lógica (1812), duas monumentais obras
do pensamento ocidental.
Com a ocupação da cidade e o fechamento da universidade pelas tropas de
Napoleão, Hegel foi para Bamberg trabalhar como editor. Mais tarde passou a ocupar
a cátedra de filosofia da Universidade de Heildelberg.
Fascinado pelas obras de Spinoza e Kant, Hegel é considerado por muitos o
maior representante do idealismo alemão do século XIX, e teve impacto profundo no
materialismo histórico de Karl Marx e em toda filosofia do século XX.
Em Berlim publicou seu mais importante trabalho de filosofia política, Elementos da
filosofia do direito (1821), marcando profundamente o pensamento político europeu
durante todo o século XIX e XX.
Assumiu a direção de um jornal, o Bamberger Zeitung, mas depois de um ano
foi forçado a partir por causas das guerras napoleônicas, voltando à filosofia, como
reitor do Aegidiengymnasium, em Nuremberg. Casou-se (1811) com Marie von Tucher
e começou a trabalhar em sua obra Science of Logic (1812-1816). Com ela teve dois
filhos, sendo que o mais velho tornou-se um excelente historiador.
O sucesso desse trabalho deu-lhe um contrato como professor pela
Universidade de Heidelberg (1816-1818) que deixou para substituir Fichte na
Universidade de Berlim (1818), onde lecionou pelo resto da vida, tornando seus cursos
uma referência em todas as partes da Europa. Também escreveu sobre psicologia,
direito, história, artes e religião e, depois de sua morte, vítima de uma epidemia de
cólera, foram publicadas várias coletâneas de aulas sobre religião, estética e história
da filosofia, e morreu em Berlim.
6.1 Frases
7 PENSAMENTO DE HEGEL
Fonte: ficus.pntic.mec.es
14
O sistema de Hegel é assim um monismo espiritual, ou seja, um monismo no
qual a diferenciação é essencial. Somente através da experiência pode a identidade
do pensamento e o objeto do pensamento serem alcançados, uma identidade na qual
o pensar alcança a inteligibilidade progressiva que é seu objetivo. Assim, a verdade é
conhecida somente porque o erro foi experimentado e a verdade triunfou; e Deus é
infinito apenas porque ele assumiu os limitações de finitude e triunfou sobre elas.
Similarmente, a queda do homem era necessária se ele devia atingir a bondade moral.
O espírito, incluindo o Espírito infinito, conhece a si mesmo como espírito somente por
contraste com a natureza.
O sistema de Hegel é monista pelo fato de ter um tema único: o que faz o
universo inteligível é vê-lo como o eterno processo cíclico pelo qual o Espírito Absoluto
vem a conhecer a si próprio como espírito (1) através de seu próprio pensamento; (2)
através da natureza; e (3) através dos espíritos finitos e suas auto-expressões na
história e sua auto- descoberta, na arte, na religião, e na filosofia, como Um com o
próprio Espírito Absoluto.
O compêndio do sistema de Hegel, a “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”,
é dividida em três partes: Lógica, Natureza e Espírito. O método de exposição é
dialético. Acontece com frequência que em uma discussão, duas pessoas que a
princípio apresentam pontos de vista diametralmente opostos depois concordam em
rejeitar suas visões parciais próprias, e aceitar uma visão nova e mais ampla que faz
justiça à substância de cada uma das precedentes. Hegel acreditava que o
pensamento sempre procede deste modo: começa por lançar uma tese positiva que
é negada imediatamente pela sua antítese; então um pensamento seguinte produz a
síntese. Mas esta síntese, por sua vez, gera outra antítese, e o mesmo processo
continua uma vez mais. O processo, no entanto, é circular: ao final, o pensamento
alcança uma síntese que é igual ao ponto de partida, exceto pelo fato de que tudo que
estava implícito ali foi agora tornado explícito, tudo que estava oculto no ponto inicial
foi revelado.
Assim o pensamento propriamente, como processo, tem a negatividade como
um de seus momentos constituintes, e o finito é, como a auto- manifestação de Deus,
parte e parcela do infinito mesmo. O sistema de Hegel dá conta desse processo
dialético em três fases.
15
O sistema começa dando conta do pensamento de Deus “antes da criação da
natureza e do espírito finito”, isto é, com as categorias ou formas puras de
pensamento, que são a estrutura de toda vida física e intelectual. Todo o tempo, Hegel
está lidando com essencialidades puras, com o espírito pensando sua própria
essência; e estas são ligadas juntas em um processo dialético que avança do abstrato
para o concreto.
Se um homem tenta pensar a noção de um ser puro (a mais abstrata categoria
de todas), ele encontra que ela é apenas o vazio, isto é, nada. No entanto, o nada “é”.
A noção de ser puro e a noção de nada são opostas; e no entanto cada uma, quando
alguém tenta pensá-la, passa imediatamente para a outra. Mas o caminho para sair
dessa contradição é de imediato rejeitar ambas as noções separadamente e afirmá-
las juntas, isto é, afirmar a noção do vir a ser, uma vez que o que ambas vem a ser é
e não é ao mesmo tempo. O processo dialético avança através de categoria de
crescente complexidade e culmina com a ideia absoluta, ou com o espírito como
objetivo para si mesmo.
Fonte: www.salon.com
16
Economista, filósofo e socialista alemão, Karl Marx nasceu em Trier em 5 de
Maio de 1818 e morreu em Londres a 14 de Março de 1883. Estudou na universidade
de Berlim, principalmente a filosofia hegeliana, e formou-se em Iena, em 1841, com a
tese Sobre as diferenças da filosofia da natureza de Demócrito e de Epicuro. Em 1842
assumiu a chefia da redação do Jornal Renano em Colônia, onde seus artigos radical-
democratas irritaram as autoridades. Em 1843, mudou-se para Paris, editando em
1844 o primeiro volume dos Anais Germânico-Franceses, órgão principal dos
hegelianos da esquerda. Entretanto, rompeu logo com os líderes deste movimento,
Bruno Bauer e Ruge.
Em 1844, conheceu em Paris Friedrich Engels, começo de uma amizade íntima
durante a vida toda. Foi, no ano seguinte, expulso da França, radicando-se em
Bruxelas e participando de organizações clandestinas de operários e exilados. Ao
mesmo tempo em que na França estourou a revolução, em 24 de fevereiro de 1848,
Marx e Engels publicaram o folheto O Manifesto Comunista, primeiro esboço da teoria
revolucionária que, mais tarde, seria chamada marxista. Voltou para Paris, mas
assumiu logo a chefia do Novo Jornal Renano em colônia, primeiro jornal diário
francamente socialista.
Depois da derrota de todos os movimentos revolucionários na Europa e o
fechamento do jornal, cujos redatores foram denunciados e processados, Marx foi
para Paris e daí expulso, para Londres, onde fixou residência. Em Londres, dedicou-
se a vastos estudos econômicos e históricos, sendo frequentador assíduo da sala de
leituras do British Museum. Escrevia artigos para jornais norte-americanos, sobre
política exterior, mas sua situação material esteve sempre muito precária. Foi
generosamente ajudado por Engels, que vivia em Manchester em boas condições
financeiras.
Em 1864, Marx foi co-fundador da Associação Internacional dos Operários,
depois chamada I Internacional, desempenhando dominante papel de direção. Em
1867 publicou o primeiro volume da sua obra principal, O Capital. Dentro da I
Internacional encontrou Marx a oposição tenaz dos anarquistas, liderados por
Bakunin, e em 1872, no Congresso de Haia, a associação foi praticamente dissolvida.
Em compensação, Marx podia patrocinar a fundação, em 1875, do Partido Social-
Democrático alemão, que foi, porém, logo depois, proibido. Não viveu bastante para
17
assistir às vitórias eleitorais deste partido e de outros agrupamentos socialistas da
Europa.
8 PRIMEIROS TRABALHOS
18
Em 1867 publicou Marx o primeiro volume de sua obra mais importante: O
Capital. É um livro principalmente econômico, resultado dos estudos no British
Museum, tratando da teoria do valor, da mais-valia, da acumulação do capital etc.
Marx reuniu documentação imensa para continuar esse volume, mas não chegou a
publicá-lo. Os volumes II e III de O Capital foram editados por Engels, em 1885 e em
1894. Outros textos foram publicados por Karl Kautsky como volume IV (1904-10).
9 BILIOGRAFIA
19
10 LEITURA COMPLEMENTAR
Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/%0D/ccedes/v24n64/22836.pdf
SIMONE GALLINA
RESUMO: Ao pensar as linhas e os traçados do ensino em filosofia, tem-se que levar em conta que
esta atividade pedagógica deve se constituir numa atividade filosófica e, ainda dependendo da
concepção de atividade filosófica, que devemos modificar significativamente a própria concepção do
que consiste o ensino e a aprendizagem em filosofia. Neste sentido, torna-se importante esclarecer em
que consiste a atividade filosófica para se mapear os territórios do ensino em filosofia. Tarefa esta que
nos propomos a partir da contribuição do filósofo francês Gilles Deleuze, o qual, em seus inúmeros
escritos, afirma que a atividade do filósofo implica uma dimensão de criação: criação de conceitos.
ABSTRACT: When thinking the lines and tracings in philosophy teaching, it should take into
consideration that this pedagogical activity should be constituted in a philosophical activity and, still
depending on the conception of the philosophical activity, we will change significantly the proper
conception of what consists the teaching and the learning of philosophy. In this sense, it is important to
clarify what consists the philosophical activity to outline the territories of teaching of philosophy. We
propose this task considering the contribution of the French philosopher Gilles Deleuze who, in his
innumerable writings, affirms that the activity of the philosopher implies a dimension of creation: creation
of concepts.
20
A ausência de clareza acerca do ensino de filosofia resulta da atribuição de
uma certa primazia do que convencionamos chamar de temas próprios da atividade
filosófica. Ao que parece, não são somente os conteúdos empregados no ensino de
filosofia que a constituem como atividade filosófica, mas, antes, o que a torna uma tal
atividade propriamente filosófica. Convém observar que ao dizermos isso não
estamos querendo negar a pertinência da didática, mas tão-somente que ela depende,
em última instância, da delimitação daquilo que consiste propriamente no ensino de
filosofia como atividade filosófica.
Na década de 1980 ocorreram intensos debates sobre o ensino de filosofia, os
quais são importantes na medida em que nos mostram não somente o que pensam
os filósofos brasileiros sobre a filosofia e o seu ensino, mas também a sua influência
às futuras gerações de professores de filosofia. Um bom exemplo pode ser encontrado
no livro intitulado O ensino da filosofia no 2°grau, organizado em 1986 por Henrique
Nielsen Neto. Nele podemos observar que, para alguns filósofos, o ensino de filosofia
deve ser orientado tanto pelo estudo da história da filosofia quanto pela discussão dos
temas filosóficos concernentes ao cotidiano. Propõe-se também que a disciplina seja
pensada mediante atividades de exposição temática e discussão sobre tais temas,
perfazendo o percurso que vai desde a filosofia antiga até as questões da filosofia
contemporânea. Nesse mesmo livro também encontramos argumentos em defesa de
temas específicos a serem ensinados. Certamente essa abordagem do ensino de
filosofia, como estritamente vinculado à escolha dos conteúdos, está mais preocupada
com as concepções individuais dos professores da disciplina no ensino médio,
estabelecendo assim uma espécie de programa mínimo para o ensino de filosofia.
Objetivo que também fica manifesto nos manuais didáticos, nos quais frequentemente
lemos que o ensino de filosofia requer uma visita ao mundo da filosofia e aos
conteúdos que nele se encontram.
Por um lado, a amplitude e abrangência do que pode servir de tema para o
ensino de filosofia, conforme se pode perceber nas propostas acima mencionadas,
mostram que não se pode determinar a priori o que irá servir como conteúdo para o
ensino de filosofia. Por outro, a determinação dos temas não assegura que a atividade
desenvolvida pelo professor de filosofia seja uma atividade propriamente filosófica.
21
Mesmo que as propostas temáticas representem a tradição filosófica e mesmo
que a escolha dos temas seja oriunda de uma decisão pautada por critérios filosóficos,
ainda assim, apoiar o ensino de filosofia na história da filosofia, como fonte de
problemas e de soluções, pode resultar numa atividade que perde de vista uma
condição inerente à atividade do filósofo: a criação conceitual, o nascimento do novo:
A maior parte do tempo, quando me colocam uma questão, mesmo que ela
me interesse, percebo que não tenho estritamente nada a dizer. As questões
são fabricadas, como outra coisa qualquer. Se não deixam que você fabrique
suas questões, com elementos vindos de toda parte, de qualquer lugar, se as
colocam a você, não tem muito o que dizer. A arte de construir um problema
é muito importante: inventa-se um problema, uma posição de problema, antes
de se encontrar a solução. (Deleuze & Parnet, 1998, p. 9)
Os agenciamentos da leitura
A boa maneira para se ler hoje, porém, é a de conseguir tratar um livro como
se escuta um disco, como se vê um filme ou um programa de televisão, como
se recebe uma canção: qualquer tratamento do livro que reclamasse para ele
um respeito especial, uma atenção de outro tipo, vem de outra época e
condena definitivamente o livro. Não há questão alguma de dificuldade nem
de compreensão: os conceitos são exatamente como sons, cores ou
imagens, são intensidades que lhes convêm ou não, que passam ou não
passam. (...) Gostaria de dizer que é um estilo (...). É um agenciamento, um
agenciamento de enunciação. Conseguir gaguejar em sua própria língua, é
isso um estilo. É difícil porque é preciso que haja necessidade de tal gagueira.
Ser gago não em sua fala, e sim ser gago da própria linguagem. Ser como
um estrangeiro em sua própria língua. Traçar uma linha de fuga. (Deleuze &
Parnet, 1998, p. 11-12)
Talvez seja justamente essa maneira de ler os livros, como uma espécie de
língua estrangeira, que tenha atraído a atenção de Deleuze para a obra de Proust. A
25
maneira como Proust se refere à leitura de um livro, a partir do qual os contrassensos
criam uma língua no interior da língua, obrigam o leitor a usar o livro e a saber lidar
com as linhas de fuga que lhe são inerentes. Porém, esse agenciamento da leitura
nos coloca um problema com relação ao ensino da filosofia na medida em que o
pensamos como uma atividade de leitura regrada por um método. Da proposta
anterior sobre a leitura, segundo o que foi afirmado nas metas e nos resultados, pode-
se inferir que nos textos dos filósofos se encontram verdades, cujo acesso depende
do esforço de compreensão e da utilização correta do método. Mesmo que a autora
não tenha afirmado e sequer feito menção a esta questão, a possibilidade de uma tal
inferência nos remeteria a um outro problema implicado na utilização do método de
leitura, ou seja, que a atividade filosófica consiste em descobrir verdades escondidas
nos textos. Sobre esta questão a referência de Deleuze a Proust é muito relevante:
Por um lado, dizer que existem verdades nos textos filosóficos parece ser um
bom pressuposto para requerer um método que permita encontrá-las, por outro, isso
se torna tão problemático quanto afirmar que existem textos verdadeiros e,
consequentemente, outros que seriam falsos. Neste sentido, não há por que
reivindicar a pertinência de um método para se alcançar a verdade. Isso somente tem
sentido para aqueles que, a partir de uma imagem do pensamento como cogitatio
natura universalis, pensam que a filosofia tende naturalmente para o verdadeiro. A
filosofia não requer uma boa vontade do pensador e uma natureza reta do
pensamento, sequer decisão e método, porque não é a verdade e sim o interesse que
serve de inspiração para a filosofia e para o fazer filosófico.
26
Deleuze critica a concepção da história da filosofia como imagem do
transcendente, como se a história da filosofia pudesse ser comparada com um retrato.
Para ele, esta concepção opera por decalques, por estagnação do fluxo das
intensidades, concebendo a filosofia como uma busca de verdades, apoiando-se
numa imagem do pensamento cujos pressupostos são morais. A ideia de uma
cogitatio natura universalis confere ao pensamento uma natureza boa e,
consequentemente, o pensador é dotado de uma boa vontade que lhe permite
alcançar o verdadeiro (Cf. Deleuze, 1988, p. 215-235). Deleuze atribui esta imagem
do pensamento ao modelo da recognição. Um modelo que orienta a análise do que
significa o pensar, e que tem na teoria da representação seu apogeu, mais
precisamente numa teoria para a qual a identidade do objeto está fundada na unidade
do sujeito pensante e na relação de concordância das suas faculdades, dos seus
modos.
O problema com esta imagem do pensamento é que ela perde de vista a
diferença e a repetição em si mesmas, fazendo com que o objeto, o que é signo para
a alma, deixe de ser ou de suscitar um problema. O objeto acaba sendo o Mesmo, tal
como um retrato, e a filosofia, a arte de retratar. Contudo, na atividade filosófica “não
se trata de ‘fazer parecido’, isto é, de repetir o que o filósofo disse, mas de produzir a
semelhança, desnudando ao mesmo tempo o plano de imanência que ele instaurou e
os novos conceitos que criou” (Deleuze & Guattari, 1992, p. 74). A verdade dos
escritos e mesmo do próprio pensamento está pressuposta na possibilidade da
criação de conceitos filosóficos, ela é somente o que o pensamento cria, pois o
pensamento é criação. Ora, se “a filosofia supõe enunciados diretos e significações
explícitas saídos de um espírito que quer a verdade”, então “erramos quando
acreditamos na verdade: só há interpretações” (Deleuze, 2003, p. 86). Com isso,
Deleuze afasta-se daqueles que, como os filósofos modernos, pressupõem uma
imagem do pensamento.
Talvez esta seja a razão para que Deleuze insista na desconfiança filosófica
apregoada por Nietzsche, o qual aconselhava os filósofos a desconfiarem dos
conceitos que por eles mesmos não tivessem sido criados. Neste sentido se pode
compreender o quanto é imprescindível à atividade do filósofo uma relação com a
tradição filosófica de desconfiança, pois é a partir do território do dado que será
27
possível atualizar conceitos. Ou seja, fabricá-los e não somente “fazê-los reluzir” (Cf.
Deleuze & Guattari, 1992, p. 14). Mas isso nos põe em contato com uma das principais
características atribuídas à atividade do filósofo, qual seja, a condição de que no
conceito criado esteja implícita a singularidade daquele que o criou. Pois ao dizer que
“pensar e ser são uma só e mesma coisa” (idem, ibid., p. 54), afirma-se que o conceito
é sempre acompanhado de um estilo, de uma assinatura própria daquele que pensa
e cria um determinado conceito.
A atividade de criação do filósofo é um agenciamento que garante um registro
único, singular, perante a tradição filosófica. A capacidade para constituir ou inventar
problemas, cuja solução depende da multiplicidade de relações, das singularidades e,
sobretudo, depende da determinação das condições do próprio problema, é a
capacidade que torna possível o surgimento do filósofo. Ao problematizar, o filósofo
institui um plano de imanência, no qual a atividade filosófica criadora deixará de ser o
tipo de atividade que historicamente a ela tem sido atribuído, ou seja, que a atividade
própria do filósofo é a contemplação, reflexão, discussão ou comunicação. Tais
denominações podem ser invocadas pela ciência ou pela arte, mas jamais pela
filosofia, mesmo que esta mantenha uma condição de “vizinhança” com aquelas.
Poderíamos perguntar: Por que a filosofia é a única que produz conceitos? Por
não poder criar o Uno, “a filosofia faz surgir acontecimentos com seus conceitos”, ao
passo que “a arte ergue monumentos com suas sensações, a ciência constrói estados
de coisas com suas funções” (idem, ibid., p. 255). Os conceitos são cifras sem
preexistência e é isso que faz deles acontecimentos singulares. Acontecimentos
cifrados, garantia de uma temporalidade ao conceito que não se refere nem ao
passado, nem ao presente e muito menos ao futuro. Uma temporalidade que diz da
ordem do “adormecido”, em que o imprescindível para o conceito é poder fazer parte
de uma nova cena: “O acontecimento é talvez a figura contemporânea do álteron, do
que não pode ser integrado, nem identificado, nem compreendido, nem previsto.
Outras palavras que podem nomear também, ainda que de outro modo, o
acontecimento são, por exemplo, interrupção, novidade, catástrofe, surpresa,
começo, nascimento, milagre, revolução, criação, liberdade” (Larrosa, 2001, p. 282).
Contudo, será que podemos com esta noção de filosofia, como atividade criadora de
28
conceitos, afirmar que a tradição filosófica se constitui numa fonte de acontecimentos
importantes para o ensino da filosofia?
A condição atribuída ao conceito de ser um começo, um nascimento, uma
criação, uma novidade, traz consigo a necessidade de concebê-lo como pertencendo
ao domínio do porvir. Esta condição implica de antemão que qualquer contribuição da
tradição filosófica está intimamente relacionada com uma atividade cuja principal
característica seja a intensa criação. Uma atividade que permite surgir, a partir do
mesmo, a heterogeneidade, a diferença.
É possível darmos uma definição sobre a filosofia? Ou, podemos chegar a um
consenso sobre o que é a filosofia? Sim, mas desde que a verdade implicada nessa
definição não seja mais entendida no sentido da adequação ou correspondência, tal
como ocorre com a concepção do conhecimento em termos de representação. Mas,
ao mudarmos o referencial pelo qual se orienta a verdade, deixamos de pensar a
definição como indicador de essências ou de propriedades de coisas, como se dá no
conhecimento, passamos a pensá-la como comportando uma dimensão produtiva.
Neste sentido, podemos dizer que “a filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que
consiste em criar conceitos” (Deleuze & Guattari, 1992, p. 13). Com isso, a própria
definição do conceito sofre uma mudança, pois, se “a filosofia não é uma simples arte
de formar, de inventar ou de fabricar conceitos”, implica que os “conceitos não são
necessariamente formas, achados ou produtos” (idem, ibid., p. 13). O conceito é algo
criado e, como tal, implica uma habilidade que só ao filósofo pertence, uma atividade
à qual consiste propriamente o nome de filosofia.
Nunca se sabe de antemão como alguém vai aprender – que amores tornam
alguém bom em Latim, por meio de que encontros se é filósofo, em que
dicionários se aprende a pensar (...). Não há método para encontrar tesouros
nem para aprender, mas um violento adestramento, uma cultura ou uma
paideia que percorre inteiramente todo o indivíduo (um albino em que nasce
o ato de sentir na sensibilidade, um afásico em que nasce a fala na
linguagem, um acéfalo em que nasce pensar no pensamento). (Deleuze,
1988, p. 270)
Referências bibliográficas
DELEUZE, G.; PARNET, C. Diálogos. Trad. de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo:
Escuta, 1998.
31
DELEUZE, G. Diferença e repetição. Tradução de Luiz Orlandi e Roberto Machado.
Rio de Janeiro: Graal, 1988.
NIELSEN NETO, H. (Org.). O ensino da filosofia no 2º grau. São Paulo: Sofia, 1986.
32
12 LEITURA COMPLEMENTAR
Sílvio Gallo1
Eu sou trezentos...
Mário de Andrade
(7-VI-1929)
1
Professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Pesquisador do CNPq.
Coordenador do DiS – Grupo de Estudos e Pesquisas Diferenças e Subjetividades em Educação – FE-Unicamp.
33
A educação é, necessariamente, um empreendimento coletivo. Para educar –
e para ser educado – é necessário que haja ao menos duas singularidades em
contato. Educação é encontro de singularidades. Se quisermos falar
espinosanamente, há os bons encontros, que aumentam minha potência de pensar e
agir – o que o filósofo chama de alegria – e há os maus encontros, que diminuem
minha potência de pensar e agir – o que ele chama de tristeza. A educação pode
promover encontros alegres e encontros tristes, mas sempre encontros.
Por esta razão, o tema do outro é um dos grandes problemas a serem pensados
pela educação. A questão é saber se, quando falamos em alteridade na educação,
estamos, de fato, falando no outro e na possibilidade de encontros, ou se estamos
falando do mesmo, e sempre da redução ao mesmo, portanto sem qualquer
possibilidade de encontro.
Minha pretensão é a de explorar aqui, ao menos de maneira inicial, duas
perspectivas filosóficas distintas em relação à alteridade, à percepção do outro: • O
outro tomado como representação, que redunda que o outro nada mais é do que o
mesmo;
• O outro tomado enquanto tal, por si mesmo – o que significa pensar o outro
como diferença.
E, a partir dessas perspectivas distintas, propor questões sobre como
tematizamos o outro no campo da educação.
A filosofia moderna foi marcada pela célebre verdade indubitável de René
Descartes: eu penso, eu sou, que deriva para eu sou uma coisa que pensa.2 Quem –
ou o que – é o outro, no sistema cartesiano? Ora, o outro é um produto de meu
pensamento, assim como todas as outras coisas das quais posso ter certeza racional.
Isto significa dizer que penso, tematizo, concebo o outro sempre na
interioridade de meu ser, na interioridade de meu pensamento. O outro é um conceito,
um efeito do pensamento. O outro de que falo é uma representação; isto é, não
2
Conferir, do autor, as Meditações concernentes à Primeira Filosofia e o Discurso do Método. 2 Em tradução
livre, sem qualquer pretensão literária:
“GARCIN: – O bronze... (Ele o acaricia.) E assim, eis o momento. O bronze está aqui, eu o contemplo e compreendo
que estou no inferno. Eu vos digo que tudo foi previsto. Eles previram que eu me deteria diante desta lareira,
pressionando minha mão sobre este bronze, com todos estes olhares sobre mim. Todos estes olhares que me
devoram... (Ele se vira bruscamente.) Ah! Vocês são apenas dois? Eu os imaginava
34
tematizo o outro enquanto outro, alteridade absoluta, mas o tematizo como um efeito
de meu próprio pensamento.
Em outras palavras, no âmbito de uma filosofia da representação, como é a
filosofia cartesiana e toda a filosofia hegemônica, desde suas origens até nossos dias,
o outro não passa de algo que eu mesmo crio, no pensamento. O outro sou eu mesmo.
No século XX, a tematização do outro ganhou destaque na filosofia, em
especial na perspectiva da fenomenologia existencial. Deter-me-ei em apenas um
autor: justamente aquele que afirmou que “o inferno são os outros”, Jean-Paul Sartre.2
Para Sartre, eu sempre sou para o outro. Se, para o cartesianismo, que
inaugurou na modernidade uma “filosofia da consciência”, a chave estava na
interioridade, para a fenomenologia a chave está na exterioridade. Explico: Descartes
estabeleceu sua “cadeia de verdades” como exercício de pensamento dedutivo.
Exercendo o mecanismo da dúvida sobre tudo o que há e que se conhece, descobriu
na interioridade da consciência a certeza da existência, pelo exercício do pensamento.
E tudo o mais foi deduzido desta “verdade originária”. Na fenomenologia, por outro
lado, a consciência se percebe no ato de perceber o outro – um objeto, uma coisa,
outra consciência. O primeiro movimento é para fora: a percepção do mundo; nesta
percepção, a consciência se percebe percebendo e, só então, volta-se para a
interioridade, em busca de seu ser. Mas, para a fenomenologia – e para Sartre, em
especial – não há interioridade da consciência: ela consiste justamente neste ato de
sair de si para perceber o outro. A consciência – que Sartre, hegelianamente,
chamada de Para-Si, enquanto o corpo, os objetos físicos são o Em-Si –, portanto, é
essencialmente a relação com o outro.
As coisas se invertem. Se, no cartesianismo, o outro era uma função do eu, da
consciência – um conceito, como afirmei antes – na fenomenologia de Sartre o eu é
uma função do outro. A consciência descobre-se a si mesma olhando o outro;
descobre-se presa do outro, descobre-se objetivada pelo outro. Que resta, então, de
mim e de minha liberdade, se o outro me captura, se é o outro quem, mais do que eu,
sabe quem sou? É neste sentido que Sartre afirma que o outro sempre leva vantagem
sobre o eu: ...o outro me olha e, como tal, detém o segredo de meu ser e sabe o que
sou; assim, o sentido profundo de meu ser acha-se fora de mim, aprisionado em uma
35
ausência; o outro leva vantagem sobre mim /.../ Sou experiência do outro: eis o fato
originário. (SARTRE, 1999, p. 453).
Assim, na filosofia sartriana o outro tem um destaque imensamente maior que
na filosofia cartesiana, uma vez que é apenas através do outro que uma consciência
– um eu – pode vir a ser. Mas isto está longe de significar uma positivação do outro;
como já vimos, o outro é o inferno. E o é justamente porque a relação com o outro é
sempre conflituosa. Acompanhemos o raciocínio do filósofo a este respeito:
muito mais numerosos. (Ele ri.) Bem, isto é o inferno. Eu jamais teria
acreditado... Vocês se lembram: o enxofre, a fogueira, a grelha... Ah, que
piada. Não há necessidade de grelha: o inferno são os Outros.” (Sartre, 1991,
p. 93).
Tudo o que vale para mim vale para o outro. Enquanto tento livrar-me do
domínio do outro, o outro tenta livrar-se do meu; enquanto procuro subjugar
o outro, o outro procura me subjugar. Não se trata aqui, de modo algum, de
relações unilaterais com um objeto-Em-si, mas sim de relações recíprocas e
moventes. As descrições que se seguem devem ser encaradas, portanto,
pela perspectiva do conflito. O conflito é o sentido originário do ser-Para-
outro. (SARTRE, 1999, p. 454).
Sou possuído pelo outro; o olhar do outro modela meu corpo em sua nudez,
causa seu nascer, o esculpe, o produz como é, o vê como jamais o verei. O
outro detém um segredo: o segredo do que sou. Faz-me ser e, por isso
mesmo, possuime, e esta possessão nada mais é que a consciência de meu
possuir. E eu, no reconhecimento de minha objetividade, tenho a experiência
de que ele detém esta consciência. A título de consciência, o outro é para
mim aquele que roubou meu ser e, ao mesmo tempo, aquele que faz com
que “haja” um ser, que é o meu. (SARTRE, 1999, p. 454-455).
36
de resolver o conflito da relação do eu com o outro. Ao contrário, o que faz cada uma
destas atitudes é reforçar a contradição e o conflito desta relação.
A questão básica do conflito é que a “aceitação” do outro significa o
apagamento de minha subjetividade. Na medida em que a consciência não encontra
em sua interioridade – a subjetividade absoluta, em registro cartesiano – o fundamento
de seu ser, sua identidade, ela vai encontrá-la projetada no reconhecimento pelo
outro. É na captura que o outro faz da consciência que esta se descobre idêntica a si
mesma; mas, a descoberta da identidade está, então, na objetificação. Um “eu” ó pode
ser idêntico a si mesmo quando reconhecido, capturado por um “outro”. Só que, em
tal captura, a subjetividade do eu torna-se objetividade para o outro.
Se quisermos recolocar a questão em outros termos, trata-se de um conflito
de liberdades. A consciência sabe-se livre, ser de abertura e de escolhas; no entanto,
quando capturada pelo outro, torna-se presa da liberdade do outro. Instaura-se um
conflito de liberdades, a do “eu” e a do “outro”, que são inconciliáveis. Este conflito
gera a atitude de ódio para com o outro. E Sartre afirma que, quando odeio o outro,
condenso neste ódio minha aversão a todos os outros que não eu: o desejo de
suprimir o outro é o desejo de eliminar todos os outros, de forma que eu possa ser
suprema e plenamente livre, sem nada nem ninguém que possa limitar meus desejos
e minhas ações:
37
atenção; ajo como se estivesse sozinho no mundo; toco de leve “pessoas”
como toco de leve paredes; evito-as como evito obstáculos; sua liberdade-
objeto não passa para mim de seu “coeficiente de adversidade”; sequer
imagino que possam me olhar. Sem dúvida, têm algum conhecimento de
mim, mas este conhecimento não me atinge: são puras modificações de seu
ser que não passam deles para mim e estão contaminadas pelo que
denominamos “subjetividade padecida” ou
“subjetividade-objeto”, ou seja, traduzem o que eles são, não o que eu sou, e
consistem no efeito de minha ação sobre eles. Essas “pessoas” são funções:
o bilheteiro nada mais é que a função de coletar ingressos; o garçom nada
mais é que a função de servir os fregueses /.../ Em tal estado de cegueira,
ignoro concorrentemente a subjetividade absoluta do outro enquanto
fundamento de meu ser-Em-si e de meu ser-Para-outro, em particular de meu
“corpo Para-outro”. (SARTRE, 1999, p. 474).
... uma educação severa trata a criança como instrumento, pois tenta
submetê-la pela força a valores que ela não aceitou; mas uma educação
liberal, mesmo utilizando outros procedimentos, também não deixa de fazer
uma escolha a priori de princípios e valores, em nome dos quais a criança
será tratada. Tratar a criança por persuasão e candura não significa coagi-la
menos. Assim, o respeito à liberdade do outro é uma palavra vã: ainda que
pudéssemos projetar respeitar esta liberdade, cada atitude que tomássemos
com relação ao outro seria uma violação desta liberdade que pretendíamos
respeitar. A atitude extrema, que seria a total indiferença frente ao outro,
tampouco é uma solução: estamos já lançados no mundo diante do outro;
nosso surgimento é livre limitação de sua liberdade, e nada, sequer o suicídio,
pode modificar esta situação originária; quaisquer que sejam nossos atos,
com efeito, cumprimo-los em um mundo onde já há o outro e onde sou
supérfluo com relação ao outro. (SARTRE, 1999, p. 508).
40
É chegada a hora de perguntar: será possível pensar o outro de maneira
diversa, não como representação? Sim, é possível pensar o outro como diferença,
como já foi afirmado no início.
Alguns filósofos franceses contemporâneos, e dentre eles destaco – por
afinidades eletivas – Deleuze e Foucault, empenharam-se em pensar uma “filosofia
da diferença”, que parte do princípio da multiplicidade e não da unidade. A filosofia da
representação, desde Platão, passando por Descartes e atravessando a filosofia
moderna, remete sempre à unidade. Daí sua dificuldade de lidar com o outro enquanto
outro, pois no limite tudo o que há se reduz ao Uno. A filosofia da diferença recusa o
Uno e pensa o mundo como múltiplo. E, assim, o outro ganha novo sentido.
Um conceito importante para Deleuze e Foucault é o de fora ou de exterior,
como forma de reagir a uma filosofia da consciência que remete à interioridade do
sujeito. Em um ensaio de 1966, dedicado à obra de Maurice Blanchot, Foucault
identificou a exterioridade com a linguagem:
3
Na canção Mar Deserto, que está no CD Moska e Quarteto Móbile – Eu Falso da Minha Vida o que Eu Quiser. EMI
Music, 2001.
42
formas e funções humanas para realizar tarefas perigosas ou estafantes. Mas a
tecnologia é tão boa que, de tanto repetir a forma humana, gera a diferença: andróides
da série Nexus são tão perfeitamente humanos que sentem emoções e têm sua
individualidade, personalidade própria. A “certeza de si” é dada pelo implante de
memórias de uma infância e de uma família que eles não tiverem. Mas, para que não
fujam ao controle, tornando-se talvez além-homens, mais humanos que os próprios
humanos, são programados para morrer em cinco anos. Acontece que um grupo deles
descobre isto e sai em busca de seu criador, para garantir a continuidade da vida.
Nada mais humano. Os replicantes não são representações; são o outro, embora
aparentemente iguais. Ou seja, os replicantes, repetições da forma humana, são a
própria diferença, este outro que nos apavora e que pode ser qualquer um a nossa
volta. Aí entra Deckard, o “caçador”, para eliminá-los. A tensão da história é dada pelo
fato de que ele se apaixona por Rachel, uma replicante que ele quase não consegue
identificar, e pelo fato de que ele próprio já não sabe se é, de fato, humano, ou também
um replicante.
A questão que se impõe: como conviver com este absoluto outro que,
aparentemente é o mesmo, mas que não pode ser reduzido ao mesmo?
Seria possível falarmos em uma “política da diferença”, em uma “política do
outro”? No contexto do pensamento comum, do pensamento do pensamento, isto
pareceria ridículo: é óbvio que a política trata da diferença e do outro; ela é justamente
a arte de administrar as diferenças – as alteridades – em um projeto comum. Assim,
a democracia, o ícone da política moderna, consiste na tolerância para com o outro,
na produção do consenso, através do diálogo e não do conflito.
Visitemos então um outro filósofo francês contemporâneo, Jacques Rancière,
que tem trabalhado a idéia de que a política é a arte de viver no desentendimento (e
não no entendimento) e que a democracia se faz no dissenso e não no consenso. 4
Para ele, na base da política está o litígio:
4
Ver, por exemplo, O Desentendimento – política e filosofia; e a conferência O Dissenso, publicada na obra
organizada por Adauto Novaes, A Crise da Razão.
43
litigioso, a relação entre as partes que não passam de partidos e títulos cuja
soma é sempre diferente do todo. (RANCIÈRE, 1996a, p. 29).
E há litígio porque há diferença.Um pouco adiante, lemos:
A universalidade da política é a de uma diferença a si de cada parte e a do
diferendo como comunidade. O dano que institui a política não é
primeiramente a dissensão das classes, é a diferença a si de cada uma que
impõe à própria divisão do corpo social a lei da mistura, a lei do qualquer um
fazendo qualquer coisa. (RANCIÈRE, 1996a, p. 33).
A tese de Rancière é que “a política advém nas sociedades como uma ruptura
no processo de passagem de uma lógica da dominação a outra, do poder da diferença
no nascimento ao poder indiferente da riqueza” (1996b, p. 371). E por isso a política
fundase sempre na diferença, não na igualdade. Assim, ele propõe um outro conceito
de política:
5
Para um tratamento do conceito de singularidade, ver a obra de Deleuze Lógica do Sentido, em especial as séries 8ª,
14ª, 19ª e 30ª.
6
Bakunin produziu, ainda no século XIX, uma concepção social de liberdade, contrapondo-se aos filósofos liberais,
que viam na liberdade um fator natural de cada indivíduo. Vejamos um trecho em que isto se evidencia:
“Só sou verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, são igualmente
livres. A liberdade do outro, longe de ser um limite ou a negação de minha liberdade, é, ao contrário, sua condição
necessária e sua confirmação. Apenas a liberdade dos outros me torna verdadeiramente livre, de forma que, quanto
mais numerosos forem os homens livres que me cercam, e mais extensa e ampla for sua liberdade, maior e mais
profunda se tornará minha liberdade /.../ Minha liberdade pessoal assim confirmada pela liberdade de todos se estende
ao infinito.” (BAKUNIN, 1983, p. 32-33).
46
passa, portanto, de uma ficção. Não há métodos para aprender e não possível saber
de antemão que forças se movem numa singularidade quando sua potência é
aumentada pelo aprendizado.
Mais do que falar em uma educação do outro, importaria falar, então, em
educação pelo outro, e sua chave é o acontecimento.7
Educação pelo outro, uma vez que se a educação é uma mudança de estado,
se o aprendizado é a passagem do não-saber ao saber (Deleuze, 2006, p. 238), este
movimento é feito pela mediação do outro, seja este outro uma singularidade (um
professor ou um amigo, por exemplo) ou uma coisa qualquer (um livro, um filme, uma
idéia capturada ao léu...). O momento da passagem do não-saber ao saber é um
acontecimento, um momento infinitesimal que dura uma eternidade. Um tempo que é
da ordem do intensivo (que Deleuze chama de Aion), que não pode ser medido,
cronometrado.
Pensar e produzir o processo educativo na ordem do acontecimental significa
desmontar a lógica da educação representacional moderna. Significa abdicar do
objetivo de formar o sujeito, a consciência, o indivíduo. E investir na produção de
singularidades, que, como mostrou Deleuze em Lógica do Sentido, são impessoais e
pré-individuais. São impessoais exatamente porque, sendo singulares, são múltiplas.
Cada singularidade é a dobra do eu no outro e do outro no eu. O processo educativo,
assim, só pode ser imanente, relativo ao grupo e dependente daquele grupo, sendo
irrepetível. Ou melhor, uma experiência educativa assim pensada pode ser repetida,
mas gerará diferença, não o mesmo.
Percebe-se, por este rápido delineamento, que isto nos afasta muito da noção
moderna de modelo. Não se pode produzir a educação como modelo, não se podem
reproduzir modelos educacionais. É possível criar métodos de ensino? Sim, mas como
não há métodos para aprender, é preciso abdicar da ficção pedagógica do
ensinoaprendizagem. Educar significa lançar convites aos outros; mas o que cada um
fará – e se fará – com estes convites, foge ao controle daquele que educa. Para
educar, portanto, é necessário ter o desprendimento daquele que não deseja
discípulos, que mostra caminhos, mas que não espera e muito menos controla os
7
Para o conceito de acontecimento, ver também Lógica do Sentido.
47
caminhos que os outros seguem. E mais: que tenha ainda a humildade de mudar seus
próprios caminhos por aquilo que também recebe dos outros.
Um tal processo educativo é necessariamente criação coletiva, que se coloca
para além de qualquer controle. Uma pedagogia anarquista.
BIBLIOGRAFIA
SARTRE, J.-P. Huis Clos suivi de Les Mouches. Paris : Gallimard, 1991 (Col. Folio).
SARTRE, J.-P. L’Être et le Néant. 34ª ed., Paris : Gallimard, 1993 (Col. Tel).
48