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REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE AS DIMENSÕES SOCIOCULTURAIS DO

APRENDIZADO

Ludimila Caliman Campos

Doutora em História Social (UFES)

Professora Titular de História na FACELI

A relação entre os aspectos socioculturais e o aprendizado humano não é uma

novidade. Há mais de 100 anos, em um contexto de pujança do materialismo

histórico e dialético, o teórico russo Lev Vygotsky já defendia que a interação

social era um aspecto basilar para o processo de aprendizagem, uma vez que o

ambiente social “transferiria” ideias aos seres humanos, que construiriam

internamente novos conceitos em seu próprio campo mental. Profundamente

influenciado pelas formas sociológicas da Psicologia Social, em especial pelo

paradigma do interacionismo simbólico, Vygotsky inovou nos estudos do

aprendizado ao cunhar o conceito de internalização.1 Em A formação social da

mente (1984, p. 41), ele afirma que

1
Segundo Johnson (1995, p.174-175), “os interacionistas estudam a maneira como usamos e
interpretamos símbolos não apenas na comunicação recíproca entre seres humanos, mas para
criar e manter impressões de nós mesmos, forjar o senso de SELF, e criar e manter o que
experimentamos como a realidade de uma dada situação social. Desse ponto de vista, a vida
social consiste em grande parte de um tecido complexo, formado por incontáveis interações,
através das quais a vida assume forma e significado. Uma das questões mais importantes da
teoria interacionista é a relação entre indivíduos e sistemas sociais. Manford Kuhn, por exemplo,
argumentava que a vida social consistia principalmente de redes de status e papéis, que
funcionam como limitações externas aos indivíduos e que, como resultado, molda suas
experiências e comportamentos. Herbert Blumer, contudo, sustentava que sistemas sociais
existem apenas através da interação entre indivíduos, sem os quais não há sociedade. [...] De
fato, experimentamos sistemas sociais, como a sociedade, como externos a nós e nos sentimos
[...] o processo de internalização consiste numa série de
transformações: a) Uma operação que inicialmente representa
uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer
internamente. É de particular importância para o
desenvolvimento dos processos mentais superiores a
transformação da atividade que utiliza signos, cuja história e
características são ilustradas pelo desenvolvimento da
inteligência prática, da atenção voluntária e da memória. b) Um
processo interpessoal é transformado num processo
intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança
aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no
nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e,
depois, no interior da criança (intrapsicológica). Isso se aplica
igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e
para a formação de conceitos. Todas as funções superiores
originam-se das relações reais entre indivíduos humanos. c) A
transformação de um processo interpessoal num processo
intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos
ocorridos ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo
transformado, continua a existir e a mudar como uma forma
externa de atividade por um longo período de tempo, antes de
internalizar-se definitivamente. Para muitas funções, o estágio
de signos externos dura para sempre, ou seja, é o estágio final
do desenvolvimento. Outras funções vão além no seu
desenvolvimento, tornando-se gradualmente funções interiores.
Entretanto, elas somente adquirem o caráter de processos
internos como resultado de um desenvolvimento prolongado.
Sua transferência para dentro está ligada a mudanças nas leis
que governam sua atividade; elas são incorporadas em um novo
sistema com suas próprias leis. A internalização de formas
culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade
psicológica tendo como base as operações com signos. Os

limitados por suas culturas e estruturas. Mas também é verdade que as decisões que tomamos
como indivíduos não podem ser previstas simplesmente na base do conhecimento de nossos
status e papéis, e que, como indivíduos, temos o potencial criativo de afetar a forma dos sistemas
sociais, por menores que sejam esses efeitos.”
processos psicológicos, tal como aparecem nos animais,
realmente deixam de existir; são incorporados nesse sistema de
comportamento e são culturalmente reconstituídos e
desenvolvidos para formar uma nova entidade psicológica. O
uso de signos externos é também reconstruído radicalmente. As
mudanças nas operações com signos durante o
desenvolvimento são semelhantes àquelas que ocorrem na
linguagem. Aspectos tanto da fala externa ou comunicativa
como da fala egocêntrica "interiorizam-se", tornando-se a base
da fala interior. A internalização das atividades socialmente
enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui a aspecto
característico da psicologia humana; é a base do salto qualitativo
da psicologia animal para a psicologia humana. Até agora,
conhece-se apenas um esboço desse processo.

Apesar de Vygotsky ter morrido cedo demais para sistematizar suas ideias (tal

como fez Piaget, por exemplo), ele contribuiu satisfatoriamente para o

desenvolvimento das pesquisas sobre as funções psicológicas superiores, a

relação entre elas e o mundo sociocultural desenvolvida ao longo da História e

a relação estabelecida entre seres humanos e o mundo, que seria mediada por

sistemas simbólicos.

Seguindo uma linha semelhante a Vygotsky, também no campo da Psicologia, o

pesquisador canadense Albert Bandura vai se destacar por criar a chamada

Teoria do Aprendizado Social.

Bandura é o principal fundador da teoria cognitiva social, conhecido por seus

estudos de modelagem sobre agressão no qual ele usou um boneco João Bobo

para compor sua pesquisa. No experimento, os pesquisadores agrediam o

boneco na frente de várias crianças por muitos dias. Em pouco tempo, as


crianças começaram a agredir o boneco também. A referida experiência foi

importante por demonstrar que as crianças podem aprender comportamentos

por meio da observação de adultos.

Na década de 70, Bandura desenvolveu a teoria da autoeficácia, fundamental

para os estudos do aprendizado humano. O constructo da autoeficácia seria

pautado na ideia de que a crença que o indivíduo tem sobre sua capacidade de

executar com sucesso determinada atividade pode afetar suas escolhas e o

desempenho profissional (SANTOS, BARROS, 2010).

Em um artigo intitulado The growing primacy of perceived efficacy in human self-

development, adaptation and change (1994), Bandura entende que as crenças

dos seres humanos a respeito de suas capacidades para produzir determinados

níveis de performance influenciam os fatos que afetam suas vidas. Assim, tais

crenças determinariam como as pessoas se sentiriam, pensariam, e se

comportariam.

Logo, Bandura inovou ao demonstrar que a autoeficácia tem um efeito sobre as

escolhas individuais, bem como a quantidade de esforço usada para empreender

algo e a maneira como é sentida ao fazer esse algo. O teórico percebeu que a

aprendizagem ocorre por meio dessas crenças e da chamada modelagem social,

ou seja, o entendimento que o meio social, a cognição e o comportamento de

uma pessoa interagem entre si e determinam o funcionamento da mente

humana.

Na segunda metade do século XX, o sociólogo francês Pierre Bourdieu

destacou-se por suas reflexões sobre o campo educacional numa perspectiva


estritamente sociológica. Vale destacar que, nesse momento, os estudos

educacionais estavam passando por um período de transição.

Até meados do século XX, inspirada no paradigma funcionalista, pairava um

sentimento otimista quanto a contribuição da escolarização para a resolução dos

problemas econômicos das nações2. A busca por uma sociedade mais justa (no

2
De acordo com Johnson (1995, p.173-174), “em sociologia, a perspectiva funcionalista retroage
principalmente ao trabalho pioneiro de Émile Dukheim, sociólogo francês do século XIX e, neste
século, ao sociólogo americano Talcott Parsons e seus alunos. Suas raízes antropológicas
estendem-se à obra de Bronislaw Malinowski e A. R. Radcliffe-Brown. Esse enfoque estuda
sistemas sociais como um todo, a forma como funcionam, como mudam e as conseqüências
sociais que produzem. Ao analisar ou tentar explicar qualquer aspecto de um sistema social e
suas conseqüências, o funcionalismo formula várias perguntas básicas: de que maneira esse
aspecto se relaciona com outros do sistema? Qual o seu lugar no funcionamento geral do sistema
social? Que tipos de conseqüência dele resultam? De que modo essas conseqüências
contribuem ou interferem no funcionamento do sistema e na realização dos valores sociais sobre
os quais se baseia? Ao estudar a vida familiar, por exemplo, o funcionalista pensa na família
como um sistema social organizado em torno de determinados valores culturais, tais como a
importância de cultivar e socializar os jovens, de prover amor e proteção a seus membros, de
regular o comportamento social, de transmitir a riqueza acumulada na família e, claro, de
perpetuá-la como sistema social. Como qualquer outro sistema, a família pode exibir uma grande
variedade de características que, individual e coletivamente, produzem conseqüências tanto para
membros individuais quanto, mais importante para os funcionalistas, para o sistema como um
todo. As diferenças em características familiares geram grande número de efeitos sobre a família
como sistema. A menos que a esposa tenha meios independentes para se sustentar e aos filhos,
por exemplo, é provável que o divórcio a lance na pobreza, supondo-se que ela fique com a
custódia dos filhos, como em geral acontece. Do ponto de vista funcionalista, essas
conseqüências são avaliadas em termos de seus efeitos sobre o funcionamento e os valores do
sistema. Conseqüências que interferem no sistema e em seus valores são denominadas de
disfuncionais, enquanto que as que contribuem para sua manutenção recebem a designação de
funcionais. Como acontece com o divórcio, aspectos do sistema têm freqüentemente
conseqüências funcionais e disfuncionais. O divórcio, por exemplo, muitas vezes acarreta a
conseqüência disfuncional de interferir nas necessidades materiais dos membros da família, mas
pode produzir também a conseqüência funcional de prover uma solução para condições
destrutivas, como a violência no lar. Os funcionalistas estabelecem ainda uma distinção entre
conseqüências manifestas, que são esperadas, e conseqüências latentes (ou não-antecipadas),
que não são. Uma conseqüência manifesta do modelo de família nuclear fechada, por exemplo,
é que ela pode fortalecer a intimidade emocional, a interdependência e o apoio mútuo,
especialmente entre os cônjuges. Uma conseqüência latente seria que, ao isolar a família das
redes de apoio de parentesco, os fardos emocionais postos sobre cada cônjuge são muito
aumentados, situação esta que pode levar à tensão, ao conflito e à violência. O isolamento
produz o efeito adicional de tornar menos visível o que acontece no seio da família e, portanto,
torná-la menos sujeita ao controle social. Isso pode também tornar mais provável que ocorram
violência e maus-tratos. O funcionalismo sociológico está intimamente relacionado com a
perspectiva estrutural-funcionalista em antropologia, que procura explicar as várias formações
sociais encontradas em sociedades tribais em termos de suas contribuições para a coesão
social. Essa perspectiva tem sido criticada por dar pouca atenção ao conflito e à mudança social
e pela tendência de supor que todos os aspectos dos sistemas sociais têm que estar, de alguma
maneira, ligados às necessidades ou requisitos desse sistema, tais como estabilidade e coesão
sociais ou defesa contra ameaças externas. Esse fato, porém, sobretudo hoje em dia, reflete
uma visão relativamente estreita do potencial do funcionalismo para ampliar o pensamento
sociológico. A duradoura contribuição do funcionalismo e de Durkheim é a concentração nos
sentido meritocrático), moderna (focada no conhecimento científico), e

democrática (inspirada nos princípios liberais), davam o tom do momento. Logo,

a escola pública e gratuita seria tida como uma instituição essencialmente neutra

com a função de garantir a todos os cidadãos as mesmas possibilidades para

competir de maneira justa, social e econômica (NOGUEIRA, NOGUEIRA, 2002).

Todavia, a partir dos anos 60, observamos uma crise no paradigma funcionalista

e uma série de críticas foram tecidas ao sistema educacional vigente,

principalmente quanto a seu papel de promotor da igualdade de oportunidades.

Um dos principais críticos foi Pierre Bourdieu, que se dedicou a estabelecer a

chamada Sociologia da Educação, sob o viés do construtivismo estruturalista. 3

A Sociologia da Educação de Bourdieu só pode ser compreendida a partir do

conceito de capital cultural entendido como

[...] conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados


à posse de uma rede durável de relações mais ou menos

sistemas sociais e na maneira como funcionam, o que nos permite ver que até os aspectos mais
indesejáveis da vida social tais como guerra, racismo, sexismo e outras formas de opressão
estão ligados ao funcionamento, de outras maneiras normal, das sociedades e de suas
instituições. Esses insights são de importância crucial, em especial para indivíduos interessados
em promover a mudança social.”
3
Segundo Johnson (1995, p.113-114), o “estruturalismo é um ponto de vista sobre linguagem
que supõe haver uma ligação direta entre as palavras e o que acreditamos que as palavras
representam. Sexualidade, por exemplo, é um símbolo que indica alguma coisa real e concreta
no mundo externo. Em linguagem sociológica, termos como estrutura social ou cultura indicam
alguma coisa real e concreta que, embora não possamos observar diretamente, afeta
profundamente a vida social, em especial ao limitar e restringir o que pessoas pensam, sentem
e fazem. Combinando os dois termos, a sociologia é uma perspectiva que defende a existência
de estruturas subjacentes inobserváveis, que modelam a vida social e podem ser rotuladas e
compreendidas mediante o uso da linguagem. O pós-estruturalismo, por outro lado, é uma
perspectiva baseada na crença em que palavras indicam não alguma realidade externa concreta,
mas simplesmente outras palavras que usamos para construir a realidade social. Cometemos o
erro de acreditar que essa realidade construída é mais do que é, que tem uma realidade concreta
além das palavras que usamos para construir idéias sobre o que é real. Uma vez que são as
pessoas que inventam e usam palavras, elas trabalham ativamente para construir a realidade
social na qual vivem, em vez de ser meramente limitadas e controladas por uma realidade
externa e subjacente. Há também uma tese intermediária que pede a inclusão de elementos de
ambas as posições, como, por exemplo, que indivíduos tanto modelam como são modelados
pelo ambiente social.”
institucionalizadas de interconhecimento e de
interreconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um
grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados
de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo
observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são
unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998, p.
28).

O capital cultural de Bourdieu engloba a variável educacional e reconhece que o

desempenho escolar não depende apenas das habilidades cognitivas, mas

também da origem social dos alunos. Fazendo uma análise do pessimismo dos

estudantes das camadas médias e populares franceses no pós-guerra, os quais

viveram a massificação do ensino e a desvalorização de seus títulos e diplomas,

Bourdieu observou que havia uma frustação generalizada quanto às

perspectivas de mobilidade social por meio da escola, situação que cooperou

para a eclosão dos movimentos sociais que se avolumaram na França no ano

de 1968.

Em contrapartida, Bourdieu ofereceu uma nova interpretação ao sistema para o

ensino. Onde os funcionalistas observavam ser igualdade de oportunidades,

meritocracia e justiça social, Bourdieu interpretou como sendo reprodução e

legitimação das desigualdades sociais. Para o sociólogo, o sistema educacional

vigente promovia a manutenção dos privilégios aos privilegiados (NOGUEIRA,

NOGUEIRA, 2002).

Em sua obra Escritos sobre a Educação (1998, p. 232), Bourdieu afirma que

Matriz da trajetória social e da relação com essa trajetória [...], a


família é geradora de tensões e contradições genéricas [...] e
específicas [...]. O pai é o sujeito e o instrumento de um "projeto"
(ou, melhor, de um conatus) que, estando inscrito em suas
disposições herdadas, é transmitido inconscientemente, em e
por sua maneira de ser, e também, explicitamente, por ações
educativas orientadas para a perpetuação da linhagem [...].

Herdar seria perpetuar o conatus e tornar-se instrumento do projeto de

reprodução familiar. Se a identificação com o pai e com o seu projeto, constitui-

se numa das condições básicas para a transição da herança, enquanto capital

cultural, ela não seria condição suficiente para o êxito dessa operação, a qual

está subordinada aos ditames das instituições de ensino. Estas, por sua vez,

seriam instituições meritocráticas, reprodutoras de dominação, as quais não

conseguiriam preparar os estudantes para perceber e enfrentar as diversidades

socioculturais.

Para Bourdieu, o problema central estava no fato de que os estudantes teriam

um acesso desigual à cultura segundo a origem de classe. Enquanto os

estudantes provenientes de famílias desprovidas de capital cultural

estabeleceriam uma relação pouco interessada e tensa com as obras da cultura

veiculadas pela escola, os estudantes de famílias culturalmente privilegiadas

teriam mais fluência e desenvoltura com o saber escolar. Tal situação resultaria

exatamente na manutenção dos sistemas de dominação social e,

consequentemente, na manutenção do status quo das classes sociais.

Deste modo, a aprendizagem e o desempenho escolar dos estudantes

encontram-se atrelados tanto ao capital cultural herdado por cada um em suas

famílias quanto pelas desigualdades sociais vivenciadas no ambiente escolar,

que valoriza mais os códigos culturais veiculados pela classe dominante em


detrimento das classes menos favorecidas (AMÂNDIO, 2014). Logo, os

estudantes das classes menos favorecidas sofreriam constantemente violência

simbólica na escola, o que influenciaria, assim, o processo de aprendizagem.

Herdeiro da tradição bourdieusiana, mas sem nunca ter sido aluno de Pierre

Bourdieu, Bernard Lahire dedicou-se principalmente à Sociologia da Educação.

Na sua obra L’Homme Pluriel (1998), Lahire aprofunda a teoria de Bourdieu

abordando uma chamada “sociologia em escala individual”. Segundo o teórico,

os atores sociais agem a partir de determinados contextos de ação singulares

os quais influenciam o meio social. Deste modo, para compreender a vida social

seria necessário fazer uma observação mais fina do meio associada a uma

análise mais detida da individualidade humana.

A Sociologia da Educação de Lahire foi pautada, principalmente, na temática das

“desigualdades escolares”. Fazendo uma crítica a Bourdieu que, segundo

Lahire, estava imerso na luta política por uma educação democrática, o teórico

problematiza a própria historicidade da instituição escolar enquanto espaço de

reprodução social, bem como as condições históricas que permitiram ao diploma

tornar-se um capital cultural.

Lahire (2015, p. 1401) atestou que

Ainda que a natureza dos quadros socializadores “secundários”


investidos pelos indivíduos dependa em parte das disposições
sociais previamente constituídas dentro da família, as pesquisas
realizadas provam que não se pode nunca negligenciar seu
próprio poder de reorientação ou de modificação mais ou menos
forte dos produtos da socialização passada, nem mesmo sua
capacidade de produzir novas disposições mentais e
comportamentais junto àqueles que são levados,
voluntariamente ou por obrigação, a conviver com eles
duradouramente.

No âmbito escolar, então, não se pode desconsiderar as redes de sociabilidade

“secundárias” (instituições sociais, religiosas, esportivas e políticas) uma vez que

elas podem realocar, para mais ou menos, o papel da própria família como

central no processo de aprendizagem do educando.

Na obra Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável (1997),

Lahire aprofunda sua investigação ao pesquisar os “casos de sucesso” e os

“casos de fracasso” de alunos de 8 anos de idade advindos das camadas

populares. O pesquisador buscou as diferenças internas entre as famílias que

justificassem a variação na escolaridade das crianças. Ao fazer uma pesquisa

microssocial, o teórico problematizou as maneiras de tratar esse tipo de

pesquisa, destacando os contextos plurais e heterogêneos encontrados no

mundo social que, muitas vezes, são desconsiderados pela pesquisa

quantitativa. Seguindo a linha de Nobert Elias, Lahire constrói uma análise

relacional e processual da realidade social, afastando-se de qualquer

conceituação generalizante, de modo a concluir que os “fatores sociais”

deveriam ser analisados de maneira interdependente. Entre as conclusões

alcançadas pelo autor no que concerne à aprendizagem, destacamos as

seguintes: não há um estilo familiar único que garanta o sucesso do aluno na

escola (nesse caso, o sucesso seria a conclusão dos estudos); o próprio

estudante/filho interioriza ainda na infância as razões pelas quais ele necessita

aprender, mas quanto mais ele tem isso interiorizado, menos necessidade de

advertência externa quanto ao assunto ele terá; as famílias com pais portadores
de um capital cultural condizente com a cultura escolar nem sempre conseguem

transmiti-lo aos seus filhos.

Vale destacar que os estudos de Lahire inovaram por avançar e problematizar

as pesquisas sociológicas sob a matriz bourdieusiana e ainda por problematizar

o próprio fazer das Ciências Sociais que, muitas vezes, está centrado nas

oposições conceituais, tais como individuo/sociedade e

subjetivismo/objetivismo.

O percurso teórico demonstrou que tivemos muitos avanços quanto aos estudos

dos aspectos socioculturais do aprendizado exatamente quando ocorreu a

confluência entre Psicologia e as Ciências Sociais. Todavia, ainda é fundamental

desenvolver novas pesquisas sobre a os aspectos socioculturais do aprendizado

que dialoguem de maneira crítica com os enfoques teóricos aqui tratados, a fim

de superar as lacunas e ambiguidades a partir de pesquisas empíricas e da

construção de arcabouços conceituais mais balizados.

Referências

AMANDIO, S. O fio constitutivo da sociologia empírica de Bernard Lahire.

Sociologia: problemas e práticas, n. 76. 2014, p. 33-49.

BANDURA, A. The growing primacy of perceived efficacy in human self-

development, adaptation and change. In: SALANOVA, M. et al. (Ed.). Nuevos

horizontes en la investigación sobre la autoeficacia. Castelló de la Plana:

Publicacions de la Universitat Jaume I, D.L., 2004. p. 33-51. Disponível em:

<http://www.des.emory.edu/mfp/NuevosHorizontes>. Acesso em: 28 set. 2007.


SANTOS, A. C. B.; BARROS, M. Por dentro da autoeficácia: um estudo sobre

seus fundamentos teóricos, suas fontes e conceitos correlatos. Revista Espaço

Acadêmico. n. 112. 2010. p. 1-9.

BOURDIEU, Pierre. Escritos em Educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

JOHNSON, A. G. Dicionário de Sociologia. São Paulo: Editora Martins Fontes,

1995.

LAHIRE, Bernard. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do

improvável. São Paulo: Ática, 1997.

______. A fabricação social dos indivíduos: quadros, modalidades, tempos e

efeitos de socialização. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, 2015, p.

1393-1404.

______. L’Homme Pluriel. Paris: Nathan.1998.

NOGUEIRA, C, M. M; NOGUEIRA, M. A. A Sociologia da Educação de Pierre

Bourdieu: limites e contribuições cláudio marques martins nogueira. Educação

& Sociedade, ano XXIII, n. 78, 2002.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

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