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ARTIGO TEMÁTICO

GESTÃO ESCOLAR E TRABALHO


COLETIVO: CONTRIBUIÇÃO DA
TEORIA DA ATIVIDADE

Marta Sueli de Faria Sforni 1


Maria Terezinha Bellanda Galuch 2

Resumo: Neste artigo busca-se refletir sobre o trabalho coletivo no es-


paço escolar. Para isso, recorre-se a escritos de Leontiev, para o qual a
coletividade manifesta-se no compartilhamento físico e psíquico do que
é comum entre as pessoas que realizam determinada atividade, havendo
uma unidade entre o sentido pessoal de cada ação e o significado social da
atividade. O trabalho coletivo na escola pode ser um meio de desenvolvi-
mento dos sujeitos envolvidos, bem como de melhoria da atividade escolar
se, orientando-se pelo significado social da instituição escolar, buscar a
unidade entre as diferentes ações realizadas, não se restringindo ao aspec-
to formal da gestão democrática.

Palavras-chave: trabalho coletivo; Teoria da Atividade; gestão escolar.

1 Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá,


Doutora em Educação pela USP, Pós-Doutorado em Educação pela UNI-
CAMP, Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação e o
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ma-
ringá. E-mail: martasforni@uol.com.br
2 Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá,
Doutora em Educação pela PUC-SP, Pós-Doutorado em Educação pela USP,
Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação e o Progra-
ma de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá.
E-mail: galuch@brturbo.com.br

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INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, trabalhos acadêmicos, documentos


produzidos por órgãos públicos, Projetos Político-Pedagógi-
cos de instituições escolares de diferentes níveis, têm proposto
que a escola se organize pelo princípio da gestão democrática,
priorizando o trabalho coletivo (PARO, 1997; FERREIRA, 2000;
ABU-DUHOU, 2002; COLARES; COLARES, 2003; BRASIL, 2004;
LÜCK, 2006). Ao pensarmos nesse tipo de organização, não raro,
imaginamos uma escola em que professores, funcionários, pais
e gestores participam de reuniões em que são tomadas decisões
que incluem desde questões extraescolares até encaminhamen-
tos administrativos e didático-pedagógicos.
O entendimento da gestão democrática na perspectiva
acima apontada está ligado ao fato de, no nosso imaginário,
as palavras democracia, participação e coletividade estarem
vinculadas à ideia de grupos de pessoas que discutem, emitem
opiniões e decidem, em instâncias colegiadas, os encaminha-
mentos de diferentes assuntos; quer dizer, uma forma de orga-
nização em que sujeitos participam de forma direta ou indire-
ta, via representação, das decisões de um determinado grupo
social. Essa é, no entanto, uma das formas mais elementares
das feições da democracia e do trabalho coletivo. Essa forma
de participação, que facilmente conseguimos observar e captar
pela via dos sentidos – tão exaltada na atualidade –, expressa
elementos constitutivos do que chamamos de trabalho coleti-
vo, mas não é, em si, reveladora da existência de uma coletivi-
dade real. Mediante tais constatações, neste artigo, pretende-
mos refletir sobre o trabalho coletivo que pode e merece ser
assim designado, ou seja, cujo significado não se limita à forma
de trabalho aqui apontada.
Leontiev, nos textos Aparecimento da consciência humana e
Sobre o desenvolvimento da história da consciência, ambos os capí-
tulos do livro O desenvolvimento do psiquismo (LEONTIEV, 2004),

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apresenta conceitos fundamentais para a compreensão do que
qualifica um trabalho como coletivo. O autor não se dedicou ao
estudo do trabalho em instituições escolares, mas, pelas refle-
xões que fez sobre o desenvolvimento da consciência no contex-
to do trabalho em coletividade, oferece elementos para analisar-
mos a proximidade, bem como a distância desse conceito com o
que atualmente tem sido denominado de gestão democrática e
coletiva do trabalho escolar.
A discussão sobre a atividade coletiva levada a termo por
Leontiev (2004) faz parte dos estudos que realizou para com-
preender a influência das condições sociais sobre o desenvolvi-
mento psíquico do homem. Apoiando-se no Materialismo His-
tórico-Dialético, o autor procurou explicar o papel exercido pelo
trabalho na transformação do cérebro humano, evidenciando
que essa atividade gerou as condições para as formas complexas
de reflexo psíquico da realidade. Em outras palavras, apoiando-
-se no pressuposto marxiano segundo o qual, ao mesmo tempo
em que o homem age sobre a natureza e a modifica, transforma
a si próprio, Leontiev pode compreender que essa transforma-
ção envolve o desenvolvimento das faculdades complexas do
pensamento – funções que apenas os homens são capazes de
desenvolver.
O que há no trabalho que permite esse duplo movimento
de transformação: externa (da natureza) e interna (do psiquis-
mo humano)? Leontiev (2004) utiliza dois elementos interde-
pendentes que participam do processo de trabalho para explicar
esse fenômeno: o uso e fabrico de instrumentos e a atividade
coletiva. Como nosso objeto neste texto é o trabalho coletivo,
trataremos brevemente da produção e uso de instrumentos, por
contribuir para a compreensão do desenvolvimento da consci-
ência, para, em seguida, focarmos a atenção no significado de
atividade coletiva.

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APARECIMENTO DA CONSCIÊNCIA: O PAPEL DA PRO-
DUÇÃO DE INSTRUMENTOS

O que levou Leontiev, um psicólogo, a se ocupar do estudo


do uso e fabrico de instrumentos pelo homem no processo de
trabalho? Como explicam Marx e Engels (1991), ao fabricar os
instrumentos, o homem não modifica apenas os órgãos físicos,
transforma também suas funções psíquicas, ou seja, modifica sua
atenção, imaginação, sentimento, raciocínio, percepção e outras
vias de relação que estabelece com a realidade. É essa dimensão
psíquica que interessava ao autor e aos psicólogos russos siste-
matizadores da Teoria Histórico-Cultural.
Para compreendermos o significado da relação entre a pro-
dução de instrumentos e o desenvolvimento do psiquismo hu-
mano, imaginemos o que envolve a criação de um instrumento
bastante simples, como uma vareta utilizada na coleta de frutos,
quando estes estão fora do alcance imediato do sujeito que os
busca. No decorrer da história do seu desenvolvimento, os ho-
minídeos, assim como os demais animais, serviam-se do que a
natureza lhes oferecia; aos poucos, porém, passaram a utilizar
instrumentos para mediar sua relação com a natureza e facili-
tar-lhes o acesso àquilo que ela os proporcionava. A utilização,
pelo homem, de uma vareta para apanhar um fruto implica a in-
teração dele com um elemento da natureza – um galho de árvo-
re. Essa interação ocorre de forma não instintiva, não ocasional,
mas planejada, quer dizer, mediada pela consciência da ação que
se deseja empreender. Como observa Leontiev (2004, p. 88), “o
fabrico e o uso de instrumentos só é possível em ligação com a
consciência do fim da ação de trabalho”. Nesse caso, a atenção do
homem para o galho de árvore não é espontânea, mas voluntária,
isto é, movida intencionalmente pela necessidade de, com ele,
alcançar um fruto.
Mediante tentativas e erros com os objetos, porém, não de
modo aleatório, mas orientado por sua necessidade, o homem

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foi formando a ideia das características essenciais dos objetos de
que necessitava. Essas características compõem, por exemplo, a
ideia de vareta; quer dizer, o instrumento passa a ter existência
no plano ideal. Todavia, esse movimento não se finaliza quando
o instrumento passa a existir como representação. Ao abstrair as
características essenciais do objeto, a interação do homem com
vários outros objetos passa a ser por ele mediada. A percepção
sobre a realidade passa a ser, então, deliberada, voltada às ca-
racterísticas ou propriedades que tornam um objeto adequado
à ação que se necessita empreender. Ao comparar as caracterís-
ticas do objeto — no caso da vareta: comprimento, espessura e
rigidez — às necessidades da ação a ser empreendida com ele, o
homem realiza um processo de análise prática e uma generaliza-
ção das propriedades dos objetos, ou seja, seu raciocínio passa a
lidar com abstrações e mover-se por elas.
Está nesse processo a razão de Leontiev afirmar que o ins-
trumento é, de certa maneira, “[...] portador da primeira verda-
deira abstração consciente e racional, da primeira generalização
consciente e racional” (LEONTIEV, 2004, p. 88). O sentimento em
relação ao objeto também se modifica, pois essa função comple-
xa do pensamento passa a ser mediada por um significado. Reto-
mando o exemplo acima destacado, a associação entre a vareta e
a possibilidade de alimentação faz com que ela seja sentida como
algo positivo. Isso significa que a transformação de um elemento
da natureza (galho de árvore) em um elemento cultural (vareta)
implica a transformação de funções psíquicas elementares invo-
luntárias – como a atenção, a percepção, o sentimento, a memó-
ria, dentre outras – em funções complexas do pensamento, ou
seja, funções psíquicas deliberadas e conscientes. Daí o processo
concomitante de transformação da natureza e do homem, bem
como a unidade entre a atividade externa e a atividade interna.
Como bem explica Luria: “Essa atividade de preparação dos ins-
trumentos de trabalho leva a uma mudança radical de toda a es-
trutura do comportamento” (LURIA, 1991, p. 76, grifos do autor).

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A abstração que surge mediante a busca de satisfação de
uma necessidade passa a regular as ações humanas de modo que,
agora, o homem pode “produzir” o objeto no plano mental, apro-
veitando não apenas o que a natureza lhe propicia de imediato,
mas criando novos instrumentos, o que lhe permite ultrapassar o
processo de adaptação à natureza e produzir cultura. Nesse sen-
tido, o homem deixa de se mover tão somente por leis biológicas,
passando a agir, também, por representações e signos que são
produtos culturais; quer dizer, a relação que o homem estabele-
ce com a realidade deixa de ser direta e passa a ser uma relação
mediada por elementos simbólicos.

APARECIMENTO DA CONSCIÊNCIA: O PAPEL DO TRA-


BALHO COLETIVO

Além do uso e fabrico de instrumentos como desencadea-


dores do desenvolvimento do psiquismo humano, Leontiev faz
referência ao trabalho coletivo como elemento fundamental
desse processo. Para explicar como o trabalho coletivo atua so-
bre o desenvolvimento humano, Leontiev (2004) busca elemen-
tos na forma primitiva da divisão técnica do trabalho em uma
caçada. Assim ele descreve essa atividade: “A certos indivíduos,
por exemplo, incumbe a conservação do fogo e a preparação das
refeições, a outros a procura do alimento. Entre as pessoas en-
carregadas de caça coletiva, umas têm por função bater a caça,
outras espreitá-la e apanhá-la” (LEONTIEV, 2004, p. 81-82).
Segundo Leontiev (2004), essa divisão das ações, própria
do trabalho coletivo, modifica radicalmente a estrutura da ati-
vidade dos indivíduos. Essa modificação pode ser compreendida
se a compararmos, por exemplo, à ação de outros animais que,
para saciar a fome, agem de forma imediata, biológica e instin-
tiva; por isso, as ações por eles empreendidas estão diretamente
orientadas para o objeto que lhes permite satisfazer essa neces-
sidade. Quando vemos, por exemplo, um leão espreitando uma

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presa, não precisamos analisar sua ação para saber qual é o seu
motivo; está claro que essa ação decorre da sua necessidade de
capturar outro animal para lhe saciar a fome. Em outras pala-
vras, há uma relação direta entre o motivo que leva o leão a agir
e a ação que ele realiza. No caso da caçada coletiva, analisada
por Leontiev (2004), os homens também são movidos por uma
necessidade – saciar a fome –, mas as ações que cada um realiza
individualmente para satisfazê-la, tomadas em particular, não
concorrem diretamente para esse fim, isto é, não há uma rela-
ção direta entre o motivo da atividade e a ação que cada sujeito
realiza.

Quando um membro da coletividade realiza a atividade de


trabalho, realiza-a também com o fim de satisfazer uma ne-
cessidade sua. Assim, a atividade do batedor que participa na
caçada coletiva primitiva é estimulada pela necessidade de
se alimentar ou talvez de se vestir com a pele do animal. Mas
para que está diretamente orientada a sua atividade? Pode
ser, por exemplo, assustar a caça e orientá-la na direção de
outros caçadores que estão à espreita. É propriamente isso
que deve ser o resultado da atividade do caçador. Ela pára aí;
os outros caçadores fazem o resto. É evidente que este resul-
tado (assustar a caça) não acarreta por si mesmo e não pode-
ria acarretar a satisfação da necessidade de alimento, de ves-
tuário etc., que o batedor sente. Assim, aquilo para que estão
orientados os seus processos de atividade não coincide com
o seu motivo; os dois são separados (LEONTIEV, 2004, p. 82).

Nesse caso, se víssemos apenas a ação do indivíduo que


afugenta os animais e tivéssemos conhecimento de que a neces-
sidade (o motivo) que o leva a agir é saciar a fome, poderíamos
considerar sua conduta inadequada, desprovida de sentido, afi-
nal enxotar a caça se apresenta, à primeira vista, como uma ação
contrária à possibilidade de saciar a fome. Então, o que leva um

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sujeito a executar uma ação que não atende imediata e direta-
mente à sua necessidade? Dito de outro modo: o que confere
sentido à atividade desse indivíduo? O que conecta a sua ação ao
motivo que o leva a realizá-la? Ou ainda, nas palavras do próprio
Leontiev: o que religa o resultado imediato dessa atividade ao
seu resultado final? Para essa questão, o autor apresenta a se-
guinte resposta:

Evidentemente não é outra coisa senão a relação do indiví-


duo aos outros membros da coletividade, graças ao qual ele
recebe a sua parte da presa, parte do produto da atividade do
trabalho coletivo. Esta relação, esta ligação, realiza-se graças
às atividades dos outros indivíduos. Isso significa que é pre-
cisamente a atividade dos outros homens que constitui a base
material objetiva da estrutura específica da atividade do in-
divíduo humano; historicamente, pelo seu modo de aparição,
a ligação entre o motivo e o objeto de uma ação não reflete
relações e ligações naturais, mas ligações e relações objetivas
sociais (LEONTIEV, 2004, p. 84).

Para concluir sua explicação, o autor diz: “Esta é a causa


imediata que dá origem à forma especificamente humana do re-
flexo da realidade, a consciência humana” (LEONTIEV, 2004, p.
85, grifos nossos). A ação de afugentar o animal é praticada pelo
sujeito porque ele “[...] tem a possibilidade de refletir psiquica-
mente a relação que existe entre o motivo objetivo da relação e o
seu objeto. Senão, a ação é impossível, é vazia de sentido para o
sujeito” (LEONTIEV, 2004, p. 85), ou seja, para o sujeito, sua ação
não é desprovida de sentido, porque ele é capaz de ligá-la à dos
demais membros do grupo e ao objeto da atividade. Ele pode, por
isso, antecipar no plano mental todos os momentos da caçada,
inclusive o possível e esperado produto final dessa atividade co-
letiva. Também as ações dos demais sujeitos do grupo passam a
ter sentido para ele. Nessa perspectiva, é que podemos entender

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que se não houvesse a compreensão do sentido de cada ação par-
ticular no conjunto da atividade perder-se-ia o sentido humano
e racional da própria atividade realizada.
Nesse caso, o que leva o homem a agir não é o instinto
provocado pela presença da presa, mas a consciência que possui
do significado da sua ação na atividade de capturá-la. Sobre essa
questão, Leontiev (2004, p. 86) expõe:

A consciência do significado de uma ação realiza-se sob a for-


ma de reflexo do seu objeto enquanto fim consciente.
Doravante, está presente ao sujeito a ligação que existe entre
o objeto de uma ação (o seu fim) e o gerador da atividade (o
seu motivo).

O trabalho, na caçada coletiva, exige que a relação com o


objeto seja mediada pela ‘ideia de alimento’, isto é, a atividade
envolve uma relação teórica com o objeto capaz de modificar o
comportamento instintivo, biológico, reflexológico, tornando-o
cultural. Quer dizer: “[...] o alimento pode ser distinguido, entre
outros objetos de atividade, não apenas ‘praticamente’ mas tam-
bém ‘teoricamente’, isto quer dizer que ele pode ser conservado
na consciência e tornar-se ‘idéia’ (LEONTIEV, 2004, p. 87).
Podemos dizer que a ação do sujeito tem sentido para ele
quando inserida nas relações sociais existentes com o restante
do grupo, no conjunto da atividade social. Somente como parte
desse conjunto é que a ação individual adquire um sentido ra-
cional. A ação particular só tem sentido para o sujeito quando
percebida de forma integrada na atividade em que está inserida;
quando, na sua consciência, há ligação entre a sua ação e o moti-
vo da atividade da qual participa. Essa questão também é tratada
por Luria (1991), que apresenta a seguinte explicação:

[...] a separação entre a atividade biológica geral, e as ‘ações’


especiais não é determinada imediatamente por motivo bio-

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lógico, mas é dirigida pelo objetivo consciente, que adquire
sentido apenas na comparação dessas ações com o resulta-
do final. O surgimento de várias ‘operações’ auxiliares por
meio das quais se executa essa atividade é o que constitui a
mudança radical do comportamento, que é o que representa
uma nova estrutura de atividade consciente do homem (LURIA,
1991, p. 77, grifos do autor).

A consciência de cada sujeito sobre o vínculo entre a pró-


pria ação e a atividade coletiva é fundamental para que a ativi-
dade ocorra. O que aconteceria se a consciência do batedor não
fosse capaz de, antecipadamente, estabelecer o vínculo entre as
ações que compõem a atividade de caça? Certamente o batedor
não realizaria adequadamente sua própria ação, já que estaria
alheio às demais ações e seguiria diretamente para a satisfação
de sua necessidade, de modo instintivo. Luria (1991) afirma que
“a complexa organização de ‘ações’ conscientes, que se separa da
atividade geral, leva ao surgimento de formas de comportamento,
que não são diretamente dirigidas por motivos biológicos, podendo
inclusive opor-se algumas vezes a eles” (LURIA, 1991, p. 77, gri-
fos do autor).

O SENTIDO PESSOAL E O SIGNIFICADO SOCIAL

Ao longo da exposição do exemplo da atividade de caça,


Leontiev (2004) recorre aos conceitos de sentido e significado,
imprescindíveis para a compreensão da relação entre a ativida-
de externa e a subjetividade humana. Para a perspectiva teórica
adotada neste estudo, o significado é elaborado social e histori-
camente, portanto, está fixado na e pela prática social, não de-
pendendo da elaboração de cada sujeito em particular; trata-se
daquilo que nos apropriamos pelas mediações sociais. “A signi-
ficação é o reflexo da realidade independentemente da relação
individual ou pessoal do homem a esta. O homem encontra um

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sistema de significações pronto, elaborado historicamente [...]”
(LEONTIEV, 2004, p. 102).
No exemplo da atividade de caça, capturar um animal tem
o significado de “meio para aquisição de alimentos”; já o senti-
do da caçada encontra-se no vínculo, formado na consciência de
cada sujeito que participa da atividade, entre o objeto de suas
respectivas ações (sua significação) e o motivo que tais ações
têm para cada sujeito.

[...] o sentido consciente traduz a relação do motivo ao fim.


Devemos sublinhar que não utilizamos o termo ‘motivo’ para
designar o sentimento de uma necessidade; ele designa aqui-
lo em que a necessidade se concretiza de objetivo nas condi-
ções consideradas e para as quais a atividade se orienta, o que
a estimula (LEONTIEV, 2004, p. 103-104).

Conforme afirma Leontiev (2004), para encontrar o senti-


do pessoal devemos descobrir o motivo que lhe corresponde, ou
seja, aquilo que move a ação do sujeito. Assim, no exemplo da
caçada, o que move a ação de cada membro daquele coletivo é
a necessidade de obter alimento. A necessidade de se alimen-
tar, presente em todos os membros do grupo, concretiza-se na
caçada coletiva. Observa-se, então, que o significado da ativi-
dade (social: meio de aquisição de alimento) e o sentido que ela
tem para cada sujeito que dela participa (pessoal: aquisição de
alimento) coincidem. Essa coincidência é permitida pela consci-
ência que o sujeito tem da atividade e a sua participação no re-
sultado dessa atividade que atende a uma necessidade ao mesmo
tempo coletiva e pessoal.
Essa coincidência, comum nas sociedades primitivas, passa
a ser dificultada pela divisão social do trabalho e mediante as re-
lações de exploração que a perpassam. Nas sociedades divididas
em classes há uma nova estrutura da consciência, denominada por
Leontiev (2004) de estrutura ‘desintegrada’, da qual decorrem ati-

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vidades não mais conscientes mas alienadas. Com a divisão social
do trabalho, há a separação entre a atividade material e a atividade
intelectual, acompanhada de uma mudança na estrutura interna
da consciência, ocorrendo uma cisão entre o significado social e o
sentido que as ações têm para os próprios sujeitos que as realizam.

A atividade do batedor primitivo é subjetivamente motivada


pela parte da presa que lhe caberá e que corresponde às suas
necessidades; por outro lado, a presa é o resultado objetivo da
sua atividade, no quadro da atividade coletiva. Na produção
capitalista, o operário assalariado procura, ele também, sub-
jetivamente, a satisfação das suas necessidades de alimento,
vestuário, habitação etc., pela sua atividade. Mas o seu pro-
duto objetivo é diferente: este pode ser o minério de ouro que
extrai, o palácio que constrói. ‘O que ele produz para si mesmo
não é a seda que tece, não é o ouro que extrai da mina, não é o
palácio que constrói. O que produz para si próprio é o salário
[...] (LEONTIEV, 2004, p. 130, grifos do autor).

Leontiev conclui: a atividade de trabalho do operário


transforma-se para ele em algo diferente daquilo que ela é. O
sentido que o operário tem da ação que realiza não coincide com
a sua significação objetiva, historicamente construída. Leontiev
(2004) cita o trabalho do operário assalariado como exemplo de
atividade alienada; no entanto, a alienação não é própria do tra-
balho operário, mas de toda forma de trabalho realizado sob as
condições capitalistas de organização do trabalho, inclusive do
próprio trabalho no contexto escolar.

O SENTIDO E O SIGNIFICADO DAS AÇÕES NA ATIVIDA-


DE COLETIVA ESCOLAR

A compreensão da “estrutura da atividade consciente do


homem” é fundamental para a compreensão de qualquer ativida-

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de que os homens realizam. Basso (1998), ao se dedicar ao estudo
sobre o sentido e o significado do trabalho docente, apoiando-se
nos estudos de Leontiev (2004) sobre a caçada coletiva, escreve:
“O significado das ações de todos os indivíduos que participam
da atividade é apropriado por eles, fornecendo a essas ações o
sentido correspondente ao seu significado” (BASSO, 1998, p. 07).
Asbahr (2005), em pesquisa realizada com professores de
escola pública de São Paulo, afirma que “os professores entre-
vistados denunciam as rupturas entre o significado e o sentido
pessoal, entre os motivos da atividade e os fins das ações e ex-
pressam essas cisões não só verbalmente, como física e emocio-
nalmente” (ASBAHR 2005, p. 07). Os resultados da pesquisa de
Asbahr corroboram afirmações de Basso que se pautam em con-
ceitos formulados por Leontiev:

[...] o trabalho do professor será alienado quando seu sentido


não corresponder ao significado dado pelo conteúdo efetivo
dessa atividade previsto socialmente, isto é, quando o sen-
tido pessoal do trabalho separar-se de sua significação. Se o
sentido do trabalho docente atribuído pelo professor que o
realiza for apenas o de garantir sua sobrevivência, trabalhan-
do só pelo salário e sem ter consciência de sua participação
na produção das objetivações na perspectiva da genericidade,
haverá a cisão com o significado fixado socialmente. Esse sig-
nificado é entendido como função mediadora entre o aluno
e os instrumentos culturais que serão apropriados, visando
ampliar e sistematizar a compreensão da realidade, e possi-
bilitar objetivações em esferas não cotidianas. Nesse caso, o
trabalho alienado do docente pode descaracterizar a prática
educativa escolar (BASSO, 1998, p. 04-05).

Apesar de Basso (1998) se referir ao trabalho docente, é


importante destacar que não apenas o trabalho do professor
pode ser alienado, mas de todos os envolvidos na atividade edu-

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cacional. O embotamento do desenvolvimento humano envolve
também o sentimento – uma das funções psíquicas superiores.
Dessa forma, quando, na escola, a atividade nomeada de coletiva
não se caracteriza como tal, os profissionais que dela fazem parte
podem apenas realizar afazeres cotidianos permeados por senti-
mentos de desânimo, irritação e apatia, quer dizer, podem estar
alheios do seu próprio trabalho. A ausência de objetivos comuns
no coletivo escolar pode gerar ações que, apesar de demandarem
esforços, produzem poucos resultados e muito desgaste pessoal.
Imaginemos os vários sujeitos envolvidos com o trabalho
escolar: professores, diretor, bibliotecário, funcionários, profis-
sionais do Núcleo Regional de Educação e da Secretaria Muni-
cipal de Educação, dentre outros. O que pode unir profissionais
que exercem funções e realizam ações diferentes como os aqui
elencados? Qual o motivo das ações realizadas pelos profissio-
nais que participam do trabalho escolar? São ações que com-
põem uma atividade coletiva? Há necessidades e motivos co-
muns entre esses sujeitos? As atividades realizadas são movidas
por metas para além do cumprimento de obrigações do dia a dia
de cada um? Os profissionais que fazem parte desse coletivo es-
tão envolvidos em uma atividade ou apenas cumprem tarefas? A
resposta a essas questões exige o entendimento do significado
que, socialmente, foi fixado para a instituição escolar e o sentido
atribuído pelos profissionais às ações que nela exercem.
Como afirma Saviani (1991, p. 23), “a escola existe, pois,
para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o
acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso
aos rudimentos desse saber”. Esse é o significado elaborado his-
tórica e socialmente da atividade própria da instituição escolar,
ou seja, o motivo da atividade educativa é promover a apropria-
ção pelas novas gerações do conhecimento científico e cultural
produzido pela humanidade3.
3 Um trabalho importante sobre a função social da escola é o artigo Para que
servem as escolas? (YOUNG, 2007).

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Nesse sentido, cabe-nos perguntar: as ações de cada pro-
fessor, pedagogo, diretor, bibliotecário, auxiliar, estagiário..., en-
fim, de todas as pessoas que atuam na escola, são incitadas pelo
motivo acima apontado? Em outras palavras, o sentido que tem
para cada um dos profissionais a ação que realiza na atividade
escolar é propiciar condições para a promoção da aprendizagem
do conhecimento científico? Há coincidência entre o significado
social da atividade escolar e o sentido pessoal dos profissionais
que participam dessa atividade, por meio da realização de ações
diferentes umas das outras?
Várias são as ações empreendidas no espaço escolar e mui-
tas delas não satisfazem imediatamente a finalidade da escola.
Aliás, se observarmos cada ação isoladamente, sabendo qual é a
necessidade da escola, algumas podem parecer muito distantes
do significado dessa instituição. Mas o que pode conferir sentido
a cada uma das ações? Retomemos o exemplo da caçada coletiva
apresentado por Leontiev (2004): nela, cada membro do grupo
de caçadores faz corretamente sua ação porque “[...] está pre-
sente ao sujeito a ligação que existe entre o objeto de uma ação
(o seu fim) e o gerador da atividade (o seu motivo)” (LEONTIEV,
2004, p. 86). É por essa consciência que a ação de cada um se
torna uma contribuição para o grupo; caso contrário, poderia ser
um empecilho à efetivação da atividade. Desse modo, podemos
considerar que cada sujeito no coletivo escolar encontra sentido
na sua ação à medida que reflete a relação que existe entre o mo-
tivo da ação que realiza e o seu objeto, cuja reflexão é mediada
pela ‘ideia’ da função da atividade escolar. Em outras palavras: a
função da escola conservada como ‘ideia’ passa a ser o mediador
da ação dos membros desse coletivo escolar.
Todavia, tendo em vista as próprias condições de trabalho
em nossa sociedade, nem sempre há coincidência entre signifi-
cado social da atividade e sentido pessoal de quem participa des-
sa atividade. Desse modo, uma ação realizada pode ter um sen-
tido bastante distante do significado social da atividade da qual

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ela faz parte. Podemos ilustrar o que ora afirmamos, refletindo
sobre as ações exercidas pelos profissionais que atuam na escola.
Quando o professor elabora um planejamento visando
apenas ao cumprimento da obrigação de entregá-lo à coordena-
ção, sem compreendê-lo como um momento de organização de
suas ações de ensino, há, nesse caso, um descompasso entre o
significado social de planejar o trabalho pedagógico e o sentido
dessa ação para o professor, estando desconectada do significa-
do da atividade escolar em que está inserida. Se a definição dos
conteúdos e metodologias das aulas não se orientar pela neces-
sidade de tais conteúdos e metodologias serem os mais adequa-
dos à aprendizagem que leva o aluno a desenvolver o pensamen-
to, quer dizer, à aprendizagem cujo conhecimento se transforma
em instrumento do pensamento do estudante (SFORNI; GALU-
CH, 2009), mas por serem, tão somente, conteúdos e metodo-
logias que satisfazem e envolvem momentaneamente os alunos
ou apenas porque facilitam o trabalho do professor, haverá dis-
tância entre o sentido de preparar as aulas e o seu significado
como forma de organizar o processo de ensino para a promoção
da aprendizagem.
Quando a avaliação é realizada para cumprir uma exigên-
cia legal, sem contemplar o significado de ser um meio para veri-
ficar o despenho dos estudantes e amparar a tomada de decisões
a respeito de novas estratégias de ensino, tanto para a retomada
de conteúdos já trabalhados, como para o trabalho com os novos
conteúdos, também nela pode-se perceber o descompasso entre
o significado da avaliação – quer seja interna quer seja externa
– e o sentido dessa ação para professores e equipe pedagógica.
No que se refere às avaliações externas, muitas vezes, são vis-
tas como um mecanismo para produzir índices que ranqueiam
escolas, conferindo-lhes maior ou menor status junto à comuni-
dade. No que se refere às avaliações internas, muitas vezes, são
tratadas como uma etapa meramente burocrática a ser cumprida
ao final de cada bimestre. Ambos os casos são retratos de falta

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de alinhamento entre significado social da avaliação e sentido
que esse processo tem para aqueles que o praticam no trabalho
pedagógico.
Quando os pedagogos não priorizam ações específicas de
coordenação pedagógica como, por exemplo, orientar os docen-
tes na definição de conteúdos, no planejamento das atividades
de ensino e na organização dos instrumentos de avaliação em
sintonia com os objetivos da aprendizagem e da formação, ocu-
pando-se de demandas periféricas ao trabalho docente; também
quando esses profissionais se portam como meros cumpridores
e repassadores de determinações de órgãos superiores como nú-
cleos regionais de educação, secretarias municipais de educação,
Ministério da Educação, dentre outros, revelam que estão alheios
à aprendizagem e formação dos estudantes, portanto, que o sig-
nificado social da coordenação pedagógica não corresponde ao
sentido que esta função tem para eles.
A coincidência ou descompasso entre sentido e significado
pode estar presente também nas ações de outros profissionais
que atuam no espaço escolar. Vejamos:
A atuação de um bibliotecário em uma escola tem um sig-
nificado diferente da atuação de um bibliotecário em uma ins-
tituição de outra natureza. Na escola, esse significado também
está vinculado à promoção da aprendizagem, já que se trata de
uma ação que compõe a atividade escolar. Mas, é esse o senti-
do que as ações realizadas pelo bibliotecário escolar têm para
ele? Se ele organiza o espaço da biblioteca e os livros de modo a
promover nos alunos o interesse pela leitura e pelo estudo, cer-
tamente há coincidência entre o significado social da ação de
um bibliotecário escolar e o sentido da sua ação. Todavia, se ele
entende a presença de alunos na biblioteca como sinônimo de
desordem, restringindo-lhes o acesso aos livros para não os de-
sorganizar nas prateleiras ou danificá-los, pode-se dizer que há
uma grande distância entre sentido e significado, e que, nesse
caso, o bibliotecário não participa, efetivamente, de uma ativi-

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dade coletiva, mesmo que em sua escola o discurso do trabalho
coletivo seja constante.
Também a função de diretor em uma escola tem um signi-
ficado diferente da função de diretor em quaisquer outras insti-
tuições. Na escola, as ações que envolvem a gestão devem visar o
alcance do objetivo específico dessa instituição: a aprendizagem
dos alunos. É esse o sentido que as ações do diretor têm para
ele? Se ele preocupa-se com os processos de ensino e aprendi-
zagem, se direciona os recursos financeiros para a aquisição de
materiais pedagógicos e estrutura física que contribuem para o
trabalho do professor e a aprendizagem dos alunos, se participa
do processo de formação continuada dos professores, se analisa
os resultados de avaliações externas para a tomada de decisões
didático-pedagógicas, possivelmente há sintonia entre o sentido
pessoal e o significado social da sua função. Por outro lado, se
ele apenas investe nas relações cordiais com pais, funcionários e
professores, visando à próxima eleição para manter-se no cargo,
ou se é alheio aos resultados do trabalho realizado pela escola,
trata-se de um gestor que realiza uma atividade alienada.
Igualmente, o significado de ser zelador em uma esco-
la difere do significado de ser zelador em outra instituição. Na
escola, esse significado também está vinculado à promoção da
aprendizagem. Mas será que para o zelador que atua na escola
sua ação tem esse sentido? A resposta será afirmativa, caso ele
perceba a importância de organizar o tempo de seu trabalho de
modo que, diariamente, as salas de aula estejam adequadas para
receber os alunos; caso tenha consciência que carteiras não en-
fileiradas nem sempre significam desordem; se procura realizar
limpezas que provocam barulho em horários que não coincidam
com os horários de aula; se não evita interromper as aulas para
ações que podem ser realizadas em outros momentos... Mas se
ele espera que as atividades de sala de aula e os demais espaços
escolares sejam organizados de modo a não “atrapalhar” o seu
trabalho estará evidente que existe grande descompasso entre

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o sentido e o significado de sua ação, ou seja, a sua ação não se
insere na atividade educativa.
Significado e sentido também podem se distanciar ou
manter sintonia em situações de formação continuada. Quando
professores, diretores, pedagogos e outros profissionais da esco-
la participam de cursos de formação continuada com a finalidade
exclusiva de obter certificação, a formação, para eles, tem um
sentido de mecanismo de ascensão na carreira, distanciando-se
do significado social dessa atividade. Todavia, se o que motiva
os profissionais da escola a participarem de cursos de formação
continuada for o aprimoramento de seus conhecimentos, visan-
do à melhoria da atuação para promover a aprendizagem dos
alunos, certamente teremos sujeitos realizando uma atividade
que corresponde ao seu significado social. Isso quer dizer que
mesmo os espaços e tempos para estudo podem ser transforma-
dos em uma atividade alienada, tal como outra qualquer.
Quando há descompasso entre significado social e sentido
pessoal da ação, reduz-se a possibilidade de o sujeito desen-
volver-se pessoal e profissionalmente, via trabalho. Além disso,
do ponto de vista do coletivo, há um prejuízo, já que a parte
que lhe cabe no conjunto da atividade não é bem desenvolvi-
da, comprometendo a atividade em sua totalidade. Conforme
afirma Basso (1998, p. 5), os professores bem-sucedidos (acres-
centamos aqui: diretores, secretários, bibliotecários, zeladores,
pedagogos e outros profissionais que atuam na escola) “[...] são
aqueles que conseguem integrar significado e sentido”. São pro-
fissionais com

[...] uma formação adequada que inclui a compreensão do signi-


ficado de seu trabalho e que, encontrando melhores condições
objetivas ou lutando muito por elas, e, em alguns casos, con-
tando com apoio institucional, concretizam uma prática peda-
gógica mais eficiente e menos alienante (BASSO, 1998, p. 5).

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Reconhecer a presença do trabalho alienado no contexto
escolar parece ser uma forma de fechar todas as possibilidades
de superação desse quadro. Todavia, apesar do processo de alie-
nação vivido pelos professores, eles próprios, contraditoriamen-
te, apontam algumas possibilidades de superação desse quadro,
explicita Asbahr (2005). A autora indica que “[...] é fundamental
a luta dos professores por espaços em que possam estabelecer
uma relação consciente com a universalidade dos seres huma-
nos, para além da relação singular-particular” (ASBAHAR, 2005,
p. 278). Dentre os elementos identificados como possíveis for-
mas de negação da atividade alienada no interior da escola, a
autora destaca que “[...] a construção do projeto político pedagó-
gico [...] entendido como atividade configura-se como elemento
de humanização docente e é, potencialmente, um lócus de resis-
tência à desintegração entre o significado social e o sentido pes-
soal atribuído à atividade pedagógica” (ASBAHAR, 2005, p. 180).
Como bem destaca Asbahr (2005), a elaboração do proje-
to político pedagógico tem o potencial de integrar significado
social e sentido pessoal, atribuído à atividade pedagógica quan-
do entendida como atividade, como expõe Leontiev (2004), não
como um uma ação realizada por pessoas que se agrupam fisica-
mente para o cumprimento de uma tarefa exigida por instâncias
administrativas superiores. A atividade verdadeiramente coleti-
va pode se constituir em um elemento que favorece a realização
da atividade principal da escola e, ao mesmo tempo, propicia o
desenvolvimento dos professores. Para adquirir essa natureza, a
atividade coletiva deve ultrapassar seu aspecto formal, como a
realização de reuniões e discussões e o direito ao voto. Tudo isso
é importante, mas, em si, não são ações que revelam a existência
de um trabalho coletivo na escola. O que efetivamente caracte-
riza um trabalho coletivo é a consciência que tem cada sujeito
envolvido na atividade escolar da relação entre o motivo de sua
ação e o significado histórico e social da escola e essa consciên-
cia revela-se no sentido que tem para ele as ações que desen-

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volve. Esse aspecto não é visível, tal como o são as reuniões, as
decisões em instâncias colegiadas, os debates, a participação de
pais, dentre outras ações. Quanto maior a coincidência entre o
sentido pessoal e o significado social da ação de um sujeito na
atividade coletiva, maior é a possibilidade de sua ação contribuir
para a satisfação da necessidade existente naquele espaço social,
bem como para o desenvolvimento de si próprio e do grupo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a discussão realizada neste artigo, não estamos ide-


alizando a relação dos sujeitos com a sua atividade profissional
ao estilo dos manuais de autoajuda, tampouco estamos nos es-
quecendo de que vivemos numa sociedade capitalista e que nela
o trabalho é alienado. Como destacam Marx (1978) e Leontiev
(2004), as condições objetivas de trabalho na sociedade capita-
lista movimentam-se justamente na contramão da possibilida-
de de realização de uma atividade não alienada e, portanto, que
permita o desenvolvimento humano. Por isso, não é tarefa fácil
opor-se a esse movimento.
No entanto, quando, na escola, o objetivo é a realização de
um trabalho coletivo capaz de promover o desenvolvimento dos
alunos e daqueles que nela atuam, é preciso primar por ações que
visem à superação do trabalho alienado que compromete de for-
ma negativa, tanto física como emocionalmente, os profissionais
da educação e, consequentemente, repercute negativamente na
formação dos estudantes. Constituir uma atividade coletiva na
escola é uma forma de enfrentamento desse quadro, mas, para
isso, devemos ultrapassar o discurso vazio e falacioso, sobre a
importância da participação democrática, que tem tomado con-
ta do ideário da gestão educacional. Nele, em vez de enfatizar a
busca do que é comum, da unidade, enfatizam-se os meios para a
gestão de interesses individuais a serem conciliados democrati-
camente. Esse tipo de organização tende a se manter no aspecto

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formal do trabalho coletivo. Da perspectiva defendida neste ar-
tigo, o coletivo, propriamente dito, se constitui à medida que as
pessoas se agregam em torno de um motivo comum.
Nesse sentido, a superação do aspecto formal do trabalho
coletivo e o foco naquilo que é essencial para que, nas escolas,
ele se constitua realmente como atividade coletiva, exige que o
significado da instituição escolar permeie as ações de todos os
sujeitos que atuam nesse espaço. Assim, mesmo que os membros
da comunidade escolar não participem diretamente de todas as
decisões que envolvem a instituição e que cada ação tenha um
fim imediato que não esteja, aparentemente, ligado ao objeti-
vo de promover a aprendizagem, esse objetivo faz-se presente
como norte de todas as ações. Essa superação implica que o sen-
tido passe a ser o mesmo para todos, o que permite formar um
coletivo para além do agrupamento físico de pessoas, já que, ao
se compartilhar um sentido comum, há unidade entre as diferen-
tes ações e, assim, a coletividade se estabelece.

SCHOOL MANAGEMENT AND COLLECTIVE WORK:


CONTRIBUTION OF THE THEORY OF ACTIVITY

Abstract: Collective work within the school is discussed. Leontiev´s writ-


ings deal with team work as one collectivity may be observed in the phys-
ical and psychic sharing of what is common among people working on a
certain activity. Unity should exist between the personal meaning of each
action and the social significance of the activity. Collective work in school
may be a sort of development of the subjects involved and improvement
in school activity if it seeks unity among the different activities without
restricting itself to the formal aspect of the democratic stance and if it is
directed by the social meaning of the institution.

Keywords: collective work; Theory of Activity; school management.

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