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O PAPEL DA EDUCAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA:

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

Tacyemy da Silva dos Santos*, (Departamento de Pedagogia - Universidade Estadual de Londrina- UEL,
Londrina - PR, Brasil); Nadia Mara Eidt (Departamento de Pedagogia - Universidade Estadual de Londrina-
UEL, Londrina - PR, Brasil).
tacyemy@outlook.com

Palavras-chave: Psicologia Histórico-Cultural. Psiquismo. Atenção.

Esse artigo, oriundo de uma pesquisa bibliográfica, tem por objetivo apresentar as
contribuições da psicologia histórico-cultural para a compreensão da atenção. Tal estudo se
justifica em virtude dos elevados números de crianças diagnosticadas e medicadas em decorrência
do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Como resultados, temos que os conceitos
da Psicologia da Histórico Cultural contribuem para o entendimento da natureza social do
psiquismo, e, portanto, a atenção não resulta de características inatas, mas sim da apropriação da
cultura, já que as funções superiores são formadas no decurso da história social, nas relações com
outros homens, que colaboram para a internalização dos signos. O professor assume papel central,
pois deverá disponibilizar signos, que devem incidir na zona de desenvolvimento iminente. A
atenção voluntária não deve ser entendida como um pré-requisito para a aprendizagem. Além
disso, a evolução da atenção involuntária não provoca o surgimento da atenção voluntária, pois
para que isto ocorra é necessária a motivação do adulto na inserção da criança em novas atividades,
orientando e organizando sua atenção. É por meio da escolarização que essa função se
desenvolverá.

1. Conceitos centrais da Psicologia Histórico-Cultural

Segundo Martins (2013), o que marcou a origem da psicologia histórico cultural foi a
afirmação da natureza social do psiquismo humano. Os proponentes desta perspectiva - Lev
Semenovich Vigotski, Alexander Romanovich Luria e Alexis Nikolaevich Leontiev, uniram- se
na construção de uma nova psicologia baseada na concepção filosófica do materialismo dialético,
pois esta concepção possibilitava a superação da concepção materialista mecanicista e idealista
presentes em outras correntes da psicologia:
O materialismo dialético é a lógica da realidade, da matéria em movimento, e, portanto, a lógica da
contradição. Afirma que tudo contém em si as forças que levam à sua negação, isto é, sua
transformação em outra qualitativamente superior (superação). Sendo teoria e método do
conhecimento, considera as condições reais, materiais e sociais encarnadas nas relações sociais de
produção como ponto de partida e critério de validação do saber. O conhecimento é concebido
como apreensão do real (em sua materialidade e movimento) pelo pensamento. Sistematizado por
Marx e Engels, representa a dimensão metodológica do sistema filosófico por eles desenvolvido[...]
(Martins, 2016. p. 43 citado por Chaui, 1995, 1986).

Pasqualini (2016) explica que esta concepção filosófica entende o homem como um ser
histórico e social em que ele é “produto” e “produtor” da sociedade. Como aponta a autora, um
pressuposto fundamental do pensamento marxista é a ideia do salto ontológico que explica o
processo de surgimento da espécie humana, ou seja, o homem sem deixar de ser animal, se
diferencia dos animais de modo radical, se tratando de um ser social.
De acordo com Bondezan (2006), um dos aspectos essenciais que diferenciam os homens
dos animais é a capacidade de trabalho que demandou a produção de instrumentos e da linguagem,
acarretando modificações psíquicas, anatômicas e fisiológicas:

As modificações anatômicas e fisiológicas devidas ao trabalho acarretaram necessariamente uma


transformação global do organismo, dada a interdependência natural dos órgãos. Assim, o
aparecimento e o desenvolvimento do trabalho modificaram a aparência física do homem bem
como a sua organização anatômica e fisiológica (Bondezan, 2006, p. 18 citado por Leontiev, 1978,
p. 73).

Trata-se de um processo por meio do qual o homem modifica a natureza e, ao mesmo


tempo, transforma a si mesmo. Detalhando esse processo, Bondezan (2006, citado por Leontiev,
1978), explicita que o desenvolvimento do trabalho acarretou a transformação e a hominização do
cérebro, dos órgãos de atividade externa e dos órgãos dos sentidos. A origem da consciência do
homem se deu na apropriação do trabalho como uma atividade social.
A consciência é constituída por funções psíquicas que, de acordo com Martins (2015, p.
70), “são uma capacidade ou propriedade de ação de que dispõe nosso psiquismo no processo de
captação da realidade objetiva.” Se constituem como funções psíquicas: sensação, percepção,
atenção, memória, linguagem, pensamento, imaginação, sentimentos (Martins, 2015).
De acordo com Martins (2016), Vigotski postulou que o desenvolvimento humano segue
duas linhas e leis de natureza distintas: a linha de desenvolvimento orgânico e a linha de
desenvolvimento cultural. Embora essas linhas distintas se entrecruzem, elas não se identificam e
nem se reduzem uma à outra. E os estudos da estrutura funcional destas linhas resultou na
proposição acerca das diferenças entre o que Vigotski identificou como funções psíquicas
elementares e funções psíquicas superiores. De acordo com Martins (2016, p. 50), as funções
denominadas elementares são aquelas que “compreendem os dispositivos naturais, biológicos, que
sustentam um tipo de relação do ser com a natureza calcado no padrão estímulo – resposta.” Ou
seja, são aquelas funções que o homem já possui ao nascer e que são eminentemente biológicas,
sendo seu funcionamento involuntário. As funções elementares são comuns aos homens e aos
animais. Como exemplo, temos a sensação, percepção, atenção e memória.
Já as funções psicológicas superiores são aquelas formadas no decurso da história social,
sendo próprias apenas dos seres humanos. Estas funções possuem sua gênese no trabalho. São
exemplos de funções psicológicas elementares a atenção voluntária, memória voluntária,
pensamento abstrato (Bondezan, 2006).
Martins (2016) explica que as funções psíquicas se transformam e requalificam-se num
processo de superação da natureza diante da apropriação da cultura. A autora destaca que estas
funções não são hierarquizadas, ou seja: “o percurso do desenvolvimento não ascende do natural
ao cultural, mas imbrica essas linhas contínua e permanentemente à medida das contradições
geradas pela vida social entre o legado da natureza e o requerido pela cultura” (Martins, 2016, p.
50).
A mesma autora afirma que (2016), Vigotski se baseou na tese de Marx que aponta o
psiquismo humano como o conjunto das relações sociais transportadas ao interior e convertidas
nos fundamentos da estrutura social da personalidade, para criar uma formulação chamada de “lei
genética geral do desenvolvimento cultural do psiquismo”. De acordo com esta lei, toda função
psíquica superior existe antes no plano externo, de forma interpsíquica, para, posteriormente, se
converter em categoria intrapsíquica. Esta lei também aponta que o desenvolvimento cultural da
criança ocorre duas vezes, uma no plano social e outra no psicológico.
Segundo Bondezan (2006, p. 20) “as funções psíquicas vão se formando desde a infância
e se modificando ao longo de toda vida.” Esse processo de transformação das funções psicológicas
elementares em superiores se dá pela mediação de signos, que são os meios auxiliares para a
solução de tarefas psicológicas (Pasqualini, 2016). De acordo com Martins (2016), para Vigotski,
os signos são as ferramentas ou instrumentos técnicos de trabalho pelos quais o próprio psiquismo
se desenvolve e opera, sendo capaz de aperfeiçoar comportamento humano e seu papel só pode
ser encontrado na função instrumental que assume.
Tendo definido o conceito de signo, agora é necessário falar sobre o conceito de mediação.
Para a psicologia histórico-cultural, o conceito de mediação é central. É preciso esclarecer que
quem medeia a relação do sujeito com o mundo é o signo:

O elemento que medeia é o signo, que converte a imagem sensorial mental em imagem dotada de
significação. O veículo da mediação é o outro ser social, que já os tem internalizado. A atividade
mediadora é aquela que visa, então, a disponibilização de signos, provocando as referidas
transformações na imagem subjetiva da realidade objetiva dos sujeitos em formação (Martins,
2015, p. 59).

A internalização de signos é considerada “o divisor de águas” entre o funcionamento


psíquico elementar e as formas superiores de comportamento. Para que esse salto qualitativo
ocorra, o desenvolvimento da linguagem é imprescindível (Martins, 2015).
Pasqualini (2009) esclarece que os signos mais importantes e mais utilizados pelo homem
são as palavras. A autora ainda expõe que ocorre uma revolução no psiquismo da criança, quando
ela passa a nomear os objetos, criando relações com eles mesmo em sua ausência, abandonando a
visão de mundo sincrética:

As palavras permitem à criança, portanto, estabelecer nexos objetivos entre as diversas partes da
situação percebida, a qual adquire um aspecto novo: “[...] a palavra distingue diversos objetos,
fraciona a conexão sincrética, a palavra analisa o mundo, a palavra é o instrumento fundamental da
análise. Para a criança, designar verbalmente um objeto significa separá-lo da massa geral dos
objetos e destacar somente um” (Pasqualini, 2009 p. 39 citado por Vygotski, 1995, p.280).

Segundo Pasqualini (2016), além da função designadora, a linguagem possui também a


função reguladora, que age sobre a conduta, proporcionando autodomínio do comportamento.
Como aponta Luria (1987, citado por Pasqualini, 2016), a primeira etapa do desenvolvimento da
função reguladora da linguagem é a capacidade da criança de se orientar por meio de instruções
verbais.A próxima etapa, a criança passa a utilizar a sua própria linguagem para orientar sua
conduta, ou seja, dá ordens a si mesma, manifestando a fala egocêntrica, responsável por planejar
determinadas ações de iniciativa própria. E na etapa posterior, por volta dos 4-5 anos, é quando a
criança emite comandos verbais a si mesma.

A fala externa vai deixando de ser necessária na medida em que a criança avança no processo de
internalização da linguagem, ou seja, na medida em que esta se transforma em um processo interno
intrapsíquico de autorregulação da conduta: a linguagem externa da criança interioriza-se
(Pasqualini, 2016, p. 83).

E como se dá a relação entre a aprendizagem e do desenvolvimento nessa perspectiva


teórica? Pasqualini (2016) aponta que Vigotski não desconsidera que, em certa medida, a
aprendizagem depende do desenvolvimento, mas explicita a relação inversa: o desenvolvimento
dependente do processo de ensino-aprendizagem. Isso significa que a aprendizagem promove e
impulsiona o desenvolvimento de capacidades psíquicas na criança. A autora esclarece, porém,
que nem toda a aprendizagem levará ao desenvolvimento, ou seja, determinadas aprendizagens
apenas exercitam aquilo que já está formado na criança.
O conceito da teoria da zona de desenvolvimento real ou iminente criado por Vigotski
contribui para esta discussão da aprendizagem e desenvolvimento. De acordo com Martins (2016,
p. 60): “Vigotski caracterizou o nível de desenvolvimento real, como expressão do
desenvolvimento psíquico que já foi consumado, possibilitando à criança realizar ações
autonomamente.” Ou seja, são aquelas ações que a criança consegue realizar sozinha sem a ajuda
de outros indivíduos, demostrando as competências já conquistadas e interiorizadas.
Segundo Pasqualini (2016), o conceito de zona de desenvolvimento iminente diz respeito
às potencialidades ou possibilidades de desenvolvimento psíquico da criança. Esta zona é
constituída pelas funções psíquicas que ainda não estão formadas na criança, mas que já começam
a surgir, ou seja, aquelas que estão iniciando o seu ciclo de desenvolvimento.

Somente agimos sobre a zona de desenvolvimento proximal, provocando desenvolvimento


psíquico, quando transmitimos à criança conhecimentos cuja complexidade demanda capacidades
e processos de pensamento ainda não formados em seu psiquismo. Para isso, precisamos estruturar
organizar e mediar sua atividade, de forma que, ao se relacionar com o conteúdo de ensino e dele
se apropriarem, novas capacidades e funções psíquicas possam se formar. (Pasqualini, 2016, p. 92).
Meira (2016) aponta que as práticas pedagógicas devem se voltar para a zona de
desenvolvimento iminente dos alunos, considerando as características que são produzidas de modo
diverso em cada período de desenvolvimento. Contribuindo para o entendimento do conceito de
zona de desenvolvimento iminente no âmbito escolar, Pasqualini (2016) expõe:

Para identificar as funções psíquicas que estão iniciando seu ciclo de desenvolvimento, Vigotski
defendia ser necessário um novo procedimento de avaliação. O professor deve atentar não apenas
ao que a criança já é capaz de realizar com autonomia, ou seja, não basta avaliar o desempenho
independente da criança. Tem fundamental importância como indicador de seu desenvolvimento o
desempenho da criança em colaboração com um par mais desenvolvimento. A avaliação do
desenvolvimento deve envolver, portanto, a intervenção do adulto, a quem cabe mediar a solução
da tarefa, oferecendo auxílio à criança na resolução de problemas que ela ainda não é capaz de
resolver sozinha. (Pasqualini, 2016, p. 90)

Cabe ao professor auxiliar o aluno na resolução das atividades que não consegue realizar
individualmente. Além disso, vale ressaltar que:

É preciso que o desenvolvimento das funções psíquicas seja intencionalmente buscado pela criança
como condição para a realização da ação: se compreende a finalidade da ação e se sente
afetivamente inclinada/motivada a alcançá-la, a criança esforça-se por avançar em sua capacidade
de memorização ou concentração, por exemplo. (Pasqualini, 2016, p. 97,98).

Uma função psíquica que será imprescindível no processo de aprendizagem dos escolares
é a atenção. A seguir apresentaremos a definição de atenção e demonstraremos como, de acordo
com essa perspectiva teórica, se dá seu desenvolvimento.

2. Considerações sobre a atenção e seu desenvolvimento.

De acordo com Bondezan (2006), no final do século XIX e início do século XX, os estudos
sobre atenção se intensificaram e foram várias as abordagens teóricas que buscaram definir este
termo. Para os estudiosos da Gestalt, não se podia separar atenção e percepção; já os behavioristas
acreditavam que o sentido da atenção era motivado pela emoção, e, desta forma não merecia um
lugar de destaque. De acordo com Bondezan (2006), Vigotski (1998), apontou que nenhuma delas
oferecia uma explicação satisfatória, pois de acordo com Teoria Histórico-Cultural, a atenção não
pode se separar dos comportamentos reflexos e muito menos partir apenas desses comportamentos,
pois ela é um processo consciente.
Luria (1979, p. 1) define atenção como “a seleção da informação necessária, o
asseguramento dos programas seletivos de ação e a manutenção de um controle permanente sobre
elas.” O autor esclarece que sem esta função de caráter seletivo da atividade consciente, a
quantidade de informação recebida pelo homem seria muito desorganizada e intensa,
impossibilitando-o de realizar atividades complexas.
Nessa mesma direção, Bondezan (2006) aponta que a capacidade de atenção desempenha
uma função essencial na vida do ser humano, já que organiza o seu comportamento, direcionando
a percepção do indivíduo e organizando sua conduta para a realização da atividade. A autora ainda
aponta outra função da atenção: “a atenção modifica a estrutura do processo psíquico, permitindo
ao indivíduo uma maior receptividade das impressões e dos pensamentos, produzindo uma
sensibilização que se estende aos demais processos mentais”. (Bondezan, 2006, p, 41).
Segundo Bondezan (2006), o que provoca a atenção é sempre um motivo que não está
somente no objeto e nem somente no sujeito. Em outras palavras, a atenção é orientada na relação
entre objeto e sujeito. Isso porque o indivíduo se concentra naquilo que está relacionado às suas
experiências e vivências. Contribuindo para a caracterização da atenção, Smirnov e Gonobolin
(1969), apontam que:

A atenção tem manifestações externas: as atitudes e os movimentos. Essas expressões são distintas
quando o sujeito está ocupado em seus pensamentos, ou quando percebe um objeto exterior. Os
signos externos da atenção nem sempre correspondem exatamente ao seu estado real. Junto com a
atenção e distração real pode haver estados de atenção e distração fictícios em que as manifestações
externas não correspondem à situação real. [...] quando falamos de falta de atenção não se quer
dizer que tem uma falta em absoluto, só não está dirigida aquilo em que deveria naquele momento
(Smirnov; Gonobolin,1969, p. 178, tradução nossa).

Diante desta afirmação, compreendemos que o indivíduo poderá não estar atento, por
exemplo, à explicação da professora, por estar focado em outro objeto. Isto é esclarecedor e
desmonta a proposição de que as crianças com dificuldades no controle da atenção e no domínio
da conduta não possuem atenção. “Nesses casos, estamos diante das formas involuntárias de
atenção em que são os estímulos que determinam as reações de atenção.” (Mesquita; Pasqualini,
2008, p. 55).
De acordo com Smirnov e Gonobolin (1969), a atenção tem um papel muito importante
nas funções perceptivas, sendo indispensável para qualquer atividade humana. Bondezan (2006)
complementa que quanto mais a atenção se desenvolve, orientada pelo saber, mais os processos
cognitivos e demais capacidades se enriquecem, orientando melhor esta atividade.
Como mencionado anteriormente, toda função psicológica tem suas qualidades
elementares - comuns a homens e animais - e as superiores - especificamente humanas. Sendo
assim, a atenção se distingue em involuntária e voluntária. A atenção involuntária e voluntária
possui especificidades. Mesquita e Pasqualini (2008), apontam que as suas diferenças se dão no
que se refere à gênese, estrutura, funcionamento e propriedades da atenção.

Atenção Atenção Voluntária


Involuntária
Gênese Natural. Cultural.
Reação mediada por
Estrutura Reação imediata.
signos.
Determinado pelos É controlada
Funcionamento
estímulos do ambiente. voluntariamente.
Concentração, Concentração,
Propriedades intensidade e constância. intensidade, constância e
vontade.
Quadro 1: Propriedades da atenção em suas formas involuntária e voluntária.
Fonte: (MESQUITA; PASQUALINI, 2008, p. 50).

Como podemos observar a partir do quadro, a gênese da atenção involuntária é


caracterizada como sendo natural, sua estrutura possui uma reação imediata, seu funcionamento é
determinado pelos estímulos do ambiente e suas propriedades são a concentração, a intensidade e
a constância. Já na atenção voluntária, a gênese é cultural, sua estrutura tem a reação mediada por
signos, seu funcionamento pode ser controlado voluntariamente e suas propriedades são a
concentração, a intensidade, a constância e a vontade. Essas propriedades serão devidamente
exploradas mais adiante.
De acordo com Smirnov e Gonobolin (1969), a atenção involuntária se caracteriza por ser

Um reflexo de orientação motivado pelas trocas e oscilações do meio exterior, ou seja, pela aparição
de um estímulo que até agora não existia e que num momento dado atua pela primeira vez sobre o
sujeito. [...]. Nem toda mudança do meio atrai a atenção involuntária, outros estímulos que atuam
ao mesmo tempo podem inibir o reflexo da orientação. Para que o novo estimulo se faça objeto da
atenção é necessário que se tenha certas particularidades que permitam destacá-lo entre os demais
que atuam sobre o homem neste momento (Smirnov; Gonobolin, 1969, p. 180, tradução nossa).

Bondezan (2006) define a atenção involuntária como espontânea e Luria (1979) aponta que
ela ocorre quando o sujeito é atraído por um estímulo forte, seja ele novo ou interessante. Smirnov
e Gonobolin (1969) descreve esse estímulo, apontando particularidades:

Os estímulos fortes (a luz intensa, as cores brilhantes, os sons e os odores fortes) facilmente
chamam a atenção, já que segundo a lei da força quanto mais forte é o estímulo maior será a
excitação causada e, portanto, maior sua reflexão. [...]. Não tem somente importância a força
absoluta do estímulo, mas também a relativa, ou seja, a relação entre a força do estímulo dado e as
de outros entre os quais atua e que lhe servem como de fundo. Um estímulo forte pode passar
despercebido se atua ao fundo de outros estímulos também fortes (Smirnov; Gonobolin, 1969,
p. 180, tradução nossa).

Isto quer dizer que alguns estímulos fortes podem ser despercebidos pelo indivíduo, caso
ele já estivesse recebendo outros estímulos fortes. O autor ainda aponta que em todos os casos o
contraste entre os estímulos tem um papel decisivo para chamar a atenção involuntária. As
alterações súbitas e repetidas dos estímulos chamam muito mais a atenção, sendo que a novidade
dos objetos e fenômenos é uma das causas deste tipo de atenção (Smirnov e Gonobolin, 1969).
Smirvov e Gonobolin (1969), apontam que a atenção é determinada pelo estado do sujeito,
sendo que seus interesses e necessidades são relevantes, e essas necessidades estão relacionadas
com as satisfações e insatisfações do indivíduo. “Tudo que corresponde aos interesses tem uma
atitude emocional claramente manifestada e determinada, que se faz facilmente objeto da atenção
involuntária” (Smirnov; Gonobolin, 1969, p. 181, tradução nossa). O autor também elenca outros
determinantes da atenção sendo eles: o estado de ânimo da pessoa, o estado de cansaço e destaca
o estado do cortex cerebral como preponderante devido ao seu estado de atividade ou de inibição,
pois é importante o foco da excitação dominante que o cérebro possui no momento dado.
Sobre o desenvolvimento da atenção involuntária, Luria (1979) pontua que:
Os indícios do desenvolvimento da atenção involuntária estável manifestam-se nitidamente nas
primeiras semanas de vida da criança. Podem ser observado nos primeiros sintomas de
manifestação do reflexo orientado: a fixação do objeto pelo olhar, interrupção dos movimentos de
sucção à primeira vista dos objetos ou com a manipulação destes. Pode-se afirmar com todo
fundamento que os primeiros reflexos condicionados começam a formar-se no recém-nascido
com base no reflexo orientado, noutros termos, somente se a criança presta atenção ao estímulo,
discriminando-o e se concentra nele (Luria, 1979, p.29 grifo do autor).

De acordo com Luria (1979), podemos observar este tipo de atenção na criança de idade
tenra e pré-escolar, sendo que no primeiro ano de vida e na primeira infância a atenção tem caráter
instável e seu volume é pequeno, o que faz com que esta criança perca muito rapidamente a atenção
influenciada pelos diversos estímulos.
Segundo Smirnov e Gonobolin (1969), a atenção voluntária se diferencia da atenção
involuntária, por ser determinada por finalidades dirigidas de forma consciente. As tarefas feitas
conscientemente determinam os objetos, os fenômenos, as pecularidades e características que são
necessárias para fixar a atenção e realizar determinada atividade.

A base da atenção voluntária são as conexões que se tem formado com a experiência passada entre
uma tarefa e outra, mais precisamente sua forma verbal (já que toda tarefa se forma verbalmente)
e os atos que correspondem a uma direção determinada de atenção. Cada vez que se faz a mesma
tarefa se atualizam de novo as conexões indispensáveis para a execução dos atos que exige. Isto
significa que a atenção se submete a tarefa ativa (Smirnov; Gonobolin, 1969, p. 182, tradução
nossa).

Contribuindo para a caracterização da atenção voluntária, Luria (1979) aponta que este tipo
de atenção é exclusivo do homem, sendo que o principal indicador de sua existência se dá pela
capacidade do homem de se concentrar arbitrariamente e alternadamente em diferentes objetos,
até mesmo em situações em que ocorrem mudanças no seu redor.
Esta afirmação nos remete a pensar uma discussão já abordada sobre as funções
psicológicas superiores, pois estas são formadas no plano interpsicológico e dependem da
apropriação da cultura. Bondezan (2006), afirma que Leontiev (1978), pressupunha que a atenção
voluntária foi sendo desenvolvida na filogênese por meio da atividade do trabalho.
Nessa mesma direção, “a chamada atenção voluntária é a atenção consciente dirigida e
orientada, pela qual o sujeito escolhe conscientemente o objeto sobre o qual está orientada a sua
atenção” (Bondezan, 2006, citado por Rubinstein a1973c, p. 97-98).
Em conformidade, Leite e Tuleski (2011, p. 115) afirmam: “A história da atenção
voluntária está intimamente ligada ao desenvolvimento cultural do ser humano”. As autoras
apontam que com o esforço de dominar e orientar a própria atenção, ocorre um grande trabalho
interno do sujeito,
Em suma, sobre a caracterização da atenção voluntária, Ferracioli et al. (2014, p. 7) expõem
que: “ela se caracteriza pela conscientização da percepção e colabora decisivamente para a
realização de atividades voltadas a um fim em específico.” Os autores relatam que sem a atenção
voluntária, o controle da conduta seria impossível, por isto que ela possui grande importância no
sistema psíquico interfuncional.

[...] a atenção voluntária e o autocontrole da conduta são conquistas que o sujeito fará durante seu
desenvolvimento nas relações interpsíquicas que estabelece em determinadas condições histórico-
sociais. Se estas não forem minimamente adequadas, ou melhor, se as atividades interpsíquicas não
forem satisfatórias e não produzirem as aprendizagens necessárias à promoção do
desenvolvimento, este não ocorrerá. (Ferracioli et al., 2014, p. 8)

Apesar das diferenças que foram apontadas entre a atenção involuntária e a atenção
voluntária, cabe ressaltar - como aponta Smirnov e Gonobolin (1969) - que a atenção involuntária
e a voluntária não se separam por completo, já que em algumas situações uma pode passar a ser a
outra. Bondezan (2006) caracteriza esta situação apontando que:

[...] a atenção voluntária pode passar a ser involuntária se o objeto do qual se ocupa deixa de ser
interessante para o sujeito, se a atividade que dirige a atenção perde o sentido. Pode também
acontecer o contrário, a atenção involuntária passa a ser voluntária sempre que algo percebido por
acaso despertar o interesse e, portanto, prender a atenção do sujeito (Bondezan, 2006, p. 46).

Segundo Smirnov e Gonobolin (1969), a atenção possui algumas particularidades, sendo


elas: o seu grau de concentração, sua intensidade, sua distribuição, sua constância e a sua
capacidade de mudança de um objeto para outro.
Para os autores, o grau de concentração da atenção está determinado pela seleção de um
círculo limitado de objetos ao que está dirigida. Quanto mais reduzido este círculo de objetos, mais
concentrada será a atenção. Mesquita e Pasqualini (2008) exemplificam esse processo dizendo que
a concentração se refere à quando estamos procurando um objeto pequeno e temos que nos atentar
aos detalhes.
De acordo com Luria (1979, p. 02), entende-se por volume da atenção “o número de sinais
recebidos ou associações ocorrentes, que podem conservar-se no centro de uma atenção nítida,
assumindo caráter dominante.” Em conformidade com esta ideia, Bondezan (2006) afirma que o
volume da atenção será maior se esta estiver dirigida a elementos que se relacionam entre si.
A intensidade da atenção, segundo Smirnov e Gonobolin (1979), se caracteriza pelo grau
de interesse aos objetos dados e abstração simultânea dos demais aspectos, ou seja, é quando se
tem uma atenção intensa, o sujeito está concentrado em determinado fim e não ao que está a sua
volta. De acordo com Mesquita e Pasqualini (2008), a intensidade seria a capacidade de, por
exemplo, ler num ambiente conturbado.
A distribuição da atenção é o estado e a ação simultânea de duas ou várias ações. Como
por exemplo, a atenção de um motorista, que encontra no caminho com outros motoristas e ao
mesmo tempo se concentra nas voltas da estrada e regula a velocidade do carro (SMIRNOV;
GONOBOLIN, 1969).
Segundo Mesquita e Pasqualini (2008), a constância da atenção se determina pela fixação
prolongada sobre algo, como por exemplo, ouvir uma sinfonia por 40 minutos ininterruptos.
Cabe ressaltar que é necessário diferenciar a troca de atenção para outra atividade de
distração. Isso porque a capacidade de mudança de um objeto para outro pode se efetuar
intencionalmente (Smirnov; Gonobolin, 1969).
Luria (1979) aponta as oscilações como uma característica da atenção que compreende um
processo cíclico, no qual determinados conteúdos da atividade consciente às vezes adquirem
caráter dominante e em outros momentos se perdem. Bondezan (2006, p. 42) esclarece que essas
“oscilações dependem do cansaço, falta de adaptação dos órgãos sensoriais ou, ainda, da
observação de figuras ou imagens ambíguas.”
Após compreendermos o desenvolvimento da atenção, somos capazes de analisar de outra
maneira o tal Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Neste transtorno, as principais
queixas por parte dos professores estão na dificuldade das crianças de se atentarem, concentrarem,
se manterem sentadas, serem hiperativas e não terminarem suas atividades. Essas queixas nos
mostram que essas crianças possuem dificuldades ou problemas no aspecto voluntário de sua
atenção e conduta, ou seja, a atenção dessas crianças é guiada por estímulos e ainda está mal
desenvolvida.
Tendo por base os pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural, é possível afirmar que
essas crianças não possuem necessariamente algum problema cerebral, nem nasceram assim ou
necessitam de medicamentos para o controle da atenção, até porque os remédios não ensinarão o
controle voluntário da conduta. Os medicamentos apenas as deixarão entorpecidas e quietas, dando
a ilusão de estarem calmas e atentas. O que essas crianças precisam, de fato, é de um ensino
adequadamente organizado, em que os profissionais entendam a forma como ocorre o
desenvolvimento da atenção humana e promovam de maneira intencional esse desenvolvimento
(Mesquita; Pasqualini, 2008).
Nessa direção, os conceitos da Psicologia da Histórico Cultural contribuem para o
entendimento da natureza social do psiquismo, e, portanto, a atenção não resulta de características
inatas, mas sim da apropriação da cultura, já que as funções superiores são formadas no decurso
da história social, nas relações com outros homens, que colaboram para a internalização dos signos.
O professor assume papel central, pois deverá disponibilizar esses instrumentos psicológicos, que
devem incidir na zona de desenvolvimento iminente.
Cabe ressaltar que a atenção voluntária não deve ser entendida como um pré-requisito para
a aprendizagem. Além disso, esclarecemos que a evolução da atenção involuntária não provoca o
surgimento da atenção voluntária, pois para que isto ocorra é necessária a motivação do adulto na
inserção da criança em novas atividades, orientando e organizando sua atenção (Mukhina, 1996
citado por Mesquita; Pasqualini, 2008). Enfim, é por meio da escolarização que essa função se
desenvolverá.
Referências

Bondezan, A. N. (2006). Desenvolvimento da Percepção e da Atenção: A relevância das relações


sócio-educacionais. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Maringá, Maringá,
Paraná.
Bondezan, Andreia Nakamura; Palangana, Isilda Campaner. (2009). A função da educação escolar
no desenvolvimento da percepção e da atenção do aluno. Comunicações (UNIMEP), v. 16, p. 55-
73.

Leite, H. A. (2015). A Atenção na constituição do desenvolvimento humano: contribuições da


Psicologia Histórico-Cultural. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Leite, Hilusca Alves; Tuleski, Silvana Calvo. (2012). TDAH ou não desenvolvimento da atenção
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