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Resumo
Este trabalho faz uma reflexão acerca dos processos psicológicos envolvidos no
contexto da escolarização, analisados à luz dos pressupostos da Psicologia Histórico-
Cultural. Para tanto, realizou-se uma revisão de literatura na área, tomando-se o trabalho
dos autores: Vygotsky (1989, 1991, 2000), Rego (1995, 2004), Oliveira, (2003), Góis
(2005), Luria (1987, 1990, 2004), Toassa (2006) e Leontiev (1978). Como foco de
estudo abordaram-se as categorias de análise: desenvolvimento e aprendizagem,
pensamento e linguagem, formação de conceitos, consciência, autoconsciência e
socialização. Concluiu-se que a escolarização é um processo de potencialização das
relações entre desenvolvimento e aprendizado, pensamento e linguagem e, a cada
situação ou conteúdo aprendido, ampliam-se o desenvolvimento e as capacidades do
sujeito.
Palavras-chave: Escolarização. Processos psicológicos. Psicologia histórico-cultural.
Abstract
The present work reflects on the psychological processes involved in the context of
schooling analyzed in light of the assumptions of Historical-Cultural Psychology. In
order to do so, a literature review was carried out in the area, taking the work of the
authors: Vygotsky (1989, 1991, 2000), Rego (1995, 2004), Oliveira, (2003), Góis 1987,
1990, 2004), Toassa (2006), Leontiev (1978). The categories of analysis: development
and learning, thought and language, formation of concepts, consciousness, self-
awareness and socialization were taken as the focus of study. From the readings it has
been that the schooling is a process of potentialization of the relations between
development and learning, thought and language and, to each situation or content
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Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduada em Psicologia pela mesma
instituição. Professora da Faculdade Católica Rainha do Sertão (UNICATÓLICA, Quixadá – CE).
Psicóloga Escolar e Educacional. Contato: candidapsicologia@gmail.com
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Mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Graduada em
Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Contato: luizaeridan@htomail.com
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Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número
25, fevereiro de 2017. www.faceq.edu.br/regs
learned, the development and capacities of the subject are amplified.
Keywords: Schooling. Psychological processes. Historical-cultural psychology.
Introdução
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Temos as chamadas funções psicológicas elementares, que surgem junto com o nascimento da criança e
também se apresentam nos outros animais mais desenvolvidos, como os reflexos e atenção involuntária.
As funções psicológicas superiores, no entanto, se apresentam como transformações em algumas dessas
funções básicas e são fruto da aprendizagem cultural e elaboração humana da relação homem-mundo,
como atenção voluntária, planejamento, generalização, memória lógica, formação de conceitos,
capacidade de comparar e de diferenciar.
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1930, haja vista sua reestruturação cultural, social e econômica decorrente da Revolução
Russa. Para o autor, a consciência é compreendida como “existência consciente” (das
bewusste sein), uma forma de reflexo psíquico (consciente e intencional) da realidade,
originada a partir do modo de organização histórico-cultural.
A função da consciência não se restringe a adaptar-se ao ambiente, mas
apropriar-se e reestruturar-se nessa interação, servindo como sistema orientador e
organizador do comportamento humano. Assim, ao apropriar-se do mundo agindo sobre
ele, os processos psicológicos do homem seguem ancorados nas atividades constituídas
no seio da dinâmica das práticas sociais, tornando possível a análise histórico-científica
da consciência humana, ou seja, como as formas apropriadas da vida humana em uma
sociedade favorecem o desenvolvimento dos processos de ampliação dos limites da
consciência e da criação de códigos.
A consciência deixa, portanto, de ser uma ‘qualidade intrínseca do espírito
humano’, sem história e inacessível à análise causal. Começamos a entendê-
la como a forma mais elevada da realidade criada pelo desenvolvimento
sócio-histórico: um sistema de agentes que existe objetivamente produz a
consciência humana, e a análise histórica se torna acessível. (LURIA, 1990,
p. 25)
Com efeito, a noção de sujeito ganha sentido somente quando investigadas as
condições em que se insere, compreendendo-o como fruto da aprendizagem, da
atividade e da apropriação do mundo mediado por grupos culturais. O indivíduo
internaliza4 de forma ativa e singular os códigos sociais, sofrendo múltiplas influências
no decorrer de seu desenvolvimento, seja através da família, da classe social à qual
pertence, seja de sua história educativa, dentre outras (REGO, 2004).
No caso deste estudo, inseridos numa sociedade escolarizada, a valorização da
orientação pedagógica escolar ganha papel importante no âmbito de articulação entre
atividades sociais, processos reflexivo-conscientes, apropriação de uma cultura,
socialização, inserção nos códigos sociais, interação e mediação, refletindo uma noção
de desenvolvimento humano, próprio dessa sociedade. Nesse sentido, entendemos que a
escola faz diferença quando nos referimos ao desenvolvimento do sujeito.
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Tendo como base a operação com signos, o processo de internalização se constitui como uma
reestruturação interna de uma operação externa, a reconstrução de uma atividade psicológica a partir de
formas culturais de comportamento. Uma reconfiguração do plano interpessoal (interpsicológico) para o
plano intrapessoal (intrapsicológico) (VYGOTSKY, 1989).
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Em termos das relações entre escolarização e desenvolvimento psicológico,
podemos afirmar que nas sociedades escolarizadas a passagem pela escola é
uma forma primordial de atividade da criança e jovens e a escola é central
nas concepções sobre a periodização do desenvolvimento. (OLIVEIRA,
2003, p. 4)
1 Metodologia
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fonte que orienta, estimula e ativa o desenvolvimento, deflagrando diversos processos
que não poderiam se constituir, caso não houvesse o ato de aprender. Ou seja, o
desenvolvimento não é natural ou espontâneo, muito menos um conjunto de hábitos e
reflexos condicionados, mas se constitui enquanto fruto da aprendizagem obtida nas
interações sociais. Nesse sentido, aprendizado e desenvolvimento são fenômenos que
não coincidem e, no entanto, estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida
humano.
A criança, mesmo antes de ingressar na escola, já possui formas de
compreensão do mundo, processos de aprendizagem e noções sobre quantidade e
matemática, por exemplo, adquiridas através de seu contato com outras pessoas
significativas, pais, amigos, etc. Esse conhecimento pré-escolar é aprendido em seu
cotidiano e elaborado através da própria experiência de forma não sistematizada,
enquanto o aprendizado escolar possui outras características, dentre elas, a
sistematização do conhecimento elaborado cientificamente. O papel da escolarização,
entretanto, não se restringe somente a esse fato, segundo Vygotsky (1989, p. 95) “o
aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da
criança”.
Em sua concepção, o autor distingue dois níveis de desenvolvimento: o nível
de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. O primeiro se
caracteriza pelo resultado de ciclos de desenvolvimento já adquiridos e resulta na
aquisição real de funções psicológicas, podendo ser observado através daquilo que o
indivíduo consegue fazer por si mesmo, de modo independente. O segundo define-se
pelas funções que se apresentam em estado latente, em processo de amadurecimento, o
limite de desenvolvimento permitido em dado momento. A distância entre o primeiro e
o segundo determina a zona de desenvolvimento proximal, que é a “diferença entre o
nível das tarefas realizáveis com o auxílio de adultos e o nível das tarefas que podem
desenvolver-se com uma atividade independente” (VYGOTSKY, 1991, p. 12).
Essa zona caracteriza-se pela capacidade do indivíduo resolver problemas
através da orientação ou colaboração de companheiros ou adultos mais capazes; trata-se
de um desenvolvimento prospectivo, enquanto a zona de desenvolvimento real
apresenta-se como desenvolvimento retrospectivo. Ela nos permite acesso aos processos
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já atingidos, além daqueles em vias de amadurecimento, possibilitando visualizar um
futuro próximo e, assim, transformar o potencial em real e, a partir do que já foi
desenvolvido, também alargar novas potencialidades.
Uma das principais consequências desse entendimento é a reavaliação do
processo de aprendizagem. Com efeito, o que é aprendido engendra e cria a zona de
desenvolvimento potencial, um aspecto necessário e universal do processamento das
funções psicológicas culturalmente organizadas e tipicamente humanas. Ele ancora o
progressivo desenvolvimento, favorecendo o domínio de operações e tornando base
para outros processos internos de pensamento.
Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a
zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários
processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente
quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em
cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos
tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança.
(VYGOTSKY, 1989, p. 101)
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2.2 O processo de formação de conceitos
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A formação de conceitos, além de integrada ao modo de conhecer, vincula-se
ao tipo de atividade realizada, ou seja, existem diferenças nas atividades cotidianas e
nas atividades educativas. Estas estimulam e desafiam os sujeitos a conhecer e
estabelecer operações mais complexas de processamento psicológico. Ambos os
processos, entretanto, dirigidos pela linguagem, unem-se por fazerem parte de um único
processo, a formação de conceitos. Mesmo diferentes, os dois se relacionam e se
influenciam, pois o conceito sistematizado ainda desconhecido é aproximado,
elaborado, internalizado e enraizado na experiência concreta.
Dessa maneira, compreende-se que os processos psicológicos dependem,
fundamentalmente, de interações sociais e mediações de grupos sociais que interferem
no modo de pensar; assim, é que se afirma não ser qualquer escola que atua na direção
do desenvolvimento potencial dos sujeitos. Ao mesmo tempo, sabemos que além da
escola outros espaços podem estimular e propiciar o desenvolvimento dessas funções
cognitivas, como os espaços de participação comunitários (GÓIS, 2005). De tal modo,
podemos dizer que os conceitos se concretizam na inter-relação do processo psicológico
subjetivo e singular de cada sujeito com o desafiar ou não do ambiente, propiciando o
surgimento de formas de lidar consigo e com o mundo.
Sintetizando, afirmamos que a intenção do ato pedagógico como ação
mediadora é legítima e necessária, pois favorece, em nossa cultura, um modo de pensar
privilegiado que coincide com sua concepção de desenvolvimento. A escola opera, no
âmbito do novo e do desconhecido, uma atividade social peculiar, sendo esse seu
motivo de existir. Dessa forma, tem-se que a escolarização interfere no
desenvolvimento e no pensamento dos indivíduos, no aprofundamento dos nexos
sociais, como, por exemplo, nas formas de conceituar, sendo essa uma das funções
primordiais da escola.
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da linguagem e qual seu papel na formação da consciência. Para ele, o desenvolvimento
de processos psicológicos é um produto das formas sociais, interativas e cooperativas da
vida humana e se dá ao mesmo tempo em que as ações humanas mudam e renovam as
atividades que se manifestam nas práticas sociais. Logo, a linguagem e a fala são
essenciais para a atividade consciente e caracterizam uma organização semiótica da
consciência: “a consciência é o reflexo da realidade refratada através do prisma das
significações e dos conceitos linguísticos, elaborados socialmente” (LEONTIEV, 1978,
p. 88).
[...] a construção de formas complexas de reflexão da realidade e de atividade
se dá juntamente com as mudanças radicais nos processos mentais que
afetam essas formas de reflexão e constituem o substrato do comportamento.
Vygotsky chamou essa proposição de estrutura semântica e sistêmica da
consciência. (LURIA, 1990, p. 26)
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abstrato, verbal e lógico.
O pensamento gráfico-funcional é também chamado de concreto, situacional
ou prático. Sua principal característica é o vínculo estreito que estabelece com a
experiência diária e prática, vivida pelos sujeitos de forma imediata. É denominado de
gráfico porque um fator determinante nessa forma de pensar são as configurações
visuais, a percepção gráfica ou a recordação gráfica de inter-relações entre objetos e
situações vinculadas às formas de classificá-los.
[...] o fator determinante na classificação em complexos é a operação gráfica
ou a recordação gráfica das várias inter-relações entre os objetos. A operação
intelectual fundamental para essa classificação ainda não adquiriu a
qualidade lógico-verbal do pensamento maduro, mas é, por natureza, gráfica
e baseada na memória. De acordo com Vygotsky tais processos de
pensamento são típicos de crianças pré-escolares mais velhas e de crianças da
escola elementar. (LURIA, 1990, p. 69)
Considerações finais
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torna-se possível, por parte dos sujeitos, a construção e a transição de conceitos
cotidianos para concepções e formações conceituais, cada vez mais complexas e
científicas.
As relações entre pensamento e linguagem permitem saltos qualitativos no
estabelecimento de um vocabulário mais requintado, o que proporciona um pensar
abstrato com possibilidades infinitas de arranjos do próprio pensamento. A capacidade
de interação e socialização são intensificadas e socialmente mediadas pelos professores
e corpo pedagógico, assim como, é na escola, o espaço onde a criança apropria-se da
cultura, e no qual são introduzidas as regras, os jogos e as brincadeiras. Dessa forma,
aprende sobre si e reestrutura sua autoconsciência no contexto social em que se insere,
por meio das relações que estabelece.
A escolarização é um processo de potencialização das relações entre
desenvolvimento e aprendizado, entre pensamento e linguagem, a cada situação ou
conteúdo aprendido alarga-se o desenvolvimento e as capacidades do sujeito, um
processo incessante e infindável que exige paciência pedagógica no seu percurso.
Referências
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OLIVEIRA, Marta Kohl de. “Vygotsky e as complexas relações entre cognição e
afeto”. In: ARANTES, V. A (org.). Afetividade na escola: Alternativas teóricas e
práticas. São Paulo: Summus, 2003.
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