Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Tacyemy da Silva dos Santos*, (Departamento de Pedagogia - Universidade Estadual de Londrina- UEL,
Londrina - PR, Brasil); Nadia Mara Eidt (Departamento de Pedagogia - Universidade Estadual de Londrina-
UEL, Londrina - PR, Brasil).
tacyemy@outlook.com
Esse artigo, oriundo de uma pesquisa bibliográfica, tem por objetivo apresentar as
contribuições da psicologia histórico-cultural para a compreensão da atenção. Tal estudo se
justifica em virtude dos elevados números de crianças diagnosticadas e medicadas em decorrência
do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Como resultados, temos que os conceitos
da Psicologia da Histórico Cultural contribuem para o entendimento da natureza social do
psiquismo, e, portanto, a atenção não resulta de características inatas, mas sim da apropriação da
cultura, já que as funções superiores são formadas no decurso da história social, nas relações com
outros homens, que colaboram para a internalização dos signos. O professor assume papel central,
pois deverá disponibilizar signos, que devem incidir na zona de desenvolvimento iminente. A
atenção voluntária não deve ser entendida como um pré-requisito para a aprendizagem. Além
disso, a evolução da atenção involuntária não provoca o surgimento da atenção voluntária, pois
para que isto ocorra é necessária a motivação do adulto na inserção da criança em novas atividades,
orientando e organizando sua atenção. É por meio da escolarização que essa função se
desenvolverá.
Segundo Martins (2013), o que marcou a origem da psicologia histórico cultural foi a
afirmação da natureza social do psiquismo humano. Os proponentes desta perspectiva - Lev
Semenovich Vigotski, Alexander Romanovich Luria e Alexis Nikolaevich Leontiev, uniram- se
na construção de uma nova psicologia baseada na concepção filosófica do materialismo dialético,
pois esta concepção possibilitava a superação da concepção materialista mecanicista e idealista
presentes em outras correntes da psicologia:
O materialismo dialético é a lógica da realidade, da matéria em movimento, e, portanto, a lógica da
contradição. Afirma que tudo contém em si as forças que levam à sua negação, isto é, sua
transformação em outra qualitativamente superior (superação). Sendo teoria e método do
conhecimento, considera as condições reais, materiais e sociais encarnadas nas relações sociais de
produção como ponto de partida e critério de validação do saber. O conhecimento é concebido
como apreensão do real (em sua materialidade e movimento) pelo pensamento. Sistematizado por
Marx e Engels, representa a dimensão metodológica do sistema filosófico por eles desenvolvido[...]
(Martins, 2016. p. 43 citado por Chaui, 1995, 1986).
Pasqualini (2016) explica que esta concepção filosófica entende o homem como um ser
histórico e social em que ele é “produto” e “produtor” da sociedade. Como aponta a autora, um
pressuposto fundamental do pensamento marxista é a ideia do salto ontológico que explica o
processo de surgimento da espécie humana, ou seja, o homem sem deixar de ser animal, se
diferencia dos animais de modo radical, se tratando de um ser social.
De acordo com Bondezan (2006), um dos aspectos essenciais que diferenciam os homens
dos animais é a capacidade de trabalho que demandou a produção de instrumentos e da linguagem,
acarretando modificações psíquicas, anatômicas e fisiológicas:
O elemento que medeia é o signo, que converte a imagem sensorial mental em imagem dotada de
significação. O veículo da mediação é o outro ser social, que já os tem internalizado. A atividade
mediadora é aquela que visa, então, a disponibilização de signos, provocando as referidas
transformações na imagem subjetiva da realidade objetiva dos sujeitos em formação (Martins,
2015, p. 59).
As palavras permitem à criança, portanto, estabelecer nexos objetivos entre as diversas partes da
situação percebida, a qual adquire um aspecto novo: “[...] a palavra distingue diversos objetos,
fraciona a conexão sincrética, a palavra analisa o mundo, a palavra é o instrumento fundamental da
análise. Para a criança, designar verbalmente um objeto significa separá-lo da massa geral dos
objetos e destacar somente um” (Pasqualini, 2009 p. 39 citado por Vygotski, 1995, p.280).
A fala externa vai deixando de ser necessária na medida em que a criança avança no processo de
internalização da linguagem, ou seja, na medida em que esta se transforma em um processo interno
intrapsíquico de autorregulação da conduta: a linguagem externa da criança interioriza-se
(Pasqualini, 2016, p. 83).
Para identificar as funções psíquicas que estão iniciando seu ciclo de desenvolvimento, Vigotski
defendia ser necessário um novo procedimento de avaliação. O professor deve atentar não apenas
ao que a criança já é capaz de realizar com autonomia, ou seja, não basta avaliar o desempenho
independente da criança. Tem fundamental importância como indicador de seu desenvolvimento o
desempenho da criança em colaboração com um par mais desenvolvimento. A avaliação do
desenvolvimento deve envolver, portanto, a intervenção do adulto, a quem cabe mediar a solução
da tarefa, oferecendo auxílio à criança na resolução de problemas que ela ainda não é capaz de
resolver sozinha. (Pasqualini, 2016, p. 90)
Cabe ao professor auxiliar o aluno na resolução das atividades que não consegue realizar
individualmente. Além disso, vale ressaltar que:
É preciso que o desenvolvimento das funções psíquicas seja intencionalmente buscado pela criança
como condição para a realização da ação: se compreende a finalidade da ação e se sente
afetivamente inclinada/motivada a alcançá-la, a criança esforça-se por avançar em sua capacidade
de memorização ou concentração, por exemplo. (Pasqualini, 2016, p. 97,98).
Uma função psíquica que será imprescindível no processo de aprendizagem dos escolares
é a atenção. A seguir apresentaremos a definição de atenção e demonstraremos como, de acordo
com essa perspectiva teórica, se dá seu desenvolvimento.
De acordo com Bondezan (2006), no final do século XIX e início do século XX, os estudos
sobre atenção se intensificaram e foram várias as abordagens teóricas que buscaram definir este
termo. Para os estudiosos da Gestalt, não se podia separar atenção e percepção; já os behavioristas
acreditavam que o sentido da atenção era motivado pela emoção, e, desta forma não merecia um
lugar de destaque. De acordo com Bondezan (2006), Vigotski (1998), apontou que nenhuma delas
oferecia uma explicação satisfatória, pois de acordo com Teoria Histórico-Cultural, a atenção não
pode se separar dos comportamentos reflexos e muito menos partir apenas desses comportamentos,
pois ela é um processo consciente.
Luria (1979, p. 1) define atenção como “a seleção da informação necessária, o
asseguramento dos programas seletivos de ação e a manutenção de um controle permanente sobre
elas.” O autor esclarece que sem esta função de caráter seletivo da atividade consciente, a
quantidade de informação recebida pelo homem seria muito desorganizada e intensa,
impossibilitando-o de realizar atividades complexas.
Nessa mesma direção, Bondezan (2006) aponta que a capacidade de atenção desempenha
uma função essencial na vida do ser humano, já que organiza o seu comportamento, direcionando
a percepção do indivíduo e organizando sua conduta para a realização da atividade. A autora ainda
aponta outra função da atenção: “a atenção modifica a estrutura do processo psíquico, permitindo
ao indivíduo uma maior receptividade das impressões e dos pensamentos, produzindo uma
sensibilização que se estende aos demais processos mentais”. (Bondezan, 2006, p, 41).
Segundo Bondezan (2006), o que provoca a atenção é sempre um motivo que não está
somente no objeto e nem somente no sujeito. Em outras palavras, a atenção é orientada na relação
entre objeto e sujeito. Isso porque o indivíduo se concentra naquilo que está relacionado às suas
experiências e vivências. Contribuindo para a caracterização da atenção, Smirnov e Gonobolin
(1969), apontam que:
A atenção tem manifestações externas: as atitudes e os movimentos. Essas expressões são distintas
quando o sujeito está ocupado em seus pensamentos, ou quando percebe um objeto exterior. Os
signos externos da atenção nem sempre correspondem exatamente ao seu estado real. Junto com a
atenção e distração real pode haver estados de atenção e distração fictícios em que as manifestações
externas não correspondem à situação real. [...] quando falamos de falta de atenção não se quer
dizer que tem uma falta em absoluto, só não está dirigida aquilo em que deveria naquele momento
(Smirnov; Gonobolin,1969, p. 178, tradução nossa).
Diante desta afirmação, compreendemos que o indivíduo poderá não estar atento, por
exemplo, à explicação da professora, por estar focado em outro objeto. Isto é esclarecedor e
desmonta a proposição de que as crianças com dificuldades no controle da atenção e no domínio
da conduta não possuem atenção. “Nesses casos, estamos diante das formas involuntárias de
atenção em que são os estímulos que determinam as reações de atenção.” (Mesquita; Pasqualini,
2008, p. 55).
De acordo com Smirnov e Gonobolin (1969), a atenção tem um papel muito importante
nas funções perceptivas, sendo indispensável para qualquer atividade humana. Bondezan (2006)
complementa que quanto mais a atenção se desenvolve, orientada pelo saber, mais os processos
cognitivos e demais capacidades se enriquecem, orientando melhor esta atividade.
Como mencionado anteriormente, toda função psicológica tem suas qualidades
elementares - comuns a homens e animais - e as superiores - especificamente humanas. Sendo
assim, a atenção se distingue em involuntária e voluntária. A atenção involuntária e voluntária
possui especificidades. Mesquita e Pasqualini (2008), apontam que as suas diferenças se dão no
que se refere à gênese, estrutura, funcionamento e propriedades da atenção.
Um reflexo de orientação motivado pelas trocas e oscilações do meio exterior, ou seja, pela aparição
de um estímulo que até agora não existia e que num momento dado atua pela primeira vez sobre o
sujeito. [...]. Nem toda mudança do meio atrai a atenção involuntária, outros estímulos que atuam
ao mesmo tempo podem inibir o reflexo da orientação. Para que o novo estimulo se faça objeto da
atenção é necessário que se tenha certas particularidades que permitam destacá-lo entre os demais
que atuam sobre o homem neste momento (Smirnov; Gonobolin, 1969, p. 180, tradução nossa).
Bondezan (2006) define a atenção involuntária como espontânea e Luria (1979) aponta que
ela ocorre quando o sujeito é atraído por um estímulo forte, seja ele novo ou interessante. Smirnov
e Gonobolin (1969) descreve esse estímulo, apontando particularidades:
Os estímulos fortes (a luz intensa, as cores brilhantes, os sons e os odores fortes) facilmente
chamam a atenção, já que segundo a lei da força quanto mais forte é o estímulo maior será a
excitação causada e, portanto, maior sua reflexão. [...]. Não tem somente importância a força
absoluta do estímulo, mas também a relativa, ou seja, a relação entre a força do estímulo dado e as
de outros entre os quais atua e que lhe servem como de fundo. Um estímulo forte pode passar
despercebido se atua ao fundo de outros estímulos também fortes (Smirnov; Gonobolin, 1969,
p. 180, tradução nossa).
Isto quer dizer que alguns estímulos fortes podem ser despercebidos pelo indivíduo, caso
ele já estivesse recebendo outros estímulos fortes. O autor ainda aponta que em todos os casos o
contraste entre os estímulos tem um papel decisivo para chamar a atenção involuntária. As
alterações súbitas e repetidas dos estímulos chamam muito mais a atenção, sendo que a novidade
dos objetos e fenômenos é uma das causas deste tipo de atenção (Smirnov e Gonobolin, 1969).
Smirvov e Gonobolin (1969), apontam que a atenção é determinada pelo estado do sujeito,
sendo que seus interesses e necessidades são relevantes, e essas necessidades estão relacionadas
com as satisfações e insatisfações do indivíduo. “Tudo que corresponde aos interesses tem uma
atitude emocional claramente manifestada e determinada, que se faz facilmente objeto da atenção
involuntária” (Smirnov; Gonobolin, 1969, p. 181, tradução nossa). O autor também elenca outros
determinantes da atenção sendo eles: o estado de ânimo da pessoa, o estado de cansaço e destaca
o estado do cortex cerebral como preponderante devido ao seu estado de atividade ou de inibição,
pois é importante o foco da excitação dominante que o cérebro possui no momento dado.
Sobre o desenvolvimento da atenção involuntária, Luria (1979) pontua que:
Os indícios do desenvolvimento da atenção involuntária estável manifestam-se nitidamente nas
primeiras semanas de vida da criança. Podem ser observado nos primeiros sintomas de
manifestação do reflexo orientado: a fixação do objeto pelo olhar, interrupção dos movimentos de
sucção à primeira vista dos objetos ou com a manipulação destes. Pode-se afirmar com todo
fundamento que os primeiros reflexos condicionados começam a formar-se no recém-nascido
com base no reflexo orientado, noutros termos, somente se a criança presta atenção ao estímulo,
discriminando-o e se concentra nele (Luria, 1979, p.29 grifo do autor).
De acordo com Luria (1979), podemos observar este tipo de atenção na criança de idade
tenra e pré-escolar, sendo que no primeiro ano de vida e na primeira infância a atenção tem caráter
instável e seu volume é pequeno, o que faz com que esta criança perca muito rapidamente a atenção
influenciada pelos diversos estímulos.
Segundo Smirnov e Gonobolin (1969), a atenção voluntária se diferencia da atenção
involuntária, por ser determinada por finalidades dirigidas de forma consciente. As tarefas feitas
conscientemente determinam os objetos, os fenômenos, as pecularidades e características que são
necessárias para fixar a atenção e realizar determinada atividade.
A base da atenção voluntária são as conexões que se tem formado com a experiência passada entre
uma tarefa e outra, mais precisamente sua forma verbal (já que toda tarefa se forma verbalmente)
e os atos que correspondem a uma direção determinada de atenção. Cada vez que se faz a mesma
tarefa se atualizam de novo as conexões indispensáveis para a execução dos atos que exige. Isto
significa que a atenção se submete a tarefa ativa (Smirnov; Gonobolin, 1969, p. 182, tradução
nossa).
Contribuindo para a caracterização da atenção voluntária, Luria (1979) aponta que este tipo
de atenção é exclusivo do homem, sendo que o principal indicador de sua existência se dá pela
capacidade do homem de se concentrar arbitrariamente e alternadamente em diferentes objetos,
até mesmo em situações em que ocorrem mudanças no seu redor.
Esta afirmação nos remete a pensar uma discussão já abordada sobre as funções
psicológicas superiores, pois estas são formadas no plano interpsicológico e dependem da
apropriação da cultura. Bondezan (2006), afirma que Leontiev (1978), pressupunha que a atenção
voluntária foi sendo desenvolvida na filogênese por meio da atividade do trabalho.
Nessa mesma direção, “a chamada atenção voluntária é a atenção consciente dirigida e
orientada, pela qual o sujeito escolhe conscientemente o objeto sobre o qual está orientada a sua
atenção” (Bondezan, 2006, citado por Rubinstein a1973c, p. 97-98).
Em conformidade, Leite e Tuleski (2011, p. 115) afirmam: “A história da atenção
voluntária está intimamente ligada ao desenvolvimento cultural do ser humano”. As autoras
apontam que com o esforço de dominar e orientar a própria atenção, ocorre um grande trabalho
interno do sujeito,
Em suma, sobre a caracterização da atenção voluntária, Ferracioli et al. (2014, p. 7) expõem
que: “ela se caracteriza pela conscientização da percepção e colabora decisivamente para a
realização de atividades voltadas a um fim em específico.” Os autores relatam que sem a atenção
voluntária, o controle da conduta seria impossível, por isto que ela possui grande importância no
sistema psíquico interfuncional.
[...] a atenção voluntária e o autocontrole da conduta são conquistas que o sujeito fará durante seu
desenvolvimento nas relações interpsíquicas que estabelece em determinadas condições histórico-
sociais. Se estas não forem minimamente adequadas, ou melhor, se as atividades interpsíquicas não
forem satisfatórias e não produzirem as aprendizagens necessárias à promoção do
desenvolvimento, este não ocorrerá. (Ferracioli et al., 2014, p. 8)
Apesar das diferenças que foram apontadas entre a atenção involuntária e a atenção
voluntária, cabe ressaltar - como aponta Smirnov e Gonobolin (1969) - que a atenção involuntária
e a voluntária não se separam por completo, já que em algumas situações uma pode passar a ser a
outra. Bondezan (2006) caracteriza esta situação apontando que:
[...] a atenção voluntária pode passar a ser involuntária se o objeto do qual se ocupa deixa de ser
interessante para o sujeito, se a atividade que dirige a atenção perde o sentido. Pode também
acontecer o contrário, a atenção involuntária passa a ser voluntária sempre que algo percebido por
acaso despertar o interesse e, portanto, prender a atenção do sujeito (Bondezan, 2006, p. 46).
Leite, Hilusca Alves; Tuleski, Silvana Calvo. (2012). TDAH ou não desenvolvimento da atenção
voluntária? Compreensão a partir da Psicologia Histórico-Cultural. In: IV Congresso da
ULAPSI, Montevidéu - Uruguai. IV Congresso da ULAPSI.
Luria, A. R. (1979). Atenção e memória. In: A. R. Luria. Curso de Psicologia Geral (Vol. III). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira.
Martins, Lígia Márcia. (2015). A internalização de signos como intermediação entre a psicologia
histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, v.
7, p. 31-46.
Mesquita, Afonso A. Pasqualini, J.C. (2008). Desenvolvimento Infantil: Uma Introdução à Escola
de Vigotski e suas Implicações para o Ensino na Educação Infantil.
Smirnov, A.A.; Gonobolin, F.N. (1969). La atencion. In:. Smirnov, A.A; Rubinstein, S.L.;